3 Geografia Das Redes

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 21

Redes Sociais, Redes Territoriais e Migrações∗

Ralfo Matos♣
Fernando Braga♦

Palavras chave: Redes; Urbanização; Território; Migrações Internas.

Resumo
O paper apresenta os principais fluxos migratórios que circularam por localidades
urbanas centrais do Brasil, entre 1980 e 2000. O controle das origens dos migrantes
segundo movimentos de tipo centrífugos e centrípetos será efetuado, com vistas ao
reconhecimento de características recentes dos migrantes internos capazes de impactar
seletivamente os lugares-ponto da rede de localidades centrais, procurando indicar
territorialidades emergentes. A avaliação da evolução e desempenho da rede de
localidades no período, quanto à densidade e centralidade das localidades nas trocas
migratórias se faz por meio de medidas da “Análise de Redes Sociais” aplicadas à
migração interna, tomada como proxys de interação espacial. Cartogramas e gráficos
resultantes exprimem os “pontos-manchas” da rede, nos quais a migração impactou
mercados de trabalho de localidades periféricas, e que pode estar atuando como vetor
de disseminação de inovações sócio-econômicas. Tais inovações se associam a
características dos migrantes obtidas pelo controle da procedência, ocupação e renda,
com vistas ao reconhecimento de tipos áreas e movimentos populacionais capazes de
impactar seletivamente localidades centrais.


Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-
MG – Brasil, de 20- 24 de Setembro de 2004.

Prof. Adjunto do Departamento de Geografia do ICG/UFMG, Doutor em Demografia.

Geógrafo, Mestrando do programa de pós-graduação em Geografia do IGC/UFMG.

1
Redes Sociais, Redes Territoriais e Migrações∗
Ralfo Matos♣
Fernando Braga♦

1. Introdução
As chances de redução das desigualdades regionais, em um país com investimentos
produtivos acumulados expressivamente ao longo do tempo, vinculam-se a uma série ampla
de fatores. Dentre eles, a existência de uma base físico-territorial mais ou menos abrangente,
dotada de articulações econômicas e sociais notáveis, pode ser uma prerrogativa só
disponível há poucos países na atualidade. A presença de uma ampla rede de implantações
tais como cidades, vias, indústrias e complexos produtivos em geral pode constituir-se em
alternativa bastante cara aos formuladores de políticas públicas de corte regional. A rigor,
pode-se dizer que oportunidades de empregos e investimentos em determinadas localidades
atuam, durante um certo tempo, em um círculo virtuoso que alimenta o desenvolvimento
econômico e a expansão da centralidade. Isto até que o ponto de saturação se estabelece e o
que era vantagem passa a ser desvantagem. As deseconomias de aglomeração, embora
difíceis de mensurar, são constrangimentos concretos que impõem sobrecustos a pessoas e
atividades em estruturas territoriais concentradas, que, historicamente, geraram riqueza, mas
também desigualdades econômicas. Ou seja, grandes investimentos e estoques populacionais
nos “cores” e esvaziamento e drenagem de recursos das periferias.
Se as regiões periféricas gradativamente se equipam, inclusive recebendo
investimentos produtivos, e se, concomitantemente, as localidades centrais saturadas impõem
crescentes sobrecustos aos residentes (associados a transporte, moradia, poluição, saúde e
stress), a fuga dos centros pode ser espontânea ou induzida por planos governamentais.
Trabalhadores com os mesmos baixos salários em grandes cidades ou em cidades médias,
muito provavelmente, preferem a segunda alternativa, em face da provável redução de custos
de transporte e moradia. Se essa for de fato uma alternativa existente ou disponível aos
formuladores de políticas públicas, caberia então indagar sobre a capacidade relativa de as
periferias, enquanto base físico-territorial, representarem uma contrapartida consistente para a
mitigação da pobreza e desigualdade socioespaciais.
É nesse âmbito que se coloca a pertinácia da reflexão sobre redes geográficas, e sobre
as redes urbanas em particular, já que sua própria extensão e fisicalidade, bem como os laços
que juntam pessoas, atividades e infra-estruturas constituem um recurso estratégico para o
planejamento territorial dirigido a ampliação da equidade e redução das desigualdades. A


Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambú-
MG – Brasil, de 20- 24 de Setembro de 2004.

Prof. Adjunto do Departamento de Geografia do ICG/UFMG, Doutor em Demografia.

Geógrafo, Mestrando do programa de pós-graduação em Geografia do IGC/UFMG.

2
idéia é que contar com a presença de uma rede urbana pouco fragmentada, densa e integrada
constitui fator imprescindível à redução de disparidades regionais e econômicas.

2. REDES URBANAS NO BRASIL

O conceito de redes vêm se tornando um caminho analítico para a compreensão de


certos aspectos da organização dos centros urbanos e da forma como estes se articulam no
território. As redes urbanas, em particular, fornecem importantes subsídios ao estudo das
desigualdades regionais no Brasil, já que o conjunto das suas articulações pode indicar quais
são os subespaços dotados de um maior número de conexões capazes de gerar economias de
aglomeração suficientemente fortes para atrair fatores de desenvolvimento.
Estudos pioneiros sobre a formação do sistema urbano brasileiro, como os de
DEFFONTAINES (1944) e MONBEIG (1954), já demonstravam como a origem da rede
urbana no território estava diretamente relacionada com a expansão da movimentação interna
da população. O povoamento dava início a um sistema de articulações que privilegiava
determinados núcleos pólos, que deram origem a grandes áreas metropolitanas e cidades
dotadas de alto poder de influência, a exemplo de São Paulo e Manaus.
O crescimento dos centros urbanos, no entanto, parecia não ser capaz de alterar
significativamente o caráter concentrador da ocupação do território brasileiro. A
especialização funcional das cidades traçava os aspectos mais característicos da rede urbana:
fragmentação e descontinuidades, que geravam forte concentração dos fatores de
desenvolvimento, os quais foram determinantes na expansão da indústria (GEIGER, 1963).
A concentração da população em poucas localidades polarizava as atividades
econômicas e fazia com que os movimentos migratórios de maior porte se limitassem a
poucas áreas de destino, característica que se manteve durante várias décadas do século XX.
A partir dos anos 70, no entanto, um processo de descompressão do território começa a
ganhar espaço, incentivado por iniciativas governamentais orientadas pela busca de maior
equidade regional (AMORIM e SERRA, 2001). Desde então multiplicaram-se os centros
urbanos de porte intermediário, que cooperam na redução da polarização das grandes
metrópoles. Essa expansão se dá na medida em que os fatores de desenvolvimento,
principalmente aqueles relacionados à desconcentração das atividades industriais, antes
concentrados em localidades específicas, espraiam-se por áreas mais abrangentes (CORRÊA,
1994; SINGER, 1985; SANTOS, 1993; BAENINGER, 2000; AMORIM e SERRA, 2001).
Desta maneira novos subespaços foram criados, refletindo as dinâmicas econômicas e
demográficas das últimas décadas. A mobilidade espacial, ao intensificar-se, estabelece uma
nova redivisão social do trabalho, em função da proliferação de unidades de produção e
comércio fora dos eixos de crescimento tradicionais (SANTOS, 1993).
Estudos recentes demonstram que o processo de urbanização no Brasil esta em plena
metamorfose, tanto em função das inovações técnicas introduzidas pela Globalização como
também por características estruturais da evolução das redes urbanas, que, guardadas as
especificidades dos processos históricos subjacentes e características físicas dos locais,

3
podem ser observadas em grande parte das áreas urbanas do mundo de hoje (CORREA, 1994
e 1997; CLARK, 1982; BRADFORD e KENT, 1977).
Nos estudos sobre redes urbanas, fica evidente a relação estrita entre a aglomeração
populacional e a existência de fatores econômicos diversos, que fazem aumentar a
centralidade dos pontos mais dinâmicos, tornando-os pólos de atração para diversos fluxos
que constroem a força das redes. Dentre esses fluxos as migrações internas tem especial
importância, devido à capacidade do imigrante de levar consigo uma série de elementos
indispensáveis à expansão dos centros urbanos como força de trabalho, conhecimento,
capital, consumo, etc. (MATOS, 2002; MATOS e BRAGA, 2002).
Grande parte dos estudos sobre a migração interna se utilizam dos fatores de expulsão
e atração da população como explicação teórica dos fluxos migratórios. Tais teorias
consideram que as desigualdades regionais provocadas pelo movimento do capital, de acordo
com cada processo histórico, podem impulsionar alguns indivíduos a buscar melhores
condições de vida em outras áreas (SINGER, 1985).
Outros estudos que relacionam migração e urbanização, no entanto, divergem da idéia
de que o ato de migrar reduz-se apenas a uma procura por melhores condições de vida. Dados
recentes indicam que os fluxos migratórios também são um vetor de desenvolvimento, já que
o imigrante pode contribuir positivamente nas localidades de destino. Isso se deve, em boa
parte, a alteração nos padrões de movimento observados nos últimos anos, nos quais os
migrantes de origem urbana são amplamente predominantes no total de migrantes,
testemunhando o fato simples de que o Brasil se tornou amplamente urbanizado há pelo
menos 20 anos. Essa alteração influi também no perfil dos imigrantes, porquanto tornaram-se
mais experientes, mais informados e preparados para o emprego (MATOS, 2002). Os novos
padrões migratórios observados desde a década de 80 indicam tanto uma reestruturação das
redes urbanas, como uma transformação no perfil dos imigrantes que acompanha o recente
processo de desconcentração espacial (SANTOS, 1993; PACHECO e PATARRA, 1998;
BAENINGER 2000; ANDRADE e SERRA, 2001; AMORIM e SERRA, 2001; CUNHA,
2001).
Muitas questões essenciais ficam sem resposta no conjunto das teorias migratórias que
atribuem o movimento, ora a uma decisão pessoal, ora a um reflexo das determinações do
sistema econômico. Entre elas, duas questões básicas se colocam: “por que alguém se torna
um migrante? Por que entre pessoas que estão submetidas aos efeitos das mesmas estruturas
econômicas e sociais algumas migram e outras não?” Em função destas e outras questões,
estudos recentes sobre os movimentos migratórios vêm considerando um conjunto complexo
e dinâmico de elementos econômicos, sociais e estruturais, expressos nas redes sociais na
migração (FUSCO, 2000; FAZITO, 2002; SOARES, 2002).
As redes sociais são fundamentalmente o meio pelo qual os sistemas migratórios se
processam. As analises devem considerar o migrante não somente por seus atributos pessoais
ou intenções individuais, mas sim como uma entidade dotada de relações que se conecta a
outros conjuntos definidos por laços de parentesco, amizade, conhecimento, trabalho. Nesta
perspectiva, os movimentos populacionais são, também, a expressão das possibilidades
criadas por um conjunto de relações nas quais o individuo se insere (SOARES, 2002).

4
Os motivos que originam um determinado movimento podem estar associados à
transformações estruturais nas sociedades, no entanto, a continuidade da migração
provavelmente está mais relacionada a laços estabelecidos entre locais de origem e destino,
que vão conferir estabilidade aos fluxos contínuos entre duas ou mais localidades. As redes
sociais, assim, não são elaboradas no movimento migratório, mas transformadas por ele na
medida em que se reforçam as conexões existentes entre o migrante e outros atores da
sociedade (SOARES, 2002).
As redes sociais podem ser compreendidas então, como o conjunto de pessoas,
organizações ou instituições sociais que estão conectadas por algum tipo de relação, podendo
inclusive se sobrepor inúmeras vezes dentro de um sistema de relações. As redes migratórias
seriam, então, uma espécie de rede social, precedida por outras redes que se adaptam ao
objetivo de migrar, como as relações de parentesco, amizade, trabalho, etc. (SOARES, 2002;
FAZITO, 2002).
Desta maneira os fluxos migratórios internos a rede urbana brasileira podem ser
compreendidos segundo esta perspectiva de análise, na qual as localidades são os atores
conectados por laços gerados pela migração, formando uma rede social que contém vários
níveis de relações estabelecidas pelos imigrantes. Essa concepção permite trabalhar sobre
alguns princípios básicos, como enumera SOARES (2002):
“i) os atores e suas ações são analisadas interdependentemente (violação do pressuposto de
independência estatística); ii) os laços relacionais ou conexões entre atores são canais de
transferência de recursos (materiais ou simbólicos); iii) os modelos de rede concentram-se sobre as
perspectivas individuais (micro) do ambiente estruturado (macro) e sobre a maneira pela qual esse
ambiente oferece oportunidades e promove, ao mesmo tempo, constrangimentos estruturais sobre os
indivíduos (princípio da circularidade e efeitos emergentes); iv) os modelos de rede conceituam
estruturas (sociais, econômicas, políticas, demográficas, etc.) como padrões duráveis de relações
entre atores”.

Essa forma de tratamento das redes migratórias, ao evidenciar os laços entre


imigrantes, pode contribuir para os estudos de redes urbanas, já que as redes sociais presentes
na migração integram o conjunto das interações espaciais que compõem os sistemas de
cidades. Evidentemente, quanto mais relações entre centros urbanos forem desveladas, mais
consistentes tornam-se os modelos teóricos explicativos para as redes de localidades centrais.
As conexões presentes nas localidades de origem e destino podem alocar o imigrante mais
rapidamente no mercado de trabalho, principalmente ao se considerar as redes sociais podem
selecionar melhores níveis de qualificação. Assim, a compreensão da contribuição dos
imigrantes para a evolução da rede urbana brasileira pode ser enriquecida na consideração
dos padrões relacionais expressos nas redes sociais da migração.

3. REDE URBANA BRASILEIRA E MIGRAÇÕES INTERNAS

Aspecto essencial da civilização urbana, a aglomeração populacional guarda em si a


reserva material necessária à evolução e reprodução dos elementos mais importantes das
cidades. Assim, é possível que os locais de maior adensamento humano coincidam com os
centros mais bem estruturados nas suas funções urbanas, já que a maior aglomeração de mão-

5
de-obra reflete aspectos do adensamento produtivo e traduz a criação de atividades de
natureza diversa. É de se esperar que as localidades que polarizam a rede urbana de um país
de grande extensão como o Brasil podem ser identificadas, então, a partir da concentração
populacional, aliada à expressividade regional da sua população urbana.
As ligações entre essas cidades podem iniciar o esboço de uma rede de localidades,
que congregue os centros mais importantes do país, sendo cada um deles um ponto nódulo.
Estes nós se articulam regionalmente com os municípios próximos e estabelecem relações
com outras cidades, mais afastadas das grandes metrópoles, indicando os novos caminhos da
urbanização no país e desenhando o caminho do processo de desconcentração espacial da
população.
O presente estudo considera um conjunto de 165 localidades urbanas selecionadas a
partir de 5 critérios que identificam a existência de ligações materiais entre os pontos, bem
como as localidades de maior peso populacional nos contextos regionais. Os critérios,
aplicados para os montantes populacionais em 1991, consideram que:
i)Todo ponto da rede pressupõe a existência de articulações viárias (transportes rodoviário, ferroviário
ou hidroviário permanente); ii) Nove pontos correspondem as Regiões Metropolitanas oficiais,
originalmente definidas por decreto/lei de 1973 (Regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro,
Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza, Curitiba e Belém). Cada região
metropolitana comparece, na rede urbana, como um nódulo de primeira ordem; iii) Município com
população urbana superior a 100 mil habitantes em 1991, que traduziriam os pontos da rede relativos
às chamadas Cidades Médias; iv) Município cuja população urbana representasse mais de 3% da
população urbana do respectivo estado; v) Consideração de casos de macrocefalia urbana no estado do
Amazonas, a partir da exclusão de Manaus da população total do estado e recalculando-se a proporção
percentual dos demais municípios frente ao novo total, filtrando os casos de população urbana superior
a 3% da população urbana do estado. Com isso pontos de rede dentrítica ganham visibilidade.
As localidades selecionadas e suas articulações viárias podem ser observadas na
Figura 1, que traz também a distribuição da população migrante nos anos de 1980 e 20001,
além dos valores de crescimento populacional no período. Os mapas mostram que, de uma
forma geral, recaiu a participação dos migrantes no total da população das localidades. De
fato, muitos processos migratórios que marcaram, principalmente, a metade do último século
não mais ocorrem com a mesma intensidade, e o aumento dos contingentes populacionais de
todos os municípios2 reduz ainda mais a expressividade desta população.

1
Em função da exclusão, no censo de 2000, das variáveis de migração de última etapa, o grupo de migrantes de
1980 e 2000 apresentam diferenças com relação às procedências: Os imigrantes de 1980 (ultima etapa) são os
indivíduos que realizaram mudança de residência no período 1975-1980 e a sua procedência corresponde ao
último município no qual fixou residência antes da data do censo. Em 2000 os imigrantes (data fixa) são os
indivíduos que realizaram mudança de residência entre o período de 1995-2000 e a sua procedência corresponde
ao município em que residia no dia 31 de julho de 1995. Esta diferença faz com que em 2000 sejam excluídos
dois grupos populacionais inclusos na definição de 1980: os residentes no mesmo município cinco anos antes,
mas que efetuaram alguma mudança de residência no período e também todos os não-nascidos há cinco anos
antes da data do censo.
2
As localidades da rede totalizavam 57.373.889 habitantes em 1980, já em 2000 a população total sobe para
86.588.373. Devido ao fato de que, em 1980, oito das 165 localidades ainda não eram municípios emancipados,
a rede apresenta, nesta data, somente 157 pontos. Os municípios excluídos são: Jaru, Outro Preto do Oeste,
Rolim de Moura (em Rondônia); Tabatinga (no Amazonas); Mucajai (em Roraima); Laranjal do Jari, Santana
(no Amapá); e Palmas (em Tocantins).

6
7
A redução do peso da migração ocorre de forma generalizada, enquanto no primeiro
período 81 localidades apresentavam menos de 15% de população imigrante, em 2000 esse
número sobe para 133. No entanto, entre as aglomerações da Região Norte, percebe-se ainda
um alto número relativo de imigrantes: entre os municípios de Rondônia e Roraima e também
no corredor rodoviário delimitado pela Belém-Brasilia, sobretudo no trecho do Tocantins. Os
dados sugerem, portanto, o declínio de muitos dos fluxos migratórios nos últimos anos e o
início de outros processos de ocupação e desenvolvimento do espaço urbano.
Entre as 86 localidades que apresentaram crescimento maior que a média nacional
comparecem a maior parte dos pontos da Região Norte, além de algumas áreas de
crescimento no entorno de algumas capitais nordestinas, no entorno da aglomeração
metropolitana paulistana e também em direção as localidades do Centro-Oeste. Grande parte
destas áreas com maior crescimento populacional apresentaram, também, maior participação
de imigrantes na população total.

4. MÉTODOS DE ANALISE DE REDES SOCIAIS APLICADOS AOS


FLUXOS MIGRATÓRIOS NA REDE DE LOCALIDADES URBANAS

Os métodos de análise de redes sociais permitem imprimir novas abordagens diante


dos movimentos migratórios, tendo em vista que as características estruturais dos fluxos
podem mostrar, com maior clareza, a contribuição econômico-demográfica das migrações na
expansão dos centros urbanos brasileiros, bem como revelar algumas das conexões que dão
formato a rede urbana atual.
A análise de redes sociais difere das formas convencionais de abordagem porque não
centra atenção nos indivíduos e seus atributos, mas sim na possibilidade de existência de
laços entre eles. Atributos individuais podem fornecer importantes informações sobre um
subconjunto de atores em estudo, a partir de características próprias que conferem a estes
maior importância dentro de um conjunto maior3. No entanto, dados desta natureza não são
suficientes para mostrar um componente fundamental das redes: as relações (SOARES,
2002; FAZITO, 2002).
Um aspecto essencial da analise de redes sociais (ARS4) é a natureza das informações
a serem trabalhadas. Os dados relacionais são mais adequados do que dados de atributos, pois
pressupõem a existência de pelo menos um par ordenando de atores que possuam uma
relação qualquer. Neste estudo, as localidades da rede serão os atores, enquanto os laços
serão dados pelos fluxos migratórios.
Para representar esse tipo de dado a ARS se utiliza, entre outros recursos
metodológicos, da álgebra de matrizes. As matrizes de origem/destino que representam a
migração entre um conjunto de municípios podem ser utilizadas como fonte de dados para a
ARS, pois permitem ao pesquisador trabalhar com uma série de medidas que descrevam
aspectos estruturais da distribuição dos dados (SOARES, 2002).

3
Como por exemplo: indivíduos em um grupo especifico que possuam maiores níveis de renda, maior
escolaridade, maior qualificação, que se localizem em posições estratégicas, etc.

8
Duas destas medidas serão apresentadas a seguir: A densidade e o Grau de
Centralidade. Tais medidas, segundo SOARES (2002), integram dois grupos: a densidade faz
parte das propriedades básicas de rede que se referem às relações entre a quantidade de laços
e tamanho da rede. O grau de centralidade incorpora as medidas de centralização, que
identificam atores que possuem posições estratégicas em função do estabelecimento de um
grande número de relações ou então de relações privilegiadas com outros5.
Neste estudo algumas destas medidas de rede serão aplicadas a uma matriz de
origem/destino, com o total de imigrantes dos pontos da rede em 1980 e 2000. As medidas de
rede aqui apresentadas irão considerar apenas a existência ou não de relações entre as
localidades, sem atribuir valores aos fluxos. Para tanto foram definidos, a partir de uma série
de testes, um valor mínimo significativo para os mesmos, que equivale a marca de 50
pessoas6.

4.1 - Tamanho e densidade (Density)

O tamanho da rede refere-se a quantidade de atores e também aos possíveis laços que
ela comporta. Em uma rede com dados direcionados,7 o número de pares ordenados pode ser
calculado pela equação:
Onde:

N = K . (K - 1) N – número de pares ordenados.


K – número de atores na rede.

A rede de localidades centrais aqui examinada, compunha-se de 157 pontos em 1980 e


165 em 2000. Em 1980 havia 24.492 laços diretos possíveis entre as localidades dados pela
migração interna, e em 2000 esse número cresce para 27.060. Tendo em consideração a
extensão territorial do país, esses valores expressam o grande potencial de conexões que uma
rede urbana tão ampla pode gerar. As opções de destino para os fluxos migratórios são
diversas mesmo considerando somente as localidades mais dinâmicas do território.
A densidade é calculada a partir da razão entre o número de laços presentes e os laços
possíveis na matriz, e demonstra o nível de conexões existentes, bem como a integração total
da rede. Os valores apresentados nos dois anos mostram que o nível de coesão ainda é muito
baixo considerando o número de laços possíveis. Contudo houve um importante aumento nas
ligações no período 1980-2000.

4
FAZITO (2002).
5
A nomenclatura das medidas de rede em português foi utilizada a partir das traduções presentes em SOARES
(2002).
6
Para todos os pares ordenados que possuíam um valor de migrantes acima de 50 pessoas foi atribuído o valor
1, e para todos os campos que possuíam menos de 50 migrantes, ou que não apresentavam trocas, foi atribuído o
valor 0. Este ponto de quebra nos dados - 50 pessoas - foi definido a partir de comparações com a densidade das
relações presentes em matrizes binarizadas a partir de diversos valores. A versão com 50 pessoas apresentou
variância semelhante a pontos de quebra de até 300 pessoas, sendo então uma marca confiável para expressar a
estrutura de fluxos significativos. Esta limitação ocorre em função de que a maioria das medidas de rede só
podem ser utilizadas para dados binarizados.

9
Em 1980 a densidade da rede foi de 0,12, ou seja 12% dos laços possíveis estavam
presentes, o que representava 2.939 ligações entre as localidades por fluxos migratórios
expressivos. Em 2000 observa-se um aumento de 3% na quantidade de laços entre os pontos
totalizando 4.143 ligações. Em 1980 e 2000 a rede apresentou níveis baixos de densidade,
não obstante a existência de vários subgrupos ou frações da rede. Os valores de desvio padrão
(0,33 em 1980 e 0,35 em 2000) indicaram uma variabilidade muito grande nos níveis de
conexão dos pontos.
Os dados demonstram que a integração territorial da rede em estudo ainda pode ser
muito desenvolvida.O processo recente de desconcentração espacial provavelmente já deu
inicio a um movimento de integração dos subespaços permitindo a formação de novas áreas
de articulação no território, principalmente tendo em conta que os oito municípios agregados
a rede de 2000 estão na Região Norte, que, como já mostraram os dados, configura uma área
de expansão populacional.

4.2 - Grau de Centralidade (Centrality Degree)

As medidas de centralidade geralmente associam-se a idéia de distribuição de poder


dentro da rede, considerando que o poder é uma característica que emerge de relações. Atores
não possuem poder individualmente, mas esse é resultado da capacidade de dominar ou
influenciar outros. Desta maneira, atores mais centrais na rede são detentores de maior poder
entre os nós, e tal centralidade pode ser apreendida a partir do número de laços eficientes que
um ator é capaz de possuir (HANNEMAN, 2000).
A existência de muitos vínculos pode tornar o ator cada vez menos dependente de
outros, possibilitando o acesso a um maior conjunto de recursos da rede. Por outro lado à
existência de um grande número de conexões também capacita ao ator intermediar relações
entre outros, conferindo a este posição estratégica (SOARES, 2002).
A medidas aqui utilizada será o grau de centralidade, que calcula o número de atores
com os quais um ator-fonte possui vínculos diretos. Em dados direcionados, esta medida
calcula a centralidade para os fluxos de entrada e saída. Esta diferenciação é importante na
medida em que revela se os papéis estruturais dos atores na rede são os mesmos para entrada
e saída de fluxos. Atores que recebem muitos laços revelam possuir alto prestígio entre os
outros, já os atores que enviam muitos laços são mais influentes (SOARES, 2002).
A Figura 2 traz os valores do grau de centralidade para as localidades da rede em 1980
e 2000 nos fluxos de saída e entrada. Os dados de 1980 mostram que as localidades da rede
se diferenciavam significativamente entre si na capacidade de centralização tanto na
emigração como na imigração. As localidades da Região Norte mostram alguma
centralização somente para os fluxos de entrada de migrantes, principalmente no Estado de
Rondônia.

7
Dados que apresentem sentido nos fluxos. Assim, os valores do par ordenado (a,b) são diferentes dos valores
de (b,a).

10
11
Ao que parece, a característica de área de povoamento atribuía a estes locais um maior
número de ligações diretas na atração de população. Na Região Nordeste já se percebe uma
maior concentração de localidades mais centrais na saída de migrantes, tornando evidente
alguns processos migratórios que ainda se estabeleciam enfaticamente nesta região, e que
incluíam a maior parte das aglomerações.
Já em 2000 os dados demonstram que esse processo sofre algumas alterações
decorrentes das mudanças nos padrões dos movimentos migratórios já observados. A região
Norte ainda permanece como uma área de baixa centralidade, a exceção das localidades de
Rondônia, que neste período estabelecem um número elevado de laços diretos tanto na
entrada como na saída de imigrantes.
As localidades do interior do Estado de São Paulo também apresentaram um aumento
na sua centralidade, bem como se percebe um eixo de localidades no Centro-Oeste brasileiro,
que, em ambos os períodos, mantiveram maior centralidade, sendo formado pelos municípios
de Dourados, Campo Grande (em Mato Grosso do Sul), Rondonópolis, Cuiabá e Várzea
Grande (em Mato Grosso).

5. OCUPAÇÃO E RENDA NAS TROCAS MIGRATÓRIAS

Como a rede apresentou um aumento na sua integração territorial, mesmo com a


redução na participação dos imigrantes na população total observada no período, pode-se
avaliar mais profundamente a contribuição da imigração para o desenvolvimento das novas
áreas que se integram ao conjunto de fluxos presentes na rede.
As analises anteriores avaliaram a condição estrutural dos fluxos na rede a partir dos
movimentos migratórios significativos revelando importantes características das conexões
entre os pontos. Entretanto, se os imigrantes fossem classificados segundo variáveis
socioeconômicas como ocupação e renda, quais diferenças poderiam ser encontradas nas
comparações entre as trocas migratórias em 1980 e 2000?
Para as mesmas medidas aplicadas anteriormente foram submetidas matrizes de fluxos
em 1980 e 2000 classificando a população migrante segundo ocupação e renda. No primeiro
aspecto foram considerados todos os imigrantes da População Economicamente Ativa que
exerciam algum trabalho remunerado na data de referência do censo. Para renda foram
considerados os migrantes que auferiam ganhos iguais ou superiores a dois salários
mínimos8. Desta maneira as medidas a seguir consideram as trocas migratórias expressivas9
entre as localidades da rede segundo a inserção no mercado de trabalho e a renda da
população.
Como já mencionado anteriormente, atributos individuais mostram-se incompletos
diante de uma abordagem relacional, característica essencial da análise de redes sociais. No

8
Esse valor foi considerado porque se aproxima da renda mediana dos chefes de domicilio no ano de 2000
segundo dados do IBGE (www.sidra.ibge.gov.br).
9
Para a aplicação das medidas de redes sociais as matrizes necessitaram ser binarizadas assim como no caso
anterior. No entanto, devido a redução nos montantes populacionais provocada pelos cortes na população o
valor de quebra considerado para fluxos migratórios expressivos foi reduzido para 25 pessoas.

12
entanto, é certo que atributos influenciam diretamente as relações. Portanto, torna-se
pertinente introduzir determinados dados que qualifiquem melhor os fluxos migratórios, em
especial aqueles capazes de impactar as estruturas de relações da rede, inclusive apontando
tendências e novos padrões nas articulações entre população e espaço.

5.1 - Densidade

Os dados de densidade já demonstraram que houve aumento da integração na rede no


período 1980-2000. Entretanto isto torna-se mais claro quando a situação dos imigrantes no
mercado de trabalho é melhor qualificada. A tabela 1 mostra que as trocas entre os migrantes
ocupados em 1980 representam 10% do total possível de trocas, enquanto em 2000 a mesma
relação alcança 14%, esse diferencial significa um total de 1.153 ligações a mais. Quanto à
renda, percebe-se, principalmente pela exclusão dos indivíduos com ganhos até um salário,
que a densidade da rede sofre uma forte diminuição. Os dados novamente indicam que em
1980 a integração da rede era sensivelmente menor se consideradas a distribuição dos
migrantes que auferiam renda. As trocas de migrantes com renda igual ou acima de dois
salários mínimos alcançavam somente 7% do total de trocas possíveis na rede. Já em 2000,
mesmo com uma diminuição também expressiva dos valores, estes ainda se mantém acima de
10%.
Os valores de desvio padrão, tanto em 1980 quanto em 2000, próximos a 0,30,
mostram que as conexões na rede continuam muito dispersas, ou seja, há blocos de
localidades que mantém alta integração enquanto outros se conectam com poucos pontos.
Novamente percebe-se que o grande potencial de adensamento da rede, ainda pouco
explorado. Os dados, contudo, demonstram estar acontecendo alterações positivas nas últimas
duas décadas. A medida que os fluxos migratórios fazem aumentar o nível de integração da
rede, as localidade se interligarem em número maior, criando possibilidades para o
desenvolvimento socioeconômico. Tais avanços são mais significativos se os imigrantes
contribuírem positivamente com as economias das localidades onde se estabelecem.

Tabela 1
Densidade de trocas migratórias na rede de localidades centrais do
Brasil em 1980 e 2000
Rede 1980 Rede 2000
Medidas de Rede 1 2
Ocupados Renda Ocupados 1 Renda 2
Densidade 0,108 0,071 0,140 0,104
Desvio Padrão 0,31 0,26 0,35 0,31
Nº de trocas 2.638 1.732 3.791 2.803
Fonte: IBGE, Tabulações especiais: LESTE/IGC/UFMG
Notas: 1) PEA que trabalhava na data de referencia do censo;
2)Refere-se aos que auferiam dois ou mais salários mínimos.

13
5.2 – Grau de Centralidade

O grau de centralidade pode ajudar a perceber melhor as contribuições dos imigrantes


em cada uma das localidades da rede, já que apresenta o número de conexões diretas de cada
ator. O aumento de porções nas quais as localidades estabelecem mais opções de envio e
recepção de migrantes, que seriam capazes de ingressar no mercado de trabalho
competitivamente, abre possibilidade para inúmeras relações entre os centros, baseadas na
potencialidade material que os migrantes levam consigo em seus movimentos.
A Figura 3 apresenta o grau de centralidade na rede de localidades segundo as trocas
migratórias em 1980 e 2000 envolvendo migrantes ocupados. Na Região Norte, em 1980,
somente as capitais estaduais e alguns municípios de Rondônia apresentavam alguma
expressão nas trocas, sobretudo na entrada de migrantes. A capacidade de atração e
manutenção de correntes migratórias direcionadas aos centros urbanos mais importantes se
afigurava muito restrita. Já na Região Nordeste, notava-se que a capacidade de centralização
das localidades, em face da baixa capacidade de absorver população com trabalho
remunerado, resumia-se, em grande parte, ao envio de migrantes. Contudo, merece destaque,
ainda em 1980, a situação de alguns municípios do oeste paulista e norte do Paraná que
aparecem mais bem articulados na saída da população, indicando, inclusive, conexões com
fluxos de entrada na Região Norte.
Em 2000, os mapas mostram que a capacidade da maioria áreas de enviar e receber
migrantes tornou-se mais próxima numericamente, condição esta que pode ser observada, por
exemplo, nas localidades da rede urbana de Rondônia e também nos pontos da rede que
compreendem a área de grande densidade que se estende desde o norte do Paraná até
Goiânia-Brasília. É bem verdade, que na Região Nordeste, as cidades ainda se articulam com
um número maior de outras na saída, mas já se percebe alguma alteração nestas condições,
considerando o aumento no grau de centralidade nos fluxos de entrada nas capitais estaduais.
Entre as localidades que ampliaram significativamente o numero de conexões no
período de 20 anos, ou seja, que estabeleceram mais de 40 laços diretos nas trocas
migratórias com as localidades da rede, merecem destaque nos laços de saída de migrantes,
nas Regiões Norte e Nordeste, Porto Velho, Manaus, RM de Belém, Imperatriz, São Luís,
Teresina, Natal, João Pessoa, Maceió e Aracaju. Já em relação à entrada, além de algumas
capitais nordestinas (RMs de Fortaleza e Recife e Natal), algumas cidades das Regiões
Sudeste e Sul também se destacam com o incremento de suas articulações, como Uberlândia,
Vila Velha, Riberão Preto, São Jose do Rio Preto, Londrina, Florianópolis e RM de Porto
Alegre.
Se a evolução da rede expressa, com clareza, o surgimento de novas áreas articuladas
dentro do sistema urbano brasileiro, nas quais os migrantes que trabalham devem contribuir
positivamente nas localidades receptoras, o que dizer de porções da rede dotadas de
centralidade nas trocas de migrantes exibindo maiores níveis renda? É possível que nas
regiões que enviem e recebam tais migrantes as articulações entre as localidades sejam um
canal de trocas a partir do qual ganhos econômicos e sociais vinculem regiões de origem e
destino.

14
15
A Figura 4 inicia esta discussão mostrando o grau de centralidade nas localidades da
rede a partir das trocas populacionais com migrantes que recebem dois ou mais salários
mínimos. Em 1980 percebe-se que a rede possuía uma pequena integração, considerando que
cerca de 120 localidades, entre as 157, apresentavam baixo grau de centralidade (menos de
15) tanto na entrada como na saída de migrantes. As áreas em que aglomeravam pontos com
maiores valores de centralidade estavam no eixo Norte do Paraná/Goiânia-Brasília, além das
capitais estaduais, dispersas territorialmente.
Os dados indicam que em 1980 havia uma concentração elevada das oportunidades de
boa remuneração em pouquíssimas localidades, e isso fazia com que as redes sociais da
migração gerassem um número pequeno de fluxos contínuos na rede urbana. Alta
centralidade havia somente nas capitais estaduais e na hinterlândia da RM de São Paulo, no
que se refere às oportunidades de trabalho dos imigrantes.
Em 2000, os mapas mostram que os eixos de maior articulação presentes nos fluxos
migratórios da rede comparecem também entre as trocas com migrantes melhor remunerados,
a exemplo do eixo Norte do Paraná/Goiânia-Brasília, das localidades de Rondônia e
Tocantins, além de trechos da franja litorânea no Nordeste. Nos fluxos de saída percebe-se
um aumento nas conexões em localidades como Manaus e as RMs de Belém e Fortaleza,
além das cidades de Ribeirão Preto, Campo Grande e Cuiabá. Já entre os fluxos de entrada,
além das capitais nordestinas, observa-se aumento significativo das conexões de cidades
como Campinas, São José dos Campos, Florianópolis, Campo Grande e Goiânia.
Ao que tudo indica, durante esses vinte anos, a rede acumulou, a partir da integração
territorial e dos processos de desconcentração espacial, maior interconectividade entre os
fluxos migratórios. Os dados mostram que se multiplicaram as localidades capazes de
estabelecer laços com outras, recebendo e enviando migrantes com melhores níveis de
remuneração. Esse fato traz em si implicações sobre os esforços voltados a redução das
desigualdades socioespaciais e do isolamento de subespaços urbanos do País, ampliando com
isso os níveis de equidade inter-regional.

5.3 – Manchas síntese da integração territorial na rede

As medidas até aqui aplicadas demonstraram um nível considerável de aumento na


integração territorial da rede, em face do crescimento das opções de destino para os fluxos
migratórios, os quais alimentam a capacidade de centralização de vários subespaços em
expansão.
Reconhecer melhor tais subespaços e avaliar sua evolução na rede de localidades entre
1980 e 2000 é o objetivo subseqüente. Isto pode ser obtido por meio de mapas que
superponham informações seletivas sobre renda e instrução, exprimindo-as por meio de
“manchas” que sintetizem, grosso modo, o processo de integração territorial no Brasil
contemporâneo. A Figura 5 apresenta estas manchas a partir dos fluxos migratórios
envolvendo migrantes ocupados da PEA e com níveis de renda acima da mediana nacional.
Os resultados mapeados utilizaram como critério, primeiramente, a existência de uma
aglomeração de pontos, ou seja, de localidades relativamente próximas umas das outras,

16
17
18
configurando, assim, uma espécie de região relevante quanto aos fluxos migratórios. O
critério considerado foi à expressão do grau de centralidade em tais conjuntos, tanto nos
fluxos de saída como nos de entrada.
Em 1980, as áreas de maior articulação na rede são bem restritas, como já examinado.
As localidades de maior centralidade nos fluxos de migrantes ocupados restringem-se
somente a duas áreas em todo o Brasil: uma pequena faixa no litoral nordestino, onde se
destacam a centralidade de Natal, Recife e Maceió, e outra mancha, que cobre a grande área
que se estende desde o norte do Paraná até Brasília-Goiânia, sendo controlada pelas RMs de
São Paulo e Rio de Janeiro. Essa mancha destaca a única grande porção da rede que
estabelece um número considerável de conexões com o restante dos pontos.
Ao considerar a mancha gerada pelos fluxos de migrantes com renda igual ou superior
a dois salários mínimos, as áreas que apresentam algum dinamismo se reduzem
consideravelmente. Na verdade, somente a hinterlândia mais próxima da RM de São Paulo e
o eixo Brasília-Goiânia apresentam um aglomerado de localidades notáveis. As manchas
mostram afinal como a capacidade de centralização das localidades era rarefeita e
extremamente concentrada na região de maior adensamento urbano do país.
Em 2000, as manchas apresentadas explicitam melhor o crescimento de subespaços da
rede fortemente articulados, bem como o surgimento de novas áreas nas quais a aglomeração
de localidades já dispõe de um número mais significativo de ligações. As trocas entre
migrantes ocupados definem um conjunto de cinco manchas em todo o território. No litoral
nordestino, além do crescimento da mancha já existente em 1980, incluindo a RM de
Fortaleza, outra aglomeração também apresentou maior centralidade nas suas trocas: a área
que se estende da RM de Salvador até o eixo Ilhéus-Itabuna. Já na Região Norte dois
subespaços se destacam, o relativo ao arco oeste de Rondônia, que em 2000 apresenta
maiores articulações com a rede tanto na entrada como na saída de migrantes (evoluindo da
importância restrita a entrada, como que ocorria em 1980), e também alguns pontos no
Estado do Tocantins, que estruturam um eixo rodoviário que articula os núcleos
populacionais do centro-sul com e norte do país.
A última mancha, apenas parcialmente delineada em 1980, denota em 2000 a
expansão da urbanização sudestina, em espaços muito bem articulados, que, inclusive dão
suporte processo recente de desconcentração espacial da população. Além do eixo norte do
Paraná/Brasília-Goiânia integram esta mancha localidades de Minas Gerais, Rio de Janeiro e
Espírito Santo, e ainda as aglomerações no entorno da RM de Curitiba e Florianópolis. É
também nesse espaço que as manchas relativas às trocas de migrantes ocupados com renda
igual ou superior de 2 salários mínimos comparecem expressivamente. Aliás, os dados
indicam que houve uma sensível expansão espacial dessa condição econômica em relação a
1980, por meio da inserção de localidades no Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina.
Os procedimentos de análise aqui adotados e a espacialização por meio de manchas
notáveis permitiram concluir que os dados censitários sobre migrações internas são ricos de
possibilidades, sendo, inclusive, capazes de evidenciar níveis de integração de mão-de-obra
migrante no mercado de trabalho em ocupações remuneradas, indicando o surgimento de

19
novos subespaços articulados em rede que devem estar colaborando com o aumento da
integração territorial das áreas urbanas do País.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dado um conjunto de localidades centrais, cujos critérios de definição procuram, de


uma forma simplificada, identificar as áreas urbanas mais significativas do País em termos de
tamanho populacional, pode-se aplicar sobre ele um elenco de medidas derivadas da ARS
(Análise de Redes Sociais) ajustadas a dados de migração intermunicipal.
Os resultados da aplicação dessas medidas reuniram evidências de que o processo de
dispersão dos fluxos migratórios vem acompanhado pelo aumento das articulações em muitos
pontos da rede. Ou seja, as localidades da rede, de um modo geral, mesmo com a redução de
participação dos imigrantes na população total nos últimos vinte anos, estruturaram um
número maior de ligações entre si, exprimindo avanços na integração das áreas urbanas
brasileiras. Tanto a densidade como o grau de centralidade assinalaram que a estrutura dos
fluxos na rede urbana tornou-se mais dinâmica, em decorrência do surgimento de novos
espaços, antes isolados na rede, os quais passaram a operar como transmissores de recursos
humanos e materiais. A diversificação e facilitação dos movimentos na origem e no destino é
um corolário dessas evidências.
A existência de uma rede urbana com alto potencial de adensamento certamente
constitui instrumento de política pública aplicável à redução das desigualdades econômicas e
sociais. A multiplicação de centros de grande e médio porte em todo o país, por definição,
abre possibilidades de acesso a melhores condições de vida para muita gente, o que por sua
vez, contribui com a diminuição da excessiva concentração urbana do País. E isso já vem
ocorrendo no Brasil das últimas décadas. Os dados de ocupação e renda aqui trabalhados
confirmaram tais hipóteses, indicando que o aumento do número de centros bem articulados
econômica e socialmente, relaciona-se à expansão de oportunidades de trabalho.
Entretanto, convém ressaltar que o aumento da integração ainda é pequeno,
considerando todo o potencial da rede urbana. Enquanto as trocas de migrantes ocupados já
deixam marcas de dinamismo em algumas porções do território brasileiro, os migrantes com
melhores níveis de renda ainda circulam dentro de um restrito número de pontos da rede,
quase sempre referidos a áreas historicamente mais dinâmicas. Mesmo com as indicações de
reversão dos processos reprodutores de deseconomias de aglomeração, o espaço de
intervenções públicas corretivas e indutoras de eficiência espacial é ainda bastante amplo,
sobretudo se vier acompanhado de medidas promotoras de equidade regional, mas que
utilizem-se do paradigma das redes, como um novo instrumento adequado à seleção de
fatores de desenvolvimento econômico, implantação de infra-estruturas e investimentos
sociais que colaborem para a inclusão de trabalhadores que tornaram-se redundantes na
economia capitalista dos dias de hoje.

20
6. Bibliografia

AMORIM e SERRA. Evolução e perspectivas do papel das cidades médias no planejamento


urbano e regional. In:ANDRADE e SERRA (org.) Cidades Médias Brasileiras. Rio de
Janeiro: IPEA, 2001
ANDRADE e SERRA. O desempenho das cidades médias no crescimento populacional
brasileiro no período 1970/2000. In: ANDRADE e SERRA (org.) Cidades Médias
Brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA, 2001
BAENINGER, Rosana. Migrações Internas no Brasil: Municípios metropolitanos e não-
metropolitanos. Anais do II Encontro Nacional sobre migração. Belo Horizonte: Abep.
2000. p. 535-562.
BRADFORD, M. G.; KENT, W. Geografia Humana: Teoria e suas Aplicações. Lisboa:
Gradativa. 1977
CLARCK, David. A localização urbana e o sistema urbano in Introdução a Geografia
Urbana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2º Ed. 1982. p. 127-181.
CORREA, Roberto Lobato. A Rede Urbana. São Paulo: Ática. 1994
__________. Trajetórias Geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1997.
CUNHA, Jose Marcos Pinta da. Aspectos Demográficos da Estruturação das Regiões
Metropolitanas Brasileiras. In HOGAN, BAENINGER, CUNHA, CARMO (org.). Migração
e Ambiente nas Aglomerações Urbanas. Campinas: Unicamp, 2001. p.19-49.
DEFFONTAINES, Pierre. Como se constitui a rede de cidades no Brasil. Boletim
Geográfico, Rio de Janeiro, v. 2, n. 14, pt. 1, p. 141-148, maio 1944.
FAZITO, Dimitri. A Análise de redes sociais (ARS) e a migração: mito e realidade. Anais do
XIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Ouro Preto: ABEP, 2002.
FUSCO, Wilson. Redes Sociais na Migração internacional: O caso de Governador Valadares.
Anais do II Encontro Nacional sobre migração. Belo Horizonte: Abep. 2000. p. 317-342.
GEIGER, Pedro Pinchas. Observações sobre a organização urbana no Brasil, in Evolução da
Rede Urbana Brasileira. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: Rio de Janeiro, 1963.
HANNEMAN, Robert. Introducción a los métodos del análisis de redes sociales. 2000.
Disponível em:<http://wisard.ucr.edu/~rhannema/index.htm# news>. Acesso em Setembro de
2003.
MATOS, Ralfo. A contribuição dos imigrantes em áreas de desconcentração demográfica do
Brasil contemporâneo. Revista Brasileira de Estudos Populacionais. Campinas, V.19. nº 1.
jan/jun 2002. P.49-74.
MATOS, Ralfo e BRAGA, Fernando. Rede Urbana e redistribuição espacial da população
brasileira. Anais do XIII Encontro Nacional de Estudos Populacionais. Ouro Preto:
ABEP, 2002.
MONBEIG, Pierre. Aspectos Geográficos do Crescimento de São Paulo. Boletim
Geográfico, Rio de Janeiro, v.12, n. 19, mar. -abr. 1954.
PACHECO, Carlos Américo; PATARRA, Neide. Movimentos Migratórios no Anos 80:
Novos Padrões?. Anais do I Encontro Nacional sobre migração. Curitiba: IPARDES,
FNUAP. 1998. p. 463-478.
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São Paulo: Hucitec. 1993. p.17-29.
SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. São Paulo: Editora Brasiliense. 10º ed.
1985.
SOARES, Weber. Da metáfora a substância: Redes Sociais, Redes Migratórias e
Migração nacional e internacional em Valadares e Ipatinga. Belo Horizonte:
CEDEPLAR/UFMG. 2002. (tese de doutorado)

21

Você também pode gostar