ESOPO Fabulas Completas Traducao de Mari

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Maria Aparecida de Oliveira Silva

Esopo. Fábulas completas...


Praesentia 15, 2014, p.1 /4
 
 
ESOPO. Fábulas Completas. Tradução de Maria Celeste Consolin Dezotti.
Ilustrações de Eduardo Berliner e Apresentação de Adriane Duarte. São
Paulo: Cosac Naify, 2013, 564 p., 86 ils. ISBN: 978-85-405-0475-2.

Recibido: 30/09/2014
Evaluado:04/10/2014
Aceptado:10/10/2014

As fábulas de Esopo permeiam o imaginário


infantil ocidental desde as adaptações fabulares de
Jean de La Fontaine, no século XVII. As fábulas
de La Fontaine tornaram-se provérbios morais
para as gerações vindouras, pais e professores se
apoiavam nos ditos morais de seus pequenos
contos para educar e advertir as crianças sobre o
certo e o errado. No entanto, essa tônica
pedagógica infantil dada às fábulas não
correspondem completamente ao universo literário
de Esopo. Diferente do nobre e abastado La
Fontaine, especula-se que Esopo tenha sido um
escravo, do tipo por dívidas, muito comum na Atenas do séc. VI a.C. Assim, o conteúdo de
suas fábulas era mais voltado para as questões sociais e políticas de sua época, sem perder
o seu caráter didático-moral. É interessante ressaltar que Esopo não foi o criador do gênero
fabular, que já o encontramos em Hesíodo e Heródoto, por exemplo. Como Adriane da
Silva Duarte aponta na abertura de sua interessante Apresentação à obra, citando Hesíodo,
Os Trabalhos e os Dias, v. 202, traduzido por Mary Lafer:

“Agora uma fábula falo aos reis mesmo que isso saibam”

E continua afirmando que:


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Assim Hesíodo introduz o relato sobre o encontro entre a águia e o
rouxinol [...] trata-se do primeiro registro na Grécia dessa espécie
de narrativa, breve, normalmente em prosa, muitas vezes
protagonizadas por animais falantes (embora não exclusivamente) e
selada por uma máxima moral (p. 7).

Há registros que nos revelam que as fábulas nem mesmo nasceram no mundo grego, visto
que temos fábulas já Babilônia antiga, escrita em acádico, mas com a finalidade de
exercitar o aluno na arte retórica. A mais famosa delas é a da “Águia e a cobra” que foi
incorporado no poema épico sumério que versa sobre o mito de Etana. De qualquer forma,
as fábulas utilizam um discurso tradicional popular para expressar ensinamentos que
colaboram para a padronização de um comportamento.

Por se tratar de um gênero literário mais popular, a fábula não é tratada como um gênero
nobre, daí não ter sido muito estudada e entre os autores antigos e ainda em nosso tempo,
pois não vemos estudos abundantes sobre esse gênero na academia. No Brasil, a professora
Maria Celeste Consolin Dezotti, Universidade Estadual Paulista – Campus Araraquara,
destaca-se por ser a grande estudiosa das fábulas de Esopo, com vários livros publicados
sobre o tema. Dessa maneira, a tradução das 383 fábulas esópicas realizada pela referida
professora não somente revelam o seu conhecimento da língua grega, como também
espelha o seu conhecimento teórico sobre o gênero. O volume traz ainda ricas ilustrações
de Eduardo Berliner, o que torna o conjunto da obra singular, um projeto gráfico de muito
estilo, agradável ao leitor.

Apresento então três fábulas traduzidas pela autora para ilustrar certas particularidades do
gênero fabular e ainda o cuidadoso trabalho de tradução exposto no livro, que teve como
base a edição crítica de Émile Chambry.

Eis a primeira:

O corvo e a raposa

Um corvo surrupiou um pedaço de carne e foi posar numa árvore,


mas uma raposa o avistou e quis tomar-lhe a carne. Parou, então,
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diante da árvore e se pôs a fazer elogios à sua beleza e ao seu porte
vistoso, dizendo também que ele era perfeito para ser o rei dos
pássaros, e que isso certamente aconteceria se ele tivesse voz. E o
corvo, querendo mostrar-lhe que tinha voz também, soltou a carne
e ficou grasnando bem alto. A raposa, então, agarrou correndo a
carne e disse-lhe: “Ei, corvo, se você também tivesse inteligência,
nada lhe faltaria para ser rei de todos nós”

Moral: Para homem tolo a fábula é oportuna.

Nota-se que o conteúdo da fábula esópica aplica-se também ao gênero literário conhecido
como sapiencial, uma vez que a parábola é um elemento constitutivo desse tipo de
literatura. A segunda fábula selecionada:

O náufrago e Atena

Um ateniense rico navegava em companhia de outras pessoas,


quando ocorreu uma forte borrasca e o navio soçobrou. Enquanto
todos os outros pelejavam para nadar, o ateniense não parava de
invocar a deusa Atena, fazendo-lhe mil promessas caso se salvasse.
Então, um dos companheiros de naufrágio, que estava ao seu lado
tentando nadar, lhe disse: “Mas, com a ajuda de Atena, movimente
o braço você também!”

Moral: Pois é. Portanto, também nós devemos agir, além de invocar


os deuses, ainda que contemos com alguma ajuda em nosso favor.

Outro aspecto presente nas duas fábulas acima é o uso do relato fantástico que vem
acompanhado de uma anedota, e destacamos que ambos os gêneros literários se mostram
recorrentes na composição das fábulas esópicas. E por fim:

Zeus juiz

Zeus determinou que Hermes gravasse em cacos de terracota os


erros dos homens e que os depositasse ao lado dele dentro de uma
caixa, para que pudesse cobrar satisfações de cada um. Mas os
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cacos acabaram ficando baralhados. Assim, cada vez que Zeus faz
o julgamento, os cacos caem nas mãos dele, uns mais devagar,
outros mais rapidamente.

Moral: Que não é de admirar que os injustos e os malvados


demorem para receber o troco de suas más ações.

Percebe-se que mais dois gêneros literários, a saber, o provérbio e a alegoria, aparecem
nessas fábulas esópicas selecionadas, o que nos leva a concluir que o gênero fabular agrega
diferentes gêneros na sua composição. Por esse conteúdo e por sua finalidade didática, a
fábula traz essa marca de ser um relato breve, de fácil memorização e de rápida
compreensão. A fábula desempenha assim a função de um ensinamento acompanhado de
um exemplo, uma alegoria ocorrida no passado mítico e atemporal, também relacionada ao
presente, com lições que têm validade no tempo futuro. Talvez essa intersecção temporal
do relato fabular explique a permanência e a atemporalidade dos seus episódios e
ensinamentos.

Por todas as razões enumeradas acima e por aquelas que o meu texto não abrange, a leitura
dessas fábulas de Esopo, traduzidas por Maria Celeste Consolin Dezotti, são
imprescindíveis à reflexão e ao conhecimento de aspectos importantes da cultura grega
antiga. Além disso, a leitura desse volume acresce pela acurada e acessível tradução de
Dezotti, pois se mostra claramente preocupada em transmitir o texto grego ao leitor do
nosso idioma, sem a perda da erudição e do seu conteúdo original, o que requer engenho e
arte.

Maria Aparecida de Oliveira Silva


Universidade de São Paulo
[email protected]

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