Democracia Corinthiana e o Futebol Moderno
Democracia Corinthiana e o Futebol Moderno
Democracia Corinthiana e o Futebol Moderno
São Paulo
2020
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SUMÁRIO
RESUMO.............................................................................................3
INTRODUÇÃO.....................................................................................5
DEMOCRACIA CORINTHIANA..........................................................16
“O FUTEBOL MODERNO”..................................................................42
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................47
APÊNDICE..........................................................................................49
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................56
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RESUMO
ABSTRACT
The method used to carry out this research was the bibliographic survey,
with literary and scientific references. In addition, the use of audiovisual
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materials was important for the construction of the work. An interview was
carried out with a journalist and researcher, Mario Alcântara, whose answers
enriched the arguments with lived experiences.
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INTRODUÇÃO
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produzidos sobre o tema, além da realização de uma entrevista por e-mail com
o jornalista e pesquisador Hélio Alcantara, que está no processo de produção
da biografia do ex-jogador Wladimir, lateral esquerdo atuante na Democracia
Corinthiana.
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A DITADURA, VICENTE MATHEUS E AS COPAS
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É possível dividir a ditadura em duas etapas. Do seu início até metade
dos anos 70, quando a sociedade, em sua maioria, prestava apoio e
reverenciava o trabalho realizado pelos militares. Eram poucos aqueles que se
atreviam a contrariar as forças militares, e os que se arriscavam, geralmente
“sumiam” rapidamente. A partir da segunda metade dessa década, o cenário
muda. A ditadura perde força e as manifestações de insatisfação são
constantes. A Democracia Corintiana surge já na década de 80, no fim da
ditadura, e se aproveita do período em que as ideias democráticas tomam a
população.
Uma rua, uma bola de pano ou de borracha, uma bola qualquer e pronto: o menino joga.
Como esporte de pobre, é evidente que o futebol tem uma transa bem maior com o Brasil
do que com a Dinamarca. É uma expressão da arte popular. Todo mundo tem necessidade
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Para além dos profissionais, se instituiu uma nova forma de preparação
dos atletas que os tornavam “soldados-jogadores”, disciplinados e
militarizados. A partir deste planejamento se instala uma nova modalidade de
atleta ideal. Já não se valoriza o drible, a imprevisibilidade e a plástica, o
jogador precisa ser forte, rápido e preciso. Fato é que os jogadores pareceram
ignorar a nova filosofia, pois como vimos na seleção de 70, Pelé, Tostão,
Rivellino, Gerson e Jairzinho deram “show” nos gramados mexicanos. O futebol
é um espelho da sociedade. Nele estão todas as relações hierárquicas de
poder que encontramos no Brasil. O jogador é uma peça da máquina eficiente
e ajustada, que faz funcionar o planejamento. Ele precisa ser comandado e
orientado, e está sendo monitorado por um preparador físico para que atinja o
máximo que seu corpo permite. Quando é capaz de entender e obedecer às
ordens do treinador e realizá-las bem, lhe é reconhecida a qualidade. Mesmo
as questões pessoais são colocadas nas mãos de especialistas para que o
jogador se mantenha focado no trabalho. Durante a década de 70 é revelado
que um dos valores atribuídos ao esporte é a expropriação do saber do
jogador, e dele é afastada cada vez mais a atividade do pensamento. Mesmo
os craques que eram valorizados pelo poder de improvisação e de inteligência
dentro das quatro linhas são trocados pela força física e pela disciplina. Esta
peça comandada é um mero executante do plano traçado pela cadeia de
comando. Este processo é um reflexo das relações de trabalho da sociedade
capitalista, que expõe a vulnerabilidade do jogador de futebol durante a
ditadura e que persiste até hoje. A Democracia Corintiana é apenas um deslize
onde os papéis foram invertidos e a lógica mercantilista não reinou no esporte.
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Salve a seleção!!!
De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão!
Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
Todos juntos vamos pra frente Brasil!
Salve a seleção!
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valor artístico que a atividade possui, assemelhando-se às ideais trazidos por
João Saldanha. O futebol é também uma atividade cultural que reúne a beleza,
o amor e a felicidade. Não se restringe a “Ópio do povo” e objeto alienante, é
encantador.
Nesse mesmo início dos anos 70, reinava no Sport Clube Corinthians
Paulista, um dos presidentes mais famosos de um clube. Vicente Matheus
nasceu em 28 de maio de 1908, na pequena cidade de Toro na Espanha,
mudou-se para o Brasil em 1914, foi criado na zona leste de São Paulo, e se
naturalizou brasileiro. Seu interesse pelo futebol se dá em Ribeirão Pires e
Pilar, onde sua família se sustentava através da exploração de pedreiras.
Jogava na posição de meio campo no time de Pilar, e foi onde acabou se
apaixonando pelo Corinthians, inspirado pelos craques Neco, Grané e Tatu.
Vicente se torna proprietário da pavimentadora “Matheus” quando atinge sua
maioridade, coordenando as finanças da família. Sua proximidade ao clube
aumentou quando se tornou concorrente para pavimentar a rua São Jorge, e a
partir daí se instalou nas proximidades do Parque São Jorge, onde aconteciam
os jogos e treinos do seu time do coração. Ficou conhecido por suas frases
engraçadas e emblemáticas como: “O Sócrates é invendável, imprestável e
inegociável”, “O jogador tem de ser flexível como o pato, que é um bicho
aquático e gramático” ou até mesmo “O Corinthians será campeão comigo ou
sem migo” entre outros dizeres. Curioso o fato de que foi em uma de suas
candidaturas que surgiram os primeiros esboços para a construção de um
estádio próprio do Corinthians, que na época havia sido especulado no bairro
de Itaquera, onde fica hoje a Arena Corinthians, construída em 2014. Apesar
de ser motivo de risadas, Vicente sempre foi um dirigente que simpatizou com
ideais militares, foi sempre muito político e bastante conservador. Além disso,
foi reconhecido por fazer vários pactos com políticos e ser bastante próximo
dos governantes do estado.
Foi com o fim de seu mandato por obrigação judicial, já que havia
completado os anos limites de tempo seguido na presidência, que surgiu o
movimento da Democracia Corintiana. Vicente Matheus tentara burlar as leis,
como já havia feito antes para se reeleger, e montou uma chapa sendo o vice
de Waldemar Pires. A chapa venceu as eleições, porém Waldemar não se
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conformou em ser apenas o meio pelo qual Vicente encontrara de governar o
clube, e acabou afastando-o da vice presidência. Waldemar acaba sendo peça
chave para que os atletas pudessem estabelecer o regime democrático tomada
de decisões no Corinthians, ele dá abertura e escolhe como diretor de futebol
Adílson Monteiro Alves, um sociólogo que pouco conhecia de futebol, mas era
apaixonado pelo Corinthians e pela Democracia. Assim podemos concluir que
Vicente Matheus acabou fazendo a escolha errada e que, provavelmente, se
não elegesse Waldemar Pires para o cargo ainda reinaria politicamente no
clube.
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era outro e as relações que o futebol estabelecia com a política também já não
se baseavam no regime ditatorial militar, mas nem por isso as ideias
democráticas implantadas nos anos 80 faziam parte do cotidiano corintiano.
Vicente vem a falecer em 97, pouco tempo depois de encerrar seu ciclo na
diretoria do Corinthians.
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segunda fase de grupos que encaminharia o primeiro colocado de cada grupo
para a final da competição. A seleção portenha só viria a se classificar caso
goleasse a seleção peruana por uma diferença de quatro gols, já que além dos
pontos pela vitória, seria preciso do saldo de gols para ultrapassar o Brasil e
assim passar para a final eliminando a invicta equipe de Zico, Rivellino, Leão e
Roberto Dinamite. O primeiro tempo do jogo foi bastante brigado, mas a
qualidade da seleção argentina prevalecia e as equipes foram para o vestiário
com o placar de dois a zero para o time da casa. Vale lembrar que o Peru
também era governado por militares, trazendo ainda mais tensão ao embate.
Há relatos de que os jogadores e a comissão técnica peruana receberam uma
inesperada visita no vestiário. Eram soldados argentinos. Pouco se sabe do
diálogo estabelecido durante os quinze minutos, nem mesmo se houve algum
tipo de violência. Porém na volta do intervalo, amedrontados, os peruanos
sofreram mais quatro gols e a partida se encerrou com o placar de seis a zero,
consagrando a vaga argentina na final da copa do mundo. Alguns contam que
parte da torcida ficou sabendo, ainda no estádio, do fato ocorrido e protestava
contra as forças armadas. O que se pode constatar é que funcionários da
manutenção do estádio que presenciaram o atentado colocaram fitas pretas
nas traves, como forma de luto, para que as redes televisoras que transmitiam
a partida reportassem o que ocorrera nos corredores do vestiário. A política se
misturou com o futebol e permitiu que valores fossem estabelecidos aos atletas
presentes no campo. Os jogadores argentinos foram acusados por apoiar os
soldados, quando na verdade estavam subordinados ao poder opressor da
ditadura militar.
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da União Soviética. No primeiro jogo o Chile havia viajado para empatar em
zero a zero com os soviéticos. O jogo da volta estava marcado para o estádio
Nacional do Chile, e a União Soviética se recusou a entrar em campo, como
protesto e resistência ao regime fascista chileno. Apesar disso, Pinochet
obrigou os jogadores chilenos a entrarem em campo, encheu a arquibancada
de torcedores e, assim que foi dado o apito inicial do juiz, os atletas
caminharam com a bola até o gol vazio, celebrando a classificação que para
muitos aconteceu de uma forma vergonhosa. Hoje, algumas cadeiras da
arquibancada estão preservadas e nunca são ocupadas em dias de jogo, como
memoria àqueles que resistiram e aos que se foram na ditadura.
Esses fatos nos permitem afirmar que se tornou cada vez mais difícil
separar o futebol da política. O futebol como um evento cultural tem um
potencial alienante, e serviu durante o período conservador na América Latina
como instrumento de propagação do nacionalismo na sociedade e também
como artefato de distração. Apesar das características de entrega e paixão
incondicional, o esporte não funciona apenas como espetáculo. Os militares
entenderam isso e rapidamente se ocuparam em liderar as decisões
esportivas, sem deixar lacunas para que fosse possível atribuir ao evento
espaços revolucionários de ameaça ao poder.
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A DEMOCRACIA CORINTHIANA
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meados de 69 é oficializada a Gaviões da Fiel, composta por torcedores que
enxergavam a necessidade de mudar os parâmetros de atuação de uma
torcida organizada, intervindo diretamente nas decisões políticas do clube. O
principal alvo era o então presidente da cúpula corintiana Wadih Helu, filiado ao
partido de extrema direita conhecido como Arena, partido este que foi criado
em 65 para dar sustentação política ao regime totalitário. Não por acaso, os
gaviões, desde seu surgimento, levantavam a bandeira democrática fazendo
oposição à ditadura militar instalada em 64, além de se tornarem fator
importante para a sustentação da Democracia Corintiana, prestando apoio aos
jogadores e à diretoria do clube. Ainda nos dias de hoje os gaviões projetam
sobre o futebol lutas políticas bastante importantes. Quando se trata da defesa
da democracia, os alvinegros paulistas estão sempre presentes, seja para
reivindicar merenda nas escolas (2016) ou repudiar manifestações fascistas
(2020). A Democracia Corintiana encontrou um cenário favorável na sua torcida
e obteve apoio fundamental para sua sobrevivência, superando os ataques
realizados pelos meios de comunicação majoritariamente conservadores.
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paulista Antônio Leme Nunes Galvão para tratar sobre a negociação
envolvendo o jogador Chicão. Para os são-paulinos tratava-se do possível
dinheiro para oficializar a contratação de Sócrates e por isso não titubearam ao
confirmar presença na reunião. Enquanto Isidoro tratava de enrolar a diretoria
rival, Vicente viajou até Ribeirão Preto e, com dinheiro em mãos, contratou o
doutor Sócrates. Ali se concretizava a maior das contratações corintianas, uma
tacada certeira de Vicente Matheus. Acho até que, se imaginasse as
reviravoltas no clube e em sua direção que o meio campista causaria, o então
presidente faria questão de presentear seu rival, São Paulo, com a contratação
do jogador.
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efetivamente o cargo na presidência do clube. No jornal Folha de São Paulo,
dois dias após as eleições, uma matéria conta que “Vicente veio ao Parque
São Jorge e estacionou sua Mercedes Benz na vaga reservada para o
presidente”. Quanto aos jogadores, se acostumaram a encontra-lo na sala da
presidência, sentado na poltrona destinada a Waldemar, que, por diversas
vezes, assistia às tratativas de transferências com jogadores e seus
empresários. A situação era pública e bastante vergonhosa. Waldemar tinha
sua figura exposta e rebaixada, era fantoche nas mãos do ditador. Ele não
deixava de se incomodar, mas temia se tornar inimigo de um dos mais
respeitados presidentes no meio futebolístico. Custava-lhe então decidir por
algum caminho. Ou renunciava a seu cargo, ou impunha seus valores e
assumia de forma efetiva a presidência do clube para a qual foi eleito. A
insatisfação vinda das arquibancadas, os péssimos resultados, as críticas da
imprensa esportiva e a articulação com alguns pilares do clube, o encorajaram
a escolher a segunda opção. Assim sendo, em julho de 81, eram noticiados os
afastamentos de Vicente Matheus e de Osvaldo Brandão, o então técnico da
equipe. Foi motivo de festa para aqueles que necessitavam respirar novos
ares, era a vitória pela liberdade. Apesar disso, a alegria durou pouco.
Waldemar Pires convocou João Mendonça Falcão para o cargo de diretor de
futebol. João era carta velha no cenário do futebol, havia sido presidente da
FPF (Federação Paulista de Futebol) de 55 a 69, e foi descrito como político
matreiro pela revista Placar do mesmo ano. A escolha não favorecia a
mudança de rota no clube, e isso refletiu no campo. Os resultados não eram
melhores, o que tornou curta a passagem de João Mendonça pelo alvinegro
paulista. Em um bagunçado campeonato brasileiro, o Corinthians acabou
caindo para a Taça de Prata, semelhante à segunda divisão do campeonato
atual. Enquanto os resultados não eram os esperados, o clube sofreu pressão
da torcida e desconfiança por parte da diretoria. A ditadura já caminhava para o
fim, e existia uma certa abertura para desconstrução do regime ditatorial. É
nesse momento que começam a surgir traços do movimento que chamamos de
Democracia Corintiana. O novo diretor de futebol, Adílson Monteiro Alves, era
recém formado em sociologia na universidade de São Paulo, e assumia o
cargo a convite de seu pai, à época vice-presidente de futebol. A contagem era
regressiva para que ele não suportasse a pressão e tivesse o mesmo fim de
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João Mendonça. Contudo, conseguiu se sustentar no cargo através da sua boa
relação com os companheiros de clube, jogadores e diretoria. Ele relata que “a
minha apresentação aos jogadores na concentração, antes do jogo com o
Guarani, que deveria durar no máximo dez minutos, acabou durando seis
horas”. Como sociólogo, ele se apresentava como um bom diretor de futebol.
De alguma forma, seus estudos colaboraram para que mantivesse proximidade
ao elenco de profissionais, e em decorrência disto, para que se tornasse um
dos pilares da implantação do regime democrático dentro do clube. O jovem
diretor propunha-se a quebrar a distância entre dirigentes e dirigidos, valorizava
as conversas e debates, e esboçava junto aos jogadores uma nova pintura
para o cenário ultrapassado. A identificação foi instantânea por parte do elenco.
Junto do novo diretor, surge também a figura de Mário Travaglini. Para a sorte
do projeto alvinegro, o novo técnico não era “linha-dura”, e gostava de discutir
com os jogadores sobre os esquemas, suas posições, entre outras decisões
que se tomava no cotidiano do clube. Travaglini chegou no Corinthians depois
de comandar a equipe da Portuguesa, de São Paulo. Foi, inclusive, em uma
derrota para a equipe alvinegra que ele se despediu da Lusa. Wladimir lembra
bem do momento em que se anunciou a chegada do novo comandante – foi a
união da “fome com a vontade de comer”. O grupo sabia exatamente o que
queria – e fica claro que a participação dessas duas figuras atendia ou
satisfazia a vontade do elenco de profissionais, e ampliavam o campo de
atuação dos jogadores, seja dentro ou fora das quatro linhas; foi a união da
“fome com a vontade de comer”.. Apesar disso, esses não se tornaram os
arquitetos nem tão pouco líderes do movimento. Tiveram papel coadjuvante, e
abriram as portas para o que viria em seguida, como aponta Sócrates em
depoimento para seu livro:
É possível afirmar então que a mudança de rota deu seu primeiro passo
com a chegada desses dois novos componentes, que assumiram um papel
bastante perigoso para a época. Mas foram os jogadores, que com alas
abertas, tomaram a rédea e construíram novos parâmetros na constituição dos
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papéis dentro e fora do campo. Há quem diga que não foi tarefa difícil assumir
tais posicionamentos a frente de um elenco excepcional como o do Corinthians
no início dos anos 80. Mas a pressão não vinha apenas de dentro do vestiário -
os meios de comunicação e até mesmo a torcida viam como parâmetro
fundamental para sustentação da nova organização a chegada dos resultados,
fossem eles títulos ou melhores desempenhos em campo. No caso de novas
derrotas, a pressão aumentaria e a Democracia Corintiana seria a bagunça que
afundaria ainda mais a equipe alvinegra.
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se afirmar através das mudanças, sejam elas do estilo de jogo ou no uso da
racionalidade acima da exploração do corpo do atleta. Apesar disso, foi neste
momento que se construiu uma identidade para o clube que persiste até hoje,
em que a raça e entrega pelo time deve estar presente em campo. No
Corinthians da década de 80 encontra-se o equilíbrio entre o uso do corpo do
atleta e do exercício da crítica e razão. Tratou-se então de criar um novo
vínculo com a torcida, que passou a reconhecer o esforço da equipe de uma
outra maneira. Os jogadores deixaram de se submeter ao modelo tradicional de
concepção de jogador, e passaram a se destacar por suas individualidades.
Neste período, surgem craques criativos, como Sócrates e até mesmo o lateral
Wladimir, que já não se limitava aos desarmes. A ânsia pela liberdade era o
combustível que todos os jogadores compartilhavam. A separação entre
exercício da profissão e condição de cidadão era intolerável e inapropriada.
Wladimir relata de forma bastante objetiva:
“Todo jogador sabe o que é bom para si. Ele é quem sabe o que lhe
falta: conhecer o corpo, conhecer as próprias deficiências, os próprios limites.
Os próprios atletas têm que conhecer a sua realidade. Agora dão muito poder
para treinador, para médico, para dirigente, supervisor, quando na verdade
quem tem que decidir são os atletas, que na maioria das vezes são
manipulados, subservientes”
A reflexão que o atleta faz sobre o uso do próprio corpo toca na questão
do imaginário capitalista, no qual todos os limites são revestidos de um valor
negativo e, portanto, devem ser superados. O atleta deve negar seu próprio
corpo, seus limites e suas vontades para que desempenhe o melhor dentro de
campo. O esporte levava, com sucesso, o jogador a superar constantemente
as barreiras da força física, da resistência, do rendimento durante uma partida.
A repetição mecanizada de certos movimentos e exercícios acabam por se
assemelhar ao fordismo, e a produção de trabalhadores amestrados. Enquanto
a lógica mercantilista e capitalista do esporte ia de encontro com a hipertrofia
do corpo do atleta ou então deixavam marcas permanentes, Wladimir
reestabelece uma relação equilibrada e de autocontrole entre as características
físicas e a atividade do pensamento. Querendo ou não, foi o equilíbrio entre o
exercício do corpo e da alma que o tornou um símbolo para os corintianos.
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A Democracia Corintiana caminhava a passos largos, restava a chegada
de títulos para que se coroasse o futebol alvinegro. Por uma série de confusões
nas regras do campeonato brasileiro, de alguma forma o Corinthians poderia,
ainda no ano de 82, subir para a Taça de Ouro, equivalente a primeira divisão.
Sócrates havia se machucado e estaria fora dos primeiros jogos que poderiam
garantir à equipe alvinegra o retorno ao alto escalão. O time começou bem com
uma vitória sobre o América – RJ. Ao contrário do que se imaginava, o caminho
não continuou fácil como na estreia. No jogo seguinte apenas empatou com o
fraco time da Colatina, do Espírito Santo. Na terceira partida, mais um empate,
dessa vez contra a Catuense. Nesse momento já se especulava a possibilidade
da equipe corintiana fracassar mais uma vez, e permanecer na segunda
divisão do principal campeonato nacional. Para a partida final da primeira fase,
ainda com Sócrates lesionado, e desta vez acompanhado de Mário, atacante
artilheiro da equipe, Travaglini escolheu escalar Casagrande, que ainda não
havia estreado pelo alvinegro. O atacante era cria da base, havia tido alguns
conflitos com o técnico Osvaldo Brandão, e quase foi negociado com o América
– RJ, mas para sorte dos corintianos, a tratativa fracassou na última hora. E
não podia ter sido melhor. Casagrande estreou fazendo quatro dos cinco gols
da equipe sobre o Guará – DF e manteve viva a possibilidade de ascender à
Taça de Ouro. Como se não bastasse, o maior rival, Palmeiras, perdia mais
uma partida e estava eliminado da Taça de Prata, adentrando num poço sem
fundo.
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A questão agora era, até onde poderia chegar a Democracia Corintiana?
Vale ressaltar que a democracia se deparou com problemas dentro do clube.
Dois jogadores, Paulo César Lima (Caju) e Rondinelli tampouco começaram a
campanha no campeonato brasileiro de 82, rescindiram com a equipe e
deixaram o elenco. Eles não se adaptaram ao estilo de relacionamento
estabelecido, não conseguiram se juntar ao grupo. Nesse aspecto é
interessante observar que, para alguns, aquele não parecia ser um regime tão
democrático assim. Apesar das novas modalidades de relação dentro dos
vestiários, onde todos deviam se posicionar, as decisões deveriam ser tomadas
em conjunto com os atletas através da votação, todos votos tinham o mesmo
valor e deveriam ser respeitados, alguns não se sentiam acolhidos, escutados
ou até mesmo não se adaptaram à liberdade imposta a eles. É um fenômeno
facilmente observável, os jogadores de futebol, em sua maioria, gostam da falta
de liberdade - é cômodo não se posicionar e não se comprometer. A liberdade
tem um custo e isso chega a incomodar alguns, como os casos de Rondinelli e
Paulo César Caju. Além disso tudo, há quem diga que eram excluídos aqueles
que, de alguma forma, discordassem da forma como as coisas eram
organizadas. O próprio Wladimir diz em uma frase: “Estamos fechados dentro
do grupo. É como definimos a união que existe aqui. Um pacto que fizemos.
Havia uma ou duas “ovelhas desgarradas”, agora não há mais. Time que quer
ser campeão tem que se fechar. Nós conseguimos e agora eu acredito outra
vez no Corinthians”
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retira o jogador do lugar comum que ele está encaixado. O jogador sempre
teve um médico ou um treinador ao seu lado o tempo inteiro, dizendo o que
deveria ou não fazer e como fazer. Dele estava desassociada por completo a
noção de privacidade. O atleta não conseguia mais estabelecer um limite para
aquilo que se resumia a sua vida publica ou privada, ele aparecia como figura
pública o tempo inteiro. E isso fica exposto, principalmente, quando este não
está acompanhado dos resultados esperados. Se o clube está mal, a primeira
manifestação de insatisfação é com aquele jogador que, por algum motivo, deu
uma festa em sua casa no final de semana ou então chegou atrasado ao treino.
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“Ele jogou com três dedos luxados para não me dar a posição de volta.
E o pessoal da Democracia se reuniu, isso aí eu soube depois, soube por
outras pessoas, se me pusesse para jogar eu iria fazer sacanagem com o
clube. Peraí! Eu puto no banco, magoado, querendo jogar, os caras botam um
cara machucado para jogar. Ele fez tratamento a noite toda com a mão dentro
do balde. Eles se reuniram, eu não sei quem participou dessa reunião, eles se
reuniram com a comissão técnica e disseram que se eu jogasse iria fazer
sacanagem com os caras que estavam jogando”
Segundo o próprio jogador, isso se deu pelo fato dele ser um dos que
apoiavam a candidatura de Vicente Matheus, e que não se adequava ao certo
ao movimento democrático nos vestiários. A revista Placar, na época próxima
às partidas contra a equipe gaúcha, já noticiava alguns dos rachas do elenco.
“Dois goleiros, uma guerra”, foi a manchete responsável por publicar o fim das
relações entre os goleiros, César e Rafael, após um desentendimento em uma
excursão da equipe pela América. Contudo, é questionável a veracidade dos
fatos narrados por Rafael. O goleiro era titular e foi afastado por um
estiramento. Mesmo após sua recuperação, se manteve no banco de reservas.
Isso lhe gerava bastante incomodo, e o atleta chegou a cobrar o treinador, visto
que se achava mais bem preparado que seu substituto, César. Esses fatores,
junto com depoimentos de outros atletas presentes nas polemicas derrotas,
parecem conturbar a versão contada pelo goleiro. Zé Maria coloca – César
tinha um problema, mas ele acabou passando pela avaliação médica, e, para a
gente, o que mais valia era a avaliação médica – assim como Zenon, que
afirma ter ficado preocupado com César pela contusão, mas o mesmo parecia
se sentir seguro para jogar. Entretanto, é perceptível que, como qualquer outra
agremiação, mesmo as mais democráticas, pressupõem conflitos de
interesses. É inimaginável um cenário em que todos sejam completamente
contemplados, inclusive nos vestiários corintianos. Qualquer conflito como
esse, não invalida nenhum dos legados ou valores deixados pela Democracia
Corintiana, nem seu poder revolucionário.
Ano de copa do mundo, 1982 foi para a maioria uma grande decepção.
Sócrates viajara com a comissão brasileira e era uma das grandes esperanças
para conquista do tetra brasileiro. A seleção fez uma ótima primeira fase,
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ganhando os três jogos e passando para a etapa seguinte. Em grupos com três
equipes, o Brasil enfrentou a argentina e conquistou a vitória. Bastava ganhar
ou empatar com a seleção italiana para passar para as semifinais. Mas o time
que, até hoje, ficou marcado pela qualidade técnica e artística na forma de
jogar, esbarrou nos italianos e não avançou para a próxima fase. Foi uma das
maiores derrotas brasileiras, e teve uma passagem pouco coroada pelo belo
futebol e pelos tantos talentos presentes naquela campanha. Na volta, alguns
dias após o encerramento da copa, deu-se início ao campeonato paulista. De
fato, a eliminação precoce havia anestesiado todos brasileiros, e na estreia
corintiana, o estádio do Morumbi estava vazio. O alvinegro paulista acabou
vencendo. Apesar do cenário horrendo que a copa acabou trazendo para a
continuação dos campeonatos estaduais, Sócrates parecia encarar os fatos de
outra perspectiva. Carregado de bagagem e com muitos aprendizados novos, o
meio campista se sentia ansioso por ensinar as novas táticas aprendidas para
seus companheiros. Além disso, estava sedento por respirar os ares
democráticos que se encontravam nos vestiários corintianos. Era
extremamente animador, para o doutor, exercer a atividade do pensamento no
decorrer da partida, as intervenções quanto à maneira como a equipe se
comportava dentro das quatro linhas, e até mesmo nos planos físicos dos
atletas. O lugar de Sócrates parecia ser mesmo nos braços dos corintianos.
Nesse ano, a equipe corintiana se consagraria campeã paulista, fato que
coroava a democracia e, aos poucos, acabava com a desconfiança sobre o
movimento.
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em marketing e fonte de renda. Segundo ele, na Europa isso já era fato
consolidado, e tal fenômeno poderia resultar em melhores condições
contratuais. Mesmo Wladimir, se via frustrado quando se tratava de sua
remuneração, parece que o jogador havia cedido várias condições para que
sua permanência no clube fosse possível, esforço realizado principalmente por
conta de sua identificação com o clube, torcida e com o elenco. O marketing
era, portanto, bom para todos. Bom para quase todos, na verdade. O fato foi
utilizado por Vicente Matheus para mais uma investida na tentativa de impitimar
Waldemar. Vicente se aproveitava da sequência adversa de resultados, e
evocava todas as figuras que se opunham à modernização do futebol, e a
transformação da camisa de futebol em publicidade. A investida falhou, e
durante uma partida no Pacaembu, contra o Juventus da Mooca, a Gaviões da
Fiel protestava contra a volta do antigo presidente. Não existia, portanto,
estratégias que pudessem contornar sua rejeição pública, e até mesmo os
jornais queimavam por completo sua reputação. As ações do vice presidente
acabaram por encerrar de vez sua participação no clube alvinegro, e também
afastou o interesse do banco Bradesco no patrocínio. Estabeleceu-se então
outras maneiras de produzir novas fontes de renda. Especulou-se transformar
a figura de Sócrates como um grande marketing, misturando sua qualidade
técnica como jogador com sua figura de doutor. Projetou-se até camisas
especiais para o jogador, que mesclassem a manto alvinegro com o uniforme
médico. Mas a ideia não era simpatizada pelo próprio jogador. Não queria ser
consumido como mercadoria, tornar-se fonte de renda do clube através de sua
figura pública.
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o atleta deve exercer a atividade do pensamento, seja ela dentro ou fora de
campo. Deve-se questionar também até que ponto o papel exercido por
Gikovate não ultrapassava os limites do controle da vida pessoal, visto que
naquele elenco existiam figuras polemicas como a de Casagrande, conhecido
por sua rebeldia, seu gosto pelo Rock e sua proximidade com as drogas. Até
mesmo o doutor Sócrates, era fumante e gostava de sair para beber. Um
psicólogo poderia ser uma das formas de assumir o controle das mentes
pensantes no clube e também de garantir que, dentro de campo, essas mentes
não falhassem. Mesmo no anúncio da contratação de Gikovate no Corinthians,
Adílson afirma que “Nós achamos que já é tempo da ciência e o esporte
caminharem lado a lado”. Parece que mesmo a Democracia Corintiana
caminhava rumo à modernidade e acabava ofuscando, aos poucos, a
autonomia que antes era permitida aos jogadores. Os interesses financeiros e
as encruzilhadas pela qual esbarravam o clube, direcionavam a equipe para o
modelo tradicional, no sentido que era cada vez mais difícil de sustentar os
valores estabelecidos, e as contradições vinham à tona.
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malufista José Maria Marin. Ao certo, as coisas pareciam estar mudando de
rumo. Dois anos depois, seria Wadih o responsável por sacramentar o fim da
gestão de Waldemar, e consequentemente dar fim à Democracia Corintiana.
Outro fato que há de se destacar foram os depoimentos das figuras mais
importantes dentro do clube, como Sócrates, Wladimir e Casagrande, que
atrelaram a permanência no clube exclusivamente a reeleição de Waldemar.
Caso contrário, saíram em uma grande barca, e o elenco perderia seus
principais ídolos. Para sorte de toda torcida alvinegra, tal fato não se fez
necessário naquele momento.
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aproximavam do modelo de autogestão nunca visto antes no futebol brasileiro.
A escolha também estava mergulhada na luta pela democracia racial, e Zé
Maria se tornou um dos poucos, se não o único técnico negro na época. A
equipe sofreu com alguns obstáculos, consequentes da escolha de Zé Maria.
Primeiro, o próprio jogador encontrou dificuldades em, repentinamente, ter que
conciliar as funções de comandante e ao mesmo tempo não se desprender de
suas características como jogador, afinal ele não havia se aposentado dos
gramados. Para além dos problemas encontrados por Zé, Sócrates relata a
dificuldade para que não se perdesse por completo uma figura de técnico
comandante, no sentido de não permitir que aquilo se tornasse uma verdadeira
Anarquia Corintiana. Não era esse o objetivo dos atletas. Vivenciavam então
uma grande gangorra, que ora pendia para um lado, ora para o outro. Ao
mesmo tempo que tudo deveria ser decidido através do voto, os personagens
da história deveriam exercer suas funções, sejam elas de técnico, preparador
físico, ou de jogador. As escalações não eram votadas, isso era papel
exclusivo da comissão técnica. Apesar disso, as contratações e dispensas
eram todas votadas. E a dificuldade era inclusive em encontrar critérios
plausíveis para tais decisões. Não era possível assegurar que as decisões
fossem tomadas racionalmente, afinal qual deveria ser o critério para demitir
um jogador? A má conduta, sua falta de técnica ou falta de higiene? Ninguém
possuía essas respostas. A equipe corintiana acabou respondendo dentro dos
gramados, e a insegurança de Zé Maria foi se perdendo conforme o time
apresentava bons resultados durante os jogos.
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maioria dos jornais conservadores, como o Estado de São Paulo. A equipe
mostrou-se bastante nervosa com tal situação. Cada jogo possuía,
simbolicamente, o valor de vida ou morte para a autogestão corintiana. A
imprensa cobrava cada vez mais o desempenho e duvidava da seriedade do
trabalho realizado no Parque São Jorge. Os jogadores conflitavam durante os
jogos e isso parecia destruir a imagem construída em relação ao ambiente
amigável dentro dos vestiários. Parecia que o universo conspirava contra o
alvinegro e não media forças para afundar de vez a equipe. Jogadores
importantes como Biro-Biro e Casagrande desfalcaram o elenco durante
algumas partidas, Biro por conta de um estiramento na coxa e Casão pela
suspeita de traumatismo craniano causado por um choque de cabeça. Foi
nesse momento que a Democracia Corintiana sofreu sua maior goleada, cinco
a um para o Flamengo de Zico. Derrota atribuída, claro, ao desgoverno no
clube. Tal derrota serviu, de fato, para desacreditar a experiência alvinegra.
Canais de comunicação sugeriam a intervenção do temido ex-presidente
Vicente Matheus. Depois disso, a equipe ainda conseguiu uma vitória para se
manter vivo na competição, mas tal sobrevivência não durou muito e terminou
em uma vitória do Goiás sobre o Guarani, em Campinas, que eliminou
matematicamente a equipe do Corinthians da Taça de Ouro. Ali também foi se
encerrando a autogestão no clube, e de fato o regime democrático haveria de
retroceder, afinal o futebol não havia aceitado de fato a nova modalidade de
organização. Em maio, contrata-se Jorge Vieira como técnico, que já havia
passado pelo Corinthians, encerrando a curta gestão de Zé Maria. Jorge
significou a retomada do regime de concentração, decisão que satisfazia, em
parte, os críticos. Jorge encontrou, ao chegar no clube, jogadores
completamente diferentes do que em sua primeira passagem. Já os jogadores
não tiveram a mesma felicidade, e pareceram infelizes quanto ao trabalho do
técnico. Também nesse período foi retirada da camisa corintiana a inscrição
“Democracia Corintiana”, fato atribuído ao então técnico, mas que na verdade
se resumia em um problema com relação à mudança no estatuto da FPF
quanto aos dizeres das camisetas. Não eram permitidos, de maneira alguma,
palavras de “ordem religiosa e política”.
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Em julho de 83 deu-se início ao campeonato paulista. Antes ainda, no
início do ano, a equipe corintiana se reforçou em busca de novos títulos. A
chegada polêmica do goleiro Leão mexeu com a equipe. O método para
contratação não foi o acostumado por todos, já que Adílson acabou ouvindo
apenas algumas peças que já haviam jogado junto com o goleiro como
Sócrates, Wladimir e Zé Maria. O dirigente sabia da personalidade forte do
goleiro, e por isso achou que a contratação seria vetada caso sugerisse ao
grupo todo. Leão chegou ao alvinegro paulista para trazer à equipe títulos
ainda mais importantes no cenário nacional. Restaria observar então se a
qualidade do goleiro falaria mais alto que sua personalidade individualista e
desagregadora. O Corinthians teve sua estreia do paulistão no estádio do
Morumbi, contra o rival Palmeiras. Com o placar de cinco a um, a equipe
corintiana afundava de vez o palestra e conquistava um resultado que vinha na
hora certa, de forma que permitia à Democracia Corinthiana sobreviver à
expectativa pelos resultados. A sequência do campeonato não foi muito
diferente. Com vitórias sobre seus principais rivais, São Paulo e Santos, a
equipe da zona leste foi campeã do primeiro turno e ninguém podia detê-la.
Leão foi peça importantíssima para que o Corinthians conquistasse o
bicampeonato paulista no ano de 83. Na final deste campeonato, em que o
time entrou em campo para disputar a taça novamente com a equipe são-
paulina, os jogadores estenderam uma grande faixa com os dizeres “Ganhar ou
Perder, mas sempre com Democracia”. Faixa esta que virou um dos símbolos
do movimento democrático no Corinthians. Foi uma forma de reafirmar a
importância dos valores democráticos acima de qualquer resultado, assunto
que vinha tomando maiores proporções no clube, principalmente com o
investimento em contratações polemicas como a do Leão. Fato é que os
resultados serviriam também para aliviar a pressão sobre os jogadores, que já
sofriam com especulações sobre possíveis substitutos para suas posições.
Antes da estreia com a goleada sobre o Palmeiras, especulou-se fortemente a
chegada de um centroavante para assumir a vaga de Casagrande, o que
acabou ficando para trás com a sequência impressionante de bons resultados.
Nesse ano, nos meses seguintes, um dia Casagrande e alguns outros
companheiros de clube resolveram acampar no gramado do Parque Ibirapuera,
junto do movimento dos desempregados, em frente à Assembleia Legislativa,
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colocando em foco os problemas sociais. Um ano antes, ele, junto também de
alguns outros companheiros como Wladimir, se filiaram ao Partido dos
Trabalhadores (PT). Os jogadores que em campo resolviam, fora dele não
deixavam de figurar no cenário político e social, lutando por valores
democráticos, de liberdade e de combate à desigualdade. Essas ações
simbolizavam a tomada da consciência política por parte dos atletas. Eles
passaram a participar constantemente de debates, e viraram figuras
procuradas pelos canais de comunicação. Já não era mais possível separar a
figura de atleta com a de cidadão, as coisas se misturavam. E em campo não
era diferente. Em 1982, por exemplo, a equipe corintiana entrou em campo
com camisas trazendo o informe “Dia 15, Vote”. Era o incentivo para que a
população participasse da primeira votação direta para governo estadual,
depois do golpe de 64, que aconteceria dia 15 de novembro. O objetivo era
trazer a população para as decisões políticas, para escolher seu representante,
participar das decisões do país.
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esforços para tal. Acima de tudo, um dos grandes problemas na transação foi
como tudo ocorreu. Adílson descumpriu com as regras estabelecidas, e não
consultou todos os atletas quanto à chegada do goleiro, o que causou ainda
mais desconfiança quanto à sua índole. Fato que também fortaleceu a ideia,
que já circulava pelas redondezas do clube, de que a Democracia Corinthiana,
era “democracia dos quatro”. Alguns jogadores, como Sócrates, negam a
informação. Ele afirma:
“Alguns companheiros afirmam que não houve, dessa vez, votação para
a contratação de um jogador como fazíamos regularmente. Não me lembro que
tenha se processado assim. Para mim, dentro das limitações de minha
memória, houve a consulta popular”
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para destruí-lo. Não lhe restavam alternativas se não entrar na briga
democrática e conquistar a maioria para revogar a ordem estabelecida. Aos
poucos, o goleiro conquistou vários adeptos, por exemplo, ao regime de
concentração, fato que se tornou mais simbólico do que pode parecer, dado
que seu extermínio foi um dos pilares das mudanças significativas na
instalação da democracia no clube. Com o passar do tempo, foi se desenhando
duas turmas completamente opostas, a de Sócrates e a de Leão, fato que
rachou o elenco que antes se fortalecia pelo forte laço entre os atletas. E tal
fato parecia cada vez mais insustentável. Leão, ainda no início de 84, acaba se
transferindo para o rival Palmeiras. Nesse mesmo momento, Sócrates se
aproxima de vez do movimento pelas Diretas Já!, acompanhado de alguns
companheiros de clube. Na verdade Sócrates estava acompanhado de milhões
de gaviões apaixonados pelo clube e sedentos por liberdade, essa que esteve
o tempo inteiro se confundindo com a dos jogadores. O nexo entre as lutas
fortaleceu o processo de democratização no alvinegro, mas também gerou
conflitos e cobranças desgastantes.
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Joinville, os atletas entraram em campo com faixas amarelas no tornozelo,
braço, chuteira, em menção à luta do povo pela democracia. Fato é que o
elenco corintiano esteve só, em meio à omissão dos outros clubes paulistas.
Vale ressaltar que as condições não eram as mesmas. Atletas que
mencionavam desejo de aderir à faixa amarela eram imediatamente proibidos
em clubes como Atlético Paranaense. Alguns jogos depois, a equipe corintiana
viria a reclamar intensamente de um possível roubo proposital da arbitragem,
fato atribuído às manifestações publicas em apoio ao movimento das diretas.
Enquanto isso, Magrão (Sócrates) vivia um impasse que desenharia seu
destino próximo. Em parte, se via convencido de que seu lugar era no
Corinthians, e que a luta pela liberdade fazia parte de seu sangue. Porém, os
dólares o faziam balançar. Nesse momento que o atleta vivia, provavelmente, o
maior dos dilemas de sua carreira, durante uma das passeatas, o jogador subiu
no palanque junto dos companheiros Casagrande, Wladimir e Juninho, e
proclamou a seguinte frase:
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número de votos necessários para a implementação da votação direta para a
presidência. Por conta de vinte e três votos, Sócrates tinha desenhado o fim de
sua passagem pelo alvinegro. Para o azar dos cariocas, a despedida não foi
imediata. Depois de perder o primeiro jogo, no Rio de Janeiro, por dois a zero,
a equipe corintiana desempenhou um belo futebol com os craques Sócrates e
Zenon no estádio do Morumbi. Com os dizeres – Corinthians, Já! – no placar
eletrônico do estádio, a equipe alvinegra embalou um quatro a um no forte
adversário, mostrando o quão interligadas estavam as lutas da Democracia
Corintiana e das Diretas Já!, e deu um forte golpe no autoritarismo da imprensa
esportiva que já previa sua eliminação precoce. Nos vestiários, Adílson
afirmava em tom de desabafo: “Já estamos fartos de sermos cobrados em
função de resultados dos jogos e não pelo nosso trabalho. Não vamos
responder mais a esses setores e isto está decidido pelo grupo. Chega de
colocar a democracia na parede toda vez que ocorre um situação
momentaneamente adversa”.
Não por isso a pressão sobre Sócrates diminuíra. Nas semifinais, contra
o Fluminense, os jornais tratavam de sacramentar a vitória corintiana, assim
como havia acontecido com o rubro-negro carioca. Sócrates, ainda não
recuperado, via sua lesão piorar depois da goleada em cima do Flamengo. A
equipe corintiana vai ao jogo com o que tem de melhor. Com Magrão jogando
no sacrifício, o alvinegro sofre um gol no fim do primeiro tempo. Vai para o
intervalo em desvantagem no placar. Contrariando a expectativa dos
torcedores, a equipe adota uma postura ainda mais defensiva, apostando todas
as fichas no segundo jogo e reconhecendo a falta de recursos para a
recuperação durante aquela partida. Apesar disso, acaba sofrendo mais um gol
em um contra-ataque e a partida acaba com um placar de dois a zero. Neste
momento, as críticas são incontáveis. A indignação pela escolha defensiva, a
falta de entrega e o resultado quase irreversível acabam por recair sobre os
ombros do principal personagem corintiano, Sócrates. Não é surpresa para
ninguém que as decisões fossem tomadas conjuntamente, inclusive do padrão
de organização tática. Nesse momento, tal fato é responsável por incendiar os
bastidores de Magrão, e a situação parece ser insustentável. Relatos de
companheiros reafirmam sua escolha pelo modo defensivo de jogo, e sua
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confissão parece cavar sua sepultura. O jogador de fato canalizava para si as
críticas e cobranças, e parecia perder aos poucos a imagem construída através
de sua luta pelos direitos de igualdade, liberdade e democracia. As imagens se
confundiam com a Democracia Corintiana, e o cenário parecia desestruturar
qualquer posição conquistada pelo movimento e por Sócrates. Neste momento,
o jogador tem sua transferência para a Itália selada, e acaba reforçando a
equipe da Fiorentina. Depois de um empate em zero a zero na partida de volta,
no Maracanã, Sócrates se despede do Corinthians. Ali, leva consigo a
Democracia Corintiana, que passa a ficar cada vez mais insustentável sem sua
presença, seja ela em campo, ou fora dele.
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renunciando ao cargo. Casagrande foi negociado com o tricolor paulista, e a
Democracia Corintiana foi, aos poucos, se despedindo do futebol. Fato é que,
como bem afirma Sócrates, “sem os títulos, certamente a Democracia
Corintiana não teria a mesma longevidade. Era um movimento revolucionário,
isolado, num meio totalmente reacionário chamado futebol”. A derrota das
Diretas Já! assinalou as características mais inflexíveis quanto às práticas de
liberdade no futebol brasileiro. Ao invés dos jogadores decidirem cada vez mais
as intervenções que remetiam ao seu campo de atuação, foi dado ao técnico o
poder de decisão, respeitando as exigências da ordem hierárquica. A partir dos
anos 80 é perceptível a ascensão do movimento dos Atletas de Cristo, e então
hoje em dia observamos o fenômeno por completo. Deus se tornou o maior
artilheiro do futebol mundial. Além disso, o crescimento econômico dos
europeus na esfera do esporte dificultou, e muito, a permanência de
referencias como Sócrates no Brasil. O futebol brasileiro é enfim, uma máquina
provedora de promessas. A competição econômica e o sonho de ascensão
social afastaram os jogadores dos valores sociais e políticos. Hoje, o jogador
valoriza apenas seu capital e a conservação do mesmo, fato que ocasiona o
direcionamento do apoio a figuras políticas como Jair Bolsonaro.
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“O FUTEBOL MODERNO”
Assim como outras estruturas sociais, o futebol vem sofrendo
diversas alterações em sua composição e organização. A partir dos anos 80 se
observou no mundo o crescimento de um movimento pela globalização em
todos os âmbitos, que se deu através de novos valores sociais e econômicos.
O futebol como campo cultural parece ter se adaptado de forma que, hoje em
dia, pouco podemos reconhecer suas características mais essenciais. É
necessário realizar uma separação entre o que chamamos de futebol de
várzea, ou então de futebol lúdico, do esporte que assistimos e consumimos
nos canais televisivos. A “industrialização” do futebol como fenômeno
sociocultural e econômico, marcou a perda de identidade do “futebol artístico”,
como costumávamos chamar a prática brasileira. Dele se tentou alijar o espírito
criativo e espontâneo, e hoje se encontra afastado do processo cultural,
dessacralizado e desconectado da estrutura social na qual se encontra. Apesar
disso, o futebol sempre foi um ambiente bastante conservador em sua forma de
organização. As concepções em relação ao progresso do futebol brasileiro, nas
décadas de 70 e 80, esteve embasada na reeducação dos atletas e na
exploração de seu desempenho físico dentro de campo. A disciplina tornou-se
uma característica essencial para o sucesso de um jogador, mudança que foi
instituída no período inicial da ditadura militar do Brasil, em 64. A Democracia
Corintiana teria sido de fato um ponto fora da curva nessa história. Como
explica o jornalista Hélio Alcantara em entrevista realizada no dia 18 de
setembro de 2020 para o aprofundamento dos conceitos dessa tese, cuja
íntegra estará disponível em um apêndice – “O futebol é um espaço
democrático no campo de jogo – se for bom de bola, joga preto, branco,
amarelo. No entanto, a estrutura que o organiza/comanda continua sendo
autoritária e, portanto, retrógrada (...)”. Em relação ao movimento democrático
corintiano, Hélio afirma - “A Democracia Corinthiana precisava apenas de
ajustes, mas, no cerne, foi muito bem sucedida, embora tenha se limitado ao
Corinthians.”. Para o jornalista, o movimento foi extremamente feliz em sua
causa, mas não se alastrou por conta das limitações de um futebol cujos
valores são majoritariamente autoritários e conservadores.
42
Já ficou claro que o futebol em sua essência não é o “Ópio do Povo”,
apesar de existirem ocorrências em que se usou de seus instrumentos para
alienação do público. Fato é que, nos dias de hoje o esporte parece ser cada
vez mais excludente. Consequência das mudanças estruturais e fruto de
escolhas racionais, como por exemplo o surgimento de “clubes-empresa”, o
esporte é caro e elitista. Principalmente nos polos comerciais e econômicos do
trecho Rio-São Paulo, os ingressos são comercializados a preços altíssimos e
inacessíveis para suma maioria da população. A mercantilização do espetáculo
como fenômeno social provocou diversas mudanças no produto observado
dentro das quatro linhas. O princípio de rendimento físico e de superação
incorporados no comportamento dos atletas faz parte da introdução de valores
de uma sociedade industrializada e alienada. O esporte cada vez mais
burocrático é representativo de um comportamento social observável.
43
da nova concepção do esporte, e já enxergava o futebol através de uma visão
liberalista e conservadora.
Hélio também introduz a questão religiosa que tem ganhado cada vez
mais espaço no esporte. Não só no futebol, as igrejas têm ganhado um espaço
significante na política e colocando representantes em muitos espaços antes
pouco alcançados. Nos anos 80 surge um movimento organizado cujo nome
era “Atletas de Cristo”. Formado por um grupo de atletas que enxergavam no
esporte a forma melhor de expressar sua fé, teve bastante impacto nos anos
de origem. Hoje em dia o movimento organizado não conta com muitos
integrantes, apesar de não parecer. É possível observar um movimento
paralelo e não organizado que comtempla o crescimento do discurso religioso
em espaços variados da sociedade. É comum que nos deparemos com
camisas de afirmação e propagação da fé, comemorações alusivas a
comportamentos cristãos e até mesmo entrevistas consistentes com o discurso
44
religioso. Fato é que enxergamos um cenário em que os atletas se despolitizam
em massa e cresce o número de adeptos da religiosidade, em sua maioria
cristã. Sobre isso, Hélio afirma – “Os “Atletas de Cristo” (com esse nome,
inclusive) surgiram para a mídia/sociedade nos anos 1980. O goleiro João
Leite (Atlético Mineiro) foi quem mais falou e fez propaganda na época. Já era
uma coisa imbecil porque completamente distante de qualquer ação política –
na verdade, era o contrário, uma postura apática, de aceitação e de
conformismo (de modo geral, era tida como “ingênua”). Passados quase meio
século, o que aconteceu no futebol acompanhou o crescimento dos
evangélicos verificado na sociedade brasileira (ao mesmo tempo em que a
educação formal do povo brasileiro se deteriorou)”. Em contrapartida, os
movimentos de luta nas torcidas organizadas vêm crescendo conforme o
futebol parece retroceder. A luta antifascista e antirracista é resultado de um
processo de afirmação dessas torcidas, que ainda em 2016 já se mostravam
bastante incomodadas com o cenário político, como as merendas nas escolas
públicas, tema de protesto da Gaviões dentro e fora dos estádios.
45
no Conjunto Célio de Barros, onde pessoas estavam morrendo, derrotadas
pela Covid-19. Não só jogaram, como não disseram uma só palavra a respeito.
Vai demorar”. Para acrescentar, ao ser perguntado em relação às semelhanças
entre a Democracia Corinthiana e a luta antifascista e antirracista que
presenciamos recentemente, Hélio comentou – “São momentos históricos
diferentes. Hoje eu vejo uma mediocrização da visão crítica de modo geral e
uma pauperização na discussão ideológica, excessivamente emocional, o que
impede uma compreensão precisa da realidade. Não há mais esquerda, direita
ou centro. A discussão hoje é mais centrada em atacar a corrupção e em
garantir os direitos previstos na Constituição e um mínimo de condições para
que as pessoas possam viver, e não apenas sobreviver. Do outro lado, o
populismo voltou com força. Na primeira metade dos anos 1980, a luta era
mais pelo enterro do regime militar, autoritário, e a busca pela instituição do
regime democrático. Hoje, apesar de toda essa estupidez macabra, há um
regime democrático (de péssima qualidade) – as instituições estão aí; o
problema são as pessoas que as integram...”. No fim das contas, tanto a
Democracia Corinthiana quanto as afirmações políticas por parte das torcidas
organizadas, representam resistência em relação ao cenário que se encontram,
sejam elas de momentos distintos ou não.
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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exploração da condição física do atleta e a ideia de superação dos limites do
corpo desse profissional, que hoje conduzem o desempenho dos clubes dentro
de campo, impossibilitaram qualquer incentivo ao exercício crítico. A
comercialização trouxe para o espetáculo uma série de cobranças por
desempenho, obrigando então o atleta a desempenhar em alto nível durante
todo o tempo, inclusive fora de campo. O controle sobre as ações desses
profissionais fora do tempo de trabalho aumentou, e este passou a ser
controlado em todos os níveis. Hoje o atleta é regrado por sua profissão, e ele
se encontra subordinado a negar seu próprio corpo, já que este é o seu objeto
de trabalho. A ideia de democracia, de exercício crítico ou de qualquer outra
intervenção política dos atletas no esporte se encontra asfixiada pelo sistema
conservador que é o “futebol moderno”. O crescimento do número de jogadores
adeptos da religião cristã também é reflexo de uma sociedade regrada pelos
valores de Deus. A religiosidade no futebol também assume um papel
importante no que diz respeito à despolitização dos atletas, e na forma como
esses enxergam o campo de jogo.
Talvez seja por todos esses fatores que não encontramos nenhum
resquício da Democracia Corinthiana, e também por isso não existem mais
figuras como o doutor Sócrates, Wladimir, Casagrande, Adilson Monteiro Alves,
entre outros que conseguiam exercer seus papéis políticos na sociedade e
praticar o esporte profissionalmente.
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APÊNDICE
DEMOCRACIA CORINTHIANA
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2) O que a contratação do goleiro Leão representou para o clube? A forma
como a contratação foi feita pode ter desencadeado a ruptura no grupo?
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galopava, o país buscava mais dinheiro do Fundo Monetário Internacional
(FMI), e greves e manifestações pululavam em vários cantos, mais
notadamente em São Paulo e Rio de Janeiro. Afora isso, a ditadura militar já se
mostrava enfraquecida, e a população brasileira (trabalhadores comandados
por Lula, líder operário; e classe média e classe média-alta influenciadas por
uma elite de esquerda, que pensava) nutria o desejo de voltar a escolher seus
governantes. Então, na verdade, quando o Adílson propôs aos jogadores
trabalhar de um modo diferente, as condições para isso ocorrer já existiam,
mas não estavam à mostra. Mesmo assim, foi curioso ver o surgimento de um
movimento libertário em plena ditadura. E, mais curioso ainda, dentro de um
clube de futebol de massa (o segundo brasileiro em número de torcedores e
um dos maiores do planeta).
Houve uma confluência na luta pelas “Diretas Já!”. A energia que rolava
no país era de uma onda democrática, tanto que a filosofia de trabalho dentro
do Corinthians ganhou apoio de inúmeros setores da sociedade civil (artistas,
filósofos, publicitários, jornalistas de outras áreas). O projeto desenvolvido no
Parque São Jorge vinha desde outubro/81 (o movimento pelas “diretas”
explodiu nos primeiros quatro meses de 1984) e já havia “conquistado” o
bicampeonato paulista e também o pensamento progressista de modo geral.
Dessa forma, contribuiu para a redemocratização do país.
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Wladimir, Sócrates, Zé Maria e, mais tarde, Casagrande, tinham um
nível intelectual melhor. O primeiro gostava de ler, tinha estudado em duas
escolas progressistas (GEPE e Colégio de Aplicação) e se expressava bem; o
segundo era médico formado e, a bordo de muitas contradições, dizia o que
pensava; o lateral Zé Maria era extremamente centrado; e, afinal, Casagrande
era um garoto incendiário, que dizia/fazia o que queria e não se importava com
as consequências (me arrisco a dizer que ele não tinha consciência delas).
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A proposta de se trabalhar abertamente, feita por Adílson Monteiro e
encampada por Wladimir, Sócrates e Zé Maria, com a anuência do técnico
Mario Travaglini, não surgiu atrelada a qualquer preocupação de ordem
financeira. O objetivo inicial era fazer o time voltar à Taça de Ouro (havia caído
para a Taça de Prata, 2ª divisão do nosso futebol) e disputar os títulos, mas
trabalhando coletivamente, na base do debate e da autocrítica. A primeira
instituição a aparecer para fazer um grande aporte de dinheiro foi um banco –
a coisa não se concretizou apenas porque os dirigentes (situação x oposição)
quebraram o pau e a “contenda” foi parar nos jornais. O banco desistiu. Não
quis atrelar sua imagem a uma balbúrdia política. Mas não teve nada a ver com
ser democrático ou não, e sim com vencer e aparecer na mídia.
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Os “Atletas de Cristo” (com esse nome, inclusive) surgiram para a
mídia/sociedade nos anos 1970. O goleiro João Leite (Atlético Mineiro) foi
quem mais falou e fez propaganda na época. Já era uma coisa imbecil porque
completamente distante de qualquer ação política – na verdade, era o
contrário, uma postura apática, de aceitação e de conformismo (de modo geral,
era tida como “ingênua”). Passado quase meio século, o que aconteceu no
futebol acompanhou o crescimento dos evangélicos verificado na sociedade
brasileira (ao mesmo tempo em que a educação formal do povo brasileiro se
deteriorou). A eleição de Bolsonaro só confirmou isso, e, certamente,
influenciou no aumento de “adeptos” no universo do futebol.
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Democracia Corinthiana precisava apenas de ajustes, mas, no cerne, foi muito
bem sucedida, embora tenha se limitado ao Corinthians.
Vitor, espero tê-lo ajudado. Caso algo não tenha ficado claro, me ligue.
Hélio
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ROCHA, Max. Em busca do feitiço perdido: a revista Placar entre a
seleção brasileira de 1982, a revolução são-paulina e a democracia
corinthiana (1979 – 1984). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013.
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