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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Gabriel Abílio de Lima Oliveira

Diogo Antônio Feijó e Romualdo Antônio de Seixas: regalistas e romanizados na


formação do Estado nacional brasileiro (1820-1840)

Belo Horizonte
2018
Gabriel Abílio de Lima Oliveira

Diogo Antônio Feijó e Romualdo Antônio de Seixas: regalistas e romanizados na


formação do Estado nacional brasileiro (1820-1840)

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História – Tradição e Modernidade da Universidade
Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para
a obtenção do título de Doutor em História.

Orientador: Prof. Dor. Luiz Carlos Villalta

Linha de Pesquisa: História e Culturas Políticas

Belo Horizonte
2018
981.04
L732d
2018 Lima Oliveira, Gabriel Abílio de.
Diogo Antônio Feijó e Romualdo Antônio de Seixas
[manuscrito]: regalistas e romanizados na formação do
Estado nacional (1820-1840) / Gabriel Abílio de Lima
Oliveira. - 2018.
268 f.
Orientador: Luiz Carlos Villalta.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas


Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
Inclui bibliografia

1. História – Teses. 2. Feijó, Diogo Antônio, 1784-1843.


3. Seixas, Romualdo Antônio de, 1787-1860. 4. Estado
nacional – Teses. I. Villalta, Luiz Carlos, 1962- . II.
Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.
À minha avó,
Odília de Castro Silva,
vovó Dica,
que permanece no incessante sonho de justiça
e nos descuidos da felicidade.
AGRADECIMENTOS

Em tempos de ataques frontais à consolidação de um vigoroso projeto de Educação


Pública, gratuita e de qualidade, a conclusão de uma tese de doutorado torna-se um ato de
resistência. Diante dos obstáculos enfrentados por aquelas e aqueles que tomam para si a
responsabilidade pelo desenvolvimento científico-tecnológico do país, dedicar-se à pesquisa,
buscando torná-la indissociável do ensino e da extensão, é retomar o horizonte freiriano de uma
“postura ético-democrática”. Contra o espectro do medo e da incerteza, perverso genitor do
“mal estar” que por ora engendra nossos auspícios civilizacionais, faz-se um “imperativo
categórico”, um dever moral, prestar a devida gratidão e o devido afeto a todas e a todos que
tornaram possível a conclusão da tese aqui apresentada.
Em primeiro lugar, agradeço ao Prof. Luiz Carlos Villalta. Agradeço por uma orientação
pautada pelo respeito e pelo acolhimento. Durante todo o tempo, o Prof. Villalta mostrou-se
solícito com relação ao apoio intelectual e material necessário para o desenvolvimento do
trabalho. Crítico e rigoroso, trouxe raros ensinamentos sobre o ofício de historiador.
Democrático e humanista, fortaleceu uma relação saudável entre o tempo do pesquisador e o
espaço da pesquisa. Sem sua impecável orientação, o trabalho que ora se apresenta não teria
sido possível. Ao Prof. Villalta, um abraço fraterno.
Agradeço aos queridos mestres da Universidade Federal de São João del-Rei/UFSJ,
onde me formei historiador, que agora participam da conclusão de mais uma etapa. Ao Prof.
Danilo Ferretti, amigo e orientador, sempre disponível para o café com instigantes diálogos. Ao
Prof. Wlamir Silva, companheiro de polêmicas e discordâncias, imbatível cervejeiro. Aos
mestres, a gratidão por todo o apoio ao longo desses anos.
Agradeço ao Prof. Luís Frederico Dias Antunes, que me orientou durante o estágio
doutoral na Universidade de Lisboa e agora participa da defesa. Sua acolhida em Portugal
possibilitou-me uma inserção eficiente na dinâmica de trabalho da Universidade e dos centros
de pesquisa. Lembro-me com saudades das conversas no Campo Grande e na Alfama.
Agradeço ao Prof. Alexandre Mansur Barata. Há alguns anos, ainda na minha
qualificação de mestrado, o Prof. Alexandre Barata levantou a pertinência de um estudo mais
aprofundado sobre as correntes político-eclesiológicas e sua relação com o processo de
formação e consolidação do Estado nacional. É uma satisfação inenarrável ouvir seus
apontamentos no momento da conclusão da tese.
Agradeço também à Profa. Andéa Lisly, por participar da defesa e contribuir com seus
apontamentos que certamente serão fundamentais para o aprofundamento das reflexões sobre
o Império brasileiro e o mundo luso-brasileiro.
Agradeço à CAPES pela bolsa de pesquisa concedida no Brasil e no âmbito do Programa
de Doutorado-sanduíche no Exterior. Ficam aqui os votos pelo progressivo fortalecimento de
uma instituição cujo protagonismo tem sido fundamental para o desenvolvimento científico e
tecnológico brasileiro.
Durante os anos de doutorado, docentes, discentes e funcionários da Universidade
Federal de Minas Gerais, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e, em especial, do
Programa de Pós-Graduação em História, compuseram uma equipe essencial ao cumprimento
dos trabalhos. Ao longo do Seminário de Tese, a Profa Kátia Gerab Baggio e os companheiros
de turma levantaram reflexões instigantes sem as quais perder-se-iam problemáticas centrais da
pesquisa. Prazeroso e frutífero foi revisitar os temas mais importantes da política e da cultura
na Grécia Antiga com as aulas magistrais do Prof. José Antônio Dabdab Trabulsi. Na Ciência
Política, as disciplinas ministradas pelo Prof. Juarez Guimarães sedimentaram um repositório
ímpar de reflexões sobre o Republicanismo, o Liberalismo e o Pensamento Social e Político
Brasileiro. Na Secretaria do PPGHIS, Edilene, Maurício e Gustavo foram sempre solícitos e
eficientes. Na Coordenadoria, o Prof. Douglas Átila e o Prof. José Newton prontamente
mobilizaram-se para resolver pendências burocráticas emergenciais e disponibilizar recursos
para congressos e pesquisa. Nas bibliotecas, livrarias e restaurantes da UFMG, pude sempre
contar com a presteza de trabalhadoras e trabalhadores muitas vezes submetidos à perversidade
das terceirizações. A todas e a todos que fazem pulsar organicamente a UFMG, e a
Universidade Pública brasileira, meus sinceros agradecimentos.
A conclusão da tese aqui apresentada ocorreu na esteira de algumas andanças. Em Belo
Horizonte, Denis, Fernanda e Ítalo foram anfitriões a quem devo agradecer pela gentil
hospitalidade. Na capital mineira, fortaleceu-se ainda uma já longeva parceria musical, poética
e literária com Arley Salgado, Guilherme Claudino e Marco Antônio, sócios fundadores da
estimada Associação Recreativa dos Acadêmicos do Bloco Trilili. Não raro, o cansaço das
viagens pelas vias metropolitanas tornava-se fôlego novo ao encontrar os colegas de trabalho e
os estudantes na Universidade Federal de Viçosa/Campus Florestal. Na reta final, as pesquisas
no Rio de Janeiro foram possíveis graças à recepção do Pedro Belchior e à presteza dos
funcionários da Biblioteca Nacional, onde pude consultar os arquivos em meio aos mais que
necessários reparos. A todos os amigos e amigas, muito obrigado.
Atravessando o Atlântico, a saga historiográfica continuou durante o estágio doutoral
em Lisboa, onde também tive o privilégio de contar com a companhia de nobres mestres e
patrícios do mundo luso-brasileiro. No Centro de História da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, tive a preciosa ajuda do Prof. Hermenegildo Fernandes, do Prof. José
Brissos, da Profa Maria Alexandre Lousada e do Prof. Sergio Campos Mattos. Os funcionários
da Biblioteca Nacional de Portugal mostraram-se a todo momento solícitos, contribuindo para
uma eficiente dinâmica de trabalho. Agradeço especialmente à Paula Costa, da Biblioteca do
Instituto de Ciências Sociais, que me prestou auxílio com relação à bibliografia especializada,
mesmo após meu retorno ao Brasil. Agradeço também ao Rodrigo Freitas e ao João Neves pelo
companheirismo ao longo da estadia lisboeta. Por fim, em terras d’além mar, encontrei o
Thiago Mota, a Priscila Weber e o Jackson Vale, amizades brasileiras que fizeram ainda mais
enriquecedor e aprazível o período na Europa. A todos e a todas, um abraço fraterno e os votos
de vindouros reencontros.
Os anos de doutorado deixarão muitas saudades pela retomada das sociabilidades
intelectuais, políticas e culturais na estimada São João del-Rei, a “Nápoles de Minas”, na feliz
expressão de Bernardo Guimarães. Agradeço ao camarada Ageu Mazilão, pela amizade
fortalecida ao longo desses anos de taberna e de República, durante os quais pude aprender
sobre a pátria latino-americana. Ao Prof. Afonso de Alencastro, agradeço pelo auxílio sempre
que o tema da economia aparece. Pude contar também com a ajuda do Prof. Luiz Francisco, em
auspiciosas conversas sobre as Luzes. Agradeço aos companheiros e companheiras dos círculos
republicanos, Alex Lombello, Eni Silva, Denise Nascimento, Rafael Senra, Rafael Soares e
Ubiratan Rodrigues, além dos bichanos assistentes de pesquisa, Charlie (in memoriam) e Omar.
Agradeço também aos amigos do saudoso Trio Aguardente, Marcelo Crisafuli e Ciro Canton.
Voltar a São João é preciso.
Não poderia deixar de agradecer à minha família, “o primeiro modelo das sociedades
políticas”. Faltam-me as palavras para agradecer à minha mãe, Ana Geralda, por todo o
ensinamento, por todo o aprendizado afetivo, político, ético, social, cultural e humano, pelo
respeito cultivado e cada vez mais intenso, pelo amor. À minha irmã, Isabella, agradeço pela
compreensão e pelo carinho, pelos sorrisos e pelas discordâncias que nos fazem crescer cada
vez mais unidos. Ao meu pai, Pedro, agradeço pela força que emana de sua personalidade, ainda
que, por vezes, haja grandes vagas de denso silêncio. Às minhas tias, Zulmira e Terezinha, pela
preocupação e por todo o apoio recebido de coração.
Agradeço à querida Flávia Borges, pela amizade e pelo companheirismo, por
compartilhar comigo a crítica em tempos de crise e o amor em tempos de cólera.
Agradeço, por fim, à minha avó, Odília de Castro Silva, vovó Dica, a quem dedico este
trabalho. Pouco antes de partir, vovó, que sempre foi uma referência de sabedoria, atentou-me
para um grande ensinamento de ofício: “não é para falar mal da Igreja!” Fica aqui o anseio de
um trabalho pautado pela análise rigorosa e comprometido com a objetividade da epistemologia
historiográfica.
Lá vai o padre,
atravessa o Piauí, lá vai o padre,
bispos correm atrás, lá vai o padre,
lá vai o padre, a maldição monta cavalos telegráficos,
lá vai o padre lá vai o padre lá vai o padre,
diabo em forma de gente, sagrado.

Na capela ficou a ausência do padre


e celebra a missa dentro do arcaz.
Longe o padre vai celebrando vai cantando
todo amor é o amor e ninguém sabe
onde Deus acaba e recomeça.
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, Lição de Coisas, O padre e a moça).

Há três espécies de déspota. Há o que tiraniza o corpo. Há o que tiraniza a alma. Há o


que tiraniza o corpo e a alma. O primeiro chama-se Príncipe. O segundo chama-se
Papa. O terceiro chama-se Povo.
(OSCAR WILDE, A alma do homem sob o socialismo).
RESUMO

Atentando para a histórica heterogeneidade da formação intelectual e da ação política dos


representantes da hierarquia eclesiástica e de seus interlocutores, o presente trabalho
privilegiará o estudo de duas tendências político-eclesiológicas que começaram a se esboçar no
Primeiro Reinado e intensificaram seus embates durante as Regências. Cada uma dessas
tendências, na cena pública, teve suas lideranças nas figuras de dois importantes sacerdotes,
protagonistas do processo aqui analisado, nomeadamente, o paulista Diogo Antônio Feijó,
regente do Império brasileiro, e D. Romualdo Antônio de seixas, arcebispo da Bahia. Diogo
Feijó e Romualdo Seixas produziram um vasto e multifacetado repertório intelectual e
projetaram-se no cenário político coevo. No que se refere às balizas cronológicas da tese,
consideram-se fundamentais as duas primeiras décadas da formação do Estado nacional
brasileiro. Durante o referido período, assistiu-se à ascensão do clero regalista liderado por
Feijó, juntamente com o grupo político liberal moderado e também ao dissenso no seio desse
grupo. Entre as duas alas formadas no interior dos moderados, divergências incontornáveis
tornaram-se evidentes e alimentaram o Regresso conservador. Esse movimento contou com a
liderança de Bernardo Pereira de Vasconcelos, tendo a seu lado D. Romualdo Seixas e outras
personalidades ligadas ao clero contrarrevolucionário, ortodoxo e romanizado. O político
mineiro e o sacerdote paraense estavam entre os protagonistas da ferrenha oposição
empreendida, a partir do Legislativo, à regência de Diogo Antônio Feijó. Subsequente às
reformas do Ato Adicional de 1834, a ofensiva regressista foi fundamental para a consolidação
do núcleo político Saquarema e para a gênese do Partido Conservador.

Palavras-chave: Diogo Antônio Feijó. Romualdo Antônio de Seixas. Regalistas. Romanizados.


Estado nacional.
ABSTRACT

Paying attention to the historical heterogeneity of intellectual formation and to the political
action of the ecclesiastical hierarchy’s representatives and their partners, this work will
privilege the study of two political and ecclesiological tendencies that began to draft in the First
Kingdom and intensified their disputes during the Regencies. Each of these trends had priests
at its leadership in the public sphere, namely, Regent Diogo Antônio Feijó, regent of the
Brazilian Empire, and Archbishop Romualdo Antônio de Seixas. Feijó and Romualdo produced
a vast intellectual repertoire and projected themselves on the coeval political scene. Concerning
the chronological beacons of this work, the first two decades of the formation of the Brazilian
national State are considered fundamental. That period witnessed the rise of the regalist clergy
led by Feijó, along with the moderate liberal political group and also the dissension within this
group. Between the two wings formed within the moderates, uncontrollable divergences
became evident and nourished the conservative Regress. This movement had the leadership of
Bernardo Pereira de Vasconcelos, having at his side D. Romualdo Seixas and other personalities
linked to a counterrevolutionary, orthodox and Romanized clergy. Vasconcelos and Romualdo
were among the protagonists of the fierce opposition undertaken to the regency of Diogo
Antônio Feijó. Subsequent to the reforms of the Additional Act of 1834, the regressive
offensive was fundamental to the creation of the Saquarema’s political nucleus and to the
genesis of the Conservative Party.

Keywords: Diogo Antônio Feijó. Romualdo Antônio de Seixas. Regalists. Romanized. Nation-
States.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 14

1 ENTRE O ANTIGO REGIME E A REVOLUÇÃO: A NACIONALIZAÇÃO DA


RELIGIÃO E A SACRALIZAÇÃO DO ESTADO NACIONAL 41

1.1 Igreja e Estados nacionais em Europa e América: Revolução, Contrarrevolução e


Independência 44

1.2 O mundo luso-brasileiro 49


1.2.1 Religião e soberania: o caipira e o cortesão 52
1.2.2 No Brasil: a religião e a esfera pública 56

2 DIOGO ANTÔNIO FEIJÓ: JANSENISMO, ILUSTRAÇÃO E DISCIPLINA


ECLESIÁSTICA 68

2.1 O jansenismo e os padres do Patrocínio 69

2.2 Ecletismo, Ilustração, jusnaturalismo e liberalismo 80

2.3 Secularização, anticongregacionismo e disciplina eclesiástica 94

3 D. ROMUALDO ANTÔNIO DE SEIXAS: PADROADO, REGALISMO E


ORTODOXIA 107

3.1 O Grão-Pará e o Império luso-brasileiro 108

3.2 O trono e o altar: Contrarrevolução, conservadorismo e ultramontanismo 119

3.3 Romanização e resistências ao regalismo liberal 139

4 OS REGALISTAS LIBERAIS E A MODERAÇÃO 149

4.1 Moderados, sacerdotes e seculares 149

4.2 A Aurora Fluminense e o reformismo regalista liberal 163

4.3 O juste-milieu liberal moderado contra a restauração e o jesuitismo 178


5 REGRESSISTAS E ROMANIZADOS: REAÇÃO E RESTAURAÇÃO 196

5.1 Vasconcelos e o catolicismo 196

5.2 O Sete d’Abril e a ortodoxia romana 209

5.3 Origens do ultramontanismo 235

CONCLUSÃO 243

FONTES PRIMÁRIAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 246


14

INTRODUÇÃO

A importância do catolicismo para a história política do Ocidente euro-americano


tornou-se incontestável, seja no âmbito jurídico-institucional, seja no campo das correntes
filosóficas e políticas, e mesmo nas formas de compreensão da retórica do poder nas sociedades
de maioria cristã. No Brasil, desde os tempos da Colônia, a interseção dos domínios dos poderes
civil e eclesiástico foi parte constitutiva da dinâmica social.1 Essa indissociabilidade perpassou
os séculos, implicando diferentes conflitos e acomodações que se manifestaram sob os
auspícios do regime do Padroado, característico aos impérios católicos modernos da Europa,
cuja percepção de legitimidade do poder monárquico emanava de uma natureza dupla, política
e religiosa.2
Em Portugal, o contrato do Padroado foi legitimado em 1418, quando João I (1357-
1433) tornou-se detentor do priorado da Ordem de Cristo, que fora erguida sobre a extinta
Ordem dos Templários. Sobre todo o Império Ultramarino português, conferiu-se ao monarca
lusitano um amplo espectro de atribuições político-eclesiásticas que o autorizavam “a indicar
os candidatos a todos os benefícios e cargos dos cleros secular e regular, a impor censuras e
outras penalidades eclesiásticas e a exercer os poderes de um ordinário nos limites de suas
jurisdições”.3 O Padroado fortaleceu a aliança e fomentou conflitos entre o Estado português e
a Sé romana, pois “de uma simples concessão da Santa Sé, se transformou em tutela permanente
do direito majestático, exercido pelos reis”.4 Estruturaram-se, desse modo, uma extensa
arquitetura de poder e um catolicismo de características peculiares,5 envolvendo o
protagonismo de um heteróclito clero secular, agindo em nome do Estado português, e do clero
regular, em sua rígida hierarquia e seu dever de obediência a poderes estrangeiros.

1
Uma análise profícua sobre a relação entre as instituições do Estado absolutista português e a Igreja é a de Caio
Boschi: BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder. São Paulo: Ática, 1986. Sobre os trabalhos mais recentes que
abordam a história da Igreja no Brasil Colônia, ver: FEITLER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales (Orgs.). A Igreja
no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Editora Unifesp, 2011.
2
AZEVEDO, Tales de. Igreja e Estado em tensão e crise: a conquista espiritual e o padroado na Bahia. São Paulo:
Ática, 1978, pp. 11-14.
3
Ibidem, p. 26.
4
DORNAS FILHO, João; AZEVEDO, Fernando de. O padroado e a Igreja brasileira. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1938, p. 17.
5
Roger Bastide comparou o catolicismo na Espanha e em Portugal, considerando o culto luso “mais flexível e
humano”. Para Bastide, era uma religião influenciada pelos “Mouros” e “atenuada pela sensualidade Norte-
Africana e pela voluptuosidade Muçulmana”, mas que ao mesmo tempo “plasmou o lugar dos santos da
Reconquista”. Nos engenhos brasileiros, entre a capela e o capelão, formou-se um “Catolicismo familiar”
desprovido da “inflexibilidade do dogma” e do “puritanismo da conduta”. A própria Igreja católica foi permeada
pelo “Catolicismo privado” que não se limitou aos rincões do “sertão” e alcançou as cidades do litoral. Ver:
BASTIDE, Roger. Religion and the Church in Brazil. In: SMITH, T. Lynn. Brazil portrait of half a continent.
New York, USA: The Dryden, 1951, pp. 334-336 e 340. (Tradução nossa).
15

Não se deve negar que o regime do Padroado pressupunha a aquiescência da Igreja no


sentido da execução de competências eclesiásticas por parte do monarca, com destaque para a
nomeação dos bispos e para a cobrança do dízimo. Ao mesmo tempo, o acordo em questão
garantia o compromisso de expansão da fé católica nas terras recém-conquistadas. Apesar das
concessões ao poder régio, Roma não abriria mão de buscar fortalecer sua potestade, sobretudo
a partir das decisões da alta hierarquia e da diáspora missionária que se estabeleceu em âmbito
global na Idade Moderna, tendo no Brasil seu maior exemplo na ação da Companhia de Jesus,
um dos trunfos do catolicismo diante dos ares contestatórios trazidos pela Reforma protestante.6
Por outro lado, Portugal, Espanha e França, as principais monarquias católicas da Idade
Moderna, afirmariam seu poder perante a Santa Sé através do apelo ao regalismo e suas
variantes, o que teria significativo impacto nos domínios coloniais, sobretudo no que dizia
respeito aos limites entre as competências civil e eclesiástica estabelecidos pelo Padroado.
Em estudo sobre o caso português, Zília Osório de Castro caracterizaria o regalismo
como a “supremacia do poder civil sobre o poder eclesiástico, decorrente da alteração de uma
prática jurisdicional comumente seguida ou de princípios geralmente aceites, sem que haja uma
uniformidade na argumentação com que se pretende legitimá-lo”.7 O poder régio era fortalecido
a partir da interpretação e da apropriação de uma lei estabelecida, aproveitando-se de brechas
na complexa arquitetura jurídica que tinha por base a monarquia, atrelada institucional,
simbólica e materialmente, ao poder religioso. Se o regalismo teve forte apelo no interior das
monarquias absolutistas da Idade Moderna, suas referências políticas, doutrinárias e filosóficas
remontavam a diferentes espaços e temporalidades. Apelava-se à tradição conciliarista do final

6
Apesar das ainda hoje evidentes heterodoxias gestadas a partir catolicismo colonial luso-brasileiro, cumpre
sopesar a perspectiva de um vazio no que dizia respeito ao apelo às ortodoxias doutrinais e disciplinares da religião
católica apostólica romana. Desde o século XVI, sobretudo pela ação da Companhia de Jesus, a diáspora
missionária capitaneada pelo clero regular implicou esforços no sentido de ventilar os valores da Contrarreforma.
No início do século XVIII, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas pelo arcebispo D.
Sebastião Monteiro da Vide (1643-1722), deram novo fôlego à aplicação dos dispositivos disciplinares do Concílio
de Trento. Dentre as principais iniciativas controladas pelas normas tridentinas e sinodais estariam o provimento
de cargos eclesiásticos, a administração dos sacramentos, além do controle do clero e dos fiéis através das visitas
pastorais. Com efeito, havia barreiras, algumas delas interiores à própria hierarquia eclesiástica, à aplicação e
manutenção de um catolicismo cioso das prerrogativas da Sé romana, mas havia também uma estrutura política,
administrativa, pedagógica, econômica e jurídica formada com o imprescindível auxílio das ordens regulares e da
Santa Sé. Ver: FEITLER, Bruno. Quando chegou Trento ao Brasil? GOUVEIA, Antônio Camões, BARBOSA,
David Sampaio, PAIVA, José Pedro (coord.). O Concílio de Trento em Portugal e nas suas Conquistas: Olhares
Novos. 1 ed. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa, 2014, pp. 157-173; LIMA, Lana Lage da Gama. As
constituições da Bahia e a reforma tridentina no clero no Brasil. In: FEITLER, Bruno & SOUZA, Evergton Sales
(Orgs.). A Igreja no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011, pp. 147-178.
7
CASTRO, Zília Osório de. Antecedentes do regalismo pombalino: O padre José Clemente. Estudos em
homenagem a João Francisco Marques. Porto, vol. 1, pp. 323-331, Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
2001, p. 323.
16

da Idade Média, herdeira da visão aristotélica segundo a qual o sacerdócio era parte constituinte
do exercício da cidadania em uma societas perfecta, “uma corporação independente e
autônoma”. A tese central do conciliarismo consistia na busca da legitimidade do poder pelas
“mãos do concílio geral” que, por sua vez, seria “a assembleia representativa dos fieis”.8 A
partir do questionamento de certa natureza despótica do poder papal, as bases seculares da
matriz constitucionalista eram lançadas.
A referência conciliarista estaria ligada à própria gênese da Reforma protestante,
movimento que também teria entre as principais questões de fundo a demanda pela autonomia
do poder civil perante o poder religioso. Desse modo, o catolicismo enfrentaria diferentes focos
de resistência à expansão de seu poder. Diante de tais afrontas, na Contrarreforma cresceu a
preocupação da Cúria romana em relação ao espaço que as novas heresias haviam conquistado
na Europa e, por conseguinte, nos territórios que viriam a ser dominados, por exemplo, pela
Inglaterra, que consolidava o anglicanismo. Entretanto, os esforços engendrados pelo Concílio
de Trento (1545-1563), resgatando o tomismo em contraposição às teses luteranas,9 não
impediram o recrudescimento do amplo espectro de oposições à noção de plenitudo potestatis
papal nos territórios onde a religião católica apostólica romana figurava como a crença oficial.
Na França do século XVII, a afirmação das teses postulantes da insubmissão ao poderio
da Igreja romana foi sintetizada no galicanismo, cujo principal expoente foi o bispo de Meaux,
Jacques Bossuet (1627-1704). Em face de um precedente de tensões entre a Igreja e o Estado
monárquico francês e diante das querelas entre Luís XIV (1643-1715) e o papa Inocêncio XI
(1676-1689), Bossuet redigiu a Declaração dos Quatro Artigos (1682). Tais diretrizes
reafirmavam a supremacia do poder do soberano perante o eclesiástico, formando a “Carta do

8
A defesa do domínio do sagrado como parte integrante do poder civil remontava a uma concepção sócio-política
e jurídica da própria Grécia Antiga. Aristóteles, em seu clássico A Política, insere os ministros e o sacerdócio entre
os “Elementos necessários à existência da cidade”, demarcando a proeminência do político sobre o religioso, do
civil sobre o eclesiástico. Aristóteles teve recepção e apropriação entre os precursores do conciliarismo, que
chegariam a conceber a própria Igreja como dotada de um mecanismo constitucional mais legítimo que a vontade
do Sumo Pontífice. Desse modo, Marsilio de Pádua (1280-1343?) defendeu a superioridade do Concílio sobre o
papa. Guilherme de Occam (1285-1347) postulava a descentralização do poder no interior da Igreja, concebendo-
a como congregatio fidelium e, no limite, questionava a consubstanciação entre as esferas civil e eclesiástica.
Contudo, o principal nome da tradição conciliarista foi o pensador, educador, reformador e poeta Jean Gerson
(1363-1429), o qual protagonizou oposição aos defensores da plenitudo potestatis papal, no contexto do Grande
Cisma do Ocidente (1374-1417). Ver: ARISTÓTELES. A política. São Paulo: Martins Fontes, 2006, pp. 95-102;
AMES, José Luiz. Marsílio de Pádua, precursor do Estado moderno. In: LOPES, Marcos Antônio (Org.). Grandes
nomes da História Intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, pp. 194-203. CULLETON, Alfredo. A filosofia política
de João Gerson e o debate sobre a autonomia e os limites dos poderes. Veritas. Porto Alegre, v. 59, n. 3, set.-dez.,
pp. 469-488, 2014; SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996, pp. 394-403.
9
SKINNER, Quentin. Op. cit., pp. 422-425.
17

Galicanismo”, prescrita pelas autoridades políticas e estudada nas faculdades de teologia.10 Se


as ofensivas regalistas de oposição ao poder papal foram deveras proeminentes na França, seus
valores não deixariam de alcançar as terras portuguesas.
Durante o século XVIII, rompido “o dique escolástico e barroco”,11 o processo de
sucessivos ataques à Roma forneceu precedentes para o fortalecimento do poder da monarquia
portuguesa e acabou alimentando práticas que iriam além do que estivera posto no contrato do
Padroado, fazendo colidir as competências e demarcando fronteiras políticas: “Na Península
Ibérica as práticas regalistas encontraram até mesmo amparo nos direitos de Padroado
conferidos pela Santa Sé aos reis da Espanha e de Portugal.”12 Assim, o regalismo implicava
uma reconfiguração das bases do Padroado e da capilaridade do poder da Sé em toda a extensão
do Império marítimo português. A ofensiva de Sebastião José de Carvalho e Mello, agraciado
com os títulos de conde de Oeiras e marquês de Pombal, ministro de D. José I, reinante entre
1750-1777, sobre os poderes de Roma foi um exemplo cabal do alcance do regalismo em
Portugal.13 Uma das principais manifestações dessa afirmação do poder régio sob o
Reformismo Ilustrado de Pombal foi o alcance do episcopalismo, revelando a importância dos
bispos como agentes políticos do rei e manifestando a autonomia da monarquia portuguesa no
que se referia às questões de foro eclesiástico.14
Na esteira da centralização jurídica e administrativa empreendida a partir das reformas
pombalinas, novas perspectivas políticas e econômicas “se manifestaram no bojo da crise do
Antigo Regime”, com a “crise do sistema colonial”.15 Para essa dinâmica de rupturas,
permeadas por resistências, teve papel fundamental a Revolução Francesa, cuja relação com a
Igreja e a religião foi central para a reconfiguração das tensões políticas envolvendo o clero e o
lugar do sagrado no interior de muitos Estados nacionais, incluindo Portugal e Brasil.16 A
herança secular revolucionária seria combatida pelas investidas da contrarrevolução em que os

10
BOBBIO, Norberto. Dicionário de politica. Brasília: UnB, 1986, p. 533.
11
FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo:
Ática, 1982, p. 340.
12
AZZI, Riolando. A crise da cristandade e o projeto liberal. São Paulo: Edições Paulinas, 1991, p. 138.
13
BOXER, Charles. O Império marítimo português (1415-1825). Lisboa: Edições 70, 1969, p. 229; VILLALTA,
Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as Luzes: reformas, censura e contestações. Belo
Horizonte: Fino Traço, 2015.
14
O episcopalismo consistia fundamentalmente na noção de que episcopado não deveria estar sob a jurisdição do
Sumo Pontífice, possuindo os bispos autonomia em matéria de exercício do seu poder sem a anuência da Sé
romana. Ver: CASTRO, Zília Osório de. Op. Cit., p. 328; PAIVA, José Pedro. Os bispos de Portugal e do Império,
1495-1777. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2006, pp. 171-213; SANTIROCCHI, Ítalo
Domingos. Questão de Consciência: os ultramontanos no Brasil e o regalismo do Segundo Reinado (1840-1889).
Belo Horizonte: Fino Traço, 2015, p. 50.
15
NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Hucitec, 1989, p. 13.
16
VILLALTA, Luiz Carlos. O Brasil e a crise do Antigo Regime português (1788-1822). Rio de Janeiro: FGV
Editora, 2016, pp. 45-95.
18

partidários da Igreja tiveram protagonismo.17 Destarte, as cores e matizes do nascente


liberalismo constitucional engendravam múltiplas matrizes de pensamento – ilustradas,
adaptadas do medievo tardio e, no limite, relacionadas à própria história intelectual da Igreja e
de seus interlocutores.
Nas primeiras décadas do século XIX, as ideias e práticas que afirmavam o poder
temporal sobre os assuntos eclesiásticos, e os embates que as envolviam, tiveram um trânsito
intenso a partir das rotas transatlânticas que ligavam Portugal e Europa ao Brasil e à América.
No contexto da Independência e da formação do Estado nacional brasileiro, o Padroado lastreou
a relação Estado-Igreja, e o regalismo manifestou-se em seu cariz liberal. Assim, a
especificidade do Padroado brasileiro consistia em seu aspecto civil, que buscava legitimidade
nos direitos prescritos pela Constituição de um Estado confessional e não em “antigas
concessões pontifícias e nas tradições”.18 Nas duas primeiras décadas de formação do Estado
nacional, a atuação dos membros do clero foi fundamental, haja vista sua eminente capacidade
de organização e participação na vida política.19 Alteraram-se as relações estabelecidas entre a
Igreja e o Estado, bem como reconfiguraram-se os espaços que os agentes da religião ocupavam
na burocracia e na política de um modo geral.
Diante do exposto, atentando para a histórica heterogeneidade da formação intelectual
e da ação política dos representantes da hierarquia eclesiástica e de seus interlocutores, esta tese
privilegiará o estudo de duas correntes que começaram a se esboçar no Primeiro Reinado,
intensificaram disputas nas Regências e dialogaram com a formação dos grupos políticos
Liberal e Conservador. Cada uma dessas correntes teve, nas figuras de dois importantes
sacerdotes, igualmente protagonistas do processo aqui analisado, suas lideranças na cena
pública. À frente de tendências político-eclesiásticas opostas, estariam o paulista Diogo
Antônio Feijó e d. Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia, marquês de Santa Cruz.
Ao convergir, em suas produções, um vasto e multifacetado repertório intelectual, os referidos
sacerdotes protagonizaram acalorados debates na efervescente esfera pública oitocentista.

17
VOVELLE, Michel. A Revolução Francesa contra a Igreja: da razão ao ser supremo. Rio de Janeiro: Zahar,
1989, p. 25.
18
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Op. cit., p. 68.
19
Cumpre lembrar que em 1822, ainda durante a Regência de D. Pedro I, a lei eleitoral atribuía aos párocos a
função de realizar o censo dos indivíduos detentores dos direitos eleitorais. A partir de 1824, as próprias eleições
passaram a ser realizadas dentro da Igreja. A Assembleia Eleitoral de cada freguesia seria presidida pelo juiz de
fora ou ordinário com assistência do pároco, os quais comporiam a mesa eleitoral. O presidente e o pároco
indicariam dois secretários e dois escrutinadores a serem aprovados por aclamação. Ver: SANTIROCCHI, Ítalo
Domingos. Op. cit., pp. 86-90.
19

No que se refere às balizas cronológicas do trabalho, consideram-se fundamentais as


duas primeiras décadas da formação do Estado nacional brasileiro, cuja riqueza e complexidade
políticas foram abordadas com argúcia por Marco Morel.20 Durante o referido período,
ascendeu ao poder o clero regalista liderado por Feijó, cujos membros comporiam um
importante núcleo do grupo político liberal moderado. Com o recrudescimento dos dissensos
no seio da compósita moderação, divergências incontornáveis tornaram-se evidentes e
alimentaram o Regresso conservador. Este movimento significou uma “inflexão política de
grande envergadura”21 e contou com a liderança de Bernardo Pereira de Vasconcelos, tendo a
seu lado d. Romualdo Seixas. O político mineiro e o sacerdote paraense protagonizaram
ferrenha oposição, a partir do Legislativo e da imprensa, à regência de Diogo Antônio Feijó.22
Subsequente às reformas do Ato Adicional de 1834, a ofensiva regressista foi fundamental para
a criação do núcleo político Saquarema, sustentáculo dos Conservadores, além de empreender
uma reforma jurídica e político-administrativa que selou o primeiro momento de consolidação
das bases institucionais e constitucionais do Estado nacional brasileiro.23
De acordo com João Fagundes Hauck, após a Independência, Feijó e d. Romualdo
representariam dois “partidos” no clero brasileiro. Para Hauck, o padre regente estaria ligado a
um projeto de constituição de uma “Igreja nacional” e o primaz do Brasil, de um “clero
celibatário, mais ligado à Roma”.24 Oscar de Figueiredo Lustosa identificou, a partir da segunda
metade da década de 1820, o delineamento de uma primeira tendência política no interior da
Igreja que “pode ser classificada de regalista, nacionalista e liberal. Esta se manifesta muito
ativa entre 1826 e 1842 e é dirigida por um grupo de padres paulistas”.25 Desse grupo, Diogo
Antônio Feijó seria o líder, além de um dos principais articuladores. Na sequência, o autor
apresentou a segunda tendência que seria:

20
MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade
Imperial (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.
21
SILVA, Wlamir. Ser ou não ser liberal, eis a questão: a cisão da moderação mineira no contexto do Regresso
(1834-1837). Anais eletrônicos XVI encontro regional de história ANPUH-MG. Belo Horizonte, 2008, p. 1.
22
LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Chronistas e Atlantes: Justiniano José da Rocha, Firmino Rodrigues Silva e o
Regresso Conservador (1836-1839). 2013 (Dissertação de Mestrado em História) – UFSJ/DECIS. São João del-
Rei: 2013, pp. 84-109.
23
Sobre a direção política do grupo Saquarema, ver: MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema. São Paulo:
Hucitec, 2004, pp. 143-204. Sobre a questão da centralização, em detrimento da descentralização, a partir da figura
de um dos seus principais defensores e artífices, o visconde de Uruguai, ver: FERREIRA, Gabriela Nunes.
Centralização e descentralização no império: o debate entre Tavares Bastos e Visconde de Uruguai. São Paulo:
Editora 34, 1999, pp. 65-122.
24
HAUCK, João Fagundes. História da Igreja no Brasil: a Igreja no Brasil no século XIX – segunda época.
Petropolis: Vozes, 1992, p. 14.
25
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo (Org.) Reformismo da Igreja no Brasil Império: do celibato à caixa eclesiástica.
São Paulo: Loyola, 1985, p. 10.
20

a dos semi-regalistas (no início), “ultramontanos e conservadores” depois. Enquanto


dominam os “regalistas moderados”, essa tendência fica mais na defensiva. Quando
surgem, atuantes, os “ultramontanos e conservadores”, tomam a ofensiva e as iniciativas
de uma revitalização do catolicismo brasileiro (1844-1889).26

Se a composição e o protagonismo do clero regalista ocorreram justamente no contexto


a ser analisado pela proposta que ora se apresenta, os defensores de uma relação entre Igreja e
Estado mais afeita aos anseios romanos agiram, inicialmente, mais por oposição a certas
demandas, como o fim do celibato clerical. Karla Martins, seguindo os apontamentos de
Riolando Azzi e José Oscar Beozzo, apontou esta tendência como “tradicionalista”,
identificando seus membros com os “padres do alto clero, que queriam equilibrar-se na relação
com o Estado para garantir seus privilégios”.27 Já de acordo com Roberto Romano, tais clérigos
estariam na esteira de um movimento denominado “programa ultracatólico”, cujas principais
referências intelectuais seriam Joseph de Maistre (1753-1821), Louis de Bonald (1754-1840) e
Félicité de Lamennais (1782-1854),28 consistindo sua ação e seus valores fundamentais em:

romper o isolamento das sacristias e voltar a agir no tempo dessacralizado pela


modernidade (...); em assumir a prática cristã no interior do mundo, remediando os
abusos da sociedade civil racionalista, impondo limites ao Estado laico, modelando o
social segundo a ordem e a hierarquia do eterno, contra a história imanente, finita e
estranha à divindade.29

No Brasil, essa rearticulação contrarrevolucionária dos porta-vozes da Santa Sé


encontraria algumas dificuldades diante das práticas regalistas e dos costumes herdados de um
catolicismo colonial popular e heterodoxo. Por outro lado, em que pese a sobrevivência do
Padroado, do regalismo e das seculares heterodoxias religiosas, os precedentes históricos da

26
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo (Org.). Op. cit., p. 10.
27
MARTINS, Karla Denise. O sol e a lua em tempo de eclipse: a reforma católica e as questões políticas na
Província do Grão-Pará (1863-1878). 2001. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de
Campinas/Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, 2001, pp. 49-54.
28
Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840) foram duas referências fundamentais da
contrarrevolução que se ergueu diante dos conturbados ventos de 1789, ambos “doutrinadores” do “partido
ultramonarquista” que sustentou a restauração dos Bourbon iniciada na França em 1815. Félicité de Lamennais
(1782-1854) fez parte deste círculo de reação e da causa dos “ultras” durante um bom tempo, porém, foi
protagonista de uma trajetória política e intelectual conturbada. Após as jornadas de 1830 e a destituição dos
Bourbon, Lamennais incorporaria a defesa do liberalismo à sua visão de mundo, passando a advogar pela soberania
dos povos, ao mesmo tempo em que recusava a primazia do poder espiritual sobre o temporal. Suscitou a oposição
do governo francês e do papa Gregório XVI, que condenou por encíclica a obra Palavras de um crente, lançada
pelo filósofo em 1834. Sua tentativa de conciliar a teologia cristã com as liberdades revolucionárias rendeu-lhe
muitos inimigos, mas também uma obra de grande influência sobre a intelligentsia oitocentista na Europa e na
América. Sobre os autores em questão, ver: WINOCK, Michel. As vozes da liberdade: os escritores engajados do
século XIX. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2006, pp. 62-66 e pp. 173-191.
29
ROMANO, Roberto. Apresentação. In: LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Política e Igreja: o partido católico
no Brasil, mito ou realidade? São Paulo: Edições Paulinas, 1982, p. 6.
21

ortodoxia romana também seriam apropriados. Para Roger Bastide, as primeiras ações efetivas
com vistas à ruptura da consubstanciação entre o culto católico e a sociedade formada sob o
signo do sincretismo afro-luso-brasileiro ocorreram durante o Império, no bojo da referida vaga
contrarrevolucionária.30 Segundo Kátia Matttoso, entre 1822 e 1840, iniciou-se a aproximação
entre Roma e a hierarquia da Igreja brasileira, que buscou “libertar-se da presença de um Estado
demasiadamente opressor, começou a preparar melhor seu clero para sua missão, reformou seus
costumes e, enfim, procurou assegurar para si a direção das numerosas funções que ela havia
abandonado aos leigos.”31 Especificamente sobre a divisão do clero a partir da década de 1820,
a autora se utilizou dos termos “regalistas radicais” e “regalistas moderados”: “os moderados
colocavam os poderes espiritual e temporal em pé de igualdade, ao passo que os radicais
subordinavam o espiritual ao temporal.”32
Diante desse intricado debate historiográfico, para fins de categorização da referida
frente que se formou em contraposição ao clero regalista liderado por Feijó, na análise que ora
se propõe do momento específico escolhido, utilizar-se-á a expressão “romanizados”.33 A
referência a um clero romanizado evita o termo “ultramontano” e permite melhor situar dois
momentos distintos.34 Na sequência da Independência brasileira, “a Igreja lançou os
fundamentos de sua ação futura” e, a partir década de 1840, sobretudo com o papado de Pio IX

30
BASTIDE, Roger. Religion and the Church in Brazil. In: Op. cit., p. 340.
31
Ao fazer uma abordagem da historiografia sobre os modelos cronológicos que balizaram o estudo da História
da Igreja no Brasil, Kátia Mattoso salientou duas divisões tripartites. A primeira abarcaria os séculos XVI-XIX,
com o primeiro período de conversão (1500-1759), o segundo período de predominância do regalismo (1759-
1873) e o terceiro período de independência da Igreja (1872-1891). A segunda divisão dizia respeito apenas ao
Império brasileiro, destacando o papel da Igreja no processo de emancipação (1808-1840), no processo de
formação do Estado liberal (1840-1875) e durante a crise final do Império (1875-1888). Para o Império, a autora
propôs um modelo de interpretação cuja divisão estaria assentada em dois momentos. Entre 1822 e 1840, a
reorganização da Igreja diante da Independência e da formação do novo Estado nacional. Entre 1840 e 1888, o
desfecho do processo de reformas. Ver: MATTOSO, Katia M. de Queiros. Bahia, século XIX: uma província no
império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, pp. 299-300.
32
MATTOSO, Katia M. de Queiros. Op. cit., p. 307.
33
A perspectiva de “romanização” foi utilizada por Roger Bastide para caracterizar os momentos finais do século
XIX e o início do século XX, quando, segundo o autor, a Igreja no Brasil teria superado em grande parte a herança
do “catolicismo familiar” colonial. Essa “romanização” da Igreja brasileira teria implicado, portanto, em sua
“desnacionalização”, na medida em que resultou no afastamento das ideias e práticas gestadas no peculiar contexto
colonial luso-brasileiro e na aproximação da ortodoxia universalista romana. Ver: BASTIDE, Roger. Religion and
the Church in Brazil. In: Op. cit., p. 343.
34
Essa situação não impede a utilização do termo, sobretudo porque ela é longeva e também pelas análises feitas
pelos autores das próprias fontes primárias e da historiografia pertinente.
22

(1846-1878),35 “acabou de se romanizar”.36 A referência a um clero romanizado possibilita


ainda a identificação de certa profundidade filosófica e histórica por parte de indivíduos e
grupos críticos a algumas demandas liberais em matéria de política e religião, mas que “ainda
não eram totalmente ultramontanos”.37 Assim, se esses romanizados não se insurgiram contra
as autoridades civis, também não endossaram o ímpeto secular vindo do clero regalista e liberal,
concebendo uma perspectiva afeita aos valores políticos, filosóficos, eclesiológicos e teológicos
da Sé romana.
Essa divisão entre vertentes político-eclesiológicas antagônicas não foi um fenômeno
exclusivo do Brasil. Em seu clássico A Escrita da História, Michel de Certeau sublinhou a
“marca das compartimentações sócio-ideológicas” característica à “historiografia francesa”,
atentando para as apropriações decorrentes de “debates internos da sociedade” local.38 Tons
“apologéticos” e “silêncios” duradouros marcaram os referidos debates, resultando em “fixismo
historiográfico” e “reprodução indefinida de cortes formais, mesmo quando uma nova erudição
lhes modificava o conteúdo.”39 Assim, há de se ter cautela com relação aos ardilosos
cotejamentos espaço-temporais e divisões sócio-políticas, artifícios teórico-metodológicos
necessários, porém vulneráveis a subjetivismos muitas vezes obliterantes. Diante das
dificuldades heurísticas próprias à operação historiográfica, o recurso às fontes primárias é
crucial. No caso do presente trabalho, deve-se dar destaque para d. Romualdo Seixas que, ao se
referir a Feijó, evocou, em suas Memórias, a cisão entre clero constitucional e clero refratário
durante a Revolução Francesa:

Aspirando a glória de reformador da Igreja do seu País, ele pretendeu não só dotá-la
com as Doutrinas da Constituição Civil do Clero de França, mas ainda mimosear os

35
O esboço dos valores ultramontanos tomou força sob o pontificado de Gregório XVI (1831-1846), sendo
reafirmado, sobremaneira, por Pio IX (1846 -1878) a partir do ano de 1848, após um papado de início liberalizante.
O ultramontanismo teve sua expressão máxima com a promulgação do Sillabus Errorum e da encíclica Quanta
Cura – ambos em 1864 – e seria caracterizado pela “velha ideia segundo a qual cabe ao poder temporal,
impregnado da fé católica, pôr toda a sua força na propagação e no triunfo dela. Estando para a Igreja como a Lua
está para o Sol, o Estado, daquela recebendo sua luz, não é senão o seu instrumento temporal”. Ver: BARROS,
Roque S. M. de. BARROS, Roque S. M. de. Vida religiosa. In: HOLANDA, Sergio Buarque de Holanda (Dir.). O
Brasil monárquico: V.4 - Declínio e queda do império. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1971, p. 326.
36
MATTOSO, Katia M. de Queiros. Op. cit., pp. 299-300.
37
Segundo Ítalo Santirocchi, os porta-vozes dos preceitos tridentinos e da ortodoxia romana no período de
formação do Estado nacional mantinham fidelidade “às autoridades civis constituídas (...) não tendo como projeto
o combate ao regalismo, como aconteceria posteriormente com o ultramontanismo”. Talvez fosse o caso de
reforçar que não houve, entre 1820 e 1840, uma contestação integral e organizada à supremacia do poder temporal
sobre determinadas prerrogativas eclesiásticas. O próprio Romualdo Antônio de Seixas, por vezes, ponderou o
peso da autoridade régia e defendeu a fórmula do Padroado disposto da Constituição de 1824. Entretanto, no que
se referia aos avanços sobre os temas da disciplina e da nacionalização da religião, o arcebispo primaz foi crítico
mordaz do reformismo regalista. Ver: SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Op. cit., p. 75.
38
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 43.
39
Ibidem, p. 43.
23

nossos Padres com a permissão do casamento, sua mania predileta, e que sustentou com
todo o calor possível. Inimigo de sua classe, ele procurou despojá-la de sua
independência e antigos privilégios, e nunca se serviu do poder e influência, que
granjeou, para prestar-lhe o menor auxílio ou favor.40

O primaz do Brasil destacaria a herança revolucionária de seu principal antagonista,


marcada por vestígios de um “anticlericalismo”41 que “deixaria marcas nos liberalismos do
século XIX, depois de ter laicizado as leituras e bibliotecas desde o século XVIII”.42 A querela
do celibato, destacada na passagem acima, já teve razoável alcance na historiografia sobre as
questões religiosas no Império e foi tratada por Feijó em momentos distintos, inclusive em seu
periódico O Justiceiro: “A necessidade de terminar-se esta questão do celibato é de primeira
instituição. Alguns patriotas já tinham por vezes agitado, resultando-lhes a glória de
predisporem este sucesso tão desejado por todos os espíritos justos, por todos os corações
retos”.43
De fato, Feijó teve seu destaque, não apenas no papel de líder de um clero herdeiro da
Ilustração e da Revolução de 1789, mas também na introdução de princípios filosóficos caros
às Luzes europeias. Já no início de seus Cadernos de filosofia, redigidos poucos anos antes do
processo de Independência, o padre de Itu evocava Immanuel Kant (1724-1804) ao definir qual
seria sua abordagem sobre a filosofia, que quando “analisa a insuficiência do Dogmatismo e a
prudência ou imprudência do Ceticismo, e descobre a verdadeira origem dos conhecimentos, é
Crítica.”44 O líder do clero regalista e liberal buscava seu método de reflexão em uma premissa
fundamental para o desenvolvimento do uso público da razão privada, caracterizada pela
“ruptura com os padrões de pensamento obrigatórios herdados do passado e o dever de todos
de pensar por si mesmos”.45
O apelo a Kant é pertinente quando se tem o intuito de lançar luz sobre o legado
intelectual que possibilitou o esboço de uma esfera pública nas primeiras décadas do Estado

40
SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquez de Santa Cruz. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional,
1861, pp. 43-44.
41
Cumpre ressaltar que o alegado do anticlericalismo, característico aos radicalismos da Ilustração, tornou-se
difuso e manifestou-se, no mundo luso-brasileiro, sobretudo nas primeiras décadas do século XIX, em forma de
anticongregacionismo. Os membros do clero secular, a exemplo de Feijó, se esforçavam por combater o
corporativismo das ordens religiosas sob o jugo romano e não necessariamente o protagonismo do clero nas esferas
pública e privada. Sobre a questão do anticlericalismo e anticongregacionismo no contexto português, ver:
GARNEL, Maria Rita Lino. A polêmica sobre o celibato eclesiástico (1820-1911). PENÉLOPE, nº 22, pp.93-116,
2000, pp. 93-97.
42
MOREL, Marco. Op. cit., p. 49.
43
O Justiceiro, nº 6, 11/12/1834.
44
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia (Introdução e notas de Miguel Reale). São Paulo: Editorial
Grijalbo, 1967, p. 45.
45
CHARTIER, Roger. Origens culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 53.
24

nacional brasileiro. O protagonismo do referido filósofo no desenvolvimento de uma semântica


voltada ao compromisso com a ampliação do questionamento e do debate políticos deu-se a
partir do “princípio da publicidade como âncora legitimadora de sua filosofia moral, política e
jurídica.”46 Dessa maneira, a ênfase no imperativo de exteriorização da racionalidade subjetiva
daria substrato à sedimentação de um consenso opinativo no âmbito da coletividade:

Mesmo antes de a “opinião pública” vir a ser consagrada como uma expressão
normativa em áreas de língua alemã, a ideia de uma esfera pública burguesa alcançou
sua forma teórica plenamente desenvolvida com a elaboração de Kant do princípio da
publicidade em sua filosofia do direito e filosofia da história.47

Kant tornou-se, desse modo, uma das principais referências das Luzes ao delimitar a
importância da distinção entre as dimensões de privado e de público, sendo este último um
domínio de “indivíduos que têm os mesmos direitos, que pensam por si próprios e que falam
em seu próprio nome, e que se comunicam escrevendo para seus pares”. 48 No início do século
XIX, a noção kantiana de uma esfera pública que abrigava embates e confrontos opinativos já
vinha sendo desenvolvida, mesmo que de modo incipiente, no mundo luso-brasileiro.49
Seguindo tal dinâmica argumentativa, em seus Cadernos, no capítulo sobre a “Crítica da
Razão”, Diogo Antônio Feijó reiteraria seu apreço por uma abordagem embebida no apelo a
uma individualidade metódica, própria à herança kantiana:

O homem, nascendo na ignorância, tendo logo necessidade de obrar, apressou seus


juízos, adotou por verdade mil falsidades pouco acautelado no curso da vida; emprega
estes juízos seus ou alheios, como outras tantas máximas que devem regular sua
conduta, máximas tanto mais custosas de abalar por se acharem naturalizadas; portanto,
é de necessidade absoluta que o filósofo dê um balanço a todos os seus conhecimentos,
que abrange um ceticismo prudente e metódico, até que, armado de todas estas críticas,
se certifique do seu verdadeiro valor.50

Diante da insuficiência epistemológica dos juízos pré-concebidos e das máximas


naturalizadas, o texto deixava transparecer a importância do compromisso com a verdade
decorrente de uma apuração dos conhecimentos, fruto da busca pela reflexão autônoma por
parte do indivíduo. Mais uma vez, os preceitos filosóficos do criticismo ecoavam nos escritos

46
HECK, José N. O princípio kantiano da publicidade na moral e no direito. Síntese, Belo Horizonte, v. 36, n. 115,
pp. 285-300, 2009, p. 286.
47
HBERMAS, Jürgen. The Structural Transformation of the Public Sphere: an Inquiry into a Category of
Bourgeois Society. Cambridge: The MIT Press, 1991, p. 102. (Tradução nossa).
48
CHARTIER, Roger. Op. cit., pp. 55-56.
49
VILLALTA, Luiz Carlos. O Brasil e a crise do Antigo Regime português (1788-1822). Op. cit., pp. 46-51.
50
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., p. 115.
25

do padre de Itu, em algo próximo à definição de “Libertação da tutela auto-incorrida”.51 Jürgen


Habermas desenvolveu a referida expressão para elucidar uma das premissas basilares do uso
público da razão em Kant, explicando que a emancipação em perspectiva “significava
esclarecimento. No que diz respeito ao indivíduo, isto denotava a subjetividade máxima,
nomeadamente: pensar por si mesmo.”52 Contudo, é importante lembrar que o padre regente
não restringiu suas reflexões ao criticismo, apesar da importância conferida a tal corrente,
sobretudo no sentido da legitimação da autonomia pública de uma razão gestada no âmbito
privado.
As investidas filosóficas de Feijó, herdeiras da “crescente importância política atribuída
ao conceito de crítica no século XVIII”,53 foram concebidas na época em que ele se reuniu aos
denominados padres do Patrocínio, em Itu, onde se formou um clero de tendência ilustrada.54
Sob os auspícios do padre Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819),55 a peculiar experiência
mística desses sacerdotes “era apenas uma sociedade de clérigos seculares, que se reuniam com
o propósito de aprofundarem a prática das doutrinas cristãs, trocando conselhos e edificando-
56
se reciprocamente pelos exemplos de uma vida de grande pureza”. Assim, em que pese a
influência das Luzes, a formação religiosa de Diogo Antônio Feijó não o permitiria
“acompanhar o filósofo alemão na negativa de uma metafísica do ser”, convergindo, desse
modo, para a concepção de uma consciência inata.57
Para além das inferências com relação a esses clérigos que optaram por uma vida de
introspecção,58 importa destacar sua influência sobre Feijó, filho de pais “incógnitos”, exposto
na casa do padre Fernando Lopes de Camargo e educado por sacerdotes.59 Em Itu, o futuro
regente teria uma experiência pouco ortodoxa e deveras autônoma, sendo tal aspecto de grande
importância para a reflexão sobre sua face intelectual e política, contrastante com a de d.

51
HABERMAS, Jürgen. Op. cit., p. 104. (Tradução nossa).
52
Ibidem, p. 104. (Tradução nossa).
53
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro:
EDUERJ: Contraponto, 1999, p. 108.
54
WERNET, Augustin. A Igreja paulista no século XIX: a reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861).
São Paulo: Ática, 1987, pp. 27-54.
55
ANDRADE, Mario de. Obras completas de Mario de Andrade: Padre Jesuíno do Monte Carmelo. São Paulo:
Martins, 1963.
56
SOUZA, Otávio Tarquínio. História dos fundadores do Império do Brasil (volume V): Diogo Antônio Feijó.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2015, p. 46.
57
REALE, Miguel. Feijó e o Kantismo (A propósito de uma crítica imatura). Revista da Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 45, p. 330-351, dec. 1949, ISSN 2318-8235, p. 344. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66132/68742>. Acesso em: 12 jan. 2017.
doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2318-8235.v45i0p330-351.
58
PINHEIRO, Cônego J. C. Fernandes Pinheiro. Os Padres do Patrocínio. Revista do IHGB, tomo 33, parte II, pp.
237-248.
59
SOUZA, Otávio Tarquínio. Op. cit., p. 16.
26

Romualdo Antônio de Seixas. O primeiro arcebispo primaz brasileiro também teve sua
formação influenciada pelos círculos sacerdotais, porém em ambiente intelectual diverso. Seu
tio, padre Romualdo de Souza Coelho (1762-1841), era próximo ao bispo do Grão-Pará, Manuel
de Almeida Carvalho (1747-1818), e estava inserido na alta hierarquia dos quadros eclesiásticos
marianos. No início de sua trajetória, o futuro primaz do Brasil esteve no Seminário Episcopal
da diocese do Grão-Pará e no Convento de Santo Antônio,60 continuando seus estudos na casa
da Congregação do Oratório de Lisboa.61 Logo no início de suas Memórias, justificou a razão
pela qual seu tio escolhera a referida Congregação, em detrimento da opção por Coimbra:

meu protetor, entendeu que convinha mandar-me a Portugal, a fim de concluir meus
estudos. Não julgou, porém, acertado que eu fosse para a Universidade de Coimbra,
onde, com quanto filho da mesma, pois era Bacharel em Cânones, persuadiu-se que um
menino de 15 anos sem nenhuma experiência do mundo, e entregue a si mesmo, no
meio das contagiosas impressões do vício e da impiedade, que são como inevitáveis
nesses grandes estabelecimentos científicos, não teria força para resistir à sedução dos
maus exemplos e doutrinas.62

Lugar de formação de uma significativa parcela dos quadros políticos e burocráticos do


Brasil imperial, sobretudo na primeira metade do século XIX, a Universidade de Coimbra seria,
para D. Romualdo, uma opção sediciosa por causa das ideias ali ventiladas.63 No entanto, a
despeito da diferenciação destacada, o próprio marquês de Santa Cruz deu ênfase aos “maus
conselhos”64 que teriam pesado em sua decisão de deixar os oratorianos. A Congregação do
Oratório também seria guardiã de uma tradição do “reformismo pedagogista” em Portugal,
datado de meados do século XVIII e levado a cabo por “homens “ilustrados da própria Igreja”,
a exemplo de Antônio Pereira de Figueiredo (1725-1790).65 Esses mesmos ilustrados da Igreja
“sugeriam e propunham a necessidade da reforma da cúpula de toda a estrutura educacional

60
SANTOS, Israel Silva dos. D. Romualdo Antônio de Seixas e a reforma da Igreja Católica na Bahia (1828-
1860). 2014. 290 f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal da Bahia/Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas. Salvador: 2014, pp. 28-35. SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês de Santa
Cruz. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1861, p.3;
61
A Congregação do Oratório teve origem na Itália, foi difundida na França e estabeleceu-se em Lisboa em 1668,
constituindo uma sociedade de clérigos e “não propriamente uma ordem religiosa”. Os oratorianos protagonizaram
a vida intelectual de Portugal no século XVIII, fazendo oposição à perspectiva pedagógica, filosófica e teológica
inaciana. Ver: VILLALTA, Luiz Carlos; MORAIS, Christianni Cardoso; MARTINS, João Paulo. As reformas
ilustradas e a instrução no mundo luso-brasileiro. In: LUZ, Guilherme Amaral; ABREU, Jean Luiz Neves;
NASCIMENTO, Mara Regina do. Ordem crítica: a América portuguesa nas 'fronteira' do século XVIII. Belo
Horizonte: Fino Traço, 2013, pp. 36-37.
62
SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. cit., pp. 3-4.
63
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: a política
imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 37.
64
SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. cit., p. 5.
65
CARRATO, Jose Ferreira. Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais: notas sobre a decadência da cultura
mineira setecentista. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968, p. 125.
27

portuguesa, a Universidade de Coimbra.”66 A reforma da Universidade de Coimbra,


empreendida entre 1770 e 1772, sob a égide de Pombal, contribuiu para uma reestruturação das
bases didáticas, pedagógicas e epistemológicas da instituição, enfatizando o racionalismo, a
empiria e as ciências naturais.67 Com efeito, durante o século XVIII, ambas as instituições
referidas estiveram sob os auspícios de um ambiente científico em constante diálogo com os
mistérios da fé católica.
Esse esforço pela síntese entre os imperativos da razão crítica e certas concepções
teológicas caracterizou o complexo quadro das Luzes em alguns territórios europeus onde a
Igreja romana era predominante, caso da Itália e da Península Ibérica.68 As distintas tradições
dogmáticas e filosóficas, que se formaram e foram incorporadas às instituições seculares e
regulares, não criaram obstáculos à ação católica na dinâmica da esfera pública que se forjou e
se intensificou a partir das Luzes. Nesse sentido, a pluralidade intelectual própria à intelligentsia
católica foi (e ainda é) um fator de peso nas acirradas disputas envolvendo a legitimidade e o
alcance do poder da Sé romana perante nações, Estados e povos. Diante dos ataques perpetrados
pelas forças seculares aos poderes eclesiásticos, as reações da Igreja e seus agentes ocorreram
com diferentes intensidades, caracterizando um quadro de conflitos e diálogos, de polarização
e permeabilidade.
A profundidade histórica, política e filosófica dos embates entre as diferentes visões
sobre os conflitos e diálogos envolvendo religião e política marcou os espaços de formação de
Diogo Antônio Feijó e Romualdo Antônio de Seixas. Ambos entraram em contato com um
amplo espectro de autores e de atores, apropriando-se à sua maneira de um vasto repertório de
ideias. Com isso, eles se inseriram na política a partir do campo intelectual, nas duas acepções
desenvolvidas por Sirinelli: “uma ampla e sociocultural, englobando os criadores e os
‘mediadores’ culturais, a outra mais estreita, baseada na noção de engajamento”.69 Se esses
sacerdotes possuíam formações intelectuais e trajetórias políticas distintas, não menos
divergentes seriam os modos pelos quais comporiam seus escritos filosóficos. Enquanto o padre
de Itu evocava um defensor das constituições civis republicanas,70 o futuro primaz do Brasil,

66
CARRATO, Jose Ferreira. Op. cit., p, 140.
67
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello; CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da. Ciência e Memória: aspectos da
reforma da universidade de Coimbra de 1772. Revista de História Regional 14(1): 7-48, Verão, 2009; VILLALTA,
Luiz Carlos. A Universidade de Coimbra sob o reformismo ilustrado português. In: FONSECA, Thaís Nívia de
Lima e. As reformas pombalinas no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2015, pp. 157-202.
68
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., p. 127.
69
SIRINELLI, Jean–François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 242.
70
HBERMAS, Jürgen. Op. cit., p. 103.
28

em um Diálogo coetâneo aos Cadernos de Filosofia, rechaçaria algumas diretrizes da


Ilustração:

Não duvido também que a opinião do Direito Divino dos Legítimos Soberanos, que o
Redator chama de fétida Doutrina, desagrade a muitos espíritos imbuídos nos princípios
de Grócio, e Puffendorf: mas, sem adotar o prejuízo, de que as coisas mais antigas são
sempre as melhores, e mais verdadeiras, eu estou intimamente convencido, de que
aquela Doutrina é a mais conforme à Razão, autorizada por muitos lugares dos Livros
Santos, sustentada pelos maiores Publicistas de todas as Nações, e ultimamente
proclamada no seio da mesma França pelo Presidente Seguier, no Discurso, com que
abriu a Primeira Sessão da Câmara dos Pares, e que ela só começou a cair no desprezo,
depois que a vertigem das Revoluções dos Povos contra os Reis alucinou por tal forma
os espíritos, que ao verdadeiro Código das Nações se substituiu um Direito ruinoso, e
subversivo de todas as Monarquias.71

A crítica era direcionada ao periódico O Português, cujo redator era tido por “sedicioso
Monarcômaco”.72 Para tanto, estabelecia a contraposição entre a perspectiva do direito divino
e do jusnaturalismo contratualista de Hugo Grotius (1583-1645) e Samuel Puffendorf (1632-
1694).73 Grotius e Puffendorf estavam entre os autores que embasaram as reformas pombalinas
instituídas em Coimbra no campo do direito.74 Por mais que a razão consistisse em um dos
centros da argumentação, do mesmo modo que no texto de Feijó, seu uso era feito de maneira
oposta. O recurso à razão servia para reforçar a legitimidade do direito divino, evocando a
Câmara dos Pares, cujos membros teriam sua nomeação como atribuição privativa do monarca.
Ademais, aparecia o nome de Pierre Seguier (1588-1672), que chegaria a ser ministro da justiça
e chanceler francês sob o reinado de Luiz XIV (1643-1715).75 Romualdo Seixas se opunha à
perspectiva de uma soberania constitucional, cara ao liberalismo, a partir de uma leitura
específica do absolutismo galicano francês.

71
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo, ou catecismo político para servir de
antídoto contra a impiedade, e sediciosa doutrina do jornal denominado O Português e oferecido à mocidade
brasiliense. Por um amigo da religião, e da pátria, natural da província do Pará. Lisboa: Impressão Régia, 1818,
pp. 5-6.
72
O Português ou Mercúrio, Político, Comercial e Literário foi editado em Londres e circulou entre 1814-1822 e
1823-1826. Seu redator, João Bernardo da Rocha Loureiro, era bacharel pela Universidade de Coimbra e
empreendeu cerrada oposição ao Governo de Lisboa até 1820, pugnando pela Revolução Liberal e pelas Cortes
Constituintes. Ver: SANTOS, Maria Helena C. dos. Imprensa periódica clandestina no século XIX: ‘O Português’
e a Constituição. Análise Social, volume XVI (61-62), 429-445, 1980, -1º -2º, pp. 429-433.
73
BOBBIO, Norberto. Op. cit., pp. 272-283.
74
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. Cit., pp. 134-135.
75
BOSSUET, Jacques; FLÉCHIER, Esprit et al. Oraisons funèbres de Bossuet, Fléchier et autres orateurs; avec
un discours préliminaire et des notices Par M. Dussault. Paris: Chez Louis Janet Libraire, 1822, pp. 99-106.
Disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=JXbGPDHlM4sC&pg=PA99&lpg=PA99&dq=discours+pierre+s%C3%A
9guier&source=bl&ots=T5mwDs0kOS&sig=3ZycGhVQpJV_5TjiSfKqjrVlvb4&hl=pt-
BR&sa=X&ved=0ahUKEwi4q6aazvnRAhVJhZAKHSUbDugQ6AEIOzAF#v=onepage&q&f=false Consultado
em 05/02/2017.
29

Esse apelo às diferentes matrizes filosóficas e doutrinárias e à consolidação de


determinadas perspectivas não prescindiria da influência das conjunturas políticas. À época em
que Romualdo escreveu seu Diálogo, na Península Ibérica, desenvolvia-se uma esfera pública
na qual o liberalismo constitucional ganhava cada vez mais espaço, sobretudo após as Cortes
de Cádiz (1810-1814). Nas Cortes, apesar do predomínio da intolerância quanto aos cultos não
católicos, os liberais ventilavam as teses episcopalistas, que, plurais, também tiveram lugar no
mesmo círculo absolutista de Séguier e eram então diluídas em um contexto constitucional.76
Na dinâmica dessa esfera pública, que se engendraria em Portugal a partir das Cortes de Lisboa
(1821-1822), disseminava-se o princípio da soberania da nação “de modo unitário, como
‘povo’, homogêneo, sem distinção por pertencimento a reinos, províncias ou corpos, e como
uma fratria, uma união voluntária de irmãos.”77 Se a realidade do constitucionalismo de
inspiração liberal era latente no interior dos Estados nacionais, sobretudo no contexto das
emancipações ibero-americanas, as bases da legitimidade do poder civil e da soberania,
essenciais ao contrato liberal, eram defendidas a partir de diferentes leituras das práticas
historicamente estabelecidas entre as monarquias católicas e a Igreja.
Ainda que as figuras de Diogo Feijó e Romualdo Seixas sejam de importância central
para a reflexão aqui proposta, outros atores, integrantes ou não do clero, serão focalizados,
compondo uma perspectiva que se aproxima das sociabilidades políticas e intelectuais.78 Dentre
os defensores dos valores mais afeitos ao regalismo liberal, aparecerão nomes como os de
Antônio Maria Moura, protagonista da chamada “questão” da diocese do Rio de Janeiro,
ocasião em que a coroa e o papado entraram em conflito em virtude de sua nomeação para o
bispado;79 José Bento Ferreira Leite de Melo, redator do Pregoeiro Constitucional, importante

76
Na esteira da experiência doceañista e gaditana, durante o Triênio Liberal (1820-1823), em que pese o apego ao
aspecto confessional por parte do clero, foram recorrentes os conflitos político-eclesiásticos entre os representantes
do governo e da Santa Sé. Os porta-vozes de Roma encontraram um regalismo acentuado por parte do episcopado,
que engendrava um amplo espectro de tendências sob influência dos valores liberais. O anticlericalismo, de início
tímido, porém latente, fomentou uma secularização lenta e gradual ao longo do século XIX, ao mesmo tempo em
que o conflito clericalismo/anticlericalismo influenciava o debate sobre as bases fundamentais do Estado nacional.
Ver: CHÉLIZ, Maria Pilar Salomón. Costruir la identidad nacional desde el anticlericalismo. In: SOLIS, Yves y
SAVARINO, Franco. El anticlericalismo en Europa y América Latina: una visión transatlántica. Córdoba:
Instituto Nacional de Antropología e Historia, 2011, pp. 99-111; LOPEZ, Emilio la Parra. El primer liberalismo
español y la Iglesia: las Cortes de Cádiz. Alicante: Instituto de Estudios Juan Gil-Albert, 1985, pp. 16-28, 50-54;
TERUEL, Manuel. Obispos liberales: la utopía de un proyecto (1820-1823). Lleida: Milenio, 1996, pp. 27-37,
145-168.
77
GUERRA, François-Xavier. A nação moderna: nova legitimidade e velhas identidades. In: JANCSÓ, István
(Org.). Brasil: formação do Estado e da nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p. 56.
78
AGULHON. Maurice. El circulo Burgues. Buenos Aires: SigloVeintiuno Editores, Argentina, 2009.
79
A polêmica da nomeação de Antônio Maria Moura para o comando da diocese do Rio de Janeiro estendeu-se
de 1833 a 1839 e teve grande repercussão. Escolhido pelo governo brasileiro, o prelado enfrentou a resistência do
papa Gregório XVI. A contenda teve seu ápice durante a regência de Feijó, alimentando as desavenças entre o
padre de Itu e a Santa Sé. O Sumo Pontífice chegaria a propor que Feijó assumisse o bispado no lugar de Maria
30

liberal moderado mineiro;80 Frei Caneca, o radical das revoluções de 1817 e 1824 em
Pernambuco;81 e Evaristo da Veiga, o redator do principal periódico moderado, Aurora
Fluminense.82 Com exceção de Caneca, esses atores eram parte integrante de um importante
núcleo político sediado nas províncias de Minas Gerais e São Paulo, do qual Feijó era um dos
mais importantes articuladores.83 No que se refere aos romanizados, serão nomes importantes
os de Luiz Gonsalves dos Santos (1767-1844), o Padre Perereca; de José da Silva Lisboa (1756-
1835), o Visconde de Cairu; e de Bernardo Pereira de Vasconcelos, o líder do Regresso
conservador.84
No que tange ao domínio dos círculos políticos e intelectuais, dentro e fora das
corporações eclesiásticas, Max Weber, em Sociologia das Religiões, atentou para a importância
de se considerar a influência do clero a partir de uma “intensidade muito diversa, variando
conforme as camadas não sacerdotais, com que ele se deparava, e conforme seu próprio
poderio”.85 Segundo Pierre Bourdieu, um dos maiores méritos de Weber em seus estudos sobre
o “campo religioso” foi salientar a importância da “urbanização” para a “racionalização” e
“moralização” da religião, “na medida em que a religião favorece o desenvolvimento de um
corpo de especialistas incumbidos da gestação dos bens da salvação.”86 A partir dessa
perspectiva de “sistematização” de “crenças e práticas religiosas”, em seu capítulo intitulado
“Ordens, classes e religião”, Weber lançou luz sobre a intricada trama intelectual que envolveu
os gestores da fé, destacando:

a relação entre a intelectualidade não sacerdotal – ou seja, além da monástica, em


particular a intelectualidade laica – e a sacerdotal. E, depois, as relações dos sacerdotes
intelectuais com as religiosidades, bem como a sua posição no seio das comunidades
religiosas.87

Moura, proposta que foi recusada. Por fim, Antônio Maria Moura não se tornou bispo e a questão foi encerrada
com a nomeação do padre Manoel do Monte Rodrigues de Araújo. Ver: DORNAS FILHO, João; AZEVEDO,
Fernando de. O padroado e a Igreja brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p. 94;
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Op. cit., pp. 81-82.
80
PASCOAL, Isaías. José Bento Leite Ferreira de Melo, padre e político: o Liberalismo moderado no extremo sul
de Minas Gerais. VARIA HISTÓRIA, Belo Horizonte, vol. 23, nº 37: p.208-222, Jan/Jun 2007.
81
MELLO, Evaldo Cabral de (Org.). Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Ed. 34, 2001, pp. 11-46.
82
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Dicionário bibliográfico brasileiro (Vol. 2). Rio de Janeiro:
Conselho Federal de Cultura, 1970, pp. 311-314.
83
OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Construtores do Império, defensores da Província: São Paulo e Minas
Gerais na formação do Estado nacional e dos poderes locais, 1823-1834. 2014. Tese (Doutorado) – Universidade
de São Paulo/Faculdade de Letras, Filosofia e Ciências Humanas. São Paulo: 2014, p. 36.
84
CARVALHO, José Murilo de (Org.). Bernardo Pereira de Vasconcelos. São Paulo: 34, 1999, pp. 9-34.
85
WEBER, Max; FILIPE, Rafael Gomes. Sociologia das religiões e consideração intermediária. Lisboa: Relógio
D'Água, 2006, p. 163.
86
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 35.
87
WEBER, Max; FILIPE, Rafael Gomes. Op. cit., p. 164.
31

Atentando para estes acurados apontamentos, será possível aventar uma abordagem de
múltiplas possibilidades no bojo das discussões atinentes à História Intelectual, que “oscila, por
um lado, entre uma Sociologia, uma História e até mesmo uma biografia dos intelectuais, e por
outro, entre uma análise das obras e das ideias como, por exemplo, uma possível versão da
história da filosofia”.88 Há de se considerar, portanto, a trajetória, a formação e a produção
política, filosófica e intelectual dos atores elencados na reflexão que ora se intenta. Com efeito,
sacerdotes e leigos forjavam múltiplas sociabilidades na dinâmica de uma esfera pública
transatlântica, organizando-se coletivamente sob a ordem imperial que, em termos sócio-
institucionais, legitimou-se pelas variantes da interseção entre heranças simbólicas e materiais
da monarquia e do catolicismo.
Durante as duas primeiras décadas do Estado nacional independente, os atores da
hierarquia político-eclesiástica no Brasil compunham um espectro de perfis intelectuais que, de
acordo com a síntese de Ivan Domingues, ao longo dos primeiros séculos da Filosofia no Brasil,
dividiram-se em duas grandes matrizes, os escolásticos e os estrangeirados.89 Ainda no período
colonial, o clérigo tornou-se uma espécie de “intelectual orgânico da Igreja”, o Homo
scolasticus, gestado, principalmente, sob o signo da ação missionária da Companhia de Jesus.
A partir da segunda metade do século XVIII e durante o Império, com a intensificação do fluxo
de estudantes no mundo luso-brasileiro, sobretudo em direção à Universidade de Coimbra, o
filósofo/intelectual tornou-se menos hermético e mais cosmopolita, em contato com a
multifacetada Ilustração euroamericana. Embora essa tipificação seja eficiente e, para o
presente trabalho, sintetize as principais matrizes filosóficas evocadas pelos indivíduos
estudados, a dinâmica entre escolásticos e estrangeirados envolveu:

tanto experiências históricas bem datadas quanto o ethos e a conduta de indivíduos, ou


melhor, os ethei de grupos ou de coletividades inteiras mais do que de indivíduos
isolados, é preciso dizes que se está diante de um gradiente com linhas de continuidade,

88
SILVA, Helenice Rodrigues da. A História Intelectual em questão. In: LOPES, Marcos Antônio (Org.). Op. cit.,
p. 16.
89
O autor definiu cinco “modelos ou tipos intelectuais”: o “clérigo colonial”, “Homo scolasticus” em terminologia
derivada do “Homo academicus” de Pierre Bourdieu e “intelectual orgânico da Igreja” sob a perspectiva de
Antônio Gramsci; o “estrangeirado”, já formado na tradição bacharelesca e ilustrada, cujas origens remontavam à
Universidade de Coimbra, com ampliação e nacionalização dos quadros a partir das Escolas de Direito de Recife
e São Paulo; o “intelectual público engajado nas causas nacionais”, formado a partir da década de 1930, na
dinâmica de consolidação das Universidades no Brasil; o “scholar” ou “erudito”, que surgiu após a primeira vaga
de superação do déficit institucional e no bojo da implantação dos sistemas de pós-graduação a partir da década
de 1960; por fim, o “intelectual cosmopolita globalizado”, superando o apego quase unilateral às referências
internacionais do “estrangeirado” e as restrições da agenda nacional e local do intelectual público. Ver:
DOMINGUES, Ivan. Filosofia no Brasil: legados e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp, 2017, pp. 10-13 e 39-
42.
32

e não exatamente de cisões e descontinuidades definitivas, podendo haver pontes sobre


os gaps e vazios entre as extremidades.90

Formados entre a tradição Escolástica e a Ilustração estrangeirada, os dois atores


centrais para esta pesquisa e seus interlocutores, regalistas e romanizados, formularam
proposições e oposições, atinentes ao Estado nacional independente, sob a ótica das questões
religiosas. Estas, ao fim e ao cabo, eram centrais à dinâmica institucional e constitucional da
nova nação americana, à construção das sociabilidades políticas, aos debates empreendidos na
esfera pública e à dinâmica de uma sociedade em transformação. No momento de definição das
diretrizes que iriam reger a complexa trama da governança imperial, os agentes da religião, e
os que sobre ela debatiam e deliberavam, equilibraram-se entre a multifacetada Ilustração
euroamericana e as repaginadas volições das práticas típicas do Antigo Regime. Ao constituir
meios de sociabilidade e frentes de ação na esfera pública, regalistas e romanizados
apresentariam dissensos internos, discordâncias irreconciliáveis e mesmo diálogos, em meio a
uma conjuntura na qual reverberava uma compósita divisão tripartite destacada por Jonataham
Israel:

a guerra de filosofia da Europa durante o Iluminismo Primitivo até 1750 nunca se


confinou à esfera intelectual e nunca foi, em lugar algum, um caminho reto e de duas
mãos entre os tradicionalistas e os moderni. Em lugar disso, a rivalidade entre a corrente
principal moderada e a ala radical foi desde sempre uma parte integral do drama, da
mesma forma como entre o Iluminismo moderado e a oposição conservadora.91

Não se deve desprezar a importância da formação das referidas correntes de pensamento


para as divisões que iriam caracterizar as batalhas políticas na esfera pública nas primeiras
décadas do século XIX. Para além dos binarismos doutrinários, e em diálogo com eles, uma
“batalha triangular de ideias”92 foi o que caracterizou, por exemplo, a divisão entre exaltados,
moderados e caramurus, no primeiro lustro da década de 1830. Entre o final do Primeiro
Reinado e vigência das Regências Trinas, período no qual se destacou a abdicação de d. Pedro
I (1822-1831), assistiu-se a uma significativa fragmentação “no interior da elite política”.93
Destarte, durante as duas primeiras décadas da formação do Estado nacional brasileiro, no
tocante às interseções dos campos político e religioso, houve disruptivas variações conjunturais

90
DOMINGUES, Ivan. Op. cit., p. 42.
91
ISRAEL, Jonataham I. Iluminismo radical: a filosofia e a construção da modernidade, 1650-1750. São Paulo:
Madras, 2009, p. 38.
92
Ibidem, p. 38.
93
BASILE, Marcello. O Império em construção: projetos de Brasil e ação política na Corte regencial. 2004. (Tese
de doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. UFRJ, Rio de Janeiro, p. 15.
33

e, particularmente, na constituição das tendências político-eclesiológicas. Na especificidade da


transição brasileira, da Casa Grande para os Sobrados e da Senzala para os Mocambos,94 houve
preocupações compartilhadas com as do período das Luzes e da própria Revolução Francesa:
“o que em última instância estava em jogo [era] o tipo de sistema de crenças que deveria
prevalecer na política, na ordem social e nas instituições europeias, bem como na cultura
elevada e, não menos importante, nas atitudes populares”.95
Cumpre, portanto, salientar que o período das Luzes, situado entre os séculos XVII e
XVIII, constituiu um rico manancial de referências ao século XIX, pois “assinalou o uso total
e experimental da razão nos assuntos humanos. A teologia, a economia, a política, o direito e a
filosofia foram profundamente afetados. A autoridade em religião e em política nunca mais
deixou de ser questionada”.96 Com base nesse amplo questionamento às antigas hierarquias e
autoridades, desenvolveu-se o liberalismo “como um ponto de convergência, no século XIX,
da tradição constitucionalista do pensamento europeu”.97 Os valores liberais acabaram sendo
fundamentados a partir de diferentes pontos de vista e influenciados pelos argumentos
conservadores, que “penetraram o campo do liberalismo e levaram a uma reformulação dos
princípios liberais durante o século XIX”. 98 Assim, no refluxo dos ataques revolucionários ao
status quo do Antigo Regime, a fórmula do just milieu, de Benjamim Constant (1767-1830),
consistiu em uma das principais característica do liberalismo, “um centro político, a meio
caminho entre o velho absolutismo e a nova democracia”.99
No caso específico do Brasil Império, os projetos liberais, no momento da formação do
Estado nacional, erigiram-se a partir de diferentes demandas. Durante o processo de
emancipação, delinearam-se “duas vertentes principais do liberalismo no Brasil”.100 A primeira
seria a dos proprietários, para os quais o liberalismo: “Não era um instrumento de reforma

94
Trata-se de metáforas, cujas referências foram os clássicos seminais de Gilberto Freyre que, em Sobrados e
Mocambos, chamou a atenção para a constituição, durante o século XIX, “de uma Igreja também mais
independente das oligarquias regionais e mais pura na vida dos seus padres. De uma Igreja que começou a falar
mais alto e forte do que outrora pela voz dos seus bispos, até clamar, pela de D. Vital, contra os excessos do próprio
Governo de Sua Majestade e não apenas contra os de irmandades e confrarias: expressão do poder dos ricos, dos
letrados, dos próprios mecânicos.” Ver: FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala: formação da família
brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2004; FREYRE, Gilberto. Sobrados e
Mocambos: Decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. São Paulo: Global, 2013, p. 78.
95
ISRAEL, Jonataham I. Op. cit., p. 38.
96
VINCENT, Andrew. Ideologias políticas modernas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995, p. 36.
97
Ibidem, p. 36.
98
PEIXOTO, Antonio Carlos (org.). O liberalismo no Brasil imperial: origens, conceitos e prática. Rio de Janeiro:
Revan, 2001, pp. 24-25.
99
MERQUIOR, Jose Guilherme. O liberalismo: antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
100
PIÑEIRO, Théo Lobarinhas. Os projetos liberais no Brasil Império. Passagens. Revista Internacional de
História Política e Cultura Jurídica, Rio de Janeiro: vol. 2 no.4, pp. 130-152, maio-agosto 2010, p. 134.
34

social, mas de eliminação da subordinação a Portugal.”101 A segunda seria a dos “setores


desvinculados da propriedade”, para os quais “a luta contra a metrópole era também a
eliminação das barreiras sociais, a possibilidade da igualdade econômica – com garantia de
acesso à propriedade – o que implicava profunda alteração da estrutura social.”102 Se para estes
distintos modelos liberais foram centrais questões como a oposição ao jugo metropolitano, os
limites ao poder do imperador, a intensidade e o modelo da centralização jurídica política e
administrativa,103 o lócus da soberania104 e, no limite, até mesmo o problema da escravidão e
do sufrágio universal,105 não menos importante foi o papel da religião nas variadas formas
através das quais os valores do liberalismo tiveram recepção, apropriação e reprodução no
referido contexto.
As divisões no interior do clero, bem como seus alinhamentos políticos, contribuiriam
para dar cores aos projetos liberais que se delineavam. Dos últimos anos do primeiro reinado
até a regência de Diogo Feijó, com a formação de uma frente regalista e liberal, as questões
relativas ao poder do clero na sociedade e a oposição ao clero regular estiveram entre os pontos
mais polêmicos no que dizia respeito ao distanciamento das instituições típicas do Antigo
Regime. Tal ofensiva, coincidente com o período da ação nos dizeres de Justiniano José da
Rocha,106 foi caracterizada por Oscar Lustosa como uma tentativa de “libertar a sociedade e o
Estado de toda e qualquer influência clerical”.107 Mesmo se considerada um tanto quanto
hiperbólica a afirmação de Lustosa, as ofensivas contra as instituições eclesiásticas não
constituíram exceção e apareceram na Câmara e na imprensa. Em 1831, o periódico Aurora
Fluminense traria um requerimento da Comissão Eclesiástica da Câmara, cuja proposta tinha
por objetivo “tornar útil à Província de Minas Gerais um Seminário que existe na cidade de
Mariana”.108 O documento, assinado por Feijó, Antônio Maria Moura e José Bento Ferreira de
Melo, buscava informações sobre o referido seminário:

1º A cópia dos estatutos porque se rege aquele seminário.


2º O inventário dos bens, que constituem seu patrimônio, com declaração de seus
rendimentos, e os títulos legítimos de sua aquisição.

101
PIÑEIRO, Théo Lobarinhas. Op. cit., p. 134.
102
Ibidem, p. 134.
103
FERREIRA, Gabriela Nunes. Op. cit., pp. 23-49.
104
MOREL, Marco. Op. cit., pp. 99-147.
105
BASILE, Marcelo. Op. cit., pp. 168-172.
106
ROCHA, Justiniano José da. Ação; Reação; Transação. Duas palavras acerca da atualidade política no Brasil.
In: MAGALHÃES JR., R. Três panfletários do segundo reinado. São Paulo: Nacional, 1956, p. 163.
107
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Política e Igreja: o partido católico no Brasil, mito ou realidade? São Paulo:
Edições Paulinas, 1982, p.26. (Grifos do autor).
108
A Aurora Fluminense, nº 449, 27/06/1831.
35

3º Que o mesmo bispo informe como a administração daquele Seminário passou a ser
privativa de sua autoridade.
4º Que informe igualmente qual o numero de seminaristas, que ordinariamente costuma
ter aquele seminário, quanto paga cada um de pensão anual para o mesmo, e assim mais
quanto se exige deles a título de matrículas e outras despesas.109

Ao exigir detalhes sobre as finanças, o patrimônio e a situação legal do seminário de


Mariana,110 questionava-se a própria autoridade do bispo D. Frei José da Santíssima Trindade
(1762-1835), que em 1829 expulsara o padre liberal Antônio José Ribeiro Bhering do referido
seminário.111 D. José sofreria com perseguições de Bhering e dos liberais da Província de Minas
Gerais, dentre os quais estariam também, além do já citado José Bento Ferreira de Melo, os
padres José Antônio Marinho e José Custódio Dias.112 Assim, a pressão exercida pela Comissão
Eclesiástica revelava-se imbuída do espírito anticongregacionista, mas também estava imersa
na conjuntura política de afirmação do próprio grupo político moderado e dos sacerdotes
regalistas nele abrigados.
Essa verve que caracterizou os liberais, leigos ou clérigos, não foi um fenômeno
exclusivo do conturbado período regencial brasileiro. O próprio Correio Oficial de 1834 trazia
o longo projeto de decreto para a extinção das ordens religiosas em Portugal. O texto, de autoria
de Joaquim Antônio de Aguiar (1792-1884), alcunhado “Mata-Frades” e Ministro da Justiça do
então D. Pedro IV, afirmava que “a existência das Ordens Religiosas não combinam com as
máximas de uma sã política”, sendo:

duplamente prejudiciais à população: como celibatário deixam grande vazio nas


populações; como corpos de mão morta, absorvendo enormes propriedades, que não se
tornam mais a alienar, fazem com que o número considerável de indivíduos não possam
ter um palmo de terra, e por conseguinte se condene também a um celibato necessário.113

A extinção das Ordens Religiosas em Portugal ocorreu justamente no momento em que


Manuel Clemente caracterizou como um “cisma”, entre 1832 e 1841: “Desta ruptura brutal com
o passado eclesial português nasceria um ‘cisma’ que, embora nunca tenha sido formalmente

109
A Aurora Fluminense, nº 449, 27/06/1831.
110
O Seminário de Mariana foi centro de crises e conflitos desde os bispados que sucederam sua fundação em
1750, sendo o período de Dom Frei José um dos mais conturbados do século XIX. Ver: ALMEIDA, Gabriela
Berthou de. Jogos de poder: disputas em torno da administração do Seminário de Mariana, 1829-1835. Anais do
XXVII Simpósio Nacional de História. Natal: 2013, pp. 2-3.
111
Ibidem, p. 4.
112
SILVA, Wlamir. Liberais e povo: a construção da hegemonia liberal-moderada na província de Minas Gerais
(1830-1834). São Paulo: Hucitec, 2009, pp. 110-114.
113
Correio Oficial, nº 46, 26/08/1834.
36

declarado, dividiu na prática os nossos católicos”.114 Não só em Portugal, mas na conturbada


França da década de 1830, a oposição ao poder romano e aos seus representantes tomava conta
da esfera pública: “Desde 1793, Paris não era palco de uma tal explosão contra a cruz e a
auriflama”.115 Ao que parece, a onda liberal e nacionalista, que caracterizou a Europa a partir
da queda de Carlos X, guardava uma característica marcante da Era das Revoluções: “A
tendência geral do período de 1789 a 1848 foi, portanto, uma enfática secularização”.116 O
ataque às instituições da Santa Sé foi, desta maneira, uma tendência de amplo alcance
geopolítico, pois os “mosteiros foram dissolvidos e sua propriedade vendida de Nápoles à
Nicarágua”.117 O Brasil não ficaria imune a essa onda de contestação liberal, que teria sua maré
mais alta nos anos subsequentes à Independência a partir da ação do clero regalista liderado por
Feijó.
Diante da ofensiva anticongregacionista apontada por Hobsbawm, os defensores da
manutenção da ortodoxia romana, sintetizada nos privilégios e obrigações da rígida hierarquia
do clero, não permaneceriam passivos, sobretudo após a queda de Napoleão Bonaparte e a
Restauração monárquica empreendida pela Santa Aliança. Já em 1832, no refluxo das
Revoluções de 1830, o papa Gregório XVI (1831-1846) publicaria a encíclica Mirari Vos,
condenando os excessos do “indiferentismo” e das liberdades que ameaçavam os valores do
catolicismo.118 No Brasil, a partir da segunda metade da década de 1830, Romualdo Seixas e o
Visconde de Cairu (1756-1835)119 estariam entre os “que prepararam o terreno para a reforma
ultramontana”.120 Tal iniciativa tomaria força pari passu ao Regresso conservador, que
consistiu em um importante movimento para a percepção do contra ataque aos ventos mais
exaltados do liberalismo no Brasil. Cumpre salientar que esse combate foi crucial para que

114
CLEMENTE, Manuel. Igreja e Sociedade Portuguesa – Do Liberalismo à República. Porto: Assírio & Alvim,
2012, p. 52.
115
WINOCK, Michel. Op. cit., p. 174.
116
HOBSBAWM, E. J. The Age of Revolution, 1789-1848. New York: Vintage Books, 1996, p. 222. (Tradução
nossa).
117
Ibidem, p. 222. (Tradução nossa).
118
WINOCK, Michel. Op. cit., pp. 182-186.
119
José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, nasceu em Salvador em 1756. Filho de um arquiteto português,
frequentou a Universidade de Coimbra, destacando-se no estudo do grego e do hebraico e obtendo o bacharelado
em Direito Canônico e Filosofia. Lecionou na Bahia, além de exercer funções nos quadros da administração régia.
Leitor de Adam Smith, Silva Lisboa foi pioneiro na introdução dos princípios da economia clássica no contexto
luso-brasileiro, publicando em 1804 sua obra Princípios de Economia Política. Pugnando pela adesão ao
liberalismo econômico no território luso-brasileiro, destacou-se como um dos idealizadores da abertura dos portos
brasileiros. Entretanto, a defesa desse liberalismo econômico nas duas primeiras décadas do século XIX não
implicou em um posicionamento de vanguarda no que se referia aos costumes religiosos e à política. Em 1828, o
Visconde de Cairu escreveria uma obra defendendo a tese do celibato clerical, em resposta a Diogo Antônio Feijó.
Ver: ROCHA, Antônio Penalves (Org.). Visconde de Cairu (1756-1835). São Paulo: Ed. 34, 2001, pp. 9-24.
120
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Op. cit., p. 30.
37

fossem afastados do cenário político os elementos de certa tendência mais radical, incluindo
Feijó e seu círculo regalista e liberal.
O Regresso conservador teve sua origem ligada à fragmentação do heteróclito grupo
liberal moderado.121 Passou a ser frequente o apelo aos liberais doutrinários da Restauração
francesa,122 dentre eles Benjamim Constant (1767-1830) e François Guizot (1787-1874), além
dos filósofos de tradição inglesa, caso de Thomas Hobbes (1588-1689) e Jeremy Bentham
(1748-1832).123 Tais autores, ao fim e ao cabo, colaboravam para fundamentar um apelo ao
caráter restritivo das leis, com vistas à restauração da ordem, em meio ao “caos” político que
se instaurara. O principal articulador do Regresso foi o político mineiro por Bernardo Pereira
de Vasconcelos, que, no parlamento e na imprensa, empreendeu dura campanha de ataque a
Diogo Antônio Feijó, contando com o auxílio de Romualdo Seixas.124 A aproximação entre
Vasconcelos e D. Romualdo teve como um de seus projetos a ideia de elevar a irmã do futuro
Pedro II, d. Januária, à regência do Império, campanha que ocorreu durante o tempo em que o
padre de Itu esteve à frente do governo regencial.125
Na esteira dessas reflexões, ressalta-se que o debate sobre política e religião não ficou
circunscrito aos grupos formados no interior do clero, tampouco às alianças políticas tecidas a
partir destes e em seu entorno. Foi justamente durante o Regresso que se intentou a “cruzada
moralizadora com caráter religioso de nossos primeiros românticos”.126 Tal perspectiva foi
elaborada em um momento efervescente, caracterizado, no Brasil e na Europa, pela “retomada
dos valores religiosos, entendidos (...) como meio de estabilização social e condição para um
governo livre”.127 Essa retomada dos valores religiosos, coetânea ao Regresso conservador,
acabou por sintetizar uma oposição ao radicalismo revolucionário de 1789, cuja chama fora
reavivada nas jornadas europeias de 1830 e em algumas revoltas do período regencial

121
SILVA, Wlamir. Ser ou não ser liberal, eis a questão: a cisão da moderação mineira no contexto do Regresso
(1834-1837). Anais eletrônicos XVI encontro regional de história ANPUH-MG. Belo Horizonte, 2008, pp. 1-8.
122
Os doutrinários não deixariam de abordar a religião em suas obras, sendo, aliás, importantes referências no
sentido de uma apropriação liberal da religião, de um “sacerdócio moral”, de uma secularização espiritualizada.
Ver: BARROSO, Marco Antônio. Benjamin Constant de Rebecque, Schleiermacher e a epistemologia da
experiência religiosa. Sacrilegens, Juiz de Fora, v.7, n.1, p.33-44, 2010, pp. 34-37. BÉNICHOU, Paul. El tiempo
de los profetas: Doctrinas de La época romántica. Mexico, CEHILA/ Fondo de Cultura Económica, 2001, pp. 15-
70; FERRETTI, Danilo José Zioni. Gonçalves de Magalhães e o sacerdócio moral do poeta romântico em tempos
de guerra civil. Almanack, v. 02, p. 66-86, 2011, p. 82.
123
MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit., pp. 158-160.
124
CASTRO, Paulo Pereira de. A experiência Republicana, 1831-1840. In: HOLANDA, Sergio Buarque de(dir.)
e CAMPOS, Pedro Moacyr (assist.). História Geral da Civilização Brasileira, t. II, O Brasil Monárquico, v. 2,
Dispersão e Unidade. 5ª ed., São Paulo: Difel, 1985, pp. 44-45.
125
LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Op. cit., pp. 152 e segs.
126
FERRETTI, Danilo José Zioni. Op. cit., p. 68.
127
Ibidem, p. 78.
38

brasileiro.128 Em meio à retomada da moral religiosa cristã, deram-se a rearticulação das


representações sacras do poder real e a retomada do peso simbólico e moral da tradição católica
e monárquica, reafirmada na sagração de d. Pedro II, presidida por D. Romualdo Seixas.129
A reação que se intensificaria no Brasil a partir do final das Regências não era, portanto,
um fenômeno exclusivo daquele Estado nacional monárquico em formação. Tal movimento se
caracterizou pelo diálogo constante com a dinâmica de uma esfera pública euroamericana, a
qual envolvia diferentes matrizes intelectuais e tradições políticas, que tiveram nos clérigos e
agentes do catolicismo referências fundamentais. Múltiplas foram as maneiras de tratar as
tensões entre os universos valorativos da política e da religião, formando-se um multifacetado
quadro de sociabilidades diretamente relacionado à construção dos projetos de poder em disputa
no interior dos Estados nacionais. Portanto, mais do que transportar contextos e filiações
intelectuais, cumpre atentar para as recepções e apropriações que os agentes e grupos
destacados empreenderam com relação às referências do passado, à realidade do presente e aos
anseios do futuro.
Explanadas as linhas argumentativas gerais que lançarão luz sobre a presente reflexão,
faz-se necessário apresentar, ainda que de modo sucinto, a estrutura de capítulos partir da qual
será dividida a tese que ora se apresenta.
No capítulo 1, Entre o Antigo Regime e a Revolução: a nacionalização da religião e
a sacralização do Estado nacional, serão esboçadas as principais tensões e mudanças que
ocorreram no tocante às relações entre Igreja e Estado, política e religião, no contexto pós-
revolucionário na Europa e na América. Atentando-se para a oposição de Feijó e o apoio de
Romualdo Seixas às Cortes de Lisboa, a ação do clero e dos porta-vozes do catolicismo, na
formação do Estado nacional brasileiro, revelar-se-á no diálogo com a dinâmica transatlântica.
A análise da complexidade dessa esfera pública e suas sociabilidades políticas será aprofundada
a partir da referência ao processo de Independência e à subsequente consolidação da Carta de
1824.
Diante da intrínseca relação entre a ação dos referidos sacerdotes e a demarcação das
tendências por eles representadas no interior do clero brasileiro, será de importância
fundamental a análise de sua produção intelectual, política, filosófica e, no limite, doutrinária.
O capítulo 2, Diogo Antônio Feijó: jansenismo, ilustração e disciplina eclesiástica, buscará

128
PAULA, Alexandre Marciano de. O regresso em Minas Gerais: “Déspotas e republicanos” na imprensa mineira
(1837-1840). 2013. 162 f. Dissertação (Mestrado) – UFSJ/DECIS. São João del-Rei: 2013, pp. 91-95.
129
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002, pp. 71-91.
39

algumas referências que foram centrais para o pensamento regalista e liberal de Feijó. Os
primeiros anos de sua formação em Itu, no círculo dos padres do Patrocínio, servirão de base
para se identificarem diretrizes que guiavam a visão de mundo e a ação de Diogo Antônio Feijó,
com destaque para os autores da Ilustração e para os movimentos católicos de questionamento
à autoridade papal. Os escritos na imprensa, as falas no parlamento e os Cadernos de Filosofia
estarão entre as principais fontes para um esforço mais acurado de compreensão dos
posicionamentos do padre regente sobre os polêmicos pontos do reformismo que capitaneava.
O celibato, o dízimo, a administração financeira da Igreja, a presença das ordens religiosas no
Brasil e a possibilidade de uma missão protestante são algumas das questões que surgirão na
interseção entre referências intelectuais seculares e projetos políticos gestados no bojo do
liberalismo constitucional.
O capítulo 3, Romualdo Antônio de Seixas: padroado, regalismo e ortodoxia,
focalizará o pensamento do primaz do Brasil dentro das principais correntes de oposição às
liberdades revolucionárias que caracterizaram a contrarrevolução. Atentando para a formação
de d. Romualdo, na Congregação do Oratório de Lisboa, bem como para sua ação de sacerdote
e homem de Estado, buscar-se-á um aprofundamento na percepção do apelo à natureza de poder
típica do Antigo Regime para legitimar o lócus da soberania na figura sacralizada do monarca.
Para uma percepção mais nítida do espectro de valores defendidos por d. Romualdo, serão
importantes fontes variadas, a exemplo das Memórias do Marquês de Santa Cruz, dos diálogos,
sermões, panfletos e dos discursos no parlamento. A partir desses diferentes lugares de fala,
surgirão os liames entre a ação política no interior das instituições e o apelo a distintas tradições
intelectuais.
Para a ampliação de uma análise, à primeira vista, mais centrada nos indivíduos, nos
seus lugares de formação e em suas referências políticas e filosóficas, será enfatizado o
protagonismo exercido por Feijó e D. Romualdo no interior de dois grupos políticos específicos,
a saber, moderados e regressistas. Para tanto, os debates travados na imprensa serão as fontes
privilegiadas. No capítulo 4, Os regalistas liberais e a moderação, o foco central recairá sobre
o periódico Aurora Fluminense, mapeando os debates em torno do exercício das competências
eclesiásticas por parte do Estado brasileiro e da Santa Sé e também os principais argumentos
evocados para a legitimação de um posicionamento no qual convergiam as pautas do
liberalismo constitucional com uma percepção regalista do contrato Estado-Igreja. A ideia de
secularização surgirá, em grande parte, fundamentada pelo clero regalista e liberal, lócus de
importantes lideranças do heteróclito grupo liberal moderado. A afirmação da hegemonia
40

moderada passava pela afirmação da soberania do Estado sobre as questões religiosas, tocando
em delicadas questões institucionais e, no limite, doutrinárias. Essa perspectiva de
nacionalização emanava da pena de Evaristo da Veiga, capitaneada por Feijó, José Bento
Ferreira Leite de Melo, José Antônio Marinho e outros. Tais autores também aparecerão na
análise, que buscará esboçar sociabilidades políticas, além de produção, apropriação e
circulação de ideias no âmbito da esfera pública.
No capítulo 5, Regressistas e romanizados: reação e restauração, o percurso da
reflexão será traçado a partir da campanha do grupo regressista contra Diogo Antônio Feijó.
Evocavam-se as rusgas do regente com a Santa Sé e também suas opiniões de verve regalista
como a personificação de um espírito anárquico e revolucionário. O Sete de Abril, de Bernardo
Pereira de Vasconcelos, será o periódico de maior ênfase, sobretudo, por ter dado espaço às
demandas de D. Romualdo Seixas e sua defesa de uma soberania que resgatava a importância
do monarca constitucional, sob o manto de um catolicismo restaurado e expurgado das
abomináveis radicalidades do reformismo regalista de Feijó. Portanto, a defesa do Regresso e
da contenção das demandas revolucionárias passava pelo resgate e reformulação do cariz
sagrado da monarquia. Assim, o Regresso conservador apropriou-se das vertentes políticas que
tenderam a afirmar a importância do catolicismo romano. Mais do que a questão do espírito e
das consciências, e em diálogo com essas representações, a tendência ortodoxa, romana e
tridentina, reforçava o próprio projeto político e institucional dos regressistas, trazendo para
seu seio a influência de uma Igreja que reagia aos espíritos considerados revolucionários. Entre
o trono, o altar e a constituição, eram construídas as identidades políticas e esboçados os
projetos de poder para o Estado nacional brasileiro. Tal complexidade exigirá, por fim, uma
análise da realidade que busque o diálogo entre uma história intelectual do político e uma
sociologia política dos intelectuais.
Em seguida, a tese trará sua Conclusão. Por fim, serão apresentadas a as fontes
documentais e as referências bibliográficas.
41

Capítulo 1
ENTRE O ANTIGO REGIME E A REVOLUÇÃO: A NACIONALIZAÇÃO DA
RELIGIÃO E A SACRALIZAÇÃO DO ESTADO NACIONAL

Imersa nas estruturas do Padroado e nas práticas regalistas, a relação entre a Igreja e os
Estados nacionais católicos do Ocidente euroamericano, após a Revolução Francesa, manteve
os ares de evidente complexidade. Nesse cenário de tensão e síntese, ganhou força o avanço de
um processo de secularização dos espíritos e consciências, permeado por “limiares de
laicização”,1 já esboçado pela afirmação das prerrogativas do poder temporal sob os auspícios
do absolutismo monárquico, cujo regalismo fora uma das expressões mais evidentes. Sobre os
referidos processos de secularização e laicização, Fernando Catroga destacou sua intrínseca
relação, ao mesmo tempo em que ponderou suas diferenças. Nas “sociedades modernas
ocidentalizadas”, a secularização seria a perda de protagonismo da “religião institucionalizada
(...) na produção e na reprodução do elo social e na atribuição de sentido. O que se não implicou
o desaparecimento do sagrado, provocou uma maior eufemização das fronteiras entre o
religioso e o não-religioso.”2 Já a laicização “consistiu na libertação do Estado dos seus nexos
com as Igrejas e confissões religiosas, a fim de ser possível instituir, mediante um sistema de
ensino obrigatório, gratuito e laico, uma orientação comum a todo o láos, ou melhor, a toda a
cidade.”3
No alvorecer do século XIX, o poderio material e simbólico da Igreja católica
encontrava-se deveras abalado pelo ímpeto secular, porém, seus porta-vozes mostraram-se
resistentes aos imperativos de laicização que, por vezes, sustentavam-se a partir da referência
aos valores mais radicais da Ilustração. Assim, a estruturação institucional e constitucional dos
Estados nacionais pós-revolucionários não prescindiu da sua “fusão e osmose” com a estrutura

1
O termo foi utilizado por Jean Baubérot e Séverine Mathieu, em análise sobre o caso francês, para delimitar os
primeiros impulsos de laicização, caracterizados por certa fragmentação institucional e autonomização das esferas
educacional, médica, jurídica e política, além do reconhecimento de outros cultos religiosos. No caso do Brasil, o
espírito secular que caracterizou o projeto regalista e liberal não chegou a questionar integralmente a religião
oficial do Estado e a importância social, política, jurídica e institucional do catolicismo, embora tenha engendrado
a defesa do casamento civil e, por conseguinte, a maior tolerância com relação a outros cultos. Mesmo na França,
a consolidação de um Estado laico foi um processo longevo, com “avanços” e “recuos”, que perpassou todo o
século XIX e estendeu-se até o início do século XX. Ver: BAUBÉROT, Jean; MATHIEU, Séverine. Religion,
modernité et culture au Royaume-Uni et en France (1800-1914). Paris: Seuil, 2002, pp. 142-143.
2
CATROGA, Fernando. Entre deuses e Césares: secularização, laicidade e religião Civil: uma perspectiva
histórica. Coimbra: Edições Almedina, 2010, p. 62.
3
Em suma, para Catroga, “se toda a laicidade é uma secularização, nem toda a secularização é (ou foi) uma
laicidade e, sobretudo, um laicismo.” O autor distinguiu laicidade, “neutralidade” ou “indiferença” com relação
aos valores religiosos, de laicismo, homogeneização da “mundividência” protagonizada por um “Estado-
pedagogo” ou “Estado-reitor”. Ver: CATROGA, Fernando. Op. cit., pp. 273, 301-303. (Grifos do autor).
42

da Igreja.4 A teocracia religiosa típica do Antigo Regime, é verdade, incomodava os pensadores


e políticos liberais, sendo o mesmo válido para certo republicanismo democrático. Encontrar o
justo meio como princípio norteador da política e da razão de Estado passava também por
enfrentar o problema religioso, situando os temas sagrados em posição de afastamento em
relação ao espírito tridentino de certos setores da Igreja e, ao mesmo tempo, também em relação
ao espectro do ateísmo, ventilado pelos herdeiros das vertentes ilustradas mais radicais.
Portanto, os valores da espiritualidade católica na esfera pública foram centrais para o cultivo
de um espírito secular que se deu em constante diálogo com as tradições religiosas vigentes,
mas também redundou, sobretudo na França, em ofensivas de laicização de algumas práticas
institucionais.
No clássico O Antigo Regime e a Revolução, Alexis de Tocqueville assinalou o aspecto
religioso da Revolução Francesa, “uma revolução política que operou à maneira e em certo
sentido assumiu o aspecto de uma revolução religiosa”.5 Para Tocqueville, a difusão dos ideais
revolucionários ocorrera a partir da “pregação”, da “propaganda” e do “proselitismo”, em um
processo que “considerou o cidadão de um modo abstrato, apartado de todas as sociedades
particulares, assim como as religiões consideram o homem em geral, independentemente do
país e da época”.6 Em sentido próximo ao do pensador francês, Benedict Anderson ponderou
sobre o contexto europeu: “O marxismo e o liberalismo não se importam muito com a morte e
a imortalidade. Se o imaginário nacionalista se importa tanto com elas, isso sugere sua grande
afinidade com os imaginários religiosos.”7 Com efeito, as rupturas e redefinições de certa
percepção sacralizada do universo político representaram uma importante nuance do processo
de formação das “comunidades políticas imaginadas”. Contudo, ao analisar a dinâmica política
das primeiras décadas do século XIX, contrariando em algum sentido o postulado de Anderson,
pode-se dizer que o próprio liberalismo, um movimento abarcado por práticas institucionais e
teorias políticas, teve no papel da religião e da Igreja um grande campo de interesse:

Os dilemas da filosofia liberal decorrem de sua difícil posição entre duas tradições
consagradas. Em um polo, a Igreja e a ingerência teocrática na sociedade; em outro, os
filósofos da objetividade, e o perigo da desumanização em seu ensinamento. O
liberalismo devia necessariamente buscar seu caminho fora destas duas influências e
4
HAUPT, Heinz-Gerherd. Religião e nação na Europa no século XIX: algumas notas comparativas. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 22, n. 62, p. 77-94. 2008, p. 79. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em
17/04/2018.
5
TOCQUEVILLE, Alexis de; MAYER, J. P. O antigo regime e a revolução. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2009, p. 14.
6
Ibidem, p. 14-15.
7
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São
Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 36.
43

contra elas. Porém, para rechaçar de vez as duas doutrinas, a filosofia liberal, em certo
sentido, admitiu ambas.8

Os esforços parar superar o dilema do liberalismo diante da religião, tanto em sua


dimensão filosófica quanto no sentido de seu uso político, ocorreram em múltiplos espaços,
envolvendo indivíduos, grupos e instituições, em suas redes de interdependência e
sociabilidade. De um modo geral, dois movimentos distintos, porém complementares,
nortearam os debates travados na esfera pública. O imperativo pela nacionalização da religião
significou uma sistemática ação dos representantes dos Estados nacionais em (trans) formação
no sentido de ampliar seu alcance sobre as questões correlatas às competências eclesiásticas, a
exemplo dos debates sobre a administração das ordens e de seus recursos. Ao mesmo tempo, e
com distintas apropriações por parte de diferentes setores políticos, intelectuais e religiosos,
assistiu-se à sacralização do Estado nacional, processo no qual o vocabulário político
empregado louvava as novas demandas liberais, criando um universo valorativo que buscava
deslocar do rei para a Constituição as prerrogativas sacrais e imaculadas.9
Cumpre destacar que os esforços pela sustentação do arranjo de poder entre o século e
a Eclésia e pela sacralização do discurso e das práticas políticas também serviu àqueles que
buscavam mitigar os avanços mais incisivos em direção a uma agenda política secular. Nesse
sentido, os setores que se opunham ao reformismo regalista destacaram a importância do
catolicismo em sua dimensão ortodoxa e romanizada, marca civilizacional do Estado nacional
em formação e sustentáculo simbólico e moral da monarquia constitucional brasileira. Assim,
conforme os arranjos políticos estabelecidos e as matrizes teóricas mais fortes no interior dos
grupos detentores de maior capilaridade política e institucional, as perspectivas de
nacionalização da religião e de sacralização do Estado nacional. As novas demandas
constitucionais e liberais legitimaram-se em uma relação dialética com as variantes do
catolicismo luso-brasileiro, enraizadas social e politicamente desde os tempos coloniais. A
formação do Estado nacional independente engendrava, em sua composição, a herança do
catolicismo luso-brasileiro colonial. Os novos tempos estavam repletos de antigos valores
repaginados, a contemporaneidade constituía-se no decurso de apropriações seletivas da “não-
contemporaneidade”.10

8
BÉNICHOU, Paul. Op. cit., pp. 31-32. (tradução nossa).
9
HAUPT, Heinz-Gerherd. Op. cit.
10
BLOCH, Ernst. Héritage de ce temps. Paris: Payot, 1978, p. 8.
44

1.1 Igreja e Estados nacionais em Europa e América: Revolução, contrarrevolução e


Independência

Nos anos subsequentes à onda revolucionária na França, os agentes do catolicismo


buscaram redefinir suas prioridades e sua ação ao “reinvestir o espaço público e se reapropriar
das prerrogativas que a Revolução havia destruído”.11 A crítica à Revolução já havia ganhado
corpo nos escritos de Edmund Burke (1709-1797), com suas Reflexões publicadas ainda em
1790.12 No entanto, a última década do século XVIII significou a afirmação da liberdade e o
auge da supremacia dos poderes temporais sobre a Eclésia. Tal supremacia foi diretamente
influenciada pela “dessacralização” que marcou a Ilustração e pela “transferência de
sacralidade” empreendida durante a Revolução.13 Nesse contexto, a Constituição Civil do Clero
(1790) seria a expressão de um galicanismo mais acentuado que o do Antigo Regime francês,
e o limite da sacralização da esfera civil se daria a partir de um culto no qual a Razão, o Ser
Supremo, monopolizaria o lócus sagrado.14 Já em 1801, a concordata entre Napoleão (no poder
entre 1799-1815) e o papa Pio VII (1800-1823), estabeleceu que a Igreja fosse “aparelho de
Estado”,15 marcando “a vitória religiosa do catolicismo romano e a vitória política, social e
cultural da Revolução francesa”.16 Assim, a partir do consulado, os porta-vozes do catolicismo
pouco afeito ao ideal das Luzes conseguiriam, não sem resistência, algum espaço na cena
pública, resgatando a oposição às demandas revolucionárias e inaugurando um século marcado,
em muitos Estados nacionais euroamericanos pelo contínuo esforço de preservar a aliança entre
Igreja e Estado.17
Dentre os que denunciaram os perigos da supremacia da ciência e da razão na França de
Napoleão, estaria o impressor e livreiro François-Augustin Lèclere, responsável pelo periódico

11
CHAPPEY. Jean-Luc. «Catholiques et sciences au début du XIXe siècle». Cahiers d'histoire. Revue d'histoire
critique [En ligne], 87 | 2002, mis en ligne le 01 avril 2005, consulté le 17 avril 2013, p. 1. URL :
http://chrhc.revues.org/1653. (Tradução nossa).
12
Edmund Burke, irlandês radicado em Paris, é considerado pai do conservadorismo e responsável pela síntese de
um pensamento contrarrevolucionário em sua obra Reflexões sobre a Revolução na França, na qual defendeu a
monarquia constitucional inglesa e se opôs aos clamores revolucionários jacobinos. Ver: SOUZA, Jamerson
Murillo Anunciação de. Edmund Burke e a gênese do conservadorismo. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 126, p. 360-
377, maio/ago. 2016, pp. 362-374.
13
CHARTIER, Roger. Origens culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Editora UNESP, 2009, pp. 147-170
14
BAUBÉROT, Jean; MATHIEU, Séverine. Op. cit., p. 125;VOVELLE, Michel. Op. cit., pp. 44-45.
15
CHAPPEY. Jean-Luc. Op. cit., pp. 6-8.
16
BAUBÉROT, Jean; MATHIEU, Séverine. Op. cit., p. 124. (Tradução nossa).
17
WEILL, Georges. Historia de la idea laica en Francia en el siglo XIX. Sevilla: Comunicación Social Ediciones
y Publicaciones, 2006, p. 16.
45

Annales philosophiques, morales et littéraires.18 Nele, publicar-se-ia, ainda em 1800, uma


análise das relações entre a Espanha e a Santa Sé, na qual era ressaltada a “harmonia” entre as
partes.19 Porém, uma ameaça à suposta harmonia viria das penas do diplomata francês Jean-
François de Bourgoing (1748-1811).20 Segundo o periódico, em sua obra Tableau de l’Espagne
Moderne, Bourgoing combateria as “pretensões ultramontanas” de Roma, advogando a
necessidade de “argumentar contra o papa e suas excomunhões” e sendo-lhe característica
recorrente “excitar a inveja e a ganância financeira contra os bens eclesiásticos da Espanha,
esperando que sejam deserdadas traiçoeiramente doze a vinte mil libras que a constituição civil
havia alocado”.21 A “nefasta” influência de uma perspectiva liberal, anticongregacionista e
secular, viria, deste modo, da França e dos representantes de seu Estado nacional. Urgia
defender as prerrogativas ameaçadas pela Constituição Civil do Clero.
O início da Era Napoleônica apresentaria um quadro de recrudescimento da tensão entre
as vozes sobreviventes do Antigo Regime e os defensores de certas prerrogativas
revolucionárias. Nesse momento, publicações como Génie du christianisme (1802), de
François-René de Chateubriand (1768-1848), “reabilitavam, na esfera da sociedade e da
civilização, a ação passada do cristianismo”.22 Não obstante a campanha pelo catolicismo no
âmbito de uma intelectualidade política e religiosa, a tutela do Estado sobre os domínios
simbólicos e materiais da Igreja caracterizaria os anos do Império. O poder civil reafirmaria sua
legitimidade ao incentivar o desenvolvimento das ciências e impor sua autoridade perante as
instituições de ensino, mantendo-as apartadas da influência eclesiástica. As investidas dos
defensores de Roma na esfera pública, apesar de demarcarem a existência de uma polarização
e de um campo de legitimidade em disputa, não obtiveram êxito suficiente diante do imperador,
que coroou a si mesmo, em clara afronta ao papa, sacralizando sua autoridade e a de seu Estado.

18
François-Augustin Lèclere (176? –18..) protagonizou a reconquista católica na França, especializando-se na
venda de livros religiosos, reunindo autores católicos em torno de si e disponibilizando seus serviços de livreiro e
editor à causa do catolicismo. Ver: CHAPPEY. Jean-Luc. Op. Cit., p. 2.
19
Église d’Espagne. Annales philosophiques, morales et littéraires ou suite des annales catholiques (tome second).
Paris, p. 193, 1800. Disponível em:
http://www.europeana.eu/portal/pt/record/9200143/BibliographicResource_2000069511467.html Acesso em
08/02/2017.
20
Jean-François de Bourgoing nasceu em Nevers. Estudou direito público em Estrasburgo, servindo na carreira
militar e, depois, como diplomata, sob Luiz XVI, em Hamburgo e Madrid. No período do Terror (1793-1794),
salvou-se das perseguições e chegou a trabalhar na área administrativa de sua terra natal. Durante o Império de
Bonaparte (1801-1815), serviu em Estocolmo e Dresden. In: OLIVA, Antonio et al. Dicionario historico ó
biografia universal compendiada. Barcelona: libreria del editor Narcoiso Oliva, 1831, pp. 57-58. Disponível em:
https://books.google.es/books?pg=PA60&dq=diccionario&id=nCIIAAAAQAAJ&hl=es#v=onepage&q&f=false
Acesso em 30/01/2017. (Grifos do autor).
21
Église d’Espagne. Annales philosophiques, morales et littéraires ou suite des annales catholiques (tome second).
(grifos do autor) Paris, p. 196.
22
BÉNICHOU, Paul. Op. cit., p. 99. (Tradução nossa).
46

Tal quadro passaria a sofrer uma modificação a partir da queda do Império napoleônico e da
subsequente Restauração monárquica empreendida pelos muitos inimigos do general
Bonaparte.
O Congresso de Viena (1814-1815), em resposta às rupturas e redefinições das
identidades políticas causadas pelas Guerras Napoleônicas (1803-1815), combateu alguns
princípios liberais e os nacionalismos, que pareciam surgir e agravar ainda mais a instabilidade
instaurada.23 Em 1815, a assinatura do Tratado da Santa Aliança evocava o peso da religião no
contrato entre a maioria das monarquias europeias, no sentido de conferir legitimidade ao
documento. No ano de 1819, na França, onde a Constituição de 1814 havia reforçado a aliança
entre o Trono e o Altar, Joseph de Maistre publicaria sua obra Du pape, dando “beneplácito ao
pensamento teocrático e ao ultramontanismo, isto é, a submissão à autoridade do Papa e o
primado da Igreja romana”.24 Quanto ao próprio núcleo da Santa Sé, fora da Santa Aliança,
ainda afetado pelo dano dos desmandos napoleônicos e por três sucessões papais em menos de
dez anos (1823-1831), o protagonismo no combate aos anseios liberais seria intensificado
imediatamente após os levantes de 1830, sob o papado de Gregório XVI (1831-1846). Em 1832,
a encíclica Mirari Vos condenaria a liberdade de consciência, a liberdade de imprensa e as vozes
que se erguiam contra o Padroado, em especial a de Lamennais e seu periódico L’Avenir:

condenamos veementemente a detestável insolência daqueles que, inflamados pela


insana e desenfreada busca de uma liberdade sem restrições, são totalmente voltados à
manipulação, na verdade, para arrancar qualquer direito do Principado, para em seguida
levar aos povos, sob a cor da liberdade, a mais dura servidão.25

Apesar de não citar nominalmente Lamennais, a encíclica Mirari Vos foi apresentada
no calor das contendas envolvendo o referido filósofo e a Santa Sé. As condenações do Sumo
Pontífice atacavam diretamente as pretensões de separação entre os poderes civil e eclesiástico,
uma das mais caras pretensões daquele que passaria de ultracatólico a defensor de uma
secularização espiritualizada, fundamentada “no desejo de reconciliar Deus e a liberdade”. 26
Verdadeiro libelo acusatório contra as ameaças seculares aos valores religiosos e políticos do
catolicismo, o documento de Gregório XVI atentaria ainda para problemas no interior da

23
HOBSBAWN, Eric. Op. cit., p. 100. (Tradução nossa).
24
WINOCK, Michel. Op. cit., p. 63.
25
GREGÓRIO XVI. Mirari vos. 15/08/1832, p.8. Disponível em http://w2.vatican.va/content/gregorius-
xvi/it/documents/encyclica-mirari-vos-15-augusti-1832.html Consultado em 07/02/2017. (Tradução nossa).
26
WINOCK, Michel. Op. cit., p. 186.
47

própria Igreja, caso da “imunda conspiração contra o celibato clerical”. 27 Um ano depois, em
1833, começariam as rusgas entre o Papa e o Estado brasileiro sobre a indicação de Maria
Moura para o bispado do Rio de Janeiro. Essas brigas se intensificariam durante a regência de
Feijó (1835-1837) que, como já salientado, advogava arduamente pelo fim do impedimento ao
matrimônio para os clérigos.
Essas transformações no cenário político e religioso pós-revolucionário foram sentidas
de maneira profunda na América Latina, tendo influenciado as nações que se formavam em
diálogo e tensão com as outroras metrópoles católicas, suas heranças e movimentações
políticas. Nos antigos domínios espanhóis, o impacto do republicanismo acabou por acentuar
as clivagens entre a Igreja e os Estados, resultando em uma relação “fortemente marcada pelo
conflito político em torno do Padroado e pelo conflito social em torno das leis secularizantes”.28
A nova perspectiva liberal traria um questionamento ao poder da Sé romana, em uma conjuntura
marcada pela recorrente vacância de dioceses, situação em que “a posição intelectual da Igreja
foi abalada. As mesmas pessoas de razão que repudiaram a monarquia absolutista também
contestaram a religião revelada, ou pelo menos pareceram fazê-lo”.29 Ademais, dentre os mais
aguerridos defensores das demandas do nacionalismo e do liberalismo, estariam os membros
do clero, sobretudo do baixo clero secular, o qual enfrentou resistência da alta hierarquia
eclesiástica representada pelos bispos alinhados ao ideal realista da coroa espanhola.30
A perspectiva secular, com forte apelo ao monopólio das competências eclesiásticas
pelo poder civil, teve uma das mais contundentes defesas na ação do líder Simón Bolívar (1783-
1830). Tal posicionamento revelou-se no Discurso ante o Congresso Constituinte da Bolívia
(1825), texto que sintetizava as principais ideias de Bolívar sobre seu projeto de Constituição
para a Bolívia. Na ocasião, Bolívar defendeu que os senadores dariam “forma aos códigos e
regulamentos eclesiásticos” e velariam “pelos tribunais e pelo culto”. 31 Já as principais
autoridades da Igreja – arcebispos, bispos, dignidades e cônegos – seriam indicadas pelo Senado

27
GREGÓRIO XVI. Op. cit., p. 4 Disponível em http://w2.vatican.va/content/gregorius-
xvi/it/documents/encyclica-mirari-vos-15-augusti-1832.html Consultado em 07/02/2017. (Tradução nossa).
28
COUSIÑO, Carlos. La formación de los Estados nacionales y su relación con la iglesia y la sociedade. In:
HÜNERFELD, Peter; SCANNONE, Juan Carlos; ECKHOLT, Margit. América Latina y la doctrina social de la
Iglesia: diálogo latinoamericano-alemán. Buenos Aires, Argentina: Ediciones Paulinas, 1992, p. 145. (Tradução
nossa).
29
BETHELL, Leslie. A Igreja e a Independência da América Latina. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da
América Latina: Da Independência a 1870, volume III. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Brasília,
DF – Fundação Alexandre Gusmão, 2009, p. 269.
30
Ibidem, p. 267.
31
BOLÍVAR, Simón. Discurso ante o Congresso Constituinte da Bolívia. In: BOLÍVAR, Simón. Escritos
políticos. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1992, p. 111.
48

à Câmara de Censores,32 sendo irrestrito o domínio senatorial sobre as questões correlatas ao


campo eclesiástico: “É da alçada do Senado tudo o que pertence à religião e às leis”.33 Ao que
parece, o regalismo anticongregacionista caracterizou as primeiras iniciativas liberais e
constitucionais da Bolívia independente.
Para Karl Marx, uma das principais influências políticas de Bolívar teria sido Napoleão
Bonaparte: “Bolívar deu livre curso a suas inclinações para o poder arbitrário, e introduziu o
‘Código Boliviano’, numa imitação do Código Napoleônico.”34 O texto de Marx guarda
limitações, pois, foi escrito em uma conjuntura de oposição a Napoleão III (1852-1870) e
embebido em certa concepção teleológica dos “povos sem história”, apartados do poder
emancipatório da luta de classes e repositórios de lideranças questionáveis. 35 Contudo, no que
diz respeito às questões eclesiásticas, a análise de Marx não deixa de fazer sentido, haja vista a
secularização empreendida pelo Código Civil de Napoleão. O referido corpo de leis havia
afirmado a tutela do Estado sobre a Igreja e estabelecido a tolerância religiosa, princípios
adotados pela maioria das repúblicas hispano-americanas.36 Ademais, o Decreto sobre
Educação popular, de Bolívar (1825),37 confiscando os bens eclesiásticos, e as medidas
reformadoras de Sucre, nos anos subsequentes, foram exemplares no que dizia respeito aos
ataques do bolivarianismo sobre o poder da Igreja.
Antonio José de Sucre (1795-1830) nasceu em Cumana, atual Venezuela. Formou-se
em engenharia e matemática em Cartagena e teve uma intensa carreira de militar e estadista.
Ao lado de Bolívar, foi um dos mais importantes nomes da emancipação das antigas colônias
da Espanha na América. Na presidência da Bolívia (1825-1828), empreendeu grandes
transformações no domínio eclesiástico, com profundo impacto na organização econômica e
política da Igreja. Suprimiu e reorganizou as ordens regulares e irmandades religiosas,
confiscou o tesouro da Igreja e aboliu capelanias, sacristias, obras pias e fundações, secando os
dividendos para as obras da Sé romana. Encarnando o regalismo que caracterizou os Estados

32
A Câmara de Censores consistia em uma terceira câmara, no âmbito do poder Legislativo da república boliviana.
Suas atribuições eram múltiplas: “além de ter em suas mãos a defesa da Constituição, dos tratados públicos, da
boa administração, da moral, das ciências, das artes e da educação, deveria contribuir para o estabelecimento de
um saudável equilíbrio e impedir conflitos entre as duas câmaras clássicas”. In: SORIANO, Graciela. Introdução.
In: BOLÍVAR, Simón. Op. cit., p. 29.
33
BOLÍVAR, Simón. Op. cit., p. 111.
34
MARX, Karl. Simón Bolívar por Karl Marx. São Paulo: Martins, 2008, p. 52.
35
ARICÓ, José M. Marx y América Latina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2010, pp. 166-169.
36
BETHEL, Leslie. Op. cit., p. 271.
37
ARZE, José Roberto (Org.). Antología de documentos fundamentales de la historia de Bolivia. La Paz:
Biblioteca del Bicentenario de Bolivia, 2015, p. 182-184.
49

absolutistas ibéricos, regulamentou a hierarquia eclesiástica, sob os auspícios do poder civil.38


Sobre a polêmica questão do celibato, em 1828, El Condor de Bolivia, o periódico oficial do
governo, transcreveria na íntegra o voto que Diogo Antônio Feijó havia proferido na
Assembleia.39 Uma pequena nota introdutória afirmava que: “A este respeito luminosamente
falou o Sr. Deputado Antônio Feijó”.40
O arranjo de poder regalista e secular proposto pelo Libertador foi de grande influência
para a reconfiguração das identidades socioeconômica, política e cultural das novas nações
hispano-americanas. Das contas do tesouro ao esboço de uma política educacional, era preciso
lidar com as hierarquias e assimetrias do clero, com suas diferentes tradições intelectuais, com
as tessituras políticas em que se envolvia e protagonizava. A partir da década de 1830, com a
morte de Bolívar e Sucre, “o presidente Santa Cruz deu um giro nesta política anticlerical e
autorizou o retorno dos religiosos franciscanos”.41 Contudo, as polêmicas em torno da oposição
à ortodoxia romana e às ordens regulares continuariam a pautar as disputas na cena pública
durante o século XIX.42 Portanto, as principais demandas pela nacionalização da religião foram
gestadas no Velho Mundo e atravessaram o Atlântico, sobretudo, a partir dos ventos trazidos
pela Revolução francesa que incidiram sobre as Independências latino-americanas.43 O Brasil,
inserido na especificidade do mundo luso-brasileiro, não ficaria apartado desse processo.

1.2 O mundo luso-brasileiro

A peculiar sedimentação dos ideais ilustrados no Portugal setecentista intensificou os


embates entre o Estado e a Igreja, cujas relações já haviam sido rompidas: “entre 1728 e 1732,
em resultado da recusa da Santa Sé em conceder o barrete cardinalício a Monsenhor Vicente
Bichi, que fora núncio na corte portuguesa”.44 Esta e outras investidas diplomáticas de d. João

38
LOFSTROM, William L. La Presidencia de Sucre en Bolivia. La Paz: Fundación Cultural Banco Central de
Bolivia y el Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello, 2015, pp. 147- 214.
39
BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão em 10/10/1827. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível
em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 07/02/2017.
40
El Condor de Bolivia, nº 120, 20/03/1828.
41
LEMA, Ana M. L. Construyendo la nación desde el océano hasta la selva. In: ROMANO, Rossana B.; GARRET,
Ana M.; PARADA, Pilar Mendieta. Bolivia, su Historia (Tomo IV): Los primeros cien años de la República (1825-
1925). La Paz: Coordinadora de Historia, 2015, p. 119.
42
KLAIBER, Jeffrey. Religion y revolucion en el Peru, 1824-1988. Lima: Centro de Investigación de la
Universidad del Pacífico, 1988, pp. 20-37.
43
BONILLA, Heráclito. O impacto da Revolução francesa nos movimentos de Independência da América Latina.
In: COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução francesa e seu impacto na América Latina. São Paulo: Nova Stella, 1990,
pp. 151-157.
44
MONTEIRO, Nuno Gonçalo (1999/2000). Relações de Portugal com a Santa Sé no reinado de D. João V. Janus
– Espaço online de Relações Exteriores. Vol. 4. Lisboa: 1999-2000. Disponível em:
http://janusonline.pt/1999_2000/1999_2000_1_18.html#dados
50

V (1706-1750) contribuíram para que se aprofundassem as diferenças políticas entre os próceres


da monarquia portuguesa e os setores religiosos resistentes à penetração de certos ideais de
legitimação do poder real. Já no reinado de d. José I (1750-1777), destacou-se a figura do
Marquês de Pombal (1699-1782) e sua política embebida em um reformismo que “apropriou-
se seletivamente das ideias trazidas pelas Luzes”.45 Ainda em 1760 o núncio apostólico fora
expulso de Lisboa e as relações entre os dois Estados sofreu nova ruptura, que só seria
distendida em 1770, revelando o endurecimento do despotismo ilustrado português para com o
poder da Sé romana. Apesar das duras consequências da ação de Pombal à prática religiosa,
sobretudo pela expulsão dos jesuítas, esse movimento de ascendente poder monárquico não
resultou em omissão por parte do Estado sobre os temas religiosos, mas na adequação aos seus
interesses de determinados grupos envolvidos na hierarquia politica e eclesiástica.
Desse modo, a especificidade do mundo luso-brasileiro, no processo de nacionalização
da religião e de sacralização do Estado nacional do pós-Revolução Francesa, esteve ligada à
herança das relações, permeadas por tensões e diálogos com diferentes intensidades, entre a
monarquia portuguesa e a Santa Sé. Durante o reinado de d. Maria (1777-1816), à frente do
qual esteve seu filho desde 1792 no posto de regente, empreenderam-se esforços pela “reforma
e ‘regeneração’ da Igreja e das suas ordens tradicionais (...) de tal modo que chega a ser criada
uma Junta de Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens Religiosas em
1789 para o efeito”.46 Contudo, o foco no resgate de algumas forças de oposição às Luzes no
reinado mariano não representou uma ruptura intensa com o reformismo de Pombal e, sim, um
intuito de “dar continuidade ao [reinado] que lhe antecedeu e, ao mesmo tempo, fazer-lhe
reparos em relação às medidas que não aprovava e alterar alguns rumos.”47 A Viradeira,
contexto de mudanças ocorridas nas décadas subsequentes a Pombal, não significou tão
somente “reação contra sua obra”,48 mas readequação, haja vista que as reformas iniciadas no
reinado josefino (1750-1777) integravam o Reformismo Ilustrado português que teve
continuidade nos reinados de d. Maria I (1777-1816) e d. João VI (1816-1826).49

45
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., p. 123.
46
FRANCO, José Eduardo. Relações entre a Igreja e o Estado em Portugal. Tempos e modos: Casamento,
Divórcio e União de facto. Lisboa: CLEPUL, 2011, p. 21.
47
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., p. 183.
48
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 68.
49
VILLALTA, Luiz Carlos; MORAIS, Christianni Cardoso; MARTINS, João Paulo. As reformas ilustradas e a
instrução no mundo luso-brasileiro... Op. cit., p. 33.
51

O Brasil esteve no epicentro desse contexto de transformações que levaram ao “fomento


e difusão dos estudos naturais na colônia, até então tidos como ‘suspeitos e ignóbeis’”. 50 A
própria ação dos sacerdotes e das instituições religiosas foi central para a propagação do
conhecimento científico em terras brasileiras ao final do século XVIII. Exemplo emblemático
foi a fundação, em 1798, pelo bispo d. José Joaquim de Azeredo Coutinho,51 do Seminário de
Olinda, o qual possuía um “currículo inteiramente voltado para a modernização do ensino,
dando ênfase especial à Botânica e à Mineralogia”.52 Os agentes do clero perfaziam parte
significativa da elite intelectual e política que, ao contribuir para o desenvolvimento científico
e tecnológico na América portuguesa, influenciou os rumos da própria Independência:

O papel do clero no processo de nossa emancipação não se limitou à difusão de suas


ideias liberais, por vezes até revolucionárias e radicais; também tiveram sua função na
inovação das técnicas rurais e nas tentativas do pragmatismo ilustrado de modernização
da colônia.53

Em fins do século XVIII e inícios do século XIX, sacerdotes e outros adeptos do


catolicismo utilizaram-se dos espaços de produção científica para ventilar suas ideias, expor
seus descontentamentos e desenvolver seus projetos, equacionando, a partir de visões distintas,
o peso que Estado e Igreja deveriam ter na relação da sociedade com a religião. Homens do
quilate de um Azeredo Coutinho carregariam o peso da tradição intelectual gestada no bojo do
despotismo ilustrado português. Ao mesmo tempo, Diogo Feijó representava a tradição de um
clero brasileiro “francamente revolucionário”.54 Já d. Romualdo Seixas traria, em sua ação e
em suas ideias, a oposição às demandas revolucionárias, repudiando os ataques sofridos pelas
ordens regulares, ataques esses que tinham amplo espaço entre a burguesia leiga europeia e no
interior do próprio clero brasileiro.55

50
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Aspectos da ilustração no Brasil. In: DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A
interiorização da metrópole e outros ensaios. São Paulo: Alameda, 2005, p. 53.
51
José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho nasceu em 1743 na vila de Campos, Rio de Janeiro. Estudou
direito canônico em Coimbra, logo após as reformas de Pombal. Esteve à frente dos bispados de Pernambuco, Beja
e Elvas. Nomeado deputado do Santo Ofício, foi o último inquisidor-mor do referido tribunal. Exerceu o posto de
governador interino da capitania de Pernambuco e foi eleito deputado às Cortes de Lisboa. Além do exercício
intelectual sobre o tema da religião, Azeredo Coutinho publicou obras sobre economia política e ciência, além de
defender o tráfico e a escravidão. Encarnava a herança do reformismo ilustrado português do século XVIII,
defendendo a ideia de império luso-brasileiro. Faleceu em Lisboa em 1821. Ver: BLAKE, Augusto Victorino
Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. 4), pp. 475-480; CANTARINO, Nelson Mendes. A razão e a ordem: o bispo
Joaquim José da Cunha de Azeredo Coutinho e a defesa ilustrada do Antigo Regime Português. 2012. Tese
(Doutorado) – Universidade de São Paulo/FFLCH. São Paulo, pp. 21-30.
52
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Op. cit., p. 53.
53
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Op. cit., p. 93.
54
COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: MOTA, Carlos Guilherme
(org.). Brasil em perspectiva. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, p. 93.
55
Ibidem, pp. 92-93.
52

Na dinâmica de uma esfera pública transatlântica, a hierarquia eclesiástica abrigava


elementos detentores de diferentes visões de mundo, que foram propagadas no contexto dos
estertores da dominação portuguesa sobre as terras brasílicas, quando a Corte transferida ao
Brasil propagava o “caráter sagrado da realeza (...) coexistindo com o absolutismo de raiz
contratualista, próprio da política pombalina”.56 Em meio à sobrevivência das formas de poder
próprias ao Antigo Regime e aos novos preceitos liberais, os porta-vozes do clero sintetizavam
diferentes tradições intelectuais e selecionavam suas influências, tecendo redes de contato e
sociabilidade que engendravam conflitos e convergências no domínio de questões emaranhadas
em uma percepção de poder de natureza dúbia, política e religiosa. Esse papel de
intelectualidade política, ativa e combativa, era próprio à hierarquia eclesiástica que estivera
sob a tutela do Padroado português, em um ambiente que, por vezes, era tomado pelos preceitos
regalistas.

1.2.1 Religião e soberania: o caipira e o cortesão

Os diálogos e tensões entre uma perspectiva político-eclesiástica herdeira do Antigo


Regime e as demandas do liberalismo evidenciaram-se nos altos círculos da política, já nos anos
imediatamente anteriores à ruptura definitiva com Portugal, quando o problema do lugar da
religião no Estado foi levantado nas Cortes de Lisboa. Dentre outros elementos do clero
brasileiro, ali estaria presente, em franca oposição à Assembleia, Diogo Antônio Feijó. Ao
mesmo tempo, no Brasil, Romualdo Antônio de Seixas prestaria sua reverência às Cortes. Os
dois sacerdotes representavam: “O caipira e o cortesão, eis, portanto, o contraste mais visível,
aumentado pela lenda e verificado pela história.”57
Diante das muitas questões ventiladas em Lisboa, no momento de sua “revolução
liberal”, Diogo Antônio Feijó, o grande defensor dos preceitos regalistas, não entraria em
polêmicas sobre religião, pois “desde julho [1822] só aparecia no Congresso quando aí se
discutiam propostas dos compatriotas ao ultramar”.58 Em uma de suas raras intervenções, talvez
a única que tratou de assuntos políticos de maneira mais pormenorizada, no ano de 1822, após
discorrer sobre a incômoda situação das províncias do Brasil nas Cortes, o sacerdote chegaria
a propor: “Que se declare, que o Congresso de Portugal, enquanto não se organiza a

56
MALERBA, Jurandir. A corte no exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808-
1821). São Paulo: Cia Das Letras, 2000, p. 208.
57
ALMEIDA, Luis Castanho de. O sacerdote Diogo Antonio Feijó. Rio de Janeiro: Vozes, 1951, p. 96.
58
CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Os deputados brasileiros nas Cortes Gerais de 1821. Brasília: Senado
Federal, Conselho Editorial, 2003, p. 311.
53

Constituição reconhece a independência de cada uma das províncias do Brasil”. 59 Feijó


levantaria a bandeira da autonomia política das províncias, buscando um acordo que delegasse
aos representantes das mesmas a possibilidade ou não de adesão ao pacto constitucional a ser
firmado em Lisboa: “Que a Constituição obrigará somente aquela província cujos Deputados
nela concordarem pela pluralidade de seus votos.”60 O padre de Itu esforçava-se para “tornar
doravante decisivo o voto dos ultramarinos nas coisas da pátria, não havia senão uma medida,
e esta era a consagração da autonomia absoluta das províncias.”61
Em sentido diferente do provinciano Feijó, o então vigário capitular Romualdo Antônio
de Seixas, presidente do governo provisório do Pará, prestava, em ofício, lavrado antes mesmo
da instalação das Cortes,62 o devido juramento “às Cortes Nacionais, e à Constituição que por
elas for estabelecida, mantida a Religião Católica Romana.”63 Endossava-se, deste modo, a
soberania das Cortes e das suas decisões, condicionando a obediência à manutenção do
catolicismo.
Em 1822, ainda no calor dos debates em Lisboa, o futuro primaz do império brasileiro
escreveria um manifesto, no qual reforçaria sobremaneira sua opção pela “feliz, e sempre
amável simpatia entre Portugal, e Pará!”.64 Sob o pseudônimo de “Famosa Velha Amazonas”,
Romualdo evidenciava a preferência pela união entre o norte do Brasil e o reino português,
destacando “a glória de afetuosa aderência a Portugal; de veneração à Casa de Bragança; e de
ominada obediência a El Rei o Senhor Dom João VI, como representante de toda a Nação e
único centro do Poder Executivo”.65 O panfleto não só defendia o poder centralizado nas mãos
de d. João VI, mas tecia considerações sobre o príncipe regente: “nem o seu regresso para
Lisboa, será tão prejudicial aos interesses do Reino Unido, que se repute, como causa irritante
do juramento; nem a sua conservação no Brasil pode ser útil, e muito menos decorosa”.66 A

59
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, nº 66, Indicação de 25/04/1822, p. 953.
60
Ibidem, p. 953.
61
CARVALHO, Manuel Emílio Gomes de. Op. Cit., p 210.
62
BERBEL, Márcia. Deputados do Brasil nas Cortes portuguesas de 1821-22. Novos Estudos CEBRAP, nº 51,
pp. 189-202, julho de 1998, pp. 192-193.
63
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, nº 44, Decreto de 01/01/1821, p. 369.
Disponível em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821.
64
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Proclamação da famosa Velha Amazonas a seus netos, luso-americanos que
habitam o norte do Brasil animando-os na firme adesão a Portugal, contra as malignas influências do fatal cometa
que assombra os horizontes do sul. Lisboa: Tipografia Patriótica, 1822. In: CARVALHO, José Murilo de; NEVES,
Lúcia Maria Bastos Pereira das; BASILE, Marcelo Otávio Neri de Campos (Orgs.). Guerra literária: panfletos da
Independência (1820-1823). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014, v. 3. Sermões, Diálogos, Manifestos, p. 675.
65
CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcelo Otávio Neri de Campos (Orgs.). Op. Cit., p.
676.
66
Ibidem, p. 676.
54

presença do herdeiro do trono português no Brasil não era vista com bons olhos e, por
conseguinte, a imposição de sua autoridade não seria desejável, pois:

se for independente, cessa a matéria da questão; porque segundo a Política do


Evangelho; é necessário, que o Reino dividido em si mesmo, se destrua; União de
Reinos, e divisão de poderes independentes, são termos, que não se compreendem; e
seria o primeiro monstro na ordem Política, como é no Sistema da Religião o Governo
de muitos Deuses.67

A referência ao texto bíblico fundamentava a opinião contrária ao poder nas mãos do


príncipe regente, reforçando o apreço de Romualdo Seixas pela manutenção dos laços políticos
entre a província do Pará e Portugal e endossando a diretriz das Cortes que almejavam arrefecer
os ânimos pela Independência ao: “ordenar a todos os governos de capitanias que obedecessem
a Lisboa e não ao príncipe D. Pedro.”68 De certo modo, o discurso religioso reforçaria o apelo
à ideia de soberania projetada a partir dos anseios portugueses, inspirando “sentimentos mais
puros de Religião, paz, e concórdia: a amizade, que jurei ao Tejo, é o maior timbre da minha
soberania; deve, ser inviolável: saibam de uma vez, que a união com Portugal é o apoio mais
sólido da sua futura grandeza, e prosperidade.”69
Diante da complexidade da conjuntura política luso-brasileira, evidenciaram-se duas
perspectivas. O futuro primaz do Império brasileiro defendia o consórcio entre os dois lados do
Atlântico, posicionamento hegemônico, ainda que sob prismas distintos, no Grão-Pará durante
o processo de Independência.70 Diogo Antônio Feijó iria prezar pela defesa dos governos
regionais, indispondo-se com a assembleia em 1822 e fugindo para a Inglaterra com outros
companheiros, dentre eles Cipriano Barata.71 Os dois sacerdotes possuíam suas divergências
acerca dos assuntos eclesiásticos, divergências que também ocorriam no campo da percepção
sobre a possibilidade de construção de um contrato coletivo entre as partes do império português
e do reino do Brasil. Diogo Antônio Feijó e Romualdo Antônio Seixas, em suas intervenções,
revelavam o heterogêneo quadro de perspectivas políticas que se desenhou durante o Vintismo,
as Cortes de Lisboa e o processo de Independência, haja vista a necessidade de lidar com os

67
CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcelo Otávio Neri de Campos (Orgs.). Op. Cit., p.
677.
68
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 14.
69
CARVALHO, José Murilo de; BASTOS, Lúcia; BASILE, Marcelo Otávio Neri de Campos (Orgs.). Op. Cit.,
pp. 677-678. (Grifo nosso).
70
MACHADO, André Roberto de A. A quebra da mola real das sociedades: a crise política do Antigo Regime
Português na Província do Grão-Pará. São Paulo: Hucitec, 2010, pp. 34-35.
71
JANCSÓ, Istvan; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um mosaico: ou apontamentos para o estudo da
emergência da identidade nacional brasileira. Revista de História das Ideias, vol. 21, 2000, pp. 389-390.
55

diferentes níveis de exercício do poder e, por conseguinte, das possibilidades de alianças:72 “nos
discursos proferidos em Lisboa é possível identificar divergências entre deputados de Portugal
e do Brasil e, também, entre bancadas do mesmo reino”.73
Para além das opiniões proferidas pelos dois atores destacados, as Cortes, essenciais
para que se revelassem as principais demandas dos nascentes Estados liberais de Brasil e
Portugal,74 foram espaço privilegiado para o surgimento de polêmicas no tocante à religião
oficial, sendo que muitas delas ecoariam no império brasileiro. Dentre importantes mudanças,
destacou-se a extinção do Tribunal da Inquisição, alegando-se simplesmente que “sua
existência era contrária ao sistema Constitucional”.75 Por mais que mantida a referência na
religião católica, os ares liberais do século XIX erguiam barreiras a instituições e práticas típicas
do Antigo Regime, fato que também ocorreu no que se referia à proposta de secularização das
corporações regulares.76 Sobre este assunto, a Comissão Eclesiástica propôs que se obtivesse
bula da Santa Sé:

Para se poderem secularizar todos os religiosos que tiverem justas causas para não
continuar a vida clausural, cometendo-se o conhecimento destas causas, e a expedição
das respectivas secularizações aos ordinários da naturalidade, ou residência dos
religiosos, ou aos ordinários das dioceses, em que existirem os patrimônios, benefícios,
ou títulos dos mesmos secularizados, como mais oportuno lhes for; ficando os religiosos
pelo fato da secularização habilitados para todos os ministérios, e benefícios
eclesiásticos como quaisquer outros clérigos seculares.77

Desse modo, revelava-se a tensão causada entre as prerrogativas da Santa Sé sobre as


ordens regulares e os anseios de determinados setores políticos, representando, em última
instância, o Império Português, que trabalhavam para tornar mais flexíveis as normas que
regiam a vida nos claustros. A proposta tocava em outros pontos, estendendo também às
mulheres o direito de abrir mão de sua “vocação”. Tal secularização poderia fornecer
precedentes para que o Estado monárquico, em vias de constitucionalização, viesse a engendrar
as competências jurisdicionais sobre porções do corpo eclesiástico regular, como salienta o
quarto artigo: “Para que os religiosos possam se secularizar a título de ministério de instrução,

72
Para a porcentagem de sacerdotes entre os brasileiros nas Cortes de Lisboa, ver: NEVES, Lúcia Maria Bastos
Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura e política da independência (1820-1822). Rio de Janeiro:
Revan : FAPERJ, 2003, pp. 63-66.
73
BERBEL, Márcia. Op. cit., pp. 191-194.
74
Ibidem, pp. 189-202.
75
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, nº 47, Decreto de 31/03/1821, p. 404.
Disponível em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821
76
GÉRSON, Brasil. O Regalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília, 1978, p. 44.
77
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, nº 229, Parecer de 19/11/1821, p. 3144.
56

educação, caridade pública, e capelanias das repartições do serviço do Estado (...)”. 78 Longos
debates ocorreram, versando sobre diferentes prismas da questão, tais quais as maneiras de se
angariar recursos para sustentar os egressos das ordens regulares e se eles teriam o direito de
ocupar lugares devidos aos seculares nas fileiras do Estado, além dos caminhos políticos,
jurídicos e diplomáticos possíveis para uma resolução de pontos nodais junto à Santa Sé.
Sendo um tema que envolvia uma delicada estrutura material e simbólica, divisor de
opiniões, o polêmico mote das ordens religiosas não se restringiu às acaloradas contendas em
Lisboa, chegando aos panfletos que circulavam durante o início da década de 1820 no mundo
luso-brasileiro: “No caso português, o custo dos privilégios para o erário público é denunciado
na ampla discussão sobre as ordens religiosas.”79 Em outubro de 1822, ainda no âmbito das
Cortes, algumas dezenas de artigos iriam dispor no sentido de fortalecer o jugo da monarquia
constitucional sobre muitas questões eclesiásticas.80 Suprimiam-se conventos, mosteiros e
colégios e garantiam-se as secularizações de regulares, com essas decisões, abria-se a
possibilidade de angariar recursos humanos e materiais para o Estado e afirmava-se a verve
liberal sobre os auspícios do Antigo Regime: “A nossa revolução liberal, acentuando as
prerrogativas individuais, foi autonomizando, consequentemente, a sociedade em relação à
religião.”81 Os ventos liberais trazidos pelas Cortes tocavam em um ponto nodal que marcou as
Luzes lusas, a oposição ao poder desmedido da Igreja e do clero, sobretudo do clero regular.
Por outro lado, a veia antirreligiosa que marcou alguns quadros da Ilustração, de modo mais
incisivo na França e chegando às terras ibéricas, havia arrefecido, tomando as cores de uma
secularização sem os laivos de certa perspectiva que chegava a insinuar uma laicização e, no
limite, uma visão de mundo que se aproximava do ateísmo.82

1.2.2 No Brasil: a religião e a esfera pública

Se discussões e propostas desenvolvidas em Lisboa não redundaram na união dos


Reinos, colaboraram para reforçar, no ultramar, a importância que as garantias constitucionais
representavam no sentido da construção de um modelo de sociedade pautado pelo preceito à
cidadania, levando à ampliação e dinamização do debate na esfera pública. Nessa conjuntura,

78
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, nº 229, Parecer de 19/11/1821, p. 3144.
79
CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lúcia Maria Pereira Bastos das; BASILE, Marcelo Otávio Neri de
Campos (Orgs.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-1823). Belo Horizonte: Editora UFMG,
2014, v. 1. Cartas, p. 20.
80
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, Decreto de 18/10/1822, nº 66, pp. 829-832.
81
CLEMENTE, Manuel. Op. cit., p. 35.
82
VILLALTA, Luiz Carlos. O Brasil e a crise do Antigo Regime português (1788-1822). Op. cit., pp. 51-82.
57

foi central o papel das elites políticas e intelectuais, incluindo os agentes do clero, como “porta
vozes” que “expressavam pensamentos que o povo era incapaz de formular”.83 Em meio a um
contexto no qual grande parte da população não dominava a leitura e a escrita,84 era recorrente
o uso da cultura oral, e o vocabulário político liberal-constitucional acabou por incorporar as
representações do sagrado típicas do catolicismo, contribuindo para uma hibridização de seu
repertório de ideias: “o liberalismo é mais anticlerical do que antirreligioso e, se ele pode ser
espiritualista, se pode aceitar o reconhecimento do cristianismo, ele é necessariamente
anticlerical, porque é relativista e, portanto, contra qualquer dogma imposto”.85
Se essa relação de proximidade e tensão apontada por René Rémond evidenciou-se
durante os primeiros anos do Brasil Império, ela não deixou de tocar no aspecto dogmático.
Esse enfoque de contornos prescritivos foi explorado nas páginas do Revérbero Constitucional,
periódico que seria “O órgão doutrinário da Independência brasileira.”86 Seus redatores seriam
Joaquim Gonçalves Ledo (1741-1847) e o cônego Januário da Cunha Barbosa (1780-1846),
protagonistas do processo de emancipação política do Brasil. O primeiro frequentara a
Universidade de Coimbra, sem se formar, sendo ainda deputado às Cortes de Lisboa, e o
segundo, sacerdote de formação em seminários brasileiros, à semelhança de Feijó. 87 Ambos
compunham, no início da década de 1820, juntamente com o futuro padre regente, parte
significativa do grupo denominado brasiliense: “os ideólogos do separatismo brasileiro.”88
O Revérbero estaria entre “as folhas mais radicais” pelos idos de 1821, quando se
proclamou a liberdade de imprensa. O periódico de Januário e Gonçalves Ledo fazia parte,
juntamente com A Malagueta e o Correio do Rio de Janeiro, de um círculo de periódicos “cujos
redatores se deixavam levar por seu imaginário revolucionário”, apropriando-se seletivamente
das “ideias dos filósofos franceses até então proibidos no mundo português, como Voltaire,
Rousseau, Mably, Condorcet, o abade Raynal e De Pradt”.89 Em janeiro de 1822, comentando

83
CHARTIER, Roger. Origens culturais da Revolução Francesa. Op. cit., p. 52.
84
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., pp. 65-88.
85
RÉMOND, René. Introdução à história do nosso tempo – v. 2. O século XIX: 1815-1914. São Paulo: Cultrix,
1976, p.43.
86
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 53.
87
Joaquim Gonçalves Ledo nasceu no Rio de Janeiro e foi um dos que articularam a permanência de d. Pedro I no
Brasil em 1821. Após a emancipação, entrou em atrito com o Ministério dos Andradas e escapou da prisão e do
exílio quando fugiu para Buenos Aires sob o disfarce de frade. Foi eleito à Constituinte, mas não tomou assento.
Participou ainda da primeira e da segunda legislaturas do Império, além de ser conselheiro de d. Pedro I. Januário
da Cunha Barbosa, também carioca, foi ordenado presbítero secular, destacando-se como pregador da Capela
Imperial e lente de filosofia. Perseguido por Bonifácio, foi preso e exilado, voltando após a queda de seu
perseguidor. Deputado por Minas Gerais à primeira legislatura, Januário foi também diretor da Imprensa Nacional,
da Biblioteca Nacional e membro fundador do IHGB. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op.
cit. (Vol. 3 e 4), pp. 294-300 e 145-146.
88
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Op. cit., p. 51.
89
Ibidem, p. 37.
58

a importância da permanência do príncipe regente no Brasil, um artigo traria a seguinte


passagem:

No estado atual das Coisas, em que o espírito da Constituição faz hoje quase parte da
nossa existência comum; e em que a reforma Social está quase formada uma Nova
Religião, quem podia impedir que o Brasil altamente declarasse que ele não
reconheceria quem o não reconhecesse, nem abriria seu seio diamantino senão a aqueles
que da sua parte abrissem os seus arquivos para neles receberem os títulos indisputáveis
que ele tem de legitimidade social entre as Nações?90

O apelo aos motes religiosos, para fundamentar certa religião nacional e conferir
sacralidade ao liberalismo constitucional, era uma das bases da argumentação, utilizada em
outro número para ressaltar a necessidade da constituição: “O Sistema Constitucional é hoje a
Religião Universal dos povos cultos; o Mundo está em uma fermentação, que só o
estabelecimento geral da Constituição pode acomodar.”91 Em edições posteriores, o Revérbero
iria utilizar ainda os termos “religião política”92 e “nova religião constitucional”,93 aproximando
sua argumentação daquela que Rousseau apresentou no capítulo “Da religião civil”, o
penúltimo da clássica obra Do contrato social. Em breve e acurada análise sobre a relação entre
os poderes religioso e secular, o filósofo de Genebra pontuou os principais dogmas da sua
religião civil: “A existência da Divindade, onipotente, inteligente, benfeitora, previdente e
providente, a vida futura, a felicidade dos justos, o castigos dos maus, a santidade do contrato
social e das leis”.94
Na pista de escritos que conformavam um repertório transatlântico de ideias, um dos
periódicos mais importantes para a opinião pública no decurso do processo de emancipação
política do Brasil utilizava, em seu vocabulário, o termo “religião” como metáfora da
constituição. Os sinônimos do sagrado evocavam representações teológicas de prerrogativas
seculares, em uma esfera pública cuja dimensão sacra deslocava-se, não sem percalços, da
figura do monarca para o texto constitucional, implicando uma ressignificação da liturgia de
poder do Antigo Regime. Tal processo esteve em consonância com as transformações
percebidas, sobretudo, a partir da França de 1789, quando:

o rei já não era mais o único elemento “santificado” na ordem política, uma vez que a
nação, seus representantes e os direitos individuais também eram considerados sacrés.

90
Revérbero: Constitucional Fluminense, nº 11, 22/01/1822. (Grifos nossos).
91
Ibidem, n º 12, 29/01/1822.
92
Ibidem, nº 1 (segundo volume), 12/05/1822.
93
Revérbero: Constitucional Fluminense, nº 2 (segundo volume), 04/06/1822.
94
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Martin Claret, 2010, p. 116. (Grifos nossos).
59

Outro motivo é que a “sacralidade” real já não era necessariamente de instituição divina,
e amiúde era concebida como conferida pela nação.95

Na roupagem do liberalismo constitucional que se forjava, costuravam-se os ideais da


Ilustração e as fórmulas do catolicismo; pari passu, as formas consagradas do discurso religioso
passaram a exercer uma função política pedagógica: “A preocupação de atingir um público
mais amplo, divulgando os ensinamentos sobre a Constituição e as críticas ao despotismo, levou
ao antigo costume de se parodiarem as formas religiosas”.96 Para além dessa perspectiva de
sacralização da nação e da constituição, dentre os assuntos que envolviam as tensões entre
Igreja e Estado, o Revérbero também comentaria a questão do dízimo, outro ponto polêmico
que dizia respeito às concessões decorrentes do Padroado. O periódico iria desferir duras
críticas ao imposto, elencando nove proposições sobre o tema, dentre as quais se destacavam,
pelo seu teor de ruptura com uma tradição prevista no referido contrato, as seguintes:

A Igreja, não pode impor, nem pode cobrar Tributos, de nenhuma natureza, ou
qualidade.
No Estado atual das coisas, são os Dízimos um Tributo direto, forçado, pesadíssimo, e
desigual, e o vicioso Sistema do seu lançamento, e atual cobrança ainda o torna mais
pesado.
Para manter o culto, pode a Nação aplicar outra qualquer Contribuição, até mesmo
abolindo os Dízimos.97

Os argumentos do periódico tinham na defesa da ação estatal as suas bases. Não caberia
manter o imposto, mesmo que o titular da sua cobrança fosse o monarca e sua renda nem sempre
se direcionasse à manutenção do culto. Tal ação seria incompatível com as “Luzes do século”,
e fazia-se necessário “motivar a reforma na cobrança dos Dízimos, e vê-los expurgados dos
muitos vícios e defeitos, que uma política tenebrosa lhes tem apenso”. 98 A julgar pelo texto, a
cobrança do dízimo seria oposta a uma perspectiva econômica calcada em princípios liberais.
O argumento se desenvolveria no sentido de combater um ordenamento que personificava a
nociva ingerência da Igreja em questões de ordem econômica, as quais deveriam ser da alçada
do poder civil. Essa incompatibilidade entre o dízimo e as novas perspectivas políticas e
econômicas seria reforçada por uma memória, de um periódico português, O Patriota
Funchalense, transcrita na sequência dos argumentos apresentados pela folha de Gonçalves
Ledo e Januário da Cunha Barbosa.

95
CHARTIER, Roger. Origens culturais da Revolução Francesa. Op. cit., p. 174.
96
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Op. cit., p. 41.
97
Revérbero: Constitucional Fluminense, n º 24, 23/04/1822.
98
Ibidem, n º 24, 23/04/1822.
60

O Patriota Funchalense circulou entre os anos de 1821 e 1823, a cargo de Nicolau


Caetano Bittencourt Pitta, médico com formação em Edimburgo, tendo uma linha editorial em
consonância com o ideário da Regeneração vintista.99 Sobre o imposto em questão, o texto
originário da Ilha da Madeira destacaria seus vícios: “Desproporção entre o peso da
Contribuição, e a força do Contribuidor. Desigualdade entre os Contribuintes. Excessos na sua
Cobrança.”100 A cobrança do dízimo seria resultado de uma imposição que não se coadunava
com o princípio da igualdade e se legitimava a partir de “uma linguagem bem despótica no meu
fraco entender: mas o Dizimador não tem outra! Ai da Lavoura! Ai da Lavrador!”. 101
Continuava-se desenvolvendo o raciocínio, permeado pelo ideal das razões e proporções, do
seguinte modo:

O político pois, que na Cobrança dos Dízimos igualou as terras todas em o mesmo ponto
de vista exequível, sujeitando todas ao mesmo peso, este cometeu de certo o erro mais
indesculpável em Economia Política. Entre um terreno fecundo, e dadivoso, e um
terreno calaceiro, e preguiçoso, não há uma diferença notabilíssima? Mas que importa,
se o mesmo peso do tributo a todas indistintamente iguala!102

À taxação indiscriminada, uma prática que traduzia os valores impositivos do Antigo


Regime, opunham-se os princípios da Economia Política, ciência liberal, nascida no seio das
Luzes europeias. Por outro lado, cumpre lembrar que uma pluralidade de negociações e arranjos
envolvia o pagamento do dízimo, não consistindo o referido imposto em uma estrutura de
cobrança tão draconiana quanto apresentava o texto transcrito no Revérbero Constitucional.103
Além do mais, no Brasil, a inserção da própria Economia Política buscou equacionar a
escravidão e as heranças do Antigo Sistema Colonial ao espírito do livre comércio.104 Mesmo
na Europa, cumpre lembrar, os princípios econômicos caros ao liberalismo formaram um corpo

99
SOUSA, Rui Fernando Nunes de. Catolicismo e Liberalismo n'«O Patriota Funchalense» (1821-1823).
Lusitania Sacra. Lisboa. 2ª S. 3, 155-214, 1991.
100
Revérbero: Constitucional Fluminense, n º 24, 23/04/1822.
101
Ibidem, n º 24, 23/04/1822.
102
Revérbero: Constitucional Fluminense, n º 24, 23/04/1822.
103
De acordo com Ângelo Carrara, a dinâmica de cobrança do dízimo permitia aos devedores a negociação de
suas dívidas a partir das “avenças”, que consistiam em um “ajuste entre os produtores e cobradores”, sendo que o
período do contrato correspondente ao imposto não significava necessariamente os momentos nos quais eram
feitos os acordos entre as partes. Geralmente, o acordo de pagamento era feito em datas posteriores ao início da
vigência do contrato, o que dava ao devedor mais tempo para equacionar sua produção à obrigação canônica. Além
do mais, levavam-se em conta a estrutura de produção dos lavradores, as sazonalidades do clima e as flutuações
dos preços dos gêneros. Por fim, havia espaço para interposição de recursos na Justiça contra a cobrança dos
valores ajustados. Ver: CARRARA, Ângelo Alves. Minas e currais: produção rural e mercado interno de Minas
Gerais: 1674-1807. Juiz de Fora: UFJF, 2007, pp. 219-240.
104
ROCHA, A. P. Economia política e política no período joanino. In: SZMRECZÁNYI, Tomás; LAPA, José
Roberto do Amaral. História econômica da independência e do império. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 2002.
Coletânea de textos apresentada no I Congresso Brasileiro de História Econômica, p. 38.
61

de ideias e práticas que lidaram com distintos modos de sobrevivência dos resquícios da velha
ordem. Portanto, o ataque ao dízimo carregava um teor retórico de desqualificação que, ao fim
e ao cabo, redundava na contraposição entre uma velha ordem despótica e injusta e um novo
tempo, no qual a isonomia pautaria a produtividade e a economia.
Por mais que a realidade não correspondesse ao argumento apresentado, este acabaria
por reforçar o imperativo de nacionalização da estrutura tributária e, por conseguinte, da
progressiva secularização das questões atinentes ao erário. Essa polêmica em torno do dízimo
não faria parte somente da efervescente cena pública do movimento vintista e da Independência,
cujos substratos argumentativos eram buscados nas Luzes europeias. Constituindo uma questão
importante, que tocava diretamente no orçamento da estrutura eclesiástica, a referida contenda
seria levantada também anos mais tarde, quando Feijó e seus companheiros do clero regalista
propuseram a criação de uma “caixa eclesiástica”, em substituição ao dízimo.105
Os problemas envolvendo a Igreja, o Estado e suas discordâncias em relação aos
recursos materiais e humanos não ocorreriam apenas no tocante ao dízimo, vindo a despertar o
interesse de diferentes personalidades. Em 1823, frei Joaquim do Amor Divino Caneca (1779-
1825) iria abordar o assunto a partir da relação entre o governo brasileiro e as ordens religiosas,
durante o conturbado contexto da Guerra da Independência. Na oitava de suas Cartas de Pítia
a Damão, o revolucionário carmelita tratou do despejo ocorrido no convento do Desterro de
Olinda.106 Encontravam-se, na referida instituição, sacerdotes alcunhados por frei Caneca, na
carta em que destacava a subserviência dos clérigos em questão ao rei de Portugal, “tereseus”:

Porque estando nós em guerra aberta com o rei de Portugal e sua nação, não devíamos
ter entre nós os vassalos daquele rei inimigo, quais os padres, que não só são vassalos
do rei de Portugal por haverem nascido naquele território, como porque na sua profissão
religiosa fazem voto de obedecer aos decretos dos pontífices, e também as ordens e
determinações dos reis de Portugal, e trabalharem com todas as forças para que sejam
filhos obedientes da igreja e súditos fiéis dos reis.107

Os “tereseus” faziam parte de uma ordem de leigos seculares, os carmelitas descalços,


cuja chegada ao Brasil remontava ao período compreendido pela União Ibérica.108 Desse modo,

105
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo (Org.). Op. cit., p. 14.
106
As cartas de Pítia a Damão foram redigidas no ano de 1823 e seu título faz referência à história da amizade
entre dois filósofos pitagóricos de Siracusa, do quarto século a. C. CANECA, Frei. Cartas de Pítia a Damão. In:
MELLO, Evaldo Cabral de. Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. São Paulo: Ed. 34, 2001, p. 165.
107
CANECA, Frei. Cartas de Pítia a Damão. (Vol. VIII). In: MELLO, Evaldo Cabral de. Frei Joaquim do Amor
Divino Caneca. São Paulo: Ed. 34, 2001, p. 263.
108
GUMIEIRO, Fábio. As ordens religiosas e a construção sócio-política no Brasil. Tuiuti: Ciência e Cultura, n.
46, p. 63-78, Curitiba, 2013, p 67.
62

estavam submetidos ao Estado português, à disciplina romana e foram considerados uma


ameaça diante do contexto permeado pelos conflitos da Independência (1822-1825).109 Por isso,
segundo Frei Caneca, não seria prudente manter súditos da coroa portuguesa no Brasil,
sobretudo, porque eram agentes de uma instituição que dava capilaridade aos muitos interesses
da monarquia europeia no território americano. Mesmo a extensão de certa cidadania brasileira
a estes clérigos, pouco provável diante de seus votos de obediência feitos ao monarca inimigo,
não redundaria em ganhos para o Brasil: “nenhuma razão tem plausível para que perdendo o
afeto à sua pátria, e a obediência ao seu monarca, se votem séria e eficazmente à causa do
Brasil”.110 Pelo contrário, a presença desses indivíduos, cuja obediência ao império português
sempre iria sobrepor-se à cidadania brasileira, só traria danos:

apesar de qualquer juramento cívico que eles tenham dado ou hajam de dar (que tudo é
ilusório e insubsistente), são real e indissoluvelmente súditos daquele geral, vassalo de
Portugal; e eles mesmos vassalos de um rei inimigo, obrigados a executarem suas
ordens, determinações e insinuações em tudo que lhes determinarem a prol da sua nação,
e em dano ao Brasil.111

À incompatibilidade entre os interesses e as identidades sociopolíticas daqueles


seculares europeus e do Estado brasileiro, somava-se um problema de natureza material.
Segundo Frei Caneca, havia a questão do provimento de toda a estrutura física do referido
convento e do sustento dos seus internos, que teriam sido obra dos pernambucanos, fato que
ocorrera sem contrapartidas:

Porque os padres, havendo fundado aquele convento com as esmolas e donativos dos
pernambucanos, tendo-se sempre sustentado a expensas dos mesmos, e conservando
hoje um fundo de 12 contos e 890 mil-réis, que trazem a juros nesta praça, fundo dado
pelos pernambucanos, como consta de seu livro do Tombo, ainda não lhes retribuíram
coisa alguma por tantos benefícios.112

Salientava-se o montante possuído pelos carmelitas descalços, e, para o Estado nacional


em gênese, seria oportuno obter, gradativamente, o monopólio sobre a administração dos bens
das ordens. Tal mudança poderia resultar em um ganho significativo, tanto no sentido do
aproveitamento da estrutura física, quanto no sentido da possibilidade de dividendos a partir de

109
LEÓN, Fernando Ponce de. A visita de Tollenare aos Carmelitas Descalços/Terésios de Olinda. CLIO: Revista
de Pesquisa Histórica, n. 18, pp. 63-75, (1998).
110
CANECA, Frei. Cartas de Pítia a Damão. (Vol. VIII). In: Op. cit., p. 264.
111
Ibidem, p. 264.
112
Ibidem, p. 265.
63

terras, escravos e toda a sorte de ativos em propriedade das instituições religiosas. Nesse tom,
a argumentação continuava, referindo-se às tratativas entre os governos de Brasil e Portugal:

perdendo agora as corporações religiosas do Brasil as casas e hospícios que tinham em


Portugal, comprados com seu dinheiro, à mais forte razão devem os padres perder os
que têm aqui, que são fundados com as riquezas do mesmo Brasil; o que é tudo em
conforme às ordens de s. m. i., que não só manda sequestrar os bens dos vassalos de
Portugal, como que acaba de dar o mais notável exemplo fazendo (diz-se) sequestrar e
arrematar um pouco de gado que tinha no Rio de Janeiro sua augusta mãe, por ser rainha
de Portugal.113

A dimensão econômica da questão não estava alijada dos aspectos de cariz político e
social, que desnudavam problemas estruturais, característicos ao período colonial e que
permaneceram centrais em muitos debates nos círculos políticos no Império.114 A catequização
dos povos indígenas e a dimensão pedagógica do trabalho religioso não teriam feito parte das
obrigações contempladas pelos sacerdotes em questão: “pois nunca lhes ensinaram ciência
alguma ou arte, nem catequizaram o gentio, nem fizeram feito de pública utilidade”.115 A partir
do histórico de algumas ordens regulares no Brasil, Frei Caneca contrastava:

Na história de Pernambuco se acha que, vindo ao Brasil os jesuítas em 1540, os


carmelitas observantes em 1580, os franciscanos em 1585, os beneditinos depois destes,
e ultimamente os de São Felipe Nery, todos estes regulares foram incansáveis na
conservação e catequese do gentio, penetraram os sertões mais interiores, padeceram
martírio, aldearam índios, fundaram missões, que depois passaram a vigarias,
acompanharam expedições militares para conquistas, ajudaram os libertadores de
Pernambuco nas campanhas contra os holandeses, e correram todos os perigos ao lado
dos que se sacrificaram pela pátria e pelo Estado; e destes marianos o que se encontram
são argumentos de ociosidade, desfrutação e ingratidão!116

Os carmelitas descalços não figuravam entre as outras ordens que, apesar de regulares,
auxiliaram na obra de sedimentação política e administrativa do aparato estatal português
durante a Colônia. Além do mais, representariam, naquele momento específico do século XIX,
valores contrários aos constitucionais e aos interesses brasileiros: “a contrarrevolução de
Portugal e Espanha, feita em grande parte pelos frades contra as Constituições daqueles reinos,
nos adverte o perigo evidente e iminente que corremos, tendo em nosso seio inimigos tão

113
CANECA, Frei. Cartas de Pítia a Damão. (Vol. VIII). In: Op. cit., p. 267.
114
Sobre o problema da catequização dos indígenas e as discussões da política imperial em torno da questão, ver:
SILVA, Natália Moreira da. Papel de Índio: Políticas Indigenistas nas Províncias de Minas Gerais e Bahia na
Primeira Metade do Oitocentos (1808-1845). Rio de janeiro: Editora Multifoco, 2014.
115
CANECA, Frei. Cartas de Pítia a Damão. (Vol. VIII). In: Op. cit., p. 265.
116
Ibidem, p. 265.
64

encarniçados dos brasileiros”.117 O texto evidenciava a percepção de certo atraso que os


carmelitas descalços representavam para o Brasil, tanto no sentido diacrônico, evocando os
tempos coloniais, quanto no sentido sincrônico, destacando o contexto da consolidação do novo
Estado nacional, ao qual não poderiam se sobrepor ingerências religiosas estrangeiras e em que
se teria de lidar com os aspectos legais e institucionais da questão.
Se os problemas advindos do conflito entre os poderes civil e eclesiástico tomaram conta
dos debates na imprensa brasileira, em diálogo com o contexto das Cortes de Lisboa, não
ficaram a ela circunscritos. A Constituinte convocada em 1823 teve participação significativa
de sacerdotes. Nela, diferentes opiniões e propostas por parte do clero foram apresentadas
quanto às questões da soberania, da centralização do poder e da tolerância religiosa. 118 Apesar
de não contar com a participação de Feijó e Romualdo Seixas, o momento de deliberação sobre
a possibilidade de uma Constituição para o Império revelaria importantes nomes da hierarquia
eclesiástica, caso de José Custódio Dias (1770-1838) e Venâncio Henriques de Resende (1784-
1786). Estes últimos, juntamente com Feijó, iriam protagonizar “o processo gradativo de
desgaste político e perda de legitimidade de d. Pedro I, levado à abdicação, em 7 de abril de
1831.”119
Diluída a Assembleia, a Constituição, outorgada em 1824, seria jurada “Em nome da
Santíssima Trindade” e traria em seu quinto artigo: “A religião católica apostólica romana
continuará a ser a religião do império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto
doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de
templo.”120 O texto afirmava o catolicismo como um dos esteios simbólicos e materiais do
Império e, reconhecendo a heterogeneidade de matrizes religiosas daquela sociedade,
estabelecia tolerância a outras formas de culto, restringindo-as ao mundo privado. Ser católico
era também um requisito para o direito ao voto e à eleição e, portanto, uma condição para a
inclusão do indivíduo no restrito grupo de cidadãos ativos do Império. No artigo 179, a Carta
de 1824 ainda previa possível punição para quem não conferisse o devido respeito à religião do
Estado. Ao mesmo tempo, definia-se que: “Ninguém pode ser perseguido por motivo de
Religião, uma vez que respeite a do Estado”.121

117
CANECA, Frei. Cartas de Pítia a Damão. (Vol. VIII). In: Op. cit., p. 267.
118
SOUZA, Françoíse Jean de Oliveira. Do altar à tribuna: os padres políticos na formação do Estado Nacional
brasileiro (1823 – 1841). 2010. (Tese de Doutorado). Rio de Janeiro: UERJ/IFCH, p. 166.
119
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira, Op. cit., p. 239.
120
BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (25 de março de 1824). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm
121
Ibidem.
65

Buscando no catolicismo um amálgama sócio-político e institucional, a Constituição de


1824 consolidava o Padroado, conferindo uma dimensão essencial à “elaboração sígnica e
simbólica do imperador”.122 No seu artigo 102, a Carta Magna do Império fortalecia o alcance
do imperador sobre as questões eclesiásticas, deixando a cargo deste as atribuições de “Nomear
bispo e prover os benefícios eclesiásticos” e de “conceder ou negar o beneplácito aos decretos
dos concílios e letras apostólicas, e quaisquer outras constituições eclesiásticas que se não
opuserem à constituição; e precedendo aprovação da assembleia, se contiverem disposição
geral”.123 O regime do Padroado no Império estabeleceu-se, assim, por força da lei e sem a
anuência da Santa Sé. A questão envolvendo as instituições mediadoras entre as esferas civil e
eclesiástica teve desfechos importantes em 1828, quando foram extintas duas importantes
instituições herdadas do ordenamento jurídico absolutista português, o Tribunal da Junta da
Bula da Cruzada e a Mesa da Consciência e Ordens,124 que atuava “dentro das formalidades e
do quadro formal característico do Antigo Regime.”125 Naquele mesmo ano de 1828, a bula
papal Proeclara Portugaliae, demandada pelo próprio Pedro I, conferiria a este o Grão-
mestrado de três ordens militares, inclusive a de Cristo, que estivera na origem do direito do
Padroado. Entretanto, o espírito regalista da comissão eclesiástica, da qual fazia parte Diogo
Antônio Feijó, não aceitaria o documento ratificado pelo papa Leão XII (1823-1829), alegando
ser sua causa injusta, bem como ser o direito do Padroado legitimado pela Constituição de
1824.126
Nos primeiros anos do Estado nacional independente, os atores históricos diretamente
envolvidos no mundo político esforçavam-se por trazer os assuntos religiosos para a esfera das
competências civis, fato que intensificava os atritos com a Santa Sé. Por outro lado, ao
reconhecer a Independência brasileira, a Igreja romana também teria condições de ampliar seu
espaço de atuação, por exemplo, a partir da ação de seus agentes diplomáticos. Em 1829, o
Brasil contaria, enfim, com um núncio apostólico próprio, Monsenhor Pedro Ostini (1775-
1849), o qual encontraria um ambiente de aspirações regalistas desfavorável à Santa Sé. Além
do mais, o núncio brasileiro era o encarregado dos negócios diplomáticos de Roma nos

122
SOUZA, Iara Lis Franco Schiavinatto Carvalho. Pátria coroada: o Brasil como corpo político autônomo (1780-
1831). São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p. 18.
123
BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (25 de março de 1824). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm
124
Com a extinção das referidas instituições, o Supremo Tribunal de Justiça ficaria encarregado das principais
questões eclesiásticas alçadas às instâncias apelativas. Ver: SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Op. cit., p. 63.
125
NEVES, Guilherme Pereira das. E receberá mercê: a mesa da consciência e ordens e o clero secular no Brasil
1808-1828. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997, p. 27.
126
GÉRSON, Brasil. Op. cit., pp. 69-71; SOUZA, Françoíse Jean de Oliveira. Op. cit., p. 333-334.
66

territórios outrora colonizados pela Espanha.127 No momento em que a nação brasileira


negociava o reconhecimento de sua soberania com Roma, a sede papal também reforçava sua
presença na antiga colônia portuguesa.
Da imprensa ao parlamento, passando pelos círculos áulicos, as percepções sobre o
sagrado se tornaram objeto de disputa pelo poder no contexto das formulações constitucionais
do Império brasileiro, contribuindo para o investimento simbólico da monarquia e também para
a configuração do contrato coletivo daquela sociedade. Os tradicionais valores do catolicismo
foram apropriados com o intuito de conferir uma dimensão sacra à Constituição, que, por sua
vez, era firmada pelas elites políticas e intelectuais, em grande parte, formadas por agentes do
clero. Ergueu-se, assim, um Estado nacional herdeiro de uma elite “leiga e eclesiástica formada
na Universidade de Coimbra, que se tornara, após as reformas pombalinas, centro de produção
e de legitimação de ideias regalistas”.128 Desse modo, o processo de edificação e consolidação
das bases políticas, jurídicas e administrativas do Império teve no Padroado e na herança do
regalismo importantes pilares de legitimação material e simbólica. Surgiriam, desse modo,
diferentes percepções de determinada “mentalidade de Antigo Regime”, que “preservava visão
litúrgica do mundo, corporificada na religião como o conjunto de crenças e valores
indispensáveis à conservação da sociedade”.129
Esse corpo de práticas e representações,130 influenciado por uma narrativa religiosa e
escatológica do mundo, passou a conviver com as novas perspectivas liberais, relativas,
sobretudo, ao constitucionalismo e à garantia dos direitos políticos e civis. Delineavam-se,
nesse horizonte, os fundamentos da soberania e da legitimidade do Estado nacional.
Esboçavam-se projetos de poder que proporiam diferentes maneiras de tratar os limites entre as
esferas civil e eclesiástica, de conceber qual o tipo de liberalismo, e de catolicismo, seria mais
adequado àquela sociedade. Se os liberais regalistas seguiriam, no interior dos moderados, a
perspectiva de um Estado mais afeito aos ventos seculares, os romanizados, compondo o projeto
dos regressistas, combateriam os suspiros revolucionários projetados na figura do padre
regente. Dialogando com as heranças da Revolução Francesa, com os imperativos da
contrarrevolução europeia e inseridos na dinâmica dos movimentos de independência latino-
americanos, Diogo Antônio Feijó e d. Romualdo Antônio de Seixas sintetizariam distintos

127
ACCIOLLY, Hildebrando. Os primeiros Núncios no Brasil. São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1949, pp.
225 e sgts.
128
LIMA, Lana Lage da Gama. As constituições da Bahia... In: Op. cit., p. 176.
129
NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Op. cit., p. 27.
130
CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; Lisboa
[Portugal]: Difel, 1990.
67

modos de conceber a relação entre Igreja e Estado, catolicismo e sociedade. Entre a soberania
do poder político civil e a necessidade de sua legitimação a partir do sagrado. Para tanto, teriam
de lidar com um liberalismo constitucional formulado no diálogo a partir das heranças políticas
e filosóficas da ilustração, aqui incluídas, para além da vertente reformista católica, as heresias
e contestações políticas, e das diferentes leituras do ambiente político, filosófico e teológico do
catolicismo.
68

Capítulo 2
DIOGO ANTÔNIO FEIJÓ: JANSENISMO, ILUSTRAÇÃO E DISCIPLINA
ECLESIÁSTICA

Dos grandes nomes que figuram entre os principais estadistas do Brasil Império, Diogo
Antônio Feijó é um dos mais biografados. Os diferentes perfis e leituras sobre Feijó retrataram
um padre secular do interior, arraigado à sua província, mas também um homem de Estado,
engajado nas causas da nação. Os autores que se debruçaram sobre sua trajetória produziram
obras as mais variadas, de artigos a teses, muitas encomiásticas, caso dos panegíricos do IHGB
ou de Novelli Jr, que propôs o panorama de “um conjunto sômato-psicológico” do sacerdote.1
Otávio Tarquínio de Souza incluiu o referido padre ao lado daqueles que denominou
“fundadores do Império”, tais como Bernardo Pereira de Vasconcelos, Evaristo da Veiga, D.
Pedro I e José Bonifácio, desafeto do padre de Itu.2 Magda Ricci reuniu seus múltiplos vultos
e demonstrou de que modo a figura do sacerdote foi trabalhada por seus biógrafos,
aprofundando a análise no sentido de uma reflexão sobre política e sociedade, sobretudo no
momento da formação e consolidação do Estado nacional brasileiro.3 Desse modo, há uma vasta
produção sobre o personagem em questão e também um importante corpus documental
produzido por ele.
No que se refere às influências filosóficas e políticas de Feijó, é de importância
fundamental refletir sobre o modo através do qual foram abordados os assuntos pertinentes às
tensões e interseções entre Estado e Igreja, religião e política, em diapasão próximo ao célebre
aforismo de Napoleão Bonaparte: “A Igreja deve estar dentro do Estado e não o Estado na
Igreja”.4 Em já conhecida fala do trono, na abertura dos trabalhos da Câmara legislativa de
1836, quando regente, Feijó deixaria claro seu posicionamento sobre a questão: “É tão santa a
nossa religião, tão bem calculado o sistema do governo eclesiástico, que, sendo compatível com
toda a casta de governo civil, pode sua disciplina ser modificada pelo interesse do Estado, sem
jamais comprometer-se o essencial da mesma religião.”5 Ao defender suas propostas de
fortalecer o domínio do Estado sobre as questões religiosas, o padre liberal estaria em

1
NOVELLI JUNIOR, Luís Gonzaga. Feijó, um paulista velho. Rio de Janeiro: Edições GRD, p. 8.
2
SOUZA, Otávio Tarquínio de. História dos fundadores do Império do Brasil (volume V): Diogo Antônio Feijó.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2015.
3
RICCI, Magda. Assombrações de um padre regente: Diogo Antônio Feijó (1784-1843). Campinas: UNICAMP,
2001.
4
NAPOLEÃO, I. Como fazer a guerra: máximas e pensamentos de Napoleão/compilados por Honoré de Balzac.
Porto Alegre: L&PM, 2014, p. 67.
5
BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão Imperial da Abertura da Assembleia Geral Legislativa,
03/05/1836. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 10/05/2017.
69

consonância com o clima político e intelectual próprio ao refluxo da onda revolucionária de


1789 e, ao que parece, sob a influência da Constituição Civil do Clero de 1790, cujo texto
repudiava a autoridade eclesiástica estrangeira “sem prejuízo para a unidade da fé e de
comunhão que será mantida com a chefia manifesta da Igreja universal”.6
Com a progressiva consolidação das prerrogativas do poder civil no pós-Revolução
Francesa, as diferentes tendências sobre o lugar das instituições e da moral religiosa no âmbito
do governo e da sociedade, já tipificadas no período anterior a 1789, tomaram novas formas.
Repaginavam-se as tensões características ao contexto das Luzes europeias, nas quais os
agentes do catolicismo romano, a partir de diferentes apropriações doutrinárias e filosóficas,
possuíam significativo protagonismo, sobretudo no caso do mundo luso-brasileiro. Em suma,
as matrizes intelectuais que se firmaram em diálogo político e institucional com o catolicismo,
apresentando-se em forma de dissidências e heresias ventiladas em uma esfera secular de
produção, foram importantes para a sedimentação dos valores liberais. Diogo Antônio Feijó,
em suas batalhas pela reforma da Igreja brasileira, apresentava esse quadro multifacetado de
referências.

2.1 O jansenismo e os padres do Patrocínio

Os primeiros anos de formação teológica, filosófica e política de Diogo Antônio Feijó


se deram em meio a um ambiente distante da agitada vida intelectual e política das grandes
universidades e seminários da Europa. Em artigo de 1868, na Revista do IHGB, o sacerdote
Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro7 fez uma análise do ambiente em que estiveram inseridos
os chamados padres do Patrocínio, traçando um paralelo entre esse restrito círculo de seculares
brasileiros e aqueles defensores do jansenismo de Port-Royal des Champs, na França do século
XVII. Segundo o autor, os frequentadores da igreja de Nossa Senhora do Patrocínio:

fizeram-se notáveis pela austeridade dos seus costumes e por uma rigidez de princípios,
que, frisando com os d’Arnauld, Sacy e Pascal, Nicolle, lhes deram alguns longes de

6
Constituição Civil do Clero. UFMG – Fafich – Departamento de História – História Contemporânea. – Prof. Luiz
Arnaut. Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/civilclero.pdf Acesso em 25/12/2108.
7
Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro nasceu no Rio de Janeiro, a 25 de junho de 1823. Em 1848 obteve as ordens
de presbítero, viajando à Europa em 1852, onde obteve o título de doutor em teologia. Lecionou história, retórica,
poética e história, em seminários e também no colégio Pedro II. Foi comendador da Ordem de Cristo, sócio e 1º
secretário do IHGB, além de integrante de sociedades científicas e literárias em Paris, Madrid, Lisboa e Nova
York. Foi um nome de peso entre a intelectualidade política, literária e religiosa que se formou durante o Império
brasileiro. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. IV), pp. 107-113.
70

parecença com os famosos adversários dos jesuítas, conhecidos pela denominação de


Solitários do Porto Real [Port-Royal].8

Os padres do Patrocínio seriam capitaneados por Jesuíno de Monte Carmelo, que


ingressou na ordem terceira de Nossa Senhora do Carmo após a viuvez, por breve papal
impetrado pela própria instituição.9 Diogo Antônio Feijó seria um dos mais próximos amigos
de Jesuíno, tendo feito sua oração fúnebre em 1819, na qual alegou que o falecido “não poderia
entrar nas questões espinhosas da ciência sagrada, mas (...) conhecia perfeitamente a religião e
a praticava”.10 Além de Feijó, outro proeminente frequentador dos círculos do padre Jesuíno
seria d. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861), futuro bispo de São Paulo e artífice de uma
reforma inspirada na ortodoxia romana.11 Nos primeiros decênios do século XIX, Itu era uma
vila repleta das contradições de uma sociedade na qual o apego ao ascetismo religioso cristão
se imiscuía à permissividade mundana: “Roubos, concubinatos, o andar pelas tabernas e outros
atos viviam lado a lado com a abstinência, o suplício, desencargos de consciência os mais
variados e confissões com todas as suas implicações.”12 Foi nesse ambiente que Feijó deu os
primeiros passos de sua formação, sendo, dentre seus correligionários do Patrocínio, “um dos
mais assíduos, e fiel observante da regra que espontaneamente se haviam traçado”.13
Fernandes Pinheiro buscou as raízes europeias do heterodoxo comportamento dos
padres do Patrocínio e definiu os jansenistas, por sua vez, como: “uma manifesta heresia relativa
à graça, o livre arbítrio, mérito das boas obras, benefício da redenção, etc., contida no livro de
Sansonio apelidado Augustinus”.14 Provavelmente, Fernandes Pinheiro se equivocou ao citar o
nome do teólogo a partir do qual se originou o termo jansenismo, Cornélio Jansênio (1585-

8
FERNANDES PINHEIRO, J. C. Os Padres do Patrocínio ou o Porto Real de Itu. R. I. H. G. B., tomo 33, 2º,
1870, p. 237.
9
Jesuíno Francisco de Paula Gusmão nasceu em Santos, na data de 25/03/1764. Mulato, de origem humilde e “pai
incógnito”, não frequentou instituições. Ainda jovem, prestava serviços aos frades, atuando como pintor e depois
organista. Em 1781, aos dezessete anos, a convite de um frade, mudou-se para Itu, onde adquiriu mais prática nos
ofícios de músico e pintor, decorando as naves e pintando quadros, além de casar-se e ter cinco filhos. Após a
viuvez, recusou-se a casar-se novamente, intensificando sua dedicação aos ofícios e, a convite de um sacerdote,
aos estudos que pudessem habilitá-lo à ordenação, sonho antigo. Em 1797, ordenou-se e escolheu o nome Jesuíno
de Monte Carmelo, em homenagem à Nossa Senhora do Carmo, santa da qual era devoto. O padre Jesuíno liderou
a construção da matriz de Nossa Senhora do Patrocínio em Itu e, no referido espaço, passaram a se reunir os
“padres do Patrocínio”. Ver: ANDRADE, Mário. Padre Jesuíno de Monte Carmelo. São Paulo: Livraria Martins
Editora, 1963, pp. 29-78; FERNANDES PINHEIRO, J. C. Op. cit., p. 239.
10
FEIJÓ, Diogo Antônio. Oração fúnebre ao padre Jesuíno do Monte Carmelo. In: CALDEIRA, Jorge. Diogo
Antonio Feijo. São Paulo: Ed. 34, 1999, p. 274.
11
Antônio Joaquim de Melo nasceu em Itu. Teve o contato com as primeiras letras em Minas Gerais e ali ingressou
na carreira militar, seguindo os passos de seu pai, que para lá fora mandado. Após a morte do pai, seguiu a vocação
eclesiástica, nomeado presbítero em 1814 e, depois anos de trabalho em Itu, bispo da diocese de São Paulo em
1851. Ver: WERNET, Augustin. Op. cit.
12
RICCI, Magda. Op. cit., p. 237.
13
FERNANDES PINHEIRO, J. C. Op. cit., p. 240.
14
Ibidem, P. 240.
71

1638), professor da Universidade de Louvain e bispo de Ypres. Jansênio, influenciado por


Miguel Baio (1513-1589), também professor em Louvain, aprofundou seus estudos sobre os
concílios da Igreja e sobre a obra de Agostinho de Hipona (354-430). A obra de Jansênio,
Augustinus, foi lançada um ano após a sua morte e fazia referência direta ao bispo de Hipona,
defendendo uma perspectiva teológica baseada na graça, um rigorismo doutrinário e moral e
uma volta aos primeiros padres da Igreja.15 O jansenismo, em suas múltiplas manifestações,
combateu a perspectiva teológica dos escolásticos jesuítas, em uma contenda de raízes
profundas na história da Igreja, na qual era central um debate caro ao catolicismo romano e que
teve um grande apelo no Concílio de Trento (1545-1563).
Jansenistas e jesuítas defendiam, respectivamente, as perspectivas da graça e do livre-
arbítrio, formando uma polarização entre os imperativos da providência divina e a possibilidade
de escolha da liberdade humana. O nome mais combatido pelos jansenistas foi o do jesuíta Luís
de Molina (1536-1600), cujo pensamento forneceu as balizas doutrinárias do molinismo.16 Para
Jansênio, a obra de Molina estaria comprometida com uma espécie de reestruturação do
pelagianismo, que tinha por base a ideia da salvação pela vontade humana.17 Se as rusgas
teológicas significaram o estopim dos embates entre jansenistas e jesuítas, as contraposições

15
SOUZA, Evergton Sales. Jansénisme et Réforme de l ‘Église dans l’Empire Portugais: 1640 à 1790. Paris:
Centre Culturel Calouste Gulbenkian, 2004, pp. 40-42; SANTOS, Cândido dos. O Jansenismo em Portugal.
Faculdade de Letras da Universidade do Porto: Porto, 2007, pp. 5-10.
16
Luís de Molina nasceu em 1535, em Cuenca, na Espanha. Aos dezoito anos, ingressou na Companhia de Jesus
em Alcalá. Tempos depois, estudou filosofia e teologia na Universidade de Coimbra e lecionou na Universidade
de Évora. Molina, juntamente com o teólogo Leonardo Léssio (1554-1623), combateu Miguel Baio, precursor do
jansenismo, fazendo com que ele fosse condenado pelo papa Pio V (1566-1572). Molina foi o primeiro jesuíta a
escrever um comentário sobre a Suma Teológica de Tomás de Aquino (1225-1274), em sua densa e controversa
obra, Concórdia, cuja tese central consistia na defesa do livre arbítrio, porém, em consonância com a graça divina.
Tal perspectiva combatia a ênfase protestante na predestinação e, baseada em preceitos tridentinos, consistia em
uma reinterpretação da teologia tomista, que enfatizava a graça, sem negar a existência da vontade humana. As
teses de Molina logo sofreriam resistências, em especial por parte do dominicano Domingo Bañez (1528-1604),
que levaria a questão ao papa Clemente VIII (1592-1605). O Sumo Pontífice não se pronunciaria acerca das teses
de Molina, tendo o seu sucessor, o papa Paulo V (1605-1621), feito apenas recomendações para que a contenda
fosse silenciada, sem, no entanto, ratificar uma condenação por bula pontifícia. Ver: HERBERMANN, Charles
George et. al. (1910). The Catholic Encyclopedia: an International Work of Reference on the Constitution,
Doctrine, Discipline, and History of the Catholic Church (v. 10). New York: Universal Knowledge Foundation,
1913, pp. 489-495. Disponível em:
https://archive.org/details/V10CatholicEncyclopediaKOfC Acesso em 10/05/2017.
17
O pelagianismo originou-se das concepções defendidas por Pelágio, nascido provavelmente na Bretanha do
século IV. Pelágio possuía um vasto conhecimento acerca das questões teológicas e das tradições filosóficas da
Antiguidade clássica, sendo influenciado pelo Estoicismo. Em suma, o núcleo central de seu argumento era a
negação do estado de natureza do paraíso e do pecado original, narrativas fundamentais para a afirmação dos
valores cristãos católicos da Santa Sé. As teses de Pelágio foram duramente combatidas por Agostinho de Hipona
e geraram longas controvérsias teológicas nos círculos intelectuais do catolicismo romano durante os papados de
Inocêncio I (401-417) e Zózimo (417-418). No bojo da referida tensão, o pelagianismo foi condenado e figurou
como uma das mais significativas heresias da história da Igreja. Ver: HERBERMANN, Charles George et. al.
(1910). The Catholic Encyclopedia… (v. 11). Op. Cit., pp. 604-608. Disponível em:
https://archive.org/stream/V11CatholicEncyclopediaKOfC#page/n663/mode/2up Acesso em 11/05/2017.
72

entre as duas correntes não se resumiriam a questões de foro religioso, tendo claros
desdobramentos no âmbito político. A partir de sua perspectiva teológica combativa, o
jansenismo contribuiria para o recrudescimento das rusgas entre os poderes monárquico e
pontifício, mantendo constante diálogo e tensão com matrizes intelectuais de natureza
eclesiástica e secular.
Uma das primeiras polêmicas de caráter político, protagonizada pelos jansenistas, teve
lugar na França de Luís XIV. Os jansenistas tinham grande influência sobre seu ilustre defensor,
o filósofo Blaise Pascal (1623-1662), autor das Cartas Provençais, verdadeiro libelo teológico
anti-jesuítico escrito em defesa de Antoine Arnauld (1612-1694).18 Em 1655, Arnauld ficara
incumbido por petição do cardeal Mazarin (1602-1661), de defender o duque de Liancourt
diante dos ataques desferidos pelo teólogo jesuíta François Annat (1590-1670), confessor de
Luís XIV. Segundo Arnauld, ao recusar a confissão do duque e intimá-lo a retirar sua neta de
Port-Royal, Annat estaria violando “normas da Sé Romana, refletindo o desprezo geral dos
Jesuítas pelas tradições estabelecidas da Igreja”.19 Cumpre salientar que, ainda no século XVII,
mesmo em meio a essas tensões, os jansenistas nutriam simpatia por certo “galicanismo
episcopal”, ao mesmo tempo em que compartilhavam os sentimentos ultramontanos de
oposição à razão do Estado.20 Entretanto, com o passar dos anos, os jansenistas estariam cada
vez mais próximos do Estado galicano francês, na medida em que sofriam perseguições por
parte do papado romano, sobretudo após a promulgação da Bula Unigenitus (1713).
A bula Unigenitus, de autoria do papa Clemente XI (1700-1721), teve como principal
objetivo a condenação de 101 proposições contidas na obra Reflexões morais sobre o Novo
Testamento, de autoria do oratoriano Pasquier Quesnel (1634-1719). Quesnel defenderia a
perspectiva da graça divina, evocando, em termos políticos, a importância dos concílios e a
supremacia do poder temporal.21 Diante da ofensiva de tais teses, que contestavam a
preeminência da Santa Sé sobre as competências eclesiásticas, a condenação de Clemente XI

18
Pascal é uma das maiores referências da ciência e da filosofia desenvolvidas na Idade Moderna, tendo publicado
trabalhos elementares nas áreas da física e da matemática, além de reflexões sobre a religião e sobre as contendas
geradas em torno das eventuais contraposições entre o empirismo e o racionalismo. Arnauld, por sua vez, também
teve incontestável protagonismo na história da filosofia e da teologia ocidental, tendo sido um dos comentadores
das Meditações, de René Descartes. Ver: MANTOVANI, Ricardo Vinícius Ibañez. Primeira Carta Provincial de
Blaise Pascal. Cadernos Espinosanos, [S.l.], n. 33, p. 255-270, dec. 2015. ISSN 2447-9012. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/espinosanos/article/view/104486/107242>. Acesso em: 14/12/2016.
doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2447-9012.espinosa.2015.104486; ROSENFIELD, Denis L. Arnauld: entre a
teologia e a filosofia. Analytica. Vol. 5, número 1-2, 2000, pp. 49-82.
19
KOSTROUN, Daniela. Feminism, Absolutism and Jansenism: Louis XIV and the Port-Royal Nuns. New York:
Cambridge University Press, 2011, p. 92. (Tradução nossa).
20
SOUZA, Evergton Sales. Op. cit., pp. 97-98.
21
Ibidem, pp. 75 e segs.
73

“atacava o poder temporal e legitimava a deposição de reis e imperadores. Sem o pretender,


indiretamente a bula induziu a conjunção do jansenismo e do galicanismo na sua mais ampla
expressão.”22 Com efeito, a Unigenitus teve recepção polêmica, gerando divergências no
interior da própria Igreja romana e fomentando a referida consolidação da aliança entre
jansenistas e galicanos.
Em meio a esse quadro de polêmicas, os muitos teólogos e filósofos identificados com
o jansenismo ganharam capilaridade no bojo das rusgas políticas entre Roma e as monarquias
católicas da Europa. As principais teses jansenistas alcançariam diferentes territórios, em
especial aqueles onde o regalismo era evocado para fundamentar a afirmação dos poderes
monárquicos perante a Santa Sé. Assim, para além da sinergia que, a partir do século XVIII,
passou a caracterizar a relação entre jansenismo e galicanismo na França, os Estados ibéricos
também receberam influência de Jansênio e seus seguidores. Em Portugal, o referido processo
se deu a partir da ascensão do marquês de Pombal (1699-1782) ao poder, durante o reinado de
d. José I (1750-1777), especificamente após a expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses
em 1759. Ao mesmo tempo em que eram abaladas as relações com a Santa Sé, os autores caros
ao Jansenismo eram disseminados no âmbito do Reformismo Ilustrado pombalino.23
A reverberação das teses jansenistas teve eco na voz do padre oratoriano Antônio Pereira
de Figueiredo (1725-1790), deputado da Real Mesa Censória, eleito mestre de teologia da
Congregação do Oratório em 1761. Influenciado pelas teses de Quesnel, o oratoriano seria um
dos ideólogos de Pombal, além de referência do pensamento católico e ilustrado português. Em
sua obra Tentativa Teológica, Figueiredo defenderia uma contraditória conciliação entre a
autoridade régia, a mediação do poder episcopal e a primazia eclesiástica do Sumo Pontífice.24
Combateu o molinismo e o jesuitismo, alinhando-se à defesa do regalismo empreendido por d.
José I e Pombal. Na figura de Figueiredo, o jansenismo fortalecia aspectos basilares da
legitimidade do poder régio sobre as questões eclesiásticas, propagando uma espiritualidade
calcada no rigorismo moral. Se o jansenismo contribuiria para a afirmação do regalismo, sua
presença iria abranger uma dimensão da religiosidade que o núcleo da política religiosa
monárquica não alcançava.25
Em que pese a presença do jansenismo na Península Ibérica, cumpre ressaltar, o
molinismo contribuiu para a fundamentação das concepções corporativas de poder da Segunda

22
SANTOS, Cândido dos. Op. cit., p. 12.
23
Ibidem, pp. 12-13.
24
SANTIROCCHI, Ítalo Domingos. Questão de Consciência... Op. cit., pp. 56-58; VILLALTA, Luiz Carlos. Usos
do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., p. 141.
25
SOUZA, Evergton Sales. Op. Cit., pp. 428 e segs.
74

Escolástica, que tiveram ampla divulgação e legitimidade entre os séculos XVII e XVIII,
ganhando fôlego até os idos do século XIX.26 Com efeito, alguns dos valores teológicos,
eclesiológicos e políticos defendidos pelos jansenistas conviveram, em Portugal, com uma
tradição que buscava a legitimação do Estado monárquico em bases doutrinárias agostinianas,
tomistas, platônicas e aristotélicas. Para os tomistas, haveria uma relação derivativa entre a lei
divina, a lei natural e a lei humana, sendo esta última uma manifestação do conhecimento que
o homem possuía em um estado natural iluminado pela graça divina.27 Molina e outros teóricos
neotomistas recorreram a essa chave de entendimento, que encadeava um jusnaturalismo de
inspiração teológica e noções contratualistas, destacando a necessidade de convergência entre
a vontade do soberano e do corpo de súditos.28 Nesse sentido, o poder do rei não derivaria
diretamente de Deus, sendo o Sumo Pontífice o único representante da vontade divina e, ao
mesmo tempo, a comunidade a depositária original do poder advindo da divindade.
Ao evocar o protagonismo político da comunidade e, particularmente, do papa, a
perspectiva neotomista contribuía, de certo modo, para legitimar a limitação do poder dos
soberanos, o que alimentava as rusgas na dinâmica do Padroado régio. Por sua vez, os asseclas
da hegemonia do poder civil sobre as competências eclesiásticas encontrariam distintas vias de
legitimação intelectual e política das suas ideias. Nesse contexto, em Portugal, durante a
segunda metade do século XVIII, o jansenismo se afirmou, ainda que inserido em uma dinâmica
de legitimação do poder político na qual as matrizes filosóficas que questionavam a hegemonia
Escolástica dos jesuítas encontravam resistências múltiplas.29 A partir desse complexo quadro,
a progressiva difusão do jansenismo, em suas variantes teológicas e eclesiológicas, no quadro
das matrizes intelectuais do ocidente euro-americano, acabou por atingir a América portuguesa.
O franciscano Manuel da Ressurreição (1718-1789), à frente da Diocese de São Paulo
entre 1771 e 1789, possuía em sua biblioteca obras de referência do pensamento jansenista,
dentre elas, destacava-se o Catecismo de Montpellier.30 Dom Manuel chegaria a trocar

26
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., p. 46.
27
SKINNER, Quentin. Op. cit., pp. 426-432.
28
TORGAL, Luís Reis. Ideologia política e teoria do Estado na Restauração. Coimbra: Biblioteca Geral da
Universidade, 1981, vol. 1, p. 110-112.
29
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., p. 46.
30
O Catecismo de Montpellier foi impresso pela primeira vez em 1702, na diocese homônima. O texto fora
encomendado pelo bispo Joachim Colbert e redigido pelo oratoriano François Aimé Pouget, advogando pela
obediência aos monarcas e pelo pessimismo teológico, marcas do galicanismo e do jansenismo. O texto foi
traduzido para o português durante o reinado de d. José I e contribuiu para a consolidação de uma pedagogia
política e religiosa que reforçava os preceitos regalistas no mundo luso-brasileiro, tendo chegado até o Brasil
Império. Chegou a ser adotado, em seu formato pequeno, no ensino de primeiras letras no mundo lusitano. Ver:
ANJOS, Juarez José Tuchinski dos. O catecismo de Montpellier e a educação da criança no Brasil imperial.
Cadernos de Pesquisa. v.46 n.162 p.1028-1048 out./dez. 2016, pp. 1032-1035.
75

correspondências com Pombal para tratar da situação em que se encontrava a formação dos
sacerdotes paulistas, destacando sua retidão disciplinar e deficiência na formação. 31 A
predileção de dom Manuel por algumas obras jansenistas permite reforçar a hipótese de que
Feijó realmente travara contato com as ideias de Jansênio e seus seguidores. Tendo em vista a
peculiar sedimentação do jansenismo no mundo luso-brasileiro, o paralelo de Fernandes
Pinheiro entre os movimentos ocorridos nos arredores de Paris e no interior de São Paulo não
estaria de todo infundado, apesar de um tanto quanto hiperbólico.
Seguindo suas análises, o presbítero, teólogo e intelectual do império defenderia a
legitimidade das teses galicanas de Bossuet: “Ora ninguém há que ignore que Bossuet e os
outros notáveis teólogos que defenderam as mui célebres liberdades da igreja galicana na
famosa assembleia do clero de 1682 viveram e morreram na comunhão da Igreja católica”.32
Ao mesmo tempo, destacaria o distinto caráter herético do jansenismo, que: “através de suas
multíplices metamorfoses, foi solenemente condenado pela autoridade dos SS. PP. Urbano VIII,
Inocêncio X, Alexandre VII e Clemente XI”.33 Quanto à recepção dos padres brasileiros às teses
heréticas, a justificativa de Fernandes Pinheiro destacava as limitações relativas ao campo
teológico: “A linha divisória entre a verdade e o erro não era mui fácil de ser distinguida pelos
eclesiásticos ituanos, cuja ciência teológica não igualava por certo a piedade e austeras virtudes
que tanto os recomendavam.”34 Já “nas conferências semanais” dos padres do Patrocínio, “que
publicamente celebravam com assistência de numerosíssimo auditório”, ventilavam-se
“algumas proposições mal soantes (...) nas teses dos paladinos da controvérsia.”35
Em seus escritos, Feijó não tratou diretamente sobre os valores e querelas do jansenismo
e, de fato, houve quem negasse veementemente a influência da referida “heresia” sobre Feijó e
os seus coetâneos de Itu, afirmando ser equivocada a comparação de Fernandes Pinheiro.36
Contudo, o padre regente comentou sobre o contexto da França galicana em seu opúsculo
Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical. Nessa obra, destacou o
protagonismo do Estado francês, mantenedor da autonomia de sua Igreja frente aos anseios da
cúpula da Sé romana. A supremacia da Igreja galicana tutelada pelo Estado teria se dado mais
por iniciativa das forças civis do que pela vontade das forças religiosas: “Merece ser observado
que as liberdades da Igreja galicana devem a sua existência mais à proteção do governo do que

31
SOUZA, Evergton Sales. Op. cit., pp. 26-27.
32
PINHEIRO, Fernandes. Op cit., p. 240-241.
33
Ibidem, p. 241.
34
Ibidem, p. 241.
35
Ibidem, p. 241. (Grifos do autor).
36
CAMARGO, Monsenhor Paulo Florêncio da Silveira. Os padres do Patrocínio. R. I. H. G. B., vol. 251, 1961,
pp. 227-232.
76

aos esforços dos eclesiásticos”.37 Esses últimos, pelo contrário, fariam coro às diretrizes
emanadas do núcleo do catolicismo romano, exigindo “a publicação do Concílio Tridentino,
onde os direitos dos bispos são muito pouco atendidos, e onde se pretende indiretamente
inculcar o domínio universal dos papas e sua supremacia aos concílios gerais, ets”.38
Se não tocou diretamente no controverso tema do jansenismo em sua fala sobre a França
galicana, Feijó deixou claro que o enfraquecimento do poder dos bispos e o apelo à supremacia
do poder papal estavam intimamente relacionados. O padre de Itu seria defensor da autonomia
das competências civis do Estado sobre a Igreja romana, o que se tornou claro na questão da
nomeação de Antônio Maria Moura para o bispado do Rio de Janeiro, fazendo apologia ao
regalismo e também ao episcopalismo. Tais aspectos, ligados respectivamente à relação entre
Igreja e Estado e à hierarquia dos poderes eclesiásticos, foram absorvidos de modos distintos
entre os diferentes grupos e agentes históricos identificados ao jansenismo.
É interessante notar que tanto Fernandes Pinheiro quanto Diogo Antônio Feijó
evocariam a legitimidade do galicanismo, se bem que a partir de perspectivas distintas. O
primeiro traria a voz de Bossuet e a suposta indissociabilidade entre o Estado francês e a Santa
Sé, negando que a liberdade da Igreja galicana pudesse ferir as relações com o catolicismo
romano. O segundo, por sua vez, assentaria seu argumento na autonomia do poder temporal e
sua importância na blindagem que o governo francês manteria frente às investidas tridentinas
que advogavam pela plenitude do poder papal. Assim, distintas interpretações do fenômeno
galicano significavam maneiras diversas de conceber a relação entre Estado e Igreja e, no limite,
o desenho político-institucional do próprio Padroado régio no Brasil. Se Fernandes Pinheiro
rechaçava a penetração dos ideais “heréticos” nos domínios do Patrocínio, fazendo apologia
das condenações papais, Feijó seria o porta-voz de alguns dos principais valores que, com o
tempo, fortaleceram-se como pilares do jansenismo.
Fernandes Pinheiro não destacaria apenas embate jansenista liderado por Feijó, mas
também alguns “sacerdotes que, na frase de S. Paulo, prezaram mais a Deus do que aos
homens”, sendo eles “os padres Antônio Pacheco da Silva, fundador do hospício dos
morféticos; Melchior Soares do Amaral, primo e íntimo amigo de Feijó; frei Inácio de Santa
Justina, famoso teólogo que foi mestre de Mont’Alverne, e frei Matheus, tipo do missionário
católico.”39 A oposição dos referidos sacerdotes aos padres do Patrocínio também fora

37
FEIJÓ, Diogo Antônio. Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical In: CALDEIRA, Jorge.
Op. cit., p. 329.
38
Ibidem, p. 329.
39
FERNANDES PINHEIRO, J. C. Op. cit., p. 242.
77

destacada por Mário de Andrade, em seu estudo sobre o padre Jesuíno de Monte Carmelo.
Entretanto, o grande ícone do Modernismo não trouxe informações além daquelas que
Fernandes Pinheiro forneceu, pelo contrário, suas considerações foram muito próximas às do
referido sacerdote. Sobre os padres do Patrocínio, o autor de Macunaíma destacou seus “ardores
místicos exaltadíssimos” e “disciplinas ferozes”, salientando ainda que Feijó era “dos mais
ardentes” e deixava “o chão maculado de sangue pecador”.40 Teria Mário de Andrade traçado
suas impressões a partir do esboço feito por Fernandes Pinheiro? Não há citação que possa
comprovar, mas, se o fez, aditou os floreios de exímio folclorista quando se referiu a Feijó.
Essa contraposição que Fernandes Pinheiro esboçou, entre os padres de Itu e seus
antagonistas, seria nivelada em uma comparação que evocava afamados nomes da história do
catolicismo: “A um Tertuliano, a um Lamennais, oporemos um S. Cypriano, um Fénélon”.41
Ao lado do proscrito Lamennais, um dos maiores “hereges” do século XIX, evocava-se
Tertuliano, cuja teologia ficaria marcada por rigoroso e fiel apelo ao martírio e à superação das
tentações.42 Tertuliano seria um dos precursores da doutrina da graça, aperfeiçoada por aquele
que foi referência fundamental para os jansenistas, santo Agostinho.43 Já Cipriano de Cartago,44
discípulo de Tertuliano, fora colocado ao lado de Francis Fénelon (1651-1715), sacerdote
francês formado entre os jesuítas.45 De fato, Cipriano manteve discordâncias com relação a

40
ANDRADE, Mário. Op. cit., p. 71.
41
FERNANDES PINHEIRO, J. C. Op. cit., p. 243.
42
Filho de um centurião romano, Tertuliano nasceu em Cartago, entre os anos 150 e 160, e notabilizou-se por seu
conhecimento jurídico enquanto advogava pelas cortes do Império Romano. Com o tempo, passou a se dedicar à
Igreja a partir de uma vida ascética e tornou-se sacerdote da Igreja de Cartago. No início do século III, Tertuliano
rompeu com a Igreja e converteu-se ao Montanismo, movimento considerado herético, fundado por Montano
(século II) e difundido pelos domínios de Roma, da Ásia Menor e norte da África. Em que pese seu rompimento
com a instituição cristã, a teologia original e sistemática de Tertuliano figura entre uma das mais incisivas em
termos de apologética. Seus seguidores foram reincorporados à Igreja por iniciativa de Agostinho. Ver:
HERBERMANN, Charles George et. al. (1910). The Catholic Encyclopedia… (v. 14). Op. cit., pp. 520-525.
Disponível em:
https://archive.org/stream/V11CatholicEncyclopediaKOfC#page/n663/mode/2up Acesso em: 30/05/2017.
43
BRAATEN, Carl E. & JENSON, Robert W. (Ed.). Dogmática Cristã (v. 1). São Leopoldo: Sinodal, 2002, p.
52.
44
Cirpiano nasceu em Cartago, em data desconhecida, provavelmente em inícios do século III, tendo sido orador
e advogado e convertendo-se ao cristianismo em meados da sua vida. Foi bispo de Cartago e advogou pela
unificação da cristandade. Por negar a reconhecer a autoridade religiosa do Império Romano, enfatizando sua
devoção aos preceitos da trindade una e santa, Cipriano foi degolado. Sua sentença foi proferida e aplicada em
258, durante a perseguição aos cristãos empreendida pelo imperador Valeriano (253-260). Pela crueza de sua
trágica morte, Cipriano passou a figurar entre os grandes mártires da Igreja de Roma. HERBERMANN, Charles
George et. al. (1910). The Catholic Encyclopedia… (v. 4). Op. cit., pp. 583-589. Disponível em:
https://archive.org/stream/V11CatholicEncyclopediaKOfC#page/n663/mode/2up Acesso em: 31/05/2017.
45
Francis Fenelon nasceu em 1651, na região de Périgord, na França. Desde jovem, travou contato com a filosofia
e a teologia, sendo ordenado no seminário de Saint-Sulpice, chegou a ser arcebispo da diocese de Cambrai.
Notabilizou-se por suas obras de caráter pedagógico e foi preceptor do herdeiro do trono francês, o Duque de
Borgonha. Entretanto, o sacerdote foi condenado por Inocêncio XII (1691-1700) ao escrever uma obra em defesa
de Madame Guyon (1638-1717) e do quietismo, questão sobre a qual já havia revelado discordâncias com relação
às opiniões de Bossuet. Por sua obra Telêmaco, Fénelon foi afastado da preceptoria e banido da Corte. Não voltaria
78

Tertuliano no que se referia ao batismo.46 Fénelon, por sua vez, compôs uma obra que refutava
as teses jansenistas, Refutação do sistema do padre Malebranche sobre a natureza e a graça,
escrita sob influência de Bossuet, em 1684, antes das rusgas que envolveram os dois prelados.47
Se para Fernandes Pinheiro o padre de Itu estaria em sintonia com esses “hereges” que
sacudiram a França de Luís XIV, também faria coro às vozes dos sacerdotes Miguel Hidalgo y
Costilla (1753-1811) e José Maria Morelos (1765-1815), líderes do movimento pela
Independência do México,48 que “hastearam bem alto o estandarte da independência e fizeram
recuar os aguerridos soldados de Fernando VII. Feijó era dessa tempera; e, se as circunstâncias
o tivessem exigido, tê-lo-íamos visto brandindo a espada, ou manejando a escopeta.”49 Apesar
da semelhança apontada, o destino do clérigo paulista surgia ao longe dos arroubos de violência
e mais alinhado aos louros do parlatório: “A marcha natural dos acontecimentos fê-lo porém
homem de tribuna e de governo; podendo aplicar a si o mui conhecido verso de Cícero: Cedant
arma togae, concedant láurea linguae”.50 Clamando pela oratória no lugar das armas,51 a frase
de Cícero parece não ter tido o mesmo efeito atenuante sobre o próprio Feijó que, em
correspondência ao barão de Caxias, afirmou não ter ido às armas tão somente por sua
debilidade no momento da famosa Revolta de 1842: “o vilipêndio que tem o governo feito aos
paulistas e às leis anticonstitucionais da nossa Assembleia me obrigaram a parecer sedicioso.
Eu estaria em campo com a minha espingarda se não estivesse moribundo; mas faço o que
posso”.52

mais a Paris. Ver: BUTLER, Charles. The Life of Fenelon, Archbishop of Cambray. London: Printed for Longman,
Hurst, Rees, and Orme, Paternoster Row, 1810, pp. 11-76.Disponível em:
https://books.google.pt/books?id=cKZhAAAAcAAJ&pg=PA95&lpg=PA95&dq=fenelon&source=bl&ots=z3sy
3d4gpa&sig=P-8lTkBSI0PdyZz8mcJCvP5TUME&hl=pt-PT&sa=X&ved=0ahUKEwjL4-
Hj8ZrUAhUJXhoKHdGeCSUQ6AEIYTAJ#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 31/05/2017
46
BRAATEN, Carl E. & JENSON, Robert W. (Ed.). Op. cit., p. 407.
47
VILLEMAIN, M. (Org.). Oeuvres Philosophiques de Fénelon. Paris: L. Achete Éditeur, 1843, pp. 35-36.
Disponível em:
em:https://books.google.pt/books?id=LvRIAAAAcAAJ&pg=PR35&lpg=PR35&dq=Trait%C3%A9+de+l%27ex
istence+de+Dieu+et+de+la+r%C3%A9futation+du+syst%C3%A8me+de+Malebranche+sur+la+nature+et+sur+l
a+Gr%C3%A2ce&source=bl&ots=2X2s4jaQGI&sig=KiqCKOE1FstD4XKbjdwRc2e_DtU&hl=pt-
PT&sa=X&ved=0ahUKEwjDo4qB JrUAhUIOhoKHYXkDMgQ6AEIKjAA#v=onepage&q&f=false. Acesso
em: 31/05/2017.
48
ANNA, Timothy. “A Independência do México e da América Central.” In: BETHELL, Leslie (Org.). História
da América Latina: Da Independência a 1870, volume III. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo;
Brasília, DF – Fundação Alexandre Gusmão, 2009, pp. 84-91.
49
FERNANDES PINHEIRO, J. C. Op. cit., p. 244.
50
Ibidem, p. 244.
51
CÍCERO, Marcus Tullius. Livro dos ofícios de Marco Tullio Ciceram, o qual tornou em linguagem o Infante D.
Pedro, duque de Coimbra. Edição critica, segundo o MS. de Madrid, prefaciada, anotada e acompanhada de
glossário, por Joseph M. Piel. Coimbra: Por Ordem da Universidade, 1948, p. 47. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?id=M6SLhmxI_t0C&printsec=frontcover&hl=pt-
BR#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 15/12/2016.
52
Jornal do Comércio, nº 181, 14/06/1842.
79

Em meio a um ambiente de supostas heterodoxias, Feijó contribuiria para “derrancar a


ortodoxia dos padres do Patrocínio”, na medida em que “fazia em seu espírito exaltado um
amálgama das ideias liberais, de que sempre se mostrou entusiasta, com as máximas da mais
severa moral e extraordinário rigor de princípios que os jansenistas opunham à laxidão das
doutrinas de seus adversários”.53 Assim, segundo Fernandes Pinheiro, Feijó defenderia uma
visão influenciada pela matriz liberal, em voga no século XIX, aliada aos valores teológicos
dos inimigos dos jesuítas, frequentadores de Port-Royal. O espectro desse quadro intelectual
seria assim completado por “Leituras mal digeridas” e uma “pouco feliz escolha de
expositores”, as quais teriam produzido em Feijó uma “fermentação intelectual, agravada pelo
estudo, também mal conduzido, da filosofia de Kant, cuja nebulosidade é confessada pelos
próprios panegiristas.”54
Há de se considerar que a imagem de um Feijó quase herético e, no limite, porta-voz
das revoluções, foi pintada por Fernandes Pinheiro em 1868, em um momento de escalada do
ultramontanismo de Pio IX (1846-1878). Mesmo a recepção de um suposto jansenismo não
teria surtido o mesmo efeito sobre todos os patrocinistas, pois, o bispado de d. Antônio Joaquim
de Melo (1851-1861) foi o marco de uma reforma religiosa que estabeleceu os pilares do
ultramontanismo no Brasil.55 Contudo, não se pode descartar a hipótese da influência jansenista
sobre Feijó, que teve em Itu uma vivência introspectiva, em um ambiente no qual as teses
jansenistas já haviam sido ventiladas desde os tempos coloniais. Com efeito, tomados em seu
conjunto, os valores teológicos, eclesiológicos e políticos defendidos por Feijó formavam um
mosaico de ideias que se desenvolveram no seio do catolicismo romano e, no limite, em
constante diálogo e tensão com os porta-vozes intelectuais da Santa Sé. O próprio Fernandes
Pinheiro travara contato com diferentes perspectivas filosóficas que, a julgar pelo artigo sobre
os padres do Patrocínio, formariam um mosaico distinto da constelação sobre a qual parecia
lançar anátema referindo-se a Feijó. Por outro lado, segundo Wilson Martins, o cônego estaria
entre os “católicos liberalizantes” e crítico dos jesuítas.56

53
FERNANDES PINHEIRO, J. C. Op. cit., p.241.
54
Ibidem, p. 241.
55
WERNET, Augustin. Op. cit., pp. 96-103.
56
Tal argumento baseou-se em um artigo escrito por Fernandes Pinheiro em 1855, intitulado Ensaio sobre os
Jesuítas, no qual é admitida a mudança de opinião de seu autor sobre a Companhia de Jesus, passando de apologia
à crítica. O artigo tem início com uma citação do pensador italiano Vicenzo Gioberti (1801-1852), expoente
intelectual do risorgimento, crítico da instituição inaciana. Ver: FERNANDES PINHEIRO, J. C. Ensaio sobre os
Jesuítas. R. I. H. G. B., tomo XVIII, 1896, p. 71; MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, Vol. III
(1855-1877). São Paulo: Cultrix, Editora da Universidade de São Paulo, 1977, p. 2; NARITTA, Felipe Ziotti. O
tempo sagrado do Império: história e religião na obra do cônego Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro. 2012. 169
f. Dissertação (Mestrado) – UNESP. Franca, 2012, p. 12.
80

Essa natureza compósita não foi uma exclusividade do pensamento do padre regente ou
de Fernandes Pinheiro, mas uma característica das elites letradas do próprio Brasil imperial.
Entre os sacerdotes, que durante o Império ainda perfaziam boa parte dos círculos letrados, era
comum a convergência entre tradições intelectuais da Eclésia e do século, das teses escolásticas
e da Ilustração (que não necessariamente, ressalte-se, opôs-se à religião e, mais
especificamente, ao catolicismo), cara aos estrangeirados.57 A formação intelectual da
hierarquia eclesiástica carregava a herança das estruturas de um Império ultramarino português
em constante tensão com Roma, favorável ao desenvolvimento do regalismo e vulnerável à
penetração de ideias consideradas “heréticas” pelos mais afinados com o Papado, como foi o
caso do jansenismo. Diogo Antônio Feijó não seria uma exceção ao aspecto multimodal da
intelligentsia do período Imperial. Essa marca tornou-se evidente em seus Cadernos de
Filosofia, confeccionados nos anos de Itu e nos quais estariam expostas suas leituras sui generis
da tradição filosófica luso-brasileira e europeia.

2.2 Ecletismo, Ilustração, jusnaturalismo e liberalismo

De acordo com Miguel Reale, os Cadernos de Diogo Antônio Feijó seriam


caracterizados por “irremediável insuficiência e contradição” com relação “à recepção da
Filosofia Crítica”, vinculando as categorias apriorísticas de Kant ao “superado empirismo
sensista”, o que teria resultado em um “um sincretismo, como tantos outros que têm assinalado
a história da Filosofia no Brasil”.58 De fato, os referidos escritos, divididos entre metafísica,
lógica e moral, não foram compostos a partir de um rigorismo metódico, mesmo porque
cumpriam a função de notas de aula, em um contexto no qual era evidente a centralidade dos
compêndios para a disseminação do conhecimento.59 Nos anos iniciais do século XIX, o acesso
à formação letrada ainda era incipiente e as faculdades só seriam inauguradas na década de
1830. Em um cenário de escasso acesso aos espaços formais de estudos, que direta ou
indiretamente passavam pelo recurso aos círculos acadêmicos portugueses, Feijó apareceria
entre os nomes preocupados com algumas das questões fundamentais da filosofia de seu tempo,
sobretudo no que se referia à moral, ao direito e à politica.

57
DOMINGUES, Ivan. Op. cit., pp. 10-42.
58
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., p.30.
59
DURAN, Maria Renata da Cruz. Ecletismo e retórica na filosofia brasileira: de Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-
1846) ao frei Francisco do Monte Alverne (1784-1858). Almanack. Guarulhos, n.09, p.115-135, abril de 2015, p.
117.
81

Dentre os mais proeminentes pensadores da aurora oitocentista, sobretudo entre 1808 e


1821, a partir da chegada e estadia da corte de d. João VI (1792-1826), estariam Silvestre
Pinheiro Ferreira,60 José da Silva Lisboa e frei Francisco de Monte Alverne.61 Em que pese a
continuidade de um projeto político calcado nos valores basilares do Antigo Regime, a presença
da corte no Brasil acabou por fomentar o desenvolvimento das ciências, da filosofia e das artes.
Já em meados do século XVIII, no bojo das transformações advindas do Reformismo Ilustrado
de Pombal, o questionamento aos métodos de ensino e às referências intelectuais jesuíticas
criariam condições propícias à difusão de novas ideias no mundo luso-brasileiro, sobretudo a
partir da obra de Luís Antônio Verney.62 Verney contribuía, dessa maneira, para certa diluição
da ortodoxia filosófica própria à Escolástica dos inacianos, marcando um ponto de ruptura no
que se referia à influência aristotélico-tomista predominante nas terras ibéricas e seus domínios.
O Reformismo Ilustrado abriu espaços para a conformação de novas perspectivas na
dinâmica política e intelectual luso-brasileira, intensificando a convergência entre diferentes
fontes de formação e informação, em uma esfera pública profundamente marcada pela oralidade
e herdeira de costumes típicos do Antigo Regime.63 Essa efervescência intelectual teve uma
importante referência no ecletismo, uma das principais correntes de crítica à tradição
Escolástica em Portugal. Em termos de método, o ecletismo consolidou-se como “diretriz

60
Silvestre Pinheiro Ferreira nasceu em Lisboa, em 31/12/1769. Ingressou na Congregação do Oratório em 1784,
sendo de lá expulso por rusgas com um confrade. Nomeado substituto na Universidade de Coimbra em 1792, dali
também teve que se retirar por acusações que lhe imputavam no Santo Ofício. Durante seu exílio, viajou pela
Inglaterra, Holanda, França e Alemanha, onde travou contato com referências intelectuais diversas, compondo um
vasto repertório de influências. Esteve no Brasil entre os anos de 1809 e 1821, regressando com d. João para
Portugal no momento da Revolução Liberal. Iniciado na maçonaria, exerceu cargos no âmbito da diplomacia e da
administração régia. Compôs uma vasta obra no campo da filosofia, do direito, da administração e da economia,
na qual se destacam as Preleções filosóficas de 1813. Ver: SILVA, M. B. M. N. Silvestre Pinheiro Ferreira:
Ideologia e Teoria. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1975, pp. 9-82.
61
Francisco de Monte Alverne nasceu em 1784, no Rio de Janeiro, onde frequentaria o convento de Santo Antônio
da ordem dos franciscanos. Em São Paulo, recebeu lições de frei Inácio de Santa Justina, um dos sacerdotes que
faziam oposição ao comportamento de Feijó e de seus companheiros do Patrocínio. Em 1816, foi nomeado
pregador régio, construiu uma proeminente carreira nas instituições religiosas e teve, entre seus discípulos,
Gonçalves de Magalhães (1811-1882), literato da primeira geração do Romantismo brasileiro. Ver: BLAKE,
Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. IV), pp. 49-52.
62
Luís Antônio Verney nasceu em Lisboa em 1713. Filho de comerciante, frequentou instituições de ensino dos
jesuítas e oratorianos. Estudou em Évora e doutorou-se em teologia e jurisprudência em Roma. Sua obra mais
afamada, Verdadeiro Método de Estudar (1746), foi uma referência fundamental para a Ilustração luso-brasileira,
na medida em que se opôs aos métodos de ensino dos jesuítas e apresentou uma nova sistematização para o ensino,
tendo influência sobre a implantação das Aulas Régias empreendida pelo marquês de Pombal. Verney combateu,
desse modo, alguns dos pilares políticos, filosóficos, científicos e morais da sociedade portuguesa do Antigo
Regime, contribuindo para a sedimentação do pensamento ilustrado em Portugal e no mundo luso-brasileiro. Ver:
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., pp. 127-131.
63
Sobre a teia de informações e de formação política na Paris do século XVIII, ver: DARNTON, Robert. Os dentes
falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVIII. São Paulo: Companhia das Letras,
2005, pp. 47-90. Sobre a conjuntura luso-brasileira, durante a crise do Antigo Regime, ver: VILLALTA, Luiz
Carlos. O Brasil e a crise do Antigo Regime português... Op. cit., pp. 45-95.
82

filosófica”, calcada em predileções e na confluência entre correntes doutrinárias nem sempre


equacionadas em uma sistematização coerente.64 Essa perspectiva de uma filosofia plural e
indutiva, articulada pelo sincretismo, foi recorrente no bojo da Ilustração europeia, chegando a
ser veiculada pelas vozes de Voltaire e dos enciclopedistas.65 Nesse contexto, os ideais da
secularização do pensamento seriam fortalecidos, a partir do questionamento a certos
monopólios intelectuais, empreendidos pelos escolásticos.
Em consonância com o espírito do tempo ilustrado, alguns autores de Portugal e do
mundo luso-brasileiro iriam organizar suas doutrinas, sistemas e valores filosóficos sob um
ponto de vista eclético. Além de Verney, Ribeiro Sanches (1699-1783), Teodoro de Almeida
(1722-1804)66 e o próprio José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838)67 iriam compor suas
obras a partir de uma perspectiva que fugiria aos desígnios apriorísticos das deduções
escolásticas. Essa veia eclética teria reverberações na consolidação dos desígnios científicos e
filosóficos, políticos, jurídicos e institucionais, da Ilustração luso-brasileira. A despeito do
intenso e ininterrupto diálogo com a ortodoxia do catolicismo, os círculos letrados sediados em
Portugal, com circulação pela América portuguesa, não ficaram infensos à rica fermentação que
caracterizou a Europa, sobretudo a partir da segunda metade do século XVIII. Do Reformismo

64
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 298.
65
SILVA, Ana Rosa Cloclet da. Ilustração, história e ecletismo: considerações sobre a forma eclética de se
aprender com a história no século XVIII. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 04, pp. 75-87, 2010, ppp. 76-
77.
66
Antônio Nunes Ribeiro Sanches nasceu em Penamacor, no seio de uma família de cristãos-novos. Ingressou em
Coimbra e, dali saindo, foi cursar medicina em Salamanca. Exerceu a profissão em Portugal por um tempo, mas,
denunciado à Inquisição, partiu para outras paragens europeias, Inglaterra, França, Itália, Rússia. Dentro dos
limites característicos à Ilustração em Portugal, a obra de Ribeiro Sanches representou uma ruptura com o holismo
das explicações teológicas e marcou um ponto de inflexão no desenvolvimento de um vocabulário médico-
científico. Dentre seus mais famosos escritos, o verbete “L’affections de l’ame” para a Encyclopédie Métdodique
de Charles Joseph Panckoucke (1736-1798). Teodoro de Almeida nasceu em Lisboa, onde frequentou a
Congregação do Oratório. Sua obra foi um expoente do ecletismo filosófico no bojo da Ilustração portuguesa,
buscando uma síntese entre o pensamento cientificista e a teologia. Por se opor aos desígnios regalistas de Pombal,
acabou perseguido e exilado, voltando a Portugal após o término do reinado de D. José I (1750-1777). Foi professor
de Romualdo Antônio de Seixas na Congregação do Oratório. Ver: SILVA, Inocêncio Francisco da. Dicionário
Bibliográfico Português (vol. I). Lisboa: Imprensa Nacional, 1858, pp. 213-214; VILLALTA, Luiz Carlos. Usos
do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. Cit., pp. 129, 137-138. 245-277
67
José Bonifácio de Andrada e Silva nasceu na Vila de Santos. Filho do Coronel Bonifácio José de Andrada e de
dona Maria Bárbara da Silva, estudou na Universidade de Coimbra, onde obteve os bacharelados em Ciências
Naturais e Direito. Aprofundando ainda mais seus estudos, no continente Europeu, participou de diversas
instituições científicas e viveu o clima da Revolução Francesa quando estudou em Paris, onde conviveu com os
irmãos Humboldt. Em suas pesquisas pela Europa, descobriu e descreveu quatro novos minerais e doze variedades.
Participou de todas as principais academias científicas da época. Além de Intendente Geral das Minas e professor
da Universidade de Coimbra, sua participação nos acontecimentos relativos à Independência em 1822 foi de
importância capital, tendo organizado, à época, o primeiro corpo ministerial brasileiro. Deputado à constituinte foi
exilado do país, acusado de traição. Ao voltar, quando da abdicação de D. Pedro I ao posto de imperador, José
Bonifácio fora nomeado como tutor do futuro imperador Pedro II e de suas irmãs, sendo exonerado da função no
ano de 1833. Morreu a 6 de abril de 1838, em Niterói. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op.
Cit. (Vol. IV), pp. 344-350; CALDEIRA, Jorge (Org.). José Bonifácio. São Paulo: Ed. 34, 2002, pp. 9-40.
83

Ilustrado aos arroubos revolucionários, vislumbrava-se uma nova concepção da filosofia, da


política e da sociedade, em vias de secularização e reticente quanto à ortodoxia Escolástica do
Antigo Regime.
A sedimentação de uma perspectiva filosófica eclética, no âmbito do contexto
intelectual luso-brasileiro, ocorreu de maneira difusa e não linear, ao longo do século XVIII,
tendo lugar em distintos círculos de sociabilidade acadêmica e política e partindo
principalmente dos autores “estrangeirados”, maioria dentre os nomes supracitados.68 A
Congregação do Oratório, a Universidade de Coimbra e outros espaços de debate, muitas vezes
informais, engendrariam uma multiplicidade de vozes que influenciaram o ambiente filosófico
do século XIX.69 Foi assim com Antônio Genovesi (1713-1769),70 sacerdote que travou um
intenso contato com os autores das Luzes e obteve significativo alcance na dinâmica intelectual
da Ilustração luso-brasileira.71 A obra de Genovesi chegou aos círculos letrados do Brasil e teve
grande repercussão sobre o ensino de filosofia desde os fins do XVIII, sendo responsável pelo
contato de muitos estudiosos com as principais questões abordadas pelas Luzes europeias. Nos
Cadernos de Diogo Antônio Feijó, o nome de Genovesi surgiu tanto nos escritos sobre
metafísica, quanto nos de lógica e moral.72 Assim, trazendo as influências ilustradas, o padre
regente optaria por destacar um “método analítico” em contraposição a um “método sintético”,
além de se afastar dos apriorismos dedutivos da tradição escolástica:

O método analítico é, sem dúvida, o mais claro, o mais próprio e o mais seguro para
resolver a maior parte das questões. Por ele conduzimos insensivelmente o adversário
aos verdadeiros princípios. É o método de que usava SÓCRATES em suas disputas e
no seu ensino. Ele, com toda a cortesia, ia pedindo ao contrário a explicação dos termos
e proposições, propondo suas dúvidas e oferecendo, ao mesmo tempo, os meios pelos
quais o adversário poderia dissolvê-las e, desta sorte, enfim, se achavam concordes. O
método sintético, ou silogístico é, de ordinário, mais breve, porque supõe o adversário

68
DIAS, J. S. da Silva. O ecletismo em Portugal no século XVIII: génese e destino de uma atitude filosófica.
Coimbra: Instituto de Estudos Psicológicos e Pedagógicos, 1972, p. 5.
69
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., pp. 65-92; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. Op. cit., pp. 25-53;
70
Antônio Genovesi nasceu em Castiglione, hoje Castiglione de Genovesi. Primogênito, Genovesi foi enviado à
carreira eclesiástica, a partir de uma estratégia por parte de sua decadente família, que buscava recuperar a sólida
condição social e econômica perdida. Sua formação se deu entre os parentes do clero local e foi caracterizada pelo
autodidatismo. Desde cedo, Genovesi refutaria as bases da pedagogia escolástica, travando um intenso contato
com a filosofia de Descartes. Ao longo de seus estudos no campo da filosofia, foi discípulo de Giambattista Vico
(1688-1744). Em Nápoles, Genovesi lecionou metafísica e ética, aprimorando seu “ecletismo programático”, sob
a influência do pensamento newtoniano e do jusnaturalismo de Grotius e Puffendorf, ao mesmo tempo em que
afirmava uma legítima autoridade da Igreja sobre o domínio intelectual. Ver: GHISALBERTI, Alberto M. et al...
(dir.). Dizionario biografico degli italiani (vol. 53). Roma: Istituto della Enciclopedia Italiana, 2000. Disponível
em: http://www.treccani.it/enciclopedia/antonio-genovesi_%28Dizionario-Biografico%29/ Acesso em:
17/07/2017.
71
DURAN, Maria Renata da Cruz. Op. cit., p. 117; VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-
brasileiro sob as luzes... Op. cit., pp. 100-101, 348, 352, 382, 388 e 438-439.
72
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., pp. 23, 33, 69 e 123-124.
84

instruído nos princípios, e toda a sua força consiste na ordem da dedução. Mas, quando
não há concórdia nos princípios e se trata de prová-los, de ordinário é interminável a
questão, por ser necessário retrogradar e sempre por meio de universais. O espírito
exercitado neste método, por sua demasiada abstração, vê-se na precisão de fazer mil
divisões e distinções; acostumado a encontrar tantos recursos no mundo das abstrações,
adquire uma sutileza e perspicácia para a leveza e confusão, se se não sabe guardar a
necessária mediana.73

Para além do imperativo lógico do recurso a um socrático e sistemático questionamento,


Feijó se aprofundaria nas influências recebidas da Ilustração via Genovesi, especificamente no
que se referia à teoria empírica das propensões. Segundo Miguel Reale, a teoria empírica das
propensões fundamentar-se-ia em duas premissas: uma, que teria em conta os “interesses
individuais”; e outra, que levaria em consideração “o caminho impessoal do dever”.74 Para
Reale, Feijó teria superado o “eudemonismo” de Genovesi, destacando a necessidade de um
primado do caminho impessoal do dever.75 No capítulo intitulado “Da natureza moral do
homem”, Diogo Antônio Feijó ocupou-se de desenvolver o que definiu como “o complexo
daquelas forças que, de uma maneira mais próxima, concorrem para suas ações livres”. 76 No
que se referia às “propensões”, afirmava:

Duas propensões se observam no homem, bem distintas por seus objetos e por seus
motivos e tão universais que compreendem todas as mais propensões: o desejo da
felicidade e o amor da justiça. A primeira tem por motivos a conservação e bem ser do
Eu; nasce ou é consequência do amor próprio ou amor de si. O interesse é o seu
fundamento. Por esta propensão o homem se concentra e olha o universo como
instrumento de sua felicidade.
A segunda tem por motivo o dever, nasce ou é consequência da estima de si; o homem,
então nobre e desinteressado, não se considera senão como parte do universo, a cujas
leis deve sujeitar-se.77

A partir do recurso ao binômio das propensões contrastantes, Feijó desenvolveria sua


perspectiva sobre certa natureza moral do homem:

Eis aqui, pois, a natureza moral do homem: desejo da felicidade, sentimento fundado no
egoísmo, amor da justiça, sentimento nobre e desinteressado, fundado na estima de si;
razão que descobre os fins das mesmas propensões, liberdade pela qual o homem abraça
ou rejeita os objetos indicados por suas propensões ou oferecidos por sua razão.

73
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., pp. 117-118.
74
Ibidem, p. 123 (Nota de rodapé).
75
Ibidem, pp 123-124 (Nota de rodapé).
76
Ibidem, p. 123. (Grifos do autor).
77
Ibidem, p. 123. (Grifos do autor).
85

A observação nos manifesta a natureza moral do homem, ela mesma nos descobrirá a
origem de suas obrigações e a existência de uma legislação moral natural. Origem das
obrigações: existência de uma legislação moral natural.78

A “natureza moral do homem” estaria intimamente relacionada a uma “legislação moral


natural”, que seria a “origem das obrigações”. Da consciência, da razão e da inteligência
derivava um imperativo de justiça, sobrepondo-se ao desejo da felicidade, diante do qual não
poderia haver outra escolha, sob pena de negação da própria condição humana:

o homem tem a consciência de que, escolhendo o bem sem atenção ao justo, fica isolado;
ninguém toma parte na sua ação; torna-se um átomo no universo ou, quando muito, é
um animal. Se ele por causa do bem ofende o justo, além de sentir a vergonha e o
aviltamento, é objeto da censura de todo o ente inteligente: todos o condenam.
Se, pelo contrário, o homem abraça o justo, ele se coloca no lugar distinto e elevado,
para o qual suas faculdades o chamam, se liga aos demais entes inteligentes e põe-se,
de certo modo, a par do Autor da natureza, concorrendo com Ele para os fins da criação.
O homem, pois, conhece que a justiça e seus resultados restringem sua liberdade e o
ligam não por necessidade, mas por convicção. Ei-lo sentindo já a origem de suas
obrigações.79

Ao trabalhar os temas das escolhas possíveis diante das propensões contrastantes


características à natureza moral do homem, Feijó afirmava o dever de obediência a um principio
de justiça, que era instintivamente compartilhado, restritivo do livre arbítrio e revelador da
vontade divina. Esta última, por sua vez, fornecia ao indivíduo a clarividência necessária ao fiel
cumprimento do imperativo de justiça e, censurando as hesitações da imperfeita razão humana,
só então revelava o caminho para a felicidade:

A consciência caleja, ou não deixa mais ouvir o imperativo de sua voz: a razão se
deprava. Eis quando o homem sente a necessidade da revelação, para o segurar na
prática do que é justo, para o encaminhar direito para a felicidade, objeto igualmente de
seu desejo.80

A razão estaria necessariamente, e não aprioristicamente, sob a tutela da revelação


divina, argumento utilizado pela censura lusa à época do Reformismo Ilustrado e que guardava
semelhanças com relação àquele utilizado por Genovesi, para quem “a liberdade intelectual
estava subordinada à religião revelada”.81 Ademais, surgiam indícios das digressões sobre o
“ente”, em suas singularidades e generalidades: “cada ente tem suas propriedades

78
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., p. 126.
79
Ibidem, p. 126.
80
Ibidem, p. 127. (Grifos do autor).
81
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., p. 101.
86

encaminhadas ao fim particular do mesmo ente, mas com relação às propriedades dos outros
entes para algum fim comum.”82 A razão e a revelação compunham um binômio indutivo que
ligava as manifestações materiais aos desígnios da criação: “Desta sorte o observador descobre
ligações e ordem desde o átomo até o Autor da natureza; e conhece que o fim último de todo o
criado é a manifestação da onipotência, sabedoria e bondade do Criador; e nisto a razão está de
acordo com a revelação.”83 Encerrando o capítulo sobre a referida “natureza moral do homem”,
Feijó destacava um encadeamento existencial e cognitivo entre o “homem moral” e a “ordem”,
que, por sua vez, compunha “uma série de entes simultâneos ou sucessivos”:

O homem moral, portanto, será aquele que entender esta ordem, e obrar a respeito de
cada ente, segundo a natureza própria e as relações que encerra, tendo sempre em vista
que da harmonia dos fins particulares com os fins gerais de cada série e desta com o fim
último é que nasce o conhecimento das propriedades de cada ente em toda sua
extensão.84

Em suas anotações sobre moral, Diogo Antônio Feijó explanaria ainda questões ligadas
ao direito, definindo algumas linhas fundamentais de seu pensamento embebido em uma
perspectiva eclética. Quanto às noções de jurisprudência e direito, argumentaria:

Jurisprudência é a ciência que trata do Direito; este pode ser natural, quando é
desentranhado da natureza das coisas; civil, quando trata dos direitos dos cidadãos;
público, quando trata dos deveres do soberano ou dos direitos convencionais entre certas
nações; político, quando trata dos direitos da sociedade reunida ou dos meios de
constituir a sociedade e de aperfeiçoá-la; das gentes, quando trata dos direitos de uma
nação para com outra, independente de convenção etc.
Todos estes direitos, porém, têm o seu princípio no direito natural ou, para melhor dizer,
é o mesmo direito natural desenvolvido e aplicado a diferentes objetos.
Contudo, quando o direito natural é manifestado por uma autoridade externa, toma o
nome de direito positivo, e este é divino ou humano.85

Deduziam-se todos os tipos de direito de uma fonte natural comum, evocando um


argumento teológico para fundamentar a preponderância do direto divino sobre a razão humana:
“Ainda quando o Direito Divino Positivo prescreve o que parece contrário à razão, esta contudo
reconhece no supremo Legislador, como criador, o poder eminente de ordenar-nos o que quiser,
segundo a sua infinita sabedoria.”86 Tal perspectiva jurídica surgiria ainda no debate sobre os

82
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., p. 101.
83
Ibidem, p. 128.
84
Ibidem, p. 129.
85
Ibidem, p. 135. (Grifos do autor).
86
Ibidem, pp. 135-136.
87

deveres do homem, dentre os quais estariam os “deveres do homem para com Deus”. 87 Ainda
que fossem evocados princípios indutivos e empíricos, Feijó apropriava-se seletivamente das
bases filosóficas, jurídicas e teológicas da tradição Escolástica, na medida em que a positivação
de uma lei divina sobrepunha-se à lei natural e à razão limitada. Sob uma perspectiva eclética,
própria à Ilustração luso-brasileira, que concebia certo empirismo em oposição ao racionalismo,
sem no entanto prescindir da tradição aristotélico-tomista, a deontologia desenvolvida por Feijó
pressupunha a divisão entre duas noções de jusnaturalismo, a “legislação natural moral” e o
direito natural abstrato.88 A primeira, inata aos indivíduos, era caracterizada pelas propensões
contrastantes, felicidade e justiça, devendo recair a escolha do homem sobre um imperativo de
justiça revelado pelos sentidos da consciência e reafirmado pela vontade divina. Da segunda, já
em consonância com a vertente jusnaturalista moderna, derivariam as leis positivas humanas e
divinas.
A partir da recorrência a um jusnaturalismo de tipo moderno, seriam desenvolvidos
alguns preceitos caros ao liberalismo constitucional sedimentado na primeira metade do século
XIX. No capítulo intitulado “Dos deveres para com os outros”, alguns direitos fundamentais
seriam destacados: “Todo o homem tem direito de propriedade, de liberdade, de igualdade, de
segurança e defesa.”89 Quanto ao direito à propriedade, pontuava o padre regalista: “As
propriedades são inatas ou adquiridas, por ocupação ou por convenção; são parciais ou comuns.

87
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., pp. 137-138.
88
O jusnaturalismo remonta à Grécia Antiga e sua noção basilar, uma lei universal e imanente, superior e anterior
aos múltiplos positivismos, foi desenvolvida na tragédia, no pensamento político-jurídico e na filosofia da
Antiguidade Clássica grega por autores como Sófocles, Hípias, Platão e, em menor medida, Aristóteles. Cícero,
em seu clássico Da República, resgatou o jusnaturalismo estoicista, para o qual “toda a natureza era governada por
uma lei universal racional e imanente”. O eminente orador e jurisconsulto romano concebeu “uma lei ‘verdadeira’,
conforme à razão, imutável e eterna, que não muda com os países e com os tempos e que o homem não pode violar
sem renegar a própria natureza humana.” Já Ulpiano concebeu o direito natural sob o signo de um ensinamento
instintivo e comum a todos os seres, inclusive os irracionais. Durante o Medievo, a perspectiva ciceroniana foi
amalgamada ao jusnaturalismo de Ulpiano e a uma apropriação de Platão da qual derivava “uma justiça imanente
a todo o universo como princípio da sua harmonia”. Assim, o direito natural passou a ser identificado com uma lei
revelada por Deus. Tomás de Aquino significou um ponto de pacificação do jusnaturalismo católico, na medida
em que “entendeu como ‘lei natural’ aquela fração da ordem imposta pela mente de Deus, governador do universo,
que se acha presente na razão do homem: uma norma, portanto, racional.” No outono da Idade Média, Guilherme
de Occam contestaria Tomás de Aquino a partir do voluntarismo, no qual “a razão não é senão o meio que notifica
ao homem a vontade de Deus, que pode, por conseguinte, modificar o direito natural a seu arbítrio.” Note-se que
o jusnaturalismo de Feijó aproximava-se mais da perspectiva voluntarista que da perspectiva tomista do
aristotelismo escolástico. Desta última, mais em um resgate do pensamento de Agostinho do que de Tomás de
Aquino propriamente dito, derivou a legitimidade das teorias corporativas de poder da Segunda Escolástica, muito
recorrentes no mundo ibérico durante a Idade Moderna, estendendo-se até o século XIX. Da tentativa de mediação
entre o voluntarismo tardo-medieval e o jusnaturalismo tomista, surgiu o jusnaturalismo moderno, tendo em Hugo
Grotius o seu maior expoente. Em seus Cadernos, Feijó também iria valer-se desta vertente jusnaturalista. Ver:
BOBBIO, Norberto. Op. cit., pp. 655-659; MORSE, Richard M. O espelho de Próspero: cultura e ideias nas
Américas. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 29; SKINNER, Quentin. Op. cit., pp. 426-432; VILLALTA,
Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., pp. 29 e segs.
89
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., p. 141.
88

Todo o homem tem direito de usar do que é seu e, nas propriedades comuns, tem este direito
aquele que primeiro o puser em exercício.”90 E para fundamentar seu argumento, discorria sobre
o modo através do qual se firmava o contrato relativo ao direito de propriedade:

Todos os homens são filhos do Pai da natureza; (e, como) uma só família, não possuem
senão um só patrimônio, que é o mundo entregue à sua discrição para, pelo uso dele,
conservar-se, e melhorar-se; porém, o erro e as paixões bem depressa destruíram esta
harmonia; e foi necessário, por bem da ordem, permitir a divisão e deixar a cada um o
direito de propriedade exclusiva na parte que lhe apropriou; desde então o homem é
senhor do seu quinhão (com direito) de usar dele, gozando, dividindo, dando ou cedendo
por tempo ou para sempre.91

A relação estabelecida entre o indivíduo, a coletividade e as posses fundamentava-se em


momentos distintos. Em primeiro lugar, haveria algo próximo a um estado de natureza e
harmonia, sob a tutela divina, unificando a humanidade em uma só família. Em segundo lugar,
ocorreria uma ruptura da referida unidade em decorrência da corrupção individual e, desde
então, a legitimação da posse individual em nome da estabilidade coletiva. Tal querela, relativa
ao direito de propriedade, foi central para o pensamento de autores diversos ao longo da história
da filosofia, sobretudo a partir do desenvolvimento do Contratualismo na Idade Moderna. Além
de Grotius e Puffendorf, nomes amplamente difundidos no contexto da Luzes luso-brasileiras,
Hobbes, Locke e Rousseau são apenas alguns dos exemplos mais proeminentes dentre os
pensadores que, a partir de percepções distintas, fundamentaram suas teorias na passagem de
um estado de natureza a um Estado politicamente organizado e mantenedor da ordem
socioeconômica.92
No caso de Feijó, o argumento utilizado aproximava-se da base fundamental do
contratualismo jusnaturalista moderno, sobretudo das teses de uma das principais referências
para a reforma da Universidade de Coimbra (1772), Hugo Grotius (1583-1645).93 Para Grotius,
haveria dois princípios norteadores do que denominou “direito geral das coisas”, desenvolvidos
em seu clássico O Direito da Guerra e da Paz.94 Em um estado de posse comum, a humanidade
detinha tudo o que fora criado por Deus, “sob a produção espontânea do solo: um estado de

90
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., p. 141.
91
Ibidem, pp. 141-142.
92
BOBBIO, Norberto. Op. cit., pp. 272-283; MACPHERSON, C. B. A teoria política do individualismo possessivo
de Hobbes até Locke. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, 21-115 e 205-273. .
93
BOBBIO, Norberto. Op. cit., 1986, pp. 657-659.
94
Dentre as principais referências para o embasamento de suas teses, Grotius utilizou fontes do direito romano, a
exemplo de Tácito e Justiniano, e também a narrativa do texto bíblico. Ver: GROTIUS, Hugo. On the Law of War
and Peace. Kitchener: Batoche Books, 2001, pp. 72-87.
89

simplicidade ao qual não aderiram por muito tempo”.95 O estado de propriedade surgiria a partir
do momento em que “o modo de vida selvagem foi sucedido por um mais flexível e sensual,
para o qual o uso do vinho foi comprovadamente útil, sendo seguido por todas as malignas
consequências da intoxicação.”96 Contudo, para Grotius, mais que o vinho, a ambição teria sido
a grande responsável pela quebra da harmonia, que caracterizava o estado inicial de posse
comum e propriedade, e que passaria a ser expressa por “acordo expresso”, “divisão”, “tácito
consentimento” e “ocupação”.97 Cumpre destacar que Grotius fundamentou sua obra na
perspectiva do Ius gentium, sendo um dos precursores do direito internacional.
Outra característica do pensamento de Diogo Antônio Feijó, que parecia dialogar com
as teses jusnaturalistas, dizia respeito à importância dada ao trabalho. Feijó, quando ministro da
pasta do Império, em 1835, desenvolveria uma maneira de superar uma suposta subutilização
das terras e da mão de obra no Brasil, propondo a vinda de lavradores suíços e de monges
protestantes para a catequese indígena, no que foi veementemente combatido por d. Romualdo
Seixas na imprensa e no parlamento.98 Com efeito, a perspectiva liberal de Feijó parecia
dialogar com alguns princípios do individualismo possessivo de matriz lockeana.99 Contudo,
tanto Locke quanto Grotius defenderam o recurso à “guerra justa” e à escravidão com relação
aos povos ditos “selvagens”,100 enquanto o padre regente mostrou-se reticente. Em 1829, o
então Secretário do Conselho Geral da província de São Paulo preferiu enfatizar a necessidade
da “civilização”, através do “comércio”, o que poderia trazê-los “ao grêmio da religião e da
sociedade.”101 Em outro despacho, já em 1830, alegava que os “bugres, que vagam a oeste da
estrada pública” eram “tratados como escravos, à sombra da carta régia de 5 de novembro de
1808”.102 Por fim, para suspender a “escravidão” e a “guerra declarada” contra referidos

95
GROTIUS, Hugo. On the Law of War and Peace… Op. cit., p. 73. (Tradução nossa).
96
Ibidem, p. 74. (Tradução nossa).
97
Ibidem, p. 74-75. (Tradução nossa).
98
LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Op. cit., pp. 86-89.
99
Em seu Segundo tratado sobre o governo civil, John Locke postulou que o direito à propriedade seria assegurado
tanto em virtude de uma concessão divina, em um estado natural, se bem que frágil, quanto em decorrência da
legitimação da posse através da lei positiva. Decorrência da propriedade inalienável que cada indivíduo guardaria
de si mesmo, o trabalho seria o fator preponderante de legitimidade da posse em um estado de partilha comum,
ainda isento dos efeitos de um contrato estabelecido em âmbito político-jurídico. Por outro lado, a partir das
mudanças na dinâmica das relações socioeconômicas, decorrentes, sobretudo, do aumento da produtividade e da
criação da moeda, fez-se necessária a legitimação constitucional da posse. O argumento sustentado por Locke, que
trazia referências à narrativa bíblica, estaria próximo àquele desenvolvido por Grotius, de quem o filósofo inglês
herdou linhas mestras da sua teoria política. Ver: LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil: ensaio
sobre a origem, os limites e os fins verdadeiros do governo civil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, pp. 97-112;
PARKER, Kim Ian. The biblical politics of John Locke. Waterloo: Wilfrid Laurier University Press, 2004, pp.
132-138.
100
LOSURDO, Domenico. Contra-história do liberalismo. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2006, pp. 33-36.
101
FEIJÓ, Diogo Antônio. Projeto de civilização dos índios. In: Op. cit., p. 237.
102
Ibidem, p. 238.
90

indígenas, propunha à Assembleia Provincial “revogar a referida carta” e “proteger os


índios”.103
Aspecto caro às reflexões dos Cadernos de Filosofia e à prática política de Diogo
Antônio Feijó dizia respeito ao tema da liberdade. O desenvolvimento das análises sobre esse
valor fundamental ao liberalismo constitucional dava continuação ao diálogo com as matrizes
do jusnaturalismo moderno:

Todo o homem, propendendo para a felicidade e para a justiça, tem direito a procurar
os meios de conseguir estes fins.
Todo o homem é, portanto, obrigado a respeitar este direito e não pode embaraçar o
exercício da liberdade de outrem, senão quando injustamente atentar contra seus
direitos.
O direito da liberdade pode considerar-se como o mesmo direito de propriedade, por
que a liberdade é uma propriedade pessoal, inata, essencial do homem. 104

A liberdade seria uma característica natural, intrínseca ao indivíduo, inalienável, e seu


exercício, dentro do respeito à liberdade alheia, não estaria passível de cerceamentos. Mais uma
vez, Feijó parecia dialogar com os postulados de Grotius e Locke. Para estes, a liberdade seria
um direito decorrente de certa lei natural, uma prerrogativa fundamental da vida concedida por
Deus, mas passível de circunscrições advindas dos contratos estabelecidos pela sociedade civil
e política e, sobretudo, do imperativo de preservação da vida.105 Vinculada à liberdade estaria
a igualdade, que também figurava entre os direitos fundamentais relacionados por Feijó:
“Ninguém, portanto, pode pretender tornar outro homem instrumento e meio para chegar a seus
fins; é um atentado contra o direito de igualdade.”106 No tocante à igualdade, Feijó parecia
aprofundar o alcance do termo, não compactuando com a escravidão, cuja legitimidade era
evocada por Grotius e Locke, os quais davam ênfase ao ponto de vista do escravizado na
condição de propriedade.107 A opinião de Feijó estaria mais próxima de Rousseau, que
rechaçava semelhante condição no Contrato Social, criticando o posicionamento de Grotius.108
Alguns anos depois, contrariando em algum sentido as anotações de seus Cadernos, o
padre paulista reconhecia algo como uma virtude política e social da instituição escravista. Num
artigo publicado no Justiceiro, no ano de 1834, Feijó afirmava: “a escravatura, que realmente

103
FEIJÓ, Diogo Antônio. Projeto de civilização dos índios. In: Op. cit., pp. 238-239.
104
Ibidem, p. 145.
105
GROTIUS, Hugo. Op. cit., pp. 57, 157 e 162; LOCKE, John. Op. cit., pp. 83-89.
106
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., p. 146.
107
O debate em torno do binômio liberdade/escravidão foi central para os postulados fundamentais do
jusnaturalismo moderno, o qual lançou as bases do liberalismo constitucional que se consolidou ao longo da
primeira metade do século XIX. Ver: LOSURDO, Domenico. Op. cit., pp. 34-35, 47-77.
108
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. cit., pp. 20-24.
91

tantos males acarreta para a civilização e para a moral, criou no espírito dos brasileiros este
caráter já de independência e soberania, que o observador descobre no homem livre, seja qual
for o seu estado, profissão ou fortuna.”109 A negação da condição de escravo seria um modo de
sedimentar o sentimento de igualdade: “Quando ele percebe desprezo ou ultraje da parte de um
rico ou poderoso desenvolve-se imediatamente o sentimento da igualdade; e se ele não profere,
concebe ao menos no momento este grande argumento: não sou escravo”.110 Por fim, a relação
de subordinação auxiliava no combate à própria insubordinação e no alcance da liberdade:

Estas duas causas unidas, a de ser composta a nossa população de senhores e escravos,
de os proletários serem em número limitado, que não podem servir de cego instrumento
aos ambiciosos, como aconteceu na Europa, são as que nos têm conservado no estado
de tranquilidade em que nos achamos. Assim soubéssemos aproveitar a nossa feliz
situação para consolidar a liberdade, e lançar sólidos alicerces à nossa futura grandeza
e prosperidade.111

Mais do que buscar a coerência entre as anotações dos Cadernos de Filosofia e as


opiniões do futuro regente do Império em seu periódico, cumpre destacar que o tema da
escravidão e da perseguição ao tráfico dividiu opiniões e projetos políticos ao longo da década
de 1830, sobretudo na segunda metade. Candidato a regente, Feijó chegava a denunciar os
males da escravidão, mas admitia a importância da instituição, o que pode ter lhe granjeado a
simpatia de lideranças escravocratas, sobretudo do então correligionário Bernardo Pereira de
Vasconcelos, além dos votos que necessitava para ser eleito.112 Em artigo subsequente, ainda
em dezembro de 1834, Feijó intensificaria suas críticas à escravidão, mas, ao final, pedia a
revogação da lei de novembro de 1831, defendia a manutenção do cativeiro, o recurso à mão
de obra europeia e a abolição gradual da escravidão.113 A coerência entre os princípios morais
e as flutuações da conjuntura política nem sempre era possível; no caso da escravidão, o
pragmatismo predominou sobre o discurso que outrora negou a legitimidade do cativeiro.
Além das reflexões sobre propriedade, liberdade e igualdade, Feijó ainda se preocuparia
com um dever que denominou “beneficência”, mais genérico, mas não menos importante, pois
estaria na base do imperativo de preservação da existência, sobretudo em sua dimensão coletiva:
“Beneficência é o dever de concorrer para os fins da criação ou, por outras palavras, dever de

109
O Justiceiro, nº 5, 04/12/1834
110
Ibidem, nº 5, 04/12/1834
111
Ibidem, nº 5, 04/12/1834.
112
PARRON, Tâmis Peixoto. A política da escravidão no império do Brasil, 1826-1865. 2010. 288 f. (Dissertação
de mestrado) – Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas. USP, São Paulo, p. 97.
113
O Justiceiro, nº 8, 25/12/1834; PARRON, Tâmis Peixoto. Op. cit., pp. 97-100.
92

socorrer, de fazer bem a outrem”.114 Em certo sentido, o dever elencado representava uma
síntese do próprio contrato social defendido por Diogo Antônio Feijó:

O dever de beneficência se descobre nas faculdades do mesmo homem. A sensibilidade,


esta inclinação a viver juntos, a necessidade desta união para poderem se desenvolver
as faculdades intelectuais e morais, o interesse que todo o homem toma nos bens e males
alheios, a propensão a socorrer o desgraçado, a rápida comunicação dos mesmos
sentimentos (mediante) o dom da palavra, a tendência de comunicar os pensamentos, a
aprovação e louvor às virtudes sociais etc., tudo decide que o homem nasce para a
sociedade de seus semelhantes, que é obrigado ao socorro mútuo e que todos os seus
direitos e faculdades estão subordinados e hipotecados ao bem geral.
Esta é a sociedade geral, natural, para a qual todos nascem e para a qual todos entram
independente de sua vontade, mas para a qual todos se sentem impelidos por suas
propensões, faculdade e interesse; sociedade, contudo, onde se não reconhece outro
chefe que o Autor da natureza, nem outro estímulo que a lei da ordem; porém, os abusos
da liberdade obrigaram aos homens a reunirem-se, criarem chefes e estabelecerem uma
consciência pública na lei e uma liberdade pública no executor, para o fim de sermos
associados, guiados por uma só regra e constrangidos por uma igual força a praticar
aquilo mesmo a que sempre foram obrigados.
Esta é a natureza e o fim essencial de toda sociedade civil.115

Segundo Miguel Reale, o texto tinha carcaterísticas do “contratualismo moderado” ou


“contratualismo parcial” de Hugo Grotius,116 que diferenciava o direito natural do direito
positivo, reelaborando-os em certa percepção holística predominante na Antiguidade e no
Medievo. A percepção de Grotius representou um ponto de ruptura e síntese com relação à
histórica querela dos liames entre direito e moral.117 Com efeito, as principais anotações de
Feijó sobre o tema da moral estavam em consonância com a divisão de Grotius, aperfeiçoada
por Locke e cara ao multifacetado contexto espaço-temporal da Ilustração. No caso da ideia de
sujeição individual ao bem geral, as anotações do padre regente mais uma vez dialogavam com
Rousseau que, em seu Contrato Social, apontou, no capítulo sobre o “pacto social”, a
necessidade de “alienação total de cada sócio, com todos os seus direitos, a toda a
comunidade”.118
O direito à propriedade, as muitas faces da liberdade, a universalidade e as restrições da
igualdade, a lei natural, a lei política e a lei civil figuraram entre os temas mais recorrentes da
filosofia política ocidental durante os séculos XVII e XVIII. Na própria Enciclopédia,

114
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., p. 148.
115
Ibidem, p. 148
116
Nos comentários dos Cadernos de Filosofia, o autor utiliza o termo “contratualismo moderado”, na edição
consultada de Filosofia do Direito, mais recente que a referenciada nos comentários, o termo utilizado é
“contratualismo parcial”. Ver: FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. Cit., p. 149 (Grifo do autor);
REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 648.
117
REALE, Miguel. Filosofia do direito. Op. Cit., pp. 629 e segs.
118
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. cit., p. 25.
93

organizada por Diderot e d’Alembert, estariam contempladas referências às divisões no campo


do direito e da moral, tendo, entre seus verbetes, o “Direito natural”’, a “Lei natural”, a
“Liberdade civil”, a “Liberdade natural” e a “Liberdade política”, além de salientar a oposição
ao tráfico e à escravidão.119 Esses temas que, em maior ou menor medida, relacionavam-se à
origem e ao exercício do poder político, influenciaram a dinâmica política e intelectual do
liberalismo constitucional do século XIX. Trata-se de princípios basilares da organização
social, que foram ventilados em uma realidade histórica repleta de debates sobre o corpo da
nação, o lugar dos ditos nativos e dos escravizados, a institucionalidade do Estado, a extensão
da cidadania e os direitos políticos.
Diante do exposto, pode-se aventar que Feijó travou contato com filosofias políticas
gestadas, desenvolvidas e apropriadas no bojo de revoluções contra a ordem do Antigo Regime
e na liturgia política sacralizada de origem tardo-medieval e moderna. Evidenciava-se o diálogo
com o jusnaturalismo moderno e com as teorias corporativas da Segunda Escolástica,
incensando alguns dos principais nomes da Ilustração, inclusive os estrangeirados dos círculos
intelectuais luso-brasileiros que protagonizaram a cena intelectual sob o despotismo ilustrado
pombalino. Além de Kant e Sócrates, citados diretamente, em meio à variedade dos temas
trabalhados, esboçavam-se ideias apropriadas de Grotius, Locke, Rousseau e Genovesi. É
importante ressaltar que a dimensão teológica esteve presente a todo o momento nas reflexões
filosóficas de Diogo Antônio Feijó. Tal dimensão desenvolvia-se a partir de uma razão inata,
meio através do qual era empiricamente revelado ao homem o arbítrio divino, contraposta a
uma razão natural divina, plantada qual semente na mente humana, derivada de um
jusnaturalismo de inspiração escolástica.
Essa multiplicidade de influências que caracterizou as reflexões dos Cadernos de
Filosofia seria uma síntese da própria formação intelectual do padre regente. Ainda bastante
jovem, em São Carlos, Feijó frequentou as aulas do professor régio Estanislau José de Oliveira,
português que teria vindo para o Brasil em decorrência de perseguições de d. Maria I.120 Com
o mestre português, o paulista “havia lido o ‘Contrato social’ de Rousseau o ‘Espírito das leis’
de Montesquieu, bem como muitos escritos de Voltaire, e de Condorcet e, vários discursos de
Mirabeau”.121 Já pelos idos de 1808, o padre regente iria a São Paulo para completar sua
ordenação sacerdotal, tendo aulas de filosofia com Francisco de Paula Oliveira, vulgo padre

119
DIDEROT, Denis & d’ALEMBERT. Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios.
Volume 4: Política. São Paulo: Editora UNESP, 2015, pp.102-106, 201-203,217-224, 372-374.
120
ELLIS JUNIOR, Alfredo; AZEVEDO, Fernando de. Feijó e a primeira metade do século XIX. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1940, pp. 70-76.
121
Ibidem, p. 76.
94

Mimim, o qual ensinava lógica e metafísica a partir das obras de Genovesi.122 Diante das
limitações estruturais quanto à instrução, sobretudo em quadros formais,123 concebida em meio
aos padres, por vezes de maneira autodidata e na esfera privada, distante da vigilância e da
censura do Estado, Diogo Antônio Feijó teve uma formação compósita. Era dono de um
heterodoxo repertório teológico, filosófico e político típico do clero secular brasileiro.
O método eclético de Feijó, balizado tanto pela razão quanto pelo recurso à figura
divina, estava afinado com o “espírito” de seu tempo. Ao longo das primeiras décadas do século
XIX, algumas vertentes do liberalismo guardaram certa distância do materialismo
predominante em autores radicais da Ilustração setecentista, resgatando a compatibilidade entre
a racionalidade e a fé que tomou fôlego desde o final do século XVII.124 As obras de Constant,
Guizot e Tocqueville foram exemplos da relação intrínseca que os principais nomes do
liberalismo oitocentista buscaram entre Deus, progresso e liberdade.125 Já o espiritualismo
laico, sintetizado no ecletismo de Vitor Cousin (1792-1867),126 e o neocatolicismo estavam
entre as mais proeminentes matrizes de pensamento que buscaram aproximar a doutrina política
liberal e os princípios cristãos.127 Entretanto, essa histórica secularização espiritualizada da
filosofia e da política não resultaria no apaziguamento das tensões sobre as relações entre Igreja,
Estado, catolicismo, política e sociedade,128 o que incluía o tratamento de temas polêmicos, a
exemplo da questão do celibato clerical, em relação à qual Feijó teve inquestionável
protagonismo.

2.3 Secularização, anticongregacionismo e disciplina eclesiástica

122
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia... Op. cit., pp. 11-12.
123
FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. Letras, ofícios e bons costumes: Civilidade, ordem e sociabilidade na
América portuguesa. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, pp. 127-151; VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o
que se lê: língua, instrução e leitura. In: SOUZA, Laura de Mello & NOVAIS, Fernando (orgs.). Historia da vida
privada no Brasil 1: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp.
332-385.
124
De acordo com Jonathan Israel, a tradição de uma “Teologia cristã racionalista” tomou fôlego ainda no final do
século XVII, entre os “iluministas” denominados “moderados”. Este “método “iluminado” de sustentar o
cristianismo” teve o protagonismo de autores de origem protestante, dentre eles o próprio John Locke, um dos
mais proeminentes precursores do pensamento liberal. Ver: ISRAEL, Jonataham I. Op. cit., 513-520.
125
BÉNICHOU, Paul. Op. cit., p. 19.
126
No Brasil, o ecletismo de Vitor Cousin teve significativa ressonância a partir da primeira geração do
Romantismo, nomeadamente através de Gonçalves de Magalhães. Ver: FERRETTI, Danilo José Zioni. Op. cit.,
p. 66-86, 2011.
127
BÉNICHOU, Paul. Op. Cit., pp. 163-206; WEILL, Georges. Op. cit., pp. 18-19, 42-44.
128
De acordo com George Weill, havia, na França da Restauração, quatro tendências na defesa do que conceituou
“caráter laico do Estado”: “católicos sinceros”, “protestantes liberais”, “deístas” e “livres-pensadores”. Ver:
WEILL, Georges. Op. cit., pp. 17-19.
95

Entre o fim do século XVIII e início do XIX, as conexões tecidas no mundo euro-
americano, luso-brasileiro em particular, possibilitavam uma considerável circulação de
autores. Os ventos da Revolução Francesa e dos movimentos liberais da Península Ibérica
dariam eco a um multifacetado espectro de ideias e demandas, intensificando os diálogos entre
os letrados de diferentes conjunturas. Sedimentava-se uma esfera pública transcontinental, na
qual os valores filosóficos, políticos, morais e religiosos eram compartilhados e reelaborados
na dinâmica dos debates e práticas que lastrearam o ordenamento político-jurídico dos Estados
nacionais pós-1789. Ao mesmo tempo, a sociedade via-se diante de mudanças em seu universo
valorativo sociocultural. Nesse contexto, o comportamento do clero perfazia certa referência
moral das sociedades de maioria católica, na medida em que engendrava o estabelecimento de
padrões rígidos de conduta ou mesmo a reiterada transgressão da disciplina que Roma se
esforçava por universalizar entre a hierarquia eclesiástica.
Em seu livro Origens Culturais da Revolução Francesa, Chartier apontou mudanças
que ocorreram com relação aos ritos do catolicismo, que teriam ganhado “regularidade e
universalidade” a partir da Contrarreforma.129 Por outro lado, ao longo do século XVIII,
diminuição dos quadros das congregações e o aumento da adesão à maçonaria fomentaram uma
“dessacralização”, de cariz secularizador, que precedeu a ruptura de 1789 e teve reverberações
posteriores.130 Em meio à sedimentação dos ideais ilustrados, o arrefecimento da crença em
narrativas escatológicas foi um dos sintomas mais agudos, relacionado à urbanização e ao
aumento de leitores e da circulação de textos. O rigorismo jansenista, por sua disciplina e
restrito acesso aos sacramentos, também contribuiria para afastar os fiéis dos cultos. Os
jansenistas, em contraposição aos jesuítas, estiveram no epicentro da politização das questões
doutrinárias e pastorais, o que ampliou o alcance dos conflitos na Igreja, abalou a autoridade
do clero e contribuiu para a divisão entre constitucionais e refratários. Com a Revolução
Francesa, em que pese o evidente abalo sofrido pelo catolicismo e os ataques enfrentado pelo
clero perfilado aos anseios romanos, cresceu o protagonismo do clero nacionalista e secular no
esboço dos distintos projetos sócio-políticos, econômicos e jurídico-institucionais.
As fraturas nas crenças e nas instituições do catolicismo não contavam apenas com
fatores externos, vindo das hostes ilustradas, mas também internos, sobretudo a ambiguidade

129
CHARTIER, Roger. Origens culturais... Op. cit., pp. 147-170.
130
Fernando Catroga destaca a influência da “dessacralização” em Portugal a partir da questão dos cemitérios,
cujos esforços por sua secularização teriam significado um ponto de ruptura no imaginário e nas práticas coletivas
sobre a morte. Ver: CATROGA, Fernando. Descristianização e secularização dos cemitérios em Portugal. In:
COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução francesa e seu impacto na América Latina. São Paulo: Nova Stella, 1990, pp.
107-131.
96

vivida pelo clero secular, os ataques sofridos pelo clero regular e os movimentos dissidentes.
As questões disciplinares, diretamente relacionadas aos votos de obediência à doutrina romana,
estiveram, assim, no centro das tensões envolvendo diferentes posicionamentos. Um dos pilares
da disciplina clerical católica, o celibato, foi alvo de debates intensos na história da Igreja, e a
conjuntura dos movimentos liberais no mundo luso-brasileiro não constituiu uma exceção. Em
Portugal, durante as Cortes de Lisboa, a questão do celibato e do matrimônio foi abordada a
partir das discussões sobre a secularização dos regulares e a admissão de estrangeiros em
Portugal.
O deputado Manuel Borges Carneiro (1774-1833)131 alegou que os frades secularizados
não permaneceriam alheios ao mundo: “Quanto a dizer-se que os frades morrem para o mundo
isso são histórias da vida: deixemos aos teólogos esses sentidos místicos e tropológicos: o
mundo não se há de governar por figuras.”132 Sobre a questão da preferência pelo ingresso de
estrangeiros casados, o deputado seria incisivo, afirmando que tinha “como máxima política a
necessidade de promover o matrimônio”, além do mais, fazia questão de apontar problemas que
levariam, em seu dizer, a um “grande aperto”: “Há pouco tive uma carta de Braga onde se
mostra que o grande número dos expostos que havia, procedem em última análise, do grande
número de eclesiásticos, pois que me diziam que a cada eclesiástico competiam 13 mulheres
solteiras.”133 Na mesma ocasião, Borges Carneiro evocaria os argumentos do apóstolo Paulo
para legitimar o matrimônio entre os bispos, em contraposição às diretrizes tridentinas, sendo

131
Manuel Borges Carneiro nasceu na região de Lamego. Bacharelou-se em leis em Coimbra e seguiu a carreira
da magistratura. Foi eleito às Cortes de Lisboa e foi deputado também nos anos subsequentes, até ser perseguido,
preso e exonerado da carreira de magistrado durante o regime absolutista de D. Miguel. Ver: SILVA, Inocêncio
Francisco da. Op. cit. (vol. VI), pp. 378-381.
132
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, nº 216, 03/11/1821, p. 2933. Disponível
em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821 Acesso em: 24/08/2017.
133
Ibidem, nº 139, 30/07/1821, p. 1686. Disponível em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821 Acesso
em: 24/08/2017.
97

interpelado pelo Bispo de Beja134 e apoiado pelo bispo de Castelo Branco,135 o qual alegava que
na Assembleia tratar-se-iam “apenas dos empregos civis”.136
Mesmo que os debates das Cortes não versassem diretamente sobre a disciplina
eclesiástica, a realidade da transgressão era desnudada em um fórum que empreendeu
iniciativas de evidente cunho regalista e anticongregacionista.137 A transgressão disciplinar,
alegada por Borges Carneiro, remontava ao período medieval, quando foi combatida pela
reforma gregoriana do século XI, e teve na Contrarreforma um ponto de inflexão, na medida
em que a partir de Trento intensificavam-se os esforços de moralização do clero.138 Em que
pese o consenso sobre as deliberações tridentinas na Península Ibérica,139 a formação do clero
português continuava comprometida pela falta de uma efetiva implementação dos seminários.
Assim, por mais que o celibato possuísse certa observância, mesmo entre a população leiga, a
exemplo da região norte durante os séculos XVIII e XIX,140 sua transgressão não seria uma
novidade em terras portuguesas e, no Brasil colonial, as volições carnais do clero constituiriam
algo próximo a uma regra.
Desde o início da vida religiosa lastreada pelo catolicismo romano, não foram poucas
as dificuldades de implementação das reformas tridentinas na América portuguesa. A
idiossincrática vida religiosa no Brasil colonial compôs um dos motes mais instigantes do
clássico Casa Grande e Senzala. Gilberto Freyre destacou a influência “da moral maometana
sobre a moral cristã”, o que teria feito com que o cristianismo português e, por conseguinte,
brasileiro, cultivasse “como nenhum outro cristianismo na Europa o gosto de carne”.141 Em um

134
D. Luís da Cunha de Abreu e Mello foi doutor e lente da Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra e
cônego magistral da Sé coimbrã. De 1819 até sua morte, em 1833, esteve à frente da diocese de Beja e priorizou a
construção do cabido e do seminário, empreitada na qual não obteve êxito. De acordo com Inocêncio Francisco da
Silva, tinha posicionamentos políticos “moderados”, que não agradaram aos liberais vintistas. Ver: AZEVEDO,
Carlos Moreira de (Org.). Dicionário de história religiosa de Portugal (Vol. I). Lisboa: Círculo de Leitores, 2000,
p. 187; SILVA, Inocêncio Francisco da. Op. cit. (vol. V), p. 283.
135
D. José Valério da Cruz, nascido na vila de Covilhã, em 1749. Presbítero da Congregação do Oratório e bispo
de Castelo Branco (diocese de Portalegre-Castelo Branco) entre 1798 e 1826, ano de sua morte. À frente da
diocese, destacou-se pela prática sacramental e pela caridade. Na ocasião do debate sobre o celibato, manteve a
postura de frisar a competência da Igreja sobre a questão, em que pese sua opinião sobre “liberdade de escolha”
concedida pelo apóstolo Paulo. AZEVEDO, Carlos Moreira de (Org.). Op. cit. (Vol. III), pp. 467-468; SILVA,
Inocêncio Francisco da. Op. cit. (vol. V). p. 150.
136
Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, nº 139, 30/07/1821, p. 1687. Disponível
em: http://debates.parlamento.pt/catalogo/mc/c1821 Acesso em: 24/08/2017.
137
OLIVEIRA, José António. A igreja e a instauração do liberalismo em Portugal 1816-1840: D. João de
Magalhães e Avelar e Frei Manuel de Santa Inês. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, pp. 90-98.
138
AZEVEDO, Carlos Moreira de (Org.). Op. cit. (Vol. II), pp. 361-369; GARNEL, Maria Rita Lino. A polêmica
sobre o celibato eclesiástico (1820-1911). PENÉLOPE, pp. 93-116, N º 22, pp. 95-96.
139
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro sob as luzes... Op. cit., pp. 172-173.
140
GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. A Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais: São
João del-Rei (1831-1888). São Paulo: Annablume, 2002, p. 69.
141
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala... Op. cit., 302.
98

ambiente deveras sincrético, em termos étnico-religiosos e culturais, a vida sexual dos


sacerdotes seria ativa e diversa, além de frequente a erotização das representações religiosas,
inclusive de Jesus e sua mãe.142 Desse modo, apesar da influência das ordens regulares nos
projetos de colonização e os ecos de Trento que reverberaram com a diáspora missionária e a
primeira legislação canônica em 1707, o relaxamento com relação à disciplina eclesiástica
marcou a vida religiosa no Brasil colonial.143
A partir de 1759, com a ofensiva do despotismo ilustrado pombalino sobre os jesuítas,
ofensiva esta marcadamente regalista, o clero secular faria crescer seu protagonismo político.
Em sua História do Brasil, John Armitage destacaria a ação do clero secular durante o processo
de independência, atentando para a “pouca ilustração, e muita licenciosidade em seus
costumes”, afirmando ainda que esse grupo “exercia considerável influência, que empregava
na propagação das ideias liberais”.144 Nos anos subsequentes ao processo de emancipação, a
questão do celibato, à primeira vista um confronto dogmático e disciplinar, passaria a ser uma
aguerrida batalha política, opondo os porta-vozes dos diferentes modelos de catolicismo e, no
limite, de governo para o recém-independente Estado nacional. Personalidades de renome da
política imperial tomaram parte na contenda, a qual teria como protagonista, além de Feijó,
Luiz Gonçalves dos Santos, o padre Perereca.145
Em 1827, o futuro regente havia demarcado sua opinião favorável à proposta de abolição
do celibato clerical, do deputado baiano Ferreira França, que pugnara pela liberdade religiosa
na ocasião da Constituinte de 1823.146 Em seu voto separado, Feijó atribuía os equívocos a

142
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala... Op. cit., pp. 302, 328 e 530; MOTT, Luiz. O sexo proibido:
virgens, gays e escravos nas garras da inquisição. Campinas: Papirus, 1988, pp. 131-186.
143
LAGE, Lana. As constituições da Bahia e a reforma tridentina no clero no Brasil. In: Op. cit., pp. 147-177;
SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja católica no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, pp. 61-64.
144
Em nota de rodapé, Eugênio Egas contrapôs as distintas situações do clero no Brasil e na América espanhola,
com ênfase na situação econômica mais cômoda entre os eclesiásticos dos vice-reinados espanhóis. Tal situação
teria contribuído para a formação de um clero de tendência mais liberal no primeiro caso, ao tempo em que se
consolidava um clero defensor dos valores absolutistas no segundo caso. Ver: ARMITAGE, John. História do
Brasil: Desde o período da chegada da família de Bragança em 1808 até a abdicação de D. Pedro I em 1831. Rio
de Janeiro: Livraria Editora Zelio Valverde, 1943, p. 64.
145
Luiz Gonçalves dos Santos nasceu no Rio de Janeiro em 1767. Estudou filosofia no convento de Santo Antônio,
recebendo também aulas de grego, retórica, poética e geografia. Seus mestres estiveram filiados aos círculos da
intelectualidade luso-brasileira e coimbrã. Foi membro do IHGB e da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Contribuiu para o Revérbero Constitucional, defendendo a emancipação política do Brasil. Foi cônego da Capela
Imperial e recebeu a comenda da Ordem de Cristo. Escreveu obras sobre assuntos diversos, sendo algumas das
mais contundentes sobre o tema do celibato clerical. BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol.
5), pp. 412-416.
146
Antônio Ferreira França nasceu na Bahia em 1771. Formou-se em medicina, matemática e filosofia em
Coimbra, onde lhe ofereceram uma cadeira que recusou. No Brasil, além da prática docente, participou da
Constituinte de 1823 e dos conflitos pela Independência em sua terra natal. Teve intensa atuação na Câmara dos
Deputados, propondo um modelo federativo. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol.
99

respeito do celibato à “falta de liberdade de imprensa; à proscrição de livros opostos às máximas


ultramontanas; ao horror que justamente inspirava a inquisição”.147 Na ocasião, os principais
fundamentos da cruzada anticelibatária seriam apresentados, destacando-se a competência do
poder temporal de legislar sobre o tema. O aliado reformista padre José Custódio Dias, Costa
Aguiar,148 Cunha Mattos149 e o futuro antagonista de Feijó, Bernardo Pereira de Vasconcelos,
declarariam seu apoio ao texto apresentado. Por outro lado, d. Romualdo Seixas mostraria seu
repúdio a tal posicionamento, lembrando o “ar de comédia” que Erasmo150 atribuíra aos anseios
da reforma de Lutero, a partir da qual “tudo vinha a dar em casamento”. O arcebispo primaz
ainda desferiria anátemas sobre os círculos da maçonaria, dos quais Feijó e outros sacerdotes
faziam parte: “não usarei de represálias, nem chamarei de ímpios, pedreiros livres, etc. os que
combaterem o celibato”.151
Diante do voto de Feijó e da campanha que chegaria aos periódicos, o padre Perereca
não tardaria em redigir um texto, repudiando veementemente os anseios influenciados pelas
“ímpias reformas dos Luteranos, Calvinistas, e Anglicanos”.152 Lutero seria o “famoso Patriarca
dos hereges modernos” e “insigne Mestre dos Libertinos”.153 Após a resposta que se dirigia
especificamente ao periódico Astréa,154 viria um apêndice dirigido a Diogo Antônio Feijó, no

I), pp.161-162; GONÇALVES, Priscila Soares. Memórias do Rio de Janeiro do início do século XIX. Revista 7
Mares, pp. 28-46, Nº 3, pp. 30-35; SOUZA, Françoíse Jean de Oliveira. Op. cit., pp. 202, 389-397.
147
BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 10/10/1827. Brasília: Câmara dos Deputados, p. 115.
Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 30/08/2017.
148
José Ricardo da Costa Aguiar de Andrada nasceu em Santos, em 1787. Era sobrinho de José Bonifácio e
formado em Coimbra, tendo viajado pela Europa e Ásia. Nas Cortes, tal qual Feijó, negou-se a assinar a
Constituição. Participou da Constituinte em 1823 e da primeira legislatura, além de seguir carreira como
magistrado. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. I), pp.161-162
149
O brigadeiro Raimundo José da Cunha Matos nasceu em 1776, na cidade de Faro, reino de Algarves. Durante
sua vida formou extensa carreira militar, científica, política e intelectual, sendo deputado por Goiás nas duas
primeiras legislaturas, vice-presidente do IHGB e secretário perpétuo da Sociedade Auxiliadora da Indústria
Nacional. Ver: BLAKE, Augusto Vitorino Sacramento. Op. cit. (Vol. VII), pp. 112-115.
150
Apesar de ter se aproximado dos ideais da Reforma luterana, Erasmo se distanciou de tal perspectiva e foi
impelido pelo papa e por Henrique VIII a combater os valores e as reflexões políticas, filosóficas e teológicas de
Lutero. Apesar de sua querela com relação a Lutero, Erasmo foi alvo de contestações durante o Concílio de Trento,
por sua perspectiva de renovação do catolicismo e do cristianismo, perspectiva essa profundamente ligada às
rusgas políticas que se desenvolveram entre a monarquia de Henrique VIII e a Santa Sé. Ver: SKINNER, Quentin.
Op. cit., pp. 250-251, 287 e 418-422.
151
BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 10/10/1827. Brasília: Câmara dos Deputados, p. 120.
Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 30/08/2017. Sobre a participação do clero na maçonaria,
ver: BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência do Brasil 1790-1822. Juiz
de Fora: UFJF, 2006, pp. 73, 76, 89, 100-104, 141 e 185; COSTA, Emília Viotti da. Introdução ao estudo da
emancipação política do Brasil. In: Op. cit., p. 89.
152
SANTOS, Luis Gonçalvez dos. O celibato clerical, e religioso defendido dos golpes de impiedade, e da
libertinagem dos correspondentes da Astréa. Com um apêndice sobre o voto separado do senhor deputado Feijó.
Rio de Janeiro: Typ. de Torres, 1827, p. 6.
153
Ibidem, p. 14.
154
O Astréa foi um importante periódico da ala moderada. Era redigido por Antônio José do Amaral, da elite
política e intelectual coimbrã, e José Joaquim Vieira Souto, sobre o qual pouco se sabe. Ambos foram deputados
à Assembleia Geral pelo Rio de Janeiro. Ver: BASILE, Marcello. Op. cit., p. 28.
100

qual o autor sustentava o dogma tridentino sobre a obrigatoriedade do celibato e dizia que “seria
extenso em demasia se pretendesse analisar, e refutar ponto por ponto tudo quanto o Senhor
Deputado alega de fatos, e autoridades bebidas nas venenosas fontes de Autores Heterodoxos,
e de Canonistas suspeitos de Jansenismo”.155 Em resposta ao seu adversário, Feijó escreveria
reafirmando a supremacia do poder temporal e “a moralidade do clero protestante”.156 Em
profundo espírito regalista, alegava ainda que o Brasil não deveria temer “cisma” com relação
à Santa sé, pois nem mesmo d. João IV, d. José e d. João VI o haviam temido.157 Defendendo-
se dos ataques, ressaltava seu alinhamento aos autores e concílios da Igreja:

Diga-me, sr. pe., há jansenismo em cânones? Que parvoíce! Os autores citados no meu
voto são hereges! O Evangelho, os apóstolos, concílios, santos padres, escritores
ortodoxos, só porque v. rvma. tem a infelicidade de não os ler, ou não os entender, são
hereges! Que impiedade! E ainda quanto me tivesse servido da autoridade de escritores
hereges (como v. rvma. o fez) segue-se que tudo quanto diz um herege é heresia?
Semelhante modo de raciocinar é privativo do sr. pe., é o suprasummum da
ignorância.158

A contenda entre os dois sacerdotes não parou por aí, pois o padre Perereca ainda faria
sua réplica e nela repudiava o que dizia serem as referências de Feijó. Citava Fortunato
Bartolomeo de Felice (1723-1789), preterido no contexto das perseguições aos livros ilustrados
no mundo luso-brasileiro setecentista;159 a obra Les inconvénients du célibat des prêtres
prouvés par des recherches historiques, do oratoriano Jacques-Maurice Gaudin (1735-1810)160

155
SANTOS, Luis Gonçalvez dos. O celibato clerical, e religioso... Op. cit., p. 52
156
FEIJÓ, Diogo Antônio, Resposta do Deputado Feijó às Parvoíces, Impiedades e Contradições do Padre Luiz
Gonçalves dos Santos, IN: CALDEIRA, Jorge (Org.). Op. cit., p. 352.
157
Ibidem, p. 356.
158
Ibidem, p. 355
159
De Felice nasceu em Roma e foi admitido na ordem dos franciscanos. Lecionou em sua terra natal e em Nápoles.
Os projetos que pretendia desenvolver entre círculos letrados napolitanos incluíam publicações de Antônio
Genovesi. Sofreu perseguição em virtude de sua atração por Agnese Arquato, condessa de Panzutti, e refugiou-se
em Berna, na Suíça. Foi um expoente da Ilustração e, em contato com os círculos protestantes, notabilizou-se por
uma Enciclopédia que rivalizava com a obra de Diderot e d’Alembert. Na obra citada por Luiz Gonçalves dos
Santos, de Felice deixou claro seu repúdio ao celibato clerical, ao mesmo tempo em que entendia ser o matrimônio
um dever. Ver: FDERRARI, Stefano (Org.). Fortunato Bartolomeo de Felice: Un intellettuale cosmopolita
nell’Europa dei Lumi. Milão: Franco Angeli, 20016, pp. 7-34; FELICE, Fortunato Bartolomeo de. Code de
l’Humanité ou la Législation Universelle, Naturelle et Politique, avec l’Histoire Littéraire des Plus Grands
Hommes qui ont Contribué a la Perfection de ce Code. Composé par une Société de Gens de Letters Indiqués à la
Page Suivante. (T. II). Yverdon: dans l’Imprimerie de Felice, 1778, pp.480-512. Disponível em
http://gallica.bnf.fr. Acesso em: 30/08/2017; VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro
sob as luzes... Op. Cit., pp. 272, 287, 296, 370, 380, 382, 388, 45-446
160
Jacques Maurice-Gaudin nasceu na região da Vendeia. Entrou para a Congregação do Oratório e foi vigário
geral do bispado de Mariana, Córsega. Voltando à França, foi nomeado cura em sua terra natal e depois grande
vigário do bispado constitucional de Luçon. Para além de apontar as inconveniências do celibato, Maurice-Gaudin
advogou pela supressão das congregações religiosas, ao melhor estilo do clero constitucional. Após o 18 Brumário,
quando já havia deixado a carreira eclesiástica, foi nomeado juiz em Rochelle. Quando de sua morte, Gaudin era
101

e a “ímpia memória sobre o Celibato Clerical do opositor de Coimbra”.161 Esta última saíra da
pena do vintista José Manuel da Veiga, em 1822, no contexto dos debates nas Cortes de Lisboa,
trazendo o argumento newtoniano para legitimar a atração entre os sexos como uma lei
universal.162 Ao que parece, a campanha contra a obrigatoriedade do celibato clerical no Brasil
Império fundamentava-se na produção intelectual dos círculos ilustrados, revolucionários e
liberais da Europa, produção que também tinha importantes porta-vozes nos territórios de
maioria protestante.
Em 1828, Diogo Antônio Feijó justificaria sua aguerrida postura em favor da abolição
do celibato no texto Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical. Na
primeira proposição do texto, um ponto central dos conflitos entre os poderes do século e da
Eclésia: “É da privativa competência do poder temporal estabelecer impedimentos dirimentes
ao matrimônio, dispensar neles e revogá-los”.163 Para Feijó, o casamento não configurava uma
união de natureza religiosa, mas sim um acordo fundamentado na percepção do “direito
natural”, desenvolvida em seus Cadernos de Filosofia: “A natureza, pois, do matrimônio
convence que ele é um contrato, como outro qualquer, que tem sua base no direito natural; que
está subordinado aos interesses da sociedade, e por isso mesmo sujeito à direção do poder
temporal.”164 O líder do clero regalista ressaltava “a separação do contrato e do sacramento no
matrimônio”, alegando “que entre os mesmos católicos têm existido, e ainda existem, muitos
casados somente por contrato, sem inconveniente algum nem sombra de pecado.”165 Portanto,
os poderes do Estado e da Igreja teriam fronteiras bem definidas entre as suas competências:

Os dois poderes são independentes. Cada um pode legislar nos objetos de sua
competência, mas o poder espiritual por isso mesmo que tem por fim imediato a
salvação das almas, e não a tranquilidade pública, como a tem a autoridade civil, não
pode determinar coisa alguma não necessária àquele fim, que esteja em oposição às leis
do poder temporal, ou por qualquer maneira lhe pertençam, a não admitir-se a máxima
absurda e antissocial da influência de um poder sobre o outro, com recíproca invasão de
atribuições, de cujo conflito têm sempre aparecido funestíssimos resultados.166

bibliotecário. Ver: ROBERT, Adolphe; BOURLOTON, Edgar & COUGNY, Gaston. Dictionnaire des
Parlamentaires Français (Fes-Lav). Paris: Bourloton Éditeur, 1891, pp. 131-132.
161
SANTOS, Luis Gonçalves dos. Réplica Católica à resposta que o reverendo Senhor Deputado Feijó deu ao
Padre Luís Gonçalves dos Santos. Rio de Janeiro: Typographia de Torres, 1827, p. 115.
162
GARNEL, Maria Rita Lino. Op. cit., pp. 101-102.
163
FEIJÓ, Diogo Antônio. Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical. In: Op. cit., p. 282.
164
FEIJÓ, Diogo Antônio. Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical. In: Op. cit., p. 283.
165
Ibidem, p. 286.
166
Ibidem, p. 288.
102

O texto ainda legitimaria a competência exclusiva do poder temporal pelo uso que os
líderes políticos, de Justiniano aos monarcas coevos, teriam feito do matrimônio: “Convertem-
se os imperadores romanos (...) nem os imperadores cedem à Igreja o direito de regular o
matrimônio, nem ela reclama por um tal direito. As leis anteriores são inteiramente observadas,
e a Igreja somente vigia e zela na sua execução.”167 Ao fim dessa primeira proposição, ainda
seria evocada a doutrina dos primeiros séculos da Igreja e o questionamento ao cânone 4, da
24º sessão, do Concílio de Trento. A doutrina dos primeiros séculos da Igreja reforçava a
proeminência do poder temporal sobre a questão do matrimônio, na medida em que os
eclesiásticos teriam legislado sobre o referido contrato em virtude do “consentimento e
aprovação dos soberanos” e também da “ignorância dos mesmos soberanos, que nos séculos
das trevas se entregaram todos à direção dos eclesiásticos”.168 Sobre o estabelecido no cânone
tridentino, que previa a excomunhão dos que negassem os impedimentos impostos pela Igreja
com relação ao matrimônio, Feijó foi taxativo:

o concílio decidiu somente que os cristãos deviam sujeitar-se aos impedimentos


estabelecidos pela Igreja; ou que, se quis outra coisa, não foi nem seguido, nem adotado
nessa parte não só por muitos escritores ortodoxos, como por Estados inteiros que não
consentiram na sua publicação, e que continuaram a estatuir impedimentos e dispensar
neles, apesar de o concílio haver determinado o contrário. E sendo máxima de São
Bernardo, fundada na doutrina da Igreja, “que onde duvidam os ortodoxos não há
dogma”, segue-se pelo menos que a nossa opinião não tem nada de herética.169

O dogma tridentino era negado, pois, haveria divergência no seio da ortodoxia


eclesiástica e por parte dos Estados cristãos. Na sequência, na conclusão da primeira
proposição, surgia o direito da Igreja sobre o matrimônio: “Examinar se o contrato é
legitimamente contraído, segundo as leis divinas e humanas, para tornar-se digno de ser
santificado pelo sacramento; e prescrever a forma da administração deste: eis a que se reduz a
autoridade da Igreja.”170 Desse modo, em âmbito jurídico, a prática do matrimônio estaria
submetida a competências concorrentes, sendo a decisão do Estado hierarquicamente superior
à da Igreja. Passando à segunda proposição, Feijó salientava a “necessidade de abolição do
impedimento da ordem”,171 alegando que o impedimento no caso dos não celibatários seria
“injusto”, pois:

167
FEIJÓ, Diogo Antônio. Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical. In: Op. cit., p. 288.
168
Ibidem, p. 292.
169
Ibidem, p. 294.
170
Ibidem, P. 295.
171
Ibidem, p. 296.
103

Nenhuma lei humana tem o caráter de justa sem estar baseada no direito natural. A
sociedade, seja qual for a sua natureza, não tem nem pode ter outro fim que dirigir os
associados a um bem comum. Todas as vezes, pois, que uma lei qualquer priva o homem
de um direito concedido pelo Autor da natureza, sem ser nos casos em que a privação
desse direito seja necessária e indispensável ao bem geral, se reveste de uma injustiça
manifesta. 172

Novamente Feijó parecia se aproximar da narrativa empreendida nos Cadernos de


Filosofia e as noções de “propensão” e de “dever”, centrais para o desenvolvimento de uma
filosofia moral, também estariam subjacentes ao ideal do matrimônio. A julgar pelo teor da
assertiva, o estado celibatário e a negação do matrimônio seriam contrários ao direito natural
concedido pela autoridade divina e pareciam constituir uma transgressão:

sendo a propensão ao casamento inata, essencial à espécie, por isso mesmo sujeita a
elevar-se à paixão, e em tal caso dificultosíssima e talvez impossível de vencer-se, como
pode o homem sem imprudência, sem uma espécie de culpável orgulho ceder para
sempre dum direito, que muitas vezes importa o mesmo que um dever, e cujo sacrifício
pode trazer de volta a violação de outros muitos deveres?173

Com efeito, tanto o aspecto das paixões individuais quanto o dos deveres coletivos
estariam diretamente ligados à questão do celibato e do matrimônio, na medida em que a
imposição da abstinência sexual seria “a causa principal da imoralidade do clero” que, por sua
vez, teria efeitos deletérios, influindo “de uma maneira particular na imoralidade pública”.174
Tal qual anunciado de modo incisivo no texto, a renúncia aos desejos carnais carregaria certa
mácula seminal: “a incontinência estende e propaga o vício a todas as ações do padre, as quais
ficam necessariamente envenenadas, como nascidas de uma agente criminoso, pois tal é a
doutrina cristã.”175 Neste caso, as perversões seriam comuns ao clero celibatário: “Eis a causa
por que será raríssimo encontrar um padre incontinente que não seja perverso.” 176 Essa
realidade contrastava com o que ocorria entre os círculos cristãos ortodoxos e protestantes: “Eis
a causa por que o clero grego, e o protestante, é tão gabado pela maior parte dos historiadores
imparciais, quando comparam a sua moralidade com a dos padres católicos em geral.”177

172
FEIJÓ, Diogo Antônio. Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical. In: Op. cit., p. 296.
173
Ibidem, p. 297.
174
Ibidem, p. 306.
175
Ibidem, p. 306.
176
Ibidem, p. 306.
177
Ibidem, p. 306.
104

Ainda no tocante à proposição sobre a abolição do impedimento à ordem, Diogo


Antônio Feijó reafirmava a inutilidade da lei do celibato: “São continentes pela lei os que o
seriam sem ela; ou para dizer melhor, o número dos continentes seria maior na ausência da
lei”.178 Contrariando em algum sentido o voto em separado que proferira na Câmara em 1827,179
o padre de Itu também negava que o celibato fosse instituição divina, afirmando que: “Mil vezes
fala o evangelho em virgens; mas uma só não aconselha a virgindade”.180 Negava também que
a referida disciplina fosse de instituição apostólica, pois “nem Jesus Cristo nem os apóstolos
determinaram o celibato aos padres”.181 Por fim, apresentava uma “História do celibato”, na
qual destilava seu conhecimento sobre a história e a filosofia do catolicismo.182 A aguerrida
oposição à obrigatoriedade do celibato revelou um razoável preparo intelectual e político por
parte de Feijó.
Com efeito, a tensão entre os cânones católicos e os valores do liberalismo
constitucional tomava corpo, envolvendo aspectos da vida civil e política, alcançando o
rizomático domínio das relações privadas. No caso do celibato e do matrimônio, o debate
passava pela demarcação de uma competência cujos reflexos incidiam sobre os valores morais,
a vida do clero e mesmo as relações de gênero. O próprio Feijó, ainda nos tempos de Itu, teria
sido fiador do divórcio envolvendo Gertrudes Maria, amante de seu amigo, o padre Albino de
Godoi.183 Na ocasião, o futuro regente também fora acusado de concubinato com a referida
mulher. Anos depois, em artigo sobre o tráfico de escravizados, o periódico O Justiceiro
destacaria a degradante situação da “mulher adultera” na Inglaterra. Feijó afirmava que a venda
da mulher em praça pública seria “a mais acerba das ignomínias”, uma situação análoga à
escravidão.184 Nesses termos, reforçava-se a percepção de que o matrimônio consistia em um
contrato civil e não em um laço sacramental indissolúvel, atentatório à liberdade individual.
Além do mais, a ativa vida sexual e afetiva do clero parecia não ser uma transgressão, pelo
menos na realidade interiorana de São Paulo.

178
Ibidem, p. 308.
179
Na ocasião, Feijó havia dito: “Sendo portanto um contrato natural de instituição divina, seria absurdo no estado
social negar ao poder temporal a autoridade de estabelecer condições e regular a forma de uma convenção, que
mais que nenhuma outra influi na felicidade dos indivíduos, na tranquilidade das famílias, na boa ordem, na
conservação e progresso da sociedade.” Ver: BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 10/10/1827.
Brasília: Câmara dos Deputados, p. 116. Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 30/08/2017.
180
FEIJÓ, Diogo Antônio. Demonstração da necessidade... Op. cit.,, p. 311.
181
Ibidem, p. 313.
182
Ibidem, pp. 313-343.
183
RICCI, Magda. Op. cit., pp. 246-250.
184
O Justiceiro, nº 8, 25/12/1834.
105

Se o clero secular protagonizava os projetos de reforma, opondo-se à rígida disciplina


que lastreava os hábitos regulares, o arcabouço político-intelectual ultramontano também saía
de suas fileiras, a exemplo das ideias de Luiz Gonçalves dos Santos. Tais clivagens acentuavam-
se em intenso diálogo com porta-vozes de círculos intelectuais distintos, laicos e religiosos,
caso dos protestantes. Entre os anos de 1836 e 1842, o missionário metodista norte-americano
Daniel P. Kidder encontrou-se com Feijó e, na ocasião, entregou-lhe publicações para
circulação no Brasil, alegando que o padre de Itu: “Recebeu-os mui cortesmente”.185 Kidder
registrou que o reformista seria “um mestre da erudição católica, antiga e moderna, em direito
canônico, e nos velhos escritos”, além de reconhecer a importância do texto que Diogo Feijó
escrevera em 1828 sobre o celibato clerical:

para nós, não seria admiração se algum seu colega da América ou da Europa
desse a público algo que se parecesse com uma resposta racional à
“DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE DE ABOLIR O CELIBATO
CLERICAL, FEITA PELO PADRE FEIJÓ”.186

De acordo com Wilson Martins, o texto de Feijó sobre o celibato teria sido impresso e
distribuído alguns anos depois, na Filadélfia, pelo pastor Kidder, fazendo circular pelo norte as
considerações que já haviam ganhado as terras bolivianas ainda na década de 1820, como já
destacado neste trabalho.187 A delicada situação que envolvia o celibato clerical e a natureza
jurídica do matrimônio ganhava contornos internacionais sob a pena de Diogo Antônio Feijó.
A pertinência do tema revelava-se não apenas na conjuntura dos Estados nacionais recém-
independentes das antigas colônias ibero-americanas, mas ainda nos Estados Unidos da
América, em vias de expansão de seu território e consolidação de suas bases socioeconômicas
e político-culturais. Com efeito, a reiterada afirmação da competência civil sobre questões de
histórico cariz religioso revelava a força de um reformismo regalista que buscava fortalecer o
Padroado régio nos moldes de uma secularização das consciências e, no limite, dos liames de
laicização de algumas normas institucionais. Tal esforço contrapunha-se à tentativa de
universalização de regras não condizentes com a realidade dos costumes no território nacional,
em um período de redefinição das próprias bases civilizacionais da sociedade brasileira.

185
KIDDER, Daniel P. Reminiscências de viagens e permanências nas províncias do Sul do Brasil: Rio de Janeiro
e Província de São Paulo: compreendendo noticias históricas e geográficas do império e das diversas províncias.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1980, p. 266.
186
Ibidem, p. 267 (Grifos do autor).
187
MARTINS, Wilson. História da inteligência brasileira, Vol. II (1794-1855). Op. cit., p. 166.
106

À frente de um clero cujo reformismo tinha evidentes contornos regalistas, Feijó


empreenderia esforços evidentes também com relação a outros assuntos, a exemplo dos debates
sobre a presença das ordens regulares e da própria tolerância religiosa. Nesse sentido, ganhava
força o anticongregacionismo e, embora o caráter confessional do Estado não fosse
questionado, abriam-se precedentes para o enfraquecimento desse ordenamento. O signo da
secularização revelava-se a partir de uma formação à margem dos quadros formais e que
sintetizava múltiplas influências teológicas, filosóficas e políticas, herdeiras das polêmicas em
torno da tradição Escolástica e da eclética Ilustração luso-brasileira, compondo um
constitucionalismo liberal gestado em diálogo com a tradição anglo-francesa.
107

Capítulo 3
D. ROMUALDO ANTÔNIO DE SEIXAS: PADROADO, REGALISMO E ORTODOXIA

Em seu livro A escrita da história, Michel de Certeau chamou a atenção, a partir do


exemplo francês, para os “preconceitos que limitaram a historiografia”. Tais casuísmos teriam
se manifestado “tanto na escolha dos assuntos quanto na determinação dos objetivos”, estando
sempre “ligados às situações que conferem ao historiador uma posição particular com relação
a realidades religiosas.” Para o proeminente intelectual, cuja formação se deu em circuitos
laicos e eclesiásticos, incluindo a ordenação jesuítica e o doutorado em teologia pela Sorbonne,
as tensões entre Igreja e Estado, e os debates a elas relacionados, tiveram o efeito de “privilegiar,
dentre os fenômenos religiosos, aqueles que se apresentavam sob a forma de uma oposição às
ortodoxias, e, por consequência, de favorecer a história das “heresias”, privilegiando-as contra
a das instituições eclesiásticas e das “ortodoxias”.” Diante do problema, de Certeau apontou a
necessidade de uma análise do cristianismo na França que tivesse em conta “sua passagem de
estado de corpo opaco e resistente a um estado de transparência e de movimento.”1
Não cabe aqui uma análise comparativa entre os casos francês e brasileiro, ou uma
consequente digressão sobre os “preconceitos” e “seletividades” que marcaram a historiografia
relativa aos problemas da religião católica no Brasil. Tal empresa fugiria ao escopo desta tese.
Tampouco se trata de evocar uma improvável, porém desejável, imparcialidade político-
ideológica. Contudo, ficam as dúvidas decorrentes do caso específico envolvendo os dois
principais agentes históricos que conferem corpo a esta análise. Ao contrário de Feijó,
Romualdo Antônio de Seixas não foi uma personalidade demasiadamente biografada. Primeira
personalidade eleita para chefiar o Executivo no Brasil, o nome de Diogo Antônio Feijó tornou-
se um mote recorrente entre os historiadores e mesmo entre o público não especializado. Desde
muito cedo, nas cadeiras do ensino básico, ouviu-se falar da Regência Una de Feijó.
Se comparada aos ímpetos reformistas e, no limite, cismáticos do padre regente, a
postura de Romualdo Seixas, ciosa da ortodoxia romana e das prerrogativas tridentinas, situou-
se de modo mais tímido na historiografia. A obra do primeiro arcebispo primaz brasileiro não
deixou de ser analisada, mas seus discursos, sermões, pastorais e outras produções de natureza
vária ainda revelam-se um rico manancial para o estudo do enquadramento político-intelectual
e religioso do mundo luso-brasileiro e do período de formação e consolidação do Estado
nacional brasileiro. No intento de seguir o proverbial ensinamento de March Bloch, segundo o

1
CERTEAU, Michel. Op. cit., pp. 42-44 (Grifos do autor).
108

qual “nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora do estudo de seu momento”2,
buscar-se-á desenvolver uma análise embasada na trajetória política, intelectual e eclesiástica
de um personagem não tão afamado, porém de significativa produção e não menos importante
para história do Império brasileiro.

3.1 O Grão-Pará e o Império luso-brasileiro

O seminário episcopal da diocese do Grão-Pará, primeira instituição de ensino


frequentada por Romualdo Antônio Seixas, fora administrado pelos jesuítas e, após a expulsão
dos inacianos em 1759, absorveu a demanda pelos estudos fundamentais na região. O seminário
agregava um público diverso e não apenas os aspirantes à carreira eclesiástica, oferecendo
disciplinas basilares do ensino de humanidades, base do currículo sedimentado com as reformas
pombalinas.3 O cenário da educação formal nas terras brasileiras, em que pese a persistência da
dificuldade de acesso e da informalidade, havia sofrido algumas mudanças significativas desde
meados do século XVIII. Com a implantação das Aulas Régias sob a égide de Pombal e d. José
I, houve um esforço pela sistematização metodológica e centralização político-administrativa
da estrutura educacional no mundo luso-brasileiro. As aulas régias significavam um primeiro
passo em direção à carreira acadêmica, que se consolidava, sobretudo, na Universidade de
Coimbra. Assim, para além do seu aspecto formal e institucional, e a ele relacionado, a reforma
educacional de Pombal possibilitou uma intensificação da circulação de novas ideias,
fomentando o ecletismo da Ilustração gestada no mundo luso-brasileiro.
No extenso território colonial da América, desenvolvia-se um cenário de múltiplos
enquadramentos socioculturais, no qual as realidades regionais apresentavam contrastes e
semelhanças, contribuindo para diferentes níveis de sociabilidade política e religiosa. A balança
de poder Estado-Igreja também sofreu modificações com as mudanças na política educacional,
pendendo para o fortalecimento de um ensino mais afeito aos valores do século, afastado da
influência inaciana. Entretanto, se por um lado a secularização do ensino parecia ter um
impulso, por outro lado a monarquia portuguesa não prescindiu da herança material e
pedagógica dos jesuítas e da Igreja. Além do mais, tanto o clero regular, que ainda permanecera

2
BLOCH, March. Apologia da História, ou, o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 60.
3
SANTOS, Israel Silva dos. Op. cit., pp. 29-35; ALMEIDA, Anita Correia Lima de. “Aulas régias no Império
colonial português”. In: LIMA, Ivana Stolze & CARMO, Laura do. História Social da Língua Nacional. Rio de
Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2008, p. 72.
109

na Colônia, quanto o clero secular, sobretudo a partir da ação dos bispos, teriam protagonismo
na implementação da nova política educacional.4
A partir do reinado de d. Maria I (1777-1816), os cuidados com relação às aulas régias
foram marcados pela centralização da administração. Empreendeu-se a tentativa de controle e
fiscalização sobre as atividades docentes e sobre o imposto criado por Pombal para cobrir as
despesas com o sistema de ensino, o Subsídio Literário.5 Para além das continuidades que
caracterizaram a política educacional de cariz secular no âmbito do Reformismo Ilustrado
português, algumas medidas sinalizavam que o poder da Igreja, os valores da religião e o clero
voltariam a ter maior apelo intelectual, político e didático-pedagógico nos períodos mariano e
joanino. Em 1789, foi criada a Junta do Exame do Estado atual e Melhoramento Temporal das
Ordens Regulares, com o objetivo de reestruturar as ordens religiosas. 6 Em 1793, os regulares
passaram a ter permissão para frequentar as aulas de Filosofia e Ciências Naturais em Coimbra.
Tal iniciativa representou um movimento de reação aos temores que emanavam da França, na
medida em que os próprios padres entrariam em contato com as ideias e os porta-vozes da
“subversão” revolucionária, criando condições para combatê-los.7 O regalismo de teor
jansenista, característico ao período pombalino, cedeu espaço a um “regalismo eclético”, com
perseguição aos elementos que difundiam “heresias”, tal qual ocorreu com José Anastácio
Cunha (1744-1787), lente de Geometria na Universidade de Coimbra.8
Em termos de participação da Igreja e seus representantes na vida intelectual e
educacional, a ascensão de d. Maria I ao poder resultou também em uma “conventualização”
dos ensinos menores, o que significava o protagonismo das ordens religiosas na ampliação da
oferta de aulas, com atenção especial para as primeiras letras.9 A América portuguesa não
ficaria imune a essa política institucional, que envolvia uma delicada relação entre os
representantes dos poderes temporal e espiritual. Em regimento provisional de 1799, d.

4
FONSECA, Thaís Nívia de Lima e. Op. cit., pp. 49-61.
5
Ibidem, pp. 68-69.
6
ABREU, Laurinda. Um parecer da Junta do Exame do Estado atual e Melhoramento Temporal das Ordens
Regulares nas vésperas do decreto de 30 de meio de 1834. Estudos em homenagem a Luís Antônio de Oliveira
Ramos. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, pp. 117-130.
7
VILLALTA, Luiz Carlos; MORAIS, Christianni Cardoso; MARTINS, João Paulo. As reformas ilustradas e a
instrução no mundo luso-brasileiro. In: Op. Cit., pp. 58-59.
8
Lente de geometria da Universidade Coimbra, preso pela Inquisição por espalhar volições insidiosas entre os
estudantes, inclusive a defesa do sexo sem compromisso matrimonial. Ver: VILLALTA, Luiz Carlos; MORAIS,
Christianni Cardoso; MARTINS, João Paulo. As reformas ilustradas e a instrução no mundo luso-brasileiro. In:
Op. cit., pp. 60-67.
9
VILLALTA, Luiz Carlos; MORAIS, Christianni Cardoso; MARTINS, João Paulo. As reformas ilustradas e a
instrução no mundo luso-brasileiro. In: Op. cit., pp. 78-79 e 88.
110

Francisco de Souza Coutinho (1764-1823),10 governador do Grão-Pará, ressaltou a importância


dos deveres para com a Igreja e o Estado, além de prescrever que as aulas régias deveriam
ocorrer próximas às igrejas e que os párocos também exerceriam uma função de fiscalização
dos professores.11 Figura exemplar desse influxo romanizador a partir do reinado de d. Maria I
foi o bispo Manuel de Almeida Carvalho (1773-1818), do qual Romualdo Seixas ficaria
próximo a partir de seu tio Romualdo Souza Coelho (1762-1841), secretário e sucessor de d.
Manuel à frente da diocese do Grão-Pará.
Manuel de Almeida Carvalho era português, nascido em 1747, na Vila de Viseu e
formado em cânones pela Universidade de Coimbra. Indicado para o bispado por d. Maria I e
confirmado pelo papa Pio VI (1775-1799) em 1790, chegou ao Brasil em 1794 para exercer sua
função. Por sua postura ortodoxa e repreensão aos costumes pouco condizentes com a disciplina
romana, d. Manuel entraria em conflito com membros do clero e autoridades seculares. Em
1798, o bispo chegou a se indispor com o governador d. Francisco de Sousa Coutinho, quando
escondeu o livro em que estava formada a culpa do padre Felipe Jaime, capelão de um
regimento de linha e amigo de Coutinho. O referido padre costumava praticar a malhação de
um pano representando Pedro, o dito primeiro papa e famoso apóstolo que, segundo a mitologia
bíblica, teria traído Cristo com um beijo às vésperas do Calvário. O anedótico caso correu de
modo curioso e o capelão:

Pela última vez, que praticou esta devoção, se lembrou de a fazer, em tudo, muito
semelhante a um Sargento de Milícias, chefe de uma família muito honesta, e religiosa,
homem chão, e honrado, que vivia do seu ofício, e de um pequeno rebanho de cabras
que possuía, e com efeito assim sucedeu: exposta a figura os rapazes logo a batizaram
com o nome do Sargento, e a família, atendendo a isto, pois que foi colocada no meio
da rua com a frente para a casa do homem, reconheceram exato o batismo dado pelos
rapazes.12

Diante da afronta, o injuriado recorreu à justiça e o autor do chiste foi indiciado pelo
juiz e condenado pelo vigário geral, o cônego José Ribeiro de Almeida, próximo ao bispo d.
Manuel. O governador, ao saber da condenação de seu protegido, exigiu o livro no qual este

10
Francisco Mauricio de Sousa Coutinho, cavaleiro da Ordem de Malta e almirante da Armada Real, foi
governador da capitania do Grão-Pará entre 1790 e 1803. Era irmão de d. Rodrigo de Sousa Coutinho (1745-1812),
futuro conde de Linhares, representante de Portugal em Turim ao tempo de d. Maria I e proeminente ministro da
regência de D. João VI. Ver: SILVA, Inocêncio Francisco da. Op. cit. (vol. III)., p. 8.
11
ARRIADA, Eduardo & TAMBARA, Elomar Antonio Callegaro. Aulas régias no Brasil: O regimento
provizional para os proffessores de Philosofia, Rhetorica, Grammatica e de Primeiras Letras no Estado do Grão-
Pará (1799). Hist. Educ (Online). Porto Alegre, V. 20, N. 49, pp. 297-303, Maio/Ago., 2016, p. 292. Disponível
em: http://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/62454/pdf. Acesso em 18/04/2018.
12
PINTO, Antônio Rodrigues de Almeida. O bispado do Pará. In: Anais da Biblioteca e Arquivo Publico do Pará.
Tomo V. Belém: Instituto Lauro Sodré, 1906, p. 145.
111

fora pronunciado para cancelar sua culpa. Não conseguindo a peça, Coutinho destilou sua fúria
sobre o vigário, “mandando-lhe destelhar a casa da sua residência, prendendo-o depois na
cadeia pública, e por fim degradou-o para a Capitania de Mato Grosso.”13 Sem obter o livro
para livrar seu protegido da culpa, d. Francisco foi além:

em Junta da Coroa, e não satisfeito em ter-se vingado do Bispo na pessoa do Vigário


Geral (...) levou mais adiante a sua vertigem. Um dia pessoalmente fez uma visita ao
Seminário Episcopal, sem ter precedido anúncio, e recrutou todos os alunos maiores,
ainda não ordenados em sacris, e os fez levar aos corpos de linha nos quais assentaram
praça.14

Mesmo diante da autoridade do governador, irmão do mais proeminente ministro do


príncipe regente d. João, d. Rodrigo de Sousa Coutinho, o bispo Manuel de Almeida fez com
que chegasse, clandestinamente, uma representação a Portugal, relatando o ocorrido. Em
resposta, o governador recebeu ordem Régia, em agosto de 1802, reprovando seus atos de
represália contra o bispo e o vigário. Em que pese o fato de o degredado ter tido a decisão sobre
sua pena protelada, d. Francisco deu baixa no serviço das armas dos alunos do seminário e
retratou-se diante de d. Manuel no próprio palácio episcopal.15 Com efeito, o conflito
envolvendo as autoridades eclesiástica e secular revelava uma conjuntura de disputas acirradas.
Por mais que o bispo e governador estivessem ambos sob a égide da coroa portuguesa, o prelado
também devia obediência a Roma, e sua reprovação à falta de retidão disciplinar do clero se
sobrepôs ao subjetivismo discricionário da autoridade máxima da capitania.
Foi nesse tempo conturbado que d. Manuel, o “virtuoso bispo do Pará”,16 enviaria o
jovem Romualdo Seixas para Lisboa. Depois de frequentar o Seminário Episcopal da Diocese
do Pará e o Convento de Santo Antônio, o futuro primaz do Brasil continuou seus estudos na
Congregação do Oratório. Em Lisboa, Romualdo Seixas teve aulas com um dos principais
nomes do catolicismo ilustrado português, o padre Teodoro de Almeida (1722-1804), “sábio
autor da Recreação Filosófica, (...) que, apesar de octogenário e impossibilitado de reger a sua
cadeira, prestou-se a dar-me particularmente lições de física, a que a morte deste grande homem
veio a por termo alguns meses depois.”17 Opositor do regalismo pombalino, Teodoro de
Almeida fora perseguido e voltaria a Portugal após o término do reinado josefino. Assim, o
oratoriano representava a retomada da influência de certa perspectiva afastada do regalismo de

13
PINTO, Antônio Rodrigues de Almeida. O bispado do Pará. In: Op. cit., p. 147.
14
Ibidem, p. 147.
15
Ibidem, p. 149.
16
SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. cit., p. 4.
17
Ibidem, pp. 4-5.
112

cores jansenistas do tempo de Pombal. A partir dos círculos intelectuais, religiosos e políticos
que frequentou, Romualdo Antônio de Seixas entrou em contato com algumas das
personalidades que buscaram fortalecer a influência romana no mundo luso-brasileiro durante
o período mariano e josefino, ao mesmo tempo em que combateram os ventos revolucionários.
Ainda nos anos finais de seu bispado, em tempos de efervescência política, quando fazia
parte da junta governativa da capitania, d. Manuel se envolveria em outro conflito. Corria o ano
de 1815 e, outra vez, haveria uma guerra de competências jurídicas com relação ao processo no
qual era réu um vigário de Cametá, chamado frei Luiz Zagalo, acusado de concubinato e cujas
ordens chegariam a ser suspensas a mando de d. Manuel.18 Em 1807, às vésperas da ofensiva
de d. João sobre a Guiana Francesa,19 frei Zagalo foi nomeado capelão de um brigue que zarpou
rumo à Caiena. O referido Zagalo já era acusado de defender valores políticos afinados com as
“francesias”, ou seja, os ataques à ordem política e religiosa presentes, sobretudo, nos centros
urbanos luso-brasileiros na virada do século XVIII para o XIX.20 Pelos idos de 1813, o frei
herético embarcou do Rio de Janeiro para o Pará, ocasião em que relatos deram conta de que
“havia se amasiado com um rapaz, criado do comandante, com quem, afrontosamente, cometia
atos atentatórios ao pudor”.21 Chegando ao Grão-Pará para assumir o posto designado pelo
governo do Rio de Janeiro, o heterodoxo padre sofreria resistências por parte de d. Manoel que,
temendo represálias, cedeu e permitiu que Zagalo assumisse, mas:

Não tardou, porém, que o Prelado se arrependesse da sua condescendência, por que o
novo pároco não só se tornou uma pedra de escândalo pela sua pública imoralidade,
como também principiou as funções sagradas pela extinção do Cristianismo, fazendo
batismos nulos, negando a imortalidade d’alma, e as penas eternas; assim
dogmatizando, em um sermão que pregou na Capela da fazenda do Limoeiro, impugnou
a perpétua virgindade da Mãe de Deus, e proferiu uma blasfêmia contra o Salvador do
mundo, tão horrorosa, que o Padre, testemunha de ouvir, se retirou confuso, e cheio de
indignação.22

Além das diatribes teológicas, frei Zagalo, que se dizia “pedreiro livre” (isto é, maçom),
ainda chegou a difundir clamores de liberdade entre escravizados, contribuindo para um clima
de apreensão na pequena vila onde estava.23 Pelo comportamento transgressor, o vigário foi

18
PINTO, Antônio Rodrigues de Almeida. Op. cit., p. 154.
19
LIMA, Manoel de Oliveira. D. João VI no Brasil: 1808-1821 (V. I). Rio de Janeiro: Tip. do Jornal do Comércio
de Rodrigues & C. 1908, pp. 437-462.
20
VILLALTA, Luiz Carlos. O Brasil e a crise do Antigo Regime Português (1788-1822)... Op. cit., p. 53.
21
SOUZA JUNIOR, José Alves de. Constituição ou Revolução: os projetos políticos para a emancipação do Grão-
Pará e a atuação política de Filippe Patroni (1820-1823). 279 f. Dissertação (Mestrado) – UNICAMP/IFCH.
Campinas: 1998, pp. 109-110.
22
PINTO, Antônio Rodrigues de Almeida. Op. cit., p.160.
23
Ibidem, p. 161.
113

preso no convento de Santo Antônio, tendo d. Manuel requerido ajuda da justiça secular para
que o réu pudesse ir até Lisboa se explicar perante a Inquisição. Mais uma vez, a justiça
eclesiástica e a justiça secular entrariam em atrito, e a Junta da Coroa acatou um recurso de frei
Zagalo, concedendo-lhe a liberdade e mandando que o bispo entregasse os papéis do processo
que deveria seguir para Lisboa, segundo alvará de 1793.24 O bispo resistiu em acatar a decisão,
foi punido com a suspensão de suas côngruas e, enquanto a questão excitava os ânimos na vila
e na capitania, o vigário herético voltava a delinquir. Zagalo se envolveria em concubinato e
desacato, frequentando bares, casas de jogos e, em plena sexta-feira da Paixão, brigou em praça
pública com uma meretriz, “não só atracando-a, e espancando-a, mas também rasgando-lhe os
vestidos, e isto a vista, e em presença de uma multidão que ali concorreu por curiosidade”.25
As agitações do frei sedicioso só tiveram fim em 1817, com a chegada do novo
governador, Antônio José Severim de Noronha (1792-1860), 7º conde de Vila-Flor, que
remeteria Zagalo para Lisboa.26 Talvez não fosse prudente manter no território um clérigo
sedicioso no momento em que eclodia a Revolução Pernambucana, uma “revolução de padres”,
da qual “os sacerdotes lidos em filosofia revolucionária (...) foram os principais agentes,
propagadores e mártires”.27 No início do século XIX, Pernambuco abrigava um clero de
tendência ilustrada formado no Seminário de Olinda, instituição idealizada por Azeredo
Coutinho. Na esteira da propagação de uma “Teologia da Ilustração”, gestada no período
pombalino, formou-se a consciência revolucionária no interior do clero pernambucano.28
Assim, enquanto o bispo d. Manuel combatia a heterodoxia de frei Zagalo no Pará, o vigário
geral de Pernambuco, Bernardo Luiz Ferreira Portugal, líder do bispado de Olinda à época da
Revolução, fazia coro ao movimento. Bernardo Luiz, o “Patriota Vigário Geral”, pedia aos
“Católicos Patriotas” obediência “ao Governo Constituído e aos seus encarregados”, lembrando
“que a falta deste sagrado dever é um dos maiores atentados que se pode cometer contra Deus
e a Pátria.”29 Da Revolução Pernambucana participaria o regalista, companheiro de Feijó, padre
José Martiniano de Alencar.

24
PINTO, Antônio Rodrigues de Almeida. Op. cit., p. 162.
25
Ibidem, p. pp. 176-177.
26
PINTO, Antônio Rodrigues de Almeida. Op. cit., pp. 162-178.
27
LIMA, Manoel de Oliveira. D. João VI no Brasil: 1808-1821 (V. II)... Op. Cit., pp. 798.
28
SIQUEIRA, Antônio Jorge. Os Padres e a Teologia da Ilustração – Pernambuco 1817. Recife: Editora da
UFPE, 2009. Resenha de: ANDRADE, Breno Gontijo de. A revolução dos padres de 1817. Diálogos, v. 15, n. 1,
pp. 243-248, 2011.
29
PORTUGAL, Bernardo Luiz Ferreira. Proclamação do Bispado de Olinda, assinada pelo Vigário Geral Bernardo
Luiz Ferreira Portugal incentivando o povo a obedecer ao Governo Constituído. In: MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO E DA SAÚDE. Documentos históricos: Revolução de 1817 (Vol. CI). Rio de Janeiro: Biblioteca
Nacional – Divisão de Obras Raras e Publicações, 1953, pp. 12-13.
114

Inimigo declarado dessas contestações que ameaçavam a ordem absolutista joanina e a


ortodoxia romana, d. Manuel de Almeida faleceria em 1818. No ano seguinte, o então cônego
Romualdo Antônio de Seixas recitaria a oração fúnebre nas exéquias do bispo, qualificando-o
de “insensível a todos os prestígios do século, e fiel transunto dos Bispos da Antiguidade Cristã,
o seu nome não ocupa um lugar honroso (...) na saudosa memória dos seus Diocesanos, senão
pelo exato desempenho das funções do seu alto Ministério.”30 Sobre d. Manuel, Romualdo
Seixas alegava que tinha sido “Testemunha ocular e doméstica da parte mais interessante da
sua vida”31 e que “o piedoso Sacerdote procurou o meio mais seguro de aperfeiçoar-se nas
Ciências”.32 Ao contrário do retrato que faria da Universidade de Coimbra décadas mais tarde
em suas Memórias, a academia coimbrã, onde o falecido bispo estudara, seria “uma das mais
Célebres Universidades da Europa”, e não um repositório de “vícios” e “impiedades”.33 Talvez
ainda com esperanças de ingressar em Coimbra, dizia que ali “o gosto mais delicado caminha
a par da mais vasta e profunda Erudição, majestoso Domicílio de todas as Belas Artes, e
Ciências, donde tem brotado tantos Gênios Imortais, que fazem a glória da Igreja, e as delícias
da Nação.”34
Apesar da triste solenidade que presidia, Romualdo Seixas não deixou de tocar em temas
sensíveis à conjuntura política. Sobre os desentendimentos de d. Manuel com os poderes
seculares, alegou que os defeitos de seu zelo “foram os mesmos, que se imputaram à liberdade,
e veemência impetuosa, com que os Hilários, os Crisóstomos, os Cirilos, e outras grandes Luzes
da Igreja se explicavam nos seus Discursos, e escritos Apologéticos em defesa do Dogma, e da
Moral”.35 Os personagens citados foram doutores católicos da Antiguidade, que combateram
com veemência as ideias ditas heréticas e pugnaram pela sedimentação da ortodoxia dogmática
e disciplinar do catolicismo.36 As cartas pastorais de d. Manuel eram comparadas às investidas

30
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Oração fúnebre recitada pelo Cônego Romualdo Antônio de Seixas, cavaleiro
professo na Ordem de Cristo, nas exéquias do excelentíssimo e reverendíssimo senhor D. Manoel de Almeida
Carvalho, do conselho de sua majestade fidelíssima, e bispo desta província do Pará, que celebrou o
reverendíssimo cabido na respectiva catedral. Lisboa: na oficina de J. F. M. de Campos, 1819, p. 6.
31
Ibidem, p. 7.
32
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Oração fúnebre recitada pelo Cônego Romualdo Antônio de Seixas... Op. cit.,
p. 11.
33
D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. cit., pp. 3-4.
34
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Oração fúnebre... Op. cit., p. 11.
35
Ibidem, pp. 23-24.
36
Hilário nasceu em Poitiers, na França, no início do século IV. Vindo de família pagã, converteu-se ao catolicismo
e travou polêmicas com os defensores do arianismo, que negavam a noção de santíssima trindade. Denunciado ao
imperador Constâncio II (317-361), Hilário partiu para o exílio na Frígia, onde compôs a obra que lhe daria o título
de doutor da Igreja, A trindade ou a fé. Antes de se reestabelecer definitivamente em Poitiers, onde morreria, ainda
combateu o arianismo em Milão. João Crisóstomo nasceu em Antioquia, também no século IV e recebeu uma
educação clássica sob os cuidados de sua mãe. Sua formação teológica deu-se entre as escolas de Antioquia e os
exílios a que se impunha nos arredores desérticos e montanhosos. Em reconhecimento ao seu talento, Crisóstomo
115

de Hilário contra o imperador Constâncio II e, nesse sentido, a postura enérgica do bispo do


Grão-Pará seria necessária, pois: “Era difícil na verdade, ou para melhor dizer impossível a um
Pastor fiel, e Zeloso, produzir fatos tão odiosos, e extraordinários, sem adotar uma linguagem
mais enérgica, e mais picante, do que aquela, que parece convir aos Ministros da paz, e da
caridade.”37
Para além do compromisso com a autonomia do poder eclesiástico, e a ele relacionada,
a figura de d. Manuel representava a defesa das: “Máximas do Cristianismo sobre o respeito,
que se deve aos Príncipes, cumprindo assim um dos primeiros deveres do Episcopado, a quem
justamente compete ensinar, e persuadir sempre a obediência, e vassalagem para com os
legítimos Soberanos”.38 Os desentendimentos do prelado com os poderes seculares não o teriam
impedido de defender a autoridade real, na medida em que “sustentava ao mesmo tempo os
interesses do Trono, e do Altar com incorruptível integridade”.39 O cumprimento dos deveres à
frente do bispado implicava, ao mesmo tempo, obediência à autoridade régia e resistência aos
que pareciam invadir as competências e foros eclesiásticos. A subserviência ao trono não
poderia ocorrer em detrimento do altar: “Que direi finalmente da exatidão escrupulosa, com
que ele queria, que fosse celebrado o Augusto Sacrifício dos nossos Altares; inculcando
altamente o estudo dos Ritos, e Cerimônias da Igreja”.40 Desse modo, Romualdo Antônio de
Seixas sedimentaria as bases de sua visão teológica, eclesiológica, filosófica e politica em
contato com o bispo d. Manuel de Almeida, cioso da importância de defender a autonomia do
poder eclesiástico, perante as interferências seculares marcadas pelas práticas do regalismo
jansenista empreendidas durante o reinado de d. José I (1750-1777).
Ainda em 1818, em consonância com o apelo ao respeito pelas fronteiras entre os
poderes civil e eclesiástico, o futuro arcebispo primaz do Brasil manifestou sua reverência à
soberania absoluta do monarca. Naquele ano, devido à morte de d. Maria I em 1816 e a elevação
de d. João VI no trono português, Romualdo Seixas iria compor um sermão em Aclamação ao
“Príncipe, que já reinava pelos seus benefícios [do povo], e que antes de sentar-se no Majestoso
Trono, mereceu o Nome de Libertador dos Povos, e de Príncipe Benemérito da Religião, e da

foi nomeado bispo de Constantinopla, combatendo a ostentação da vida mundana, as heresias e consolidando a
liturgia do catolicismo oriental. Pelo rigorismo de seu comportamento, foi deposto do bispado e morreu quando se
encontrava exilado em Cucusa. Ver: HERBERMANN, Charles George et. al. (1910). The Catholic Encyclopedia…
Op. cit., v. 7, pp. 349-350; v. 8, pp. 452-457. Disponível em:
https://archive.org/details/V10CatholicEncyclopediaKOfC Acesso em 29/09/2017.
37
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Oração fúnebre... Op. cit., pp. 23-24. (Nota de rodapé).
38
Ibidem, p. 25.
39
Ibidem, p. 26.
40
Ibidem, p. 29.
116

Pátria.”41 D. João VI era um “imortal”, que “arrostou impávido as ondas, e as tormentas do


entumecido Oceano, para assegurar a independência da Nação, e promover com a sua Presença
Soberana a natural fertilidade, e riquezas do vasto Continente do Brasil”. 42 Já o Congresso de
Viena seria um concerto entre as potências Velho Mundo, hierarquia da qual o Brasil passara a
fazer parte: “Oh! feliz Deliberação, que nos deu um lugar, e um nome entre as Potências
Europeias”.43 Em meio ao cenário de tentativa de superação das investidas bonapartistas,
Romualdo Seixas considerava d. João VI um soberano esclarecido, portador de um reformismo
econômico dinamizador e promotor de certa pacificação incisiva:

Já ele Honra a Agricultura, como uma das principais fontes da população, e de felicidade
pública; não só dando as mais vantajosas providências à cultura, e povoação dos
campos; mas também liberalizando privilégios, e prêmios avultados, que consolam o
Lavrador, excitam a emulação, e a indústria natural dos Habitantes: Já promove por
aquele mesmo poderoso estímulo às plantações das mais interessantes Especiarias de
que abunda o Brasil, bem como o estabelecimento das Artes, e das Manufaturas, sem as
quais nenhuma Cidade, diz o Espírito Santo, será edificada, nem habitada: já prospera
o Comércio interior, e exterior pelas mais amplas isenções, e saudáveis medidas, para
vencer os obstáculos, que retardavam o livre giro, e circulação do Comércio, e
facilitando a navegação dos grandes rios, que fertilizam este vasto Continente, onde
parecem encerrar-se todos os tesouros da Criação. Aqui ele multiplica os exemplos da
indústria, chamando, e atraindo toda a sorte de Artistas Estrangeiros; ali ele faz submeter
ao jugo das suas Leis tantas Nações selvagens, e antropófagas, que Graças aos desvelos
de tão grande Príncipe, já gozam das vantagens da vida social com grande proveito da
Religião, e da Monarquia.44

O Reformismo ilustrado de d. João VI era guiado pela providência divina e aglutinador


de uma identidade política, social, econômica e religiosa. Se havia avanços pretensamente
civilizatórios, a importância da religião para a consolidação da soberania portuguesa não seria
menos importante. A religião católica figurava como fator de união e legitimidade do novo
Reino Unido, pois “nunca um Soberano poderá ser amado, e respeitado do seu Povo, se ele
mesmo não faz florescer, a Religião, e Reinar aquele, que é a fonte de todo o Poder, e
Majestade”.45 Evocava-se a sacralização do novo contrato social que, de certo modo, ampliava
o alcance da identidade portuguesa, irmanando os reinos transatlânticos: “Mas de que serve
fatigar a vossa atenção, sendo tão profundamente gravada no espírito, e no Coração dos

41
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Sermão de ação de graças que no dia 13 de maio celebrou o Senado da Câmara
do Pará pela feliz aclamação do muito alto e poderoso Sr. D. João VI, rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarves. Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1818, p. 9.
42
Ibidem, p. 12.
43
Ibidem, p. 15.
44
Ibidem, p. 18.
45
Ibidem, pp. 18-19.
117

Portugueses a ideia, e o sentimento dos Benefícios da imortal Regência de um Príncipe, que


firmou na Religião a base do seu Governo”.46
O apoio incisivo ao governo de d. João VI, que Romualdo Seixas deixava transparecer,
era compartilhado por seu tio, Romualdo de Sousa Coelho, que assumiria a Sé do Pará após a
morte de d. Manuel em 1818.47 Em 1822, pouco tempo depois de tomar assento nas Cortes de
Lisboa, o então bispo do Pará emitiria uma Carta Pastoral48 em defesa da “Constituição” e da
relação entre “os sagrados vínculos da Religião” e “os fundamentos da Sociedade Civil”.49
Sousa Coelho atentaria para a resiliência da religião, pois, “pelas suas próprias forças, ela se
acomoda admiravelmente com todas as formas de Governo”.50 Endossava ainda um
jusnaturalismo de inspiração escolástico-teológica no qual as “Leis Civis” seriam derivadas
“dos princípios invariáveis da lei Natural, que sendo a expressão genuína da Vontade de Deus,
jamais pode contravir aos da Religião Revelada, que professamos”.51
A Pastoral de D. Romualdo Sousa Coelho ressaltava a compatibilidade entre as vontades
do Estado e da Igreja, ao mesmo tempo em que revelava uma preocupação com o
estabelecimento das fronteiras entre as competências do século e da Eclésia: “As Leis Civis, e
Eclesiásticas, que conspiram, ainda que por diversas maneiras, a um mesmo fim de felicidade,
não podem nunca contradizer-se, nem destruir-se: Cumprindo cada uma o seu dever na
sociedade, será um modelo da perfeição Evangélica”.52 Ao final, o bispo do Pará transcrevia
uma portaria emitida pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e de Ultramar,
embebida no regalismo moderado do reinado joanino, que buscava a divulgação do

46
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Sermão de ação de graças... Op. cit., p. 21. (Grifos nossos)
47
Apresentado à cadeira episcopal em 1819, confirmado pelo papa Pio VII em 1820 e ordenado no Rio de Janeiro
em 1821. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. VII), pp. 162-163.
48
As Cartas Pastorais derivaram da noção de Pastoral. Esta se fundamentou, desde os primórdios da História do
Catolicismo, nas noções de Igreja e evangelização, incidindo sobre a organização da comunidade eclesial e da
propagação da fé. Com a ampliação dos horizontes de evangelização e os desafios da Reforma Protestante, o
Concílio de Trento conferiu especial atenção à noção de Pastoral, valorizando a ação dos bispos, a catequese e a
liturgia. Assim, segundo o Dicionário de História Religiosa de Portugal, a ampliação da noção de Pastoral ocorreu
pari passu às vagas regalistas e seculares deflagradas na aurora da Idade Moderna. Reforçavam-se, via reformas,
a estrutura organizacional e os dispositivos dogmáticos e disciplinares, na medida em que a ação eclesiástica
reconhecia a centralidade de sua adequação às diferentes realidades encontradas durante a difusão missionária.
Atualmente, no Brasil, a ação Pastoral católica materializa-se em frentes múltiplas, na maioria das vezes, de
natureza sócio-caritativa e mesmo política. Ver: AZEVEDO, Carlos Moreira de (Org.). Op. cit. (Vol. 3), pp.385-
392.
49
COELHO, Romualdo de Sousa. Pastoral do bispo do Pará dom Romualdo de Souza Coelho: Prevenindo os
seus diocesanos contra opiniões abusivas e sediciosas sobre a verdadeira inteligência do sistema constitucional
que a nação tem adoptado, para manter a sua segurança, e prosperidade. Com adimento de um edital análogo.
Lisboa: Tipografia Patriótica, 1822, p. 4. Disponível em: https://archive.org/details/pastoraldobispod00coel.
Acesso em 10/10/2017.
50
Ibidem, p. 4.
51
Ibidem, p. 4.
52
Ibidem, p. 5.
118

constitucionalismo desenvolvido nas Cortes de Lisboa a partir da estrutura institucional da


Igreja no mundo luso-brasileiro:

Manda El Rei (...) que havendo chegado ao seu conhecimento, não terem até o presente
os Bispos, e mais Prelados Eclesiásticos do Reino do Brasil, e Províncias ultramarinas,
instruído os Povos, que estão confiados à sua vigilância, e Pasto Espiritual, acerca do
Sistema Constitucional, que a Nação tem abraçado, como fonte da sua felicidade, e
prosperidade, e que Sua Majestade há jurado com mais firme adesão; os mesmos Bispos
imediatamente passem a fazer Pastorais, em que mostrem, que o mesmo Sistema em
nada ofende à Religião, que muito pelo contrário, dando ele à dignidade do homem
aquele grau de esplendor, que devidamente lhe compete, e tirando-o das trevas da
ignorância, lhe fará melhor conhecer a pureza da mesma Religião, que professamos .53

Para além do recurso às cartas pastorais, a portaria destacava a importância da ação dos
demais clérigos, e o rei mandava “recomendar a todos os Párocos, e mais Prelados Eclesiásticos,
que nas oportunas ocasiões hajam de pregar, e instruir os Povos pela maneira predita”. 54 Com
efeito, entre 1808 e 1821, durante sua estadia no Brasil, d. João VI (1792-1826) prestigiou a
Capela Imperial e a importância do discurso sacro, reconhecendo o forte apelo que os
pregadores possuíam em meio à esfera pública. Segundo Maria Renata da Cruz Duran, o
principal orador sacro do período era Francisco de Monte Alverne, prelado que mais se destacou
à frente da Capela Imperial.55 Outro importante orador da Capela Imperial foi o cônego Januário
da Cunha Barbosa, já referido partidário da Independência através do periódico Revérbero
Constitucional.56 O púlpito era um polo aglutinador de legitimidades políticas e os sermonistas,
sob diferentes perspectivas, elaboravam as linhas mestras do discurso de formação de uma
identidade sócio-política luso-brasileira e, no limite, brasileira.57
Nos primeiros anos de sua carreira sacerdotal, em meio a turbulências políticas e
demandas revolucionárias, Romualdo Seixas encontrou uma conjuntura peculiar de arranjos e
conflitos entre os poderes civil e eclesiástico. D. Maria I e d. João VI buscaram ampliar a
influência da Igreja e de seus porta-vozes na dinâmica institucional da monarquia portuguesa,
ao intensificar seu protagonismo nas políticas educacionais. Ademais, os membros do clero
tiveram papel fundamental na formação e difusão de certa pedagogia política, em um território

53
COELHO, Romualdo de Sousa. Pastoral do bispo do Pará dom Romualdo de Souza Coelho..., pp. 5-6.
54
Ibidem, p. 6.
55
DURAN, Maria Renata da Cruz. Ecos do púlpito: Oratória sagrada no tempo de D. João VI. São Paulo: Ed.
UNESP, 2010, pp. 127-187.
56
Segundo consta em suas Memórias, pouco antes de sua nomeação para o arcebispado da Bahia, Romualdo Seixas
solicitou a d. Pedro a graça de ser nomeado pregador da Capela Imperial e o imperador deixou no ar a ideia de que
o então deputado seria “elevado a uma grande dignidade” e não deveria se ocupar com o “título de Pregador
Imperial.” Ver: SEIXAS, Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês... Op. Cit., p. 46.
57
DURAN, Maria Renata da Cruz. Ecos do púlpito... Op. cit., pp. 75-126.
119

onde a cultura oral era uma das características mais marcantes da esfera pública. No Grão-Pará,
berço de Romualdo Seixas, o bispo d. Manuel Almeida representou o apego à disciplina romana
e a perseguição aos elementos heréticos, revolucionários e subversivos. Seu sucessor,
Romualdo de Sousa Coelho, em consonância com o projeto das Cortes de Lisboa, ressaltou a
compatibilidade entre o catolicismo romano e a monarquia constitucional. Entre o interior do
Pará e a vastidão do Império luso-brasileiro, formava-se um clero contrarrevolucionário, de
tendência disciplinar ortodoxa e inspiração político-intelectual conservadora, em diálogo com
certa tradição ilustrada do catolicismo e com um constitucionalismo de viés escolástico.

3.2 O trono e o altar: contrarrevolução, conservadorismo e ultramontanismo

A influência da Revolução Francesa sobre o Ocidente euroamericano fez-se sentir não


apenas no plano do apelo às liberdades individuais elaboradas sob o crivo das matrizes políticas
ilustradas de cariz secular e racional. Das últimas décadas do século XVIII até a primeira
metade do século XIX, a contrarrevolução revelou-se um fenômeno de amplo alcance
geopolítico, envolvendo grupos e personalidades distintas, que contribuíram para a formação
de um multifacetado espectro de valores.58 Os contrarrevolucionários nutriam oposição a um
inimigo comum, a saber, o espírito revolucionário e toda a sorte de rupturas idealizadas e
concretizadas a partir dele. Este leitmotiv reacionário possuía razão de ser. As mudanças com
relação aos esteios materiais e simbólicos dos Estados e sociedades monárquicos absolutistas
faziam-se sentir desde meados do século XVIII. Após os traumas do “terror” jacobino de 1793-
1794, o receio quanto aos profundos abalos na ordem do Antigo Regime, presente durante toda
a onda contrarrevolucionária, tornou-se mais acentuado, obtendo alcance em Espanha, Portugal
e suas antigas colônias em vias de emancipação.59 Diante da experiência francesa e das lutas
pela emancipação do jugo colonial na América, os partidários da velha ordem foram além do
mero apelo aos seus status quo e da busca por uma condição política e socioeconômica inercial,
organizando propostas de reforma e regeneração.

58
GODECHOT, Jacques. La contre-révolution: doctrine et action (1789-1804). Paris: Presses Universitaires de
France, 1961, pp. 1-4.
59
LOUSADA, Maria Alexandre & FERREIRA, Maria de Fátima Sá e Melo. D. Miguel. Lisboa: Círculo de
Leitores, 2006, pp. 30 e segs; RODRIGUES, Cândido Moreira. Críticos da Revolução Francesa: conservadores
tradicionalistas e contrarrevolucionários. Revista Brasileira de Ciência Política, no 3. Brasília, janeiro-julho de
2010, pp. 343-367; ROURA, Lluis. La Contre-Révolution en Espagne et la lutte contre la France, 1793-1795 et
1808-1814. In: MARTIN, Jean-Clément (dir.). La Contre-Révolution en Europe: XVIIIe-XIXe siècles. Réalités
politiques et sociales, résonances culturelles et idéologiques [en ligne]. Rennes: Presses universitaires de Rennes,
2001, pp. 1-2. (généré le 19 novembre 2017). Disponible sur Internet: http://books.openedition.org/pur/16574
120

Em seu estudo sobre a contrarrevolução, Jacques Godechot identificou três grandes


correntes doutrinárias desenvolvidas ao longo do século XVIII na América do Norte e Europa,
mais especificamente na França: o “conservadorismo histórico ou a doutrina dos direitos
históricos”, a “doutrina do despotismo esclarecido” e o “absolutismo integral”.60 Tais doutrinas
constituíram-se em uma dinâmica de afinidades e especificidades, esboçadas por diferentes
personalidades do universo filosófico, intelectual e político. O apelo a um governo
protagonizado pela nobreza e a uma perspectiva jurídico-política consuetudinária foi recorrente
entre os denominados conservadores históricos, dentre os quais se destacou Francis Fénelon
(1651-1715).61 Os formuladores do despotismo esclarecido criticaram de maneira mais
contundente os privilégios do primeiro estado, defendendo direitos do terceiro estado e
mudanças mais significativas nas estruturas socioeconômicas e político-jurídicas do Ancien
Régime. Mably, Necker e Calonne estavam entre os principais partidários do despotismo
esclarecido, e, no limite, houve espaço para um acerbo anticlericalismo do qual Voltaire foi
porta-voz.62 Por fim, os autores do absolutismo integral conceberam uma arquitetura legislativa
e executiva sem maiores alterações na concentração de poderes por parte do soberano, o qual
teria direito e o dever de controlar a imprensa e combater os mauvais livres. Entre os mais
proeminentes absolutistas, estava Bossuet, evocando a centralidade da religião para a
legitimação do poder político.63
De um modo geral, o conservadorismo formou o principal conjunto de referências
político-filosóficas e jurídicas da contrarrevolução. De acordo com Karl Mannheim, o
conservadorismo, em sua condição de um “estilo de pensamento”, constituiu-se em um período
histórico específico e mobilizou diferentes agentes sociopolíticos. Para o sociólogo húngaro,
uma das bases dessa matriz intelectual conservadora seria o tradicionalismo, perspectiva de
natureza genérica, reativa e essencialista, “uma oposição às mudanças revolucionárias”.64 Para
além da raiz reativa e antirrevolucionária, o conservadorismo seria significativo e objetivo.65
Sob o inequívoco e longevo marco fundamental do pensamento de Edmund Burke, irlandês

60
GODECHOT, Jacques. Op. cit., p. 7. (Tradução nossa).
61
Ibidem, p. 7-14.
62
Charles-Alexandre de Calonne (1734-1802), abade Gabriel Bonnot de Mably (1709-1785) e Jacques Necker
(1732-1804), formados nos quadros do Antigo Regime francês, vivenciaram os anos finais do absolutismo de Luís
XVI. Integravam a estrutura político-administrativa e eclesiástica da francesa e propuseram reformas, afinadas
com alguns princípios ilustrados, que tocavam em temas sensíveis ao grave momento social, político e econômico
pré-revolucionário. Ver: GODECHOT, Jacques. Op. cit., pp. 14-17.
63
GODECHOT, Jacques. Op. cit., pp. 18-21.
64
MANNHEIM, Karl. Conservative thought. In: MANNHEIM, Karl. Essays on Sociology and Social Psychology.
London: Routledge & Kegan Paul LTD, 1953, p. 102.
65
MANNHEIM, Karl. Op. Cit., pp. 93-98.
121

ligado aos whigs, o conservadorismo agregou agendas reformistas e, nos dizeres de Andrew
Vincent, consolidou-se em um “corpo de ideias com conteúdo prescritivo.”66
Os adeptos da perspectiva conservadora desenvolveram certa “consciência” ao tratar
dos “problemas estruturais comuns a todos os Estados modernos”, a saber: “(I) a consolidação
da unidade nacional, (II) a participação do povo no governo do país, (III) incorporação do
Estado na ordem econômica global, (IV) solução das questões sociais.”67 Eram caros aos
conservadores alguns temas fundamentais cuja difusão pela esfera pública transatlântica foi
cada vez mais intensa durante e após os eventos da última década do setecentos na França. Em
1791, Edmund Burke escreveu suas Reflexões sobre a Revolução na França, texto no qual
tratava das questões apontadas por Mannheim. Burke privilegiou a concretude das experiências
históricas e a ordenação inercial de suas assimetrias socioeconômicas e políticas, em detrimento
dos princípios filosóficos quantitativos e abstratos do universo valorativo liberal e ilustrado.68
As liberdades seriam qualificadas por sua consolidação no âmbito dos históricos códigos
consuetudinários da sociedade inglesa, em um “pedigree” jurídico cujo ponto de inflexão seria
a “mais velha reforma” da Magna Carta (1215).69 Burke atribuiu a Magna Carta ao rei João de
Inglaterra (1199-1215), considerando-a “conectada” a “outra carta positiva de Henrique I”
(1100-1135).70 As liberdades e os direitos eram parte de um legado gestado nos tempos da
consolidação do reino da Inglaterra no medievo tardio e reafirmado no século XVII:

Na famosa lei do 3º ano do reinado de Carlos I, chamada Declaração dos Direitos, o


parlamento disse ao rei, “Seus súditos herdaram essa liberdade,” reivindicando seus
direitos, não sobre princípios abstratos “como os direitos dos homens,” mas como os
direitos dos Ingleses, e como um patrimônio derivado dos seus antepassados.71

Às leis e liberdades derivadas da ruptura revolucionária na França, Edmund Burke


opunha os costumes e tradições de um passado, sempre restaurado pelo contrato entre o rei e
seus súditos. Opunha a nação, no sentido de “comunidade política imaginada”,72 ao poder
encarnado no corpo do monarca, na fidelidade dos súditos ao reino e no governo “reservado a
uma aristocracia natural, responsável pela condução da sociedade”.73 Ao contrário de Thomas

66
VINCENT, Andrew. Ideologias políticas modernas… Op. cit., p. 68.
67
MANNHEIM, Karl. Conservative thought… In: Op. cit., p. 100.
68
RODCRIGUES, Cândido Moreira. Op. cit., pp. 349-351.
69
BURKE, Edmund. Reflections on the Revolution in France (Vol. 1). London: Published by John Sharpe,
Picadilly, 1819-1821, p. 44. (Tradução nossa).
70
Ibidem, p. 44. (Tradução nossa).
71
BURKE, Edmund. Reflections on the Revolution in France… Op. cit., p. 45. (Tradução nossa).
72
ANDERSON, Benedict. Op. cit., p. 32.
73
RODCRIGUES, Cândido Moreira. Op. cit., p. 349.
122

Paine (1737-1809), que buscava identificar um grande ciclo revolucionário, Burke diferenciava
a Revolução Francesa da Revolução Gloriosa de 1688.74 Esta, teria resultado em uma
declaração de direitos construída por “grandes magistrados e grandes estadistas e não por
entusiastas ardorosos e inexperientes”.75 Em 1831, o então arcebispo da Bahia, d. Romualdo
Antônio de Seixas, advertia sobre os “limites da bem entendida liberdade” e as “consequências
de máximas abstratas, absolutas, e mal compreendidas pela multidão”.76 Para justificar sua
posição, o clérigo citava “o eloquente Burke, que pintou com tanta energia os furores da
mencionada Revolução, onde ele não descobria senão o dogmatismo mais presunçoso a par da
mais grosseira barbaridade.”77
Em suas Reflexões, em consonância com a perspectiva de oposição às bruscas e
iconoclastas rupturas revolucionárias, Burke analisou o lugar da religião na dinâmica da
sociedade e destacou “que o homem é por sua constituição um animal religioso; que o ateísmo
é contra, não apenas nossa razão, mas também contra nossos instintos”.78 Para o irlandês de
origem protestante, todas as instituições morais, civis e políticas auxiliariam “os laços naturais
e racionais que conectam as afeições e compreensões humanas ao divino” e seriam necessárias
para fortalecer “aquela maravilhosa estrutura, o Homem”.79 A religião cristã estaria na base da
“consagração do Estado por um estabelecimento religioso oficial” e contribuiria para
desenvolver uma “salutar reverência sobre os cidadãos livres”.80 Burke defendia a importância
do culto público, de uma pedagogia moral e política engendrada pela religião cristã oficial e da
independência econômica da Igreja através da administração autônoma propriedades
eclesiásticas.81 Por fim, em que pese a centralidade atribuída à religião cristã, concebeu a
tolerância com relação a outros cultos.82 Dentre os pensadores que retomaram e desenvolveram
algumas das ideias de Edmund Burke, estariam Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de
Bonald (1754-1840), “os teocratas” nos dizeres de Jacques Godechot.83

74
Burke defendeu ainda uma postura de diálogo e comedimento com relação aos colonos da América do Norte,
incluindo-os no rol de prerrogativas constitucionais garantidas pela lei britânica. Ver: VINCENT, Andrew. Op.
cit., p. 70.
75
BURKE, Edmund. Op. cit., p. 23.
76
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Discurso: recitado no ato de tomar Posse do Cargo de Provedor da Casa Pia
dos Órfãos da Cidade da Bahia, no ano de 1831. In: SEIXAS, Romualdo Antônio de. Coleção das obras do
excelentíssimo e reverendíssimo Dom Romualdo Antônio de Seixas... (Vol. II). Pernambuco: Tipografia de Santos
& Companhia, 1839-1858, pp. 89.
77
Ibidem, p. 95.
78
BURKE, Edmund. Op. cit., p. 126. (Tradução nossa).
79
Ibidem, pp. 128-129. (Tradução nossa).
80
Ibidem, p. 129. (Tradução nossa).
81
Ibidem, (Vol. I e II), pp. 128-168 e 1-50.
82
Ibidem, p. 17.
83
GODECHOT, Jacques. Op. cit., pp. 98-117..
123

Louis de Bonald, de um berço nobre do Languedoc, estudou com os Oratorianos de


Juilly e fez parte do corpo de mosqueteiros, sendo posteriormente nomeado prefeito de Millau.
Membro da assembleia departamental de Rodez, Bonald mostrou-se inicialmente simpático à
Revolução Francesa e mudou de opinião após a aprovação da Constituição Civil do Clero em
1791. Após emigrar para a Alemanha, travou contato com a obra de Leibniz (1646-1716) e
escreveu, em 1796, a Teoria do poder político e religioso na sociedade civil, demonstrada pela
razão e pela história. Em sua Teoria, defendeu a monarquia absoluta e hereditária, na qual o
rei e os seus conselheiros acumulariam as prerrogativas dos poderes, além de conceber corpos
de justiça intermediários e comunidades camponesas governadas pelos notáveis.84 No que dizia
respeito à religião, afirmou a supremacia do poder teológico sobre o político e mostrou-se hostil
ao protestantismo.85 Considerava a Reforma Protestante um momento de gênese da Revolução
Francesa, incensando um espírito de guerra religiosa próprio ao movimento
contrarrevolucionário espanhol, cujo lema fundamental seria “a religião, a pátria, o rei”.86
Joseph de Maistre nasceu em Chambéry na região de Saboia, seu pai era um enobrecido
da Sardenha e sua mãe uma católica fervorosa. Estudou direito em Turim e fez carreira
administrativa, perfilando-se à ala mais conservadora da maçonaria, que se mostraria hostil à
Revolução Francesa. Após 1791, de Maistre abandonou seus ímpetos parlamentares
influenciados por Montesquieu e passou a defender a supremacia dos monarquistas sobre a
Assembleia. Em 1797, publicou sua obra principal, Considerações sobre a França, na qual
alegou a decadência moral europeia às vésperas da Revolução Francesa. A ruptura de 1789
seria uma consequência do estado de inversão dos valores em que se encontrava uma sociedade
tomada pelas ilusórias abstrações da filosofia racionalista e liberal. Um novo governo e uma
nova sociedade deveriam surgir das ruínas do Antigo Regime, porém sem fazer tábula rasa da
herança histórica monárquica, católica e aristocrática. Maistre propunha um sistema teocrático
no qual a razão nada mais seria que a crença, e a constituição assentar-se-ia em sólidos
costumes.87
Entre 1802 e 1819, Joseph de Maistre foi representante do rei da Sardenha na Rússia
czarista e nesse período redigiu Do Papa, livro “dirigido contra o galicanismo” e que fez de seu

84
No início de sua carreira administrativa, Bonald chegou a propor uma estrutura federativa de governo. Em 1810,
aceitou a convocação de Napoleão Bonaparte, que o nomeou para o Conselho Universitário. Em 1814, já sob Luís
XVIII (1814-1815/1815-1830), passou a trabalhar no Conselho Superior de Administração Pública. Após as
jornadas de 1830 e a ascensão de Luís Felipe, demitiu-se do governo, passou a produzir menos e faleceu em 1840.
Ver: GODECHOT, Jacques. Op. cit., pp. 106-112.
85
GODECHOT, Jacques. Op. cit. , pp. 107-108.
86
ROURA, Lluis. Op. cit., p. 3.
87
GODECHOT, Jacques. Op. cit. , pp. 95-106.
124

autor “um dos campeões do ultramontanismo, que, ao longo do século XIX ganhará pouco a
pouco toda a Igreja da França.”88 Na referida obra, de Maistre mostrou-se preocupado com
relação à Constituição que, para seu desapontamento, foi promulgada em 1814 sob o primeiro
reinado de Luís XVIII (1814-1815). Assim, de Maistre representou uma proposta de mudança
regeneradora contras pretensões constitucionais de alguns nomes do juste-milieu liberal e
doutrinário, nomeadamente, Chateaubriand, Constant e Guizot.89 Ao repudiar tanto o
constitucionalismo liberal quanto o galicanismo, que ganhara força com Luís XIV a partir do
século XVII, o advogado de Saboia insistia na centralidade do poder papal para a condução da
vida intelectual, moral e, no limite, política da sociedade.90 Para tanto, evocava a história dos
concílios e as desavenças entre Roma e as regiões do Oriente sob sua influência durante os
estertores da Antiguidade clássica:

Por volta da metade do século quinto, São Leão disse ao Concílio de Calcedônia,91
lembrando-se de sua carta a Flaviano: não se trata mais de discutir audaciosamente,
mas de crer, minha carta a Flaviano, de boa memória, decidiu plenamente e muito
claramente tudo o que existe em matéria de fé sobre o mistério da encarnação.
E Dióscoro, patriarca de Alexandria, tendo sido precedentemente condenado pela Santa
Sé, os núncios não permitiram que tomasse assento entre os bispos, em atenção à decisão

88
GODECHOT, Jacques. Op. cit., p. 106. (Tradução nossa).
89
Porta-vozes do liberalismo constitucional forjado durante a Restauração subsequente à queda de Napoleão,
Constant e Chateaubriand cultivaram o “apego a liberdade”, mas também divergiram, na medida em que o primeiro
mostrava-se mais infenso aos valores aristocráticos restaurados e o segundo cultivava um típico espírito cortesão.
Quando da volta do general Bonaparte para seus últimos cem dias em 1815, o protestante Benjamim Constant
prestou fidelidade ao imperador e o católico convicto René de Chateaubriand reuniu-se a Luís XVIII no exílio.
Guizot, também de origem protestante, empreendeu o esboço institucional e a legitimidade político-filosófica de
uma monarquia moderna e infensa às heranças da aristocracia típica do Antigo Regime. WINOCK, Michel. OP.
cit., pp. 23-61.
90
Cyril Lynch classificou Louis de Bonald como “ultramonárquico reacionário”, em contraposição a
Chateaubriand, que seria um “ultramonárquico de movimento”. Michel Winock, por sua vez, utiliza o termo “ultra
liberal” para se referir a Chateubriand, salientando sua oposição a de Maistre e de Bonald. Ver: CYRIL LYNCH,
Christian Edward. O pensamento conservador ibero-americano na era das Independências. Lua Nova, São Paulo,
74: 59-92, 2008, p. 63; WINOCK, Michel. OP. cit., pp. 62-66.
91
Em 451, quando foi convocado o concílio de Calcedônia, a questão cristológica esteve no centro dos debates
teológicos que se desenvolveram na porção oriental dos domínios pontifícios romanos. As escolas teológicas de
Alexandria e Antioquia opunham-se, a partir de perspectivas distintas quanto à natureza de Jesus Cristo. A
primeira, propagava o monofisismo, para o qual teria Cristo apenas uma natureza divina revelada após a passagem
retratada na mitologia da Encarnação, o corpo físico humano encarnado no verbo sempiterno. A segunda,
propagava o diofisismo nestoriano, que concebia certa dualidade da natureza cristológica sob o ponto de vista da
coexistência entre a forma humana e a forma divina. Na ocasião do Concílio de Calcedônia, foi de fundamental
importância a epístola teológica escrita em 448 por Leão I (440-461), Tomus ad Flavianum. No documento,
endereçado a Flaviano (morto em 449), bispo de Constantinopla, o pontífice reafirmou a autoridade teológica de
Roma e procurou amenizar as dissidências entre as escolas teológicas do Oriente, na medida em que empreendeu
uma síntese cristológica calcada no equilíbrio entre monofisismo e diofisismo. Ver: FRAZÃO JUNIOR,
Valtemario Silva. Abordagem Contemporânea da Cristologia do Concílio de Calcedônia. Tese (doutorado)–
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Teologia, 2015, pp. 47-74.
125

do concílio, declarando aos comissários do imperador que se Dióscoro não deixasse a


assembleia, retirar-se-iam eles mesmos.92

O Sumo Pontífice era o bispo dos bispos e sua autoridade em matéria de fé não deveria
ser contestada. De uma só vez, Joseph de Maistre atacaria o galicanismo, consolidado no ápice
do Antigo Regime francês, e também os intentos de secularização e dessacralização política,
herança revolucionária e ilustrada materializada na Constituição de 1814. Assim, esboçava-se
certa tendência ultramontana, em diálogo com as matrizes intelectuais do conservadorismo e
na base da legitimação da luta contrarrevolucionária. Para de Maistre, os concílios formados
sob o ponto de vista do episcopalismo, em sua pretensão de superioridade com relação à
autoridade papal, resultariam em uma “assembleia irracional”. 93
Do mesmo modo que o
conciliarismo episcopalista do Concílio de Constança (1414-1418) não poderia surtir efeito, as
assembleias de cunho político também não teriam, pois “foi irracional depois, o longo
parlamento da Inglaterra, e a assembleia constituinte, e a assembleia legislativa, e a assembleia
nacional, e as quinhentas, e as duzentas, como todas as assembleias imagináveis, numerosas e
não presididas.”94 O poder do papa seria, portanto, de natureza infalível, incorrigível, e o chefe
de Roma guardaria a função de “árbitro do poder temporal”.95
Entre a publicação das Reflexões (1791), de Edmund Burke e da obra Do papa (1819),
de Joseph de Maistre, o panorama intelectual do ocidente euroamericano seria marcado por uma
organização contrarrevolucionária que mostrou diferentes intensidades. Joseph de Maistre e
Louis de Bonald compunham o núcleo fundamental da ortodoxia romana, no limite
ultramontana, recorrente entre os partidários de um absolutismo mais centralizador, hostil a
alguns princípios ilustrados e liberais. Burke, por sua vez, também era apreciado e usado pelos
círculos comprometidos com um liberalismo constitucional de caráter mais secular. Em suma,
o protagonismo desses autores foi inconteste e teve significativa importância no seio da
contrarrevolução. Para além da França revolucionária e da insular Grã-Bretanha, outras vozes
fariam coro aos inimigos da Revolução. O ambiente intelectual iberoamericano, por vezes
refratário aos princípios da Ilustração, foi propício a um peculiar desenvolvimento de
tendências político-filosóficas que contribuíram para a organização da luta

92
MAISTRE, Joseph de. Du pape. Paris: Charpenter, Libreire-Éditeur, 1841, pp. 37-38. (Grifos do autor e tradução
nossa).
93
Ibidem, p. 78. (Grifos do autor e tradução nossa).
94
Ibidem, p. 78. (Grifos do autor e tradução nossa).
95
RODCRIGUES, Cândido Moreira. Op. cit., 359.
126

contrarrevolucionária e para dar cores de legitimidade aos movimentos absolutistas reunidos,


nas primeiras décadas do século XIX, sob os signos do carlismo e do miguelismo.96
Na Espanha, mesmo a obra de Edmund Burke circulava na informalidade.97 Durante os
primeiros anos do reinado de Carlos IV (1788-1808), o ministro José Moñino y Redondo, conde
de Floridablanca (1728-1808),98 “estabeleceu um ‘cordão’ sanitário com intuito de evitar a
penetração e circulação de toda a sorte de novidades provenientes da França ou relativas à
Revolução.”99 A partir de 1791, consolidaram-se “dois pilares de atitude contra a Revolução
francesa na Espanha: face às novas ideias, a censura; e face aos novos ares que sopravam da
Europa, a apologética.”100 A censura das ideias consideradas subversivas deu-se, sobretudo,
através do recurso aos foros da Inquisição. A apologética, por sua vez, abrigava a construção
de um sistema teológico, filosófico e político cuja meta era dar legitimidade à consubstanciação
entre o absolutismo e o catolicismo, além de combater o racionalismo secularista da
Ilustração.101 Dentre os principais autores da apologética na Espanha, estaria o monge jerônimo

96
CANAL, Jordi. La longue survivance du Carlisme en Espagne: proposition pour une interprétation. In: In:
MARTIN, Jean-Clément (dir.). La Contre-Révolution en Europe... Op. Cit., pp. 1-6. (généré le 19 novembre 2017).
Disponible sur Internet: http://books.openedition.org/pur/16574; LOUSADA, Maria Alexandre & FERREIRA,
Maria de Fátima Sá e Melo. Op. cit., pp. 30-66; TENGARRINHA, José. Paysannerie et Contre-Révolution au
Portugal. In: MARTIN, Jean-Clément (dir.). La Contre-Révolution en Europe... Op. Cit., pp. 1-6. (généré le 19
novembre 2017). Disponible sur Internet: http://books.openedition.org/pur/16574
97
Em Thoughts on French Affairs (1791) Burke criticou a debilidade da Espanha, atribuindo-a em grande parte às
omissões da dinastia Bourbon e do Ministério Floridaclanca. Sobre o clero, Burke afirmou ser a única “ordem
independente” e a Inquisição “a única e infeliz fonte de utilidade pública”. Ver: BURKE, Edmund. Thoughts on
French Affairs. In BURKE, Edmund. Three Memorials on French Affairs. London: F. and C. Rivington, 1797, p.
32; SCHUMACHER, Lioba Simon. Burke’s Political and Aesthetic Ideas in Spain: A View from the Right. In:
FITZPATRICK, Martin & JONES, Peter. The Reception of Edmund Burke in Europe. London: Bloomsburry,
2017, pp. 229 e segs.
98
Nascido em Murcia, José Moñino y Redondo formou-se em leis e teve uma carreira de destaque na magistratura
e na diplomacia. No período do reformismo ilustrado de Carlos III (1759-1788), a ação de Moñino em Roma foi
fundamental para a dissolução das atividades dos inacianos nos territórios espanhóis. Entretanto, a timidez das
reformas de Carlos III e a força dos círculos absolutistas contribuíram para um ambiente favorável à
contrarrevolução, defendida com veemência pelo próprio Moñino nos seus anos finais à frente do cargo de primeiro
ministro (1777-1792). Ver: ROURA, Lluis. La Contre-Révolution en Espagne et la lutte contre la France, 1793-
1795 et 1808-1814. In: MARTIN, Jean-Clément (dir.)... Op. Cit., pp.1-2.
99
ROURA, Lluis. La Contre-Révolution en Espagne et la lutte contre la France, 1793-1795 et 1808-1814. In:
MARTIN, Jean-Clément (dir.)... Op. Cit., p. 2.
100
Ibidem, p. 2.
101
A apologética desenvolveu-se de maneira acentuada na Espanha ao longo do século XVIII e dialogou com a
apologética dogmática europeia, tendo na obra do jesuíta francês Claude Adrien Nonnotte (1711-1790) uma das
principais referências: ARBEOLA, Victor Manuel. Clericalismo y anticlericalismo en España (1767-1930): Una
introducción. Madrid: Encuentro, 2009, pp. 40 e 43; AZEVEDO, Carlos Moreira de (Org.). Dicionário de história
religiosa de Portugal (Vol. I). Op. cit., pp. 81-102; ROURA, Lluis. La Contre-Révolution en Espagne et la lutte
contre la France, 1793-1795 et 1808-1814. In: MARTIN, Jean-Clément (dir.)... Op. cit., pp. 2-3.
127

Fernando de Ceballos (1732-1802).102 Entre 1793 e 1795, a ofensiva da Espanha contra a França
ganhou contornos de uma guerra religiosa, arrefecendo após a campanha do Rossilhão.103
Em Portugal, as traduções de Burke, Bonald e Maistre foram tardias, o que não impediu
a produção e circulação de obras que se organizaram sob um forte viés antifrancês e
antinapoleônico.104 Ainda em 1793, sob licença da Real Mesa da Comissão Geral para a
Censura de Livros,105 o folheto A Revolução e estado atual da França inaugurava a difusão de
libelos antirrevolucionários “dirigindo seus ataques à Constituição, à França e à sua política, a
Napoleão e a seus generais.”106 Entre 1808 e 1811, as publicações hostis à herança
revolucionária, encarnada nas investidas de Bonaparte, tiveram um significativo aumento.107
Nesse contexto, um nome proeminente, que circulou nos domínios lusos e no mundo luso-
brasileiro, foi o do jesuíta francês Augustin Barruel (1741-1820), autor das Memórias para
servir à história do jacobinismo.108 Sua obra foi traduzida em 1809 por José Agostinho de

102
Ceballos nasceu em Cádiz, cursou direito civil e canônico na Universidade de Sevilha e tomou o hábito de São
Gerônimo no monastério de San Isidro. Era discípulo de Nonnotte. Durante os anos 1770, sua obra La falsa
filosofia o el ateísmo... desenvolvia “teorias tão restritivas acerca do poder civil, que se proibiu sua publicação
quando se chegava ao tomo VI”. Rechaçado pelo espírito regalista do reinado de Carlos III, Ceballos conseguiria
publicar o sétimo tomo de sua obra no ano de 1800, em Lisboa. Ainda assim, mesmo em um ambiente de
recrudescimento da luta contrarrevolucionária, seria perseguido pelo governo espanhol e morreria em 1802. Ver:
SCHUCH, Luis Vidart. Apuntes sobre la Historia de la Filosofía en la Península Ibérica. Madrid: Imprenta
Europea, 1886, p. 100.
103
Na campanha do Rossilhão, Portugal e Grã-Bretanha auxiliaram a Espanha contra a França. A decapitação de
Luís XVI (1774-1792) soou como uma afronta aos laços que uniam as famílias reais francesa e espanhola. Ao fim
do conflito, a Espanha firmou a Paz de Basileia com a França e, posteriormente, entraria em guerra com a Inglaterra
(1796-1802). Portugal, que havia auxiliado a Espanha em 1793, viu-se em uma situação delicada entre o
ressentimento francês e a pressão inglesa. Ver: SCHEDEL, Madalena Serrão Franco. Guerra na Europa e
interesses de Portugal: as colônias e o comércio ultramarino: a acção política e diplomática de D. João de Melo e
Castro, conde das Galveias, (1792-1814). 198 f. Dissertação (Mestrado). Universidade de Lisboa/ Faculdade de
Letras. Lisboa: 2010, 89-96.
104
VICENTE, Antônio Pedro. Textos contrarrevolucionarios durante las Invasiones Francesas (Eclosión
panfletaria em Portugal y España). In: SERRÃO, Joaquim Veríssimo & MENDOZA, Alfosno Bullón de. La
Contrarrevolución Legitimista (1688-1876). Madrid: Editorial Complutense, 1995, pp. 186-187.
105
Entre 1517 e 1768, a circulação de impressos em Portugal era submetida a uma censura tríplice, gestada no
bojo da Contrarreforma, empreendida por dois tribunais eclesiásticos e um civil, a saber, os Juízos Eclesiásticos,
a Inquisição e o Desembargo do Paço. A Real Mesa Censória foi criada em 1768, em uma dinâmica de
“secularização da censura” característica ao reformismo ilustrado de Pombal. Assim, prezava-se pela centralização
e autonomização de um Índex lusitano, regalista e antijesuítico, em detrimento da influência censora do pontificado
romano. Ao mesmo tempo, a posição da Real Mesa Censória quanto aos autores das Luzes era ambivalente,
repudiando as ideias mais radicais, ao mesmo tempo em que assimilava algumas das diretrizes do pensamento
ilustrado. Em 1787, sob o reinado de d. Maria I, a Real Mesa Censória passou a se chamar Real Mesa da Comissão
Geral para o exame e a censura dos livros. A influência pontifícia na atividade censória foi retomada e foi também
reconhecida a autoridade eclesiástica em matérias doutrinárias não contempladas pelas normas pombalinas. A
partir de 1794, a censura tríplice foi restabelecida, em consonância com um arrefecimento com dos imperativos de
secularização herdados da era pombalina. Ao mesmo tempo, o poder régio também fortalecera o exercício de seu
poder sobre o controle político e intelectual, demarcando distintas esferas de competência entre o os Juízos
Eclesiásticos, a claudicante Inquisição e o Desembargo do Paço. Ver: VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no
mundo luso-brasileiro... Op. cit., pp. 171-222.
106
VICENTE, Antônio Pedro. Op. cit., p. 176.
107
Ibidem, p. 177.
108
BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit., p. 48.
128

Macedo (1761-1831), um dos maiores nomes da contrarrevolução em Portugal.109 Barruel


pregava o combate à Revolução, que seria resultado das “conspirações” dos “Jacobinos”,
formados da “associação dos Filósofos, dos primeiros Pedreiros-Livres, e Iluminados”.110 No
Brasil, a obra do jesuíta já era lida em 1803 e, em 1823, ao analisar a sociedade maçônica em
Pernambuco, frei Caneca mencionava “o charlatão do abade Baruel [...] um visionário, sem
critério nem tino; pois confunde o maçonismo com o iluminismo.”111
A julgar pela produção e circulação dos panfletos embebidos no apelo à legitimidade da
aliança entre o trono e o altar, as vagas de certo absolutismo ilustrado e do constitucionalismo
gaditano não impediram a articulação contrarrevolucionária na Península Ibérica entre 1795 e
1814. Na esteira dos incentivos à circulação de impressos, muitas vezes alvos de condenações
das hostes inquisitoriais e censoras, “foi durante os períodos reformistas e ‘liberais’ que as obras
de conteúdo político reacionário conheceram sua mais larga difusão.”112 Após a queda de
Napoleão e de seu irmão José Bonaparte (1768-1844) na Espanha, ganhou terreno a cruzada
moral e universalista dos representantes do catolicismo dito ultramontano e dos partidários da
restauração monárquica. Ainda em 1814, sob os auspícios do Congresso de Viena, o papa Pio
VII (1800-1823) recebeu de volta os domínios territoriais pontifícios. Retornando a Roma, o
Sumo Pontífice restabeleceu a Companhia de Jesus e combateu as tendências de nacionalização
da religião em vários Estados nacionais.113 Com efeito, Pio VII, com o apoio de Fernando VII
(1808/1813-1833), empreendeu um movimento de retomada da liderança intelectual, moral e
política da Igreja.
Essa guinada legitimista, monárquica e católica, teve repercussões específicas na
América, sobretudo na de colonização ibérica e, entre 1814 e 1820, foi mais intensa na América
hispânica em vias de emancipação. Em 1814, foi restabelecida a Companhia de Jesus na Nova
Espanha, em grande parte pelo protagonismo de Pedro Jose Fonte (1777-1839), último
arcebispo espanhol à frente da arquidiocese do maior e mais próspero território espanhol na

109
José Agostinho de Macedo era natural de Beja, estudou entre os agostinianos no Convento de N. S. da Graça e
tornou-se frade, sendo expulso da Ordem dos Gracianos em 1792 e tornando-se presbítero secular por breve da
Cúria romana de 1794. Ver: BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit., p. 164; SILVA, Inocêncio Francisco da.
Memorias para a Vida Intima de José Agostinho de Macedo. Lisboa, Tipografia da Academia Real das Ciências,
1899, pp. 9-30.
110
BARRUEL, Augustin. Prefácio. In: MACEDO, José Agostinho de. O segredo revelado ou manifestação do
sistema dos pedreiros livres, e iluminados, e sua influencia na fatal Revolução Francesa : obra extraída das
memórias para a História do Jacobismo do Abbade Barruel, e publicada em português para confusão dos ímpios,
e cautela dos verdadeiros amigos da religião, e da pátria. (Parte I). Lisboa: Impressão Régia, 1810.
111
BARATA, Alexandre Mansur. Op. Cit., p. 65 ; CANECA, Frei. Cartas de Pítia a Damão. (v. X.) In: MELLO,
Evaldo Cabral de... Op. cit., p. 296.
112
ROURA, Lluis. La Contre-Révolution en Espagne et la lutte contre la France, 1793-1795 et 1808-1814. In:
MARTIN, Jean-Clément (dir.)... Op. cit., p. 4.
113
DREHER, Martin R. A Igreja Latino-Americana no Contexto Mundial. São Leopoldo: Sinodal, 1999, p. 152.
129

América.114 Em 1816, Fonte traria, em Pastoral, um comentário ao breve Etsi Longissimo de


autoria de Pio VII.115 Para o clérigo espanhol, a “funesta insurreição, a cujo término não temos
chegado todavia” resultou em “chagas” e feridas”, na medida em que foi “pisoteada a lei divina
com a insubordinação ao nosso legítimo Soberano”.116 Portanto, o embate entre os autonomistas
mais radicais, na senda das lutas lideradas por Hidalgo e Morelos, e as forças realistas de
Fernando VII, incensadas pela revogação das prerrogativas constitucionais gaditanas, não seria
apenas físico, mas também filosófico e, no limite, teológico:

Jesus Cristo disse uma coisa; os filósofos outra: aquele ordena a obediência passiva;
estes a resistência às autoridades estabelecidas: aquele somente examina, se Cesar a
estava exercendo e seus súditos a reconheciam, e eles depreciam esta circunstância, que
consideram inútil: a resposta de Jesus Cristo não autoriza violar a fidelidade prometida;
e a dos filósofos coloca entre as virtudes o faltar a ela. Quanta diferença!
Por fortuna a Igreja e seus ministros pouca dúvida tem deixado sobre as máximas que
lhes corresponde seguir; porque não sendo o sacerdócio obra daqueles [filósofos], estão
dispensado de adotar suas ideias e obrigados a contradizê-las, quando não se conformem
com a de seu Divino Autor. Daqui foi que os prelados e pastores da Nova Espanha
anunciaram à sua Grey que a religião ordenava a submissão e obediência ao nosso
legítimo e atual soberano o Senhor DOM FERNANDO VII, assim como a ela se opôs
o levantamento e a rebelião que contra sua autoridade e seus ministros se intentava: sua
doutrina neste ponto foi o que eu mencionei pregada por nosso Salvador, a que

114
Os jesuítas foram expulsos dos domínios espanhóis no ano de 1767, em virtude da política regalista de Carlos
III. Seu restabelecimento na América hispânica também atingiu o Peru e durou até os idos de 1820, quando houve
uma nova ofensiva secularizadora. Apenas nas décadas de 1840 e 1850 haveria novo esforço pelo retorno dos
inacianos aos territórios do México e do Peru. Ver: HAMNET, Brian R. Revolución y contrarrevolución en México
y el Perú: liberales, realistas y separatistas (1800-1824). México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1978,
pp.188-193.
115
Em 1816, o breve Etsi longissimo seria dirigido a todos os arcebispos, bispos e clero da “América católica
submetida ao Rei da Espanha”. Diante dos “gravíssimos e terríveis danos da rebelião”, estariam as “virtudes
singulares do Nosso egrégio e caríssimo Filho em Cristo, Fernando, Rei Católico da Espanha e Vosso para quem
nada é mais precioso que a Religião e a felicidade de seus súditos.” Assim, Pio VII recomendava ao clero hispano-
americano “maior compromisso com a obediência e fidelidade ao vosso Rei”. O breve Est longissimo encontraria
resistências entre o clero hispano-americano, sobretudo entre os seculares de tendência liberal e de atuação
majoritariamente paroquial. Esta ação intensa do “baixo” clero em torno das demandas liberais também encontrou
eco na alta hierarquia. No Peru, a maioria dos bispos fez oposição às encíclicas de Pio VII e apoiou a causa da
independência e da reestruturação das relações politicas, institucionais e diplomáticas com a Santa Sé. Controlar
a Igreja e obter seu apoio era fundamental para a consolidação dos novos governos, sendo que os atritos com a Sé
romana caracterizaram a sobrevivência do padroado nas repúblicas independentes da antiga América hispânica.
Por volta de 1820, quando do restabelecimento da carta liberal de Cádiz sob Fernando VII (1808/1813-1833), o
próprio governo espanhol esteve às voltas com tensões diplomáticas envolvendo a corte de Roma. Ver: PIO VII.
Est longissimo. 30/01/1816, p.1. Disponível em:
http://w2.vatican.va/content/gregorius-xvi/it/documents/encyclica-mirari-vos-15-augusti-1832.html. Acesso em
17/11/2017. (Tradução nossa); SAFFORD, Frank. Política, ideologia e sociedade na América Espanhola do pós-
Independência. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina... Op. cit., pp. 339-340; TERUEL,
Manuel. Obispos liberales... Op. Cit., pp. 80-88; VILLANUEVA, Carmen. Francisco Xavier de Luna Pizarro.
Lima: Editorial Brasa S. A., 1995, p. 24, 52-62.
116
FONTE, Pedro José de. Carta pastoral, que a continuación de otra del santísimo padre el Señor Pio Vii. dirige
á sus diocesanos el arzobispo de México. México: Impresa en la oficina de dr. Alexandro Valdés, 1816, p. 9.
Disponível em http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?id=0000076204&page=1. Consultado em 17/11/2017.
130

explicaram seus Apóstolos e a que constantemente tem ensinado e ensina nossa Santa
Madre Igreja.117

Ecoava no México, recém-independente sob o signo do sistema monárquico, um apelo


contrarrevolucionário em consonância com as diretrizes da Sé romana e de forte teor
absolutista. O Brasil não ficaria imune a essa ofensiva. Desde 1808, com a chegada da corte
bragantina, o Rio de Janeiro tornara-se o centro político, econômico e cultural do mundo luso-
brasileiro. A antiga colônia intensificava seu protagonismo no enquadramento geral de uma
“unidade civilizacional”118 herdeira dos valores da cristandade característica ao colonialismo
europeu da era Moderna. Nesse contexto, o núncio apostólico Lourenço Caleppi (1741-1817),
primeiro a se instalar no Brasil em 1808, foi uma figura proeminente no combate às
heterodoxias revolucionárias, sobretudo entre a hierarquia eclesiástica.119 Durante sua
nunciatura, entre 1808 e 1816, Caleppi se opôs às tendências regalistas da Igreja luso-brasileira,
pressionando a alta hierarquia do arcebispado baiano e também o próprio regente D. João para
que não ultrapassassem os limites da jurisdição competente ao Sumo Pontífice.120 Tal ação não
se deu sem contratempos e resistências por parte de um poder régio que controlava inclusive a
entrada de noviços nas ordens regulares.121 Por outro lado, a postura do representante pontifício
encontrou algum espaço, na medida em que firmou um posicionamento incisivo diante da
questão que envolvia a nomeação e a confirmação dos pretendentes às sés vacantes.
Apesar das tensões estabelecidas entre os poderes de Roma e do Rio de Janeiro, o
combate à herança da Revolução Francesa, encarnada no cesaropapismo napoleônico, era uma
agenda compartilhada por ambos e levada a cabo pelo papado de Pio VII através de seus
representantes e partidários. Foi diante desse quadro de incertezas e resistências com relação
aos ímpetos seculares da ilustração e do liberalismo, que Romualdo Antônio de Seixas escreveu

117
FONTE, Pedro José de. Carta pastoral, que a continuación de otra del santísimo padre... Op. cit., pp. 16-17.
118
NOVAIS, Fernando. Op. cit., p. 33.
119
LIMA, Maurílio César de. Metropolitanismo e Regalismo no Brasil durante da nunciatura de Lourenço Caleppi.
Revista de História, São Paulo, v. 4, n. 10, p. 387-416, 1952. Disponível em:
<http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/35090/37829>. Acesso em: 28 nov. 2017;
120
Caleppi chamou a atenção do então arcebispo da Bahia d. frei José de Santa Escolástica (1804-1814) sobre os
“perigos da repetição de um novo cisma de Utrecht ou da Igreja Constitucional Francesa no Novo Mundo.” Além
do mais, compôs um Memorial, no qual combatia o regalismo e a pretensa autonomia do arcebispo em assuntos
eclesiásticos, a ser entregue ao príncipe regente com a aquiescência do referido arcebispo primaz e apoio de D.
frei Cipriano de São José (1743-1817), bispo de Mariana. Caleppi combateu a nomeação do sucessor de Santa
Escolástica, D. Frei Francisco de São Dâmaso Abreu Vieira (1767-1816), sem as bulas de confirmação de Pio VII,
mas não foi atendido por d. João que alegava entender os motivos do núncio ao mesmo tempo em que nomeava
Abreu Vieira. Por fim, Abreu Vieira chegou a ser admoestado por Pio VII, além de ser alvo de um pedido de
retratação com relação às suas pastorais, de forte teor regalista, por parte da recém-criada Congregação dos
Assuntos Eclesiásticos. Ver: LIMA, Maurílio César de. Op. cit., pp. 398-401, 404, 406, 410 e 412.
121
ACCIOLY, Hildebrando. Op. cit., p. 80.
131

seu Diálogo entre um mestre e seu discípulo. No texto, Romualdo Seixas travaria uma batalha
com O Português, periódico editado em Londres, epicentro de um círculo de publicações
políticas, científicas e literárias luso-brasileiras, tendencialmente liberais, denominado por José
Tengarrinha “jornalismo da primeira emigração”.122
Em 1821, em análise sobre a Junta governativa do Pará, O Português, cujo redator era
o coimbrão João Bernardo da Rocha Loureiro (1778-1853), caracterizava Romualdo Antônio
de Seixas como um “mortal inimigo” e “Clérigo mui ruim e ignorante (à falta d’homens,
Provisor e Vigário Geral do Bispado)”.123 Sobre a peça escrita pelo sacerdote paraense,
afirmava ser um “folhetaço, aonde nos alcunhara de façanhoso jacobino, porque advogávamos
contra a inquisição, e a favor da liberdade de imprensa!”124 Romualdo e os demais membros
do governo interino seriam “Tiranos (...) de posse n’essa administração contra a manifesta
vontade do povo”. Os outros dois componentes da Junta governativa do Pará seriam “o Juiz de
Fora, Joaquim Pereira de Macedo, vil sevandija, que divertia com landum e modinhas o Conde
de Vila-Flor; e também o Coronel Vilaça, que deveria, por seus crimes vergonhosos (...) ter
sido (...) desterrado para Pedras d’Angoxa”.125 A contraposição entre uma tendência política de
cariz liberal-constitucional e outra, perfilada aos anseios do despotismo ilustrado joanino,
materializava-se em anátemas esgrimidos a nível transatlântico.
No Diálogo, o mestre prevenia o seu discípulo quanto ao presumido Português e à
“perniciosa doutrina desse homem, que nada tem de Português, senão a linguagem, e o título, e
que escapando dos Cárceres da Inquisição, tem exalado o seu ressentimento contra o legítimo
Governo”.126 As “produções luciferinas” e a “pena diabólica” d’O Português seriam
responsáveis pelo “eco desses miseráveis Filósofos, que pretendendo mudar todas as ideias
antigas de Governo, e de subordinação, converteram a França, e toda a Europa em um teatro de
carnagem, e de horror, que infelizmente ainda não está de todo acabado.” 127 Diante do trágico
legado revolucionário, urgia regenerar a França arrasada e combater o porta-voz de um pathos
sociopolítico, na medida em que o referido Rocha Loureiro significava a subversão da própria
identidade nacional portuguesa e, por conseguinte, luso-brasileira, uma espécie de corifeu do
caos e “talvez o primeiro Português, que se atreve a ensinar aos Portugueses debaixo do

122
TENGARRINHA, José. Nova História da Imprensa Portuguesa: das Origens a 1865. Lisboa: Temas e Debates
– Círculo de Leitores, 2013, pp. 185-217.
123
O Português ou Mercúrio Político, Comercial e Literário, Vol. XII. Londres: Impresso por L. Thompson, na
Oficina Portuguesa, 1821, p. 413-414.
124
Ibidem, p. 414.
125
O Português ou Mercúrio Político, Comercial e Literário... Op. cit., p. 414.
126
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., p. 11.
127
Ibidem, p. 12.
132

especioso véu de zelo pelo Soberano, e pela Pátria, os pestíferos Dogmas de Voltaire, de
Mirabeau, de Raynal, e de Condorcet, a fim de ver fundida a Monarquia.”128
Ao mesmo tempo em que atacava as referências ilustradas presentes nas páginas d’O
Português, Romualdo Seixas repudiava o modo através do qual a folha se referia a Fernando
VII e a Luís XVIII e a “todos os Soberanos legítimos, que protegem a Religião, defendem os
Direitos Majestáticos, e reprimem com a severidade das penas a desenfreada licença de
Escritores tão ímpios como o Redator do Português.”129 O “ódio” e o “estilo violento” destilado
contra o monarca espanhol seriam motivados pelo “restabelecimento da Inquisição”, pela
“abolição da liberdade da imprensa” e pela revogação de “outros pontos da famosa
Constituição, que apenas deixava ao Rei uma sombra de Autoridade, sujeitando-o inteiramente
ao poder do Povo.”130 Além de conferir destaque à ofensiva contrarrevolucionária
protagonizada por Fernando VII a partir de 1814, repudiava a “maneira pouco respeitosa, com
que ele [o redator d’O Português] se explica a respeito da Imortal Maria I”.131
Para o mestre que aconselhava seu discípulo nos Diálogos, os ataques contra d. Maria I
ocorriam “sem dúvida porque” a rainha “foi favorável à Religião, que ela sempre amou, e
defendeu.”132 Os valores do catolicismo romano pareciam estar entre os alvos preferidos d’O
Português, pois: “O maior ataque, que ele faz contra a Religião, que sabe muito bem ser o
fundamento de todo o bom Governo, é sem dúvida quando aconselha (...) a liberdade dos
cultos”.133 Especificamente sobre as mudanças de natureza secular ocorridas durante a
Revolução Francesa, questionava retoricamente: “Que mal pode vir ao Comércio, e Agricultura
da Santificação de alguns dias Santos? Que tem a felicidade do Estado com os Terços, e
Confrarias, que entretém a Devoção do Povo, e mantém pela decência o culto externo o
esplendor da Religião?”134 Nesse sentido, aventava a subserviência do poder civil ao poder
religioso em decorrência das investidas revolucionárias contra as tradições do catolicismo
romano: “E se este furioso Cínico tem tanto zelo, de que tudo se reduza à primitiva simplicidade
do Cristianismo, porque não aconselha também a obediência, e submissão aos Soberanos, que
foi a divisa dos primeiros Fiéis?”135

128
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., p. 12.
129
Ibidem, pp. 13-14.
130
Ibidem, p. 14.
131
Ibidem, p. 16.
132
Ibidem, p. 16.
133
Ibidem, p. 27
134
Ibidem, p. 32.
135
Ibidem, 32.
133

As análises dos Diálogos sobre os ataques ao contrato entre o trono e o altar


continuavam e atingiam Montesquieu. As Cartas Persas comporiam uma “obra detestável”,
uma espécie de gênese de um espírito anticatólico e antimonárquico, “a primeira época desse
dilúvio de Escritos que tem aparecido depois contra o Cristianismo e o Governo.”136 Em meio
a essas críticas ferinas, haveria espaço também para a defesa de uma perspectiva específica de
legitimidade do poder político-religioso. Haveria um “Direito Natural”, embora nunca tenha
existido “aquela igualdade perfeita, que tanto inculcam os novos Filósofos”. 137 Em algum
sentido, a justificativa da autoridade encarnada no monarca passava pelo juspositivismo de
matriz hobbesiana:

apenas começaram a formar-se as primeiras Sociedades, os Homens convencidos pela


própria experiência, que não podiam usar igualmente de todos os seus direitos naturais,
sem se exporem à cobiça, e invasão dos mais ambiciosos, e turbulentos, esclarecidos
pela mesma luz da Natureza, reconheceram a urgente necessidade de renunciar à sua
independência natural, e de ceder uma pequena porção do uso dos direitos de cada
indivíduo, ou família, para concentrarem na Pessoa de um Chefe uma força comum
gerada das forças conspirantes de todos os membros, e de uma vontade geral armada do
poder coactivo, no intuito de conservar, e manter ilesa a propriedade de cada um.138

A autoridade real, por sua vez, seria investida de um caráter divino, na medida em que
a “Voz de Deus nos convence, e persuade” acerca da “Suprema Autoridade absolutamente
necessária para o sossego, e conservação do Gênero Humano”.139 Entretanto, a referida
autoridade absoluta não estaria sujeita aos “caprichos, ou à vontade arbitrária dos Soberanos
como acontece nos Governos despóticos da Ásia.”140 Os monarcas do Ocidente euro-americano
estariam então submetidos a limites “que lhe prescrevem a razão, a equidade, a opinião pública,
o interesse pessoal, e sobretudo a Religião, que ameaça um juízo mais severo, e penas mais
acerbas àqueles, que governam os outros”.141 Ao mesmo tempo, os chefes de Estado deveriam
“respeitar as mesmas Leis do Reino, ainda que não estejam sujeitos ao poder coativo, ou às
penas, que elas impõem.”142 Assim, por mais que seu poder fosse de natureza irresponsável, os
reis deveriam também “seguir as Disposições do Direito Civil em todos os atos da sua
Administração, e submeter-se às Leis fundamentais do Reino, e às do Direito das Gentes.”143

136
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., p. 33.
137
Ibidem, p. 36.
138
Ibidem, pp. 36-37.
139
Ibidem, pp. 36-37.
140
Ibidem, p. 45.
141
Ibidem, p. 45.
142
Ibidem, p. 45.
143
Ibidem, p. 46.
134

Em consonância com as teorias desenvolvidas no Leviatã, Romualdo Seixas defendeu


em seus Diálogos o poder uno e indivisível, ao mesmo tempo em que concebeu esferas jurídicas
civis e políticas de caráter consuetudinário.144 Portanto, o tema do argumento não se limitaria
ao princípio positivo hobbesiano do contrato firmado com vistas à superação da barbárie
inerente ao estado de natureza. Foram ventilados ainda alguns princípios jusnaturalistas
modernos mais próximos a Locke e a Grotius ao abordar os temas da propriedade individual e
do direito das gentes. No limite, surgiria certa opinião pública no sentido de uma referência ao
exercício do poder real. Contudo, em contraste com as teorias contratualistas modernas, a
religião seria um dos fatores preponderantes para a consolidação de um ordenamento moral,
político e jurídico nas sociedades de caráter monárquico absoluto. À religião, caberia tanto uma
maior responsabilidade na limitação ao poder do soberano quanto uma fundamentação do
princípio de obediência que os súditos deveriam guardar, como um dever de “consciência”, a
“exemplo dos primeiros Cristãos que por espaço de trezentos anos suportaram a mais violenta
perseguição, servindo, e obedecendo sem murmurar, aos seus mesmos Tiranos, e
Perseguidores”145
Cumpre ressaltar que a abordagem do poder político-eclesiástico, desenvolvida nos
Diálogos, refutava um aspecto específico das teorias corporativas de poder desenvolvidas pela
Segunda Escolástica, citando-se especificamente Juan de Mariana (1536-1624).146 Para
Romualdo Seixas, o “famoso Mariana, Teólogo Espanhol no seu Tratado = De Rege, et Regis
instituitione = julga lícita, e até necessária a mote de um Tirano, que ele compara a uma Fera
embravecida”.147 Destarte, conectava-se a legitimação do regicídio da teoria de Juan de Mariana
às teorias coevas mais radicais, em termos de defesa da soberania do povo e da nação perante
os soberanos:

Alguns Modernos Publicistas coerentes com o princípio da nativa Soberania do Povo,


tem adotado o mesmo sentimento, quando o Príncipe, violando todas as regras, e
ameaçando a salvação do Povo, se põe em estado de guerra com ele, por quanto é a
Pessoa do Soberano, dizem eles, que a Nação declara inviolável, e não a de um Tirano,
que se degrada a si mesmo, despindo-se de todos os sentimentos de Humanidade. Mas
esta distinção, infelizmente seguida por Mr. de Vattel, não só tem as mais funestas
consequências, atribuindo à Nação o direito de julgar do fato, se um Príncipe é, ou não
um Tirano, juízo, que muitas vezes será errado, como aconteceu com os infelizes Carlos
I de Inglaterra, e Luiz XVI de França.148

144
BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Brasília: Editora UnB, 1988, pp. 107-115.
145
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., p. 50.
146
VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do livro no mundo luso-brasileiro... Op. cit., pp. 30-34.
147
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., pp. 51-52.
148
Ibidem, pp. 52-53.
135

De fato, o jurista e filósofo suíço Emer de Vattel (1714-1767), em sua obra O Direito
das Gentes, fundamental para a consolidação do Direito Internacional, concebeu o direito de
resistência, se bem que diferenciando as “injúrias suportáveis” das “injúrias manifestas e
atrozes”.149 Vattel utilizou o exemplo mítico da tolerância de Davi, com relação a Saul, para
justificar a injustiça deste e pregar a tolerância do patriarca judaico, mesmo exemplo utilizado
por Romualdo Seixas, que comentava “a moderação, e a conduta de Davi perseguido por
Saul”.150 O futuro arcebispo primaz negaria o direito de resistência aos povos e às nações,
afirmando a irresponsabilidade do poder emanado a partir da pessoa do monarca. Entretanto,
em uma perspectiva eclética, apropriando-se seletivamente das teses da Segunda Escolástica,
não deixou de qualificar circunscrições à autoridade real, sobretudo a partir do respeito à
religião. Para o sacerdote paraense, não haveria contradição em afirmar um poder político-
religioso absoluto e, ao mesmo tempo, limitado.
Os ataques ao periódico O Português foram além das análises históricas e provocações
teóricas contrarrevolucionárias, de inspiração conservadora, legitimistas e, em certo sentido,
ciosas do alcance dos poderes papais. Ainda recente, a Revolução Pernambucana povoava a
memória de seus espectadores. Sobre o caráter antimonárquico e acentuadamente republicano
do movimento de 1817, perguntava o discípulo a seu mestre: “E porque triste fatalidade
chegaram os Pernambucanos a esquecer-se destes princípios gravados nos corações de todos os
Portugueses”?151 Para o mestre, a subversão dos textos incendiários era um dos mais fortes
elementos que levaram aos eventos revolucionários: “Sem arriscar as minhas conjecturas, posso
afirmar, que os incendiários escritos do Redator contribuíram ainda mais do que a fome, e os
pretendidos vexames do Governo, para seduzir, e arrastar aqueles desgraçados Povos.”152 Em
um estilo deveras inquisidor, desejava os destinos do padre Roma, fuzilado a mando do
governador da Bahia, ao redator d’O Português: “Oxalá tivessem as suas pregações o mesmo
fim, que deu o Excelentíssimo Conde dos Arcos às do Padre, que os Insurgentes enviaram à
Bahia, para pregar a insurreição, e a revolta!”153
Tal qual Pernambuco, os territórios da América hispânica, em vias de emancipação,
inseriam-se na conjuntura de lutas pela independência contra os poderes metropolitanos

149
VATTEL, Emer de. O direito das gentes. Brasília: Editora Universidade de Brasília: Instituto de Pesquisa de
Relações Internacionais, 2004, pp. 42-45.
150
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., p. 53.
151
Ibidem, p. 54.
152
Ibidem, p. 56.
153
Ibidem, p. 56.
136

instituídos: “Que fruto tem tirado os Espanhóis da América da sua rebelião contra o legítimo
Governo? A guerra, a desolação das famílias, a miséria, e talvez maior opressão, do que essa,
que pretendem evitar com a independência da Metrópole.”154 Essas lutas seriam supostamente
inócuas em termos práticos e seu saldo final, apenas tragédias: “Que ganharam os
Pernambucanos rebeldes, revoltando-se contra o nosso Augusto Soberano? A infância, e a
desonra inseparáveis da traição, a perda dos bens, e da mesma vida.”155 Refutava não apenas os
radicalismos regicidas, mas o próprio imperativo constitucional e secular, que compunha o
cerne do movimentos constitucionais e liberais de caráter emancipacionista:

O motivo desses louvores [à constituição inglesa] é bem visível. Na Inglaterra não há


Inquisição, é livre a Imprensa, nada inquieta o Redator na fruição dos seus delírios, e
por conseguinte é o mais bem governado País de toda a Europa. Não pretendo com isso
deprimir os elogios, que outros muitos, e maiores Escritores tem feito à Constituição
Inglesa; mas só quero dizer, que ela não é tão segura, e tão perfeita, que possa servir de
freio à tirania, e que se é necessária, e acomodada ao gênio inquieto da Nação Inglesa,
não seria talvez própria para os Portugueses.156

A perspectiva político-jurídica de caráter tradicional e consuetudinário, exemplificada


na própria longevidade da lei monárquica britânica, sobrepunha-se à ideia de um
constitucionalismo abstrato, herdeiro da Ilustração, com forte apelo entre os radicais
republicanos e também entre os porta-vozes do juste-milieu liberal:

pois é certo, que as Constituições dos Governos, bem como as dos Corpos se
modificarão de infinitas maneiras, segundo o clima, o gênio, a Religião, e os costumes
de cada Povo. Seria fácil confirmar esta verdade pelo exame das facções, e guerras civis,
que o zelo da liberdade, e o fanatismo de diferentes Seitas excitaram, na Inglaterra até
a Época, em que a Nação, depondo o Rei Jaime II, fixou os seus Direitos, e prescreveu
mais estreitos limites à Autoridade Real, o que aconteceu no ano de 1689; e daqui era
natural concluir, que tendo os Portugueses vivido sempre felizes, e tranquilos debaixo
do Governo dos seus legítimos Soberanos, que os governam como Pais (pois o mesmo
Redator é obrigado a confessar, que a Casa de Bragança não tem dado nenhum Tirano)
devemos contentar-nos da nossa sorte, e não aspirar a uma perfeição ideal, e
quimérica.157

Ainda que fosse forte a defesa de uma lei assentada sobre pilares conservadores,
alegadamente práticos e tradicionais, em oposição aos abstracionismos jurídico-políticos
racionalistas, a apologia da censura aos impressos surgia a partir de um discurso apegado a
alguns traços absolutismo ilustrado. À “liberdade de imprensa”, haveria “justas restrições, que

154
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., p. 57
155
Ibidem, p. 57.
156
Ibidem, pp. 58-59.
157
Ibidem, pp. 58-60.
137

lhe tem imposto os Soberanos”, pois aquela “não tem outro fim mais que o de atacar a Religião,
e o Governo, como faz o nosso Redator, grande Apologista daquela liberdade, que ele chama
baluarte da liberdade das Nações.”158 As perseguições inquisitoriais do século XVII, a
exemplo do refúgio de Descartes e a pena capital infligida a Galileu Galilei (1564-1642), eram
atribuídas a uma preocupação excessiva por parte das autoridades político-religiosas,
“especialmente depois de S. Tomás de Aquino, que nada se podia saber mais do que Aristóteles
tinha ensinado, cuja autoridade era tão grande nas Escolas, que combater o Peripatetismo, era
atacar a mesma Igreja, e a Doutrina dos Padres”159 Outra vez, a tradição Escolástica tomista e
aristotélica era refutada pelo discípulo do padre Teodoro de Almeida, fazendo coro a um
absolutismo matizado pelas Luzes, pois “a escritura (...) foi dada por Deus para a edificação
dos costumes” e “não (...) devia conter a solução dos mesmos Problemas de Física, e de
Astronomia”.160
A evocada separação entre as esferas política e científica parecia chegar aos limites da
defesa do próprio regalismo galicano afirmado sob o reinado de Luís XIV, quando: “Repeliam-
se com vigor as pretensões da Cúria Romana, e nas mais iluminadas Assembleias do Clero se
fixavam os limites da Autoridade espiritual, e temporal, e as liberdades da Igreja Galicana.”161
Iluminado também seria o reinado josefino, “no qual a Imprensa não teve certamente liberdade,
que quer o Redator, para se provar, que o progresso das luzes não pode ser embaraçado pela
prévia Censura dos Livros, quando esta é dirigida por um Sábio discernimento, e por uma
Crítica judiciosa.”162 Nesse sentido, a censura da imprensa não implicava refutar certas luzes,
que atingiriam o próprio tribunal da Inquisição reformado por d. José I. Essa reforma da
Inquisição ocorrera a partir do “Alvará de 20 de Maio, e [d] a Carta de Lei de 12 de Junho de
1769”, dos quais resultou uma “Sábia Combinação” entre juízes eclesiásticos e seculares para
formar “um Supremo Tribunal ao mesmo tempo Eclesiástico, e Real”.163 Por fim, ironizava que
um “dos mais insignes Poetas Portugueses” delinquia propositalmente para ir aos cárceres
“matar a fome com a abundante ração, que se ministra aos Presos daquele Tribunal”.164
Em síntese, nos Diálogos, Romualdo Seixas atacou um “infame jacobino” e buscou os
fundamentos de seu argumento em uma perspectiva conservadora, sobretudo em termos
jurídico-políticos, declarando-se inimigo da Revolução Francesa, cujo espírito reencarnaria na

158
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., p. 67. (grifos)
159
Ibidem, pp. 68-69.
160
Ibidem, p. 69.
161
Ibidem, p. 70.
162
Ibidem, p. 71.
163
Ibidem, p. 76.
164
Ibidem, p. 79.
138

Revolução Pernambucana de 1817. Ao mesmo tempo, ainda que apropriando-se seletivamente


das teses sobre a limitação do poder real, afastava-se da tradição escolástica e afirmava
progressos científicos das luzes, o que não impedia a defesa da Inquisição e da censura guiadas
pelas Luzes reformistas josefinas. Em termos de uma aproximação com os ímpetos da ortodoxia
romana, atribuía um papel central à religião no plano da construção dos costumes, da vigília
das consciências e do controle das ações do próprio poder político. Se a matriz política
conservadora e a veia contrarrevolucionária eram evidentes, o peso do poder romano surgia nas
entrelinhas de um discurso carregado pela defesa do poder real absoluto, porém, não indiferente
aos progressos e reformas, por vezes, de cariz secular.
Com efeito, os valores defendidos por Romualdo Seixas, ao longo de sua vida,
mantiveram uma perspectiva conservadora e contrarrevolucionária, variando o apego às
políticas emanadas da Sé romana. Diante do liberalismo constitucional, da herança regalista de
inspiração galicana e dos imperativos seculares de nacionalização da religião, o clérigo
paraense parecia aderir a certo “legitimismo católico”, identificado por Cyril Linch na
Iberoamérica.165 Na porção sul do continente americano, os saudosistas das práticas censórias
e inquisitoriais tiveram de se acostumar “às condições políticas do novo continente, aceitando
o fato das independências, com a consequente adoção de monarquias constitucionais ou
repúblicas, mas tentando insuflar, o tanto quanto possível, o espírito do Antigo Regime nessas
novas instituições.”166
Romualdo Antônio de Seixas não estaria sozinho na sua cruzada política e religiosa.
Durante a década de 1820, frei José da Santíssima Trindade faria acerba oposição ao clero
liberal na província de Minas Gerais, ao mesmo tempo em que seria responsável pela reabertura
do Seminário de Mariana.167 O bispo, de origem portuguesa e perfilado aos caramurus,168 seria
alvo do periódico liberal O Universal, que também atacaria a congregação dos lazaristas,
estabelecidos no Caraça.169 Segundo Ítalo Santirocchi, o bispo Santíssima Trindade e os
referidos lazaristas estariam entre os “primeiros ultramontanos” do século XIX. 170 Assim,
esboçavam-se as múltiplas frentes de ação inspiradas nos valores teológicos, filosóficos e

165
CYRIL LYNCH, Christian Edward. Op. Cit., p. 66.
166
Ibidem, p. 66.
167
HORÁCIO, Heiberle Hirsgberg. Apontamentos sobre o embate entre os liberais mineiros e o bispo de Mariana
Frei José da Santíssima Trindade no Primeiro Reinado. Sacrilegens, Juiz de Fora,v.6, n.1,p.60-74,2009, pp. 61 e
65-69.
168
SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., p. 269.
169
Ibidem, p. 69.
170
SANTIROCCHI, Ítalo. Uma questão de revisão de conceitos: Romanização – Ultramontanismo – Reforma.
Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, vol. 2, no 2,
Agosto/Dezembro de 2010, pp. 25-26.
139

políticos emanados da Sé romana. Durante as primeiras décadas do século XIX, na voz de


Romualdo Seixas e Santíssima Trindade já ressoavam as posturas mais rígidas que a Santa Sé
tomaria progressivamente com relação aos territórios de maioria católica ao longo de todo o
oitocentos.
Em suma, insuflada pelos temores contrarrevolucionários e conservadores, uma inflexão
de natureza tridentina teve considerável peso no mundo euroamericano, particularmente na
Iberoamérica. No Brasil, os conflitos e diálogos com a Santa Sé foram protagonizados pela ação
da nunciatura que, desde os tempos de Império luso-brasileiro, buscou pressionar a arquidiocese
da Bahia e suas sufragâneas, além de empreender mediações no contexto geopolítico
continental.171 Se em tal postura existia um contraste com o ultramontanismo de 1870,
movimento que ratificou a infalibilidade papal, já se destacava a importância da ação episcopal
para a construção de uma coesão doutrinária, referenciada nos preceitos emanados do papado e
na tradição da cristandade ocidental.

3.3 Romanização e resistências ao regalismo liberal

Em 1818, na sequência dos furores da Revolução Pernambucana, Romualdo Seixas


encamparia uma oposição ao constitucionalismo.172 Em 1822, quando o futuro arcebispo
primaz era parte integrante da Junta Governativa do Grão-Pará repudiou a permanência do
então príncipe regente Pedro no Brasil, com adesão ao constitucionalismo restaurador das
Cortes de Lisboa.173 Nesse contexto de recrudescimento dos sentimentos nacionalistas no Brasil
e de organização do movimento liberal-constitucional em Portugal, os ânimos ficariam
exaltados e contribuiriam para flutuantes alinhamentos a determinadas matrizes intelectuais e
políticas. Mesmo o perfilhamento aos projetos que polarizavam coimbrãos e brasilienses não
ocorreria de maneira automática. As mudanças estruturais e as sazonalidades políticas
conjunturais atingiriam as próprias relações entre o Império luso-brasileiro e a Sé romana. A
nunciatura do Rio de Janeiro ficaria sem titular desde a morte do breve e omisso monsenhor
Marefoschi (1757-1820), sendo fechada a representação no Brasil após a volta da Corte

171
ACCIOLY, Hildebrando. Op. cit., pp. 249-258; SOUZA, Salmo Caetano de. A Mediação da Santa Sé na
Questão do Canal de Beagle: um conflito de soberania marítima entre Argentina e Chile. Barueri: Minha Editora,
2008; TONDA, Américo A. Rosas, Corrientes y la nunciatura del Brasil. Rosario: Facultad de Humanidades de
Rosario, 1972, pp. 5-7.
172
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Diálogo entre um mestre, e seu discípulo... Op. cit., pp. 58-60.
173
SANTOS, Israel Silva dos. Op. cit., pp. 66-75; SEIXAS, Romualdo Antônio de. Proclamação da famosa Velha
Amazonas... In: Op. cit., p. 677.
140

bragantina para Lisboa em 1821.174 Pelos idos de 1823, o internúncio sediado em Lisboa,
Guiseppe Cherubini, simpatizante da Vilafrancada (1823) e das movimentações absolutistas em
torno de d. Miguel I (1828-1834), escreveria a Roma ponderando sobre a estima dos brasileiros
com relação a d. Pedro I (1822-1831).175
Em julho de 1826, na sequência do reconhecimento da independência brasileira por
parte de Portugal e de Roma, Romualdo Seixas louvaria o imperador constitucional.176 No
mesmo ano, o então arcediago da sé paraense e deputado à primeira legislatura negaria a
infalibilidade papal. Ao mesmo tempo, defenderia a legitimidade da “Igreja Universal”,
endossando certo conciliarismo no tocante à consolidação dos dogmas, dos costumes e da
definição daquilo que não deveria ser insultado pelas liberdades da opinião.177 Aos bispos,
caberia um papel fundamental, inclusive nas práticas de censura e na definição das penas aos
escritos inconvenientes em matéria de religião: “os Bispos são por direito Divino Juízes natos
da Fé, e só a eles cumpre qualificar, e julgar a doutrina, ou seja em ponto de Dogma, ou de
costumes.”178
Na conjuntura em que Romualdo Seixas proferiu seu discurso, o Estado nacional há
pouco independente, ainda possuía um déficit organizacional em algumas de suas instituições
remanescentes da dinâmica político-institucional erigida sob o Império luso-brasileiro. Além
das dioceses vacantes, situação comum face às recorrentes discordâncias entre os poderes do
século e da Eclésia, a arquidiocese da Bahia encontrava-se sem um primaz. O último arcebispo
da sé arquiepiscopal fora o beneditino frei Vicente da Soledade e Castro (1763-1823), formado
em Coimbra, professor na mesma universidade, deputado pelo Minho às Cortes de Lisboa e o

174
ACCIOLY, Hildebrando. Op. cit., p. 193.
175
A Vilafrancada foi gestada a partir da oposição ao movimento liberal-constitucional das Cortes de Lisboa por
parte dos círculos áulicos de Carlota Joaquina (1775-1830), sediados na Quinta do Ramalhão e liderados pelo
infante Miguel, com base em revoltosos em Vila Franca. Esse movimento, que deu vida ao miguelismo, resistiu à
implementação dos dispositivos legais constitucionais das Cortes, contribuindo para a perseguição aos liberais
mais convictos, a exemplo de Borges Carneiro, e para o restabelecimento da censura aos impressos. Dentre os
principais entusiastas da Vilafrancada, estariam os membros do clero absolutista. A partir de então, as conspirações
contra d. João VI tornaram-se cada vez mais frequentes. Em 1824, os absolutistas, liderados pelo infante Miguel,
protagonizaram a Abrilada¸ com o intuito de reorganizar o governo monárquico e, no limite, depor o monarca.
Após a contenção do novo motim, d. Miguel partiria para o exílio em Viena, no qual viveria em certo ostracismo
político, rompido após a morte do pai em 1826 e a posterior luta pela sua afirmação à frente do trono português.
ACCIOLY, Hildebrando. Os movimentos miguelistas em 1823 e 1824. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Vol. 194, 1947, pp. 8-12; ACCIOLY, Hildebrando. Os primeiros núncios no Brasil... Op. cit., p. 196;
LOUSADA, Maria Alexandre & FERREIRA, Maria de Fátima Sá e Melo. Op. cit., pp. 39 e segs.
176
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Sermão recitado perante SS. MM. e AA. II. na missa solene que no dia 2 de
janeiro de 1826 fez celebrar em louvor de Nossa Senhora da Glória a respectiva irmandade, depois da cerimônia
da apresentação do sereníssimo príncipe imperial à mesma senhora. Rio de Janeiro: Imprensa imperial e nacional,
1826, pp. 5-6.
177
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Discursos parlamentares... Bahia: Tipografia de J. P. Franco Lima, 1836, pp.
18-19.
178
Ibidem, p. 22.
141

primeiro a presidir seus trabalhos legislativos.179 Ainda em 1826, Romualdo Antônio de Seixas
foi nomeado sucessor de frei Vicente da Soledade, sendo-lhe conferido um incontestável
protagonismo no processo de consolidação da ordem político-institucional típica do regime
monárquico católico e constitucional brasileiro.
João Dornas Filho, baseando-se em Eugenio Egas, atribuiu a nomeação de Romualdo
Seixas à proximidade do sacerdote com os círculos áulicos, nomeadamente, com a marquesa
de Santos (1797-1867) e seu pai, visconde de Castro (1740-1826), os quais Romualdo
conhecera por intermédio do amigo Albino Gomes Guerra.180 O então arcediago da diocese do
Pará contava ainda com estima e consideração de outras importantes figuras do Império, a
exemplo do visconde de Cairu, do cônego Januário da Cunha Barbosa e de Manoel Jacinto
Nogueira da Gama (1765-1847), o visconde de Baependi.181 Para além da consolidação de
significativos círculos de sociabilidade política e intelectual, o primeiro arcebispo primaz
brasileiro também havia galgado importantes postos na hierarquia eclesiástica e na
administração pública.182 Mesmo munido de uma proeminente atuação no âmbito dos poderes
religioso e secular, diante dos boatos que correram sobre sua nomeação, Romualdo Seixas
negou, em suas Memórias, “a mais atroz de todas as calúnias (...) que eu tinha obtido o
Arcebispado por grande soma paga (nunca se disse a quantia) oferecida à Marquesa de Santos,
a cuja alta influência se atribuíam os mais importantes despachos.”183
Ao que parece, a chegada do clérigo paraense ao mais alto posto eclesiástico brasileiro
deu-se a partir de uma arquitetura de poderes típica das monarquias ibéricas sob o regime do
Padroado e incorporada ao sistema constitucional de 1824, sendo prevista no artigo 102 da

179
Segundo Coelho Dias, frei Vicente da Soledade faria parte de círculos político-intelectuais consolidados entre
os beneditinos, comprometidos com a causa liberal-constitucional vintista e herdeiros da Ilustração. O prelado
português nunca esteve na sede metropolitana de Salvador e redigiu apenas uma pastoral, na qual defendia “a
instrução civil e religiosa, que progressivamente aumenta, e faz de um mundo incógnito, e bárbaro, um mundo
civilizado e polido.” Para o frei, a “Santa Religião Cristã (...) Católica, Apostólica, Romana” e o “Soberano, e sua
Augusta Dinastia” formariam “a genuína ideia de uma Constituição liberal de qualquer Nação Católica, sem
contravir ao Dogma e Moral desta Religião Divina”. Da adesão à constituição resultaria uma “saudável
Regeneração” do império luso-brasileiro. Ver: SOLEDADE, D. Frei Vicente da. Pastoral do arcebispo da Bahia
sobre a instrução cristã e constitucional dos seus diocesanos. Lisboa: Na Oficina de Antônio Rodrigues Galhardo,
1821, pp. 17,21-23 Disponível em:
https://archive.org/stream/pastoraldoarcebi00sole#page/20/mode/2up. Acesso em 04/12/2017; DIAS, Geraldo J.
A. Coelho. O liberalismo e os beneditinos portugueses. Atas do congresso internacional D. Pedro imperador do
Brasil, rei de Portugal. Porto: Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 1998,
p. 285-299.
180
DORNAS FILHO, João; AZEVEDO, Fernando de. Op. cit., p. 68. (Nota de rodapé).
181
Manoel Jacinto Nogueira da Gama nasceu em São João del-Rei e bacharelou-se em direito pela Universidade
de Coimbra. Fez carreira militar, foi deputado à Constituinte de 1823 e senador por Minas Gerais, além de ministro
da Fazenda. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. VI), pp. 103-105; SANTOS, Israel
Silva dos. Op. cit., pp. 51-66.
182
SANTOS, Israel Silva dos. Op. cit., pp. 51-66.
183
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês... Op. cit., p. 48.
142

Constituição do Império a nomeação dos bispos e arcebispos por parte do imperador. O papa
Leão XII (1823-1829) emitiu a bula de confirmação em 1827, aquiescendo diante da escolha
do imperador, ocasião na qual também transferiu os bispados do Pará e do Maranhão, até então
sufragâneos de Lisboa, para a jurisdição da sé metropolitana de Salvador. 184 Assim, em que
pesem as divagações sobre as práticas que levaram Romualdo Antônio de Seixas ao
arcebispado, sua sagração deu-se em um momento de definição das bases a partir das quais se
assentariam as relações diplomáticas e políticas entre Brasil e Roma, “analisadas dentro de
padrões muito próximos dos que se analisavam as relações com as demais nações europeias.”185
Uma das questões mais delicadas no tocante às relações entre o Brasil e a Santa Sé dizia
respeito à nunciatura, inexistente desde 1821. Em 1826, no rescaldo das tensões que permearam
os acordos pós-Independência entre Brasil e Portugal, a Santa Sé cogitou uma representação
diplomática comum entre Rio de Janeiro e Lisboa e, diante do inicial desinteresse brasileiro,
uma representação de segunda classe.186 Após as cogitações do Papa, o governo brasileiro
decidiu-se por exigir um núncio, temendo “uma diminuição no prestígio, inaceitável.” 187 A
decisão sobre a nunciatura viria em 1827, em um momento deveras tenso no que se referia às
tratativas entre Brasil e Roma, quando iniciavam-se as ofensivas regalistas de Feijó e seus
correligionários na Assembleia.188 Em 1829, Pedro Ostini foi nomeado o primeiro núncio
brasileiro, tendo se assustado com a situação do clero brasileiro, sobretudo por seu
“relaxamento de costumes”, elogiando no entanto o “egrégio” e “zeloso” bispo de Mariana e os
“bons princípios” de D. Romualdo.189
Em meio às rusgas políticas e diplomáticas envolvendo a Santa Sé e o Brasil durante a
primeira legislatura, Romualdo Antônio de Seixas defendeu as pretensões papais, sustentando
a tradicional concepção dos direitos do Padroado como concessão papal.190 Sua apologia às
prerrogativas romanas, na dinâmica social, moral, política e institucional do Império brasileiro,

184
SANTOS, Israel Silva dos. Op. cit., p. 62.
185
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira, Op. cit., p. 326.
186
ACCIOLY, Hildebrando. Os primeiros núncios no Brasil... Op. cit., pp. 213-215.
187
Ibidem, p. 214.
188
Ibidem, p. 216.
189
Segundo Accioly, antes de ser confirmado núncio apostólico, Pedro Ostini foi considerado “persona non grata
para o Imperador”. A indisposição ocorria na sequência da votação das Câmaras sobre a “supressão do Tribunal
da Nunciatura, em consequência do novo Sistema Constitucional estabelecido no Brasil.” De fato, houve a
supressão do Tribunal da Legacia, terceira instância no âmbito da jurisdição eclesiástica, precedido pela Câmara
Eclesiástica e pela Relação Eclesiástica do Arcebispado da Bahia. Após a proposta de supressão, defendida por
Feijó e José Bento, foi aprovada pela Câmara e pelo Senado, sendo o Tribunal extinto e as apelações tornadas sem
efeito em 1830. A Câmara dos Deputados recusou ainda ajuda financeira para a manutenção de Ostini, com qual
Feijó iria se indispor ao exigir a apresentação de credenciais da Sé romana. Ver: ACCIOLY, Hildebrando. Os
primeiros núncios no Brasil... Op. cit., pp. 217, 240-241 ; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira, Op. cit., pp. 337-
342.
190
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira, Op. cit., p. 333.
143

não se limitou à Assembleia. Durante o período em que esteve à frente do arcebispado da Bahia,
d. Romualdo Antônio de Seixas seria o porta-voz da oposição às reformas de inspiração
regalista e aos imperativos seculares que fundamentavam certas perspectivas liberal-
constitucionalistas. Em sua primeira Carta Pastoral, no ano de 1828, em que saudava seus
diocesanos, o arcebispo exigia o “zelo” e o “exemplo” dos párocos, para fazer “frutificar, e
crescer a semente que o homem inimigo trabalha por sufocar com a cizânia, alterando o
incorruptível Depósito da Doutrina com as profanas novidades de palavras vestidas do falso
nome da ciência, que a muitos tem feito decair a Fé.”191 Ao defender a importância da doutrina
e da unidade católica romana, repudiava o “intolerável pirronismo” e a “infinidade de Seitas
separando-se do centro da unidade”.192
No documento, Romualdo Seixas ainda faria a defesa do imperador, atribuindo-lhe o
rompimento com as “trevas do sistema colonial” e a posição do Brasil “a par dos Povos mais
adiantados em civilização”.193 Assim, teriam sido promovidos “tantos e tão inapreciáveis
benefícios (...) devidos ao Gênio vasto, e Liberal de um Príncipe suscitado por Deus nos
favoráveis momentos da sua Misericórdia para salvar o Brasil, e manter o esplendor da Religião
Católica Apostólica Romana”.194 Apesar de reconhecer certa veia ilustrada na ação do monarca,
o clérigo paraense chamava a atenção para os principais pontos que desenvolveu ao longo de
sua defesa da religião, da monarquia e de seus embates com as matrizes intelectuais de
inspiração secular. Para atacar os abusos da Revolução Francesa com relação ao contrato entre
o trono e o altar, Romualdo Seixas citava Portalis,195 afirmando:

quando mesmo o delírio revolucionário chegou a colocar a abominação da desolação no


lugar santo, erigindo em Divindade a Razão humana, não se dedignou o Filosofismo de
queimar incenso, cantar hinos, e dedicar templos em honra dessa quimérica
divindade.196

191
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral I: saudando seus diocesanos. Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit.,
p. 5.
192
Ibidem, pp. 10 e 16.
193
Ibidem, p. 28.
194
Ibidem, p. 28.
195
Jean-Étienne-Marie Portalis (1746-1807) nasceu em Bausset. Estudou entre os oratorianos e formou-se em
direito na universidade de Aix-Marseille. Ainda durantes seus primeiros estudos, publicou críticas ao pensamento
de Rousseau em Observações sobre uma obra intitulada Emílio. Portalis foi um dos protagonistas do processo que
levou à permissão do casamento entre protestantes na França. Preso durante o Terror de 1793, o jurista exilou-se
na Suíça após as perseguições do Diretório ao Conselho do qual fazia parte, a saber, Conseil des Cinq-Cents. Com
a chegada de Napoleão ao poder, voltaria à França e seria incumbido pelo general Bonaparte da redação do Código
Civil de 1804. Ver: PORTALIS. J. - E. - M. De l'Usage et de l'abus de l'esprit philosophique durant le XVIIIe
siècle, par J.-E.-M. Portalis,... précédé d'un essai sur l'origine, l'histoire et les progrès de la littérature française
et de la philosophie, par M. le Cte Portalispp. Paris: Moutardier, 1827, 2-37. Disponível em:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6546761g/f17.image. Acesso em 06/12/2017.
196
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral I: Saudando seus diocesanos. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op.
cit., p. 31.
144

A obra citada, Dos usos e abusos do espírito Filosófico durante o século XVIII, fora
redigida em 1807. D. Romualdo utilizaria a própria noção de “abusos” para se referir aos
preceitos combatidos pelo “filosofismo” e pelos “[i] novadores”:

Mas quais serão estes abusos, que tanto aguçam o zelo de uma crítica temerária? Ah!
Sabei amados Filhos, que são os atos, e os monumentos mais veneráveis da Disciplina
da Igreja, o jejum, a abstinência, os votos solenes, o celibato Eclesiástico, o Culto das
Imagens, e Relíquias aprovado pela Igreja, o respeito devido ao Primado do Pontífice
Romano, Pai comum de todos os Fiéis; e finalmente tantos outros objetos da religiosa
veneração de todos os Povos Católicos.197

Muitas vezes, os pontos elencados foram interpretados sob os dispositivos do Concílio


de Trento, a exemplo do texto da segunda Pastoral (1829), na qual eram citadas as “gravíssimas
penas” que a “última Assembleia Ecumênica” previa com relação aos “Párocos indolentes, que
por ligeiros pretextos, e mais solícitos das próprias comodidades, que dos interesses de Jesus
Cristo, abandonam os seus Rebanhos, tornando-se na frase de um profeta, meros ídolos, ou
simuladores de Pastores”.198 Além de citar o diminuto orçamento das igrejas, eram alvo de
repreensão as inadequadas vestimentas dos párocos e os “nomes gentílicos, fabulosos, ou
ridículos”.199 As disposições tridentinas eram reforçadas através do recurso às Constituições
primeiras do Arcebispado da Bahia, “Nossa Constituição Sinodal”, que proibia a aplicação de
“penitências pecuniárias” por parte dos confessores.200 À luz dos valores consolidados no bojo
da Contrarreforma do século XVI, também era tratada a questão das “dispensas de
impedimentos”, sendo o “Concílio de Trento (...) terminantíssimo a este respeito”.201 A questão
das dispensas matrimoniais estava diretamente relacionada aos debates sobre o limite entre as
competências dos poderes secular e espiritual, tendo dividido opiniões na Assembleia em 1832,

197
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral I: Saudando seus diocesanos. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op.
cit., pp. 32-33. (Grifos do autor).
198
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral II: Acerca da residência dos Párocos; abusos na celebração do
sacrifício da Missa, e administração dos Sacramentos; Missa Paroquial; dispensas dos impedimentos matrimoniais;
e exortando os Párocos a cumprirem o dever de explicar o Evangelho. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit.,
pp. 48-49.
199
Ibidem, pp. 51-60.
200
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral II... In: Op. cit., p. 63; VIDE, Sebastião Monteiro da. Constituições
primeiras do Arcebispado da Bahia feitas, e ordenadas pelo Ilustríssimo, e Reverendíssimo Senhor D. Sebastião
Monteiro da Vide: propostas, e aceitas em o Sínodo Diocesano, que o dito Senhor celebrou em 12 de junho do ano
de 1707. São Paulo: Na Tip. 2 de Dezembro de Antônio Louzada Antunes, 1853, p. 74.
201
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral II... In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. Cit., p. 64.
145

ano em que Romualdo Seixas redigiu uma representação afirmando que as dispensas “em regra
pertencem aos Juízes Eclesiásticos”.202
É interessante notar que Romualdo Seixas buscava referências nas tendências
ultramontanas da Contrarrevolução, nomeadamente em Louis de Bonald e Félicité de
Lamennais. Este último teria observado a “incoerência” de Mathieu-Mathurin Tabaraud (1744-
1832), teólogo de inspiração jansenista, quando caracterizava “entrepresas, e usurpações os
atos praticados pela Igreja sobre os impedimentos matrimoniais”.203 Cumpre notar que a
opinião sobre Lamennais, a exemplo de outras opiniões de d. Romualdo, mudaria após a
condenação do teólogo francês pela encíclica Mirari Vos de Gregório XVI. Em 1835, o
pontífice enviaria uma carta a d. Romualdo Seixas, cumprimentando-o pelo combate à
“execranda conjuração, que nesse País por muito tempo lavrou contra a lei do Sacro Celibato”
e exaltando seu “zelo verdadeiramente Pastoral, digno de ser imitado, que haveis manifestado
na defesa, e propugnação de um tão salutar ponto de disciplina.”204 A carta de Gregório XVI
parecia reforçar o combate ao projeto reformista do núcleo moderado. Em 1838, após a renúncia
de Feijó e a ascensão do governo regressista, o arcebispo recorreu a Joseph de Maistre para
refutar os “cismáticos”:

Vide o Projeto oferecido na Câmara dos Deputados, propondo a separação da Igreja


Romana, e a supremacia espiritual no Chefe de Estado; ou seja rompendo
insidiosamente os laços de Unidade, muito importante, Em prova desta asserção,
lembramos os bem conhecidos Projetos sobre a extinção do celibato clerical, sobre
impedimentos matrimoniais, Cabidos etc. etc., o Projeto de Constituição Eclesiástica
para o Bispado de S. Paulo, a Fala d’Abertura d’Assembleia em 1836, os Relatórios do
Ministério da Justiça nesse ano, e no seguinte, a correspondência diplomática com a
Santa Sé sobre a confirmação do Bispo Eleito do Rio de Janeiro, e finalmente o célebre
contrato de dois Irmãos Moraves, para virem catequisar os indígenas no Brasil: e como
se tudo isto ainda fosse pouco, apareceu o citado Novo Diário da Bahia, redigido, como
é notório, pelo membro mais influente d’Administração da pretendida Republica, e no
qual são atacadas com a maior imprudência as principais verdades da nossa Santa
Religião, e representado, como imoral e perigoso, o Dogma Católico da Confissão
auricular, cuja salutar instituição, fundada mesmo no instinto e necessidade do coração
humano, foi reconhecida e defendida pelos próprios Voltaire e Rousseau, e se pode ver
mui bem demonstrada na eloquente obra do Conde de Maistre, intitulada Do Papa.205

202
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Representação: Dirigida à Assembleia Geral Legislativa. Sobre um projeto de
lei, relativo aos impedimentos, e causas matrimoniais. In: Coleção das obras... (Tomo V). Op. Cit., p. 299.
203
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Representação: Dirigida à Assembleia Geral Legislativa. Sobre um projeto de
lei, relativo aos impedimentos, e causas matrimoniais. In: Coleção das obras... (Tomo V). Op. Cit., p. 293.
204
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Carta do papa. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit., p. 1.
205
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XXVI: Na qual, recolhendo-se à Capital da Província, depois
d’extinta a revolta, saúda, e felicita os seus Diocesanos. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit., p. 279-280.
146

Em tom de reprovação, aos fiéis e à hierarquia eclesiástica sob seus auspícios, o


arcebispo fazia uma síntese de propostas que, em parte por sua aguerrida oposição, já haviam
perdido grande parte do impulso inicial àquela altura. No mesmo ano de 1838, na Pastoral de
número XXXI, recorria aos “acentos das eloquentes vozes dos Bossuets e Fénelons”, tecendo
elogios ao “incomparável Bossuet, oráculo da Igreja Galicana, o terror dos Protestantes”.206
Nesse sentido, apropriava-se seletivamente do galicanismo francês, a partir dos porta-vozes do
“absolutismo integral” e do “conservadorismo histórico”, aos quais fez referência Jacques
Godechot.207 Condenava ainda “a infame cartilha do ateísmo, conhecida com o título da Carta
de Talleyrand”208 e o outrora elogiado Lamennais, ao citar “o perigosíssimo livrinho intitulado
– Palavras de um Crente! Nós não o podemos melhor qualificar, do que servindo-nos da mesma
tocante linguagem do Augusto Chefe da Igreja, na enérgica Encíclica, que contém a sua
condenação.”209
Ao longo de sua carreira eclesiástica, d. Romualdo Seixas desenvolveu diferentes
leituras atribuídas a referências políticas, jurídicas, filosóficas e teológicas, católicas e laicas.
Além de clássicas bases dogmáticas do catolicismo romano, caso de Agostinho de Hipona e
Tomás de Aquino, menções ao moralista Jean de La Bruyère (1645-1696) e até mesmo ao
assecla do jansenismo Blaise de Pascal.210 Apesar de um recorrente apelo francófilo, recorria

206
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XXXI: Acerca da residência dos Párocos... In: Coleção das obras...
(Tomo II). Op. cit., p. 4
207
GODECHOT, Jacques. Op. cit., pp 7-14 e 18-21.
208
Charles-Maurice de Talleyrand de Périgord (1754-1838) nasceu em uma família aristocrática do Antigo Regime
francês. Estudou teologia no seminário de Saint-Sulpice e na Universidade de Sorbonne, além de cursar direito em
Estrasburgo. Sua expulsão do seminário, por não cumprir o celibato, não o impediu de iniciar sua carreira
eclesiástica ainda sob Luís XVI. Talleyrand foi um proeminente partidário da Revolução e da Constituição Civil
do Clero, falhando nas negociações diplomáticas com a Inglaterra em 1792 e, na sequência, exilando-se nos EUA
durante o Terror jacobino. De volta à França, entre ascensões e quedas, ocupou por várias vezes o cargo de ministro
das Relações Exteriores, sendo também primeiro-ministro em 1815. De grande habilidade política, Talleyrand
inseriu-se nos círculos da sociabilidade liberal e doutrinária, protagonizando a Restauração a partir de 1815 e
apoiando a Monarquia de Julho em 1830. No ano de 1831, na Pastoral de número XI, Talleyrand surgia ao lado
das “doutas fábulas de um Dupuis, ou de um Volney”. Charles-François Dupuis (1742-1809) e Constantine-
François Chasseboeuf (1757-1820), conde de Volney, desenvolveram obras cuja perspectiva filosófico-teológica
caracterizou-se pelo panteísmo. O primeiro escreveu Origine de tous les cultes, ou religion universelle e o segundo
Les ruines, ambas citadas na Pastoral VIII de 1830. Sobre o livro de Volney, Romualdo afirmava que os “ímpios
Sistemas sobre a pretendida antiguidade do nosso Globo, e Culto alegórico de Jesus Cristo tem sido vitoriosamente
refutados por Bonald na Legislação Primitiva”. Ver: MICHAUD, L. G. Histoire politique et privée de Charles-
Maurice de Talleyrand... Paris : Au Bureau de la Biographie Universelle, 1853, pp. 1 e segs ; SEIXAS, Romualdo
Antônio de. Pastoral VIII: Sobre os Estudos do Clero, e estabelecimento das Conferências Eclesiásticas. In:
Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit., p. 117; SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XI: Sobre a educação
Cristã, oferecendo aos seus Diocesanos um Compêndio de Doutrina...In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. Cit.,
p. 147; SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XXXI: Acerca da residência dos Párocos... In: Coleção das
obras... (Tomo II). Op. cit., p. 18.
209
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XXXI: Acerca da residência dos Párocos... In: Coleção das obras...
(Tomo II). Op. cit., p. 18.
210
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral I: Saudando os seus Diocesanos depois de sagrado. In: Coleção das
obras... (Tomo I). Op. cit., p. 19.
147

também a autores de origem germânica, nomeadamente Leibniz (1646-1716), cuja obra fora
referência para de Bonald, e o “Canonista Van Espen, que de certo não é suspeito”.211 Para
fundamentar sua percepção sobre as “obrigações contraídas por ambos os Cônjuges”, afirmava
que “insignes Jurisconsultos, como (...) Durand de Maillanne, e outros, reconheceram, que elas
em regra pertencem aos Juízes Eclesiásticos”.212 Dentre os liberais doutrinários, as “Expressões
de Mr. Guizot na discussão da famosa Lei da Instrução primária”213 e as “considerações sobre
o gênio dos homens, dos tempos e das revoluções, por Chateaubriand”.214
Ao longo de sua produção, reveladora do teor de sua oratória, Romualdo Antônio Seixas
parecia buscar, não sem ambivalências, certo equilíbrio entre os poderes civil e eclesiástico.
Defendeu o Padroado, encarnado no governo de d. João VI e, após a Independência, na
liderança de d. Pedro I. D. Romualdo estava em contato com os autores e práticas do regalismo
de inspiração conciliarista, galicana e jansenista, o que não o impediu de destacar as
insuficiências do poder temporal no âmbito eclesiástico. Assim, se concebeu alguns dos
princípios do regalismo, repudiou os arroubos mais heterodoxos e radicais, além de reconhecer
a proeminência romana no monopólio dos sacramentos e no exercício das prerrogativas
eclesiásticas. A partir do papado de Gregório XVI (1831-1846) e com ascensão do clero
regalista e liberal, dentre os quais estiveram importantes artífices da hegemonia moderada, o
prelado buscou sedimentar seu posicionamento inspirado na ortodoxia romana e tridentina.

211
Ao tratar Van Espen (1646-1728) por insuspeito, Romualdo Seixas reforçava seu argumento sobre os
impedimentos ao matrimônio, alegando uma ortodoxia compartilhada pelo canonista de inspiração conciliarista,
jansenista e galicana. Ver: PRINTY, Michael. Enlightenment and the Creation of German Catholicism. New York:
Cambridge University Press, 2009, pp. 31-35; SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral II: Acerca da residência
dos Párocos; abusos na celebração do sacrifício da Missa... In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit., p. 51;
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Representação: Dirigida à Assembleia Geral Legislativa... In: Coleção das
obras... (Tomo I). Op. cit., p. 290.
212
Pierre-Toussant Durant de Maillanne (1729-1814), nascido em Saint-Rémy, deputado à Constituinte de 1789 e
membro da Convenção. Maillanne foi personagem central na conformação dos dispositivos sobre as prerrogativas
eclesiásticas no calor dos debates parlamentares durante a Revolução Francesa. Membro do Comitê Eclesiástico
da Assembleia Nacional, Maillanne foi relator e coautor da Constituição Civil do Clero e um dos autores do artigo
sobre o casamento civil. Escreveu, dentre outras obras, o Dictionnaire de droit canonique et de pratique
bénéficiale. Tal qual no caso de Van Espen, o arcebispo brasileiro buscava se apropria de um insuspeito para
fundamentar sua opinião. SEIXAS, Romualdo Antônio de. Representação: Dirigida à Assembleia Geral
Legislativa... In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit., p. 299; ROBERT, Adolphe; BOURLOTON, Edgar &
COUGNY, Gaston. Op. cit. (Cay-Fes), pp. 521-522. Disponível em: https://archive.org/stream/bub_gb_D84-
AAAAYAAJ_2/bub_gb_D84-AAAAYAAJ#page/n5/mode/2up. Acesso em 16/04/2018.
213
Precedia-se a seguinte pergunta: “O que profundamente pensava um ilustre Ministro da França, quando emitia
ardentes votos, para que a atmosfera das Escolas, e Casas de educação fosse toda moral e religiosa?” E a resposta
em seguida: “Ele bem sabia, que oferece o Cristianismo, não presidir ao desenvolvimento intelectual, e à formação
dos primeiros hábitos da infância, será difícil, senão impossível, imprimir-lhe o amor da virtude, e preservá-la dos
escolhos da sedução e do vício.” Ver: SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XVIII: Despedindo-se dos seus
Diocesanos, para ir tomar assento na Câmara dos Deputados, e persuadindo-lhes o respeito, e obediência às
Autoridades. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit., pp. 219-220. (Grifos do autor).
214
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XXVI: Na qual, recolhendo-se à Capital da Província, depois
d’extinta a revolta, saúda, e felicita os seus Diocesanos. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit., p. 282.
148

Herdeiro da pedagogia inaciana, o arcebispo travou contato com os círculos estrangeirados e


com os autores do liberalismo doutrinário, apropriando-se seletivamente de suas influências.
Ao longo de sua vida, o prelado equilibrou-se entre a fidelidade à monarquia brasileira e a
obediência à Cúria romana.
149

CAPÍTULO 4
OS REGALISTAS LIBERAIS E A MODERAÇÃO

Nas primeiras duas décadas de Estado nacional independente no Brasil, houve


significativo aumento da palavra impressa. Os periódicos, já presentes no eixo Rio-Bahia desde
a chegada da Corte, consolidaram-se no papel de grandes difusores das múltiplas matrizes
intelectuais, em uma sociedade majoritariamente iletrada e formada sob o signo da cultura oral.
Os valores e práticas herdados do Antigo Regime conviviam com os ideais do
constitucionalismo de inspiração liberal e ilustrada: “de um lado a intervenção do Estado, numa
perspectiva herdada do Absolutismo, procurando dar direção e fixar limites à atividade
intelectual e, de outro, a liberdade de circulação de ideias e mercadorias, de acordo com o
liberalismo econômico e político.”1 A marca das sociabilidades políticas e religiosas também
evidenciou-se, ocorrendo em espaços distintos. Nas livrarias, nas associações de natureza
variada e mesmo nas conspirações que levaram a motins e revoltas, os segmentos mais
abastados, os estratos médios e a base da pirâmide social compunham o difuso mosaico sócio-
político, econômico e jurídico-institucional do Império brasileiro. Nesse enquadramento
instigante, deram-se a ascensão e a queda do clero regalista e liberal, que compunha um
importante núcleo do grupo moderado.

4.1 Moderados, sacerdotes e seculares

Após o marco da abdicação de d. Pedro I, a 7 de abril de 1831, pondo fim ao Primeiro


Reinado, delinearam-se três grupos políticos de expressão na dinâmica da esfera pública.2
Durante o primeiro lustro da década de 1830, exaltados, moderados e caramurus
protagonizaram divergências significativas e também alianças improváveis. 3 Cada uma dessas
facções construiu agendas políticas próprias, as quais não excluíam consensos, mas
engendravam distintas compreensões do contrato coletivo, da Constituição, da liberdade e da

1
MOREL, Marco. Op. cit., p. 27.
2
CASTRO, Paulo Pereira de. A experiência Republicana, 1831-1840. In: Op. cit., pp.
3
Segundo Paulo Pereira de Castro, a Sociedade Conservadora da Constituição Brasileira e a Sociedade Federal,
núcleos de sociabilidades de caramurus e exaltados, teriam se unido contra os moderados, que passaram a dominar
o governo regencial após o 7 de abril. No periódico A Aurora Fluminense, Evaristo da Veiga caracterizou a união
entre caramurus e exaltados, alegando que: “Os clamores do Caramuru são o melhor desmentido das gritarias do
rusguento, e o que se pode colher de vociferações tão contraditórias e repugnantes, é que a Administração não
protege nenhum nem outro partido”. Ver: Aurora Fluminense, nº 622 (1), 30/04/1832; CASTRO, Paulo Pereira
de. Op. cit., pp. 21-22.
150

soberania.4 Entre as volições absolutistas dos restauradores e os ímpetos deveras republicanos


de um Cipriano Barata, constituiu-se o compósito espectro político da moderação.
A gestação do grupo liberal moderado deu-se em uma conjuntura marcada pela
formação de sociabilidades políticas e intelectuais entre as elites imperiais, sobretudo as que se
concentravam em uma esfera pública de intensa produção e circulação no centro-sul do Império.
Nessa dinâmica conjuntura política e intelectual, no enquadramento dos movimentos político-
constitucionais ibérico e europeu, diferentes apropriações do juste-milieu compartilhavam a
premissa de demarcar fronteiras com relação aos extremos da restauração absolutista e da
radicalização republicana.5 No Brasil, esse princípio geral sofreu transformações ao sabor das
rupturas e redefinições políticas que marcaram a Independência e a consolidação do Estado
nacional.6 Assim, se as cores intermediárias de um discurso moderado no Brasil Império
guardavam similitude, e estavam em diálogo, com os justes-milieus europeus, a especificidade
de sua agenda de reformas políticas foi progressivamente construída ao longo da década de
1820 e consolidada com sua “hegemonia”7 no “mundo do governo”.8
Uma das lideranças mais proeminentes da ala moderada foi o padre regente Diogo
Antônio Feijó. No ano de 1834, em seu periódico O Justiceiro, Feijó analisaria a conjuntura
política regencial no artigo intitulado Dos partidos no Brasil, traduzindo em certo sentido suas
impressões sobre a essência dos moderados. Para o futuro regente, o único partido do Império
brasileiro seria o “Restaurador”, do qual fariam parte os “ambiciosos, os pretendentes de
Empregos, e de fortuna por meios tortuosos, e indignos: os descontentes por haver perdido a
influência, que indevidamente gozavam à sombra do Monarca, que injustamente os protegia”.9
Já os exaltados surgiam na condição de “alguns estouvados, destituídos de consideração” e,
naquele momento, enfraquecidos, não mais configuravam um partido, pois: “Desapareceu a
Força Militar, evaporou-se o partido.”10 Dentre os elementos mais radicais estariam os
“rusguentos”, de “opiniões anárquicas”, sendo que aos moderados coube a salvação daqueles
exaltados que não partilhavam os valores radicais da “anarquia”: “Os Exaltados não formam
um partido: são alguns poucos Cidadãos, que a boa fé, e prudência dos Moderados arrancou da

4
BASILE, Marcello. Op. Cit.; MOREL, Marco. Op. cit., pp. 99-147.
5
MOREL, Marco.mOp. cit., pp. 45, 120-124; ROSANVALLON, Pierre. Le moment Guizot. Paris: Gallimard,
1985, pp. 26-31; STARZINGER, Vincent. The Politics of the Center: the Juste Milieu in Theory and Practice,
France and England, 1815-1848. London: Transaction Publishers, 1991, pp. 3-13.
6
MOREL, Marco. Op. cit., p. 124.
7
SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., pp. 19-44.
8
MATTOS, Ilmar Rohloff. Op. cit., 122-141.
9
O Justiceiro, nº 2, 13/11/1834.
10
Ibidem, nº 2, 13/11/1834.
151

turba dos Anarquistas, a que pareciam ligados, mas com quem não podiam fazer inteira causa
comum.”11 Por fim, os moderados encarnavam o próprio Estado nacional:

Os Moderados (...) não são verdadeiramente um partido, são os representantes dos votos
e da Opinião Nacional: são a mesma Nação. A Regência, o Ministério, os Eleitores, a
Câmara dos Deputados, os Conselhos Gerais, as Câmaras Municipais, as Guardas
Nacionais, todos em sua maioria são Moderados: detestam excessos: querem o bem,
mas sem tumulto, com ordem, e com prudência. Ora a Nação não é um partido; partido
é aquele que d’ela separa-se. Não queremos com isto justificar a conduta dos
Moderados. Os que por sua posição dirigem os Negócios públicos, ainda que bem
intencionados, em nossa opinião, não levam a Nau do Estado ao Porto desejado: cumpre
ser mais ativos, mais resolutos, e menos tímidos. Mas porque os Moderados tenham
errado, tenham sido mesmo desleixados, deveria a Nação abandoná-los para lançar-se
nos braços de seus detratores?12

Diante das rusgas internas que enfraqueciam a heteróclita ala moderada, Feijó ligava os
destinos do Império à própria sobrevivência de seu grupo e, no número subsequente d’O
Justiceiro, afirmava que “a Nação não abandonará jamais os Moderados, porque são
verdadeiros Representantes dos seus desejos”.13 De fato, os moderados protagonizaram um
conjunto de ações relativas à consolidação da estrutura jurídico-institucional do Estado nacional
brasileiro, a exemplo da Guarda Nacional, implementada sob os auspícios do próprio Feijó
quando Ministro da Justiça. Por outro lado, ao mesmo tempo em que sucumbiria o domínio dos
moderados sobre a política imperial, as tensões do período regencial aumentariam ainda mais,
sobretudo, a partir da Cabanagem (1835-1840) e da Farroupilha (1835-1845). Em 1835, o
recém-eleito regente Feijó, reconhecendo as dificuldades no horizonte de seu governo que se
iniciava, alertaria: “No caso de separação das províncias do norte, segurar as do sul e dispor os
ânimos para aproveitarem esse momento para as reformas que as necessidades de então
reclamarem.”14 O apelo à unidade entre as províncias do sul não estaria desprovido de lastro na
realidade política, haja vista a centralidade de Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais na
composição do grupo liberal moderado e na arquitetura política do Estado nacional durante os
primeiros anos de sua Independência.15
Ao lado de Diogo Antônio Feijó, estariam outras personalidades de grande importância
para a moderação, muitos deles padres, também do centro-sul do Império, compondo um

11
O Justiceiro, nº 2, 13/11/1834.
12
Ibidem, nº 2, 13/11/1834.
13
Ibidem, nº 3, 20/11/1834.
14
FEIJÓ, Diogo Antônio. Declaração de Feijó para aceitar a Regência. In: SILVA, J. M. Pereira da. História do
Brasil de 1831 a 1840. Rio de Janeiro: Tipografia Carioca, 1878, doc. no 10, anexo, p. 15.
15
OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Op. cit., pp. 23-70.
152

importante núcleo reformista, regalista e liberal. Em Minas Gerais, a elite política provincial
era “heterogênea quanto à sua origem social e quanto à sua formação. Magistrados, fazendeiros,
comerciantes, padres, professores, sobretudo, eram os atores dessa elite.”16 Os sacerdotes
mineiros tiveram um papel fundamental na dinâmica política em diferentes conjunturas desde
os idos de 1820.17 Dentre as lideranças mais proeminentes, destacou-se José Custódio Dias,
eleito para as Cortes de Lisboa, ativo no processo de Independência, alçado à Assembleia
Constituinte de 1823.18 Custódio Dias possuía uma ampla rede de contatos e “por vezes
insinuou o republicanismo”.19 Foi ferrenho opositor de d. Pedro I e, às vésperas da abdicação
do imperador, na casa do referido padre, conhecida como Chácara da Floresta, “reuniram-se,
no dia 16 de março, 23 deputados liberais e o Senador Vergueiro, a fim de redigir uma enérgica
representação ao imperador.”20 Algum tempo depois, a Chácara da Floresta seria palco de outra
conspiração, desta vez envolvendo o líder Diogo Antônio Feijó no episódio do Golpe de Estado
de 1832.
A decisão de empreender uma ruptura com relação à ordem vigente após o 7 de abril de
1831 teve a liderança de Feijó, assessorado, sobretudo, por Evaristo, Custódio, Alencar e José
Bento, e com apoio da maioria da Câmara dos Deputados. Primeiramente, no dia 30 de julho,
Feijó e os demais ministros se demitiram, em seguida, a Câmara dos Deputados declarou uma
sessão permanente e destacou uma comissão que, apesar da demora, elaborou um parecer
orientando a instalação de uma Constituinte. Contudo, houve interrupções na suposta sessão
permanente e, à leitura do parecer, seguiu-se um discurso de Honório Hermeto Carneiro Leão,21
no qual buscava arrefecer os ânimos e apresentar à Regência Trina um pedido para que se
conservasse. Carneiro Leão também ponderava que a reforma na Constituição deveria ser feita
dentro dos trâmites já iniciados e não através da aclamação de um novo texto pela Câmara, a

16
SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., p. 106.
17
Ibidem, p. 122.
18
José Custódio Dias nasceu em 1767, no povoado de Nazaré, freguesia de Nossa Senhora do Pilar, São João del-
Rei. Ordenou-se no Seminário de Mariana, chagando a ser vigário-geral do bispado sediado na mesma cidade.
Eleito deputado durante as três primeiras legislaturas (1826-1829, 1830-1833, 1834-1837), tornou-se senador em
1835. Ver: SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., p. 110-111.
19
SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., p
20
Dentre os deputados ali reunidos, estariam outros sacerdotes de tendência liberal, a saber, Henrique de Resende,
Martiniano de Alencar, Francisco de Paula Barros e Manoel Pacheco Pimentel. SOUZA, Françoise Jean de
Oliveira. Op. cit., p. 240.
21
Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856), marquês de Paraná, natural de Jacuí, Minas Gerais. Formou-se
em direito na Universidade de Coimbra. Desembargador da Relação da Corte, senador, presidente do Conselho de
Ministros e ministro da Fazenda. Honório Hermeto foi também diplomata, conselheiro de Estado e deputado por
Minas Gerais por três legislaturas, além de presidente das províncias de Pernambuco e do Rio de Janeiro. BLAKE,
Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. III), p. 247.
153

Constituição de Pouso Alegre.22 Um novo parecer elaborado no dia 31 de julho, a Regência era
convidada a ficar e nomear um novo ministério. Era o malogro do golpe de julho de 1832.23
Dentre os principais envolvidos na manobra capitaneada por Feijó em 1832 estariam
mais dois padres, cognominados “ultraliberais” por Paulo Pereira de Castro, a saber, o cearense
José Martiniano de Alencar24 e o mineiro José Bento Ferreira de Melo.25 José Bento era um dos
políticos mais influentes da província de Minas Gerais e, ao lado de Custódio Dias, compunha
a liderança da frente política formada pelas “tropas da moderação”. 26 Eleito para a primeira
Junta Governativa de Minas Gerais em 1821, “acusada de anárquica e republicana”,27 José
Bento foi também vereador por Campanha e membro do Conselho Geral de Província, espaço
privilegiado de articulação política entre os círculos provinciais e da Corte.28 Quando exerceu
mandato de deputado, durante as duas primeiras legislaturas da Assembleia Geral, o sacerdote
já possuía uma projeção nacional e sua amizade com Feijó materializava a importância do eixo
Rio-Minas-São Paulo para os liberais moderados e para os anseios reformistas do clero
regalista.29 A imprensa foi um espaço privilegiado de atuação do padre José Bento, através dos
periódicos Pregoeiro Constitucional (1830-1831) e O Recompilador Mineiro (1833-1836). Na
primeira folha, além da oposição ao imperador d. Pedro I, evidenciar-se-ia a defesa de algumas

22
Na Constituição de Pouso Alegre, o Estado nacional brasileiro era “monárquico, hereditário, constitucional e
representativo”. A Assembleia Geral seria composta pela Câmara dos Deputados e pelo Senado eletivo não
vitalício. À Assembleia Provincial caberiam várias atribuições, dentre as quais, nomear os vice-presidentes e “criar
e suprimir empregos da província”, sendo-lhes vedadas prerrogativas sobre os “interesses gerais da nação” e sobre
“quaisquer ajustes de umas com outras províncias”. A nomeação dos presidentes de província e dos bispos ficaria
a cargo do imperador, também responsável por “prover os empregos civis, políticos, e os eclesiásticos sob proposta
tríplice dos prelados.” O poder Moderador e o Conselho de Estado seriam suprimidos, proibindo-se também a
concessão de títulos nobiliárquicos. A regência passaria a ser una e nomeada pela Assembleia Geral. Ver: HOMEM
DE MELO, F. I. M. O golpe de Estado de 30 de julho de 1832. In: Ibidem. Escritos históricos e literários. Eduardo
e Henrique Laemmert, 1868, pp. 15-47.
23
SOUSA, Octávio Tarquínio de. Três golpes de Estado. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1988,
pp. 82-106.
24
José Martiniano de Alencar nasceu no Ceará em 1798. Ainda seminarista, participou ativamente da Revolução
Pernambucana de 1817. Presbítero do hábito de São Pedro e deputado à Constituinte de 1823, Alencar foi
deportado com os Andradas e, após voltar, foi eleito para a segunda legislatura. Em 1832 foi o primeiro senador
eleito pela Regência Trina permanente. Era pai do escritor José de Alencar (1829-1877), autor de A moreninha,
dentre outros clássicos. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. V), pp. 73-74.
25
José Bento Leite Ferreira de Melo nasceu em Campanha, em 1785. Após completar os primeiros estudos em sua
terra natal, foi para São Paulo, onde estudou no convento do Carmo e ordenou-se em 1809. Em 1810, o então
presbítero intercedeu pela elevação do povoado de Capela do Mandu à condição de freguesia do Senhor do Bom
Jesus de Pouso Alegre que, em 1831, também sob a liderança do vigário José Bento, tornar-se-ia a vila de Pouso
Alegre. O padre Bento seria um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento urbanístico e econômico de
pouso Alegre, exercendo ali suas atividades econômicas e políticas. Ver: SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op.
cit., pp. 111-112; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira, Op. cit., pp. 36-41.
26
LENAHRO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil. Rio de
Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1993, p. 25.
27
SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., p. 112.
28
OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Op. cit., p. 229.
29
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira, Op. cit., p. 39.
154

das principais demandas da moderação, a exemplo da criação da Sociedade Defensora e da


Guarda Nacional. 30
Especificamente sobre as questões envolvendo as relações Estado-Igreja, o papel do
clero e os valores do catolicismo, o padre José Bento desenvolveria uma opinião deveras
heterodoxa. Neste sentido, questionava o custo da representação brasileira na Sé romana: “Que
interesse temos nós em conservarmos nos Estados do Pontífice um Enviado que nos leva 9:600$
rs. (...) a perfídia dos Gabinetes Europeus tem custado muito caro aos Americanos em geral”.31
Para o sacerdote mineiro, os “pastores Eclesiásticos” deveriam auxiliar na “disseminação das
luzes”, pois a própria “natureza de suas funções” impelia-os à “explicação dos direitos, e
deveres sociais; por quanto a mesma Religião exige, que o homem seja bom cidadão; e como
ele o será, senão conhecer os deveres, e direitos que resultam do seu estado social?”. 32 Do
púlpito ao confessionário, o sacerdócio estaria diretamente relacionado à difusão e à
sedimentação do ideário liberal em uma sociedade caracterizada pela cultura oral e de incipiente
letramento:

Convém pois que os ministros da Igreja desde os prelados até os párocos se aproveitem
do poderoso ascendente, que ainda exercem sobre suas ovelhas, principalmente aquelas,
que se acham mais apartadas da gente instruída, inspirando-lhes amor às novas
Instituições mais pelo exemplo, do que por palavras. Quão depressa a civilização se
dilataria por todas as classes, se os curas d’alma tomassem o trabalho de preparar os
ânimos para recebê-la, já em suas práticas, já mesmo no confessionário, já por uma
conduta decididamente liberal? e quanto se tornaria fácil tudo isto, se os bispos fossem
mais circunspectos, e menos condescendentes em admitir às ordens; abuso igualmente
prejudicial ao Estado, e à Religião? Rem difficilem postulasti [Demanda difícil], dir-
nos-ão todos, e com razão; porque os bispos excetuando-se alguns, são os mais inimigos
da perfeição social, e por isso bem pouco lhes importa ordenar, e empregar na direção
das almas homens instruídos, e bem morigerados; uns fazem consistir suas virtudes em
uma vida toda ascética; outros só cuidam de arrecadar as grossas, e pingues rendas do
bispado, e de aumentar a pompa de seu tratamento tão incompatível com o espírito do
Evangelho, entretanto, que gemem na miséria as órfãs, os presos, &c. Porém nossa voz
se dirige principalmente aos párocos atuais, que não esperam o exemplo dos prelados
para cumprirem os deveres que lhe impõem o seu cargo; a eles é que rogamos em nome
da Sociedade, a quem devem servir como cidadãos, e empregados públicos, que não se
esqueçam de empregar todos os meios a seu alcance para inspirar nos corações de seus
fregueses o amor à liberdade, a obediência razoável, e todos os sentimentos do homem

30
A Sociedade Defensora da Liberdade e da Independência Nacional foi criada em 1831, às vésperas da abdicação
de d. Pedro I e as movimentações em torno de sua consolidação deram-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. A primeira notícia sobre a criação de uma Sociedade dos Defensores remonta a 29 de março na província
de São Paulo. Em Pouso Alegre, o Pregoeiro Constitucional noticiou a criação de uma Sociedade dos Defensores
da Liberdade e da Independência a 02 de abril. Para Alex Lombello Amaral, a decisão sobre a criação da Defensora
teria partido do Rio de Janeiro, pelos idos de 13 de março, após a famigerada Noite das Garrafadas. Ver:
AMARAL, Alex Lombello. O surgimento da Sociedade Defensora e da Guarda Nacional em Pouso Alegre (1831).
Anais da XXXII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora: 2017, pp. 500-510.
31
Pregoeiro Constitucional, no 15, 27/10/1830.
32
Ibidem, no 25, 01/12/1830.
155

livre; então veremos a civilização brilhar em toda a parte, e o jornalismo conseguir cabal
vitória sobre os prejuízos.33

Cumpre notar a crítica mordaz à figura dos bispos, sobretudo por sua aquiescência diante
das ordens regulares, cujo comportamento seria deletério para a vida política e civil do Império.
Em contraposição ao asceticismo e às preocupações materiais dos bispos e de seus protegidos,
José Bento apelava aos párocos. Esses, na condição de agentes do Estado e parte integrante
daquela sociedade, deveriam pregar: “mais que os mandamentos do catolicismo romano, a
liberdade, a civilização e os limites da obediência.”34 Assim, o clérigo ideal esboçado sob a
pena do padre Bento estaria comprometido com o Estado nacional e não com a disciplina
romana, tal qual deixava transparecer ironicamente no ano de 1831, em um artigo sobre a
legitimidade da Regência e a imprudência de seus opositores caramurus: “Ótima coisa se nos
apresenta um rei Constitucional, um ser neutro. Doce é esta ilusão, mas ela é tão real como
padres celibatários, isto é, pais inábeis para ter filhos: são monstros filhos do delírio”.35
Um dos idealizadores da Constituição de Pouso Alegre abordaria a polêmica questão do
celibato clerical também em seu periódico Recompilador Mineiro no ano de 1834. Na ocasião,
reproduzia do periódico O Novo Farol Paulistano36 a proposta, assinada por José Manoel da
Luz, dirigida ao Conselho Geral de Província de São Paulo,37 para que este reivindicasse ao
bispo, Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade, a dispensa da lei do celibato clerical.38 Segundo
Oscar de Figueiredo Lustosa, o Conselho Geral de Província encaminhou uma Representação
ao bispo Gonçalves de Andrade, “bastante afeiçoado aos padres reformistas”.39 O documento

33
Pregoeiro Constitucional, no 25, 01/12/1830.
34
Ibidem, no 25, 01/12/1830.
35
Ibidem, no 15, 27/10/1830.
36
O Novo Farol Paulistano circulou entre 1831 e 1834, na esteira do periodismo insuflado pelos estudantes de
direito, que passaram a frequentar a pequena cidade de São Paulo. Seus redatores eram José Manoel da Fonseca
(1803-1871) e Francisco Bernardino Ribeiro (1815-1837). O primeiro, nascido em São Paulo, bacharelou-se em
leis na Universidade de Coimbra e foi deputado à Assembleia Provincial, à Assembleia Geral e senador do Império
pela província de São Paulo. O segundo, nascido no Rio de Janeiro, bacharelou-se em Ciências Sociais e Jurídicas
pela faculdade de São Paulo, onde chegou a lecionar direito criminal apesar da pouca idade. BLAKE, Augusto
Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vols. II e V), pp. 409-410, 23; SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., p. 176.
37
O Conselho Geral de Província foi uma instituição prevista na Carta de 1824 e, em 1828, foi implementado
tomando para si muitas das atribuições do Conselho da Presidência. O Conselho da Presidência foi criado quando
da Assembleia Constituinte de 1823 e suas atribuições possuíam um alcance infraestrutural, fiscal e jurídico. Ver:
OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Op. cit., pp. 71-85.
38
De acordo com Carlos Eduardo França de Oliveira, José Manoel da Luz fora eleito para o primeiro Conselho
Geral de Província de São Paulo, no ano de 1828, do qual o então bispo Gonçalves de Andrade seria presidente e
Diogo Antônio Feijó, secretário. Manoel Joaquim Gonçalves de Andrade era natural da ilha da Madeira, estudou
Cânones em Coimbra e foi o último bispo português à frente da diocese de São Paulo. Quando ocupava o cargo
de vice-presidente da província de São Paulo, ocupou o posto de presidente de província por quase dois anos
durante o primeiro reinado. Fazia parte da base de apoio de d. Pedro I e considerado um desafeto pelos moderados.
OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Op. cit., pp. 30, 77-78
39
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit., p. 17.
156

fazia parte de um conjunto amplo de ofensivas, do clero regalista e liberal, iniciadas na Câmara
dos Deputados, em 1827, com a proposta de abolição do celibato de Ferreira França. O segundo
momento da trama deu-se em 1831, com a proposta da Comissão Eclesiástica sobre o
presbitério, a caixa eclesiástica e o matrimônio.40 Destarte, a Representação de 1834, que
considerava o celibato “letra morta”, seria um terceiro momento da saga reformista, findada em
1835 com a proposta de uma Constituição Eclesiástica para a diocese de São Paulo.41
A Representação de 1834, bem como os demais projetos de reforma do clero regalista
e liberal, foi engavetada, apesar de endossada por pareceres favoráveis do cabido diocesano de
São Paulo, da Comissão Eclesiástica da Câmara dos Deputados e por um não menos expressivo
número de sacerdotes de São Paulo instados pelo prelado Gonçalves de Andrade a emitir suas
opiniões.42 A maior resistência sofrida pela peça do Conselho Geral ao bispo de São Paulo foi
por parte de d. Romualdo Antônio de Seixas, que escreveu uma resposta aos argumentos da
Representação a pedido do ministro da Justiça, Aureliano de Sousa Coutinho. Em suma, o
arcebispo primaz argumentou que o celibato “ainda não foi ab-rogado em País, algum, sem que
com ele fosse proscrito todo o Culto Católico”.43 O Estado nacional brasileiro teria um
compromisso com o catolicismo romano na condição de religião oficial, aceitando “as Leis, a
Disciplina e os Cânones recebidos”.44 Outro pretexto dos regalistas desconstruído por
Romualdo Seixas dizia respeito à relação entre supressão do celibato e povoamento do
território, pois, “a população de Países Católicos não é menor que a dos Protestantes”. 45 Além

40
Na ocasião, assinaram o documento, na condição de membros da Comissão Eclesiástica, Feijó, José Bento e
Antônio Maria Moura. Ver: LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit.,
pp. 19-25.
41
Seguindo o apontamento de Kátia Mattoso, é importante destacar que a retomada da discussão em 1834 foi um
marco no arrefecimento das demandas do clero regalista e liberal, na medida em que: “Não se falou mais em abolir
o celibato, mas em dispensar aqueles que fizessem a solicitação específica nesse sentido.” Ver: LUSTOSA, Oscar
de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit., pp. 14-18 e 26; MATTOSO, Kátia. Op. cit., p.
310.
42
Da Comissão Eclesiástica da Câmara dos Deputados, faziam parte dois padres, João de Santa Bárbara e José
Bento. Em São Paulo, dentre os que emitiram pareceres sobre a questão, além de Diogo Antônio Feijó e Antônio
Maria Moura, estariam os seguintes sacerdotes: Manoel Joaquim do Amaral Gurgel, Marcelino Ferreira Bueno,
Idelfonso Xavier Ferreira, Fidélis Álvares Sigmaringa de Moraes, Joaquim Gomes Monteiro, Joaquim Pereira de
Barros, João Paulo Xavier, Anacleto José Ribeiro Coutinho, Antônio de Pina Vasconcelos, Joaquim José
Rodrigues, Francisco de Paula Oliveira, frei José de S. João Crisóstomo, Frei João do Rosário Soares. Apenas este
último sacerdote emitiu parecer contrário à Representação do Conselho Geral de Província. Ver: LUSTOSA,
Oscar de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. Cit., pp.31-59.
43
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Resposta de D. Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia, a um aviso
do Excelentíssimo Ministro da Justiça, exigindo o seu parecer sobre a questão do celibato, suscitada em São Paulo.
In: LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit., p. 70.
44
Ibidem, p. 71.
45
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Resposta de D. Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia, a um aviso
do Excelentíssimo Ministro da Justiça, exigindo o seu parecer sobre a questão do celibato, suscitada em São Paulo.
In: LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit., p. 73.
157

do mais, o casamento não seria uma obrigação imposta, e muitos clérigos não se veriam
impelidos a tal empresa haja vista os seus “encargos” e a falta dos “meios de subsistência”. 46
Distanciando-se de seus questionamentos à infalibilidade papal, ventilado em 1826 e
em consonância com certo episcopalismo conciliarista,47 D. Romualdo Seixas citaria a obra
Ensaios sobre a supremacia do Papa, de autoria de José Ignácio Moreno (1767-1841).48 Após
citar a encíclica Mirari Vos, na qual o papa Gregório XVI rechaçava a sanha anticelibatária
vinda das hostes liberais, o arcebispo alegava que: “o Bispo, que na sua Diocese dispensasse a
Lei do Celibato, formaria uma nova Igreja, ou Seita peculiar, e se constituiria cismático,
apóstata, e excomungado.”49 O arcebispo primaz evocaria ainda Bossuet, ao mesmo tempo em
que repudiava as “novidades religiosas” da Revolução Francesa, um tempo em que o “povo
francês (...) fugia de ouvir missa dos Sacerdotes e Bispos que haviam prestado o juramento à
famosa Constituição Civil do Clero.”50 Ao fim da Resposta, uma perspectiva concebida em um
sentido oposto àquele defendido pelo regalista José Bento, à época membro da Comissão
Eclesiástica da Câmara dos Deputados, em seu periódico O Pregoeiro Constitucional:

Quando se vê o clero brasileiro reputado como a última classe do Estado, e apenas


considerado como funcionário, ou empregado público, para exigir os seus serviços, e a
sua submissão; mas como um ente estranho a este mundo, logo que se trata de
ordenados, ou vantagens temporais: quando se compara a situação de um porteiro ou
contínuo de qualquer Secretaria ou Tribunal Civil com a de um pároco, e que se nota o
desfavor lançado sobre este último, já deixando de o contemplar no aumento de sua
tristíssima côngrua, e já pretendendo-se reduzir todos os dias esses poucos

46
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Resposta de D. Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia, a um aviso
do Excelentíssimo Ministro da Justiça, exigindo o seu parecer sobre a questão do celibato, suscitada em São Paulo.
In: Op. cit., p. 73.
47
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Discursos parlamentares... Bahia: Tipografia de J. P. Franco Lima, 1836, pp.
18-22.
48
José Ignacio Moreno nasceu em Guayaquil e participou do processo de emancipação do Peru, ao lado de
Bernardo de Monteagudo (1789-1825), braço direito do libertador San Martín (1778-1850). Influenciado por
Montesquieu, Moreno defendeu, ao lado de Monteagudo, um projeto para que no Peru fosse erigida uma
monarquia constitucional. Em 1831, sob a influência de Joseph de Maistre, o então arcediago da Sé metropolitana
de Lima escreveria sua obra Ensaio sobre a supremacia do papa, reimpressa em Buenos Aires e Paris. A referida
obra foi composta para combater a perspectiva do clero liberal, que defendia a submissão da Igreja ao novo Estado
nacional. Logo na primeira seção de sua obra, Ignacio Moreno afirmava que: “O primado do Papa (...) não depende
dos novos descobrimentos da razão humana, mas sim das antigas e imutáveis doutrinas da palavra divina.” Ver:
GODOY, Scarlett O’Phelean. El proceso de Independencia en el Perú. In: FRASQUET, Ivana & SLEMIAN,
Andrea. De las independencias iberoamericanas a los estados nacionales (1810-1850): 200 años de história.
Madrid: Iberoamericana, 2009, pp. 123-124; MORENO, José Ignacio. Ensaio sobre a supremacia do papa,
especialmente a respeito da instituição dos bispos. Porto: Tipografia Comercial Portuense, 1843, p. 24; RIVERA,
Victor Samuel. José Ignacio Moreno. Un teólogo peruano. Entre Montesquieu y Joseph de Maistre. Araucaria.
Revista Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades, año 15, nº 29. Primer semestre de 2013, pp. 223–
241; SEIXAS, Romualdo Antônio de. Resposta de D. Romualdo Antônio de Seixas... In: LUSTOSA, Oscar de
Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit., p. 75;
49
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Resposta de D. Romualdo Antônio de Seixas... In: LUSTOSA, Oscar de
Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit., p. 76.
50
Ibidem, p. 79.
158

emolumentos, restos da antiga piedade dos povos, e consagrados por um costume


imemorial: quando enfim se vê[em] extintos os Cabidos, que serviam de estímulo a
muitos, para abraçarem o estado eclesiástico , contando com a esperança de uma vida
mais tranquila na posse destes tais quais Benefícios, onde os Bispos encontravam
ordinariamente Ministros hábeis para os coadjuvarem nos Cargos de Provisor, Vigário
Geral, &c.: quem haverá com alguma aptidão e merecimento , que queira sujeitar-se aos
incômodos e sacrifícios do ministério eclesiástico? é bem natural, que faltem Aspirantes
ou que compareçam os menos próprios, e dignos de tão alto destino. Ora o casamento
não pode seguramente remediar, e antes deve aumentar estes males [grifos nossos].51

Ao contrário da opinião do padre Bento, para d. Romualdo a situação dos padres perante
a sociedade seria de precariedade exatamente porque eram eles concebidos sob o estigma de
funcionários públicos da mais baixa consideração e remuneração. No mesmo ano de 1834, o
debate envolvendo a questão continuaria na Câmara dos Deputados, com um parecer da
Comissão Eclesiástica que refutava a necessidade da lei do celibato. José Bento e os demais
membros da Comissão consideravam “tirânica” a referida lei, afirmavam que o clero brasileiro
“não é miserável”, além de provocar o arcebispo primaz alegando que: “Doloroso é à comissão
ver o primeiro bispo do Brasil, privado dos direitos de metropolitano, de que só o nome
conserva como injúria à sua hierarquia e prejuízo dos fiéis que rege, limitando os mesmos
direitos do episcopado”.52 A resposta de Romualdo viria poucos meses depois, firmando o
posicionamento de defesa da lei e refutando críticas fundamentadas na “arma já mui safada das
falsas Decretais e Ultramontanismo, com que muitos se julgam dispensados de provar o que
dizem.”53
As rusgas entre os representantes do clero reformista e os ciosos defensores das
prerrogativas romanas envolveram círculos políticos, eclesiásticos e intelectuais no centro e nas
províncias do Império, a exemplo das contendas entre o padre Antônio José Ribeiro Bhering e
o bispo de Mariana, d. Frei José da Santíssima Trindade (1820-1835). Ribeiro Bhering nasceu
em 1803, em Ouro Preto, estudou no Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte, em Mariana,

51
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Resposta de D. Romualdo Antônio de Seixas... In: LUSTOSA, Oscar de
Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit., pp. 80-81.
52
Parecer da Comissão Eclesiástica da Câmara dos Deputados acerca da representação do Conselho Geral de São
Paulo sobre a dispensa do celibato e os poderes episcopais nessa matéria. In: LUSTOSA, Oscar de Figueiredo.
Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. cit., pp. 61-62 e 65.
53
As decretais eram formas de ordenanças papais de alcance geral. Em meados do século IX, diante da ofensiva
aristocrática pela hegemonia do poder sobre a Igreja franca, os representantes do poder romano compilaram uma
série de documentos, atribuídos a papas dos primeiros séculos, com o intuito de legitimar os poderes do pontífice
romano perante os intentos dos poderes temporais. Pela questionável legitimidade dos documentos apresentados,
fenômeno comum durante o medievo, ao referido fenômeno deu-se o nome de falsas decretais, sendo tais
documentos de relativa importância para a legitimação da plenitude do poder papal em diferentes momentos da
história da Igreja. Ver: AZEVEDO, Carlos Moreira de (Org.). Dicionário de história religiosa de Portugal
(Vol.II). Op. cit., pp. 75-76; SEIXAS, Romualdo Antônio de Seixas. Reflexões de Dom Romualdo Antônio de
Seixas, Arcebispo da Bahia... In: LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op.
cit., p. 93.
159

concluindo seus estudos em 1826, quando foi ordenado pelo próprio frei José e passou a
lecionar no mesmo seminário.54 D. Frei José nasceu em 1762, no Porto, onde cursou as
primeiras letras no Seminário episcopal e, aos dezesseis anos, foi para Salvador estudar no
Convento de Santo Antônio, consolidando na Bahia sua carreira política e eclesiástica. Preterido
à Sé de Salvador, Santíssima Trindade foi indicado à Sé marianense por d. João VI e sua
sagração ocorreu em 1820.55 A relação entre o padre mineiro e o prelado português não seria
pacífica, e Ribeiro Bhering seria destituído de sua função em 1829 por ordem de Santíssima
Trindade. Assim, desavenças incontornáveis, publicizadas na imprensa e esgrimidas no
Seminário de Mariana, demarcavam as disputas entre regalistas e romanizados.56
Diante das perseguições políticas, pouco tempo após sua demissão, o padre Bhering
passaria a publicar O Novo Argos, periódico que apresentava, dentre seus objetivos, “transmitir
aquelas doutrinas, que forem mais conducentes com a civilização do povo, sem comprometer
o decoro devido à Religião do Império”.57 Já nos primeiros números de seu Novo Argos, Ribeiro
Bhering defendia uma “educação Religiosa expurgada de fanatismo” e, para sustentar seu
posicionamento, apropriava-se do oratoriano Portalis (1746-1807), redator do Código Civil
napoleônico: “as Leis civis, segundo diz, o Cidadão Francês Portalis, suspendem sim o braço,
mas não tem império sobre a Consciência, a Religião porém comanda o coração adoça os
costumes, e os casa com todas as instituições sociais.”58 O padre mineiro fazia referência ao
mesmo autor utilizado por d. Romualdo Seixas para se contrapor aos supostos abusos do
“filosofismo” e aos ataques desferidos contra a lei do celibato.59 Outro nome utilizado por
ambos os clérigos brasileiros foi o de Doufour De Pradt, que aparecia na epígrafe d’O Novo
Argos e na defesa que o arcebispo primaz fazia da rigidez disciplinar católica. 60 Desse modo,

54
ALMEIDA, Gabriela Berthou de. Op. cit., p. 4.
55
TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-
1825). Estudo introdutório Ronald Polito de Oliveira. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998, pp. 21 e
segs.
56
ALMEIDA, Gabriela Berthou de. Op. cit., pp. 4-5; HORÁCIO, Heiberle Hirsgberg. Op. cit., pp. 64-66;
TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Visitas Pastorais... Op. cit., p. 33; SILVA, Wlamir. Liberais e povo...
Op. cit., p. 168.
57
O Novo Argos, no 01, 10/11/1829.
58
Ibidem, no 05, 10/12/1829.
59
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral I: Saudando seus diocesanos. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op.
Cit., p. 31; SEIXAS, Romualdo Antônio de. Resposta de D. Romualdo Antônio de Seixas... In: LUSTOSA, Oscar
de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. Cit., p. 78-79.
60
A referida epígrafe continha o seguinte conteúdo atribuído a de Pradt: “O gênero humano está em marcha e nada
o fará retroceder” (tradução nossa). Dominique-Georges-Frédéric de Riom de Prolhiac Dufour De Pradt (1759-
1837) nasceu em Allanches, fez seus primeiros estudos no Seminário de Saint Flour e construiu uma proeminente
carreira política e eclesiástica, sendo eleito por Rouen, onde era vigário, para os Estados Gerais de 1789. Na
Assembleia Constituinte, aliou-se aos porta-vozes da Corte, contrários aos ideais revolucionários e à Constituição
Civil do Clero, tendo aderido posteriormente aos ideais do liberalismo. De Pradt publicou análises sobre o contexto
das Independências ibero-americanas, especificamente sobre as questões envolvendo a Corte luso-brasileira, no
160

evidenciavam-se as múltiplas apropriações de referências intelectuais europeias, algo comum


em uma esfera pública marcada pelo ecletismo político e filosófico.
Ao continuar sua análise sobre o papel da religião diante das demandas políticas, no
contexto da sociedade brasileira, o padre Bhering afirmava, em tom bem próximo ao que José
Bento ventilava em seu Pregoeiro Constitucional, que Só a Religião pode preparar os ânimos
para a exata observância das Leis Civis, “(...) só uma educação Religiosa despida de fanatismo
persuade aos Povos à observância das Leis”.61 O caráter de pedagogia política e civil da religião
tornava-se, portanto, o ponto central do argumento: “Promova-se entre os Brasileiros a
Religião, e a Constituição será observada literalmente.”62 Para dar lastro à opinião apresentada,
evocava-se o nome de um dos precursores da corrente internacionalista pan-europeia: “O Abade
de S. Pierre reconhece tanto a utilidade da instrução Religiosa a morigeração dos Povos, que
diz: Se a Religião não tivesse estabelecido os púlpitos, a Política os devia instituir”. 63 O autor
do Contrato Social também surgiria a partir do apelo a uma “religião civil” em seu clássico: “o
mesmo Rousseau confessa o proveito, que resulta a Política dos discursos Religiosos,
ordenados para a ilustração do Povo”.64 Ao final, uma perspectiva de cidadania sob o signo de
uma pedagogia político-religiosa: “firmadas estas duas colunas Religião, e Educação,
consolida-se a terceira a Legislação, mas existindo esta última por mais forte, que seja,
falecendo as duas primeiras cai por terra todo o Edifício Social.”65
As escaramuças empreendidas pelo Novo Argos deram-se em grande parte contra O
Telégrafo, “infame dos infames periódicos”66 e “aborto da Província”,67 nas palavras de seu
antagonista. O Telégrafo teria feito campanha pela demissão de Bhering do Seminário de

que foi contestado por Hipólito da Costa no Correio Braziliense. Segundo Marco Morel, De Pradt teve ampla
recepção positiva no Brasil durante o processo de Independência e “foi um dos principais (senão o principal)
precursores da Independência brasileira no campo das ideias”. Ver: AGUIRRE ELORRIAGA, Manuel. El abate
de Pradt en la emancipación hispanoamericana (1800-1830). Buenos Aires: Editorial Huarpes S. A., 1946, pp. 1
e segs. Disponível em: https://archive.org/details/elabatedepradten00agui Acesso em 03/01/2018; MOREL,
Marco. O caminho incerto das Luzes francesas: o abade De Pradt e a Independência brasileira. Almanack, v.13,
pp.112-129, 2016.
61
O Novo Argos, no 05, 10/12/1829.
62
Ibidem, no 05, 10/12/1829.
63
Charles Irénée Castel de Saint-Pierre (1658-1743) nasceu no seio de uma família da pequena nobreza normanda.
Órfão aos seis anos de idade e inapto à carreira militar, dedicou-se à carreira eclesiástica e diplomática,
participando das negociações que envolveram o tratado de Utrecht (1712). Saint-Pierre foi grande entusiasta do
pacifismo entre os Estados europeus, pacifismo esse baseado na manutenção do status quo político, territorial e
religioso, através de uma espécie de “Santa Aliança” entre os respectivos soberanos. Tal visão foi defendida na
obra Projeto para tornar perpetua a paz na Europa. Ver: SEITENFUS, Ricardo. O Abade de Saint-Pierre e os
fundamentos das instituições internacionais. In: SAINT-PIERRE, Abbé de. Projeto para tornar perpetua a paz na
Europa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, pp. 23-35.
64
O Novo Argos, no 05, 10/12/1829.
65
Ibidem, no 05, 10/12/1829.
66
Ibidem, no 7, 26/12/1829.
67
Ibidem, no 8, 31/12/1829.
161

Mariana, e entre seus colaboradores estava um professor daquela instituição.68 Lembrando a


“indiferença” quanto ao “templo Augusto” de Ouro Preto, “abandonado inteiramente”, o padre
Bhering insinuava as prioridades dos responsáveis pelas celebrações religiosas: “tanta religião
no Telégrafo, e o templo vazio!”69 Sobre o Seminário de Mariana, citava uma correspondência,
recebida de certo “Amante dos Jovens Brasileiros”, na qual o autor descrevia “algumas
arbitrariedades, e mesmo desleixo do Reitor do Seminário de Mariana”, além da “impolidez
com que este Padre repreende os Seminaristas (...) chamando-os publicamente brejeiros, mal
criados e sem vergonha”.70 O bispo frei José da Santíssima Trindade, maior desafeto de
Bhering, também seria alvejado pelo Novo Argos. Na ocasião da morte de Líbero Badaró, o
periódico liberal espantava-se diante da atitude do “Prelado de Mariana”, o qual “sucumbiu
debaixo da pérfida mão do assassino” e “despido da mansidão e da caridade Evangélica” negou
“a licença para se sufragar os manes de Badaró!”71
Com relação a d. Pedro I, a postura de Bhering em seu Novo Argos foi quase sempre de
defesa do imperador. Exemplo desta postura ocorreu em 1830 quando, ao noticiar uma
“desastrosa queda de S. M. I.”, exaltava-se o monarca que seria “nosso Defensor Perpétuo” e
“Digno Fiador da Nossa Ventura”.72 Contudo, em 1831, dias após a abdicação, o padre Bherig
apontaria o erro no qual incorrera d. Pedro I: “O ex-Imperador do Brasil quis declarar-se
absoluto: e cessou de Imperar.”73 Além de repudiar as volições absolutistas de d. Pedro I e seus
asseclas, afirmava-se que “baqueou a Tirania, e em nome do Sr. D. Pedro II Impera hoje no
Brasil uma Regência Provisória nomeada pela Câmaras Legislativas!”74 Neste mesmo número,
Bhering ainda se defendia das acusações de republicanismo, desferidas pelo bispo de Mariana
e publicadas no Diário Fluminense,75 o “pérfido Diário Fluminense do ingrato sr. Cônego
Januário”.76
Segundo frei José, analisando a ocasião da fatídica visita de d. Pedro I a Minas Gerais,
os “fabricadores de Babel” pretendiam “suplantar a Religião, e a Constituição, que Vossa
Majestade Imperial nos deu, e nós juramos, para substituir-lhe o republicanismo, ou a

68
SILVA, Wlamir. Liberais e povo... Op. cit., p. 168.
69
O Novo Argos, no 23, 17/04/1830.
70
Ibidem, no 38, 29/07/1830.
71
Ibidem, no 68, 01/03/1831.
72
Ibidem os, no 09, 08/01/1830.
73
Ibidem, no 74, 15/04/1831.
74
Ibidem, no 74, 15/04/1831.
75
Segundo Werneck Sodré, na Corte, o Diário Fluminense estava à frente de uma imprensa “áulica” e depois
“absolutista”. Ver: SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit., pp. 110-111.
76
O Novo Argos, no 74, 15/04/1831.
162

federação”.77 Diante da acusação, Bhering exigia que o bispo mostrasse “com documentos que
em Minas Gerais existe um Partido Republicano, que tenta destruir a Religião, e a Constituição,
e se o não fizer deve sofrer a pena da Lei, para não ser caluniador.” 78 Além de negar seu
republicanismo, ao longo das publicações no Novo Argos, o padre Bhering defendeu as
reformas encampadas pelos moderados, baseando-se na manutenção de uma monarquia
constitucional com a ampliação das autonomias provinciais. Para tanto, negava também a ideia,
ventilada pelos caramurus, de que a federação implicaria a independência das províncias, pois,
na verdade, haveria “diversas Províncias separadas, sobre cada uma das quais continua o Poder
Central a exercer uma grande autoridade, como é a federação dos Estados Unidos da América
do Norte.”79
Bhering parecia ser adepto da “monarquia federativa”, descrita no “projeto de Reformas
tal qual foi aprovado pela Câmara dos Deputados”, cuja estrutura seria resumida da seguinte
forma: “O mesmo Trono, a mesma Assembleia Geral continuaria a dirigir os nossos destinos
com a única restrição de serem da exclusiva competência das Assembleias Provinciais os
objetos peculiares, em que ainda hoje superintende a Assembleia Geral.” 80 Assim, ficava
evidente a defesa das autonomias provinciais, sem a exclusão das prerrogativas do governo
central. Bhering simpatizava com um arranjo institucional cujo principal ponto de inflexão era
o Ato Adicional de 1834, reforma da qual um dos principais resultados seria a criação das
Assembleias Provinciais. Para Miriam Dolhnikoff, o pacto firmado sob os auspícios do Ato de
1834 teria caracterizado a dinâmica político-administrativa durante todo o período imperial, a
despeito das interpretações empreendidas, sobretudo em âmbito jurídico, em virtude do
Regresso conservador.81
Como atividade relacionada a essa intensa produção na imprensa, o padre Antônio José
Ribeiro Bhering possuía um gabinete de leituras em sua casa, onde desenvolveu um círculo de
sociabilidades intelectuais, com vistas à propagação do ideário liberal, tão caro aos
moderados.82 O referido sacerdote fazia parte de um clero historicamente integrado às
demandas seculares da vida econômica, civil e política brasileira, sobretudo em Minas Gerais,

77
Diário Fluminense, no 56, 11/03/1831.
78
O Novo Argos, no 74, 15/04/1831.
79
Ibidem, no 157, 17/11/132.
80
O Novo Argos, no 157, 17/11/132.
81
DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005, pp. 11-
22 e 81-154.
82
SILVA, Wlamir. Liberais e povo... Op. cit., p. 137.
163

onde as ordens regulares possuíam um histórico de proibição e resistência à sua presença.83


Durante as primeiras décadas em que transcorreram o processo de Independência e a
consolidação do Estado nacional, o clero regalista e liberal liderado por Diogo Antônio Feijó
tinha nessa relação simbiótica com a vida leiga uma de suas características principais. Durante
suas viagens pelo Brasil, Auguste de Saint-Hillaire (1779-1853) não deixou de notar a peculiar
integração do clero brasileiro ao cotidiano daquela sociedade. Quando passou por Mariana,
durante os anos finais do período colonial, o naturalista francês descreveu o hábito de muitos
padres se entregarem ao “comércio, e mesmo, terem loja aberta; alguns são advogados; e
conheci um cura, muito digno, aliás, que, todos os domingos, depois da missa, ia caçar veados
com os amigos.”84
Herdeiros de uma dinâmica eclesiástica deveras mundana, em torno de uma modificação
na estrutura da Igreja brasileira e na própria disciplina à qual seria submetido o clero, estariam
os padres moderados de São Paulo e Minas Gerais. Esses sacerdotes exerceram sua influência
em variados espaços para levar a cabo sua agenda de reformas e só o fizeram, em certo sentido,
porque conseguiram legitimar-se na condição de parte do século, por vezes apartados da
Eclésia, perante a população e os poderes instituídos. Se a chegada de Feijó ao posto máximo
do Executivo representava o auge do projeto de poder do clero regalista articulado no interior
do grupo moderado, a ação de homens como Antônio Maria Moura, José Bento, Custódio Dias
e Ribeiro Bhering foi intensa nas instâncias municipais e provinciais, bem como na efervescente
esfera pública ainda marcada pela oralidade. Nessa conjuntura, deu-se a formação de uma
imprensa comprometida com a causa dos moderados, na qual a participação dos sacerdotes foi
intensa e que tinha na Aurora Fluminense, de Evaristo da Veiga, o seu principal epicentro85

4.2 A Aurora Fluminense e o reformismo regalista liberal

Em fins de 1827, no momento em que a polêmica sobre o celibato e as ordens religiosas


já tomava conta dos debates na Primeira Legislatura (1826-1829), na sequência da proposta de
criação de uma “Igreja Brasileira”,86 começou a ser publicado na capital do Império o periódico
A Aurora Fluminense: Jornal Político e Literário. Até 1835, o responsável pela principal folha

83
SAINT-HILLAIRE, Auguste de. Viagem pelas Províncias de Rio de Janeiro e Minas Gerais (Tomo I). São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938, p. 154.
84
Ibidem, p. 164.
85
SILVA, Wlamir. Liberais e povo... Op. cit., p. 133.
86
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. O Clero no parlamento
brasileiro (Vol. II). Brasília; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 5 v. 1978 – 1980, pp. 39-40.
164

dos moderados foi Evaristo Ferreira da Veiga, nascido no Rio de Janeiro em 1799.87 Seu pai,
Francisco Luís Saturnino da Veiga, viera de Portugal e abriu uma livraria após se afastar das
atividades de professor primário. Evaristo teve aulas com o pai, frequentou o Seminário de São
José, no Rio de Janeiro e, em 1823, fundou a própria livraria em sociedade com o irmão, João
Pedro da Veiga. Sem formação superior, o redator da Aurora acumulou significativo repertório
de conhecimentos em sua livraria, espaço privilegiado das sociabilidades intelectuais de verve
liberal.88 Evaristo da Veiga foi um dos fundadores da Sociedade Defensora da Liberdade e da
Independência Nacional, além de eleito deputado à Assembleia Geral, de 1830 até sua morte
em 1837, pela província de Minas Gerais, onde nunca esteve.89 Em março de 1831, na sequência
da Noite das Garrafadas, foi responsável por redigir uma Representação a d. Pedro I,
“persuadido de que não são os aduladores, que salvam os Impérios, sim aqueles que tem
bastante força d’alma para dizerem aos Príncipes a verdade, ainda que esta os não lisonjeie.”90
Além de uma das principais lideranças do grupo moderado, Evaristo da Veiga seria,
durante praticamente toda a vida, amigo de Diogo Antônio Feijó, com o qual romperia a
amizade dias antes de falecer.91 Assim, na Aurora Fluminense, houve um espaço significativo
para a defesa das demandas reformistas que compunham a agenda do clero regalista e liberal.
Logo no início das publicações, o tema do celibato clerical seria alvo de análises por parte de
um correspondente cognominado “O Experimentado, amigo dos Rifões”, cujo conselho era
“que de modo nenhum, tocassem no sagrado do celibato Clerical, pois se não lavam da nódoa
de – Hereges – Maçons – Libertinos – Pirilampos do Inferno &c., se acaso pretendem mostrar,

87
Segundo Werneck Sodré, o periódico Aurora Fluminense começou a circular por iniciativa de José Apolinário
de Morais, Francisco Valderato e José Francisco Sigaud, aos quais se juntou o personagem que viria a ser o único
responsável pela publicação até 1835, Evaristo da Veiga. Ver: SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit., pp. 106-108.
88
BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. II), pp. 311-313; SOUZA, Octávio Tarquínio de.
História dos fundadores do Império do Brasil (Vol. V): Bernardo Pereira de Vasconcelos e Evaristo da Veiga. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1972.
89
Entre 1824 e 1855, vigorou o voto proporcional, ou provincial. Os votantes escolheriam os eleitores que, por
sua vez, votariam em um número de deputados equivalente aos assentos referentes à província na Câmara dos
Deputados. Assim, havia espaço para a construção de bancadas com nomes que não passariam por um escrutínio
a nível distrital e por isso precisavam se articular em diferentes partes do território. O voto distrital só passou a
vigorar a partir de 1855, com a chamada Lei dos Círculos, sendo revogado em 1875. Ver: DOLHNIKOFF, Miriam.
Op. cit., p. 225.
90
A Representação resultou de uma reunião da Chácara da Floresta, residência do padre José Custódio Dias e uma
espécie de “bunker” dos moderados. Dentre as personalidades que assinaram a representação, estavam, além do
proprietário, os padres José Martiniano de Alencar e Venâncio Henriques de Resende. Ver: VEIGA, Evaristo da.
Representação dirigida ao Senhor D. Pedro I, Imperador do Brasil, por vinte três Deputados e um Senador,
exigindo uma reparação da afronta, que a nacionalidade tinha sofrido nos dias 13 e 14 de Março de 1831. In:
ABREU E LIMA, J. I. Compêndio de História do Brasil (Tomo II). Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert,
1843, p. 158.
91
Segundo Paulo Pereira de Castro, Evaristo e Feijó mantinham uma “diferença irresolúvel” com relação à
“autodeterminação das províncias (...) que para este era o direito inalienável do qual decorria a própria unidade do
Império e para aquele era uma simples delegação da soberania nacional.” Ver: CASTRO, Paulo Pereira de. Op.
Cit., pp. 50-52.
165

que um ponto de disciplina Eclesiástica pode ser alterado.”92 Em outra ocasião, “Um Jovem
Brasileiro” deixava suas reflexões sobre um “folheto intitulado Celibato &c”, concluindo “que
o Rmo Snr L. G. nenhuma razão tem, e que o Clero deve ser casado.”93 A julgar pelo título do
documento, pelas iniciais do nome referido e pela defesa do “Digníssimo Deputado o Sr. Feijó”,
a referência dizia respeito aos escritos de Luís Gonçalves dos Santos, o padre Perereca. Alguns
números depois, uma referência irônica à contenda travada entre Feijó e padre Perereca sobre
o celibato clerical:

Ouvimos a um bom eclesiástico afirmar que o Sr. Deputado Feijó já está condenado ao
Inferno por haver proposto a abolição da Lei do Celibato; espantados de uma asserção
tão intolerante, perguntamos se este reverendo seria o Sr. Padre Luiz Gonçalves dos
Santos, que não temos a honra de conhecer. Soubemos então que não era esse venerável
canonista, mas sim um Vigário da roça, honrado Pai de famílias, que não gosta das
coisas com escândalos.94

O ataque à obrigatoriedade do celibato clerical passava sempre pelo nome do padre


regente e pelas acusações fundamentadas em sua heterodoxia: “O Sr. Padre Feijó é acusado de
heresia, e Luteranismo, porque propôs o Casamento dos Padres: estará o Luteranismo, e heresia
nas cerimônias eclesiásticas, ou no Sacramento do Matrimônio? Nunca supusemos os Srs.
Reverendos tão inimigos das fórmulas”.95 Nesse sentido, era recomendada a leitura do polêmico
panfleto escrito por Feijó, Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical, “com
argumentos derivados da razão, como com a autoridade dos Padres, escritores Eclesiásticos, e
Concílios”.96 O periódico de Evaristo da Veiga destacava ainda a chegada da polêmica sobre
o celibato à imprensa britânica, através do Globe and Traveller,97 cuja análise sumária traria
um panorama das divergências entre Brasil e Roma no tocante às questões da disciplina
eclesiástica:

Na Câmara dos Deputados do Brasil faz-se uma proposição muito notável; mandou-se-
a imprimir; e algum tempo depois devia ser tomada em consideração. Tem por fim obter

92
A Aurora Fluminense, nº 6, 07/01/1828.
93
Ibidem, nº 14, 04/02/1828.
94
Ibidem, n° 51, 04/06/1828.
95
Ibidem, nº 93, 19/09/1828
96
Ibidem, nº 94, 22/07/1828.
97
O Globe and Traveller resultou de uma fusão entre o periódico Globe, fundado em 1803, e o Traveller, folha de
propriedade do militar, político e economista Robert Torrens (1760-1864), na qual publicou J. S. Mill (1806-1873)
pela primeira vez no ano de 1822. Torrens adquiriu o Globe e fundou, em 1823, o Globe and Traveller, que teve
em sua edição Walter Coulson (1795-1860), ex-secretário de Jeremy Bentham (1748-1832). Ao longo de sua
história, o Globe passou do radicalismo à moderação whig, chegando a estar sob a influência dos tories na década
de 1860.Ver: DEERING, Dorothy. The London "Globe" of the 1840s and 1850s. Victorian Periodicals Newsletter,
no. 11, [Vol. 4, No. 1] (Feb., 1971), pp. 28–29.
166

do Papa a abolição, do canon, que impõe o celibato ao Clero católico, ou no caso de ser
isto recusado, de isentar a sanção civil de toda a censura eclesiástica, que se pudesse
dirigir contra a violação desta regra. Se a Corte de Roma acede a esta proposição, cuja
impressão só foi combatida pelo Arcebispo da Bahia, será isto o começo de uma
reformação no Brasil.98

A agenda encampada por Feijó e pelos moderados ganhou a simpatia dos liberais
ingleses, de inspiração utilitária, os quais não deixariam de abordar a oposição de Romualdo
Seixas ao reformismo regalista e liberal. Assim, a dinâmica de uma esfera pública transnacional
possibilitou que as discussões sobre a obrigatoriedade do celibato no Brasil alcançassem o
mundo euroamericano. Na Europa, o próprio Globe and Traveller daria destaque às tensões
entre Roma e os novos Estados nacionais recém-emancipados do Novo Mundo:

Eis o primeiro sintoma, que ainda não havíamos observador, de uma tendência da parte
dos Novos-Estados da América, a se separar da Corte de Roma, ou a fazerem uma
mudança importante na disciplina eclesiástica. Não deixa de ser provável que, se a Igreja
de Roma vê a opinião do Novo Mundo, decididamente contraria a sua disciplina, ceda
como tem feito muitas vezes, antes de que correr o risco de ver estas Regiões
Americanas renunciarem inteiramente à sua autoridade espiritual.99

Com efeito, as divergências com relação à influência política, jurídica e eclesiástica de


Roma alcançaram, com diferentes intensidades, as porções norte e sul do extenso território
americano. Nos Estados Unidos da América, a obra de Feijó, Demonstração da necessidade de
abolição do celibato clerical, seria traduzida por um pastor da Filadélfia, Daniel P. Kidder.100
Na Bolívia, o órgão oficial do governo, El Condor de Bolívia, traduziria o voto que Feijó
proferiu sobre o tema em 1828, mas tratou do assunto em outros momentos.101 Ainda em 1826,
apelando às tradições dos primórdios do cristianismo, aos canonistas e às jurisprudências
conciliares, o periódico bolivariano concluía quanto aos eclesiásticos: “morando nas Cidades,
comendo e gozando dos prazeres da sociedade, cremos ser absolutamente impossível que em
sua maior parte sejam castos”.102 Na esteira dos decretos de Simón Bolívar, assinados em
dezembro de 1825 e dispondo sobre o confisco dos bens do clero regular para destiná-los ao
financiamento da instrução pública,103 El Condor de Bolivia propunha que se convertessem as

98
A Aurora Fluminense, nº 94, 28/03/1828.
99
Ibidem, nº 94, 28/03/1828.
100
KIDDER, Daniel P. Op. cit., p. 267.
101
El Condor de Bolivia, nº 120, 20/03/1828.
102
Ibidem, nº 47, 26/10/1826.
103
Os decretos de Bolívar foram promulgados enquanto o libertador percorria os territórios do sul do Peru e do
Alto Peru, onde seria estabelecida a República da Bolívia. Assim, os decretos dispondo sobre os bens da Igreja e
do clero regular tiveram efeitos nos dois territórios. Ver: MAZILÃO FILHO, Ageu Quintino. A política pública
167

beatas em enfermeiras: “o governo deveria reunir em Santa Rosa as beatas de Santa Catarina,
para que todas, por meio de um regulamento sensível, se ocupassem, em assistir aos enfermos
do hospital.”104
No Brasil, contra as investidas dos setores mais afeitos à hegemonia disciplinar
eclesiástica da Santa Sé, os regalistas liberais incluiriam, em sua agenda de reformas, o
enfraquecimento e, no limite, a extinção das ordens religiosas. O imperativo de secularização
dos regulares surgiu nas páginas da Aurora Fluminense, que reproduzia as notícias de dois
periódicos moderados de Minas Gerais, O Universal e o Astro de Minas.105 O tema abordado
seria a instrução pública em Minas Gerais, cuja influência dos lazaristas deveria ser evitada:
“Que inimigos de todo o bem lhe não preparem já novos Caraças, e recrutamentos
assoladores”.106 A instituição, com sede na região serra do Caraça,107 deveria ser combatida a
partir do desenvolvimento de instituições seculares de ensino: “Nós acreditamos que a fundação
de um Liceu, ou curso de Humanidades no lugar da Província, que se julgar apto, é de muita
necessidade: até para opor barreira ao espírito monacal que os Caraças vão espalhando por entre
os mineiros”.108 Assim, a imprensa moderada, sediada no eixo centro-sul do Império, promovia

educacional de Simón Rodriguez para Peru e Bolívia. 2017. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, pp. 83-89.
104
El Condor de Bolivia, nº 51,23/ 11/1826.
105
O Universal começou a circular no ano de 1825, em Ouro Preto e, segundo José Pedro Xavier da Veiga, esteve
sob os auspícios de Bernardo Pereira de Vasconcelos até 1836, passando então a um “antagonismo, que tornou-se
hostilidade vigorosa e tenaz, àquele notável chefe político e estadista.” A partir de então O Universal ficaria a
cargo do liberal moderado José Pedro Dias de Carvalho (1808-1881). O Astro de Minas foi publicado em São João
del-Rei, entre os anos de 1827 e 1839, a cargo de Batista Caetano de Almeida (1797-1839), proeminente líder da
moderação mineira. Ver: AMARAL, Alex Lombello. O Astro de Minas contra a correnteza. 2003. (Monografia)
– Departamento de Ciências Sociais. UFSJ, São João del Rei; VEIGA, J. P. Xavier da. A Imprensa em Minas
Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro preto, Ano III, 1898, p. 202 e segs.
106
A Aurora Fluminense, nº 38, 28/04/1828.
107
O Seminário do Caraça foi criado a partir da herança deixada pelo português, irmão terceiro de São Francisco,
Lourenço de Nossa senhora. Em 1774, o referido personagem, envolto nos meandros hierárquicos da sociedade
colonial luso-brasileira, recebeu permissão para construir um templo. Da ermida construída a partir de esmolas e
doações, o lugar agregou um capelão e alguns irmãos da Ordem Terceira de São Francisco. O fundador da capela
dedicada à Nossa Senhora Mãe dos Homes e São Francisco sofreu resistências, por parte da coroa, em suas
investidas no sentido da instalação de irmãos missionários de Ordens Primeiras em seu eremitério. Em 1790,
Lourenço recebeu um breve do papa Pio VI (1775-1799) para abrir uma irmandade. Em 1792, requereu ao
Conselho Ultramarino a criação da “Irmandade de N. Senhora Mãe dos Homens e de São Francisco das Chagas,
da freguesia de Catas Altas”. Em testamento de 1805, o irmão Lourenço manifestou-se no intuito de legar sua obra
para que se tornasse um “hospício de missionários”. Em 1806, Lourenço e os outros membros da confraria, sob a
vigilância desconfiada das autoridades do Seminário de Mariana, requereram a proteção de d. João VI, herdeiro
da sesmaria adquirida por Lourenço. Com a morte do eremita em 1819, o testamento foi aberto por d. João VI, que
mandou instalar no Caraça um “hospício de missionários”. Ali, instalaram-se os lazaristas franceses. Ver:
BORGES, Célia Maia. Os leigos e a administração do sagrado: o irmão Lourenço de N. Sr.ª e a Irmandade Nossa
Senhora Mãe dos Homens – Minas Gerais, século XVIII. Locus: revista de história, Juiz de Fora, v. 21, n. 2, p.
397-414, 2015; CARRATO, Jose Ferreira. As Minas Gerais e os primórdios do Caraça. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1963, pp. 258 e segs.
108
A Aurora Fluminense, Nº 145, 23/01/1829.
168

uma agenda reformista, regalista, liberal e ilustrada, em contraposição aos alegados agentes de
hábitos herméticos, típicos do absolutismo monárquico e do catolicismo ortodoxo.
Em Minas Gerais, o periódico O Universal atracaria os lazaristas do Caraça e, após
tomar os jesuítas por “sacerdotes de Baal e de Belphegor”, valia-se de um questionamento:
“Teremos Jesuítas entre nós? Muita gente sensata o afirma. Será certo que os Caraças são
Jesuítas? Indagai, vigiai-os. Eles, como os Jesuítas, apossaram-se do ensino da mocidade, e
estão-se enchendo de bens, prédios e fazendas.”109 Cumpre notar que o Império brasileiro era
esboçado sob certa subserviência aos ditames das ordens regulares, em um quadro de soberania
deficitária, sem precedentes no histórico do período colonial luso-brasileiro: “Em Minas nos
tempos despóticos nunca houveram [sic] frades, e hoje, em tempo de Constituição, vemos
frades em Minas. É motivo para pensar.”110 A presença dos lazaristas no Império soava como
uma ameaça à própria legitimidade do Estado nacional, resquícios de um jesuitismo combatido
por Pombal:

Será certo, que os Caraças tem, ou tiveram na Secretaria d’Estado uma Bula obtida em
Roma, que os isentava de toda a jurisdição temporal e espiritual do Brasil onde residem?
E que pediram o beneplácito Imperial para ela? Ignoramos. E pode haver autoridade
alguma sobre a terra que possa tal conceder, permitir, ou fazer? E haverá ainda quem
tolere um atentado desta natureza, e quem ouse solicitá-lo em Roma? O caso é tão grave
e importante e de tais consequências para a Igreja e para a Nação, que duvidamos tivesse
lugar este absurdo. Se tal houve, eis aí, os Reverendos Caraças Jesuítas de fato
concedendo ao Papa um poder absolutíssimo na Igreja e no Império, uma superioridade
ilimitada em intensão e extensão sobre todas as coisas criadas: os Soberanos e os
Impérios sujeitos aos Papas; os Bispos meros espantalhos, que verão a cada passo seus
súditos iludi-los, zomba-los, e escarnece-los.111

O Universal, à época ainda sob os auspícios de Bernardo Pereira de Vasconcelos,


repudiava a presença de ordens, sem que estas não se curvassem à prerrogativa de soberania
territorial inerente ao Estado nacional: “Quem não quer ser sujeito à jurisdição de um país, não
entra nele, ou sai in continenti. É para isso necessário Bula alguma? Que orgulho residir em
uma Nação e dedignar-se de ser sujeito a seu Monarca, e a suas leis!”112 Para fundamentar seu
evidente apelo à secularização dos espaços, das mentes e das ideias, pedia “Cautela e vigilância
com o Caraças”, ao mesmo tempo em que recomendava “a obra do Arcebispo De Pradt –
Jesuitismo antigo e moderno”.113 Por fim, mostrava que os mais ilustrados opositores dos

109
O Universal, no 446, 28/05/1830.
110
Ibidem, no 446, 28/05/1830.
111
Ibidem, no 446, 28/05/1830.
112
Ibidem, no 446, 28/05/1830.
113
Ibidem, no 446, 28/05/1830.
169

jesuítas fizeram escola no interior da própria ordem: “Que podem fazer os Jesuítas? Que fizeram
eles com Pascal, Montesquieu, Voltaire, Rainal que beberam suas lições? Nada. Com os
Jesuítas estudaram as doutrinas com que os combateram e profligaram. Não há que temer
Jesuítas com Imprensa Livre”.114
Um dos principais periódicos moderados de Minas Gerais, o Astro de Minas, também
alvejaria os padres do Seminário do Caraça, insinuando sua “afeição ao jesuitismo”.115
Coincidência ou não, o Astro de Minas tinha entre seus colaboradores o padre José Antônio
Marinho, que concluiu seus estudos e lecionou no Seminário do Caraça.116 Um correspondente
cognominado “O Aldeão” questionou a tese da plenitude do poder papal, defendida pelo diretor
do seminário: “Consta-me aqui com certeza, que o P. Mestre Leandro ex Diretor do Colégio do
Caraça, propagou publicamente nessa Vila, onde estivera há poucos dias, a doutrina de que o
Papa era superior ao Concílio geral, e que sem Papa não há Concílio geral.”117 A defesa do
posicionamento conciliarista seria fundamentada em críticas e também na opinião de um dos
nomes mais proeminentes da referida corrente:

Parece-me, Sr. Redator, suficientíssimo para mostrar a falsidade de tão absurdas


proposições , reconhecidas só por Ultramontanos e Jesuítas, apresentar o artigo abaixo
transcrito, copiado do Livro intitulado = Modos de unir e reformar a Igreja no Concílio
Geral = o qual se acha no Tom. 2 das Obras do Venerável João Gerson a pag. 163,
composto por este Teólogo no tempo do Concílio de Constança onde se achou.118

Gerson fora defensor da autonomia eclesiástica galicana, encarnada no concílio dos


bispos, frente ao Papa, colaborando para a formação de uma “tradição teórico-política” gestada
na transição entre o Medievo tardio e os primeiros laivos da Renascença Moderna.119 Para

114
O Universal, no 446, 28/05/1830.
115
O Astro de Minas, no 30, 26/01/1828.
116
José Antônio Marinho nasceu em 1803, na freguesia do Brejo Salgado, norte de Minas Gerais. Mulato de
origem humilde, Marinho foi apadrinhado por um próspero fazendeiro, que se incumbira de enviá-lo para Coimbra,
o que não foi possível em decorrência dos conflitos pela Independência. Foi então para o Seminário de Olinda e,
em Pernambuco, envolveu-se na Confederação do Equador em 1824. Por este motivo, teve interrompida sua
carreira eclesiástica no nordeste do Império e voltou para Minas, onde se tornou professor primário particular.
Ainda a expensas de seu protetor, José Antônio Marinho concluiu os estudos no Seminário do Caraça, onde
também lecionou filosofia. Na carreira eclesiástica, foi pároco, pregador e cônego honorário da Capela Imperial,
camareiro secreto de Pio IX, cura do Santíssimo Sacramento da Sé do Rio de Janeiro e comendador da Ordem de
Cristo. Trabalhou na área jurídica, lecionou filosofia em Congonhas, Ouro Preto e São João del-Rei. Com a
ascensão da hegemonia Saquarema, abandonou a política e fundou o Colégio Marinho, no Rio de Janeiro. Foi
ainda vereador, juiz de paz, deputado provincial e geral. Na imprensa, colaborou nos seguintes órgãos de tendência
liberal: Jornal da Sociedade Promotora da Instrução Pública e Constitucional, de Ouro Preto; Astro de Minas,
Despertador Mineiro e Americano, de São João del-Rei; Correio Mercantil, do Rio de Janeiro. Ver: SILVA,
Wlamir. Liberais e povo... Op. cit., pp. 112-114.
117
O Astro de Minas, no 34, 05/02/1828. (Grifos do autor).
118
Ibidem, no 34, 05/02/1828. (Grifos do autor).
119
CULLETON, Alfredo. Op. cit., p. 470.
170

Gerson, o Papa estaria “sujeito às leis divina e natural e, em inúmeros aspectos, às leis humanas,
por exemplo, em questões estritamente terrenas e no exercício da jurisdição espiritual e
temporal”.120 Já o direito natural baseava-se na reciprocidade jurídica entre o governante e seus
governados, princípio estendido ao Papa e a toda a Eclésia.121 Desse modo, o Astro de Minas
evocava um representante das teorias corporativas do poder, que tiveram, como já se informou
nesta tese, amplo alcance no ambiente intelectual luso-brasileiro dos séculos XVII e XVIII,
para embasar as críticas dos liberais regalistas aos acólitos da Sé romana:

Para se tirar toda a dificuldade na convocação do Concílio geral, digo que quando se
trata de depor o Papa, de o repreender, de limitar a sua autoridade: de nenhuma sorte
compete ao Papa a convocação do Concílio geral; mas sim aos Prelados, Cardeais,
Bispos, e Príncipes seculares; de entre os quais se devem escolher alguns, que com a
sua autoridade possam ajudar o Concílio.
Mas por ventura este Concílio geral, a que não preside o Papa, não é superior na
autoridade, superior na dignidade, superior no ofício: porque ao tal Concílio está o Papa
obrigado a obedecer em tudo. O tal Concílio pode limitar o poder do Papa: porque ao
tal Concílio que representa a Igreja Universal, é que foram dadas as Chaves para ligar e
absolver. O tal Concílio pode abrogar os Direitos do Papa: e ninguém pode apelar deste
Concílio. O tal Concílio pode eleger o Papa, privá-lo, e depô-lo. O tal Concílio pode
estabelecer novos Direitos, e abolir os antigos. Pode também fazer Constituições,
Estatutos, e Regras, que sejam imutáveis, e em que não possa dispensar pessoa alguma
inferior ao Concílio. Nem o Papa tem, ou teve jamais poder para dispensar contra os
Cânones Santos dos Concílios gerais, senão quando o Concílio especialmente lhe
permitir por grande causa, que para isso haja. Nem o Papa pode mudar os Estatutos do
Concílio, e nem ainda interpretá-los, ou dispensar contra eles. Porque estes Estatutos
são como Evangelhos, que não admitem dispensa, e sobre os quais não tem o Papa
jurisdição alguma.122

Além de refutar as referências político-eclesiológicas do diretor do Seminário do


Caraça, o Astro de Minas também apontaria suas práticas de censura. Ao comentar a iniciativa
de Bernardo Pereira de Vasconcelos à frente da criação de um “novo Estabelecimento em
Congonhas do Campo”, o artigo clamava pelo encerramento das atividades do seminário.123
Era “indispensável que as Autoridades constituídas” mandassem “fechar as portas de tais
métodos de ensino”, pois os “Padres do Caraça não leem nem permitem leitura de periódicos,
desde que eles se ocupem dos Jesuítas.”124 Os lazaristas seriam os “novos Jesuítas”, “Gaviões
do Caraça”, aos quais se opunha certo correspondente, “inimigo dos Jesuítas”, além de Feijó e
o então líder moderado Bernardo Pereira de Vasconcelos. Romualdo Seixas e o bispo do

120
CULLETON, Alfredo. Op. cit., p. 482
121
Ibidem, p. 483.
122
O Astro de Minas, no 34, 05/02/1828.
123
Ibidem, no 44, 28/02/1828.
124
Ibidem, no 44, 28/02/1828.
171

Maranhão, Marcos Antônio de Sousa (1771-1842),125 por sua vez, sairiam em defesa dos
missionários franceses.126
Ao disseminar a necessidade de combate ao “jesuitismo” dos padres do Caraça, os
periódicos moderados de Minas Gerais e a Aurora Fluminense desestimulavam o crescimento
da adesão às ordens entre os jovens: “Deus permita que passe quanto antes a Lei proposta na
Câmara dos Senhores Deputados, para por um termo à admissão de gente moça nas ordens
religiosas.”127 As ordens religiosas seriam “viveiros de arrependidos” que não convinham ao
“nosso estado de civilização”.128 Entre as ofensivas dos liberais regalistas em relação às ordens
religiosas, estaria a proposta de apropriação de seus bens para sanar dívidas do Estado ou
mesmo erigir espaços de ensino, em um diapasão próximo às iniciativas de Simón Bolívar no
Peru e na Bolívia.129 No Brasil, da transição do Primeiro Reinado para as Regências, de acordo
com Françoise Jean, o desfecho de tais discussões foi “uma legislação que disciplinava a
atividade e os bens das Ordens religiosas vedando-lhes a admissão de noviços e a obediência
aos superiores no estrangeiro.”130
O clero liberal e regalista, mobilizado na dinâmica da imprensa moderada que se
consolidava no centro-sul do Império, esboçou uma agenda ligada diretamente ao papel da
Igreja e de seus representantes no âmbito do contrato coletivo. A defesa da submissão das
ordens religiosas aos poderes seculares relacionava-se a uma articulação de ações, das quais
derivariam uma reestruturação administrativa e financeira do próprio Estado nacional e da
Igreja brasileira.131 Nesse enquadramento, surgia também o já referido projeto, apresentado no

125
Marcos Antônio de Sousa nasceu na cidade da Bahia em 1771. Na mesma capitania em que nasceu, fez seus
estudos secundários e iniciou sua carreira eclesiástica. Em 1820, foi eleito deputado às Cortes de Lisboa,
defendendo a Independência quando da iminente ruptura do Reino Unido. Durante a primeira legislatura, fez coro
a d. Romualdo Seixas na defesa das prerrogativas tridentinas. D. Marcos foi o primeiro bispo indicado por d. Pedro
I, em 1826, e sua confirmação pelo papa Leão XII ocorreu em 1827. SILVA, Joelma Santos da. Entre a Igreja e o
Império: D. Marcos Antônio de Sousa, o primeiro bispo do Brasil independente. SÆCULUM - REVISTA DE
HISTÓRIA [33]; pp. 49-69, João Pessoa, jul./dez. 2015.
126
O Astro de Minas, no 45, 01/03/1828; no 59, 03/04/1828; no 80 22/05/1828; no 88, 10/06/1828.
127
A Aurora Fluminense, nº 48, 28/05/1828.
128
Ibidem, nº 48, 28/05/1828.
129
MAZILÃO FILHO, Ageu Quintino. Op. cit., pp. SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. cit., p. A Aurora
Fluminense, nº 66, 11/07/1828.
130
Na década de 1850, o problema das ordens religiosas novamente tomaria fôlego na esfera pública, a partir da
ação de Nabuco de Araújo, cujo resultado foi “cassar as licenças concedidas para a entrada de noviços em todos
os conventos do Império até que fosse assinada uma concordata com a Santa Sé, o que nunca chegou a acontecer.”
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. Cit., p. 346.
131
Cumpre sempre lembrar o caráter histórico da indisposição com as ordens regulares no território brasileiro,
sobretudo com relação aos jesuítas. No caso do período posterior à Independência, o debate teve início em
setembro 1827, por iniciativa de Ferreira França, que propôs o fim do celibato e da admissão de noviços. Em
outubro do mesmo ano, Feliciano Nunes Pereira (1785-1840) apresentou uma proposta para proibir a admissão de
frades estrangeiros no Brasil e para fixar em 50 anos a idade mínima para que noviços brasileiros fossem admitidos
nas congregações e conventos. Na ocasião, o deputado Paula Souza (1791-1852) apresentou uma emenda segundo
172

Conselho Geral da Província de São Paulo, de criação de uma Constituição Eclesiástica.


Proposta semelhante chegou à Assembleia Geral, por iniciativa da Comissão Eclesiástica
composta por Feijó, José Bento e Maria Moura.132 O periódico de Evaristo da Veiga apoiou a
Comissão e destacou, com relação à proposta, a “divisão, e ereção de Paróquias em todo o
Império; a criação de uma Caixa Eclesiástica; a reforma dos Cabidos, e da ordenação dos
Padres, &c”.133
Nas discussões envolvendo a estrutura político-administrativa e o exercício do poder
sobre as competências eclesiásticas, a Aurora Fluminense recorria novamente aos periódicos
moderados de Minas Gerais. Em 1829, a Aurora reproduziria, do Universal, as propostas do
Conselho Geral de Província de Minas Gerais, no qual tramitava uma “proposta do Senhor
Melo e Souza sobre a Pastoral de S. Ex.a R.ma de 29 de novembro pp.”134 A referida pastoral
fora escrita por d. frei José, bispo de Mariana, opondo-se a um decreto da Assembleia Geral ao
proibir matrimônios celebrados em capelas filiais135 e sem a autorização do bispado.136 D. frei
José sofreria a oposição do desembargador Melo e Sousa no Conselho Geral de Província de
Minas Gerais e, na imprensa, seria alvejado pelo vigário de Sumidouro, Francisco Rodrigues
de Paula, cuja resposta em oposição à pastoral do bispo fora publicada pelo Universal.137 Sobre
d. frei José à frente da diocese de Mariana, A Aurora Fluminense afirmaria que:

O Exmo Bispo continuava a ser reconhecido patrono do Telégrafo, que cada vez está
mais estúpido. Em uma Pastoral última S. E. R. atribui à desenfreada liberdade dos
nossos tempos o desacato cometido na Igreja de N. S. de Nazareth do Inficionado:
porém nós supomos que esse atentado nada tem com liberdade, e que n’outros, saudosos
tempos eram muito mais comuns semelhantes delitos.138

a qual estariam proibidos frades, congregados, ordens ou corporações estrangeiras de qualquer denominação.
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. Cit., pp. 342 e segs.
132
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. Cit., pp. 342 e segs.
133
A Aurora Fluminense, nº 63, 04/07/1828.
134
Ibidem, nº 156, 20/02/1829.
135
Na estrutura eclesiástica herdada do período colonial, cujo núcleo central era o arcebispado da Bahia, as capelas
filiais estavam subordinadas às igrejas matrizes das paróquias que, por sua vez, respondiam às dioceses. Ver:
CORBALAN, Cléber Roberto Lopes. A Igreja Católica na Cuiabá Colonial: da primeira Capela à chegada do
primeiro Bispo (1722-1808). 2006. Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, pp. 34 e segs.
136
ALMEIDA, Gabriela Berthou. Jogos de poderes: o seminário de Mariana como espaço de disputas políticas,
religiosas e educacionais. 2015. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, pp. 36 e segs; AZZI, Riolando. Igreja e Estado em Minas Gerais: crítica
institucional. Síntese. No 38, pp. 23-52, 1986, pp. 30-31; LUZ, Estevão de Melo Marcondes. Incendiárias folhas:
ação política e periodismo na trajetória do Padre Antônio José Ribeiro Bhering (1829-1849). 2016. Tese
(Doutorado em História) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, pp. 34 e
segs; TRINDADE, José da Santíssima, Dom Frei. Op. cit., pp. 26-27.
137
O Universal, no 241, 26/01/1829.
138
A Aurora Fluminense, nº 428, 24/12/1830. (Grifos do autor).
173

Para a Aurora, os equívocos do prelado de inspiração conservadora e ultramontana


representavam o avesso da liberdade característica aos tempos de Independência. A campanha
empreendida pelos moderados contra d. frei José surtiu efeito e, com ascensão do grupo nas
fileiras do governo regencial, o bispo foi obrigado a demitir dois de seus principais auxiliares
na diocese, os frades Antônio da Conceição e Manuel do Espírito Santo.139 O padre Ribeiro
Bhering, por sua vez, noticiaria no Novo Argos a revogação da referida pastoral pelo próprio
bispo em 1832, pois, “pessoas assaz instruídas em tais matérias encarregaram-se de provar a
sua ilegalidade, e os inconvenientes, que ia produzir”.140 Bhering rememorava a atitude do
poder secular, na figura do corregedor geral Melo e Sousa, diante da pastoral no Conselho de
Província: “o C. G. da Província representou por 2 vezes ao Poder Legislativo contra as suas
disposições, propondo que fosse derrogada por nula, e abusiva.”141 Por fim, aproveitava para
atacar os “apologistas” da pastoral, os quais estariam “entre os aduladores do Bispo, e pessoas
interessadas na percepção desses emolumentos, que injustamente gravavam o povo. S. Ex.
agora corrige o seu erro, e assim satisfaz o Público, e confunde os aduladores, e ambiciosos.”142
Além das brigas com os setores de tendência católica ortodoxa e conservadora,
próximos à ala caramuru, a Aurora Fluminense entrou em contendas com os setores exaltados,
quando buscou delinear os limites do federalismo no âmbito do Estado nacional brasileiro. Em
1831, a folha moderada publicaria um artigo de Joaquim Manoel Carneiro da Cunha143 contra
os rumores separatistas surgidos no nordeste do Império, a partir de “princípios declarados por
dois escritores – redatores da Bússola e do Diário, e pelos membros de uma sociedade instalada
na capital de Pernambuco”.144 O periódico A Bússola da Liberdade circulou no Recife, entre
1831 e 1834, compondo a conjuntura de uma imprensa protagonizada por sacerdotes, uma
imprensa “abatinada” nos dizeres de Borges da Fonseca.145 Seu redator era o padre João

139
LUZ, Estevão de Melo Marcondes. Op. cit., pp. 155-156.
140
O Novo Argos, no 137, 03/07/1832.
141
Ibidem, no 137, 03/07/1832.
142
Ibidem. no 137, 03/07/1832.
143
Carneiro da Cunha nasceu em Pernambuco e esteve entre os revoltosos de 1817, o que lhe rendeu uma prisão
até o ano de 1821. Foi eleito à Constituinte de 1823, ocasião em que participou dos debates sobre a instrução
pública e a criação de uma universidade. Ver: FERRONATO, Cristiano. A Instrução Pública na Província da
Parahyba do Norte: A Influência da Família Carneiro da Cunha – 1823-1874. Revista Tempos e Espaços em
Educação, UFS, v. 1, p. 21-32 jul./dez. 2008, pp. 9-10.
144
A Aurora Fluminense, nº 560, 23/11/1831.
145
Antônio Borges da Fonseca nasceu em 1808, na cidade da Paraíba. Estudou no Liceu Pernambucano e no
Seminário de Olinda, graduando-se em direito pela Universidade da Alemanha. Borges da Fonseca teve discreta
participação na Confederação do Equador. Em Pernambuco, fundou a filial da sociedade secreta Jardineira ou
Carpinteiros de São José, que se opunha à associação caramuru Colunas do Trono e do Altar. Entre 1828 e 1869,
redigiu mais de vinte e cinco periódicos na Corte, na Paraíba e em Pernambuco, dentre os quais um dos mais
famosos seria O Repúblico. Em 1848, Antônio Borges da Fonseca perfilou-se aos praieiros, sendo por isso
condenado a uma prisão perpétua anistiada em 1851. Ver: BASILE, Marcelo. Op. Cit., pp. 133-135; FONSECA,
174

Barbosa Cordeiro, membro idealizador e presidente da Sociedade Federal em Pernambuco,


provavelmente a “sociedade” citada pela Aurora.146 Sobre o referido Diário, Werneck Sodré
destacou o Diário de Pernambuco, que circulou entre 1825 e 1839 e seria de “posições
conservadoras”.147
Com relação aos valores apregoados pelos dois periódicos de Pernambuco, Carneiro da
Cunha fazia menção à “necessidade de proclamar-se já a federação sem esperarem pelas
reformas propostas, e aprovadas na Câmara dos Deputados, como juntamente a conveniência
da reunião das províncias de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, e Ceará”.148
A Bússola da Liberdade e o Diário de Pernambuco, de inspirações políticas distintas em um
nordeste instigado pelo republicanismo, de fato fizeram a defesa da federação, identificando-a
ao “interesse comum, do qual procede a segurança dos Estados”149 e caracterizando-a como
“único governo que pode fazer o Brasil feliz”.150 Sobre a necessidade da federação, Carneiro
da Cunha seria cauteloso, no artigo publicado pela Aurora Fluminense. Desse modo, ponderava
sobre as negociações pela promulgação de uma reforma constitucional, que já previa a definição
de circunscrições político-administrativas distintas, demarcando as competências do centro e
das províncias:

nenhuma necessidade há (antes muito perigo) de semelhante precipitação em matéria


de semelhante magnitude, tendo já a Câmara dos Deputados (...) feito uma grande
reforma na Lei, que marcou as atribuições da Regência, com a qual afrouxou
consideravelmente os laços do Governo central, atribuindo aos Presidentes em Conselho
poder para darem, e confirmarem todos os lugares, e empregos no civil, e no eclesiástico
à exceção de Presidentes, Bispos, e chefes das Juntas de Fazenda; força armada de mar,
e terra, que por sua natureza e bem do Estado precisa de um centro comum para sua
melhor distribuição.151

Silvia C. P. Brito. O ideário republicano de Antônio Borges da Fonseca. Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH. São Paulo, julho 2011, p. 1.
146
A Sociedade Federal foi organizada pelas forças exaltadas e erigiu-se na esteira do associativismo político
protagonizado pela Sociedade Defensora dos moderados. Tais círculos político-intelectuais contribuíam para a
emergência e a consolidação de “sociabilidades públicas”, em contraste com as “entidades secretas” típicas de uma
esfera pública ainda marcada por práticas do absolutismo. Este era o caso da maçonaria que, mesmo tendo abrigado
as fileiras da Ilustração, originou-se e desenvolveu-se sob o signo de certo hermetismo. A Sociedade Federal surgiu
primeiramente em Pernambuco e Bahia, depois em São Paulo e na Corte, mobilizando os porta-vozes de uma
reforma constitucional com vistas a uma “monarquia federativa”. A defesa de uma maior autonomia em âmbito
provincial e municipal foi o princípio norteador da Sociedade Federal que, no limite, originou-se de certo consenso
exaltado sobre tal necessidade. Ver: BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit., pp. 15 e segs; BASILE, Marcello.
Op. Cit., pp. 228-250; SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit., p. 121-123; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op.
Cit., pp. 105-106.
147
SODRÉ, Nelson Werneck. Op. Cit., p. 136.
148
A Aurora Fluminense, nº 560, 23/11/1831.
149
Bússola da Liberdade, no 31, 12/10/1831.
150
Diário de Pernambuco, no 244, 14/11/1831.
151
A Aurora Fluminense, nº 560, 23/11/1831.
175

A julgar pelo texto do deputado Carneiro da Cunha, a reforma concebida pela Câmara
contemplaria uma arquitetura equilibrada dos poderes e incidiria também sobre o
preenchimento dos cargos atinentes à hierarquia eclesiástica. A propalada federação dos
exaltados não traria benefícios ao Império, na medida em que a própria unidade dependeria do
monopólio de algumas escolhas por parte da Corte. Ao poder central caberia conduzir as
“relações exteriores” e, longe de abusos partidários provinciais, controlar os postos hierárquicos
mais altos: “Sobre a necessidade de federação já; que fruto se tiraria daí, e que vantagens (...)?
A nomeação de um Presidente, de um Bispo, e de um chefe da Junta da Fazenda? Conseguir-
se-ia um melhor presidente, do que o já nomeado? Não.”152 A resposta da Bússola da Liberdade
a Carneiro da Cunha viria detalhada, explicitando suas divergências quanto aos aspectos
fundamentais da reforma debatida:

se em vez de se contentarem os Snrs. unitários com afrouxar somente os laços do


Governo central, os desligarem de todo no que respeita ao regimen interno, e deixarem
as Províncias como Estados independentes relacionarem-se com as Potências
estrangeiras no que respeita a seu comércio e indústria e só unirem-se à Corte em
negócios tendentes ao interesse geral do Brasil, logo não haverá esse receio que
inculca.153

O aprofundamento das autonomias provinciais deveria alcançar as relações exteriores,


com o intuito de realocar as cadeias produtivas em uma reestruturação político-administrativa.
De modo irônico, o padre João Barbosa Cordeiro, ao reproduzir as dúvidas de Carneiro da
Cunha, responderia a este sobre a nomeação dos cargos da alta hierarquia política e eclesiástica
pelos poderes provinciais: “A nomeação de um Presidente, de um Bispo, e do chefe de Junta da
Fazenda? (Sim Senhor)”.154 A federação dos exaltados era caracterizada por uma autonomia
provincial ainda mais ampla que a “monarquia federativa” prevista na reforma aprovada pela
Câmara. As reformas aprovadas pela Câmara, em 1831, não encontrariam respaldo em um
Senado de forte presença caramuru e, para os exaltados, não contemplariam a agenda da
federação. Ainda que Diogo Antônio Feijó e seus companheiros regalistas estivessem à frente
das movimentações do já referido golpe de julho de 1832, buscando implementar as reformas
com a aclamação da Constituição de Pouso Alegre, a Bússola da Liberdade empreendia uma
dura campanha contra a “fingida moderação”.155

152
A Aurora Fluminense,nº 560, 23/11/1831.
153
Bússola da Liberdade, no 54, 22/01/1832. (Grifos do autor).
154
Ibidem, no 54, 22/01/1832. (Grifos do Autor).
155
Ibidem, no 53, 20/01/1832. (Grifos do autor).
176

Além da defesa do fortalecimento das prerrogativas político-administrativas


provinciais, a Bússola da Liberdade mostrava ainda a sua indisposição para com a figura de
Feijó, diante das censuras, “infrações contra anarquistas”,156 que o então detentor da pasta da
Justiça empreendia. O periódico do padre Barbosa Cordeiro citava uma correspondência
publicada no Diário de Pernambuco. Nesta, certo “Pernambucano” noticiava o fato de que
“Abrem as cartas no correio depois do Padre Feijó”, ponderando: “a primeira culpa é dos
Empregados daquela Repartição, que aliás não são escravos do Ministro, e a segunda do
Ministro do Império, que é o que governa ali, e que também não está sujeito ao Ministro da
Justiça.”157 Algumas edições mais tarde, a Bússola da Liberdade compararia o padre de Itu aos
“Jesuítas” e “Dominicos”, destacando a “tolerância de opressão” e “o poder de perseguir,
exterminar, matar, queimar, &c.”158 Já a Aurora Fluminense seria “pior que todos os Caramurus
do Mundo.”159
A figura religiosa Feijó tornava-se uma metáfora das leituras múltiplas que seus
antagonistas fariam do juste-milieu moderado. Se os liberais moderados pareciam “jacobinos”
aos olhos dos caramurus, aos exaltados soavam tímidos em sua agenda de reformas. Feijó, para
d. Romualdo Seixas, estava entre os “Reformadores e Jansenistas”,160 mas segundo a Bussola
da Liberdade era comparável aos “Inquisidores do Santo Ofício”.161 Alvos de críticas dos
extremos do espectro político, Feijó e seus correligionários articulavam-se no centro-sul do
Império, com grande influência na imprensa e mobilizados pelo protagonismo de uma estrutura
eclesiástica cada vez mais integrada à vida civil e política. Era uma agenda ampla de reformas,
desagradando a alguns por não prescindir de prerrogativas centralizadoras e a outros, por seu
viés ilustrado e secular. O clero regalista liberal incidia seus interesses sobre a dinâmica
orçamentária, o exercício das competências eclesiásticas e a própria estrutura do regime
monárquico, abordando ainda aspectos referentes aos limites da cidadania.
Com efeito, para a Aurora Fluminense e seus congêneres moderados, a Igreja e seus
representantes seriam artífices da institucionalização política do Estado nacional, o que se
tornaria possível através da progressiva nacionalização da religião e da reforma também na
disciplina do próprio clero. Regalistas liberais buscavam certa horizontalidade na integração de
alguns indivíduos e grupos ao corpus jurídico-político da nação independente, se bem que

156
Bússola da Liberdade, no 54, 22/01/1832. (Grifos do autor).
157
Diário de Pernambuco, no 283, 11/01/1832. (Grifos do autor).
158
Bússola da Liberdade, no 59, 07/02/1832.
159
Ibidem, no 117, 15/08/1832.
160
SEIXAS, Romualdo Antônio de Seixas. Reflexões de Dom Romualdo Antônio de Seixas, Arcebispo da Bahia...
In: LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. Cit., p. 93.
161
Bússola da Liberdade, no 59, 07/02/1832.
177

dentro dos limites de uma sociedade escravocrata e com forte presença dos valores
remanescentes do Antigo Regime. Nas páginas da Aurora Fluminense, sob influência de Feijó,
defendia-se a responsabilização civil do clero, com a supressão de foros privilegiados, 162 além
da secularização do contrato do casamento, o que permitiria estender a cidadania brasileira aos
colonos protestantes.163
Síntese dessa perspectiva de um clero concebido sob a égide de uma cidadania secular,
em certo sentido supra-religiosa, foi dada por Pedro de Alcântara de Cerqueira Leite.164 quando
defendeu seu irmão, padre José Cerqueira Leite, das acusações de “ateu” e “republicano”,
desferidas pelo periódico O Verdadeiro Caramuru.165 Nas páginas da Aurora, Cerqueira Leite
afirmava: “nosso Clero acompanha o espírito do século, que não tem privilégios, nem interesses
diferentes dos da totalidade da Nação, e que constantemente em geral é afeto ao sistema
Liberal.”166 Assim, os regalistas liberais almejavam empreender reformas que fizessem jus à
própria realidade secular do clero no Brasil, adequando o ordenamento jurídico-eclesiástico
vigente às práticas retratadas de modo preciso por Auguste de Saint-Hillaire:

Quanto ao mais, se os sacerdotes estão longe de serem isentos de defeitos, devemos


reconhecer com prazer que não têm o da hipocrisia: mostram-se tais quais são, e não
procuram passar pelo que não são, usando de solenes discursos e atitudes austeras. Fora
das cidades sua maneira de vestir não se distingue, em absoluto, da dos leigos, e

162
A cobertura da Aurora sobre a questão do foro privilegiado foi feita a partir das discussões que dividiram Feijó
e d. Romualdo na Assembleia Geral, nas quais o padre de Itu defenderia que a punição de crimes contra a religião
não poderia ser de natureza secular. Já d. Romualdo defendia que o clero não poderia ser apartado do direito de
impor sanções temporais aos crimes de blasfêmia, sustentando um posicionamento baseado na teoria tridentina da
Igreja como sociedade perfeita e também no princípio, caro ao Antigo Regime, de que à Igreja caberia auxiliar e
legitimar os poderes do Estado monárquico. Ver: SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. Cit., pp.355 e segs; A
Aurora Fluminenses, nº 211, 10/07/1829; nº 213, 15/07/1829.
163
O projeto sobre a secularização do contrato matrimonial era do então senador Nicolau Campos Vergueiro (1778-
1859), para quem “ao Poder Temporal tocava regular o contrato, e à Igreja o sacramento”. Em consonância com a
opinião de Feijó, o projeto visava desvincular o contrato civil do sacramento religioso, pois “negar a necessidade
d’uma Lei, que regula o matrimônio dos não-católicos, era entregar esses Cidadãos, e Colonos, que vieram para o
ser, à necessidade do concubinato, à privação de direitos, de que gozam os outros Cidadãos”. Citando a
“imoralidade” e a “desordem social” que resultariam da negação do contrato aos cidadãos-colonos, o periódico
moderado sublinhava ironicamente as informações obtidas através do discurso de Vergueiro, pois, “a sabedoria
do Senado cedeu às observações canônicas do Sr. Conde de Lages, e ao arbítrio um pouco ultramontano do Sr.
Visconde de Cairu.” Ver: A Aurora Fluminense, nº 217, 24/07/1829.
164
Pedro de Alcântara Cerqueira Leite nasceu em 1807, na região de Barbacena. Formou-se em direito em 1833,
foi eleito para cadeiras na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e na Câmara dos Deputados (1838-1848). Juiz
municipal, desembargador e presidente da província de Minas Gerais (1864-1865), perfilou-se aos liberais e
cultivou longeva amizade com Teófilo Otoni (1807-1869). Na ocasião da revolta liberal eclodida em São Paulo e
Minas Gerais, no início da década de 1840, o futuro barão de São João de Nepomuceno posicionou-se contra o
recurso às armas. Segundo Cristiano Otoni (1811-1896), irmão do referido Teófilo Otoni, Cerqueira Leite teria
sido um “Partidário liberal extremado, deixou no parido os mais edificantes exemplos de lealdade e interesse”.
OTTONI, Cristiano Benedito. Um varão justo: Pedro de Alcântara Cerqueira Leite. RIHGB, t. 47, v. 68, pt. 1, p.
147-155, 1884.
165
A Aurora Fluminense, nº 859, 03/01/1834.
166
Ibidem, nº 859, 03/01/1834.
178

ninguém se espanta de ver um cura de botas, calças de nanquim, camisa desabotoada e


véstia de chita verde ou cor de rosa.167

4.3 O juste-milieu liberal moderado contra a restauração e o jesuitismo

Com a intensificação das sociabilidades políticas e intelectuais na esfera pública do pós-


Independência, os membros do clero regalista e liberal passaram a compor um proeminente
núcleo liberal moderado. A organização dessa frente reformista ocorreu a partir de 1826,168 não
coincidentemente quando as lideranças políticas do centro-sul mobilizar-se-iam pela
moderação.169 O início das publicações da Aurora Fluminense a partir de 1827 proporcionou o
fortalecimento da luta contra as forças inspiradas pelo Antigo Regime, tratado sob os anátemas
de opressor e colonizador, e encarnado no “jesuitismo”.170 Já em sua segunda edição, a Aurora
apontou “Com quanta arte, constância, e sucesso aparente, vão marchando a seus fins os Amigos
da ordem em todo o Universo!”171 Nessa conjuntura, o imperador Francisco I da Áustria (1804-
1835), baluarte da Santa Aliança capitaneada por seu chanceler Metternich (1773-1859),172
mostrava “um ódio inveterado contra toda reforma” e “uma inabalável predileção pelo
antigo”.173 Na Rússia, Nicolau I (1825-1855) estaria “perseguindo conspiradores, e desfazendo
clubes, que a gárrula Filosofia moderna soube introduzir até naquela Região gelada.” 174 Já na
França, os inimigos do reformismo e do juste-milieu pareciam estar deveras articulados em
termos político-institucionais:

A França (quem o dissera!) abjurando os princípios reformadores, lança-se nos santos


braços da Congregação, e admite disfarçados Jesuítas em seu seio; seu ministério, que
dirige os passos por tortuosas veredas faz rasgar pelas mãos do Corpo Legislativo, folha
a folha, o mesquinho Código de Luiz XVIII e aprende com os Padres da fé a ter
nenhuma.175

167
SAINT-HILLAIRE, Auguste de. Op. cit., p. 164.
168
LUSTOSA, Oscar de Figueiredo. Reformismo da Igreja no Brasil Império... Op. Cit., p. 10.
169
Cumpre lembrar que a imprensa moderada na Corte tinha presença marcante já em 1826, com a Astréa e com
a Aurora Fluminense, em 1827. Em sua sétima edição, a Aurora já destacava o “sistema da moderação, que
adotamos, e que no nosso modo de pensar é a verdadeira divisa dos verdadeiros Liberais.” Ver: BASILE, Marcello.
Op. Cit., pp. 24-41; A Aurora Fluminense, nº 07, 11/07/1828.
170
Em seu clássico Mitos e mitologias políticas, Raoul Girardet utilizou o exemplo do “complô jesuítico”, para
tratar do primeiro de seus quatro conjuntos mitológicos, a “conspiração” – os outros três seriam a “idade de ouro”,
o “salvador” e a “unidade”. Ver: GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987, pp. 12.
171
A Aurora Fluminense, nº 02, 24/12/1827. (Grifos do autor).
172
HOBSBAWM, Eric. Op.cit., pp. 100 e segs.
173
A Aurora Fluminense nº 02, 24/12/1827.
174
Ibidem, nº 02, 24/12/1827.
175
Ibidem, nº 02, 24/12/1827.
179

Na França, após a queda de Napoleão Bonaparte, forças contrarrevolucionárias,


conservadoras e, no limite, ultramontanas, nunca destituídas de sua capacidade ofensiva,
passaram a um protagonismo maior no âmbito da esfera pública e das sociabilidades. Na
Constituição promulgada em 1814, sob Luís XVIII (1814-1815/1815-1824), a fórmula de
Bonaparte de uma religião católica da “maioria dos franceses” seria substituída pela regra de
uma “religião do Estado”, mantendo-se, porém, o reconhecimento da pluralidade das
manifestações religiosas. Além do mais, com as investidas dos católicos ortodoxos, revogava-
se o direito ao divórcio, conquistado ao mesmo tempo em que o casamento civil no ano de
1792, e suprimiam-se as pensões dos clérigos casados.176 Sob Carlos X (1824-1830), na
sequência da retomada absolutista e do fim do triênio liberal na Espanha (1820-1823), a
Restauração intensificou a defesa dos interesses da Igreja e do clero de inspiração romana.177
No interior da Congregação apontada pela Aurora Fluminense, organizavam-se as forças afeitas
ao “jesuitismo”,178 sendo significativo seu peso em um Parlamento que aprovou a “Lei do
Sacrilégio”, de forte teor persecutório, no ano de 1825.179 De acordo com o periódico de
Evaristo da Veiga, os inacianos também estariam se projetando em instituições educacionais:

Os Jesuítas acabam de tomar possessão de Colégio de Perpignam. Eis a conta exata de


tudo, quanto estes novos Iconoclastas, ao entrarem em suas funções, mandarão destruir:
Antinoo, Academia em pé, Adonis, Vênus; o Gladiador; Mercúrio, Narciso, o Apolo de
Belvedero, um Fauno, o Hércules Farnésio, estátuas de gesso, que adornavam o Jardim:
Vênus de Médicis, Euterpe, Tácio o Gladiador, um jovem Touro antigo de M. de
Valliere, gravuras em talhe doce, que decoravam uma das salas do Colégio.180

Na França de Carlos X, o protagonista desse recrudescimento “iconoclasta” do “partido


jesuítico” foi o ministro dos Assuntos Eclesiásticos, conde de Frayssinous, que confessou a
existência de associações capitaneadas por simpatizantes dos jesuítas.181 Em 1828, a Aurora

176
BAUBÉROT, Jean & MATHIEU, Séverine. Op. cit., pp. 130-131 e 147-149; WEILL, Georges. Op. cit., p. 23.
177
BAUBÉROT, Jean & MATHIEU, Séverine. Op. cit., p. 149.
178
A “famosa Congregação, frequentemente denunciada” foi “fundada em 1801, dissolvida em 1809 e
reconstituída em 1814”. Seu surgimento deu-se na conjuntura específica do Primeiro Império, período no qual
organizaram-se “diversas associações clandestinas ou semiclandestinas consagradas à causa da Contrarrevolução
e da reconquista católica”. A Congregação fomentou a oposição ao “complô jesuítico”, sobretudo nos anos 1820,
no momento da Restauração, quando “a oposição liberal inicia um combate particularmente áspero contra o
ministério Villèle.” Ver: GIRARDET, Raoul. Op. cit., pp. 50-52.
179
A “Lei do Sacrilégio” tratava das violências contra igrejas, templos e sinagogas, punidas com a reclusão. Já a
profanação das hóstias consagradas seria punida com a pena de morte. A lei mantinha o quadro dos cultos
juridicamente reconhecidos, enquanto impunha “como verdade legal uma doutrina católica.” Ver: BAUBÉROT,
Jean & MATHIEU, Séverine. Op. cit., p. 149.
180
A Aurora Fluminense, nº 23, 7/03/1828.
181
Denis Antoine-Luc, conde de Frayssinous, bispo de Hermópolis, cânone de honra da Igreja de Paris, par da
França, comandante da ordem do Espírito Santo, sucessivamente grande mestre da Universidade e ministro dos
Assuntos Eclesiásticos, premier autônomo dos reis Luís XVIII e Carlos X, um dos quarenta da Academia Francesa,
180

Fluminense noticiou a ocasião em que os assuntos referentes à instrução pública foram


dissociados dos negócios eclesiásticos pelo monarca: “A instrução pública por um decreto de
S. M. C. agora não fará mais parte da repartição dos negócios Eclesiásticos, e será assim
arrancada a M.gr de Frayssinous, chefe do partido Jesuítico.”182 Assim, se os porta-vozes de
Roma protagonizavam uma vaga contrarrevolucionária no mundo euro-americano, ocorreria
também o crescimento de um anticongregacionismo, gestado em seio liberal e ilustrado, ao qual
faria coro a Aurora Fluminense. Na sequência da perseguição aos professores liberais por parte
das forças da Restauração, com a interrupção das atividades da Escola Normal Superior entre
1822 e 1826, as ordenações de 1828 limitaram o número de alunos nos seminários e proibiram
o ensino por parte de congregações não autorizadas.183
Os ataques da Aurora Fluminense aos porta-vozes da Restauração, herdeiros do
absolutismo monárquico, não se resumiriam ao panorama sobre a França e incidiriam ainda
sobre o contexto da Península Ibérica e do mundo luso-brasileiro. Com efeito, ao longo da
década de 1820, as forças contrarrevolucionárias, sob os auspícios da Santa Aliança,
organizaram-se em Portugal e Espanha. Em 1823, na esteira da Vilafrancada e da dissolução
do regime liberal das Cortes de Lisboa, d. João VI promulgaria um édito proibindo as
sociedades secretas e empreenderia uma perseguição às lideranças liberais com o apoio de seu
filho Miguel, na condição de comandante-em-chefe do exército.184 Na Espanha, após a segunda
vaga liberal de 1820-1823, Fernando VII publicava um decreto com vistas à supressão das lojas
maçônicas. Os intuitos de perseguição às sociedades secretas de influência liberal ainda seriam
reforçados pela bula Quo Graviora (1825) do papa Leão XII (1823-1829), cujo destaque seria
“a seita dos Pedreiros Livres, ou seja, os Franco-Maçons (...) considerada não só suspeita, mas
também implacável inimiga da Igreja Católica”.185

nasceu em Curieres, em 9 de maio de 1765. Fez seus primeiros estudos em um antigo noviciato de jesuítas e
desenvolveu sua vocação eclesiástica na comunidade de Laon, dirigida pelos padres de Saint-Sulpice. Sob
Napoleão, entre 1809 e 1814, foi proibido de fazer pregações e exerceu funções no Conselho Universitário.
Durante o reinado de Luís XVIII, tornou-se bispo e rezou a oração fúnebre do referido monarca. Apoiava
corporações de ensino com inspiração de “doutrina cristã e de outras”, sendo acusado de chefiar as pretensões
políticas do cognominado “partido jesuítico”. Ver: HENRION, Mathieu Richard Auguste. Vie de M. Frayssinous,
évêque d'Hermopolis (Tomos I e II). Paris : A. Le Clere : 1844, pp. 181-182, 620 e segs. Disponível em :
https://archive.org/stream/viedemfrayssinou01henr#page/4/mode/2up. Acesso em 15/02/2018 WEILL, Georges.
Op. cit., p. 35.
182
A Aurora Fluminense, nº 25, 14/03/1828.
183
WEILL, Georges. Op. cit., p. 39.
184
LOUSADA, Maria Alexandre & FERREIRA, Maria de Fátima Sá e Melo. Op. cit., pp. 39 e segs.
185
LEÃO XII. Quo Graviora. 13/03/1825, p. 1. Disponível em http://w2.vatican.va/content/leo-
xii/it/documents/bolla-quo-graviora-13-marzo-1825.html Acesso em 16/02/2018. (Tradução nossa, grifos do
autor).
181

Logo no início de suas publicações, o principal periódico moderado destacou de modo


irônico a situação da Espanha de Fernando VII onde: “Muito sangue tem corrido; mas que
importa? se é o sangue dos Revolucionários! a anarquia tem reduzido aquelas belas Províncias
a monte de ruínas; que importa? se é para maior glória dos Frades, e para salvação das
almas!”186 Em uma conjuntura de perseguições aos liberais na Espanha, as ordens religiosas
surgiriam na condição de sustentáculos do absolutismo: “O segundo reinado absoluto de
Fernando tem sido ali tão próspero, como o primeiro: purificar, confiscar, proscrever, criar
Jesuítas e Frades”.187 No que se referia ao território português, a Constituição outorgada por d.
Pedro IV (d. Pedro I, do Brasil) em 1826 parecia ameaçada pelos asseclas do absolutismo:
“Portugal, que por dom do nosso Augusto Monarca duas vezes Legislador, recebeu a Carta, que
consagra seus foros, vê vacilante e trêmula a Estátua da Liberdade.”188
Com a consolidação da emancipação brasileira e a morte a morte de d. João VI em 1826,
a situação em Portugal tornara-se delicada e a chamada “questão portuguesa” envolveu “os
direitos de sucessão, a independência do Brasil e o sistema político.”189 O infante Miguel
esposou sua sobrinha, d. Maria da Glória (1819-1853), e pareceu aquiescer diante da Carta
outorgada por seu irmão d. Pedro I do Brasil. Em virtude da instabilidade política que se
instaurou sob a regência da infanta Isabel Maria (1801-1876), o mais novo varão da dinastia de
Bragança voltaria a Portugal, nomeado regente por seu irmão, o imperador do Brasil. Para a
Aurora, tal fato não representaria uma evolução positiva do quadro político: “D. Miguel
educado com as lições de Metternich dificilmente pode ser o apoio de instituições filhas das
luzes do Século”.190 Em 1828, às vésperas da reunião dos três estados que decidiriam pela
aclamação de d. Miguel I rei de Portugal, as notícias chegavam, pela Gazeta de Lisboa, repletas
de “gratulações pela feliz chegada de S. A., e discursos das deputações de grande número de
Cabidos, Ordens Terceiras e Confrarias, burlescos modelos de eloquência servil.”191
Em meio às volições absolutistas dos partidários do miguelismo, parecia não haver
espaço para o constitucionalismo encarnado em d. Pedro IV de Portugal: “A palavra
Constitucionais, Constituição, D. Pedro IV e D. Maria II não apareceu uma só vez naquelas
folhas”.192 Ademais, a imprensa afeita ao miguelismo acirrava as polarizações políticas, na
medida em que dividia a população em “Republicanos” e “Realistas”: “os primeiros são na

186
A Aurora Fluminense, nº 02, 24/12/1827.
187
Ibidem, nº 26, 17/03/1828.
188
Ibidem, nº 02, 24/12/1827.
189
LOUSADA, Maria Alexandre & FERREIRA, Maria de Fátima Sá e Melo. Op. Cit., p. 82.
190
A Aurora Fluminense, nº 02, 24/12/1827.
191
Ibidem, nº 52, 06/06/1828.
192
Ibidem, nº 52, 06/06/1828.
182

frase dos Infantistas Pedreiros-Livres, Revolucionários, homens debochados (...). Os segundos


porém são o apuro da honra, do amor à Religião de nossos Pais, e sobretudo grandes zeladores
dos Augustos direitos do Sr. Infante.”193 Ao lado de d. Pedro, a oposição capitaneada pela
imprensa liberal, perseguida e exilada em Londres: “A de 9 de Abril [a Gazeta de Lisboa] dá a
notícia de estarem presos no Porto os Redatores do Imparcial, e da Borboleta, Jornais
constitucionais, cujo crime, é terem sempre sustentado princípios da Carta.”194 Se o periódico
moderado denunciava a gravidade da polarização esboçada na conjuntura política portuguesa
e, no limite, luso-brasileira, não seria lisonjeiro na análise das forças contrarrevolucionárias da
Península Ibérica:

De certo é D. Miguel um Príncipe, que tem sido bem mal inspirado, e que se acha em
uma séria situação, quanto ao presente, e quanto ao futuro. Para sair-se bem de seus
intentos, foi-lhe preciso separar-se de todas as luzes do seu País; as de Portugal
concentram-se em Lisboa e Porto: Coimbra tem alguma ciência escolástica: a massa do
Povo assemelha-se à de Constantinopla, de Calabria, e de Castela. Tanto de uma como
de outra parte a cultura do espírito é feita por Imans e por Frades, com igual sucesso.
Na Espanha todo o litoral, comerciante, comunicando-se com estrangeiros, ocupado
com o comércio, propendendo para a indústria, quer instituições; todo o interior das
terras, sem relações com ninguém, separado do resto do mundo, não recebendo outro
impulso senão o dos Frades, parecendo enfim um grande convento, diz que as
instituições novas são heresias; que os seus apaixonados são pedreiros-livres; Portugal
está no mesmo adiantamento. Na Espanha, e em Portugal os absolutistas apoiam-se na
populaça, dizem que ela é a parte forte da Nação, e que a sorte do Estado deve ser
decidida por homens, que em destes dois países chamam em seu socorro o braço popular
contra a civilização.195

No artigo, traduzido do Courier Français, o miguelismo compunha-se em uma espécie


de isolamento geopolítico e filosófico, no qual Porto, Lisboa e todo o litoral espanhol
representavam o cosmopolitismo da indústria e da Ilustração. As terras interioranas,
supostamente de maioria miguelista, estariam imersas no obscurantismo das ordens religiosas
e de certa “populaça”, submetida aos desmandos de “Deputados, Cabidos e Câmaras”.196 De
fato, houve adesão ao governo de d. Miguel I entre as populações mais afastadas dos centros
urbanos, o que, segundo Tengarrinha, não necessariamente significaria uma identificação linear
entre a cultura camponesa de “obediência” e de “fraternidade universal” e um sistema político-
filosófico organizado.197 Por outro lado, as interseções entre aspirações revolucionárias e

193
A Aurora Fluminense, nº 52, 06/06/1828.
194
Ibidem, nº 52, 06/06/1828.
195
Ibidem, nº 55, 16/06/1828. (Grifos do autor).
196
Ibidem, nº 55, 16/06/1828.
197
TENGARRINHA, José. Paysannerie et Contre-Révolution au Portugal. In: Op. cit., pp. 3-5.
183

contrarrevolucionárias, protagonizadas por movimentos de adesão e oposição às demandas


liberais, compreendiam arquiteturas políticas que fortaleceram o suspiro absolutista de d.
Miguel.
Apesar do alegado isolamento geopolítico que caracterizaria miguelismo, a Aurora
apontava que os principais sustentáculos do reinado de d. Miguel I enfeixavam-se a partir de
forças externas e internas. Além de parte da Espanha, irmanada aos lusos em uma espécie de
pacto absolutista, estaria a Santa Sé que, através de seu núncio em Lisboa, promovia uma
“política imóvel”, almejando “estabelecer seu antigo dogma do domínio universal.”198 Assim,
destacava-se a perseguição, endossada pela Sé romana, aos opositores de d. Miguel, caso do
“Arcebispo d’Elvas”, Joaquim de Menezes e Ataíde (1821-1828), “um dos quatro Pares que
estão em processo pelos acontecimentos de julho”.199 Em termos das forças sediadas em
Portugal, à frente dos povos de um interior supostamente isolado, surgiam as preces do “Deão
da sé de Évora” e a “súplica” da “Colegiada de Guimarães”.200 Algumas edições depois, o clero
regular, cognominado “fradaria”, parecia empenhado em “despertar no espírito do Povo o
fanatismo, e as paixões ferozes” e, para tanto, perpetuava um receituário litúrgico-doutrinário
pouco afeito à razão ilustrada e liberal: “fingem milagres, influem nos púlpitos, nos
confessionários, e são os melhores soldados das tropas de D. Miguel.”201
Apesar do apoio recebido, no qual era essencial a batalha opinativa sustentada por José
Agostinho de Macedo,202 o infante também teria dificuldades. No Porto, havia “nove Batalhões
animados do melhor espírito em favor da Carta e dos direitos da Sra. D. Maria II”.203 A tal fato,

198
Antes de ser reconhecido por Espanha (1829) e Santa Sé (1831), o governo de d. Miguel I o fora pelos Estados
Unidos da América e pela Rússia. Ver: PEREIRA, Miriam Halpern. Do Estado Liberal ao Estado-Providência:
um século em Portugal. Bauru: 2012, pp. 82-84; EDUSC A Aurora Fluminense, nº 36, 21/04/1828.
199
Joaquim de Menezes e Ataíde nasceu no Porto, em 1765, professando a regra de Santo Agostinho já em 1781.
Foi reitor do Colégio Santo Agostinho em sua província, bispo de Meliapor (1804), vigário capitular de Funchal
(1811) e bispo de Elvas (1821-1828). Durante o regime liberal, sofreu perseguições por suposta oposição ao
sistema constitucional. Após a outorga da Carta, em 1826, saiu em defesa do liberalismo constitucional, chegando
a ser “arguido de ultra-liberal” e suspeito de participação nos “alvoroços de julho de 1827, que segundo então se
faziam crer, tendiam nada menos que a estabelecer a República em Portugal!!!” Após a subida de d. Miguel ao
trono, temeroso de perseguições, homiziou-se em Gibraltar, onde morreu pela peste em 1828. Ver: SILVA,
Inocêncio Francisco da. Dicionário Bibliográfico Português (vol. IV). Op. Cit., pp. 133-134; A Aurora
Fluminense, nº 36, 21/04/1828.
200
O deão era uma dignidade eclesiástica criada no século VIII para substituir o arcediago, de recorrente ausência,
na chefia do cabido. As colegiadas reuniam dignidades eclesiásticas instituídas e tinham peso no organograma
institucional da Igreja portuguesa, sendo a colegiada de Guimarães a mais famosa. Ver: AZEVEDO, Carlos
Moreira de (Org.). Dicionário de história religiosa de Portugal (Vol. II). Op. Cit., pp. 67-68; A Aurora
Fluminense, nº 63, 04/07/1828.
201
A Aurora Fluminense, nº 83, 25/08/1828.
202
A Aurora Fluminense não deixou de criticar o padre José Agostinho de Macedo, destacando seu “zelo
Monárquico” (Grifos do autor) e seu periódico A Besta Esfolada, editado sob os anseios de “bons amigos
absolutistas” (Grifos do autor). Ver: A Aurora Fluminense, nº 25, 14/03/1828; nº 100, 06/10/1828; nº 214,
17/07/1829.
203
A Aurora Fluminense, nº 63, 04/07/1828.
184

somavam-se as ambivalências nas atitudes do monarca espanhol: “a política de Fernando VII


lhe não é favorável, porque receia ser destronizado pelo irmão, intimamente ligado a D. Miguel;
e criaturas ambos da Junta Apostólica.”204 Mesmo obtendo algum apoio, o monarca português
surgia, tal qual surgiram seus asseclas camponeses incrustados no interior, sob o signo do
isolamento, “um cego instrumento da inquieta ambição de sua mãe”.205 A triste figura do rei
absoluto era a de um homem “cercado de terrores, mudando continuamente de aposento, para
dormir, e confiando apenas a uma criada fiel o cuidado, e preparo dos seus alimentos.” 206 Em
suma, D. Miguel era tomado por tirano e “Triste é a condição dos Príncipes, que se deixam
arrasar pela Tirania!”207 Apesar de seu suposto isolamento e fragilidade, a vaga
contrarrevolucionária europeia poderia ameaçar a ordem constitucional luso-brasileira
encarnada em d. Pedro I:

e quem sabe quando os absolutistas de cá não terão folgado com os bons feitos dos seus
consectários, os Infantistas de lá! Que lhes importa que padeçam os interesses e a glória
do nosso amado Imperador; que Portugal seja governado como a Espanha; que se
infrinjam os mais sagrados juramentos; com tanto que a causa do Despotismo, e das
antigualhas venerandas triunfe sobre a Ordem-Constitucional?208

Os restauradores no Brasil estariam na senda das aspirações contrarrevolucionárias dos


movimentos organizados na Península Ibérica. Tal posicionamento marcou os ataques do jornal
de Evaristo a alguns movimentos liderados na porção norte do Império brasileiro, por vezes, de
modo exagerado, na medida em que usava tais críticas para esboçar um quadro dos problemas
políticos internos.209 Nesse sentido, haveria nas províncias do Norte uma “infernal política”, da
qual seriam adeptos “alguns Agentes do Governo” e, em tal condição, encontravam-se dois
presidentes de província, “Gordilho na Bahia e Costa Barros, no Maranhão”.210 Gordilho e

204
A Aurora referia-se ao infante Carlos, símbolo da contrarrevolução e encarnação do carlismo na Espanha. No
bojo do multifacetado quadro de conflitos entre forças liberais e contrarrevolucionárias, o infante empreendeu
ofensivas, levadas a cabo em 1833, com o intuito de colocar-se à frente da Coroa. A referida Junta Apostólica foi
criada na Espanha em 1560 e extinta em 1836, consistindo em um espaço de negociação dos conflitos entre os
tribunais Eclesiásticos e Militares. Ver: GUIMARÃES, Nívea Carolina. O movimento miguelista nas páginas
d'Aurora Fluminense (1828-1834). 2016. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Ouro
Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Departamento de História. Programa de Pós- Graduação em
História. Ouro Preto, pp. 18 e segs; RÚJULA, Pedro. Contrarrevolución: Realismo y Carlismo en Aragón y el
Maestrazgo, 1820-1840. Saragoça: Prensas Universitarias de Zaragoza, 1998, p.5-31; A Aurora Fluminense, nº
63, 04/07/1828.
205
A Aurora Fluminense, nº 63, 04/07/1828.
206
Ibidem, nº 63, 04/07/1828.
207
Ibidem, nº 63, 04/07/1828.
208
Ibidem, nº 63, 04/07/1828.
209
GUIMARÃES, Nívea Carolina. Op. cit., p. 96.
210
Pedro José da Costa Barros nasceu em 1779, em Aracaty, no Ceará. Fez carreira militar e política, chegando às
Cortes de Lisboa. Nos quadros do Império brasileiro, administrou a pasta da Marinha e foi presidente de província
185

Costa Barros estavam “sonhando conspirações (...) para quebrantarem a seu salvo a
Constituição do Império (...); converterem em Leis as suas vontades, e os seus caprichos;
tornarem-se necessários empregos lucrativos, e talvez... talvez para encherem melhor os seus
cofres”.211 Outro nome surgido entre as forças absolutistas do norte era o de Antônio da Costa
Pinto, sucessor de Costa Barros na presidência da província do Maranhão e, agindo “segundo
os conselhos” deste, parecia empreender um governo de teor persecutório: “Já uma Inquisição
tão terrível como a de Veneza anima os delatores a vingarem-se dos que lhes são desafetos; já
as Tropas se põem em armas, quando o Conselho do Júri tem de julgar abusos da Imprensa; já
se abrem cartas de correios”.212
A ofensiva dos restauradores no Maranhão parecia alimentar-se das “notícias de
Portugal”, que “deviam sem dúvida beliscar os desejos de certas pessoas, que ainda sonham
com a recolonização, porque o monopólio era a principal fonte de suas riquezas”.213 A ação dos
absolutistas brasileiros estava em consonância com os anseios dos “absolutistas da Europa”,
ainda esperançosos “de dominar alguma parte do Brasil”, em uma “empresa (...) muito superior
às suas forças, e muito impossível, atento o caráter Brasileiro, que tudo fará por defender a sua
Independência”.214Apesar das dificuldades que encontrariam os defensores do trono e do altar
no Brasil, “a estupidez e vingança de muitos Miguelistas, que habitam o Norte do Brasil, podem
causar-nos graves incômodos.”215 Para a folha moderada, os simpatizantes do miguelismo não
estariam circunscritos à porção setentrional do território, o que evidenciava-se em um recado
ao Sr. Padre Luiz Gonçalves dos Santos:

Declara-nos que o Sr. D. Miguel é irmão de S. M. I., e que nesta qualidade deve ser
respeitado; pouco lhe faltou, para dizer obedecido. Quanto a remeter-nos para Lisboa,
nós sabemos que a sua caridade cristã nos pouparia o incômodo, e despesas da viagem,
se aqui nos pudesse fazer o mesmo benefício que em Portugal recebem os amigos da
Constituição; porém pode estar certo o Sr. Padre Luiz Gonçalves, que nenhuma intenção
temos de ir a esse país afortunado, aonde se não vê nem Jornais de oposição, nem
debates públicos, aonde a cega obediência é o grande móvel do sistema social; e em que
os santos Frades, e Abades imperam, perseguem, e desfrutam a boa vida sem
contradições.216

no Ceará e Maranhão. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. VII), p. 43. A Aurora
Fluminense, nº 89, 10/09/1828.
211
A Aurora Fluminense, nº º 89, 10/09/1828.
212
Tal qual já referido no presente trabalho, o expediente de abrir cartas também foi utilizado por Diogo Antônio
Feijó. Ver: A Aurora Fluminense, nº º 89, 10/09/1828.
213
A Aurora Fluminense, nº 89, 10/09/1828.
214
Ibidem, nº 89, 10/09/1828.
215
Ibidem, nº 89, 10/09/1828.
216
Ibidem, nº 89, 10/09/1828. (Grifos do autor).
186

Os padres e as ordens religiosas seriam os protagonistas da onda contrarrevolucionária


miguelista, evocada em um momento no qual as forças absolutistas estavam submetidas à
intensificação da crítica dos grupos liberais e ilustrados no Brasil. Ao sopesar o cariz
transcontinental do miguelismo, a Aurora Fluminense atacou seu principal defensor na
imprensa.217 O periódico moderado não poupou A Besta Esfolada, escrita pelo padre José
Agostinho de Macedo, “ilustre campeão da causa do Fanatismo, e do Poder absoluto.”218 O fiel
escudeiro de D. Miguel na imprensa estaria “ao nível do partido, que abraçou com tanto furor;
apostata, avaro, ladrão, e denunciante, ele devia ser o pregoeiro, e panegirista dos furores
Apostólicos.”219 O porta-voz do cognominado “Partido Apostólico”,220 em sua Besta Esfolada,
procurava “captar a benevolência da última ralé da canalha”, utilizando “as expressões mais
baixas e chulas, as imagens mais fortes e grosseiras, e que podem assim agradar à multidão”.221
Mais uma vez, ligava-se à sanha absolutista a certa populaça, identificada, já ao fim do conflito
português, com “a população fanatizada nas aldeias”.222 Sob “a influência do Clero e da
Nobreza, declaradamente avessos a toda ideia de progresso”, os “portugueses” opor-se-iam ao
“regime constitucional”: “Educados nas ideias velhas, dirigidos pelos Frades que lhes pintam
cada Constitucional como um inimigo de Deus e dos seus Santos”.223
Segundo a Aurora, a influência de José Agostinho de Macedo chegara à imprensa
brasileira através do periódico O Analista, simpático também a “Mr. Bonald antigo publicista,
apóstolo do poder absoluto, e do direito divino”.224 O Analista circulou entre os anos de 1828
e 1829 e faria coro ao “desgarro fradesco do célebre Padre José Agostinho, cujos opúsculos
tanta honra fazem ao profundo escritor da Folha do Tesouro.”225 A referência ao “Tesouro”
aludia ao então ministro da Fazenda de d. Pedro I, Miguel Calmon Du Pin e Almeida, o marquês
de Abrantes, responsável pela publicação do Analista.226 O periódico do ministro Calmon
empreenderia a defesa do trono e do altar, ao lado do Telégrafo, inimigo dos moderados em

217
TENGARRINHA, José. Nova História da Imprensa Portuguesa... Op. cit., pp. 442.
218
A Aurora Fluminense, nº 156, 20/02/1829 (Grifos do autor).
219
Ibidem, nº 156, 20/02/1829.
220
Ibidem, nº 101, 08/10/1828; nº 145, 23/01/1829.
221
Ibidem, nº 156, 20/02/1829.
222
Ibidem, nº 880, 26/02/1834.
223
Ibidem, nº 880, 26/02/1834.
224
Ibidem, nº 157, 27/02/1829.
225
Ibidem, nº 197, 01/06/1829 (Grifos do autor).
226
Miguel Calmon Du Pin e Almeida nasceu em 1796, na então vila de Santo Amaro, Bahia. Formou-se em leis
pela Universidade de Coimbra, lutou na Guerra de Independência e representou sua província natal na Constituinte
de 1823 e nas quatro primeiras legislaturas. Obteve inúmeras ordens e comendas, sendo também senador, ministro,
conselheiro de Estado, diplomata, membro do IHGB e presidente da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional.
Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. VI), pp. 273-276.
187

Minas Gerais e, segundo a Aurora, “o Analista do Ouro Preto”.227 Cumpre notar que o Analista,
apesar de ter feito, segundo a Aurora, coro aos escritos de José Agostinho de Macedo,
reproduziria a correspondência de “Um Português” denunciando a “usurpação do Sr. Infante
D. Miguel” e, números depois, noticiando a adesão de “Quinhentos Soldados de D. Miguel” às
“fileiras dos Súditos fiéis da Legítima Rainha de Portugal, Senhora D. Maria II.” 228
Ao denunciar as influências intelectuais e as ações políticas das hostes caramurus, o
principal periódico moderado esboçava um quadro da inserção dos restauradores no âmbito
jurídico-político do sistema da monarquia constitucional. Os partidários de d. Pedro I e, no
limite, de uma centralização política que unificasse o poder e a nação sob o signo do rei e da
dinastia de Bragança, adaptavam-se à dinâmica de uma esfera pública transfronteiriça e sensível
à multifacetada conjuntura política euro-americana pós-revolucionária. Calmon, Gordilho,
Costa Pinto, Costa Barros e padre Perereca, herdeiros de uma formação intelectual e política
típica do Antigo Regime luso-brasileiro, ocupariam as fileiras do Legislativo, do Executivo e
da magistratura, agindo também na imprensa, na articulação em diferentes sociabilidades
políticas.
Em 1829, a Aurora Fluminense noticiou a formação de “reuniões, ou clubs secretos” de
uma “santa Confraria, cujo fim é propagar a doutrina dos Apostólicos,229 e se intitula –
sociedade Japônica, ou colunas do Trono”.230 Da referida sociedade, fariam parte “Autoridades
de vulto”, podendo-se aí incluir o bispo de Pernambuco, d. frei Tomás de Noronha e Brito,
“excelente laia de Sacerdote, que nos veio da Índia de encomenda, e que sendo estrangeiro
achou contudo logo à sua espera um Bispado no Brasil”.231 Além do bispo, “um dos respeitáveis
e machuchos membros desta Corporação era o Padre Paes Barreto, o mesmo que fez sonetos ao

227
Em Minas Gerais, ao lado do Telégrafo, a Aurora destacaria o Amigo da Verdade, redigido em São João del-
Rei pelo vigário colado do Pilar, Luiz José Dias Custódio. Dias Custódio foi acusado de fraudar a lista de eleitores
da eleição de 1829 e, entre os moderados, era tido por caramuru. Ver: A Aurora Fluminense, nº 279, 16/12/1829;
nº 394, 01/10/1830; OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Op. cit., pp. 43-44.
228
O Analista, nº 54, 08/02/1829; nº 132, 10/11/1829.
229
A Aurora Fluminense utilizava-se do termo “Apostólicos” para referir-se aos defensores da causa miguelista,
chegando a apelar à designação “Partido Apostólico”, traduzida dos periódicos franceses Constitucional e Courrier
Français. Em 1828, em Portugal, viria à luz um ensaio intitulado Reflexões sobre o partido apostólico em Portugal,
que caracterizava o referido partido “uma facção destruidora, que em desprezo das coisas santas tomou nesta época
o título de Apostólica” (Grifos do autor). Esta obra seria de autoria anônima, mas foi escrita por J. J. F. de Moura,
segundo o Arquivo Bibliográfico da Universidade de Coimbra. Ver: A Aurora Fluminense nº 101, 08/10/1828, nº
145, 23/01/1829; Arquivo Bibliográfico da Universidade de Coimbra (Vol. V, num. I). Coimbra: Imprensa da
Universidade, 1905, p. 39; Reflexões sobre o partido apostólico em Portugal. Lisboa: [s.n.], 1828, p. 6.
230
A Aurora Fluminense, nº 185, 05/05/1829.
231
Tomás Manuel de Noronha e Brito nasceu em 1779, em Viana do Minho. Descendente da família dos condes
de Arcos, ingressou na ordem dos dominicanos e iniciou sua carreira eclesiástica na Índia, onde foi prior, provincial
e vigário-geral de sua ordem, além de bispo de Cochim. Tomou posse, por procuração, na diocese de Pernambuco
no ano de 1823, à qual renunciou em 1829, partindo para Portugal e só voltando a Pernambuco em 1839. Ver:
SILVA, Inocêncio Francisco da. Dicionário Bibliográfico Português (vol. VII). Op. cit., p. 353.
188

General Luiz do Rego”, governador de Pernambuco depois da derrota da Revolução de 1817.232


A sociedade Japônica também articulava-se na imprensa e “mandou oferecer um bom dinheiro
pela Tipografia da Paraíba, para publicarem um Jornal, que defenda as sisudas e liberais
doutrinas que aqui sustenta seu compadre o Analista; e o amigo Jornal do Comércio.” 233 O
“Marquês de Recife” juntamente com “alguns negociantes conhecidos por sua sanha contra o
Brasil, e tidos por miguelistas furiosos” completavam a infantaria absolutista em
Pernambuco.234
A arquitetura das sociabilidades erigidas entre os porta-vozes do absolutismo no Brasil
envolvia rumores e fatos sobre levantes que buscaram mobilizar forças sócio-políticas distintas,
das altas hierarquias militares e eclesiásticas à base da pirâmide social. Tal visão foi trabalhada
em 1830 a partir da figura de Pinto Madeira que, nas palavras da Aurora, era “um simples
capitão de ordenanças que na contrarrevolução do Ceará achou conveniente apresentar-se como
Imperialista furioso”.235 O militar recebeu o apoio do padre Paes Barreto “cuja a carta (...) não
se envergonha de dar louvores indiretos procurando com ela justifica-lo das gravíssimas
imputações que lhe tem sido feitas.”236 Cumpre salientar que o fracasso dos restauradores
surgia, número depois, pela lembrança da “Revolução Pernambucana de 1817 (...) um esforço
dos amigos da liberdade contra o governo absoluto”.237 Assim, a verdadeira revolução
legitimara-se na luta dos pernambucanos contra o absolutismo, exato contexto no qual se deu
perseguição de Pinto Madeira à família do padre regalista e liberal José Martiniano de
Alencar.238

232
A Aurora Fluminense, nº 185, 05/05/1829.
233
Ibidem, nº 185, 05/05/1829. (Grifos do autor).
234
Ibidem, nº 185, 05/05/1829.
235
Joaquim Pinto Madeira nasceu em Barbalha, sul do Ceará, em 1783. Militar, proprietário e político, liderou a
Revolta de Pinto Madeira que ocorreu entre o final de 1831 e se prolongou por 1832. Pinto Madeira participou
ativamente da repressão aos movimentos de 1817 e 1824 na região do Cariri. Ver: LEITE, Maria Jorge dos Santos.
A influência das revoltas liberais no Cariri cearense e a “Sedição de Pinto Madeira”. Anais do XXVII Simpósio
Nacional de História. Natal: 2013, p. 5; A Aurora Fluminense, nº 285, 04/01/1830.
236
A Aurora Fluminense, nº 285, 04/01/1830.
237
Ibidem, nº 320, 31/03/1830.
238
A revolta de Pinto Madeira eclodiu na região do Cariri cearense, cuja influência política de Recife era maior
que a de Fortaleza. Desde 1817, a Vila do Crato tornou-se um lócus de propagação dos ideais revolucionários,
liberais e republicanos, o que ocorreu também em 1824, com o protagonismo do padre José Martiniano de Alencar
e seus familiares. Já a Vila de Jardim, de maioria monarquista, tornou-se um refúgio da resistência monarquista e
antiliberal. As rivalidades entre as duas localidades remontavam a tempos pretéritos e envolviam disputas por
cargos nas fileiras da burocracia colonial, na medida em que Jardim pertencia a Crato, tornando-se vila apenas em
1816. Com a separação e a perda de poder por parte da Vila de Crato, seguida da Revolução Pernambucana e da
Confederação do Equador, as divergências aprofundaram-se. A revolta eclodiria em 1831, após a anulação das
promoções de Pinto Madeira, de prestígio abalado após o 7 de abril, pelo governo regencial. Em que pese a
ofensiva dos monarquistas, as acusações e as violências diversas partiram dos dois lados, que travaram sangrentas
batalhas. Após meses de luta, as tropas rebeldes se renderam e Pinto Madeira, ao fim de um processo conturbado,
sob a vigilância do então presidente da província do Ceará, o padre Martiniano de Alencar, foi condenado à morte
e fuzilado. Ver: LEITE, Maria Jorge dos Santos. Op. cit., pp. 1-13.
189

Em 1832, ao final do conflito no Ceará, cumpria manter vigilância, pois o


“descobrimento da facção contrarrevolucionária, em algumas províncias produziu mesmo de
pronto a reunião dos liberais”.239 O malogro da sublevação deu-se também pela fragilidade de
seu apelo: “Com Joaquim Pinto Madeira, se extinguiram os sonhos de uma nova La Vendée que
entretivesse as esperanças dos descontentes e conspiradores da capital. Nem mesmo se fala já
em movimento de rebelião”.240 Na esteira do movimento de 17 de abril de 1832, a
contrarrevolução não obtivera o apoio, em virtude das “lições de Abril, e a repugnância que a
população tem mostrado por esses ensaios de sedição”.241 A Aurora Fluminense destacaria a
dimensão religiosa da Revolta de Pinto Madeira em 1835, a partir da figura de Antônio Manoel
Sousa, o padre “benze cacetes”:242 “Do processo pendente sobre a sedição do Acará vê-se que
os principais dos insurgidos, à imitação de Pinto Madeira e do P. Benze cacetes, empregavam
a par a política e a religião, a fim de enganarem povos símplices e ignorantes.”243 A Revolta de
Pinto Madeira figurava ao lado de uma das sedições que compuseram a Cabanagem, durante a
qual o combate à herança monárquica portuguesa foi um dos motes principais.244

239
A Aurora Fluminense, nº 715, 28/12/1832.
240
Ibidem, nº 715, 28/12/1832.
241
Após os levantes exaltados dos dias 3 e 4 de abril, na madrugada do dia 16, os caramurus intentaram uma
revolta organizada por mar e por terra, sendo debelados pelas forças legalistas da Regência. Apesar da perseguição
aos sediciosos, sobretudo aos militares, houve uma ampla absolvição, excetuando-se a figura daquele que foi tido
por líder do referido movimento, o barão de Bullow, condenado a dez anos de prisão com trabalhos.
Posteriormente, a pena de Bullow, responsável pelo periódico O Carijó, foi comutada em banimento do Império.
No levante caramuru, estavam envolvidos diferentes personalidades e grupos, sendo também diversas suas
motivações. Empregados do Paço de São Cristóvão, militares do Exército e da Marinha, comerciantes, caixeiros e
médicos dividiam sua indignação com os anônimos que “constituíam o grosso da multidão”, encontrando-se aí
indícios da participação de escravos. Além do saudosismo quanto à figura de Pedro I, e também os vivas a Pedro
II, o isolamento político caramuru e as perseguições estiveram entre os principais fatores que contribuíram para a
eclosão da revolta. A suspeita de envolvimento de José Bonifácio, à época tutor de Pedro II, recrudesceu a oposição
que se formava para destituí-lo do cargo que ocupava, o que aconteceria em 1833. Ver: BASILE, Marcello. O
Império em construção... Op.cit., pp. 388-414; A Aurora Fluminense, nº 715, 28/12/1832.
242
Antônio Manoel de Sousa era vigário da vila de Jardim e, a exemplo de Pinto Madeira, também filiado à
Sociedade Colunas do Trono e do Altar. Para alguns autores, o referido clérigo teria sido um mentor da revolta e,
além de ser responsável por escritos conclamando os rebeldes. O padre Sousa chegou a comandar tropas durante
a rebelião. A alcunha “benze cacetes” resultou da sua prática de abençoar as armas dos insurretos monarquistas
durante o conflito. Conta-se que Antônio Manoel chegou a benzer uma mata inteira a partir da qual seriam
confeccionadas as armas para o combate aos liberais do Crato. Ver: LEITE, Maria Jorge dos Santos. Op. cit., pp.
7-9.
243
A Aurora Fluminense, nº 1009, 28/01/1835.
244
A região do Acará, na fronteira com Belém, foi uma das primeiras a fornecer pessoal para a massa de revoltosos
da Cabanagem. Para além do que a historiografia tradicional produziu sobre o sangrento conflito, tomando os
revoltosos por vilões ou heróis, Magda Ricci destacou o “tráfico interno de ideias e condutas locais”. Revisitando
alguns esforços historiográficos, a autora esboçou conexões político-intelectuais das quais as Guianas e os Andes
perfaziam pontos de recepção e difusão de um multifacetado espectro de matrizes filosóficas, políticas e
intelectuais oitocentistas. No supracitado artigo, a Aurora Fluminense destacou a figura de Vicente Ferreira de
Lavor, o Papagaio, redator da Sentinela Marianense e do Cabano da Praia Grande. Ver: A Aurora Fluminense,
nº 1009, 28/01/1835; RICCI, Magda. Magda. Cabanagem, cidadania e identidade revolucionária: o problema do
patriotismo na Amazônia entre 1835 e 1840. Tempo [online]. 2007, vol.11, n.22, pp.5-30. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-77042007000100002 Acesso em 07/03/2018.
190

Para os moderados, tal qual ocorria com o miguelismo em Portugal, no Brasil, uma
massa amorfa e imersa nas trevas insurgia-se, capitaneada pelo fanatismo religioso de seus
líderes. Entretanto, no contexto brasileiro, as forças da Cabanagem, que se revoltaram contra a
herança absolutista lusitana, também estariam à mercê do referido fanatismo. Parecia não haver
alternativa para além daquelas que se enquadrassem no liberalismo esboçado e praticado a partir
do juste-milieu moderado. Cumpre ressaltar que a identificação, por parte da Aurora, de forças
miguelistas, organizadas no Brasil, soava um tanto quanto hiperbólica, na medida em que
pautava a conjuntura interna e as forças caramurus tinham em d. Pedro I sua principal
referência.245 Contudo, tratava-se também de demarcar os limites entre, de um lado, um
liberalismo de inspiração ilustrada e secular e, de outro, as demandas contrarrevolucionárias e
conservadoras, muitas vezes tidas por “ultramontanas”.246 As cores e matizes da
Contrarrevolução variaram significativamente no mundo luso-brasileiro e euro-americano,
sendo mais evidentes na Península Ibérica, onde a defesa intransigente do trono e do altar partia
das fileiras miguelistas e, sobretudo, do longevo carlismo espanhol.
Ao mesmo tempo em que a Aurora Fluminense anatematizava seus antagonistas
contrarrevolucionários, buscava um amplo espectro de referências que compunham seu
liberalismo constitucional, de inspiração anticongregacionista e secular. Tais referências eram
oriundas, sobretudo, da França, onde a cerimônia civil que conferiu poderes a Luís Felipe I
(1830-1848), em julho de 1830, estava em flagrante contraposição à sagração de seu antecessor,
Carlos X. Dentre os autores citados, estaria Pierre Daunou (1761-1840), do qual seria traduzido
um trecho de seu Ensaio sobre as garantias individuais. 247 O artigo, intitulado Último recurso
dos absolutistas: meios únicos que lhes restam para sufocar as instituições livres, destacava as
“retrogradações rápidas”, que poderiam resultar no “socorro da inquisição, que renasceria mais
ativa, e devoradora”.248 Assim, o atraso despótico, incompatível com os direitos do indivíduo,

245
GUIMARÃES, Nívea Carolina. Op. Cit., pp. 87 e segs.
246
A Aurora Fluminense, nº 1069, 15/06/1835.
247
Pierre-Claude-François Daunou nasceu em 1761, no condado de Bolonha e foi educado entre os oratorianos,
recebendo a ordenação em 1787. Deputado à Convenção Nacional por Pas-de-Calais, fez dura oposição a Luís
XVI e foi preso durante o Terror jacobino. Principal autor da Constituição de 1795, que aboliu o voto universal,
Daunou esteve também entre os redatores da Carta de 1799, já sob Napoleão, período em que foi também diretor
do Arquivo Nacional (1804-1815). Durante a Restauração, ocupou o posto de deputado (1819-1823/1828-1834)
e, novamente, diretor do Arquivo Nacional (1830-1840). Pierre Daunou foi historiador e destacou-se na condição
de um proeminente pensador liberal, comprometido com o arrefecimento dos arroubos radicais da Revolução de
1789. Ver: The Editors of Encyclopaedia Britannica. Pierre-Claude-François Daunou. Illinois: Encyclopaedia
Britannica, inc, 1998. Disponivel em: https://www.britannica.com/biography/Pierre-Claude-Francois-Daunou
Acesso em 07/03/2018.
248
A Aurora Fluminense, nº 48, 28/05/1828.
191

tinha nas ordens e nas instituições religiosas do Antigo Regime um dos seus sustentáculos e
sobreviveria:

à força de Comissões militares e de Tribunais especiais; à força de suplícios, de


degredos, e de expropriações; regenerando o feudalismo, dotando com profusão um
Clero inumerável, e legiões monacais antigas e novas; e mais que tudo restabelecendo
a sociedade dos Jesuítas, e por outro lado queimando a maior parte dos livros, e um
certo número de homens, que os leram.249

Daunou publicou seu Ensaio em 1819, afirmando as “garantias” como “os únicos limites
que, em um grande estado, podem utilmente circunscrever a autoridade”.250 Sua concepção
político-filosófica dos direitos civis incluía a liberdade perante a arbitrariedade do Estado, a
proteção da propriedade, o livre exercício da indústria e a liberdade de opinião, com direitos
políticos e, por conseguinte, cidadania, estendidos apenas aos proprietários.251 Além de
Daunou, a Aurora destacou em 1831 outros nomes de peso da filosofia política liberal da França
pós-revolucionária. Na ocasião, as análises foram transcritas do periódico Sentinela do Serro,
publicado por um frequentador assíduo da livraria de Evaristo da Veiga, Teófilo Benedito
Otoni.252 No artigo, destacavam-se os “sucessos de 1830” e o “triunfo das doutrinas modernas,
anunciado nos escritos dos Dupin, dos Benjamim Constant dos Tracy e de outros espíritos
luminosos e profundos”.253 O êxito do liberalismo doutrinário estaria encarnado em uma
concepção de cidadania na qual as liberdades constitucionais, com os direitos políticos
garantidos aos proprietários, surgiam em contraposição às forças do trono e do altar: “A guarda

249
A Aurora Fluminense, nº 48, 28/05/1828.
250
DAUNOU, P. C. F. Essai sur les garanties individuelles que réclame l’état actuel de la société. Paris: Chez
Foulon et Comp., Libraires-Editeurs, 1819, p. 4. Disponível em
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k61384286/f9.image.r=.langES Acesso em 07/03/2018.
251
Essa concepção censitária dos direitos políticos era adotada na Constituição de 1824 e também na Constituição
de Pouso Alegre. Ver: HOMEM DE MELO, F. I. M. O golpe de Estado de 30 de julho de 1832. In: Op. cit., p. 30;
STAUM, Martin. Minerva’s message: stabilizing the French Revolution. Québec: McGill-Queen’s University
Press, 1996, pp. 183-185.
252
O Sentinela do Serro foi fundado por Teófilo Benedito Otoni (1807-1869) em sua cidade natal, Vila do Príncipe,
depois cidade do Serro Frio, província de Minas Gerais. Otoni fundou o referido periódico após desligar-se da
Academia da Marinha, onde havia estudado, alegando perseguições políticas. Além de comerciante, Teófilo Otoni
construiu uma carreira política de destaque, sendo deputado à Assembleia Nacional na quarta, sexta, sétima e
décima primeira legislaturas. Nomeado senador em 1864, recusou uma vaga no Conselho de Estado. Em sua obra
política fundamental, Circular aos Eleitores de Minas, expôs um liberalismo de inspiração “jeffersoniana”. Otoni
colaborou com a imprensa liberal em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Perfilava-se aos ideais republicanos, tendo
arrefecido de tais arroubos diante da hegemonia moderada. Apoiou a aprovação do Ato Adicional de 1834 e
compôs as fileiras da Revolta Liberal de 1842. Ver: SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., pp. 115-117.
253
A Aurora Fluminense, nº 458, 07/03/1831. (Grifos o autor).
192

cívica e o Rei cidadão tiveram maior força do que tiveram os Bourbons endeusados. As suas
tropas suíças, os seus exércitos, os seus jesuítas, os seus gendarmes”.254
As referências que a Aurora Fluminense abordaria a partir do Sentinela do Serro não se
limitaram aos liberais da França pós-revolucionária e incluiriam os artífices da Independência
dos Estados Unidos da América, base da “linha republicana” adotada no periódico de Otoni e
do “democratismo jeffersoniano” defendido pelo político mineiro.255 No ano de 1831, havia
uma “diferença considerável”, com relação aos “anteriores até 1829 inclusivamente”, quando
um “regime arbitrário oprimia a França debaixo das formas legais, a imprensa estava no todo
agrilhoada, e nem se podia falar a verdade na Tribuna Nacional”.256 A Santa Aliança, núcleo de
“salteadores coroados”, havia “tornado infrutíferas as tentativas heroicas, feitas pela Espanha,
Nápoles, Sardenha e Portugal, para se livrarem do jugo tirânico de que eram vítimas.”257 O
restante da Europa, “excetuando a Suécia, e a Baviera, estava naquela sonolência mortal, que
caracteriza o despotismo.”258 Na Inglaterra, “sujeita à influência dos Torys, coadjuvava nos
seus planos tenebrosos a santa canalha e apenas por alguns meses se opôs ao espírito dos
retrógados, enquanto o leme dos negócios foi dirigido aí pela poderosa mão de Canning.”259 Se
antes de 1830 reinava o despotismo na Europa, na América “veríamos, que a liberdade só podia
alçar a frente majestosa no seu antigo asilo, na Pátria dos Paine, dos Jefferson, e dos
Franklin.”260 Contrariamente aos tempos despóticos, a primavera de julho de 1830 teria sido
um marco na busca pelas liberdades constitucionais:

Presentemente tudo está mudado: o conciliábulo dos tiranos acha-se quase dissolvido.
Na França já nem existe a luta entre oprimidos, e opressores (...) A Bélgica proclamou-
se independente: a Holanda já saiu do seu letargo. Na Alemanha já se fazem observações
às ordens do Déspota. Na Espanha já se combate pela divina liberdade: e a esta hora os
Espanhóis estão divididos em 2 exércitos; um composto da canalha, e dos frades; outro
dos patriotas, e da Nação, e não é duvidoso a quem pertencerá a vitória. Finalmente,

254
A concepção de uma cidadania ativa, restritiva e atrelada à propriedade, teve em Emmanuel Joseph Sieyès
(1748-1836) um de seus principais formuladores. Em 1788, às vésperas da eclosão revolucionária, o abade de
Sieyès redigiu Qu’est-ce que le Tiers État?, obra cujos princípios fundamentais foram incorporados à Constituição
de 1791. Consolidava-se a noção de um “corpo nacional”, em contraposição à escalonada estrutura de
representatividade por Estados (clero, nobreza e povo), cara ao Antigo Regime. Ainda que excludente, na medida
em que era censitária quanto ao voto e à elegibilidade, a nova concepção jurídico-política prescrevia que os
cidadãos ativos politicamente representariam toda a nação, incluindo os cidadãos passivos, e não mais uma
corporação especifica. Ver: A Aurora Fluminense, nº 458, 07/03/1831; SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte
Burguesa: Qu’est-ce que le Tiers État? (Org. e Int. de Aurélio Wander Bastos). Rio de Janeiro: Editora Lumen
Juris, 2001, pp. 9-53.
255
SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., p. 116.
256
A Aurora Fluminense, nº 457, 04/03/1831.
257
Ibidem, nº 457, 04/03/1831.
258
Ibidem, nº 457, 04/03/1831.
259
Ibidem, nº 457, 04/03/1831.
260
Ibidem, nº 457, 04/03/1831.
193

para complemento da derrota dos Apostólicos, caiu na Inglaterra o Ministério de


Wellington; já se trata de reformas Constitucionais no Parlamento Britânico, e o leme
do Estado é dirigido pelo partido Whig, ou liberal.261

Aos liberais doutrinários da França, uniam-se os federalistas dos EUA e os Whigs


ingleses, em um vasto corpus de referências políticas, filosóficas e intelectuais, que incluíam o
“governo” dos “interesses” de Harrington e a “impossibilidade de uma extrema perfeição” de
Guizot.262 No limite, a Aurora Fluminense evocou autores originários de círculos absolutistas
para legitimar seu liberalismo moderado de viés anticongregacionista, caso de Montlosier e sua
oposição aos Jesuítas.263 Em uma visão que englobasse a compatibilidade entre o liberalismo a
religião cristã, distante dos arroubos despóticos do “jesuitismo” inquisitório das ordens
regulares, surgia o nome de Monte Alverne. Na Sociedade Defensora, o mestre da oratória
sagrada enfatizara que “o Cristianismo, humanamente falando, era uma ideia progressiva, em
relação ao politeísmo que então governava o Universo”.264 Ao fazer apologia à fala de Monte
Alverne, recorria-se, mais uma vez, aos círculos intelectuais do liberalismo francês: “O
Cristianismo foi um grande progresso nas ideias, um passo imenso para a civilização moderna,
ou antes sua principal base e fundamento. Leia-se Guizot, leia-se Cousin, e adquirir-se-á plena
convicção desta verdade consoladora.”265
A Aurora Fluminense contrapunha-se, desse modo, a um catolicismo persecutório e
monopolista em termos espirituais, típico de Antigo Regime, opinião que ficava evidente nas
críticas ao “catecismo austríaco”, traduzidas da London Magazine, e ao “catecismo russo”,
traduzido do Globe.266 O catolicismo ortodoxo e romano estariam na base do sistema absolutos,

261
A Aurora Fluminense, nº 457, 04/03/1831.
262
Ibidem, nº 439, 19/01/1831; nº 475, 22/04/1831.
263
François Dominique de Reynaud (1755-1838), Conde de Montlosier. De família nobre, esteve por seis anos
entre os jesuítas de Clermont-Ferrand, abandonando o claustro para se dedicar aos estudos científicos e históricos.
Deputado substituto aos Estados Gerais, defendeu os privilégios da nobreza e, a partir de 1792, exilou-se em
Hamburgo e Londres, onde redigiu o Courrier de Londres. Sob Napoleão, foi incumbido de compor uma História
da Monarquia Francesa. A obra, na qual defendeu os preceitos feudais, foi censurada e publicada após o início da
Restauração. Apesar de sua defesa das prerrogativas do Antigo Regime, Montlosier fez dura oposição à
Congregação durante o último lustro da década de 1830. À época, contribuiu para o Constitutionnel, sem renunciar
ao seu pavor com relação à Revolução Francesa. Ver: A Aurora Fluminense, nº 25, 14/03/1828; nº 96, 26/09/1828;
ROBERT, Adolphe; BOURLOTON, Edgar & COUGNY, Gaston. Op. cit. (Lav-Pla), p. 420.
264
A Aurora Fluminense, nº 801, 02/08/1833.
265
Ibidem, nº 801, 02/08/1833. (Grifos do autor).
266
A London Magazine, o mais antigo periódico literário da Inglaterra, ainda em circulação, foi criada em 1732 e
para ela contribuíram T. S. Eliot (1888-195), Jack London (1876-1916) e Thomas Carlyle (1795-1881), dentre
outros proeminentes nomes da literatura inglesa. Em 1820, a London Magazine passou por uma reestruturação
editorial, de inspiração liberal, sob os auspícios de John Scott (1784-1821) e a nascente geração dos românticos
ingleses da qual fariam parte Charles Lamb (1764-1847) e Thomas De Quincey (1785-1859). No que se refere ao
Globe, ao que parece, não se tratava mais do Le Globe francês, que circulou entre 1824 e 1832, tendo Joufroy
(1796-1842) e Guizot à frente. Contudo, o referido periódico, de linha editorial romântica e liberal, foi citado em
outros momentos pela Aurora Fluminense. Ver: A Aurora Fluminense, nº 99, 03/10/1828; nº 344, 02/06/1830; nº
194

pois, ordenavam “que o homem seja besta de carga ocupada em trabalhar para seu senhor” e
propagavam “as doutrinas do governo absoluto em toda a sua feia nudez”.267 À religião
legitimadora do despotismo, opunha-se um catolicismo ilustrado e progressista, em
consonância com o ecletismo de Vitor Cousin e seu espiritualismo laico, cuja defesa seria feita
também pelo romântico Gonçalves de Magalhães, na revista Nitheroy.268 Se a intolerância
inquisitória era parte de um passado tenebroso, rechaçavam-se também os arroubos radicais de
uma Ilustração anticlerical e, no limite, avessa a qualquer tipo de religião. Da pena de Benjamin
Constant surgia a crítica a uma “minoria turbulenta”, “fanática do passado” e que via “o
ateísmo, aonde a liberdade de consciência substitui as fogueiras”. 269 Opondo-se ao ateísmo e
ao “espírito de partido”, a Aurora também daria voz a Madame de Stael (1766-1817): “Como
se viu pregar o ateísmo com a intolerância da superstição, assim o espírito de partido ordena a
liberdade com todo o furor do despotismo.”270
Além de incluir a agenda de reformas na Igreja do Brasil Império, defendidas por Feijó
e o clero regalista, o juste-milieu, esboçado nas páginas do principal periódico moderado,
incluía também um posicionamento religioso longe dos extremos e em diálogo com os autores
que buscaram a “cristianização do liberalismo francês”.271 O fim das ordens religiosas, as
mudanças na disciplina do clero e a reforma da estrutura político-administrativa da Igreja não
significavam um apelo ao ateísmo radical, mas, sim, uma readequação do papel do clero na
dinâmica do Estado e da sociedade imperial, tanto no nível das instituições quanto no nível das
consciências. O antídoto contra certo jesuitismo, representado pelo Seminário do Caraça e por
aqueles que evocavam Bonald e pareciam se inspirar no miguelismo de José Agostinho de
Macedo, era um liberalismo constitucional referenciado nas produções dos filósofos e políticos
sediados no eixo Paris-Londres.272 No Brasil, onde a Aurora afirmava grassar “a posse

839, 11/11/1833; PARKER, Roger & SMART, Mary Ann. Reading Critics Reading: Opera and Ballet Criticism
in France from the Revolution to 1848. Oxford: University Press, 2001, pp. 69 e segs; SCOTT, Mathew. John
Scott’s The London Magazine. The London Magazine. Dec 2008/Jan/Feb 2009. Disponível em:
https://www.thelondonmagazine.org/john-scotts-london-magazine-matthew-scott/ Acesso em 09/03/2018;
WEILL, Georges. Op. cit., pp. 47-53.
267
A Aurora Fluminense, nº 99, 03/10/1828; nº 839, 11/11/1833.
268
À semelhança de Monte Alverne e Evaristo, Gonçalves de Magalhães “apresentava uma abordagem
predominantemente filosófica e racional da religião, sem se orientar pela revelação ou princípios dogmáticos
rígidos, o que o distancia de um enfoque característico do tradicionalismo ultrarrealista de Xavier de Maistre e De
Bonald.” Após a morte de Evaristo da Veiga, em 1835, as publicações da Aurora seriam retomadas por dois anos,
entre 1838 e 1839, por Francisco de Salles Torres-Homem (1812-1876), advogado, político e intelectual da
primeira geração do Romantismo. Ver: FERRETTI, Danilo José Zioni. Op. cit., p. 79.
269
A Aurora Fluminense, nº 245, 28/09/1829.
270
A Aurora Fluminense, nº 768, 10/05/1833.
271
FERRETTI, Danilo José Zioni. Op. cit., p. 82.
272
Segundo Raphael Quintela, a partir de 1836 teve início a formação de um eixo franco-brasileiro de publicações
impressas. Ver: QUINTELA, Raphael. Les périodiques brésiliens en France au XIXe siècle. (Maîtrise en Histoire)
195

indisputada do regime representativo desde 1821”,273 o clérigo ideal deveria estar integrado à
sociedade, cultivando mais a sabedoria e a inteligência que a disciplina. Em sentido próximo
afirmaria o padre Bhering no Novo Argos: “Um eclesiástico virtuoso, porém ignorante é mais
prejudicial à Igreja, mais nocivo à sociedade, do que um instruído ainda que libertino. O Bispo
de Genebra S. Francisco de Sales.”274

Université de Versailles/Saint-Quentin en Yvelines, Institut d'études culturelles. Saint-Quentin en Yvelines, 2013,


pp. 35 e segs.
273
A Aurora Fluminense, nº 978, 10/11/1834.
274
O Novo Argos, no 14, 11/02/1830.
196

CAPÍTULO 5
REGRESSISTAS E ROMANIZADOS: REAÇÃO E RESTAURAÇÃO

Em meados da década de 1830, o Império brasileiro encontrava-se em uma delicada


conjuntura socioeconômica e política. O quadro de revoltas dava sinais de ampliação em
diferentes partes do território, criando medos e expectativas. Ampliavam-se as contradições do
sistema escravista, questionado na esfera pública e, ao mesmo tempo, reconhecido como meio
mais eficaz para a superação dos evidentes gargalos da cadeia produtiva agrário-exportadora.
Em meio a espectros de revoluções e haitianismos,1 os cidadãos organizados nas fileiras
jurídicas, políticas e institucionais do Estado nacional, artífices da monarquia constitucional e
da ordem imperial, encontravam-se divididos, sobretudo no interior da compósita moderação.
Nesse cenário, despontaria a liderança de Bernardo Pereira de Vasconcelos, que aprofundou a
fragmentação dos liberais moderados ao capitanear uma guinada regressista. A reação aos
arroubos revolucionários passava pelo restabelecimento da ordem e pela restauração de uma
liberdade que, clamada de modo irrestrito, fora comprometida. O processo de reestruturação
das bases político-jurídicas da monarquia constitucional contaria com a participação dos porta-
vozes da ortodoxia romana: aos cidadãos da monarquia tropical, as fórmulas da disciplina
católica e da pedagogia político-eclesiástica inspirada nas ordens regulares. Vasconcelos e
Romualdo Seixas combateriam o reformismo cismático do padre regente, trazendo a herança
bragantina para o primeiro plano do projeto político regressista.

5.1 Vasconcelos e o catolicismo

A agenda do Regresso conservador foi capitaneada por Bernardo Pereira de


Vasconcelos, cuja sagacidade política contribuiu para a convergência de forças diversas no
intuito de parar “o carro da revolução”.2 Bernardo Pereira de Vasconcelos nasceu em Vila Rica,
no dia 27 de agosto de 1795. Seu pai, Diogo Pereira de Vasconcelos, era português criado em
Minas Gerais e casou-se com d. Maria do Carmo Barradas, também de ascendência portuguesa.
No que tange à política, Diogo Vasconcelos chegou a ser acusado de confabular com alguns

1
Em alusão à Independência do Haiti, e à precoce abolição do sistema escravista na antiga colônia francesa, o
termo “haitianismo” foi utilizado durante o Império brasileiro, sobretudo durante o período regencial, para
qualificar os temores quanto às sublevações protagonizadas por escravizados. Ver: RODRIGUES, Jaime. O Infame
Comércio. Propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil. (1800-1850). Campinas, SP:
Editora da UNICAMP: CECULT, 2000, pp. 50-63.
2
O Sete d’Abril, no 516, 13/01/1838.
197

círculos da Inconfidência. A exemplo de seu pai e de seu avô materno, Vasconcelos formou-se
em Coimbra. De sua geração, fizeram parte alguns vultos da política imperial, dentre eles,
Nabuco de Araújo, Miguel Calmon e o regente Araújo Lima. Recém-formado, Vasconcelos
trabalhou por um ano no escritório de seu tio Bernardo de Souza Barradas. Voltando ao Brasil,
começou sua carreira de magistrado em Guaratinguetá, indo depois para o Maranhão. Foi eleito
deputado em 1826 por Minas Gerais, sendo reeleito até o ano de 1838, quando chegou a
senador. Esteve à frente do Ministério da Fazenda, em 1831, e da Justiça, em 1837, quando
organizou o chamado gabinete das capacidades.3 Em 1840, foi ministro do Império por apenas
nove horas. Em 1833, era vice-presidente da sua província natal, quando ocorreu a Sedição de
Ouro Preto e, no meio de toda a confusão, chegou a ser preso.4
Vasconcelos projetou-se na cena imperial a partir de uma trajetória construída em
frentes múltiplas, “na confluência entre a propriedade, de terras e homens, e a magistratura,
cuja complexa relação constituiu a ordem oitocentista.”5 O “campeão” do Regresso inseriu-se
na dinâmica de uma esfera pública marcada por múltiplos círculos de sociabilidade e travou
duras batalhas sobre temas que geraram polarizações, por vezes irredutíveis, como a escravidão.
Ao contrário de uma postura monolítica e continuamente conservadora, perigosamente
reproduzida pela historiografia, Bernardo Pereira de Vasconcelos mostrou-se resiliente ao
longo de sua carreira, adaptando-se às flutuações conjunturais sem, no entanto, abrir mão de
posicionamentos incisivos e críticas contumazes.6 A astúcia do político mineiro assentava-se,
portanto, em “motivos, ousadias e interesse pelo embate público, irredutíveis a uma lógica de
Antigo Regime”.7
Com efeito, a retomada de alguns dos princípios basilares do Antigo Regime a partir do
Regresso conservador, enfatizando a sacralização e a consolidação institucional do regime
monárquico através dos recursos simbólicos e materiais do catolicismo romanizado, não
excluiu o apelo à imprensa e às batalhas opinativas típicas das sociedades sensíveis às práticas

3
O Gabinete das Capacidades foi encabeçado por Vasconcelos, que assumiu os Ministérios do Império e da Justiça,
após a renúncia de Diogo Antônio Feijó em 1837. Na pasta dos Negócios Estrangeiros, estaria o médico lisboeta
Antônio Peregrino Maciel Monteiro (1804-1868); na Fazenda, o caramuru Miguel Calmon du Pin e Almeida
(1796-1865); na Marinha, o Saquarema Joaquim José Rodrigues Torres (1802-1872); na Guerra, um dos pilares
do Regresso conservador, Sebastião do Rego Barros (1803-1863). Ver: LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Op. cit., pp.
75-133.
4
SACRAMENTO BLAKE, Augusto Vitorino. Op. Cit. (Vol. 1), pp. 415-416; SISSON, Sebastien Auguste.
Galeria dos Brasileiros Ilustres: os contemporâneos (Vol. 1). Rio de Janeiro: Lithographia de S. A. Sisson, 1861,
pp. 99-100.
5
SILVA, Wlamir. A valentia da dialética: Bernardo Pereira de Vasconcelos, o senso comum, a classe conservadora
e a cabeça de medusa. In: SALLES, Ricardo (Org.). Ensaios gramscianos: política, escravidão e hegemonia no
Brasil Imperial. Curitiba: Editora Prismas, 2017, p. 89.
6
SILVA, Wlamir. A valentia da dialética... In: Op. cit., pp. 83-155.
7
Ibidem, p. 93.
198

ilustradas e liberais. Em consonância com a capacidade de adaptação dos porta-vozes do trono


e do altar ao contexto político, filosófico e intelectual pós-revolucionário, a propagação da
pedagogia política regressista deu-se, em grande parte, por uma releitura conservadora dos
princípios do liberalismo constitucional. Cumpre salientar que a “inflexão” empreendida no
segundo lustro da década de 1830 caracterizou-se pela convergência de forças compósitas,
sobretudo em virtude da cisão moderada.8 O próprio Vasconcelos justificou sua guinada
regressista na famosa fala em que ressaltou o comprometimento resultante dos “princípios
democráticos”, da “desorganização” e da “anarquia”.9
As mudanças de posicionamento de Vasconcelos, na senda da requalificação de uma
liberdade em “excesso”, compreenderam também os problemas relativos ao catolicismo, em
sua conflituosa relação com o Estado e com a sociedade imperial. Tal inflexão engendrou o
abandono de um posicionamento próximo ao clero regalista e secular, liderado por Feijó e uma
progressiva afinidade com o diapasão romanizado de Romualdo Antônio Seixas. Desse modo,
a transição da defesa de uma liberdade revolucionária para uma liberdade mais restrita e menos
comprometedora da ordem ficou clara nos periódicos que estiveram sob a orientação do
magistrado coimbrão entre as décadas de 1820 e 1840.
Como já referido, O Universal, publicado em Ouro Preto, esteve sob os auspícios de
Vasconcelos entre 1825 e 1836, empreenderia duras críticas aos padres do Caraça e ao bispo de
Mariana, d. frei José da Santíssima Trindade.10 Entretanto, o apoio do Universal à agenda de
reformas do clero regalista não se resumiu ao problema das ordens religiosas. Ainda em 1828,
a folha moderada reproduziu o “Exame crítico e imparcial sobre o voto separado do Sr.
Deputado Feijó, e seus Antagonistas, por um Fluminense”, no qual o autor citava as brigas entre
o futuro regente e o padre Perereca, destacando: “Não obstante alguma prevenção com que eu
li o voto do Sr. Feijó, devo confessar que se encontra nele método, clareza, e precisão; solidez
de princípios, exação de consequências, e as melhores intenções possíveis.”11 O artigo
continuaria por algumas edições do Universal, ressaltando que Feijó “molestou
exuberantemente a filáucia do nosso Patrício dos Santos”, pois demonstrou que a “Constituição
(...) reconheceu a competência do Poder Temporal não só em aceitar novas Leis, como em
rejeitar e abolir as antigas, quando estas forem prejudiciais aos Estado.”12 Para respaldar a

8
PAULA, Alexandre Marciano de. Op. cit., pp. 18 e segs; SILVA, Wlamir. Ser ou não ser liberal, eis a questão...
Op. cit., p. 1.
9
SOUZA, Octávio Tarquínio de. Op. cit., p. 181.
10
O Universal, no 241, 26/01/1829; no 446, 28/05/1830. VEIGA, J. P. Xavier da. A Imprensa em Minas Gerais.
Op. cit., p. 202 e segs.
11
O Universal, no 131, 14/03/1828.
12
Ibidem, no 135, 23/05/1828.
199

defesa das interferências seculares sobre as questões de foro eclesiástico, o autor evocava o
regalismo lusitano: “Ninguém há que ignore que esta prática não é nova na Monarquia
Portuguesa, quer negando Beneplácitos às Leis Ecles. recentes, quer proibindo a execução de
outras já aceitas”.13 Ao mesmo tempo, destacava algumas características do antagonista de
Feijó:

Parece ainda mais pueril queixar-se o nosso Patrício dos Santos de haver-lhe o Sr. Feijó
chamado Ultramontano e Papista, por serem esses os nomes, com que sem a menor
injúria se apelidou sempre aqueles, que dão aos papas poderes que eles não têm, que os
julgam impecáveis, e superiores no Espiritual e temporal a todos os Soberanos da terra.14

À legitimidade das práticas regalistas, opunha-se a teoria da infalibilidade papal, sendo


tal perspectiva o cerne dos argumentos que compunham a resenha da contenda protagonizada
por Feijó e padre Perereca em torno do celibato clerical. 15 Na conclusão da série de textos, o
autor reforçava a “heterogeneidade de princípios Religiosos e políticos” do defensor do celibato
e o “ranço das doutrinas ultramontanas”, as quais “só poderão iludir aos imbecis, Colonos e
tartufos que o ouvindo falar em ataques a Religião, Heresia &c. levantam logo as orelhas, e
surdos à voz da verdade e da razão, fixam unicamente as vistas nos seus fanáticos diretores.”16
Nesse sentido, esperava-se da “Augusta Assembleia” um rápido desfecho para “o fim desta
obra tão Santa e benéfica, na cabal certeza de que a Posteridade marcará com Letras d’ouro os
Nomes daqueles que votarem a bem da Causa da Religião, da Pátria, e da Humanidade.” 17 A
defesa de Feijó e sua causa ainda apareceria pela voz do “Anticelibatário” ao indicar a
“Demonstração da necessidade de abolição do celibato clerical (...) Obra prima da
Jurisprudência Canônica dos nossos dias.”18
Além do Universal, em Minas Gerais, Vasconcelos estaria à frente de publicações
periódicas na Corte. A primeira dessas publicações foi O Brasileiro (1832-1833),19 periódico
no qual surgiria a questão da tolerância religiosa, em resposta à censura de “um argumento
nosso contra o direito divino dos Reis”.20 A demarcação entre as esferas religiosa e política
deveria ser clara, resguardando a liberdade individual, pois “como as religiões são feitas para o

13
O Universal, no 135, 23/05/1828.
14
Ibidem, no 135, 23/05/1828.
15
Ibidem, no 138, 30/05/1828; no 141, 06/06/1828; no 147, 20/06/1828; no 153, 04/07/1828.
16
Ibidem, no 154, 07/07/1828.
17
Ibidem, no 154, 07/07/1828.
18
Ibidem, no 191, 01/10/1828.
19
A epígrafe do Brasileiro, “Soyez Moderés, soyez justes”, era atribuída ao historiador suíço Johannes von Muller.
Ver: SILVA, Wlamir. A valentia da dialética... In: Op. cit., p. 101; O Brasileiro, no 27, 05/05/1832.
20
O Brasileiro, no 27, 05/05/1832.
200

bem dos homens, e não os homens para o bem das religiões, da mesma forma os Governos são
feitos para os homens, e não os homens para os Governos.”21 Era preciso “distinguir nas
religiões dois objetos, um metafísico, e o outro político”, consistindo o “objeto metafísico” no
“dogma”, ou “parte revelada”, que nas “religiões falsas” seria “inventada”.22 Assim, o conteúdo
teológico das crenças não estaria submetido ao crivo temporal e coletivo: “são as relações do
homem para com Deus, cuja observação ninguém julgará senão Deus; e não interessa a
ninguém, além do indivíduo no foro interior.”23 Em sua origem, o cristianismo surgia na
condição de uma crença abstraída de obrigações políticas vinculantes: “Jesus Cristo nunca
impôs aos Governantes o preceito de obrigar as consciências.”24
Quanto ao segundo objeto, o político, não seria substancialmente dogmático, mas sim
“moral; quase a mesma em todas as religiões, a mesma em todas as seitas cristãs”.25
Diferentemente das crenças metafísicas, a partilha de uma moral comum entre os indivíduos
fazia-se necessária e imprescindível: “são as relações dos homens entre si: destas todos os
homens são juízes. E é nesta parte em que todos são juízes, que se entende, serem feitas as
religiões para o bem dos homens, estabelecendo e consagrando preceitos de moral.”26 A
perspectiva de um sentimento de moralidade religiosa, apartado de imposições dogmáticas,
coadunava com os valores da tolerância ventilados pelo clero regalista e liberal, a exemplo do
posicionamento defendido pela Aurora Fluminense. Para o autor do artigo reproduzido no
Brasileiro, a figura do súdito cristão, própria às monarquias católicas do Ancien Régime, dera
lugar ao cidadão, em torno do qual gravitavam os esforços do governo e das religiões:

Desta verdade segue-se a demonstração a fortiori de que os Governos são feitos para os
homens se até as religiões (independente do seu objeto metafísico, que é do foro interior)
no estabelecimento político, que é do foro exterior, são feitas para o bem dos homens,
é forçoso concluir que os governos, que não têm senão um objeto político, são feitos
para os homens, os Reis para os povos.27

Para fortalecer os argumentos sobre o “bem que deve produzir ao Brasil a existente
tolerância religiosa”, apresentava-se “aos (...) leitores um artigo do Scothman traduzido em

21
O Brasileiro, no 27, 05/05/1832. (Grifos do autor).
22
Ibidem,, no 27, 05/05/1832.
23
Ibidem, no 27, 05/05/1832.
24
Ibidem, no 27, 05/05/1832.
25
Ibidem, no 27, 05/05/1832.
26
Ibidem, no 27, 05/05/1832.
27
Ibidem, no 27, 05/05/1832. (Grifos do autor).
201

francês no no 142 do Messager.”28 De acordo com a peça traduzida, “independência e liberdade


dos cultos são favoráveis ao progresso dos princípios religiosos.”29 Um viés utilitário reforçaria
a importância da religiosidade livre, isenta de imposições que emanassem de autoridades
temporais ou eclesiásticas: “Deixai a religião sustentar-se pelas próprias forças, assim como as
diferentes indústrias humanas se sustentam conforme seu grau de utilidade e importância.”30 O
exemplo de consolidação do “princípio” relativo à tolerância religiosa “não tinha sido
reconhecido antes da emancipação da América do Norte; porém a aplicação prática e a
experiência diária neste país não permitem a este respeito dúvida nenhuma.”31 Nesse sentido, o
cosmopolitismo próprio à composição social dos EUA evidenciava-se no ecumenismo
religioso:

Lê-se em um jornal recentemente publicado na cidade de New York: Na semana p. p.


consagrou-se uma Igreja presbiteriana em Rochester: acham-se atualmente nesta cidade,
cuja data de fundação não passa de dezesseis anos, treze Igrejas ou templos consagrados
ao culto público, a saber: três dos Presbiterianos, dois dos Episcopais, dois dos
metodistas, um de cada uma das seitas seguintes: Anabatistas, Amigos, Católicos
Romanos, Universalistas, Africanos. Rochester tinha em 1825 uma população de 4000
almas. Conta hoje com sete ou oito mil habitantes, que nos sertões, fizeram mais a favor
da religião, do que população nenhuma da Europa sustentada pelos Governos mais
religiosos, e pelas mais ricas dotações do Clero.32

O liberalismo constitucional em formação deveria, portanto, garantir a tolerância


religiosa, em consonância com as liberdades individuais. Dando continuidade ao seu apelo de
cariz secular, voltado a uma dimensão jurídico-institucional e também filosófica, em outra
edição, o Brasileiro anatematizava a “inquisição, pela qual suspiram os Frades”.33 O tribunal
do Santo Ofício significava a supremacia do poder persecutório das ordens regulares e “era o
meio mais pronto de conservarem seu império!”34 O passado de tirania e intolerância, quando

28
Le Messager: Journal Politique et Littéraire (1831-1834) foi uma das mais importantes publicações em francês
que circularam na primeira metade do século XIX no Brasil, sob a orientação de Pedro Gueffier, proprietário da
Tipografia Gueffier. A partir de 1832, modificam-se o formato e o título, passando a ser um Journal Politique,
Littéraire et Commercial. A partir do final dos anos 1820 e 1830, surgiram também outros periódicos estrangeiros,
contribuindo para uma expansão qualitativa e quantitativa da circulação e apropriação da produção política,
científica e literária em uma esfera pública transatlântica. Ver: GIMENEZ, Priscila. Le Messager: journal politique
et littéraire (1831-1832), Le Messager: journal politique, littéraire et commercial (1832-1833). In: Site
TRANSFOPRESS Brasil, disponível em: http://transfopressbrasil.franca.unesp.br/verbetes/le-messager-
politique/, acesso em 26/03/2018; SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., pp. 116 e 226; O Brasileiro, no 27,
05/05/1832.
29
O Brasileiro, no 27, 05/05/1832.
30
Ibidem, no 27, 05/05/1832.
31
Ibidem, no 27, 05/05/1832.
32
Ibidem, no 27, 05/05/1832.
33
Ibidem,, no 56, 23/01/1833.
34
Ibidem, no 56, 23/01/1833.
202

“as fogueiras ardiam e as feras nutriam-se de carne humana, insultando os desgraçados que
sacrificavam ao seu furor; e mesma divindade cujo nome invocavam”, não seria mais admitido:
“Tempos tão horrorosos se passaram, não é possível fazê-los voltar mais”. 35
O Brasileiro
circulou entre os anos de 1832 e 1833, ano este em que surgiria o Sete d’Abril, publicação de
fôlego na imprensa da Corte imperial e do Brasil, através da qual Vasconcelos destilava sua
verve irônica, sarcástica e pragmática.
Inicialmente, o Sete d’Abril faria coro aos auspícios reformistas e seculares defendidos
pelo núcleo de padres regalistas do grupo moderado. Em janeiro de 1834, um artigo assinado
por certo “Padre Onça” abordaria “o Correio Oficial de Sábado 4 do corrente mês de Janeiro”,
no qual estava “inserta a resposta do Reverendo Provincial dos Franciscanos, a Portaria do Exm.
Sr. Ministro da Justiça em que aquele Reverendo Sr. mostra-se penalizado por em tempo de seu
Antecessor terem professado – apenas 4 Noviços nascidos em Portugal”.36 O referido ministro
era Aureliano Coutinho, e sua portaria compunha a série de ações do governo imperial que, em
consonância com a agenda do clero regalista, buscava o controle das ordens regulares, o que
incluía propostas de apropriação dos seus bens.37 Ao analisar a situação sobre os regulares
portugueses, cujas ordens foram extintas em 1834, o “Padre Onça” ironizava: “quem não
derramará lágrimas à vista de tanta escassez!! somente 4 papeletas malcriados, e inimigos do
Brasil!!! (...) Adeus Corporação Franciscana! em três anos – apenas professarão 4 nascidos em
Portugal!!”38 Por fim, o desejo de um controle mais rígido sobre as ordens regulares, recorrendo
ao encarregado dos negócios da Santa Sé Domingos Scipião Fabrini:39

35
O Brasileiro, no 56, 23/01/1833.
36
O referido clérigo era frei Henrique de Santa Ana e o ministro, o liberal Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho.
Aureliano Coutinho, Visconde de Sepetiba, nasceu no dia 21 de julho de 1800, na província do Rio de Janeiro,
onde faleceu em 1855. Esteve na academia militar e se formou no curso de direito em Coimbra. Fez carreira na
política e na magistratura, sendo também ministro das pastas do Império, da Justiça e dos Estrangeiros. Em 1833,
foi responsável pelas modificações da tutoria no Paço Imperial, quando mandou prender José Bonifácio de
Andrada e Silva. Desde então, Coutinho destacou-se na condição de liderança nos círculos áulicos e articulista do
Golpe da Maioridade. Ver: SACRAMENTO BLAKE, Augusto Vitorino Alves. Op. cit. (Vol. 1), pp. 373-374;
Correio Oficial, no 03, 04/01/1834; O Sete d’Abril, no 111, 18/01/1834.
37
PACHECO, Paulo Henrique Silva. A Ordem Beneditina e o Governo: acordos e conflitos da Corte Imperial.
Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ, n.4, Outubro de 2010, pp. 94-95.
38
O Sete d’Abril, no 111, 18/01/1834.
39
O abade Fabrini ficou encarregado dos negócios da Santa Sé no Brasil entre a partida de Pedro Ostini (1775-
1849), em 1832, e a chegada de um internúncio no ano de 1844. Em 1839, o padre Perereca ofereceu a Fabrini
uma obra na qual refutava as práticas religiosas dos metodistas que chegaram ao Brasil no ano de 1836, livro
“composto para arrancar a cizânia, que o homem inimigo ousa semear no fértil campo da Igreja Brasileira”. Ver:
ACCIOLLY, Hildebrando. Op. cit., p. 309; SANTOS, Luis Gonçalves dos. O católico e o metodista, ou refutação
das doutrinas heréticas e falsas, que os intitulados missionários do Rio de Janeiro, metodistas de New York, tem
vulgarizado nesta corte do império do Brasil por meio de huns impressos chamados tracts, com o fim de fazer
prosélitos para a sua seita, &c". A que se ajunta uma Dissertação sobre o direito dos Católicos de serem
sepultados nas Igrejas e nos seus adros. Oferecida e dedicada ao Exmo. e Revmo. Senhor Scipião Domingos
Fabrini... pelo padre Luiz Gonçalves dos Santos. Rio de Janeiro Imprensa Americana, 1839, p. 3.
203

o certo é, que no Convento há 4 papeletas professos, que serão Prelados, e governarão


os Religiosos Brasileiros, dignos de melhor sorte: que belas coisinhas se fazem lá pelos
Conventos!! Ah! eu Ministro da Justiça! ou os punha fora, (com licença de Mr. L’Abbé
Fabbrini) ou proibia que eles ocupassem lugar na Ordem.40

No Sete, o espaço concedido às opiniões perfiladas à agenda regalista e secular incluiria


a voz anticelibatária de Diogo Antônio Feijó. Em 1834, um artigo do Farol Paulistano,
intitulado “Questão do celibato eclesiástico – opinião do Senador Feijó”, era reproduzido a
partir do Correio Oficial. A questão estava relacionada à já referida Representação dirigida ao
bispo de São Paulo, Gonçalves de Andrade, pelo Conselho Geral daquela província. 41 Após
uma síntese de seus principais argumentos, Feijó ressaltava: “O clero deste Bispado, vive sem
Constituição; a da Bahia, que se segue em parte, é péssima em quase toda.” 42 O problema não
dizia respeito apenas ao celibato, mas à normatização da disciplina eclesiástica, cuja mudança
era intentada na esfera provincial e também no âmbito da Assembleia Geral. Em outras edições,
artigos assinados Inconvenientes do Celibato destacavam: “seria absurdo ir a Roma (...) para
sujeitar indiferentemente ao casamento todos os seus Cidadãos”43 e o celibato “contradiz ao
mesmo tempo as vistas do Criador, o destino da Natureza, e o fim essencial de todos os
governos”.44
Além de reproduzir a opinião de Feijó sobre o celibato, tratando o assunto sob tal ótica
ainda em outros momentos,45 o Sete d’Abril publicou o artigo Do tráfico de Pretos Africanos,
escrito originalmente para o periódico O Justiceiro.46 No artigo, o padre de Itu desferia críticas
à escravidão, ao mesmo tempo em que defendia a utilização da mão-de-obra europeia e citava
“leis palpavelmente contraditórias” para caracterizar a situação causada pela lei de 1831.47 Na
mesma edição, o Sete atacava a Maçonaria, da qual Feijó e outros liberais faziam parte,48

40
O Sete d’Abril, no 111, 18/01/1834. (Grifos do autor).
41
Ibidem, no 123, 25/02/1834; no 124, 01/03/1834.
42
Ibidem, no 124, 01/03/1834.
43
Ibidem, no 126, 08/03/1834.
44
Ibidem, no 127, 11/03/1834.
45
Ibidem, no 228, 14/03/1835; no 261, 11/07/1835; no 268, 08/08/1835.
46
Ibidem, no 220, 10/02/1835.
47
Em que pese a defesa do tráfico e da escravidão por parte de Vasconcelos, intensificada sobretudo a partir dos
idos de 1837, houve de sua parte críticas à escravidão, em um diapasão próximo ao de Feijó. Cumpre ressaltar que
tais variações de opinião eram recorrentes em indivíduos e grupos de orientações políticas distintas, compondo um
“amálgama de argumentos econômicos e humanitários contra a escravidão, junto aos temores de desorganização
da economia, da rebelião escrava e, mesmo, de dissolução moral pelo africano.” Ver: SILVA, Wlamir. A valentia
da dialética... In: Op. cit., pp. 94-98; O Sete d’Abril, no 220, 10/02/1835.
48
Dilermando Ramos Vieira, citando José Castellani, afirmou que Feijó ingressara nos quadros da maçonaria em
1833, na loja Amizade. Era diverso o espectro de tendências políticas que compunham as fileiras da maçonaria no
Brasil Império. De acordo com William Almeida de Carvalho, Feijó e Holanda Cavalcanti, seu concorrente à
Regência, representavam “o eterno embate entre maçons liberais e conservadores”. Ver: VIEIRA, David Gueiros.
204

destacando os nomes de Montezuma (1794- 1870) e Januário da Cunha Barbosa, com seus
“espetáculos” de “infâmia”, intolerância” e “ambição”.49 Desse modo, se no início de 1835,
Vasconcelos ainda poupava Feijó no Sete, devotando-lhe apoio e simpatia, o mesmo não se
poderia dizer com relação a outras lideranças liberais e ao principal periódico moderado, a
Aurora Fluminense.50
Os ataques proferidos no Sete de Abril não incluíram somente os posicionamentos,
ambíguos em um primeiro momento, com relação às lideranças liberais. O periódico chegou a
fazer chiste com as pretensões áulicas de Romualdo Seixas. Em uma seção chamada
“Piparotes”, na qual apontava o “organista de certo Convento (...) que fabrica nulidades contra
bispos eleitos”, alegava que “Foi engano – O Sr. Arcebispo da Bahia teve só unzinho, e não 2
votos para Tutor.”51 Assim, no que se referia às questões da agenda regalista e secular, durante
algum tempo, em 1835, sustentou-se a opinião de que no Brasil não deveriam ser executadas
leis feitas pelo papa ou “por Concílios em que a Igreja Brasileira não teve parte”.52 Em suma, a
resposta ao Pontífice seria clara: “vós sois bispo de Roma e não do Brasil: os títulos de Pontífice
e de Papa, que a etiqueta, ou o que quer que seja, vos atribuiu tirados do Paganismo, não vos
dão mais jurisdição do que S. Pedro exerceu.”53
Um dos defensores da Santa Sé alvejados pelo Sete d’Abril foi o Visconde de Cairu que,
em 1828, refutou Feijó na obra Causa da religião e disciplina eclesiástica do celibato clerical.54
Na primeira parte da peça, Cairu citava o “Sagrado Concílio Tridentino, que se observa em
todos os Estados Católicos, assim providenciou à Unidade da Fé, e à perpetuidade da Disciplina

Liberalismo, masonería y protestantismo en Brasil. In: BASTIAN, Jean-Pierre. Protestantes, liberales e


francmasones: sociedades de ideas ymodernidad en América Latina, siglo XIX. Mexico, CEHILA/Fondo de
Cultura Económica,1990, pp. 47-48; CARVALHO, William de Almeida. Pequena história da maçonaria no Brasil.
REHMLAC. Vol. 2, Nº 1, Mayo-Noviembre 2010, p. 38; VIEIRA, Dilermando Ramos. Padre diogo antônio feijó:
as controvérsias de um sacerdote regalista e anticelibatário. Rev. Pistis Prax., Teol. Pastor., Curitiba, v. 2, n. 1, p.
193-210, jan./jun. 2010, p. 206.
49
Francisco Gê Acaiaba de Montezuma nasceu na Bahia e bacharelou-se em direito na Universidade de Coimbra.
Participou ativamente das lutas pela Independência e, deputado à Constituinte de 1823, foi exilado com os
Andradas após o encerramento das atividades constituintes por d. Pedro I. Montezuma voltou ao Brasil após a
abdicação de 1831 e ocupou o Ministério da Justiça durante a Regência de Diogo Antônio Feijó. Foi deputado
provincial pelo Rio de Janeiro e senador pela Bahia, além de participar de missão diplomática na Inglaterra. Ver:
SACRAMENTO BLAKE, Augusto Vitorino. Op. cit. (Vol. 2), pp. 452-455; Sete d’Abril, no 220, 10/02/1835.
50
SILVA, Wlamir. A valentia da dialética... In: Op. cit., p. 114.
51
Sete d’Abril, no 171, 16/08/1834.
52
Ibidem, no 261, 11/07/1835.
53
Ibidem, no 261, 11/07/1835.
54
Cumpre destacar que as considerações de Cairu sobre o trabalho escravo fundamentavam-se na Economia
Política, tendo a instituição escravista por contrária a uma dinâmica econômica macroestrutural adequada e mesmo
aos auspícios civilizatórios. Portanto, José da Silva Lisboa mantinha um posicionamento divergente com relação
a Vasconcelos, que empreendeu, à época do Regresso, a defesa da escravidão e mesmo do tráfico. Ver: ROCHA,
Antônio Penalves, Rocha (Org.). Op. cit., pp. 50 e 325.
205

Eclesiástica, confiando-as à proteção dos Soberanos Fiéis à Igreja que Deus edificou.”55 Em
1835, o Sete direcionava ao “nobilíssimo Visconde de Cairu” algumas considerações do
Investigador Português, datadas de 1817.56 No melhor espírito regalista, o artigo resgatava as
ofensivas do “grande Rei o Senhor D. João IV (...) cujo projeto majestoso, fundado na douta
decisão dos teólogos franceses, que unanimemente concordavam que o Monarca podia fazer
sagrar em Portugal os seus Bispos sem confirmação papal.”57 Para embasar a perspectiva
veiculada, eram citados o francês François Richer (1718-1790) e o austríaco Joseph Valentin
Eybel (1741-1805), ambos jurisconsultos e canonistas ligados a proposições reformistas e
ilustradas com relação ao poder pontifício sobre a disciplina e a hierarquia eclesiásticas. 58 Ao
final, lembrava o “maior teólogo português”, Antônio Pereira de Figueiredo, a partir da obra
Tentativa Teológica ao afirmar “que a confirmação papal, praticada na eleição dos Bispos, é
um privilégio de consentimento e tolerância da parte da Igreja”.59
Em outra ocasião, continuavam os ataques a Cairu, “beatíssimo Papista” que “regalou
há dias a nossa devoção com o traslado da Encíclica do SS. Padre Gregório XVI, dirigida a
todos os príncipes da Igreja Católica em 1832”.60 A referência à encíclica Mirari Vos incluía
citações diretas do documento, pois, o Papa estaria “horrorizado das monstruosas doutrinas
que cercam os cristãos em forma de inumeráveis volumes e de folhetos, pequenos em tamanho,
mas grossamente pejados de males, que brotam (diz ele) em todas as direções”.61 Sobre o

55
CAIRU, José da Silva Lisboa, Visconde de. Causa da religião e disciplina eclesiástica do celibato clerical.
Defendida da inconstitucional tentativa do padre Feijó. Rio de Janeiro: Imperial Tipografia de Plancher Seignot,
1828, p. 3.
56
O Investigador Português começou a circular em 1811, em Londres, por iniciativa dos médicos portugueses
Vicente Pedro Nolasco e Bernardo José de Abrantes e Castro, os quais receberam a incumbência da representação
lusa e foram financiados pelo príncipe regente. Em 1814, Abrantes deixou Londres e Domingos de Sousa
Coutinho, conde de Funchal, o substituiu pelo também médico Miguel Caetano de Castro. Contudo, a escolha de
Abrantes para sua substituição recairia sobre Liberato Freire de Carvalho, que passou a fazer oposição à
permanência da Corte portuguesa no Brasil. Ver: SODRÉ, Nelson Werneck. Op. cit., pp. 31-33; Sete d’Abril, no
242 02/05/1835. (Grifos do autor).
57
Sete d’Abril, no 242, 02/05/1835 (Grifos do autor).
58
François Richer nasceu em Avranches, na Normandia. Após se formar em direito, estabeleceu-se em Paris, onde
dividiu o tempo entre a advocacia e a República das Letras. Dentre suas obras, pode-se destacar De l’autorité du
clergé, et du pouvoir du magistrat politique, sur l’exercise des fonctions du Ministère Ecclésiastique, citada pelo
Sete d’Abril, na qual defendeu a supremacia dos poderes temporais sobre a disciplina eclesiástica. Joseph Valentin
Eybel nasceu em Viena e foi educado entre os Jesuítas. Já na Universidade de Viena passou a advogar pela
supremacia do poder temporal sobre as questões eclesiásticas, sendo um dos idealizadores do josefismo, a ofensiva
ilustrada e secular de José II (1765-1790), imperador romano-germânico, sobre as prerrogativas da sé romana.
Ver: MICHAUD, Louis-Gabriel. Biographie universelle ancienne et moderne: histoire par ordre alphabétique de
la vie publique et privée de tous les hommes. Paris: Chez Madame C. Desplaces, 1854, p. 649. Disponível em
https://archive.org/stream/biographieuniver35desp#page/648/mode/2up. Acesso em 17/03/2018; SORKIN,
David. The Religious Enlightment: Protestants, Jews, and Catholics from London to Viena. Princeton and Oxford:
Princeton University Press, 2008, pp. 215 e segs.
59
Sete d’Abril, no 242 02/05/1835.
60
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
61
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
206

“nobre Papista”, afirmava o Sete que tinha “todos os sintomas de uma loucura próxima; e nós
cremos que em bem poucos dias teremos o dissabor que anunciar à nossa Câmara dos Lords
mais esta cabeça perdida.”62 As condenações de Gregório XVI faziam parte de uma “peça
impolítica”, contrária a “todo o orbe político” e aos valores “Tolerância política e religiosa”.63
O Sumo Pontífice condenava uma “inundação de maus livros”, aparecendo “um ou outro em
favor da VERDADE e da RELIGIÃO”.64
Além da intolerância política e religiosa explicitada na condenação às publicações
impressas, surgia ainda a questão das associações políticas, nas considerações sobre o apoio de
Cairu às diretrizes da Santa Sé: “o bom do Papista nos tinha também apresentado, havia dias,
a bula de Pio VII contra os Carbonarios e Pedreiros-Livres”.65 Segundo o artigo, Cairu estaria
“publicando esta peça pelos mesmos tipos por onde saem os Decretos e mais peças curiosas dos
Soberano-Grande-Comendador-Inquisidor Montezuma”.66 Montezuma, por sua vez, surgia na
condição de “fundador de um certo Rito de Pedreiros Livres do Rio de Janeiro, ao qual por aí
se diz que o Papista também pertence”.67 Ao que parece, o “Papista” comportava-se de maneira
contraditória ao propagar as encíclicas e bulas condenando a tolerância e a livre associação,
pois “feriu com uma espada de dois cortes a religião Cristã de quem se diz advogado, e a ordem
dos Pedreiros-Livres da qual ele faz parte. Qual dos dois Mestres terá o Papista renegado em
segredo: – Jesus Cristo ou Adoniram? – Ele o dirá antes de morrer.”68
À época dos ataques do Sete d’Abril dirigidos a Cairu, estavam próximos ao seu auge
os atritos entre Brasil e Roma por ocasião da indicação de Antônio Maria Moura para o bispado
do Rio de Janeiro. Em outro artigo dirigido ao “nobilíssimo V. de Cairu”, era a vez de uma
análise sobre duas publicações do Diário do Rio, “Disciplina Eclesiástica e Cisma
anatematizado – nos quais seu autor se propõe admoestar o Brasil que deve respeitar e executar
as disposições disciplinares do Sagrado Concílio Tridentino”.69 O autor dos textos em questão
afirmava que os bispos nomeados tivessem “plena confiança na Santa Sé”,70 o que não era o

62
Sete d’Abril, no 245, 12/05/1835.
63
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
64
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
65
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
66
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
67
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
68
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
69
O Diário do Rio de Janeiro surgiu no ano de 1821 na Corte fluminense e circulou até 1878, cumprindo a função
eminentemente informativa e popularizando-se, por seu preço e pelos preços dos gêneros alimentícios que trazia,
sob os epítetos Diário do Vintém e Diário da Manteiga. Em termos de alinhamento político, por mais que
alardeasse suposta neutralidade, Werneck Sodré identificou o “aulicismo” do Diário do Rio. Ver: SODRÉ, Nelson
Werneck. Op. Cit., pp. 50-51; Sete d’Abril, no 251, 02/06/1835 (Grifos do autor).
70
Sete d’Abril, no 251, 02/06/1835 (Grifos do autor).
207

caso de Maria Moura, cujas bulas de confirmação não foram enviadas por Gregório XVI. Diante
dos motivos alegados pela Sé romana, questionava o periódico orientado por Bernardo Pereira
de Vasconcelos: “não se reputará iníqua uma sentença (...) que infama um homem contra quem
se procede nem sua audiência, e sem lhe dar ação à defesa? Não se violarão (...) todos os
princípios do Direito Natural, Direito que a mesa religião confirma e sanciona?”71
A reflexão sobre os atritos jurídicos e político-eclesiásticos manteve-se calcada na
perspectiva do clero regalista e secular, defendida até então pelo Sete d’Abril, na medida em
que considerava “intolerável” e “execrando” o “julgamento” do Sumo Pontífice, “aplicando-se
aos súditos de uma Nação, cujo sistema político é o constitucional representativo.” 72 O
“primeiro princípio (...) professado” no Império brasileiro era o da legítima defesa: “Que
ninguém possa ser julgado senão pelos seus pares, dando-se lhe lugar à defesa.”73 Nesse sentido,
a oposição à nomeação de um bispo pelo governo brasileiro configuraria um atentado à própria
soberania, pois “como é que um Governo constitucional pode sofrer que fora da Nação se
congregue um estranho Tribunal para julgar um seu súdito, e arbitrariamente o condenar?”74 O
Consistório de Roma, o conselho de cardeais reunidos com o papa, era “em rigor um Tribunal
(...) porque ele julga um processo e irroga a pena, qual é a infâmia resultante da denegação de
bulas.”75 Tal afronta configuraria “o maior escândalo sobre o objeto de que se trata”, sendo sua
motivação política, pois o “Bispo eleito (...) tem emitido, na Assembleia de que é membro, sua
opinião inviolável”.76 Diante da decisão do Consistório, considerada discricionária, “ou a Corte
de Roma há de alterar certas decisões e normas porque se rege, ou o Brasil mudar suas
instituições liberais.”77
Diante da “autoridade do Sumo Pontífice para dispensa ou derrogar decisões dos
Concílios em matéria disciplinar”, a solução para o impasse passava pela reformulação do
ordenamento jurídico-eclesiástico, através de “uma concordata, pela qual se harmonizem
nossos princípios constitucionais com os procedimentos de Roma. Este passo devera ter sido
dado no começo de nossa Independência, para se evitarem os embaraços com que agora
lutamos.”78 As normas e jurisprudências reconhecidas pelo Estado nacional, em âmbito
eclesiástico, deveriam estar em consonância com a ordem constitucional vigente: “não são

71
Sete d’Abril, no 251, 02/06/1835.
72
Ibidem, no 251, 02/06/1835.
73
Ibidem, no 251, 02/06/1835.
74
Ibidem, no 251, 02/06/1835.
75
Ibidem, no 251, 02/06/1835.
76
Ibidem, no 251, 02/06/1835.
77
Ibidem, no 251, 02/06/1835.
78
Ibidem, no 251, 02/06/1835.
208

certamente aquelas disposições e decretos que, formados nos séculos em que o absolutismo e
despotismo regiam os povos, estão hoje em diametral oposição com as Instituições liberais.”79
Ao Império brasileiro, emancipado sob a égide das garantias individuais, não caberia acatar
decisões típicas da velha ordem, na qual eram amorfas as fronteiras entre os poderes temporal
e espiritual: “Então o procedimento do Pontífice e sua conduta era o procedimento e conduta
dos Reis, e sua vontade absoluta a lei dos Estados. Por estas palpáveis razões, mais que nunca
é interessante que se altere esta disciplina dominante.”80 A sacralidade do contrato coletivo
distinguia-se da normatividade disciplinar, à qual estava submetido um clero imprescindível à
dinâmica político-administrativa da monarquia brasileira:

Que tem que a religião do Brasil seja a religião católica e apostólica romana? Religião
é dogma, a disciplina regulamento. O dogma não muda, o regulamento muda: assim,
que é feito d’essas penitências canônicas, e de mil outros regulamentos que só pela
história se sabem? Portanto, se o sistema romano sobre confirmação de Bispos é ponto
disciplinar, pode o Governo, pode o povo, sem pena de perjúrio, infringir o estabelecido
no sistema romano em termos hábeis. Jurou sustentar a religião, não jurou sustentar a
disciplina. Não se confundam pois as espécies, extremem-se bem estas ideias.81

Em consonância com as análises empreendidas por Feijó e defendidas pelo clero


regalista do núcleo moderado, o Sete d’Abril defendia ainda que as “nomeações dos Bispos são
de fato verdadeiros atos do Ministro da Repartição.”82 O “indiferentismo” diante da recusa do
nome de Maria Moura pela Estado ameaçava a soberania de um território sob a égide do
liberalismo constitucional de inspiração secular: “Não é negócio de um indivíduo, é a causa da
Nação, é a sustentação dos princípios, é o sistema constitucional representativo, que cumpre
vingar.”83 Assim, Vasconcelos perfilou-se aos anseios reformistas de Diogo Antônio Feijó, ao
mesmo tempo em que atacava Evaristo e a Aurora Fluminense. A perspectiva regalista e
secular, no entanto, não seria uma constante no Sete d’Abril, tendo ocorrido uma significativa
inflexão no que se referia a tal assunto. A requalificação da liberdade, no intuito de frear o
“carro da Revolução”, estaria relacionada também à necessidade de deslocar o papel do
catolicismo e do clero nas fileiras do Estado e na dinâmica da sociedade. No Sete d’Abril, da
defesa de uma religião cada vez mais nacionalizada, passou-se à perspectiva de uma
sacralização do Estado nacional e da monarquia, nos termos de uma restauração das relações

79
Sete d’Abril, no 245, 12/05/1835.
80
Ibidem, no 245, 12/05/1835. (Grifos do autor).
81
Ibidem, no 245, 12/05/1835. (Grifos do autor).
82
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
83
Ibidem, no 245, 12/05/1835 (Grifos do autor).
209

entre o trono e o altar. A marcha do Regresso conservador ocorreria pari passu à retomada dos
valores do catolicismo romanizado, no seio de um liberalismo constitucional forjado na
especificidade da monarquia católica e escravocrata brasileira.

5.2 O Sete d’Abril e a ortodoxia romana

Após 1831, em meio a um caótico quadro de revoltas distribuídas ao longo do vasto


Império, surgiam ameaças espectrais, por vezes materializadas, que acuavam, sobretudo,
segmentos da grande lavoura escravocrata e dos círculos político-burocráticos. Ademais, o
receio diante do haitianismo, da Revolução, da anarquia e do republicanismo alcançava
diferentes recortes da pirâmide social, sendo insuflado na dinâmica de uma esfera pública
quantitativa e qualitativamente diversa. Diante dessa complexa conjuntura, os grupos políticos
buscaram se reorganizar em torno de suas demandas. A partir de 1834, com o esvaziamento das
agendas de caramurus e exaltadas, e fratura no interior dos moderados, formar-se-iam duas
frentes principais, regressistas e progressistas, posteriormente transmutados nos partidos
Conservador e Liberal, Saquaremas e Luzias. Nessa conjuntura, forças sociais, políticas,
econômicas e intelectuais unidas sob o signo do Regresso conservador organizaram-se a partir
de espaços distintos, tendo por leitmotiv a necessidade do restabelecimento de uma ordem
esfacelada após uma série de experiências traumáticas ocorridas na sequência da abdicação de
d. Pedro I.84
O protagonismo de Bernardo Pereira de Vasconcelos e do Sete d’Abril na liderança das
hostes regressistas foi inconteste. Ao abandonar os liberais moderados e capitanear a inflexão
do Regresso conservador, o magistrado coimbrão, proprietário nascido em Minas Gerais, seria
o “único a admitir e defender, com ardor, a virada do Regresso.”85 A versatilidade de
Vasconcelos na readequação dos valores defendidos e das alianças políticas, rendeu-lhe o
estigma de “Proteu”.86 Segundo a Aurora Fluminense, “a ser o Proteu o Sr. B. P. de

84
Para um panorama geral sobre o Regresso conservador, ver: CASTRO, Paulo Pereira de. Op. cit., pp. 42 e segs;
DOLHNIKOFF, Miriam. Op. cit., pp. 125 e segs; LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Op. cit., pp. 55-73; MATTOS,
Ilmar Rohloff de. Op. cit., pp. 142 e segs; MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos... Op. cit.,
pp. 146-147; PAULA, Alexandre Marciano. Op. cit., pp. 11-25; SILVA, Wlamir. Ser ou não ser liberal, eis a
questão... Op. cit., pp. 1-10.
85
SILVA, Wlamir. A valentia da dialética... In: Op. cit., p. 85 (Grifos do autor).
86
Na mitologia grega, Proteu era pastor dos rebanhos de Netuno, de quem recebeu dons de adivinhação.
Importunado por aqueles que buscavam predileções, Proteu passou a se metamorfosear para fugir de tais
importunações. No épico A Odisseia, Menelau e seus homens lograram imobilizar Proteu, obtendo a resposta sobre
a direção para casa. Para uma análise acurada da biografia política de Bernardo Pereira de Vasconcelos, a partir
do mito grego do Proteu, ver: SILVA, Wlamir. A valentia da dialética... In: Op. cit., pp. 83-155.
210

Vasconcelos, como o Sete de Abril insiste em declarar-nos,” assemelhava-se “a um filho de boa


família, colocado em posição decente na Sociedade, que suas extravagâncias, desordens e
delitos levaram a andar preso na mesma corrente com negros cativos e gente da última ralé.”87
Segundo o periódico de Evaristo da Veiga, Vasconcelos fora levado pelos “companheiros que
a necessidade lhe associa, (...) o maior tormento que o desgraçado se vê constrangido a sofrer
em castigo de seus crimes”.88
Com suas novas companhias, o campeão do Regresso mudara os hábitos e valores: “O
furor da fidalguia, os sonhos da nobreza transmissível tem virado a cabeça ao Proteu: para ele
tudo quanto não é nobre, ou não está ligado ao carro da plutocracia, é plebeu, sectário de
Robespierre, saintsimonista ou chichelo.”89 Ao deixar as fileiras do liberalismo moderado e,
por conseguinte, os apelos do povo e da nação, Vasconcelos teria aderido aos clamores
aristocráticos: “Cortesão recente das paixões da populaça, já não vê hoje diante de si senão
tronos de Reis, regime de Princesas, heranças de nobres; todo o resto são alparcatas,
mendicidade, chichelos: que fidalgo!”90 Sua debandada fora radical, das volições republicanas
ao despotismo: “Pretende aterrar-nos com o espectro da ditadura, e ainda já poucos dias
suspirava pelo governo de B. Aires, donde se fuzilam marrecos sem sentença, a fim de limpar
a nossa terra de tanta perfídia, de tanta ingratidão, de tanto jesuitismo”.91 Por fim, um dos
motivos para tanto seria a inveja com relação a Diogo Antônio Feijó: “Desmascare-se o Proteu;
professe sem rebuço, a aversão, a inveja que o rói contra o Sr. Feijó, cuja popularidade lhe pesa
desde largo tempo; vá largando o fio que pode conduzir o Público no labirinto da sua conduta.”92
Dois meses antes de traçar o perfil do Proteu regressista, a Aurora Fluminense afirmaria
que “nosso respeitabilíssimo colega do Sete d’Abril não está bem certo ainda nas razões que
teve para ficar mal com a Aurora e para agravá-la com tantas provocações.”93 O Sete estaria
alimentando intrigas entre o maior periódico moderado e os portugueses: “nos finge pesaroso
da prosperidade da Monarquia da Sra. D. Maria 2ª, como se fôssemos nós homens capazes de
simpatizar por exemplo com os triunfos de D. Miguel, ou com as desgraças de Portugal e da
nossa patrícia, elevada ao sólio daquele reino.”94 Tal posicionamento estaria escamoteando as
“cortesias” que o próprio Sete d’Abril passara a nutrir a respeito dos “Portugueses”, na medida

87
Aurora Fluminense, no 1085, 24/08/1835 (Grifos do autor).
88
Ibidem, no 1085, 24/08/1835.
89
Ibidem, no 1085, 24/08/1835 (Grifos do autor).
90
Ibidem, no 1085, 24/08/1835 (Grifos do autor).
91
Ibidem, no 1085, 24/08/1835 (Grifos do autor).
92
Ibidem, no 1085, 24/08/1835. (Grifos do autor).
93
Ibidem, no 1069, 15/06/1835.
94
Ibidem, no 1069, 15/06/1835(Grifos do autor).
211

em que houve uma “repentina mudança”, levantando a suspeita de “que neste negócio há
veneno escondido, ou que o nosso colega no seu recente Lusitanismo é muito pouco sincero.”95
As mudanças evidenciadas por Bernardo Pereira de Vasconcelos envolveriam também
os posicionamentos com relação aos problemas eclesiásticos. A Aurora destacava a
indisposição, já referida, do Sete d’Abril no que se referia à nomeação de Antônio Maria Moura
para o bispado do Rio de Janeiro: “Hoje a sua zanga da repartição dos negócios exteriores,
parece toda empenhada contra os Italianos, e contra o Chefe da Igreja Romana.” 96 Por outro
lado, a ira dirigida à Igreja romana poderia ser apenas mais uma das artimanhas opinativas:
“quem diz que daqui a algum tempo, irado catecúmeno, não venha o Sete, possuído de outro
Espírito, expender as doutrinas mais ultramontanas a pretexto de regresso, e estigmatizar todos
quanto puderem duvidar da infalibilidade pontifícia?”97 A julgar pela transigência que parecia
caracterizar a personalidade de Vasconcelos, a ofensiva regalista e secular do Sete d’Abril seria
passageira, podendo dar lugar a inspirações vindas das hostes que o mesmo Sete esboçaria sob
o epíteto de “papistas”. O posicionamento incisivo e, no limite, agressivo com relação à cúria
romana, juntamente com uma citação direta do Sete, embasaria o argumento da Aurora:

Por ora, é ele anti-papista, e não sabemos mesmo se em boa hermenêutica, as ideias da
sua Epistola 1ª ad Romanos podem ser olhadas como prova de que o Sete abjurou a
comunhão religiosa a que pertencemos. Decidam os Teólogos = “Vós (diz ele dirigindo-
se ao Chefe da Igreja) sois Bispo de Roma e não do Brasil; os títulos de Pontífice e de
Papa que a etiqueta ou quer que seja, vos atribuiu, tirados do paganismo, não vos dão
mais jurisdição do que S. Pedro Exerceu... Há um só legislador que é Deus. Não
examinaremos se as leis que fazeis executar na vossa Diocese, merecem todas esse
nome; porém vos afirmamos que não nos reconhecemos obrigados a lei algumas que
não seja estabelecida por Deus: os Livros sagrados e a tradição nos ensinam umas, as
outras se manifestam à nossa inteligência que nos vêm de Deus, e é independente de
vós... A nossa fé será pura, sem cobrir usurpações: o Brasil deixou de ser colônia de
Lisboa, não será longo tempo domínio de Roma.” 98

As rusgas entre a Aurora Fluminense e Vasconcelos, até então, não haviam impedido o
Sete d’Abril de defender o regalismo de inspiração secular dos padres moderados liderados por
Feijó. Contudo, o perfilhamento ao catolicismo romanizado não tardaria a aparecer nas páginas
do periódico orientado por Bernardo Pereira de Vasconcelos. Ainda em 1835, alguns meses
após as provocações da Aurora e as publicações atacando o “papista” Cairu, viria à luz, no Sete
d’Abril, um artigo, transcrito da Gazeta da Bahia, intitulado “Progressivo de Patente”, seguido

95
Aurora Fluminense, no 1069, 15/06/1835.
96
Ibidem, no 1069, 15/06/1835 (Grifos do autor).
97
Ibidem, no 1069, 15/06/1835.
98
Ibidem, no 1069, 15/06/1835 (Grifos do autor).
212

de um longo e irônico subtítulo: “Submetido às elucubrações do mestre Evaristo, Desertor da


honrosa e útil profissão de Livreiro, Exímio Moralista e Homem da Pátria e da Liberdade por
inclinação, hábitos e princípios, &c., &c., &c.”99 O corpo do texto não seria menos irônico,
pois trataria de um “PROJETO DE CONSTITUIÇÃO Republico-Demagógico-Libérrimo-
Federalista”.100 No primeiro capítulo, viriam os “Direitos do homem, da mulher e do menino”
e, no primeiro artigo, a extensão da igualdade resultava na quebra das múltiplas hierarquias:

Art. 1º Sendo todos os homens formados e nascidos do mesmo modo, pouco mais ou
menos, serão todos iguais sem distinção de pais e filhos, de sábios e ignorantes, de
honrados e velhacos, de ricos e pobres, &c., &.: pelo que, o filho não terá obrigação de
obedecer ao pai, o discípulo ao mestre, nem a mulher ao marido.101

Ainda em 1834, quando das discussões sobre o Ato Adicional, Vasconcelos esteve na
“vanguarda” das ponderações sobre a reforma na Câmara dos Deputados e, relator do projeto,
entregou-o sob o estigma de “código da anarquia”.102 Após a aprovação do Ato, o líder
regressista tornou-se cada vez mais convicto sobre os perigos resultantes das concessões ditas
“descentralizadoras”, que, em seu entender, ampliavam demasiadamente o acesso às liberdades
e à igualdade em âmbito político-institucional.103 Os sarcasmos constitucionais do Sete eram
desenvolvidos, portanto, do ponto de vista de certa “anarquia” gerada pelo aprofundamento das
demandas liberais e, no segundo artigo, um tema caro a Diogo Antônio Feijó: “Art. 2º As
mulheres serão comuns, e cada homem tomará quantas quiser, e as largará toda a vez que lhe
parecer; e o mesmo poderão fazer as mulheres pelo que, deve cessar desde já a indissolubilidade
dos matrimônios.”104 A dimensão secular e laica do matrimônio, antes defendida, daria
sequência aos dispositivos jurídicos “demagógicos” e “federalistas”: “Art.3º Estes serão
celebrados em presença do Juiz de Paz respectivos, e na falta d’este, em presença do Delegado;
na falta d’este, do Inspetor do Quarteirão, e na falta d’este, do Fiscal, sem nenhuma dependência
dos Padres, que para prestam.”105 Ao fim do primeiro capítulo, os direitos republicanos
sobrepunham os deveres da tirania: “Art. 5º Sendo o vocábulo Dever inventado pelos déspotas
e tiranos, em a nossa República só se conhecem “Direitos” e nunca Deveres.”106

99
O Sete d’Abril, no 289, 27/10/1835. (Grifos do autor).
100
Ibidem, no 289, 27/10/1835 (Grifos do autor).
101
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
102
LEAL, Aureliano. História constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1915, p. 178; SILVA,
Wlamir. A valentia da dialética... In: Op. cit., p. 111.
103
LEAL, Aureliano. Op. cit., pp. 177 e segs.
104
O Sete d’Abril, no 289, 27/10/1835.
105
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
106
O Sete d’Abril, no 289, 27/10/1835 (Grifos do autor).
213

No segundo capítulo do projeto constitucional endereçado a Evaristo da Veiga,


contemplar-se-iam a “República Brasileira, seu Governo e Religião”, demarcando o desprezo
em relação a uma cidadania extensiva e não qualificada: “Art. 1º A República Brasileira é a
associação política de todos os cidadãos brasileiros. Cidadão brasileiro é todo o animal de dois
pés, sem penas, que nascer no Brasil, embora seja menor, louco, ou tenha os crimes que
tiver.”107 O segundo artigo apenas ressaltava a forma de um governo “Democrático-
Republicano-Libérrimo-Federativo” e, na sequência, a religião: “Art. 3º Como está
evidentemente demonstrado pelos melhores Pais da Pátria que o Catolicismo é um tecido de
superstições e fanatismo, contrários às luzes do século, será proscrita da nossa República a
Religião Católica.” 108
Em flagrante contraste com a perspectiva regalista e secular, cuja
tolerância espiritual era uma das bases, outrora postulada, afirmava-se no quarto artigo: “Art.
4º Esta será substituída pela Religião Natural, a qual será como cada um entender.”109
Distanciando-se da batalha de Vasconcelos pela criação de um colégio em Congonhas do
Campo, ante o “jesuitismo” dos padres do Caraça na província de Minas Gerais, a supressão
das ordens regulares teria um trágico resultado:

Art. 5º os Conventos serão suprimidos, e seus bens tomados em benefício do Povo, isto
é, dos Patriotas. Esses bens serão aplicados para Colégios de jovens fêmeas a fim de
aprenderem a esgrima, danças grotescas, a nadar, pescar e empalmar por princípios; e
os mesmos Conventos serão convertidos em public-house’s ou Prostíbulos, onde os
jovens vão recrear e adquirir boas maneiras.110

Em substituição às ordens regulares, modos “civilizatórios”, por vezes identificados a


uma compósita “República das Letras”, gestada na dinâmica da Ilustração oitocentista,
consolidada a partir dos grandes nomes do establishment filosófico-intelectual e permeada, em
sua base, por uma “boemia literária” na qual seus “subliteratos” sustentavam-se “fazendo o
trabalho sujo da sociedade – espionar para a polícia e mascatear pornografia”.111 A
espiritualidade e a moral religiosa do catolicismo romano estariam ameaçadas pelo deísmo
racionalista do republicanismo jacobino: “Art. 6º Os Padres atuais passarão, se quiserem, a ser
Sacerdotes da Deusa Razão, e poderão casar, na forma do art. 2., Cap. 1.”112 Apartados do

107
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
108
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
109
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
110
Ibidem, no 289, 27/10/1835 (Grifos do autor).
111
DARNTON, Robert. Boemia literária: o submundo das letras no Antigo Regime. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987, pp. 28-31.
112
Sete d’Abril, no 289, 27/10/1835.
214

exclusivo múnus sacerdotal ao qual deveriam se submeter, os clérigos nada mais seriam que
cidadãos comuns: “Art. 7º os que já forem casados, tenham que emprego tiverem, poderão ser
Padres; e assim terá a nossa República Sacerdotes pedreiros, carapinas, ferreiros, carniceiros,
mascates, almocreves, &c.; o que tudo é muito conveniente à Religião.”113 À comum condição
de padre casado associava-se a alusão aos “pedreiros”, o que poderia aludir aos casos não menos
comuns de sacerdotes maçons, a exemplo do próprio Feijó. Sobre a escolha dos bispos, mais
uma vez, o Sete distanciava-se da opinião emitida algum tempo antes:

Art. 8º Os Bispos serão eleitos por aclamação do Povo, e d’este receberão todos os seus
poderes. Nunca mais usarão de vestimentas do culto católico; pelo que, nos grandes dias
da República os seus ordenamentos serão estes: capote e calças azuis à Robespierre,
carapuça encarnada, (emblema da Liberdade) e em vez de báculo, usarão de um chuço
ou forquilha.114 (lembrar da Civil do Clero)

O esboço do clero supostamente defendido por Evaristo da Veiga era um quadro do


clero constitucional da Revolução Francesa, integrado à vida mundana de uma “república
democrática”. Já os templos religiosos seriam desprovidos dos santos, dando lugar ao um culto
eminentemente político: “Art. 9º Não haverá nos Templos imagens de Santos, porém sim serão
estes substituídos por bustos ou retábulos dos Pais da Pátria, e daqueles que mais rusgas tiverem
feito.”115 Em que pesem os cômicos excessos da ironia, entre o clero regalista e liberal do núcleo
moderado havia um Martiniano de Alencar, pai de vários filhos e aguerrido revolucionário em
1817.116 Desse modo, aos liberais moderados identificava-se a continuidade dos radicalismos
característicos à Revolução Francesa que, no limite, passaram a ameaçar a ordem após o Sete
de Abril de 1831. Portanto, cabia ao Sete d’Abril estigmatizar os radicalismos e “terminar”
Revolução desencadeada após a abdicação de d. Pedro I.117
De acordo com o terceiro capítulo da sarcástica “Constituição” reproduzida no Sete, Da
Soberania e Divisão dos Poderes, o chefe do Executivo deveria ser “Pai da Pátria, eleito no
meio das ruas e praças à pluralidade de gritos, socos, facadas e tiros.”118 Um dos requisitos para
a ocupação do cargo de “Presidente da República Demagógico-Libérrimo-Federativa” era:
“Não ter Religião alguma, e não acreditar nem na existência de Deus.”119 Já no quinto e último

113
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
114
Ibidem, no 289, 27/10/1835 (Grifos do autor).
115
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
116
SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. cit., p. 132.
117
SILVA, Wlamir. A valentia da dialética... In: Op. cit., p. 109.
118
Sete d’Abril, no 289, 27/10/1835.
119
Sete d’Abril, no 289, 27/10/1835.
215

capítulo, Dos Direitos e Garantias dos Cidadãos da Nova República, excluía-se uma fragmentária
“aristocracia” da vida política: “Art. 8º É membro nato dos Jurados todo o Pai da Pátria, todo o
indivíduo rasgado e que vive das suas agências. São excluídos os aristocratas. Aristocrata é todo
e qualquer rico, ou que vive do seu comércio, emprego ou indústria.”120 Além da divisão entre
os poderes, delimitava-se a orientação da política educacional a partir de uma literatura eivada
de “ateísmos” e “libertinagens”:

Esta Constituição garante a todos os cidadãos a instrução primária e gratuita; pelo que,
qualquer menino, na idade de 12 anos, já deve saber de cor o Citador de Pigault-Le-
Brun, o Templo de Jatab, a Thereza Filosofa, a Carta de Talleirand ao Papa, e a
Pavorosa Ilusão da Eternidade.121

As referências didático-pedagógicas da “República” compunham o amplo espectro dos


“livros filosóficos”, muitas vezes anticlericais e eróticos, cujos autores eram integrantes e
herdeiros da Ilustração oitocentista europeia.122 Exemplo cabal era o texto Teresa Filósofa, do
Marquês d’Argens, um romance sobre a formação da jovem Teresa. Aos nove anos, a jovem
participava de “libertinagens inocentes” com outras crianças e, mais tarde, espiava as aventuras
amorosas de um abade que, sobre o cristianismo, afirmava: “Segundo a religião cristã, é preciso
tender para a maior perfeição. O estado de virgindade, segundo ela, é mais perfeito do que o do
casamento. Ora, é evidente que a perfeição da religião cristã tende à destruição do gênero
humano.”123 Outra instigante obra referida foi a Carta de Talleyrand ao papa, na qual o bispo
anticelibatário francês defendia a reforma do “luxo e ostentação dos templos”, das “cerimônias”

120
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
121
Ibidem, no 289, 27/10/1835 (Grifos do autor).
122
O Citador (1803), do novelista pós-revolucionário francês Charles Pigault-Lebrun (1753-1835), consistia em
um virulento ataque à Bíblia e ao catolicismo, tendo versão em espanhol datada de 1807 e em português datada de
1834. O romance licencioso História de dois Amantes ou o Templo de Jatab (1743), incialmente de autor anônimo,
era do dramaturgo francês Claude Godard d’Aucour (1716-1795). A obra foi condenada pelo edital censório de 24
de setembro de 1770 e saiu no Brasil pela Impressão Régia, com cortes e adaptações, em 1811. Pavorosa Ilusão
da Eternidade referia-se ao poema Epístola a Marília, de autoria do poeta árcade, ilustrado português, Manuel
Maria Barbosa du Bocage (1765-1805). O poema fomentou a prisão de seu autor pelas mãos do intendente-geral
Diogo Inácio de pina Manique (1733-1805) em 1797, circulando em manuscrito clandestinamente em Portugal e
no Brasil. Ele, como também assinalava Tereza Filósofa, compreendia a religião como um freio social. Denunciava
o uso da religião pelo despotismo, fosse dos religiosos, fosse dos príncipes. Ver: ABREU, Márcia. O templo de
Jatab: um romance licencioso publicado pela Impressão Régia do Rio de Janeiro. Floema — Ano VII, n. 9, p. 193-
215, jan./jun. 2011; ANDRADE, Maria Ivone de Ornelas de. Macedo e Bocage: um duelo de vaidades. In: SILVA,
Francisco Ribeiro da Silva et al. Leituras de Bocage. Porto: Faculdade de Letras do Porto, 2006, p. 15; LUDLOW,
Gregory. Pigault-Lebrun: A Popular French Novelist of the Post-Revolutionary Period. The French Review, Vol.
46, No. 5 (Apr., 1973), pp. 946-950; VILLALTA, Luiz Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso-Brasileiro... Op.
cit., p. 214.
123
Inicialmente publicado sob anonimato, o romance libertino Teresa Filósofa foi atribuído a Jean Baptiste de
Boyer (1704-1771), o marquês d’Argens, crítico mordaz da Igreja católica. A tradução consultada foi publicada
como de autoria anônima. Ver: Teresa Filósofa. Porto Alegre: L & PM, 1997, pp. 30 e 91 e 96.
216

e dos “costumes dos celebrantes”.124 Em 1838, Talleyrand receberia uma resposta de Luís
Gonçalves dos Santos. Ao combater a Carta do primeiro-ministro francês, o padre Perereca
qualificaria a obra de “Epílogo monstruoso das horrorosas blasfêmias.”125 Cumpria afastar as
influências deletérias que partiam do antipapismo de Talleyrand e de um deus, “Bárbaro
impostor, mostro sedento”, rimado nos versos de Manuel du Bocage.126
No que se referia ao “direito de propriedade”, a “Constituição” afirmava garanti-lo “em
toda a sua latitude aos Pais da Pátria e a todos os seus apaniguados”, ao mesmo tempo, previa
o confisco dos bens de alguns estratos sociais: “a propriedade porém dos Padres, Frades e
aristocratas pertence por direito à Nação.”127 Além de privados das suas posses materiais, os
clérigos estariam entre os menos afortunados naquela sociedade inspirada pela “boemia
literária” e pelo republicanismo jacobino: “Art. 12º Também haverá uma Marinha da República,
e serão recrutados para grumetes, rações, gajeiros, &c., “os Padres, os Frades, os
Desembargadores, ou Lestes dos Cursos Jurídicos, os Professores de Lógica, Retórica, e os
Sacristãos.”128 Ao reproduzir uma sátira constitucional dedicada a Evaristo da Veiga, o Sete
d’Abril rompia com um posicionamento regalista e secular defendido meses antes e parecia
perfilar-se à defesa de um catolicismo romanizado, cioso das prerrogativas tridentinas e avesso
à marcha do “carro da Revolução”.
A conversão de Vasconcelos à ortodoxia católica ocorreu em uma conjuntura delicada,
no momento em que Feijó abatia Holanda Cavalcanti (1797-1863)129 e vencia a corrida pelo
posto de regente do Império. O artigo tratando da “Constituição”, dirigido a Evaristo da Veiga,
fora reproduzido poucos dias depois da posse de Feijó, a 12 de outubro de 1835, em um cargo
para o qual o campeão do Regresso concorreu e obteve poucos votos.130 Honório Hermeto
registrou, em carta a Costa Carvalho (1796-1860),131 a briga entre Vasconcelos e Feijó, fato

124
TALLEYRAND, Carlos Maurício. Carta escrita al papa Pio VII. Paris: año de 1822, p. 2.
125
SANTOS, Luís Gonçalves dos. A impiedade confundida, ou refutação da carta de Talleyrand escrita ao papa
Pio VII. Oferecida e dedicada ao excelentíssimo e reverendíssimo senhor D. frei Antônio d’Arrábida. Pernambuco:
Na tipografia de Santos e Companhia, 1838, p. 7.
126
GONÇALVES, Adelto. A casa onde nasceu Bocage e outras verdades que não pegam. In: SILVA, Francisco
Ribeiro da Silva et al... Op. cit., p. 81.
127
Sete d’Abril, no 289, 27/10/1835 (Grifos do autor).
128
Ibidem, no 289, 27/10/1835.
129
Antônio Francisco de Paula Holanda Cavalcanti de Albuquerque, visconde de Albuquerque, nasceu em
Pernambuco e iniciou carreira militar nos quadros do Império luso-brasileiro, servindo em Moçambique e Macau.
Foi deputado por Pernambuco nas três primeiras legislaturas, além de senador e ministro das pastas da Fazenda,
Marinha, Guerra e Império. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. 1), pp. 172-173.
130
CASTRO, Paulo Pereira de. Op. cit., pp. 41-42.
131
José da Costa Carvalho nasceu em Salvador, marquês de Monte Alegre e bacharelou-se em direito na
Universidade de Coimbra. Foi deputado pelas províncias da Bahia e de São Paulo, senador por Sergipe, presidente
da província de São Paulo, conselheiro de Estado e membro da Regência Trina Permanente (1831-1834). Costa
Carvalho fundou o primeiro periódico da província de São Paulo, O Farol Paulistano (1827-1832) e foi diretor da
217

que Paulo Pereira de Castro atribui à “preterição de Vasconcelos em relação a um Ministério


que já havia sido prometido.”132 Foi nesse momento de incertezas e transição que Bernardo
Pereira de Vasconcelos, através da mediação de Miguel Calmon, aproximou-se de Romualdo
Antônio de Seixas, com quem travara discordâncias, ainda em 1826, na ocasião das discussões
sobre a autoridade espiritual dos bispos para empreender a censura.133
De início, o conluio entre Vasconcelos e Romualdo parecia tratar-se de uma “conjuração
passageira com um objetivo limitado”, sendo o primeiro objetivo comum “elevar à Regência a
Princesa D. Januária.”134 Assim, anos antes do afamado Golpe da Maioridade, Vasconcelos,
Romualdo, Calmon e partidários de Holanda Cavalcanti (holandeses) organizaram-se em torno
da ideia de antecipar a maioridade da princesa Januária.135 Em julho de 1835, quando das
apurações da votação para regente, O Sete d’Abril atacava a Aurora Fluminense por ter
interpretado equivocadamente a opinião de “homens ilustrados” que anunciaram “a necessidade
de um terceiro partido, que, evitando os extremos dos que se haviam desenvolvido no seio da
Câmara Eletiva, afastasse os males que eles ameaçavam e promovesse o bem do país.”136
Segundo o artigo, intitulado “O terceiro partido e a Aurora”, o periódico de Evaristo “tomou
em grosso o nosso inocente enunciado, asseverou que se organizava esse terceiro partido com
grave embaraço da marcha na Câmara Temporária”.137 Aproveitando o ensejo da discussão
partidária, o Sete apresentaria uma solução para o problema:

Se esse terceiro partido se lembrasse de por à testa do Governo do Estado S. A.


Imperial, a Nossa interessante Princesa Senhora D. Januária; se elevando-a à Regência

Faculdade de Direito da mesma província. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. 1),
p. 399.
132
CASTRO, Paulo Pereira de. Op. cit., p. 42.
133
Romualdo Seixas posicionou-se a favor da censura prévia por parte dos bispos, como já se informou nesta tese,
alegando inclusive a inconsistência da infalibilidade papal e, inspirado no conciliarismo, a preponderância da
“Igreja Universal”. Assim, evocava um ponto de vista típico dos regimes regalistas e galicanos para justificar
práticas persecutórias por parte do Estado e legitimadas pelo poder espiritual. Vasconcelos, por sua vez, firmou
posicionamento contrário, inspirado no liberalismo constitucional herdeiro da ilustração: “É preciso pois declarar-
se, se os bispos censurarão só os livros publicados antes desta lei, ou também os posteriores a ela, e é também
necessário que não fique em dúvida se haverá alguma censura antes da publicação, como poderia entender-se à
vista das palavras – censurar os livros já publicados. – Acabou a censura prévia, a nossa constituição a proscreveu.”
Ver: SEIXAS, Romualdo Antônio de. Discursos parlamentares... Bahia: Tipografia de J. P. Franco Lima, 1836,
pp. 18-19. BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 22/07/1826. Brasília: Câmara dos Deputados.
Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 21/03/2018.
134
CASTRO, Paulo Pereira de. Op. cit., p. 44.
135
Nas Memórias do marquês de Santa Cruz, d. Romualdo Seixas afirmou que os supostos encontros em sua
residência, com “os principais conspiradores Vasconcelos e Calmon”, não passavam de um “boato” da oposição.
O arcebispo destacou ainda a anedota do deputado mineiro sobre a conspiração, pois, “paralítico como estava e
tolhido das pernas não poderia subir a grande ladeira de S. Bento”. Ver: LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Op. cit., pp.
150 e segs; SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. cit., p. 99.
136
O Sete d’Abril, no 264, 21/07/1835.
137
O Sete d’Abril, n o 264, 21/07/1835 (Grifos do autor).
218

do Império, baldasse destarte todos os planos dos partidos em que se divide, por
desgraça, a nossa população; se, observando que a mesma Providência parece
recomendar tão sábia medida fazendo abrolhar tão Alta Inteligência, Siso e Prudência
na tenra idade de S. A. Imperial...138

Diante das polarizações político-partidárias que se evidenciavam, a solução dinástica


fornecia substrato para o restabelecimento da ordem no Império, a exemplo de Portugal: “Não
desprezeis o dom do Céu, Vossa Imperial Família; ela só pode aventurar-vos: olhai para
Portugal, vede ali a paz, a tranquilidade, o crédito público prosperando sob o augusto regime
de um dos Ramos Imperiais”.139 Em face à possibilidade de vitória por parte de Feijó, a saída
estaria na casa de Bragança: “tende por certo que a gentil Princesa não cede em capacidade
mental à Senhora D. Maria Segunda. – Os marrecos! Oh! Esses querem só o governo dos
milagres e dos parentes eminentemente patrióticos; mas eles hão de respeitar a voz da
Pátria.”140 A defesa de Januária pelo Sete prolongou-se por tempo considerável e encontrou
resistências mesmo entre a imprensa regressista.141 Em 1836, na ocasião do aniversário da
princesa, fazia-se seu elogio e, na sequência, reproduzia-se um artigo do Justiceiro, intitulado
“A monarquia é necessária no Brasil”, afirmando ao final que: “Este artigo fala bem claro,
independente de comentários e notas”.142
Ante a ameaça à monarquia supostamente encarnada no padre regente, o Sete defenderia
a retomada da ordem a partir da uma restauração dinástica, reproduzindo também a longa
resposta de Vasconcelos à polêmica Fala do Trono de 1836. À época Feijó reafirmou seu
posicionamento intransigente com relação à nomeação de Moura e ao exercício das
prerrogativas eclesiásticas por parte do poder temporal.143 Em resposta a Feijó, Bernardo
Pereira de Vasconcelos afirmaria: “Se me é licito aventurar um juízo sobre o tratamento dado
à Cúria Romana, direi francamente que não simpatizo pela forma com a qual o governo
Brasileiro tem procedido com o Santíssimo Padre.”144 O líder regressista destacava a
semelhança entre dois documentos diplomáticos, uma nota do governo brasileiro à Santa Sé e

138
Segundo o Sete, a Aurora Fluminense reprovava a proposta de um terceiro partido, alegando que o periódico
regressista “não era mais do que um eco, um servil copista do célebre francês Dupin, que está organizando um
terceiro partido em França em circunstâncias muito menos urgentes que as nossas.” Ver: Aurora Fluminense, no
1035, 20/07/1835; O Sete d’Abril, no 264, 21/07/1835 (Grifos do autor).
139
O Sete d’Abril, no 264, 21/07/1835.
140
Ibidem, no 264, 21/07/1835 (Grifos do autor).
141
LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Op. cit., pp. 152 e segs; O Sete d’Abril, no 265, 28/07/1835; no 268, 08/08/1835;
no 270, 18/08/1835; no 279, 22/09/1835; no 327, 11/03/1826; no 331, 26/03/1836; no 333 02/04/1836; no 336,
11/04/1836; no 341, 27/04/1836; no 352, 11/06/1836; no 368, 03/08/1836;
142
O Sete d’Abril, no 327, 11/03/1826
143
BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão Imperial da Abertura da Assembleia Geral Legislativa,
03/05/1836. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 21/03/2018.
144
O Sete de Abril, nº 343 – 12/05/1836.
219

uma nota de Lord Strangford, diplomata inglês, ao Império turco-otomano, estando o “Brasil
em lugar de Inglaterra, e a de Santa Sé em lugar de Constantinopla”.145 Em uma conjuntura
na qual era intenso o apreço do Parlamento brasileiro às questões da Política Externa, o
tratamento dado à Sé romana parecia pouco equilibrado: “Muita semelhança decerto encontra
o nosso Governo entre o Soberano Pontífice e o Príncipe Maometano!!! E será este o tratamento
que merece o Sumo Pontífice, que, como diz a Fala do Trono, obedece à sua consciência?!”146
Enveredando-se por uma argumentação que reproduzia a ideia de “cisma” entre os
Estados brasileiro e pontifício, Vasconcelos protestava “contra o intento que o Governo ostenta
de alterar a Fé Católica, de mudar a Religião do Estado, de, em uma palavra, Luteranizar o
Brasil.”147 A Igreja romana seria “uma Sociedade perfeita e Divina” e, portanto, “recebeu do
seu Divino Fundador todos os seus poderes necessários para o seu Governo Espiritual. Ela só
pois tem o Direito de estabelecer as suas leis, de variar e regular a sua Disciplina sem ingerência
de outro algum Poder humano.”148 A autoridade da Santa Sé sobre as questões espirituais fora
exercitada “efetivamente sob os Imperadores idólatras e perseguidores; e o fato de se
converterem e abraçarem estes a Religião Cristã não lhes deu, nem podia dar outro Direito, que
o de a protegerem e manterem nos seus Estados.”149 O argumento de autoridade ficava por
conta de Bossuet, voz recorrente nas falas de d. Romualdo Seixas:

Tal é a Constituição da Igreja Católica: o seu espirito, diz Bossuet, é que ela seja
governada pelos seus Cânones e pela divina Hierarquia dos seus Poderes. É evidente
pois que os Príncipes ou o Poder Temporal, não podem, só por sua autoridade e sem o
concurso do Poder Espiritual, reformar ou alterar não já o Dogma, que é imutável, mas
a mesma Disciplina Universal, estabelecida pelos Cânones. Esta proposição, segundo o
mesmo Bossuet, é de Fé, e assim o definiu igualmente o célebre Concílio de Constança
na Sessão 13, onde tratando de uma questão de Disciplina Geral pronunciou a seguinte

145
O documento de Percy Clinton Sydney Smythe, Lord Strangford (1780-1855), embaixador inglês no Brasil
durante a estadia da Corte portuguesa, foi redigido em 1823, na sequência da Independência grega (1821) com
relação ao Império Otomano. Em linguagem dura e direta, o diplomata britânico pressionava a Sublime Porta no
sentido do restabelecimento das relações com o Império Russo, afirmando não ser “inesgotável (...) a paciência do
Imperador da Rússia”. Em tom semelhante, a nota do governo brasileiro afirmava: “A Santa Sé se engana, se crê
inesgotável a paciência da Regência em nome do Imperador D. Pedro II.” Ver: Reflexiones imparciales de un
brasilero sobre el mensaje del trono, de las respuestas de las cámaras legislativas del año de 1836 en la parte
relativa al obispo electo para la diócesis del Rio de Janeiro, y a la Santa Sede Apostólica, traducidas del idioma
portugués al castellano. Buenos Ayres: Imprenta de la Libertad, 1837, pp. 23 e segs; LIMA, Raul. O desabusado
Lord Strangford. Revista de História, São Paulo, v. 50, n. 100, p. 777-781, dec. 1974. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/132669/128754. Acesso em: 21 mar. 2018; O Sete de Abril, nº
343 – 12/05/1836 (Grifos do autor).
146
O Sete de Abril, nº 343 – 12/05/1836 (Grifos do autor).
147
Ibidem, nº 343 – 12/05/1836 (Grifos do autor).
148
Ibidem, nº 343 – 12/05/1836.
149
Ibidem, nº 343 – 12/05/1836.
220

decisão – Habenda est pró lege quam non licet reprobare; aut sine Eclesiae auctoritate
mutare –.150

Ao que parece, a proximidade com o primaz do Brasil rendeu a Vasconcelos a aquisição


de um conhecimento razoavelmente aprofundado sobre história da Igreja. Em suas Memórias
do marquês de Santa Cruz, d. Romualdo Seixas registrou conversas com Feijó e Vasconcelos
no início do conturbado ano de 1836. Quanto ao padre regente, apesar da “cordialidade”, as
“lisonjeiras esperanças” do arcebispo eram “enganosas” e, diante da insistência na agenda
regalista e secular, Romualdo afirmaria: “em breve se dissipou a minha ilusão.” 151 Por outro
lado, o campeão do Regresso voltara de Minas Gerais “inteiramente convertido, a ponto de
declarar-me na primeira entrevista, que tivemos, que ele vinha disposto a combater a heresia e
anarquia.”152 Em um momento de intensificação das dissidências quanto aos embates entre
Brasil e Roma, Bernardo Pereira de Vasconcelos era um aliado de peso: “Fossem quais fossem
as suas intenções, e os motivos que produziram uma tão inesperada mudança, não se podia
desprezar um aliado tão poderoso, e que já tinha dado imensas provas de sua rara habilidade
parlamentar.”153
O discurso proferido pelo magistrado mineiro em resposta à Fala do Trono, reproduzido
no Sete d’Abril, teve de fato um auxílio por parte de d. Romualdo Seixas: “Julgando-se pouco
habilitado para falar sobre uma tão importante questão eclesiástica, escreveu-me na véspera da
discussão, pedindo-me alguns apontamentos para o seu discurso.”154 A atitude do Proteu
regressista aproximava-o do “célebre Mirabeau”, o qual “também consultava sobre matérias
eclesiásticas a um dos mais notáveis Bispos, que tinham assento na Assembleia Constituinte da
França”. Porém, diferentemente do famoso revolucionário francês, o “orador Brasileiro
mostrou-se mais modesto e generoso, fazendo ao Prelado, a quem consultou, a subida honra de
servir-se não só de suas ideias, como ainda de suas próprias palavras.”155

150
A referida questão dizia respeito ao “Decreto a respeito da comunhão só sob a espécie do pão”, sentenciando a
passagem transcrita no Sete que “este costume deve ser considerado como uma lei que não pode ser reprovada
nem modificada arbitrariamente, sem o consentimento da Igreja.” Em suma, os dispositivos dos cânones
conciliares, por vezes, consolidavam-se através de jurisprudências que tinham por objetivo dirimir conflitos. No
caso, se a comunhão deveria ocorrer em duas espécies, o pão e o vinho, ou em uma espécie, o pão. Ver:
DENZINGER, Henrici. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas:
Edições Loyola, 2007, pp. 347-348; O Sete de Abril, nº 343 – 12/05/1836 (Grifos do autor).
151
SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. cit., p. 95.
152
Ibidem, p. 95. (Grifos do autor).
153
Ibidem, p. 95.
154
SEIXAS, D. Romualdo Antônio de. Memórias do Marquês de Santa Cruz. Op. cit., . 98.
155
Ibidem, p. 98.
221

Com efeito, no Sete d’Abril, não haveria mais espaço para a agenda de reformas do clero
moderado, e quanto a isso era claro o final do discurso reproduzido da resposta à Fala do Trono:
“Ora, aplicados estes princípios ao caso de que se trata, ainda é mais saliente a incompetência
do Poder Temporal para alterar esta parte tão importante da Disciplina relativa à Instituição dos
Bispos.”156 Ao “Chefe da Igreja”, caberia a “plenitude do Poder de Honra e Jurisdição” e, desse
modo, a “Instituição Canônica” não poderia passar “a outras mãos por um ato do mesmo Poder
Civil, e sem o acordo ou consentimento do Soberano Pontífice”.157 Na hipótese de uma
ingerência temporal nos assuntos de natureza canônica, “cada uma das Igreja Nacionais se
tornaria absolutamente independente e sem nexo algum com o Chefe e Pai comum de todos os
Fiéis, e com a Cadeira eterna, sobre a qual Jesus Cristo edificou a sua Igreja”.158 A alegada
usurpação de competências redundaria no fim da religião católica: “desapareceria
conseguintemente o Catolicismo; pois que este não pode existir sem Unidade, e a unidade não
pode existir nem conceber-se sem o Primado da Honra e Jurisdição”.159
A Fala do Trono elaborada por Feijó, embasada nos Estatutos da Universidade de
Coimbra de 1771 e inspirada também pela Constituição Civil do Clero,160 impactaria o escopo
do arcabouço jurídico do Império, pois “seria preciso finalmente, para sermos consequentes,
riscar o art. 5º da Constituição Política do Império e por em vigor e execução o famoso Projeto
do Ilustre Deputado o Sr. Rafael de Carvalho”.161 O referido projeto do deputado Estevão Rafael
de Carvalho foi proposto à Câmara em 1835 e seu conteúdo era direito: “Art. 1º A igreja
brasileira fica desde já separada da igreja romana; Art. 2º O supremo sacerdócio fica devolvido
ao governo.”162 O texto cismático fomentou um clima efervescente na Câmara e, levado à
votação em julho de 1836, a pedido de Vasconcelos, não foi aprovado.163 Segundo as
informações da coleção O Clero no parlamento brasileiro, no mesmo conturbado ano de 1836,
o deputado Francisco de Paula Araújo Almeida leu uma emenda de 1827, de autoria de

156
O Sete de Abril, nº 343 – 12/05/1836.
157
Ibidem, nº 343 – 12/05/1836.
158
Ibidem, nº 343 – 12/05/1836.
159
Ibidem, nº 343 – 12/05/1836.
160
BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. O Clero no parlamento
brasileiro (Vol. III). Op. cit., pp. 244-245.
161
O Sete de Abril, nº 343 – 12/05/1836.
162
BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 06/06/1835. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível
em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 22/03/1835.
163
A proposta do deputado Rafael de Carvalho, juntamente com um projeto do deputado Ferreira França, foi alvo
de análise por parte do general Abreu e Lima. O autor criticava as duas propostas, pois atacavam os pilares do
trono e do altar, rompendo com a Santa Sé e estabelecendo uma “República Democrática”. Ver: ABREU E LIMA,
José Inácio de. Bosquejo Histórico, político e literário do Brasil. Niterói: Tipografia Niterói de Rego e Comp.,
1835; BRASIL. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão de 09/07/1836. Brasília: Câmara dos Deputados.
Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acesso em 22/03/1835; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. cit.,
pp. 347-349.
222

Bernardo Pereira de Vasconcelos. O documento, em oposição a d. Romualdo e apoio a Feijó,


firmava um posicionamento regalista perante as disposições contidas na bula em que Leão XII
elevava as prelazias de Goiás e Mato Grosso à condição de bispado.164
Ante a regência do regalista Feijó, as discordâncias entre Romualdo e Vasconcelos sobre
a definição dos limites entre o poder temporal e espiritual no exercício das competências
eclesiásticas, surgidas uma década antes, haviam prescrevido. Com a cisão do grupo moderado,
o padre de Itu passou a arregimentar as forças cuja prática política assentava-se sobre as
memórias revolucionárias, ainda que negassem o “republicanismo” e o “jacobinismo”. Por
outro lado, o líder regressista capitaneou as forças contrarrevolucionárias, ciosas da
importância de redimensionar, sob o prisma da herança monárquica portuguesa e católica
romana, as liberdades conquistadas. Para fortalecer o combate à regência de Feijó, o Sete
d’Abril reproduzia falas de d. Romualdo Seixas, transcrevendo seu discurso em resposta à Fala
do Trono, no qual refutou a expressão “Príncipe Estrangeiro”, usada na Câmara para referir-se
ao Papa: “esta denominação inventada, segundo me parece, por Voltaire, nem é exata, nem
digna desta Casa.”165
Na longa exposição, o arcebispo fundamentava-se primeiramente na normatividade
tridentina: “A Disciplina da Igreja pode sem dúvida variar segundo as diversas necessidades
dos tempos e lugares; mas não é senão a ela mesma que compete fazer quaisquer alterações”.166
De acordo com o arcabouço jurídico gestado durante Contrarreforma e consolidado
posteriormente, ao poder temporal não caberia “mudar a forma da Instituição Canônica dos
Bispos, prescrita na Legislação e prática geral da Igreja”.167 As limitações impostas aos Estados
nacionais com relação às competências eclesiásticas legitimavam-se pela reciprocidade nas
relações com a Sé romana, pois “o Poder Temporal não pode por si só desfazer ou anular

164
A Comissão Eclesiástica, da qual faziam parte Feijó e José Bento, emitiu parecer opondo-se ao teor do
documento pontifício em razão de quatro questões fundamentais. A bula concedia ao imperador o direito ao
Padroado, o que não fazia sentido, pois a referida competência já estava regulamentada pela Constituição de 1824.
Quanto aos novos bispados, a bula buscava regulamentar a criação dos cabidos, o valor das côngruas e a instituição
dos seminários episcopais, o que, segundo o parecer emitido, era de estrita competência do poder civil. No tocante
aos cabidos, afirmava-se serem desnecessários, na medida em que apenas se preocupavam em “recitar ou cantar
os ofícios divinos”. Em longa análise da questão, Romualdo Seixas, recém-sagrado arcebispo primaz, saiu em
defesa das prerrogativas papais. Vasconcelos apoiou o parecer de Feijó e José Bento, propondo uma emenda de
teor regalista e secular na demarcação do exercício das competências eclesiásticas pelo poder temporal. O nono e
último ponto da emenda continham o seguinte teor: “se a corte de Roma se recusar a uma tão ortodoxa como
interessante negociação, o Governo observará a disciplina dos bons séculos da Igreja.” Ver: BRASIL. Anais da
Câmara dos Deputados. Sessão de 12/07/1827. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em:
http://www.camara.gov.br. Acesso em 22/03/1835; BRASIL. Congresso. Câmara dos Deputados. Centro de
Documentação e Informação. O Clero no parlamento brasileiro (Vol. III). Op. cit., pp. 245-246.
165
O Sete de Abril, nº 350, 04/06/1836.
166
Ibidem, nº 350, 04/06/1836.
167
Ibidem, nº 350, 04/06/1836.
223

Concordatas ou Convenções estabelecidas pelo seu mútuo acordo com o Chefe da Igreja”.168
Em sua exposição de argumentos construídos a partir da lei e do direito, Romualdo Seixas citava
o presidente da Câmara dos Deputados da França, André Dupin (1783-1865), afirmando que
“nenhum Poder pode por si só impor a lei aos outros, e reciprocamente nenhum pode desfazer
por si só a lei que foi feita com o concurso de muitos”.169
A história da França foi outro ponto nodal da réplica do arcebispo, e um dos exemplos
escolhidos remetia à recusa de Inocêncio XII (1676-1689) com relação aos bispos “que na
famosa Assembleia do Clero de 1682 haviam aprovado os quatro arts. que tanto desagradavam
à Cúria Romana”.170 Diante do fato, Luís XIV, “aquele Grande Rei”, prescindiu das ameaças,
solicitando “que os referidos Bispos dirigissem ao Santo Padre explicações respeitosas em uma
carta que foi redigida pela mão de Bossuet” e escrevendo “ele mesmo a S. Santidade neste
sentido, prometendo não insistir na adoção da doutrina dos mencionados arts.”171 Já na edição
seguinte do Sete, uma inflexão deletéria ficaria por conta da “Constituição Civil do Clero,
monstruosa produção do Jansenismo e da Filosofia, mudou inteiramente a Disciplina recebida
sobre a nomeação e confirmação dos Bispos”.172 A ruptura revolucionária, muito mais que o
galicanismo de Bossuet e Luís XIV, teria sido responsável pelo descaso para com a Cúria
romana, pois:

à nomeação do Rei substituiu-se a eleição em Assembleias Seculares, onde entravam


aqueles mesmos que não professavam a Doutrina Católica; e à confirmação do Papa
substituiu-se a do Metropolitano, ou do Bispo mais antigo da província, com a única
condição de que o Bispo assim instituído escreveria ao Sumo Pontífice, em testemunho
de Unidade, Fé e de Comunhão, uma carta de simples cumprimento, ou antes de insulto
e escárnio à Suprema Autoridade do Chefe da Igreja, que havia declarado nulas,
criminosas e sacrílegas semelhantes eleições e confirmações. É desta fonte impura que
surgiu a Igreja Cismática, denominada Constitucional, que, transpondo os sagrados
limites das antigas regras da Igreja, e sem outra missão que a conferida pelo famoso
Bispo de Autun Mr. Talleyrand, entregue ao seu próprio espírito, deu ao mundo inteiro
o deplorável espetáculo de mais escandalosa apostasia, e preparou o pavoroso reinado
do Ateísmo e do Terror.173

168
O Sete de Abril, nº 350, 04/06/1836.
169
André Marie Jean Jacques Dupin nasceu em Varzy e, concluindo o bacharelado em leis, tornou-se destacado
advogado e jurista ao defender as liberdades individuais civis e políticas. Dupin foi um dos artífices da transição
que levou à Monarquia de Julho em 1830. Romualdo Seixas destacava a resistência do advogado liberal francês,
em 1831, à revogação de uma concordata sobre circunscrições eclesiásticas, documento este estabelecido entre
França e Santa Sé. Ver: ROSSI, A. A construção da opinião pública na França no início do século XIX. Textos de
História: revista do programa de pós-graduação em história da UnB, Brasília, v. 2, n. 4, p. 111-130, 1994.
Disponível em: http://seer.bce.unb.br/index.php/textos/article/view/5762. Acesso em: 12/04/2017; O Sete de Abril,
nº 350, 04/06/1836.
170
O Sete de Abril, nº 350, 04/06/1836.
171
Ibidem, nº 350, 04/06/1836.
172
Ibidem, nº 351, 08/06/1836.
173
Ibidem, nº 351, 08/06/1836. (Grifos do autor).
224

Muito mais que um conflito de competências sobre as questões de foro eclesiástico, a


Revolução Francesa encarnava o paroxismo da irreligiosidade e nem mesmo Napoleão livrara-
se da influência nefasta dos ataques perpetrados contra o catolicismo romano durante a saga
revolucionária: “Mas Napoleão, restabelecendo o Sumo Pontífice nos Direitos do Primado
sobre a Instituição Canônica dos Bispos da França, não escapou todavia ao contágio das
máximas exageradas acerca das regalias da Coroa”. 174 Se durante a vigência do absolutismo
galicano de Luís XIV, levaram-se a cabo respeitosas negociações com o sumo pontífice, não
seria diferente sob Luís Felipe, “Monarca tão esclarecido e liberal quanto poderoso e respeitado
na Europa”, pois, “não hesita em ceder à consciência do Soberano Pontífice, no momento em
que este lhe declara que não pode confirmar um Bispo que ele lhe apresentava e que se fazia
suspeito por sua doutrina.”175
Em dúvida se o governo brasileiro guardaria com relação à França e Inglaterra a mesma
intransigência que deixava transparecer na questão envolvendo a Santa Sé, o primaz do Brasil
avisava: “Não nos iludamos, Srs.: se o Chefe da Igreja não tem nem deve ter canhões e
esquadras que nos assustem, ele tem, na Fé e na docilidade dos povos, uma defesa e uma arma
a que nem sempre se pode resistir.”176 Tal argumento havia sido inspirado em Lamartine, “um
dos mais eloquentes Oradores da Câmara dos Deputados da França”.177 Ao lado de
Chateaubriand, Ballanche e Lamennais, o poeta Alphonse de Lamartine (1790-1869) foi um
dos artífices do neocatolicismo, movimento que buscou redimensionar a religião a partir de seu
diálogo com os “valores laicos contemporâneos”.178 Sintetizando a perspectiva de uma
regeneração da ordem social e política pelo resgate da religião, própria aos movimentos
políticos e literários pós-revolucionários que buscaram conter o avanço dos radicalismos
antirreligiosos da Ilustração, d. Romualdo Seixas lembrava Lamartine:

Roma, diz o Orador Francês, está longe, Roma é fraca; mas Roma tem inteligências
profundas, sagradas, enraizadas na consciência das nossas populações. Sua voz fala mui
alto no coração das massas; seu silêncio mesmo, seu descontentamento secreto não é
sem influência sobre a paz do País. (...) Quanto mais novo é o Poder Político, mais
recente a vossa Liberdade, tanto maiores respeitos devemos guardar para com a Corte
de Roma, tanto mais devemos convencê-la de que não há inimizade natural entre a

174
O Sete de Abril, nº 351, 08/06/1836.
175
Ibidem, nº 351, 08/06/1836.
176
Ibidem, nº 351, 08/06/1836.
177
Ibidem, nº 351, 08/06/1836.
178
BÉNICHOU, Paul. Op. cit., p. 67.
225

Religião e a Liberdade, entre as mais nobres faculdades que a Providência tem dado ao
homem.179

Para anatematizar o posicionamento incisivo do governo de Feijó, seu antagonista não


prescindiu do recurso às vozes liberais e neocatólicas, por vezes mal recepcionadas nos círculos
mais aferrados aos preceitos tridentinos. Na terceira e última parte da transcrição reproduzida
no Sete, não faltariam também os defensores da ortodoxia romana e da plenitude do poder papal,
recorrentes na obra de Romualdo Seixas: “eloquentes escritores leigos, como os Le Maistre, os
Bonald, os Barchemont e outros, têm vingado em seus luminosos escritos a glória da Igreja
Cristã, a sabedoria do seu Governo Hierárquico e a benéfica influência das suas instituições.”180
Católicos de inspiração romana e contrarrevolucionária surgiam ao lado de neocatólicos liberais
para compor o espírito conciliatório de um século ainda imerso nos traumas revolucionários:
“As ciências, que a impiedade havia forçado a combater o Cristianismo, lhe tributam hoje a
mais brilhante homenagem, e fornecem nas suas investigações, nos seus cálculos e nas suas
descobertas, armas vitoriosas contra os oráculos da mentira.”181
A necessidade de contemporizações e diálogos havia ganhado terreno inclusive entre as
sociedades de maioria protestante que “se aproximam todos os dias ao termo da desejada
reunião, e o Catolicismo já não é na Inglaterra um objeto de ódio e execração”. 182 Em uma
conjuntura de arrefecimento dos radicalismos na “Europa ilustrada”, onde “os mesmos
Protestantes oferecem tão magníficos exemplos”, indagava o arcebispo: “seremos nós os que,
por frívolos motivos, romperemos a Unidade Católica, nós Brasileiros que sempre nos
gloriamos de respeitar e amar, como filhos obedientes, a Igreja Mãe e Mestra de todas as
Igrejas?”183 Para d. Romualdo, Feijó representava, no limite, o ateísmo revolucionário do terror
jacobino que levou às últimas consequências o descaso pelo catolicismo romano. Assim,
mesmo apelando à tolerância em seu discurso de resposta à Fala do Trono, o prelado paraense
seria crítico veemente da proposta de Feijó a respeito da vinda de protestantes Morávios para a
“catequese” e “civilização” dos povos indígenas.184
O Sete d’Abril também faria coro a tal posicionamento ao transcrever um discurso da
Câmara no qual Romualdo Seixas era taxativo quanto à “imensa superioridade dos Missionários
Católicos sobre os das diferentes seitas religionárias, que destituídos de legítima missão, mui

179
O Sete de Abril, nº 351, 08/06/1836.
180
Ibidem, nº 352, 11/06/1836.
181
Ibidem, nº 352, 11/06/1836.
182
Ibidem, nº 352, 11/06/1836.
183
Ibidem, nº 352, 11/06/1836.
184
LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Op. cit., pp. 89 e segs.
226

poucos sucessos têm obtido na catequese e civilização das Tribos errantes”.185 Sobre a extinção
dos Jesuítas, cujo resultado fora um “vazio imenso” na educação dos povos autóctones, recorria
mais uma vez a uma voz liberal: “como diz Chateaubriand, não se levantou mais a educação,
depois da queda dessa famosa Sociedade”.186 A solução para o problema seriam “outras
Corporações”, em especial “os padres denominados da Missão (...) herdeiros do zelo Apostólico
do Imortal S. Vicente de Paula, que mereceu as simpatias dos Filósofos, até colocarem o seu
Busto entre os dos seus Heróis, com a inscrição – Vicente, Filósofo do Século 17!”187 Na
resposta ao Ministro do Império, Limpo de Abreu (1798-1883),188 o clérigo baiano interpretaria
os limites da legislação imperial à tolerância com relação a outras manifestações religiosas
além do catolicismo romano:

Falou o Nobre Ministro, na tolerância de todos os cultos outorgada pela Constituição do


império: não me oponho a isso e estou conforme com o princípio da tolerância civil ou
política. Nesta certeza entendo, que se os Irmãos Moraves viessem de seu motu próprio
estabelecer no Brasil uma das suas Congregações, como tem estabelecido em outros
Países, sem que para isso precedesse convite ou contrato dos seus respectivos Governos,
poderia também o nosso tolera-los, como faz a respeito de outras Seitas, guardadas as
restrições do Artigo Constitucional, em virtude do qual elas são toleradas ou admitidas:
mas que o próprio Governo Católico do Brasil os mande convidar e contratar, à custa
dos dinheiros públicos, para lhes confiar a catequese, ou a instrução religiosa dos Índios,
eis aqui o que eu não posso combinar com o princípio da tolerância, e o que me parece
ofensivo do art. 5º da Constituição que garante o exercício da Religião Católica
Apostólica Romana, como a Religião do Império.189

A chegada de missionários protestantes significava uma transgressão à Constituição de


1824, na medida em que o Estado patrocinaria a empresa missionária, tornando, por
conseguinte, público o exercício de um culto permitido apenas no foro “doméstico ou particular,
em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo.”190 Na senda da oposição
aos desígnios de ampla tolerância religiosa da regência de Feijó, Romualdo Seixas opôs-se
ainda à emenda de Vasconcelos para a criação de uma Faculdade de Teologia.191 O próprio Sete

185
O Sete de Abril, nº 356, 25/06/1836.
186
Ibidem, nº 356, 25/06/1836.
187
Ibidem, nº 356, 25/06/1836. (Grifos do autor).
188
Antônio Paulino Limpo de Abreu, Visconde de Abaeté, nasceu em Lisboa e migrou para o Brasil com a Corte
em 1808. Formado em direito pela Universidade de Coimbra, fez longeva carreira na magistratura, na política e
na diplomacia. Limpo de Abreu foi deputado por Minas Gerais nas quatro primeiras legislaturas e senador pela
mesma província, além de presidente do Conselho de Ministros do primeiro gabinete da Regência de Feijó. Em
Minas Gerais ainda exerceu o cargo de presidente de província. Ver: BLAKE, Augusto Vitorino Alves
Sacramento. Op. cit. (vol. 1), pp. 275-276.
189
O Sete de Abril, nº 356, 25/06/1836. (Grifos do autor).
190
BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (25 de março de 1824). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm
191
SANTOS, Israel Silva dos. Op. cit., p. 95.
227

d’Abril exporia as razões que o arcebispo elencou na Câmara: “conquanto eu esteja convencido
da utilidade do estabelecimento proposto pela Emenda, eu inclino-me a crer que ela não é por
ora exequível, ou ao menos não será executada de um modo tal que desempenhe as vistas de
seu Ilustre Autor”.192 Apesar da oposição à proposta, elogiava-se a preocupação do autor da
proposta em promover uma “Teologia Católica”, “em uma época em que as doutrinas do
Protestantismo são continuamente amalgamadas e confundidas com as do Catolicismo”. 193
Condenando o “gozos puramente materiais que distinguem a Escola Sensualista”, mesmo se
opondo ao projeto de Vasconcelos, Romualdo agradecia a lembrança “quando aparecem
tentativas para descatolizar o Brasil”.194
O Sete d’Abril tornou-se o principal periódico regressista na Corte fluminense,
combatendo os outrora aliados da moderação e dando eco aos valores tridentinos de Romualdo
Seixas, o principal antagonista do padre regente. Em sua missão de refrear as volições
revolucionárias, tidas por anárquicas, o Sete ainda travaria diálogos com folhas redigidas nas
províncias. Foi o caso do periódico O Carapuceiro, redigido pelo padre Miguel do Sacramento
Lopes Gama (1792-1852).195 Apesar de rejeitar o termo “Regresso”, o padre Lopes Gama
apoiou as demandas capitaneadas por Vasconcelos e sintetizadas, sobretudo, na lei de
interpretação do Ato Adicional (1840) e na reforma do Código de Processo Criminal (1841).196

192
O Sete de Abril, nº 360, 09/07/1836.
193
Ibidem, nº 360, 09/07/1836.
194
Ibidem, nº 360, 09/07/1836. (Grifos do autor).
195
Miguel do Sacramento Lopes Gama (1792-1852) nasceu em Recife. Iniciou seus estudos eclesiásticos em
Olinda e concluiu em Salvador, onde também lecionou. Consolidou carreira eclesiástica lecionando também em
Pernambuco e foi vice-diretor da Faculdade de Direito de Olinda. Foi eleito deputado à Assembleia Geral por
Alagoas na sexta legislatura, além de deputado provincial em Pernambuco. Era pregador da Capela Imperial,
comendador da Ordem de Cristo e membro do IHGB. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op.
cit. (Vol. 6), pp. 287-290.
196
De um modo geral, a Interpretação do Ato Adicional redundou na centralização do exercício das competências
jurídicas, abolindo-se a figura do prefeito (onde ela havia sido criada) e esvaziando os poderes dos juízes de paz.
Até o Ato Adicional de 1834, as prerrogativas de criação, supressão, nomeação e definição de atribuições dos
empregos provinciais estavam concentradas, em tese, nas mãos do poder central. Com a reforma, criaram-se as
Assembleias Provinciais e a elas foi conferido um espectro de competências que dispunham sobre a criação e
supressão dos empregos provinciais e municipais, inclusive no que se referia à jurisdição eclesiástica, à exceção
do bispo. Cumpre salientar que, a partir de 1828, com a Lei das Câmaras, de autoria de Feijó, os municípios
perderam autonomias político-administrativas seculares, herdadas do ordenamento jurídico próprio ao Antigo
Regime, e muitas de suas atribuições passaram ao âmbito do governo provincial, em que pese a figura do juiz de
paz, eleito pelos municípios e com poderes ampliados a partir do Código de Processo Criminal promulgado em
1832. Nesse sentido, a partir de 1828, houve uma inflexão descentralizadora com relação ao poder central e, ao
mesmo tempo, centralizadora no que se referia aos municípios. Com a Lei de Interpretação do Ato Adicional, as
Províncias mantiveram as atribuições de criação e supressão concernentes aos empregos municipais e provinciais,
excetuando-se os empregos do Judiciário. Apesar da manutenção de certo poder nas mãos das Assembleias
Provinciais, os vice-presidentes de província passaram a ser nomeados pelo poder central e não mais pelas cassas
legislativas das províncias. (As informações desta nota de rodapé foram, em parte, fornecidas por Alex Lombello
do Amaral, que retirou muitas delas de fontes primárias coevas. Registra-se aqui o agradecimento ao referido
historiador). Ver: DOLHNIKOFF, Miriam. Op. cit., pp. 65 s segs.
228

Em 1836, o Sete d’Abril reproduziu um artigo do “Escritor do Carapuceiro” cujo conteúdo


dizia respeito à hipertrofia funcional das autoridades jurídicas locais: “A conservarem-se (o que
Deus não permita) Juízes de Paz com as atribuições monstruosas e gigantescas que ora têm,
entendo que devem os padres ser também dispensados de exercer semelhante emprego.”197
As funções jurídicas e políticas dos juízes de paz, “pau pra toda obra”, eram
demasiadamente amplas e incompatíveis com o exercício do sacerdócio: “linda coisa não é ver
um sacerdote com uma faixa a tiracolo, torneado de escribas e fariseus, todo pressuroso e
afadigado, com fumos de Ferrabaz, mandando fazer fogo a um adjunto de gente tumultuária”.198
Na condição de juízes de paz, os clérigos perdiam “o privilégio do seu foro”, tendo “o ônus de
sentenciar em crimes de pena última (...) eleitos para um emprego, em o qual tem algumas vezes
obrigação de manda atirar ao povo E viva a nossa Santa Religião!!!”199 Os padres só deveriam
exercer o cargo de juízes de paz no caso de uma reestruturação na referida carreira: “Se porém
forem os Juízes de Paz reduzidos, como devem ser, a meros conciliadores, não vejo razão para
que tal emprego deixe de recair sobre padres.”200 A acumulação das funções espirituais e
temporais fazia apenas agravar um quadro já inadequado ao organograma do poder Judiciário,
no interior do qual estava a “mais monstruosa das nossas instituições modernas (...) as mui
guapas e muito assaz louvadas Guardas Nacionais.”201
Artigo instigante do Carapuceiro, inserido no Sete d’Abril, foi o intitulado “Reflexões
sobre a retratação final de Talleyrand”, no qual o padre Lopes Gama chamava a atenção para
os momentos finais do primeiro-ministro: “Que exemplo para a incredulidade! Que triunfo para
a Religião Católica não é a morte do famoso Talleyrand! Esse Bispo Apóstata, esse
Revolucionário estupendo, esse ímpio tão público e escandaloso”.202 À beira da morte,
Talleyrand teria se arrependido de suas “heresias”: “não só abjura os seus erros religiosos, como
os princípios demagógicos, de que fora grande fautor nos dias da Revolução. Ele declara em
sua última vontade, que quer ser sepultado com as suas vestes episcopais e no seu leito de
Príncipe!”203 A suposta conversão tardia impactaria os porta-vozes da Ilustração em terras
brasílicas: “O que dirão cá os nossos incrédulos de orelha, e ímpios de curiosidade? Que saída

197
O Sete de Abril, nº 346, 21/05/1836.
198
Ibidem, nº 346, 21/05/1836.
199
Ibidem, nº 346, 21/05/1836. (Grifos do autor).
200
Ibidem, nº 346, 21/05/1836.
201
De acordo com Lopes Gama, “à exceção dos mendigos, velhos decrépitos e meninos, quase tudo o mais deve
ser Guarda Nacional”. A solução passava por restabelecer “o Regulamento de 20 de Dezembro de 1808, que é
ótimo; deixemo-nos de novidades impraticáveis, e que só servem de nos tornar ridículos.” Ver: O Sete de Abril, nº
346, 21/05/1836.
202
O Sete de Abril, nº 630, 05/11/1838.
203
Ibidem, nº 630, 05/11/1838.
229

darão a tais fatos certos Doutores formados em Barão d’Holbac, em Helvécio, em Voltaire, em
Boulanger, no Citador e no Compadre Matheus?”204 O “espantoso acontecimento” poderia
avivar os “ânimos de certos franchicotes, que guardam, como uma relíquia, ou um Oráculo o
infame livrinho falsamente atribuído ao mesmo Talleyrand e intitulado – CARTA ESCRITA A
PIO VII.”205
A angustiante narrativa enveredava pela senda de uma análise sobre os “filosofantes”,
cuja vida era “pela mor parte a crônica dos mais vergonhosos vícios”.206 De acordo com o artigo
do Carapuceiro, os “sofistas” e “soberbos sacerdotes da Deusa Razão” padeciam, “combatidos
de remorsos à hora da morte, assustados com os terríveis pensamentos, que lhe lidavam na
alma, retrataram-se, converteram-se felizmente, ou exalaram o último suspiro nas angústias da
desesperação.”207 Dentre os arrependidos, encontrava-se “Boulanger, um dos mais rancorosos
inimigos do Cristianismo”.208 Na classe dos desesperados, “o misantropo Rousseau (...) que
depois de sustentar que o homem para ser feliz devia separar-se da sociedade (...) e pôr-se de
quatro pés pelos bosques à maneira dos ursos; terminou os seus dias pelo suicídio, último delírio
do espírito humano!”209 Fruto dos delírios de indivíduos afastados da religião, a produção
ilustrada do século XVIII teria sido um catalizador para os acontecimentos desencadeados em
1789: “Nas obras dos ímpios do Século passado foram beber as máximas mais horrorosas e
detestáveis os monstros, que alagaram de sangue, e de nunca vistos crimes o solo da França.”210
Cumprindo diferentes desígnios, ilustrados e jacobinos irmanavam-se em uma obra nefasta:

Se deixassem obrar Robespierre, que apenas tinha feito cair perto de 100.000 cabeças
sob o machado nacional; se lhe permitissem descarregar o grande golpe, o golpe
republicano, só existiriam em França sans culotes, a Pátria seria salva e a Terra Livre!
Talvez que os Srs. filosofantes chamem a tudo isso calúnia, e adulteração das suas
doutrinas, visto que eles nunca pregaram às escancaras a matança e o roubo, como
Babeuf, Marat e outros malvados seus discípulos: (...) porque os filosofantes eram muito
mais ladinos e moquencos, do que esses demônios encarnados.211

204
O Sete de Abril, nº 630, 05/11/1838.
205
Ibidem, nº 630, 05/11/1838.
206
Ibidem, nº 630, 05/11/1838.
207
Ibidem, nº 630, 05/11/1838.
208
Nicolas-Antoine Boulanger (1722-1759) nasceu em Paris. Filho de livreiro, Boulanger foi autodidata em
matemática arquitetura e línguas antigas, destacando-se como filósofo, engenheiro, cartógrafo e crítico ferrenho
da Bíblia. Desenvolveu obras de engenharia, compêndios, monografias e tratados, além de contribuir para a
Enciclopédia, de Diderot e d’Alembert. Ver: SADRIN, Paul. "Boulanger, Nicolas-Antoine." In: KORS, A. C.
(Ed.). Encyclopedia of the Enlightenment (Vol. I). Oxford: Oxford University Press, 2003, pp. 169-171; O Sete de
Abril, nº 630, 05/11/1838.
209
O Sete de Abril, nº 630, 05/11/1838.
210
Ibidem, nº 630, 05/11/1838.
211
O Sete de Abril, nº 630, 05/11/1838. (Grifos do autor).
230

Se os artífices do Terror jacobino banharam em sangue a França, os grandes culpados


foram Voltaire, Rousseau e outros pregadores de uma razão supostamente absoluta e
inquestionável: “por que meio a razão de um valerá mais, do que a razão de outro (...)?”212 O
resultado dessa inabalável fé na razão foi a desordem e a perda das referências morais no seio
da coletividade: “E neste caso ficarão os homens isentos de todo o freio, exceto daquele que
cada um se quiser por a si mesmo, o que necessariamente produzirá uma excelente ordem civil
e social, como se viu na Revolução Francesa?”213 A famosa fórmula de Diderot214 sintetizava a
degradação da ordem erigida sob os auspícios do Ancien Régime, uma piada de mal gosto que
custara a vida de inocentes: “A isto respondem alguns, que Diderot dizia estes disparates por
gracejo. Belo gracejo que fez assassinar tantos Bispos venerandos, tantos Curas respeitáveis,
tantos Sacerdotes de luzes e virtudes!”215 Tais arroubos de extermínio foram o motivo da
derrocada dos Ilustrados, pois, “Abriram a cova e nela se precipitaram”. Por fim, a explanação
parecia ser apenas um triste exemplo de um século cujos valores deveriam ser exorcizados,
afinal, se houve intolerância e perseguição, elas não partiram da pena do padre Lopes Gama:
“Não se infira daí que sou intolerante e que me agrada a perseguição. Bem longe disto nunca
aprovarei, que seja alguém incomodado por suas opiniões, quer políticas, quer religiosas, uma
vez que não busque fazer prosélitos e perturbar o público sossego.”216
Além da crítica aos ilustrados setecentistas, o Sete d’Abril reproduziria do Carapuceiro
a defesa das ordens regulares, no artigo “O resultado, da irreligião, e do grande princípio do –
venha a nós”.217 Destacava-se o silêncio dos filósofos diante dos crimes dos homens comuns
e o julgamento “pela mais pequena falta de um Padre, ou de um Frade.”218 Quando referiam-se
aos desvios dos religiosos, os ilustrados “que tinham tanta Religiosidade, quanta pode ter um
cachorro, (...) tornavam-se uns santinhos (...) e declamavam tão apostolicamente contra os
vícios dos Padres, e Frades, que cada um parecia um S. Francisco de Sales, um S. Vicente de
Paula, um S. Antônio”.219 Ao mesmo tempo em que as ordens religiosas eram perseguidas,
surgia um sem número de sociabilidades “profanas”: “Há Sociedades Teatrais, Sociedades
Apolíneas, Sociedades Terpsícores, não tardará, que tenhamos Sociedades Cupidinas,

212
O Sete de Abril, , nº 630, 05/11/1838.
213
Ibidem, nº 630, 05/11/1838. (Grifos do autor).
214
Et des boyaux du dernier prêtre/ Serrons le cou du dernier roi - Com as tripas do último padre/Enforquemos o
último rei. Ver: O Sete de Abril, nº 630, 05/11/1838.
215
O Sete de Abril, nº 630, 05/11/1838.
216
Ibidem, nº 630, 05/11/1838.
217
Ibidem, nº 706, 05/03/1839 (Grifos do autor).
218
Ibidem, nº 706, 05/03/1839.
219
Ibidem, nº 706, 05/03/1839.
231

Sociedades de Pafos, de Gnido e de Amatunta, Sociedade de Caco já as temos”. 220 Mais uma
vez, as forças da religião surgiam na condição de vítimas da intolerância: “Ninguém se importa
com a aplicação que tais Sociedades fazem de seus fundos (...) mas as Sociedades Religiosas
(...) Não devem existir”.221
No entender do Carapuceiro, o resultado dos desígnios racionais propagados pelos
filósofos da Ilustração lembrava algo próximo ao quadro A liberdade guiando o povo, de
Eugène Delacroix (1798-1863): “Fora com essas frioleiras; venha o puro e Santo Culto da
Natureza, venha a Deusa Razão que, será representada por uma linda e guapa Mocetona sem
outros vestidos, e adornos mais, do que aqueles com que nasceu.”222 À moral católica estava
oposta a lascívia revolucionária, da qual derivaria a campanha contra o clero regular: “O
filosofismo e o venha a nós bradaram que o único remédio a tão graves males era a supressão
das Ordens Religiosas; e todos os seus bens aplicados em proveito do Fisco.” 223 Exemplo da
tragédia gestada pelo “filosofismo” era Portugal, onde “D. Pedro (Deus lhe perdoe) deu ouvido
a essas Remoras empolgadoras, com quatro penadas destruiu a obra de quatro séculos!”224 O
destino incerto dos bens das ordens seria a fortuna daqueles que triunfaram sob d. Pedro IV:
“Que é feito de tanto cabedal, que possuíam as Corporações Regulares? Que é feito da imensa
prata e ouro de seus Templos? Não se sabe: tudo se sumiu ou consumiu. Perguntem sobre este
capítulo a certos heróis, que tem-se escamugido para Londres”.225
Os reforços à campanha regressista do Sete d’Abril não se restringiram à província de
Pernambuco, reduto de uma bancada parlamentar que contava com o futuro regente Araújo
Lima (1793-1870)226 e financiava o Atlante, periódico da falange regressista editado por
Justiniano José da Rocha.227 De importância para Regresso conservador foi também o
Paraibuna, de Barbacena, Minas Gerais, perfilado à defesa de um catolicismo romano e

220
O Sete de Abril, nº 706, 05/03/1839.
221
Ibidem, nº 706, 5/03/1839.
222
Ibidem, nº 706, 5/03/1839.
223
Ibidem, nº 706, 5/03/1839 (Grifos do autor).
224
Ibidem, nº 706, 5/03/1839.
225
Ibidem, nº 706, 5/03/1839 (Grifos do autor).
226
Pedro de Araújo Lima, marquês de Olinda, filho de Manoel Araújo Lima e de dona Anna Teixeira Cavalcanti,
nasceu em Pernambuco a 22 de dezembro de 1793. Doutor em cânones pela Universidade de Coimbra, foi senador,
conselheiro de Estado, ministro por oito vezes, além de sócio fundador do IHGB. Ver: BLAKE, Augusto Victorino
Alves Sacramento. Op. cit. (Vol. 7), pp. 16-17.
227
A bancada de Pernambuco à Assembleia Geral na terceira legislatura (1834-1837) formou um importante
núcleo regressista e contava com nomes proeminentes, a exemplo do regente Araújo Lima, do candidato à regência
Holanda Cavalcanti e Sebastião do Rego Barros (1803-1863). Ver: LIMA OLIVEIRA, G. A. de. Op. cit., pp. 30 e
segs.
232

ortodoxo.228 Do Paraibuna, cuja epígrafe era um discurso de Bernardo Pereira de


Vasconcelos,229 o Sete d’Abril ecoaria suspiros de alívio: “desta vez ficou salva a Religião de
Jesus Cristo das ímpias mãos que a pretendiam destruir”.230 A deletéria agenda que ameaçava
a religião católica encontrava resistência na ação das autoridades religiosas na Câmara:
“Discursos de muita erudição e eloquência foram recitados contra a Fala do Trono, sendo os
mais notáveis os do Rvm. E Exm. Sr. Arcebispo da Bahia e do Sr. Padre Monte, Deputado por
Pernambuco.” 231 Por fim, um dos principais pontos da agenda reformista de Feijó parecia sofrer
uma derrota: “Estão algum tanto tranquilizados os espíritos, que já receavam ver neste ano a lei
fatal para a abolição do Celibato e Casamento dos Padres!!”232
Outra análise do Paraibuna no Sete, intitulada “Disparate Feijoíno”, fundamentava-se
em “um folheto composto pelo Visconde de Cairu”, no qual havia “um projeto de lei, fabricado
por uma Comissão Eclesiástica, composta dos EE. RR. SS. Bispos Eleito Diogo Antônio Feijó
e Antônio Maria Moura, e do Vigário hoje Senador José Bento Leite Ferreira de Melo”.233 Após
a evidente guinada regressista do Sete d’Abril, os escritos do falecido visconde de Cairu, antes
atacado por suas posições “papistas”, passariam a ser substrato para a crítica ao governo do
padre de Itu.234 A referida proposta relacionava-se à reestruturação da administração financeira
da Igreja no Brasil, impondo uma contribuição obrigatória aos católicos a partir dos sete anos
de idade, além de cobrar por “qualquer ato de religião” e proibir “esmola” aos sacerdotes que
presidissem celebrações religiosas.235 A mudança pretendida pelos regalistas buscava alterar as
disposições tridentinas e impunha uma obrigatoriedade que era repudiada: “Deverei inculcar a

228
O Paraibuna começou a circular em 1836 e, após interromper suas publicações, passou a ser reeditado a partir
de 1837. Seu redator era o padre Justiniano da Cunha Pereira. PAULA, Alexandre Marciano. Op. cit., pp. 58-61 e
92.
229
PAULA, Alexandre Marciano de. Op. cit., p. 59.
230
O Sete de Abril, nº 358, 02/07/1836.
231
Manoel do Monte Rodrigues de Araújo (1798-1863) nasceu em Pernambuco e foi um dos primeiros
matriculados na Faculdade de Direito de Olinda, lecionando teologia no Seminário Episcopal da referida cidade.
Manoel do Monte foi prelado assistente do Sólio Pontifício, capelão-mor e membro do Conselho de Estado, além
de integrar os quadros do IHGB e de várias associações científicas nacionais e estrangeiras. Deputado à Assembleia
Geral por Pernambuco na terceira legislatura e pelo Rio de Janeiro na sexta legislatura. Em 1839, tornou-se bispo
do Rio de Janeiro, no lugar do regalista Antônio Maria Moura. Em 1841, Manoel do Monte polemizou com
Romualdo Antônio de Seixas, afirmando que a prerrogativa de presidir a cerimônia de sagração de d. Pedro II era
do bispo capelão-mor e não do arcebispo primaz. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit.
(Vol. VI), pp. 164-167; O Sete de Abril, nº 358, 02/07/1836.
232
O Sete de Abril, nº 358, 02/07/1836. (Grifos do autor).
233
Ibidem, nº 469, 26/07/1837. (Grifos do autor).
234
Referências elogiosas a Cairu também surgiram na publicação do decreto que garantia a pensão para suas filhas
em abril de 1838, quando Vasconcelos já compunha o Ministério regressista. Em novembro, um comunicado do
Diário de Pernambuco tecia exaltações a José Bonifácio e ao “imortal luzeiro do Brasil, o Exm. Sr. Visconde de
Cairu, esse Gênio universal, esse sábio, reconhecido como tal, de quem o Brasil se ufana”. Ver: O Sete de Abril,
nº 578, 04/07/1838; nº 638, 23/11/1838.
235
O Sete de Abril, nº 469, 26/07/1837.
233

meus filhos que, para ser Católico, é necessário pagar tributo? que, se houver de promover
qualquer ato de Religião, é necessário pagar uma multa? &c. &c.”236
As preocupações relativas às conjunturas provinciais chegaram ao Sete d’Abril também
pelo discurso de abertura dos trabalhos da Assembleia Provincial do Pará, proferido pelo
presidente da província, Francisco José de Sousa Soares de Andréa (1781-1858).237 Na seção
sobre “Culto Divino e Estabelecimentos Eclesiásticos”, o barão de Caçapava lembrava:
“precisam, por conseguinte, todas as Sociedades de uma crença e de uma Religião. É, pois, da
obrigação de todo o Governo conservar uma Religião, proteger seus Sacerdotes e pagar todas
as despesas do culto.”238 Na terra natal de Romualdo Seixas, tomada pela violenta Cabanagem,
todos os templos necessitavam de “concertos [sic] mais ou menos consideráveis”, o que poderia
“obter-se pelo trabalho devoto de moradores respectivos”.239 Além da reconstrução física dos
templos, cumpria restabelecer os recursos humanos do Seminário Episcopal e dos “dois
Conventos; um da Ordem dos Carmelitas calçados, e outro dos Franciscanos descalços da
Província de Santo Antônio.”240 Para tanto, a sugestão passava por aproveitar os serviços de
regulares portugueses, pois:

A Pátria dos Sábios e a dos homens de reconhecida virtude é uma só; e eu julgo que,
sem ofendermos a suscetibilidade de pessoa alguma, poderíamos aceitar para estes dois
Conventos alguns Religiosos de reconhecido merecimento das extintas Ordens de
Portugal, que hoje definham em um total abandono.241

O fortalecimento dos quadros das ordens regulares no Pará contribuiria para aplacar as
“desgraças porque passou esta Província”, na medida em que “muitos Sacerdotes foram
envolvidos entre os seus autores por um modo que lhes não faz honra: o que para o Povo rude
tem o efeito de desacreditar a Religião.”242 De fato, houve a participação de sacerdotes na
Cabanagem, com destaque para o jornalista e advogado cônego João Batista Gonçalves Campos
(1782-1834), precursor do movimento e ativista da Independência em 1822, ao lado do

236
O Sete de Abril, nº 469, 26/07/1837.
237
Francisco José de Sousa Soares de Andréa, barão de Caçapava, nasceu em Lisboa e formou-se engenheiro
militar na Real Academia da Marinha, transferindo-se para o Brasil com a Corte em 1808. Trabalhou em cargos
da burocracia militar e em várias campanhas, incluindo o combate aos revolucionários de 1817, em Pernambuco.
Foi presidente das províncias do Pará, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais e Bahia, além de deputado
à Assembleia Geral pelo Pará e pelo Rio de Janeiro. Ver: BLAKE, Augusto Victorino Alves Sacramento. Op. cit.
(Vol. 3), pp. 16-17.
238
O Sete de Abril, nº 576, 02/03/1838.
239
Ibidem, nº 576, 02/03/1838.
240
Ibidem, nº 576, 02/03/1838.
241
Ibidem, nº 576, 02/03/1838.
242
Ibidem, nº 576, 02/03/1838.
234

coimbrão Felipe Patroni (1798-1866).243 O apaziguamento e restabelecimento da ordem social


e política era um trabalho que demandava a reconstrução física e moral do catolicismo,
reerguendo os templos e, não menos importante, apagando a memória dos clérigos
revolucionários a partir do recurso às corporações regulares e sua disciplina. À época, tomou
iniciativa semelhante a Assembleia Provincial do Maranhão, ao adotar “uma lei permitindo a
entrada de Noviços Brasileiros nos Conventos da Província.”244
Com efeito, ao longo da inflexão regressista, o Sete d’Abril abandonou o projeto
regalista dos liberais moderados e abraçou uma agenda do catolicismo ortodoxo e romanizado,
silenciando Feijó e dando voz a Romualdo Seixas, de quem Vasconcelos havia se aproximado.
Da oposição às ordens religiosas, à obrigatoriedade do celibato e às intolerâncias espirituais,
passou-se ao clamor pelo fortalecimento dos regulares, pela “medida salutar”245 do celibato
eclesiástico e por uma tolerância religiosa “sancionada tanto quanto a pode sancionar uma
Nação que tem Religião declarada do Estado. Todas as Religiões são permitidas no Império.”246
As inspirações intelectuais, filosóficas e teológicas evocadas também sofreram mutações,
mitigando-se o Reformismo Ilustrado de teor regalista. Nesse sentido, o Sete reproduzia a carta
pastoral em que d. Romualdo saudava seus diocesanos pelo fim da Sabinada, revolta fomentada
a partir do intuito de “aniquilar a Monarquia no Brasil”, baseada na “tática ordinária de quebrar
o freio saudável de uma Religião, incapaz de transigir com a rebelião e anarquia”. 247 A revolta

243
Batista Campos esteve ligado às lutas pela Independência na porção norte do território brasileiro, a exemplo de
Felipe Patroni, deputado às Cortes de Lisboa e fundador do primeiro periódico do Pará, O Paraense. O referido
cônego foi perseguido pelos poderes instituídos durante a Independência e também durante a Cabanagem e, à sua
morte, em dezembro de 1834, seguiu-se o conflito do qual foi um dos precursores ao engajar-se nas demandas da
base da pirâmide social. Ver: REIS, Arthur Cezar Ferreira. A incorporação da Amazônia ao Império. RIHGB. Rio
de Janeiro, V. 193, p. 110-127, out./dez. 1946; RICCI, Magda. Cabanagem, cidadania e identidade
revolucionária... Op. cit., p. 11; SOUZA, Márcio. Afinal, quem é mais moderno neste país? ESTUDOS
AVANÇADOS 19 (53), 2005, pp. 87-96
244
Segundo o Sete, a iniciativa não foi levada adiante pela obstrução da oposição, nomeadamente do deputado
Antônio de Aguiar e Silva, que “propusera a abolição do Celibato Clerical” e, sobre a questão dos regulares,
utilizou-se “longas citações” do liberal Inocêncio Antônio de Miranda (1758-1836), o “Abade de Medrões! é o seu
teólogo!”. Ver: O Sete de Abril, nº 639, 26/11/1838.
245
O Sete de Abril, nº 639, 26/11/1838.
246
O artigo era reproduzido do periódico O Brasil que, sob a responsabilidade de Justiniano José da Rocha, tornou-
se o maior sustentáculo do partido Conservador na opinião pública. Cumpre ressaltar que a defesa de uma religião
de Estado, da qual sua adesão era pressuposto para o exercício dos direitos de elegibilidade, era feita também pelos
regalistas do núcleo moderado, inclusive na já referida Constituição de Pouso Alegre. Por outro lado,
diferentemente de Romualdo, Cairu, padre Perereca e Vasconcelos, a ênfase na tolerância religiosa foi recorrente
na voz de Feijó e seus correligionários, tanto em seus aspectos sociais e morais quanto nas suas implicações
jurídico-políticas e institucionais. Ver: Ver: Constituição Política do Império do Brasil (25 de março de 1824).
Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm; HOMEM DE MELO, F. I.
M. O golpe de Estado de 30 de julho de 1832... Op. cit., pp. 15 e 30; O Sete de Abril, nº 685, 08/02/1839.
247
A Sabinada foi deflagrada em 1837, quando rebeldes, diversos em sua orientação política e liderados por
Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira e João Carneiro da Silva, tomaram a Câmara Municipal de Salvador,
declarando a independência da província com relação ao Império brasileiro. Ver: SILVA, Daniel Afonso da.
Sabinadas. Estud. av., São Paulo , v. 22, n. 63, p. 319-322, 2008. Disponível em:
235

afrontava uma salutar rigidez disciplinar decorrente do freio moral religioso. Tal noção, baseada
na religião como elemento inibidor de transgressões valorativas, típica das Antigo Regime e
mesmo de correntes ilustradas, era justificada pela “eloquente obra do Conde de Maistre,
intitulada Do Papa”.248 Da corte às províncias, no bojo de uma dinâmica política e intelectual
transcontinental, urgia conter os sentimentos revolucionários que buscavam “descatolizar” e
“democratizar” a sociedade.249

5.3 Origens do ultramontanismo

Na Europa oitocentista, segundo Arno Mayer, as forças sociais, econômicas, políticas e


culturais do Antigo Regime, organizadas fundamentalmente sob o signo do poder fundiário,
sobreviveram à derrocada do regime jurídico feudal e adaptaram-se à conjuntura pós-
revolucionária a partir da assimilação seletiva do liberalismo constitucional herdeiro da
Ilustração: “as velhas elites primaram por ingerir, adaptar e assimilar, de maneira seletiva, novas
ideias e práticas, sem ameaçar seriamente seu status, temperamento e perspectiva
tradicionais.”250 Diante da versatilidade das forças remanescentes do Antigo Regime, por vezes,
“os grands burgeois se negaram a si mesmos, ao imitarem e se apropriarem dos modos da
nobreza, na esperança de ascender a ela.”251 Desse modo, a despeito das mudanças decorrentes
da progressiva industrialização da economia europeia a partir de, pelo menos, meados do século
XVIII, entre 1848 e 1914, a nobiliarquia monárquica e fundiária prevaleceu sobre a república e
o capitalismo financeiro.252
Em que pese a polissemia das noções de feudalismo, industrialização e burguesia,
sobretudo sua imprecisão para uma análise mais acurada do Brasil Império, houve no mundo
luso-brasileiro uma rearticulação específica de forças que se legitimaram sob os signos
repaginados do Antigo Regime. As dificuldades e agendas dos grupos contrarrevolucionários
tornar-se-iam cada vez mais latentes a partir da Revolução Francesa e do processo de
“interiorização da metrópole”.253 Entre guerras e revoltas, desenvolveu-se a reconfiguração do

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142008000200024&lng=en&nrm=iso. Acesso
em 12/04/2018; O Sete de Abril, nº 555, 26/11/1838.
248
O Sete de Abril, nº 555, 26/11/1838.
249
Ibidem, nº 555, 26/11/1838. (Grifos do autor).
250
MAYER, Arno J. A força da tradição: a persistência do Antigo Regime (1848-1914). São Paulo: Companhia
das Letras, 1987, p. 23. (Grifos do autor).
251
Ibidem, p. 23.
252
MAYER, Arno J. Op. Cit., p. 136.
253
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A intreriorização da Metrópole. In: DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A
interiorização da metrópole e outros ensaios. São Paulo: Alameda, 2005, pp. 7-39.
236

aparato político-jurídico e institucional próprio ao período colonial no âmbito de um Império


luso-brasileiro. Assim, o liberalismo constitucional que lastreou o contrato coletivo do Estado
nacional brasileiro, a partir do processo de Independência, incorporou ideias e práticas do
Reformismo Ilustrado português e daquela sociedade de corte.254 Entre o peso das demandas
revolucionárias e as ofensivas contrarrevolucionárias, equilibravam-se grupos e atores políticos
detentores de distintos repertórios intelectuais e filosóficos.
Imerso nessa conjuntura euroamericana, o movimento do Regresso conservador foi
impulsionado pelos próceres de uma economia mercantil escravista cuja dinâmica assentava-se
sobre os domínios do Império português e, depois, luso-brasileiro.255 Ao lado dos grandes
comerciantes que se aristocratizavam, destacavam-se a elite coimbrã e o clero romanizado de
inspiração tridentina, compondo uma influência política na dinâmica da esfera pública, bem
como nos espaços institucionais.256 Os porta-vozes do Regresso, em seu afã
contrarrevolucionário e conservador, em consonância com um catolicismo romanizado,
evidenciaram também a apropriação seletiva das Luzes, ao empreenderem a assimilação e a
formulação própria do liberalismo constitucional na dinâmica de uma esfera pública de
fronteiras transcontinentais.
Nesse sentido, Vasconcelos e Romualdo frequentaram, respectivamente, a Universidade
de Coimbra e a Congregação do Oratório, travando contato com celeiros da Ilustração luso-
brasileira e do regalismo pombalino, em uma formação intelectual localizada entre matrizes
teológicas, políticas e filosóficas de inspiração escolástica e estrangeirada. 257 Ambos
reconheceram tensões, com relação às agendas identificadas ao próprio Regresso, em oposição
a Feijó e seus correligionários, muitos dos quais antigos aliados de Bernardo Pereira de
Vasconcelos.258 Um dos pontos de tensão dizia respeito à instituição escravista, tendo

254
VILLALTA, Luiz Carlos. A Universidade de Coimbra sob o reformismo ilustrado português. In: FONSECA,
Thaís Nívia de Lima e. As reformas pombalinas no Brasil. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2015, p. 158;
VILLALTA, Luiz Carlos. O Brasil e a crise do Antigo Regime português (1788-1822). Op. cit., pp.11-95; COSTA,
Emília Viotti da. Introdução ao estudo da emancipação política do Brasil. In: Op. cit., pp. 64-125.
255
FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e
elite mercantil em uma economia colonial tardia. Rio de Janeiro (1790-1840). Rio de Janeiro: Diadorim, 1993, pp.
107.
256
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem... Op. cit., pp. 63-117; MOREL, Marco. As
transformações dos espaços públicos... Op. cit., pp. 145-147; MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op. cit., pp. pp. 142 e
segs.
257
DOMINGUES, Ivan. Op. cit., pp. 40 e segs.
258
Vasconcelos tornou-se exemplar quanto à composição de uma perspectiva política contrarrevolucionária e
conservadora, porém não infensa às liberdades constitucionais. Pelo contrário, o Regresso, alardeado pelo próprio
mentor do Sete d’Abril, compôs uma visão específica do liberalismo constitucional. As liberdades fundamentais
estabelecidas no contexto pós-revolucionário não eram suprimidas, mas garantidas na dinâmica de uma monarquia
constitucional que deveria sopesar seu cariz sacralizado e terminar arroubos revolucionários, por vezes, gestados
no interior do próprio clero regalista e liberal. Tal postura, no entanto, não excluía o recurso a referências
237

Vasconcelos e Romualdo revelado posturas flutuantes sobre o tema. 259 Mesmo depois da
guinada regressista, o Sete d’Abril evocava o despotismo ilustrado espanhol, em uma
transcrição de obra escrita por Charles Didier (1805-1864),260 para dar o panorama de “uma
perseguição sacerdotal, cuja vítima foi o Conde de Olavide.”261 Ao longo de suas publicações,
o periódico fluminense também apropriou-se de Guizot,262 Stael,263 Constant264 e, pela voz do
arcebispo primaz, Chateaubriand.265 Distanciava-se da “monarquia federativa” defendida pela

compartilhadas na dinâmica do mundo euroamericano, por mais que apropriadas de modos diversos, e o
reconhecimento de alguns pontos do legado liberal das Tropas da moderação, materializado no Ato de 1834. No
que se referia à composição do movimento regressista, revelavam-se também cisões internas. Bernardo Pereira de
Vasconcelos, de relações pouco amistosas com Honório Hermeto, demitiu-se do gabinete regressista em 1839 e
também mostrou indisposições com relação à “trindade Saquarema”. Ver: DOLHNIKOFF, Miriam. Op. cit., pp.
pp. 125 e segs; LENAHRO, Alcir. Op. cit., pp. 91-109; SALLES, Ricardo. Segunda escravidão, liberalismo de
classe e matriz política imperial, 1815-1860. In: SALLES, Ricardo (Org.). Ensaios gramscianos... Op. cit., pp. 15-
76; SILVA, Wlamir. A valentia da dialética: Bernardo Pereira de Vasconcelos, o senso comum, a classe
conservadora e a cabeça de medusa. In: Op. cit., pp. 83-156.
259
Em 1827, na ocasião em que analisaria o tratado pela extinção do tráfico firmado entre Brasil e Grã-Bretanha,
Romualdo Seixas destacou os males do tráfico e da escravidão, mostrando-se a favor do acordo na Comissão de
Diplomacia e Estatística da Câmara. Já em pastoral de 1835, afirmou a “dura sorte” destinada aos escravizados
por obra divina. Em outra oportunidade, quando segmentos da Igreja na Bahia repudiaram a ascendência de um
vigário colado, o arcebispo saiu em defesa do clérigo. A respeito de Bernardo Pereira de Vasconcelos, em que
pese o recrudescimento da defesa do tráfico e da escravidão na conjuntura do Regresso, houve também diferentes
posturas com relação ao tema. Ver: SANTOS, Israel Silva dos. Op. cit., pp. 119-130; SILVA, Wlamir. A valentia
da dialética... In: Op. cit., pp. 96-98.
260
Charles Didier nasceu em Genebra, onde travou contato com o estudo dos clássicos ocidentais. De espírito
cosmopolita, tendo viajado pela Europa, Didier compôs a cena poética e literária do romantismo parisiense
oitocentista e teve em Victor Hugo (1802-1885) uma de suas referências principais. Dentre suas contribuições
mais afamadas, figuraram escritos na famosa Revue des deux mondes. Ver: SELLARDS, John A. The Journals of
Fontaney and of Didier. PMLA, Vol. 51, No. 4 (Dec., 1936), pp. 1114-1122. Disponível em:
http://www.jstor.org/stable/458087. Acesso em 12/04/2018.
261
Pablo de Olavide (1725-1803) nasceu em Lima e fez carreira nos quadros burocráticos do Império espanhol.
Após se indispor com os Jesuítas do Peru, Olavide “foi chamado em Madrid para se justificar”. O processo resultou
em prisão e ruína financeira, mas não o impediu de uma nova inserção na dinâmica político-administrativa europeia
e na Corte de Madrid. Na Europa, Olavide travou contato com Rousseau e Voltaire, compartilhando com este uma
perspectiva pedagógica seletiva. De acordo com o Sete, Pablo de Olavide foi vítima de “rancores eclesiásticos”
que, dentre outras questões, censuraram sua tolerância com relação aos protestantes. O processo aberto no tribunal
da Inquisição teria ocorrido por denúncia de um capuchinho, sendo a biblioteca do réu, na qual se encontravam os
enciclopedistas e outros ilustrados, um dos motivos para fundamentar a acusação de “herege”. Ao relatar a história
de Olavide, o Sete evocava até mesmo certo cariz mitigado das Luzes ibéricas, salientando “que faltou muito para
que essas primeiras campanhas do espírito filosófico além dos Pirineus fossem todas felizes”. Ver: VILLALTA,
Luiz Carlos; MORAIS, Christianni Cardoso; MARTINS, João Paulo. As reformas ilustradas e a instrução no
mundo luso-brasileiro. In: Op. cit., pp. 39; O Sete de Abril, nº 666, 15/01/1839.
262
O Sete de Abril, nº 55,06/07/1833; nº 353, 15/06/1836; nº 361, 13/07/1836; nº 473, 09/08/1837.
263
Ibidem, nº 325, 05/03/1836; nº 465, 12/07/1837; nº 523, 07/02/1838; nº 588, 27/07/1988; nº 598, 22/08/1838;
nº 617, 05/10/1838.
264
O Sete de Abril, nº 63, 03/08/1833; nº 150, 07/06/1834; nº 338, 16/04/1836; nº 429, 08/03/1837; nº 453,
31/05/1837; nº 455, 07/06/1837; nº 542, 04/04/1838; nº 653, 31/12/1838; nº 655, 03/01/1839; nº 704, 02/03/1839.
265
Dentre os referidos autores, evocados nas páginas do Sete d’Abril, Romualdo Seixas também se utilizou de
Guizot, em um discurso no qual reprovava a perspectiva pedagógica do Emílio, de Rousseau, e exaltava o
catolicismo romano, “fonte salutífera” da “moral conservadora”. Ver: SEIXAS, Romualdo Antônio de. Discurso
Recitado no ato de tomar Posse do Cargo de Provedor da Casa Pia dos Órfãos da Cidade da Bahia, no ano de 1831
In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. Cit., p. 84. O Sete de Abril, nº 352, 11/06/1836; nº 555, 26/11/1838.
238

moderação, mas exaltava a figura de Thomas Jefferson, autor caro ao liberal moderado Teófilo
Otoni.266
A ressignificação de algumas referências liberais, empreendida por Vasconcelos e
Romualdo, compunha-se em um corpus multifacetado que enfatizava o despotismo ilustrado, a
matriz liberal francesa, vestígios do federalismo estadunidense e o “Espírito conciliador,
pacificador e conservador” de “Edmund Burke, que tanto concorreu com seus discursos e
escritos a salvar seu país de cair no caos da revolução francesa.”267 Mesmo em meio à
heterogeneidade da composição social, política e intelectual de seus artífices, o movimento
regressista buscou amplos consensos, buscando uma “unificação da elite” sob a convergência
de agrupamentos políticos dos eixos centro-sul e norte-nordeste.268 A articulação regressista
envolveu também os conventos e o clamor pela ação das ordens regulares em um momento de
combate à situação caótica que tomava conta de algumas porções do território.269 Sem negar a
importância dos avanços liberais, esconjuravam-se as revoluções pela retomada dos valores
mais ortodoxos de um catolicismo romanizado, que, nos dizeres de Kátia Mattoso, resultaria
em “uma imagem mais sacralizada do clero, sem deixar de exortá-lo a permanecer atento aos
debates políticos.”270
Com efeito, ainda que porta-vozes do catolicismo tridentino não tenham apresentado
um projeto coeso de profundas mudanças estruturais, tal qual fizeram os regalistas, também
eram, a seu modo, reformadores.271 Alinhado ao Regresso conservador, d. Romualdo Seixas
representou o apelo a um catolicismo marcado pela ortodoxia disciplinar e espiritual. O

266
SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., pp. 115-117; O Sete de Abril, nº 325, 05/03/1836; 398, 06/11/1836;
nº 677; SILVA, Wlamir. Liberais e povo… Op. cit., pp. 115-117.
267
O artigo saiu na ocasião das eleições para regente e defendeu a eleição de Feijó. Juntamente com Edmund
Burke, surgiam Benjamim Franklin e Montesquieu. Ver: SEIXAS, Romualdo Antônio de. Discurso recitado no
ato de tomar Posse do Cargo de Provedor da Casa Pia dos Órfãos da Cidade da Bahia, no ano de 1831. In: Op. cit.,
p. 89; SILVA, Wlamir. A valentia da dialética... In: Op. cit., p. 141; O Sete de Abril, nº 235, 07/04/1835. (Grifos
do autor).
268
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem... Op. cit., pp. 63-142; MATTOS, Ilmar Rohloff de. Op.
cit., pp. 142 e segs; SALLES, Ricardo. Segunda escravidão, liberalismo de classe e matriz política imperial, 1815-
1860. In: Op. cit., p. 33.
269
Ainda em 1828, a Aurora Fluminense publicava uma carta sobre a disputa por cargos no convento de Santo
Antônio, no Rio de Janeiro, o que envolvia “uma odiosa, e anticonstitucional alternativa de Brasileiros, e Europeus
para os cargos”. No texto, destacava-se a ação de certa “autoridade saída do centro da Representação Nacional, e
que só ao sistema liberal deve a consideração, e eminência, em que está, queira servir-se de arbitrariedades, para
alentar partidos de conventos”. A publicação ocorreu na mesma conjuntura dos atritos que opuseram Feijó a
Romualdo Seixas e d. Marcos Antônio, na Câmara dos Deputados. Com efeito, a demarcação de fronteiras entre
grupos que concebiam distintas dinâmicas estruturais político-eclesiásticas incluía as movimentações no interior
das próprias instituições de cariz monástico e regular. Ver: A Aurora Fluminense, nº 67, 14/07/1828.
270
A referida autora destacou os três pontos da “reforma” resumida em um “programa” que seria “tridentino em
sua essência”: “fazer do clero brasileiro um corpo instruído e sadio – o exercício de sua missão espiritual deveria
suplantar suas atividades políticas -, trabalhar pela instrução religiosa do povo através da catequese e assegurar a
independência da Igreja em relação ao poder temporal.” Ver: MATTOSO, Katia M. de Queiros. Op. cit., p. 314.
271
MATTOSO, Katia M. de Queiros. Op. cit., pp. 306-308 ; SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. Op. cit., p. 397.
239

conjunto desses valores contribuiria para a consolidação da modelagem simbólica e material da


monarquia, sobretudo no âmbito da referência moral do seu cidadão cristão. Seguindo a pista
fornecida por Michel de Certeau para o contexto francês: “A determinação daquilo que se
conhece, quando se é Católico ou Reformado, fornece à comunidade seu modo de identificação
e distinção. Os catecismos mudam, remodelados pela urgência dessas definições que
circunscrevem ao mesmo tempo os conteúdos intelectuais e os limites sócio-institucionais.”272
Nesse sentido, o “zelo pastoral” do arcebispo foi destacado por Gregório XVI, em uma carta de
1835, na qual também afirmava estar o prelado paraense “persuadido da deliberação e firmeza,
com que resistiremos às tentativas daqueles, que se deixam escandecer do espírito de
novidade.”273 Fazia sentido o destaque dado pelo Pontífice à rigidez disciplinar ventilada pelo
primaz, cujas pastorais dispunham sobre questões diversas, juntamente com os temas,
polêmicos e recorrentes, do celibato, do matrimônio, das ordens religiosas, dos perigos da
Revolução e das revoltas que se espalhavam pelo território brasileiro.
Nas epístolas que dirigia aos fiéis e à hierarquia eclesiástica, o arcebispo primaz do
Brasil condenou os costumes mais comuns do catolicismo popular, consolidados, ainda no
período colonial, na dinâmica do regalismo luso-brasileiro. D. Romualdo exigiu vestimentas
adequadas por parte dos sacerdotes, combatendo os “nomes gentílicos, fabulosos, ou ridículos”
e as celebrações sacramentais em “lugares propínquos à Igreja, e unicamente por comodidade,
ou ostentação, e delicadeza”.274 Nas sacristias, censurou “painéis e quadros não só profanos,
mas indecentes, e ofensivos da modéstia Cristã”, os quais evidenciavam uma “monstruosa e
inaudita mistura do sagrado com o profano, das imagens voluptuosas do Gentilismo com os
venerandos emblemas do Cristianismo”.275 Em 1839, às vésperas da retomada da diáspora
missionária e das manifestações devocionais exteriores e sensíveis pela Sé romana, a veneração
popular aos santos católicos era reprovada em uma portaria que proibia “a sacrílega, blasfema,
indecente e ridícula legenda, ou inscrição, S. Gonçalo das Moças”.276

272
CERTEAU, Michel de. Op. cit., p. 37.
273
GREGÓRIO XVI. Carta do papa: Ao venerável irmão Romualdo Antônio, arcebispo da Bahia no Brasil. In:
Op. cit., p. 1.
274
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral II: Acerca da residência dos Párocos; abusos na celebração do
sacrifício da Missa, e administração dos Sacramentos; Missa Paroquial; dispensas dos impedimentos matrimoniais;
e exortando os Párocos a cumprirem o dever de explicar o Evangelho. In: Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit.,
pp. 53-60.
275
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XIX: Reprovando, como abusivo e criminoso, o costume de ornarem
as Sacristias e Átrios dos Templos, nas grandes Solenidades, com pinturas profanas e indecentes. In: Coleção das
obras... (Tomo I). Op. cit., p. 226.
276
Gonçalo do Amarante, santo português, teve suas práticas devocionais ligadas à dança e à fertilidade. Segundo
a lenda, Gonçalo era um frade dominicano de Amarante, norte de Portugal. Quando jovem, o então marinheiro
entoava melodias em sua guitarra e farreava com as prostitutas do Porto, impedindo-as de praticar o ofício e
livrando-as do pecado, tendo realizado o parto de uma das mulheres. Nos registos hagiográficos diversos,
240

No que se referia à incipiente formação do clero, o arcebispo metropolitano ocupou-se


em estabelecer as conferências eclesiásticas, no intuito de “sacrificar as Nossas débeis forças
para darmos toda a extensão e latitude aos Estudos Teológicos, assim na parte Moral, como
Dogmática, precedidos daqueles ramos de Filosofia, e Literatura, que mais podem facilitar a
cultura destas, e outras Ciências”.277 Além das conferências eclesiásticas, d. Romualdo Seixas
logrou a reabertura do antigo Seminário de Ciências Eclesiásticas, convertendo-o em Seminário
Arquiepiscopal anunciado em carta pastoral de 1834.278 Em meio ao caótico quadro político
regencial, o mal estar de d. Romualdo com as práticas heterodoxas não se limitou aos costumes
do catolicismo popular e à precariedade da formação do clero, alcançando também a dinâmica
eleitoral do Império. No conturbado ano de 1840, marcado pelas afamadas “Eleições do
Cacete”, o arcebispo enviava uma representação ao imperador, afirmando que as igrejas
“converteram-se em arenas de gladiadores, ou campos de batalha”.279
As batalhas travadas por d. Romualdo Antônio de Seixas à frente do arcebispado
fortaleceram as hostes regressistas a partir do apelo à ortodoxia tridentina, sendo o primaz um
dos principais artífices de uma reforma empreendida sob a égide das prerrogativas romanas.
Tal perspectiva tinha em seu fundamento a oposição às tradições do catolicismo popular

sobretudo em Portugal, São Gonçalo tornou-se um santo casamenteiro. No Brasil, desde o século XVIII, os ritos
em homenagem ao santo, permeados por danças insinuantes e sensuais, foram perseguidos por autoridades
eclesiásticas das cidades e passaram a se concentrar nas zonas rurais. Ao que parece, além de contribuir para a
propagação da fé católica, a exteriorização do culto poderia facilitar a identificação das heterodoxias sincréticas,
tal qual a referência a “São Gonçalo das Moças”, reprovada por d. Romualdo. Essas manifestações eram comuns,
sobretudo, no interior do Brasil. Ver: BONFIM, Wellington de. Identidade, memória e narrativas na dança de
São Gonçalo do povoado Mussuca (SE). 2006. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, pp. 49-51; MATTOSO, Katia M.
de Queiros. Op. cit., pp. 296 e 394; SEIXAS, Romualdo Antônio de. Portaria VI: Contra o abuso de uma legenda
indecente, estampada em uns Registros de S. Gonçalo, e sobre a Festividade do mesmo Santo. In: Coleção das
obras... (Tomo I). Op. cit., p. 332.
277
As conferências eclesiásticas foram implementadas no século XVI, no bojo da Contrarreforma, por são Carlos
Borromeu, bispo de Milão. Tinham o intuito de aperfeiçoar a formação moral e teológica do clero diocesano. Em
1830, d. Romualdo Seixas iniciou as conferências na arquidiocese soteropolitana, dando ênfase à ampla
participação do clero e à uniformização das diferentes perspectivas teológicas e eclesiológicas. Ver: MATTOSO,
Katia M. de Queiros. Op. cit., pp. 349-350; SANTOS, Israel Silva dos. Op. cit., pp. 157-161; SEIXAS, Romualdo
Antônio de. Pastoral VIII: Sobre os Estudos do Clero, e estabelecimento das Conferências Eclesiásticas. In:
Coleção das obras... (Tomo I). Op. cit., pp. 123-124.
278
Os seminários, prescritos pelo Concílio de Trento, eram divididos entre eclesiásticos e episcopais, sendo estes
últimos ligados diretamente à autoridade do bispo. Na Bahia, o primeiro seminário funcionou entre 1569 e 1603,
com posteriores tentativas de recriação. Em 1815, na esteira da criação do famoso Seminário de Olinda, o arcebispo
Frei Francisco de São Dâmaso Abreu Vieira (1767-1816), antecessor de D. Romualdo Seixas, ergueu o Seminário
de Ciências Eclesiásticas, ou Seminário Maior. O referido seminário teve seu funcionamento prejudicado pela
longa vacância da mitra arquiepiscopal, entre 1816 e 1828, e pela Guerra de Independência que atingiu
singularmente a Bahia. Ver: MATTOSO, Katia M. de Queiros. Op. cit., pp. 350-355; SANTOS, Israel Silva dos.
Op. cit., pp. 145-157; SEIXAS, Romualdo Antônio de. Pastoral XVII: Anunciando ao seu Clero a abertura do
Seminário Arquiepiscopal. In: Coleção das obras... (Tomo V). Op. cit., p. 212.
279
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Representação a S. M. I. pedindo providências sobre as profanações
cometidas nos templos por ocasião das eleições populares. In: Coleção das obras... (Tomo V). Op. cit., pp. 123-
124.
241

gestado na colônia e era compartilhada por pessoas da lavra de d. Frei José da Santíssima
Trindade, d. Marcos Antônio de Sousa, padre Perereca, padre Lopes Gama, visconde de Cairu
e, de modo pragmático, Bernardo Pereira de Vasconcelos. Se os ímpetos liberais e regalistas
tensionariam a dinâmica sócio-política e jurídico-eclesiástica durante todo o Império, o núcleo
das reformas de inspiração secular intentadas por Feijó e seus correligionários fora abortado
diante do apelo romanizado, que ganhou espaço durante o Regresso conservador.
Adensavam-se os ventos ultramontanos e, em carta de 1842, o próprio Romualdo
Seixas, ao se defender de uma “calúnia”, reproduzida de Bogotá a Paris, afirmava ao redator
do periódico francês Univers que “de viva voz e por escrito, tenho sustentado os interesses da
religião católica apostólica romana”.280 Na sequência, a acusação de ultramontano, desferida
por seus opositores, tornava-se um artifício de defesa: “É por causa destes contínuos esforços,
quase sempre coroados de sucesso (...), que meus adversários me gratificam com o epíteto de
ultramontano, de advogado de opiniões que, dizem eles, não estão mais em voga, mesmo na
Itália.”281 Na fala do arcebispo, a despeito da desqualificação oposicionista, indícios de que já
se reconhecia no Ultramontanismo, além de uma referência enraizada no vocabulário político
euroamericano, a gênese de um movimento organizado contra as ressacas revolucionárias do
pós-1789. Para embasar sua justificativa, D. Romualdo Seixas daria um panorama da agenda
política, jurídica, teológica e eclesiástica defendida:

E tudo porque tenho defendido as santas instituições cristãs; porque tenho me oposto às
inovações que querem introduzir aos impedimentos matrimoniais; porque tenho
sustentado, com toda a energia que posso, o indubitável direito do Soberano Pontífice
no que se refere à confirmação dos bispos, e rejeitei a investidura sacrílega contra uma
atribuição semelhante, que pareciam querer me conferir; porque tomei a defesa das
corporações regulares e dos seus bens, e competi com todo meu poder para encontrar
uma via de admissão de noviços; enfim, porque não tenho deixado escapar uma só
ocasião para sustentar os direitos do sacerdócio, a independência e a autoridade do poder
espiritual. E depois de todos estes precedentes, que a imperiosa necessidade de me
justificar me obriga a lembrar, ousam avançar sem qualquer prova, sem mencionar o
diário das câmaras, onde este fato deve ter sido relatado, que o arcebispo da Bahia quer
separar de Roma a Igreja brasileira, e para isso apresenta um projeto de lei que, se
existisse, daria uma bem triste ideia de seus conhecimentos em matéria de disciplinas
eclesiásticas? E como poderia ele apresentar semelhante projeto ao senado, sendo que
não faz parte desse corpo? 282

280
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Carta dirigida ao Redator do Jornal Francês l’Univers, e nele inserta,
refutando uma atrocíssima calúnia, que de um Jornal de Bogotá passara a outro de Madrid, e deste ao mesmo
Univers, contra a ortodoxia de S. Ex. Revm. In: Coleção das obras... (Tomo V). Op. cit., p. 352. (Tradução nossa,
grifos do autor).
281
Ibidem, p. 352.
282
SEIXAS, Romualdo Antônio de. Carta dirigida ao Redator do Jornal Francês l’Univers... In: Op. cit., p. 352-
353.
242

Na contramão das ofensivas de Feijó e seus correligionários, d. Romualdo buscava um


Estado nacional sacralizado, sob o manto das prerrogativas tridentinas, no qual o poder
temporal não deveria se sobrepor ao espiritual e guardar distância com relação aos ímpetos mais
exaltados de nacionalização da religião. No Império brasileiro, a requalificação das liberdades
pelo movimento regressista passaria pela resistência às ofensivas liberais, regalistas e seculares,
conferindo ênfase à ortodoxia do catolicismo romano. As conquistas consolidadas após os
primeiros anos da Independência pareciam reproduzir os vícios da religiosidade popular
colonial, além de ameaçar a hegemonia pretendida pelos porta-vozes da ortodoxia. Destarte, o
liberalismo constitucional ventilado por regressistas e romanizados era concebido sob o signo
contrarrevolucionário, conservador e, no limite, ultramontano.
243

CONCLUSÃO

A interseção entre as práticas, de um lado, sociais e institucionais e, de outro, os


universos valorativos calcados nas variantes do absolutismo monárquico, gestado na Idade
Moderna, e do catolicismo romano marcou as duas primeiras décadas de formação do Estado
nacional brasileiro. Entre a deflagração do processo de Independência e o intricado consenso
em torno da figura de d. Pedro II (1840-1889), a monarquia constitucional e liberal teve
importantes artífices. Muitos deles eram membros do clero e não prescindiram do exercício de
competências eclesiásticas ao reimprimir, à sua maneira, o regime de Padroado em âmbito
jurídico. Na norma do contrato coletivo, reconheceu-se a marca do regalismo, cujas origens
remontavam à Igreja galicana. Balizas dessa arquitetura de governança e de ordenamento social
gestados sob o signo da consubstanciação entre os poderes temporal e espiritual, regalistas e
romanizados entraram em confronto. Observaram-se duas tendências político-eclesiásticas,
muito evidentes na dinâmica de uma esfera pública transatlântica, que engendrava múltiplas
sociabilidades e esboços de projetos nacionais.
Nesse enquadramento, Diogo Antônio Feijó e Romualdo Antônio Seixas foram
lideranças incontestes, à frente das hostes político-eclesiásticas, respectivamente, regalista e
romanizada. O padre paulista e o prelado paraense legaram à história uma produção permeada
por apropriações de matrizes políticas, filosóficas e teológicas caras àquela conjuntura espaço-
temporal, à dinâmica institucional e ao contexto social em que se formaram e se projetaram. O
multifacetado ambiente intelectual do reformismo ilustrado, os quadros da intelligentsia
católica e as referências do liberalismo constitucional de inspiração anglo-francesa, sobretudo
doutrinária, compunham o mosaico a partir do qual Feijó e Romualdo Seixas fariam valer seus
princípios político-eclesiológicos. Nos registros desses atores, as marcas da pedagogia do
jesuitismo escolástico e tomista-aristotélica conviviam, em tensões e diálogos, com os valores
adjetivados então como “estrangeirados”, dos quais eram caudatários os letrados da Ilustração
luso-brasileira, gestada no bojo do regalismo pombalino.
As tendências lideradas pelo padre regente e pelo primeiro arcebispo primaz brasileiro
tiveram diferentes prosélitos em momentos distintos. Entre arroubos radicais do jacobinismo
revolucionário e a resistência conservadora da ortodoxia contrarrevolucionária, o clero regalista
e liberal ascendia ao poder. Ainda nos anos finais do Primeiro Reinado, esses sacerdotes
comporiam um importante núcleo da moderação sediada no Centro-Sul do Império. Dentre os
principais sustentáculos das reformas defendidas por Feijó estavam os padres José Bento
Ferreira Leite de Melo, José Custódio Dias e José Martiniano de Alencar, além de Evaristo da
244

Veiga, redator da Aurora Fluminense. A partir de meados da década de 1830, tomava forma o
Regresso conservador, capitaneado pelo outrora liberal moderado Bernardo Pereira de
Vasconcelos, astuto magistrado coimbrão e defensor dos interesses dos grupos proprietários e
escravocratas. Em sintonia com Vasconcelos e em franca discordância com o cismático regente
Feijó, d. Romualdo Seixas ganharia espaço na imprensa a partir do Sete d’Abril, periódico
fluminense que circulava sob os auspícios do líder regressista.
Para os moderados, mudanças fundamentais na disciplina eclesiástica estavam na ordem
do dia. Afinados com um espírito de nacionalização da religião, Feijó e seus companheiros não
abririam mão de pugnar pela autonomia do Império brasileiro perante Roma. O provimento de
cargos, os dispositivos disciplinares do clero, a estrutura financeira e administrativa da Igreja e
a administração dos bens das ordens eram temas sobre os quais deveriam deliberar, inspirados
pelo episcopalismo conciliarista, os poderes político-eclesiásticos brasileiros. Para tanto,
cumpria assentar as bases de certa mundividência secular, integrando ao ordenamento jurídico
a situação de um Martiniano de Alencar. Pai de numerosa prole, dentre a qual estava o escritor
José de Alencar, Martiniano foi um franco revolucionário, presente nos levantes de Pernambuco
em 1817 e 1824, e devia nutrir pelas moças um “Negro amor de rendas brancas”.1
No percurso reformador empreendido pelo clero regalista, percebe-se a secularização
de certas práticas. O matrimônio deveria ser um contrato sob monopólio do poder temporal e
desvinculado da obrigatoriedade sacramental católica, estendendo-se o direito também aos
imigrantes de orientação protestante, que começavam a surgir nas primeiras propostas de
superação da mão-de-obra cativa. Para Feijó, mesmo a catequização dos povos indígenas
poderia ficar a cargo de missionários Morávios. Se não questionaram o artigo quinto da Carta
de 1824, mantido no texto da Constituição de Pouso Alegre, o clero regalista e liberal parecia
esboçar um horizonte no qual a Igreja católica seria mais uma dentre as instituições do século,
e não uma força estrangeira dotada de poderes autônomos. Ao mesmo tempo, propugnavam
que cultivar, ou não, uma fé católica seria uma escolha de foro individual. Se a Igreja deveria
estar sob a égide do Estado, as restrições de natureza religiosa não deveriam criar tantos
embaraços ao exercício da cidadania. O horizonte de tais mudanças esboçava-se à moda da
Constituição Civil do Clero (1790), marco da Revolução Francesa.
Em contraposição aos regalistas, o clero romanizado buscou no catolicismo romano os
elos de uma cidadania já restrita. Para além de uma profissão de fé individual, a nação forjava-

1
ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015,
p. 328.
245

se a partir dos valores católicos romanos. Nesse sentido, Romualdo Seixas destacava a
necessidade de introjeção da ortodoxia emanada dos princípios tridentinos, da disciplina regular
herdeira da evangelização missionária jesuítica e do ordenamento sinodal setecentista. A
obrigatoriedade de celibato e a retidão disciplinar eram fundamentais aos membros do clero.
No caso dos bispos, o aval viria da Santa Sé, para que fossem evitadas escolhas equivocadas.
Aos fiéis, seriam fundamentais a execução rigorosa das obrigações sacramentais, o jejum, as
confissões e as penitências. Os santos deveriam ser venerados sem os apelos personalistas do
culto privado, característicos dos tempos coloniais, quando foi gestada uma religião (ainda hoje
presente) “doce, doméstica, de relações quase de família entre os santos e os homens”.2 Para d.
Romualdo, ao Sumo Pontífice caberia manter em riste seu “condão fulminador” das
consciências.3
O Império pretendido por regressistas, romanizados, repaginava a relação entre a
monarquia e o catolicismo, exorcizando os fantasmas do clero regalista e liberal, no limite,
revolucionário. O recurso à sacralização do Estado nacional ocorria, em certo sentido, em
contraposição ao projeto de nacionalização da religião que recorria a um regalismo de teor
“radical”. Aos romanizados regressistas, era dissonante a figura de um regente cismático e
acusado de republicanismo, o qual reconhecera as ameaças de secessão e a predileção pelas
províncias do Sul. D. Romualdo Seixas, Luís Gonçalves dos Santos, o Visconde de Cairu e
Bernardo Pereira de Vasconcelos admitiam o liberalismo constitucional, mas sob a influência
conservadora, contrarrevolucionária e romanizada. A monarquia católica brasileira, do modo
como essas lideranças a concebiam, era a união dos proprietários, magistrados, sacerdotes e
homens livres das províncias espalhadas pela vastidão territorial. O cidadão do Império deveria
ser o “súdito” do monarca e o fiel da Igreja católica romana. Do passado colonial resgatava-se
a recente “utopia do poderoso império”,4 mas pela via de um projeto civilizacional referenciado
na cristandade monárquica, distante dos remanescentes do heterodoxo catolicismo colonial.
Nesses termos, o clérigo seria o fiador da disciplina e da retidão moral, não um pai de família,
por vezes agricultor e burocrata, integrado ao cotidiano, espectador das missas em capelas
senhoriais e embebido nos prazeres da carne.
No bojo do processo de formação do Estado nacional brasileiro, regalistas e
romanizados empreenderam duras batalhas, divulgando seus valores políticos, filosóficos e

2
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala... Op. cit., p. 438.
3
WILDE, Oscar. The soul of man under socialism. New York: Max N. Maisel, 1915, p. 51. Disponível em:
https://archive.org/stream/soulmanundersoc01wildgoog#page/n6/mode/2up/search/pope. Acesso em 17/04/2016.
4
LYRA, Maria de Lourdes Viana. A utopia do poderoso império: Portugal e Brasil: bastidores da política, 1798-
1822. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994, p. 17-21.
246

teológicos em uma esfera pública transatlântica e materializando propostas de intervenção na


ordem que se erigia. Diogo Antônio Feijó e Romualdo Antônio de Seixas representaram, por
fim, duas tendências que se fizeram presentes, com intensidades distintas, da Independência à
Maioridade, acirrando as disputas entre o fim do Primeiro Reinado e o movimento do Regresso
conservador. Tais orientações doutrinárias e políticas reconfiguraram-se ao longo dos anos,
persistindo durante o Segundo Reinado e, ainda hoje, a apropriação seletiva de seu legado faz-
se presente na atuação pública de um clero e de um laicato heterogêneos, atuantes nas batalhas
políticas que engendram as tensões entre a sociedade e o Estado nacional brasileiros.

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Diário de Pernambuco (1825-1839)
Diário do Rio de Janeiro (1821-1858)
Le Messager: : Journal Politique et Litteraire (1831-1832)
O Astro de Minas (1827-1839)
O Brasileiro (1832-1833)
O Justiceiro (1834-1835)
O Novo Argos (1829-1833)
O Novo Farol Paulistano (1827-1831)
O Sete d’Abril (1833-1839)
O Universal (1825-1842)
Pregoeiro Constitucional (1831-1832)
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