Historia - Unidade 3
Historia - Unidade 3
Historia - Unidade 3
Já vimos que a História não é uma ciência exata, mas é uma ciência humana,
sujeita a todas as incertezas e flexibilidades da natureza humana. Mas isso não significa
que ela não tenha como objetivo constante a procura da verdade. A História, para ser
escrita, não pode ser fruto de mera imaginação do historiador... Se pudesse, ele não seria
historiador, seria romancista, literato ou novelista... A História precisa se basear em
documentos, obtidos em fontes confiáveis. Mas, o que são, propriamente, as fontes em
que se baseia o historiador? E como ele pode extrair, dessas fontes, documentos
utilizáveis no trabalho historiográfico que está desenvolvendo?
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O texto do presente tópico é em parte transcrito de: SANTOS, A. A. dos. Tópicos de teoria, prática e
ensino de História. “Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo” no. 101, 2007, p. 193-207.
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Dica do professor:
Você já deve ter notado como os historiadores, ao longo dos tempos, foram
mudando muito seu modo de ver e considerar a realidade? Como seus critérios foram se
ajustando ao modo de ser e de pensar dos tempos em que vivem? Reflita sobre isso.
Anote suas reflexões num caderno, ou as registre num arquivo à parte, no seu
computador. De tempos em tempos, à medida que nosso curso for avançando, você
sentirá que sua visão da História cada vez mais se enriquecerá. Vá, passo a passo,
anotando no seu caderno, ou no arquivo de computador, os progressos que for fazendo.
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2
PARENTE, Paulo André Leira; SANCHES, Marcos Guimarães. Teoria e Metodologia da História.
Palhoça: UNISUL Virtual, 2010, p. 50.
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Documentos orais
Documentos orais, claro está, se contrapõem a documentos escritos. São
documentos orais aqueles passados de boca a ouvido, aqueles conservados na memória
e transmitidos oralmente.
É muito difícil para nós, que vivemos em nosso tempo, compreender como pode
haver verdadeira cultura e pensamento profundo sem escrita. Saber ler e escrever, na
nossa ótica, parece condição indispensável para o pensamento e a cultura. Quem não
sabe ler e escrever, imaginamos, é necessariamente inculto, ignorante, ignaro. Um ser
inferior, portanto. Nem sempre foi assim. Voltaremos ao assunto mais adiante, no
tópico seguinte desta aula.
Monumentos e documentos
Na linguagem popular corrente, utiliza-se a palavra monumento para designar
estátuas, lápides, edificações de natureza diversa destinadas a perpetuar a memória de
alguém ou de alguma coisa. A noção de monumento, pois, está quase
indissociavelmente ligada à ideia de um objeto material intencionalmente feito ou
preservado “ad perpetuam rei memoriam” – para a perpétua memória da coisa. Ainda
na linguagem corrente do português falado em nossos dias, pode-se usar, por extensão,
a palavra monumento para designar alguma obra que, pela sua grandiosidade, mereça
ter a memória perpetuada. Assim, pode-se dizer que “Os Sertões”, de Euclides da
Cunha, constituem um verdadeiro monumento da Literatura brasileira.
Etimologicamente, porém, se recuarmos até a forma monumentum, do Latim, o
sentido é bem mais amplo. Monumento significa “tudo o que lembra alguém ou alguma
coisa, o que perpetua uma recordação, qualquer monumento comemorativo”, mas
significa também “monumentos escritos, marca, sinal por onde se pode fazer um
reconhecimento, uma identificação”.3 Já a distinção entre monumento e documento,
3
MACHADO, José Pedro. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Lisboa: Editorial
Confluênca/Livros Horizonte, 1967, t. II, p. 604, verbete Monumento.
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Imateriais ou materiais
Os documentos podem ser materiais ou imateriais. Que são documentos
imateriais? São, como o próprio nome diz, aqueles que não se materializam, não se
corporificam. Um exemplo, entre muitos outros: a existência comprovada, entre os
índios brasileiros, de uma versão do mito do dilúvio universal, com Tamandaré (o
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Campinas: Editora Unicamp, 1994.
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“Noé” dos Tupi), é algo não material. Mas poderia ser selecionado como documento,
por um historiador que relacionasse esse mito com mitos análogos provenientes de
outras partes do mundo, com relatos bíblicos, com fontes mesopotâmicas (como a saga
de Gilgamesh, anterior à escrita da própria Bíblia) etc., com vistas a sustentar uma
eventual tese sobre a remota origem dos índios brasileiros.
Voluntários ou involuntários
Alguém pode querer deixar sua marca na história, pode querer perenizar uma
lembrança. É o caso, por exemplo, de um homem primitivo que tenha pintado, na
parede de uma caverna, uma cena de caça ou de luta. Esse mesmo homem pode,
também, deixar involuntariamente sua marca na história, por exemplo, se abandonar
restos de comida ou um vaso de barro quebrado. Esse “lixo” pré-histórico, analisado
com cuidado, revela uma imensidade de coisas acerca da vida de nossos ancestrais. É
tipicamente um documento involuntário.
Os restos mortais dos homens e mulheres de outros tempos também são
involuntariamente muito reveladores, pois o arqueólogo, ajudado pela Medicina e
fazendo uso de moderníssimas técnicas de pesquisa, pode conhecer muitas coisas, numa
profundidade maior do que, muitas vezes, um médico de nossos dias poderia atingir
interrogando e examinando pacientes vivos em seu consultório.
Mesmo documentos escritos podem, contrario sensu, revelar involuntariamente
o que não foi intencionalmente escrito. Certas omissões intencionais são muito
reveladoras. Le Goff se estende, na obra citada, sobre os cuidados que o historiador
deve tomar para não se limitar à letra do texto em si, exclusivamente, como propunham
os positivistas, mas saber ir além do texto, inserindo-o num contexto, problematizando-
o, interrogando o que nele não está dito e questionando o que nele está dito. 5
Dica do professor:
Você notou que os autores utilizados neste tópico – Pe. Galanti, Parente e
Sanches e Le Goff – às vezes usam terminologia diferente para dizer a mesma coisa?
Não estranhe! Isso é próprio das Ciências Humanas. Fique tranquilo. Num primeiro
momento essas variações terminológicas podem confundi-lo, mas logo você se
habituará. E nunca se esqueça disto: História é uma ciência humana, bem humana!
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A respeito dos vários tipos de fontes históricas, ver: SANTOS. A. A. dos. Tópicos de teoria, prática e
ensino de História, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Ano CXXIII – Volume
CI – São Paulo-2017 p. 193-207.
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Surgiram, numa segunda fase, a escrita e a leitura. Ambas se supõe que tenham
sido precedidas pelas representações pictóricas ou rupestres, seguindo-se a fase dos
caracteres ideográficos que, pouco a pouco, evoluíram para as letras.
Depois que foi inventada a imprensa, já no século XV, cada vez mais tendeu a se
generalizar o conhecimento escrito, com parcelas cada vez maiores da população se
alfabetizando e tendo acesso conhecimento escrito.
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“Nós sabemos bem que o homem moderno, saturado de discursos, se demonstra muitas vezes cansado
de ouvir e, pior ainda, como que imunizado contra a palavra. Conhecemos também as opiniões de
numerosos psicólogos e sociólogos, que afirmam ter o homem moderno ultrapassado já a civilização da
palavra, que se tornou praticamente ineficaz e inútil, e estar a viver, hoje em dia, na civilização da
imagem.” (Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi , de 8-12-1975, disponível em:
http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/apost_exhortations/documents/hf_p-vi_exh_19751208_evangelii-
nuntiandi.html – Acesso a 14-2-2022).
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Que novos passos ainda poderá dar a tecnologia, nessa caminhada? Só Deus
sabe! Nossa geração já testemunhou enormes transformações enormes e muito
provavelmente presenciará a muitas outras mais.
Sem duvida, esses recursos podem ser aproveitados não só na pesquisa, mas
também no ensino da História nos vários níveis, com vantagens muito consideráveis, no
ensino presencial e ainda mais no realizado à distância. Nesta última modalidade de
ensino, a pandemia de vírus chinês que estamos atravessando demonstrou sua inegável
utilidade. Mesmo antes de se manifestar a pandemia, já era notável a utilidade do ensino
à distância, vencendo as distâncias de um país de dimensões continentais como as do
Brasil, que se insere dentro do contexto de um planeta que cada vez mais tende a se
constituir numa só “aldeia global” – para utilizarmos o conceito lançado na década de
1960 pelo canadense Marshall McLuhan (1911-1980), teórico da comunicação da
Universidade de Toronto. Cada vez mais se torna indispensável superar as barreiras do
espaço e do tempo, possibilitando a comunicação entre professores e alunos à distância,
pela comunicação instantânea e a interação efetiva, em auditórios virtuais, entre pessoas
fisicamente distantes, e até mesmo a comunicação e a participação assíncrona dos
discentes. , a realização de videoconferências que, num auditório virtual, permitem a
comunicação instantânea e a interação efetiva de pessoas fisicamente distantes.
* * *
Essas considerações que acabamos de fazer têm especial utilidade num curso de
licenciatura, destinado a futuros professores. Caberá a vocês, alunos deste curso,
acompanharem passo a passo o desenvolvimento tecnológico, utilizando sempre, do
modo mais adequado, cada ferramenta colocada a nossa disposição para o melhor
cumprimento de nossa missão educativa – sem esquecer os cuidados que sempre devem
ser tomados.
Dica do professor:
Você viu que, pelo método hermenêutico, quem analisa um documento deve
indagar as reais motivações de quem o redigiu, interpretando não somente o que ele
escreveu, mas o que está insinuado nas entrelinhas, e deve até mesmo procurar ver as
omissões e os silêncios intencionais do texto.
O método hermenêutico não serve apenas para a análise de documentos
históricos. Ele pode ser utilizado também para analisar textos de livros, jornais e
revistas, assim como noticiários de televisão ou de mídias sociais. Habitue-se a ser
consumidor crítico – e não absorvedor passivo – das informações que chegam até você,
seja qual for a fonte de onde elas procedam.