Volume 03
Volume 03
Volume 03
DIREITOS HUMANOS E
JUSTIÇA SOCIAL
A juventude diante das estruturas materiais e
simbólicas da modernidade
1ª Edição Revisada
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG
Reitora Organizadores:
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CARLOS ALEXANDRE MICHAELLO MARQUES
Vice-Reitor
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Pró-Reitor de Assuntos Estudantis
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Coleção Olhares e Reflexões sobre Direitos Humanos e Justiça
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Social, Volume 3.
MARIA ROZANA RODRIGUES DE ALMEIDA A juventude diante das estruturas materiais e simbólicas da
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação modernidade
EDNEI GILBERTO PRIMEL
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Diretora da Secretaria de Educação a Distância
Responsável: Rita de Lima Nóbrega
IVETE MARTINS PINTO Revisores: Rita de Lima Nóbrega, Gleice Meri Cunha Cupertino,
Diretor da Faculdade de Direito Micaeli Nunes Soares, Ingrid Cunha Ferreira, Eliane Azevedo e
CARLOS ANDRÉ HUNING BIRNFELD Luís Eugênio Vieira Oliveira
2
A juventude diante das
estruturas materiais e
simbólicas da
modernidade
Coleção Olhares e Reflexões sobre
Direitos Humanos e Justiça Social
Volume III
3
Comitê Científico e Editorial
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(UNISINOS) (UNOESC)
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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Sul (PUC-RS) MIRIAM COUTINHO DE FARIA ALVES
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Sul (PUC-RS) Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA)
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UNIBRASIL/Paraná Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
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Discente do Programa de Pós-Graduação em TAYSA SCHIOCCHET
Direito (PPGD/UFSC) Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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HECTOR CURY SOARES Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
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(UNIPAMPA) Universidade Federal do Paraná (UFPR)
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Steuerrecht CARLOS ALEXANDRE MICHAELLO MARQUES
CLARICE GONÇALVES PIRES MARQUES
Universität Münster (UM/Alemanha)
EDER DION DE PAULA COSTA
JOÃO PAULO ALLAIN TEIXEIRA FRANCISCO QUINTANILHA VERÁS NETO
Universidade Católica de Pernambuco JAIME JOHN
JOÃO RICARDO WANDERLEY JOSÉ RICARDO CAETANO COSTA
DORNELLES JÚLIA MATOS
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro LIANE HÜNING BIRNFELD
RAQUEL FABIANA LOPES SPAREMBERGER
(PUC-RJ) RENATO DURO DIAS
JOSÉ CARLOS MOREIRA DA SILVA FILHO SALAH HASSAN KHALED JUNIOR
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do SHEILA STOLZ
Sul (PUC-RS) SUSANA MARIA VELEDA DA SILVA
4
Sumário
Prefácio ................................................................................................................................. 7
Apresentação ........................................................................................................................ 11
Juventude e sistema penal – o controle dos indesejáveis ....................................................
Jackson da Silva Leal & Raquel Fabiana Lopes Sparemberger .......................................... 15
Educação em Direitos Humanos na infância e juventude: perspectivas para construção da
cidadania em uma cultura de paz ......................................................................................
Clarice Gonçalves Pires Marques & Carlos Alexandre Michaello Marques ......................... 75
Quando inventamos novas ervas daninhas para expurgar do jardim: ou, da redução da
maioridade penal sob um prisma sociológico (e político) na modernidade líquida .............
Luiz Antônio Bogo Chies ............................................................................................. 103
Apontamentos para a reconstrução da utopia anticarcerária .............................................
Marcelo Mayora Alves & Mariana Garcia .................................................................... 141
Violência, adolescência e controle social: as (novas) estratégias de contenção da juventude
como “inimigo social” ......................................................................................................
Homero Bezerra Ribeiro .............................................................................................. 165
Dinâmicas do desenvolvimento da juventude das periferias urbanas em Salvador, Bahia:
encontros, pertença, expressões e projetos de vida no âmbito de políticas públicas e
projetos sociais ................................................................................................................
José Eduardo Ferreira Santos & Ana Cecília de Sousa Bastos ......................................... 199
A exposição de crianças e adolescentes aos discursos de ódio na internet: alternativas de
enfrentamento dessa forma de violência ...........................................................................
Rosane Leal da Silva ................................................................................................... 229
Crianças e adolescentes na era dos direitos: entre o desenvolvimento econômico e a
inexistência da efetiva distribuição de renda e justiça social (um estudo de caso: a cidade
do Rio Grande) ................................................................................................................
Sheila Stolz ............................................................................................................... 261
Menores y violencia de género: notas desde la criminología .............................................
Bárbara Sordi Stock ................................................................................................... 311
Sobre os autores ............................................................................................................... 339
5
6
Prefácio
A leitura do contexto da subjetividade social e do imaginário da
exclusão social que perpassam as estruturas sociais de controle e domínio
ideológicos das sociedades capitalistas periféricas e mesmo centrais é
pontuada nesta obra em dois eixos fundamentais das práticas epistemológicas
políticas insurgentes e emancipatórias. Estes buscam criar espaços de
emancipação e de emergência da alteridade com foco nos aspectos dialógicos
e comunitários, partes fundamentais do ideal democratizante da visão do
pluralismo jurídico.
Ademais, ela se reveste de um olhar interdisciplinar que busca o
enfoque da criminologia crítica para a análise da instância penal dirigida à
infância com seus aspectos do controle social formal e informal. Além disso,
tal visão também busca uma cultura de paz e implementação dos Direitos
Humanos normativamente postos na Constituição de 1988, os quais
requerem novos impulsos.
Envolve, ainda, discussões propagandeadas pelos setores mais
conservadores da sociedade brasileira, agora focadas na questão etária,
seguindo a tendência do Estado paternalista penal, de criação de estruturas de
vigilância e controle social, com a luta destes setores pela redução da
menoridade penal na legislação brasileira. A busca de saídas legislativas de
recrudescimento da esfera punitiva, de uma legislação do pânico que
retroalimenta a esfera dos medos sociais na modernidade líquida, faz parte
desta abordagem de reforço dos controles criminais.
Com o fim da escravidão, os direitos das mulheres, dos indígenas, dos
trabalhadores, dos consumidores, das crianças, dos idosos, das minorias
sexuais, dosaposentados rurais, dos animais juntamente à proteção da
natureza sempre foram tidos como utópicos e irrealizáveis pelas ideologias
conservadoras dominantes, cristalizando a retórica da intransigência. A
utopia, por sua vez, é sempre vista como um sonho ingênuo de transformação
social, uma visão de idealistas que não entendem “a natureza humana” pela
lupa do controle social dominante, seja este teológico, burocrático ou
científico.
A cientificização e a naturalização biológica do crime voltam a
acompanhar a expansão da experiência neoconservadora do neoliberalismo,
não mais amparada no darwinismo social de Spencer e nas teorias
malthusianas e ricardianas – agora não são mais sustentadas na demografia e
na progressão aritmética e geométrica das populações e da produção de
alimentos – ou em teorias como a lei de ferro dos salários apregoada por
Ricardo para compelir os trabalhadores a trabalharem dentro do limite da
subsistência.
A agressividade e a periculosidade são legitimadas tautologicamente
frente ao espiral crescente de criminalização social da juventude, mas também
dos movimentos sociais. A aceitação do terrorismo de Estado, da tortura e
dos maus tratos passa necessariamente pelo tratamento histórico dado a
categoria social de controle chamada de inimigo, uma figura que pode ser
desumanizada, objetivada e exterminada sem remorsos, o infra-humano,
aquilo que não merece respeito, que deve ser extirpado para a saúde do corpo
social pelas práticas totalitárias do Estado de Exceção.
Em um momento de ampliação do discurso xenofóbico e do
neonazismo no mundo, principalmente em decorrência da crise social
ocasionada pela fratura social do Velho Continente, e nos EUA, também
8
abalado por uma forte recessão econômica, trazem à ordem do dia a disputa
de emprego com estrangeiros e o recrudescimento dos discursos pregadores
da intolerância. Neste cenário, esta tematização é de suma importância, pois a
internet se torna um instrumento de disseminação da visão distorcida da
pregação do ódio e da violência.
Em contrariedade às múltiplas formas de violação dos direitos dos
grupos sociais excluídos, está a busca de possibilidades emancipatórias que
podem advir do respeito dos Direitos Humanos da juventude, em detrimento
das múltiplas formas de exclusão constituídas ao longo da história mundial e
brasileira, o que exige uma redefinição de nossas concepções sociais e jurídicas
do trato da questão dos Direitos Humanos voltados para a juventude nas
estruturas materiais e simbólicas modernas.
9
10
Apresentação
É motivo de grande alegria e motivação para os organizadores deste
trabalho poder apresentar essa obra realizada por várias mãos e demonstrando
que este esforço se apresenta disseminado pelas inúmeras regiões do Brasil e
também de áreas e enfoques analíticos. Isto demonstra a importância do tema
que se constitui em uma problemática fundamental a ser enfrentada em um
processo de redescoberta de um mundo melhor.
A temática da juventude se apresenta de forma instigante na medida
em que encerra uma infinidade de elementos de análise, os quais não podem
ser objeto de apenas uma disciplina, ou mesmo enfoque analítico. Nesse
contexto, este trabalho demonstra um pouco isso, tendo em vista que a
juventude como categoria analítica e, ainda antes, como grupo de indivíduos e
suas necessidades e sentimentos se inter-relacionam com a modernidade em
múltiplas e concomitantes dimensões.
Nesta linha, a multiplicidade de enfoques e de problemáticas também
denuncia uma questão que não pode ser esquecida, em realidade deve ser
pensada sempre na concomitância com os mais variados temas em que a
juventude é parte, em regra como partícipe ou objeto de intervenção, que é a
questão epistemológica, ou seja, a juventude se constitui em constante
repositório de sentidos da modernidade burguesa, sendo sempre um ente
passivo das pretensões humanitárias que têm que sofrer com ares de gratidão,
enquanto se submetem as mais variadas formas de violência.
O presente trabalho é composto primeiramente pelo texto Juventude e
Sistema Penal, de autoria de Jackson Leal e Raquel Sparemberger, aportando
uma análise de cunho mais criminológico, apresentando uma crítica ao
modelo de juridicidade monista tecnicista em face das complexidades que
apresentam o contingente juvenil em suas múltiplas dimensionalidades,
constituindo-se em mais um veículo de repressão e dominação.
A seguir, o texto A Educação em Direitos Humanos na Infância e
Juventude, de autoria de Clarice Gonçalves Pires Marques e Carlos
Alexandre Michaello Marques, aborda a temática da infância e juventude na
construção da cidadania através da escola e da Educação em Direitos
Humanos para uma cultura de paz. Além disso, demonstra a trajetória das
concepções de infância e juventude e sua caminhada da negligência total para
a proteção total.
O terceiro capítulo, Quando inventamos novas ervas daninhas para
expurgar do Jardim, de autoria de Luiz Antônio Bogo Chies, trata da
problemática da redução da maioridade penal, constituindo-se em uma
análise criminológica e sociológica do tema que se propõe a discutir em uma
perspectiva crítica.
O quarto texto, intitulado Apontamentos para a reconstrução da
utopia anticarcerária, de Marcelo Mayora e Mariana Garcia, traz a
importante reflexão de um projeto de descarcerização, o que tem especial
importância se analisado no contexto da juventude desviante, haja vista que o
discurso reeducativo se apresenta claramente como uma falácia relegitimante
do próprio sistema, sem qualquer preocupação com os jovens (os mesmos de
sempre no processo histórico) sobre os quais recai o peso da atuação estatal
punitiva.
No quinto capítulo, apresenta-se o trabalho Violência, Adolescência e
Controle Social, de autoria e Homero Ribeiro,o qual trata das novas e
contemporâneas dinâmicas em que se apresenta o discurso pretensamente
protetivo e que em realidade encerram a faceta punitiva e controladora do
12
Estado, discutindo questões novas e de importante reflexão, como a prática
das internações compulsórias para usuários de substâncias psicoativas (objeto
de criminalização).
O sexto capítulo, de autoria de José Eduardo Ferreira Santos e Ana
Cecília de Sousa Bastos, analisa a questão da juventude e do acesso à cidade,
tema de suma importância para a criminologia crítica e para a questão da
juventude, mormente as definidas como desviantes ou subalternizadas, e o
processo de guetização e isolamento a que se têm submetido certos grupos
(que se tem definidos por párias).
O capítulo sete, de autoria de Rosane Leal da Silva, trata da atual
questão da rede mundial de internet e a troca e subordinação da juventude ao
discurso de ódio, constituindo-se o estudo, o aprofundamento e a produção
de consciência sobre a troca de informação no mundo globalizado de
fundamental importância e, sobretudo, pautado por uma ideia de
rompimento com a banalidade da violência, de não reprodução da lógica
hegemônica.
O penúltimo capítulo, de autoria de Sheila Stolz, trata de delinear, em
breves linhas, o entorno socioeconômico do município de Rio Grande e, com
base nestes dados, finalmente, defender a necessidade de criação de redes
sociais de apoio que visem o desenvolvimento integral das crianças e dos
adolescentes, defendendo-se, igualmente, a importância do componente
democrático a orientar a formulação, implantação e fiscalização das políticas
públicas.
O nono e último capítulo, de autoria de Bárbara Sordi Stock, trata dos
Menores e a Violência de Gênero e convida o jurista a repensar sobre a
insuficiência de iniciativas preventivas fundamentadas em bases teóricas
sólidas especificamente direcionadas a menores como estratégia para a
diminuição da violência de gênero entre adultos.
13
Assim, essa obra busca romper com o silêncio na seara da infância e
juventude, sobretudo na perspectiva de colocar a juventude como protagonista
dos processos de transformação em um processo de pôr o Estado e as agências
centrais de controle/dominação na condição de objeto de análise.
É o que esperam os organizadores desta obra, com a certeza da
concordância dos demais autores, a produção de microrrupturas e a
contribuição para a produção de saberes críticos, conscientes e
comprometidos com o processo de mudança social a partir do
reconhecimento da juventude como sujeitos ativos.
Os organizadores
Ilha de Florianópolis/SC
Rio Grande/RS
Porto Alegre/RS
14
Juventude e sistema penal – o controle dos indesejáveis
Youth and criminal system – the control of unwanted
Juventud y sistema penal – el control de indeseables
Introdução
16
efetivar a projeção de modernidade realizada sobre a própria criação da
juventude como um complexo social novo e promissor.
A fim de viabilizar esta análise, proceder-se-á a um resgate conceitual
da cambiante definição de infância e da recente história da juventude
contemporânea e dos reflexos desta, bem como de seus desdobramentos no
Brasil. Procede-se a esse resgate histórico da infância (ainda que este grupo
em específico não seja objeto deste trabalho), pois tal concepção, neste
momento, engloba a concepção de juventude, dado a inexistência de
categorias científicas e o reconhecimento teórico, sendo impossível separar
estes dois grupos. Esse histórico se faz importante para que se compreendam
algumas dinâmicas modernas, assim como para contextualização política,
social e cultural do grupo, da categoria, da produção de sentidos e dos seus
desdobramentos históricos e contemporâneos.
A título de nota, convém mencionar que esta escrita trata a infância
como uma construção social e, antes ainda, como grupo, e traz um breve
histórico desta categoria. Ademais, salienta-se que esta se atém ao
desenvolvimento da concepção de infância para a cultura ocidental e seus
desdobramentos, bem como a algumas influências político-ideológicas.
Refere-se, também, que aqui não é feita uma análise mais pormenorizada, por
não ser o foco do presente trabalho, mas, sim, um resgate ligeiro a título de
contextualização (ainda que incorrendo em castração dos períodos históricos).
Assim, começa-se pela Idade Média, entre os séculos XII e XVII
(quando da Revolução Francesa e do início da Idade Moderna), em que as
crianças, de acordo com a casta ocupada, eram submetidas a dois tipos de
tratamento: se filho de camponeses, seria mantido próximo aos pais,
realizando pequenas atividades, e, aos sete anos (como marco de mudança na
vida da criança), aprenderia e seguiria o ofício do pai; se fosse menina,
tomaria como aprendizado o papel definido à mulher. No caso dos filhos da
17
nobreza, em geral, sequer ficavam próximos aos pais até os sete anos,
permanecendo sob a tutela (ainda que não fosse esta a denominação dada) das
amas de leite. Estas criavam as crianças, quando, então, aos sete anos, o
menino poderia passar por algum rito de passagem e ingressaria na vida
pública junto à figura do pai, assim como a menina também seguiria a sina da
mãe, podendo já inclusive ter seu casamento acertado por conveniências
políticas ou econômicas (HEYWOOD, 2004; ARIÈS, 1981).
Convém mencionar que neste período (ainda que extremamente
extenso e com diversas mudanças e nuances temporais e culturais), em regra,
não era dada grande atenção à infância, não existia uma concepção ou
preocupação em explicar ou entender o que seria a infância ou mesmo a
questão do afeto que, ao longo de toda ou grande parte da Idade Média, foi
inexistente, ou seja, a despreocupação com a infância em termos formais se
refletia a partir do desinteresse em termos culturais. Isto em uma perspectiva
pura de manutenção do status quo político, social e cultural. Segundo Ariès,
“a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil
crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É
mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (ARIÈS,
1981, p. 17).
Saliente-se que tal condição se dá em uma pseudo-Europa
autossuficiente em termos produtivos e que se propunha e preocupada
meramente com a manutenção interna – a qual diz respeito à proteção em
relação às invasões e guerras; e também com as pestes que dizimavam a
população. Assim, dois elementos característicos da Idade Média explicam ou
permitem entender a concepção (ou falta de concepção) em torno do
indivíduo que contemporaneamente se conhece como criança – sendo
pensado como um adulto em miniatura (ARIÈS, 1981): a inexistência da
figura do afeto, em grande medida pelo afastamento dos pais (ou vice-versa);
18
e a consequente preocupação com a questão utilitária da infância, vendo estes
indivíduos meramente como mão de obra para a economia agrária e pastoril,
de produção interna, e também como força de defesa em caso de invasão
externa. Estes dois elementos permitiam, inclusive, o extermínio dos
indivíduos que não fossem sadios e servissem a essas funções e resume o trato
com a infância no período.
O alvorecer da Idade Moderna se inicia no século XVIII, mas as
mudanças não seguem marcos estanques, prolongam-se, e, assim, permeiam e
entrecruzam paradigmas de sociabilidade que se vão moldando com as
mudanças, os progressos e os regressos multidimensionais e interligados.
Nesta linha, a título de organização do raciocínio, já no século XVIII, as
concepções diante da infância haviam mudado substancialmente, sobretudo, a
ideia de aproximação entre as famílias e estes indivíduos. Fato que fazia as
famílias se ocuparem com educação de suas crianças, gerando a construção de
afeto e empatia entre estes indivíduos. Para Ariès (1981), este foi o principal
móvel da mudança cultural para com a infância.
Entretanto, para efeito deste trabalho, adota-se uma postura menos
otimista, visto que tais mudanças se deram, em grande medida, por conta de
necessidades político-sociais que foram sendo descobertas com o progresso
das ciências e, com ela, as pretensões políticas e sociais de um paradigma de
governabilidade que nascia; o paradigma ocidental burguês. Nesta linha, com
o desenvolvimento das sociedades a partir da ciência, sociedades que já não se
propunham somente a produção interna, mas sim a produção e troca externa
(primórdios da exportação) em um mercado ascendente como necessidades de
tecnologia (e por isso o investimento em educação formal e especializada) e
também de corpos saudáveis para a produção, que era cada vez maior.
Período marcado também pela constituição mais sólida e organizada de
organismos e estruturas de governo na figura do Estado Monárquico.
19
Assim, diante da necessidade de corpos sadios e mentes dóceis, surge a
capacidade estatal de regulamentar tal questão através das dinâmicas de
adestramento e punição (HEYWOOD, 2004). Essas dinâmicas poderiam
ocorrer no plano físico material, como também no plano simbólico-psíquico,
tendo em vista o grande poder atribuído à Igreja (ainda que em processo de
descenso diante da ascensão do conhecimento científico e da laicização do
poder/saber). A esta coube a função de deificar a infância, aproximando-a de
figuras celestiais, como também de demonizar os indivíduos que não cabem
ou não servem ao sistema complexo de governabilidade que se estrutura
(ARIÈS, 1981).
Ademais, Ariès (1981) salienta que existiam imensas diferenças de
trato entre as infâncias por conta de questões de classe e gênero, definindo os
objetivos a cada um destes indivíduos a partir destes critérios e determinando
papéis sociais que se refletiam em primeiro lugar na educação (seu acesso ou
não, no caso de menino ou menina), e também no acesso superior ou
subalterno (dependendo da classe). Essas questões seriam definidoras dos
papéis das diversas infâncias que surgem a partir destas divisões e do
consequente trato social.
A partir desse resgate, percebe-se que a concepção de infância não
parte de questões puramente biológicas, sequer naturalmente constituídas ou
ontológicas, sendo, portanto, mutáveis. Assim, para efeito deste trabalho,
parte-se de um pressuposto teórico: a infância como construção social,
variante no tempo e no espaço, de acordo com o contexto; ou seja, as
necessidades e possibilidades de uso desta categoria política, ideológica e
social.
A infância e juventude foram e são entendidas no senso comum e
propostas pelas ciências médico-naturais como sendo o período que
compreende o desenvolvimento físico, psíquico e moral do indivíduo,
20
concepção esta estanque e determinista, biológica e morfologicamente
definida pela natureza dos corpos como algo inquestionável e imutável. Não
se refuta, nesse trabalho, a existência de uma base natural constituinte das
infâncias e juventudes. No entanto, a contrario sensu do proposto no bojo das
ciências naturais, a infância e, ainda com ela, a juventude têm sido verificadas
como algo cambiante no decorrer dos séculos, ao demonstrarem concepções
várias de acordo com as necessidades políticas de cada tempo e lugar,
percorrendo procederes que vão do cuidado à educação e deste ao controle ou
à cooptação pelo consumo e à sociedade em massa.
Contudo, não existe uma clara passagem ou período entre a infância e
a vida adulta, divisão cronológica que é um legado da modernidade [1],
denominada de juventude ou adolescência – momento em que esta fase passa
a ser constituída como uma categoria de análise autônoma. Nesse sentido,
pode-se perceber a juventude como categoria científica, a qual foi
inaugurada/criada na ciência moderna pelo psicólogo Stanley Hall na virada
do século XIX para o XX (ano de 1898). Ainda para tratar deste contexto,
Jon Savage (2009) aborda sobre Rousseau:
21
industrializada; sob os ímpetos desenvolvimentistas; e sob o pretenso discurso
e deificação de princípios modernos como a liberdade, igualdade e
fraternidade, amplia-se e se aprimora o discurso acerca da juventude,
impulsionado pela necessidade de qualificação para as novas tecnologias,
visando maior produtividade e desenvolvimento. Dessa maneira, aumenta-se,
em tempo e intensidade, a proteção e o reconhecimento da infância como tal,
para que esta seja entendida e propagada como uma construção social,
definida por elementos conjecturais políticos, sociais e culturais.
Neste ponto, vê-se mais claramente que as concepções de infância e
juventude cambiam e se atrelam às necessidades do capitalismo nascente e à
necessidade de indivíduos produtores materiais e ideológicos, tornando-se
reféns da epistemologia burguesa e positivista hegemônica. Neste sentido,
propõe Cezar Bueno de Lima (2008):
22
uma série de relações sociais, como trabalho, educação,
comunicações, participação, consumo, gênero, raça etc. Na
realidade, essa transversalidade traduz que não há apenas um
grupo de indivíduos em um mesmo ciclo de vida, ou seja, uma só
juventude. (p.17).
23
segundo, a pós-Constituição (1988) ou o Estatuto da criança e do
Adolescente (lei 6.098 – ECA) e o grande passe de mágica (ao menos
retórico) liberal.
O primeiro é marcado por um sistema político muito inconstante,
alternando entre períodos ditatoriais e democráticos (menos formais e
extremamente violentos). Caracterizado pelo imponente apelo ao
desenvolvimento econômico, foi levado a cabo sob forte
influência/financiamento externa/o e através de severa/o repressão/controle.
No plano de proteção/controle à infância/juventude, delimitava claramente a
criação de duas infâncias, uma destinada aos avanços teórico-discursivos e a
outra direcionada ao ensino e à formação técnico-profissional, para quem
estavam reservadas vagas em setores formais da produção e a quem dependia
o futuro da nação.
Para estas juventudes, foi ampliada a proteção e alargado o período
entendido como de (de)formação desse indivíduo. A sociedade que se
pretendia moderna se responsabilizava por este período de cuidado juvenil.
Entretanto, também ficava claro que esse avanço não era destinado aos
menores [2]; às crianças provenientes de classes desfavorecidas, sem formação
educacional formal nem possibilidade de tal, sem perspectiva profissional; às
crianças sem família responsável (quando possuem são tão ou mais
desgraçados quanto os filhos, tendo sofrido agruras impensáveis), amontoadas
nas nascentes e descontroladas metrópoles brasileiras, situadas nas periferias
do sistema, das cidades, nas favelas.
Seguindo na presente análise, é importante dar atenção às recentes
práticas penais para com a juventude na dinâmica brasileira. O código de
menores, também conhecido como Código Mello Matos, de 1927,
preconizava o controle dessas camadas de jovens sob um discurso fortemente
moralizador e naturalizante, com prática nitidamente preconceituosa e
24
segregacionista; com objetivos de moldagem de corpos aptos ao trabalho
exploratório necessário ao contexto desenvolvimentista; e mentes obedientes,
acostumadas à reprodução de ordens e valores, bem como sujeição ao castigo.
Dessa maneira, mantinha a ordem da heteronomia que caracteriza o
desenvolvimento das práticas judiciais no Brasil atrelado à epistemologia
positivista distanciada dos objetos de intervenção, que consistiam meramente
em corpos que necessitavam de urgente correção e adequação ao paradigma
político vigente. Assim, assevera Cezar B. Lima (2008):
25
infrator da lei penal, bem como a personificação dos medos modernos e o
objeto da repressão estatal legitimante do sistema que o alijou.
O segundo período, quando da promulgação da CF88 e do ECA, é o
momento em que se inaugura um novo e atual período, ao menos
discursivamente diferente, compreende e se identifica com a instituição do
Estado Democrático de Direito e das democracias burguesas e individualistas,
em que são impetradas as atrocidades e são verificadas as mais perversas
situações de vida/privação, mesmo que sob um discurso
legitimante/humanizador. Demonstra-se que, na prática, o modelo atual não
se diferencia dos predecessores e que depende do aval técnico higienista e
patologizante das dinâmicas preconizadas pela episteme positiva-punitiva da
constante busca pela pureza. Nessa linha, é esclarecedora a abordagem de
Cezar Bueno de Lima (2008):
26
XXI, que comemora a evolução técnica legislativa e discursiva do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Vale trazer a análise de Maria Lucia Karam
(2000):
28
isso, são mercadoria descartável, ou seja, não farão falta [7], foram seduzidos
pela possibilidade de poder e respeito, permeados pela ideologia dominante
de produtividade, competitividade e individualismo.
No entanto, apartados dos meios tradicionais para acessar encontros e
possibilidades de sucesso pessoal, apartados da educação (quando a acessam,
ocorre apenas em condições mais que precárias), apartados das oportunidades,
como do mercado de trabalho formal que é cada vez mais exigente, são
empurrados para se utilizar de meios comodamente aceitos pela fatia médio-
superior da população como ilegais, informais e reprimíveis [8]. Como
propõe Castells (2003), “para as ruas para ajudar financeiramente em casa ou
acabam por fugir do inferno das suas próprias casas para o inferno de sua não-
existência” (p.199-200).
Este contingente da juventude que é centrifugado no seio da sociedade
globalizada, ao mesmo tempo é impulsionado pelo consumo e pela vida de
produção de alteridade através de bens materiais e simbólicos, desprovido de
meios para obtenção destes acessos. Sendo assim, utiliza-se de estratégias
próprias, mais ou menos regulares, em maior ou menor medida tradicional,
com um maior ou menor potencial ofensivo/lesivo, a partir de seu contexto de
possibilidades individuais.
Assim, os bairros, as periferias, as favelas são celeiros de alteridades
distintas, uns mais conformados com a naturalidade artificial do sistema e de
seu futuro de subalternidade – de trabalhar para comer, e comer (quando dá e
o que dá) para trabalhar – fornecendo bem-estar/conforto para as classes
médio-superiores. Além disso, também produzem as alteridades conflitantes
com o sistema-mundo, pois almejam os mesmos bens de consumo, os quais o
salário mínimo não permite acessar, então, buscam por outros meios, arcando
com os riscos da rentabilidade do mundo do crime, do tráfico de drogas
29
principalmente, pela momentânea e efêmera sensação de pertença
proporcionada pelo consumo, pelo poder, pelo respeito produzido/adquirido.
A definição dos atos violentos depende diretamente do grau de
confrontação/desconforto aos ditames sociais e valorativos moderno-
burgueses. Estas estratégias utilizadas passam a ser objeto da violência, o
medo que converge todo o aparato/arsenal moderno de combate, desde os
meios materiais e institucionais até os meios ideológicos, que têm como
disseminador mais perspicaz/eficiente a mídia, como se entende a partir da
teoria do etiquetamento (labelling approach) [9].
Nessa abordagem contextualizadora, Boaventura de Sousa Santos
(2000) diz que “há um desassossego no ar. Temos a sensação de estar na orla
do tempo entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não
nasceu” (p. 41). Enquanto se comemora avanços em termos legais e
dogmáticos, convive-se com a inalterabilidade em termos reais ou até mesmo
com o retrocesso. Desta forma, oscila-se entre educar/dominação e
controlar/punição “enquanto a regulação se torna impossível, a emancipação
torna-se impensável” (p. 57).
Nesse sentido, Alessandro Baratta (2007) trata da violência como
congênita ao Estado e ao Direito moderno, sendo parte de seu código
genético, a partir desta dinâmica de monismo jurídico e monopólio do poder
de dizer o direito:
30
modernidad, el derecho y el Estado estaban destinados al control y
a la superación de la violencia. Sin embargo, en el derecho y el
Estado La violencia sigue siendo inmanente y se reproduce. Es
justamente el ocultamiento de la violencia el que, como dice
Girard, produce el equívoco, la ambivalencia fundamental de la
modernidad. Eligio Resta desarrolló en un reciente trabajo esta
tesis recurriendo a la metáfora platónica del pharmakon, que en
griego clásico significa, al mismo tiempo, remedio y veneno. Así,
el Estado moderno y su derecho se legitimaron como un remedio
contra la violencia, pero a su vez, este remedio permitió perpetuar
el veneno, es decir, permitió mantener la violencia como el
verdadero tejido conectivo de la sociedad sin conseguir ni
neutralizarla ni, al menos, monopolizarla en la forma de la
violencia legal, ya que la mayor violencia sigue siendo la ilegal.
(p.9-10).
31
situações, os indivíduos são desprovidos de suas capacidades e potencialidades
típicas da juventude.
Este contexto, até aqui delineado em termos jurídicos, políticos e
culturais e epistemológicos, pode ser definido como paradoxal e carrega um
quadro permeado de vulnerabilidades, na conceituação de Castro e
Abramovay (2002):
32
juventude. Esta que apenas tem sido objeto de intervenção, dominação e
docilização mente-corpo, ainda que sob uma capa humanitária e filantrópica.
Entende-se a juventude como categoria e, sobretudo, como grupo que
guarda a potencialidade de contribuir decisivamente para o processo de
(re)politização social a partir de um novo marco de alteridade e
reconhecimento de diferenças, calcados no diálogo e nas trocas democráticas.
Alessandro Baratta permite a análise da infância como categoria una [10],
classe ou grupo de interesse, ainda que multifacetada e imensamente
heterogênea, unificada na condição de subalternidade. Tal esfera se constitui,
como afirma Baratta (2007), em uma nação (de corpos e identidades) a ser
inserida na dinâmica e concepção nova de cidadania, para a conformação de
um estado mestiço de cidadanias plurais da democracia instituída pela
cidadania instituinte. Nestas linhas, escreve Alessandro Baratta (2007):
33
Assim, explicitado que se entende as juventudes como categoria, ainda
que heterogênea e até desorganizada em sua formação, passa-se para um dos
elementos que contribuem com a unicidade da categoria, que são os
elementos identitários na subalternidade. Com isso, é importante trazer a
concepção de identidade que pauta a presente análise permitida a partir da
leitura de Manuel Castells (1999):
34
inconscientemente), uma identidade de resistência, como propõe Castells
(1999).
Neste viés, acrescenta-se ainda a formação específica dessas
identidades juvenis a partir de multidimensionalidade e multifatorialidade de
significações, como propõe Maria Lucia Violante (1989):
35
Nesta linha de pensamento, utiliza-se a categoria trabalhada por
Boaventura Santos (2006), denominada cultura de fronteira ou identidade de
fronteira:
Categoria analítica que pode muito bem ser trasladada para a condição
em que se encontram as juventudes. Esta é entendida como período liminar
que se encontra entre a infância e a vida adulta e compreende este espaço
temporal da vida de indivíduos com práticas culturais e identidades
complexas. A juventude é construída a partir desta liminaridade e é permeada
desde a sua gênese por sentimentos antagônicos e ambivalentes, constituindo
uma relação paradoxal, em virtude de que foi construída como grupo ou
categoria a partir da modernidade recente, como forma de conceituação de
um grupo e delimitação de espaço-tempo, em que estes indivíduos
integrantes seriam formados para a idade adulta capitalista e burguesa,
recebendo a lapidação da formação que se inicia desde tenra infância.
Nesse sentido, a juventude se constitui a partir de forte dinâmica de
vigília adulta e societal, que lhe imprime uma operacionalidade altamente
36
moralizante e repressiva, a fim de produzir corpos dóceis e afeitos ao trabalho,
à produção e à vida proba que preconiza a modernidade e o ethos burguês.
Com isso, a juventude, frente a este poder altamente repressor e tutelador,
constitui-se como o outro da adulteridade, como em uma relação de espelhos,
conforme proposta por Santos (2006). Dito isso, a juventude é caracterizada
por alguns elementos como a intensidade de relações e emoções, aptidões
noturnas desejantes e carnais, irritabilidade/irresignação intensas e ainda por
uma profunda ansiedade enquanto aguarda e anseia pela vida adulta.
Esse sentimento de ansiedade pode ser causado em grande medida
pelo processo de repressão e castração com que a juventude – como período –
é sentida e vivida pela grande maioria dos jovens, que não é aceita em sua
identidade intensamente insurgente, mas sim como mera fase de
complementação da formação produtiva para se chegar ao ápice da razão
humana produtiva em uma sociedade em que se vive para trabalhar e se
trabalha para comer, quando dá e o que dá. Este grupo acredita eternamente
em uma vida melhor e se movimenta para isso. Tais ações põem e mantêm a
modernidade burguesa em curso!
A relação reflexiva se completa com o desejante e impossível (ao
menos biológica e morfologicamente) regresso do adulto à vida juvenil, com
características de intensidade em potencialidades e eterno processo de
lamentação de que desta condição ele decorre. Isso resulta nas suas dinâmicas
de dominação do outro, do diferente que acaba sendo uma ameaça ao ethos
burguês médio, ao eu adulto por demais permeado e dominado pela dinâmica
atordoante da vida de produtor/consumidor e de sua cartilha rígida de
procedimentalidades e identidade permitidas e ordinárias.
Assim que se entende a juventude como uma categoria (composta por
um grupo de indivíduos viventes e desejantes por reconhecimento), a qual foi
criada pela e integrada à modernidade, mas desde a gênese da categoria, a
37
partir de uma intencionalidade meramente utilitarista, percebe-se que os
sujeitos que a constituem são concebidos como indivíduos que estariam sendo
formados a conformar a sociedade do futuro (que é cada vez mais presente e
mais inalcançável) e a expandir e aprimorar as capacidades produtivas e
consumidoras. Dessa forma, tais indivíduos não são verdadeiramente
reconhecidos como portadores de sentimentos e identidades autônomas e
dignas do poder de falar, ser e querer, mas meramente como objetos da
intervenção da adulteridade imposta pelo paradigma de sociabilidade
liberal/ocidental, entendendo esta juventude como um repositório da doutrina
pertinente ao ethos burguês.
Esta linha de argumentação traz à luz as categorias de insurgência
forjadas no estudo de Boaventura Sousa Santos, o viver na fronteira que
representa em parte esta identidade juvenil transgressora, mas que, em
verdade, expõe uma profunda vontade de participação das dinâmicas políticas,
jurídicas e sociais ou, simplesmente, almeja ser reconhecida em sua alteridade.
Assim, há outras categorias trazidas pelo autor, como, por exemplo, a cultura
ou o ethos barroco:
38
Dessa forma, a juventude se enquadra na identidade barroca, pois, ao
passo que é jogada às formas periféricas de viver – à práxis subalternizada –
ela também é repudiada e combatida, ficando sem espaço, feia, suja, não
pertencente ao meio social burguês capitalista. Assim, criam-se maneiras e
espaços, bem como identidades juvenis transgressoras e um forte ponto de
irritação do sistema estatal-capitalista-burguês, construindo-se uma
importante categoria na luta pelo projeto de emancipação social e pela
constituição de um direito de grande escala, que permita, em primeiro lugar, a
participação deste contingente de indivíduos e, ainda, que reconheça as
dinâmicas jurídicas específicas que dizem respeito ao grupo.
Nesse sentido, vê-se que a juventude guarda um profundo sentimento
de repressão, além de um manancial de identidades insurgentes e de uma
experiência que não pode ser jogada no lixo da historicidade jurídica, social e
política. Tudo isso diante da forte carga de repressão identitária e cultural que
esta tem sofrido, que resulta em obediência silenciosa, mas imensamente
angustiada e pronta para explodir. Em consonância com esta análise, sugere
Boaventura Sousa Santos (2000):
39
Diante disso, o delito passa a ser a única forma de produzir a si
mesmo, que na modernidade recente tem-se feito através do consumo – o
qual se torna impossível quando fechados outros espaços, como, por exemplo,
o do trabalho e da produção. Nessa direção, escreve Baratta (1999):
41
inovação e resistência dos oprimidos quando se libertam do
estatuto de vítimas. (p. 242).
42
interesses) à sua função em face da existência e da estabilidade do
sistema. Este, não os indivíduos e os grupos, assumiu
progressivamente a qualidade de sujeito dos objetivos das ações
sociais. Os sistemas sociais são, de tal modo, concebidos como
organismos equilibrados, estáticos e fechados em si mesmos,
baseados sobre uma harmônica convergência funcional de todas as
partes, sobre a comunidade dos interesses e sobre o consenso. (p.
120).
44
Neste raciocínio é que se propõe este esforço teórico-prático de
ressignificar os papéis sociais, empoderar os indivíduos diretamente
envolvidos com a trama pública (de interesses privados), que é a justiça
criminal, e desmistificar os papéis do Estado diante de tal problemática.
Diante disso, o presente trabalho busca resgatar o papel dos indivíduos, em
especial, das juventudes, bem como a sua produção de saberes comuns e
populares na resolução dos próprios conflitos, a partir de uma matriz teórica e
cultural outsider, marginal e comunitária.
45
missionário proselitista de uma crença acrítica na infinita
perfectibilidade do homem, ela cunhou a ideia da maleabilidade da
natureza humana, a capacidade de ser moldada e melhorada pela
sociedade a partir de seu próprio papel disciplinar, instrutivo,
educador, tutelar, punitivo e reformador, tendo em mira outras
categorias que não ela própria. A experiência de uma categoria
constituída no papel de jardineiro em relação a todas as demais
categorias foi reconstruída como uma teoria da história. Como se
seguisse o preceito metodológico de Marx de examinar a anatomia
do homem como chave para a anatomia do macaco, a elite
educada usou seu próprio modo de vida, ou o modo de vida
daquela parte do mundo que ela presidia (ou pensava presidir),
como referência para medir e classificar outras formas de vida –
passadas e presentes – como atrasadas, subdesenvolvidas, imaturas,
incompletas, deformadas, mutiladas, distorcidas e outros estágios
ou versões inferiores de si mesma. (p. 156).
46
uma dinâmica e gestão totalitária das significações (dos significados e dos
significantes).
A partir do panorama epistemológico apontado acima, que Santos
(2000; 2010) se propõe a (des)pensar o Direito, como um dos elementos
indispensáveis à transição paradigmática em busca de um novíssimo
paradigma de sociabilidade. Esta aventura prático-epistêmica passa em larga
medida a desmistificar algumas questões, como assevera o autor:
47
matemática determinada em escalas, a fim de representar a realidade como ela
é, ou o mais próximo do possível, ao mesmo tempo em que guarda a
funcionalidade do mapa, que é a manuseabilidade e operacionalidade da
representação condensada [12].
Assim, Santos (2000) compara o sistema jurídico atual com um mapa
em pequena escala, que representa as relações jurídicas e sociais através de
abstrações e conceitos abertos e vagos, contando com a dogmática jurídica, a
qual auxilia com preceitos como igualdade e generalidade, a fim de operar
procedimentalidade e operacionalidade ao sistema jurídico. Com isso,
esquece-se de que este paradigma de regulação de pequena escala é
conformado por relações humanas complexas, de dores e sentidos, de
experiências ricas e várias expectativas frustradas, assim como de conflitos e
diversas versões destes.
Nesta linha, concordando com Santos (2000), diante da incapacidade
desse sistema ou paradigma jurídico abarcar a multiplicidade de relações e,
quiçá, as complexidades várias que envolvem as relações que têm a pretensão
de regular, surgem e convivem diversas dinâmicas jurídicas de solução de
conflitos e regulamentação de relações sociais. Sistemas jurídicos em grande
escala de dentro e a partir dos grupos interessados em regulamentações que
permitem adentrar nas nuances e especificidades (complexidades) dos casos
(fatos e pessoas imbricados – sujeitos e objetos) que se propõem a entrar e
contacto.
A partir disto, desenvolve-se, ainda que sem o aval ou reconhecimento
do Direito estatal oficial – ou até mesmo enfrentando a sua repressão – uma
multiplicidade de esferas jurídicas extraoficiais, de índole local, nacional ou
transnacional, o que se denomina de pluralismo jurídico. Neste meio em que
se encontra a juventude, permeada por promessas não cumpridas desde a sua
48
gênese como categoria analítica e como indivíduos humanos portadores de
capacidade intelectiva, portanto, de saber relevante.
Assim que esta dinâmica não se propõe dialogal tendo em vista que
não está preparada ou não tem qualquer intenção de ser influenciada pelo
auditório, e ainda que se prestasse a tal fim, não tem a capacidade de
compreendê-la; como assevera, de forma lapidar Eugenio Raul Zaffaroni
(2007, p.40):
49
Num claro processo de refundação e ressignificação da concepção da
Política e do Direito, demonstrando o quanto estes existem para além dos
espaços estatais oficiais, que são plurais, ainda que não reconhecidos e até
desconhecidos ou ignorados. O quanto à política está impregnada e
embrenhada no Direito, (devendo mesmo estar) ao arrepio da falácia e cínica
proposta positivista de pseudoneutralidade justificante e legitimante de
dominações e perversidades históricas no Direito e da separação entre Direito
e Política – ambos tornados campos de dominação – quando podem ser de
lutas e diálogos/trocas emancipatórias.
Assim que se propugna por um direito plural e dialogal, alternativo e
acessível que permita a participação dos próprios envolvidos e dos mais
afetados pelas decisões, as quais não devem partir de cima para baixo, mas
devem ser construídas, de baixo para cima, impregnando e religando a ponte
entre o direito e a política, ambos sob a principiologia da igualdade (inclusive
na diferença) e da democracia. Isto é, no compartilhamento de saberes e
poderes, conformando uma esfera de solidariedade renovada, ressignificada.
Nesta linha, assevera Fabiana Marion Spengler (2010, p. 230):
50
Uma autêntica esfera de construção da democracia a partir da
participação e fortalecimento da cidadania, instituinte da democracia como
fala Vera Regina Pereira de Andrade (2003), não como instância abstrata
(menos que), garantida no plano da legalidade positivista ou como algo
obtido e acabado, mas como uma construção diária a serviço da construção de
alternativas e resolução de conflitos. Para tanto, urge uma dinâmica dialogal e
participativa, envolvendo os próprios afetados e diretamente interessados,
reconhecidos como detentores de saber-poder relevante, identidade e
coproduzindo alteridade.
Por fim, para concretizar esta análise, neste processo (eternamente
inacabado – liminar) de (des)pensar o direito e a política, e (re)ligá-los para
complementar e contribuir com esta interface entre o direito e a política, na
sua relação com a juventude, traz-se a contribuição de Enrique Dussel (2009),
o qual direciona a lente analítica para a questão da política e seu potencial
transformador e emancipatório, a partir da análise do poder e sua
legitimidade, bem como complexidades relacionais e institucionais.
Abordagem que, direcionada à questão problemática de juventude
desviante/outsider, analisada sob o referencial proposto pela Criminologia
Crítica (congregando estudos sobre o fenômeno a partir do interacionismo,
da formação de subculturas e também da macro-sociologia do conflito) é de
particular importância. Nesta linha, Enrique Dussel (2009) propõe:
51
normativos son necesarios para clarificar, recordar y explicar esta
originaria inversión o desplazamiento de la referencia ultima del
poder (p. 15).
52
El poder-poner en la existencia a los entre políticos es el tener
poder (potentia); es decir, el poder es el poder-poner los entes
políticos: la potestas. El poder ejercer el poder se origina en el
querer en el que consiste la voluntad; es decir, sin voluntad no hay
poder, ya que la voluntad es la fuerza, la potentia, el motor, la
condición del poder. Ser-voluntad es el querer por sí de la vida
humana en su permanecer y aumentar. El querer de la voluntad
asegura a la vida humana en su sobre-vivir en la duración del
tiempo. Si la vida pierde el querer vivir queda a la deriva, se
encuentra en situación de suicidio. Las mediaciones que
constituyen el nivel óntico de la política, o la totalidad de los entes
políticos en tanto políticos, quedan así fundados ontológicamente
en la Voluntad de Poder, en el Poder de la Voluntad – es una
primera instancia abstracta y general.
53
Em sequência, a contribuição de Emmanuel Lévinas permite e ajuda a
começar a pensar nos indivíduos como sujeitos que subjazem e vão além dos
conceitos e símbolos aos quais geram, dão sentido e pertencem, na/no
tarefa/processo de (des)pensar o complexo paradigma de sociabilidade
autoritária humanista-ocidental. Assim escreve Lévinas (1997):
54
O ato de incluir, na generalidade, que se impõe à humanidade e,
segundo Lévinas (1997), produz “[a] morte [do indivíduo], o ser vivente entra
na totalidade, porém não pensa mais nada. Pensante, o ser que se situa na
totalidade não é absorvido nela. Ele existe em relação a uma totalidade, mas
permanece aqui, separado da totalidade, eu” (p. 37). Assim não se produz a
aceitação do indivíduo como ente em si mesmo, nem mesmo permite a sua
emancipação, como sujeito apto a participar da modificação de outrem(s),
senão apenas na posição de indivíduos que devem ser modificados,
conhecidos, estudados – como objetos.
Para Lévinas, o indivíduo é um ente em si mesmo, é incapaz de ser
apreendido pelo saber de outro indivíduo em sua totalidade, multiplicidade e
complexidade. Nesta linha, escreve:
55
outro e de todos, como iguais em suas diferenças e como indivíduos tornados
sujeitos livres.
Assim como o resgate da proximidade da política com a justiça,
rompendo com a pseudo-neutralidade tecnicista weberiana que permeia os
procedimentos judiciais na modernidade e uma justiça de pequena escala
[14], mas que se pretende pretensamente como universal (apreendendo e
produzindo sentidos gerais e abstratos).
Neste sentido, as juventudes como categoria, ainda que desorganizada,
podem contribuir com as suas entidades identitárias, com seus saberes e
sofrimentos historicamente silenciados, com a suas vidas de subalternidade
como elemento congregador. Fato que permite a estes indivíduos retornarem
a si e tomarem consciência de sua própria condição (de subalternidade e
dominação) a irromperem no real pela rebeldia, como propunha Alain
Touraine (2007), transformando-se em categoria, não meramente analítica,
mas também de atuação, de contestação, projetando fazer parte ativa na
modernidade como protagonista de suas próprias histórias, não apenas na
condição de objeto da história e projeção das expectativas adultocêntricas.
Desta forma, propõe Lévinas:
56
Essa dinâmica de tomada de consciência diante da própria
subalternidade, bem como a capacidade e potencialidade do conhecimento
que se produz a partir desta dinâmica inter-relacional e intergeracional (tendo
em vista que a grande guerra epistemológica se trava entre gerações), leva ao
que Dussel (2009) chama de potentia existente em todo e qualquer indivíduo
por si só, em sua vontade de viver (e aí se inclui a vontade/necessidade de
fazer parte e ser reconhecido), transformada em potestas legítima. Isto é,
quando a categoria fragmentada e desorganizada, ganha corpo e toma forma
simbólica e discursiva, transformando-se em multidimensionalidade humana,
de contato, de relações, de saberes e sofrimentos compartilhados e
interiorizados, tornando-se política.
Assim, um novíssimo paradigma de sociabilidade passa, em grande
medida, por processos complexos e abrangentes de modificação e de
reafirmação cultural, de tomada de consciência, uma consciência não
meramente contemplativa, mas (re)ativa, modificadora, emancipadora e
libertadora.
Emancipação que é tributária da criação e recriação de dinâmicas
democráticas a partir de uma perspectiva da democracia construída pelos
próprios envolvidos em sua trama diária, e não mais meramente como um
projeto de governo, outorgando tal papel aos súditos do Estado, a partir de
uma cidadania instituinte, para uma democracia instituída, como propunha
Vera Regina Pereira de Andrade (2003a). Esta culmina com a quebra do
monopólio de dizer o direito por parte do Estado, em que se empodera as
capacidades de dizer o que fazer com as relações conflituosas e as pessoas nele
envolvidas, a partir dos próprios envolvidos. Rompendo-se com o binômio
entre poder-saber científico e comum, como preconizado na Revolução
Paradigmática por Boaventura Sousa Santos (1987; 89).
57
Nesse sentido, entende-se como dois elementos centrais e
intimamente ligados. Primeiro, o empoderamento dos indivíduos em sua
capacidade simbólica das entidades juvenis como dotados da potencialidade
de produzir saber e tal saber como legítimo, que produz os sentidos para a
vida do próprio indivíduo significante, assim como representa a quebra das
estratégias dominadoras disfarçadas de educação ou reintegração social.
Em segundo, a multidimensionalidade, o inter-relacionamento, o
contato permeado pelo diálogo, sendo este um dos grandes nós da
problemática da democracia e do paradigma de juridicidade moderna – a
incapacidade genética e epistemológica de diálogo –, pois, este impõe o
reconhecimento do outro como figura dotada de poder. Conforme traz
Lévinas (1997):
58
comunitários. Visto que uma Justiça deve ser não neutra, mas comprometida
e contextualizada com o meio em que se insere.
Assim que se propugna por uma revolução paradigmática, como
anunciava e exaltava Santos (1987), que permita irromper e ressignificar ou
(dês)pensar o direito e a política como estruturas basilares do paradigma
moderno de sociabilidade.
Com isso, levando em consideração o fato da multidimensionalidade
juvenil subalterna produzir um direito de grande escala [15], ou uma
microgovernança da justiça a partir de um processo radical de democracia e
participação social, refundando a cidadania e a sua capacidade de produzir
saber e legitimar conhecimentos, produzir na periferia da epistemologia
dominante.
Considerações finais
59
constituem-se em verdadeira arma de combate e (re)legitimação do próprio
sistema, enquanto mantêm as suas amarras firmes e fortes à dinâmica
iluminista técnico-mecânico e fortemente instrumentalista (utilitária).
Esses lugares comuns do discurso moderno legitimam ou mantêm em
cambaleante vida o que se trabalhou acima como pacto humanitário que, na
contemporaneidade, manifesta-se em alguns discursos politicamente corretos,
manietados com práticas sistêmicas de obsolescência e falibilidade
programadas. Um exemplo disso é o discurso do constitucionalismo
positivista que é proposto como a grande pedra angular para a gestão dos
Estados nacionais modernos e suas gigantescas máquinas, sobretudo, os de
orientação liberal, permeados por seu discurso de cristalização e princípios
universais de direitos e comandos morais da vida social que se
operacionalizam a partir da positivação e pretensão de garantia atemporal e
desconstextualizada de regulação e participação mecânica, um estado de
direito e uma democracia formatada em direção ao que se poderia chamar de
uma Atenas global, sempre sob a égide do padrão burguês – o ethos burguês
internacionalizado, naturalizado.
No que diz respeito em especial ao sistema penal, e como decorrente
do discurso positivo constitucionalista pseudo-humanitário, a proposta do
sistema de garantias, seguido de todas as ideologias re que o acompanham, a
ressocialização, a reeducação (...). Verifica-se que a modernidade imbuída de
seu humanitarismo caritativo-filantrópico punitivo não consegue desfazer-se
das amarras do tecnicismo instrumental e toda a sua potencialidade de
reproduzir dor e perversidades, que o vinculam ao sistema penal como
ferramental modificadora, modeladora e docilizadora do humano, ainda que
se tenha verificado nesta curta idade do próprio sistema, em termos de
formação histórica (algo em torno de 200 anos), a sua total incapacidade de
cumprir a função para a qual fora criado – ao menos em tese, pois se relembra
60
a hipótese das funções não declaradas de Vera Regina Pereira de Andrade
(2003a).
Em relação ao segundo ponto, (2), a proposta crítico-marginal,
trabalha-se com a contribuição de Alessandro Baratta (1999) acerca da
Criminologia Crítica com um viés que parte do constructo de crime como
sendo socialmente construído e resultado da atuação do próprio sistema. Esta
atuação-criação se dá e é compreendida não apenas de uma fenomenologia do
crime (como intentou o próprio labeling approach – sem desconsiderar as
valiosíssimas construções que legaram), mas de uma compreensão estrutural
da construção e atuação sobre o crime, que é permitida a partir de uma análise
eminentemente de orientação dialético-materialista, como já propunha
Miaille (2005), tendo em vista se tratar de resultado do modo de produção da
vida social.
A partir do desvelo dos paradoxos conceituais e operacionais do
sistema penal entre a abstração e generalidade de seu discurso e a concretude
e perversidade produzidas pela sua atuação, trabalha-se com o que tem de
radical na realidade dos fenômenos externos e relacionais e o contato do
grupo social definido como inimigo com o sistema programado para resolver
conflitos e metaprogramado para perpetuar os mesmos conflitos e manter a
sua utilidade e funcionalidade sistêmico-regulatória.
Como refere Zaffaroni (1991) sobre o realismo, imposto como
imperativo ético, a partir de todo arcabouço teórico e empírico, que não
permite que se prossiga com justificações alucinantes em termos de delito, da
defesa social, de recuperação de indivíduos a partir do sistema e toda a sua
violência estrutural, como sendo a única forma de gestão dos conflitos, ou
mesmo que estes continuam sendo uma questão patológica, assim como seus
autores – e que tais posturas não se justificam como práticas urgentes que se
tornaram permanentes, ou mesmo contingentes cuja permanente necessidade
61
de reforma é o maior atestado de falência congênita e imanente. Alessandro
Baratta (1999) aponta como necessário o compromisso de, para além da
compreensão da complexa trama envolvendo o crime, o sistema e a sua
clientela, contribuir com um processo de mudança, que ultrapassa os
paliativos político-criminais tecnológicos, mas que reside em uma profunda
mudança que redesenha toda a relação entre a criminologia, a política
criminal e o sistema de justiça, contemporaneamente pautados por uma
relação de sujeição entre as primeiras à última, uma mudança cultural em
torno do desvio.
Esse aporte teórico-prático, no que diz respeito à realidade latino-
americana, ganha outro e importantíssimo elemento que, segundo Zaffaroni
(1991), desenha-se na figura do marginal – uma criminologia marginal –,
tendo em vista que para conseguir perpassar e construir os passos e elementos
apontados acima, necessário se faz assumir a face, a voz, a experiência e a
existência dos indivíduos que sempre só fizeram parte da modernidade e seu
paradigma de sociabilidade e gestão social a partir da exterioridade e diante
do sistema e maquinaria penal são a voz silenciada e a versão negada, o
fragmento de verdade que é tornado irrelevante.
Ao fim e ao cabo, é necessária a completa reestruturação e
ressignificação do paradigma de juridicidade a partir desta entidade marginal
e todo seu arcabouço histórico-cognitivo, de modo a permitir a construção de
dinâmicas comunitárias de solução de conflitos de forma alternativa, dialogal
e pacífica, comprometida com a estrutura social em que se encontra uma
microgovernança da justiça. Nesta linha, apresenta-se a necessidade de uma
estrutura de organicidade (ou institucionalidade), que não seja
necessariamente estatal (ou tenha como este qualquer vinculação), para que se
permita a colocação em prática do projeto que redunda e se desenrola com
diversas questões altamente complexas e dificultosas quando saem do plano
62
das ideias e se encontram as pessoas (e seus conflitos) – ou seja, com seus reais
produtores.
Referências bibliográficas
63
_____. Flagrando a ambiguidade da dogmática penal com a lupa criminológica:
que garantismo é possível da parceria criminologia – penalismos críticos? In:
Revista Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos/PPGD-UFSC v. 30 n. 59.
Florianópolis/SC: Fundação Boiteux, 2009. p. 161-192
_____. Democracia y Derechos del Niño. In: UNICEF. Justicia y Derechos del
Niño, n. 9. Santiago/Chile, 2007. p.17-25.
64
_____. Legisladores e Intérpretes. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro:
Zahar, 2010.
65
DEL OLMO, Rosa. A América Latina e sua Criminologia. Tradução de
Francisco Eduardo Pizzolante. Rio de Janeiro: Revan/ICC, 2004.
66
LEVINAS. Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Tradução de
Pergentino Stefano Pivatto; et all. Petrópolis/RJ: Vozes, 1997.
LIMA, Cezar Bueno de. Jovens em Conflito com a Lei: liberdade assistida e
vidas interrompidas. Londrina: EDUEL, 2009.
67
ROSA, Alexandre Morais da. Introdução Crítica ao Ato Infracional: princípios
e garantias constitucionais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.
_____. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. São Paulo:
Editora Cortez, 2006.
68
SOUZA, Tatiana Yokoy de. Um estudo dialógico sobre institucionalização e
subjetivação de adolescentes em uma casa de semiliberdade. São Paulo: IBCRIM,
2008.
SPOSATO, Karyna Batista. O jovem: conflitos com a lei. A lei: conflitos com
a prática. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais n.30. São Paulo: RT;
IBCCRIM, 2000. pp. 109-114.
69
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico: Fundamentos de uma nova
cultura do Direito. São Paulo: Editora Alfa Ômega, 1997.
70
Notas de fim
[1] Para saber mais, ver Jon Savage (2009) e o desenvolvimento cultural, e
político-social da juventude na primeira metade do século XX.
[2] Segundo Edson Passetti (1985), “nem toda criança ou jovem é menor.
Menor é aquele que em decorrência da marginalidade social se encontra, de
acordo com o código de menores, em situação irregular [ainda que tal
condição legal tenha deixado de existir, a condição material continua viva].
Esta engendra condições para que ele cometa infrações, condutas anti-sociais
que no seu conjunto revelam prática delinquencial. O combate a isso exige
uma instituição criada para suprir as deficiências de adaptação decorrentes da
vida marginal. Menor é aquela criança ou jovem que vive na marginalidade
social, numa situação irregular”. (p.37).
[3] Termo utilizado por Loic Wacquant (2005; 2008) para se referir a este
contingente de subumanos criados e geridos na modernidade a partir da
punição.
71
[5] De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o índice de
homicídios acima de 40 para cada cem mil habitantes é indicativo de guerra.
72
Casa de Semiliberdade (CSL) de Brasília/DF, que resultou na obra “Um
Estudo Dialógico Sobre Institucionalização e Subjetivação de Adolescentes
em uma Casa de Semiliberdade”; apresentando tipologias e analisando perfis
dos jovens internos (SOUZA, 2008).
[11] Salienta-se que para esta análise, não se entende esta corrente como
antagônica às demais (correntes criminológicas), pelo contrário, seria uma
complementação em outro nível de análise do fenômeno criminal.
[12] Tendo em vista que o mapa perfeito deveria ter a extensão do planeta,
com todos os seus detalhes, entretanto, perderia a sua operacionalidade e
razão moderna de ser.
73
[13] Fala-se da suposta e alegada perda do equilíbrio e da consequente guerra
de todos contra todos no caos social, caso a estrutura social perca a sua
centralidade.
74
Educação em Direitos Humanos na infância e
juventude: perspectivas para construção da cidadania
em uma cultura de paz
Human rights education in childhood and youth: perspectives for the construction of
citizenship on a culture of peace
Educación en derechos humanos en la infancia y la juventud: perspectivas para la
construcción de la ciudadanía en una cultura de paz
Introdução
1- Pensando cidadania
76
seu conceito, enquanto direito a ter direitos, recebe várias interpretações.
Desse modo, a noção que se generalizou, embora não seja única e nem
estanque, foi a referida acima, ou seja, o trinômio direitos civis, políticos e
sociais, oriunda da concepção de Tomas Humphrey Marshall.
No que se refere à criança e, por que não dizer, ao adolescente, a
cartilha de Educação Inclusiva do Ministério da Educação esclarece que:
77
2- Considerações sobre infância e juventude
78
buscava, através desta obra, demonstrar aos adultos as crueldades a que eram
submetidas as crianças de seu tempo. A partir daí, outros filósofos passaram a
adotar suas ideias, disseminando o tema para reflexão. Assim, a modernidade
será caracterizada por importantes transformações:
Resta claro que ainda nesta época, a proteção era ínfima. O trabalho
infantil, sempre presente durante a história da humanidade, propagou-se na
sociedade capitalista, pois no século XIX com a industrialização, os casos de
exploração da mão de obra infantil e juvenil eram massivos, e estas, muitas
vezes, suportavam jornadas de trabalho de dezesseis horas por dia ou mais.
(FERREIRA, 2001)
Neste contexto, o acesso à escola para essa massa de jovens
trabalhadores era impensado e, estima-se queem 1840 apenas 20% da infância
londrina contavacom alguma instrução. As crianças começavam a trabalhar
79
nas indústrias têxteis com três anos de idade e nas mineradoras aos cinco
anos, muitas faleciam antes atingir os vinte e cinco anos, devido às condições
terríveis as quais eram expostas. (FERREIRA, 2001)
Em que pese esta conjuntura conturbada, ao final do século XIX e
início do século XX, os estudos de Sigmund Freud surgem como
contribuições decisivas para a delimitação entre a infância e juventude e logo
são percebidos pela Pedagogia e Psicologia. (NUNES, 2000) A partir destas
novas percepções, inicia-se um processo de maior atenção a estas faixas
etárias:
Observe-se que ainda assim, nos dias atuais, os padrões ligados à idade
estão intimamente relacionados com a cultura, sendo que estes podem não ser
80
compartilhados da mesma forma de uma sociedade para outra (BEE, 1997),
pois os valores e crenças não são os mesmos para sociedades ocidentais e
orientais, nem tão pouco entre países, comunidades ou tribos.
Entretanto, o paradigma de proteção total emergente no final do
século XX, está bem retratado no que se refere ao Brasil, tendo em vista que a
Constituição Federal de 1988 carrega consigo vários comandos legais neste
sentido. Deste marco legal, outras normas sucederam como o Estatuto da
Criança e do Adolescente e as políticas públicas de educação, conforme será
explorado a seguir.
81
Nesta esfera, foram apresentados os direitos mínimos, entretanto,
coube à seara da legislação infraconstitucional regulamentar muitas
demandas, resultando em documentos como Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Plano Nacional de
Educação e Políticas de Educação em Direitos Humanos. A seguir, verifica-
se do que se tratam os referidos documentos, bem como o próprio conceito de
cidadania.
82
3.2-Lei de Diretrizes e Bases da Educação
83
destinação e do uso dos recursos financeiros do poder público em matéria de
educação.
Neste âmbito, a referida lei disciplina a educação escolar, que se
desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições
próprias e traz consigo preceitos de universalização do acesso ao ensino, algo
que, conforme destacado anteriormente, por longos períodos, foi impossível.
A fim de ilustrar tal afirmativa, colaciona-se a seguir o art. 4º da LDB:
84
mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em
que completar 04 (quatro) anos de idade. (BRASIL, 1996).
Idades: 4a6 7 a 14 15 a 17 4 a 17
Brasil (1996) 53,80% 91,20% 69,40% 79,70%
Região Norte (1996) 52,60% 91,60% 76,90% 81,50%
Região Nordeste 56,20% 86,40% 65,60% 76,60%
(1996)
Região Sudeste (1996) 56,20% 94,10% 72,30% 82,40%
Região Sul (1996) 46,00% 93,60% 66,00% 78,50%
Região Centro-oeste 46,80% 92,90% 71,50% 79,30%
(1996)
Fonte: Resultados preliminares da amostra do Censo Demográfico
2010
- Sidra/IBGE
4a6 7 a 14 15 a 17 4 a 17
Brasil (2010) 85,00% 96,90% 83,30% 91,50%
Região Norte (2010) 75,50% 94,50% 81,30% 87,80%
85
Região Nordeste 89,50% 96,80% 82,80% 92,20%
(2010)
Região Sudeste (2010) 88,00% 97,20% 85,00% 92,70%
Região Sul (2010) 77,70% 97,80% 81,40% 90,20%
Região Centro-oeste 78,70% 97,20% 83,10% 90,30%
(2010)
Fonte: Resultados preliminares da amostra do Censo Demográfico
2010
- Sidra/IBGE
86
Sua primeira materialização, após a Constituição Federal de 1988, foi
realizada através da Lei n. 10.172/2001 e prevê a elaboração de planos
decenais correspondentes, conforme definido em seu art. 2º. Saviani (2004)
analisou este primeiro PNE, pós 1988, como algo descolado dos anseios
maiores da população brasileira, voltado para a manutenção de um estado de
coisas já vigente, sendo este documento, mais uma vez, objeto de debates
intensos por parte dos educadores.
Entretanto, também neste texto oficial, percebe-se a ideia de escola
como meio de construção da cidadania para jovens e crianças, pois se trata de
sua primeira prioridade:
87
objetivos que foram fixados no início da década de 2000, como
também equívocos em relação a algumas metas que não
correspondem aos anseios e reivindicações de setores organizados
da sociedade. No momento em que são abertas as discussões em
relação a um novo PNE, é necessário, à luz do debate
contemporâneo, examinar criticamente as ações realizadas, seus
avanços e limites, de modo a contribuir para traçar novos
horizontes para a educação brasileira. A avaliação do PNE
evidencia que a ausência de cumprimento das metas não pode ser
atribuída apenas à instância da União. Esta tem responsabilidades
concretas, mas os estados, o Distrito Federal e os municípios são
corresponsáveis pelos compromissos do Plano. Dependendo da
forma como se efetivam as relações entre os entes federados, dos
arranjos institucionais e das condições políticas existentes, as metas
poderão ser ou não alcançadas. Não se pode descurar, entretanto, o
fato de que as desigualdades socioeconômicas do país contribuem
para determinar o mapa das desigualdades educacionais e,
portanto, seria ingênuo supor que apenas medidas de caráter
burocrático-administrativo pudessem elevar o patamar de
escolaridade da população brasileira. Esta situação mostra bem a
complexidade dos problemas que o país ainda enfrenta, bem como
a necessidade de estabelecer políticas articuladas e ações
concertadas entre Estado e sociedade civil para garantir a todos o
direito à educação de qualidade social. (AGUIAR, 2010, p.723-
724).
88
O novo PNE terá a vigência compreendida entre 2010 a 2020 e,
neste, já se verifica novas promessas de uma educação melhor e mais
abrangente, voltada para ações inclusivas. O Projeto de lei permanece em
discussão na Câmara dos deputados e ainda não foi votado, estima-se que a
votação ocorra ainda no primeiro semestre de 2012, de acordo com as
informações veiculadas na Agência Câmara de Notícias [3].
Com base no que foi verificado, é possível perceber que os
documentos referidos estão voltados aos propósitos mencionados, entretanto,
para que se consolide o entendimento, faz-se necessário abordar o Plano
Nacional de Educação em Direitos Humanos a seguir.
89
princípios e linhas de ação em cinco eixos que são Educação Básica;
Educação Superior; Educação Não Formal; Educação dos Profissionais dos
Sistemas de Justiça e Segurança Pública e Educação e Mídia, a fim de
alcançar seus objetivos. Nesse sentido, interessa examinar o que o PNEDH
institui para a Educação Básica, a qual engloba crianças e adolescentes.
90
valores, atitudes e comportamentos que respeitem estes direitos e, por fim, a
terceira dimensão está ligada a ações que desencadeiem atividades de
promoção, defesa e reparação das violações de direitos humanos (PNEDH,
2008).
Para alcançar os objetivos, anteriormente descritos, uma série de
princípios norteadores é considerada como fundamental para o alcance destes
propósitos na educação básica. A saber:
91
f) a prática escolar deve ser orientada para a educação em direitos
humanos, assegurando o seu caráter transversal e a relação
dialógica entre os diversos atores sociais. (PNEDH, 2008, p. 32).
92
entre outros, bem como todas as formas de discriminação e violações de
direitos. Prima, em síntese, pela equidade nas relações, pesquisa e integração
de diversos atores sociais no intuito de banir todas as formas de violência e
punições corporais.
São ações de profunda relevância e temas que urgem serem discutidos,
pois o contexto escolar da atualidade retrata várias condições que reproduzem
a sociedade desigual e complexa onde crianças e adolescentes estão inseridos,
as quais não podem ser dissociadas da sua trajetória escolar e de sua
constituição como aluno.
93
Como bem coloca Abramovay (2002), a compreensão da violência nas
escolas exige a análise de uma série de fatores externos e internos. A autora
enumera como fatores externos as questões de gênero, raciais, meios de
comunicação e espaço em que a escola se insere; ainda define os fatores
internos como série, idade e nível de escolaridade do aluno, bem como as
regras e disciplinas do projeto pedagógico, o impacto dos sistemas de punição
e comportamento dos professores em relação aos alunos e vice-versa.
Nesse sentido, resta claro que a violência crescente que permeia nos
cenários da educação básica é campo extremamente complexo e rico em
atores que fazem parte deste processo. Assim, há muito para refletir e
construir no sentido de transformar esta realidade social.
A Educação em Direitos Humanos é uma proposta que vem ao
encontro da necessidade de modificação de valores e cultura de respeito entre
os atores sociais. Incidindo na qualificação dos professores, apresenta-lhes
uma nova ótica de sua própria realidade, da sua escola e alunos; voltadas para
os estudantes da educação básica, esclarece e cultiva novos paradigmas,
demonstra que é possível conviver de forma pacífica com as diferenças e ter
presente os Direitos Humanos como algo próximo de si, de sua propriedade.
Desde que foi criado o PNEDH, as suas temáticas deveriam ser
tratadas de forma transversal nos diversos conteúdos ministrados, mas não
eram assuntos obrigatórios no currículo escolar. Todavia, em maio de 2012, o
Conselho Nacional de Educação estabeleceu as diretrizes nacionais para a
Educação em Direitos Humanos, as quais preveem que estes assuntos sejam
de fato abordados, quer de forma transversal ou como disciplina específica.
Nesse sentido a resolução define, inclusive que:
94
da comunidade, como saneamento básico, Educação, moradia e
transporte, entre outros. Além disso, o órgão pede que sejam
levados, para debate em sala de aula, exemplos de discriminações e
preconceitos comuns na sociedade. (MANDELLI, 2012, p.02)
Considerações finais
95
o conceito de proteção total, no qual este público passou a ser sujeito de
direitos, recebendo um olhar mais atento do Estado, inclusive no que se
refere ao acesso à educação, ampliado sobremaneira nos últimos anos,
seguindo a proposta da Constituição Federal de 1988, também chamada de
Constituição Cidadã.
A partir deste marco, vários documentos importantes foram editados,
a fim de levar adiante a proposta de proteção e educação, neste ensaio foram
eleitos o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, o Plano Nacional de Educação e o Plano Nacional de Educação
em Direitos Humanos. Tais documentos estão intimamente relacionados
com a temática da construção da cidadania a partir da escola, tendo como
ápice destas ações o PNEDH.
Em que pese diversas divergências acerca da qualidade da escola no
país, o fato é que a cada ano a democratização do ensino se traduz em
números mais expressivos, assim, chegam anualmente às escolas crianças e
adolescentes de diferentes realidades e contextos sociais. Frequentemente,
estas diferenças resultam em conflitos de toda a sorte, o que denuncia a
necessidade premente de uma cultura para a paz promovida pela Educação
em Direitos Humanos.
Não se pretende atribuir à EDH a tarefa de “salvadora de todos os
males”, mas sim, um caminho possível e real nas mãos dos educadores para
estimular os estudantes e auxiliá-los no caminho da construção da cidadania,
já a partir do contexto escolar.
Referências bibiográficas
96
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brasil/brasil/>. Acesso em: 15 maio 2012.
100
Notas de fim
101
102
Quando inventamos novas ervas daninhas para
expurgar do jardim: ou, da redução da maioridade
penal sob um prisma sociológico (e político) na
modernidade líquida
When we invented new weeds to expurgate from the garden: or, concerning
the reduction of criminal majority under sociological (and politic) view in the
liquid modernity
Cuando inventamos nuevas malezas a expurgar del jardín: o la reducción de la
mayoría penal bajo un prisma sociológico (y política) en la modernidad líquida
Introdução
104
momento ainda flutuaram, colados às paredes do funil, junto com
os restos do naufrágio. Logo no início, os dois irmãos – o mais
moço já fora arrancado pelo temporal – estavam muito tomados
pelo medo para pensar claramente e observar atentamente o que
ocorria em torno deles. Depois de algum tempo, entretanto, assim
nos conta Poe, um dos irmãos foi capaz de vencer seus temores.
Enquanto o irmão mais velho se encolhia desamparadamente no
bote, paralisado pela vizinhança do desastre, o mais jovem
acalmou-se e começou a observar tudo à sua volta, com certa
curiosidade. Foi então, enquanto tudo considerava, quase como se
não estivesse envolvido, que notou certa regularidade de
movimentos nas peças que estavam sendo arrastadas em círculos,
juntamente com o bote. Resumindo, enquanto observava e refletia,
ele teve uma “ideia”; uma visão reveladora do processo em que
estava envolvido; e uma “teoria” começou a se formar em sua
mente. Olhando a sua volta e raciocinando, chegou à conclusão de
que os objetos cilíndricos desciam mais lentamente do que os
objetos de quaisquer outros formatos e que os menores afundavam
mais devagar do que os grandes. Baseado nesse quadro sinótico das
uniformidades do processo no qual estava envolvido e
reconhecendo a importância dessas uniformidades para sua própria
situação, tomou a iniciativa correta. Enquanto o irmão continuava
imobilizado pelo medo, ele se amarrou a um barril. Encorajando
em vão o mais velho a fazer o mesmo, pulou no mar. O bote, com
o irmão ainda nele, desceu mais rapidamente, sendo, afinal,
engolido pelo abismo enquanto o barril a que ele se amarrara
afundava muito lenta e tão gradualmente, que à medida que a
inclinação do funil se tornou menos íngreme, e a rotação da água
menos violenta, ele surgiu novamente na superfície do oceano,
retornando, afinal, à vida. (1998, p.165-166).
105
Esta ilustração nos permite sintetizar alguns pontos que adotaremos
como balizamentos para as análises que pretendemos realizar: a) é uma
postura de distanciamento – sobretudo emocional e psicológico – com o
objeto e, ou, fenômeno que permite a cognição do mesmo e a
operacionalização em suas configurações; b) o excesso do engajamento no
atual contexto – o qual também se expressa como uma cultura do medo –
resulta num obstáculo ao distanciamento, este viabilizador de uma cognição
crítica e operacional da realidade; c) o distanciamento implica processos de
controle (dos instintos, dos medos, das ansiedades etc.); d) a cognição crítica
e complexa dos fenômenos (em especial os sociais) permite uma
operacionalidade que amplia as probabilidades, mas que não elimina
totalmente os riscos e as incertezas diante das configurações que se enfrenta.
106
legislação brasileira possui dispositivos normativos que responsabilizam e
sancionam (em caráter que não se pode negar como de sanções negativas, não
obstante serem denominadas como “medidas socioeducativas”) jovens abaixo
dos 18 anos quando incorrem em condutas delitivas, então chamadas de “atos
infracionais”, ou seja: o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º
8.069/90 (ECA).
É a presença em nosso sistema jurídico de normas capazes de
responsabilizar e sancionar adolescentes infratores que redimensiona
questionamentos e argumentos no debate proposto; passa-se a perguntar:
Pode-se sancionar penalmente menores de 18 anos? São suficientes as
medidas previstas no ECA? E se argumenta: O ECA é tolerante com os
infratores e não intimida os que pretendem transgredir a lei. O adolescente
possui discernimento do “certo e do errado”, devendo responder, portanto, no
nível penal por seus atos; argumento ao qual se agrega o fato da legislação
brasileira permitir o exercício do voto a partir dos 16 anos, como uma
confirmação da maturidade e, então, capacidade de imputabilidade.
Os contra-argumentos reforçam a existência do ECA e estabelecem
paralelismos entre as medidas por este previstas e as punições existentes no
sistema jurídico-penal. Também se escudam no argumento de ser a
maioridade penal aos 18 anos uma “cláusula pétrea” da Constituição Federal,
fato que impediria sua alteração na forma atualmente pretendida.
Os argumentos e os contra-argumentos são plausíveis; todos são fortes
em seus conteúdos, mas, igualmente, todos possuem seus pontos frágeis...
todos se esvaziam num debate que é infértil... Entretanto, sempre nos exigem
a eles enfocar. Por tal motivo, neste primeiro momento, vamos nos ater às
duas linhas principais que vislumbramos neste debate, sob a perspectiva que
nos propomos a nele contribuir: Pode-se sancionar penalmente menores de
18 anos? São suficientes as medidas previstas no ECA?
107
O ECA possui medidas de responsabilização dos adolescentes
infratores que, apesar de serem chamadas de “medidas socioeducativas”, por
ser o adolescente considerado uma pessoa em formação (e é de se lembrar dos
discursos ressocializadores, reeducadores e outros “re” que buscam sustentar a
“legitimidade” das sanções jurídico-penais modernas), são medidas,
objetivamente, similares às penais. Existe, assim, um significativo nível de
paralelismo entre as responsabilizações do ECA e as do sistema penal
aplicado aos adultos, como se pode verificar no quadro abaixo.
108
temporários;
III – matrícula ou frequência obrigatória
em estabelecimento oficial de Ensino
Fundamental;
IV – inclusão em programa comunitário
ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente;
V – requisição de tratamento médico,
psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos.
109
duração da 3.º; no caso do art. 122 III, no máximo, penal estabelece
sanção três meses, conforme art. 122 § 1.º. quantidades de penas
privativa de mínimas e máximas a cada
liberdade delito. Em casos de
condenações ou somatórios
de condenações que
ultrapassarem os 30 anos de
pena, este limite não
poderá ser ultrapassado na
execução da privação da
liberdade (artigo 75 do
Código Penal).
Tempo mínimo Não há tempo mínimo previsto, O tempo estipulado na
de duração da contudo, tem-se como prática seis sentença, já que a legislação
sanção meses, já que este é o período máximo penal estabelece
privativa de previsto para as (re)avaliações do quantidades de penas
liberdade adolescente, conforme art. 121 § 2.º. mínimas e máximas a cada
delito.
Possibilidade Sim. Através das (re)avaliações Sim. Através dos institutos
de acesso à previstas no art. 121 § 2.º. do sistema progressivo da
liberdade antes execução penal. Conforme
do tempo critérios especificados no
máximo artigo 83 do Código Penal
o Livramento Condicional
pode ocorrer em 1/3, ½ ou
2/3 da pena; contudo,
mesmo assim pode existir
revogação deste.
Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90); Código
Penal brasileiro; Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210/84).
110
privativas de liberdade aplicadas podem ser responsabilizados com medidas
privativas de liberdade. O paralelismo ainda avança em aspecto fundamental
da sanção máxima de ambos os sistemas: d) privar da liberdade, seja nas
condições previstas de forma idealizada pela lei, seja nas péssimas condições
em que tendem a se encontrar os estabelecimentos (prisionais ou
socioeducativos), produz sensações e processos sociopsicológicos similares em
termos de socializações e sofrimentos.
Por fim, o paralelismo ainda existe, só que, neste ponto, fragiliza-se
nos “crimes” muito violentos e nos casos de reiterados atos e condenações, em
relação ao tempo de privação de liberdade que o “responsabilizado” poderá ser
submetido. Exemplos vários podem ser elaborados tanto para comprovar
como para atacar esta última afirmação. Motivo pelo qual, para evitar
descrevê-los, reforçamos que tal paralelismo (tempo de duração da privação
da liberdade) só se fragiliza em crimes muito violentos ou nos casos de
reiterados atos e condenações.
Voltaremos adiante com outras reflexões a respeito desses paradoxos e
paralelismos, por enquanto, avançaremos na segunda linha de argumentos e
contra-argumentos para, então, atingirmos o aspecto que nos parece ser o
mais fundamental no debate e análise da redução da imputabilidade penal.
O adolescente possui discernimento do “certo e do errado”, devendo
responder, portanto, no nível penal por seus atos. Concordamos com a
primeira parte do argumento. Sim, o adolescente possui discernimento do
“certo e do errado”, possui maturidade para ser responsabilizado (e o é!), mas
isto deve implicar ampliar a faixa de imputabilidade penal?
Antes de seguir em qualquer contraponto, é preciso esclarecer uma
posição que me é muito pessoal: estou convicto de que podemos trabalhar
com toda uma outra lógica de enfrentamento da conflitualidade que não
precise passar pelo sistema penal, o qual é um sistema de perversidades e
111
dores. Claro que uma proposta radicalmente abolicionista não é aplicável de
um dia para o outro, entretanto, podemos estabelecer práticas que nos
permitam caminhar neste sentido. O sistema atual, contudo, parece só saber
trabalhar com demandas que conduzam a uma maior punição.
Voltando ao contraponto, e pensando nos paralelismos já apontados, o
questionamento que então nos surge é: o que se ganha, substancialmente,
numa perspectiva de enfrentamento da conflitualidade e de harmonização
social, com a redução da maioridade penal? É algo a ser respondido adiante,
pois é aqui que nos propomos a inverter o tipo de questão que se costuma
utilizar como balizadora do debate. Ao invés das questões: Pode-se (ou é
adequado) sancionar penalmente menores de 18 anos? São suficientes as
medidas previstas no ECA? Propomos a seguinte pergunta: Por que nossa
sociedade (nós) quer(emos) tanto que os adolescentes sejam punidos nos
termos do Direito Penal, e naquilo que de mais penal tem este “Direito”?
112
outro –, pode também ser considerada tanto como o resultado de um processo
de apropriação do mundo pelo homem, que se percebe potente na sua
capacidade cognitiva, inventiva e tecnológica, como a busca do homem por
um mundo apropriado, adequado, “perfeito”!
Na visão de Zygmunt Bauman:
113
atribui ao Estado o papel de “intervir de modo a realizar passo a passo a
justiça social, como parte de um progresso metanarrativo” (2002, p.19).
Adequada, nessa perspectiva, a metáfora utilizada por Bauman para
sintetizar o sentido da modernidade – a Metáfora do Jardim, ou da Lógica do
Jardineiro –, e tal, seja para pensarmos a atuação do Estado, seja para
verificarmos a cultura da modernidade como uma cultura de jardinagem e
paisagismo:
A cultura moderna é um canteiro de jardim. Define-se como um
projeto de vida ideal e um arranjo perfeito das condições humanas.
Constrói sua própria identidade desconfiando da natureza. Com
efeito, define a si mesma e à natureza, assim como a distinção
entre as duas, por sua desconfiança endêmica em relação à
espontaneidade e seu anseio por uma ordem melhor,
necessariamente artificial. À parte o plano geral, a ordem artificial
do jardim precisa de instrumentos e matérias-primas. Também
precisa de proteção contra a ameaça implacável de – óbvio – uma
desordem. A ordem concebida originalmente como um projeto,
determina o que é um instrumento, o que é matéria-prima, o que é
inútil, o que é irrelevante, o que é perigoso, o que é erva daninha e
o que é uma praga. Classifica todos os elementos do universo pela
relação que têm com ela. Tal relação é o único sentido que lhes
concede e tolera – e a única justificativa para os atos do jardineiro,
diversos como as próprias relações. Do ponto de vista do plano
geral, todas as ações são instrumentais, enquanto todos os objetos
de ação são coisas que facilitam ou estorvam o plano. (1998a,
p.115-116).
114
sociedade ordeira, afinada com os preceitos da razão. A sociedade
racionalmente planejada era a causa finalis declarada do Estado
moderno. O Estado moderno era um Estado jardineiro. Sua
postura era a do jardineiro. Ele deslegitimou a condição presente
(selvagem, inculta) da população e desmantelou os mecanismos
existentes de reprodução e autoequilíbrio. Colocou em seu lugar
mecanismos construídos com a finalidade de apontar a mudança
na direção do projeto racional. O projeto, supostamente ditado
pela suprema e inquestionável autoridade da Razão, fornecia os
critérios para avaliar a realidade do dia presente. Esses critérios
dividiam a população em plantas úteis a serem estimuladas e
cuidadosamente cultivadas e ervas daninhas a serem removidas ou
arrancadas. Satisfaziam as necessidades das plantas úteis (segundo
o projeto do jardineiro) e não proviam as daquelas consideradas
ervas daninhas. Consideravam as duas categorias como objetos de
ação e negavam a ambas os direitos de agentes com
autodeterminação. (1999a, p.29).
115
A modernidade – apesar de suas premissas a indicarem como uma
sociedade de inclusão social e bem-estar generalizados – por se pautar e se
propor como um projeto ordenador e paisagístico (de jardinagem) não se
compatibiliza com o abrir mão da categorização de seus elementos, inclusive
e, sobretudo, humanos, de atribuir lugares determinados às categorias
estabelecidas e de, eventualmente (ou mesmo como regra), não reservar lugar
nenhum a algumas dessas categorias. Assim como no jardim existe a grama,
que não ocupa o lugar privilegiado das flores, assim como existe a erva-
daninha, que deverá ser expurgada, também na ordem social da modernidade
existem lugares distintos para categorias distintas, e categorias às quais não se
reservou nenhum lugar, as quais são excedentes como o são as ervas-daninhas.
O sonho da modernidade, como capaz de realizar suas promessas
gerais de inclusão e bem-estar, manteve-se até o quarto final do século XX,
impulsionado, sobretudo, pela imagem de países europeus e dos Estados
Unidos da América que, em especial, no “pós segunda guerra mundial”,
experimentaram o que se pode chamar dos “anos dourados”. Contudo,
processos descritos como a “revolução cultural do individualismo e a crise
econômica e restruturação dos mercados de trabalho do mundo industrial
moderno” (YOUNG, 2002) se combinam para escancarar a inviabilidade do
paradigma moderno em relação às promessas feitas, bem como para produzir
uma nova transição, “da modernidade à modernidade recente [a qual] pode
ser vista como um movimento que se dá de uma sociedade inclusiva para uma
sociedade excludente” (YOUNG, 2002, p.23). Entretanto, esta é uma
sociedade excludente que se tornou bulímica (YOUNG, 2002), pois inclui a
tudo e todos no consumo de suas promessas e nos desejos, para depois
vomitar os excedentes.
Este, em nosso entendimento, é o “pano de fundo” no qual se deve
inserir o debate e a análise da redução da maioridade penal, ou seja, o
116
contexto de um modelo societário que, resistente em abandonar a ilusão do
sonho da modernidade e em perceber o paradoxo e a ambiguidade da ordem
como projeto de inclusão, mas necessária prática de exclusão, apressa-se em se
proteger daqueles que – categorizados pela própria dinâmica e pressupostos
do projeto como ervas-daninhas – são considerados excedentes.
Neste contexto, não é de se estranhar (ainda que com tal não se possa
compactuar) que as políticas criminais abandonem seus discursos “ético-
teleológicos”, ou os tornem quase esquizofrênicos, e construam suas
estratégias e fábricas de exclusão.
“De boas intenções o inferno está cheio” [3], diz o ditado popular; “Os
grandes crimes, frequentemente, partem de grandes ideias”, alerta Bauman; e
prossegue:
117
que se reduza a maioridade penal, mas com o acompanhamento da melhoria
dos nossos estabelecimentos prisionais.
A crença à qual o discurso das boas intenções se vincula – se quisermos
realmente acreditar que nele existem boas intenções – é a acrítica crença nas
máscaras ilusórias das chamadas filosofias “re” (ressocialização; readaptação;
reinserção; reeducação; repersonalização, etc.), as quais, como bem analisa
Eugenio Raúl Zaffaroni (2001), embasam-se e sustentam-se na ideia de que
algo falhou no (e em relação à personalidade do) sujeito que infringiu a lei,
justificando-se uma segunda intervenção, a qual, fora do contexto ideológico,
remete a uma sociedade em equilíbrio orgânico, contra a qual se insurgiu o
indivíduo a ser tratado e socialmente “curado”.
A força das filosofias “re”, como máscaras de tolerabilidade à punição,
decorre tanto da sua presença nas “boas intenções” do imaginário social como
nos próprios discursos legais. Como já expomos, a medida de
responsabilização dos adolescentes infratores se denomina “socioeducativa”
por se propor como necessária em atuar numa personalidade em formação e
que, então, já estaria se demonstrando falha – neste discurso só não se fala em
ressocialização pela atribuição dessa condição diferenciada ao adolescente:
pessoa em formação. Já a Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84 (LEP), que
trata da execução das penas impostas aos “maiores” – apesar de não utilizar o
prefixo “re” expressamente no seu texto normativo, não deixa de fazer menção
à sua finalidade de “proporcionar condições para a harmônica integração
social do condenado” (conforme artigo 1º); e, no item 14 de sua Exposição de
Motivos. Entretanto, é mais explícita ao assumir que as penas devem “realizar
a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade” (grifos no
original).
118
Contudo, o que nos surpreende é que mesmo neste sentido – ingênuo,
crente e acrítico benevolente – a redução da maioridade penal se apresentaria
desnecessária e contraditória.
O já demonstrado paralelismo entre a perspectiva de aplicação de
medidas socioeducativas e penas nos remete a verificar que os dois mais
imediatos e publicamente sensíveis efeitos práticos da redução da maioridade
penal serão: a) a viabilização do encarceramento de adolescentes no sistema
prisional; b) a expectativa desse encarceramento se prolongar por mais de três
anos.
Diante de tais efeitos, um primeiro argumento para se contrapor à
redução da maioridade penal – um argumento que acompanha a crença
acrítica nas filosofias “re” – nos levaria a questionar da necessidade de tempo
superior a três anos para que algum resultado positivo de “tratamento” fosse
alcançado. Não obstante isso, outros elementos se tornam mais contundentes
para se verificar a inadequabilidade da proposta de redução.
Tem-se descrita, desde os estudos de Donald Clemmer (1970) [4], a
prisionalização como um efeito do encarceramento, entendendo-se esta como
um processo socializador similar à assimilação, por meio do qual os costumes,
hábitos, valores da comunidade e ambiente prisional são assumidos pelo preso
no período de encarceramento. Assim, mesmo sob a crença das filosofias “re”,
ter-se-á que, como expõe Cezar Roberto Bitencourt:
119
prisionalização é um processo que leva a uma meta diametralmente
oposta a que pretende alcançar o objetivo resocializador. (1993,
p.171).
120
tempo que, numa dinâmica relacional, privilegia mais a velocidade no
percurso (distância-velocidade) do que a dimensão física a ser percorrida ou
abrangida. Como correlata a esta noção, Virilio menciona a “poluição
dromosférica”: “[...] aquela que atinge a vivacidade do sujeito, a mobilidade
do objeto, atrofiando o trajeto a ponto de torná-lo inútil” (1993, p.115).
Temos a prisão, no contexto atual, como potencializado agente de poluição
dromosférica aos que nela se encontram.
Poderíamos ampliar a grade de argumentos acerca do quão
contraditória se mostra a redução da maioridade penal (no contexto das ditas
“boas intenções” das filosofias “re”) agregando considerações sobre a
estigmatização e rotulação provocadas pelo apenamento e pelo
aprisionamento, pelos processos chamados de criminalização secundária,
através de maiores detalhamentos das perversidades em termos de processos
des-re-socializadores que as estratégias de adaptação carcerária implicam.
Não prosseguiremos nesse sentido, contudo, não só por entendermos que o
aqui exposto já se propõe como suficiente para uma reflexão mais crítica
acerca das máscaras ilusórias dos discursos benevolentes, mas, também, para
que possamos avançar no enfrentamento da questão que julgamos ser a mais
importante neste debate, ou seja, aquela que propusemos ao final do primeiro
tópico: Por que nossa sociedade (nós) quer(emos) tanto que os adolescentes
sejam punidos nos termos do Direito Penal, e naquilo que de mais penal tem
este “Direito”?
121
quando se debatem questões punitivas, dada a contaminação por estereótipos
que estes debates se permitem: “Cumpre ressaltar, desde logo, que estamos
tratando da população encarcerada e não da categorias social 'criminosos'. Há
muitos delinquentes habituais à solta, assim como muitos presos que apenas
ocasionalmente 'deram um mal passo'”. (1994, p.45).
A fala de Brant é mais um alerta para que reconheçamos a seletividade
do sistema de justiça criminal, ou seja, o fato de que nem todos aqueles que
cometem infrações à lei penal são alcançados ou atingidos por suas
instituições e intervenções punitivas.
Os estereótipos do delinquente – presentes no senso comum da
opinião pública e também nos operadores das instâncias do sistema de justiça
criminal (polícia, judiciário, sistema prisional) – favorecem que a seletividade
privilegie determinadas camadas sociais como “alvos” da intervenção penal, o
que, por sua vez, realimenta os próprios estereótipos.
122
acessam oportunidades de inserção no mundo do trabalho por vias precárias,
informais e, inclusive, ilícitas.
Esses traços de vulnerabilidade social contribuem também para que
Edmundo Campos Coelho possa assim se manifestar, realimentando a
compreensão da seletividade do sistema de justiça criminal:
123
Na primeira estratégia, o discurso ainda se propõe como sustentado
nas filosofias “re” que apontamos: ora, se a sociedade moderna é marcada por
projetos de produção da ordem, se o desenvolvimento do projeto ordenador,
como a realização do “sonho da pureza”, atribui lugares e posições para cada
elemento e categoria social, estar fora do lugar significa produzir desordem.
Numa sociedade deste tipo a reintegração, a reinserção social representa a
recondução do indivíduo ao seu lugar, dentro do projeto determinado de
ordem social.
Trata-se, então, aproveitando a “metáfora do jardim”, de fazer com
que aqueles que foram categorizados para ocupar o lugar da grama – sustentar
o peso do canteiro sem nunca ocupar o lugar de destaque das flores –
contentem-se em este lugar ocupar, mantendo-se no jardim sem serem
“desfuncionais” e causadores de “desordem”.
A análise do trabalho destinado aos presos (como suposta estratégia
“re”socializante, de “re”inserção, de “re”integração) nos conduz à afirmação
acima. E tal, desde suas primeiras etapas, pois, como registra Michel
Foucault:
124
organização do sistema. As aspirações profissionais têm base na
experiência ocupacional anterior e no julgamento que os detentos
fazem de si, enquanto futuros egressos numa sociedade que os
aguarda de pé atrás. Essa conclusão aponta para o paradoxo da “re-
socialização”, cujo método é a segregação do indivíduo do mundo
social, seja este o mundo das relações de trabalho, seja o das
relações sociais mais abrangentes. Aponta ainda para a
inconsistência das propostas de ampliação do trabalho
encarcerado. Ele não passa de trabalho forçado, poder-se-ia dizer
escravo, irracional tanto do ponto de vista de sua utilidade como
no de sua retribuição por um salário. (1994, p.139).
125
vulnerabilidade social, para afastá-las da seletividade criminal. A
condição de trabalhadoras no cárcere, pelas características das
modalidades e formas de trabalho oferecidas, em nada favorece à
alteração da trajetória de vida dessas mulheres.
As faxineiras voltarão a fazer faxinas em “casas de família” (caso
conseguirem esconder o estigma adquirido); as costureiras poderão
fazer “trabalho para vender fora”; as artesãs serão vendedoras
ambulantes de seu artesanato... e todas estarão “re”integradas e
“re”inseridas nos seus “devidos lugares” no projeto ordenador da
sociedade moderna e capitalista; se possível, apaziguadas em seus
anseios de ascensão social, contudo, ainda consumidoras... caso
contrário, clientes preferenciais de uma nova intervenção estatal.
(CHIES; VARELA, 2009, p.28).
126
suprema encarnação do sonho de Bentham de controle total através da
vigilância total” (1999b, p.116), ao que complementa:
127
os da maturidade e do discernimento) aos limites das responsabilidades que –
“adultos” – nos disponibilizamos, aos nelas inseridos, assumir.
Se o dado natural (a “regularidade” que a natureza nos impõe ou
oferta) é de que a reprodução normal da vida biológica nos remete à
verificação de que todas as sociedades humanas necessitaram lidar com a
existência de seres jovens, os quais num período de suas vidas exigem um
compromisso maior de sustento e envolvimento por parte dos “adultos”, o
dado social é que não só as formas através das quais esse compromisso se
consolida, mas também o lapso temporal em que o mesmo é assumido são
criações e invenções sociais que envolvem multidimensionais práticas, política
e culturalmente não isentas de abandonos, segregações, “infantilizações” e
“emancipações perversas”.
O caso brasileiro é significativo na compreensão dessas invenções
sociais, já que, inclusive, através de seu ordenamento jurídico (vejam-se os
Códigos de Menores de 1927 e 1979), ao longo do século XX (e até a
pretensa superação através do ECA), permitiu-se criar duas infâncias distintas
(bem sintetizadas por Irene Bulcão):
128
incessante avanço tecnológico), frente às angústias e aos medos existenciais da
pré-modernidade, às privações materiais que as forças da natureza e as
rudimentares técnicas de produção impunham, representou uma promessa e
uma perspectiva de bem-estar que permitiu, inclusive, “inventar” a infância e
a juventude amplas e plenas. Os humanos “crianças/jovens” – imputados
como seres em formação de personalidade e ainda imaturos para o mundo da
razão – foram, então, (em promessa e em perspectiva) liberados das angústias,
responsabilidades e seriedades da vida “adulta” e até a vida “adulta”, seus
únicos compromissos: gozar, brincar, estudar, permitirem-se ser disciplinados
para serem o futuro da nação.
Em tese, e ao menos no plano programático, justamente com o ECA é
que o Brasil chega (tardiamente) a esse estágio amplo e pleno da infância e
juventude modernas. Contudo, justamente no mesmo período no qual uma
nova transição social – de uma Modernidade Sólida para uma Modernidade
Líquida, conforme Bauman – se intensificou.
A sociedade atual é descrita por Bauman (2001; 2004; 2007) como a
da “Modernidade Líquida”, na qual tudo o que estava sólido, nas
características e padrões dominantes da etapa anterior (família, relações de
trabalho, relações interpessoais, etc.) começa a se derreter, a se tornar instável.
Esta instabilidade, somada à característica tecnológica e excludente da nossa
época, intensifica a competitividade.
129
Sob outra metáfora – na qual utiliza o ato de esquiar sobre gelo fino –
Bauman (2004) nos remete a compreender a postura de nossa sociedade como
a que valoriza a velocidade e a leveza (atributos necessários para que o gelo
fino não se quebre sob os pés do esquiador). Ou seja, nossa sociedade não se
dispõe a suportar nada que nos torne mais pesado ou que nos reduza a
velocidade, compromissos com os outros (inclusive afetivos) e solidariedades
se incluem na lista daquilo que, então, se despreza. É o lixo que deve ser
jogado fora para que possamos seguir nossas vidas suportando a
instabilidade..., continuarmos na dança das cadeiras.
No contemporâneo contexto, a possibilidade concreta de realização
daquelas inventadas na infância e juventude amplas e plenas (e mesmo
naquilo que de perverso possuem) ruiu e se fragilizou, do mesmo modo que as
demais promessas de bem-estar generalizado da modernidade.
Na competitividade excludente da modernidade e vida líquida, tal qual
os adultos são categorizados – como consumidores satisfatórios, precários ou
falhos, como flores, grama ou ervas-daninhas – e devem, sob sua própria
conta e risco, enfrentar a “dança das cadeiras” e se contentarem com os
lugares que lhes foram reservados, também as crianças e os jovens (os
adolescentes, aqui de forma mais precisa) estão sujeitos às mesmas regras do
jogo. Não há mais uma infância e juventude a serem protegidas à priori. Se a
modernidade se permitiu inventar a infância, a modernidade líquida se
permitiu desinventá-la... e inventar novas ervas-daninhas para expurgar do
Jardim.
Então, o que ganhamos, afinal, com a redução da maioridade penal?
Ora... a possibilidade de excluir e expurgar do Jardim essas novas ervas-
daninhas que inventamos, por mais tempo (afinal, sustentam os arautos da
redução que os três anos de exclusão, como prevê a máxima sanção possível
pelo ECA, é muito pouco tempo!) e com maiores garantias de que, rotuladas
130
pela estigmatização da punição-penal, serão alvos fáceis de uma nova exclusão
social, acaso não retornem para o Jardim (após a pena cumprida) convencidas
de se contentarem com o lugar que lhes foi reservado.
Para nossa sociedade atual, qualquer outra medida de enfrentamento
da conflitualidade (que não seja a exclusão, temporária ou definitiva; a
incapacitação dos humanos que foram categorizados como excedentes,
daqueles que necessitam ser vomitados pela dinâmica bulímica do “consuma
ou pereça”) parece ser interpretada ou considerada como algo que implica
compromissos de solidariedade social que nos deixarão pesados demais para
continuar a esquiar sobre gelo fino.
131
f) na sociedade moderna, que resiste ao reconhecimento das
ambiguidades e paradoxos que seu próprio modelo produz, o projeto de
ordem implica tanto em apaziguar as camadas sociais para as quais não se
reservou um lugar privilegiado na estrutura social, como excluir, expurgar
aqueles que, considerados excedentes, não possuem lugar algum reservado;
g) os dois mais imediatos efeitos da redução da maioridade penal
serão: a viabilização do encarceramento de adolescentes no sistema prisional e
a expectativa desse encarceramento se prolongar por mais de três anos;
h) a redução da maioridade penal se traduz, preponderantemente,
como uma estratégia de exclusão social de uma nova categoria selecionada
como excedente em nossa vigente configuração social.
i) as políticas criminais e de segurança pública contemporâneas são
frequentemente instrumentalizadas e chamadas a desenvolverem estratégias
tanto no sentido do apaziguamento como da exclusão social;
j) e, por fim, acompanhando Maria Palma Wolff: “A política penal e a
política social não podem ser consideradas como processos autônomos e
independentes, pois respondem ao mesmo conjunto de determinações
presentes na sociedade” (2005, p.8).
Neste último sentido, aliás, Georg Rusche e Otto Kirchheimer, no
clássico “Punishment and Social Struture” (1999[1939]), já consignavam que:
“A história da política pública para mendigos e pobres somente pode ser
compreendida se relacionamos a caridade com o direito penal” (1999, p.52).
Ora, desde as “Poor Laws” Inglesas [6] – com especial relevância a
Poor Law, de 1601, e sua conexão com as Workhouses [7] – o vínculo
ambivalente e ambíguo entre o social e o penal, entre a assistência e a
categorização segregadora e excludente, realiza-se quando essas dimensões se
encontram relacionadas por emergências e ausências, sejam num ou noutro
sentido, sejam simultâneas e complementares.
132
No Brasil, essa complementar relação se apresenta (des)velada não
somente quando se verifica a marca da vulnerabilidade social, como elemento
de seletividade penal, no perfil dos encarcerados, mas também, dentre outros
indicadores, quando se percebe que o ardil implícito existente nas propostas
de redução da maioridade penal se traduz como a “emergência da política
penal como consequência e possibilidade de ausência, carência e isenção da
política social”.
A infância e juventude no Brasil contemporâneo (categorias sociais
que registram as sobrecargas da vitimização violenta – vejam-se os índices de
homicídios nas populações jovens – mas que também se expõem
significativamente em índices que lhes registram em conflito com a lei) são,
perante o foco das Políticas de Segurança Pública, mais uma encruzilhada (do
que uma complexa intersecção) entre as políticas criminais e as políticas
sociais.
Não obstante, metas e ações “cidadãs” do Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) [8], a trilha do expurgo
social, a qual é uma das sendas criadas na encruzilhada que reúne infância e
juventude com a segurança pública, acaba por se revelar numa acrítica “ação
estrutural” de construção de presídios para jovens entre 18 e 24 anos. Na
promessa de separar detentos por faixa etária e por crime, de não misturá-los
com as lideranças do crime organizado, etc. omite-se a compreensão crítica de
que a vulnerabilidade social já afetou esses jovens seja na seletividade criminal
do “crime organizado”, seja na seletividade criminal do Sistema Estatal de
Justiça (afinal, não são muitos desses jovens já egressos dos também falidos
sistemas de internação socioeducativa?). Também, de forma quase ingênua,
propõem-nos a acreditar que as mazelas do(s) sistema(s) penitenciário(s)
estadual(ais) não colonizarão, em curto espaço de tempo, cada uma das 421
vagas oficiais de cada estabelecimento para as suas dinâmicas de superlotação.
133
Mas se a proposta aqui não é analisar (como merecer ser) a proposta
dos bem-intencionados “Presídios para Jovens”, mas, sim, a(s) proposta(s) de
redução da maioridade penal, cabe sobre esta(s), então, uma última
consideração.
Chama-se de “populismo punitivo” quando “o uso do direito penal
pelos governantes aparece guiado por três premissas: que maiores penas
podem reduzir os delitos [criminalidade]; que as penas ajudam a reforçar o
consenso moral existente na sociedade; e que existem ganhos eleitorais
produzidos por este uso” (BOTTOMS apud LARRAURI, 2007, p.10;
traduzi e grifei). Talvez, apesar da redundância, possa-se chamar de
populismo punitivo selvagem quando estas premissas, sobretudo, a última
(ganhos eleitorais), pautam-se por estratégias que além de maximizar e
intensificar o uso do Direito Penal, o fazem em frontal abandono dos
compromissos humano-dignificantes que uma sociedade pretensamente
racional e democrática já produziu e firmou.
O Estatuto da Criança e do Adolescente avança para a sua terceira
década de vigência. O populismo punitivo brasileiro, ciente dos riscos dos
discursos que, num explícito retrocesso, propõem que se formalize novamente
a “invenção jurídica” de distintas infâncias e juventudes (não há mais
ambiente para os Códigos de Menores, seria “politicamente incorreto”!) opta,
ardilosamente, pela via da “emancipação legal” dos adolescentes.
Convertendo-os em “maiores”, prevê-se que poderemos, sobretudo, dormir
tranquilos, afinal, os não adaptados ou os que se rebelarem contra esse
sistema exclusão social – o qual viabiliza nosso sono e sonho com uma
infância inventada e negada – já não nos incomodarão, já não nos alertarão
para a necessidade de envolvimento com outras políticas, que sejam sociais e
não só penais, pois estarão distantes de nós, segregados na prisão.
Até que novas ervas daninhas pretendamos inventar...
134
Referências bibliográficas
135
CARVALHO. Salo de. (2001) Pena e garantias: uma leitura do garantismo de
Luigi Ferrajoli no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
136
RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos: ICC, 1999.
137
Notas de fim
138
períodos medievais (a Ordenança dos Trabalhadores, decreto emitido por
Eduardo III em 1349, é mencionado como um marco inicial das “Poor
Laws”), passando por importantes legislações no período da dinastia Tudor
(1485-1603). O sistema, com suas sucessivas reformas, existiu até o
surgimento do Estado de Bem-estar Social, no pós Segunda Guerra Mundial.
139
140
Apontamentos para a reconstrução da utopia
anticarcerária
Indications for the reconstruction of utopia anti-prison
Notas para la reconstrucción de la utopía anticarcerária
Pequeno introito
142
naturalidade. A naturalização da atitude repressiva e o rótulo de
“ingenuidade” da atitude pacifista podem servir de sintomas, a partir dos
quais diagnosticamos a enorme dificuldade em escapar da cultura punitiva,
em desnaturalizar suas categorias e seu hábito mental, de maneira a mirar os
conflitos desde outra lente que não a do código crime-pena e a do
maniqueísmo que lhe subjaz. (ANDRADE, 2003, p. 20).
Uma criminologia crítica do controle penal, comprometida com a
emancipação, guardiã dos Direitos Humanos – dimensão da cidadania – e
não da ordem social injusta – dimensão da criminalidade –, só pode ter como
objetivo a desconstrução do hábito mental, ou da ideologia, legitimadora do
sistema penal genocida, que rotula como “ingênuos” quaisquer tipos de
alternativas à política criminal. Isso porque esse tipo de argumento já é uma
instância de legitimação do sistema penal, que não pode aceitar em seu
horizonte uma criminologia crítica que coloque a sua própria existência em
cheque (daí deriva a enorme dificuldade de reconstrução de um modelo
integrado de ciências criminais).
O programa de descarcerização radical, ensaiado no título do artigo,
deriva de uma crítica radical do controle penal. Radical, aqui, não como
intransigência, como comumente a expressão é lida, mas em seu sentido forte,
de ir à raiz, de não se contentar com o aparente e de buscar o fundamento que
sustenta os elementos visíveis da criminalização. Baratta (2004, p. 66), ao
refletir sobre investigações extrassistemáticas acerca de “bens jurídicos”,
afirma que, do ponto de vista epistemológico, são necessárias duas condições
que aqui podem ser utilizadas como condições gerais para análises sobre
alternativas à política criminal e ao cárcere. A primeira é a subtração ou epoché
metodológica dos conceitos de delito, de pena e da justiça criminal. A
segunda é a consideração das situações conflitivas e problemáticas que
resultam da intervenção da justiça criminal (BARATTA, 2004, p. 66). A
143
primeira condição pode ser lida como a necessidade de exercício relativizador,
no sentido de não associar diretamente situações problemáticas com a ideia de
crime ou com a ideia de pena e de cárcere, em busca de soluções mais justas e
efetivas. É que, do contrário, ocorre uma inversão conceitual, bastante
característica da onipotência jurídica. Tal inversão se verifica
144
do grande encarceramento, é que a criminologia crítica deve reconstruir
projetos ambiciosos e o principal deles é a utopia anticarcerária.
145
perspectivas abolicionistas, minimalistas, garantistas e realistas (realismo de
esquerda e realismo marginal), por exemplo, são derivações da criminologia
crítica. A partir delas, surgiram alternativas para a superação do sistema penal,
objetivo este que, para alguns, na ocasião, estava em vias de ocorrer [1]. As
novas políticas baseadas em tal consenso alcançaram algum grau de
institucionalização. A práxis abolicionista está presente, por exemplo, nos
projetos de implantação da Justiça Restaurativa, todos ainda bastante
incipientes no Brasil. Os abolicionismos, os minimalismos e os garantismos
encontram-se também, a partir de sua raiz comum, nas estratégias de
descriminalização, tanto em nível legislativo quanto judicial [2]. O
garantismo, em razão de suas próprias limitações epistemológicas, por tratar-
se de uma teoria jurídico-constitucional, encontrou seu espaço no judiciário,
ainda que as principais decisões garantistas ocorram em casos de crimes
privilegiados, de maneira que dificilmente ecos garantistas são ouvidos
quando estamos a falar do controle penal da pobreza. O realismo marginal se
faz presente quando vislumbramos o reconhecimento, tanto no poder
judiciário, quanto no poder executivo, da violência estrutural que é o sistema
penal, e da conseqüente tentativa de redução de danos. A categoria dogmática
de culpabilidade pela vulnerabilidade, construída desde as premissas do
realismo marginal, apesar de óbvia, encontra pouquíssimo espaço em nosso
judiciário. O realismo de esquerda parece ser o discurso declarado do governo
petista. As teses da “nova prevenção” fundamentam programas como o
Pronasci, as tentativas de reforma das polícias, o foco nas “áreas e nas
populações de risco”, a prevenção situacional, etc. Não obstante, convivem –
com não tão surpreendente tranquilidade – com as políticas marcadamente
genocidas que seguem tendo espaço mesmo após quase nove anos de governo
da esquerda, como a invasão de morros pelo exército e por polícias preparadas
146
para as incontáveis guerras do “bem contra o mal”, geralmente legitimadas
pela estúpida war on drugs.
Contudo, como sabemos, “a trajetória da criminologia não se desloca
pelas salas de um museu de teorias mortas, mas sim adentra uma selva de
discursos vivos e em constante renovação, produzidos por corporações que
lutam entre si para dar-se hegemonia, em negociação com poderes sociais
mais amplos” (ZAFFARONI et al., 2003, p. 279). Desta maneira,
considerando que não há superação de um discurso criminológico por outro,
mas mera acumulação, o “ramo da planificação social” (ANYAR DE
CASTRO, 1983, p. 195) que é a criminologia positivista continuou
legitimando o poder punitivo, principalmente no que tange ao preconceito
que permanece no senso comum e na opinião pública. Além disso, a
criminologia atuarial - não mais preocupada como a criminologia positivista
com a descoberta das causas e, consequentemente, da “cura” para os
“delinqüentes” –, mas com a “gestão das populações de risco” (lógica
securitária), representa atualmente outro forte pilar de sustentação do sistema
penal. Daí porque, apesar dos irreversíveis resultados da criminologia da
reação social e da perda de legitimidade do sistema penal, no final do século
XX e no início do século XXI observamos dois processos paralelos fundados
na mesma lógica: a expansão do direito penal e o encarceramento massivo.
A expansão do direito penal – expressão consolidada após a obra de
SILVA-SANCHEZ (2001) - é o processo que caracteriza a dinâmica
punitiva da transição do século. O direito penal distancia-se de sua matriz
iluminista (“proteção de bens jurídicos individuais”), em busca da “tutela de
novos bens jurídicos”, plasmados nas supostas necessidades de reforço de
tutela do direito administrativo (direito penal secundário) e na “tutela dos
direitos fundamentais de segunda e terceira geração”. No mesmo sentido, sob
o álibi da necessidade de “combate ao crime organizado”, observamos a
147
descodificação, a criação de leis penais especiais destinadas a lidar com os
“delitos transacionais”, de modo que o direito e o processo penal precisaram
reconstruir suas categorias ilustradas. O direito penal necessitou relativizar a
teoria do delito, prescindindo, por exemplo, da ofensividade, criando delitos
de perigo que não exigem a efetiva lesão ao bem jurídico. O processo penal
necessitou criar instrumentos persecutórios mais “efetivos”, ou seja, mais
violentos, como maneira de desvendar a “criminalidade complexa”. No
âmbito da execução penal, as demandas punitivas derivadas do pânico moral
gerado pela categoria-coringa “crime organizado” foram responsáveis pela
criação de regimes penitenciários extremamente fechados (penitenciárias de
segurança máxima) e pelo absurdo chamado Regime Disciplinar
Diferenciado. A expansão do direito penal é ainda complementada pelas
demandas dos “empresários morais atípicos”, ou seja, pelos anseios punitivos
de movimentos progressistas, como o movimento negro, feminista e,
atualmente, o movimento LGBT, que defende oficialmente a criminalização
da homofobia. A luta pelo empoderamento de grupos sociais subjugados por
meio da tutela penal, em movimento político-criminal nominado esquerda
punitiva (KARAM, 2001), gera perplexidade na crítica criminológica, “uma
vez que todos parecem crescentemente seduzidos pelas promessas ilusionistas
de combate à violência e proteção de direitos ofertada no crescente mercado
do sistema penal” (ANDRADE, 2003, p. 26). Todo o processo descrito, de
expansão do direito penal, é colonizado pelo populismo punitivo, ou
fundamentalismo punitivo (ANDRADE, 2003), fenômeno que perpassa
todas as demandas por punição, baseado na crença – reverberada pela mídia –
na solução penal como panacéia de todos os males.
Da mesma forma, a crítica corrosiva à prisão também não foi apta a
conter a escalada vertiginosa dos índices de encarceramento em grande parte
dos países do mundo [3]. Mesmo estando desconstruído o mito da
148
ressocialização, a partir dos estudos seminais que demonstraram os reais
efeitos gerados pelo cárcere nas subjetividades (prisonização e socialização
negativa) [4], e apesar dos esclarecimentos acerca das autênticas funções que
do cárcere, sua vinculação com o sistema de produção econômica e com o
mercado laboral e os mecanismos de seleção de suas clientelas [5], a
instituição aumenta a cada dia, agora, muitas vezes, sob gestão de empresas
privada (que negociam suas ações na bolsa de valores!), mantendo-se no
centro nevrálgico do sistema penal. As penas alternativas, por seu turno,
acabaram tornando-se complementares, significando simplesmente a
ampliação das redes de controle estatal, que penetram cada vez mais
profundamente no tecido social. Este parece que será também, fatalmente, o
destino de alternativas ao cárcere fundadas na mesma lógica de controle dos
“perigosos”, tais como as “pulseiras eletrônicas” que estão sendo em alguns
lugares do país.
A novidade da era do grande encarceramento parece ser a completa
desnecessidade da outrora necessária legitimação discursiva. É que a prisão da
contemporaneidade convive tranquilamente com a falência de todas as teorias
da pena, que, após submeterem-se ao crivo da criminologia crítica, foram
desmascaradas, de maneira que se tornaram meras mitologias do castigo.
IÑAKI RIVERA BEIRAS resume este ponto:
149
LYRA FILHO há bastante tempo duvidava das teorias da pena, o que
fica claro a partir da leitura do pequeno trecho extraído do texto no qual o
autor debate magistralmente com CIRINO DOS SANTOS a Criminologia
Radical, obra escrita pelo último e publicada em 1981. Conforme o autor,
“pena, defesa social, reeducação, prevenção geral ou especial, intimidação,
retribuição e medidas “assistenciais” enriqueciam a palheta, mas, ao fim e ao
cabo, destinavam-se à mesma pintura” (LYRA FILHO, 1981, p. 60). Não
cabe aqui elencar todos os aportes de deslegitimação da prisão. O importante
é perceber que, apesar deles, estamos vivendo período de incrível inflação
carcerária. Cumpre, portanto, a partir de tal contexto, compreender o
encarceramento do início do século XXI, de modo que é fundamental
investigar a relação funcional entre a atual fase do sistema punitivo e a crise
do mecanismo de acumulação capitalista que estamos a acompanhar.
É vasta a literatura criminológica que denuncia que a punição
contemporânea possui funções diferentes daquelas observadas no passado.
Isso porque, conforme YOUNG:
150
perde sua função corretiva de disciplinar os trabalhadores [6]. Por este
motivo, diz-se que estamos em uma fase pós-corretiva ou pós-panóptica, na
qual a função da pena não é mais ressocializar as massas desviantes para
posterior inclusão na exploração capitalista, mas incapacitar ou conter as
massas excluídas que são inúteis de um ponto de vista organicista e principal
fonte das desordens do mundo contemporâneo. Neste contexto, a pena passa
a ser utilizada visando a incapacitação, a neutralização de categorias inteiras
de “prováveis reincidentes”. Os “prováveis reincidentes” são, obviamente, os
novos inimigos do admirável mundo novo, os imigrantes, os traficantes e os
terroristas, categorias de acusação que formam o second-code que atualmente
legitima o encarceramento. Quando estamos a tratar dos “novos inimigos”
sequer é necessário aguardar uma sentença condenatória, pois a aplicação da
pena é geralmente antecipada, por meio das prisões cautelares fundadas na
“garantia da ordem pública”, garantia da ordem pública que não significa
nada senão o medo institucionalizado dos folk devils contemporâneos. O
cárcere do nosso tempo é mero espaço de contenção e de armazenamento de
pessoas – warehousing (COHEN, 1988) - no sentido exposto por
BAUMAN:
151
vigilância constante, era garantir que o interno realizasse certos
movimentos, seguisse uma rotina, fizesse determinadas coisas.
Mas o que os internos de Pelican Bay fazem em suas celas
solitárias não importa. O que importa é que fiquem ali. A prisão
de Pelican Bay não foi projetada como fábrica de disciplina ou do
trabalho disciplinado. Foi planejada como fábrica de exclusão e de
pessoas habituadas à condição de excluídas (BAUMAN, 1999, p.
121)
152
Pretende remediar com “mais Estado” policial e penitenciário o
“menos Estado” econômico e social que é a própria causa da
escalada generalizada de insegurança objetiva e subjetiva em todos
os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo
(WACQUANT, 2001, p. 7).
153
2- Em busca de um programa de descarcerização radical
154
motivos pelos quais alguns autores diagnosticaram a “crise da criminologia
crítica” (LARRAURI, 2000).
Nesse contexto, observamos o arrefecimento dos projetos
anticarcerários radicais, tendo em vista que o campo foi dominado, por um
lado, pelas políticas de tolerância zero e de lei e ordem – fundamentalismo
punitivo -, e por outro, pelo realismo de esquerda, que, justamente por seu
caráter “realista”, consegue conviver com relativa tranqüilidade com as
políticas genocidas que ainda estão em andamento no Brasil. Após nove anos
de governo do PT em nosso país, é possível afirmar que a política de
segurança pública declarada é fundada no realismo de esquerda. Não
obstante, a estrutura permanece belicista, tendo em vista a manutenção do
controle militarizado e, sobretudo, da lógica de guerra contra o crime,
simbolizada primordialmente pela guerra contra as drogas. O realismo, nesse
contexto, parece ser o máximo que um governo consegue alcançar em termos
críticos, de maneira a respeitar a lógica do populismo punitivo e, com isso,
manter-se no poder. Nesse contexto, grande parte do pensamento sociológico
e criminológico brasileiro legitimou a recente incursão bélica, de forças de
segurança incrivelmente armadas, no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro.
Na ocasião, a necessidade de “retomar o território” dominado por grupos de
traficantes, por meio de qualquer tipo de método, inclusive assassinatos
massivos, foi quase consensual na inteligentsia brasileira. Tudo isso a
demonstrar que as utopias emancipatórias perderam espaço para uma visão
pragmática do fato social, que se contenta com migalhas reformistas,
enquanto a estrutura de dominação injusta sequer é colocada em tela de juízo.
Justamente por tal motivo é que este trabalho pretende retomar o
radicalismo das propostas da criminologia crítica. Se crise houve, tal decorreu
muito menos de equívocos nas premissas, do que das derrotas políticas, ou
seja, das dificuldades inerentes às tentativas de implantação de propostas
155
emancipatórias radicais. No entanto, considerando que o contexto punitivo
injusto permanece hígido, e que, portanto, permanecemos com a “consciência
da desigualdade” que nos move, cremos que a tentativa deve ser a de
reencontrar as propostas criminológicas radicalmente críticas do controle
penal, verificar os seus destinos político-criminais, seguir pelo rastro das suas
pequenas histórias, de modo a encontrar os obstáculos, os atalhos e os desvios
pelos quais elas tiveram que passaram.
Hoje, sabemos perfeitamente quais são as situações-problemáticas que
habilitam o encarceramento massivo. Conforme dados do Departamento
Penitenciário Nacional, mais de 50% da população carcerária masculina e
mais de 60% da feminina está presa em razão de tráfico de drogas e de crimes
contra o patrimônio privado (roubo e furto) [8]. A descarcerização radical
passa, portanto, por esta trilha, e, principalmente, pelo desvelamento das
metarregras que regem a atuação seletiva das agências do sistema penal nesse
tipo de caso. Numa primeira análise, fácil vislumbrar que os delitos que mais
encarceram, não sem motivo, são aqueles majoritariamente praticados pelas
classes extremamente pobres, pelos excluídos do mercado de trabalho formal.
Quanto ao tráfico de drogas, já sabemos que os selecionados pelo sistema
penal são os pequenos traficantes, “meros serviçais do narcotráfico”, jovens,
pobres e negros [9]. Os delitos contra o patrimônio privado também são
geralmente “obras toscas”, pequenos furtos e pequenos roubos, não raro
intraclasse, que geram ínfima vantagem material àquele que pratica o delito.
Uma concepção emancipatória deve tratar os crimes contra o patrimônio
como sintomas de uma contradição estrutural bastante relevante. Não deve,
obviamente, contentar-se com o fato de que pessoas violentem outras em
nome de um bem material, mas deve tentar compreender a complexidade e
reduzir os custos da repressão, para contribuir para a restauração do laço
156
social. Trata-se, em síntese, de adotar o ponto de vista das classes subalternas,
no sentido proposto por BARATTA (BARATTA, 2002, p. 197).
As alternativas de descarcerização radical nunca foram tão claras,
sobretudo em momento político de relativa hegemonia da esquerda [10]. No
entanto, por evidente medo de contrariar as demandas punitivas, não estamos
caminhando para este destino. As louváveis iniciativas de distribuição de
renda – programas como bolsa-família, por exemplo – parecem fundadas na
lógica de defender prováveis vítimas dos “riscos dos prováveis reincidentes” da
underclass, e não de construção da cidadania e da garantia dos direitos
econômicos e sociais de todos. BARATTA analisou com precisão este ponto:
157
em análise. Tal objetivo tem também importância do ponto de vista das
próprias possibilidades de compreensão de tais situações problemáticas, pois
ao retirar a lente desfocada do código crime-pena, talvez seja possível penetrar
com maior profundidade nas suas especificidades. Como lembra CHRISTIE,
“o sistema penal é análogo ao rei Midas. Tudo o que este tocava virava ouro e,
como sabemos, ele morreu de fome. Muito do que a polícia e a prisão tocam
se converte em crime e criminosos, e interpretações de atos e atores se
desvanecem” (CHRISTIE, 2011, p. 23).
O desafio é não capitular diante das tentações de conciliar o
inconciliável, de maneira a ultrapassar a timidez dos realismos em suas
variadas formas e recolocar no palco político-cultural a crítica radical do
controle penal. Só assim será possível continuar “afastando os obstáculos do
jardim” (HULSMAN, 1993), quer dizer, semeando o solo político-cultural,
de maneira a torná-lo fértil e receptivo a aceitação de alternativas ao sistema
penal, sobretudo considerando o grau de maturidade de tais propostas, como
a legalização das drogas, para o problema do tráfico de drogas, e a adoção da
Justiça Restaurativa nos conflitos que envolvem o patrimônio privado.
Referências bibliográficas
158
CASTRO, Lola Anyar de. Criminologia da Reação Social. Tradução e
acréscimos de Ester Kosovski. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
BOLAÑO, Roberto. 2666. Traduzido por Eduardo Brandão. São Paulo: Cia
das Letras, 2010.
159
COHEN, Stanley. Visiones de control social. Barcelona: PPU, 1988.
160
MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e Fábrica: as origens do
sistema penitenciário (séculos XVI a XIX). Traduzido por Sérgio Lamarrão.
Rio de Janeiro: Revan, 2006.
_____. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências.
In: SANTOS, Boaventura de Souza. Conhecimento prudente para uma vida
decente. São Paulo: Cortez, 2004.
161
YOUNG, Jock. A sociedade excludente. Exclusão social, criminalidade e diferença
na modernidade recente. Traduzido por Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Revan,
2002.
162
Notas de fim
[3] Sobre o tema, conferir Nils Christie. Uma razoável quantidade de crime
(2011); e Loic Wacquant. As prisões da miséria (2001).
163
‘decadência moral’, combater e extirpar a preguiça, a inépcia ou o desrespeito pelas
normas sociais, todas essas aflições que se combinavam para tornar os internos
incapazes de uma ‘vida normal’.” (BAUMAN, 1999, p. 117).
[7] No mesmo sentido, leciona Rivera Beiras: “La tendência es clara: gestion
punitiva de la pobreza, mercado econômico de total flexibilización, criminalización
cada vez mayor de la disidencia y reducción del Estado. (RIVERA BEIRAS,
2003, p. 125).
[8] http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJC4D50EDBPTBRNN.htm,
acesso em 05 de setembro de 2011, 19h.
164
Violência, adolescência e controle social:
as (novas) estratégias de contenção da juventude
como “inimigo social”
Violence and adolescent social control:
the (new) retention strategies of youth as the "enemy social"
Violencia, adolescencia y control social:
el (nuevo) juventud contención estrategias como "enemigo social"
Introdução
166
1- O inimigo no sistema punitivo
167
violência institucional, que impede uma verdadeira igualdade entre os
indivíduos, ou seja, o sistema punitivo está funcionalmente determinado a
garantir que haja perpetuação da desigualdade entre os indivíduos através da
seleção de apenas uma parcela dos comportamentos indesejados, construindo
um conceito parcial de violência inerente à atitude apenas do suposto agressor
selecionado. Ao combater a violência de forma ampla e irrestrita, o sistema
punitivo apenas combate àqueles fatos e indivíduos considerados
inconvenientes para manutenção da ordem dominante. Observa-se, neste
sentido, que a base de sustentação do sistema é na gestão da violência, e não
no combate à mesma.
Há, portanto, na base de sustentação do poder punitivo, a criação de
determinados mitos e estereótipos que superestimam a agressividade ou a
periculosidade de determinados indivíduos ou grupos sociais para o restante
da população – preconceito que impõe medo – (ZAFFARONI, 2004, p.18),
bem como que legitimam outros tipos de violência – relações sociais
desiguais, genocídio, torturas –, pertencentes à própria atuação funcional do
sistema para a defesa em prol da sociedade.
No sentido invocado por Zaffaroni, o inimigo seria aquele em que o
direito nega sua condição de pessoa, seriam aqueles indivíduos ao longo da
história privados de certos direitos individuais pertencentes ao restante dos
cidadãos, pois, diante de suas condições de periculosidade, não mereceriam o
tratamento digno do restante da sociedade. Neste sentido, Zaffaronise baseia
no pensamento de Agamben (2002, p.189), que aborda figura do homo sacer,
ou homem sacro, no qual estaria incluída uma vida sem valor – vida nua –
uma vida que não merece ser vivida – e, dessa forma, pode ser impunemente
eliminada, ou seja, “qualquer um pode matá-lo sem que se cometa um
homicídio”. Agamben formulará a ideia de que nenhuma vida é mais política
168
do que a sua, pois guarda uma profunda relação com o poder que a
considerou como tal.
A partir desta delimitação, Zaffaroni (2004) irá defender que “o
inimigo [...] nunca desapareceu da realidade operativa do poder punitivo nem
da teoria jurídico-penal (que poucas vezes o reconheceu abertamente e, quase
sempre, o encobriu com os mais diversos nomes)”(p. 18). O conceito acaba
atravessando a história de Roma na antiguidade, ao perpassar por toda
história do direito ocidental e penetrando também na realidade operativa dos
sistemas punitivos na América Latina, onde somente mudaram os sujeitos
selecionados às diversas formas de tratamento conferido. A história de um
poder político centralizado e a necessidade de, para sua afirmação, determinar
o isolamento ou até a aniquilação de determinados sujeitos, estará sempre
presente na realidade operativa do sistema punitivo.
A partir de Agamben e Zaffaroni, através do inimigo no direito penal
e do homo sacer, este trabalho vai tecendo seu foco central de análise. O
inimigo pode ser encarado através de vários sujeitos ou grupos ao longo da
história. A criação do inimigo, de seus mitos e estigmas, está profundamente
relacionada à funcionalidade central do poder punitivo, garantindo, assim, a
necessidade de intervenção por parte deste poder para afastar a ameaça. A
necessidade de criação de uma determinada categoria de indivíduos, em que
seria necessário retirar parte ou a totalidade das garantias e direitos, inclusive
a vida se preciso for, é um elemento central na história do sistema punitivo,
principalmente na consolidação do sistema capitalista.
No decorrer da tradição histórica ocidental foram criadas cargas de
valores negativos contra determinados indivíduos ou grupos sociais, no
sentido de atribuí-los boa parte dos problemas sociais (ZAFFARONI, 2004,
p.14). Essa carga negativa traz como consequência a necessidade de uma
atuação energética em razão da periculosidade imanente do inimigo [1], o
169
que causa obstáculos para a consecução de uma sociedade melhor. Assim, há
a individualização dos problemas sobre determinados estereótipos criados ao
longo da história para selecionar indivíduos como verdadeiros bodes
expiatórios dos problemas sociais (ZAFFARONI et al., 2003, p.46).
Verificam-se, ao longo da história, discursos arbitrários ou racionais na
tentativa de justificar a atuação fora dos parâmetros considerados ordinários
do poder punitivo contra os verdadeiros inimigos, no sentido de afastar as
ameaças sociais que eles representam, atribuindo, através do coro da
excepcionalidade, medidas sem limites [2], justificando torturas, tratamentos
desumanos ou degradantes [3]. Além disso, as tentativas de conferir
racionalidade ao discurso penalizante do inimigo, na medida da estrita
necessidade, ou na necessidade imperiosa da medida, apenas serviram para
encobrir as reais finalidades de perseguição e repressão sobre determinados
indivíduos ou grupos estereotipados, através do subjetivismo dos agentes do
sistema penal. Neste sentido, remete-se o leitor ao próximo tópico.
170
inimigas frente ao crescimento econômico gerado pelas riquezas obtidas nas
colônias americanas.
Nesse sentido, Zaffaroni (2004) afirma:
171
afastados das grandes vilas. Durante este período, existia a confluência de um
Direito Penal doméstico com bases escravistas, na qual os donatários
decidiriam sobre os conflitos dentro da sua jurisdição fundiária. Foi somente
a partir de meados do século XVIII que a centralização oligárquica foi
progressivamente tomando o lugar das descentralizações fundiárias com a
independência das colônias. No entanto, tal mudança não constituía a
retirada dos poderes dos grandes senhores de terras, apenas a organização se
tornou centralizada e codificada. As penalidades contra os dissidentes – os
inimigos – ainda continuavam de forma arrasadora. Zaffaroni (2004) assim
aclama:
172
escravista, que somente vai entrar em decadência no final do século XIX, e o
liberalismo clássico, presentes nas prescrições contidas no Código Criminal.
A pena de prisão foi gradualmente sendo aplicada nos casos
anteriormente tratados através de suplícios, degolas e deportações. No lugar
de exterminar para impor medo, era necessário converter a grande massa em
trabalhadores assalariados. Por isso, a necessidade imperiosa da criação de
uma instituição que disciplinasse os dissidentes e impusesse também uma
disciplina à população em geral (FOUCAULT, 1987, p.126). Entretanto,
apesar de o panorama inquisitorial ter sido atenuado pelo discurso codificado,
poucas modificações na prática lograram êxito, principalmente para os
inimigos. As penalidades para os escravos dissidentes, por exemplo, poderiam
ser aplicadas pelos senhores através da abertura conferida no Código Criminal
Imperial.
Assim, denota-se que, para determinados indivíduos potencialmente
perigosos, a repressão punitiva os trata de forma diferenciada de outros
cidadãos ao longo da história. Na América Latina, observa-se claramente tal
oralidade através da tentativa de implementação de um discurso liberal de
fachada sem, contudo, observar que as reais finalidades de quem detém o
poder é a manutenção das desigualdades e a vigilância permanente sobre os
perigosos.
O início do século XX irá marcar a mudança de um paradigma de
Estado Liberal para a transformação deste em um modelo intervencionista.
Há, nesse sentido, a mudança das codificações pseudoliberais assumidas pelos
países latino-americanos por prescrições penais de cunho perigosistas,
advindas dos países europeus, como o Código Rocco, na Itália, em 1930. As
Repúblicas Oligarcas, gradualmente, seriam substituídas pelos governos tidos
por populistas. Nesse contexto, o industrialismo e o crescimento das grandes
cidades nas Américas também são fatores importantes para a mudança das
173
legislações. Era necessário conter o impulso dos trabalhadores grevistas que
causavam distúrbio ao bom funcionamento da disciplina fabril, bem como era
necessário controlar também os “problemas” causados pelos desempregados –
os vadios –, gerados a partir da vinda de grande massa de escravos libertos e
de trabalhadores estrangeiros para a cidade.
As medidas de segurança prescritas pelo Código Penal Brasileiro de
1940, por exemplo, demonstram que, apesar das prescrições técnico-liberais,
contidas no decorrer do Código, eram reservadas medidas excepcionais para
aqueles que demonstravam um grau acentuado de periculosidade, sem prazo
de término. As medidas de segurança (BATISTA, 2007, p.38), portanto
conferiram uma excepcionalidade para os inimigos em potencial, isto é, dos
comunistas, dos vagabundos e dos desordeiros da ordem disciplinar da época.
Nesse sentido, também se invoca como modelo figurativo do
perigosismo o Código de Menores de 1927, pois o mesmo prescrevia um
amplo poder de tutela dos magistrados sobre os adolescentes em situação de
abandono, delinquência ou mendicância (PINHEIRO, 2006, p.69-80). Era
preciso para o discurso dominante, durante aquele período de crescimento
urbano, dar conta da quantidade de jovens em situação de rua, bem como do
aumento das taxas de delinquência. A disciplina e vigilância sobre os jovens
perigosos, isto é, aqueles em situação irregular (ou melhor, sobre a juventude
pobre) foram à tona no debate sobre a intervenção estatal infanto-juvenil,
assunto a ser tratado no próximo capítulo deste trabalho.
A preocupação específica do Código de Menores de 27 (o que fez com
que fossem modificadas as estruturas de responsabilização infanto-juvenil
para com a dos adultos, assim como era antes da década de 20) foi a
necessidade, a partir do cientificismo positivista da época, de reformular
moral e socialmente crianças e adolescentes pobres. Nesse contexto, era
necessário, a partir do discurso oficial, criar uma estrutura específica que
174
moldasse jovens desvirtuados para que estes se adaptassem às estruturas de
dominação da época. Irá surgir, dessa forma, o gérmen de uma nova categoria
de inimigo que irá se desenvolvendo até atingir seu apogeu no final do século
XX e início do XXI.
É importante ressaltar que no período de intensa industrialização no
cenário brasileiro (início do século XX) era importante o controle e o
disciplinamento das classes sociais menos abastadas, através da figura de
exaltação para o trabalho e de construção de uma nação forte e soberana.
Dessa forma, surge como ameaça a figura dos grupos contrários à disciplina e
à ordem de cumulação do capital (vagabundos, grevistas e desempregados).
Os governos populistas, de certa maneira, causaram ódio nas
oligarquias que antes dominavam o cenário político latino-americano,
respaldando também o protagonismo de alguns setores antes excluídos com o
crescimento do modelo do Estado de bem-estar social e de uma classe média
economicamente influente. No entanto, a partir do medo proferido pelo mal
comunista e a ameaça da formação de ditaduras comunistas nos moldes da
União Soviética, os setores tradicionais se uniram com os militares
influenciados ideologicamente sob o comando da política externa norte-
americana e impuseram golpes de Estado, a partir da década de 60, nos países
latino-americanos. Nesse período, começaram a se instalar em quase todos os
países da América Latina, longos períodos ditatoriais que tinham como
objetivo evitar a ameaça comunista através da instituição de um estado de
exceção para, logo após, entregá-los ao poder dos civis. No entanto, o que se
viu foi a tomada do poder através do extermínio de lideranças de
determinados grupos políticos, não deixando espaço para o reagrupamento ou
organização dos movimentos contestadores, seja através da repressão em
massa, seja por meio do medo social invocado pela busca aos supostos
terroristas.
175
Cria-se, a partir deste medo proferido pela ameaça comunista, a figura
do inimigo interno terrorista, a ser combatido através de medidas de exceção.
Observa-se que, discursivamente, o Estado protagonizava o combate aos
terroristas, quando, implicitamente, aplicava o terrorismo para a população
através de penas de morte, execuções sem processo, torturas implícitas,
desaparecimentos forçados, dentre outras medidas extremas. Havia, nesse
sentido, “um sistema penal paralelo que os eliminava mediante detenções
administrativas ilimitadas [...] e um sistema penal subterrâneo, que procedia à
eliminação direta por morte e ao desaparecimento forçado, sem nenhum
processo legal” (ZAFFARONI, 2004, p.51).
A partir da derrocada destes regimes ditatoriais, bem como com a
decadência do modelo socialista soviético, a ameaça do inimigo terrorista
começa a sair de cena para uma nova categoria de inimigo: o narcotraficante.
Neste momento, cria-se uma nova guerra contra a ameaça subversiva que o
tráfico de drogas representa para os territórios latino-americanos. Entre as
décadas de 70 e 80 do século passado, praticamente toda a região sancionou
leis antidrogas muito parecidas [4], as quais consideravam a diferença entre
consumidor, com penas mais brandas, e o traficante, com o aumento da
penalidade, bem como, “desconheceram o princípio da ofensividade, violaram
a autonomia moral da pessoa, apenaram enfermos e tóxico-dependentes”
(ZAFFARONI, 2004, p.52).
A valoração negativa sobre o inimigo traficante – o jovem não branco
que mora normalmente nasperiferias e favelas das grandes cidades – é
consequência da falência do modelo prestacionista do Estado implantado
durante os governos populistas do início do século XX, que trouxe, além do
desmantelamento da assistência aos setores mais excluídos, uma diminuição
do poder aquisitivo da classe média, o aumento no desemprego, a
flexibilização salarial, os subempregados, os empregos temporários, dentre
176
outros problemas (WACQUANT, 2001, p.25-26). Nesta seara, o aumento
exorbitante da tutela policialesca e do encarceramento também é uma
constante neste novo modelo punitivo, passando a aumentar a prescrição de
condutas baseadas meramente no comportamento perigoso do autor com o
objetivo de pôr fim à insegurança dos indivíduos diante do risco imanente em
relação ao outro, ao desconhecido.
A legislação penal antidrogas foi apenas uma consequência da eficácia
discursiva da criação de um novo modelo autoritário de Estado sobre
determinados indivíduos. Há o que a jurista Maria Lúcia Karam aponta como
a consolidação de um modelo neoliberalista (na economia e na política)
juntamente com um novo modelo autoritarista de Estado – o
Neoautoritarismo – sobre determinados indivíduos (KARAM apud
ANDRADE, 2001, p.134). Neste contexto histórico, o Código de Menores
de 27 dá lugar ao de 79, que veio a aperfeiçoar a doutrina da situação
irregular, com a tutela arbitrária de jovens adolescentes pobres, possíveis alvos
para o mal proporcionado pelo tráfico ou pela desordem dos comunistas,
tornando-seum problema de segurança nacional.
Neste sentido, adolescentes considerados “desviados” do bom convívio
social deveriam ser isolados deste meio, na medida em que poderiam
representar um problema para a segurança do país. Assim, jovens em situação
considerada irregular (como se fosse um atestado de não sujeito para o
sistema punitivo), eram punidos a partir do discurso da prevenção social, da
reeducação, da busca para o melhor do adolescente.
O discurso da aplicação de medidas, tendo como base o melhor
interesse do adolescente influenciou, e ainda influencia (é claro!), medidas
deveras arbitrárias para determinados tipos de indivíduos, escolhidos a partir
de sua personalidade, sua cor, sua família e, principalmente, sua classe social.
Além disso, representa a consolidação cada vez mais clara da centralização da
177
juventude pobre como inimiga no contexto social brasileiro, assim como será
tratado no próximo tópico.
A história do sistema punitivo reservou, portanto, espaço para uma
arbitrariedade contra determinados inimigos simbólicos, selecionados a partir
da oportunidade de cada momento histórico sobre os grupos considerados
mais vulneráveis, assim como a eficácia discursiva implementada, seja através
das legislações repressivas de exceção, seja por meio da disseminação do medo
preconceituoso, conseguiu implementar uma desigualdade inerente ao
controle sociopenal, que depender da disputa das relações histórico-materiais.
A punição dos entes perigosos destoa dos princípios elementares aplicados
pelas garantias individuais, considerando apenas a natureza perigosa
estereotipada pelo indivíduo, poucose preocupando se a medida aplicada tem
caráter de pena ou não. Assim, faz-se importante a sujeição física e moral do
inimigo.
178
neoliberalismo, que influenciam a maneira de decidir sobre matéria de
responsabilização de adolescentes supostamente em conflito com a lei.
O triunfo do mercado todo poderoso (WACQUANT, 2008, p.12-13)
traz, ao mesmo tempo, a afirmação de um governo mínimo, a nível global,
para as políticas sociais fundadas no modelo de Estado de bem-estar social e
de um incremento nas políticas de segurança pública e de contenção dos
chamados setores de risco, isto é, das populações excluídas pelas políticas do
estado mínimo e de precarização do trabalho. De acordo com De Giorgi
(2006, p.80-81), a estrutura do controle social montada pelo Estado passa, no
processo de acumulação pós-fordista, a atuar sobre administração do excesso,
da multidão constituída pelos rejeitados do processo de acumulação flexível.
Para o referido autor, o conceito de multidão, composta por um conjunto
indiferenciado de indivíduos, aparece a partir do declínio a nível global do
conceito de povo, ligado à soberania nacional, e do conceito de classe
operária, relacionado à produção fabril fordista. Estes dois últimos se
relacionavam à centralidade do emprego e às conquistas de cidadania social
durante o apogeu do keyseanismo e do fordismo, enquanto a multidão estaria
relacionada ao “esgotamento da soberania estatal e a emergência do domínio
imperial” (DE GIORGI, 2006, p.81).
O controle social adquire nesta nova fase a função essencial de gestão
do risco, advindo através da multidão, ou seja, do perigo representado pela
massa de subproletariados, de desempregados e das demais parcelas da
população que não se encaixam no modelo de acumulação. Essa gestão é
efetivada através da repressão e do isolamento preventivo das populações de
risco. O risco efetuado pela presença destes grupos já representa uma ameaça
que deve ser gerida preventivamente para conservação da ordem. Camila
Prando e Felipe Prando (apud ANDRADE, 2002, p. 156) apontam, neste
sentido, que os desempregados por si já cumprem um delito de
179
incompetência moral e, por isto, devem ser geridos, mantidos sob isolamento
e vigilância constante, seja através de barreiras físicas ou de simbólicas
presentes no imaginário coletivo, seja por meio das representações. Esses
novos dispositivos já não tem a função essencial de disciplinamento ou de
reeducação, mas, sim, como centralidade, a simples gerência preventiva.
Portanto, as características centrais do controle social, advindas desde
o último quartel do século passado até hoje, concentram-se sobre o
tratamento preventivo das populações consideradas perigosas através do
discurso do isolamento, tendo como base a ameaça que deve ser neutralizada
através de medidas mais severas e políticas repressivas mais eficientes.
Nas palavras de Gabriel Anitua (2008):
180
indivíduos e grupos perigosos, da busca pela paz social através da gerência da
multidão miserável. O crescimento generalizado do Estado repressor,
juntamente com a redução das garantias penais e processuais, garantiu um
importante elemento para o apogeu do chamado governo da insegurança
social, que, através da difusão de estigmas que impõe o medo a uma
determinada parcela da população, conseguiu, aos poucos, consolidar a
expansão do modelo de acumulação de capital e a diminuição das barreiras
regulatórias dos Estados nacionais, encobrindo os problemas sociais
provocados por esta nova ordem mundial.
O declínio da doutrina da Segurança Nacional no Brasil foi
acompanhado por uma nova forma de atuação do controle social sobre
determinados indivíduos. Agora, o discurso dominante encara o narcotráfico
como a mazela social a ser combatida através de uma guerra genocida sobre o
inimigo comum – o narcotraficante – representado essencialmente através da
população jovem desempregada ou subempregada, que mora na periferia ou
nas ruas das grandes metrópoles do país. É necessário, antes de tudo, como
em uma guerra, conter o risco e as ameaças da desordem social provocados
pelo tráfico de entorpecentes, utilizando-se de todas as formas possíveis,
sejam autoritárias ou não.
Nesse sentido, o recrudescimento do aparato penal e a utilização da
tutela repressiva se tornaram extremamente perversos para determinadas
populações, constituindo em um novo tipo de autoritarismo com formas de
atuação tão – ou mais – duras quanto no período ditatorial. É o que alguns
autores, como Vera Malaguti, apontam como um novo tipo de autoritarismo
através do sistema penal: “O econômico é tão perverso que desmoralizou as
democracias representativas, construindo estatísticas de encarceramento,
tortura e extermínio infinitamente superiores aos do período da ditadura
militar no Brasil” (MALAGUTI apud KARAM, 2005, p.54).
181
As mudanças estruturadas nas últimas décadas trouxeram para dentro
do controle social a figura do jovem, na maioria das vezes adolescente, não
branco, morador da periferia, desempregado ou subempregado, como
principal inimigo a ser combalido, isolado ou exterminado. A figura da
população jovem supérflua para a sociedade de consumo, e, por isso mesmo,
constituindo-se no excesso abordado Alessandro De Giorgi (2006, p.83),
torna-se, ao mesmo tempo, a maior vítima por falta de oportunidades e de
políticas sociais e a maior responsável pelo incremento das políticas de
segurança pública.
Nos últimos anos, segundo o Mapa da Violência de 2011publicado
pelo Instituto Sangali e o Ministério da Justiça [5], a taxa global de
mortalidade da população brasileira caiu de 633 em 100 habitantes, em 1980,
para 568 em 2004, no entanto, a taxa de mortalidade juvenil (de pessoas entre
15 a 24 anos) aumentou de 128, em 1980, para 133 a cada 100 mil jovens, em
2008. A maior fatia está relacionada ao número de homicídios, que
corresponde a 39,7% do total de fatores que levaram à morte de algum jovem,
enquanto na população não jovem este número não ultrapassa 1,8%. O
excesso composto pelos consumidores falhos são os que mais sofrem em
relação ao aumento do aparato repressivo estatal e à grande falha nas políticas
sociais.
Apesar do avanço significativo no enfrentamento à miséria nos últimos
anos em virtude do atendimento e da prestação de benefícios e serviços
assistenciais para a população que mais necessita, tais prestações estatais não
foram responsáveis por colocar em cheque o problema da manutenção de
desigualdade social do país (MENDEZ apud ILANUD, 2006, p.15), que
ainda é uma das maiores do mundo [6]. Esta situação desigual irá refletir no
sistema de controle punitivo, dado que está predisposto a selecionar
182
determinados sujeitos, principalmente jovens pobres da periferia das grandes
cidades.
183
processo, e não efetivamente em razão da prática do ato infracional, fato este
a ser provado durante o processo com a participação essencial do
contraditório. Assim, não é possível conceber a aplicação de tal medida como
forma de punição pelo ato infracional imputado ao adolescente, mas sim em
função da manutenção do bom andamento do processo de apuração e
responsabilização pelo ato infracional.
No entanto, a prática tem demonstrado que as medidas de internação
provisória estão cada vez mais sendo utilizadas como forma de punição, antes
do processo, de adolescentes acusados de cometer atos infracionais. Não é à
toa que tal medida, antes da sentença final do juiz, funcionaria como uma
forma de etiquetação prévia do adolescente supostamente perigoso,
demonstrando que tais sujeitos (ou melhor, não sujeitos), estão sendo punidos
pelas suas características pessoais, e não pelo fato cometido, já que tal situação
deve ser apurada no devido processo legal, com a participação da ampla defesa
e do contraditório. Nesse sentido, cumpre apontar que, entre 2004 e 2009, a
quantidade de adolescentes internados provisoriamente cresceu 23%.
A internação provisória acaba sendo, estrategicamente, o meio mais
eficaz para punição do adolescente sem necessariamente passar por todos os
trâmites processuais. Assim, apenas demonstrados o requisitos amplamente
discricionários (necessidade e indícios de autoria/materialidade), o
adolescente será internado. Neste sentido, as garantias presentes no processo
de responsabilização (ampla defesa, contraditório, presença dos pais), bem
como o próprio processo de responsabilização desaparecem para a punição
efetiva do adolescente de forma sumária (nos 45 dias previstos legalmente
para a medida). Não é à toa que o prazo máximo dos 45 dias acaba se
tornando a regra geral: o adolescente será internado por 45 dias e não, no
máximo, por esse tempo.
184
Assim, não importa qual medida final será dada ao adolescente
acusado da prática do ato infracional através da sentença judicial, o que está
em jogo, no momento, é a possibilidade de isolamento de determinados
sujeitos: os inimigos. Para estes, medidas, como a internação provisória, são
salutares, pois conseguem justamente relativizar as garantias individuais para
adolescentes considerados em situação irregular, já que esta nunca
desapareceu da realidade operativa da justiça juvenil.
Não se está aqui, contudo, pregando o final da internação provisória
para adolescentes. Apenas não se concorda com sua a utilização absurda e
desmesurada, o que acaba por trazer à tona justamente a justificação
(racional) de punição desmesurada para determinados inimigos. A internação
provisória deve ser excepcional e invocada a partir de balizas mínimas, as
quais podem ser trazidas a partir do auxílio do Código de Processo Penal
(CPP arts. 312 e 313) e da Constituição Federal (Princípio da não-
culpabilidade), sem esquecer que tal instituto (internação provisória) ainda
carece de formulações mais claras e precisas.
185
necessidade de intervenção sobre locais estratégicos – as favelas de alguns
morros cariocas – para expulsão dos comandantes do tráfico e instalação de
Unidades de Polícia Pacificadora (UPP’s) – espécie de policiamento ostensivo
dentro das favelas – trouxe à baila a intervenção repressiva – chamada de
ocupação. Tal fato ocorre com ajuda das Forças Armadas, força atuante em
momentos de exceção, reafirmando o trato autoritário por parte do Estado na
resolução de conflitos, envolvendo o uso ou o comércio de drogas
consideradas ilícitas pela população mais pobre [7]. Sem falar no uso de
medidas, como a internação compulsória para jovens supostamente com
dependência de alguma droga.
Os argumentos técnico-jurídicos favoráveis invocam a necessidade de
internação compulsória daqueles que não tem capacidade de discernir, pelo
vício e o completo estado de sujeição às drogas, a possibilidade – perigo – de
futuros delitos para manter o vício. Mais uma vez, os estereótipos pessoais –
ameaça imanente das populações estigmatizadas – conduzem à receita de
seletividade usual através de medidas que mais se assemelham às de
segurança, ou às medidas de internação dos jovens abandonados ou vadios,
presentes no início do século passado. É necessário expor que este trabalho
não vai de encontro à necessidade de criação de clínicas de reabilitação
especificadamente para jovens, mas enfatiza que as mesmas devem ser
acompanhadas de políticas públicas efetivas e prioritárias, tendo sempre em
mente a condição de adolescentes como sujeitos de direitos e não objetos de
uma novel intervenção involuntária – melhor seria chamar de autoritária. No
entanto, é sabido que a internação compulsória não é nada mais do que outro
instrumento de contenção de uma população há muito chamada de
ameaçadora, com ajuda, mais uma vez, do discurso da necessidade de
intervenção para crianças e adolescentes, tendo como base a proteção para o
seu próprio bem.
186
Nota-se, neste sentido, que a aplicação desta medida, de forma
involuntária, é mais um flanco de ataque das instituições oficiais, com
fundamento na doutrina da situação irregular para a seletividade e contenção
de crianças e adolescentes pertencentes ao subproletariado. Neste sentido, o
discurso médico volta à tona atrelado às estratégias de segurança pública e de
contenção social de determinados grupos. No entanto, o uso deste tipo de
aparato científico não terá o condão de reedificação ou reeducação social, mas
sim a estratégia de controle geral de uma parcela supérflua da população.
Apesar de não estar prevista no Estatuto, a internação compulsória
como uma modalidade da internação psiquiátrica, prevista no parágrafo único
do art. 6º da Lei nº 10.216 de 2001[8], vem sendo utilizada com maior
frequência nos últimos anos para usuários de drogas moradores de ruas ou de
favelas [9], através de decisão judicial. Tais medidas vêm sendo tomadas com
base no discurso de que, diante da situação excepcional que vivem os usuários
de drogas altamente destrutivas, como o crack, seria necessário uma
intervenção médica no sentido de restaurar ou recuperar a vida daquele
indivíduo sem a necessidade de sua autorização pessoal.
O art. 6º da Lei supracitada aponta a possibilidade de três tipos de
internação psiquiátrica: uma voluntária, quando o próprio usuário consente
em ser internado; uma involuntária, quando se dá sem o consentimento do
usuário, mas com o pedido de terceiro, devendo ser comunicada ao
Ministério Público pelo responsável técnico do estabelecimento de saúde no
prazo de 72 horas; e uma compulsória, que será decretada mediante decisão
judicial devidamente fundamentada por juiz competente, sem também ser
necessária a anuência do paciente (art. 9º). No entanto, a Lei não prevê
necessariamente a internação específica para pacientes com dependência a
determinadas drogas, mas sim para pessoas com transtornos mentais de uma
maneira geral. Assim, apesar de se relacionar ao discurso médico-psiquiátrico,
187
a internação compulsória vem sendo utilizada como estratégia atrelada às
políticas de segurança pública em uma atuação de “guerra contra as drogas”.
Desta maneira, nos últimos anos, a internação compulsória de
adolescentes vem sendo efetuada, sobretudo, conjuntamente com grandes
operações de segurança pública. Estas operações têm como finalidade
precípua o afastamento de jovens dependentes químicos dos locais públicos
ou do convívio social, identificando a necessidade de um tratamento médico
especializado que possa lhes salvar a vida e lhes conferir uma suposta
dignidade, ou seja, buscar uma hipotética proteção através da internação em
clínicas especializadas no tratamento do drogatício [10].
No entanto, a internação compulsória vem se apresentando mais como
uma política oficial de controle social, através da vinculação entre transtorno
mental e psiquiátrico à gestão da delinquência juvenil, do que como uma
política vinculada estritamente ao tratamento médico e psiquiátrico daquele
usuário dependente. O aumento considerável no número de internações
efetuadas pelo Estado nos últimos anos [11] conjuntamente com uma política
de segurança pública cada vez mais nefasta para com determinadas
populações, sobretudo a juventude moradora de espaços públicos e da
periferia, aponta que a internação compulsória está sendo utilizada não para a
proteção específica daquele indivíduo dependente de drogas, mas como um
instrumento de controle, contenção e segregação do excesso produzido pelas
políticas neoliberais nos últimos anos. Não é por demais ainda demonstrar
que, nas últimas décadas, diante de discursos que giram em torno da
necessidade cada vez maior de desinternação de pacientes com transtornos
mentais. Isto ocorre através da necessidade de lhes conferir um tratamento
comunitário fora dos hospitais psiquiátricos, o crescimento da taxa de
internação compulsória de dependentes químicos soa mais como uma política
de controle e de segregação do que realmente de proteção, ou melhor, essa
188
política de proteção vem no sentido de uma estratégia de defesa social, da
prevenção da ameaça social gerada por determinados sujeitos indesejados.
Não é mais necessário, nestes casos, o cometimento, a apuração e a
execução de um processo infracional. O suposto perigo de vida corrido pelo
paciente no momento de justificar a internação compulsória afasta qualquer
necessidade de instauração de um processo infracional, no qual vai ser
auferida a responsabilidade sobre um ato determinado. O que é necessário
nesta modalidade interventiva é apenas obter a personalidade do adolescente e
verificar sua suposta incapacidade de discernimento individual pelo grau de
dependência química que sofre. Ocorre, portanto, aquilo que alguns autores
chamam de “psiquiatrização” e “medicalização” do discurso de controle sobre
determinados sujeitos indesejados. É retirada a ideia de capacidade de
discernimento e, por consequência, de responsabilização por qualquer ato
praticado, para controlar determinado indivíduo através de medidas tidas por
protetivas. Nesse mesmo sentido, é o discurso de que a medida socioeducativa
aplicada ao adolescente viria para protegê-lo e não para puni-lo.
Apesar do discurso médico e psiquiátrico combinados nas políticas de
segurança pública reavivar medidas demasiadamente autoritárias, assim como
fora na doutrina da situação irregular com o positivismo criminológico, aqui a
periculosidade não é auferida a partir de uma perspectiva biológica, social ou
mental do sujeito. O discurso agora reside justamente na necessidade de
gestão diferenciada de determinados grupos e indivíduos considerados
incontroláveis e que, portanto, devem ser isolados. A psiquiatrização do
controle social de adolescentes não ensejam, necessariamente, o controle de
um suposto transtorno mental, mas sim encobrir as relações sociais e
econômicas de exclusão presentes no neoliberalismo e efetivar um processo de
“desresponsabilização”, colocando-o na figura de mero expectador – objeto –
189
da imposição estatal, ligando-se à doutrina aqui tão combalida da situação
irregular.
A internação compulsória é, na realidade, outra medida capaz de
retirar todas as responsabilizações presentes no estatuto e, junto com elas,
todas as garantias individuais para invocar uma situação excepcional,
retirando a condição de sujeito de seus próprios atos. É também neste ponto
que a figura do inimigo encarado pelo adolescente indesejado, morador da
periferia ou dos espaços públicos, suposto usuário de drogas, atinge a sua
finalidade central.
O controle social, através da coisificação do adolescente dependente
químico, convocaria o discurso da necessidade de uma intervenção
segregadora para a contenção do excesso provocado pelas políticas neoliberais,
minimizando ou sensibilizando todas as garantias infanto-juvenis trazidas
pelo Estatuto e pela Constituição com base em uma suposta proteção,
resguardo ou reparação da própria vida do adolescente.
Assim, o discurso da internação compulsória consiste exatamente na
necessidade de supressão do processo e de suas garantias para a invocação de
um Estado de necessidade, no qual é absolutamente imprescindível a retirada
do adolescente indesejado do convívio social para sua própria proteção,
através do renascimento da doutrina da situação irregular conjugada com as
atuais políticas nefastas de segurança pública, efetivadas pelo neoliberalismo.
Considerações finais
190
de determinados grupos ao longo dos séculos, assim como foi demonstrado
acima.
Neste patamar, após a derrocada do sistema ditatorial no Brasil, a
figura do inimigo interno encarnada nos subversivos começa a deixar o
discurso das agências de controle social para a emergência de uma nova
categoria de inimigo: a juventude pobre moradora da periferia das grandes
cidades, relacionada ao problema do uso/comércio de entorpecentes ilegais. A
consolidação desta nova categoria de inimigo se deu, sobretudo, através da
edificação de um modelo de Estado e de política econômico-social, baseados
no paradigma neoliberal e na intensificação do estado policialesco.
Neste sentido, algumas medidas jurídicas foram fortalecidas no sentido
de isolar e punir determinados indivíduos considerados como inimigos (a
juventude pobre), através do discurso da excepcionalidade e da necessidade do
combate intensivo dos supostos narcotraficantes. Este discurso prioriza a
necessidade de controle de determinados indivíduos a partir de sua
personalidade e classe social, bem como através da relativização (ou supressão
total) das garantias presentes no processo de apuração do ato infracional e de
aplicação das medidas socioeducativas contra adolescentes.
As principais medidas são: a internação provisória e a internação
compulsória. Tanto uma como a outra estão sendo utilizadas de forma
intensiva nos últimos anos justamente através da utilização do discurso da
necessidade contra determinados indivíduos perigosos, bem como têm como
característica essencial a desnecessidade de processo, de suas etapas e de suas
garantias durante sua execução. Sem dúvidas, estas duas medidas vão ao
encontro do discurso enfatizado pelo neoliberalismo e da necessidade de
controle de uma multidão flexível, desnecessária e, portanto, descartável ao
modo de produção dominante.
191
É necessário, desse modo, defender as garantias infanto-juvenis
presentes nas legislações infanto-juvenis, compreendendo o adolescente como
sujeito de seus próprios atos e não a partir de discursos objetificantes que
venham no sentido de procurar o melhor ou a proteção dele. A busca por um
direito infracional mínimo não é a supressão das garantias que o compõe, mas
sim a efetivação dos instrumentos legais de proteção e respeito aos Direitos
Humanos infanto-juvenis, refreando as sensibilidades presentes no Estatuto
ou em outros instrumentos legais responsáveis por selecionar e controlar
adolescentes em uma suposta situação irregular.
Referências bibliográficas
192
BRASIL. Lei nº. 10.216, de 6 de Abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os
direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo
assistencial em saúde mental. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10216.htm>.
Acesso em: 30 mar. 2012.
193
INTERNAÇÃO Compulsória de Usuário de Drogas é Polêmica. O Estado
de São Paulo. 22 jan. 2012. Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/geral,internacao-compulsoria-de-
usuarios-de-droga-e-polemica,825826,0.htm>. Acesso em: 30 maio 2012.
194
OPERAÇÃO na Cracolândia. O Estado de São Paulo. São Paulo, 14 fevereiro
2012. Disponível em: <http://goo.gl/0IeX4S>. Acesso em: 19 mar. 2012.
195
Notas de fim
[1] “Corresponde al jurista suizo Carl STOOSS el mérito de haber dado forma, a
fines del siglo pasado, a este concepto del llamado DUALISMO, al instituir, al lado
del sistema de la simple pena que se seguía hasta entonces, un sistema de medidas de
seguridad y corrección especiales. Con ello, el derecho -pernal se hace cargo de "dos"
medidas distintas: la pena en sentido estricto y las medidas de seguridad. Aquélla
considera la culpabilidad del autor, tal como se manifiesta en el hecho concreto
particular (medida referida al hecho), y éstas tienen en cuenta, independientemente
de la culpabilidad por el hecho, la peligrosidad del autor con miras al futuro
(medida referida al autor). Queda determinado de tal manera, de acuerdo con su
esencia, el principio del llamado dualismo.” (MEZGER, 1958, p. 392).
196
[4] No Brasil em 1976, na Argentina em 1989, no Peru em 1982, na
Venezuela em 1984, no Chile em 1985, na Colômbia em 1986, na República
Dominicana, no Paraguai e na Costa Rica em 1988.
[5] “Se na população não jovem só 1,8% dos óbitos são causados por
homicídios, entre os jovens, os homicídios são responsáveis por 39,7% das
mortes. Mas essas são as médias nacionais. Em alguns estados, como
Alagoas, Bahia, Pernambuco, Espírito Santo e Distrito Federal, mais da
metade das mortes de jovens foi provocada por homicídio (mapa da v. p. 18).
A taxa global de mortalidade da população brasileira caiu de 633 em 100 mil
habitantes, em 1980, para 568, em 2004, fato bem evidente na no aumento
da expectativa de vida da população, um dos índices cuja progressiva melhora
possibilitou significativos avanços no Índice de Desenvolvimento Humano –
IDH dos últimos anos. Apesar desses ganhos gerais, a taxa de mortalidade
juvenil manteve-se praticamente inalterada ao longo do período, e só teve um
leve aumento, passando de 128, em 1980, para 133 a cada 100 mil jovens, em
2008.” (WAISELFISZ, 2011, p.17).
197
terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.”
(BRASIL, 2001).
198
Dinâmicas do desenvolvimento da juventude das
periferias urbanas em Salvador, Bahia: encontros,
pertença, expressões e projetos de vida no âmbito de
políticas públicas e projetos sociais
Dynamics of youth development in slum areas in Salvador, Bahia: engagement,
belonging, expressions and life projects related to public policies and social projects
Juventud dinámica del desarrollo de las periferias urbanas en Salvador, Bahia:
reuniones, membresía, expresiones y proyectos de vida en el marco de las políticas
públicas y proyectos sociales
Introdução
200
habitam. O estudo pode orientar ações preventivas para as políticas públicas e
favorecer o acionamento das possibilidades de suporte e orientação aos jovens
desses contextos, contribuindo para a promoção da saúde, o acesso à
cidadania e o estabelecimento de projetos de vida.
Dada a multiplicidade de estudos sobre a juventude brasileira e, ainda
assim, a não abrangência deles a todas as situações e contextos desta parcela
da população, a proposição deste artigo se insere no contexto mais amplo de
estudos sobre a juventude, o que pode se constituir em uma contribuição ao
tema, partindo da configuração e análise sistemática dos contextos de
desenvolvimento, dos fatores de risco e proteção e das vulnerabilidades sociais
presentes em áreas caracterizadas pela pobreza urbana.
Sendo a temática da juventude um campo em aberto, dada a
multiplicidade de realidades encontradas no cenário brasileiro, o presente
estudo pode vir a contribuir para o desvelamento de questões ainda não
suficientemente elucidadas na literatura, compreendendo, assim, a sua
relevância científica pela originalidade do tema proposto, que pode contribuir
para o aprofundamento de questões que possibilitem a emergência de
políticas públicas que possam intervir diante da juventude, por vislumbrar
suas dinâmicas de desenvolvimento com base em um olhar voltado para as
redes de relacionamento presentes no cotidiano, apontando uma nova
modalidade de avaliação dos impactos de ações.
O objetivo deste artigo é identificar e apresentar as dinâmicas do
desenvolvimento da juventude das periferias urbanas da cidade de Salvador,
procurando identificar a incidência e a efetividade dos encontros, pertenças,
expressões culturais e estabelecimento de projetos de vida, baseando-se na
participação em políticas públicas e projetos sociais voltados para a juventude.
Nesse sentido, buscamos, também: a) mapear os fatores de risco e
proteção presentes nos contextos de desenvolvimento da juventude de
201
periferias urbanas; b) identificar como se configuram as redes e as relações, os
vínculos com as políticas públicas, que fornecem suporte e apoio para a
juventude que podem ser acionados diante de situações de risco, favorecendo
o protagonismo e a proteção; c) caracterizar as expressões (artística, cultural,
esportiva, profissional, musical etc.) da juventude das periferias urbanas,
mostrando se há uma relação entre o protagonismo e a redução de danos.
1- Revisão da literatura
202
promovidas por mudanças estruturais, de ordem econômica e cultural,
particularmente na eclosão das favelas cariocas. O estudo oferece uma demarcação
dos ajuntamentos de jovens (quadrilhas e galeras) de uma metrópole urbana com os
seus variados escopos e práticas culturais.
Guimarães (1998) e Diógenes (1998) têm contribuído com a literatura por
meio do esforço de demarcar o território dos agrupamentos juvenis nas metrópoles,
analisando, também, as gangues, galeras e quadrilhas, geralmente, identificando os
códigos próprios de cada um desses agrupamentos, assim como a produção cultural
promovida pelos jovens e a contextualização desses fenômenos no contexto social
brasileiro, cada vez mais, marcado pela violência nas últimas três décadas.
Araújo (2001) identifica as relações complexas da juventude da periferia de
Belo Horizonte na escola, assim como suas estratégias de convivência, os estigmas e
a violência, demarcando espaços de exclusão.
Os estudos sobre a juventude das favelas baianas têm se caracterizado,
em especial, pela questão da violência, marginalização, vulnerabilidade e
significações atribuídas pelos jovens ao seu cotidiano.
Machado e Taparelli (1996), Machado, Noronha e Cardoso (1997) e
Espinheira (2003, 2004) analisaram a situação de jovens em favelas de
Salvador, a exemplo de áreas como o Subúrbio Ferroviário, nas quais
aparecem, dentre outras características, as vulnerabilidades sociais, a pobreza
urbana e a violência policial, assim como a entrada dos jovens em trajetórias
caracterizadas pela participação em quadrilhas, o uso e a posse de armas e
mesmo a prática sistemática de furtos, apontando para uma análise de cunho
etnográfico, que valoriza as interlocuções, buscando desvelar o universo
cultural dos jovens.
Dimenstein (2006) analisa as bases de apoio familiares e comunitárias
da adolescência/juventude enquanto estratégias de enfrentamento à violência,
recorrendo a diversos aspectos presentes nos contextos de desenvolvimento,
203
como atividade escolar, religião, lazer e esportes, dificuldades enfrentadas no
cotidiano, violência familiar e comunitária, saúde, valores sociais, dentre
outros. O estudo aponta a existência de grandes dificuldades no cotidiano da
juventude, particularmente, em relação ao desemprego e à saúde em geral.
Recentemente, alguns estudos sobre a juventude brasileira têm
enfocado suas possibilidades de inserção na realidade social, incluindo a
garantia aos direitos humanos, assim como a participação em atividades
diversas, em espaços promovidos pelas políticas públicas voltadas para essa
população, indo na contramão da violência e das situações de risco.
Em particular, colocam-se nessas categorias os estudos contidos nos
livros “Juventude contemporânea: perspectivas nacionais e internacionais”
(CASTRO; CORREA, 2005) e “Juventude e Sociedade: trabalho, educação,
cultura e participação” (NOVAES; VANNUCHI, 2004).
Santos e Bastos (2005) discutem as trajetórias de quatro jovens de uma
favela urbana, identificando nas suas redes de relacionamentos os fatores de
risco e proteção e sua integração a estes contextos de desenvolvimento. Nesse
artigo, começam a aparecer sistematicamente as noções de encontro,
pertencimento e “desterro” enquanto formas de integração e exclusão dos
jovens inseridos no contexto da favela urbana, o que mostra, de certa forma, a
exposição a riscos e oportunidades.
Nos últimos dois anos, dois importantes livros (SOARES; BILL;
ATHAYDE, 2005; BILL; ATHAYDE, 2006), que retratam a juventude
urbana das favelas brasileiras, têm causado impacto em toda a sociedade por
mostrar os dramas e as situações de violência nas quais os jovens estão
inseridos, particularmente, pela participação no tráfico de drogas. Os autores
trouxeram novos dados sobre o universo da juventude marginalizada das
periferias urbanas de grandes cidades brasileiras.
204
2- Materiais e métodos
205
informantes, assim como o registro das suas expressões, foi viabilizada
mediante a assinatura do termo de consentimento informado e a autorização
dos mesmos para a divulgação dos dados, resguardando a identidade dos
participantes, dentro dos procedimentos vigentes da ética na pesquisa.
A análise de dados foi realizada por meio de orientação metodológica
proposta pelo quadro teórico que compõe este trabalho, partindo de uma
compreensão interdisciplinar que busca, de modo específico, reunir uma abordagem
ecológica do desenvolvimento humano em contexto (BRONFENBRENNER,
1996), em consonância com a rede de significações (ROSSETTI-FERREIRA;
AMORIM; SILVA, 2004).
A escolha desse referencial, caracterizado pela confluência de saberes e áreas
afins aos fenômenos psicológicos e sociais da juventude em situação de risco
psicossocial das periferias urbanas, deu-se em virtude da percepção da amplitude e
necessidade de analisar o contexto, as pessoas, o tempo e os processos neles
presentes, recortados nas trajetórias e na interação dos jovens com os elementos
descritores de suas experiências.
206
relações entre esses ambientes, e pelos contextos mais amplos em
que os ambientes estão inseridos. (BRONFENBRENNER, 1996,
p. 18).
207
concêntricas, cada uma contida na seguinte, que interagem entre si o tempo inteiro,
com uma dinâmica própria.
4 - Rede de significações
208
discursos, mostrando uma luta entre valores sociais com orientações contraditórias,
vinculadas a diferentes processos sociais e períodos históricos. A multiplicidade de
significados contradiz a qualidade homogênea e determinística que frequentemente
é atribuída às dimensões socioculturais, o que, por sua vez, vem revelando que a
matriz sócio-histórica contribui para circunscrever de modo mais flexível os
processos de desenvolvimento das pessoas. É nessa matriz sócio-histórica que se dão
os processos interativos entre as pessoas e seus contextos.
Por fim, a Rede de Significações favorece a pesquisa desenvolvimental numa
perspectiva longitudinal, tomando-se por base as trajetórias, considerando a pessoa,
a matriz sócio-histórica, o ambiente, o tempo e a dinâmica dessas interações e
contemplando em seu corpo teórico a perspectiva espaço-temporal, constituindo de
forma central o desenvolvimento humano, considerando que todo acontecimento
está sempre situado em um contexto espaço-temporal, e que deve ser levado em
conta na análise dos processos de desenvolvimento.
5- Resultados, discussão
209
A escolarização, baseada em projetos sociais e educativos, incluindo
cooperativas e reforços escolares, tem sido uma possibilidade de inserção e
manutenção de jovens no Ensino Médio e mesmo na Universidade. Essa
nova possibilidade de escolarização tem sido realizada nas áreas periféricas do
Subúrbio Ferroviário de Salvador, apoiada em cursos afirmativos pré-
vestibulares para jovens afrodescendentes e desempregados, os chamados
“quilombos educacionais”, direcionados àqueles jovens que concluíram o
Ensino Médio, conseguindo resultados satisfatórios. Uma quantidade
considerável deles consegue ingressar em universidades públicas e/ou
particulares após a inserção nesses cursos.
Os relacionamentos com os adultos – educadores, assistentes sociais,
técnicos, instrutores –, no âmbito dos projetos sociais e das políticas públicas,
e com as lideranças comunitárias mostram a possibilidade de criação de
vínculos duradouros, recuperando, neste sentido, referências que ficaram meio
obliteradas na vida dos jovens. Os jovens buscam fazer a experiência de
acolhida integral nos projetos sociais e nas políticas públicas, com base no que
os adultos (educadores e dirigentes) podem proporcionar.
Cada encontro pode proporcionar a emergência do protagonismo, de
projetos de vida, de saberes, não destituindo os jovens pelos seus
comportamentos. Quando o jovem encontra um adulto que acredita nele é
como se acontecesse uma restauração de trajetórias, muitas vezes, negadas e
marcadas pelos riscos e pela violência.
O encontro com novas pessoas, geralmente dentro de um contexto
educativo, parece contribuir para ajudar os jovens a se confrontarem com
novas experiências que, com o tempo, fazem uma diferença significativa em
suas vidas, a começar pela revelação de novas possibilidades e, depois,
permitindo o estabelecimento de relações pautadas pelo respeito e pelo
diálogo.
210
As figuras de referência para os jovens das áreas periféricas parecem,
em um primeiro momento, estar relacionadas com os próprios jovens e,
depois, com adultos portadores de saberes legitimados socialmente. A
despeito de existirem constantes rupturas nesses encontros, há uma
permanência e sistematicidade capaz de possibilitar mudanças na vida de
ambos, educadores e jovens. A presença de adultos com formação superior ou
mesmo com disponibilidade para escutar os jovens provoca neles a
possibilidade de diálogo e aprendizagem.
Pertencer, nesse sentido, significa compartilhar experiências e crescer
juntos num caminho humano, no qual cada pessoa realiza a própria vida. A
pertença – que geralmente é agregadora – faz com que os jovens comecem a
ter comunalidades pelas quais vale a pena se dedicar. Como resultado está a
realização de cada um. A pertença está ligada a relacionamentos e a
estruturas. Os relacionamentos são aqueles espaços fundamentais para a
constituição de projetos de vida.
Quando nos referimos a projetos de vida, queremos indicar que se um
jovem não sabe para onde está indo (no que se refere ao uso da própria vida) a
sua energia vital pode ser dispersa em muitas coisas que não favorecem o seu
desenvolvimento. As estruturas são os espaços que dão sistematicidade a essa
experiência, mas que nunca se substituem à ação das pessoas. O que os jovens
buscam nas estruturas são pessoas para as quais eles podem olhar e crescer no
encontro com elas. Há uma grande dinâmica do desenvolvimento,
particularmente em razão da existência das redes de relacionamento nas
periferias urbanas. As redes se configuram com base nos relacionamentos
entre pares, com os adultos de referência, gerando relações e vínculos de
suporte e apoio que podem estar disponíveis para a juventude das áreas de
periferias urbanas, podendo ser acionadas diante de situações de risco no
desenvolvimento, favorecendo o protagonismo e a proteção.
211
Os encontros com pessoas e instituições aparecem como chaves
importantes e significativas de entendimento dos mecanismos de integração,
protagonismo, expressão dos jovens e redução de danos psicossociais diante
da violência. Quando há o encontro, é possível que se estabeleça a pertença. A
relação de pertença, entendida aqui como o estabelecimento de vínculos e
laços afetivos com pessoas e espaços, começa se tomando por base um
encontro, sendo importante mostrar que há uma dinâmica em que os dois
elementos se entrecruzam.
As expressões podem ser indicadas pelo saber fazer e pela
sistematicidade, podendo proteger o jovem das situações de violência. Podem
existir os mais variados contextos em que os jovens se movimentam, se
relacionando criticamente com o contexto, agindo, realizando, produzindo
cultura e outras formas de expressão, que indicam um novo modo de agir e
mesmo de conceber novos projetos de vida. As expressões artísticas, culturais,
esportivas e profissionais da juventude são variadas, mostrando que há uma
relação entre o protagonismo e a redução de danos.
Nos espaços educativos dos projetos sociais, apoiados por políticas
públicas para a juventude, há a possibilidade de interação com adultos
diferentes, abertos ao encontro e ao objetivo educativo da instituição,
mostrando que os contextos de periferias urbanas se apresentam ricos em
relacionamentos para os jovens.
Aparece no estudo uma integração dos jovens em habilidades
artísticas, culturais, esportivas, no trabalho e na família. A prática de um
esporte – no caso, o mais acessível é a capoeira, respeitando a característica
regional e cultural da Bahia – aparece como forma de integração para a
juventude. Essa integração se dá pela experiência feita pelos jovens na
referência à figura dos instrutores e de poder mostrar a sua arte e a sua cultura
212
para pessoas de outros lugares, ajudando a quebrar certos mitos
discriminatórios contra os jovens das periferias urbanas.
O esporte aparece, para alguns jovens, como a possibilidade de
ascensão social, tendo em vista a existência de outros jovens que conseguiram,
pela prática da capoeira, viajar e se estabelecer em um outro país, realizando
apresentações e ganhando dinheiro com a prática esportiva. O esporte parece
oferecer aos jovens um referencial masculino que muitos não conheceram em
suas histórias. Com todas as tensões possíveis e existentes, eles reconhecem
ser os instrutores presenças importantes em suas vidas.
A música se apresenta como forma de integração e de valorização de
si, baseada em um saber que o jovem tem. Em razão da música, os jovens se
afirmam em uma experiência de protagonismo. Essa experiência fica evidente
na elucidação da grande quantidade de grupos musicais, nas apresentações e
na inserção em diversos grupos, aos quais conseguem se integrar dentro e fora
dos projetos sociais e dos bairros. A música continua a exercer como que um
fascínio, é um espaço no qual eles conseguem se afirmar na prática de uma
atividade que pode lhes fornecer uma possibilidade de inserção efetiva no
mercado de trabalho.
O trabalho informal tem uma dupla realidade: integra e desagrega os
jovens. A integração ocorre pela possibilidade de contribuir com a renda
familiar e conseguir dinheiro para seus próprios gastos com alimentação,
roupas e lazer. A desagregação aparece quando esse trabalho destitui o jovem
da vida cotidiana, como a frequência à escola ou aos cursos e outros locais
educativos. Pode acontecer, em meio à experiência do trabalho informal, a
exploração, dada pelos baixos rendimentos oferecidos e caracterizada pelas
longas jornadas dedicadas aos ofícios de aprendizes em oficinas, marcenarias,
como ajudantes de pedreiro etc.
213
Na família, por fim, os jovens se encontram engajados em
relacionamentos mais estreitos com a mãe, sendo, nesses contextos, o trabalho
para ajudar a família ou a frequência a um projeto social, no qual se ganha
uma cesta básica, ou uma bolsa (contribuição financeira), vistos como uma
contribuição importante para a manutenção do lar.
Os resultados preliminares começam a apontar uma diversidade de
contextos de desenvolvimento da juventude, assim como as situações de
violência, aqui identificadas nas mais variadas manifestações. As situações de
violência que afetam a juventude das áreas de periferias urbanas são muitas
(violência física, extermínio, intimidação), e todas provocam mudanças nas
percepções dos jovens diante da vida e das perspectivas, alterando ou
remodelando suas interações.
Conclusões
214
O olhar abrangente recomendado pela abordagem ecológica do
desenvolvimento humano é importante aqui: as barreiras impermeáveis do contexto
também podem se modificar apoiadas em recursos pessoais acumulados e
construídos na interação com outros sociais significativos, alterando as estruturas de
oportunidade e abrindo canais efetivos de participação social (GOODNOW,
1995).
Assim, apresentamos os fatores de risco e proteção disponíveis aos
jovens das periferias urbanas, procurando descrever a dinâmica do
desenvolvimento humano culturalmente situado dentro dessas perspectivas
teóricas norteadoras do estudo, levando em conta as interações dos
adolescentes com o contexto social.
215
As áreas periféricas foram identificadas, neste estudo, como lugares de risco
acentuado para o desenvolvimento dos jovens, por ser um ambiente em que se
convive com a pobreza, a violência e a impunidade, dentre outras características.
O contexto de risco nas periferias urbanas se expressa por meio da violência,
por exemplo, em suas manifestações mais diversas, desde a policial, às privações, até
aquela praticada por delinquentes locais, que fazem uso de armas de fogo como uma
forma de intimidação (BRICEÑO-LEÓN, 2002; MACHADO; NORONHA,
2002).
Os jovens entrevistados geralmente falam dos bairros onde moram como
lugares violentos nos diversos níveis: a violência diretamente relacionada a eles e aos
seus familiares, assim como aquela contra as outras pessoas que moram na área,
sendo cada vez mais crescente o número de jovens citados ao longo das entrevistas
que já foram assassinados ou estão envolvidos em trajetórias demarcadas por crimes.
A violência está presente na trajetória dos jovens, tendo, muitos deles,
testemunhado tais situações na própria família, ao ver os irmãos sendo presos e/ou
assassinados.
O período de maior risco para a juventude habitante das periferias urbanas é
o da noite, pois é nele que os marginais e delinquentes estão agindo mais
livremente, principalmente, nos assaltos.
A roupa usada pelos jovens, geralmente, desperta a suspeita de policiais.
Estar sem camisa, com tatuagens, brincos, roupas de marca ostensiva ou descalço
pode ser interpretado como um indicador de marginalidade nas áreas periféricas.
Outro fator de risco é a etnia. Ser negro (pardo ou afrodescendente) e morar
na periferia também é um demarcador de sérios agravos à integridade física da
pessoa por causa do racismo e da violência a essa grande parcela da população. Um
dado emergente é que, do universo de entrevistados, todos de origem
afrodescendente, em sua totalidade já sofreram alguma abordagem marcada pela
intimidação. Nas periferias urbanas, o preconceito atinge a população jovem e
216
produtiva, desqualificando-a por causa do estigma que pesa sobre os habitantes
dessas áreas.
A situação familiar dos jovens, marcada pelo baixo nível econômico e
desemprego dos adultos, pode se configurar como uma situação de risco às suas
vidas, principalmente, quando envolve situações de abandono, separação ou
negligência. Note-se a presença de novos arranjos familiares, diferentes da família
patriarcal nuclear, sendo, agora, muitas vezes, chefiadas por um dos adultos de
referência, geralmente, a mulher. É nessa família nova, dentro do contexto de
pobreza urbana, que os jovens são chamados a ser copartícipes, contribuindo com a
renda familiar mediante pequenos trabalhos informais. Não obstante essas
condições, a família continua a ser um espaço privilegiado para a proteção de
crianças e jovens (BASTOS; ALCÂNTARA; SANTOS, 2002; PETRINI,
2003). Em todos os casos aqui considerados, destaque-se, nesse sentido, o papel da
mãe.
Outras situações de risco envolvendo a família, em consonância com a
literatura, têm sido a ausência de um dos pais; o baixo nível econômico; a violência e
alcoolismo no ambiente doméstico; a existência de outras drogas e/ou envolvimento
de familiares na marginalidade; o espaço físico reduzido para a família (HUTZ;
KOLLER; BANDEIRA, 1996), assim como as agressões físicas.
Em estudos sobre as novas famílias urbanas (BASTOS; ALCÂNTARA;
SANTOS, 2002), os autores encontraram dados que apontam para uma nova
configuração das famílias de áreas periféricas de Salvador, indicando uma nova
forma de organização destes espaços importantes de socialização e desenvolvimento
das crianças e jovens.
No meio das solicitações contextuais, e mesmo nas relações mais
próximas entre os jovens, apareceu, ao longo da pesquisa, uma noção de
violência que pode ser percebida de vários modos, dentre eles, o pessoal, o
contextual. Destaque-se o acumular de experiências que paralisam ou vão dar
217
novos rumos às ações dos jovens. Algumas dessas formas de violência, dentre
tantas outras, que levaram a óbito, por exemplo, dois dos jovens que fizeram
parte deste estudo, situam-se na realidade que alguns autores (MACEDO et
al., 2001; ESPINHEIRA, 2003, 2004) encontraram ao analisar a relação
entre violência e desigualdade social nos homicídios ocorridos em Salvador.
Essas formas de violência podem ser identificadas pelo uso de armas de fogo e
ações realizadas em outros níveis: I) jovens envolvidos em trajetórias de
criminalidade e que são mortos por policiais; II) jovens que são exterminados
por pessoas portadoras de armas de fogo, podendo ser policiais, vigilantes e
outras pessoas não especificadas e em razão da não solução dos crimes; III)
jovens vitimados por pares, isto é, por outros jovens portadores de armas de
fogo que matam pelos mais variados motivos, desde disputas por “bocas” de
tráfico até acertos de contas, por diversas outras razões; IV) jovens vitimados
sem portarem armas de fogo, por causas mais diversas, desde assaltos até
motivos banais.
Aparece, também, o que temos denominado de “desterro” (SANTOS,
2005; SANTOS; BASTOS, 2005), que é outra forma de violência,
identificada em Novos Alagados e em outras áreas de periferias urbanas, com
suas múltiplas características. É um fenômeno que pode ser sintetizado nessa
expressão por seu caráter desagregador e desestruturador da vida das pessoas,
e está presente na trajetória dos jovens ao retirá-los da área de habitação.
A noção de “desterro” pode ser relacionada ao fenômeno do
“desenraizamento”, categoria utilizada por Bosi, particularmente quando esta
autora, retomando o pensamento de Simone Weil (1996, p. 347), considera
que
218
O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e
natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos
tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro (BOSI,
2003, p. 175).
219
dos fatores de risco e indicam espaços, atividades, pessoas e recursos que promovem
a saúde, o bem-estar, a integridade e o desenvolvimento adaptado aos jovens.
Os fatores de proteção disponíveis para os jovens das periferias urbanas,
sugeridos pela pesquisa, podem ser assim distribuídos: a) grupos; b) expressões
culturais; c) redes de apoio social; d) projetos sociais e políticas públicas; e) aquisição
de projetos de vida; e f) encontro e experiências.
As expressões artísticas e culturais, como a música, ocupam um lugar
importante na vida dos jovens das periferias urbanas. Os entrevistados pertenceram
a grupos musicais relacionados com o pagode baiano, nos quais percebem uma
possibilidade de ascensão, conforme identificou Lima (2002), mesmo não tendo
aprofundado essa questão.
A capoeira se apresenta como a possibilidade de inserção social, mostrando a
constituição de vínculos do jovem com o seu mestre, aparecendo como a
possibilidade de realização de novas experiências, como viagens a outros estados e
apresentações em diversas partes da cidade. Esse vínculo se inicia geralmente nos
espaços de projetos sociais, no encontro com educadores e mestres. A despeito dos
conflitos com a figura masculina, ausente na trajetória familiar de alguns jovens, os
mestres provocam uma relação de intensa identificação.
As redes de apoio social são aquelas instituições e pessoas que podem
coorientar e proteger, com a família, a vida dos jovens em situação de risco
psicossocial, ou seja, são “o conjunto interligado de recursos pessoais, profissionais e
institucionais que venham a oferecer algum tipo de apoio aos adolescentes em
situação de risco” (NEIVA SILVA; KOLLER, 2002).
Nesse sentido, os projetos sociais e as políticas públicas são um suporte de
reorientação de experiências e canalização da energia própria da juventude para fins
pautados sobre projetos de vida que se caracterizem por uma inserção social.
Outro fator de proteção está ligado ao sentimento de pertença.
Pertencer diminui o risco. Saber se expressar também diminui os riscos (tocar
220
violão, cantar, produzir arte, estar juntos num grupo cultural, trabalhar, estar
envolvido num espaço educativo).
Cada jovem se encontra no movimento de busca das respostas que
constituem a sua vida, por isso cada encontro é o espaço de realização ou não
dessa espera. Neste sentido, quanto mais organizada uma comunidade,
contando com associações e espaços de socialização disponíveis para a
juventude, mais eles podem ser protegidos. Contudo, atenção, não é o espaço
que confere possibilidades de proteção, e sim as pessoas que estão nele.
Favorecer o protagonismo é um importante fator de proteção.
Protagonismo significa oferecer ao outro a possibilidade de fazer, de agir.
O impacto das políticas públicas no desenvolvimento das dinâmicas
relacionais da juventude pode se constituir numa forma de avaliar e perceber a
efetividade de tais programas, promovendo, cada vez mais, novas ações e
possibilitando o acesso dos jovens à aquisição da cidadania e de projetos de
vida pautados pela inserção profissional e da diversidade das expressões que
este jovem pode desenvolver, tornando-se, assim, sujeito protagonista de sua
história e agente de transformação social.
Por fim, o estudo procurou apresentar a necessidade de conhecer os
mecanismos de integração presentes nas dinâmicas de desenvolvimento dos
jovens que participam de políticas públicas, de modo que elas venham a
cumprir sua função socializadora e promotora de cidadania e inserção destes
jovens na sociedade.
Referências bibliográficas
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periferia. Educação e Pesquisa, v. 27, n. 1, p.141-160, jan./jun. 2001.
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Editorial, 2003.
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naturais e planejados. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
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human development. Washington: APA, 1995.
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em classes populares urbanas. Sociologias, Porto Alegre, ano 4, n. 7, p.188-221,
jan./jun. 2002.
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São Paulo: EDUSC, 2003. Coleção Ciências da Família.
WEIL, S. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Paz e
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Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. p. 17-57.
227
228
A exposição de crianças e adolescentes aos discursos
de ódio na internet: alternativas de enfrentamento
dessa forma de violência
The exposure of children and youths to the hatred discourse on the internet:
alternatives to face this kind of violence.
La exposición de los niños y adolescentes los discursos de odio en internet:
alternativas de afrontamiento de esta forma de violencia.
Introdução
230
pois as mensagens de cunho racista disseminam o ódio e a cultura de
violência. Dessa forma, é sobre essa problemática que versa o presente artigo,
que objetiva propor a discussão sobre a exposição de crianças e adolescentes a
essa forma de violência.
Para tanto, demonstra-se a existência desses discursos a partir da breve
análise de parte do conteúdo do site <nuevorden.net> e de indicadores
divulgados pela Safernet Brasil. Uma vez evidenciado o problema e cotejado
com a doutrina da proteção integral, assente na Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança e na ordem jurídica brasileira, apresentam-se
algumas experiências realizadas na União Europeia, que se destaca por
articular formas de prevenção e educação digital para crianças e adolescentes.
231
para que adotem o mesmo comportamento, o que produz a proliferação da
intolerância e da violência.
Dessa forma, mesmo que não combata frontalmente o “inimigo”
comum, representado pelo grupo que não é tolerado e ao qual não se devem
“misturar”, fica evidenciado que o discurso se baseia na negação dos direitos
humanos e da dignidade do outro.
Com isso, o discurso de ódio toma a forma de uma nova categoria, que
não se confunde com insultos pessoais ou difamações e tanto pode se
expressar explicitamente quanto pode assumir formas bastante sutis e veladas
[1]. Seu objetivo é atingir indistintamente todos os que partilham as
características comuns, quer sejam determinadas pela cor da pele, raça,
religião, opção sexual, local de nascimento, classe social, dentre outras.
A abrangência desse discurso ultrapassa o destinatário e afeta um
número indeterminado de pessoas (todos os que partilham da mesma
característica), atingindo sua dignidade, em clara violação ao que prescreve o
artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo o qual
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em
espírito de fraternidade”. Por certo, os discursos odientos não refletem um
agir fraterno!
Convém lembrar igualmente que, de acordo com Artigo 2° do mesmo
compromisso internacional, todas as pessoas devem ser detentoras do mesmo
tratamento, não sendo toleradas distinções de nenhuma ordem [2]. Aqui que
se revela o quão pernicioso é este tipo de mensagem, pois, como salientado
por Meyer-Pflug (2009, p. 104-125), o discurso de ódio normalmente revela
o preconceito, a discriminação e o racismo do emissor da mensagem, que
expressa desprezo pelas diferenças, considerando o outro inferior, ao mesmo
tempo em que incita à violência.
232
O preconceito tanto pode ser individual, em que a pessoa expressa sua
posição religiosa ou política como verdades inquestionáveis, quanto pode
assumir a forma de preconceito social, em que um grupo de pessoas ataca
outro (MEYER-PFLUG, 2009, p. 105). Aqui, situam-se os discursos que
desqualificam o outro grupo em virtude da sua classe social, religião,
formação (ser analfabeto, por exemplo) e em virtude do seu estereótipo (ser
gordo, por exemplo). O preconceito se manifesta pela intolerância e pela
dificuldade de lidar com verdades contrapostas.
Já a discriminação seria mais forte, pois o emissor da mensagem, de
forma ilegítima, nega a própria condição de humanidade daquele a quem
dirige as palavras. Nesse caso, o discurso se dirige à exclusão do outro, como
aconteceu na campanha racial nazista e fascista, e as palavras normalmente
são acompanhadas da incitação à prática de atos voltados a este fim
(MEYER-PFLUG, 2009, p. 109-110).
Segundo Andrade (2011), “[...] a intolerância que se baseia em
preconceitos tem como característica atentar contra a diversidade humana e se
constitui em forma de racismo, sexismo, homofobia, xenofobia etc.” (p.
1093). Neste caso, o discurso é utilizado de forma emocional com o objetivo
de julgar e desqualificar o outro.
O racismo [3], por sua vez, “[...] é a atribuição de um valor negativo a
um determinado segmento social, se valendo para tanto de características
comuns existentes entre eles, que possa ser um traço identificador e como tal
mereça um tratamento desigual” (MEYER-PFLUG, 2009, p. 113). Nesse
caso, a identificação das características inalteráveis de um grupo de pessoas é
utilizada para legitimar sua dominação. O racismo, portanto, apresenta
componentes como a inferiorização, a estigmatização e a exploração de um
grupo por outro, que se considera superior e melhor.
233
Tais elementos se encontram presentes nos textos publicados no
Brasil, no site <nuevorden.net>, conforme se verá na sequência.
234
em que potencializa o acesso à informação, a internet também abre inéditos
canais de comunicação, o que pode ser feito pela troca de e-mails e também
pelos dispositivos de comunicação instantânea, que permitem que vários
internautas interajam ao mesmo tempo.
Essas potencialidades têm despertado grande interesse aos internautas
de todas as idades, em especial de crianças e adolescentes, que nasceram e
cresceram na era digital. Como nativos digitais, esses usuários se movem com
naturalidade no ambiente virtual, utilizando as funcionalidades que a internet
lhes possibilita, interagindo com os mais diversos conteúdos (em formato
escrito e em imagens), tanto aqueles disponibilizados pelos repertórios
oficiais, como academias e centros de pesquisa, quanto os materiais
preparados por outros internautas e disponibilizados em fóruns de discussão,
blogs e redes sociais. Esse contato de informações se constitui em um dos
pontos de tensão produzidos pelo uso da internet, pois, se de um lado a
possibilidade de produzir e divulgar materiais e a própria diversidade de
fontes pode se constituir em uma das vantagens, potencializando o direito à
informação, por outro, pode colocar pessoas em fase de formação em contato
com conteúdos não apropriados para a sua idade.
Com efeito, na internet, pode ser encontrado todo o tipo de material,
desde aqueles com caráter educativo e que podem contribuir para a formação
cognitiva dos usuários, até materiais com forte apelo sexual e com discursos
de ódio. Exatamente neste ponto é que se situa a abordagem feita neste
trabalho: o contato prematuro dos internautas menores de idade com
discursos (na forma de textos) ou imagens (vídeos, jogos virtuais) que incitam
à violência e à discriminação contra pessoas em virtude de sua raça, cor,
etnicidade, sexo, religião, etc.
Como se sabe, crianças e adolescentes estão em processo de
desenvolvimento, o que os faz captarem e assimilarem de maneira diferente
235
do adulto as mensagens que lhes chegam pelas mídias, quer as tradicionais,
como a TV, quer se trate da internet. Na tenra idade, a criança está mais
propensa a tomar o que vê como verdade, pois o processamento das
informações é meramente perceptivo, ou seja, ela não dispõe de
discernimento para selecionar e criticar o que lhe é apresentado.
Estudos revelam que, entre dois e três anos de idade, os pequenos não
conseguem distinguir a ficção da realidade. A partir dos quatro anos a criança
passa a ter uma ideia representativa, percebendo que se tratam de imagens
disponíveis em uma mídia (STRASBURGER; WILSON; JORDAN, 2011,
p. 44-46). Apesar de serem mais vulneráveis, nesta idade, é menos provável
que, sem a intermediação de adultos, tenham contato com mensagens de ódio
disponíveis na internet, pois a pouca idade reduz o uso dessa tecnologia.
Quanto mais o sujeito cresce, melhor utiliza uma variedade de
estímulos para analisar as mensagens, apresentando melhores condições de
compreender o seu conteúdo e de fazer inferências, raciocinando
conceitualmente. Segundo Strasburger, Wilson e Jordan (2011), “O
adolescente também é capaz de criticar a estrutura lógica e causal de
diferentes mensagens da mídia.” (p. 48), conseguindo captar o significado por
trás da mensagem. Por um lado, isso se revela um alento, pois teria condições
de perceber que os discursos de ódio atentam contra a condição humana, por
outro, sua exposição aos conteúdos dispostos na internet é muito maior, se
comparado às crianças, pois tanto pode empregar esta tecnologia para lazer,
quanto para realizar pesquisas escolares. Neste caso, ao fazer uma tarefa
escolar sobre a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, e digitar na internet
palavras como “nazismo” ou “nacional-socialismo”, o adolescente pode ser
conduzido a sites destinados a espalhar o ódio contra os judeus.
Um dos sites desta natureza e que pode ser encontrado facilmente com
este método de busca é o <nuevorden.net>, que mantém na internet
236
conteúdos do extinto site <Valhalla88>, desabilitado por conter discursos de
ódio [4]. Este novo site tem a missão de “instaurar uma nova ordem”, ao que
se percebe “branca e pura”, integrada por pessoas que partilham das mesmas
ideias. Organizado na forma de tópicos, ganha destaque o destinado a discutir
e prestar esclarecimentos sobre raça e racismo, com estruturaem questionários
de perguntas e respostas curtas, o que mantém a atenção dos leitores. Para os
organizadores do site, a raça é “[...] o conjunto de indivíduos que
compartilham entre si as mesmas características genéticas, culturais e
históricas. Ou seja, são aquelas pessoas com semelhanças físicas que possuem
uma mesma origem histórica [...]” (NUEVORDEN.NET, 2012).
Embora afirmem que a “maioria das pessoas confunde racismo com
discriminação”, afirmando que o “racismo não tem nada a ver com ódio e o
desprezo às outras raças”, o conteúdo publicado revela esse ódio quando prega
a não miscigenação, que o casamente inter-racial pode conduzir ao
esquecimento da cultura, tradições e ancestrais, o que levaria, inevitavelmente,
à extinção daquela raça. Embora se dizendo não racistas, ao abordarem a
questão dos mestiços na América do Sul, afirmam que “Apesar de a América
do Sul ter sido castigada pela mestiçagem desde o primeiro momento em que
foi colonizada, ainda se conservam pequenos grupos de raça branca.”
(NUEVORDEN.NET, 2012). A expressão “castigada”, empregada pelo
grupo, certamente revela sua posição contrária à miscigenação e favorável
apenas à raça branca, o que desqualifica as demais pessoas.
Os índios não são poupados pelo site, pois, mesmo que se reconheça a
presença da população indígena no Brasil desde o “alvorecer do mundo”,
propõe-se a sua separação, conforme se constata na frase: “Cremos que tanto
os Brancos como os Indígenas podem viver em um mesmo continente,
separados devidamente.”. Ao realizarem a ressalva de “poderiam viver no
mesmo espaço, desde que devidamente separados”, evidenciam que não
237
aceitam a pluralidade e que negam todas as expressões do multiculturalismo
(NUEVORDEN.NET, 2012).
Não é diferente quando tratam dos negros, pois sugerem que seria útil
que os internautas ajudassem os negros a voltarem à África, mostrando que os
organizadores entendem que esse não é um espaço de pertencimento deles.
Entretanto, nos casos dos indígenas e negros mencionados no Nuevorden,
pode-se perceber que o discurso é mais velado, necessitando que o leitor
detenha alguns conhecimentos de linguagem para compreender a ideologia
que é defendida. Quando se tratam dos judeus, o teor das mensagens muda e
o discurso de ódio fica explícito: “Sobre os Judeus, estes vem trabalhando, no
curso da história, para aniquilar a nossa raça e, portanto devem ser tratados de
acordo”, ou seja, além de demarcar que os judeus não são detentores da
mesma dignidade que os demais brancos, utilizam adjetivos como
“pestilentos”, para incitar o seu aniquilamento, em um claro convite à
violência, conforme se verifica na seguinte passagem:
238
judeus põe em risco a nossa e de qualquer outra raça que com eles
conviva. Desta forma consideramos sim o judaísmo internacional
como nosso maior inimigo (NUEVORDEN.NET, 2012, grifo
nosso).
239
enfrentado pelas autoridades públicas no combate a esse tipo de discurso, que
pode ser postado em um Estado onde as leis priorizem a liberdade de
expressão, como os Estados Unidos, por exemplo, dali facilmente migrando
para outros. Outro entrave é a forma velada que, por vezes, o conteúdo
assume, a começar pela própria denominação do site, que em uma primeira
leitura não sugere incentivar a discriminação racial.
Tais dificuldades apontam para a necessidade de a comunidade
jurídica pensar em novas formas de enfrentamento do tema, já que o Direito
– instrumento tradicionalmente utilizado pelos Estados na modernidade para
perseguir e punir aqueles que violam a ordem estabelecida – parece não ser
suficiente para dar conta dos novos problemas descortinados na sociedade
informacional. Para além da persecução e punição dos responsáveis, matéria
afeta ao Direito Penal e que foge ao âmbito deste trabalho, mostra-se
imperioso discutir como proteger crianças e adolescentes do contato com
discursos de ódio que se proliferam na internet. Essas questões são objeto de
enfrentamento no próximo item.
240
assumir os princípios básicos estabelecidos pela Convenção Internacional e
pela Constituição, estabelece um conjunto de ações para efetivar a proteção
integral.
A Doutrina da Proteção Integral impõe aos adultos dever jurídico de
dupla face: ao mesmo tempo em que eles têm que se abster de violar os
direitos de personalidade de crianças e adolescentes,devem promover o
respeito aos direitos fundamentais desses sujeitos, amplamente positivados no
Brasil. Ao tratar desse tema, Veronese (1999) coteja o texto do artigo 16 da
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, com os artigos
correspondentes, previstos na Lei n. 8.069/90, destacando o papel do art. 17
do Estatuto, que trata do direito à integridade psíquica:
241
desenvolvimento desses seres em formação. Assim, por entender que a
integridade psíquica precisa ser preservada e promovida, dispõe que todos têm
o dever de velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo
de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor (LEI n. 8.069/90, art. 18).
Na mesma senda, o estabelece o art. 5º, segundo o qual “Nenhuma
criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma
da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
fundamentais”. Ora, pelo teor desses artigos já se verifica o dever assumido
pelo Estado brasileiro de preservar crianças e adolescentes da violência, o que
se mostra fragilizado diante dos discursos de ódio cujo conteúdo incita à
violência e à discriminação.
Apesar dos comandos legais serem expressos, torna-se muito difícil
tutelar os direitos psíquicos de crianças e adolescentes, pondo eles a salvo do
contato com discursos de ódio publicados na internet, cujas características, já
apontadas neste estudo, mobilizam a ação de alguns dos atores encarregados
da proteção integral. Dentre os exemplos de atuação preventiva existentes no
Brasil, destaca-se a SaferNet Brasil, associação civil sem fins lucrativos e com
alcance nacional, que, desde 20 de dezembro de 2005, trabalha no combate
aos crimes contra os direitos humanos, como os discursos de ódio praticados
na internet [7]. Quanto a estes, a Safernet mantém indicadores [8] sobre
intolerância religiosa, racismo, neonazismo, xenofobia e homofobia.
Com a missão de promover o uso seguro das tecnologias da
informação e comunicação, a SaferNet Brasil atua não somente no
recebimento e investigação preliminar das denúncias de crimes, mas também
trabalha de forma preventiva para habilitar as pessoas a fazerem uso seguro
das tecnologias, o que é feito pela produção de cartilhas de segurança,
242
disponíveis na internet, e de palestras em algumas escolas. Apesar das
iniciativas no âmbito preventivo, o recebimento e apuração das denúncias
para envio aos órgãos competentes (normalmente Polícia Federal e Ministério
Público Federal) se constituem nas maiores frentes de atuação da SaferNet
Brasil.
Conforme informado no site da associação, a Central Nacional de
Denúncias de Crimes Cibernéticos deste órgão é a única a atuar na América
Latina e no Caribe, recebendo cerca de 2.500 denúncias diárias de situações
como pornografia na internet, pedofilia, racismo, neonazismo, intolerância
religiosa, apologia e incitação a crimes contra a vida, homofobia, dentre
outros. Os números disponíveis quanto às denúncias sobre discursos de ódio
são bastante expressivos, pois a análise dos indicadores disponíveis pela ONG
mostra que, só no ano de 2011, foram recebidas aproximadamente 16.370 mil
denúncias de condutas que podem ser consideradas discursos de ódio, sendo
que destas 10.391 casos ocorreram no Orkut (SAFERNET BRASIL, 2012
b).
Outro dado interessante revelado pelos indicadores é que, no domínio
Orkut, o maior número de denúncias é de xenofobia (3.364 casos), seguido de
homofobia (3.095 casos), neonazismo (1.661 casos), racismo (1.568 casos) e
intolerância religiosa (700 casos). Fora do domínio Orkut, por sua vez, o
maior número é de denúncias de racismo, com 2.229 casos, sendo seguida de
homofobia (1.424 casos) e de xenofobia (1.245 casos). Os demais discursos de
ódio versando sobre intolerância religiosa e neonazismo somamjuntos pouco
mais de 1.000 incidências.
Esses números mostram que os discursos de ódio existem e são
denunciados pelos internautas, o que mostra certo engajamento da sociedade.
No entanto, quando se busca pela atuação das autoridades e do Poder
Público, percebe-se que as ações ficam voltadas à persecução e à punição do
243
autor dos crimes de racismo, não se dirigindo a medidas preventivas e
educativas para proteger crianças e adolescentes do contato com discursos de
ódio. Esta situação é bem diferente do que acontece na União Europeia, que,
desde 1996, editou comunicações (como a COM (96) 483 e a COM (96)
487) e normativas para enfrentar a difícil questão que envolve a circulação de
conteúdo prejudicial e ilegal na internet.
A primeira preocupação foi classificar os conteúdos disponíveis em
duas espécies: a) conteúdos ilícitos, cuja divulgação não é permitida nem
mesmo aos adultos em virtude de contrariarem a lei, o que por si só já
autoriza a restrição ao direito fundamental da liberdade de divulgação e de
informação; e b) conteúdos prejudiciais para menores de idade, assim
considerados aqueles com distribuição não autorizada para crianças e
adolescentes e que ficariam sujeitos ao controle parental.
Segundo explicado por Gonçalves (2003, p. 158), o modelo proposto
nas comunicações respeitaria a escolha do usuário adulto, reconhecendo sua
autonomia para livremente decidir se deseja acessar material com conotação
sexual ou não. Com isso, sua esfera de liberdade não seria atingida. Quanto
aos menores de idade, no entanto, foram previstas diretrizes,
responsabilizando tanto quem explora a atividade na área informacional, que
é encorajado a adotar códigos de conduta, bem como os pais das crianças, a
quem os Estados Partes incitam a assumirem o controle parental. O Estado
só atuaria diretamente e de maneira mais contundente para combater os
ilícitos.
Entre outras tantas medidas adotadas, em 1998 é expedida a
Recomendação 98/560 do Conselho Europeu, que orienta os Estados a
fomentarem a adoção voluntária de marcos legais para a autorregulação dos
serviços dos operadores de internet, proporcionando segurança aos menores
de idade que utilizarem esses serviços. Para atender a sua finalidade principal,
244
a Recomendação prevê quatro ações básicas: a) cooperação entre as
autoridades responsáveis na criação de estruturas de representação das partes
interessadas, para que possam participar das atividades em escala europeia e
internacional; b) cooperação na elaboração dos códigos de conduta; c)
elaboração voluntária de propostas de ações voltadas à proteção dos menores
de idade; d) dar sequência às atividades já adotadas em escala nacional
(UNIÃO EUROPEIA, 1998).
Na esteira dessas iniciativas, em 25 de janeiro de 1999, é adotada a
Decisão 276 do Parlamento Europeu e do Conselho, que cria o Plano
Plurianual de Ação Comunitária, com duração prevista de 1 de janeiro de
1999 a 31 de dezembro de 2002 (UNIÃO EUROPEIA, 1999). Este plano
visava a fomentar a utilização mais segura da internet através do combate aos
conteúdos ilegais e lesivos nas redes mundiais, o qual, para cumprir seu
desiderato, contou com orçamento de vinte e cinco milhões de euros.
Tal plano parte do reconhecimento do papel importante que pode ser
desempenhado pela autorregulação do setor e incentiva os usuários e as
empresas a elaborarem códigos de conduta para o uso seguro da internet.
Segundo se depreende da leitura do artigo 3º da referida Decisão, os Estados
firmatários entendem que a autorregulação poderia contribuir para limitar o
fluxo de conteúdos ilegais na internet, especialmente aqueles relacionados
com pornografia infantil ou que incitem ao ódio por razões de raça, sexo,
religião, nacionalidade ou origem étnica. Nesse ponto, já se percebe a
preocupação dos Estados Europeus com a proliferação dos discursos odientos
e a busca de alternativas conjuntas para o seu enfrentamento.
Para dar conta de seus objetivos, o Plano Plurianual também prevê a
criação de um sistema de filtragem de conteúdos, a partir do qual os pais
poderiam exercer o seu controle parental. Com isso, visava-se estimular a
aplicação de soluções técnicas para o problema das mensagens ilícitas e
245
prejudiciais, criando-se um sistema de classificação de conteúdos. Tal
classificação tanto poderia ser feita pelo próprio elaborador do conteúdo, que,
ao disponibilizá-lo, deveria indicar sua natureza, quanto poderia decorrer da
utilização de um sistema técnico, a ser criado.
Para obter um ambiente mais seguro, os Estados Partes propuseram a
criação de um sistema de linhas diretas, no qual os próprios utilizadores
pudessem comunicar a existência de conteúdos ilegais. A atividade de
persecução e punição dos responsáveis pela circulação dos conteúdos ilegais
seria das autoridades nacionais competentes para aplicar a lei, mas a
participação dos particulares seria valorizada na medida em que teriam a
missão de comunicar a existência desse material. Daí o empenho dos Estados
Partes em investir na sensibilização dos atores envolvidos (especialmente pais
e professores), pois entendem que parte do êxito do Plano depende da
aceitação e da colaboração dos usuários da internet.
Em 2003, adotou-se a Decisão n. 1151/2003/CE do Parlamento
Europeu e do Conselho, prorrogando a duração do Plano Plurianual até 31
de Dezembro de 2004. Esta decisão aumentou o orçamento indicativo em
mais treze milhões de euros e introduziu diversas alterações no título e no
âmbito do programa (UNIÃO EUROPEIA, 2003). Como justificativa para
a ampliação do tempo de execução, encontra-se a constatação da existência de
novas formas de conteúdos, como os de origem racista. Conforme se
depreende, a internet potencializa a divulgação desses materiais, o que
preocupa os Estados da União Europeia.
Decorrido o prazo previsto inicialmente para a execução do Plano,
realizou-se a sua avaliação, resultando na Comunicação 653/2003. Por meio
dessa avaliação, constatou-se que, no período entre 1999 e 2002, foram
cofinanciados 37 projetos, envolvendo mais de 130 organizações. Além desses
projetos, o relatório aponta a celebração de dois contratos de serviços de
246
assistência a organismos de autorregulação, bem como a realização de
intercâmbio de informações sobre as melhores práticas que podem ser
adotadas na internet (UNIÃO EUROPEIA, 2003b). Os resultados
indicaram que os impactos do Plano Plurianual foram positivos, destacando-
se a maior sensibilização das pessoas para a segurança na internet, o que
também se refletiu em maior participação dos usuários na comunicação de
conteúdos ilegais.
Os sistemas de classificação e de filtragem de conteúdos ainda se
mantinham como um desafio, conforme se constata na Comunicação
653/2003 (UNIÃO EUROPEIA, 2003b, p. 3), concluindo-se que
sensibilização e as ações educativas poderiam produzir melhores resultados na
proteção dos menores de idade. Para dar conta disso, em 2005, foi dado outro
passo importante em direção ao combate de conteúdos considerados discursos
de ódio, o qual foi feito com a criação do Programa Safer Internet Plus,
instituído pela Decisão 854/2005 do Parlamento Europeu e do Conselho
Europeu. Esse documento deu sequência ao Plano de Ação anterior,
desenvolvido no período de 1999-2004 (UNIÃO EUROPEIA, 2005).
O Safer Internet Plus, criado em 2005, consiste em um programa
plurianual comunitário, dotado de verba própria e voltado ao uso seguro da
internet e demais tecnologias em linha, com destaque especial ao combate aos
conteúdos ilegais e prejudiciais. Este plano contemplou ações, tais como
apoio a linhas telefônicas de ajuda para crianças que enfrentem conteúdo
ilícito ou prejudicial, adoção de medidas de incentivo para acelerar a criação
de códigos de conduta e medidas para melhorar a eficácia operativa e
favorecer as trocas de informação e experiência no âmbito da União Europeia
(UNIÃO EUROPEIA, 2005).
A preocupação com a disseminação dos discursos de ódio justificou os
investimentos em constantes ações de sensibilização para seu combate, seja
247
pela adoção de práticas de denúncia por parte dos próprios internautas, que
podem se valer das linhas abertas, seja a partir do uso de sistemas classificação
e filtragem, que evitariam que os menores de idade tivessem contato com
esses conteúdos. Com isso, verifica-se a adoção de ações preventivas, na
medida em que os Estados Partes, ao perceberem a dimensão e os riscos da
proliferação dos discursos de ódio na internet, apostam em alternativas que,
sem consistir na censura prévia de conteúdos, oportuniza meios para que os
pais e professores exerçam seu papel educativo.
A autonomia dos atores sociais e a sua participação também são muito
valorizados, já que os usuários são constantemente exortados a informar aos
órgãos encarregados sobre a existência de mensagens, textos, imagens e vídeos
que tenham conteúdos racistas e xenofóbicos e estejam disponíveis na
internet. Com efeito, ao propor ações educativas e preventivas e apostar na
cooperação entre usuários, empresas, Estados e organizações internacionais, a
União Europeia não só demonstra preocupação precoce com a disseminação
de conteúdos considerados discursos de ódio, como também investe na
corregulação [9]. Tal modelo de regulação pode ser definido, como “[...] a
resultante da interacção permanente entre a lei e os outros modos de
regulação. O pressuposto é o de que qualquer iniciativa que tenha por efeito
organizar e estruturar a Internet participa na sua regulação” (GONÇALVEZ,
2003, p. 146 apud VERBIEST; WÉRY, 2001, p. 523).
Dando sequência aos esforços empreendidos, em 2006, a União
Europeia produziu a Recomendação 2006/952/CE, em que novamente se
convocam as empresas que atuam no setor a concentrarem ações no combate
à propagação de conteúdos capazes de produzir discriminação por motivo de
sexo, origem racial ou étnica, religião ou crença, incapacidade, idade ou
orientação sexual. Para tanto, estabeleceu-se o dever de vigilância e de
denúncia de páginas consideradas ilícitas e a elaboração de código de conduta
248
em cooperação com profissionais e autoridades reguladoras em escala nacional
e comunitária (UNIÃO EUROPEIA, 2006).
Em 16 de dezembro de 2008, o Parlamento Europeu e o Conselho,
por meio da Decisão n. 1351/2008/CE, estabeleceram a criação do Programa
Comunitário Plurianual para a proteção de crianças que utilizam a internet e
outras tecnologias da comunicação. Este programa, além de ratificar os
compromissos já firmados na área, prevê novas ações pautadas na
corregulação, o que evidencia que os Estados Europeus têm ciência de que o
enfrentamento dos problemas relacionados aos conteúdos prejudiciais e aos
discursos de ódio on-line só será eficaz se contar com a participação de todos
os atores sociais (UNIÃO EUROPEIA, 2008).
Como se percebe da análise dos documentos, desde a década de 90, os
Estados integrantes da União Europeia destinam verbas e propõem políticas
públicas voltadas a sensibilizar a população para o uso seguro da internet.
Dessa forma, tentam harmonizar o exercício das liberdades potencializado
pelo uso da internet com valores, como a dignidade da pessoa humana, ideal
que deve ser perseguido por todos os integrantes da União Europeia, bem
como pelos demais Estados que acolherem o convite de cooperação
internacional.
Considerações finais
249
virtual é uma espécie de território sem lei onde tudo pode ser publicado.
Aliada a isso, a facilidade de migração do conteúdo de um site para outro,
como mostrado no caso do extinto Valhalla88, cujo conteúdo migrou para o
Nuevorden.net, torna praticamente impossível o controle do que se encontra
na rede.
Tal conjunção de fatores aponta para a necessidade de se rever as ações
voltadas à proteção integral de crianças e adolescentes, especialmente
aquelas/es que se constituem internautas, em face da facilidade de acesso aos
discursos de ódio existentes na internet. O contato prematuro com
mensagens que inferiorizam as pessoas em virtude de sua raça (em seu
conceito lato, como utilizado pelo STF) ou de qualquer outro sinal distintivo
e a incitação à violência, característica do discurso de ódio, maculam a
integridade psíquica dos menores de idade, cuja falta de discernimento não
lhes permite um juízo crítico do conteúdo divulgado.
Revela-se, portanto, uma dupla violência, pois, ao mesmo tempo que
atinge as pessoas denegridas pelo discurso de ódio, também violenta crianças
e adolescentes, que estão em fase de desenvolvimento e que podem ter
contato com esses materiais, fato que abalaria a sua integridade psíquica. Tal
situação exige o enfrentamento por parte dos atores encarregados da proteção
integral no Brasil, pois apenas a identificação e a punição do autor do crime,
como normalmente ocorre, não são suficientes para promover a proteção
integral dos menores de idade.
A partir dessa nova forma de violência revelada pelos discursos de ódio
on-line, identifica-se, na corregulação e nas ações preventivas realizadas pela
União Europeia, uma alternativa de enfrentamento a este problema que viola
Direitos Humanos. Esta também poderia ser uma estratégia adotada pelo
Brasil, que não pode mais ignorar esse grave problema.
250
Referências bibliográficas
251
Público 15/117. Traduzido por Maria Ângela Jardim de Santa Cruz Oliveira.
Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, ano 4, jan.-mar. 2007.
252
SAFERNET BRASIL. Associação civil de direito privado de proteção dos
direitos humanos na sociedade da informação. Disponível em:
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253
menores. Bruxelas, 2003. Disponível em: <http://eur-
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2003:0653:FIN:PT:PD
F>. Acesso em: 09 fev. 2012.
254
_____. Decisão n.854/2005/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de
11 de maio de 2005. Adopta um programa comunitário plurianual para a
promoção de uma utilização mais segura da internet e das novas tecnologias
em linha. Estrasburgo, 2005. Disponível em: <http://eur-
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2005:149:0001:0013:PT:
PDF>. Acesso em: 09 fev. 2012.
255
VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente.
São Paulo: LTr, 1999.
256
Notas de fim
257
processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-
se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito
segregacionista.”. A partir deste entendimento, o racismo começou a abarcar
a qualquer grupo étnico, religioso, cultural e social.
[4] Segundo Dias (2007), “No Brasil, crimes de ódio racial ainda são
precariamente condensados em dados específicos, muitas vezes caracterizados
apenas como lesão corporal, injúria ou até homicídio e não destacados como
crimes de racismo, embora a Constituição Brasileira de 1988 o preveja como
imprescritível e inafiançável. Ainda assim, as estatísticas dos movimentos
antirracistas apontam para o fato de que pelo menos noventa mil pessoas
estejam diretamente envolvidas em grupos neonazistas, cerca de metade disto
apenas no Estado de Santa Catarina. O maior site neonazista brasileiro, o
Valhalla, tem sua sede em Santa Catarina e alcançou a significativa marca de
200.000 visitas diárias antes de ser retirado do ar, em agosto de 2007” (p. 35).
[5] Trata-se do debate que perdurou quase dez anos, envolvendo mais de uma
centena de países e que, em 1989, resultou no texto da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente. Conforme se
denota de seu texto, este compromisso internacional se ampara nos mesmos
princípios que ancoram a visão contemporânea dos direitos humanos, tais
como liberdade, justiça e paz no mundo, reconhecendo as crianças como seres
vulneráveis, que merecem cuidado e proteção especiais em razão da fase de
desenvolvimento em que se encontram.
258
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
259
260
Crianças e adolescentes na era dos direitos: entre o
desenvolvimento econômico e a inexistência da efetiva
distribuição de renda e justiça social
(um estudo de caso: a cidade do Rio Grande)
Teens in the age of rights: between economic development and lack of
effective income distribution and social justice
(a case study: the city of Rio Grande)
Los niños y adolescentes en la edad de los derechos: entre el desarrollo económico y la
ausencia de justicia social y distribución de renta efectiva
(un estudio de caso: la ciudad de Rio Grande)
Sheila Stolz
Introdução
262
– aproximadamente 9 milhões – correspondiam à população de pretos e
pardos.
Isto comprova que, para os grupos sociais de afrodescendentes, essa
situação persiste em sua extrema gravidade, principalmente porque esse grupo
social corresponde a quase metade da população brasileira. O Censo,
realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do ano
de 2000, revelou que as negras e os negros representavam, na época, 45% da
população brasileira, correspondendo, ademais, cerca de 65% da população
pobre e a 70% da população em extrema pobreza, enquanto que as brancas e
os brancos representavam 54% da população total, sendo que, nesta parcela,
35% correspondia aos pobres e 30% aos extremamente pobres.
Segundo o IBGE (2008), “Em termos relativos, a taxa de
analfabetismo da população branca é de 6,1% para as pessoas de 15 anos ou
mais de idade, sendo que estas mesmas taxas para pretos e pardos superam
14%, ou seja, mais que o dobro que a de brancos.” (p. 211). Cabe registrar, na
linha da pesquisa realizada pelo IBGE (2008), que
263
ainda vigoram padrões, atitudes e valores discriminatórios. O termo
discriminação, em sentido amplo, é aqui utilizado para mencionar qualquer
tipo de distinção, exclusão, restrição ou violação dos direitos humanos de uma
pessoa, circunstâncias que impedem sua autonomia e seu reconhecimento
como, também, que a comunidade política, em seu conjunto, alcance padrões
viáveis de justiça social.
Constatar a existência dessas discriminações e atuar de forma
propositiva para sua superação têm sido árduas tarefas assumidas pelos
movimentos sociais, pelas organizações não governamentais, pelos defensores
dos Direitos Humanos, pelas universidades e pelo próprio Estado. Este tipo
de visão acerca das políticas públicas considera que a efetividade dos
programas dirigidos aos grupos vulneráveis somente será alcançada se, em sua
elaboração e execução, envolverem-se, opinarem e participarem as próprias
afetadas e os próprios afetados. Assim, reforça, desta forma, sua autonomia
nos planos individual, familiar e social e, consequentemente, suas capacidades
mediante à organização, ao acesso aos recursos materiais, ao fortalecimento
de redes sociais e ao desenvolvimento de qualificações para participar do
controle social das políticas públicas. Este enfoque é empregado, dentre
outros, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [4], pela
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e pelo
Instituto das Nações Unidas de Pesquisa do Desenvolvimento Social
(UNRISD).
No transcorrer destas páginas, tratar-se-á de delinear, em breves
linhas, o entorno socioeconômico do município de Rio Grande e, em
particular, das comunidades que residem nas proximidades do Campus
Carreiros, principal sede da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, e
com as quais a equipe do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos
Humanos da Universidade Federal do Rio Grande (NUPEDH/FURG) vem
264
desenvolvendo suas ações, as quais têm como marco teórico os Direitos
Humanos. Posteriormente, buscar-se-á descrever, desde suas origens, as
políticas públicas infanto-juvenis e, em particular, os avanços alcançados após
a democratização brasileira e os legados jurídicos da Constituição Federal e
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que, além de elencar os
direitos fundamentais deste grupo vulnerável, define as diretrizes e bases das
políticas públicas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente em
situação de risco pessoal e social, enquanto vítimas preferenciais da exclusão.
A implementação dos Direitos Humanos deste grupo vulnerável requer a
universalidade e a indivisibilidade desses direitos, mas, também, o valor da
especificidade e diversidade.
Na terceira seção, caracterizar-se-á a violência tomando como ponto
de partida e, tal como adotado pelo Direito Internacional dos Direitos
Humanos, alguns elementos consensuais que a configuram como, verbi
gracia, a noção de coerção ou força, o dano que causa em um indivíduo ou
grupo de indivíduos pertencentes à(a) determinada(o) classe ou categoria
social, gênero e etnia para, a partir deste entendimento, esboçar
sumariamente o quadro de violência intrafamiliar contra a mulher, a criança e
o adolescente no Rio Grande do Sul e, em particular, na cidade do Rio
Grande.
Com base nestes dados, tratar-se-á, finalmente, de defender a
necessidade de criação de redes sociais de apoio que visem o desenvolvimento
integral das crianças e dos adolescentes, defendendo-se, igualmente, a
importância – constatada desde os fundamentos teóricos – do componente
democrático a orientar a formulação, implantação e fiscalização das políticas
públicas tanto para que ditas políticas públicas estejam acordes com as
necessidades daqueles para as quais estão dirigidas como para que
265
efetivamente se constituam em verdadeiros instrumentos de garantias de
direitos e cidadania.
1- Caracterização do entorno
266
UNIDADE
GEOGRÁFICA IDHM – IDHM – IDHM –
IDHM
RIO GRANDE Renda Longevidade Educação
0,717 0,314
1991 0,527 0,651
68,02
0,804
2000 0,652 0,702 0,491
73,21
0,861
2010 0.744 0,752 0,637
76,66
267
pobreza e vulnerabilidade – onde, ademais, as atividades de pesquisa e
extensão do NUPEDH estão mais concentradas:
268
Assim sendo, o direito ao desenvolvimento não pode ser confundido
com o mero crescimento dos índices econômicos sem que reflita real e
efetivamente na distribuição da riqueza e justiça social, pois, como bem
manifesta Joseph Stiglitz (2003), o "desenvolvimento diz respeito à
transformação das sociedades, à melhoria das condições de vida dos pobres, à
capacitação de todos para que tenham chances de sucesso e de acesso ao
sistema de saúde e à educação" (p.252).
Se o desenvolvimento econômico é garantia de melhor nível de vida
coordenada com um efetivo equilíbrio na distribuição de renda e de qualidade
de vida mais digna, o grau de desenvolvimento é aferido, maiormente, pela
melhoria das condições materiais de que dispõe uma população para o seu
bem-estar conjugado, ademais, com as liberdades que usufrui. Tal opinião é
abalizada por Amartya Sen (1999), quando esta assevera que
269
1. A pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e
deveria ser participante ativo e beneficiário do direito ao
desenvolvimento.
2. Todos os seres humanos têm responsabilidade pelo
desenvolvimento, individual e coletivamente, levando-se em conta
a necessidade de pleno respeito aos seus direitos humanos e
liberdades fundamentais, bem como seus deveres para com a
comunidade, que sozinhos podem assegurar a realização livre e
completa do ser humano, e deveriam por isso promover e proteger
uma ordem política, social e econômica apropriada para o
desenvolvimento.
3. Os Estados têm o direito e o dever de formular políticas
nacionais adequadas para o desenvolvimento, que visem o
constante aprimoramento do bem-estar de toda a população e de
todos os indivíduos, com base em sua participação ativa, livre e
significativa no desenvolvimento e na distribuição equitativa dos
benefícios daí resultantes. (DDD, 1986, p.2-3) [11].
270
No entanto, o que se observa na cidade do Rio Grande e como bem
expõe o Relatório da Missão sobre Megaprojetos de Desenvolvimento na
cidade do Rio Grande – RS (RMMDRG-RS [13]), realizado pela
Plataforma Brasileira dos Dhesca/Brasil, é um "retrocesso e negação de
direitos", pois para as comunidades afetadas pela expansão portuária não há
perspectivas de ganhos reais com o propalado desenvolvimento local, mas sim
uma realocação no espaço urbano da cidade em assentamentos "sem as
mínimas condições de habitabilidade" (RMMDRG-RS, 2012, p.12) e, por
conseguinte, a perpetuação da pobreza.
Apesar da articulação visível dos movimentos sociais, no que tange às
diversas políticas públicas, a cidade do Rio Grande conta com uma rede
pública de atendimento bastante deficitária, sobretudo, se pensada desde o
ponto de vista do aumento populacional que tem ocasionado grande impacto
social, o que enseja a necessidade de afrontar esta nova realidade.
Igualmente, um dos grandes problemas que tem assolado o município
e o Rio Grande do Sul como um todo, são as diferentes expressões de
violência contra mulheres, crianças e adolescentes (e, claro, também a outros
grupos vulneráveis) e o avanço do consumo de drogas entre a adolescência e
juventude, principalmente diante da inexistência de políticas públicas que
apresentem alternativas socioculturais saudáveis nas comunidades e nos
bairros mais carentes.
Desde o ponto de vista da equipe multi e interdisciplinar do
NUPEDH, o enfrentamento da violência em suas diversas formas de
expressão, perpassa pelo acesso a toda uma gama de políticas, bens e serviços
sociais, como, também, qualificação cidadã, ocupacional e profissional, ao
fortalecer o tecido social, ativando o vínculo entre os sujeitos e o contexto
socioambiental em que estão inseridos, propiciando-lhes o seu “empowerment”
[14].
271
Fundamentado nos conceitos de transversalidade [15] étnico-racial
[16], de gênero [17], etária e de diversidades [18] e no entendimento de que
os Direitos Humanos são universais, interdependentes, indivisíveis e
interrelacionados e que o ideal de justiça exige, simultaneamente, a
redistribuição de bens e riquezas e o reconhecimento de identidades [19], a
efetiva proteção de tais direitos requer não somente de políticas públicas
universalistas, mas também e particularmente, de políticas públicas específicas
e acrescidas do valor da diversidade encaminhadas, portanto, aos grupos
socialmente vulneráveis.
Assim sendo, as atividades do NUPEDH estão voltadas à promoção e
defesa dos direitos humanos e de cidadania, entre outros, das crianças e
adolescentes, posto que são inúmeras as pesquisas que revelam índices
elevados de exclusão, pauperização, discriminação [20] e violência a que estão
expostos estes grupos vulneráveis [21]. Tais fatores, ademais, dificultam a
permanência na escola, o acesso ao trabalho, ao emprego e aos diversos
serviços públicos e, dentre eles, a Justiça (Poder Judiciário), instituição
fundamental para a garantia efetiva dos direitos violados e/ou não cumpridos.
Neste diapasão, cabe salientar que o exercício pleno da cidadania e
suas consequências práticas exigem a incorporação por todas as envolvidas e
todos os envolvidos de noções mais amplas sobre liberdade, autonomia,
igualdade, solidariedade e respeito e no qual tanto os indivíduos pertencentes
aos grupos vulneráveis como os demais tenham a mesma importância no seu
valor humano, social e político. Em outros termos, busca-se, através das ações
desenvolvidas pela equipe do NUPEDH, o efetivo empoderamento do
público-alvo por ele atendido.
272
2- Políticas públicas infanto-juvenis
273
indispensável para a implementação do capitalismo industrial nascente e,
igualmente,
274
todos os indivíduos sem arte, sem ofício; e ficai certo que correrão
esses braços inativos aos doces prazeres da colheita, para obterem
uma posição d’alguma confortabilidade (CONGRESSO
AGRÍCOLA, 1878 apud RIBEIRO JÚNIOR, 2008, p.53).
275
Conforme Couto (2004), no período de 1930, quando Getúlio Vargas
assume o poder, é que se intensificou no Brasil o alargamento das relações
capitalistas que foram paulatinamente alterando as bases do Estado
oligárquico e patrimonial vigente até então. Um novo cenário foi sendo
desenhado no país com a instauração de um crescente processo de
industrialização, urbanização e mudanças nos órgãos governamentais e na
esfera política, os quais acabaram caracterizando o governo de Vargas como
sendo um Estado Nacionalista que passou a intervir e a reformular as relações
econômicas de mercado, dando forma, ademais, aos chamados direitos sociais
dos trabalhadores. Para Santos (1979), o conceito chave para compreender a
política estabelecida neste período é o de cidadania regulada – aquela
estabelecida por um conjunto de leis que criou o sistema de estratificação
ocupacional e no qual se considerava cidadão somente aquelas pessoas que
ocupam profissões reconhecidas e definidas legalmente.
O direito a ser cidadão estava vinculado ao lugar que o indivíduo
ocupava no processo produtivo. Ademais, conseguintemente, o não exercício
de uma atividade produtiva, legalmente reconhecida, acabava por encaminhar
uma parte significativa da população à categoria de não cidadão, ou de pré-
cidadão (incluídos aqui todas as trabalhadoras e todos os trabalhadores da
área rural e urbana que, apesar de serem ativos no processo produtivo, não
tinham suas ocupações regulamentadas por lei), terreno fértil para a
marginalização social. Uma relação paterna em que o poder público definia
tanto o que era ser cidadão quanto o que era ser marginal estava na essência
do conceito de cidadania regulada.
No que concerne à implantação de uma política de assistência e
proteção aos menores a Constituição de 1934 em seu artigo 138 estabelece
que:
276
[...] incube a união, Estados e Municípios, assegurar amparo aos
desvalidos, criando serviços especializados aos desvalidos, criando
serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja
orientação procurará coordenar; estimular a educação eugênica;
amparar a maternidade e a infância; socorrer as famílias de prole
numerosa; proteger a juventude contra roda exploração, bem como
contra o abandono físico, moral e intelectual; adotar medidas
legislativas e administrativas tendentes a restringir a mortalidade,
as morbidades infantis e de higiene social que impeçam a
propagação das doenças transmissíveis; cuidar da higiene mental e
incentivar a luta contra os venenos sociais. (BRASIL, 1934).
277
alguns programas assistenciais [24], como, por exemplo, a Casa do Pequeno
Jornaleiro que se dedicava a amparar os jovens de baixa renda com ações
socioeducativas.
O Regime Militar, instaurado a partir do Golpe de Estado de 1964,
extingue o SAM e cria a FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do
Menor) que, em conjunto com a Legião Brasileira de Assistência, foram
responsáveis pelo tratamento deferido ao menor de conduta antissocial,
conforme a doutrina da “situação irregular” ratificada no Código de Menores
de 1979, promulgado em 10 de outubro, precisamente no Ano Internacional
da Criança. A hegemonia e legitimidade destes órgãos institucionais será,
durante a década de 80, questionada pelos movimentos sociais pró-
democracia e a posterior transição ao regime democrático acabará
proporcionando a continuidade da luta pela extensão dos direitos de
cidadania ao segmento infanto-juvenil.
Os pressupostos que acabaram formando parte das bases das políticas
públicas sociais brasileiras destinadas à população infanto-juvenil mudaram
de forma significativa nas últimas décadas –particularmente a partir da década
de 90 – tanto no que concerne ao enfoque como às ações promovidas.
Parte desta nova perspectiva se deve, em âmbito interno, à
promulgação da Constituição Federal de 1988 e ao respectivo
estabelecimento do Estado de Direito Democrático, mas, principalmente, à
elaboração e publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.
8.069, de 13 de julho de 1990), fruto da mobilização de diferentes setores da
sociedade [25] e que deu origem, posteriormente, ao Fórum Nacional de
Entidades Não governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Fórum DCA).
Desde o ponto de vista jurídico, a Lei n. 8.069/1990 propõe, tomando
como base preceitos de garantia de direitos preconizados pela Convenção
278
Internacional dos Direitos da Criança (Organização das Nações Unidas,
1989) e da qual o Brasil é signatário [26], novos paradigmas de atenção à
infância e adolescência, estipulando normas que visam sua proteção e seu
desenvolvimento integral, conclamando, para tal fim, o envolvimento da
família, da sociedade e do Estado a proverem ações acordes com seus
objetivos precípuos e sem qualquer tipo de distinção ou discriminação.
Dentro desta perspectiva de ruptura com o velho paradigma
proveniente da doutrina da situação irregular dos “menores”, repudiam-se as
práticas centralistas, unilaterais, assistencialistas, estigmatizadoras e
segregadoras que sustentaram, por muitas décadas, a divisão entre “crianças e
adolescentes” e “menores” – aqueles em situação de abandono e/ou em
conflito com a lei.
Procurou-se, com o advento da doutrina da proteção integral, além de
redefinir os grupos de “crianças e adolescentes” sobre os quais as políticas
públicas e ações sociais devem incidir [27], reconstruir o significado de tais
grupos, passando a considerá-los sujeitos de direito se enfatizando, por
conseguinte, seus superiores interesses e sua inclusão prioritária em uma nova
política de atendimento em rede e com práticas descentralizadoras.
Na ruptura com a centralização do atendimento e no respectivo
comprometimento familiar e comunitário, bem como da sociedade civil e do
Estado na proteção integral à criança e ao adolescente, em efeito, na mudança
de paradigmas jurídicos [28], jurisdicionais, políticos, sociais, psicológicos e
pedagógicos com destaque para as possibilidades operacionais de proteção
pela rede de garantia de direitos é que se fundamenta também a construção de
um novo paradigma de organização político-institucional, no qual o
município é reafirmado como o locus privilegiado de participação política e
exercício da cidadania no que se refere à priorização de metas, aplicação de
recursos e fiscalização dos projetos, programas e serviços públicos.
279
A municipalização das políticas sociais básicas de educação, saúde,
habitação, transporte e saneamento e a respectiva descentralização político-
administrativa de recursos para o gerenciamento das políticas sociais no
âmbito municipal é crucial. Não obstante, não se pode fechar os olhos para o
fato de que dita política descentralizadora segue permeada por um cenário no
qual as diversas forças políticas, que não se reduzem somente aos agentes e as
esferas institucionais do poder público, mas também para as disputas de
interesses de grupos locais, constituem um desafio constante para aqueles que
lutam pela efetivação dos direitos sociais em uma sociedade pautada pela
desigualdade e pelo clientelismo político.
No que se refere à política municipal de atendimento ao segmento
infanto-juvenil, o orçamento municipal deve abarcar o “pleno” atendimento
às políticas sociais básicas, políticas e programas de assistência social em
caráter supletivo e serviços especiais de prevenção e atendimento médico e
psicossocial às vítimas de violação de direitos.
As políticas de atendimento devem primar pela universalização da
oferta dos serviços públicos, e os programas específicos, como os programas
de proteção (apoio sócio-familiar) e as medidas socioeducativas (liberdade
assistida, semiliberdade e internação), devem assegurar a promoção da
autonomia e reintegração social do indivíduo em desenvolvimento, sujeito de
direitos que pertence a um segmento especial por estar em um processo de
formação social, moral, cultural e histórica. A garantia do cumprimento das
normativas do ECA, em âmbito municipal, deve se dar pela ação efetiva do
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente que, dentro
da dinâmica da maior participação popular para a elaboração de políticas e
fiscalização dos recursos públicos, tem condições de aplicar, com maior
eficiência e qualidade, os recursos orçamentários e as verbas do Fundo
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FUMCAD).
280
3- Vulnerabilidade social e violência
281
significativo de casos, o fato de que as políticas atuais necessitam de constante
monitoramento para a efetiva mudança no quadro de violação dos direitos das
mulheres.
Os relatórios referentes a tais pesquisas também apontam a
persistência da vulnerabilidade da mulher no âmbito de suas relações
domésticas, afetivas e familiares, visto que ,em quase metade dos casos
registrados, o perpetrador de atos de violência é o parceiro, ex parceiro ou
algum parente da mulher. Recomenda-se também a criação de mais varas ou
juizados especiais e direcionados a tratar e atender de forma adequada a
violência contra a mulher, especialmente em cidades do interior, as quais
possuem grande concentração populacional.
Observam os relatórios que a pior relação entre população feminina e
o quantitativo de varas ou juizados exclusivos se encontra nos estados do Rio
Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, Bahia e Santa Catarina. Dados estes
que acabam tendo eco nos relatórios apresentados pela Delegacia da Mulher da
Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul/RS, que divulgou o registro de 12,8
mil casos em todo o ano de 2012 e de mais de 8 mil casos de violência contra a
mulher nos primeiros sete meses de 2013.
A violência contra a mulher possui algumas peculiaridades que a
distinguem da violência em geral, posto que é assinalada pelo gênero
(SCOTT, 1995), ou seja, pelo fato da vítima “ser mulher”. Entre os registros
de violência contra a mulher, os dados estatísticos do Sistema de Consultas
Integradas (SCI) da Secretaria de Segurança Pública/RS apontam que, entre
2006 e 2010, os homicídios vitimaram 1.173 mulheres no Rio Grande do Sul.
A cidade do Rio Grande ocupou, nessa relação, a 11ª posição no Estado em
criminalidade, e o 4º lugar entre as cidades gaúchas não pertencentes à região
metropolitana [30].
282
A violência intrafamiliar contra a mulher, a criança, o adolescente, o
idoso, nas suas quatro grandes vertentes: negligência, violência psicológica,
física e sexual, é, com certeza, a mais difícil de combater, seja por ser
reforçada pelas chamadas violência estrutural e urbana seja porque, apesar de
intensa, costuma ser invisibilizada. Ainda que haja o incontestável aumento
das denúncias interpostas, este tipo de violência continua sendo
subnotificada, pois é certo que existem mais casos factuais concretos do que
aqueles que chegam ao conhecimento dos órgãos responsáveis.
O silêncio das vítimas costuma ser motivado por muitos fatores
socioeconômicos e, também, por circunstâncias emocionais e educativas, os
quais perpassam pelo desconhecimento de que aquela era uma situação
inadequada (BRAUN, 2002; OSHIKATA; BEDONE; FAÚNDES, 2005),
como: o sentimento de culpa, a ansiedade com relação às possíveis
consequências da revelação, o medo em relação ao agressor, o receio de não
escutado ou compreendido e o temor quanto aos efeitos sobre a família ou
sobre a pessoa do agressor. Em se tratando de violência sexual, todos esses
fatores são acrescidos da vergonha da vítima em denunciar o ocorrido e/ou
também o medo de perder o emprego e de não ser aceita socialmente
(SOUZA; ADESSE, 2005).
Nesse sentido, convém recordar Rúben Katzman (2005), quando
alerta que os lugares vulneráveis são aqueles que apresentam riscos de diversos
tipos e matizes aos indivíduos, os quais podem estar na falta ou na não
condição de acesso a bens materiais e de serviço que possam suprir aquilo que
pode tornar tais indivíduos vulneráveis (AYRES, 1999). Dessa forma, a falta
de acesso à água potável, a ausência de saneamento básico, o analfabetismo ou
baixo grau de instrução escolar, o desemprego, o subemprego, entre tantos
outros fatores que poderiam ser mencionados, somados a não participação em
283
canais deliberativos das políticas públicas, tornam os sujeitos afetados por
estes contextos e alvos da vulnerabilidade social.
No caso da população infanto-juvenil, Malvasi (2008) afirma que a
vulnerabilidade, como envolvimento com drogas, situações de violência
(doméstica e comunitária), situação de rua, exploração sexual, trabalho
infantil, dentre outros aspectos, está associada aos fatores precedentes e,
especialmente, à carência e/ou à deficiência de garantia dos direitos e das
oportunidades nas áreas de educação, saúde e proteção social. Mesmo que o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), em seu art. 4º, e a
Constituição Federal, em seu art. 227, preceituem que é dever da família, da
comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar à infância e
à juventude, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, bem como colocá-los a salvo de toda e
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, muito precisa ser feito.
Sendo assim, como é sabido, a exposição de crianças e jovens à
violência, não só como vítimas, mas também no papel de observadores ou
testemunhas, seja de certas cenas veiculadas pelos meios de comunicação
social de massa (Massmedia) seja por presenciar diretamente atos, como
assaltos, assassinatos ou brigas violentas no âmbito familiar, acabam
provocando, além de sintomas típicos da síndrome de estresse pós-
traumático, prejuízos de ordem emocional, afetiva, psicológica e
comportamental, como o mau rendimento escolar e um quadro de profunda
agressividade.
284
4- Redes sociais de apoio ao desenvolvimento integral das crianças e dos
adolescentes
285
ao desenvolvimento integral de todas/os crianças e jovens, enquanto, todavia,
ligadas as suas famílias, escolas e comunidades. Ao tomar como base a
geração de condições mais adequadas ao desenvolvimento integral de todas/os
crianças e jovens, a equipe do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos
Humanos (NUPEDH), em conjunto com o Centro de Atenção Integral à
Criança e ao Adolescente (CAIC/FURG), adotou em suas intervenções
concretas a perspectiva de ouvir os pais e/ou demais responsáveis e também os
próprios afetados na identificação de suas necessidades, assim como na
possível solução das mesmas.
Nesse sentido, priorizou-se o entendimento de que qualquer pessoa,
independente de seu nível educacional, econômico e etário, é capaz de dizer o
que gostaria para si própria, para suas filhas e seus filhos, para os que se
encontram sobre sua guarda e responsabilidade, e de chegar, portanto, a um
consenso, junto com a família e a comunidade – escolar e de moradia –, do
que seria mais importante focalizar e fazer. Ações interventivas de redes de
proteção social são fundamentais e legítimas ferramentas de enfrentamento
das situações de vulnerabilidade e inexistência de oportunidades igualitárias
de acesso a bens e serviços.
A equipe do NUPEDH se deparou, em seu cotidiano de trabalho,
com diversas expressões da marginalização e exclusão social. No que concerne
às demandas do público com o qual se atua, a equipe do NUPEDH se
deparou com relações interpessoais e familiares conflituosas e violentas;
dificuldades de aprendizagem; transtorno de déficit de atenção e/ou
hiperatividade; comportamento agressivo da criança/adolescente tanto na
escola quanto na família; dependência química no contexto familiar – seguida
de suspeita de violência doméstica e/ou psicológica; histórico de negligência e
abandono familiar; abuso sexual; bullying; casos de transtorno alimentar; casos
de transtorno de conduta; riscos e/ou ideias suicidas [31]. Nesse contexto,
286
intervém-se na defesa do direito humano à singularidade e na tarefa de
mostrar aos afetados novas possibilidades de atuação, de forma a romper com
sistemas e paradigmas existentes.
Nessa perspectiva, a atuação interdisciplinar possibilita o apoio e o
desenvolvimento de habilidades, tanto para a criança e o adolescente quanto
para a família, que podem lidar com o seu adoecimento e buscar uma melhor
qualidade de vida. Os atendimentos psicossociais (e também jurídicos)
realizados buscam propiciar a construção de espaços viabilizadores de
acolhimento e a construção dos vínculos, contribuindo para a reflexão e a
problematização de práticas que se propõem coletivas. Tal atuação investe no
fortalecimento das relações locais, propondo-se a reconhecer e legitimar a
diversidade nesses espaços de encontro, de modo a resgatar,
consequentemente, a cidadania dos atores sociais envolvidos.
É importante ressaltar ainda que o desenvolvimento das diversas ações
que o NUPEDH vem realizando se materializa em função das importantes
parcerias com outros centros e núcleos que formam, no âmbito da FURG, a
rede de apoio à comunidade [32], e também de outras instituições locais.
Essas parcerias aprofundam os diferentes olhares e potencializam a busca de
novas estratégias que proporcionem o exercício efetivo da cidadania, pois se
acredita que a construção das novas cidadanias começa por aquilo que se tem
no presente e que se projeta também em ideias e ações para o futuro
(IBERNÓN, 2006).
Considerações finais
287
NUPEDH fez parte. Dita pesquisa objetivava identificar e conhecer as
demandas da população e, para tal, abarcou um detalhamento contextual das
comunidades, suas características, problemas socioeconômicos, situações de
renda, subemprego e desemprego, déficit habitacional, estratégias de
sobrevivência e degradação ambiental. Em outras palavras, enumerou
exaustivamente as diversas precariedades a que estão submersas e expostas às
referidas comunidades.
Fatores de riscos sociais para crianças, adolescentes e demais
moradores também foram dados relevantes constatados pela pesquisa, na qual
se registraram, ademais, inúmeros relatos de ameaças, agressões físicas,
violações sexuais e mortes violentas, o que corrobora para o elevado risco
social a que estão expostas as pessoas que vivem nessas comunidades. Quanto
às ameaças à vida, o bairro São Miguel, por exemplo, obteve os registros mais
preocupantes, já que 93% das moradoras e moradores se sentem ameaçados.
Com relação às mortes violentas na comunidade, destaca-se o bairro Castelo
Branco, com 16% dos casos ocorridos.
No que concerne à violência intrafamiliar e, em particular, a exercida
contra crianças e adolescentes, esta é identificada com frequência e constância
nos casos atendidos. Em face da gravidade dos casos, está se implementando
um trabalho de prevenção, detecção e minimização deste tipo de violência
através de oficinas temáticas e itinerantes com crianças, adolescentes e suas
famílias [33].
Embora as comunidades em situação de risco façam parte de um
grupo com muitas necessidades, dadas as suas precárias condições de vida,
estas acabam sendo, contraditoriamente, as que mais têm dificuldade em
aceder aos serviços públicos existentes em seus bairros de origem e/ou no
município, o que tende a agravar a situação de risco em que se encontram.
Neste âmbito, as ações desenvolvidas pelo NUPEDH estão focadas em
288
facilitar o acesso a uma série de serviços prestados pela Universidade ou outras
instituições públicas ou privadas, fortalecendo, nesse aspecto, a noção de rede
social de proteção.
Em síntese, a integração das ações desenvolvidas com vistas ao
atendimento às necessidades emergenciais capazes de possibilitar os mais
variados tipos de atendimentos, indispensáveis ao pleno desenvolvimento da
população, tem como escopo a ampliação e garantia dos direitos individuais e
do exercício pleno da cidadania. Isto porque se acredita que assegurar o
direito à efetiva participação dos grupos sociais no que tange às políticas que
diretamente lhes afetem é um requisito imprescindível para o sucesso da
política em si mesma.
Não obstante, adverte-se que a existência de um dilatado espaço entre
as situações de integração e exclusão sociais não pode ser sanada por melhor
que sejam as intenções daqueles que lutam pela efetivação dos Direitos
Humanos dos grupos vulneráveis, com as ações que até agora foram
realizadas. Não está se advogando aqui pela sua irrelevância, mas,
simplesmente, lançando o seguinte questionamento: como evitar, de maneira
eficaz, aquelas situações em que se infringem e/ou não se efetivam os Direitos
Humanos e fundamentais de forma massiva? Uma primeira resposta pode ser
dada, seguindo a Thomas Pogge (2002), quando afirma que:
289
conformadas pelo sistema educativo e a distribuição econômica
(p.63).
290
uma qualidade inerente ao ser humano [35] –, mas também no que se refere
ao seu âmbito intersubjetivo e político [36]. A dimensão intersubjetiva
implica, além do valor intrínseco da pessoa, o conjunto de deveres e direitos
correlativos, indispensáveis ao florescimento humano. Perspectiva
multidimensional da dignidade humana que é também objeto de expressa
previsão Constitucional no artigo 1º, inciso III da CF/1988, e que não passa
de um sonho idílico para milhões de brasileiras e brasileiros.
Referências bibliográficas
291
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário.
Traduzido por Iraci D. Poleti. 9.ed. Petrópolis: Vozes, 2010.
292
FALEIROS, Vicente de P. Infância e adolescência: trabalhar, punir, educar,
assistir, proteger. Revista Agora: Políticas Públicas e Serviço Social, Ano 1,
out. 2004, ISSN-1807-698. Disponível em: <http:/www.assistentesocial
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293
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Disponível em: <http://goo.gl/oc0AUW>. Acesso em: 12 nov. 2013.
294
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por um sistema democrático? Traduzido por Peter Naumann. In: Revista da
Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre, Edição Especial, out. 2000.
295
Brasília, 2008. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10482/1099>. Acesso
em: 10 out. 2012.
296
S. F. (Orgs.). Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de
Janeiro, 2002.
297
Notas de fim
[3] Entende-se por grupos vulneráveis aqueles grupos sociais que estão em
relação de desigualdade com o restante da comunidade política. Sendo assim,
o respeito à dignidade humana exige não somente a proteção dos indivíduos
que pertencem a ditos grupos, mas também a superação das desigualdades
sofridas por estes através da criação e implantação de medidas gerais e de
natureza transitória de não discriminação e de discriminação positiva.
298
[4] Veja-se Elson e Cagatay (2003) e, também, o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (2013).
299
2013.aspx?indiceAccordion=1&li=li_Atlas2013.AtlasIDHM2013_Perfil_Rio
-Grande_rs.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2013.
300
dignidade da pessoa humana – como fundamento da República (art. 1°, III) e
da ordem econômica (art. 170, caput); g) valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa – fundamento da República (art. 1°, IV) e da ordem econômica (art.
170, caput); h) erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das
desigualdades sociais e regionais – objetivos fundamentais (art. 3º, III) – a
redução das desigualdades – princípio da ordem econômica (art. 170, VII); i)
princípios dos incisos do artigo 170: soberana nacional, propriedade e sua
função social, livre concorrência, defesa do consumidor e do meio ambiente
(sustentabilidade), redução de desigualdade regionais e sociais
(desenvolvimento equilibrado), busca de pleno emprego e tratamento
favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte;
j) intervenção nos limites da lei – (art. 174). Vislumbram-se aqui dois papéis
do Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, com
três funções que efetivam estes papéis: fiscalização, incentivo e planejamento"
(GRAU, 2001, p.65).
[14] Segundo Sheila Stolz (2012), “O termo foi traduzido para o português
como empoderamento. Chama a atenção nesse termo o radical “Power”de
poder que, desde a Ciência Política, costuma ser vinculado ao Estado –
instituição que muitas vezes se constitui em fonte de opressão, autoritarismo,
abuso e dominação. Não obstante, no que aqui concerne, o termo empoderar
é utilizado para definir o resultado do processo de repasse de informações,
ferramentas e outros recursos para que a sociedade tenha acesso ao poder
301
(amplu sensu), seja ele político, econômico, social ou cultural. Dessa forma,
pode-se arguir que o conceito de empoderamento vai além da simples
participação social, pois pressupõe: 1) uma participação crítica, informada e
ativa que não pode ser confundida com a simples ‘presença’ do indivíduo ao
longo dos processos de decisão; 2) a inclusão da possibilidade de que o sujeito
compreenda a realidade do seu meio social, político, econômico, ecológico e
cultural, refletindo sobre os fatores que lhe dão forma, bem como a tomada
de iniciativas no sentido de que, tanto individual como coletivamente, possa
efetivamente melhorar dita realidade. Esse é um conceito sistêmico que
reconhece que a tomada de decisões e controle por parte daqueles que antes
não possuíam qualquer tipo de poder constitui-se, definitivamente, em uma
necessária alteração e inclusive transformação do próprio sistema. Na
proposta em tela, o termo empoderamento, constitui-se em uma forma de
resistência, de luta, em uma fonte de emancipação” (p.505-506, grifos do
autor).
302
não foram seguidas de medidas socioculturais complementares em benefício
das negras e dos negros libertos, acabaram fazendo perdurar uma questão
essencial acerca dos direitos humanos: a prevalência de uma concepção de que
certos humanos (índias e índios, negras e negros) são mais ou menos
humanos do que outros e, por conseguinte, a respectiva banalização no
imaginário social de que a desigualdade de direitos é algo natural.
Indubitavelmente e tal como demonstra o estudo realizado por Nadya Castro
Araújo, o pensamento social brasileiro tem longa tradição no estudo da
problemática étnico-racial. Não obstante, serve mais bem como uma
postergação do reconhecimento da persistência de práticas discriminatórias
do que como fundamento de práticas emancipatórias. A noção de
transversalidade étnico-racial pretende ser um antídoto contra esta velha
sistemática de minimização, de não reconhecimento e/ou de invisibilização da
intersecção de etnia-raça que tanto dificulta a erradicação das desigualdades
étnico-raciais nas políticas públicas e a concretização dos direitos humanos e
da justiça social para uma imensa parcela da cidadania, requisitos essenciais
para a consolidação da democracia formal e substancial brasileira.
303
públicas, nos planos e nos programas de Governo e Estado desde sua criação,
implementação e avaliação dos resultados.
[21] Entende-se por grupos vulneráveis aqueles grupos sociais que estão em
relação de desigualdade com o restante da comunidade política. Sendo assim,
o respeito à dignidade humana exige não somente a proteção dos indivíduos
que pertencem a ditos grupos, mas também a superação das desigualdades
sofridas por estes através da criação e implantação de medidas gerais e de
natureza transitória de não discriminação e de discriminação positiva.
304
[22] O Congresso Agrícola de 1878 foi realizado entre os dias 8 e 12 de julho
de 1878, atendendo ao chamamento e contando com o apoio do Governo
Imperial, através do então Ministro de Negócios de Agricultura, Comércio e
Obras Públicas, João Vieira Lins Cansanção de Sinimbú, que convocou os
agricultores das províncias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e
Espírito Santo para participarem e discutirem acerca dos problemas
relacionados com a agricultura brasileira.
[27] Ainda que uma redefinição destes grupos tenha sido adotada, a realidade
social não mudou substancialmente, pois continuam sendo majoritariamente
as “crianças e os adolescentes” mais vulneráveis aos efeitos da pobreza e da
305
exclusão social e os que representam algum tipo de ameaça à sociedade.
Quase a metade dos 60 milhões de crianças e jovens brasileiros (até os 17
anos) nasce em famílias pobres, as quais encontram dificuldades em prover
cuidados básicos adequados para seus filhos e suas filhas.
[28] Cabe recordar que o ECA possui como base essencial de sua doutrina
uma série de princípios que representam esta nova configuração jurídico-
política dos direitos da criança e do adolescente. Tais princípios servirão de
orientação ao intérprete e aos agentes públicos em geral, sendo os principais:
1) Princípio da prevenção geral: é dever do Estado assegurar à criança e ao
adolescente as necessidades básicas para seu pleno desenvolvimento (art. 54, I
a VIII) e prevenir a ocorrência de ameaça ou violação desses direitos (art. 70);
2) Princípio da prevenção especial: o Poder Público regulará, através de
órgãos competentes, as diversões e os espetáculos públicos (art. 74); 3)
Princípio de Atendimento Integral: o menor tem direito à atendimento total
e irrestrito (vida, saúde, educação, esporte, lazer, profissionalização, etc.)
necessários ao seu desenvolvimento (arts. 3º, 4º e 7º do ECA); 4) Princípio
da Garantia Prioritária: tem primazia de receber proteção e socorro em
quaisquer circunstâncias, assim como formulação e execução das políticas
sociais, públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude (art. 4º, a,b,c,d);
5)Princípio da proteção estatal: visa a sua formação biopsíquica, social,
familiar e comunitária, através de programas de desenvolvimento (art. 101);
6) Princípio da prevalência dos interesses do menor, pois na interpretação do
estatuto levar-se-ão em conta os fins sociais a que ele se dirige, as exigências
do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e sua condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 6º); 7) Princípio da
indisponibilidade dos direitos do menor, pois o reconhecimento do estado de
306
filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser
exercido contra os pais, ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o
segredo de justiça (art. 27); 8) Princípio da sigilosidade: é vedada a divulgação
de atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito a crianças e
adolescentes a que se atribua autoria de ato infracional. 9) Princípio da
gratuidade: é garantido o acesso de todo menor à Defensoria Pública, ao
Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos, sendo
a assistência judiciária gratuita prestada a todos que dela necessitem (art. 141,
§§ 1º e 2º ).
[31] Dados fornecidos pela psicóloga Cíntia de Souza Serpa, que atua no
Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC/FURG) e no
Centro de Referência em Direitos Humanos (CEREDH).
307
[33] Ao abordar temas, como Direitos Humanos, preconceito racial, gênero,
cidadania, saúde, consciência ambiental, identidade pessoal, autoestima,
fortalecimento dos vínculos grupais, tem-se realizado Oficinas de Vivências
que abordam desde a dimensão afetivo-emocional da pessoa, como, também,
a desconstrução e reconstrução social dos valores, das crenças, dos
preconceitos e dos tabus sociais e historicamente construídos. Efetivamente o
grupo participante das Oficinas de Vivências se torna, por algumas horas, a
possibilidade real de experimentação de novos padrões de relacionamento e
de problematização dos papéis sociais.
308
conditio per quan de toda a vida política. [...] a pluralidade é a condição da
ação humana pelo fato de sermos todos os mesmos, isto é, humanos, sem que
ninguém seja exatamente igual a qualquer pessoa que tenha existido, exista ou
venha a existir." (p.16).
309
310
Menores y violencia de género:
notas desde la criminología
Minors and gender violence: notes criminology
Menores e violência de gênero: notas de criminología
Introducción
312
1- Políticas de prevención del delito: ejemplos europeos.
313
perfil socio demográfico y personal que pueden indicar una predisposición a
la comisión del delito, como edad, estilo de vida etc. (MEDINA-ARIZA, 2011)
Ahora bien, en el campo de la prevención del delito existe una
equivocada tendencia de hacer frente a los problemas de forma apresurada
eirreflexiva sobre las estrategias preventivas, aun cuando se estén tratando
problemas altamente complejos que requieren la colaboración de diversas
instituciones (HOMELY HOMEL, 2012). La violencia contra la mujer pareja o
ex pareja lamentablemente puede ser aquí mencionada como ejemplo, razón
por la cual vale señalar algunas iniciativas novedosas puestas en marcha en
ámbito Europeo.
El reciente proyecto llevado a cabo en Reino Unido titulado FromBoys
to Men Project (2010- actual) reveló la importancia de invertir esfuerzos en la
prevención primaria y secundaria como una forma de prevenir la violencia
entre adultos. GADD y otros investigadores (2013) pretendieron encontrar
respuestas a cuestiones tan desafiantes como ¿Por qué algunos jóvenes vienen a
tornarse agresores domésticos y otros no? ¿Qué se puede hacer para evitar la
violencia futura?
El Proyecto comportó la recogida de datos de tres campos distintos: 1)
Cuestionario con adolescentes de ambos sexos de edad entre 13 y 14 años
(1.203 en total); 2) Grupos de discusión con jóvenes varones con edad entre
13 y 19 años (69 en total) y 3) Historia de vida de jóvenes varones con edad
entre 16 y 21 años que habían experimentado violencia doméstica como
víctimas, agresores o como testigos (30 en total). Todos los participantes de
este último grupo fueron reclutados en servicios formales o asistenciales,
como probation, programas de educación alternativos o de atención a la
familia.
Los hallazgos del proyecto fueron ciertamente intrigantes. Junto al
grupo de adolescentes, al tiempo que se comprobó que gran parte de ellos
314
había experimentado violencia doméstica bien en sus relaciones afectivas bien
en el hogar, se sacó a la luz que los niños son más propensos que las niñas a
pensar que el uso de la violencia de un hombre o de una mujer hacia el
compañero/a es una actitud justificable. En lo relativo al segundo grupo,
concretamente el compuesto solo por varones jóvenes, sus actitudes frente a la
violencia doméstica resultaron ser muy complejas. Véanse los siguientes
ejemplos. Como punto en común condenaron el uso de la violencia
doméstica. No obstante, algunos no identificaban el control como un
comportamiento violento. En ciertos casos, la infidelidad fue entendida como
justificación para el uso de la violencia, siendo muy pocos los jóvenes que
refirieron que bajo ninguna circunstancia la violencia hacia la mujer es
aceptable. Asimismo, dicha violencia fue relacionada con adultos, escoria,
drogadictos, minorías étnicas etc. y no como una cuestión vinculada a su
realidad. Por último, el tercer grupo investigado reveló un alto grado de
vulnerabilidad social. Muchos de ellos habían sido víctimas de abandono,
rechazo, sufrido pérdidas significativas y presenciado distintas violencias en la
familia. Por todo ello, se ha hecho muy difícil diferenciar la condición de
víctima y de agresor entre los jóvenes varones. (GADDet. al., 2013; FOXet. al.,
2013; FOX, HALE Y GADD, 2013)
Entre las recomendaciones finales del proyecto vale recordar las
siguientes: 1) La necesidad de implementar con vigor una educación
preventiva, preferentemente antes de los 13 años de edad, y tenga en cuenta
las distintas realidades vivenciadas por chicos y chicas; y 2) La necesidad de
poner en marcha programas para agresores jóvenes, que hayan tenido o no
contacto con la Justicia. En última medida, las estrategias preventivas en el
ámbito comunitario deben ser acentuadas así como deben ser fomentados los
trabajos direccionados a colectivos vulnerables. (GADDet al., 2013a)
315
Sin distanciarse de las propuestas del trabajo anteriormente descrito,
en Andalucía, sur de España, ya es posible constatar interesantes iniciativas
prácticas de carácter preventivo-asistencial direccionadas a menores de edad.
Tras llegar a conocimiento del Instituto Andaluz de la Mujer un número cada
vez mayor de casos de violencia contra mujeres menores de edad por parte de
su pareja o ex pareja, se ha puesto en marcha recientemente un programa
piloto titulado Programa de Atención Psicológica a las Mujeres Menores de Edad
Víctimas de Violencia de Género en Andalucía (INSTITUTO ANDALUZ DE LA
MUJER, 2013). El Programa ofrece tanto atención psicológica a mujeres
entre 14 y 18 años que sufren o que han sufrido violencia por parte de sus
parejas o ex parejas como también orientación a los progenitores y/o tutores
de las atendidas. El trabajo no depende de denuncia judicial, se realiza de
forma gratuita y se ejecuta en los ochos Centros Provinciales del Instituto de
la Mujer existentes en la Comunidad Autónoma de Andalucía. Pese a que los
resultados del Programa no han sido publicados, según el testimonio de uno
de sus responsables los niveles de violencia entre las jóvenes se mostraron
“más altos” y “muy consolidados” al ser comparados con mujeres adultas
(SORDI STOCK, 2014).
También vinculado al Instituto Andaluz de la Mujer, pero
específicamente dedicado a la atención psicológica de hijas e hijos de mujeres
víctimas de sus parejas, se encuentra el innovador Servicio de atención
psicológica a hijas e hijos de mujeres víctimas de violencia de género (INSTITUTO
ANDALUZ DE LA MUJER, 2013a). Se trata de un Servicio gratuito, cuya
gestión es responsabilidad de la Asociación AMUVI, enfocado a
descendientes con edad comprendida entre 6 y 17 años de las víctimas que
acuden al Instituto en busca de auxilio y tiene por finalidad trabajar para el
bienestar psicológico de los/as menores y en la prevención de
comportamientos violentos futuros.
316
Lo que se ha querido aquí subrayaron la referencia al Proyecto From
Boys to Men Project (2010- actual) y con las iniciativas del Instituto Andaluz
de la Mujer (2013; 2013a) es que actualmente Europa se constata un empuje
en línea de prevención inicial -que cuenta por tanto con otros actores
diferentes del Sistema Penal y Penitenciario - dirigidas a las mujeres y
varones menores de edad. Si bien a largo plazo las estrategias preventivas
tienen mayor probabilidad de reducción de la violencia contra las mujeres, las
dudas que siguen existiendo para la implementación de las mismas sonde los
más diversos órdenes (GADD, 2003; 2004; GADD et al., 2013a). El interés y la
capacidad real de los Estados en reorientar las inversiones en esta dirección,
así como la posibilidad de diseñar intervenciones preventivas comprometidas
con bases teóricas solidas son algunas de las inquietudes existentes (GADD,
2002; 2003). Teniéndose en cuenta que el reparto económico de los Estados
se relaciona más con una cuestión de prioridad de las políticas de género en la
agenda gubernamental, las siguientes líneas se dedican a la relectura sobre la
etiología de la violencia hacia la mujer como paso substancial para la
implementación de iniciativas preventivas más acordes a las exigencias del
contemporáneo.
317
En Criminología, una de las interpretaciones que mejor acogida ha
tendido ha sido la propuesta por DOBASH Y DOBASH (1992). Para estos
autores el patriarcado es determinado con base en dos elementos
interrelacionados: estructura e ideología. En relación a la estructura, el
patriarcado es entendido como una organización jerárquica dónde los
hombres poseen más poderes y privilegios que las mujeres. Los hombres
mantienen este poder porque el patriarcado también es una ideología,
formada por una lógica político-social en la cual hombres y mujeres creen que
determinadas conductas de dominación y subordinación son “naturales” y
“correctas”. Dicho análisis se aproxima del propuesto por el pensamiento
feminista de forma global y explicaría las diferencias de género existentes en
relación al crimen y a la victimización femenina (OGLE Y BATTON, 2009).
Sin desconsiderar la importancia de la literatura feminista a lo largo de
la historia y de la lucha política que propone y que resinifica otros espacios,
los avances en criminología-feminista han invocado la necesidad de
profundizar en la teorización entre patriarcado y crimen (CHESNEYLIND,
2006). El progreso sería doble: una mayor claridad conceptual y la
posibilidad de constatación empírica de la relación binaria crimen-
patriarcado (OGLE Y BATTON, 2009). Se refuta, pues, la utilización del
término patriarcado como un “comodín explicativo” (explanatory wild card), es
decir, que se dé por hecho que la sociedad patriarcal justifique por qué las
mujeres son victimizadas en mayor proporción que los varones (OGLE Y
BATTON, 2009). Desde una postura más tajante, autoras del calibre de
CARRINGTON (1998:72-73) afirman que el concepto de patriarcado es
“simplista”, “tautológico” y “monolítico”, pues crea un “esencialismo de
género”. El patriarcado concibe hombres y mujeres como sujetos sin
capacidad de autodeterminación y enmarca la violencia masculina y la
318
victimización femenina dentro de una consecuencia automática por la
condición del sexo - ser hombre y ser mujer (MESSERSCHMIDT, 1993; 2005).
El efecto espejo considera que todos los hombres están condicionados
por el sistema patriarcal (CARRINGTON, 1998). Se ha creado, pues, un
discurso que tiene por base que “hombre = patriarcado” sin cualquier
problematización sobre las causas, dinámicas y posibilidades de reducción de
la desigualdad entre hombres y mujeres (GULLVÅGHOLTER, 2005). Este
modelo prácticamente imposibilita que se espere un “nuevo hombre” en una
estructura post patriarcal (GULLVÅGHOLTER, 2005). Al tiempo, se ignora que
los hombres de distintos estratos sociales y culturales pueden ejercer
diferentes grados de control sobre la mujer (MESSERSCHMIDT, 1993; GADD,
2002; 2003) así como que otras variables, clase social y raza por ejemplo, se
mezclan con las definiciones culturales de género y ofrecen, a la par una
renovación del discurso feminista, un nuevo entendimiento de la violencia
masculina (MEDINA ARIZA, 2002).
Teniendo en cuenta este contexto, no es del todo arriesgado afirmar
que desde la Criminología se viene renunciado a la idea general de
patriarcado para volverse al estudio del “hacer género” [3] (OGLE Y BATTON,
2009). Consiguientemente, otras teorías ganan acogida como aproximación
más fiable para explicar las relaciones de género y criminalidad. En este
contexto se destacan los estudios de las masculinidades (GADD, 2002; 2003;
MESSERSCHMIDT, 2005; HEIDENSOHN, 2006; HEIDENSOHN Y
319
Para las teorías de la masculinidad el género no existe solo, sino
interrelacionado con el otro y con las diferencias de clase, edad, etnia, edad
etc. La criminalidad masculina apenas será entendida si es contextualizada en
una “construcción relacional”: la identidad de género es un proceso que está
en constante reconstrucción, que se reinventa y se rearticula en las relaciones
micro y macro. Consiguientemente, el “hacer género”(do gender) pasa a ser
comprendido como un proceso influenciado por las experiencias y por la
estructura social. En otras palabras, no existe un único camino de hacer
género, una vez que se identifican masculinidades y femineidades que
comparten múltiples espacios. (CONNELL, 2005; MESSERSCHMIDT, 2005)
La idea central de la interacción entre teorías de la masculinidad y
crimen es que este último puede constituirse en un recurso del “hacer género”
en determinados entornos sociales. En otras palabras, el delito es invocado
como una práctica mediante la cual hombres y mujeres se diferencian unos de
otros (MESSERSCHMIDT, 1993). Lo desafiador es que no existe un parámetro
concreto que necesariamente determina el comportamiento masculino,
incluyendo aquí el comportamiento criminoso (MESSERSCHMIDT, 2005).
Existen varias formas de masculinidad que se determinan culturalmente. Por
ejemplo, las masculinidades de los individuos de clase baja, que enfatizan la
agresividad y dureza, y la masculinidades de los individuos de clase alta, que
giran en torno a los temas de ambición, responsabilidad y empleo profesional
- la imagen del burócrata (MESSERSCHMIDT, 1993). Desde una perspectiva
empírica vale aquí recordar la investigación de DOBASH Y DOBASH (1998),
quienes han analizado cómo hombres y mujeres usan la violencia en sus
relaciones de pareja. Entre sus hallazgos, encontraron que la reafirmación de
la identidad femenina no es valorada por medio del uso de la violencia,
mientras que en la violencia del varón contra la mujer se reafirman los ideales
sociales sobre ser maridos y esposas.
320
Téngase en cuenta que el impacto del hacer género en los hombres es
poco investigado bien es explicado desde una visión esencialista que se
fundamenta en las teorías de los roles de los sexos (MESSERSCHMIDT, 1993).
Esto se debe en gran parte al hecho de que se encuentra muy extendida la
idea de que investigar sobre género es sinónimo de estudiar mujeres. No
obstante, una discusión responsable - en términos de relaciones de poder -
también requiere el estudio del comportamiento de los hombres y por tanto
de las diferencias culturales de construcción de las masculinidades.
Entender las diferentes identidades entre hombres violentos y no
violentos ofrece una comprensión más detallada sobre las relaciones de género
en las sociedades industrializadas y por consiguiente permite reflexionar sobre
la posibilidad de cambio del comportamiento masculino para el logro de una
sociedad más igualitaria (CONNELL, HEARN Y KIMMEL, 2005;
MESSERSCHMIDT, 2005). En última medida, “las amplias fuerzas
patriarcales” no motivan por si solas a los hombres a agredir, violar o matar a
las mujeres y la violencia masculina contra las mujeres pasa a ser explicada por
la preocupación de los hombres de presentar una imagen de sí mismosdentro
de sus redes sociales (DEKESEREDY Y SCHWARTZ, 2005).
Nótese que el mérito de las teorías de la masculinidad ha sido
demostrar la fragilidad de las explicaciones esencialistas sobre el
comportamiento violento masculino para contextualizar la construcción del
mismo en un escenario complexo y múltiplo. Hoy día no es arriesgado
afirmar que las jerarquías de género particularmente verificadas en los países
neocapitalistas vienen siendo afectadas por una nueva configuración de las
identidades, sobre todo de los jóvenes (MESSERSCHMIDT Y CONNELL,
2005). Aunque desde el campo empírico se viene demostrando que los
hombres - por lo general - comentan más crímenes y crímenes más violentos
que las mujeres, esto no significa que todos los hombres sean violentos
321
(GADD, 2002; 2003; DEKESEREDY Y SCHWARTZ, 2005) o que todas las
mujeres tengan las mismas probabilidades de ser víctimas (LARRAURI, 2007;
2008).
Las prácticas relacionales de muchos jóvenes ofrecen una relectura de
las masculinidades y feminidades hegemónicas como fruto de las nuevas
dinámicas de género [5]. Se percibe, pues, un alejamiento de las
masculinidades y feminidades de carácter fijo y se abre espacio para otros
marcos interpretativos sobre el comportamiento violento y el desarrollo de las
políticas de género vinculados a distintos factores como la naturaleza de la
jerarquía de género, la geografía de configuración de las masculinidades, el
proceso de realización personal etc. (MESSERSCHMIDT Y CONNELL, 2005).
Si bien es cierto que el marco teórico expuesto anteriormente no
explica toda la historia acerca de la violencia masculina, también es cierto que
la comprensión de la violencia perpetrada por los varones contra las mujeres
parejas o ex parejas no puede ser adecuadamente estudiada prescindiendo del
estudio de las masculinidades (DEKESEREDY Y SCHWARTZ, 2005). Los
avances en las investigaciones exigen una mejor conceptualización y
operacionalita empírica para entender en profundidad las relaciones entre
género y criminalidad y las teorías de la masculinidad surgen como una
alternativa para explicar con mayor rigor dicha problemática (OGLE Y
BATTON, 2009).
Parece, pues, bastante lógico que en el proceso de socialización la
asimilación de valores, ideas y patrones de conducta observado por los niños y
niñas relacionados con los roles de género contribuyen para que ellos
organicen sus vidas en torno a esas referencias. En otras palabras, los
mandatos parentales recibidos a través de actos cotidianos, como palabras o
gestos, juegan un papel importante en la asimilación de los roles femenino y
masculino. Por ello, es muy difícil que el varón que observa una actitud de
322
desprecio de su padre por lo femenino tenga en el futuro una actitud positiva
hacia las mujeres de su entorno. Las niñas, por el contrario, aprenden que
deben aceptar la violencia y vivir con ella. (RODRÍGUEZ MANZANERA, 2005;
ECHEBURÚA Y CORRAL, 2010)
El resultado global no es otro que aprender que la violencia es un
recurso válido y eficaz para hacer frente a las frustraciones y/o una forma de
reforzar la identidad en las relaciones de pareja. Las secuelas de este
comportamiento en ciertos casos son devastadoras para la vida de los menores
y pueden influir para la existencia de relaciones adultas violentas. Pruebo de
ello es que en el campo empírico se ha detectado una alta prevalencia de
problemas psicológicos en la población infantil y joven producto del ambiente
violento, así como la heterogeneidad de secuelas ante la exposición a la
situación de violencia entre los progenitores (FALCÓN CARO, 2008;
ECHEBURÚA Y CORRAL, 2010). Los problemas emocionales o de conducta
están relacionados, entre otras cuestiones, con la ansiedad, depresión,
aislamiento, fracaso escolar y conductas agresivas especialmente con
compañeros de escuela y con la madre víctima de violencia. Los resultados de
uno de los pocos estudios cualitativos sobre violencia entre parejas
adolescentes publicados en España también son reveladores. SAMANIEGO
GARCÍA Y FREIXASFARRÉ (2010) sacaron a la luzque al tiempo que existe
dificultad de los jóvenes identificaren cuando se producen actos de violencia
dentro de una relación afectiva sus testimonios indican no ser infrecuente que
los noviazgos incluyan actos de violencia psicológica, física y sexual.
Por todo ello, defendemos que el énfasis debe colocarse en la
prevención anticipada de la situación violenta (CORRAL, 2009; ECHEBURÚA
Y CORRAL, 2010; PAZ RODRÍGUEZ, 2012). La implementación de
programas preventivos con base en marcos teóricos sólidos, como parece
323
ofrecer las teorías de las masculinidades, pueden contribuir de forma decisiva
a la evitación de la violencia de género entre adultos (GADD, 2002; 2013).
Epílogo
324
coordinación entre el sistema de policía y de justicia para la persecución de los
casos de violencia. La estructura social y cultural, o sea, el sistema de actitudes
y creencias en orden social e institucional (macrosistema)por su vez exige un
trabajo de cambios de actitudes y alternativas, sea para permitir la resolución
de conflictos de forma positiva, sea para abolir estereotipos descalificadores.
En resumen, se pretende transformar las actitudes y comportamientos de los
agresores, familias y sociedad con respecto a los roles de género y el uso de la
violencia, circunstancia que requiere esfuerzos dirigidos no solo a los
individuos penados por la justicia sino, sobre todo, aquellos que aún no hayan
pasado por un proceso judicial (LILA, GARCÍA Y LORENZO, 2010).
Hoy ya es posible constatar que algunas instancias oficiales adoptan el
marco ecológico y consecuentemente promocionan una mayor y mejor
investigación de estrategias de control informal que inhiban las violencias
perpetradas entre íntimos (véase la OMS, 2003; 2003a). Conscientes de que
los resultados de estas estrategias son difíciles de ser comprobados en el plan
empírico, pero sin distanciarnos de esta línea anticipada de actuación,
creemos que el conocimiento de algunas iniciativas europeas de carácter
preventivo para el público menor de edad y la “oxigenación” de los marcos
teóricos según la literatura más actualizada sobre el tema al menos
demuestran cuán utópico es pensar que la violencia empieza después del
matrimonio, que puede ser explicada de forma simplista o que la Justicia
logrará resolverla. El jurista prudente y sensible a las cuestiones de género no
pueden ignorar ni desconocer esta realidad.
325
Referencias
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violencia de pareja”. En GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio (Ed.).
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STRAUS, Murray A. “The Controversy over Domestic Violence by Women:
A Methodological, Theoretical, and Sociology of Science Analysis.” En
ARRIAGA, Ximena B.; OSKAMP, Stuart.(Eds.). Violence Intimate
Relationships. 1a ed. Thousand Oaks, CA: Sage, 1999. pp. 17-44
335
_______. Perspectivas europeas para una criminología critica. Memoria
Criminológica, Numero 8. Buenos Aires: B de F, 2011. 436 p. ISBN
9789974676749.
336
Notas de fim
[1] Pese a los esfuerzos para precisar lo que es la prevención del delito como
área de intervención política y campo de investigación científica su definición
sigue siendo ambigua y marcada por un profundo debate político e
ideológico. Para una discusión más afondo y muy actualizada consultar
MEDINA-ARIZA (2011).
337
se destaca la premisa básica de describir jerarquías de dominación
relacionando el género con múltiplos e interactivos sistemas de opresión
(GARDINER, 2005). No obstante, la relación entre feminismos y teorías de la
masculinidad no ha sido pacífica y por lo general las feministas ridiculizan
dicho marco teórico. Sobre el análisis y la construcción de la masculinidad en
la sociedad contemporánea y el desarrollo de las teorías feministas consultar
GARDINER (2002; 2005).
338
Sobre os autores
340
Jackson da Silva Leal
Graduado em Direito na Universidade Católica de Pelotas (UCPel),
advogado inscrito na OAB/RS; Mestre em Política Social (UCPel);
doutorando em Direito (UFSC); bolsista-pesquisador de doutorado CNPq;
membro da Universidade sem Muros (UFSC)
341
Marcelo Mayora Alves
Graduado em Direito, mestre em Ciências Criminais (PUC/RS); doutorando
em direito (UFSC) professor substituto (UFSC) pesquisa do Instituto
Criminologia da Alteridade (ICA) e membro do grupo de extensão
Universidade Sem Muros (USM-UFSC);
Mariana Garcia
Graduada em Direito; mestranda em Direito (UFSC); pesquisadora do
Instituto Criminologia da Alteridade; e membro do grupo de extensão
Universidade Sem Muros (USM-UFSC).
342
Rosane Leal da Silva
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Professora Adjunta do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa
Maria e do Centro Universitário Franciscano, ambos em Santa Maria (RS).
Líder do Grupo de Pesquisa Teoria Jurídica no Novo Milênio, da UNIFRA e
do Grupo de Pesquisa Núcleo de Direito Informacional, da UFSM. Integra,
na condição de pesquisadora, o Núcleo de Estudos Sociais e Jurídicos da
Criança e do Adolescente (NEJUSCA), na UFSC. Coordena o Núcleo de
Direito Informacional, do Curso de Direito da UFSM.
Sheila Stolz
Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande –
FADir/FURG, Rio Grande/RS. Mestre em Direito pela Universitat Pompeu
Fabra – UPF, Barcelona, Espanha. Doutoranda em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC/RS. Coordenadora
Geral do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos –
NUPEDH/FURG.
343
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
Organizadores da coleção:
SHEILA STOLZ
CARLOS ALEXANDRE MICHAELLO MARQUES
CLARICE GONÇALVES PIRES MARQUES