Evolução Das Políticas Agrícolas
Evolução Das Políticas Agrícolas
Evolução Das Políticas Agrícolas
UBERLÂNDIA - MG - BRASIL
APRESENTAÇÃO ORAL
Abstract
The proposal of this rehearsal is to present a discussion of the structural and institutional
transformations of the Brazilian agriculture in the period of reformulation of the pattern
of public intervention in the agricultural section, when happened of strong coordination,
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for a deregulation scenery and emptying of the functions of the public section, with
larger participation of the private initiative in the regulation of the productive process.
In the first part it is made a synthesis of the crisis context and it reforms in the base of
the agricultural politics, defining a new institutional atmosphere influenced by the
reduction subjects of the barriers to the imports and formation of regional economical
blocks. In the second part comes a more detailed vision of the changes in the traditional
instruments of agricultural politics, preferential credit and warranty of prices,
fundamentally the reduction of the participation of the public section and the growth of
the participation of the market.
Key-Words: Agricultural section, institutional atmosphere, deregulation
1. INTRODUÇÃO
As reformas gerais da economia e o impacto sobre o setor agrícola
O contexto sucessivo às etapas de modernização do sistema produtivo,
industrialização e consolidação dos Complexos Agroindustriais brasileiros traduziu-se
numa inversão das políticas setoriais marcada por forte restrição orçamentária, com
cortes no volume de crédito e nos subsídios das taxas de captação, tornando-as pós-
fixadas e plenamente indexadas à inflação. Para Rezende (2003) as políticas fiscais e
monetárias contracionistas afetaram a agricultura não apenas pelo impacto recessivo,
mas também pela reforma no crédito rural, um dos principais instrumentos de
modernização da agricultura. Assim, as transformações recentes do setor agrícola
resultaram das reformas gerais e mudanças institucionais da economia brasileira nos
anos 80 e 90, quer sejam, os planos de estabilização, contingenciamento dos gastos
públicos, as privatizações e a abertura comercial e financeira da economia.
A primeira etapa, no início dos anos 80, deriva da crise no balanço de
pagamentos provocando o chamado Ajuste Externo, com prioridade às exportações
como forma de captar recursos para restaurar o equilíbrio através de superávits
comerciais. De acordo com Rezende (2003) essa prerrogativa preservou o setor agrícola
do ajuste fiscal e monetário do período, embora a política econômica assumira viés
contracionista. Além disso, a produção voltada à exportação foi favorecida pela queda
na cotação internacional do preço do petróleo, junto com a retirada de tarifas à
importação de insumos agrícolas e pela política de desvalorização cambial. Goldin e
Rezende (1993) afirmam que as maxidesvalorizações de 1979 e1983 (ambas de 30%)
impulsionaram as exportações agrícolas, que assumiram função estratégica para a
economia no contexto de ajuste à crise.
A segunda etapa das transformações da economia ocorreu a partir de 1985,
quando o risco de hiperinflação torna-se a principal preocupação da política econômica.
Dessa forma as políticas agrícolas são submetidas aos planos1 de controle inflacionário.
1
A heterodoxia da economia brasileira de 1985 a 1994 concentrou a maior parte de seu esforço na busca
da estabilização financeira. Como o setor agrícola era uma forte componente dos choques inflacionários,
os planos de estabilização, exceto o Plano Bresser em 12/06/1987, foram lançados em períodos de safra,
com medidas de controle dos preços das mercadorias agrícolas. O Plano Real também foi lançado em
período de safra (final de 1993), no entanto, como foi implementado em etapas, provocou menos impacto
no setor agrícola se comparado ao tabelamento do valor de suas mercadorias, justamente na colheita, em
que as imperfeições de mercado se encarregam de colocar os preços nos menores patamares.
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A conseqüência desse processo foi a elevação do risco na agricultura, em função das
variações bruscas dos preços agrícolas, alta em 1988 e alta e queda em 1989. Além da
instabilidade, Helfand e Rezende (2003) destacam a inviabilização das políticas
setoriais (crédito e preços mínimos) que vinham apresentando bons resultados desde o
início da década. Segundo os autores:
2
O processo de substituição das importações foi adotado para promover a industrialização da economia
brasileira. O modelo propunha atender a demanda doméstica, substituindo produtos que antes eram
importados.
3
Pagamento de juros e correções sobre o valor principal da dívida.
4
Políticas de crédito, preços mínimos e estoques reguladores.
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agrícola, com transposição de funções como financiamento, armazenagem e comércio
da produção __ além da pesquisa e transferência de tecnologias __ do governo para
iniciativa privada. De acordo com Farina (1996) a desregulamentação também implicou
num processo não planejado de desarticulação da pesquisa pública, especialmente em
agricultura e órgãos de provisão de informações. Essa inversão de responsabilidades
deu origem a novos mecanismos de governança no interior dos sistemas agroindústrias,
ao mesmo tempo em que o agronegócio passa a enfrentar o padrão internacional de
concorrência, intensificado pela integração dos mercados regionais5 e pela globalização.
Em suma, redimido entre nós o discurso neoliberal – agora travestido com o
manto da globalização das economias e integração de mercados – configuraram-se
proposituras em favor da abertura econômica e liberalização das trocas internacionais,
redução de apoios às produções domésticas, diminuição dos obstáculos de acesso aos
mercados e limitações no uso de subsídios às exportações. Isto significava a afirmação
do mercado como instância coordenadora dos interesses – por certo conflitantes – dos
parceiros da globalização, com mira à promoção de um sistema internacional de
economia aberta.
Transição no padrão de regulação, desaquecimento e retomada do crescimento
A dinâmica da agricultura no contexto das crises e abertura da economia
brasileira é determinada pela conduta do setor público quanto ao planejamento e
financiamento da atividade. Na opinião de Belik (1998) a agropecuária termina a década
de 80 e entra nos anos 90 em busca de um crescimento condizente com a abertura
comercial e menor participação estatal. O déficit primário moderou o volume dos
recursos alocados, restringindo o investimento6 e a utilização de insumos
industrializados7. Em termos de recursos o governo reduziu a oferta de crédito,
transferindo parte do financiamento agrícola ao sistema de mercado. Belik (1998)
destaca que o crédito em 1975 foi aproximadamente seis vezes maior do que em 1995,
embora até 1979 a produção de grãos mal alcançasse 40 milhões, enquanto em 1995 ela
já ultrapassava as 70 milhões de toneladas.
O ajuste liberalizante dos anos 80 repercutiu sobre a produção agropecuária, no
entanto não estagnou o crescimento setorial. A despeito da retirada dos incentivos e os
impactos dos planos de estabilização econômica, a agricultura manteve seu crescimento,
superando o conjunto da economia, particularmente o setor industrial. De acordo com
Carneiro (2002) a performance da segunda metade dos anos 70 é preservada ao longo
dos anos 80, período em que o crescimento é cerca de quatro vezes superior ao da
indústria de transformação. Essa trajetória é mantida pela intensificação tecnológica e
incorporação de novas fronteiras, assegurando o crescimento e possibilitando a abertura
de novos mercados.
Apesar do crescimento produtivo, dos anos 80 até meados dos anos 90 __
também conhecidos como Década Perdida __ a agricultura enfrenta uma série de
5
Entre eles o Mercosul, os EUA e seus acordos multilaterais e a União Européia. Os dois últimos
subsidiando fortemente atividade agrícola.
6
Inversão de capital em bens de produção (máquinas, equipamentos, infra-estrutura) com propósito de
gerar produtos ou serviços num tempo futuro.
7
De forma geral as sementes industrializadas, corretivos, fertilizantes e defensivos.
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transformações no contexto macroeconômico, fundamentalmente a desregulamentação
dos mercados, abertura comercial, formação dos blocos econômicos e controle do
déficit público. Esse ajuste provoca uma inversão dos indicadores setoriais,
apresentando poucos investimentos, baixo volume de crédito, aumento no estoque de
dívidas e elevada taxa de inadimplência no financiamento agrícola. As conseqüências
foram diversas, entre elas, o desabastecimento interno no biênio 1989/1990 e o impacto
sobre a busca de estabilização.
O período que sucede a recessão setorial dá início a uma nova etapa de
desenvolvimento da produção agrícola. A preocupação com a estabilidade da economia
e as ações de uma frente ampla de negociação8, levou o governo a rever sua posição, e
em dezembro de 1995, a lei nº 9.138 autorizou a primeira renegociação das dívidas
agrícolas.9 A decisão deu início a uma série de acordos entre o governo e os
representantes da classe produtora, incluindo a renegociação e a securitização10 dos
débitos de maior valor11. Em 2001 houve uma segunda renegociação, os pagamentos
foram adiados de 2008 para 2025 e os juros do PESA caíram para 3,4 e 5% ao ano. O
Tesouro Nacional assumiu o risco das dividas negociadas para evitar um rombo na
contabilidade da conta do Banco do Brasil. Essas medidas vieram associadas a uma
recuperação dos preços das commodities no mercado externo, dando fôlego ao setor que
respondeu com aumento produtivo12, notadamente após a depreciação cambial em 1999.
Com a inversão do cenário econômico (repactuação das dívidas, desvalorização
cambial e recuperação dos preços internacionais) houve retomada do crescimento
setorial, fundamentado em ganhos de escala, intensificação tecnológica e menor
dependência de recursos públicos.Esse amadurecimento constata-se pelos dados da
tabela 2, que relaciona crédito, área cultivada e a produção de grãos alcançada. Os
números revelam que a produção aumentou mais de 40%, ao passo que a área colhida
em 1990/91 foi praticamente igual a de 2000/01.
Tabela 2- Evolução do Crédito, Área e Produção 1987-2003.
Crédito Área Produção
Ano Mil R$ Mil hectares Mil toneladas
1987/88 58.680.641,4 42.810,7 66.292,00
1988/89 41.408.242,1 42.243,3 72.245,50
8
O símbolo das ações tomadas pelas principais lideranças rurais foi o¨caminhonaço¨, uma carreata de
tratores e caminhões, que se dirigiu a Brasília em1995, para reivindicar modificações nas políticas
públicas voltadas ao setor agrícola.
9
Os empréstimos foram prolongados por até 10 anos, com juros de 3% ao ano, beneficiando 300.000
produtores com operações de até R$ 200 mil, o que acumulava um débito conjunto de R$ 7 bilhões.
10
Indexação do valor das dívidas ao preço mínimo. Nesse caso foi utilizado o preço do milho, que é
determinado pelo mercado interno.
11
Na edição de maio de 2005, a Revista Agroanalysis reportou um histórico da dívida retratando que, em
1998, os endividamentos que ultrapassavam os R$ 200 mil foram atendidos pelo Programa Especial de
Saneamento dos Ativos (PESA) com prazos de até 10 anos, entrada de 10,37%, correção pelo Índice
Geral dos Preços de Mercado (IGP-M) e juros anuais de 8 a 10%. Cerca de 50 mil produtores com dividas
totais de R$ 4 bilhões foram beneficiados. Em 1999 os juros caíram para a faixa de 6 a 8% ao ano.
12
O crescimento da produção trouxe problemas relacionados à deficiência de infra-estrutura de
transporte, portuária e armazenamento das supersafras brasileiras. Complicando ainda mais o crescimento
elevou o risco de queda dos preços em função de grandes ofertas, além da questão do alto volume de
subsídios na agricultura dos países desenvolvidos.
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1989/90 37.812.912,5 38.945,0 56.492,20
1990/91 21.602.546,5 37.893,7 56.499,30
1991/92 22.287.698,6 38.492,3 68.067,10
1992/93 24.712.209,7 35.621,3 69.308,00
1993/94 21.220.496,0 39.094,0 75.396,70
1994/95 34.563.190,7 38.538,9 79.651,30
1995/96 15.728.229,9 36.970,9 69.036,00
1996/97 13.745.361,7 36.574,8 78.426,70
1997/98 19.915.134,5 350.00,8 76.524,30
1998/99 21.691.623,2 36.896,7 82.437,20
1999/00 20.628.092,8 37.824,3 83.030,00
2000/01 21.197.908,6 37.847,3 98.311,70
2001/02 25.008.918,4 41.198,0 97.131,30
2002/03 27.560.118,6 43.946,8 123.175,60
2003/04 31.102.681,8 47.422,5 130.830,00
Fonte: Crédito Anuário Estatístico do Crédito Rural do Banco Central. R$ milhões de 2004, atualizados
pelo IGP-DI médio centrado (www.bcb.gov.br)
Área e Produção CONAB (www.conab.gov.br)
O cenário de mudanças institucionais
A desregulamentação do setor agrícola nacional definiu novas relações entre as
iniciativas pública e privada no sistema agroindustrial. Em termos de recursos foram
desenvolvidas alternativas de crédito e garantia de renda, modificando as relações
produtivas e estabelecendo uma nova base para as políticas de financiamento e
comercialização das safras, mais independentes do intervencionismo e da coordenação
do sistema público. Para tratarmos o quadro atual do financiamento agrícola no Brasil
torna-se necessário uma breve avaliação das transformações na base da política de
crédito. No que se refere ao SNCR, temos três etapas que podem ser perfeitamente
diferenciadas:
A primeira inclui a montagem do sistema oficial de crédito nos anos 60 e a
expansão do volume de recursos durante a década de 70;
A segunda, durante os anos 80, com a substituição dos recursos obrigatórios
pelos recursos do Tesouro Nacional;
A mais atual, fim dos anos 80 e início da década de 90, na qual foram criadas
novas fontes de recursos financeiros agrícolas.
O resultado destas transformações é exposto pela trajetória do gráfico 2, que
apresenta grandes quantias disponibilizadas no final da década de 70 e declínio
acentuado na primeira metade dos anos 80. Após esse período observa-se uma
recomposição passageira nos anos 1986/ 1987, seguida por forte queda no fim da
década de 80. Essa tendência foi mantida no início dos anos 90 (com ligeira inversão
em 1994) aprofundada em 1995/1996 e parcialmente contornada por uma lenta
recuperação de 1997 até 2003.
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valores constantes de 2004 em R$
120000000
100000000
80000000
60000000
mil
40000000
20000000
0
73
77
79
87
89
95
97
99
01
03
69
71
75
81
83
85
91
93
19
19
19
19
19
19
20
20
19
19
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19
19
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19
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19
Gráfico 2 – Valores liberados para o Crédito Rural - 1969 a 2003
Fonte: Corrêa e Silva (2004).
O apoio formalizado do governo para o desenvolvimento do setor agropecuário
tem origem na institucionalização do SNCR em 1965, com intuito de incentivar a
adoção do pacote tecnológico da Revolução Verde, mobilizando recursos do sistema
monetário para financiar o custeio e o investimento do setor agropecuário. Para a
concessão desses empréstimos, com taxas de juros menores do que as vigentes no
mercado financeiro foram criadas as fontes tradicionais de recursos compostas por:
Recursos obrigatórios – exigibilidades, 10% sobre a porcentagem de depósitos a vista
feitos nos bancos comerciais;
Recursos livres – fundos governamentais;
Recursos das operações oficiais de Crédito – Recursos do Tesouro nacional.
A estruturação do crédito preferencial para a agricultura a partir de 1965 tinha
grande parte dos recursos alocados pelo orçamento público. Apesar da reforma
institucional e a criação do Banco Central (Bacen) o Banco do Brasil (BB) manteve a
função de autoridade monetária13 e principal agente do SNCR através da conta
movimento14. De acordo com Gremaud, Vasconcelos e Toneto Jr. (2002) o BB
emprestava com taxas de juros subsidiadas, que eram equalizadas através da linha direta
de financiamento junto ao Bacen. Essa configuração expandiu o saldo dos recursos
financeiros ofertados e, segundo Carvalho (2000) apesar de outros instrumentos, como
seguro rural e assistência técnica terem sido implementados, o crédito tornou-se a
principal política de incentivo a agricultura brasileira até meados dos anos 70.
Na segunda metade dos anos 70 e início dos anos 80, a crise fiscal e financeira
do Estado (contenção dos gastos públicos), junto com aumento da taxa de inflação
conteve a liberação de crédito, que passa a ser ofertado com taxas de juros positivas15 e
13
Permissão para emitir moeda.
14
Criada para transferir recursos do Banco do Brasil para o Banco Central entrar em operação.
15
Corrigidas de acordo com a variação da taxa real de juros.
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incorporação da correção monetária16sobre os valores financiados. A problemática desse
contexto é a queda de arrecadação das fontes obrigatórias17 __ exigibilidades __ e a menor
participação da conta movimento18, transferindo ao Tesouro Nacional a maior
responsabilidade quanto a parcela ofertada19. O saldo do período é a escassez de crédito
oficial, corte nos subsídios e aumento do custo dos empréstimos, fazendo com que os
agricultores com melhores condições financeiras optassem pelo autofinanciamento.
Com o esgotamento do padrão de financiamento público nos anos 80, tendeu a
se ampliar o espaço do financiamento privado à comercialização agrícola,
desenvolvendo-se algumas modalidades de instrumentos financeiros alternativos ao
crédito oficial em declínio. Como destacado por Lopes (1992, p.360), tal tendência
caminhou em paralelo com o estreitamento das linhas comerciais de crédito e das
aplicações de recursos próprios dos agentes financeiros, que passaram a pautar suas
operações num maior grau de rigidez em termos de prazos, número de clientes
atendidos ou limites de crédito por tomador e tetos por carteira.
Na verdade, tais procedimentos revelavam-se estritamente consistentes com a
lógica bancária que, para atenuar riscos de inadimplência de empréstimos concedidos,
estreitou diversas linhas disponíveis, especialmente os créditos comercial comum, de
curto prazo (30-60 dias), de longo prazo (180 dias), de industrialização (matérias-
primas) e de exportação, bem como o crédito de desconto de títulos. Desse quadro
resultou o congestionamento dos mercados e da comercialização agrícola no âmbito dos
próprios produtores rurais, com a maior parte das transações ocorrendo sob a
modalidade à vista.
Contraditoriamente, porém, nessa conjuntura de compressão dos recursos
financeiros oriundos do segmento privado, elevou-se sensivelmente a demanda pelo
crédito institucional (EGF), que passava a desempenhar o papel de instrumento
substituto das diversas modalidades em declínio. É mais que evidente que isto fragilizou
o instrumento, outorgada que lhe era a tarefa – decerto ingrata – de compensar o
absenteísmo do segmento privado no tocante ao financiamento da comercialização
agrícola. Assim, nessa fase de transição que marca a agricultura nos anos 80, passou-se
a atribuir ao EGF o papel de provedor de crédito para todas as finalidades na
comercialização, desvirtuando-se ainda mais seu papel de instrumento de atenuação da
estacionalidade que é própria aos preços agrícolas. Este era o cenário compreensivo de
uma conjuntura de desorganização dos mercados de estoque no país, pondo-se em
evidência uma dentre tantas outras assimetrias estruturais de nosso padrão de
desenvolvimento agrícola.
16
Correção dos valores nominais por dado índice de preços, de modo a compensar a perda de valor da
moeda decorrente da inflação.
17
Em períodos inflacionários cai o volume dos depósitos a vista e aumenta a procura por aplicações
financeiras de curto prazo.
18
A emissão de moeda amplia a pressão inflacionária.
19
Para Gasques e Villa Verde (1996) o modelo de crédito rural elaborado na década de 60 não foi
planejado para enfrentar conjunturas de prioridade ao equilíbrio fiscal, além do fato que a emissão de
moeda como fonte usual de financiamento da agricultura ficou prejudicada, frente a necessidade de
controle da base monetária como instrumento ativo da política de combate à inflação.
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Tais considerações sugerem que o perfil da comercialização agrícola no decurso
dos anos 80 refletiu a reversão do ciclo econômico expansivo dos anos 70, quando ainda
não haviam se configurado maiores problemas do ponto de vista da fluidez de recursos
ao financiamento agrícola. Até então, o Estado mantinha controle sobre diversas fontes
de recursos e um diversificado conjunto de instrumentos de crédito rural. Além dos
recursos do Tesouro Nacional, destacavam-se as aplicações compulsórias dentro do
Manual do Crédito Rural (MCR 18), as exigibilidades bancárias advindas dos depósitos
à vista, as aplicações de recursos voluntários dos agentes financeiros no crédito rural
(MCR 37), assim como as emissões de moeda. Em outros termos, à época, o vetor de
política econômica não estava subsumido ao problema fiscal, muito menos ao controle
da base monetária (GASQUES e VILLA VERDE, 1996, p.05).
Nesse ambiente, marcado pela concentração de recursos nos segmentos mais
dinâmicos, verificou-se uma recomposição significativa – ainda que morosa – de fontes
alternativas de recursos para o financiamento agrícola no país, num processo que
remonta a meados dos anos 80. Numa visão retrospectiva, poder-se-ia aventar algumas
hipóteses para se explicar o desenvolvimento restrito dos instrumentos privados de
financiamento agrícola. Primeiramente, haveríamos de fazer referência à debilidade das
transformações do sistema financeiro nacional vis-à-vis à predominância da regulação
financeira estatal da agricultura brasileira. Contudo, para além dessa referência
estrutural, caberia indicar a já referida elevação de status da PGPM assim como o
refluxo do crescimento agrícola no início dos anos 80.
Ademais, a atenuação da pressão de demanda sobre o crédito rural oficial nessa
conjuntura também terá decorrido de um processo acomodatício, em relação ao sobre
dimensionamento da oferta de recursos altamente subsidiados até final da década de 70.
Precisamente nessa linha, Delgado (1985, p.79) sublinha o traço fundamental da
trajetória expansionista da política de financiamento rural no período 1967/1976,
destacando a propósito que:
“Este período é marcado por um crescimento inusitado das aplicações reais de crédito,
bastando, para ilustrar tal afirmação, indicar que, entre 1969 e 1976, o índice de valor
real do crédito rural concedido passou de 100 a 444. Tal elevação corresponde ao
crescimento geométrico no período 1969-76, de 23,8% ªª, que é várias vezes superior
ao crescimento real do produto agrícola, situado em torno de 5% ªª, (...) Já em 1977
começam a se esboçar, a nível de governo, as influências contencionistas da política
monetária, que nesse ano se reflete numa primeira inflexão para baixo do volume de
crédito concedido.” O autor aponta que “a orientação expansionista é retomada com
menor vigor em 1978 e 1979, à luz do discurso oficial do governo de prioridade ao
setor agrícola, para ser revertida novamente a partir de 1980. Essa nova reversão –
que se mantém cada vez mais acentuada em 1981 e 1982, com tendências de se agravar
em 1983 – ocorre agora sob condições mais adversas, quer do próprio contexto da
economia brasileira, quer das suas relações críticas com a economia internacional.”
Neste sentido, caberia frisar a assimetria estrutural entre a alavancagem do patamar
tecnológico do setor – derivado da política oficial de crédito – e o desenvolvimento
restrito de instituições de mercado, como os instrumentos financeiros privados e os
mercados a termo e de futuros, entre outros.
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Poder-se-ia dizer que a hipertrofia da política de crédito rural ao longo da
industrialização da agricultura teve, como seu contraponto necessário, a inibição do
desenvolvimento complementar de importantes e necessários instrumentos privados
de suporte à produção e comercialização agrícolas. Destarte, a partir do momento em
que se exaure o padrão de financiamento capitaneado pelo Estado cresce, em
simultâneo, a percepção da urgência de se forjar novas fontes e modalidades de
recursos. Nessa perspectiva, Leite (2000, p.106) chama atenção para o fato de que:
"(...) recentemente, a partir do início da década de 90, tem sido tentada uma série de
novos mecanismos para viabilizar o financiamento do setor rural. Além das fontes
anteriormente citadas, que incorporavam em grande medida recursos diretamente
advindos do setor público, ou por ele alavancados, algumas iniciativas têm sido
tomadas no sentido de levantar recursos junto ao setor privado.”
Conforme Gasques e Villa-Verde (1996, p.08), o período foi marcado pela iniciativa do
Estado induzindo novos instrumentos financeiros agrícolas, chamando ao setor privado
a tarefa de agente provedor de fundos necessários ao seu desenvolvimento. Daí por
diante, nota-se certo crescimento de fontes de financiamento indexadas, gravadas com
taxas de juros superiores às das fontes tradicionais, basicamente recursos do tesouro e as
exigibilidades.
Novas Fontes de Recurso do Crédito Rural
O enfraquecimento do sistema de crédito centralizado nas operações mantidas
pelo Tesouro, Recursos livres e Recursos obrigatórios __ fontes tradicionais __ gera a
necessidade de alternativas para o financiamento da agricultura. Gasques e Villa Verde
(1996) ressaltam que as fontes introduzidas a partir de meados dos anos 80 são de
caráter eminentemente privado. Segundo os autores, a despeito dessas novas fontes
terem-se dado, na maioria dos casos, por iniciativa do governo federal, os recursos não
são do Tesouro Nacional, mas captados no mercado. “Deste modo, são fontes indexadas e
com taxas de juros mais elevadas do que as fontes tradicionais, como o Tesouro e as
exigibilidades, para as quais o governo fixa as taxas de juros máximas que podem ser cobradas
pelo sistema bancário oficial e privado” (GASQUES E VILLA VERDE, 1996, p.46).
Tabela 3 -Fontes de Recursos Criadas nos anos 80e 90
Ano de Origem Fontes de financiamento
1986 Caderneta de Poupança Rural
1989 Fundos Constitucionais
1990 Sociedades de Crédito Imobiliário e Bancos Múltiplos20
1990 Fundo de Aplicações Financeiras – FAF
1990 Depósitos Interfinanceiros Rurais – DRI21
1990 Depósitos Especiais Remunerados –DER
1990 Fundos de Commodities22
20
Essa nova fonte, assim como o FAF não chegou a ser efetivamente implantadas.
21
Não chega a ser propriamente uma fonte de recursos, mas um instrumento complementar de aplicações
no setor rural.
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1991 Recursos Externos
1991 Fundo de Amparo ao Trabalhador- FAT
1994 Recursos Extramercado
1995 Contratos de Compra e Venda de Soja Verde
1995 Adiantamentos sobre contratos de Câmbio-ACC
1995 Finame Agrícola
Fonte: Gasques e Villa Verde (1996)
A criação das novas fontes modificou a formação e a liberação de crédito através
do SNCR. Algumas delas, como os Fundos Constitucionais (FCO, FNE, FNO) são
importantes na canalização de recursos tributários para financiar o investimento na
agropecuária e na agroindústria nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Além dos
Fundos Constitucionais, destaca-se a participação do FAT no encaminhamento dos
recursos dirigidos ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e a
Caderneta de Poupança Rural que em 1987 atingiu 24% e, em 1993 foi responsável por
45,5% do total de recursos liberado pelo SNCR.
Destacando a importância destas novas fontes para o desenvolvimento do setor
rural, Corrêa e Silva (2004) afirmam que os recursos do SNCR devem ser quantitativa e
qualitativamente diferenciados. Segundo as autoras, em termos percentuais houve
menor contribuição23 do Tesouro Nacional na composição das fontes tradicionais, além
de queda na participação dos Recursos Livres, em função do encerramento de operações
de crédito para a agricultura em algumas instituições de financiamento, essencialmente
o Banco do Brasil que, entre 1997 e 1999, restringiu em 94,8% os recursos liberados
por esta fonte. Apesar disso, as autoras observam que dentro do SNCR as fontes
tradicionais se mantiveram como principais fornecedoras de crédito entre 1987 e 2003,
principalmente através dos recursos captados pelas exigibilidades junto aos bancos
múltiplos e comerciais.
80000
em R$ milhões
60000
40000
20000
0
1987 1989 1990 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
22
Foram extintos e substituídos pelos Fundos de Investimento Financeiro (FIF).
23
Medida de saneamento dos gastos e ajuste das contas públicas.
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O novo padrão de financiamento do setor agrícola brasileiro
As novas fontes de recurso não suprimiram a queda no crédito disponibilizado
pelo governo federal ao setor agropecuário. Além dos planos de estabilização com
arrochos orçamentários a proposta de uma nova institucionalidade para o financiamento
agrícola planejava corrigir as distorções do crédito oficial, marcado por grandes
desequilíbrios na distribuição em termos pessoais, regionais e setoriais. Além disso, é
preciso considerar que o início dos anos 90 simboliza um reforço do viés liberalizante
da economia brasileira, apresentando o sistema de mercado como alternativa mais
coerente com a nova realidade. Para Carvalho (2000) a proposta era transferir a oferta
de crédito às atividades mais integradas agribusiness ao setor privado, diminuindo a
dependência ampla dos recursos oficiais.
Em meados da década de 90, o decréscimo dos recursos financeiros aplicados
via crédito evidenciava a intenção do setor público em reduzir sua participação direta e
apoiar a idéia do financiamento agrícola através de parceria com o setor privado.
Rezende (2003) afirma que a restrição do crédito oficial serviu como alerta, tanto para a
agricultura, como as indústrias a montante e a jusante, para elaboração de alternativas
de financiamento do setor agrícola. Segundo o autor, novos mecanismos deveriam
possibilitar que a produção e a negociação fossem realizadas com envolvimento direto
da indústria e do comércio, “já que são eles, e não o setor agrícola, que podem ter acesso ao
mercado financeiro e aos mecanismos de bolsas de mercadorias” (REZENDE, 2003, p. 207).
A busca de correção do trade off entre a demanda e a oferta de crédito para o
setor agrícola deu origem às fontes de financiamento fora do SNCR, que compõe o
chamado crédito informal. Belik e Paullilo (2001) enfatizam que, no momento em que o
sistema oficial não mais assegura o financiamento necessário à agricultura integrada,
uma parte dos recursos passa a ser alavancada por grupos não agrários (principalmente a
indústria), constituindo mecanismos de financiamentos que não são regulados
diretamente pelo Estado. Nesse ambiente de crédito informal, destacam-se o contrato de
compra e venda de “soja verde”, os títulos privados, certificados de negociação em
bolsas de mercadorias e a troca de insumos por produtos utilizados nas agroindústrias.
As principais fontes alternativas de financiamento são apresentadas no quadro2.
24
A CPR é um título emitido por produtores rurais e cooperativas, que possibilita a venda antecipada da
produção, com a finalidade de captar recursos para o custeio da safra, principalmente a aquisição de
insumos agrícolas. Esse título é adquirido, financiado ou avalizado por uma instituição financeira idônea,
o que reforça o compromisso do emititente com a entrega futura da mercadoria na quantidade, qualidade
e local especificado.
25
O Valor do título na data de sua liquidação é determinado pela multiplicação da quantidade
especificada do produto pelo preço de referência informado por uma instituição legítima, com divulgação
periódica e de fácil acesso pelas partes contratantes.
26
A negociação no mercado a termo é bastante flexível, permitindo a utilização de preços
preestabelecidos ou preços variáveis, pagamento antecipado ou no momento de entrega no produto. De
acordo com Azevedo (2001) o mercado a termo ganhou notoriedade no sistema agroindustrial brasileiro
com o mecanismo de soja verde, que compreende a compra antecipada dessa mercadoria pela
agroindústria, cooperativa ou corretores. Trata-se portanto, de um contrato para entrega futura de um
produto ainda em processo de produção.
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A mesma lei27 que instituiu a CPR-F criou uma linha de crédito para renovar a
frota nacional de máquinas agrícolas, o MODERFROTA28, parte de um conjunto de
programas do Ministério da Agricultura e Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES) que conta com recursos de FAT para financiar os
investimentos de cooperativas e agricultores. De acordo com Wedekin (2005) entre
1998 e 2003 o Ministério da Agricultura lançou 16 programas que trouxeram nova
perspectiva ao investimento na agricultura, eliminando a correção monetária e adotando
taxas de juros fixas ( entre 8,75 e 12,75 % ao ano), com longo prazo de amortização (5 a
12 anos) e equalização de encargos feita pelo Tesouro Nacional.
31
Esses preços eram utilizados para definir a colocação de estoques públicos no mercado.
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Milho 1.390,9 9.414,6 489,5 5.404,5
_ _
Soja 3.023,4 3.012,1
Total 3.362,3 15.718,2 1.456,0 10.034,9
Fonte: Rezende (2003)
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criados para viabilizar a transferência da produção de regiões com excesso para regiões
com déficit em oferta de produtos agrícolas. O COVPA veio para substituir o EGF-
COV mantendo a garantia de preços mínimos, sem que isso esteja associado a
mobilização imediata de recursos como acontece com AGF e EGF. O quadro 3
apresenta uma síntese dos novos instrumentos suas finalidades e o modelo de
funcionamento.
2CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A discussão ao longo desse ensaio leva-nos a conclusão de que as reformas da
economia brasileira trouxeram profundas alterações na formulação de políticas
específicas e no ambiente institucional do sistema agroindustrial. A retirada gradativa
do sistema público e a desregulamentação das funções de crédito, garantia de preços,
pesquisa, assistência técnica vai reorganizando as cadeias de produção, criando novos
arranjos entre o setor produtivo e os mecanismos de regulação estabelecidos pelo
mercado. O novo modelo repercutiu de forma diferenciada entre os segmentos do setor
produtivo causando maior impacto ao segmento não integrado, que dificilmente se
enquadra no padrão seletivo para utilização dos recursos disponíveis no mercado. Por
outro lado, o maior envolvimento da iniciativa privada trouxe alívio às contas públicas,
uma vez que boa parte do financiamento utilizado pela agricultura empresarial vem
sendo ofertada pelo setor privado.
O estreitamento do vínculo entre a agricultura, indústria, comércio e,
recentemente o setor financeiro, criou novas oportunidades de crédito e mecanismos
contratuais de compra e venda, definindo maior estabilidade de preços e menor
necessidade de intervenção pública. Essas transformações também modificaram os
canais de relacionamento entre os segmentos do setor agrícola, minimizando alguns
conflitos e trazendo funções inéditas para as organizações que representam esses
agentes, procurando definir um novo padrão de coordenação para o setor agrícola, com
mecanismos de governança que contribuam para a consolidação das melhores
estratégias de inserção do agronegócio brasileiro no padrão internacional de
competitividade.
3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CARVALHO, F. M. A. de. Crédito rural no Brasil: evolução, resultados e perspectivas.
In: SANTOS, M. L. dos; VIERIA, W da C. Agricultura na virada do milênio: velhos
e novos desafios. Viçosa: Suprema, 2000. p. 77-91. 458p.
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REZENDE, G. C. Estado, macroeconomia e agricultura no Brasil. Porto Alegre:
Editora da UFRGS/ IPEA, 2003. 246p.
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