Dissertação Mariana Silva Mancilha

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS

MARIANA SILVA MANCILHA

DIMENSÕES EDUCACIONAIS NAS PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO CORAL:


ESPAÇO DE FORMAÇÃO HUMANA E DE RESSONÂNCIAS AFETIVAS

ALFENAS/MG
2022
2

MARIANA SILVA MANCILHA

DIMENSÕES EDUCACIONAIS NAS PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO CORAL:


ESPAÇO DE FORMAÇÃO HUMANA E DE RESSONÂNCIAS AFETIVAS

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para a


obtenção do título de Mestre em Educação, pela
Universidade Federal de Alfenas. Área de concentração:
Estudos em Educação: fundamentos, teorias pedagógicas
e desenvolvimento humano. Orientador: Luís Antonio
Groppo.

ALFENAS/MG
2022
Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal de Alfenas
Biblioteca Central

Mancilha, Mariana Silva.


   Dimensões educacionais nas práticas coletivas de canto coral : Espaço
de formação humana e de ressonâncias afetivas / Mariana Silva Mancilha. -
Alfenas, MG, 2022.
   81 f. : il. -

   Orientador(a): Luís Antonio Groppo.


   Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Alfenas,
Alfenas, MG, 2022.
   Bibliografia.

   1. Práticas coletivas de canto coral. 2. Educação não formal. 3.


Ressonâncias afetivas. 4. Etnomusicologia. 5. Formação humana. I. Groppo,
Luís Antonio, orient. II. Título.

Ficha gerada automaticamente com dados fornecidos pelo autor.


02/08/2022 15:11 SEI/UNIFAL-MG - 0785584 - Folha de Aprovacao

MARIANA SILVA MANCILHA


 
 
DIMENSÕES EDUCACIONAIS NAS PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO CORAL: ESPAÇO DE FORMAÇÃO HUMANA E DE
RESSONÂNCIAS AFETIVAS​
 
 
 
A Banca examinadora abaixo-assinada aprova a
Dissertação apresentada como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestra em Educação  pela
Universidade Federal de Alfenas. Área de concentração:
Fundamentos da Educação e Práticas Educacionais. 
 
Aprovada em: 29 de julho de 2022
 
Prof. Dr. Luís Antonio Groppo
Instituição: Universidade Federal de Alfenas UNIFAL-MG
 
Prof. Dr. Luís Ricardo Silva Queiroz
Instituição: Universidade Federal da Paraíba UFPB-PB
 
Prof. Dr. André Luiz Sena Mariano
Instituição: Universidade Federal de Alfenas UNIFAL-MG
 

Documento assinado eletronicamente por Luis Ricardo Silva Queiroz, Usuário Externo, em
01/08/2022, às 13:15, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do
Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

Documento assinado eletronicamente por Luis Antônio Groppo, Professor do Magistério Superior,
em 01/08/2022, às 15:46, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do
Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

Documento assinado eletronicamente por André Luiz Sena Mariano, Professor do Magistério
Superior, em 01/08/2022, às 15:48, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º,
§ 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Luís Antônio Groppo, meu orientador, por acreditar na pesquisa, por
acreditar em mim, desde o pré-projeto até as linhas finais desta Dissertação. Agradeço por sua
intensa dedicação e disponibilidade para a construção deste trabalho e aos frutuosos diálogos
e aprendizados vividos durante essa caminhada árdua e intensa. Mesmo não nos encontrando
de forma presencial, por causa da pandemia, superamos o desafio de ter uma próspera
parceria.
Ao Prof. Dr. Luis Ricardo da Silva Queiroz, pela disponibilidade e dedicação para
trazer toda a sua formação musical, em seus estudos sobre educação musical e
etnomusicologia para o trabalho. Isso possibilitou um desenvolvimento substancial do diálogo
entre música e educação. Ouvir as suas considerações foi um privilégio para a pesquisa.
Ao Prof. Dr. André Luiz Sena Mariano, pela disponibilidade e dedicação em trazer
suas contribuições críticas e humanizadas para a pesquisa. Obrigada por sua amizade tão
frutuosa. Sua humanidade e ternura ultrapassam as esferas acadêmicas e chegam até nossos
corações.
Ao Prof. Dr. Frederico Augusto Toti, coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Alfenas, que foi atencioso e conduziu com a maior
tranquilidade possível os questionamentos do início da pandemia, além da disponibilidade
quando foi necessária.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Alfenas,
por ter me acolhido para essa nova formação acadêmica na minha vida, além dos esforços
voltados para superar as dificuldades impostas pela pandemia, em especial no começo em que
tudo era muito novo e indefinido.
Aos colegas mestrandos e mestrandas e aos que já são mestres e mestras, por vivermos
juntos o turbulento período pandêmico, que afetou diretamente o nosso trabalho, a nossa vida
acadêmica, a nossa saúde mental. Ver que cada colega está defendendo a sua dissertação traz
o sentimento de superação e de gratidão pelos aprendizados vividos dentro e fora das
disciplinas acadêmicas. Agradeço em especial a Maria Francielle Morais e Douglas Franco
Bortone que compartilharam de forma mais intensa as dificuldades e as vitórias durante o
mestrado.
Ao Elvis, meu esposo, por ter me apoiado de forma incondicional, por ter vivenciado
comigo um grande misto de emoções durante essa trajetória. Seu exemplo como professor,
pesquisador e a sua escrita tão instigante mostram que a minha caminhada acadêmica está
4

apenas começando. Você é um ser humano que pulsa amor, gratidão e dedicação. É uma
preciosidade da vida, da fé e do amor compartilhar cada momento da história com você!
Aos meus pais João e Wanízia, pelo dom da vida, por todos os ensinamentos
dedicados à minha educação e pelo apoio em cada sonho realizado. Ao meu irmão João
Pedro, que é exemplo de persistência e de esforço, especialmente nos estudos, e que me
motiva a ser uma pessoa melhor.
A Deus, a quem me conecto através da fé, por seu amor que me impulsiona para
realizar meus sonhos ou mesmo para modificá-los.
Ao Seu Geraldo, in memorian, que vivenciou as diferentes emoções das práticas
coletivas de canto na cidade de São Lourenço-MG, que comemorou o fato de ter parado de
fumar para cantar melhor no grupo. Seus abraços mostravam que a alegria de cantar ia para
além das notas musicais. Uma grande tristeza a covid ter levado uma vida tão pulsante, que
ainda queria viver muito mais. Mas que ainda continua vivendo dentro de cada pessoa que
conviveu e cantou com ele.
A todas as pessoas que compartilham da alegria do cantar em grupo e as muitas
amizades que construí através do cantar. Ao Rodrigo Lopes, Cyro Costa e Elvis Rezende
Messias, regentes dos grupos em que participei, fica a gratidão por tantos aprendizados em
diferentes fases da minha vida.
A todas as pessoas que cantam na vida e ressoam suas afetividades na vida que
cantam.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
5

Afinal, minha voz sou eu fora de mim, é meu corpo difundido pelo espaço, entregue a outro,
penetrando-lhe até a alma pelos ouvidos, e podendo misturar-se de maneira mais íntima (até o
ponto da fusão – permanecendo intacta a distinção) com outras vozes inteiramente diferentes.
(HADJADJ, 2015, p. 394)
6

RESUMO

Compreender as relações entre as práticas coletivas de canto coral em seu viés antropológico
e a educação não formal como espaço de formação humana é o principal objetivo da presente
dissertação, cuja metodologia fundamentou-se em pesquisa bibliográfica. Em um primeiro
momento, busca-se analisar como as referências bibliográficas indicam possíveis
contribuições do canto coral para a vida das pessoas. Para tanto, trazemos definições e
considerações sobre práticas coletivas de canto, educação, educação não formal e formação
humana. Na sequência, a identificação de alguns aspectos antropológicos e culturais que
atuam no canto coral vinculados à educação é o foco. Ali são evidenciados diálogos na
perspectiva da formação cultural, relacionando educação, antropologia e etnomusicologia. Por
fim, objetivou-se refletir como a educação não formal pode contribuir para a formação
integral do ser humano, com enfoque na prática coral como singular instrumento formativo. A
perspectiva é que a confluência entre os três capítulos do trabalho se destaque, assim como se
procurou evidenciar a relação diálogo-confronto das ressonâncias afetivas que ecoam nas
relações educacionais como um todo e nas relações das práticas coletivas de canto coral, que
consideramos ser um aspecto educacional de singular relevância para os dias de hoje.

Palavras-chave: Práticas coletivas de canto coral; Educação não formal; Ressonâncias


afetivas; Etnomusicologia; Formação humana.
7

ABSTRACT

Understand the relationship between collective practices of choral singing in their


anthropological perspective and non-formal education as a space for human formation is the
main objective of this dissertation, whose methodology was based on bibliographic research.
At first, it seeks to analyze how the bibliographic references indicate possible contributions of
choral singing to people's lives. For that, we bring definitions and considerations about
collective singing practices, education, non-formal education and human formation. Next, the
focus is the identification of some anthropological and cultural aspects that act in choral
singing linked to education. Dialogues were evidenced from the perspective of cultural
formation, relating education, anthropology and ethnomusicology. Finally, the objective was
to reflect on how non-formal education contributes to the integral formation of the human
being, focusing on choral practices as a unique training instrument. The perspective is that the
confluence between the three chapters of the work stands out, as well as the dialogue-
confrontation relationship of the affective resonances that echo in educational relationships as
a whole and in the relationships of collective choral singing practices, which we consider to
be an aspect education of singular relevance for today.

Keywords: Collective choral singing practices; Non-formal education; Affective resonances;


Ethnomusicology; Human formation.
8

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10
2 DIMENSÕES EDUCATIVAS DO CANTO CORAL: DEFINIÇÕES E
CONSIDERAÇÕES ...................................................................................................14
2.1 AS PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO CORAL: DEFINIÇÕES,
ORGANIZAÇÕES E PRÁTICAS ...............................................................................14
2.2 AS PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO CORAL: LIMITAÇÕES E
DESAFIOS PONTUAIS ..............................................................................................27
2.3 PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO E A EDUCAÇÃO: DEFINIÇÕES E
CONSIDERAÇÕES .....................................................................................................29
2.4 EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: REFLETINDO SOBRE OS
DIFERENTES ESPAÇOS DE FORMAÇÃO HUMANA ..........................................32
3 O CANTO CORAL NA EDUCAÇÃO MUSICAL E A FORMAÇÃO
CULTURAL ...............................................................................................................39
3.1 DIÁLOGOS COM A ETNOMUSICOLOGIA, ANTROPOLOGIA E
EDUCAÇÃO ................................................................................................................39
3.2 DIÁLOGOS CULTURAIS, PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CULTURAS
POPULARES ...............................................................................................................44
3.3 O “ENCONTRO” PARA CANTAR COMO POSSIBILIDADE DE OUVIR
“A VOZ DE VIDA” E A “VOZ DE CANTO” DE CADA PESSOA: VOZES
POÉTICAS, CANTADAS E FALADAS ....................................................................49
3.3.1 Relação entre eu e o outro: o conhecimento e a interação entre os coralistas ......49
3.3.2 O canto coral nos ensaios ...........................................................................................51
3.3.3 O canto coral nas apresentações ...............................................................................54
4 “RESSONÂNCIAS AFETIVAS” DO CANTO CORAL .......................................59
4.1 O CANTO CORAL COMO INSTRUMENTO PARA O “ECOAR” DAS
“RESSONÂNCIAS AFETIVAS” ................................................................................59
4.1.1 As ressonâncias afetivas como parte “das entrelinhas” do canto coral .................59
4.1.2 O “diálogo-confronto” das ressonâncias afetivas no canto coral ...........................63
4.2 AS “RESSONÂNCIAS AFETIVAS” NO CANTO CORAL E A EDUCAÇÃO NA
PERSPECTIVA DA COMPREENSÃO HUMANA ...................................................64
4.2.1 A compreensão humana e a educação: diálogos com a antropologia da
educação e a etnomusicologia ....................................................................................64
9

4.2.2 “Cantar junto vai muito além...”: um diálogo com as “ressonâncias


afetivas” ......................................................................................................................69
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................74
REFERÊNCIAS .........................................................................................................77
10

1 INTRODUÇÃO

Nas primeiras linhas do texto, é preciso escrever sobre como foi a trajetória da
pesquisa e da pesquisadora, desde a necessidade de se pesquisar o tema até a realização das
atividades do Mestrado. Após essa pequena incursão serão feitos os diálogos importantes com
o tema da pesquisa e com as reflexões específicas de cada capítulo.
Ao adentrar no cotidiano das práticas coletivas de canto coral, é possível identificar a
existência de muitas vozes em diferentes grupos cantando em vários espaços. Seus
integrantes, chamados de coralistas, participam dos grupos também por distintas finalidades.
Sobre isso, vale destacar que adentrei no cotidiano de diferentes corais, que fui
coralista durante a infância, adolescência e vida adulta e por essa experiência ter sido tão
importante para a minha formação humana, com interações intensas com pessoas tão diversas
de mim, senti a necessidade de pesquisar sobre esse tema1. Pois o canto coral que começou na
infância como “algo para passar o tempo” foi se transformando numa “ressonância afetiva”
intensa pelo canto coral, numa admiração pelos colegas coralistas e pelo regente, num
momento coletivo de união de “pessoas que emitem essas vozes” (DIAS, 2011).
No momento em que fui aprovada no Mestrado houve uma alegria intensa. Porém,
poucos dias após a matrícula, a Covid-19 fez com que praticamente todo processo da pós-
graduação fosse feito de forma virtual. Um período difícil, com adaptações forçadas para que
o Mestrado continuasse seus trabalhos.
Vale ressaltar que hoje estamos num momento diferente da pandemia, com as
atividades presenciais praticamente retomadas e a maioria das pessoas vacinada. Porém a
doença continua infectando e matando as pessoas.
Realizar a pesquisa durante esse período tão turbulento, e que no início era cheio de
incertezas, trouxe desgastes físicos e mentais. Fazer com que a pesquisa ainda se tornasse
pulsante, mesmo diante das nuances da pandemia, foi um dos grandes desafios.
O tema da pesquisa envolve o canto coral em suas dimensões educacionais. Pois “[...]
apesar de manifestação comumente presente no meio musical, é ainda um tema pouco
explorado em suas vertentes sociais e educacionais” (FUCCI AMATO, 2007, p. 75). Um
tema pouco explorado que precisa ser mais pesquisado, pois o canto coral não está

1
Apesar de vivenciar o canto coral por um bom tempo, a necessidade de pesquisar sobre o tema veio de um
diálogo com o Seu Geraldo (in memorian), coralista do coral em que participava, quando ele comentou que
tinha parado de fumar para poder cantar melhor. Ele disse isso de uma forma espontânea e estava muito feliz
ao contar aquela notícia. Essa conversa ficou na minha mente e posso dizer que esse já foi o início da minha
pesquisa.
11

relacionado somente à técnica vocal ou às metodologias do cantar em grupo, mas está ligado
aos coralistas que cantam e aos seus diversos aprendizados no cantar. Pois, tanto os
aprendizados técnicos (canto, notas, leitura de letras ou partituras, entre outros) quanto
aprendizados “além do canto” (interação social, formação humana, entre outros) precisam ser
observados e pesquisados como elementos importantes que se complementam, que dialogam
com a formação humana integral das pessoas que estão assumindo o compromisso de cantar
em grupo.
Outro aspecto que deve ser destacado é que o canto coral muitas vezes faz parte de
vivências “improvisadas”, com ensaios sem planejamento, ou um repertório sem uma análise
criteriosa e com definições engessadas de repertório. Lakschevitz (2020) ressalta que “a
escolha das peças a ser cantada por um grupo, que é prerrogativa dos regentes, pode
determinar uma série de questões relativas àquele trabalho, alterar seu andamento, propor
novos caminhos ou mesmo bloqueá-los” (LAKSCHEVITZ, 2020, p. 1).
Por isso, lidar com o canto coral no “improviso” é abafar as potencialidades de maior
compreensão das interações humanas nessa atividade e dos diferentes aprendizados que
podem vir daquele contexto. Muito distante de uma perspectiva improvisada, Figueiredo
(1990) destaca, há mais de 30 anos, que o canto coral precisa estar fundamentado na
organização2, aplicação3 e avaliação4.
Assim, a pesquisa faz diálogos sobre as dimensões educacionais das práticas coletivas
de canto, em especial, as práticas coletivas no formato de canto coral. As vivências do cantar
em grupo se mostram menos ou mais intensas em diferentes espaços educacionais. Por isso,
um dos trabalhos da presente dissertação é a diferenciação entre os conceitos de educação
formal, não formal e informal, dando destaque ao segundo tipo e ressaltando que a educação
formal não é o único espaço em que a educação acontece.
A educação não formal se encontra ainda em processo de reconhecimento de sua
relevância acadêmica, o que tem levado a certa desvalorização e invisibilidade, não sendo
reconhecida como parte integrante e importante da educação. Pois a educação não formal
“[...] tem a sua força justamente na sua capacidade de abrir as ciências da educação e a
sociologia da educação para considerar distintos e emergentes modos de educação, diversos
[...] [daquela] estritamente escolar” (GROPPO, 2013, p. 100).

2
A organização é uma etapa anterior ao ensaio, é construída a partir das propostas que se pretende apresentar ao
grupo. (FIGUEIREDO, 1990, p. 20).
3
A aplicação é a etapa onde as propostas da organização do ensaio são realizadas. (FIGUEIREDO, 1990, p. 20).
4
A avaliação é uma etapa posterior ao ensaio, tem por objetivo verificar as etapas anteriores bem como fornecer
subsídios para a preparação dos ensaios seguintes. (FIGUEIREDO, 1990, p. 20).
12

“Queremos reafirmar nossa opção por não confinar estudos no espaço escolar - passar
do estudo do cotidiano da escola para a educação do cotidiano que cerca a escola” (ROCHA;
GILMAR, 2009, p.137). A partir dessas discussões, é preciso compreender como o canto
coral tem dialogado e impactado em diferentes dimensões as interações humanas e sociais de
seus praticantes.
Por isso, diante dessas provocações, a presente dissertação tem como objetivo
principal compreender as relações entre as práticas coletivas de canto coral em seu viés
antropológico e a educação não formal como espaço de formação humana. Os objetivos
específicos são: 1) analisar como as referências bibliográficas indicam possíveis contribuições
do canto coral para a vida das pessoas; 2) identificar alguns aspectos antropológicos e
culturais que atuam no canto coral vinculados à educação; 3) analisar como a educação não
formal pode contribuir para a formação integral do ser humano; 4) analisar como as práticas
coletivas de canto coral podem ser um instrumento de desenvolvimento pessoal e social
inserido no espaço da educação não formal.
No que se refere à metodologia, o presente trabalho é uma pesquisa de abordagem
qualitativa em que “o ambiente natural é fonte direta para coleta de dados, interpretação de
fenômenos e atribuição de significados” (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 128).
Quanto à natureza, a pesquisa é básica/teórica, voltada para as discussões conceituais e
teóricas sobre o tema que “objetiva gerar conhecimentos novos úteis para o avanço da ciência
sem aplicação prática prevista” (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 51). Para Demo (2000)
está ligada a “reconstruir teoria, conceitos, ideias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em
termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos” (DEMO, 2000, p. 20).
Quanto ao procedimento, é uma pesquisa bibliográfica, que “é desenvolvida com base
em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL,
2002, p. 44). Ainda segundo Gil, “embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo
de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes
bibliográficas” (GIL, 2002, p. 44).
Em relação aos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, que de acordo com
Gil (2002) “têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas
a torná-lo mais explícito ou a constituir hipóteses” (GIL, 2002, p. 41). Para isso é necessário
“coletar o maior número possível de informações sobre [o objeto de pesquisa], para que se
possa ter uma noção preliminar sobre sua história, sobre seu desenvolvimento, sobre seus
problemas presentes, sobre os seus impasses e possibilidades etc.” (GROPPO; MARTINS,
2009, p.13).
13

Assim, para fazer uma exploração coerente com o tema e com os objetivos a serem
atingidos, a dissertação está estruturada conforme as explicações dos parágrafos seguintes.
No primeiro capítulo, apresentaremos uma pequena reflexão sobre o canto no
cotidiano, na ligação com as expressões emocionais das pessoas. A seguir, adentraremos nas
práticas coletivas de canto coral fazendo um pequeno recorte sobre o tema em alguns
momentos da história, e nas características principais da rotina de cantar em grupo. Depois
analisaremos o conceito de educação, em especial o de educação não formal e, na parte final,
o diálogo entre o canto coral e a educação não formal. Esse primeiro capítulo apresenta uma
imersão nas práticas coletivas de canto coral, para depois compreender como o canto de forma
coletiva está em diálogo com a educação não formal.
No segundo capítulo, o canto coral será discutido na área da educação musical ligada à
formação cultural e humana. Aqui serão imprescindíveis diálogos com a etnomusicologia, a
antropologia e a educação, destacando alguns conceitos culturais e a intencionalidade
pedagógica presente em diferentes espaços do cotidiano. Por fim, apresentaremos alguns
depoimentos dos coralistas, colhidos através da pesquisa bibliográfica, nas suas opiniões
sobre o canto coral e de como absorvem e expressam esse tipo de cantar em suas vidas. Esse
segundo capítulo tem finalidade de debater conceitos educacionais, culturais, antropológicos e
etnomusicológicos em diálogo com a prática coral, seja nos momentos de interação entre os
coralistas, nos ensaios ou mesmo nas apresentações.
No terceiro capítulo exploraremos o diálogo com o conceito de ressonância afetiva
partindo do conceito de ressonância vocal, destacando o conceito de afetividade e a atuação
da ressonância afetiva no canto coral. A seguir, teceremos um diálogo entre a compreensão
humana, a antropologia da educação e a etnomusicologia, ressaltando aspectos dessas áreas
em diálogo com a prática coral. Por fim, serão retomados os aspectos mais importantes dos
capítulos anteriores para compreender melhor a abrangência da educação não formal e do
canto coral.
Esse terceiro capítulo analisa a dimensão humana e educacional do canto coral, num
encerramento da dissertação que une diferentes diálogos numa perspectiva que deseja ir “para
além” do que está dado. A dissertação se encerra com Considerações finais que sintetizam os
principais resultados desta dissertação.
14

2 DIMENSÕES EDUCATIVAS DO CANTO CORAL: DEFINIÇÕES E


CONSIDERAÇÕES

O presente capítulo irá apresentar alguns aspectos do canto no cotidiano, ressaltando a


expressão das emoções através dele. A seguir, será refletido sobre as práticas coletivas de
canto coral num recorte de alguns momentos da história, e também destacando algumas
características da rotina da prática de canto em grupo. Será apresentado o conceito de
educação, em especial o de educação não formal, e, na parte final, o diálogo entre o canto
coral e a educação não formal.

2.1 AS PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO CORAL: DEFINIÇÕES,


ORGANIZAÇÕES E PRÁTICAS

O coral é uma atividade eminentemente prática. Toda


informação teórica só terá sentido quando facilitar a
aprendizagem musical. (FIGUEIREDO, 1990, p. 33).

Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno


aprendiz. (GONZAGUINHA, 1982).

Nesse capítulo é preciso fazer algumas reflexões iniciais sobre como o cantar está
intrínseco em cada ser humano. Pois cada pessoa se conecta ao canto tanto de forma
individual quanto coletiva, desde vozes que são emitidas para expressar ou extravasar
sentimentos ou relembrar momentos especiais. Esse tipo de cantar “despreocupado” está mais
relacionado com as emoções vivenciadas nas músicas do que com os aspectos técnicos da voz
como a emissão vocal, o ritmo, a melodia, a afinação, entre outros. Sobre esses termos
musicais é importante ressaltar, ainda que de forma breve, como funciona a voz humana:

O fator essencial na produção do som é o movimento resultante de um corpo


vibratório, gerando ondas de compressão no ar. A voz humana funciona segundo
esse mesmo princípio; o som é produzido pela vibração de duas minúsculas cordas
vocais situadas na nossa laringe. Essas cordas são postas em vibração pelo ar
expelido em nossos pulmões. A altura do som produzido depende da tensão das
cordas vocais. Quanto mais tensas as cordas vocais estiverem, mais elevada será a
altura do som e vice-versa. O som é reforçado pelas cavidades bucal, nasal e
craniana, que servem como caixas de ressonância. A qualidade da voz depende da
qualidade e flexibilidade das cordas (KÁROLYI, 2015, p. 141).
15

Por essa definição se percebe o quão complexo é o processo de cantar, inclusive do


ponto de vista fisiológico, já que envolve vários órgãos e músculos do corpo, sendo a voz
produzida e ressonada através das caixas de ressonância, tendo como instrumento musical
completo, o próprio corpo. Por isso a saúde vocal é importante na prática do canto. Fucci
Amato (2009) destaca que o “cantar em um coro é relevante na perspectiva da manutenção de
um corpo saudável e apto para a prática do canto, quer seja profissional, quer seja como meio
de expressão, integração, motivação ou lazer” (FUCCI AMATO, 2009, p.105-106).
Como o canto coral depende de um instrumento interno que é o próprio corpo, o
cantar foi e é mais acessível a diferentes povos do mundo em muitos momentos da história e
que também assume diferentes funções: para se distrair cantando com os outros, para
vivenciar melhor os rituais dos povos, como forma de terapia, entre outros. Pessoas de
diferentes faixas etárias, de tantos lugares e que encontram no canto tantos benefícios.
O que se destaca no cantar é a variedade de “pequenos encontros” que as pessoas têm
com a música e com o seu canto, desenvolvendo uma conexão emocional da pessoa com ela
mesma e da pessoa com as outras que a escutam. Uma conexão que pode ser mais ou menos
intensa, dependendo das vivências musicais das famílias e das comunidades em que estão
inseridas. Ao cantar para si mesmo no chuveiro ou ao cantar ao mesmo tempo para si e para
um público imenso, o canto está ligado a essas pessoas que cantam e que escutam esse canto,
seja de forma direta ou indireta, em especial se o cantar dessas músicas estiver ligado a
sentimentos, emoções e situações marcantes. Retomando a palavra “encontros”, as práticas
coletivas de canto estão relacionadas aos encontros, tanto no sentido concreto do estar com
outras pessoas de forma coletiva para cantar, como também no sentido abstrato, relacionados
aos aspectos emocionais, culturais, sociais e educacionais.
O cantar em grupo, no sentido concreto e no sentido abstrato desse encontro, é uma
forma de conhecer e dialogar com os outros, explorando as possibilidades de aprendizagens,
tanto com o regente, quanto com as pessoas participantes do canto coral.
Vale ressaltar que o canto em grupo envolve muitas práticas coletivas de canto, e
dentre elas está em destaque nessa pesquisa, a prática no formato de canto coral. Mesmo esse
conceito estando ligado à “naturalização do imaginário do invasor europeu, a subalternização
epistêmica do outro não-europeu e a invisibilização de processos históricos não-europeus”.
(ABIB, 2019, p. 8), além de estar relacionado com os aspectos da religião cristã.
Vale destacar que a intenção desse texto não é aprofundar a discussão sobre a origem
dos termos e, sim, aprofundar a respeito das funções do canto coral, em especial nos espaços
de educação não formal.
16

Como esse texto tem a intenção de olhar para o canto numa perspectiva de ouvir
diferentes vozes, não havendo a imposição de apenas “uma voz conceitual”, é importante a
utilização do conceito de práticas coletivas de canto, para depois adentrar ao formato do canto
coral dentro das práticas coletivas de canto. Isso irá abarcar as necessidades dessa pesquisa.
Na prática do cantar é preciso alguns recursos, tais como: instrumentos de apoio para o
coral e também de outros materiais (partituras, estantes de partitura, recursos de áudio, entre
outros). Mesmo com esses “apoios” voltados para o cantar, vale ressaltar que a essência das
práticas coletivas de canto coral está no ser humano. São pessoas que cantam (os coralistas) e
que olham para uma pessoa que vai orientar, reger esse grupo nos ensaios e nas apresentações
(o regente). O canto, tanto de forma individual quanto de forma coletiva, está ligado de forma
intrínseca ao ser humano, porque a voz é produzida e o som é ressonado através do próprio
corpo, que emite um timbre ao cantar e esse timbre é único, é a “digital” de quem canta.
Figueiredo (2010) destaca que o canto coral:

[...] deveria ser sempre uma experiência de desenvolvimento e crescimento,


individual e coletivo: o desenvolvimento da musicalidade e da
capacidade de se expressar através de sua voz; a possibilidade de vir a executar
obras que tocam tanto no cognitivo quanto no coração, ensejando o crescimento
intelectual e afetivo do cantor e de outros agentes envolvidos; o desenvolvimento da
sociabilidade e da capacidade de exercer uma atividade em conjunto, onde existem
os momentos certos para se projetar e se recolher, para dar e receber
(FIGUEIREDO, 2010, p. 4).

Essa essência do canto coletivo está no ser humano que canta e, ao mesmo tempo, nos
seres humanos que se unem ao cantar. Ou seja, no seu corpo e ao mesmo tempo em vários
corpos que cantam em conjunto. Sobre esse tema os autores Ordás e Martínez ressaltam a
definição de

corpos musicais, onde incluímos a noção de fazer música juntos de forma


principalmente vocal – embora não exclusivamente –, e podemos falar de uma guia
ou uma condução da interpretação que está representada na figura do regente que,
embora tradicionalmente visto como um agente externo a esse corpo, nas origens do
coro surge como parte do grupo desde de seu interior e, assim, se constitui como
uma das partes do corpo5 (ORDÁS; MARTINEZ, 2018, p. 3. Tradução nossa).

5
Podríamos mejor hablar de cuerpos musicales, donde incluimos la noción de hacer música juntos de manera
principalmente vocal —aunque no exclusivamente—, y podemos hablar de una guía o una conducción de la
interpretación que está representada en la figura del director que, si bien tradicionalmente se lo ve como agente
externo a ese cuerpo, en los orígenes del coro nace como parte del grupo desde adentro y, así, se constituye
como una de las partes del cuerpo. (ORDÁS; MARTINEZ, 2018, p. 3).
17

Esses corpos musicais que carregam em si seus próprios instrumentos musicais tornam
a experiência de cantar além de fisiológica e técnica, uma experiência emocional, social,
cultural e educacional.
Aliás, os instrumentos musicais externos6 são preciosas ferramentas de aprendizado
que são utilizados em bandas sinfônicas, orquestras e pequenos grupos, e também há alguns
instrumentos que servem de apoio aos coralistas, como o violão e o teclado por exemplo.
Portanto, o processo do cantar atua no desvelar gradual da identidade de quem canta e
nas novas descobertas do próprio corpo, por ser um instrumento interno. Ao participar dos
espaços do canto coral abrem- se as possibilidades para ir “lapidando” a sua voz, no
desenvolvimento de habilidades para que essa “digital” esteja ainda mais nítida, trazendo
segurança e motivação a quem canta.
Nesse sentido, quando uma música que foi lançada há muito tempo é gravada
novamente por outra pessoa, o timbre, a interpretação e as expressões ao cantar vão contribuir
para que essa música seja diferente da anterior, dando a ela uma nova “roupagem”, uma nova
identidade. Isso acontece também com os instrumentos que vão trabalhar para que a música
seja diferente, através de um novo arranjo musical, completando essa mudança, mas o canto é
parte essencial nesse processo.
As práticas coletivas de canto estão ligadas ao ser humano, logo, estão ligadas a
diferentes momentos da história, pois “ao servir diferentes interesses, percorreu muitas vezes
caminhos antagônicos. Já serviu a Deus e aos rituais diabólicos, aos reis e aos escravos, aos
países de primeiro mundo, aos povos subdesenvolvidos e às civilizações primitivas, tendo se
perpetuado através dos séculos” (LIMA, 2007, p. 24). Ou seja, mesmo com tantas variações
de função e seguindo caminhos que se antagonizaram, o canto estava presente e sendo
utilizado para diferentes finalidades.
Vale ressaltar que “a mais antiga e a mais natural fonte sonora capaz de produzir
deliberadamente música é a voz humana” (KÁROLYI, 2015, p. 141). Por isso, ao pesquisar
sobre o canto ao longo dos períodos históricos, certamente teriam muitos materiais a serem
analisados e também muitos materiais que se perderam ao longo do tempo ou mesmo que não
foram sequer registrados.
Determinados registros farão parte da discussão do texto numa pequena incursão
histórica sobre o canto em outros países e no Brasil. Esse processo é necessário para
compreender melhor a importância das práticas coletivas de canto em diferentes períodos

6
São instrumentos tocados pelas pessoas que estão fora de seu corpo, tais como: violão, saxofone, flauta,
clarinete e etc.
18

históricos, visualizar algumas mudanças nas épocas citadas e também, refletir sobre a
influência do canto coletivo na vida das pessoas.
Na antiguidade clássica é “na música e na ginástica [que] está baseada, também no
período clássico, a educação dos cidadãos em Creta e Esparta [...] tarefa precípua do estado
[...] ela não se realizava isoladamente como para Aquiles, mas coletivamente, nas tropas
(aghélai) ou nos coros (choròi)” (MANACORDA, 2006, p. 46). Continuando o raciocínio
“através desta iniciação coral e social efetuava-se a preparação dos adolescentes para as
tarefas da vida adulta [...]” (MANACORDA, 2006, p. 46).
“No drama grego da Antiguidade, um coro masculino desempenhava papel essencial
e, nos tempos bíblicos, os coros eram usados no culto judaico. A tradição coral ocidental
começa com o cristianismo antigo, nos séculos II e III” [...] (SILVA, 2014, p. 65).
O que fica em evidência no Império Romano é a “a popularidade de virtuosos
célebres, a existência de grandes coros e orquestras, bem como de grandiosos festivais e
concursos de música” (GROUT; PALISCA, 1988, p. 33-34).
No Renascimento, “embora os compositores tenham começado a se interessar pela
música profana, é ainda na música sacra, escrita sobretudo para a Igreja Católica Apostólica
Romana, onde se encontra as obras de maior destaque” (LIMA, 2007, p. 27-28).
Sobre a prática coletiva de canto no Brasil, “nas tribos de índios brasileiros, o canto
em grupo desempenha até hoje importante papel, sendo praticado entre outros, nos rituais de
iniciação, nos casamentos, funerais e festas” (LIMA, 2007, p. 26). E continua seu raciocínio
dizendo que “esses grupos se unem e através da dança e do canto coletivo utilizado nos
rituais, buscam entrar em sintonia para juntos pedir a proteção de seus deuses” (LIMA, 2007,
p. 26). No período de colonização do Brasil, as práticas coletivas de canto eram realizadas e

de acordo com Renato de Almeida (1942), Mário de Andrade (1987) e José Maria
Neves (1981), no início do século XVI, durante o período de colonização, os jesuítas
formavam coros infantis com os índios, onde entoavam canções. Nessas, as
melodias seguiam a tradição do canto gregoriano e o texto pautava-se na doutrina da
Igreja Católica Apostólica Romana7 (LIMA, 2007, p. 27).

Ainda sobre esse período, vale destacar que, “a música produzida no Brasil colônia
era, sobretudo sacra, uma vez que a responsabilidade pelo ensino musical recaía sobre o clero

7
Como as mulheres eram proibidas de cantar nas igrejas, a execução das partes agudas (soprano), até o século
XVI, era realizada por meninos e as partes de contralto cantadas por homens de vozes agudas ou em falsete.
(LIMA, 2007, p. 27-28).
19

português”. (LIMA, 2007, p. 27) e isso também se estendia na América Latina 8, pois “as
colônias foram reproduzindo os modelos europeus da prática coral geralmente ligada à música
sacra, à liturgia e às irmandades eclesiásticas9” (ORDÁS; MARTINEZ, 2018, p. 6. Tradução
nossa).
Na Itália há o começo da ópera10 e mesmo que “as primeiras peças do género [sic] a
que hoje damos o nome de ópera apenas datem dos últimos anos do século XVI, a ligação
entre música e teatro remonta à antiguidade”. (GROUT; PALISCA, 1988, p. 316). Vale
destacar que, “se excluirmos Veneza, onde se tornou o foco da vida musical, [...] o grosso da
música profana escrita para execução amadorística e profissional era música de câmara, a
maior parte da qual envolvendo vozes” (GROUT; PALISCA, 1988, p. 329).
Seguindo para a Europa para o século XIX, “temos de fazer uma distinção entre as
obras onde o coro é usado como parte de uma estrutura mais vasta e aquelas em que a escrita
coral pretende ser o principal foco de interesse” (GROUT; PALISCA, 1988, p. 584- 585). “A
música coral oitocentista que não se integra numa obra mais ampla divide-se em três
categorias principais: (1) partsongs11 [...] (2) música sobre textos litúrgicos ou destinada a ser
usada nos serviços religiosos; (3) obras para coro (muitas vezes com uma ou mais vozes
solistas) e orquestra” [...] (GROUT; PALISCA, 1988, p. 584- 585).
No Brasil “a corte portuguesa, em fins do século XVIII, dispunha a seu serviço de
músicos de alta qualidade, que tocavam e cantavam nas solenidades ligadas à corte” (LIMA,
2007, p. 30). Porém, “após a independência do Brasil de Portugal, [no século XIX,] o país
passa por um delicado momento de adaptação ao novo regime e, consequentemente [sic], há
um enfraquecimento das manifestações artísticas”12 (LIMA, 2007, p. 32).
Sobre o século XX, “a rádio, a televisão e a fidelidade das gravações estiveram na
origem de um crescimento inédito do público dos diversos géneros [sic] musicais” (GROUT;
PALISCA, 1988, p. 697). Desse modo:

O desenvolvimento de um enorme reportório de música «popular» — utilizamos


aqui este termo num sentido muito amplo, incluindo blues, jazz, rock e as suas

8
Principalmente cantada na língua latina, a prática coral desenvolveu-se, sobretudo, entre o século XVI e início
do século XIX. (ORDÁS; MARTINEZ, 2018, p. 6).
9
[...] las colonias fueron reproduciendo los modelos europeos de la práctica coral ligada generalmente a la
música sacra, la liturgia y las hermandades eclesiásticas (ORDÁS; MARTINEZ, 2018, p. 6).
10
Uma ópera é uma obra teatral que combina solilóquio, diálogo, cenário, acção e música contínua (ou quase
contínua). (GROUT; PALISCA, 1988, p. 316).
11
(Ou seja, canções de estilo homofónico para um pequeno conjunto vocal, com a melodia na voz mais aguda)
ou outras peças corais breves, geralmente com letras profanas, destinadas a serem cantadas a cappella ou com
acompanhamento de piano ou órgão; (GROUT; PALISCA, 1988, p. 584- 585).
12
Em 1831 [...] é extinta a Orquestra da Capela, agora Imperial. Embora o coro tenha sido mantido, esse também
sofreu baixas consideráveis. (LIMA, 2007, p. 32).
20

versões comerciais, bem como a chamada música folclórica, as diversas misturas,


mais ou menos diluídas, de elementos da linguagem musical romântica, os mais
variados géneros hídricos, a música publicitária [...] (GROUT; PALISCA, 1988, p.
697).

Assim, também é importante destacar que “na América do Norte, a música evangélica
desempenhou papel importante nas tradições corais populares com hinos e canções de gospel”
(SILVA, 2014, p. 66). A autora continua o raciocínio dizendo que “a população negra trouxe
um elemento novo para a música coral religiosa, adequando seus hinos à tradição
evangelizadora [...]” (SILVA, 2014, p. 66). E termina dizendo que “concomitantemente, os
movimentos políticos americanos e europeus do séc. XX também encontraram expressão
natural13 na música coral” (SILVA, 2014, p. 66).
O que vale ressaltar nesses recortes da antiguidade até o século XX é que na história
do canto coletivo, da música e em tantas áreas de conhecimento há o enfoque da história
europeia. No Brasil e na América Latina a colonização deixou rastros dolorosos de negação à
cultura dos povos indígenas. Por isso, não se pode considerar essa história como a única
existente, sendo necessário compreender que

o (re) conhecimento de lacunas e de avanços históricos [...] é uma importante base


para analisar o presente e pensar o futuro. Isso implica o entendimento de que se no
passado a colonialidade foi absolutamente dominante, devemos buscar no presente e
no futuro formas decolonais de reagir à sua imposição (QUEIROZ14, 2020, p. 168).

É importante enxergar essas lacunas e reconhecer que os povos colonizados foram


ignorados da história do Brasil. Nesse sentido são importantes os estudos decoloniais15 e os
diferentes autores dedicados a eles. Não é a intenção deste texto aprofundar nessa discussão e
sim reconhecer as lacunas da história para não “cair na armadilha” de reconhecer somente
uma história de um povo como verdadeira e fundamental16.

13
A palavra é utilizada no sentido de que o canto coral foi um reflexo desses movimentos políticos.
14
Ver a obra deste autor “Até quando Brasil? Perspectivas decoloniais para (re) pensar o ensino superior em
música”. (Queiroz, 2020).
15
São muitas as vertentes dos estudos decoloniais, que também possuem outras nomenclaturas, tais como
estudos de(s)coloniais, pós-coloniais, decolonais, contra-coloniais, anticoloniais, dentre outros. Em geral,
questiona-se e confronta-se o processo de colonização e de subalternização operado pela mentalidade
expansionista e imperialista dos europeus no início da modernidade e, posteriormente, dos estadunidenses a
partir de meados do século XVIII sobre os latino-americanos, africanos, asiáticos, negros, índios, mulheres,
crianças, trabalhadores etc., e que permanecem até hoje, se não politicamente, de forma epistemológica,
cultural, econômica e pedagógica. Para uma introdução sobre isso, considerar: Freire (2020), Dussel (1993) e o
recente trabalho publicado no Brasil por Rocha, Magalhães e Oliveira (2020). Os dados completos encontram-
se nas Referências dessa dissertação.
16
É necessária também a discussão do termo “cultura” e “culturas” que será trabalhado no próximo capítulo
deste texto.
21

Assim, “ao estudar a prática do canto coletivo no Brasil verifica-se que embora tenha
vivido momentos de glória e de total falta de apoio oficial, esta prática se manteve presente ao
longo de nossa história” (LIMA, 2007, p. 39).
Através do que foi lido até aqui, mesmo com essas lacunas existentes citadas nos
parágrafos anteriores, percebe- se que o canto está presente na história e que o cantar17
assume várias funções durante os períodos históricos: de estar num concerto junto com a
orquestra, cantando óperas em diferentes peças, cantando nos espaços sagrados dos povos
indígenas, nos espaços religiosos e ouvindo o canto da música popular através das Folias de
Reis e em outras manifestações culturais populares pelo país.
Aliás, sobre as Folias de Reis, Brandão (2019) faz uma pesquisa interessante,
acompanhando as pessoas nos rituais dessa festa popular. Sobre isso, ele destaca que:

Dentre todas, as Folias de Reis, Folias de Santos Reis, ou Companhias dos Três Reis
Santos vivem a viagem ritual mais difundida no Brasil, e provavelmente a mais rica
de ritos e crenças populares. Os devotos e promesseiros saem na noite de Natal ou
na de Ano Novo, e percorrem um território predeterminado entre estradas e casas,
até a tarde do dia seis de janeiro, quando tudo se encerra com uma “Festa dos Três
Reis Santos” (BRANDÃO, 2019, p. 143)

Portanto, as práticas coletivas de canto acontecem em diferentes espaços e com


diferentes funções ao longo da história e na atualidade. São diversos grupos que encontram no
cantar uma forma potente de se “encontrar” como grupo que canta. Dentre esses grupos, nas
práticas coletivas de canto, está o canto coral, uma forma de cantar estruturada em regente-
coralistas, que é o foco das discussões desse texto. Porém, não se deixa de reconhecer a
importância das práticas coletivas de canto em sua diversidade de formas e espaços.
Por fim, essa “viagem” textual foi importante para refletir sobre momentos diferentes
da história das práticas coletivas de canto, ajudando no reconhecimento dessa constante
presença do canto em grupo na música e na história.
Neste momento do texto é necessário adentrar um pouco mais na história do canto
coral, sobretudo no Brasil, pois durante a década de 1970 uma “nova modalidade [...] se
espalhou por todas as regiões do [...] [país] - o coro cênico, mas sobretudo, nasce uma nova

17
“O canto coral é por excelência uma atividade cultural capaz de articular diferenças em prol do coletivo. Esta
característica fez com que essa atividade milenar fosse utilizada em diversos momentos da história, com
finalidades as mais contraditórias possíveis. Embora não possamos saber como era a sonoridade da música na
Antigüidade, sabemos que desde a Grécia Antiga até a atualidade o coro integra a cultura das mais diferentes
sociedades, independentemente de seu estágio de desenvolvimento. Grupos primitivos, sociedades em
desenvolvimento ou pertencentes ao primeiro mundo, todos eles, a seu modo, praticam o canto coletivo.”
(LIMA, 2007, p. 23-24).
22

maneira de cantar tanto no que se refere à qualidade vocal como em relação à postura de
palco” (LIMA, 2007, p. 37).
Sobre o canto coral no final do século XX e no início do século XXI, Dias (2011)
ressalta que “a prática coral passa a ser buscada e desenvolvida pelas mais diversas
sociedades. Os coros surgem de associações de pais e mestres, de instituições de ensino e
saúde, do mundo empresarial, de comunidades de bairros, condomínios e outros contextos”
(DIAS, 2011, p. 11). Ou seja, o canto e está sendo vivenciado por diversos grupos e
atendendo a distintas necessidades. São pessoas se reúnem para cantar com amigos, colegas
de trabalho, familiares, vizinhos e/ou uma mistura de vários grupos.
Depois de compreender um pouco da história do canto coral no Brasil, é necessário
pontuar alguns aspectos do cotidiano dessas práticas, para compreender melhor o trabalho do
canto em grupo.
Vale destacar que para o trabalho do canto coral são necessários alguns
conhecimentos, tais como: o trabalho com a técnica vocal, cuidados com a saúde vocal dos
coralistas, observações sobre a formação dos regentes e a valorização dos ensaios. Fucci
Amato (2007) listou as ferramentas e os objetivos importantes para esse trabalho, conforme o
Quadro 1:

Quadro 1 – Conhecimentos musicais na prática coral. (Continua)

Ferramenta Objetivos
Inteligência vocal Informar noções de fisiologia e higiene
para a conservação da saúde vocal.
Praticar exercícios de propriocepção18
muscular.

Consciência respiratória Informar conhecimentos específicos sobre


o aparelho respiratório e sobre as manobras
de estratégia respiratória para a produção
vocal cantada, desenvolvendo
exercícios práticos.

Consciência auditiva Estudar e praticar técnicas de afinação,


consciência tonal, equilíbrio/ unidade e
consciência rítmica.

18
“A inteligência (entendimento e compreensão) vocal refere-se assim aos cuidados e hábitos de higiene e saúde
vocal, que devem ser praticados pelo cantor, num processo de auto-percepção (propriocepção) refinado e
eficaz.” (FUCCI AMATO, 2007, p. 86).
23

Quadro 1 – Conhecimentos musicais na prática coral. (Conclusão)

Ferramenta Objetivos
Prática de interpretação Corrigir os problemas vocais (passagens
difíceis da partitura) e entender os estilos e
períodos musicais.

Recursos audiovisuais Conhecer repertório por meio da audição


de peças e estilos variados.
Comparar e discutir a música coral a partir
da análise da interpretação de grupos
corais com semelhanças e dessemelhanças.
Avaliar o trabalho desenvolvido (projeção
de ensaios e apresentações do próprio
coro).

Apresentação de pesquisas e debates Gerar interesse pela atividade coral e


desenvolver o senso crítico do coralista em
relação a conceitos musicais.
Fonte: FUCCI AMATO, 2007, p. 83.

Ao refletir sobre o canto coral, tendo como referência os aspectos citados no Quadro 1,
vale ressaltar também que os ensaios são centrais para essa prática, e que “cada etapa de um
ensaio deve ser cuidadosamente planejada e avaliada” (FIGUEIREDO, 1990, p. 13).
Assim, o autor continua o raciocínio dividindo o planejamento em organização,
aplicação e avaliação:

A organização é uma etapa anterior ao ensaio, é construída a partir das propostas que
se pretende apresentar ao grupo. A aplicação é a etapa onde as propostas da
organização do ensaio são realizadas. A avaliação é uma etapa posterior ao ensaio,
tem por objetivo verificar as etapas anteriores bem como fornecer subsídios para a
preparação dos ensaios seguintes (FIGUEIREDO, 1990, p. 20).

Para que os aspectos citados sejam bem desenvolvidos, é fundamental a importância


do regente, pois “[...] é um importante agente modificador. Ele modifica seus cantores, a
música que é executada e o público que ouvirá o grupo em apresentações. Mas o regente
também é modificado pelo coro, pelo público e pela música” (FIGUEIREDO, 2010, p. 5).
Vale ressaltar que as funções da regência e as suas modificações se tornam um
desafio, porque estão presentes diferentes demandas, desde problemas no aprendizado do
repertório até problemas de convivência entre os coralistas. Isso pode acarretar situações
embaraçosas e é preciso que o regente e a sua equipe de trabalho (se houver) lidem com essas
24

situações, tendo flexibilidade para os imprevistos e outras situações específicas, respeitando


as condições de cada grupo.
Portanto, para refletir melhor sobre o processo de regência, é preciso salientar a
experiência do autor Figueiredo (2010):

Para mim, pessoalmente, ter o som de um coro na mão é uma experiência


insubstituível, ainda mais quando eu tenho a consciência de que esse som é o
resultado do meu trabalho, da lenta construção de uma idéia [sic] interpretativa e de
uma sonoridade. A consciência das várias etapas percorridas, ainda na primeira fase
de leitura e aprendizado até o resultado final, é um antídoto poderoso para qualquer
desânimo. E mais importante ainda que a construção de uma obra é perceber o
processo de amadurecimento do grupo. (FIGUEIREDO, 2010, p. 4)

Sobre alguns aspectos da formação do regente, Figueiredo (2010) destaca a


necessidade de “um estudo de técnica vocal individual, de preferência com um professor
experiente e aberto a diferentes tendências [...]” (FIGUEIREDO, 2010, p. 5-6). E continua seu
raciocínio dizendo que “o desenvolvimento de uma didática para aplicação dessas técnicas
para coralistas é uma necessidade decorrente inevitável, [...] acompanhando o trabalho de
professores de técnica vocal ou outros regentes, na condução de exercícios com grupos”
(FIGUEIREDO, 2010, p. 6).
A fim de que se conheça a rotina do canto coral, cabe destacar a tese de doutorado de
Leila Miralva Maria Dias (2011) intitulada Interações nos processos pedagógico-musicais da
prática coral: dois estudos de caso. A tese, dialoga com o canto em grupo sob o olhar
educacional, social e cultural. A parte central de sua pesquisa é a observação participante
realizada em dois corais, com características distintas. O Coro Ação é formado com “pessoas
da comunidade, composto de vozes masculinas e femininas e estabelecido em um colégio
privado que funciona como uma cooperativa de pais e funcionários. Esse coro trabalha com
pessoas de faixas etárias, classes sociais e culturais bem diversas” (DIAS, 2011, p. 14.).
O Coro Vida “é feminino e trabalha com pessoas cujas vozes são selecionadas embora
não tenham necessariamente formação musical. São senhoras voluntárias, com faixa etária
que varia entre 45 e 75 anos”. (DIAS, 2011, p. 14). Uma característica interessante desse coral
é que, “a cada ensaio semanal, [...] elas têm o compromisso de realizar uma apresentação de
90 minutos andando pelos corredores de um hospital da cidade, o que envolve pacientes,
acompanhantes, funcionários e visitantes, seus espectadores semanais” (DIAS, 2011, p. 14).
Nesses dois “grupos que cantam”, a autora tem como parte principal de sua pesquisa a
observação das “práticas pedagógico-musicais [...] [nas] interações dos sujeitos envolvidos”
(DIAS, 2011, p. 28).
25

Em um dos capítulos da tese, a autora mostra o funcionamento do canto coral, listando


os motivos que levam as pessoas a entrar, permanecer (por pouco ou muito tempo) e sair,
ressaltando que:

a prática coral tem como condição necessária para existir, o agrupamento das
pessoas de modo contínuo e regular, preferencialmente em um mesmo espaço. Para
ela se tornar factível no processo e nos resultados a que se propõe, é necessário o
ingresso, a assiduidade da maioria das pessoas e o compromisso desse coletivo de
pessoas, até mesmo para trazer resultados musicais que também fazem parte da sua
própria condição de existência. [...] Assim, os coros, em geral, são constituídos
através de sociabilidades estabelecidas entre pessoas que se reúnem em torno do
objetivo de cantar em conjunto (DIAS, 2011, p. 72. Grifos nossos.).

Vale ressaltar que no início da pandemia da Covid- 19 em 2020, a reunião presencial


de pessoas num mesmo espaço era inviável, pois ainda não existiam vacinas contra o vírus.
Atualmente a pandemia está numa nova fase, as pessoas estão vacinadas e as atividades
presenciais foram praticamente todas retomadas.
Lakschevitz (2020) destaca como o início da pandemia atingiu os corais e o que eles
fizeram nesse período. Uma das alternativas foram as apresentações dos corais nas lives e em
vídeos gravados, com coralistas e regente separados fisicamente, e que nas edições de vídeo
são consertados alguns erros de sincronia, para que essas pessoas possam se reunir mesmo
que de forma virtual e para que o público escute o grupo de uma forma diferente da
convencional. Além disso, a realização dos festivais de corais e outros eventos de forma
virtual estão sendo formas de dar continuidade aos trabalhos de canto em grupo, mesmo que
sejam limitadas.
Ainda sobre a pandemia da Covid- 19, em especial no ano de 2020, e a significativa
modificação do canto em grupo, cabe salientar que “a atividade coral, que se caracteriza
essencialmente pela produção coletiva, se vê impedida de continuar nos mesmos moldes em
que funcionou nos últimos 200 anos” [...] (LAKSCHEVITZ, 2020, p. 3). E continua dizendo
que “num espaço de tempo muito curto, o palco dos coros foi transferido para a tela dos
computadores, tablets ou celulares; e os programas de teleconferência começaram a funcionar
como a sala de ensaios”. (LAKSCHEVITZ, 2020, p. 3).
Assim, não é a intenção desse texto discutir a pandemia de forma aprofundada e
quais impactos ela ainda causa no canto coral. E sim, mostrar um pouco dessa nova e
desafiadora realidade que os grupos viveram e de certa forma ainda vivem, pois uma nova
situação que veio com a pandemia é quando as pessoas que testam positivo para a Covid-19
26

precisam ficar isoladas, não podendo ir até o local dos ensaios. Essa é uma das novas
adaptações que os corais vivenciam.
Vale destacar que não é somente o objetivo em comum de cantar que sustenta o canto
coral. É preciso certa organização geral com as músicas, os ensaios, as datas das
apresentações, com pontualidade e assiduidade, a fim de que as pessoas possam ensaiar e
apresentar o seu trabalho com uma boa preparação. Os elementos importantes são:
a) Regência: “uma regência capaz de exercer as orientações necessárias para a execução
das peças que irão compor o repertório” (DIAS, 2011, p. 75-76);
b) Frequência: “freqüência [sic] regular da maioria dos coristas aos ensaios, pois é neles
que são aperfeiçoados os arranjos, harmonizadas as vozes; um local apropriado para os
ensaios” (DIAS, 2011, p. 75-76);
c) Tempo e agenda: “um tempo determinado entre a regência e os coristas na agenda
dos integrantes” (DIAS, 2011, p. 75-76).
Por fim, é importante reconhecer que coralistas e regente precisam estar
comprometidos com a organização do grupo, desde os ensaios até as apresentações. Por isso,
o regente precisa planejar os ensaios tendo em vista a organização, a aplicação e a avaliação.
Também são tão necessárias ao canto em grupo a regência, a frequência e o tempo e a
agenda.
Esses aspectos são importantes para compreender a abrangência do canto em grupo,
porém, a prática coral não pode se resumir somente a rotina dos ensaios e das apresentações.
Pois, quando se reduz “a função do coral a um mero instrumento, faz com que se perca de
vista a riqueza das relações intersubjetivas que ocorrem no interior do coro como um
organismo vivo e sujeito a um intenso processo comunicativo e interativo”19 (ORDÁS;
MARTINEZ, 2018, p. 8. Tradução nossa).
Enfim, ao ter conhecido um pouco da vivência do canto coral, é possível observar o
quanto esse tema pode ser interessante para as ciências humanas, em especial, nas pesquisas
sobre os diferentes espaços de formação humana. Já que faz parte da essência do canto coral,
o trabalho de pessoas com outras pessoas em pequenos ou grandes grupos.
Nessas práticas de canto coral, além de vivenciar os aprendizados de forma individual,
também se aprende de forma coletiva. O individual e o coletivo estão em diálogo constante.
Figueiredo, em 1990, já escrevia que é preciso “tornar a atividade coral algo mais produtivo

19
“[...] la función del coreuta a um mero instrumento, hace que se pierda de vista la riqueza de las relaciones
intersubjetivas que ocurren en el interior del coro como un organismo vivo y sujeto a un intenso processo
comunicativo e interactivo.” (ORDAZ; MARTINEZ, 2018, p. 8).
27

qualitativamente, que possa ser desenvolvida em vários níveis atendendo a diferentes


objetivos, cumprindo uma função educacional” (FIGUEIREDO, 1990, p. 17)

2.2 AS PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO CORAL: LIMITAÇÕES E


DESAFIOS PONTUAIS

Para a sua prática, nas mais diversas situações e condições, o canto coral tem as
limitações e desafios a serem superados. Podem ser externos, como aqueles ligados às
políticas públicas do canto nos espaços educacionais, e podem ser internos, diretamente
ligados à sua prática, que podem atrapalhar a boa convivência entre os coralistas.
Lima destacava no ano de 2007 algo que ainda parece ser verdadeiro, que, “muito
embora tenha havido um incremento da atividade coral nos últimos tempos esta, ainda hoje,
se recente de falta de apoio. Ainda são poucas as pessoas que atuam nesta área (cantores ou
regentes) com uma formação profissional consistente” (LIMA, 2007, p. 39). Essa falta de
apoio ao canto coral tende a se estender para a educação musical como um todo. Na prática
coral, a maioria das escolas não tem estrutura musical, nem física, e faltam professores com
conhecimento musical. O que se vê são professores de sala de aula que tem algum
conhecimento musical e que são “utilizados” para formar um grupo em datas comemorativas
e outros projetos. Por mais que o professor tente, será difícil conciliar essas funções. O
resultado disso é uma formação “de fachada”, fragmentada e superficial.
Ou seja, para que os corais possam atuar com qualidade nos espaços formais é
necessário ter uma estrutura física e musical nesses espaços. Essa base também é necessária a
outras atividades relacionadas ao meio musical, tais como o estudo de instrumentos musicais,
por exemplo.
Assim, o ponto principal a ser destacado é como o canto coral está sendo utilizado
como forma de “improviso”, de preencher o tempo das aulas na educação formal. Utilizar o
canto em grupo de uma forma tão improvisada contribui para uma formação humana
fragmentada.
Essa forma de cantar também é utilizada nos espaços não formais, tais como igrejas,
associações e outras organizações. Pois a falta de ensaios, da preparação do regente 20 e a

20
Não faz parte das intenções do texto determinar as formações específicas do regente, mas sim ressaltar alguns
conhecimentos importantes no processo de sua formação e isso foi refletido na página 22. A preparação do
regente também passa pela importância do seu comprometimento aos ensaios e as apresentações,
compreendendo que estar ali como regente não é um “improviso” e sim um compromisso de trabalho com os
coralistas, independentemente de vínculo empregatício.
28

reprodução do canto nas músicas no “improviso”, sem qualquer planejamento ou


intencionalidade específica, se torna um exercício de subestimação das potencialidades do
canto coral.
Assim, parece que o canto coral está situado, em duas extremidades. Por um lado, há
os estudos específicos de canto nas práticas restritas aos estudantes de música, nos espaços
musicais para a formação de profissionais da área. Por outro lado, o canto coral nas escolas
pode ser considerado uma “carta na manga” para ser usada nos conteúdos, uma fonte de
distração para as chamadas “datas comemorativas”, uma forma de improviso para “tampar o
buraco” do planejamento, entre outros. Ou seja, parece que não há um equilíbrio na utilização
do canto em grupo como forma educacional: ou são conteúdos muito específicos em locais
voltados para a música, ou são vistos como uma forma de entretenimento momentânea e
superficial. O canto coral não precisa necessariamente ter coralistas profissionais, mas
também não precisa ser usado de uma forma tão desleixada, como mero cabide para diversos
interesses pouco afeitos as próprias práticas do coral.
Outro desafio é que os coralistas podem conviver com regentes autoritários e
despreparados, que não conseguem criar “uma densa rede de relações interpessoais, que deve
ser construída por uma política dinâmica e participativa, possibilitando bons resultados
socioeducativos e musicais” (FUCCI AMATO; AMATO NETO, 2009, p. 95). Além disso,
podem existir participantes descomprometidos com a prática de canto em grupo, músicos que
acompanham os coralistas “no improviso” sem estudo das cifras ou partituras, entre outros.
Nesse sentido, na educação não formal podem ocorrer algumas situações específicas,
pois é preciso levar em consideração que “o apoio institucional e o patrocínio de setores
públicos e/ou privados são fundamentais para o êxito dos resultados previstos [...], porém,
cabe ao educador o papel decisivo para o sucesso da proposta em sua essência” (KATER,
2004, p. 49). No caso do canto coral, cabe ao regente esse papel decisivo. Todavia, essa
função pode estar comprometida pelas “pressões” praticadas por pessoas em cargos de chefia,
em especial nas instituições privadas. Os motivos podem estar relacionados com prazos
apertados, adiantamento nas datas das apresentações, rapidez no aprendizado das músicas e
influência na escolha do repertório. Aliás, há o risco de os coralistas serem usados como
modelos de propaganda das instituições, tendo como objetivo entreter o seu público-alvo e
captar novos clientes ou associados.
Outra limitação recente é a disseminação da pandemia da Covid- 19 que afeta o canto
coral e que, por isso, passou por modificações, assim como qualquer outra atividade que tenha
algum tipo de aglomeração. A limitação “[...] mais óbvia [...] é o isolamento físico dos
29

cantores. Com cada cantor em sua casa, olhando a tela de um computador conectado à
internet, é fácil imaginar a grande quantidade de possíveis distrações ao seu dispor”
(LAKSCHEVITZ, 2020, p. 3).
Vale ressaltar que o isolamento físico da pandemia da Covid- 19 aconteceu, em
especial, no ano de 2020 e 202121. Atualmente, a maioria das pessoas estão vacinadas e as
atividades presenciais estão praticamente retomadas. Porém, no momento mais rígido da
pandemia, Lakschevitz (2020) destaca que “há regentes que simplesmente suspenderam o
trabalho de seus coros, optando por não voltar às atividades até que seja possível novamente o
encontro das pessoas nos ensaios” (LAKSCHEVITZ, 2020, p. 3). E continua dizendo que
alguns corais “[...] continuaram as atividades de seus grupos por via virtual, mas procurando
manter o modus operandi com que já estão acostumados” (LAKSCHEVITZ, 2010, p. 3).
Cabe salientar que no período em que foi necessário o distanciamento físico imposto
pela pandemia, houve uma alteração forçada nos formatos dos ensaios e das apresentações.
Por consequência, outra limitação que foi mais intensa durante esse período e que para alguns
também se estende aos dias atuais, é “o desgaste que toda essa situação gerou. Não estamos
em nosso estado psicológico mais calmo e centrado. [...] cada um tem seu tempo próprio de
assimilar e reagir a tudo o que está acontecendo” (LAKSCHEVITZ, 2020, p. 4).
Entre as muitas situações que poderiam ser citadas, essas ilustram bem que a prática
coral está cercada de limitações. Limitações essas que podem influenciar negativamente os
coralistas, fazendo com que a experiência do cantar em grupo seja estressante e causando a
saída deles desses espaços; que podem ecoar ainda mais a desvalorização da música e da
prática do cantar como “cabide”; tratar os coralistas como objeto de marketing e de comércio;
limitações impostas pela pandemia; e, enfim, naturalizar a formação do canto coral de forma
fragmentada, sem estrutura para o canto nas escolas, sendo praticamente excluída das
políticas públicas.

2.3 PRÁTICAS COLETIVAS DE CANTO E A EDUCAÇÃO: DEFINIÇÕES E


CONSIDERAÇÕES

Para iniciar o diálogo com o tema, vale ressaltar que “[...] apesar de manifestação
comumente presente no meio musical [o cantar de forma coletiva], é ainda um tema pouco
explorado em suas vertentes sociais e educacionais” (FUCCI AMATO, 2007, p. 76). Ou seja,

21
Com algumas variações em cada região do país e de acordo com o aumento de casos em cada município.
30

esse tema é estudado através dos métodos de canto, da fisiologia vocal e outras temáticas nas
escolas e faculdades de música. Estudos que são importantes para as pessoas que fazem do
canto um processo de formação profissional ou mesmo querem se aprofundar nesses estudos,
sem intenção profissional. O que a autora destaca é que as carências nas vertentes sociais e
educacionais fazem com que o canto deixe de ser explorado de uma forma mais completa, não
valorizando as suas potencialidades e possibilidades.
Uma vez que “estudos recentes da área de educação musical apontam para a
necessidade de um alargamento da concepção de cantar, de flexibilidade necessária para se
trabalhar um repertório que atenda às demandas dos coristas e o repensar sobre as dimensões
sociais que atravessam as práticas corais” (SOUZA et al, 2009 apud DIAS, 2011, p.12.).
A citação do parágrafo anterior tem três destaques que pedem uma análise um pouco
mais detalhada:
a) Alargamento da concepção de cantar: cantar é um conceito que envolve muitas
situações da vida, tanto da vida cotidiana, quanto situações específicas - os ensaios e
apresentações de musicais, por exemplo. Muitas vezes, o cantar está relacionado a
uma área mais técnica do que a uma formação humana mais ampla e integral. Alargar
o conceito de cantar é alargar os espaços educacionais do cantar e enxergá-lo em
várias dimensões.
b) Flexibilidade: uma das palavras centrais dessa temática. A prática coral precisa ter
uma rotina de trabalho da voz, do repertório e outros aspectos que necessitam ser
flexíveis, além da participação ativa dos coralistas em todo o trabalho, tendo em vista
que os aprendizados no canto coletivo acontecerão a longo prazo, pois não adianta
“forçar” os coralistas a cantarem músicas complexas e/ou músicas das quais não
participaram do processo de escolha.
c) Repensar sobre as dimensões sociais que atravessam as práticas corais: essas
dimensões parecem tão evidentes, porém, muitas vezes, não são consideradas e nem
sequer valorizadas nas práticas que envolvem o canto coral. Por isso é preciso
compreender: Quem são as pessoas que cantam? Quais interações estão acontecendo
entre elas? Quais aprendizados [de forma ampla] estão acontecendo ali?
Os aprendizados musicais são tão importantes quanto os aprendizados ditos como
“não musicais”, dessa forma:

Os coros não podem ser olhados apenas através do som das vozes harmonizadas, ou
dos cantos que eles entoam, mas, sobretudo, através das pessoas que emitem essas
vozes, tentando compreender os seus pensamentos através de suas atitudes, seus
31

gestos, seus sinais, observados nas suas práticas musicais. Busco nesse “entoar
conjunto de vozes” identificar sentidos e transformações que o coro produz em suas
vidas (DIAS, 2011, p. 31).

As pessoas podem entrar no coral porque gostam de cantar, querem algo diferente, ou
mesmo porque estão curiosas para “ver no que vai dar”. É preciso olhar para esses seres
humanos que estão presentes, nessas vidas que se encontram, se interagem, enfim, aprendem
com a sua vida e com a vida dos outros. Seria superficial pensar que essas pessoas vão
somente para se distrair, fugir dos problemas, enfim, para entrar e se refugiar na “bolha” do
canto coral. Pode ser justamente o contrário, através das pessoas podem observar a sua vida,
ressignificando conceitos, emoções e conhecimentos.
Kater (2004) destaca que “música e educação são, como sabemos, produtos da
construção humana, de cuja conjugação pode resultar uma ferramenta original de formação,
capaz de promover tanto processos de conhecimento quanto de autoconhecimento” (KATER,
2004, p. 44). O canto coral também faz parte das criações e relações humanas e ao adentar nos
espaços da educação não formal22 é preciso destacar alguns aspectos desse diálogo, que
podem dar mais completude na relação entre educação e canto coral.
Para isso, vale destacar que a educação formal é limitada, porque a formação humana
vai além desses espaços demarcados para “aprender” e que a educação de forma completa
pode ser vivenciada em diferentes espaços. Pois, “de modo geral e pela análise de outros
fatores, como a rigidez e a padronização, podemos considerar que as emoções não são
valorizadas na aprendizagem formal” (MARQUES; FREITAS, 2017, p. 1098. Grifo nosso).
A palavra em destaque, rigidez, mostra que em função de suas intensas demandas
(regras, horários, currículo, e calendário, cronogramas apertados, entre outros), uma aula de
canto coral na educação formal está sujeita a diferentes percalços, entre eles: falta de
profissionais da área musical, falta de estrutura para as aulas, utilização do canto para “cobrir”
conteúdos e adornar as tão desejadas “datas comemorativas”, a não existência da música na
grade curricular da maioria das escolas, entre outros. Na educação não formal, por sua vez, as
aulas tendem a não ser tão rígidas, com espaço adequado e horário flexível, havendo o
planejamento das apresentações em tempo hábil.
Além disso, o canto tem nele mesmo o seu fim (cantar para cantar) e não como
“reprodução” de uma realidade externa “mais importante”. Pois, muitas vezes, “o fim visado

22
Conceito que será melhor trabalhado na parte seguinte.
32

se sobrepõe ao processo, o ‘o quê’ ao ‘como’, o produto (objeto) aos participantes (sujeitos), a


função artística à pedagógica” (KATER, 2004, p. 47).
Assim, as práticas corais nos espaços de educação não formal podem ajudar no
desenvolvimento dos coralistas, com aprendizados que envolvem: o desenvolvimento da
oralidade, a interpretação de músicas, conhecimento de novas línguas, a concentração, a
afinação, entre outros. Aprendizados que podem acontecer desde os ensaios cotidianos até as
apresentações, ou mesmo, no caso do período da pandemia, em vivências virtuais.
Aliás, “a importância crescente que a prática vocal em conjunto tem na
formação musical dos indivíduos, principalmente nesses tempos em que a escola já não
desempenha essa função, é notável e merece destaque [...]” (FUCCI AMATO, 2007, p. 93).
Portanto, mesmo o canto coletivo sendo praticamente invisível nas escolas, isso não
anula ou menospreza a reflexão de que a educação e as práticas coletivas de canto coral estão
interligadas. Já que “os regentes devem se lembrar de sua função educacional”.
(FIGUEIREDO, 1990, p. 90). É possível que “através desta reflexão [...] [haja] maiores
possibilidades de desenvolvimento consistente do conhecimento musical, que conduzirá,
seguramente, ao aprimoramento da prática vocal” (FIGUEIREDO, 1990, p. 90).
Por fim, não se pode confundir a educação não formal como uma educação “dos
papeis ao vento” em que tudo é jogado sem nenhum tipo de planejamento ou de estratégia.
Pois o diálogo entre as práticas coletivas de canto e a educação não formal, não pode ser feito
a partir do improviso, de modo que essa análise precisa ser fundamentada. É o que fará a parte
a seguir.

2.4 EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: REFLETINDO SOBRE OS


DIFERENTES ESPAÇOS DE FORMAÇÃO HUMANA

Nesta parte, o texto abordará a educação em diferentes espaços, em especial sobre a


educação não formal, com suas características principais e alguns desafios a serem refletidos.
Além de ressaltar a diversidade de instituições, com diferentes funções, que atuam nesses
espaços.
A educação é um conceito que abrange tantas realidades, tantos espaços e tantos
momentos que a ideia de que a educação acontece somente no espaço escolar traz uma visão
fragmentada desse conceito tão importante. É como se observasse somente uma espécie de
flor num jardim com outras espécies de flores que formam uma paisagem completa. Dessa
forma, isso não quer dizer que a flor não faça parte do jardim, mas também não quer dizer que
33

somente aquele tipo de flor deve ser considerado em todo o jardim. Nesse exemplo ilustrativo
é como se uma espécie de flor fosse a educação nos espaços formais e o jardim fosse a
educação em geral.
E é nesse “jardim” que acontece a educação, pois quando se olha para os
acontecimentos na vida das pessoas, essa visão toma mais forma e amplitude, pois “queremos
reafirmar nossa opção por não confinar estudos no espaço escolar - passar do estudo do
cotidiano da escola para a educação do cotidiano que cerca a escola”23 (ROCHA; GILMAR,
2009, p.137). Os autores da obra Antropologia & Educação reforçam a “opção por ter sempre
como eixo de estudos a observação do e no cotidiano” (ROCHA; GILMAR, 2009, p.137).
Sobre o conceito de educação, Abbagnano (2007) disse que

na pedagogia do século XX, em especial em sua segunda metade, o conceito de


Educação acentuou a dimensão formadora: a Educação passou a ser vista como um
processo de humanização, que não diz respeito apenas ao crescimento em termos de
desenvolvimento nem atinge apenas a pessoa, considerada individualmente, mas
dura toda a vida (motivo pelo qual a pedagogia se apresenta como teoria da
Educação permanente em referência às diferentes idades), e diz respeito ao homem
tanto em sua individualidade (donde a pedagogia tender a ser clínica), quanto nas
formações sociais em que a pessoa se realiza (donde a pedagogia caracterizar-se
como social) (ABBAGNANO, 2007, p. 358).

Na obra Dicionário Paulo Freire, através de seus estudiosos, temos a concepção


freireana de educação:

Não existe a educação, mas educações, ou seja, formas diferentes de os seres


humanos partirem do que são para o que querem ser. Basicamente as várias
“educações” se resumem a duas: uma, que ele chamou de “bancária”, que torna as
pessoas menos humanas, porque alienadas, dominadas e oprimidas; e outra,
libertadora, que faz com que elas deixem de ser o que são, para serem mais
conscientes, mais livres e mais humanas. A primeira é formulada e implementada
pelos (as) que têm projeto de dominação de outrem; a segunda deve ser
desenvolvida pelos (as) que querem a libertação de toda a humanidade (STRECK;
REDIN, ZITKOSKI, 2019, p.159).

Os conceitos dos autores se completam. Primeiro, a educação está voltada para a


formação humana. Segundo, entre as práticas educacionais, deve se buscar um tipo de
educação que seja libertadora e não bancária. É necessário fazer esses questionamentos: uma
educação abrangente é voltada para qual tipo de ser humano? Deve existir uma educação
permanente ou limitada aos mesmos conceitos e atitudes que se repetem? Os autores reforçam

23
Os autores ressaltam a obra de Brandão Educação como cultura (BRANDÃO, 2002).
34

uma educação voltada ao ser humano de forma individual e coletiva, de forma abrangente, de
uma forma libertadora.
O documento The Faure Report: Learning to Be, de 1972 da Unesco descreve sobre a
“educação ao longo da vida e a ideia de que esse conceito deveria orientar a divisão do
sistema educacional em três categorias: (i) educação formal [...], (ii) educação não formal [...]
e (iii) educação informal [...]” (CAZELLI; COSTA; MAHOMED, 2010, p. 584- 585). Sobre
a educação não formal no Brasil, vale ressaltar que:

em especial no início dos anos de 2000, publicações vinculadas ao Centro de


Memória da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) (PARK;
FERNANDES; CARNICEL, 2005; SIMSON; PARK; FERNANDES, 2001),
respaldadas também por autores europeus como Jaume Trilla e Alfonso,
consideraram a educação não formal como mais flexível em conteúdos e métodos
(GROPPO, 2013, p. 90).

Podemos classificar os tipos de educação em formal, informal e a não formal. A


educação não formal é “planejada com uma flexibilidade bem maior que a da educação
escolar” (GROPPO, 2013, p. 38). Entretanto, ela se diferencia da educação informal, já que a
educação não formal pode ser vista como: “um novo campo educacional, surgido de
processos recentes que tornaram possível ou necessária a fecundação de uma modalidade
educacional não deixada ao acaso das relações cotidianas (como a educação informal)”
(GROPPO, 2013, p. 38).
Ainda sobre a educação não formal, reforçando essas definições, Groppo (2013) cita
Fernandes e Park (2007) para diferenciar a educação não formal, da educação formal, pois:

a designação não–formal [sic], embora obedeça a uma estrutura e a uma organização


(distintas, porém das escolas) e possa levar a uma certificação (mesmo que não seja
essa a finalidade), diverge ainda da educação formal no que respeita a não-fixação
de tempos e locais e a flexibilidade na adaptação aos conteúdos de aprendizagem a
cada grupo concreto.” (FERNANDES; PARK apud GROPPO, 2013, p. 38).

A frase destacada sobre a definição de educação não formal mostra que esse tipo de
educação preza pela palavra flexibilidade, que também já havia sido destacada aqui a respeito
da prática coral. Entretanto, é importante destacar que “a flexibilidade dos métodos e
conteúdos da educação não formal [...] não caracteriza tudo o que vem sendo chamado como
educação não formal” (GROPPO, 2013, p. 95).
Assim, o que é importante compreender sobre esses conceitos é que eles ajudam no
entendimento de que a educação significa educar de uma forma ampla, abarcando diferentes
experiências que podem até parecer que não sejam educação, mas são. É somente uma
35

situação educacional aquela em que o professor está em sala de aula e os alunos ouvindo e
participando? A discussão acima tem mostrado uma educação para além desses momentos,
que está em outros espaços de encontro entre as pessoas com idades, classes sociais,
pensamentos e vivências diferentes. Pessoas que se reúnem num mesmo espaço, no caso desse
texto, nos ensaios e apresentações do canto coral.
Vale ressaltar que o termo “não” presente na educação não formal

é um controvertido termo, pois que se define pela negativa, afora o fato de tentar
descrever um rol de práticas e concepções educacionais múltiplas, tão distintas da
educação formal quanto entre si, ou seja, sob o termo “educação não formal” cabem
experiências e ações educacionais muito diversas, tantas vezes contraditórias entre si
(como a educação popular e a proposta da “sociedade do conhecimento” em versão
neoprodutivista) (GROPPO, 2013 p. 100).

Neste sentido, Gohn (2014) também ressalta essa negativa, dizendo que é preciso
“definí-la, caracterizando-a pelo que ela é. Usualmente ela é definida pela negatividade - pelo
que ela não é” (GOHN, 2014, p. 39). Retomando o raciocínio do Groppo (2013), se o termo
educação não formal “é frágil logicamente, tem a sua força justamente na sua capacidade de
abrir as ciências da educação e a sociologia da educação para considerar distintos e
emergentes modos de educação, diversos da educação estritamente escolar.” (GROPPO, 2013
p. 100).
O canto, através da educação musical, também define a educação musical não formal
que “ocorre em estabelecimentos não oficiais de ensino, tais com: grupos comunitários,
associações e organizações não governamentais, cursos livres de música, entre outros.”
(SIMÕES, 2020, p. 30). O autor segue seu raciocínio dizendo que a educação não formal “[...]
atua sobre um currículo semiestruturado, flexível e não linear, adaptado às necessidades
particulares de cada grupo.” (SIMÕES, 2020, p. 30).
Assim, após analisar alguns aspectos da educação não formal, observa-se que ela está
envolta a diversos desafios, entre eles: comprovar a sua não inferioridade, superar o conceito
de “negativa da educação formal”, superar a visão de ser voltada apenas à distração, entre
outros. Entretanto, não se pode negar a sua abrangência em relação ao público que adentra
esses espaços: idade (não somente na idade escolar), lugar onde mora, lugar onde se aprende,
classe social, entre outros. Esse tipo de educação tem uma heterogeneidade fundamental para
a interação social das pessoas durante seus aprendizados, e, no caso desse texto, o
aprendizado nas práticas coletivas de canto.
36

Justamente por esses conceitos classificarem a educação pelos termos formal, não
formal e informal, pode existir o pensamento de que esses tipos de educação são opostos entre
si, entretanto, sobre isso é preciso pontuar que: “Não preciso pensar o não formal em oposição
ao formal. Trata-se de distintos campos de formação humana, com diferentes formas,
objetivos e preocupações, que não precisam se polarizar. Mas também não se reduzem um ao
outro” (GROPPO, 2013, p. 39).
A educação não formal, dada a sua flexibilidade e heterogeneidade, tem grande
abertura para a formação humana, tanto num sentido restrito - como coralista - quanto num
sentido abrangente - como ser humano. Uma “terra fértil” propensa ao aprendizado, ao
envolvimento e desenvolvimento das pessoas.
Cabe salientar que a música em suas diferentes dimensões está na educação não
formal com trabalhos que vão além do canto coletivo: aulas de musicalização, aprendizado de
instrumentos musicais, percussão e expressão corporal através da música, entre outros. Pois o
enfoque deste texto está nas práticas coletivas de canto, porém é preciso pontuar outras áreas
de trabalho valorizam as atividades musicais nos espaços de educação não formal.
Outro aspecto da educação não formal que necessita de atenção, é que, “na verdade,
[está] longe de se constituir como um campo coeso, opera de múltiplos modos, guiada por
inúmeros objetivos, mantida por contraditórios atores. Contém, portanto, diversas pedagogias,
as quais ainda será preciso traduzir” (GROPPO, 2013, p. 101).
Esse tipo educacional é diverso, e exatamente por isso, é preciso prestar atenção nos
atores que estão por trás dos espaços da educação não formal. Dependendo de qual
intencionalidade, em vez de possibilitar aprendizados, pode favorecer a dependência das
pessoas com os “objetivos” da instituição, formando-as para atender a esses objetivos e não
voltados para a formação humana, para a emancipação, colocando-as a serviço das “metas do
capitalismo neoliberal, no que se refere a suprir as carências mais profundas e imediatas das
camadas populares excluídas, mas sem politizá-las ou emancipá-las, tornando-as também
passivas pela dependência às migalhas de seus benfeitores (MARTINS, 2007).” (GROPPO,
2013, p. 122).
Desse modo, é importante que o trabalho com os coralistas seja “intencional e
organizado – características presentes, por definição, em espaços educativos não formais (cf.
Oliveira, 2000) – que consiga envolver os alunos e ser significativo para eles. Pois, sem isso,
sobra simplesmente ‘ocupar’ ou ‘passar o tempo’” (PENNA; BARROS; MELLO, 2012, p.
72). Quando a prática de cantar em grupo não é significativa, pode se tornar um espaço com
pessoas que estão ali de forma superficial, sem envolvimento nos ensaios, podendo trocar o
37

canto por outras atividades, ou mesmo participando de várias outras atividades de forma
simultânea para “passar o tempo”, já que quanto mais coisas se fazem, mais rápido o tempo
passa. Isso também não deixa de ser uma “migalha” das relações superficiais, que fazem com
que as pessoas fiquem dependentes dessas instituições, restringindo o processo educacional e
perdendo a oportunidade de vivenciar o canto de forma intencional e significativa.
Diante de desafios e divergências, a educação não formal, quando está voltada para o
ser humano e o seu desenvolvimento de forma individual e coletiva, sem a intencionalidade
da dependência “das migalhas”, possibilita práticas pedagógicas voltadas para a formação e
ressignificação de vidas humanas, e, por consequência, oferecendo a oportunidade das
pessoas viverem “longos encontros” das suas vidas com a educação e com a educação não
formal.
As autoras Fucci Amato (2007) e Lima (2007) destacam a atividade intensa que a
educação não formal tem vivenciado com a música e o canto coral. “Os projetos
socioculturais têm ocupado, cada vez mais, papel de destaque dentre as iniciativas educativo-
musicais promovidas para minimizar o efeito devastador causado pela grande lacuna existente
no ensino de música na educação básica” (FUCCI AMATO, 2007, p. 89). “Nos últimos 10
anos24 tem se multiplicado o número de ONGs que se dedicam ao ensino das artes nas mais
diversas comunidades. Nelas, grupos corais também têm sido uma constante, mostrando
assim que esta expressão artística vem ganhando um novo impulso” (LIMA, 2007, p. 39)
Assim, é preciso observar com atenção como as ONGs trabalham. Pois “acreditamos
ser uma distorção pretender que é uma ação de ‘inclusão social’ atender por ano a nove
crianças que se destacam por mérito25 – e configuram claramente uma minoria e uma
exceção” (PENNA; BARROS; MELLO, 2012, p. 74):

Esses valores da exceção e do talento já se mostram problemáticos no próprio ensino


de música, na medida em que sustentam, ideologicamente, práticas elitistas e
excludentes. E muitas dessas práticas, que não reconhecem a diversidade de
manifestações musicais e de modos de aprender e ensinar música, são reproduzidas
acriticamente em projetos onde, pretensamente, a educação musical tem função
social (PENNA; BARROS, MELLO, 2012, p. 75).

Os valores “da exceção e do talento” não favorecem de modo algum a inclusão social,
e isso acontece também com o canto coral: limitando a participação de coralistas que tenham
somente formação musical, limitando o repertório a músicas difíceis e limitando, ou até

24
De 1997 a 2007, ano da publicação do texto.
25
Os autores se referem ao Projeto Villa Lobinhos (PVL).
38

ignorando a participação dos coralistas em todo o processo de canto coletivo. Além de não
favorecer a inclusão social, essas atitudes reverberam a ideia de que só pode fazer música
quem tem formação musical. O espaço da educação não formal precisa ser convidativo para
que as pessoas que tiverem vontade possam, sim, fazer música e fazer música cantando e
ouvindo de forma individual e coletiva.
Desse modo, o financiamento do governo a projetos das ONG’s, é uma tentativa de
minimizar o “buraco” da música e da educação formal (FUCCI AMATO, 2007). Pois
empresas privadas também financiam os espaços de educação não formal. Aliás, até que
ponto essas empresas estão preocupadas com a formação humana das pessoas. Ou será que
estão criando dependências desses “poderes” ocultos.
Assim como há os financiamentos públicos e privados, a educação também é
vivenciada em espaços públicos e privados. Sobre isso, cabe salientar que

a disputa entre “público” e “privado” parece ecoar muito mais a oposição entre uma
visão de educação como bem público (e sua gestão para o público) e uma visão
privada que compreende a educação como uma ferramenta para o desenvolvimento
econômico (e propõe que esta seja gerida como uma empresa). Ainda assim, tais
posições seriam melhor compreendidas como em um espectro, e não marcadas de
forma tão dicotômica. Precisamos de novos termos para falar dessa arena, já que o
vocabulário anterior parece não dar conta da complexidade do atual estado de
coisas (AVELAR26, 2019, p.77. Grifos nossos).

A autora ressalta a falta de vocabulário apropriado para essas mudanças de conceitos


relacionados ao “público” e ao “privado”, e a educação não formal também passa por esse
processo e, retomando a citação de Groppo (2013), nesse tipo de educação existem “diversas
pedagogias, as quais ainda será preciso traduzir” (GROPPO, 2013, p. 101) e por
consequência, conceituá-las.
Diante dessas discussões a educação não formal se apresenta de uma forma tão diversa
e com tantas intencionalidades que é preciso estar atento as pessoas que estão por trás desses
espaços. Mesmo assim, parece que é na educação não formal que o canto em grupo consegue
“se encontrar” porque é um espaço mais flexível, mais diverso e este texto mostra a
necessidade de enxergar a educação de uma forma mais ampla, mais cotidiana e mais integral.
Assim, o diálogo educacional-humano precisa trazer dimensões antropológico-
culturais sobre formação cultural na música e nas práticas coletivas de canto, tema do
próximo capítulo.

26
Ver obra Educação contra a barbárie (CÁSSIO, 2019). Seus vários textos são permeados de questionamentos
sobre a educação brasileira atual e a luta por uma educação humana e emancipadora.
39

3 O CANTO CORAL NA EDUCAÇÃO MUSICAL E A FORMAÇÃO


CULTURAL

Neste capítulo, as práticas coletivas de canto coral serão discutidas na área da


educação musical ligada à formação cultural e humana. Aqui serão imprescindíveis diálogos
com a etnomusicologia, a antropologia e a educação, destacando alguns conceitos culturais e a
intencionalidade pedagógica presente em diferentes espaços do cotidiano. Por fim,
apresentaremos alguns depoimentos dos coralistas, colhidos através da pesquisa bibliográfica,
nas suas opiniões sobre a prática coletiva do canto e de como absorvem e expressam esse tipo
de cantar em suas vidas.

3.1 DIÁLOGOS COM A ETNOMUSICOLOGIA, ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO

Do nosso corpo, a voz é, por assim dizer, a parte mais


total e a mais partida. A mais total porque a alma
nela se aloja pela confidência; a mais partida, porque
ela se separa, vai para longe, vai viver a sua vida
além de nossas gargantas (HADJADJ, 2015, p. 394).

Não precisa de dinheiro pra se ouvir meu canto. Eu


sou canário do reino canto em qualquer lugar. Em
qualquer rua de qualquer cidade. Em qualquer
estrada de qualquer país. Levo meu canto puro e
verdadeiro eu quero que o mundo inteiro se sinta feliz
(CARVALHO; ZAPATTA, 1999).

Nesta parte serão refletidos alguns aspectos da etnomusicologia e os diálogos entre a


antropologia e a educação. Áreas que são relevantes para que as práticas coletivas de canto
sejam analisadas de uma forma mais completa.
Vale destacar que são as pessoas que saem de seus próprios cotidianos para viver o
cotidiano do canto coletivo. Saem de suas culturas, de suas “educações” para viver a
diversidade do canto em grupo, para adentrar em possíveis experiências significativas em suas
vidas.
Experiências que podem ser também modificadoras. Os encontros do canto coral são
oportunidades para que o regente atue no processo de transformação dos coralistas, das obras
musicais e do público. Ao mesmo tempo o regente também se transforma, também aprende
com essas interações (FIGUEIREDO, 2010).
40

Na relação entre pessoa e música, tanto nos espaços da prática coral quanto fora deles,
está presente um grande feixe de interações. Essas presenças musicais intensas no cotidiano
parecem agir e interagir de forma “invisível” com os seres humanos, causando a falsa
impressão de não ser necessário refletir e estudar a música de forma mais aprofundada. Numa
outra forma de invisibilidade, a música parece ser reduzida ao nível do entretenimento, sem
nada mais a contribuir para a vida das pessoas.
Assim, é importante refletir a música e seus sentidos humanos, bem como as
dimensões que a abrange, as pesquisas existentes e os profissionais que podem contribuir para
a música “sair” dessa aparente superficialidade. E uma das áreas que trabalham a relação ser
humano- música- cultura-sociedade é a etnomusicologia, que será tratada no decorrer deste
texto.
Vale destacar que “as abordagens etnomusicológicas colocaram em evidência o fato
de que a música é uma expressão intrínseca ao ser humano e, como tal, está imbricada nas
suas relações com o mundo” (QUEIROZ, 2017, p. 166). Essa citação mostra que a interação
do ser humano com a música está longe de ser “invisível”, pois é a expressão humana sendo
externalizada, apreciada, produzida e vivenciada na forma de música.
Nesse sentido, “a música de fato nunca é insignificante. É, simultaneamente, um forte
e unificador meio de comunicação e reveladora de identidades dentro da abundância de
modelos que caracterizam a nossa sociedade” (AUBERT, 2007 apud QUEIROZ, 2017, p.
168. Grifo nosso). A palavra em destaque mostra o quanto a música é ligada à vida e ao
cotidiano das pessoas, não somente quando a música é parte da ambiência, mas também ao
cantar as músicas e se identificar com elas, como foi refletido no capítulo anterior.
Já que a música é um meio de comunicação, ela se torna também “um meio de
compreensão de pessoas e comportamento e, como tal, é uma ferramenta valiosa na análise de
cultura e sociedade.”27 (MERRIAM, 1964, p. 13. Tradução nossa). Retomando a citação de
Dias (2011), “os coros não podem ser olhados apenas através do som das vozes
harmonizadas, ou dos cantos que eles entoam, mas, sobretudo, através das pessoas que
emitem essas vozes” […] (DIAS, 2011, p. 31). Olhar as práticas do canto coral pelo viés das
pessoas é considerar que a música é um meio de compreensão de pessoas e de
comportamento, de modo que a etnomusicologia pode contribuir para melhor compreensão do
sentido humano do canto coletivo, e é por isso que a etnomusicologia está fazendo parte das
discussões desse texto.

27
“In this sense, music is a means of understanding peoples and behavior and as such is a valuable tool in the
analysis of culture and society.” (MERRIAM, 1964, p. 13).
41

Através do que foi compreendido até aqui, é importante refletir sobre qual é o conceito
de música a ser considerado nesta pesquisa: “Música é um sistema de comunicação que
envolve sons estruturados produzidos por membros de uma comunidade que se comunicam
com outros membros” (SEEGER, 2008, p. 239). E através desse conceito fica visível que não
se pode considerar “a música como uma ‘linguagem universal’, pois tal concepção seria
errônea, tendo em vista que cada cultura tem formas particulares de elaborar, transmitir e
compreender a sua própria música, (des) organizando os códigos que a constituem”
(QUEIROZ, 2004, p. 101).
Vale ressaltar que a palavra música e a palavra cultura28 estão sendo utilizadas no
singular porque a discussão do texto está voltada para a perspectiva das formas particulares
que cada pessoa, cada grupo social, constrói, e não porque existe uma única cultura ou uma
única música a ser considerada.
Quanto à etnomusicologia, ela foi identificada “inicialmente como a área que estuda a
música na cultura, ampliando posteriormente o conceito para o estudo da música como
cultura” (MERRIAM, 1964 apud QUEIROZ, 2004, p. 100). A etnomusicologia é uma área
interessante e dela surgem muitos temas de pesquisa, pois, “há muito mais territórios
temáticos do que etnomusicólogos fazendo pesquisa, formados e apoiados institucionalmente
[…]” (TRAVASSOS, 2003, p. 84).
Sobre o conceito de etnomusicologia, “é possível perceber que, numa perspectiva
etnomusicológica29, a música é, ao mesmo tempo, determinada pela cultura e determinante
desta” (MERRIAM, 1964 apud QUEIROZ, 2004, p. 100). A música atua nesse “jogo” de
determinada-determinante porque está intrínseca e intensamente envolvida com a cultura de
seus povos, e as pesquisas de campo nos “espaços” da etnomusicologia fazem com que as
particularidades desses povos sejam apresentadas, refletidas e exploradas, enxergando melhor
a música em suas dimensões humanas, culturais e sociais.
Diante do que foi refletido até aqui, é importante fazer o seguinte questionamento: “A
etnomusicologia é, então, uma ciência social ou uma humanidade? A resposta é que participa
de ambos; sua abordagem e seus objetivos são mais científicos do que humanísticos, enquanto

28
Ao longo desse capítulo será discutido o termo Cultura e culturas.
29
“No âmbito nacional, a implantação acadêmica da etnomusicologia corresponde à superação do paradigma da
nacionalização que orientou as abordagens da música desde o início do século XX. Os saberes sobre a música
nasceram, no Brasil, sob o duplo signo dos ideais de progresso e nação, os quais guiaram as indagações da
pioneira história da música feita no Brasil. Tratava-se de encontrar os fatos que comprovassem o percurso da
música brasileira em direção à emancipação dos moldes europeus e à aquisição de um perfil próprio – uma
história teleológica que se escrevia a partir dos valores e preocupações do presente do historiador.”
(TRAVASSOS, 2003, p. 75).
42

seu assunto é mais humanístico do que científico”30 (MERRIAM, 1964, p. 25. Tradução
nossa).
Sobre os estudos da etnomusicologia no Brasil, vale destacar que:

a partir da variedade das abordagens da música que constituem o campo da


etnomusicologia31 e da complexidade da música brasileira, percebemos que os
estudos dessa área se apresentam como uma alternativa fundamental para a
compreensão de uma série de questões relacionadas à pluralidade musical, não só no
que se refere aos produtos musicais, mas também aos conceitos e comportamentos
que a música estabelece dentro de cada cultura (QUEIROZ, 2004, p. 101).

Além disso, vale ressaltar que a etnomusicologia e a educação musical 32 são áreas que
tecem um importante diálogo, pois através de pesquisas nessas áreas é possível compreender
as vivências da etnomusicologia e trazer essas vivências para as aulas, os pensamentos e as
concepções sobre a educação musical. Abrir o diálogo para essas e outras possíveis áreas de
estudo é compreender a música e a educação de uma forma abrangente, em suas dimensões
etnomusicológicas, antropológicas, culturais e sociais, que estão interligadas aos seres
humanos.
“A educação musical tem se aproximado e se apropriado do campo de estudo da
etnomusicologia com o intuito de tornar a sua práxis mais significativa e contextualizada com
os distintos mundos musicais que se confrontam e interagem […]” (QUEIROZ, 2004, p. 102).
Esse trabalho também é possível com o canto coral, apresentando e vivenciando a
etnomusicologia ao fazer diferentes leituras desses “mundos musicais” e também criando
formas de abrir ou de retomar o diálogo com outras culturas.
Uma discussão interessante é a divisão entre os aprendizados musicais e não musicais,
sobre isso, é preciso destacar que:

Tem sido comum identificar na literatura da educação musical a


separação entre elementos musicais e não musicais, com o intuito de apontar
princípios e diretrizes fundamentais para o processo de formação do indivíduo no
âmbito da música. Essa separação é artificial e, além disso, complemente
equivocada, pois as notas que configuram um acorde não são mais musicais do que

30
“Is ethnomusicology, then, a social science or a humanity? The answer is that it partakes of both; its approach
and its goals are more scientific than humanistic, while its subject matter is more humanistic than scientific.”
(MERRIAM,1964, p. 25).
31
Sobre a etnomusicologia, ver o texto “Esboço da etnomusicologia no Brasil” de Elizabeth Travassos.
Exemplos de estudos realizados na etnomusicologia. “Tanto Suzel Reily quanto Glaura Lucas trabalharam
com habitantes das periferias metropolitanas e Carlos Sandroni pôs a mão na massa da indústria cultural
nascente no Rio de Janeiro. Suzel lançou mão de Antonio Gramsci para pensar a cultura popular como cultura
subalterna numa sociedade de classes – os foliões de reis com quem ela conviveu não habitam uma aldeia
isolada.” (TRAVASSOS, 2003, p. 80).
32
Os textos de Queiroz trabalham a etnomusicologia com a educação musical.
43

o que o som desse acorde representa para quem o ouve; os intervalos, motivos,
frases e sentenças que constituem uma obra musical, não são mais importantes e
mais musicais do que o que essa música representa para as pessoas que a
interpretam, a ensinam e a ouvem (QUEIROZ, 2017, p. 181).

Como fragmentar os aprendizados vividos pelas pessoas em elementos musicais e não


musicais e tentar medir as importâncias desses aprendizados? Isso é fragmentar o ser humano
em “partes de vida” que se desprendem umas das outras e o autor explanou que, ao contrário,
essa fragmentação é artificial e equivocada. Isso também acontece na educação, pois muitas
vezes se considera a educação formal como a única forma “válida” de aprendizado e que,
fazendo o diálogo com a citação anterior, esses elementos formais têm tanta importância que
precisam ser separados dos “outros elementos” representados pela educação não formal e a
educação informal.
Vale ressaltar que a educação acontece em diferentes espaços e por isso que a prática
de dar importância somente a um único tipo de educação, a educação formal, fragmenta o ser
humano, não enxergando as potencialidades das vivências educacionais em outros espaços.
A educação musical está, entre tantos outros exemplos, no ouvir a música, cantar a
música, “sentir” a música e contemplar a música interagindo com os significados e
sentimentos humanos. Essas reflexões reforçam as “vozes” que dizem que é preciso pensar e
vivenciar a educação musical e as práticas coletivas de canto numa perspectiva mais humana,
mais etnomusicológica, mais integral.
Nesse sentido, “não é mais possível permanecer pensando a educação com práticas
embasadas por visões ‘primárias’, monodisciplinares e descoladas da realidade social […]”
(ROCHA; TOSTA, 2009, p.119). Isso porque a educação “demanda uma visão multifacetada
e mais polissêmica do que sejam os processos educacionais […]” (ROCHA; TOSTA, 2009, p.
119).
Ao olhar a educação de forma mais ampla, se valorizam os diversos aprendizados da
vida, em vários espaços em que o ser humano está interagindo, partindo do seu “terreno”
cotidiano, e assim, dialogando com a antropologia, vale destacar que ela não é “somente uma
disciplina acadêmica capaz de fornecer uma explicação sobre as representações da alteridade
e/ou as práticas do ‘outro’, mas uma forma de produzir um sentido humanista às nossas
experiências no mundo da vida cotidiana” (ROCHA; TOSTA, 2009, p. 17).
Tendo em vista esse sentido humanista, se faz necessário não somente o
reconhecimento de “educandos- crianças, adolescentes jovens e adultos-em suas dimensões e
com os seus rostos mais individuais e individualizados- o que sempre foi e segue sendo algo
44

de suma importância-, mas também como sujeitos sociais e enquanto atores culturais.”
(BRANDÃO, 2009, p. 14). É importante “saber vê-los […] como pessoas que trazem à tona
as marcas identitárias de seus modos de vida e das culturas patrimoniais de suas casas,
famílias, parentelas, vizinhanças comunitárias, grupos de idade e de interesse”. (BRANDÃO,
2009, p. 14).
As pessoas interagem de forma particular com a sua música e a sua cultura, em cada
espaço de interação social. A etnomusicologia, a antropologia e a educação não podem deixar
de estudar, de pesquisar, de vivenciar a perceptiva das pessoas, no processo de erupção de
suas “marcas identitárias”.
Ao enxergar que somente as marcas identitárias de um povo devem ser consideradas e
validadas, anula-se as diferenças e a importância de cada pessoa, de cada povo na história de
seu país e do mundo também. Na parte seguinte será refletida um pouco dessa perspectiva
“monocultural” do conceito de Cultura e também o conceito de cultura e culturas, dando
ênfase na perspectiva das “pessoas que emitem essas vozes” (DIAS, 2011).

3.2 DIÁLOGOS CULTURAIS, PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E CULTURAS


POPULARES

Nessa parte do texto serão discutidos os conceitos de Cultura e culturas. Na primeira


parte deste texto, a cultura foi utilizada no singular e com a letra minúscula porque foi
refletida à luz das particularidades de cada cultura, desde os estudos da etnomusicologia.
Vale ressaltar que não é a intenção do texto trabalhar os conceitos culturais de uma
forma mais aprofundada, até porque a discussão desses termos é bem complexa e existem
muitos estudos diferentes sobre as questões culturais. A intenção é de trazer alguns diálogos
sobre a cultura, para compreender melhor as discussões deste capítulo e a sua ligação com a
temática da pesquisa.
Nesse sentido, “assiste-se atualmente a um crescente interesse pelas questões culturais,
seja nas esferas acadêmicas, seja nas esferas políticas ou da vida cotidiana. Em qualquer caso,
parece crescer a centralidade da cultura para pensar o mundo” (VEIGA-NETO, 2003, p. 5).
Refletir a cultura é refletir a vida das pessoas, porém, nem sempre a cultura foi vista numa
perspectiva plural, de respeito às muitas culturas existentes, mas sim sobre a “Cultura” que:

foi durante muito tempo pensada como única e universal. Única porque se referia
àquilo que de melhor havia sido produzido; universal porque se referia à
humanidade, um conceito totalizante, sem exterioridade. Assim, a Modernidade
45

esteve por longo tempo mergulhada numa epistemologia monocultural. (VEIGA-


NETO, 2003, p. 7).

Tempos em que uma “Cultura” precisava ser seguida, valorizada e considerada. Na


música, por exemplo, as músicas e os instrumentos e as técnicas musicais vieram da Europa e
tiveram muita influência sobre o Brasil, muitas vezes, considerando que essa é a única
“Cultura” que precisava ser seguida pelos “países colonizados que, por violentos processos de
exclusões e epistemicídios, dizimaram culturas e saberes locais em prol da ascensão daqueles
originários ou modelados pela Europa” (QUEIROZ, 2020, p. 158).
Sobre a mudança do conceito “Cultura” para “culturas” vale destacar que:

Mais recentemente, a politicologia e especialmente os Estudos Culturais foram


particularmente eficientes no sentido de desconstruir – ou, às vezes, no sentido até
de detonar – o conceito moderno e nos mostrar a produtividade de entendermos que
é melhor falarmos de culturas em vez de falarmos em Cultura.
Em qualquer caso, esse deslocamento está fortemente conectado à vasta crise da
Modernidade. […] Muito mais do que isso, tal deslocamento é inseparável de uma
dimensão política em que atuam forças poderosas em busca pela imposição de
significados e pela dominação material e simbólica. Se o monoculturalismo coloca a
ênfase no Humanismo e, em boa parte, na estética, o multiculturalismo muda a
ênfase para a política. […] É fácil compreender o quanto tudo isso se torna mais
agudo quando se trata de significações no campo da cultura, justamente o campo
onde hoje se dão os maiores conflitos, seja das minorias entre si, seja delas com as
assim chamadas maiorias (VEIGA-NETO, 2003, p. 11).

Mesmo com essa visão multiculturalista, ainda vigora a ideia da “Cultura”. Um


exemplo disso é a pesquisa de Queiroz (2020), analisando os conteúdos do ensino superior em
música. Em seus estudos concluiu que “[n]as vinte importantes instituições de ensino superior
de música no Brasil, [...] a imposição colonial que marcou a trajetória institucional da música
no país é, ainda, por uma série de traços de colonialidade, demasiadamente imponente”
(QUEIROZ, 2020, p.168-169). Sobre o diálogo e as compreensões do diálogo cultural, vale
destacar que:

uma compreensão […] mais consensual hoje em dia, a cultura no singular, as


culturas no plural, assim como os mundos sociais que elas constituem, e de que são
parte, devem ser representadas/os bem mais como tessituras de diferentes tecidos,
em que variados tipos de fios e de tons de cores estão diversa e dinamicamente
entrelaçados. […] E mesmo ocupando posições e territórios diversos, e partilhando
fronteiras diferentes no todo-da-sociedade de que fazem parte, todos eles se
mesclam e interagem em e entre todos os diversos pluri-espaços, domínios e campos
sociais que constituem (BRANDÃO, 2019, p. 112).

Assim, mesmo diante de uma “Cultura” que ainda, persiste em existir, é preciso
continuar discursando, escrevendo e também vivenciando a valorização “das culturas” nas
46

muitas culturas existentes e também “a cultura” quando se olha a cultura de cada pessoa, de
cada grupo social em forma de tessituras, para que a desconstrução da “Cultura” seja
contínua.
Vale ressaltar que as “diferenças culturais aparecem recorrentemente como um
‘problema’ quando movimentos de integração homogeneizadora procuram suprimi-las ou
mantê-las sob controle. Ou ainda tenta desconsiderar contradições políticas e econômicas e
‘naturalizar’ o campo cultural” (ROCHA; TOSTA, 2009, p.120). Essas diferenças culturais
estão relacionadas às diferentes manifestações da cultura popular, “que é vista como banal e
insignificante da vida cotidiana, e geralmente é uma forma de gosto popular considerada
indigna de legitimação acadêmica ou alto prestígio social” (GIROUX; SIMON, 2013, p. 111).
Dias (2011) em sua tese sobre as práticas coletivas de canto, pergunta aos coralistas
quais foram os motivos para entrar nos grupos33 que foram pesquisados por ela. A autora
classificou em razões estéticas, razões sociais e razões terapêuticas. Nas razões estéticas
destaca que “alguns [...] declararam que gostavam de música desde crianças […] Outros,
porque já haviam estudado piano há muito tempo e se queixaram da falta de contato com a
música por muitos anos” […] (DIAS, 2011, p. 77). As razões sociais “dizem respeito tanto à
busca do estabelecimento de relações entre as pessoas como às ações de solidariedade humana
que possam ser desenvolvidas pelos coros, como revelam os dados recolhidos nas entrevistas”
(DIAS, 2011, p. 77). Nas razões terapêuticas, “é comum encontrar pessoas que buscam [...]
um espaço de terapia no qual elas encontram uma forma de assegurar a constituição de suas
subjetividades”. O que essas razões têm em comum é que foram “cultivadas” no cotidiano,
em momentos que despertaram essa vontade de fazer parte do canto em grupo.
Nesse sentido, as vivências consideradas simples, cotidianas precisam ser valorizadas
na perspectiva dos aprendizados. Pois,

qualquer prática que intencionalmente busque influir na produção de significados é


uma prática pedagógica. Isso inclui múltiplos aspectos: educação dada pelos pais,
produção de filmes, trabalho pastoral, serviço de assistência social, de assistência à
saúde, arquitetura, direito, publicidade e muito mais. Todas essas são formas de
trabalho cultural (GIROUX; SIMON, 2013, p. 131. Grifos nossos).

Essa intencionalidade parece estar em destaque somente no espaço escolar, sendo


considerada muitas vezes como único e suficiente espaço de aprendizagem. Se isso é

33
“Coro Ação” e “Coro Vida”.
47

verdadeiro, significa que as pessoas que estão fora da escola não aprendem? Não estão
vivenciando práticas pedagógicas nos espaços além da educação formal?
É preciso ter “uma noção ampla e politizada de pedagogia, uma pedagogia que
reconhece seu lugar em múltiplas formas de produção cultural, e não simplesmente naqueles
espaços que vieram a ser rotulados de ‘escolas’” (GIROUX; SIMON, 2013, p. 130-131).
Portanto, essas visões reduzidas de educação ocultam os potenciais de uma educação
abrangente, de práticas pedagógicas que enxergam essa intencionalidade em muitos outros
espaços. Fragmentar a educação é não considerar a ligação escola-educação-vida na formação
do ser humano, que se dá para além dos espaços escolares. Esse olhar restrito sobre a
educação fragmenta o ser humano, não abrindo espaço para observar a vida humana de forma
integral.
“‘Deselitizar’ concepções, espaços, repertórios, demandas e experiências […] é na
atualidade nosso maior desafio. Desafio que precisa ser vencido para que possamos ir ao
encontro do que se espera de uma educação que lide com a diferença e com a inclusão social”
(QUEIROZ, 2005, p. 59).
Brandão (2019) contribui para vencer esse desafio, pois destaca que “no interior
profundo das culturas populares existem verdadeiras modalidades de uma ‘educação
extraescolar’, cujo valor apenas agora começamos a entrever” (BRANDÃO, 2019, p. 130). E
acrescenta apresentando exemplos dessa educação, “com os povos indígenas, cantando e
dançando, observando como-se-faz-e-fazendo, jogando e trabalhando ao lado dos “mais
velhos”, os “mais jovens” convivem com aprendizados simples e complexos que vão dos
segredos do plantio do milho até os de uma Folia de Santos Reis”34 (BRANDÃO, 2019, p.
130).
São as interações entre esses e outros povos, em situações cotidianas que a educação
também é pulsante, se faz viva em pessoas reunidas para aprender umas com as outras,
realizando diferentes “práticas pedagógicas” (SIMON; GIROUX, 2013). Entre tantas
diferenças se encontra algo em comum, a vontade de saber, de aprender.
Posto que é necessário “[...] uma política da diferença e do fortalecimento do poder,
que sirva de base para o desenvolvimento de uma pedagogia crítica através das vozes e para
as vozes daqueles que são quase sempre silenciados” (GIROUX; SIMON, 2013, p. 110).

34
No capítulo 6 do seu livro O canto e a prece, a troca e o dom o que acontece quando os foliões de Reis viajam
de casa em casa, o autor disserta sobre a pesquisa com os “criadores e atores de pequenos rituais camponeses
do Brasil: as Folias de Santos Reis e a Dança de São Gonçalo”. (BRANDÃO, 2019, p. 141).
48

No desenrolar deste texto se discute sobre a voz no aspecto da produção e ressonância


vocal ao cantar, em que a voz falada se transforma em canto, ecoando os timbres de cada
cantor. Já o conceito de voz dos autores está relacionado ao ato de ouvir as inquietações das
pessoas que precisam “produzir e ecoar” as suas vozes, no sentido de falar as suas opiniões, o
que as incomodam, quais são os direitos que podem estar sendo negados a elas, entre outros.
Uma pedagogia crítica que está ligada as pessoas muitas vezes tratadas como invisíveis ou
com um desprezo, constantemente inferiorizadas, onde ainda a visão da “Cultura” contribui
para os males da negativa do respeito às diferenças. Será que emitir a sua própria “voz” (no
sentido da emissão vocal no canto coletivo) pode ajudar no processo de dar ouvido à “voz” às
inquietações das pessoas (segundo o conceito de voz de Giroux e Simon)?
Sendo assim, as discussões sobre a etnomusicologia, a pedagogia crítica e as culturas
populares ajudam no processo de aumentar o alcance das práticas coletivas de canto, tornando
um espaço para “ecoar” diferentes vozes, inclusive das vozes “quase sempre silenciadas”.
Nesse sentido é preciso fazer o exercício de observar, analisar e discutir através das
brechas35,

pois, se recebemos um amontado de saberes e estratégias de formação “prontas”,


dadas pelo determinismo social e cultural, é preciso ter a convicção de que há nesses
aspectos “brechas” para o preenchimento de novos conhecimentos, novas
conjecturas, novas relações. Assim, mesmo dentro desse determinismo é possível
“criar” novos conhecimentos musicais, novos caminhos de formação em música [...]
(QUEIROZ, 2017, p. 176).

Uma pedagogia das “brechas”, dos diferentes espaços e das possibilidades, dialogando
com a cultura- representada pelas tessituras- a música, a etnomusicologia, aprendendo e se
interagindo com os seres humanos que estão em diferentes culturas, na cultura popular. “Que
eles nos ajudem a compreender como afinal uma cultura ‘se cria, se vive, se pensa e se
partilha’” (BRANDÃO, 2019, p. 141).

35
“[...] é preciso buscar, a partir das brechas existentes na cultura, contribuir para o realinhamento e a
ressignificação da própria cultura.” (QUEIROZ, 2017, p. 185).
49

3.3 O “ENCONTRO” PARA CANTAR COMO POSSIBILIDADE DE OUVIR


“A VOZ DE VIDA” E A “VOZ DE CANTO” DE CADA PESSOA: VOZES
POÉTICAS, CANTADAS E FALADAS

Essa parte do texto pesquisa autores que se dedicaram a trazer depoimentos dos
coralistas em seus textos, externando as opiniões deles nas práticas corais e de como
absorvem e expressam esse tipo de cantar em suas vidas. Tudo isso para trazer um esboço da
sensação de “como o canto canta” na vida dessas pessoas.
Os depoimentos fazem parte da pesquisa de campo feita pela Leila Miralva Martins
Dias no “Coro Ação” e no “Coro Vida” nas entrevistas individuais e coletivas em que as
“vozes” dos coralistas são ouvidas nas suas impressões sobre o canto coletivo, mostrando
também um pouco das características de cada grupo pesquisado. As subdivisões dessa parte
mostram a sequência de vivências das práticas coletivas de canto, tendo como primeira parte,
a entrada e a interação das pessoas que estão no grupo com as recém-chegadas, na segunda
parte, os momentos de ensaio e na terceira parte as apresentações.

3.3.1 Relação entre eu e o outro: o conhecimento e a interação entre os coralistas

Na parte anterior Simon e Giroux (2013) escreveram sobre as vozes das pessoas no
sentido de ouvi-las em suas “inquietações” para que haja “o desenvolvimento de uma
pedagogia crítica através das vozes e para as vozes daqueles que são quase sempre
silenciados” (GIROUX; SIMON, 2013, p. 110).
Hadjadj (2015) reflete sobre a voz do canto numa linguagem poética: “Minha voz está
no seu ouvido mais do que no meu, de modo que essa pressa do meu ser soprado que me
escapa e se encontra mais em você do que em mim mesmo.” (HADJADJ, 2015, p. 395). E
continua dizendo que: “Reciprocamente, posso ouvir ressoar em mim aquilo que não é de
mim: a voz de outro, que então é mais íntima e mais exterior do que a minha” (HADJADJ,
2015, p. 395).
Nesse sentido, o ressoar de vozes é importante não só no canto coral, mas sim que o
ressoar de vozes seja também por consequência um ressoar de “vozes de vidas” no sentido de
Simon e Giroux, ressoando caminhos, decisões, futuros, aprendizagens em constante
interação com o outro, ou seja, “a voz do outro precisa ressoar em mim” de uma forma que
também é preciso ouvir e dialogar com o outro, num ouvir e falar ao mesmo tempo individual
50

e coletivo, que une as vozes do canto “as vozes de vidas” numa mesma sintonia, a do ser
humano.
Aliás, a rotina das práticas coletivas de canto36 com os ensaios, a agenda a se cumprir,
não pode “abafar” a interação entre os coralistas nesse diálogo de vidas. Pois, retomando a
citação de Queiroz (2017) “as notas que configuram um acorde não são mais musicais 37 do
que o que o som desse acorde representa para quem o ouve” [...] (QUEIROZ, 2017, p. 181).
Continuando seu raciocínio, “os intervalos, motivos, frases e sentenças que constituem uma
obra musical, não são mais importantes e mais musicais do que o que essa música representa
para as pessoas que a interpretam, a ensinam e a ouvem” (QUEIROZ, 2017, p. 181).
“Minha voz é meu corpo fundamentalmente dirigido a meu próximo”. (HADJADJ,
2015, p. 395). Essa “aproximação” entre eu e o outro faz parte de todo processo musical e
Queiroz (2017) demonstra a importância de se enxergar a música de uma forma mais
abrangente.
A propósito, como é a “aproximação” entre eu e o outro a algum coralista novo que
entra no coral? Isso depende de vários fatores como: se já tem amigos próximos ou parentes
que fazem parte do canto em grupo, se conheceu os coralistas numa apresentação e ficou com
curiosidade de participar, se já tem vivências em outros locais do canto coletivo, entre outros.
A Laura, entrevistada pela autora Leila Miralva Martins Dias, relatou em seu depoimento
como foi essa experiência de acolhida ao “Coro Ação”:

No primeiro dia eu fiquei (...) mas ninguém me disse nem a, nem b,


ninguém comentou nada. No segundo dia eu já comecei a conversar com as pessoas
e agora eu me sinto muito bem. Muito bem acolhida. Claro, eu não converso com
todas as pessoas, mas (...) já fui acolhida no grupo. Já saímos. Então eu me senti
assim, acolhida no coral, porque eu acho que também a regente é uma pessoa
especial, eu acho que ela é uma pessoa muito receptiva. (...) Já fiz a vida social
assim com o grupo. Fui muito bem acolhida (Entrevista com Laura, Coro Ação,
2009) (DIAS, 2011, p. 97).

No canto coral as vozes se conectam, e a acolhida é uma forma de iniciar a conexão


com a voz do outro, e com o tempo, com a vida do outro, com os sonhos do outro, com a
forma de se expressar do outro. Nos ensaios as pessoas se concentram para conseguir dominar
a linha melódica de uma música, compreendendo a parte do seu naipe (soprano, contralto,
tenor ou barítono) e também um pouco das partes dos outros naipes, caso a música seja a
quatro vozes, ou também a duas ou três vozes. Vale destacar que muitos coralistas precisam

36
As características da prática coral foram apresentadas no capítulo 1.
37
O autor explica que “a separação entre os elementos musicais e não musicais” [...] “é artificial e, além disso,
complemente equivocada” [...] (QUEIROZ, 2017, p. 181).
51

de um colega do seu naipe para que “cante” ao seu lado as notas, para que tenham segurança
em aprender essas notas. É o outro que ajuda, é ouvindo o outro que as notas são “acertadas”
e essas pessoas muitas vezes tem dificuldade de estudar em casa porque seu colega não está
presente. É essa e outras vivências do canto coletivo que aproximam as pessoas, faz com que
essas interações sejam momentos de um ressoar de “vozes de vidas”, pois “minha voz se
eleva a partir das vozes daqueles próximos a mim, aquilo que me é mais pessoal a partir
daquilo que é outro” (HADJADJ, 2015, p. 395). Para completar esse raciocínio é preciso
ouvir as “vozes” da entrevista coletiva do “Coro Ação”:

Valorizar a característica de cada um. Isso é muito bonito desse coral! Não é assim,
todo mundo tem que cantar igual ou tem que cantar (...) não, é como é que tu cantas?
Como é que tu és? Lembro muito da regente nos primeiros dias se aproximando de
cada um, sentindo como cada um é. E o que tu gosta de cantar, e como é que
funciona. E agregar o que cada um tem de melhor, cada um quer trazer pro coral e
não ter que forçar, assim, uma coisa (Entrevista coletiva, Coro Ação, 2009) (DIAS,
2011, p. 62).

Outro momento importante para o canto coral é a realização dos ensaios que são
momentos de aprendizado, interação e concentração num relacionamento constante entre os
coralistas com a pessoa que rege o coral. Essa parte que será explanada no tópico abaixo.

3.3.2 O canto coral nos ensaios

Os ensaios são essenciais para o aprendizado das músicas na formação do repertório


no canto coral. São vários momentos de interação intensa entre os coralistas e o regente, pois
além do aprendizado de novas músicas é preciso que músicas “antigas” sejam retomadas para
que não sejam esquecidas ou para o aprendizado dessas músicas por novos coralistas.
O cantar no ensaio envolve o aprendizado ou a retomada das notas, duração,
intensidade e ritmo de cada música, e, nesse processo, o regente faz seus movimentos no ar
para ajudar na “busca” pela emissão de cada nota certa, enfatizando com os olhares e gestos
para que ela “não se perca”.
Assim sendo, Figueiredo (2010) destaca que uma “ferramenta indispensável é a
capacidade de desenvolver a comunicação através dos gestos, a famosa técnica de regência”.
(FIGUEIREDO, 2010, p. 6). O autor comenta sobre a dificuldade de acesso a esses tipos de
cursos, “[pois] é preciso ir atrás de oportunidades nos cursos de férias e outros tipos de
encontro que ocorrem em vários pontos de nosso país” (FIGUEIREDO, 2010, p. 6).
52

Vale destacar que a concentração dos coralistas enquanto acompanham a regência


precisa ser intensa e que, caso estejam distraídos, o regente percebe e procura saber o que está
acontecendo, para que os coralistas retomem a concentração. Destaca-se ainda que os ensaios
fazem uma boa preparação para as apresentações, para que os cantores cumpram repertório
com calma e concentração evitando que as “distrações” dos locais das apresentações possam
tirar o foco do olhar do regente, da concentração individual e em grupo.
Pode ser também que uma dessas “distrações” seja justamente o olhar do próprio
grupo sobre as apresentações. Quando essa prática está “[...] alicerçada somente na
apresentação, no palco, no aplauso, suspeita-se que não está ocorrendo suficiente
compreensão ou interesse comum entre seus membros, enfatizando-se, assim, a
individualidade de seus integrantes ou do regente” (FIGUEIREDO, 1990, p. 3). E continua
seu raciocínio dizendo que “[...] a performance é o reflexo de um momento anterior- o ensaio
- e se ela não é bem sucedida, algo está insuficiente na compreensão ou na preparação do
grupo” (FIGUEIREDO, 1990, p. 3). Assim como as práticas dos corais não podem estar
fixadas “no palco, no aplauso”, sem a devida atenção aos ensaios, da mesma forma não é
possível pensar o canto coletivo sem que haja uma interação intensa entre regente-coralistas.
Nesse sentido, nos ensaios do “Coro Ação” os coralistas “participam da elaboração de
alguns arranjos musicais” (DIAS, 2012, p. 63). O depoimento abaixo mostra um pouco como
funciona esse processo:

O fazer arranjos também que às vezes ela nos dá exercício, separa o grupo, tal grupo
vai trabalhar com tal coisa, tal grupo vai inventar tal sons, tem que fazer tais sons.
Isso eu acho que também faz muito esse movimento da música dentro da gente.
Porque aí a gente tem como base o trabalho que ela nos dá. Mas em cima daquilo
nós temos que criar. E isso leva muito ah, a gente, sair do ponto inicial e demonstrar
o serviço (Entrevista coletiva, Coro Ação, 2009) (DIAS, 2012, p. 63. Grifos nossos).

Os ensaios são momentos intensos de “movimento da música” em que as músicas


podem precisar de algumas adaptações no arranjo ou até mesmo serem retiradas do repertório,
porque o foco do canto precisa estar nas pessoas, para que elas se sintam confortáveis ao
cantar, para que se sintam confortáveis ao aprender o que essa vivência em grupo pode lhe
proporcionar, sem que o regente “empurre” músicas que não fazem parte do nível de
aprendizado daqueles coralistas e das quais não possam participar do arranjo musical, assim
como acontece no Coro Ação.
Os ensaios do “Coro Vida” também suas peculiaridades porque “após os ensaios, os
cantores, como são chamados pela regente, vestem o uniforme do coro, fazem um lanche e
53

sobem para o último andar do hospital para se apresentarem ao longo dos corredores dos
quatro andares [de um hospital de Porto Alegre], por cerca de noventa minutos”. (DIAS,
2011, p. 64). Os ensaios e as apresentações acontecem no mesmo dia, além do público não
precisar ir ao local de apresentação, os coralistas vão até os parentes, os pacientes e
funcionários do hospital. O depoimento contará um pouco sobre essa experiência:

Para mim está sendo uma maravilha, porque eu acho que o instrumento da gente é a
voz38, estar usando o próprio corpo, estar usando a própria voz, e tu expressas todos
os teus sentimentos, tuas emoções. E a voz, tu tens toda a harmonia, e isso aí te dá
um equilíbrio emocional, a harmonia da voz, é um equilíbrio emocional para as
pessoas, fora o que a gente proporciona para as outras pessoas. E isso é importante,
o trabalho voluntário, também é outra coisa importante (Entrevista coletiva, Coro
Vida, 2009) (DIAS, 2011, p. 70).

Na entrevista coletiva uma coralista relata sobre a falta de tempo de uma interação
maior entre ela e as colegas, de que a rotina de certa forma tem “abafado” essas interações e
comenta sobre a importância do ensaio: “[...] Mas acho que o nosso elo, ele se fortalece no
ensaio, no treino mesmo, aonde eu tenho que ir te ouvir, mesmo não conversando, não
sabendo da tua vida, não sei o que, é ali...” (Entrevista coletiva, Coro Vida, 2009). (DIAS,
2011, p.102). Hadjadj (2015) ao comparar a fala com o canto escreve que “[...] a palavra
própria e a escuta do outro não estão mais em tempos diferentes, sendo aliás sua
simultaneidade a condição para cantar efetiva e verdadeiramente em coro” (HADJADJ, 2015,
p. 399). O cantar vem como “[...] recolhimento do eu e do mundo numa ressonância afetiva”.
(HADJADJ, 2015, p. 399).
Os ensaios são momentos para trabalhar a “ressonância vocal” para dar segurança aos
coralistas na execução dos arranjos das músicas e outros aspectos relacionados ao “cantar”
que foram citados nessa parte e também no primeiro capítulo. No entanto, é necessária
também a “ressonância afetiva” na perspectiva de “vozes de vidas” que foram refletidas nesse
texto. Que a cada ensaio, a cada “encontro para cantar” as pessoas possam se fortalecer em
suas interações sociais, na confiança e no afeto em si mesmo e também com o outro. Que o
domínio das linhas melódicas de cada música também leve ao conhecer algumas linhas
melódicas da “música de vida” do outro. Dias (2011) ressalta que é preciso observar os
coralistas na perspectiva “das pessoas que emitem essas vozes, tentando compreender os seus
pensamentos através de suas atitudes, seus gestos, seus sinais [...] Busco nesse ‘entoar

38
Muitas vezes os coralistas vão entender que a voz é um instrumento musical nos espaços do coral, um
instrumento musical que está no próprio corpo e sobre isso vale ressaltar que foram feitas algumas discussões
no capítulo 1.
54

conjunto de vozes’ identificar sentidos e transformações que o coro produz em suas vidas”
(DIAS, 2011, p. 31).

3.3.3 O canto coral nas apresentações

As apresentações são momentos importantes que fazem parte das vivências dos grupos
de canto coral. É quando os coralistas apresentam “o seu canto coletivo” como um todo: no
seu repertório, na sua forma de cantar, na confiança e na interação entre os coralistas-regente,
entre outros. São oportunidades para apresentar ao público as músicas que foram ensaiadas,
seja em uníssono ou a mais vozes, nos gestos trocados entre os coralistas, na coreografia
combinada, na concentração do regente que apoia a execução de cada parte do arranjo da
música e entre outros. Tudo isso acontece com a emoção de “estar ali para se apresentar” para
se mostrar a esse público. É momento que se desenvolve a interação dos coralistas com o
público.
Vale destacar que os “Festivais de Corais” são apresentações coletivas que reúnem
grupos de algumas cidades do Brasil e até de alguns países do mundo na cidade sede39.
Cidade que por uma ou duas semanas “respira música” com várias apresentações acontecendo
ao mesmo tempo em diferentes partes da cidade (praças, parques, igrejas, entre outros). Em
especial nesses festivais, pode acontecer a utilização de uma mesma música por dois grupos
diferentes na mesma apresentação. E a música é apresentada de duas formas diferentes, não
somente pela diferença do arranjo musical, mas também, pelo comportamento dos coralistas e
do regente na apresentação, a sonoridade, o ritmo, a forma de cantar (se em uníssono ou com
divisão de vozes e entre outros) e também a interpretação da música, pois, “assim como no
teatro, as repetições nunca se repetem. As variações são inevitáveis. [...] O concertista pode
arrastar toda a noite a mesma partitura: ele nunca toca a mesma coisa, ou do contrário não
tocaria mais” (HADJADJ, 2015, p. 404).
Sobre como as apresentações são importantes para os coralistas é preciso trazer alguns
relatos de como vivenciam esse momento. O “Coro Vida” se apresenta uma vez por semana
após o ensaio em um hospital, e é pela entrevista coletiva que elas relatam essa experiência:

E gosto muito de ir para o hospital, porque a gente leva muita esperança, as pessoas
ficam tocadas, eu acho lindo, eu sempre me emociono ali, quando eu entro ali nos
corredores... Algumas pessoas... até, não posso olhar muito, porque me emociona.

39
Algumas cidades do Sul de Minas costumam sediar os Festivais de Corais, entre elas São Lourenço e
Caxambu.
55

Eu acho que a música, ela toca fundo. A gente tem muitas histórias, de pessoas que
ouvindo a música, se abriram mais. [...] (Entrevista coletiva, Coro Vida, 2009)
(DIAS, 2011, p.70)

O “Coro Ação”, através da coralista Noelia também relata a experiência da


apresentação:

Ah, eu acho que quando sorri para plateia, a plateia sorri para o coro. (...) como o
nosso coro é muito informal (...) eu acho que o nosso corpo se movimenta bastante.
(...) a gente logo nota que as pessoas começam a sorrir, a dançar, principalmente
nesses shows que a gente fez assim [com movimento]... Tem horas do show que a
gente vai pro meio, as gurias vão para o meio da plateia assim, e dançam e puxam as
pessoas, tanto que no final dos shows é difícil quem não levante e comece a dançar e
cantar. Então, eu acho que o coro convida as pessoas, o coro procura trazer sempre a
plateia para o que ele está fazendo... (Entrevista com Noelia, Coro Ação, 2009).
(DIAS, 2011, p. 133)

Vale ressaltar também que o repertório de músicas das práticas coletivas de canto tem
a sua importância, desde as escolhas das músicas e o trabalho com elas nos ensaios e até o
momento das apresentações.
Sobre a relação de identificação entre as músicas e os coralistas Lima (2007, p. 134)
afirma que “ao cantar uma obra musical, texto, melodia, ritmo e harmonia se misturam
fazendo despertar diferentes emoções no cantor”. A autora continua seu raciocínio dizendo
que “a forma de perceber [...] [a música] não será necessariamente a mesma para todas as
pessoas, uma vez que cada cantor leva consigo um conjunto de experiências anteriores que
interferirão na forma como esse recebe a música” (LIMA, 2007, p. 134).
Essas vivências citadas pela autora ocorreram na minha trajetória musical como
coralista, na participação de alguns grupos em diferentes fases da vida (infância, adolescência
e vida adulta) e nesse “caminho” algumas músicas se destacaram e, por isso, duas obras serão
apesentadas nesse texto com trechos das partituras e letras: “Anel mágico” e “Ai que saudade
d’ocê”.
56

Figura 1 – Partitura Anel Mágico40

Fonte: Repertório do coral Canto de Luz41

Se os corações e as mentes se unirem. Num grande anel com a força da paz. A luz
do amor que aquece as estrelas. Irá nos iluminar. A vida é tão breve. E há tanto por
fazer. Por que então matar e morrer? Crianças da África. Crianças da América.
Crianças da Ásia. Europa e Brasil. Crianças da Terra. Herdarão a paz. Herdarão a
paz (VIANA, 1996).

Essa partitura da música Anel Mágico é a três vozes (soprano, contralto e barítono) e
também têm outras informações na partitura como as cifras, a letra seguindo a linha melódica,
a clave de Sol e a clave de Fá, as notas com as figuras rítmicas, entre ouros. Como a letra da
música tem como assunto as crianças do mundo, costuma ser aproveitada em grupos infantis.
Vale ressaltar que a letra da música na partitura é importante, porque ela tem “traços
longos” que indicam o prolongamento das notas e “argolas” que indicam a união de duas

40
Primeira música que aprendi a cantar em um coral, no Coral Infantil Anel Mágico de Cristo Ressuscitado em
Jacareí- SP com o regente Rodrigo Lopes da Silva. O período de participação do coral foi dos 11 aos 16 anos.
41
Disponível em: https://www.fundacaoespiritacarita.org.br/index.php/coral-canto-de-luz/8-relacao-completa-
do-repertorio.html.pdf. Acesso em: 21 set. 2021.
57

palavras numa nota só, um exemplo disso é o compasso vinte e cinco. Os coralistas muitas
vezes têm contato com as partituras pela primeira vez no canto coletivo, e depois passam a
acompanhar a letra pela partitura e, aos poucos, percebem as notas agudas e as notas graves, a
duração das notas, a intensidade, ou seja, vão compreendendo a partitura em suas partes e
disso pode vir o interesse em aprender teoria musical.

Figura 2 – Partitura Ai que saudade d’ocê42

Fonte: Site da prefeitura de Itajubá43.

Não se admire se um dia. Um beija-flor invadir. A porta da tua casa. Te der um beijo
e partir. Fui eu que mandei o beijo. Que é pra matar meu desejo. Faz tempo que eu
não te vejo. Ai que saudade d'ocê. Se um dia ocê se lembrar. Escreva uma carta pra
mim. Bote logo no correio. Com a frase dizendo assim. Faz tempo que eu não te
vejo. Quero matar meu desejo. Te mando um monte de beijo. Ai que saudade sem
fim. E se quiser recordar. Aquele nosso namoro. Quando eu ia viajar. Você caía no
choro. Eu chorando pela estrada. Mas o que que eu posso fazer. Trabalhar é minha
sina. Eu gosto mesmo é d'ocê (FARIAS, 1984).

42
Música que aprendi a cantar no coral de uma empresa em São Lourenço- MG com o regente Cyro Costa. O
período de participação foi, aproximadamente, dos 16 aos 20 anos.
43
Disponível em: http://www.itajuba.mg.gov.br/secut/coral/Ai_que_saudade_d_oce.pdf. Acesso em: 21 set.
2021.
58

A partitura dessa música está a duas vozes, na primeira linha estão as sopranos e
contraltos e na segunda linha os tenores e baixos. Além das características das partituras em
geral, essa partitura tem uma “característica própria”, pois tem a palavra “segura” escrita à
mão entre os compassos dez e onze. É preciso ressaltar que a marcação das partituras, seja
escrevendo palavras ou fazendo setas, pequenos desenhos entre outros é comum no canto
coletivo, para que possam entender melhor a partitura e ajudar no processo de aprendizagem
não só da sua voz, mas também da música como um todo. Essa música é cantada com
frequência nas apresentações e festivais. Cada grupo interpreta a música a sua maneira,
transmitindo a leveza da melodia com o ritmo dançante.
As músicas que se destacam nas práticas coletivas de canto guardam significados
diferentes de um coralista para o outro, porque cada pessoa vai “guardar” os momentos
considerados importantes, seja nos ensaios, nas apresentações ou até mesmo pelas
dificuldades ao aprender e superar a linha melódica de alguma música.

À flor do canto, através dessa espécie de ubiquidade na voz, pode despontar a


esperança de um corpo sutil: [...] [ser dominante] dos lugares, contendo o espaço
mais do que é contido por ele, capaz de nele expandir sua atmosfera, [...] envolvendo
todas as coisas com a sua ternura (HADJADJ, 2015, p. 395).

Que a cada palavra dita, a cada música citada, a cada sentimento e comportamento
relatado possa ter trazido também um pouco da prática viva do canto coletivo com a “música
em movimento”, não se esquecendo “da ternura do cantar.”
59

4 “RESSONÂNCIAS AFETIVAS” DO CANTO CORAL

O presente capítulo irá dialogar com o conceito de ressonância afetiva partindo do


conceito de ressonância vocal, destacando o conceito de afetividade e a atuação da
ressonância afetiva nos grupos de canto coral. A seguir o texto irá tecer um diálogo entre a
compreensão humana, a antropologia da educação e a etnomusicologia, ressaltando aspectos
dessas áreas que ajudam a analisar os estudos da relação entre pessoa-educação-música. Por
fim será retomado alguns aspectos importantes dos capítulos anteriores para compreender
melhor a abrangência da educação não formal e do canto coral num diálogo “para além”.

4.1 O CANTO CORAL COMO INSTRUMENTO PARA O “ECOAR” DAS


“RESSONÂNCIAS AFETIVAS”

O cantar vem como “[...] recolhimento do eu e do


mundo numa ressonância afetiva”. (HADJADJ, 2015,
p. 399).

[...] Frases que o vento vem às vezes me lembrar.


Coisas que ficaram muito tempo por dizer. Na canção
do vento não se cansam de voar [...] (BASTOS;
BORGES, 1972).

4.1.1 As ressonâncias afetivas como parte “das entrelinhas” do canto coral

Para apresentar melhor o conceito de ressonância afetiva, é preciso saber qual é a


função da ressonância vocal no canto. Segundo Károlyi (2015), a voz é produzida através da
“vibração das duas minúsculas cordas vocais situadas na nossa laringe. Essas cordas são
postas em vibração pelo ar expelido por nossos pulmões. [...] O som é reforçado pelas
cavidades bucal, nasal e craniana, que servem como caixas de ressonância” (KÁROLYI,
2015, p. 141. Grifos nossos).
Essas caixas de ressonância fazem com que as vozes tenham uma potência, ecoando
pelo espaço e, dependendo da acústica do lugar, dão mais intensidade ainda a essas vozes.
Sobre a ressonância vocal, algumas partes do corpo ajudam nesse processo de “ecoar”
a voz, de “ir para fora de si” para que a voz seja ouvida e que a ressonância possa acontecer.
Hadjadj (2015) numa linguagem que vai além da técnica vocal, escreve que: “Se a voz
se forma na cavidade faríngea, é de lá que ela é emitida, mas não é lá que ela se encontra”
(HADJADJ, 2015, p. 394).
60

O que é interessante destacar é que a linguagem poética e a linguagem técnica se


complementam. A técnica vocal faz parte do processo do cantar, de como cantar melhor, mas
também não se pode resumir o canto à produção da voz e a ressonância vocal.
O cantar vem como “[...] recolhimento do eu e do mundo numa ressonância afetiva”
(HADJADJ, 2015, p. 399). Ao trazer o conceito de ressonância vocal pode-se refletir o olhar
da “ressonância afetiva”, unindo os dois conceitos numa ressonância de vidas, de afetos, que
acontecem nos espaços das práticas coletivas de canto, em especial nos espaços de educação
não formal.
O afeto traz um sentido ao conceito de ressonância afetiva. Sobre qual viés do
conceito de afetividade este texto se apresenta? Ao observar o conceito de afetividade no
Dicionário Paulo Freire, vale ressaltar alguns trechos:
“Entende ‘afetividade’ como um estado de afinidade profunda com os outros seres
humanos, capaz de dar origem a sentimentos de amor, amizade, altruísmo, maternidade,
paternidade, solidariedade” (TORO, 2002 apud STRECK et al, 2019, p. 28).
Vale ressaltar que as ressonâncias afetivas precisam ser compreendidas num ecoar
positivo de afetos, numa afinidade profunda entre as pessoas, como destacou a citação
anterior, numa afetividade que faz bem às pessoas que participam do grupo, num compartilhar
de vidas e união de vozes. Quando a afetividade é vivida de uma forma deturpada 44, pode
fazer mal as pessoas. Porém isso não quer dizer que mesmo aquelas trocas positivas não
possam trazer conflitos. Esse aspecto será tratado adiante.
Assim, a afetividade se mostra nas possibilidades das interações sociais. Numa
realidade entre as pessoas (eu-outro) pode ser de forma mais ou menos intensa, mas se
apresenta também a afetividade que envolve o grupo de pessoas que se reúnem para uma
finalidade. E “a unidade afetiva de um grupo dá a ele as características de um organismo
vivo” (CAPRA, 2002 apud STRECK et al, 2019, p.28).
Ordás e Martinez (2018) comentam que as práticas coletivas de canto estão presentes
de forma intensa “[nas] relações intersubjetivas que ocorrem no interior do coro como um
organismo vivo e sujeito a um intenso processo comunicativo e interativo 45
” (ORDÁS;
MARTINEZ, 2018, p. 8. Tradução nossa).

44
Um exemplo disso são as violências cometidas contra as pessoas, em especial contra as mulheres, tendo como
justificativa a afetividade.
45
“[...] las relaciones intersubjetivas que ocurren en el interior del coro como un organismo vivo y sujeto a un
intenso processo comunicativo e interactivo.” (ORDAZ; MARTINEZ, 2018, p. 8).
61

Cada lugar onde acontece o canto coral é um organismo vivo, que ressoa a afetividade
das pessoas para o grupo e para além do grupo46, pois a ressonância afetiva será diferente de
um grupo para o outro porque são seres humanos que estão vivenciando a interação de forma
coletiva.
“O que se aprende nas entrelinhas de um ensaio, com seus bons e maus momentos, é
de uma importância vital na formação de um regente” (FIGUEIREDO, 2010, p. 07). O autor
escreve sobre a importância da formação do regente nas práticas coletivas de canto, portanto,
é possível compreender essa citação também sobre o que acontece “nas entrelinhas de um
ensaio” pelo olhar das ressonâncias afetivas. O regente, dentre as muitas funções que assume,
pode não perceber as ressonâncias afetivas ou mesmo deixá-las de lado, trabalhando com os
coralistas numa abordagem fragmentada coralista-pessoa. Vivenciar as ressonâncias afetivas
que acontecem “nas entrelinhas de um ensaio” também tem uma “importância vital” nas vidas
dos coralistas. É preciso reforçar que as “pessoas que emitem essas vozes” (DIAS, 2011) não
podem ser fragmentadas em coralistas-pessoas, pois é uma pessoa integral, não redutível
apenas à sua função no coral, que emite a voz, ou seja, a emissão e a ressonância vocal se
misturam à emissão e à ressonância afetiva.
O autor continua seu raciocínio comentando que [...] “só conseguiremos entender as
necessidades de um coralista, quando nós também tenhamos sentido as mesmas necessidades,
ao sermos coralistas” [...] (FIGUEIREDO, 2010, p. 7). É importante que o regente também
tenha sido ou ainda seja coralista, para vivenciar as situações pelo olhar de quem canta, para
comprendê-los a partir do mesmo lugar que eles. Vale ressaltar que, se o regente vivencia o
olhar dos coralistas nas ressonâncias afetivas, quando estiver na função de regente, a sua visão
poderá estar voltada para a valorização das ressonâncias afetivas que acontecem no grupo.
Neste sentido, o conceito de ressonância afetiva vai dialogar com as reflexões dos
capítulos anteriores, no viés humano-educacional-afetivo, pois através das “pessoas que
emitem essas vozes”47 em suas vidas, pulsam em seus cantos suas “vozes de vidas”48,
externando suas ressonâncias afetivas, ecoando suas vidas e sendo afetadas por elas, através
do canto coral.

46
Nos momentos de interação entre as pessoas envolvidas no canto coletivo com a plateia que assiste as
apresentações.
47
Citação de DIAS (2011).
48
Uma discussão realizada no capítulo 2, inspirado em Simon e Giroux, a respeito de ouvir as pessoas em suas
inquietações. (SIMON; GIROUX, 2013).
62

“A sonoridade de cada coro é única, na medida em que ela é o resultado da


soma da qualidade vocal de cada um de seus cantores”.49 (FIGUEIREDO, 2010, p. 11). O
canto “é a comunhão aberta em que se une ao outro até formar um único tecido sonoro”
(HADJADJ, 2015, p. 399). Esse tecido sonoro precisa estar com os fios bem entrelaçados, ou
seja, as vozes se unem para cantar em grupo, num timbre coletivo. Quando a pessoa canta
com o seu timbre vocal potente e acaba encobrindo os outros coralistas com a sua própria voz,
isso faz com que a prática coletiva de canto se transforme numa prática individual de canto, o
que compromete a formação de “um único tecido sonoro”. É como se esse “tecido sonoro”
estivesse com apenas um tipo de “fio”.
Isso acontece também pelo viés da ressonância afetiva. Não se pode ouvir apenas a
ressonância afetiva de uma pessoa, seja regente ou coralista, não se pode encobrir as
ressonâncias afetivas das outras pessoas. É preciso, sim, respeitar as ressonâncias afetivas de
cada pessoa que canta, constituindo um único “tecido sonoro de afetos”, ouvindo as
ressonâncias afetivas individuais e formando uma ressonância afetiva de um grupo.
Vale destacar que “o ‘nós’ não é impessoal. Seu plural não abole a primeira pessoa do
singular. Ele a reclama. Ele a reforça no amor” (HADJADJ, 2015, p. 401). Quando a voz de
uma pessoa encobre as outras é como se um tipo de “fio” representasse e reforçasse apenas o
“eu” e não o coletivo, o “nós”.
Nas práticas coletivas de canto e nas ressonâncias afetivas que acontecem nesses
espaços, o “nós” precisa ser vivenciado porque é o “nosso” espaço de cantar, de conversar, de
aprender. E isso traz todas as pessoas que pertencem àquele grupo, todas as vozes, pois são as
vozes de muitos que precisam formar esse “único tecido sonoro” de “vozes de vidas”.
Kreamer (2013)50 sobre o eu-tu-nós na educação destaca que “o desafio de reconhecer
o outro implica atuar na educação de tal modo que seja possível não só que eu exerça o papel
da primeira pessoa (aquela que fala) e dá valor ao tu (aquele com quem eu falo) [...]”
(KRAMER, 2013, p. 32). E continua seu raciocínio dizendo que é preciso “[assegurar] a voz
do outro (esse terceiro de quem eu/nós sempre falo ou falamos)” (KRAMER, 2013, p. 32).
Os pronomes eu-tu-nós se referem à comunicação com as pessoas. É no “nós” que os
coralistas vivenciam as interações e se fortalecem como grupo, e “é através do esforço

49
“A busca do som homogêneo não significa, necessariamente, a anulação da voz de cada cantor. Acho isso até
mesmo impossível. Cada coro deve buscar seu som homogêneo, de acordo com as características vocais de
seus cantores.” (FIGUEIREDO, 2010, p. 11).
50
A obra é Educação, arte e vida em Bakhtin, na qual a autora, que é estudiosa de Mikhail Mikháilovitch
Bakhtin, vai dialogar com a temática apresentada, que foi organizada a partir do I Encontro de estudos
Bakhtinianos.
63

coletivo que se alcança os objetivos propostos. O caminho está sujeito às imperfeições


humanas, sem correções de rumo automáticas ou ajustes digitais que propiciam falsas
impressões de acerto” (LAKSCHEVITZ, 2017, p. 17).
As relações humanas fazem parte das práticas coletivas de canto e num espaço onde
serão ecoadas as ressonâncias afetivas de várias pessoas. Mas nem sempre essas interações
serão harmoniosas e isso também fará parte do processo de aprendizagem do grupo. Esse
tema será discutido na parte a seguir.

4.1.2 O “diálogo-confronto” das ressonâncias afetivas no canto coral

Groppo (2013, p. 67) destaca “[...] que alunos, jovens e crianças não são apenas o
objeto passivo da socialização [...]” e continua dizendo que eles são “atores vitais e legítimos
desta, em seu diálogo-confronto com educadores, adultos, idosos e outros jovens e crianças”
(GROPPO, 2013, p. 67, Grifos nossos).
As pessoas não são passivas nos diferentes espaços de aprendizagem, são pessoas de
diferentes idades que participam ativamente das interações sociais, dos aprendizados que
acontecem, seja nos espaços formais, não formais ou informais, na forma de “diálogo” e na
forma de “confronto”. No canto coral isso também acontece.
Na música se trabalha com o conceito de consonância e dissonância. “O termo
consonância é usado para definir um intervalo ou acorde que proporciona um efeito
agradável, satisfatório, em contraste com um intervalo ou acorde dissonante, que gera um
efeito de tensão” (KÁROLYI, 2015, p. 82). É possível associar a consonância ao diálogo e a
dissonância ao confronto. E, assim como na música, as consonâncias e as dissonâncias se
complementam, isso também acontece com o diálogo-confronto. Os confrontos, assim como
os diálogos, trazem aprendizados ao lidar com a ressonância afetiva de forma individual e
coletiva.
Quando as ressonâncias afetivas se confrontam é necessário que os coralistas e o
regente estejam sintonizados no grupo e que o diálogo e as reflexões possam resolver as
tensões, ou mesmo que permitam a convivência com esses confrontos. Caso isso não
aconteça, os coralistas podem se sentir fora do grupo, sendo no futuro um dos motivos de
saída desse espaço.
Vale destacar que o diálogo-confronto não está ligado às imposições, ou seja, “não é
falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-lo a ele, mas dialogar com ele
sobre a sua e a nossa” (FREIRE, 2020, p. 120).
64

Portanto, essa parte do texto demonstra que as ressonâncias afetivas dos coralistas não
serão feitas num diálogo perfeito, como o uníssono perfeito do cantar em grupo. E por ser um
“organismo vivo” (ORDÁS; MARTÍNEZ, 2018), está sujeito a um diálogo-confronto em
diferentes situações que podem ser constantes nas práticas corais e que não serão inventadas
fórmulas perfeitas para atuar no diálogo com as pessoas. Pode ser que uma forma de diálogo
bem-sucedida no grupo A seja ineficiente no grupo B, ou pouco efetiva no grupo C e assim
por diante.
Vale ressaltar que a escolha de um repertório musical no canto coral, tanto nos ensaios
quanto nas apresentações, pode ser um dos motivos de confronto, pois as músicas “envolvem
aspectos subjetivos de análise musical, já que o que me emociona ou sensibiliza pode ser
indiferente para outra pessoa”51 (LAKSCHEVITZ, 2020, p. 02).
As limitações das práticas coletivas de canto coral, que foram discutidas no primeiro
capítulo e o diálogo- confronto de situações vivenciadas nessas práticas, que está sendo
discutido neste momento, são partes que se complementam. Desafios presentes nas práticas
corais que se não forem reconhecidos e trabalhados, podem impedir o “ecoar” das
ressonâncias afetivas de cada coralista, porém, se acontecer o contrário, irá favorecer a união
do grupo nos aprendizados das “pessoas que emitem essas vozes” (DIAS, 2011) com as
situações consonantes-dissonantes.
“Por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre serei e saberei algo que ele
próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver”
(KRAMER, 2013, p. 39).

4.2 AS “RESSONÂNCIAS AFETIVAS” NO CANTO CORAL E A EDUCAÇÃO NA


PERSPECTIVA DA COMPREENSÃO HUMANA

4.2.1 A compreensão humana e a educação: diálogos com a antropologia da educação


e a etnomusicologia

“O ato de cantar pressupõe engajamento, entrega” (LAKSCHEVITZ, 2020, p. 1). “A


ação de uma pessoa necessariamente se situa no contexto do compromisso, do vínculo com o
outro, da responsabilidade dessa pessoa com os outros” (KRAMER, 2013, p. 32). O cantar em

51
“Há músicas que nos fazem revisitar sensações, que nos lembram pessoas, lugares e acontecimentos de
maneira a parecer mesmo realista; ou nos passam alguma sensação nova, de forma quase sinestésica”.
(LAKSCHEVITZ, 2020, p. 02).
65

conjunto faz com que essa “entrega ao cantar” gere também a “entrega ao outro”, numa
interação que busca a compreensão do ser humano que está ali, no mesmo espaço, no mesmo
ensaio, na mesma apresentação. Um ser humano tão diferente, mas que ao mesmo tempo
compartilha da finalidade de cantar, de aprender juntos.
Sobre a educação e a compreensão humana Morin (2011) destaca que:

Educar para compreender a matemática ou uma disciplina determinada é uma coisa;


educar para a compreensão humana é outra. Nela encontra-se a missão
propriamente espiritual da educação: ensinar a compreensão entre as pessoas como
condição e garantia da solidariedade intelectual e moral da humanidade (MORIN,
2011, p. 81. Grifos nossos).

A compreensão humana da qual Morin escreve pode ser cotejada com as “pessoas que
emitem essas vozes” (DIAS, 2010) na prática coletiva de canto. Pois quando se enxerga a
prática coletiva de canto, não é possível fazer uma fragmentação entre o coralista e a pessoa.
Assim como não é possível na música “a separação entre elementos musicais e não musicais
[...] Essa separação é artificial e, além disso, completamente equivocada [...]”52 (QUEIROZ,
2017, p. 181).
“[...] A educação deveria mostrar e ilustrar o Destino multifacetado do humano: o
destino da espécie humana, o destino individual, o destino social, o destino histórico, todos
entrelaçados e inseparáveis” (MORIN, 2011, p. 54).
A educação precisa ter esse olhar multifacetado e não apenas nas faces em que mais
interessam53, pois em cada pessoa, em cada espaço onde a educação acontece ela é pulsante,
desde o cotidiano, passando pelo espaço escolar até em outros espaços além da escola. A
educação não formal está entrelaçada à formal e à informal, afinal essas classificações de
educação se “dividem” para mostrar a atuação dos seres humanos “inteiros” em diferentes
espaços.
A antropologia da educação contribui para a educação entrelaçada aos seres humanos,
educação que não se encontra somente nos espaços escolares. Sobre isso, vale ressaltar que:

A antropologia da educação permite-nos ampliar a concepção sobre o que é


educacional, faz dialogar os conceitos de educação informal (a aprendizagem,

52
“Pois as notas que configuram um acorde não são mais musicais do que o que o som desse acorde representa
para quem o ouve; os intervalos, motivos, frases e sentenças que constituem uma obra musical, não são mais
importantes e mais musicais do que o que essa música representa para as pessoas que a interpretam, a ensinam
e a ouvem.” (QUEIROZ, 2017, p. 181).
53
“[...] é o modo de pensar dominante, redutor e simplificador, aliado aos mecanismos de incompreensão, que
determina a redução da personalidade, múltipla por natureza, a um único de seus traços.” (MORIN, 2011, p.
85).
66

segundo Brandão)54 e socialização. Mais recentemente, permite acompanhar os


confrontos e acomodações entre a educação de tipo escolar e as comunidades que
tradicionalmente não fizeram uso desses modos de ensinar-e-aprender (GROPPO,
2013, p. 63).

A educação vai além de um único espaço para aprender, de idades escolares comuns
em suas respectivas salas de aula, de uma rotina que pode expor uma reprodução sistemática
de conteúdos, ou seja, dos espaços escolares. E a antropologia da educação em suas pesquisas
ajuda nesse diálogo que precisa estar “para além”.
Vale ressaltar que “[...] o conhecimento acumulado pela antropologia ao longo de sua
história possibilita um olhar mais alargado e descentrado, permitindo captar dimensões da
condição humana que exigem uma percepção mais cautelosa e atenta sobre a complexidade da
trama social [...]” (ROCHA; TOSTA, 2009, p. 116). Algo que se torna ainda mais necessário
na atualidade.
Assim como não há um único espaço educacional, também não há um único espaço
onde se pratica e se aprende música. Ela também precisa ser vista nesse olhar “para além”,
sobre isso Queiroz (2010) ressalta que:

Há [...] músicos que entendem que, dada a singularidade da prática


musical que realizam, o aprendizado deve acontecer de fato no contexto da
manifestação, haja vista que uma escola não seria o lugar mais “ideal” para
desenvolver as competências musicais que necessitam. Nesse sentido, a visão de um
sanfoneiro que acompanha uma quadrilha do município55 é bastante ilustrativa, pois
ele é enfático ao afirmar que não tem qualquer intenção de estudar música em uma
instituição de ensino56 (QUEIROZ, 2010, p. 123).

“Arte e vida são polos indissociáveis da vida humana” (KRAMER, 2013, p. 36). É
possível que numa hierarquização das esferas da vida, a arte seja relegada a uma posição
marginal ou subalterna, em vez de ser parte essencial dela. Para Hadjadj (2015) a música não

54
Brandão pesquisa “as formas de educação entre os povos iletrados, ou sociedades ‘simples’ [...]” (GROPPO,
2013, p. 62). “Considera que, nessas sociedades, não existe o ensino – a educação de tipo escolar, que
costumamos hoje chamar de ‘educação formal’. O que se encontram são situações socioeducacionais que ele
denomina de aprendizagem – e que se convencionou chamar como educação informal”. (GROPPO, 2013, p.
62).
55
O texto é baseado numa “pesquisa [que] foi realizada nos anos de 2005 e 2006 na cidade de João Pessoa e
possibilitou um levantamento de práticas musicais existentes na cidade, compreendendo, de forma mais
detalhada, as estratégias utilizadas pelos músicos para aquisição dos conhecimentos musicais necessários para
a sua atuação nesse contexto. O trabalho teve como base pesquisa bibliográfica em educação musical e
etnomusicologia, bem como a aplicação de questionários em diferentes bairros de João Pessoa. A pesquisa de
campo seguiu princípios que abarcam, de forma integrada, aspectos das duas áreas, sobretudo no que se refere
à realização de entrevistas semiestruturadas com músicos da cidade e à observação participante em diferentes
manifestações musicais”. (QUEIROZ, 2010, p. 120- 121).
56
“Não tenho intenção de estudar música, não. Porque pra ser um bom sanfoneiro precisa é ter um bom ouvido,
e isso não se aprende na escola!” (QUEIROZ, 2010, p. 123).
67

somente tem a sua importância como “é o sinal de um estado em que a razão e o sentimento
estão perfeitamente unificados. A aritmética torna-se uma apaixonada; o amor ajusta uma
nova aritmética” (HADJADJ, 2015, p. 398).
E essa aritmética apaixonada, vem dos seres humanos, vem do processo de se interagir
com a música num movimento de “ir para dentro da música” ao ouvir, ao compor e “ir para
fora de si” na interpretação dela. “E se acrescentamos que, no canto, a palavra se junta à
música, à articulação e à modulação, é uma unificação mais alta que se realiza. O sentimento
não fica no que é sentido e se declara com as palavras do poema; o discurso não fica no
conceito, e confessa seu excesso” (HADJADJ, 2015, p. 398). Os corais são um “organismo
vivo” (ORDÁS; MARTÍNEZ, 2018), que movimenta as ressonâncias afetivas dos coralistas,
o que faz com que a mesma música cantada por grupos diferentes, tenha novas nuances,
porque a música e o canto são humanos.
Nesse sentido, a etnomusicologia57 se apresenta como uma área de estudos relevante.
Assim, “as abordagens etnomusicológicas colocaram em evidência o fato de que a música é
uma expressão intrínseca ao ser humano e, como tal, está imbricada nas suas relações com o
mundo” (QUEIROZ, 2017, p. 166). E por isso, “pouco importa se [...] uma música é
considerada ‘boa’ ou ‘ruim’. Importa, de fato, que significado ela tem para as pessoas que a
vivenciam, a praticam e, por consequência, lhe atribuem valor” (QUEIROZ, 2010, p. 118).
Portanto, as pesquisas em etnomusicologia podem ser uma interessante forma de
refletir sobre as compreensões humanas dos grupos estudados com as músicas vivenciadas
por eles, nessa relação de valor, vivência e afeto. “O etnomusicólogo, ao trabalhar com um
determinado tipo (gênero/estilo) de música, vê-se diante da necessidade de compreender de
que forma os saberes musicais relacionados ao fenômeno são valorados, selecionados e
transmitidos culturalmente” (QUEIROZ, 2010, p.115).
Sobre a educação musical deste século, o autor lista ainda seis dimensões da educação
musical. As dimensões que serão destacadas para este texto, entretanto, são três:

[...] A multiplicidade de sujeitos que compõem as culturas e, consequentemente, as


práxis de formação em música; [...] a amplitude e especificidades dos distintos
espaços educativo-musicais; [...] Os aspectos éticos e humanos que devem orientar
os objetivos de toda ação educativa (QUEIROZ, 2017, p. 164).

57
Sobre o conceito de etnomusicologia, foi considerada “inicialmente como a área que estuda a música na
cultura, ampliando posteriormente o conceito para o estudo da música como cultura.” (MERRIAM, 1964 apud
QUEIROZ, 2004, p. 100). “A educação musical tem se aproximado e se apropriado do campo de estudo da
etnomusicologia com o intuito de tornar a sua práxis mais significativa e contextualizada com os distintos
mundos musicais que se confrontam e interagem […]” (QUEIROZ, 2004, p. 102).
68

Assim, a partir do momento que se reconhece: “a multiplicidade de pessoas” em suas


vidas com culturas diversas, os diferentes espaços para se aprender, e que os aspectos “éticos
e humanos” precisam estar - usando termos do canto - no “produzir” e no “ecoar” da
educação, se reconhece também a necessidade da compreensão humana, para ajudar na
reflexão e na discussão dessas dimensões com a antropologia da educação e a
etnomusicologia, que foram trabalhadas de forma mais aprofundada no capítulo anterior.
Sobre a educação, ainda vale destacar que “[...] o ato de ensinar-e-aprender não
começa e termina na escola, nem que o que lá acontece explica-se tão somente pelo currículo,
seus pretensos portadores (educadores) e seu suposto destino (educandos); [...]” (GROPPO,
2013, p. 67).
A educação está ligada aos seres humanos e limitá-los a um único espaço numa
certeza de que o ensinar-aprender acontece de forma completa é limitar a compreensão
humana- usando os termos do canto - a uma nota musical cantada da mesma forma, ignorando
as outras notas musicais e as diferentes formas de cantar essas notas, ou seja, ignorando a
compreensão humana para a educação de uma forma mais abrangente. Por isso é importante
destacar, na citação do autor, os “pretensos portadores” e o “suposto destino”, não trazendo
certezas e sim tecendo diálogos da educação formal com a educação de uma forma
abrangente.
“A compreensão não desculpa nem acusa: pede que se evite a condenação
peremptória, irremediável, como se nós mesmos nunca tivéssemos conhecido a fraqueza nem
cometido erros” (MORIN, 2011, p. 87). “A percepção sonora e os demais aspectos
relacionados à música só podem ser estudados e compreendidos a partir do contato pessoal
com os indivíduos que compõem a manifestação e do conhecimento dos seus valores,
objetivos, dilemas, entre outros aspectos” (QUEIROZ, 2010, p.128). Esse envolvimento
humano que busca a compreensão humana precisa estar na dimensão educacional e os estudos
da etnomusicologia e da antropologia ajudam a compreender o diálogo entre pessoa-
educação-música.
Diálogo é uma palavra recorrente no texto, mas como conseguir tecer diálogos numa
pseudo-compreensão humana cada vez mais personalizada, seletiva e excludente? A
compreensão humana é um desafio, um desafio cotidiano. Em especial nos tempos atuais em
que as pessoas são julgadas e condenadas com facilidade em apenas um segundo, ou melhor,
num clique. Relações humanas cada vez mais superficiais e de curta duração.
Além do diálogo há “[...] a necessidade do envolvimento humano para a compreensão
dos saberes musicais relacionados ao campo da educação musical” (QUEIROZ, 2010, p.128).
69

Diálogo e envolvimento humano que podem se tornar cada vez mais escassos se essas
relações superficiais adentrarem aos espaços das práticas coletivas de canto.
Outro aspecto dessa reflexão é que a necessidade apressada de rotular as pessoas,
muitas vezes atropela as ressonâncias afetivas nas práticas coletivas de canto, criando
barreiras para a interação social entre as pessoas e fazendo com que sejam espaços da
reverberação de egoísmos se transformando em práticas individuais de canto, deixando de
lado o coletivo.
Sobre a compreensão humana “os obstáculos [...] são enormes são não somente a
indiferença, mas também o egocentrismo58, o etnocentrismo, o sociocentrismo59, que têm
como traço comum se situarem o centro do mundo e considerar como secundário,
insignificante ou hostil tudo o que é estranho ou distante” (MORIN, 2011, p. 83).
Mesmo num momento em que os desafios à compreensão humana se tornam cada vez
mais intensos, é preciso olhar para as “pessoas que emitem essas vozes” (DIAS, 2011) num
ecoar das ressonâncias afetivas permeado pela compreensão humana. E isso será discutido na
parte a seguir.

4.2.2 “Cantar junto vai muito além...”60: um diálogo com as “ressonâncias afetivas”

“Compreender inclui, necessariamente, um processo de empatia, de identificação e de


projeção. Sempre intersubjetiva, a compreensão pede abertura, simpatia e generosidade”
(MORIN, 2011, p. 82). “O canto reúne indissociavelmente o solitário e o solidário”.
(HADJADJ, 2015, p. 399). Nos parece fundamental essa abertura para ouvir as “ressonâncias
afetivas” de tantas pessoas diferentes no mesmo espaço, numa relação de ouvir o que elas têm
a cantar, a dizer, a se expressar, a opinar, a discutir, a interagir enfim, a ser um humano que
“entrega” seu comprometimento ao coletivo que mostra a força do cantar em diferentes
dimensões. Comprometimento que ao mesmo tempo une o ser humano “solitário” - que vai
aprender diferentes saberes nesse espaço - ao ser humano “solidário” - que vai levar a sua

58
“O egocentrismo cultiva a self-deception, tapeação de si próprio, provocada pela autojustificação, pela
autoglorificação e pela tendência a jogar sobre outrem, estrangeiro ou não, a causa de todos os males.”
(MORIN, 2011, p. 83).
59
“O etnocentrismo e o sociocentrismo nutrem xenofobias e racismos e podem até mesmo despojar o estrangeiro
da qualidade de ser humano. Por isso, a verdadeira luta contra os racismos se operaria mais contra suas raízes
ego-sócio-cêntricas do que contra seus sintomas.” (MORIN, 2011, p. 85).
60
“Muitos poderão concordar comigo, dizendo que “quem canta seus males espanta”. Mas pensar assim é muito
pouco. Cantar junto vai muito além. Nos torna pessoas mais sensíveis, inteligentes e respeitadoras das
diferenças”. (LAKSCHEVITZ, 2017, p. 20).
70

“ressonância afetiva” e vai ouvir a “ressonância afetiva” das pessoas que estão ao seu redor,
aprendendo com essas interações.
Vale ressaltar que “num coro formado por voluntários, por exemplo, é comum a
presença de cantores que jamais se arriscariam a cantar sozinhos, mas que participam e ali
fazem diferença” (LAKSCHEVITZ, 2017, p. 17). Nessa situação os coralistas precisam ainda
mais da interação com as outras pessoas, até para vencer a timidez de estar num palco para
uma apresentação, por exemplo. É a “ressonância afetiva” que se dá de forma intensa no
“solidário” e que

ressalta a intuição, a emoção e a sensibilidade humanas, atributos cada vez mais


desbotados nos desenhos que vem sendo traçados pela sociedade contemporânea.
Mais ainda, além do tempo de convivência, quem participa de um coro aprende
também a compartilhar seu tempo. Quando se canta junto, há uma sintonia de
momentos (LAKSCHEVITZ, 2017, p. 17).

E como consequência da “sintonia de momentos” se apresentam as ressonâncias


afetivas, numa mistura de sentimentos ligados a “sensibilidade humana”, nos espaços das
práticas corais. Seres humanos que participam da vida em “seres que estão sendo, como seres
inacabados, inconclusos em e com uma realidade de que, sendo histórica também, é
igualmente inacabada” (FREIRE, 2020, p.101- 102). Seres humanos que participam da vida
educacional “[...] [que] se re-faz constantemente na práxis. Para ser tem que estar sendo”
(FREIRE, 2020, p. 102).
Portanto, as pessoas que não conseguem cantar sozinhas, com o tempo, podem querer
fazer um solo de uma música. Pois os aprendizados vividos em grupo podem ter dado mais
segurança para ecoar “a sua voz” de uma forma diferente da qual emitiam antes.
As práticas coletivas de canto estáticas não são difíceis de ser encontradas: pessoas
que cantam da mesma forma, com o mesmo repertório, com o mesmo tipo de regência, entre
outros. Como seres inacabados e sendo as práticas coletivas de canto um “organismo vivo”
(ORDÁS; MARTÍNEZ, 2018), quantos aprendizados novos e diferentes esses espaços estão
deixando de vivenciar, quantas ressonâncias afetivas estão deixando de serem ouvidas.
“Uma voz só será ouvida junto com outras, que são diferentes, numa ação coordenada,
onde cada cantor, além de ser consciente de suas ações, deve também conhecer os
movimentos do outro” (LAKSCHEVITZ, 2017, p. 17). O canto coral precisa estar em
movimento, tanto na sua organização- regência, repertório, arranjos musicais, ensaios- quanto
no olhar para as pessoas que estão cantando, não só do regente para os coralistas, mas entre os
71

coralistas, tomando cuidado para que a prática estática e mecânica de canto não abafe os seres
humanos que estão se interagindo nesses espaços.
“Muitos poderão concordar comigo, dizendo que ‘quem canta seus males espanta’.
Mas pensar assim é muito pouco. Cantar junto vai muito além. Nos torna pessoas mais
sensíveis, inteligentes e respeitadoras das diferenças” (LAKSCHEVITZ, 2017, p. 20). Citação
que foi trazida no início dessa parte, também servirá de inspiração para os tópicos abaixo:

“Cantar junto vai muito além...”

1 ...de uma educação limitada aos espaços formais:


As práticas corais são vivenciadas para além dos espaços escolares, onde, na maioria
dos locais o canto é praticado de uma forma superficial como “cabide” para as datas
comemorativas, introdução de conteúdos, entre outros. É preciso reconhecer que o canto coral
vai além da fragmentação em anexo de outras importâncias, pois essa prática tem a sua
importância própria e que na educação não formal o canto coral parece ter encontrado um
espaço mais completo e mais flexível.
Quando se reflete a educação formal, não formal e informal em suas divisões, seria
interessante ter “uma educação [que fosse] pensada assim, sem adjetivos, de modo amplo,
concebendo que toda relação social pode conter um aspecto educacional, já que é formativo
do ser humano” (GROPPO, 2013, p. 40).

2 ...da seleção de pessoas com habilidades musicais ou não:


“Como diz o Samuel Kerr, um coro é a voz de sua comunidade. Todo mundo que
assim desejasse, deveria ter um lugar pra entrar na cantoria, independente de sua experiência,
conhecimento musical ou treinamento anterior” (LAKSCHEVITZ, 2017, p. 20).
O enfoque deste texto está nas pessoas que querem cantar, que tem vontade de
vivenciar o canto coral, e que, por vários motivos, querem adentrar nesses espaços. E muitas
vezes, as seleções das pessoas para entrar no coral, na busca por pessoas que já tenham
formação musical se mostram como barreiras ao canto coletivo, que une vozes diferentes e
também pessoas em momentos diferentes de suas vidas.

3 ...da fragmentação pessoa-coralista


As práticas coletivas de canto coral não podem ser vistas somente pelo viés “do som
das vozes harmonizadas, ou dos cantos que eles entoam, mas, sobretudo, através das pessoas
72

que emitem essas vozes, tentando compreender os seus pensamentos através de suas atitudes,
seus gestos, seus sinais, observados nas suas práticas musicais” (DIAS, 2011, p. 31). O trecho
em destaque foi um dos fios condutores deste texto numa necessidade de mostrar que são as
pessoas que cantam, que produzem e ecoam o seu canto numa ressonância vocal, e no
destaque do último capítulo, numa ressonância afetiva.

4 ...de uma única análise interpretativa

Coisas que a gente se esquece de dizer. Frases que o vento vem às vezes me lembrar.
Coisas que ficaram muito tempo por dizer. Na canção do vento não se cansam de
voar. Você pega o trem azul. O Sol na cabeça. O Sol pega o trem azul. Você na
cabeça. O sol na cabeça (BASTOS; BORGES, 1972).

A letra de música acima foi trazida para o texto para ecoar um pouco da linguagem
poética da música em versos que ultrapassam o significado objetivo das palavras. “No vento”
que lembra a pessoa, no “Sol” que está no trem e na interpretação dessa música os
compositores podem explicar de onde veio à inspiração para a composição, mas a
interpretação fica para cada pessoa, algumas podem relacionar a música a um dia de Sol, a um
trem que recorda a sua infância, ou a pessoa que quer tirar da cabeça, enfim, são muitas
possibilidades de interpretação e nas práticas corais isso também acontece, pois dependendo
do arranjo musical e da interpretação da letra e melodia, ela terá diferentes ressonâncias
afetivas, vindo de vozes tão diferentes, que podem ser distintas da mensagem que seus
compositores quiseram trazer.
Por isso, a interpretação de uma música vai além de escrever em duas linhas o que se
entendeu sobre ela, pois não há uma perspectiva única. Cada música se encontra num sentir,
num ouvir e num cantar de cada pessoa. As vibrações de cordas vocais que sentem a música
num passear de cada corpo para fora de si é um movimento subjetivo, emocional e humano.

5 “...das nossas gargantas”


“Se a voz se forma na cavidade faríngea, é de lá que ela é emitida, mas não é lá que ela
se encontra” (HADJADJ, 2015, p. 394). As vozes saem de cada corpo e vão ressoar fora dele,
são “pessoas que emitem essas vozes” (DIAS, 2011) e vozes que seguem rumo ao seu
cotidiano, ou até aos lugares desconhecidos. Que vão encontrar outras pessoas tão diferentes e
se surpreender ao aprender com elas, que poderão viver uma intensa “ressonância afetiva”
onde se ouve, se aprende, se ensaia e se apresenta de forma coletiva.
73

Sim, as vozes ressoam em cada “eu” de formas diferentes e seguem num “ir para fora
de si” nas práticas coletivas de canto, pois esse cantar não está somente no “eu”, mas busca
pelo “nós” que “[...] não é impessoal. Seu plural não abole a primeira pessoa do singular. Ele
a reclama. Ele a reforça no amor” (HADJADJ, 2015, p. 401). É no “nós” que a ressonância
vocal-afetiva ganha mais impulso, mais ritmo, mais vida.
74

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as vivências do processo de pesquisa, investigando as relações entre as práticas


coletivas de canto em seu viés antropológico e a educação não formal como um possível e
frutuoso espaço de formação humana, temos elementos consideráveis para justificar as
relevâncias do canto coral e da educação não formal.
A presente dissertação teve como objetivo principal compreender as relações entre as
práticas coletivas de canto em seu viés antropológico e a educação não formal como espaço
de formação humana. O texto conseguiu atingir o objetivo proposto tecendo diálogos com
áreas e autores distintos, além de analisar alguns conceitos61, tais como: a educação, a
educação não formal, as práticas coletivas de canto, a antropologia e a etnomusicologia.
Também trouxe, no decorrer das reflexões, algumas limitações e os desafios envoltos a essa
investigação.
A educação não formal passa por um processo gradual de relevância acadêmica,
buscando legitimar-se perante posições que a consideram como menos importante que a
educação formal. Por isso é preciso demonstrar que não são somente os espaços formais que
são relevantes para a formação das pessoas. Pois a educação além dos ambientes escolares
“[...] tem a sua força justamente na sua capacidade de abrir as ciências da educação e a
sociologia da educação para considerar distintos e emergentes modos de educação, diversos
[...] [daquela] estritamente escolar” (GROPPO, 2013 p. 100).
Vale ressaltar que no texto, um dos diálogos fundamentais, foi a diferença entre os
conceitos de educação formal, educação não formal e educação informal. Essa análise mostra
que a educação é pulsante em diferentes espaços e que precisa ser vista e discutida de forma
mais abrangente.
Já as práticas corais realizadas por coralistas que não são profissionais, muitas vezes,
ficam relegadas a um entretenimento superficial, a uma forma de “passar o tempo”, estando
longe de pensar que essas práticas podem ser além dessa superficial análise. Essas reflexões
fragmentadas sobre o canto coral, não enxergam que essas práticas precisam ter uma
organização, com planos, intencionalidades e metodologias.
Lackshevitz (2017) sintetiza tanto a visão que o canto ainda carrega em si, quanto a
visão que ainda precisa ser mais refletida: “Muitos poderão concordar comigo, dizendo que
‘quem canta seus males espanta’. Mas pensar assim é muito pouco. Cantar junto vai muito

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Conceitos que foram analisados muito mais na perspectiva da finalidade do diálogo do que em definições
engessadas sobre seus significados.
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além. Nos torna pessoas mais sensíveis, inteligentes e respeitadoras das diferenças”
(LAKSCHEVITZ, 2017, p. 20).
Assim, o texto em seus diferentes capítulos refletiu sobre o canto coral, tendo como
uma das linhas principais a defesa de que o “cantar junto vai muito além”, que traz em si
dimensões educacionais e antropológicas.
Portanto, ao dissertar sobre esses temas e trazer autores relevantes para o diálogo entre
eles, é possível considerar que a educação não formal é um espaço potente de formação
educacional e humana e as práticas coletivas de canto coral “se encontram” nesse espaço
diverso e flexível.
O canto coral, além de ter a sua própria importância, também tem a sua própria
história, por isso, este trabalho apresentou um breve histórico sobre algumas funções
exercidas pelo canto. Diante do conhecimento de alguns aspectos da história e da rotina do
canto coral, é possível desfazer a visão de que, muitas vezes, o canto coletivo é cabide para
outras funções e objetivos.
A educação não formal amplia a dimensão educacional. Nela, as pessoas podem
aprender em diferentes espaços, com idades diferentes, em momentos de vida distintos. Ao
discutir se somente as pessoas que estão na escola têm acesso à educação, os elementos dessa
pesquisa expõem uma negativa, pois as pessoas em diversos momentos de suas vidas podem
adentrar nos espaços de educação não formal praticando o canto coletivo, movidas tão
somente pela vontade em aprender a cantar e a ouvir os outros cantarem.
Assim, as pessoas que estão inseridas no canto coral são chamadas de coralistas.
Porém, não é possível fazer a fragmentação entre a pessoa e o coralista, pois são “pessoas que
emitem essas vozes” (DIAS 2011). Por isso que a análise da antropologia da educação, da
etnomusicologia e de alguns conceitos culturais, ajuda a identificar a dimensão humana dos
diálogos entre pessoa-música-canto-educação.
Por fim, as ressonâncias afetivas, analisadas através do conceito de ressonância vocal,
não só apresentam a educação não formal como espaço de formação educacional e humana,
como atuam numa troca constante de afetividade entre as pessoas, que buscam no ecoar do
canto, um ecoar de vidas em seus muitos aprendizados.
Chegando ao final, entendemos que não seria possível esgotar tão ampla e instigante
temática, ao mesmo tempo que novas questões foram se abrindo, anunciando futuras
pesquisas sobre o canto coral e a educação não formal, visto que as questões envolvendo os
seres humanos são dinâmicas. E uma mudança significativa na vida cotidiana das pessoas foi
76

e está sendo a pandemia da Covid-19, que mesmo com a descoberta das vacinas ainda
continua ameaçando a saúde da população.
Por isso, entre as possíveis pesquisas a serem realizadas, vale destacar quais vestígios
dos impactos da pandemia da Covid- 19 atingiram as práticas coletivas de canto coral e a
educação não formal. Também é importante questionar sobre como está sendo o processo de
adaptações forçadas do canto coral, quais adaptações serão provisórias e quais perdurarão por
mais tempo.
Os impactos da pandemia podem ter atingido a educação não formal através da
diminuição ou mesmo do corte dos financiamentos para a manutenção desses espaços. Pois a
pandemia também veio acompanhada de uma crise econômica.
O canto “é a comunhão aberta em que se une ao outro até formar um único tecido
sonoro” (HADJADJ, 2015, p. 399). Este texto, ao dialogar com áreas tão distintas, correu o
risco de se perder em diálogos desconexos e incoerentes. Porém, o texto tem elementos
consideráveis em sua pesquisa, que mostram, em etapas, a formação de um “único tecido
sonoro”, tendo como núcleo a ligação entre o ser humano, o canto coral e a educação.
Que as reflexões dessa Dissertação sejam inseridas num processo de valorização de
uma educação ampla e também na superação da visão superficial do canto coral.
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