Historia - Unidade 3

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Como fazer História? Pesquisa, documentos, fontes. Método


heurístico e método hermenêutico

Tópico A – Em que fontes se baseia o trabalho do historiador?1

Já vimos que a História não é uma ciência exata, mas é uma ciência humana,
sujeita a todas as incertezas e flexibilidades da natureza humana. Mas isso não significa
que ela não tenha como objetivo constante a procura da verdade. A História, para ser
escrita, não pode ser fruto de mera imaginação do historiador... Se pudesse, ele não seria
historiador, seria romancista, literato ou novelista... A História precisa se basear em
documentos, obtidos em fontes confiáveis. Mas, o que são, propriamente, as fontes em
que se baseia o historiador? E como ele pode extrair, dessas fontes, documentos
utilizáveis no trabalho historiográfico que está desenvolvendo?

O historiador, no seu trabalho de investigação do passado, trabalha com


documentos que nos ficaram desse passado. São suas fontes, nas quais ele se abebera
das informações indispensáveis para tentar conhecer, compreender e analisar uma
realidade que não viveu.
O que são, propriamente, as fontes à disposição do historiador? Como extrair
delas documentos utilizáveis no seu trabalho historiográfico?
No século XIX, teve grande voga o positivismo, crença de caráter cientificista,
determinista e evolucionista, segundo a qual a História era um traçado linear
perfeitamente pré-determinado e previsível. O próprio marxismo pagava pesado tributo
a essa mentalidade, na medida em que traçava leis que supunha inelutáveis para o
desenvolvimento das sociedades.
A mentalidade cientificista da época influenciou profundamente a Historiografia,
e um dos efeitos dessa influência é que os historiadores de inspiração positivista
sobrevalorizaram o documento escrito e oficial, único (ou quase único) elemento
considerado por eles válido para uma análise histórica científica. “Scripta manent,
verba volant” (as coisas escritas permanecem, enquanto as palavras voam), pensava-se.
O historiador francês Fustel de Coulanges (1830-1899) tem uma frase que é
profundamente verdadeira ou profundamente falsa, dependendo da interpretação que se
lhe dê: “Pas de documents, pas d'Histoire”. Sem documentos, não se faz história. É

1
O texto do presente tópico é em parte transcrito de: SANTOS, A. A. dos. Tópicos de teoria, prática e
ensino de História. “Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo” no. 101, 2007, p. 193-207.
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verdadeira, se entendermos documentos em sentido amplo, como entendemos hoje; é


falsa se considerarmos documentos apenas em sentido estrito, ou seja, apenas
documentos escritos e oficiais, como se entendia no tempo dele.
E aqui tocamos no ponto central da questão: o que é documento, o que é fonte
histórica?
Desde meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX prevaleceu
o positivismo, segundo a qual a História devia ser entendida como um traçado linear
lógico, perfeitamente pré-determinado e, portanto, previsível, o qual somente podia e
devia ser estudado cientificamente a partir de fontes oficiais e escritas. O que não fosse
oficial e não fosse escrito devia ser relegado como informação não confiável e, portanto,
não utilizável por um historiador sério, metódico e científico. Foi nesse período que se
generalizou a expressão “pré-história” – a qual atualmente se considera bastante
preconceituosa – para designar os tempos históricos anteriores à escrita.

Karl Marx (1818-1883), que viveu na fase de formação e consolidação dessa


mentalidade, foi por ela fortemente influenciado. É por isso que o marxismo, como já
dissemos acima, pagou pesado tributo a essa mentalidade, traçando leis que supunha
serem inelutáveis para o desenvolvimento das sociedades.

Vamos, aqui, ao ponto central da questão: para um historiador, o que é


documento? O que é fonte histórica?

Dica do professor:

Você já deve ter notado como os historiadores, ao longo dos tempos, foram
mudando muito seu modo de ver e considerar a realidade? Como seus critérios foram se
ajustando ao modo de ser e de pensar dos tempos em que vivem? Reflita sobre isso.
Anote suas reflexões num caderno, ou as registre num arquivo à parte, no seu
computador. De tempos em tempos, à medida que nosso curso for avançando, você
sentirá que sua visão da História cada vez mais se enriquecerá. Vá, passo a passo,
anotando no seu caderno, ou no arquivo de computador, os progressos que for fazendo.
3

Fontes, documentos e monumentos à disposição do historiador

Que são propriamente fontes históricas?


O Pe. Raphael M. Galanti, (1840-1917), jesuíta de origem italiana que foi
professor do Colégio Pedro II e membro destacado do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, assim exprimiu o conceito de fontes históricas:

São todos os monumentos e documentos pelos quais podemos conseguir o


conhecimento de algum fato histórico. Dividem-se em duas categorias, a
saber: diretas e indiretas. Pertencem às diretas todos os documentos escritos
com o intuito de transmitir à posteridade os fatos memoráveis. As indiretas
são todos os monumentos ou documentos que, examinados com o auxílio da
crítica, nos revelam alguma notícia acerca da vida do homem. Denominam-se
também subsídios da história. São a geografia, a linguística, as estátuas, as
pinturas e, em geral, as obras de arte. Pertencem também às fontes históricas
as tradições orais, contanto que reúnam em si todos os caracteres exigidos
pela crítica. (GALANTI, R. M. Compendio de Historia Universal. São Paulo:
Tip. Siqueira, 1932, 6ª. edição, p. 7-8).

Em texto curto e lapidar, dois historiadores brasileiros de nosso tempo assim se


exprimem:
Quanto à sua natureza, os documentos podem ser orais, monumentos ou
documentos. No que se refere às suas categorias, os documentos podem ser
classificados como imateriais ou materiais. Em ambos os casos, podem ser
voluntários ou involuntários.2

Note-se, na primeira oração do texto citado, que a palavra “documentos” é


utilizada duas vezes, exprimindo dois conceitos distintos, sendo o primeiro bem mais
amplo que o segundo, e até mesmo englobando o segundo.
No primeiro caso, “documentos” devem ser entendidos como “fontes históricas”
– ou seja, fontes à disposição do historiador, para este selecionar e trabalhar na
elaboração da sua visão histórica.
No segundo caso, o substantivo “documentos” tem sentido mais restrito,
podendo aproximar-se mais do conceito popular corrente e de senso comum sobre
documento, ou seja, aquilo que preferencialmente, se bem que não exclusiva nem
necessariamente, se traduz na forma de um documento escrito. Ainda neste segundo
caso, a palavra “documentos” pode significar o material selecionado e escolhido pelo
historiador, dentre as fontes históricas disponíveis, para utilizar em seu trabalho
historiográfico.

2
PARENTE, Paulo André Leira; SANCHES, Marcos Guimarães. Teoria e Metodologia da História.
Palhoça: UNISUL Virtual, 2010, p. 50.
4

O período citado poderia ganhar em clareza – para o grande público não


especializado na terminologia historiográfica – se assim fosse redigido: “Quanto à sua
natureza, as fontes históricas podem ser orais, monumentos ou documentos
propriamente ditos”.
Passemos a analisar o conteúdo do citado texto.

Documentos orais
Documentos orais, claro está, se contrapõem a documentos escritos. São
documentos orais aqueles passados de boca a ouvido, aqueles conservados na memória
e transmitidos oralmente.
É muito difícil para nós, que vivemos em nosso tempo, compreender como pode
haver verdadeira cultura e pensamento profundo sem escrita. Saber ler e escrever, na
nossa ótica, parece condição indispensável para o pensamento e a cultura. Quem não
sabe ler e escrever, imaginamos, é necessariamente inculto, ignorante, ignaro. Um ser
inferior, portanto. Nem sempre foi assim. Voltaremos ao assunto mais adiante, no
tópico seguinte desta aula.

Monumentos e documentos
Na linguagem popular corrente, utiliza-se a palavra monumento para designar
estátuas, lápides, edificações de natureza diversa destinadas a perpetuar a memória de
alguém ou de alguma coisa. A noção de monumento, pois, está quase
indissociavelmente ligada à ideia de um objeto material intencionalmente feito ou
preservado “ad perpetuam rei memoriam” – para a perpétua memória da coisa. Ainda
na linguagem corrente do português falado em nossos dias, pode-se usar, por extensão,
a palavra monumento para designar alguma obra que, pela sua grandiosidade, mereça
ter a memória perpetuada. Assim, pode-se dizer que “Os Sertões”, de Euclides da
Cunha, constituem um verdadeiro monumento da Literatura brasileira.
Etimologicamente, porém, se recuarmos até a forma monumentum, do Latim, o
sentido é bem mais amplo. Monumento significa “tudo o que lembra alguém ou alguma
coisa, o que perpetua uma recordação, qualquer monumento comemorativo”, mas
significa também “monumentos escritos, marca, sinal por onde se pode fazer um
reconhecimento, uma identificação”.3 Já a distinção entre monumento e documento,

3
MACHADO, José Pedro. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Lisboa: Editorial
Confluênca/Livros Horizonte, 1967, t. II, p. 604, verbete Monumento.
5

que se faz geralmente na historiografia moderna, é baseada na proposta por Jacques Le


Goff em História e Memória.4 Esse autor francês, falecido em 2014, propôs uma
distinção terminológica que, embora não constitua unanimidade e possa, até mesmo, ser
objetável, é hoje corrente entre os historiadores.
Para se entender a distinção proposta por Le Goff, devemos esquecer um pouco
o significado que as palavras monumento e documento têm na linguagem corrente de
nossos dias, mas devemos analisar a etimologia das duas, considerando que, no passado,
os sentidos de ambas até certo ponto se confundiam. Documento provém do verbo
latino docere, ensinar. Documento é, pois, sinônimo de ensinamento. O ensinamento
pode ser escrito, pode ser oral e pode também ser simbólico, sem necessariamente se
exprimir em linguagem escrita ou falada. O verdadeiro sentido da palavra documento,
pois, vai muito além do significado estrito de documento escrito, como entendiam os
historiadores positivistas do século XIX, que supervalorizavam o documento escrito e
oficial, e como o linguajar popular corrente consagrou.
A proposta de Le Goff é, de certa forma, voltar ao sentido mais próximo do
original dos termos e designar como monumento tudo quanto se herdou do passado, no
sentido muito amplo e abrangente. Ele propõe também designar como documento aquilo
que o historiador escolhe para seu trabalho historiográfico, de acordo com sua
criteriologia e sua respectiva escala de valores. Ele restringe, pois, o sentido da palavra
documento. Um escrito do passado que tenha chegado até nós, ainda que perfeitamente
preservado, é um monumento e não é, por si mesmo, um documento; somente será
documento se for selecionado e utilizado por um historiador. Essa distinção, proposta
por Le Goff, um tanto dissonante do sentido usual da linguagem corrente, tem algo de
arbitrário e, portanto, algo de objetável, mas sem dúvida é muito clara, didática e
funcional, adequando-se perfeitamente às necessidades terminológicas dos
historiadores. Acabou por se impor.

Imateriais ou materiais
Os documentos podem ser materiais ou imateriais. Que são documentos
imateriais? São, como o próprio nome diz, aqueles que não se materializam, não se
corporificam. Um exemplo, entre muitos outros: a existência comprovada, entre os
índios brasileiros, de uma versão do mito do dilúvio universal, com Tamandaré (o

4
Campinas: Editora Unicamp, 1994.
6

“Noé” dos Tupi), é algo não material. Mas poderia ser selecionado como documento,
por um historiador que relacionasse esse mito com mitos análogos provenientes de
outras partes do mundo, com relatos bíblicos, com fontes mesopotâmicas (como a saga
de Gilgamesh, anterior à escrita da própria Bíblia) etc., com vistas a sustentar uma
eventual tese sobre a remota origem dos índios brasileiros.

Voluntários ou involuntários
Alguém pode querer deixar sua marca na história, pode querer perenizar uma
lembrança. É o caso, por exemplo, de um homem primitivo que tenha pintado, na
parede de uma caverna, uma cena de caça ou de luta. Esse mesmo homem pode,
também, deixar involuntariamente sua marca na história, por exemplo, se abandonar
restos de comida ou um vaso de barro quebrado. Esse “lixo” pré-histórico, analisado
com cuidado, revela uma imensidade de coisas acerca da vida de nossos ancestrais. É
tipicamente um documento involuntário.
Os restos mortais dos homens e mulheres de outros tempos também são
involuntariamente muito reveladores, pois o arqueólogo, ajudado pela Medicina e
fazendo uso de moderníssimas técnicas de pesquisa, pode conhecer muitas coisas, numa
profundidade maior do que, muitas vezes, um médico de nossos dias poderia atingir
interrogando e examinando pacientes vivos em seu consultório.
Mesmo documentos escritos podem, contrario sensu, revelar involuntariamente
o que não foi intencionalmente escrito. Certas omissões intencionais são muito
reveladoras. Le Goff se estende, na obra citada, sobre os cuidados que o historiador
deve tomar para não se limitar à letra do texto em si, exclusivamente, como propunham
os positivistas, mas saber ir além do texto, inserindo-o num contexto, problematizando-
o, interrogando o que nele não está dito e questionando o que nele está dito. 5

Dica do professor:
Você notou que os autores utilizados neste tópico – Pe. Galanti, Parente e
Sanches e Le Goff – às vezes usam terminologia diferente para dizer a mesma coisa?
Não estranhe! Isso é próprio das Ciências Humanas. Fique tranquilo. Num primeiro
momento essas variações terminológicas podem confundi-lo, mas logo você se
habituará. E nunca se esqueça disto: História é uma ciência humana, bem humana!

5
A respeito dos vários tipos de fontes históricas, ver: SANTOS. A. A. dos. Tópicos de teoria, prática e
ensino de História, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Ano CXXIII – Volume
CI – São Paulo-2017 p. 193-207.
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Passagem da oralidade para a escrita – Métodos de análise de um


documento escrito: heurístico e hermenêutico
Vimos, no tópico anterior, que o historiador pode se servir de fontes escritas e
materiais, mas também pode utilizar em seu trabalho fontes imateriais, como tradições e
testemunhos orais. Não se deve ter preconceitos contra a utilização de fontes orais.

Desde os primórdios do gênero humano, a comunicação interpessoal passou, e


vem passando, por diversas fases. De início, na primeira delas, foi exclusivamente oral.
Durante séculos a comunicação e a troca de informações, entre os humanos, se deu
somente por via oral, de boca a ouvido. Um exemplo, entre muitos outros: a Ilíada e a
Odisseia, as duas grandes obras da literatura grega atribuídas ao gênio de Homero,
formadoras e informadoras da Paideia e influenciadoras de toda a cultura e civilização
do Ocidente, somente foram escritas séculos depois de terem sido compostas e terem
sido declamadas de memória, séculos a fio, e terem passado por via oral através das
gerações de antigos gregos. Se elas chegaram até nós é só porque foram escritas, claro,
mas essa escrita só ocorreu muito tempo depois de morto seu autor.

Surgiram, numa segunda fase, a escrita e a leitura. Ambas se supõe que tenham
sido precedidas pelas representações pictóricas ou rupestres, seguindo-se a fase dos
caracteres ideográficos que, pouco a pouco, evoluíram para as letras.

O esquema de passagem da exclusiva oralidade para a escrita/leitura não foi tão


simples nem tão fácil. Na verdade, durante um largo período (entenda-se: um período
que durou muitos séculos) coexistiram as duas modalidades de comunicação. A imensa
maioria das populações não alfabetizadas continuava a se comunicar somente pela
oralidade, enquanto a escrita e a leitura já eram praticadas, mas exclusivamente pelo
pequeno número das pessoas que sabiam ler e escrever.

Hoje, consideramos a leitura e a escrita indispensáveis. Mas esses


conhecimentos não foram, durante muito tempo, considerados indispensáveis, até
mesmo para o exercício de importantes funções diretivas. Muitos reis, imperadores,
governantes e chefes militares não sabiam ler nem escrever, e puderam exercer suas
atividades sem nenhum problema, não se sentido diminuídos nem humilhados por não
dominarem pessoalmente as técnicas de comunicação escrita. Como faziam? Muito
simples: usavam os talentos de servidores. Havia letrados e escribas amanuenses que
estavam à disposição dos senhores.
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Depois que foi inventada a imprensa, já no século XV, cada vez mais tendeu a se
generalizar o conhecimento escrito, com parcelas cada vez maiores da população se
alfabetizando e tendo acesso conhecimento escrito.

No decurso do século XX, as transformações se sucederam velozmente.


Prosseguiu a comunicação por escrito, mas a par dela foram surgindo e cada vez mais se
tornaram preponderantes outras formas de comunicação: a visual, mediante a
generalização das fotografias, a proliferação de revistas ilustradas. Como ignorar os
comics, os famosos gibis, que nossos avós proibiam nossos pais e nossos tios de ler,
porque faziam mal à formação escolar, excitando a imaginação e, ao mesmo tempo,
limitando a capacidade criativa das crianças.

O rádio e o cinema foram inventados e, da combinação de ambos, teve início


a televisão. A preponderância das imagens sobre os textos se foi cada vez mais
acentuando; a comunicação visual tendeu a se impor sobre a escrita a tal ponto que, na
metade da década de 1970, o Papa Paulo VI, num famoso documento, declarou que a
humanidade já havia ingressado em uma nova civilização: a civilização da imagem.6

Mas as mudanças não pararam por aí. Apareceu, já no final do século, o


computador pessoal – o hoje quase pré-histórico PC –, que facilitou muito a escrita e a
leitura, e irrompeu a internet, que facilitou as comunicações e a pesquisa on-line, o que
representou outra verdadeira revolução tecnológica. A utilização do correio eletrônico
(e-mail) e os mecanismos de busca rápida já há quase 30 anos passaram a fazer parte de
nossas vidas, controlando nossa rotina e condicionando nossos hábitos. Com a internet,
e na esteira dela foram aparecendo videoconferências, chats, lives, sites de
relacionamento, bancos de dados, “nuvens” de armazenamento e outras coisas mais,
numa velocidade assombrosa. Paralelamente, os velhos gravadores de rolo, de meados
do século XX, deram lugar às então praticíssimas fitas cassete, depois aos CDs, aos
DVDs e, mais recentemente, aos MP3 e MP4. Em matéria fotográfica, também
paralelamente, as velhas câmaras de filme 120, substituídas em meados do século

6
“Nós sabemos bem que o homem moderno, saturado de discursos, se demonstra muitas vezes cansado
de ouvir e, pior ainda, como que imunizado contra a palavra. Conhecemos também as opiniões de
numerosos psicólogos e sociólogos, que afirmam ter o homem moderno ultrapassado já a civilização da
palavra, que se tornou praticamente ineficaz e inútil, e estar a viver, hoje em dia, na civilização da
imagem.” (Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi , de 8-12-1975, disponível em:
http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-
nuntiandi.html – Acesso a 14-2-2022).
9

passado pelas moderníssimas câmeras de filme 35mm, desapareceram quase


completamente, substituídas por câmeras digitais e, nos últimos anos por aparelhos
móveis por enquanto chamados de smartphones (ninguém sabe quanto tempo ainda
conservarão esse nome...), que não apenas permitem dar e receber telefonemas, mas
fotografam, gravam e funcionam como computadores portáteis, armazenando dados e
informações... e cada vez mais dominando e condicionando a vida das pessoas.
Recursos multimídia, que combinam textos escritos com imagens, sons, filmes e
animações variadas conferem, presentemente, dinamismo notável e vitalidade
extraordinária ao processo cognitivo.

Que novos passos ainda poderá dar a tecnologia, nessa caminhada? Só Deus
sabe! Nossa geração já testemunhou enormes transformações enormes e muito
provavelmente presenciará a muitas outras mais.

Sem duvida, esses recursos podem ser aproveitados não só na pesquisa, mas
também no ensino da História nos vários níveis, com vantagens muito consideráveis, no
ensino presencial e ainda mais no realizado à distância. Nesta última modalidade de
ensino, a pandemia de vírus chinês que estamos atravessando demonstrou sua inegável
utilidade. Mesmo antes de se manifestar a pandemia, já era notável a utilidade do ensino
à distância, vencendo as distâncias de um país de dimensões continentais como as do
Brasil, que se insere dentro do contexto de um planeta que cada vez mais tende a se
constituir numa só “aldeia global” – para utilizarmos o conceito lançado na década de
1960 pelo canadense Marshall McLuhan (1911-1980), teórico da comunicação da
Universidade de Toronto. Cada vez mais se torna indispensável superar as barreiras do
espaço e do tempo, possibilitando a comunicação entre professores e alunos à distância,
pela comunicação instantânea e a interação efetiva, em auditórios virtuais, entre pessoas
fisicamente distantes, e até mesmo a comunicação e a participação assíncrona dos
discentes. , a realização de videoconferências que, num auditório virtual, permitem a
comunicação instantânea e a interação efetiva de pessoas fisicamente distantes.

A internet constitui é uma fonte de informações praticamente inesgotável,


sobre os mais variados assuntos, para interessados e curiosos de todos os tipos. Existem
mecanismos de busca, e-books e inúmeras obras raras ou esgotadas legal e
integralmente disponíveis na rede, como também bancos de dados de bibliotecas e
arquivos, com documentação primária digitalizada – tudo rapidamente ao alcance do
pesquisador. Pesquisas e investigações laboriosas, que antes requeriam viagens
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internacionais e longas permanências em países estrangeiros, hoje podem ser realizadas


sem nenhum custo e sem sairmos de nossas residências ou escritórios.

Há que mergulhar nesse oceano de informações com cuidado e senso crítico,


para filtrar e selecionar o que realmente é confiável e o que realmente interessa. Assim
como na comunicação oral nem tudo o que se ouve é verdadeiro, igualmente na
comunicação global da internet é indispensável avaliar e julgar as fontes para, em
função disso, aproveitar ou rejeitar suas informações. Na pesquisa internética, como em
tudo o mais na vida, devemos seguir o ensinamento do Apóstolo São Paulo:
“Experimentai de tudo, retende só o que é bom’ (I Tess, 5,21). No velho e saudoso
latim, para os cada vez mais raros cultores desse belo idioma: “Omnia probate, quod
bonum est tenete”...

* * *

Métodos de análise de um documento escrito:

Essas considerações que acabamos de fazer têm especial utilidade num curso de
licenciatura, destinado a futuros professores. Caberá a vocês, alunos deste curso,
acompanharem passo a passo o desenvolvimento tecnológico, utilizando sempre, do
modo mais adequado, cada ferramenta colocada a nossa disposição para o melhor
cumprimento de nossa missão educativa – sem esquecer os cuidados que sempre devem
ser tomados.

Passemos agora ao último – e muito importante – item da presente aula. Como


analisar um documento escrito, que selecionamos para utilizar em nosso trabalho?

Basicamente, existem dois métodos, que não se excluem, mas se completam.


Um deles é o heurístico, o outro é o hermenêutico.

Método heurístico: O método heurístico consiste na análise do documento


histórico em si mesmo, em seus aspectos formais e externos, de modo a julgar de sua
autenticidade, sua integridade, sua autoria, sua datação. Analisa a linguagem dele
(Filologia histórica); sua grafia e suas abreviações (Paleografia); seu suporte (papiro,
pergaminho, papel, lápide, cera etc.); faz comparações com referências aportadas pela
Cronologia e pela Diplomática (disciplina que diz respeito à interpretação do sentido
político e diplomático dos textos). É utilíssimo para apontar falsificações e contrafações;
e também para permitir uma compreensão melhor do documento autêntico.
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Método hermenêutico: O método hermenêutico se volta para a compreensão e


a interpretação do documento não apenas em si mesmo, mas inserido no contexto em
que foi produzido. Considera seu autor, sua intenção, sua sinceridade, seus interesses,
suas possíveis omissões intencionais. Procura “decodificar” sua linguagem, até mesmo
“desconstruir” seu discurso.

O método hermenêutico é muito importante e até é imprescindível, mas deve ser


usado com extremo cuidado para que o historiador não projete, subjetiva e
anacronicamente, seu próprio modo de ser e de pensar, seus valores e critérios, aos
autores dos documentos que analisa.

Dica do professor:

Você viu que, pelo método hermenêutico, quem analisa um documento deve
indagar as reais motivações de quem o redigiu, interpretando não somente o que ele
escreveu, mas o que está insinuado nas entrelinhas, e deve até mesmo procurar ver as
omissões e os silêncios intencionais do texto.
O método hermenêutico não serve apenas para a análise de documentos
históricos. Ele pode ser utilizado também para analisar textos de livros, jornais e
revistas, assim como noticiários de televisão ou de mídias sociais. Habitue-se a ser
consumidor crítico – e não absorvedor passivo – das informações que chegam até você,
seja qual for a fonte de onde elas procedam.

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