LITERATURA UNIOESTE 1o ENVIO

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RELAÇÃO DE AUTORES E OBRAS

UNIOESTE 2023, 2024 e 2025


PROF. MARCO ANTONIO MENDONÇA

LITERATURA COLONIAL BRASILEIRA (1500 – 1836)

01) BARROCO (1601-1768)


GREGÓRIO DE MATOS GUERRA
Gregório de Matos Guerra nasceu em Salvador, Bahia, em 1633 ou 36 (não se sabe ao certo), e morreu no Recife,
Pernambuco, em 1696. Aos catorze anos foi estudar em Lisboa, Portugal, onde se formou advogado. Lá começou a trabalhar
junto à corte, mas desde sempre demonstrou aptidão para as sátiras, forma que o autor mais utilizou. Por zombar de políticos,
religiosos e pessoas influentes na sociedade de sua época, foi chamado de Boca do Inferno. Em 1681, depois de colecionar
inimizades, foi mandado de volta a Salvador, onde continuou a se portar como um crítico incansável. Indispondo-se com pessoas
influentes, terminou exilado em Angola, onde também zombou dos poderosos. Para afastá-lo daqueles a quem ele podia
incomodar, foi enviado de volta para Recife, onde morreu um ano depois. Gregório de Matos foi um dos primeiros a usar
palavras de origem indígena e africana em suas produções, por isso o estudo de sua obra colabora para a reflexão sobre o
momento inaugural da Literatura Brasileira.

01) Soneto Buscando a Cristo


A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados


De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,


A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, pra chamar-me

A vós, lado patente, quero unir-me,


A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

O soneto (do italiano sonetto, pequena canção ou, literalmente, pequeno som) é um poema de forma fixa, composto por
quatro estrofes, sendo que as duas primeiras se constituem de quatro versos, cada uma, os quartetos, e as duas últimas de três
versos, cada uma, os tercetos. Normalmente (como nos dois casos dos sonetos de Gregório) todos eles têm dez sílabas poéticas,
classificando-se como decassílabos. Os sonetos costumam ter uma estrutura semelhante. O texto começa com uma introdução,
que apresenta o tema, seguida de um desenvolvimento das ideias e termina com uma conclusão, que aparece no último terceto.
Essa é, em geral, a estrofe decodificadora de seu significado.
Este soneto ilustra uma característica típica do Barroco: o uso de situações ambivalentes, que possibilitam dupla
interpretação. Assim, os braços de Cristo são apresentados como abertos e cravados (presos); seus olhos estão despertos e
fechados, cada um desses estados permite ao poeta fazer uma interpretação sempre positiva do gesto divino. Os braços estão
abertos para acolher o fiel que se dirige a Deus e cravados para não o castigar pelos pecados que ele cometeu.
O soneto desenvolve uma argumentação que busca convencer o leitor de uma verdade religiosa: o perdão de Deus é
absoluto. A imagem de Cristo crucificado dá origem às metonímias (utilização da parte para referir-se ao todo) que constituirão
os argumentos apresentados por Gregório de Matos Guerra. Cada uma das partes do corpo de Cristo representa uma atitude
acolhedora, magnânima, uma manifestação de bondade e comiseração.
Os versos 5, 9, 10, 11, 12 e 13 constroem-se com a omissão do verbo, já referido no 1º verso – correndo vou. Em todos eles
ocorre o procedimento estilístico denominado zeugma. Assim nos versos mencionados você deve ler:
A vós (correndo vou) divinos olhos, eclipsados.
A vós (correndo vou) pregados pés, por não deixar-me,
A vós (correndo vou) pregados pés, por não deixar-me,
A vós (correndo vou) sangue vertido, para ungir-me,
A vós (correndo vou) cabeça baixa, pra chamar-me
A vós (correndo vou) lado patente, quero unir-me,
Outro recurso estilístico utilizado pelo autor é a anáfora – repetição de palavras no início de dois ou mais versos. Observe o
poema a repetição da expressão “A VÓS”.
Na última estrofe, podemos identificar o tema do FUSIONISMO: o fiel, reconhecendo os sinais de que será acolhido por Deus,
manifesta o seu desejo de “ficar unido, atado e firme” ao Cristo crucificado

02) Soneto Procissão das Cinzas de Pernambuco


Um negro magro em sofolié* justo,
De joias azorragues dois pendentes,
Bárbaro Peres, e outros penitentes,
De vermelho um mulato, mais robusto.

Com as asas seis anjinhos, sem mais custo,


Uns meninos fradinhos inocentes,
Dez ou doze brichotes** mui agentes,
Vinte ou trinta canelas de ombro onusto***.

Sem debita reverencia, seis andores,


Um pendão de algodão, tinto em tejuco,
Em parelha dez pares de menores;

Atrás um negro, um cego, um mameluco,


Três lotes de rapazes gritadores:
Eis a procissão de cinza em Pernambuco.

* Tecido ralo de algodão


** Nome dado aos estrangeiros para demonstrar falta de consideração.
*** Carregado; onerado, repleto, sobrecarregado.

O soneto que descreve a procissão das cinzas de Pernambuco foi escrito provavelmente entre 1695 e 1696, tempo em que o
poeta Gregório de Matos (1633 ou 1636-1696), de volta do exílio de Angola, viveu uma vida de privações na capitania de
Pernambuco, vindo a falecer no Recife em 26 de novembro de 1696, no ano seguinte da constituição canônica da Ordem
Terceira do Recife, quando já estavam em curso as obras da capela.
Embora crítico irreverente da Igreja católica, no corpo da obra poética do Boca do inferno, há uma variante marcadamente
religiosa, de inspiração franciscana, que tematiza a culpa, o perdão e a efemeridade da vida. O poeta foi devoto de São Francisco
de Assis e chegou a tomar o hábito seráfico na Ordem Terceira de Salvador.
A procissão das cinzas dos penitentes, tema do soneto, está inscrita no campo característico da religiosidade franciscana,
voltada para a questão da salvação e da expiação dos pecados. Entretanto, o soneto não tem a marca da poesia religiosa
gregoriana, mas dos seus versos de circunstância, voltados para a realidade circundante, caracterizados pela ambiguidade e pelo
tom irônico impiedoso de sua sátira social. Na “Procissão das Cinzas de Pernambuco”, Gregório de Matos assinala a pobreza dos
andores e das figuras alegóricas do préstito, frequentado por “um cego”, “um mameluco”, “um negro magro”, “mulatos” e
agentes estrangeiros, ou “brichotes”, figuras caricatas de inversão da ordem social vigente na colônia.
Ainda que a sátira gregoriana seja impregnada de artifícios persuasivos da retórica barroca, sem compromisso realista, o
poeta descreve um quadro social transgressor, identificado com as camadas mais inferiores da hierarquia social, em contraste
com os valores vigentes nas sociedades ibéricas do Antigo Regime, transplantados para o ambiente colonial, nomeadamente os
ideais de “qualidade” e de “pureza de sangue”, que fundamentavam a base social das Ordens Terceiras franciscanas.
O soneto realça o estranhamento do poeta mediante a quebra de um princípio hierárquico de um rito social realizado às
avessas. A procissão dos penitentes dos irmãos franciscanos, tradicionalmente organizada com o zelo das precedências e com o
aparato faustoso preparado pelas Ordens Terceiras franciscanas, compostas pelas elites locais, desfila em Pernambuco pobre e
desqualificada socialmente, suscitando a verve satírica do poeta.

03) Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia


A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,


Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,


Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

Este soneto satírico é composto por versos decassílabos em esquema de rimas ABBA, ABBA, CDE, CDE. A Bahia de outrora
aparece com um tom nostálgico, e o poeta critica a degradação moral e econômico no qual a cidade se encontra no momento.
Os ladrões e oportunistas (comerciantes, etc) são os detentores do poder político e econômico, enquanto os trabalhadores
honestos encontram-se na pobreza. Esse tom nostálgico e de lamentação aparece também no famoso soneto “À cidade da
Bahia”, em que vemos a decadência dos engenhos de açúcar e a ascensão de uma burguesia oportunista segundo o poeta.

02) ARCADISMO/NEOCLASSICISMO (1768-1836)


CLÁUDIO MANUEL DA COSTA – (O “GLAUCESTE SATÚRNIO”)
Depois de estudar no Brasil com os Jesuítas, completou seus estudos em Coimbra, onde se formou em Direito. Em Portugal,
tomou contato com as renovações da cultura portuguesa compreendida por Pombal. De volta ao Brasil, exerceu em Vila Rica a
carreira de advogado e administrador. Sua carreira de escritor teve início com a publicação de Obras Poéticas, em 1768. Em
1789, foi acusado de envolvimento na Inconfidência Mineira.
Oficialmente a história registrou a morte de Cláudio Manoel da Costa como suicídio por enforcamento. Segundo alguns, o
poeta sucumbira ao sentimento de culpa, uma vez que havia delatado, sob tortura, os participantes da Conjuração. Com tudo,
essa versão vem sendo contestada. Até hoje, em Ouro Preto, diz-se que várias igrejas badalaram os sinos quando da morte do
poeta. Por tradição, a igreja nunca toca os sinos a suicidas, o que pode ser indicio de assassinato e não suicídio.
Sua obra é a que melhor se ajustou, formalmente, aos padrões do Arcadismo europeu, mesmo ambientando de forma clara a
sua paisagem no cenário mineiro. O poeta cultivou a poesia Lírica e a Épica. Na Lírica, tem destaque o tema de desilusão
amorosa e a angústia do homem que se afasta do campo e vai para a cidade (“Quem deixa o trato pastoril amado/ pela ingrata
civil correspondência”). O pseudônimo mais comum em seus sonetos é Glauceste, o “eu-lírico” pastor, lamenta-se por não ser
correspondido por uma musa inspiradora, Nise. Ou, então, lastima-se por se encontrar num lugar de grande beleza natural, mas
não estar acompanhado pela mulher amada. Nise é uma personagem fictícia, incorpórea, presente apenas pela situação
nominal (não se manifesta na relação amorosa, não é descrita fisicamente, nem da qualquer mostra de corresponder alguém de
verdade). Apenas representa o ideal da mulher amada inalcançável – nítido traço de reaproveitamento do Neoplatonismo
renascentista. Na Épica, Cláudio escreveu “Vila Rica”, poema inspirado nas europeias clássicas, que se trata da penetração
bandeirante, de descoberta das minas.
Os Sonetos - A poesia de Cláudio é uma ponte entre o barroco e o árcade. Os dois estilos lhe marcaram a obra com exageração
formal/estilística do barroco e a busca pelo pastoralismo e pela simplicidade dos árcades.

01) Soneto LXXXI - Junto desta corrente contemplando


Junto desta corrente contemplando
Na triste falta estou de um bem que adoro;
Aqui entre estas lágrimas, que choro,
Vou a minha saudade alimentando.

Do fundo para ouvir-me vem chegando


Das claras hamadríades* o coro;
E desta fonte ao murmurar sonoro,
Parece, que o meu mal estão chorando.

Mas que peito há de haver tão desabrido**,


Que fuja à minha dor! que serra, ou monte
Deixará de abalar-se a meu gemido!

Igual caso não temo, que se conte;


Se até deste penhasco endurecido
O meu pranto brotar fez uma fonte.
* Hamadríades: são ninfas que nascem com as árvores e com as quais partilham o destino, devendo protegê-las
**Desabrido: intenso.

Cláudio Manoel da Costa (conhecido como “poeta das penhas/pedras” é considerado um dos mais importantes sonetistas da
literatura de língua portuguesa, ao lado de Camões e Bocage; por isso este soneto utiliza-se de versos decassílabos (medida
nova) de rima ABBA ABBA CDC DCD. Além disso, como todo bom árcade, Cláudio tem como tema central o amor à musa (neste
caso, não correspondido, o que causa sofrimento ao poeta/pastor).
Enquanto no arcadismo “tradicional”, o amor é comumente ambientado em cenários pastoris/bucólicos e equilibrados, que
fornecem o tom agradável e propício para a relação entre os amantes; no soneto acima, os elementos campestres associados ao
sofrimento amoroso exercem papel ativo, como se fossem um personagem. Estão presentes “serra”, “monte”, “penhasco”,
“florestas” (representadas pelas hamadríades) e, acima de todos, uma “corrente” (de águas), identificada também como
“fonte”.
Os primeiros elementos destacam o deslocamento do cenário ameno para outro, em convulsão, onde serras e montes são
abalados pelo gemido do amante. Da mesma forma, o coro das ninfas, vindo da floresta, chega silencioso. E ao ouvir as lamúrias
do eu lírico, canta lamentoso.
A corrente/fonte exerce papel central como lugar de águas para onde as lágrimas vertidas pelo amante choroso se dirigem.
Mas também atua como nascente que surge a partir das lágrimas saudosas que se depositam no penhasco, fazendo surgir dele
uma fonte.
A natureza (“Locus Horrendus”) é testemunha do sofrimento pela ausência da pessoa amada. É necessário que o eu lírico
compartilhe sua dor, que a corrente esteja ao seu lado, que as florestas tragam consolo e canto de solidariedade, e que, dessa
dor surja a água que irá dessedentar futuros amantes. Há, no poema, uma parceria delicada, respeitosa, empática entre aquele
que sofre de amor e a natureza, sua cúmplice.

LITERATURA AUTONÔMICA (1836 – 2021)


03) POESIA DO ROMANTISMO (1836-1882)
GONÇALVES DIAS
Gonçalves Dias é, ao lado de José de Alencar, o autor que mais consolidou o Romantismo Nacionalista brasileiro, não apenas
pelo papel desempenhado na criação de uma literatura autonômica – objetivo dos românticos, em geral –, como pela grandeza
de seu lirismo. Tinha em suas veias sangue índio, negro e branco. Nasceu no Maranhão, em 1823 e logo – por influência do pai –
partiu para Portugal a fim de cursar Direito. A situação econômica se agravou com a morte do pai e ele foi mantido pelos
amigos. Formado, retornou ao Brasil onde se relacionou com Ana Amélia Ferreira do Vale, que pretendia se casar com o poeta.
Desfeito o namoro (por imposição da mãe da moça), viajou pelo interior do país em expedição e acabou contraindo tuberculose.
Viajou a Portugal a fim de se tratar (é neste momento que compõe um de seus mais importantes poemas, a “Canção do Exílio”),
mas - sem melhoras - resolveu voltar para o Brasil. O navio em que estava sofreu naufrágio a metros da praia, no Maranhão e
ele morreu afogado.
Por fazer parte do grupo dos primeiros românticos, e por conta disso expressar características como religiosidade e
medievalismo formal, ainda se encontra preso a certos padrões formais do neoclassicismo e primeiros românticos portugueses,
sendo escritor da “mais equilibrada poesia romântica”, no julgamento de Manuel Bandeira.

01) O Canto do Piaga


I Um fantasma d'imensa extensão;
O' Guerreiros da Taba sagrada, Liso crânio repousa a meu lado,
O' Guerreiros da Tribo Tupi, Feia cobra se enrosca no chão.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
O' Guerreiros, meus cantos ouvi. O meu sangue gelou-se nas veias,
Todo inteiro — ossos, carnes — tremi,
Esta noite — era a lua já morta — Frio horror me coou pelos membros,
Anhangá me vedava sonhar; Frio vento no rosto senti.
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar. Era feio, medonho, tremendo,
O' Guerreiros, o espectro que eu vi.
Abro os olhos, inquieto, medroso, Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Manitôs! que prodígios que vi! O' Guerreiros, meus cantos ouvi!
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi! II
Porque dormes, ó Piaga divino?
Eis rebenta a meus pés um fantasma, Começou-me a Visão a falar,
Porque dormes? O sacro instrumento Negro monstro os sustenta por baixo,
De per si já começa a vibrar. Brancas asas abrindo ao tufão,
Como um bando de cândidas garças,
Tu não viste nos céus um negrume Que nos ares pairando – lá vão.
Toda a face do sol ofuscar;
Não ouviste a coruja, de dia, Oh! quem foi das entranhas das águas,
Seus estrídulos torva soltar? O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja...
Tu não viste dos bosques a coma Esse monstro... – o que vem cá buscar?
Sem aragem – vergar-se a gemer,
Nem a lua de fogo entre nuvens, Não sabeis o que o monstro procura?
Qual em vestes de sangue, nascer? Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
E tu dormes, ó Piaga divino! Vem roubar-vos a filha, a mulher!
E Anhangá te proíbe sonhar!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes, Vem trazer-vos crueza, impiedade —
E não podes augúrios cantar?! Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Ouve o anúncio do horrendo fantasma, Profanar Manitôs, Maracás.
Ouve os sons do fiel Maracá;
Manitôs já fugiram da Taba! Vem trazer-vos algemas pesadas,
O' desgraça! ó ruína! ó Tupá! Com que a tribo Tupi vai gemer;
Hão de os velhos servirem de escravos,
III Mesmo o Piaga inda escravo há de ser!
Pelas ondas do mar sem limites
Basta selva, sem folhas, i vem; Fugireis procurando um asilo,
Hartos troncos, robustos, gigantes; Triste asilo por ínvio sertão;
Vossas matas tais monstros contêm. Anhangá de prazer há de rir-se,
Vendo os vossos quão poucos serão.
Traz embira dos cimos pendente
– Brenha espessa de vário cipó – Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,
Dessas brenhas contêm vossas matas, Susta as iras do fero Anhangá.
Tais e quais, mas com folhas; e só! Manitôs já fugiram da Taba,
O' desgraça! ó ruína! ó Tupá!

O texto em estudo possui 80 versos divididos em 3 partes e 20 quartetos. Na intenção de fugir da tradição clássica, ele utiliza
versos nonassílabos (ainda em Medida Velha). Inicialmente, deixa uma ideia de que a sua rima será alternada, mas, logo na
segunda estrofe, já manifesta o seu descompromisso com tal ordem e constrói, com liberdade, o ritmo e a musicalidade do
poema, característica típica do Romantismo. Tal sonoridade atrai até o leitor menos interessado em versificação, contudo, não é
ela o motivo principal do brilhantismo do texto, pois este está realmente é no Canto do Piaga, que traduz a visão épica do
mundo, através do indianismo heroico, idealizado, fruto da imaginação do autor.
Há uma preocupação com seres sobrenaturais, fantasmas, seres capazes de arruinar a vida do índio, capazes, inclusive, de lhe
tirar o bem maior, ‘a liberdade’. Piaga, o pajé, o líder, conclama os seus guerreiros a ficarem alertas, pois ele prevê a
aproximação do perigo. Na 4ª estrofe, percebe-se que o índio teme a cobra, que é traiçoeira e inimiga deles. A forma
apresentada aos fantasmas é de uma cobra.
Em meio ao canto, percebe-se a pergunta do índio: “Esse monstro... - o que vem cá buscar?” ao que responde: “Vem matar
nossos bravos guerreiros, / Vem roubar-vos a filha, a mulher!”. Há de se notar, também, que todas essas desgraças só ocorrem
quando “Manitós já fugiram da Taba!”, ou seja, estão em perigo porque com os seus guardiões ausentes, a presença do mal
(Anhangá) é facilitada, mal este, que por diversas vezes, já foi interpretada como a invasão dos portugueses.
No texto, há uma presença muito forte da natureza e seus elementos, dos guerreiros e nomes indígenas (Piaga, manitôs,
maracás...). O texto começa a descrever uma serie de experimentos sobrenaturais que se passaram. Há os manitôs (=espíritos
do bem) e anhangás (=espíritos do mau). A fogueira acesa, cobra, descritos no texto (entre outros) são alguns fatos
sobrenaturais que se passaram. Mesmo o Piaga (pajé) que é um líder, começa a sentir medo. Na parte II, o foco narrativo muda-
se e a voz passa a falar com ele, e ressalta uma série de acontecimentos sobrenaturais que o Pajé não percebe: lua vermelha,
negrume no céu, arvore envergando, coruja cantando de dia...
Os anhangás proíbem o Piaga de sonhar, logo, ele não pode profetizar acontecimentos e contar ao seu povo. Por fim, na parte
III, a voz profetiza alguns acontecimentos do futuro:
 Troncos gigantes – naus, navios, caravelas
 Cipós – cordas do alto do mastro com folhas
 Brancas garças (aves) – caravelas
 Profanar manitôs, maracás – desrespeitar a cultura
 Vem quebrar-vos a massa valente – quebrar a unidade dos guerreiros
Tudo isso é referências à lusofobia e aos colonizadores – Brasil quer se formar como nação independente. Colonizador é visto
como monstro que vêm destruir o índio.
Esse tipo de atitude poética foi claramente influenciada pela Teoria do Bom Selvagem de J. J. Rousseau e já apareceu em
poemas épicos do momento anterior, como ‘O Uraguai’ (de Basílio da Gama) e ‘Caramuru’ (de Santa Rita Durão). Nos dois, o
contato do branco com o selvagem é prejudicial ao segundo. Posteriormente isso também será observado no romance ‘Iracema’
de José de Alencar.

02) Se se morre de amor!


Meere und Berge und Horizonte zwischen den
Liebenden – aber die Seelen versetzen sich aus dem
staubigen Kerker und treffen sich im Paradiese der
Liebe.* (SCHILLER. Die Rãuber)

Se se morre de amor! – Não, não se morre, Compreender o infinito, a imensidade


Quando é fascinação que nos surpreende E a natureza e Deus; gostar dos campos,
De ruidoso sarau entre os festejos; D’aves, flores, murmúrios solitários;
Quando luzes, calor, orquestra e flores Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
Assomos de prazer nos raiam n’alma, E ter o coração em riso e festa;
Que embelezada e solta em tal ambiente E à branda festa, ao riso da nossa alma
No que ouve e no que vê prazer alcança! fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
Simpáticas feições, cintura breve, No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
Graciosa postura, porte airoso, O ditoso, o misérrimo dos entes;
Uma fita, uma flor entre os cabelos, Isso é amor, e desse amor se morre!
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d’amor arrebentar-nos. Amar, é não saber, não ter coragem
Mas isso amor não é; isso é delírio Pra dizer que o amor que em nós sentimos;
Devaneio, ilusão, que se esvaece Temer qu’olhos profanos nos devassem
Ao som final da orquestra, ao derradeiro O templo onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Clarão, que as luzes ao morrer despedem: Essa fonte de amor, esses tesouros
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam, Inesgotáveis d’lusões floridas;
D’amor igual ninguém sucumbe à perda. Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Amor é vida; é ter constantemente Compreender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Alma, sentidos, coração – abertos Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Ao grande, ao belo, é ser capaz d’extremos, Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes! E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!

* O poeta e dramaturgo Friedrich von Schiller (1759-1805), amigo de Goethe, foi um dos principais escritores do Romantismo
alemão. A epígrafe utilizada por Gonçalves Dias em “Se se morre de amor” foi retirada da peça Os salteadores e diz: “Mares e
montanhas e horizontes entre os amantes — mas as almas libertam-se da prisão poeirenta e encontram-se no paraíso do amor”.
Observe como o amor romântico é definido pelo eu lírico na 2a estrofe. O sentimento é apresentado como algo que leva o
indivíduo a agir de modo arrebatado, ao mesmo tempo que lhe permite a compreensão de todas as coisas. Dominado pelo
sentimento, o apaixonado vive em conflito, dividido entre as maiores alegrias e as tristezas mais profundas.
Se se Morre de Amor (1852) é um dos poemas avulsos de Gonçalves Dias, escritos quando já não mais planejava prosseguir
na poesia.
Trata-se de um texto romântico muito peculiar. Primeiro, porque, pertencendo em parte ao modo de organização
argumentativo do discurso, desconstrói o mito da escritura por simples inspiração, visto que sua estrutura se revela muito
racional, ainda que seja uma racionalidade a serviço do sentimentalismo. Segundo, porque, ao negar provisoriamente a
possibilidade de se morrer de amor, o eu-lírico frustra a expectativa romântica de um amor intenso e desmedido.
O poema foi composto pelo autor, que sendo impedido de casar com o grande amor de sua vida Ana Amélia, sustentava um
casamento conturbado com Olímpia Coriolana.

ÁLVARES DE AZEVEDO
Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo, em 1831 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1852, antes de completar
21 anos de idade. Cursou Letras no Imperial Colégio de D. Pedro II, no Rio de Janeiro e, em 1848, matriculou-se na Faculdade de
Direito de São Paulo. Nos anos seguintes, redigiu os contos de Noite na Taverna, o drama Macário e ensaios literários sobre
Bocage, George Sand e Musset.
Sua obra, que abrange também os poemas da Lira dos Vinte Anos e a prosa do Livro de FraGondicário, foi reunida e publicada
em 1942. Álvares de Azevedo é um dos principais nomes da segunda geração do romantismo brasileiro. Seus poemas,
impregnados do sentimento de mal-do-século, também conhecido por “spleen” de românticos como Byron e Musset, tratam
principalmente da morte e do amor, este frequentemente idealizado.
Lira dos vinte anos é a única obra de Álvares de Azevedo cuja edição foi preparada pelo poeta. Vários poemas foram
acrescentados depois da primeira edição (póstuma), à medida que iam sendo descobertos.
A obra de Álvares de Azevedo apresenta linguagem inconfundível, em cujo vocabulário são constantes as palavras que
expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia, o
vício, a morte, a palidez, a noite, a mulher... Em Lembranças de morrer, está o melhor retrato dos sentimentos que envolvem
sua vida: “Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida/ À sombra de uma cruz e escrevam nela:/ - Foi
poeta, sonhou e amou na vida.”

01) Soneto
Já́ da morte o palor me cobre o rosto,
Nos lábios meus o alento desfalece,
Surda agonia o coração fenece,
E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito embalde no macio encosto


Tento o sono reter!... já esmorece
O corpo exausto que o repouso esquece...
Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,


Fazem que insano do viver me prive
E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá -me a esperança com que o ser mantive!


Volve ao amante os olhos por piedade,
Olhos por quem viveu quem já não vive!

O soneto de Álvares de Azevedo traz um tema típico da Segunda Geração romântica: a desilusão amorosa e a consequente
busca pela morte como forma de escape da realidade frustrante. No entanto, a questão pede uma característica do lirismo do
poema que extrapole a época e vá além do tema – “clichê” da morte ou do escapismo. A melhor interpretação refere-se à
melancolia do poeta, advinda da dificuldade ou impossibilidade de se lidar com a perda.

CASIMIRO DE ABREU
Casimiro José Marques de Abreu, nasceu na Barra de São João, no Estado do Rio de Janeiro, no dia 4 de janeiro de 1839. Com
apenas 13 anos, enviado pelo pai, vai para a cidade do Rio de Janeiro, trabalhar no comércio. Em novembro de 1853 viaja para
Portugal, com o intuito de completar a prática comercial e nesse período inicia sua carreira literária. No dia 18 de janeiro de
1856 sua peça Camões e o Jaú é encenada em Lisboa.
Casimiro de Abreu volta ao Brasil em julho de 1857 e continua trabalhando no comércio. Conhece vários intelectuais e faz
amizade com Machado de Assis, ambos com 18 anos de idade. Em 1859 publica seu único livro de poemas “As Primaveras”. No
início de 1860, Casimiro de Abreu fica noivo de Joaquina Alvarenga Silva Peixoto; mas, devido à sua vida boêmia, contrai
tuberculose. Vai para Nova Friburgo tentar a cura da doença, mas no dia 18 de outubro de 1860, não resiste e morre, aos 21
anos de idade.

01) Amor e Medo


Quando eu te vejo e me desvio cauto Amarrotado o teu vestido branco,
Da luz de fogo que te cerca, ó bela, Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!" Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Como te enganas! meu amor, é chama Olhos cerrados na volúpia doce,
Que se alimenta no voraz segredo, Os braços frouxos — palpitante o seio!...
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo... Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Tenho medo de mim, de ti, de tudo, Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes. Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes. Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
O véu da noite me atormenta em dores Tu te queimaras, a pisar descalça,
A luz da aurora me enternece os seios, Criança louca — sobre um chão de brasas!
E ao vento fresco do cair cias tardes,
Eu me estremece de cruéis receios. No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
É que esse vento que na várzea — ao longe, Vil, machucara com meu dedo impuro
Do colmo o fumo caprichoso ondeia, As pobres flores da grinalda virgem!
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia! Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
Ai! se abrasado crepitasse o cedro, E tu serias no lascivo abraço,
Cedendo ao raio que a tormenta envia: Anjo enlodado nos pauis da terra.
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia? Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
A labareda que se enrosca ao tronco Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Torrara a planta qual queimara o galho Eu te diria: desfolhou-a o vento!...
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho! Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Ai! se te visse no calor da sesta, Se de ti fujo é que te adoro e muito!
A mão tremente no calor das tuas, És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

Nas duas primeiras estrofes, Casimiro apresenta o tema. Já se pode perceber o sentimento antitético no uso dos
contrapontos fogo/gelo, quente/frio, que dão o ritmo desse trecho, e irão aparecer por todo o poema. A “bela” é quente e
“suspira amores”. Já o “moço”, responsável, “se desvia cauto”, e responde a ela: “Meu amor é chama, que se alimenta no voraz
segredo”. O tom em que ele fala isso é argumentativo (tentando mostrar que que ela está enganada).
Logo em seguida, o poeta dá sequência à projeção de seu estado emocional na natureza: para quem vive assustado -
prisioneiro deste medo, tudo lhe parece “assustador” - silêncio e as vozes; as folhas secas, e as fontes que choram – ou
seja, molham; o véu da noite e a luz da aurora. (repare nas antíteses entre Claro/escuro. Luz/trevas. Vento/fumo. Quente/frio).
Depois dessa passagem, o poeta expõe mais claramente a carga sensual implícita do poema: a “bela”, pura e virgem, sempre
idealizada, que nunca pode ser tocada; e o “moço”, de caráter, que tem medo do que possa acontecer se ele ceder ao amor. O
riso da amada ateia um fogo, uma pequena chama, que está sob controle. Mas há o vento que sopra e pode tornar essa chama
incêndio. E então, “se abrasado crepitasse o cedro, cedendo ao raio que a tormenta envia, diz: que seria da plantinha humilde
que à sombra dele tão feliz crescia?”. Se o moço cede à chama da paixão, que seria da menina humilde que ainda não floresceu,
e está à sua sombra? Então, a labareda se enrosca ao tronco, torra a planta-bela qual queimara o galho-moço. E a chama
daquela paixão, que já queimou um, agora torra a outra, “enroscando” um ao outro, de maneira tal que a “pobre” jamais
poderia reviver, ou seja, voltar a ser o que era antes de ser atingida pela chama. Ainda que o “paternal orvalho chovesse”. Não
importa o quanto se chorasse depois do fogo ter feito sua parte.
Na versão original, o poema é dividido em duas partes. Na segunda, o tom dos versos vai mudar. Se na primeira foi um aviso:
é necessário agir com cautela sobre os perigos que podem ser trazidos pelo fogo ou pelo vento. Agora, o claro/escuro da
primeira parte dá lugar a imagens mais sensuais. O ritmo dos versos acelera, como acelera o coração do poeta. E o leitor
acompanha, aumentando o ritmo, a imaginação do poeta.
O vestido, obviamente branco, amarrotado, os cabelos soltos, os ombros desnudos. Sinais da paixão. O veludo, macio, os
olhos semicerrados, o seio palpitante, a face rosada… E imaginando tudo isso, o medo do poeta. Como resistir?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!


Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos


Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,


— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

O ritmo continua em subida. As exclamações se sucedem. O tempo verbal se modifica. Na estrofe anterior, “se eu te visse”,
havia uma condicional. O normal aqui seria o tempo verbal continuar nesse sentido. “Tu te queimarias”, “eu me abrasaria”. Não
é o que acontece.
E voltamos ao fogo. “Criança que pisa descalça em brasas”, ou seja, na linguagem mais popular, “está brincando com o fogo”,
arriscando se queimar. E o moço, apaixonado, acaba por machucar, com o “dedo impuro”, as flores da “grinalda virgem”. E
depois, qual “vampiro infame”, ele sorveria a inocência da bela, que então seria, nesse verso marcante e tantas vezes citado, um
“anjo enlodado nos pauís da terra”.
Uma sucessão de imagens fortes, de sutilezas referenciais. Um “dedo impuro” que “machuca as flores”, ou seja, deflora uma
“grinalda virgem”. Depois, o “vampiro”, uma das metáforas sexuais mais recorrentes da literatura romântica, por ser um espírito
malvado que “derrama o sangue” de inocentes. E depois, numa sequência lógica, a bela que teve suas flores machucadas por
um “dedo impuro”, e perdeu sua inocência em um “abraço lascivo de um vampiro infame”, se torna o que? Um anjo enlodado,
que deixa a altura dos céus e desce, não apenas à terra, mas aos pântanos, que ficam ainda abaixo do nível da terra.
Esse é o ápice do poema. Ele vai em um crescendo emocional, em um aumento do ritmo, da velocidade, até chegar nesse
verso. Aí, pede-se uma pausa. Um silêncio de alguns segundos, seguido pelo “depois”, com todas as reticências, que terão que
conter em si tudo que aconteceu nesse tempo, e não está explícito nos versos.
A última quadra desse trecho traz o desfecho possível para essa fogueira acesa: quando desperta do seu “febril delírio”, a
moça percebe que perdeu a sua “coroa”, aquela mesma que foi machucada pelo dedo impuro. E pergunta, “o que é feito da
minha coroa?”, ao que o moço apenas responde, “desfolhou-a, o vento”. Desmanchou a grinalda. Desfolhou. Deflorou. E que
vento é esse? Aquele mesmo, que lá atrás, na primeira parte, acendeu o fogo. Se a consequência natural da paixão da bela foi
ter sua coroa desfolhada, a culpa toda foi do vento que soprou sua paixão.
No final, uma estrofe que amarra todo o poema.

Oh! não me chames coração de gelo!


Bem vês: traí – me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela eu moço; tens amor, eu medo!…

CASTRO ALVES
Antônio Frederico Castro Alves, é um poeta romântico do século XIX. Nasceu em Muritiba, no estado da Bahia, em 1847, e
morreu em Salvador, no ano de 1871. É conhecido como o “Poeta dos Escravos”, em função de suas poesias de cunho
abolicionista. O escritor também escreveu poemas de amor, mas sua poesia de cunho social fez dele o principal nome
da terceira geração romântica.
O poema O navio negreiro é o mais conhecido do escritor Castro Alves, dada a sua importância histórica e política. No
entanto, poemas como “Mocidade e morte”, “Dedicatória” e “O laço de fita”, presentes em seu livro Espumantes flutuantes,
mostram a sua capacidade de fazer versos sobre variados assuntos.
Casto Alves foi também o grande poeta do amor. Embora a poesia lírica amorosa ainda contenha um ou outro vestígio do
amor platônico e da idealização da mulher, de modo geral ela representa um avanço, por abandonar tanto o amor convencional
e abstrato dos clássicos, quanto o amor cheio de medo e culpa dos primeiros românticos.
Sua poesia amorosa é sensual, descrevendo a beleza e a sedução da mulher. O amor é uma experiência viável e concreta,
capaz de trazer tanto a felicidade e o prazer quanto a dor.
01) O Adeus de Teresa
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus
E amamos juntos E depois na sala
"Adeus" eu disse-lhe a tremer coa fala

E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite entreabriu-se um reposteiro. . .


E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus
Era eu Era a pálida Teresa!
"Adeus" lhe disse conservando-a presa

E ela entre beijos murmurou-me: "adeus!"

Passaram tempos, sec’los de delírio


Prazeres divinais gozos do Empíreo
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse - "Voltarei! descansa!. . . "
Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei era o palácio em festa!


E a voz d’Ela e de um homem lá na orquesta
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei! Ela me olhou branca surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"

Em "O 'adeus' de Teresa", o eu-lírico é um homem, é ele quem abandona, de início, a amada. Há, nesse poema, vários
momentos do sujeito enunciador em relação à mulher amada. Na primeira estrofe, o eu-poético narra sua impressão a respeito
da primeira vez que viu Teresa. Diz ele: "A vez primeira que eu fitei Teresa,/Como as plantas que arrasta a correnteza,/A valsa
nos levou nos giros seus .../E amamos juntos ... E depois na sala/ 'Adeus' eu disse-lhe a tremer co'a fala.". Nota-se que, nessa
primeira estrofe, o amado passa por vários estágios donjuanescos. De início, emerge o encantamento, o desejo; posteriormente,
a conquista, a concretização do amor e, finalmente, o abandono.
Na terceira estrofe, o verso, em contrapartida, a última estrofe indica a transgressão ao romantismo, na medida em que é o
homem o ser abandonado e não mais a figura feminina. Nesse momento, há a inversão de atitudes “donjuanescas”, pois não
cabe ao homem o papel de seduzir, conquistar e rejeitar, mas sim à mulher que, após longos períodos de abandono, sente-se no
direito de rejeitar o ‘bon vivant’.
O texto de Castro Alves é uma exaltação à beleza e ao erotismo da mulher amada, contudo, a última estrofe, acompanhada
do tom grandiloquente do poeta, revela traição. Há um destaque interessante no título em que o poeta nos dá uma pista de
quem falará: adeus, pois a palavra está entre aspas, assim podemos entender que ela, Teresa, é quem diz o último adeus. O que
choca o leitor desavisado, pois o poeta surpreende com este desfecho em época romântica.

LUIZ GAMA
Advogado, escritor e jornalista, o baiano Luiz Gama é o patrono da abolição da escravidão no Brasil. Gama nasceu em
Salvador no dia 21 de junho de 1830, de uma mãe negra liberta e um pai fidalgo português, por quem foi vendido como escravo
e levado para São Paulo. Sua venda como escravo pelo próprio pai teria acontecido porque este tinha dívidas de jogo e
precisava quitá-las. A escravização de Luís Gama era ilegal, mas, ainda assim, ele foi vendido e transportado de barco para o Rio
de Janeiro. Na capital, ele teria trabalhado em uma loja de velas. Depois ele foi revendido para um alferes, que o levou para o
interior de São Paulo, até que, finalmente, ele foi revendido mais uma vez, indo morar em São Paulo e trabalhar em ofícios
domésticos. Durante o seu cativeiro, ele aprendeu a ler por influência de um hóspede de seu “dono”. Depois disso, decidiu fugir
e ir atrás das provas de sua liberdade. Luís Gama conseguiu provar a sua liberdade, embora não saibamos como ele tenha feito
isso. A partir daí, ele seguiu sua carreira profissional e foi um dos maiores intelectuais do Brasil na segunda metade do século
XIX.
Depois de reconquistar sua liberdade, Luís Gama aderiu à Força Pública de São Paulo e alistou-se como praça. Isso aconteceu
em 1848, e ele permaneceu na corporação até o ano de 1854, quando um ato de insubordinação forçou sua prisão e expulsão.
Nesse período ele exerceu função de copista e chegou a trabalhar num gabinete de delegacia.
Em 1856 ele se tornou funcionário público, indo trabalhar na Secretária de Polícia, e tornou-se uma figura influente e bem
relacionada. Seu trabalho com a escrita na polícia demonstrava a habilidade que ele tinha para esse ofício, e assim ele começou
a produzir alguns textos, com seu único livro, Primeiras trovas burlescas de Getulino, publicado em 1859.
A partir da década de 1860, Luís Gama iniciou carreira como jornalista e tornou-se um dos grandes jornalistas da cidade de
São Paulo. Ele trabalhou em vários jornais, como Diabo Coxo, Cabrião, Radical Paulistano, Correio Paulista e Polichinello.
Publicou artigos e atuou também como tipógrafo.
Luís Gama era um defensor da república e um abolicionista radical, e usava de sua posição como jornalista para defender as
causas em que acreditava. Atribui-se a ele a introdução do jornal satírico em São Paulo, e ele assinava muitos de seus artigos
com pseudônimos. Entre as posições políticas de Gama, destacou-se o fato que ele se envolveu com a formação do Partido
Republicano Paulista. Estudou Direito de forma autodidata, tornou-se um intelectual e advogou para libertar mais de 500
escravizados.

01) Quem sou eu?


Quem sou eu? que importa quem?
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra — "Ninguém!" — (A. E. Zalvar - "Dores e Flores")

Amo o pobre, deixo o rico, Dou de rijo no pedante Vomitando maldições,


Vivo como o Tico-tico; De pílulas fabricante, Contra as minhas reflexões.
Não me envolvo em torvelinho, Que blasona arte divina, Eu bem sei que sou qual Grilo,
Vivo só no meu cantinho: Com sulfatos de quinina, De maçante e mau estilo;
Da grandeza sempre longe, Trabusanas, xaropadas, E que os homens poderosos
Como vive o pobre monge. E mil outras patacoadas, Desta arenga receosos
Tenho mui poucos amigos, Que, sem pingo de rubor, Hão de chamar-me Tarelo,
Porém bons, que são antigos, Diz a todos, que é DOUTOR! Bode, negro, Mongibelo;
Fujo sempre à hipocrisia, Não tolero o magistrado, Porém eu que não me abalo,
À sandice, à fidalguia; Que do brio descuidado, Vou tangendo o meu badalo
Das manadas de Barões? Vende a lei, trai a justiça Com repique impertinente,
Anjo Bento, antes trovões. — Faz a todos injustiça — Pondo a trote muita gente.
Faço versos, não sou vate, Com rigor deprime o pobre Se negro sou, ou sou bode
Digo muito disparate, Presta abrigo ao rico, ao nobre, Pouco importa. O que isto pode?
Mas só rendo obediência E só acha horrendo crime Bodes há de toda a casta,
À virtude, à inteligência: No mendigo, que deprime. Pois que a espécie é muito vasta...
Eis aqui o Getulino — Neste dou com dupla força, Há cinzentos, há rajados,
Que no pletro anda mofino. Té que a manha perca ou torça. Baios, pampas e malhados
Sei que é louco e que é pateta Fujo às léguas do lojista, Bodes negros, bodes brancos,
Quem se mete a ser poeta; Do beato e do sacrista — E, sejamos todos francos,
Que no século das luzes, Crocodilos disfarçados, Uns plebeus, e outros nobres,
Os birbantes mais lapuzes, Que se fazem muito honrados, Bodes ricos, bodes pobres,
Compram negros e comendas, Mas que, tendo ocasião, Bodes sábios, importantes,
Têm brasões, não — das Kalendas, São mais feroz que o Leão. E também alguns tratantes...
E, com tretas e com furtos Fujo ao cego lisonjeiro, Aqui, nesta boa terra,
Vão subindo a passos curtos; Que, qual ramo de salgueiro, Marram todos, tudo berra;
Fazem grossa pepineira, Maleável, sem firmeza, Nobres Condes e Duquesas,
Só pela arte do Vieira, Vive à lei da natureza; Ricas Damas e Marquesas,
E com jeito e proteções, Que, conforme sopra o vento, Deputados, senadores,
Galgam altas posições! Dá mil voltas num momento. Gentis-homens, veadores;
Mas eu sempre vigiando O que sou, e como penso, Belas Damas emproadas,
Nessa súcia vou malhando Aqui vai com todo o senso, De nobreza empantufadas;
De tratante, bem ou mal Posto que já veja irados Repimpados principotes,
Com semblante festival. Muitos lorpas enfunados, Frades, Bispos, Cardeais,
Fanfarrões imperiais, Bodes há santificados, Nos domínios de Plutão,
Gentes pobres, nobres gentes Que por nós são adorados. Guarda um bode o Alcorão;
Em todos há meus parentes. Entre o coro dos Anjinhos Nos ludus e nas modinhas
Entre a brava militança Também há muitos bodinhos. — São cantadas as bodinhas:
Fulge e brilha alta bodança; O amante de Syiringa Pois se todos têm rabicho,
Brigadeiros, Coronéis, Tinha pelo e má catinga; Para que tanto capricho?
Destemidos Marechais, O deus Mendes, pelas contas, Haja paz, haja alegria,
Rutilantes Generais, Na cabeça tinha pontas; Folgue e brinque a bodaria;
Capitães de mar-e-guerra, Jove quando foi menino, Cesse pois a matinada,
— Tudo marra, tudo berra — Chupitou leite caprino; Porque tudo é bodarrada!
Na suprema eternidade, E, segundo o antigo mito,
Onde habita a Divindade, Também Fauno foi cabrito.

Do ponto de vista estrutural, o poema é composto por uma estrofe única com 138 versos de sete sílabas poéticas (redondilha
maior); as rimas que permeiam o poema se assemelham aos dísticos do tipo AABB, embora não permaneçam com as mesmas
terminações ao longo do poema.
Inicialmente, Luiz Gama traz uma epígrafe extraída do poema “Ninguém”, de Augusto Emílio Zaluar (poeta português
naturalizado brasileiro), que serve como uma espécie de resumo do que será abordado no poema “Quem sou eu”.
Quem sou eu? que importa quem?
Sou um trovador proscrito,
Que trago na fronte escrito
Esta palavra — "Ninguém!" —
(A. E. Zalvar - "Dores e Flores")

Nessa quadra o eu-lírico se apresenta como alguém que foi vetado/banido e enfatiza tal estado ao dizer que traz na fronte a
palavra “ninguém”. Um aspecto importante de “Quem sou eu?” é o caráter metalinguístico, como na passagem “Faço versos,
não sou vate” e ainda na concepção de poeta que aparece no poema. Nos versos 19 a 30, Gama faz uma reflexão sobre essa
questão: “Sei que é louco e que é pateta/Quem se mete a ser poeta; /Que no século das luzes,/Os birbantes mais
lapuzes,/Compram negros e comendas,/Tem brasões, não –das Calendas,/E com Tretas e com furtos/vão subindo a passos
curtos; /Fazem grossa pepineira,/só pela “arte do Vieira”/E com jeito e proteções/Galgam altas posições!”.
Observa-se que o poema fala de um eu-lírico que faz versos, mas que não se considera certo tipo de poeta, o vate (o
inspirado), pois configura em sua poesia uma função social. Ressaltamos que estamos falando de poeta no sentido romântico,
pois podemos verificar que há uma desidealização do romantismo através das palavras pateta/poeta. O eu-lírico faz
referência ao Século das Luzes, remetendo ao Iluminismo –movimento intelectual que se desenvolveu durante o século XVIII
na Europa e que defendia o uso da razão e do conhecimento –e, por consequência, ao fato de se deparar com situações
contrárias a esse movimento, como, por exemplo, a compra de negros e comendas (benefícios concedidos antigamente a
eclesiastas e a cavaleiros de ordens militares, sendo que a concessão era feita pelo Papa). Nos próximos versos, de 43 a 50,
veremos o viés satírico do autor de forma mais intensa: “Não tolero o magistrado,/Que do brio descuidado,/Vende a lei, trai
a justiça – /Faz a todos injustiça – /com rigor deprime o pobre,/Presta abrigo ao rico, ao nobre,/só acha horrendo crime/No
mendigo que deprime”.
Um dos temas recorrentes na poesia de Luiz Gama é a corrupção. Nas estrofes destacadas acima, pode-se observar a
questão da hipocrisia e da corrupção dos magistrados que agem de maneira injusta por não julgarem com severidade os nobres,
tratando, todavia, os pobres (marginalizados) de modo autoritário. A sátira também tem como característica disseminar
princípios morais, visando combater alguns vícios da sociedade de forma sarcástica.
Dos versos 81 a 92, o poema assume um caráter cômico devido à utilização do substantivo “bode” como adjetivo,
caracterizando alguns tipos sociais citados por Luiz Gama: “Se negro sou, ou sou bode,/pouco importa./O que isto pode?
/bodeshá de toda casta,/Pois que a espécie é muito vasta.../Há cinzentos, há rajados,/Baios, pampas e malhados,/Bodes negros,
bodes brancos,/e sejamos todos francos,/Uns plebeus e outros nobres,/Bodes ricos, bodes pobres,/Bodes sábios, importantes,/E
também alguns tratantes”.
Nos últimos versos, Luiz Gama não exclui sequer os deuses, ao aludir à imagem de Jove (deus romano) chupitando leite
caprino e também estabelece um vínculo entre Fauno e o bode ao dizer “E segundo antigo mito/ também Fauno foi cabrito”
(segundo mito, Fauno seria um deus, protetor dos pastores e rebanhos, que possui cabeça de homem e corpo de bode). Além
disso, o poeta desmistifica a imagem de uma prática religiosa ao dizer que “um bode guarda o alcorão”.
“Entre a brava militança/Fulge e brilha alta bodança;/Brigadeiros, Coronéis,/Destemidos Marechais,/Rutilantes
Generais,/Capitães de mar-e-guerra,/— Tudo marra, tudo berra —/Na suprema eternidade,/Onde habita a Divindade,/Bodes há
santificados,/Que por nós são adorados./Entre o coro dos Anjinhos/Também há muitos bodinhos. —/O amante de Syiringa/Tinha
pelo e má catinga;/O deus Mendes, pelas contas,/Na cabeça tinha pontas;/Jove quando foi menino,/Chupitou leite caprino;/E,
segundo o antigo mito,/Também Fauno foi cabrito./Nos domínios de Plutão,/Guarda um bode o Alcorão;/Nos ludus e nas
modinhas/São cantadas as bodinhas:/Pois se todos têm rabicho,/Para que tanto capricho?/Haja paz, haja alegria,/Folgue e
brinque a bodaria;/Cesse pois a matinada,/Porque tudo é bodarrada!”

SOUSÂNDRADE
Joaquim de Sousa Andrade, mais conhecido por Sousândrade foi um poeta brasileiro. Formou-se em Letras pela Sorbonne,
em Paris, onde fez também o curso de engenharia de minas.
Publicou seu primeiro livro de poesia, “Harpas Selvagens”, em 1857. Viajou por vários países até fixar-se nos Estados
Unidos em 1871, onde publicou a obra poética O Guesa, em que utiliza recursos expressivos como a criação de neologismos e de
metáforas vertiginosas, que só foram valorizados muito depois de sua morte, sucessivamente ampliada e corrigida nos anos
seguintes. No período de 1871 a 1879 foi secretário e colaborador do periódico O Novo, dirigido por José Carlos Rodrigues, em
Nova York (EUA).
De volta ao Maranhão, aderiu com entusiasmo à proclamação da República do Brasil em 1889. Em 1890 foi presidente da
Intendência Municipal de São Luís. Realizou a reforma do ensino, fundou escolas mistas e idealizou a bandeira do Estado,
garantindo que suas cores representassem todas as raças ou etnias que construíram sua história. Foi candidato a
senador, em 1890, mas desistiu antes da eleição. No mesmo ano foi presidente da Comissão de preparação do projeto da
Constituição Maranhense.
Morreu em São Luís, abandonado, na miséria e considerado louco. Sua obra foi esquecida durante décadas.
Resgatada no início da década de 1960 pelos poetas concretistas Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio
Pignatari revelou-se uma das obras mais originais e instigantes de todo o nosso Romantismo, precursora das vanguardas.

01) O Guesa Errante


O poema O Guesa (Errante é uma redundância, já que este é o significado de Guesa) pode ser analisado como um poema
épico composto por doze cantos, e foi escrito entre os anos 1850 e 1880 por Joaquim de Sousa Andrade, o Sousândrade. No
poema vemos uma espécie de caminhada transamericana do personagem Guesa, entremeada por suas rememorações e
relembranças. Epopeia construída em torno da memória vivencial, de tom confessional, nessa viagem do retorno, da redenção
da América e do Brasil, somos alimentados com referências históricas e geográficas as quais, mescladas às reflexões e
reminiscências do personagem/poeta, assumem uma função de vidência, de cintilações do real.
“Guesa” era uma figura mítica dos antigos nativos muíscas (Colômbia): um jovem rapaz destinado à peregrinação e ao
sacrifício em honra ao deus sol (Bochica). Para isso, deveria atravessar um caminho planejado pelo deus, o “suna”, até os quinze
anos de idade, quando, preso a uma coluna, em praça circular, deveria ser imolado pelos sacerdotes, “xeques”, para ter o
sangue armazenado em vasos sagrados e o coração oferecido ao deus Bochica. No entanto, mesclado à persona do poeta
maranhense e ao seu próprio itinerário de viagem e de vida, o índio peregrino encarna no poema a figura do exilado, aquele
que, reflete sobre a história e a exploração da América.

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