Vol II CAPÍTULO 04 Texto Tanamachi, Asbahr e Bernardes

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CAPÍTULO 4

TEORIA, MÉTODO E PESQUISA NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

Elenita de Rício Tanamachi


Flávia da Silva Ferreira Asbahr
Maria Eliza Mattosinho Bernardes

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, apresentamos uma síntese das discussões realizadas pelo grupo de
estudos do LIEPPE (Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisas em Psicologia
Escolar), sediado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Nesse grupo,
desde 2003, estudamos a obra de Vigotski com base no referencial teórico do próprio autor,
ou seja, segundo a compreensão do método materialista histórico dialético.
Como sabemos, muitas discussões sobre a obra vigotskiana 1 no Brasil e no exterior
apresentam uma visão fragmentada de sua produção, enfocando parte da obra ou apenas
alguns de seus conceitos. Perde-se, assim, a compreensão da totalidade do projeto vigotskiano
de construção de uma nova Psicologia, de uma ‘psicologia concreta do homem’ (VIGOTSKI,
2000a). Procurando superar esse entendimento reducionista da Psicologia Histórico-Cultural,
defendemos que não é possível estudar Vigotski sem entender o método materialista histórico
dialético no qual está fundada sua concepção de homem e de ciência. Concordamos com
Duarte (2001, p. 78) quando afirma: “para se compreender o pensamento de Vigotski e sua
escola, é indispensável o estudo dos fundamentos filosóficos marxistas dessa escola
psicológica”.
Segundo a tese que orienta e organiza o trabalho do grupo, o método materialista
histórico dialético é o diferencial da teoria histórico-cultural porque permite explicar a

1
Referimo-nos não só à obra de Vigotski, mas à de toda a escola denominada Psicologia Histórico-Cultural, o
que inclui os nomes de Luria, Leontiev, Galperin, Elkonin e Davidov, entre outros autores soviéticos.

1
realidade e as possibilidades concretamente existentes para sua transformação. A finalidade
deve ser a superação das condições ou circunstâncias particulares de objetivação/apropriação
alienada no sentido da humanização, ou seja, no sentido da constituição da emancipação2 dos
indivíduos.
Torna-se fundamental ressaltar esta tese especialmente no momento atual em que
qualquer explicação advinda desses fundamentos teórico-metodológicos para os temas da
sociedade, da economia, da história, das ciências, da educação e da psicologia é relativizada
ou considerada inadequada, ultrapassada e até mesmo ideológica 3.
Outro movimento de desconsideração desses pressupostos relaciona-se à questão da
atualidade do pensamento de Marx. Argumenta-se que o método em foco só cabe para as
análises desenvolvidas no período histórico vivido por seu propositor e, como as experiências
socialistas na ex-URSS e no leste europeu fracassaram, o método marxiano não responderia
mais aos desafios colocados pelo capitalismo global. Quanto a esse aspecto, consideramos,
juntamente com Saviani (2008), que uma filosofia é viva enquanto der conta de expressar a
problemática que a suscitou e, nesse caso, torna-se evidente que o capitalismo não conseguiu
responder às questões colocadas por Marx, assim como o socialismo real não expressa a
concepção socialista desse autor.
Outra questão fundamental, já no âmbito da academia, é a instituição do pensamento
empírico e a ênfase na dimensão epistemológica do conhecimento. Com isso, a universidade
perde sua principal referência, ou seja, o conhecimento em todas as suas dimensões, a
ontológica, a gnosiológica, a lógica e a epistemológica, às quais responde o método aqui
referido.
Feita esta introdução, apresentaremos nossas sínteses de estudo conforme três
discussões centrais: as categorias do método materialista histórico dialético na Psicologia
Histórico-Cultural, as proposições de Vigotski para transformar o método de Marx no
‘capital’ que falta à Psicologia e as consequências desse estudo para nossas atividades teórico-

2
Tem-se utilizado com frequência o termo constituição da subjetividade quando o objetivo da Psicologia
Histórico-Cultural é explicar a constituição e o desenvolvimento do psiquismo humano, sob o pressuposto do
processo de humanização. Considerando-se que a lógica do materialismo histórico pressupõe a relação dialética
do singular-particular-universal, acreditamos que não se trata da constituição da subjetividade, mas da
apropriação por indivíduos singulares daquilo que o gênero humano elaborou, tendo a relação indivíduo-
sociedade como mediadora desse processo. Trata-se, portanto, da constituição da condição universal nos
indivíduos singulares, como marca do processo de humanização no movimento de constituição da personalidade.
3
É usual ouvirmos que o materialismo histórico dialético é uma concepção tão ideológica quanto qualquer outra
concepção científica. No entanto, o conceito de ideologia usado nessa desqualificação do marxismo refere-se a
um conceito de senso comum, desconsiderando-se, na perspectiva de Marx, que o pensamento ideológico é
aquele que visa dissimular a dominação de uma classe sobre a outra por meio do ocultamento de uma situação
particular conferindo-lhe aparência de universal.

2
práticas, especialmente no âmbito da pesquisa.

CATEGORIAS DO MÉTODO MATERIALISTA HISTÓRICO DIALÉTICO NA


PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL

A primeira e principal categoria a ser considerada é o trabalho como atividade


mediadora central no processo de humanização. Entende-se por trabalho a atividade vital
humana, em seu sentido universal e não em sua expressão particular atual, a sociedade
capitalista, na qual o trabalho se identifica como atividade geradora de mais-valia.
Segundo Marx (1983), o trabalho, entendido como atividade adequada a um fim, é o
que fundamentalmente nos faz humanos. O homem, mediante suas necessidades, propõe
objetivos e planeja ações para concretizá-los e, nesse movimento, transforma a natureza e se
autoproduz, constitui-se como humano, isto é, torna o que foi apropriado da natureza em
órgãos da sua individualidade, transformando as leis essenciais da natureza em objeto e
condição de sua vida (MARX, 1983). O autor sintetiza a categoria trabalho como primado
ontológico para a compreensão da humanização do homem e afirma:

[...] o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em


que o homem, por sua própria ação, media [sic], regula e controla seu
metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural
como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais
pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de
apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua vida. Ao atuar, por
meio desse movimento sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele
modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 1983, p. 149)

O trabalho, tomado como categoria que faz a mediação entre o homem e a natureza, é
concebido como o fundamento da vida social. Constitui condição universal, ineliminável, de
humanização; já a condição de trabalho alienado é eliminável, porque é fruto de uma
circunstância econômica e social e, portanto, não pode ser entendida como necessidade vital
humana e sim como meio de produção que se objetiva em determinadas situações
particulares.
Leontiev (1978), ao se reportar às teses marxianas referentes ao processo de
hominização, entende que a passagem à vida em sociedade se dá por meio do trabalho e que a
vida social modifica a natureza do próprio homem. As leis biológicas que regiam a vida antes
do processo de hominização são substituídas, então, por leis sócio-históricas, ou seja, no
movimento de se tornar homem pelo trabalho, como atividade vital, as condições materiais e
os meios de subsistência são transformados tanto quanto as próprias condições de existência

3
do homem como ser social. Esse movimento de transformação interna e externa do homem é
histórico.
Tem-se, assim, outra categoria do método materialista histórico dialético: o caráter
material da existência humana. Nessa perspectiva, o modo de produção da existência se torna
elemento explicativo e constitutivo do processo de humanização. As relações de produção são
a base das relações sociais e, portanto, determinam a forma e o conteúdo da relação entre os
homens. Novamente, recorremos a Marx (1989b) para explicar essa relação entre os modos de
produção e o processo de constituição da vida humana.

Na produção social da própria existência, os homens entram em relações


determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, estas relações de
produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas
forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se
eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem
determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser
social que determina a sua consciência. (MARX, 1989b, p. 233)

O ser social, dessa forma, é entendido como sujeito e como objeto das atividades
humanas. Ao mesmo tempo em que produz suas condições de existência por meio de
instrumentos que transformam a realidade objetiva, o homem é transformado pelas condições
criadas. Surgem, assim, novas necessidades e novas condições materiais de existência. Este
movimento é constante e dialético, ou seja, institui-se em um processo histórico de
transformação das condições objetivas de existência.
O caráter histórico do desenvolvimento humano configura-se como outra categoria,
advinda da concepção marxiana que orienta a obra de Vigotski. Segundo Shuare (1990), as
mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças na consciência e no
comportamento humano, exigindo que se considere a historicidade como a dimensão
essencial da formação do psiquismo humano.

Aqui temos, então, a primeira geração conceitual a partir do historicismo: o


tempo humano é história tanto na vida individual como social; nesta última,
como história do desenvolvimento da sociedade, a atividade produtiva
(transformadora) dos homens é o ponto nodal para compreender o processo
(SHUARE, 1990, p. 60, tradução nossa) 4.

4
Texto original: "Aquí tenemos, entonces, la primera generación conceptual a partir del historicismo: el tiempo
humano es historia tanto en la vida individual como social; en esta última, como historia del desarrollo de la
sociedad, la actividad productiva (transformadora) de los hombres es el punto nodal para comprender el proceso"
(SHUARE, 1990, p. 60).

4
Ao considerar o trabalho, o caráter material da existência humana e a historicidade
como categorias ontológicas para a compreensão do processo de humanização em uma
perspectiva marxista, não podemos deixar de enfocar a lógica dialética como lógica de
conhecimento e de explicação da realidade, peculiar ao materialismo histórico dialético e à
obra de Vigotski. Entendemos como lógica dialética o processo de conhecimento sobre a
realidade que permite reconhecer o movimento e as contradições nas relações entre os homens
e em suas formas de organização, ou, como salienta Vigotski (1996, p. 393): “a dialética
abarca a natureza, o pensamento, a história: é a ciência em geral, universal ao máximo”.
A lógica dialética materialista e histórica permite captar o movimento da realidade, pois
pressupõe as leis da realidade transformadas em leis do pensamento, tendo como categorias a
universalidade e a mediação, a contradição, a negação da negação e a transformação da
quantidade em qualidade. Assim, as leis do pensamento são as formas psíquicas do reflexo da
realidade, ou seja, são a apropriação do real pelo pensamento e sua transformação em ideal no
psiquismo humano, mediado pelas significações compartilhadas socialmente. Para a lógica
dialética, o processo de conhecimento ocorre por meio de dois movimentos: do real concreto
ao abstrato, por meio de conceitos, categorias, relações gerais, e do abstrato ao concreto no
pensamento como uma “[...] rica totalidade de determinações e relações diversas” (MARX,
1989c, p. 410).
A lei universal do desenvolvimento do conhecimento humano pauta-se no movimento
do sensorial/concreto ao concreto por meio do pensamento, mediado por significações sociais,
abstrações produzidas no movimento de compreensão da realidade pelo homem. Esta é uma
característica da constituição dos indivíduos, uma vez que configura a dimensão ontológica de
sua formação humana.
A lógica dialética pressupõe a relação singular-particular-universal em qualquer
dimensão da produção humana (OLIVEIRA, 2005). No caso da constituição do gênero
humano, o singular é entendido como o indivíduo que, para se emancipar, precisa se
relacionar com os bens materiais e intelectuais produzidos pelo conjunto dos homens.
O universal é o gênero humano que, quando objetivado e apropriado pelos homens
individualmente, constitui-se como meta máxima de humanização. Esta é a condição
ineliminável, a possibilidade de emancipação pela apropriação da produção humana e não
pela condição de submissão às circunstâncias de exploração do homem pelo homem.
O particular é o elemento mediador, a sociedade, as circunstâncias por meio das quais
os indivíduos singulares relacionam-se com o gênero. São as condições instituídas

5
historicamente que dão forma e conteúdo ao relacionamento do indivíduo com o gênero
humano. O particular não representa o gênero humano, mantém deste apenas a parte
necessária para validar o movimento de exploração; no entanto, em razão do processo de
alienação, é tomado como sendo o gênero, a categoria geral. Na sociedade de classes, o
particular é alienante e alienador; a emancipação é entendida como emancipação meramente
política, a liberdade é a de mercado e a adaptação é o princípio fundamental nas condições
particulares.
Aqui se faz necessário discutir a alienação como a condição de todos os indivíduos no
modo de produção capitalista. Marx (1989a) ressalta o modo de produção atual como
produtor da miséria do trabalhador e denuncia as formas pelas quais os indivíduos são
separados dos produtos de seu próprio trabalho, tanto na produção quanto na execução da
atividade. Nesse processo, ocorre ainda um distanciamento do indivíduo de si mesmo e dos
outros homens, expresso na relação com o conjunto das atividades produzidas no nível do
gênero humano. Portanto, as categorias aqui apresentadas devem ser consideradas não apenas
em sua dimensão universal, humano-genérica, mas também em sua expressão particular. É
nessa dialética do singular-particular-universal que se pode compreender que a relação do
indivíduo com o gênero humano é mediada pelo processo de alienação instituído
historicamente em nossa sociedade e, assim, pensar sobre as possibilidades concretamente
existentes para a superação dessa condição.
No contexto do conhecimento, essa relação dialética do singular-particular-universal
requer atenção às dimensões ontológica (condições históricas e universais de constituição da
atividade humana), gnosiológica e epistemológica (teorias que explicam, respectivamente, a
origem do conhecimento em geral e do conhecimento científico) e lógica (como se
desenvolve o pensamento).
A atenção a essas dimensões do conhecimento e ao movimento expresso pela relação
dialética do singular-particular-universal permitiu que os psicólogos russos propusessem a
Psicologia Histórico-Cultural, cuja finalidade seria superar as teorias psicológicas
hegemônicas de sua época.

AS PROPOSIÇÕES DE VIGOTSKI PARA TRANSFORMAR O MÉTODO DE MARX


NO ‘CAPITAL’ QUE FALTA À PSICOLOGIA

Em uma de suas mais importantes obras, O significado histórico da crise da Psicologia


– uma investigação psicológica, escrita em 1927, Vigotski (1996) identificou e buscou

6
compreender o que chamou de crise da Psicologia. Ao investigar as diversas tentativas de
explicação do fenômeno psicológico de sua época, tais como a reflexologia, a Gestalt e a
Psicanálise, o autor constatou a impossibilidade de se formular uma Psicologia Geral por
essas teorias, ou seja, tanto as concepções idealistas quanto as mecanicistas não davam conta
de explicar o fenômeno psicológico em sua totalidade. Defendendo a tese de que a crise da
Psicologia se caracterizava como uma crise metodológica que só poderia ser superada por
meio de uma metodologia científica com embasamento na história, propôs a construção de
uma Psicologia de base marxista.
Vigotski tinha clareza de que o sistema categorial e o caráter do conhecimento são
diferentes na filosofia e na ciência psicológica, portanto não era possível simplesmente se
apropriar dos conceitos marxistas e usá-los diretamente na ciência psicológica, sobrepondo os
postulados filosóficos aos dados científicos. O pesquisador criticava as apropriações
anteriores do materialismo histórico dialético pela Psicologia, pois muitas delas aplicavam tal
teoria de forma mecânica, com base em uma compreensão superficial das teses marxistas e
desconhecendo sua importância para a ciência psicológica, o que produzia concepções
reducionistas, como as de Básov, Blonski e Kornilóv (SHUARE, 1990).
Uma das grandes contribuições de Vigotski para a Psicologia foi a apropriação do
materialismo histórico dialético como mediação para a formulação da Psicologia Histórico-
Cultural. Ele fez isso de maneira criativa e não de maneira direta, como uma colagem das
citações de Marx na Psicologia, levantando, dessa forma, elementos importantes para elaborar
uma teoria que possibilitasse conhecer e explicar o psiquismo humano com base no método
marxiano.
Vigotski defende a tese de que falta à Psicologia o seu ‘capital’, uma teoria geral que,
buscando uma compreensão e uma explicação do real, de forma objetiva, dialogue com as
diferentes concepções, compreendendo-as como mediadoras entre o saber da Psicologia e o
conhecimento em suas dimensões ontológica, gnosiológica, epistemológica e lógica.
O método materialista histórico dialético leva o autor a explicar que as mudanças
ocorridas no contexto das várias psicologias encerram-se no âmbito da teoria e respondem
apenas à dimensão epistemológica. É isso que faz abordagens, na aparência diferentes, terem
finalidades semelhantes, já que sua lógica de desenvolvimento é sempre a mesma – lógica
formal, por meio da qual a Psicologia separa-se das demais áreas do conhecimento. Além
disso, tais teorias não consideram a sociedade como mediação, como uma particularidade,
mas sim como a meta máxima de constituição do indivíduo. Nesse caso, seu objetivo é a
adaptação dos indivíduos às circunstâncias atuais e não a transformação de ambos para

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superar a condição alienada que caracteriza o trabalho na sociedade de classes.
Diferentemente, Vigotski introduziu na realidade da Psicologia a relação do indivíduo
singular com o gênero humano, mediada pelas condições particulares. Assim, na explicação
da história da constituição da Psicologia, ele apresenta elementos importantes para a
superação de sua condição como conhecimento parcial, expresso nas teorias psicológicas, e
sua constituição como teoria geral. Nesse caso, a relação singular-particular-universal tem,
nas várias teorias psicológicas já constituídas, os elementos mediadores entre o conhecimento
em geral e a Psicologia Geral como o ‘capital’ da Psicologia.
Sua investigação tem a finalidade de explicar tanto a constituição da Psicologia como
ciência em um momento histórico específico quanto propor uma forma que a leve a responder
ao seu lugar no processo de humanização.
Para dar conta dessa tarefa, o autor propõe alguns princípios necessários à investigação
das funções psicológicas superiores.
Um deles é a análise de processos psicológicos e não apenas de produtos do
desenvolvimento psíquico. Argumenta que os processos psicológicos, em virtude de sua
complexidade, sofrem constantes mudanças, cabendo ao pesquisador investigar e
compreender como determinado fenômeno se desenvolve na história social dos indivíduos.
Outro princípio refere-se à explicação dos fenômenos de uma forma que supere a
descrição característica das ciências positivistas. A Psicologia Histórico-Cultural procura
compreender um fenômeno em sua essência 5, em sua totalidade, revelando estudá-lo em sua
gênese e buscando suas bases dinâmico-causais (VIGOTSKI, 1988).
A investigação do ‘comportamento fossilizado’ é outro princípio proposto por
Vigotski. Ele se refere às “formas psicológicas petrificadas, fossilizadas, originadas em
tempos remotíssimos, nas etapas mais primitivas do desenvolvimento cultural do homem, que
se tem conservado de maneira surpreendente, como vestígios históricos em estado pétreo e ao
mesmo tempo vivo na conduta do homem contemporâneo” 6 (VIGOTSKI, 2000c, p. 63,
tradução nossa). Nesse entendimento, o conceito assume necessariamente uma dimensão

5
Não entendemos a essência humana como algo existente a priori, que sempre esteve presente na humanidade.
Da perspectiva de Agnes Heller (1970, p.4), a essência humana é histórica, é "a realização gradual e contínua das
possibilidades imanentes à humanidade, ao gênero humano".
6
Texto original: “[...] formas psicológicas petrificadas, fosilizadas, originadas en tiempo remotísimos, en las
etapas más primitivas del desarrollo cultural del hombre, que se han conservado de manera sorprendente, como
vestigios históricos en estado pétreo y al mismo tiempo vivo en la conducta del hombre contemporâneo”
(VIGOTSKI, 2000c, p. 63).

8
histórica em relação ao gênero humano, ao universal. Na dimensão particular, tais
comportamentos, automatizados ou mecanizados no decorrer da vida, perdem sua origem e
sua aparência externa nada nos revela de sua natureza interna. Para que possamos
compreender esses comportamentos, precisamos pesquisar sua gênese, ou seja, fazer um
levantamento da história do comportamento. Para o autor, "[...] estudar alguma coisa
historicamente significa estudá-la no processo de mudança, esse é o requisito básico do
método dialético" (VIGOTSKI, 1988, p.74). Dessa forma, deve-se investigar a história dos
comportamentos automatizados, de maneira a entender seu processo de transformação.
Os princípios que constituem o projeto do autor para a Psicologia orientam a redefinição
de seu objeto de estudo, considerando a determinação histórico-cultural e os temas específicos
que propôs para a Psicologia e para a Educação: a delimitação das unidades de análise do
psiquismo visando as unidades mínimas que conservam as propriedades do todo complexo; a
explicitação do método genético experimental para chegar à gênese de constituição das
funções estudadas e o conceito de Zona de Desenvolvimento Próximo.
De acordo com Shuare (1990), Vigotski é o criador da Psicologia não clássica,
entendida como a ciência que estuda como o mundo objetivo da arte, dos instrumentos de
trabalho e da indústria medeia a constituição do indivíduo. Trata-se de uma Psicologia que
não só se propõe a estudar o psiquismo, mas também a conhecê-lo para, assim, dominá-lo e
transformá-lo. É portanto uma ciência cuja meta é o domínio de seu objeto de estudo,
definido, na obra de Vigotski (1988), como a constituição e o desenvolvimento histórico do
psiquismo humano.
Para o autor, a atividade psicológica é mediada por signos e instrumentos e isso
constitui o fundamento da origem, do desenvolvimento e da natureza das funções psicológicas
superiores. Essa atividade é considerada a base do movimento de apropriação da realidade
objetiva, assim como é considerada a unidade de construção da consciência, ainda que, como
atividade cognitiva, não possa ser limitada a tais elementos.
A esse respeito, Vigotski (1988, p. 62-63) afirma:

O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda,


fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de
instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo
interior as novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto,
podemos usar o termo função psicológica superior, ou comportamento
superior com referência à combinação entre o instrumento e o signo na
atividade psicológica. (grifos do autor)

A importância que ele atribui à atividade mediada na constituição do psiquismo humano

9
resgata a essência do método materialista histórico dialético, já que apresenta a singularidade
como condição ineliminável da constituição do homem como ser genérico. Nessa perspectiva,
as significações medeiam o processo de internalização e de apropriação do real pelos sujeitos
ativos. Tais significações, cristalizações da produção humana elaborada historicamente,
devem ser entendidas como abstrações mediadoras entre o sensorial concreto e o concreto no
pensamento.
A ideia principal de Vigotski (1997) a respeito do processo de desenvolvimento
histórico do psiquismo humano é que, na atividade mediada,

[...] o que muda não são tanto as funções, tal como havíamos considerado
anteriormente (esse era nosso erro), nem sua estrutura, nem sua linha de
desenvolvimento, mas que o que muda e se modifica são precisamente as
relações, quer dizer, o nexo das funções entre si, de maneira que surgem
novos agrupamentos desconhecidos no nível anterior (VIGOTSKI, 1997, p.
72, tradução nossa) 7.

Outro aspecto essencial na obra de Vigotski é o entendimento de que as funções


psicológicas superiores objetivam-se em uma relação interfuncional e indivisível, constituindo
a totalidade no psiquismo humano. Ao considerar a historicidade e a totalidade no estudo da
constituição e do desenvolvimento humano em sua obra, Vigotski torna-a a manifestação do
método materialista histórico dialético na Psicologia e, ao mesmo tempo, realiza uma
produção teórica que expressa a compreensão da constituição e do desenvolvimento do
homem como ser social.

CONSEQUÊNCIAS DO ESTUDO DO MÉTODO PARA AS ATIVIDADES DE


PESQUISA

A compreensão da Psicologia Histórico-Cultural fundada no método materialista


histórico dialético tem implicações para nossas atividades teórico-práticas. Apenas para
circunscrever a atividade atual do grupo, destacaremos algumas consequências desse estudo
para o desenvolvimento de pesquisas.
No campo pessoal, tal compreensão traz consigo uma dimensão ética em relação às
atividades práticas em geral, uma vez que o conhecimento mediado pela Psicologia Histórico-
Cultural e a consciência sobre a constituição da condição humana criam possibilidades para a

7 Texto original: “[...] lo que cambia no son tanto las funciones, tal como habíamos considerado anteriormente
(ése era nuestro error), ni su estructura, ni su pauta de desarrollo, sino que lo que cambia y se modifica son
precisamente las relaciones, es decir, el nexo de las funciones entre sí, de manera que surgen nuevos
agrupamientos desconocidos en el nivel anterior” (VIGOTSKI, 1997, p. 72).

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transformação interna e externa do homem. Nessas condições, colocamo-nos como sujeitos
em movimento de autotransformação que, assim, promovem a transformação na realidade.
No que diz respeito à produção do conhecimento, a dimensão ética exige compromisso
com a transformação da realidade da Psicologia e da Educação para criar condições à
emancipação dos indivíduos. Ou seja, o conhecimento não é neutro, mas se relaciona a
finalidades conscientes da transformação no sentido da humanização; esta só pode se efetivar
na prática se os fundamentos teórico-metodológicos corresponderem a essas finalidades.
Tendo como referência essa concepção de ciência, entendemos que os conhecimentos
elaborados em nossas pesquisas e práticas profissionais não modificam apenas nosso
pensamento ou nossa atuação, mas nos mudam como sujeitos humanos integrais,
transformando nossa vida concreta. A coerência teórico-prática constitui-se, assim, em
elemento central da Psicologia Histórico-Cultural porque, além de ser uma opção teórica, é
um posicionamento que emerge da consciência de que a realidade se configura em razão de
múltiplas determinações e também define o conjunto de ações a ser realizadas em nossas
atividades particulares.
Portanto, a apropriação da teoria histórico-cultural exige a transformação no
pensamento e na ação. É necessário que as análises da realidade investigada se constituam
como objeto e condição de nossa ação, de modo a nos libertar para o ‘uso’ do conhecimento
nas atividades realizadas nos níveis pessoal e profissional. A apropriação do conhecimento,
nessas condições, pressupõe transformações nos nexos interfuncionais presentes no
desenvolvimento das funções psicológicas superiores (VIGOTSKI, 2000c). Esse fato
caracteriza o verdadeiro significado do desenvolvimento do psiquismo humano, ou seja, a
objetivação da dimensão universal, própria do gênero humano, encontra possibilidades reais
na dimensão singular, própria dos sujeitos ativos.
Dentre as consequências dessa concepção de Psicologia para a elaboração e a análise
de teses 8, destacamos a apresentação e a proposição das mesmas, a aplicação direta do
materialismo histórico dialético às questões específicas a ser investigadas e a alegada ausência
de procedimentos metodológicos pertinentes ao método para subsidiar a busca e a explicação
dos dados apreendidos pela pesquisa.
Tomemos, como ponto de partida, a apresentação e a proposição de uma tese. Vigotski
(1996) explicita o caminho que utilizou para a proposição de sua tese sobre a constituição da
Psicologia, apontando a relação entre um método de conhecimento (o materialismo histórico

8
Quando mencionamos a elaboração e a análise de teses, estamos considerando que toda investigação realizada
no contexto da Psicologia Histórico-Cultural deve conter, por princípio, a defesa de uma tese.

11
dialético) e um problema específico de investigação. De acordo com o autor, o estudo
científico abarca tanto o estudo de um fato quanto o procedimento de cognição sobre esse
fato; nesse sentido, a escolha das palavras e dos termos utilizados já implica um processo
teórico-metodológico. Por isso, é importante reconhecer o valor dos termos, das significações
das palavras em um determinado sistema conceitual. O uso da palavra e do conceito de forma
aleatória e indiscriminada, tendo como referência o senso comum, não é considerado
adequado nessa perspectiva teórica porque não explicita o entendimento do fato como fato da
ciência.
A utilização do termo em diferentes referenciais teóricos é considerada relevante
quando o pesquisador exercita o movimento de crítica ao conhecimento elaborado e apresenta
as diversas possibilidades e impossibilidades do conceito, em busca de sua superação. Esse
movimento de análise crítica do conceito foi amplamente exercitado por Vigotski ao longo de
sua obra. Em síntese, a compreensão do uso adequado dos termos leva-nos a considerar que
não cabe o uso cotidiano da palavra, pois concordamos com Vigotski (1996, p. 309) quando
afirma que “a escolha dos termos e dos conceitos predeterminam o resultado da investigação”.
Entendemos que a tese deve ser explicitada por meio da apresentação e da explicação
dos objetivos, das finalidades, do objeto de estudo, do método de investigação, dos
procedimentos metodológicos de apreensão e análise dos dados de pesquisa, sempre na
relação com o referencial teórico em foco. Igualmente, a organização do texto da tese e a
explicitação da metodologia aplicada, ou seja, das técnicas e dos instrumentos utilizados no
processo de obtenção dos dados da realidade e em sua análise, devem ser expressão do
movimento do pensamento próprio ao método.
Sendo o relatório de pesquisa produto da atividade do pesquisador materializado em um
documento que tem a finalidade de comunicar os resultados da investigação, a tese deve ser
apresentada, objetivamente, desde sua introdução para que o leitor possa ter clareza dos fins a
ser atingidos no desenvolvimento da pesquisa. Assim, cada uma de suas etapas deve ser a
expressão da tese diante dos conteúdos especificamente tratados nos capítulos ou partes do
texto. Ao final, a tese deve ser retomada como uma rica contribuição ao conhecimento em
geral e ao conhecimento específico já elaborado sobre o tema.
Outro aspecto igualmente importante no âmbito da elaboração e da análise de teses
como expressão de nossos estudos diz respeito à relação entre o método criado por Marx para
a análise da economia capitalista e as questões específicas investigadas na tese. Para Vigotski
(1996, p. 392, grifos do autor), “[...] a aplicação direta da teoria do materialismo dialético às
questões das ciências naturais, e em particular ao grupo das ciências biológicas ou à

12
psicologia, é impossível, como o é aplicá-lo diretamente à história ou à sociologia”.
Nesse sentido, o autor analisa a relação entre a ciência geral e as ciências particulares e
a necessidade de constituição de teorias intermediárias. Exemplifica tal relação com a obra de
Marx:

Basta imaginar que Marx tivesse operado com os princípios gerais da


dialética, como quantidade, qualidade, tríades, conexão universal, nó, salto
etc., sem as categorias abstratas e históricas de custo, classe, mercadoria,
renda, capital, força produtiva, base, superestrutura etc., para ver quão
monstruoso, quão absurdo seria supor que fosse possível criar diretamente
qualquer ciência marxista prescindindo de O Capital. (VIGOTSKI, 1996, p.
393)

Por isso, foi necessário criar o ‘materialismo psicológico’ como ciência intermediária da
aplicação concreta dos princípios abstratos do materialismo histórico dialético ao grupo de
fenômenos com os quais a Psicologia trabalha. A teoria do marxismo psicológico ou dialético
da Psicologia é o que Vigotski chama de Psicologia Geral. Nesse sentido, não basta que o
materialismo histórico dialético seja apresentado como a referência teórico-metodológica da
tese; é preciso que ele se constitua como método de investigação e explicação no processo de
elaboração, proposição e defesa da mesma, respondendo às suas especificidades.
Ainda no que tange ao método de investigação sobre o psiquismo humano, Vigotski
(1996) afirma que “a possibilidade da psicologia como ciência é, antes de tudo, um problema
metodológico” (p. 389). Mas não se pode tentar achar a relação direta entre os elementos
psicológicos e os princípios universais por meio do método dialético, porque esse método não
é específico da Psicologia. Portanto, é necessário um conjunto de procedimentos
metodológicos, um sistema de conceitos intermediários, concretos, adaptados à escala de
conceitos de tal ciência.
Outra questão relacionada à elaboração e à análise de teses, que merece atenção no
contexto da teoria histórico-cultural e do método materialista histórico dialético, é a alegada
ausência de procedimentos metodológicos (pertinentes ao método) para subsidiar a busca e a
explicação dos dados. Por método, aqui, estamos entendendo, de acordo com Vigotski (1996),
uma forma de conhecimento que comporta os procedimentos metodológicos, às vezes
denominados de metodologia de pesquisa, e que determina o objetivo da pesquisa, o caráter e
a natureza da ciência. Muitas teorias da Psicologia, segundo o autor, enfatizam os
procedimentos metodológicos em detrimento do método, priorizando apenas a dimensão
epistemológica do conhecimento, mas esta ênfase nos procedimentos metodológicos, às vezes

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utilizados como método, não nos conduz à elaboração de conhecimento, mas apenas à
produção de dados e mais técnicas.
Tem sido lugar comum entre os pesquisadores debater os procedimentos metodológicos
que permitem à investigação responder às finalidades postas pelo materialismo histórico
dialético como método de conhecimento. Não rara, nesse debate, é a conclusão de que não
dispomos de procedimentos para a busca e a explicação dos dados que sejam a expressão do
método. Para auxiliar esse debate, o referencial em foco oferece:
• Um método que explica o desenvolvimento do pensamento como expressão do
materialismo histórico dialético, tendo, na relação dialética do singular-particular-universal e
em todas as demais categorias apresentadas, aqueles elementos que permitem superar as
condições postas pelo método experimental e outros.
• O método de análise por unidades para investigar os problemas da Psicologia e que,
segundo Vigotski (2000b), requer a substituição do método de análise dos elementos pelo
método de análise por unidades. Esse método, uma decorrência da aplicação do método
proposto por Marx, é compatível com o estudo do objeto da Psicologia.
Segundo Vigotski (2000b, p.08), a unidade contém, de forma primária e simples, as
propriedades do todo: “Subentendemos por unidade um produto da análise que, diferente dos
elementos, possui todas as propriedades que são inerentes ao todo e, concomitantemente, são
partes vivas e indecomponíveis dessa unidade”.
No caso da relação entre pensamento e linguagem, Vigotski conclui que a unidade é o
significado da palavra: esta unidade é indecomponível em ambos os processos e é um
fenômeno da linguagem e do pensamento, ao mesmo tempo. O significado da palavra é a
palavra vista do seu interior.
Essa é a via que permite, segundo Vigotski, a análise ‘genético-causal’ dos processos
psicológicos. Lembramos, ainda, que uma particularidade da concepção metodológica
proposta por Vigotski é que as unidades de análise não estão postas para cada tema específico
a ser trabalhado (e nem mesmo para cada área do conhecimento). Elas são fruto de um longo
processo de elaboração por parte do pesquisador e isso já é um princípio próprio ao método.
No movimento de elaboração e de definição dos procedimentos de pesquisa, o
pesquisador pode e deve se apropriar dos instrumentos e técnicas produzidos ao longo da
história da própria ciência em questão, no entanto, consideramos ser incoerente tomá-los
como fins em si mesmos. Esses instrumentos e técnicas, quando utilizados na pesquisa que se
organiza com base no método materialista histórico dialético, devem ser transformados para
que levem à apreensão do real (concreto caótico), ou seja, à produção de dados de pesquisa

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que possam explicar as bases dinâmico-causais do objeto investigado e as relações teórico-
práticas decorrentes da compreensão da realidade que supera a anterior (concreto no
pensamento). Ao final desse processo, temos os procedimentos metodológicos que respondem
às especificidades do objeto investigado e já não se confundem com aqueles procedimentos
tomados como ponto de partida.
Tão importante quanto a organização e a proposição da unidade de análise que expressa
a tese e os temas por ela tratados é a escolha das perguntas que conduzem ao problema a ela
pertinente. Para Vigotski (1996, p. 252), “a pergunta pressupõe em parte a resposta”, com isso
querendo dizer que uma boa pergunta antecipa a resposta, porque contém elementos ou a
síntese dela. Nesse sentido, a pergunta avalia a pesquisa como tese e revela as circunstâncias
nas quais sua defesa é possível, porque é no processo de elaboração da tese que surgem as
possibilidades concretas de sua proposição e defesa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para finalizar, e a título de conclusão, destacamos o que consideramos ser uma das
maiores contribuições do método materialista histórico dialético para a Psicologia Histórico-
Cultural e suas implicações para a elaboração de pesquisas que se pretendem expressão desse
referencial.
Além da categoria trabalho e do caráter material e histórico para explicar o processo de
humanização, é igualmente importante a atenção às dimensões do conhecimento –
ontológicas, gnoseológicas, epistemológicas e lógicas. A apropriação dessas categorias exige
a explicitação do método e a sistematização do conhecimento já elaborado cujas finalidades
vão além do conhecimento específico em foco. Exige, enfim, a transformação da realidade
investigada e do próprio pesquisador.
Esse movimento levou Vigotski a defender a necessidade de constituir o ‘capital da
Psicologia’, ou seja, uma teoria geral da Psicologia que situe as teorias tanto no contexto da
dimensão do conhecimento ao qual respondem quanto no das demais dimensões, levando-nos
a identificar seu alcance e a considerar o conhecimento acumulado. Desse modo, as várias
teorias podem se constituir como mediadoras entre o saber geral e a Psicologia Geral como o
‘capital da Psicologia’.
Sua obra, portanto, é expressão das categorias aqui apresentadas, especialmente quando
ele se apropria do método materialista histórico dialético, objetivando-o na análise e na
explicação dos temas específicos da Psicologia, tais como: a relação entre o desenvolvimento

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e a aprendizagem, o pensamento e a linguagem, a consciência e as emoções; o diálogo com a
Filosofia, a Economia Política, a Sociologia, a História, a Biologia, sempre do lugar da
Psicologia; a superação das explicações psicologizantes, possíveis no espaço da dimensão
epistemológica. Nessa perspectiva, ele postula que o processo de humanização não comporta
apenas aspectos psicológicos.
Vigotski põe novas finalidades para o estudo do psiquismo e supera a condição imediata
dos estudos da Psicologia no que tange aos temas por ele enfocados. Supera, portanto, as
explicações hegemônicas, comprometidas com a justificativa do status quo da Psicologia, da
Educação e da economia capitalista, porque pensa as ações humanas no contexto das
possibilidades universais de desenvolvimento (em relação a tudo o que a humanidade já
elaborou no nível do gênero humano) e não no contexto de possibilidades particulares.
Defendemos que esse movimento peculiar ao método e às investigações de Vigotski
deve ser considerado quando anunciamos em nossas pesquisas que a referência teórico-
metodológica do trabalho é o materialismo histórico dialético e a Psicologia Histórico-
Cultural.

REFERÊNCIAS

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crítica da economia política). In: FERNANDES, Florestan. (Org.). Marx e Engels: História.
São Paulo: Ática, 1989b. p. 231-235. (Coleção Grandes Cientistas Sociais)

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