3843 Violenciadomestica
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Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria
URL: http://www.ipea.gov.br
JEL: I3; J7; H31.
DOI: http://dx.doi.org/10.38116/td2633
SUMÁRIO
SINOPSE
ABSTRACT
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................7
4 METODOLOGIA......................................................................................................19
5 RESULTADOS..........................................................................................................33
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................42
REFERÊNCIAS...........................................................................................................43
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTATAR...........................................................................48
SINOPSE
A violência contra a mulher ocorre predominantemente no contexto familiar e doméstico.
A pandemia de Covid-19 (Sars-COV-2) levou o Brasil a recomendar e, por vezes, impor o
distanciamento social, com fechamento parcial de atividades econômicas, escolas e restrições
de eventos e serviços públicos. Com isso, houve intensificação da presença das famílias na
sua própria residência. Há indícios preliminares de que a convivência mais intensa gerou
aumento nos casos de violência doméstica, ao mesmo tempo que pode ter coibido acesso a
redes e serviços públicos e causado privação de informação e ajuda. Propomos um modelo
baseado em agentes (ABM), denominado VIDA (VIolência DomésticA), no intuito de
ilustrar e examinar fatores multicausais que influenciam eventos geradores de violência.
A formalização dos efeitos permite testar presença ou ausência de sistemas de dissuasão e
aumento da intensidade da permanência no domicílio. A parte central do modelo reflete a
criação de um indicador de stress, multicausal, que funciona como probabilidade de ocor-
rência de ataque à mulher no ambiente familiar. Ao mesmo tempo, foi implementado um
sistema de dissuasão baseado em denúncia, solicitação de proteção e acusação do agressor.
VIDA foi calibrado para os números de notificações de violência coletados pelo Senado
Federal para 2011. Após a análise de sensibilidade, dois testes são realizados: i) a ausência
ou a presença do sistema de dissuasão; e ii) a quarentena forçada. VIDA apresenta ordens de
magnitude por áreas de concentração e áreas de ponderação (APs) para esses testes. VIDA
indica que a quarentena pode ter aumentado a violência contra a mulher em cerca de 10%.
Os resultados das simulações com VIDA sugerem ainda que locais mais populosos
apresentam comparativamente menos ataques por 100 mil mulheres do que capitais
menos populosas ou áreas rurais das concentrações urbanas. As contribuições do traba-
lho incluem a formalização de um modelo de violência doméstica por meio de mode-
lagem baseada em agentes, ao que parece, inexistente na literatura, que ilustra fatores
socioeconômicos, demográficos, educacionais, de gênero e cor, com dados detalhados
no nível intraurbano e para todas as grandes aglomerações populacionais brasileiras.
Adicionalmente, todo um processo de geração de população artificial para a simulação
foi criada e está disponível, assim como todo o código do modelo, com acesso livre, em
repositório público, na internet.
Palavras-chave: violência doméstica; violência contra a mulher; modelos baseados em
agentes; pandemia; simulação; regiões metropolitanas.
ABSTRACT
Violence against women occurs predominantly in the family and domestic context.
The Covid-19 (Sars-COV-2) pandemic led Brazil to recommend and, at times, impose
social distance, with a partial closure of economic activities, schools, and restrictions
on events and public services. As a result, there was an intensification of the presence of
families in their residence. Preliminary evidence shows that intense coexistence increases
domestic violence. At the same time, quarantine may have prevented access to public
networks and services and deprivation of information and help. We propose an agent-
based model (ABM), called VIDA, to illustrate and examine multi-causal factors that
influence events that generate violence. The formalization of the effects allows testing
the presence or absence of deterrence systems and increasing the intensity of the stay at
home. A central part of the model reflects the creation of a multi-causal stress indicator,
which functions as the probability of an attack occurring in the family environment. At
the same time, a deterrent system based on reporting, requesting protection and accusing
the perpetrator was implemented. VIDA was calibrated for the numbers of notifications
of violence collected by the Federal Senate in 2011. After a sensitivity analysis, two tests
are performed: i) absence or presence of the deterrence system and forced quarantine.
VIDA presents orders of magnitude for Areas of concentration and weighting areas for
these tests. VIDA indicates that quarantine may have increased violence against women
by about 10%. The results of simulations with VIDA suggest that more populated sites
have comparatively fewer attacks per hundred thousand women than less populous
capitals or rural areas of urban concentrations. The paper’s contributions include the
formalization of a model of domestic violence through agent-based modeling, which,
it seems, does not exist in the literature, which illustrates socioeconomic, demographic,
educational, gender and color factors, with detailed data at the intra-urban and for all
major Brazilian population agglomerations. In addition, a whole process of generation
of an artificial population for the simulation was created and is available, as well as all
the model code, with free access, in a public repository, on the internet.
Keywords: domestic violence; violence against women; agent-based models pandemics;
simulation; metropolitan regions.
Texto para
Discussão
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1 INTRODUÇÃO
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Em nota técnica publicada pelo Ipea, as autoras debatem como os fatores que
envolvem as dinâmicas internas da violência doméstica e familiar contra as mulheres são
ampliados pela quarentena, seja pelo acirramento dos fatores que estão na base explicativa
dessa violência – como a desigualdade de gênero, o sistema patriarcal, a cultura machista
e a misoginia –, seja pela incidência de fatores agravantes no contexto da pandemia,
como o isolamento social, o impacto econômico, a sobrecarga do trabalho reprodutivo
às mulheres, o estresse e outros efeitos emocionais, o abuso de álcool e outras drogas e
a redução da atuação dos serviços de enfrentamento (Alencar et al., 2020).
Este Texto para discussão tem como objetivo ilustrar, por meio da simulação de
um modelo baseado em agentes, situações de violência doméstica antes e durante a
pandemia do coronavírus no Brasil, reproduzindo os principais achados da literatura no
que se refere às causas desse fenômeno. Propusemos o modelo denominado VIDA para
compreender os mecanismos da hipótese que sugerem que o aumento da convivência
doméstica se reflete na magnitude da violência. Finalmente, introduzimos medidas de
dissuasão e quarentena, que nos permitiram comparar o modelo-padrão (base) com a
alternativa que inclui medidas de dissuasão. O mecanismo que orienta uma possível
explicação para o incremento dos casos de violência durante a quarentena reside na
diferença dos efeitos de dissuasão em cada coorte, dado que a disponibilidade de meca-
nismos formais (sistema de justiça criminal) e redes informais de controle (comunidade)
se altera durante um período e outro.
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criado o que foi mais tarde conceituado como sociedade artificial (Epstein e Axtell,
1996), a possibilidade de geração de entidades e ambientes que reproduzem o com-
portamento observado na realidade.
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Para isso, pesquisas qualitativas com ofensores e vítimas fornecem evidências rela-
tivas a comportamentos e motivos, enquanto estudos quantitativos ajudam a estabelecer
padrões gerais de comportamento.
O ABM representa um marco nas ciências sociais pelo uso de modelos que tra-
balham no nível individual (Malleson, Heppenstall e See, 2010). Em ABM, agentes
autônomos com poder de decisão têm habilidade de interagir entre si e com o ambiente.
Agentes podem representar indivíduos, grupos de indivíduos e objetos inanimados, tais
como casas ou carros. A partir da interação, cada agente tem habilidade para acessar as
circunstâncias locais próprias (memória, localização etc.) e de outros agentes, bem como do
ambiente. Nesse sentido, a tomada de decisão informada sobre seu curso de ação futura é
baseada em circunstâncias espaciais e temporais, suas, de seus interlocutores e do ambiente.
A metodologia permite que se considerem de forma simultânea as escalas individuais – de
cada agente – e as escalas sociais. Essas relações podem conter entidades ilimitadas, ligadas
por relações desconhecidas ou não lineares, que mudam no tempo e no espaço.
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A revisão da literatura sobre partner abuse perpetration (Rothman, 2018) elenca uma
série de causas e determinantes desse tipo de violência. A discussão parte da definição
do próprio conceito de dating abuse, ora entendido como abuso físico, sexual, verbal e
emocional dirigido a um parceiro presente ou ex-parceiro; o qual ocorre em relaciona-
mentos de pessoas de sexo oposto ou de mesmo sexo (CDC, 2019); não faz distinção
entre o tipo de abuso, sua severidade, as consequências desse ato, a frequência com que
ocorre; nem diferencia o gênero do perpetrador e da vítima. Essa conceituação não
compreende a violência caracterizada por ser crônica, severa, resultando em injúria física
ou sexual, causada por uma pessoa em posição de vantagem em relação à vítima, o que
geralmente caracteriza a violência cometida contra as mulheres em situação doméstica
e tomada pelos movimentos sociais como elemento central em sua definição, dada a
característica de poder e controle – envolvendo o que a literatura chama de terrorismo
patriarcal – do abusador em relação à vítima.
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a polícia responde à violência doméstica. Para este modelo, os abusadores que continuam
suas ações são considerados, em analogia aos criminosos em geral, como reincidentes,
sendo que haveria um tempo suficiente entre cada um dos episódios violentos. Apesar da
contribuição na redução de formas severas de violência, autores questionam se a prisão
e a proteção judicial podem apresentar impacto em uma perspectiva de longo prazo.
A preocupação com explicações causais para a violência entre parceiros íntimos iniciou-se
no século XX, envolvendo diferentes mecanismos, que vão desde teorias psicanalíticas,
passando por explicações de transmissão intergeracional e social learning, até teorias de
background situacional. Bell e Naugle (2008) resenham as principais teorias de violência
entre parceiros íntimos (IPV), apresentando variáveis de interesse e limitações teóricas.
As principais explicações englobam tanto a ideia de que a frustração em uma área da vida
1. No original: “this gap between what the law defines as the crime of domestic violence and the actual tactics abusers use
to subjugate their partner severely limits the efficacy of even the most dedicated and well-trained police”.
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pode levar à agressividade – uma vez que a baixa autonomia em uma área, por exemplo o
trabalho, poderia levar a um processo de compensação de abuso em casa – quanto expli-
cações do papel da infância e seu ambiente na predição de parceiros abusadores futuros,
além de teorias que mesclam explicações de background distal – como as experiências de
abuso na infância, a exposição a agressões interparentais e situações desencadeadoras de
violência, como o consumo de álcool, o ciúme e outros conflitos vivenciados com o par-
ceiro. Os autores avançam propondo um framework, que, partindo das diferentes teorias,
oferece uma análise contextual de IPV e inclui aspectos distais e proximais, propondo
que a perpetração de abuso pode ser explicada por fatores antecedentes, motivadores,
regras verbais e consequências legais e sociais do comportamento violento (Bell e Naugle,
2008). Segundo esses autores, a vantagem desse quadro teórico integrador estaria na
flexibilidade em apresentar pontos comuns entre achados aparentemente contraditórios.
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padrão de rotina, de agressões de baixo nível, é substituído por uma visão de agressões
triviais ou menores, que não parecem justificar uma intervenção séria. A literatura
também aponta que homens que utilizam controle coercitivo sobre as vítimas tendem
a agredir seis vezes mais que homens que usam apenas a violência física. Descrevendo
esse padrão de agressões, metade dos agressores são presos múltiplas vezes, e as vítimas
pedem ajuda também repetidamente.
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Em relação aos feminicídios, pesquisas dão conta de que a maioria dos casos com
desfecho de morte é precedida por episódios de abuso físico (Campbell et al., 2003).
Este mesmo estudo aponta fatores sociodemográficos que contribuem para um alto risco
de feminicídio. Entre eles, encontram-se a falta de emprego e a baixa escolaridade, a
disponibilidade de armas e o uso de drogas ilícitas. Aumentam o risco aspectos como
ter se separado recentemente tendo coabitado com o agressor, assim como ter um filho
de quem o abusador não é pai biológico. As ameaças prévias de morte e as ameaças com
armas apresentam-se como fatores de alto risco para feminicídios. Na pesquisa conduzida
por Campbell et al. (2003), 70% das mulheres vítimas de feminicídio foram abusadas
fisicamente antes das mortes pelo mesmo agressor homicida, sendo que a disponibilidade
de armas aumenta substancialmente a letalidade.
2. FORD, D. A.; REGOLI, M. J. The Indianapolis domestic violence prosecution experiment: final report. Washington, D.C.:
National Institute of Justice United States, 1993.
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Por outro lado, uma prisão anterior por violência doméstica diminui o risco de
um feminicídio cometido por aquele agressor, assim como a ampliação de oportunidades
de emprego e a prevenção ao abuso de substâncias, e a restrição de acesso às armas pode
prevenir e diminuir o risco de feminicídios. Respostas adequadas por parte do sistema
de justiça, para além da prisão, também contribuem com a prevenção aos feminicídios
(Campbell et al., 2003).
Estudos mais recentes têm distinguido o risco letal da violência cometida por par-
ceiros íntimos (intimate partner violence – IPV) da violência doméstica e familiar (DFV).
A predição de cada um desses tipos de violência apresenta números e causas distintos.
Para Ferguson e McLachlan (2020), muitas ferramentas para acessar risco são desenhadas
para predizer a violência e sua escalada, incluindo revitimização e ofensas reiteradas, não
necessariamente para predizer homicídios. Enquanto a IPV é consistentemente apontada
como um dos fatores de alto risco para feminicídios, os fatores de risco podem não ser
os mesmos – por exemplo, o uso e o abuso de drogas e álcool, cuja prevalência é muito
maior nos casos de violência física do que na predição dos feminicídios (Ferguson e
Mclachlan, 2020). Por outro lado, ter posse de arma aumenta o risco de feminicídios
em 1000%, mas tamanho risco não estaria confirmado em casos de violência doméstica.
Assim como as características da relação, a presença de crianças, o status marital e a dura-
ção do relacionamento não parecem ser fatores de risco significantes para feminicídios,
embora possam contribuir para o risco da violência íntima.
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O modelo proposto por Smith (2019) inclui oito sequências que envolvem uma
história de pré-relacionamento (cujas agressões podem ser conhecidas por meio de
registros policiais ou pelos relatos de ex-parceiros); início do relacionamento (marca-
do por declarações de amor, possessividade e ciúme); relacionamento (dominado por
controle coercitivo); gatilhos (ameaças ao controle do agressor, geralmente causadas
por um evento como separação ou iminência de, por doença física e mental ou por
problemas financeiros); escalada da violência (aumento na frequência e na severidade
das táticas de controle); mudança de pensamento (sentimento de vingança, injustiça
ou humilhação podem levar a uma decisão de matar); planejamento (compra de ar-
mas, busca de oportunidades para deixar a vítima sozinha, perseguição e ameaças); e
homicídio (podendo envolver violência extrema, mortes suspeitas, desaparecimentos
e múltiplas vítimas).
4 METODOLOGIA
3. ABMs, do inglês: agent-based models. Referimo-nos a ABM como a modelagem baseada em agentes, a metodologia, e
ABMs aos modelos criados a partir da metodologia.
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Epstein e Axtell (1996), na sua elaboração seminal, sintetizam ABMs como a aná-
lise das funções de transformação de agentes e do ambiente como resultado da interação
entre agentes e ambiente no presente. De forma rigorosa, o conceito de Epstein e Axtell
pode ser representado pela seguinte dupla de equações:
;e
Todos esses aspectos podem ser extremamente custosos para modelos matemáticos
que exigem soluções analíticas. ABMs, por sua vez, podem ser resolvidos numericamente
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Os setores fornecem número de pessoas, por gênero e por idade, as quais são
agregadas por áreas de ponderação. Adicionalmente, são utilizadas as cinco cores-padrão
informadas no Censo: branca, preta, amarela, parda e indígena. Finalmente, os setores
informam ainda os parâmetros (média e variância) para distribuição normal da distri-
buição de salários e tamanho da composição da família. A amostra do Censo fornece
os anos de instrução.
VIDA usa dados oficiais do Censo Populacional do IBGE 2000 e 2010, por áreas
de ponderação, para estimar um dado número de famílias, escolhido pelo modelador.
A partir da escolha do número de famílias para uma RM6 específica, entre as 46 dispo-
níveis, e do número médio de membros por família (escolhido pelo modelador em 2000
e referente à média típica por área de ponderação em 2010), tem-se o número estimado
de pessoas a serem amostradas daquela RM.
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O ponto de partida do indicador é o gênero, com contribuição mais alta para ho-
mens (quadro 1). Na sequência, o salário é adicionado ao indicador, de forma que maiores
salários aumentam menos o stress e salários menores contribuem mais para o indicador.
O montante salarial total da família, ou seja, a soma dos salários dos adultos em-
pregados, atua como proxy para renda familiar e também atua de forma inversa. Quanto
maior a massa salarial familiar, menor o indicador. Finalmente, o salário familiar per capita7
é dependente do número de membros da família e serve como proxy para (des)conforto
doméstico, de forma que salários per capita maiores aumentam menos o indicador.
1) Possuir menos que seis anos de estudo impactaria de forma mais relevante (60% a
mais) o indicador e quanto maior o número de anos de estudo, menor o impacto.
De acordo com esta hipótese, anos de estudo são adicionados ao indicador.
7. Nesse caso, poderíamos ter utilizado o indicador de densidade ocupacional. Esses dados, porém, provêm da base de do-
micílios e da composição de várias famílias – que possam ser simuladas inúmeras vezes. São originários, de forma aditiva,
de cada um de seus integrantes, a partir da base de pessoas do Censo.
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QUADRO 1
Fatores constituintes do indicador de stress
Indicadores de stress Valores Padrão Observações Relevância
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(Continuação)
Indicadores de stress Valores Padrão Observações Relevância
Cor da mulher Incremento de 30% se negra - Censo 2010/IBGE -
Mercado de trabalho 1 se trabalha Padrão=0,80 Definido pelo modelador Média
Chance de alterar status no
- Padrão=0,05 Definido pelo modelador -
mercado de trabalho
Chance de alterar o salário
(positivo ou negativo) na - Padrão=0,05 -
recolocação
0,67 se não trabalha, 0,34 se
Permanência em casa - Endógeno Média
trabalha
Definido pelo modelador
Acesso a armas de fogo 1 acesso, 0 sem acesso Acesso=0,10, sem acesso=0,90 Alta * Alta
(distribuição uniforme)
1 dependente, 0 não depen- Dependente=0,10, Não- Definido pelo modelador
Dependência química Alta, aleatória
dente -dependente=0,90 (distribuição uniforme)
1 – (número agressões ante-
Histórico de agressão - Endógeno Alta
riores/10)
Elaboração dos autores.
Obs.: Escala do modelo refere-se ao fator de ajuste da magnitude dos números e à semelhança com números empíricos observados.
Uma vez iniciado o modelo, avançam-se quantos passos se desejar. A título ilustra-
tivo, utilizamos dez passos como padrão para o modelo. Nesse ponto, o ritmo de stress
dos agentes e das famílias já apresenta valor informativo para análise.
A cada passo, a plataforma computacional na qual VIDA foi construído – mesa8 – escolhe
aleatoriamente agentes e executa o comando step() para cada um deles. Na prática, portanto, a cada
passo do modelo, todos seus agentes, de forma aleatória, executam seu próprio comando step()
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9. "A pesquisa também procurou avaliar o limite da mulher agredida. As entrevistadas que disseram já ter sofrido algum
tipo de violência, foram questionadas: após quantas agressões elas procuraram ajuda? Os resultados: 36% disseram ter
procurado ajuda na primeira agressão, mas 29% confessaram não ter procurado qualquer ajuda; 24% pediram ajuda após
a terceira agressão, 5% na segunda e 5% preferiram não responder” (Senado Federal, 2011, p. 4).
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Com relação aos testes de política, VIDA testou ainda especificamente duas alter-
nativas de políticas públicas: a existência de quarentena e a oferta de políticas públicas
de dissuasão, ambas detalhadas na subseção 4.8.
FIGURA 1
Exemplo da interface do modelo¹
Nota: ¹ P arâmetros passíveis de alteração à esquerda; representação do nível de stress das famílias no grid; e gráfico do número de vítimas, agressores e pessoas abaixo.
Um gráfico com os indicadores globais de stress também é apresentado.
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4.6.1 Quarentena
A implementação é bastante simples. Na simulação do modelo com imposição de
quarentena, o componente do indicador de stress se torna 1 sempre, substituindo os
parâmetros de 0,67, para quem não trabalha, e 0,34, para quem trabalha. Ou seja, há
aumento na ponderação do indicador de stress, uma vez que as famílias permanecem
mais tempo em casa e há, portanto, intensificação da convivência.
4.6.2 Dissuasão
A dissuasão e o acesso a medidas de proteção foram implementados de forma paulatina.
De um lado, a vítima solicita acesso ao sistema. De outro, a resposta do sistema reduz
a probabilidade de novas agressões.
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5 RESULTADOS
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O indicador de stress por gênero (fixo em 0,20 para mulheres e variando para os
homens entre 0,10 e 0,90) influencia pouco nos resultados de aumento de ataques e
denúncias, com aumento percentual entre o menor e o maior valor de 2,24% nos ataques
e de 2,48% para denúncias.
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TABELA 1
Análise de sensibilidade dos parâmetros escolhidos pelo modelador
Indicador Ataques Denúncias
Stress de gênero
12. Os resultados podem ser replicados se rodar o arquivo “read_output.py”, disponível no diretório, junto com as tabelas
das simulações realizadas.
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TABELA 2
Resultados de testes de políticas
Dissuasão Quarentena Ataques por mulher Denúncias por mulher
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GRÁFICO 1
Ataques por áreas de concentração da população¹ do IBGE
(Em % por 100 mil mulheres)
Os dados simulados sugerem que as RMs maiores, mais ricas, teriam propor-
cionalmente menos ataques às mulheres do que capitais e RMs com populações totais
menores, de acordo com o modelo VIDA ilustrado.
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Estudos têm dado atenção especialmente a essa dinâmica territorial, a qual pos-
sibilita verificar uma difusão dos homicídios pelo território nacional – marcada pelo
crescimento das taxas nas regiões Norte e Nordeste – e uma redução considerável das
taxas no Sudeste. Quando o foco de análise se desloca para o tamanho dos municípios,
verifica-se uma diminuição geral dos homicídios nos municípios grandes – com mais de
500 mil habitantes – e um aumento nos municípios médios – entre 100 mil e 500 mil
habitantes – e pequenos – com menos de 100 mil habitantes (Cerqueira et al., 2013).
Nossos dados de agressores e agressões de violência doméstica revelam o mesmo padrão,
bem como uma menor representatividade das RMs das regiões Sul e Sudeste, as quais,
quando aparecem, são de RMs com cidades menores e no interior.
Outro elemento explicativo importante que pode incidir sobre os dados da simula-
ção refere-se à infraestrutura disponível nas RMs para prevenção e coibição da violência
doméstica. Em estudo com capitais brasileiras, construímos um indicador de capacidade
estatal em segurança pública (Madeira et al., 2018) que revelou – a partir de dados da
Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), do IBGE, para os anos 2006, 2012
e 2016 – a carência de estruturas de segurança pública nos municípios brasileiros, cujo
percentual, ao longo de uma década, não ultrapassava os 22% (22,1% em 2006; 22,9%
em 2012; e 22,7% em 2014). O estudo constatou, ainda, que as desigualdades eram
mais brutais quando os municípios eram analisados por faixas de habitantes, as quais
revelavam que os melhores cenários estavam entre os municípios maiores (naqueles com
mais de 500 mil habitantes, o percentual de estruturas de segurança atingia entre 86%,
em 2006, e 97%, em 2014; naqueles com 100.001 a 500 mil habitantes, o percentual
de estruturas era de 70%, 78% e 85%, em 2006, 2012 e 2014, respectivamente); as
posições intermediárias estavam entre os municípios médios (naqueles com 50.001 a
100 mil habitantes, o percentual era de 43%, 50% e 57%, no mesmo período; já em
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municípios com 20.001 a 50 mil habitantes, o percentual era de 27%, 32% e 31%); e
um quadro ainda mais precário entre os pequenos municípios (naqueles com 10.001 a
20 mil habitantes, para o mesmo período, o percentual era de 22%, 19% e 17%; nos
de 5.001 a 10.000 habitantes, era de 15%, 13% e 10%; e em municípios com até 5 mil
habitantes, os percentuais eram inferiores a 10% nos três anos). No caso da violência
doméstica, a pouca presença de infraestrutura nessas regiões de maiores agressões pode
ajudar a explicar os achados e a pouca redução promovida pela dissuasão sobre os casos.
No caso da RM de Porto Alegre, o gráfico apresenta ataques por 100 mil mulheres,
divididos em cinco grupos de cidades, de acordo com os níveis de incidência.
FIGURA 2
Simulações de ataques a mulheres para a área de concentração de população de Porto
Alegre no âmbito das áreas de ponderação do IBGE¹
-51,750000 -51,500000 -51,250000 -51,000000 -50,750000
,750000
PORTAO
SAO LEOPOLDO
-29
-29
NOVA SANTA RITASAPUCAIA DO SUL
ESTEIO
GRAVATAI
CANOAS
CACHOEIRINHA
,000000
,000000
ALVORADA
-30
-30
ELDORADO DO SUL
PORTO ALEGRE
VIAMAO
GUAIBA
,250000
,250000
-30
-30
Porto Alegre
Ataques por cem mil mulheres
104,54 - 120,81
120,82 - 127,86
127,87 - 133,89
,500000
,500000
133,90 - 143,88
-30
-30
10 5 0 10
143,89 - 155,09 km
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FIGURA 3
Simulações de ataques a mulheres para a área de concentração de população de Brasília
no âmbito das áreas de ponderação do IBGE¹
-48,500000 -48,250000 -48,000000 -47,750000 -47,500000 -47,250000
-15,250000
-15,250000
-15,500000
-15,500000
PLANALTINA
SOBRADINHO
BRAZLANDIA
-15,750000
-15,750000
LAGO NORTE
NOROESTEBRASILIA
AGUAS LINDAS DE GOIAS
CRUZEIRO PARANOA
CEILANDIA
GUARA I SUDOESTE
TAGUATINGA
GUARA II
CANDANGOLANDIA
RIACHO FUNDO SAO SEBASTIAO
NUCLEO BANDEIRANTE
SAMAMBAIA
RECANTO DAS EMAS
-16,000000
-16,000000
GAMA
-16,250000
120,96 - 125,84
LUZIANIA
125,85 - 130,84
10 5 0 10
130,85 - 141,91 km
Esse exercício pode ser replicado para todas as regiões. Com a utilização de dados
da realidade, há a possibilidade de estudar APs específicas. Isso permite simular a distri-
buição geoespacial dessa violência, o que contribui para os processos de formulação de
políticas públicas de combate à violência doméstica.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Texto para
Discussão
Vida: simulando violência doméstica em tempos de quarentena
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BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTATAR
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Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
EDITORIAL
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Assistentes da Chefia
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por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria
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