Ciclos Fatais Socialismo e Direitos Humanos by Geanluca Lorenzon
Ciclos Fatais Socialismo e Direitos Humanos by Geanluca Lorenzon
Ciclos Fatais Socialismo e Direitos Humanos by Geanluca Lorenzon
Ciclos fatais:
socialismo e direitos humanos
Sobre a inevitabilidade da destruição
humanitária sob o socialismo
1a Edição
Mises Brasil
Copyright © by Geanluca Lorenzon
Editado por:
Instituto Ludwig von Mises Brasil
R. Leopoldo Couto Magalhães Junior, 1098, cj. 46 – Itaim Bibi
CEP: 04542-001, São Paulo – SP
Tel.: +55 11 3704 3782
E-mail: [email protected]
www.mises.org.br
Revisão Ortográfica
Mariana Diniz Lion
Thaiz Batista
Revisão Técnica
Fabio Barbieri
Mariana Piaia Abreu
Ficha Catalográfica
CDU – 330.83
O socialismo sempre falhará.
Ele é profundamente errado na teoria,
e trágico na prática.
Este livro é o fruto de uma extensa pesquisa iniciada em 2013, que buscou reunir o
conhecimento apriorística-teórico dos temas tratados com os relatos históricos alta-
mente incontroversos. Uma primeira edição puramente acadêmica foi introduzida
ao final de 2014, sob orientação do Dr. Ricardo Seitenfus. Entre 2015 e 2016, a pes-
quisa foi apresentada e discutida no ambiente acadêmico com estudantes e pesquisa-
dores de diversas faculdades pelo Brasil, incluindo a Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), a faculdade de economia da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), a Universidade de Fortaleza (UNIFOR), a Universidade do Estado
da Bahia (UNEB), a Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), a Uni-
versidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), dentre outras instituições.
1
Felippe Hermes é editor e fundador do premiado news outlet brasileiro Spotniks.
12 Geanluca Lorenzon
Como fica claro também nos dias atuais, a ideia do socialismo ainda seduz,
e se mantém mais viva do que nunca. Como mostrou a conceituada Gallup, a nova
geração literalmente prefere o socialismo ao capitalismo, e não sem seus motivos.
Não por um acaso, sem merecer a devida atenção por conservadores, e es-
pecialmente liberais, essas ideias foram abraçadas por grupos que sob qualquer
olhar mais atento, em nada se assemelham ao seu propósito original.
A cada capítulo desta obra, ficará mais e mais difícil ao leitor manter qual-
quer esperança de associar a defesa dos direitos humanos a qualquer das concep-
ções de socialismo existentes, seja ele um socialismo Fabiano, comunismo, ou mes-
mo o bolivarianismo. A consequência mais óbvia de todas será forçar o leitor a
buscar a origem do erro e abandonar certas pautas em detrimento de outras.
O que se pode dizer, ao concluir por completo a obra, é que tratamos aqui
de um assunto demasiadamente importante para a liberdade, para que o deixemos
a cargo de pessoas instintivamente antiliberais.
Felippe Hermes
A próxima tentativa
socialista vai dar certo
Mas e se os trágicos exemplos históricos não tivessem sido uma mera coin-
cidência? E se todo o sofrimento que o socialismo impôs à humanidade no século
XX fosse completamente previsível cientificamente, e, até, já contemplado por
defensores desse sistema dois séculos atrás?
Americans’ Views of Socialism, Capitalism Are Little Changed. Frank Newport. Gallup
2
Esse modelo foi talvez uma das maiores construções teóricas da história.
Estudado, debatido e pesquisado, o conceito foi desenhado para formatar uma so-
ciedade ideal, que pudesse ultrapassar as barreiras e as dificuldades do ser egoísta,
e trazer ao (novo) homem uma libertação verdadeira.
Foram os direitos naturais que iniciaram a longa caminhada do que são hoje
os direitos humanos: a ideia básica e fundamental de que a vida do indivíduo cabe
a ele próprio, em detrimento dos demais, da sociedade e do estado. Nesse sentido,
compreenderemos o que eles são, e como podem ser concebidos no contexto atual.
18 Geanluca Lorenzon
Socialismo: a pretensão
do conhecimento
então vislumbrar como esse sistema se apresentou na história, suas diferentes rou-
pagens e principais características.
Faz-se necessário analisar o fenômeno socialista por ele ser a causa maior
da Teoria dos Ciclos Humanitários, que será apresentada no quarto capítulo desta
obra, razão pela qual é impossível dissociar o socialismo das violações de direitos
humanos. Ao contrário do que alegam seus defensores, não é uma mera coincidên-
cia que todas as experiências econômicas desse tipo tenham acabado em tragédias
históricas sem precedentes.
O que é socialismo?
Todo mundo o quer, mas ninguém deseja assumir a paternidade dessa “crian-
ça”. Achar um político hoje que admita que qualquer das experiências passadas de
socialismo seja o que ele gostaria de ver implementado é praticamente impossível.
4
Ver gráfico à pág. 147.
Nesse sentido vale a atentar ao debate acadêmico e intelectual ocorrido no século passado
5
entre Friedrich Hayek e o economista socialista Oskar Lange, a partir do problema do cál-
culo econômico sob o socialismo demonstrado por Ludwig von Mises na década de 20. O
conceito aqui apresentado e discutido é considerado amplamente incontroverso.
22 Geanluca Lorenzon
6
MISES, Ludwig von. Human Action. 1949. Capítulo 25.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 23
por uma entidade central, enquanto capitalismo é o sistema em que todos os indi-
víduos agem conforme suas próprias deliberações.
ção de Bruno Garschagen. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013. p. 71
8
Ibid., p.71
24 Geanluca Lorenzon
A forma específica com que esse órgão toma as decisões e elabora o pla-
nejamento é absolutamente irrelevante. Mesmo que haja um sistema que colete
informações próximas ao dia-a-dia do indivíduo, que existam assembleias ou co-
mitês “democráticos”, que os líderes sejam eleitos por maiorias, ou ainda que a
programação seja resultado de métricas elaboradas por gênios e computadores
jamais vistos sobre a face da terra, seu caráter continuará sendo absolutamente
indiferente para o que se analisará aqui.
9
MISES, Ludwig Von. Ação Humana. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 25
Por exemplo, quando alguém oferece sua mão de obra para um empregador
ou ao estado (através de um concurso público);12 ou ainda quando recolhe uten-
sílios caseiros e os anuncia como “a venda” em uma rede social, o indivíduo está
se comportando como empresário e buscando uma relação econômica; ao mesmo
tempo, comporta-se como especulador, por estar dotado de habilidade racional ca-
paz de imaginar e prever os incertos resultados positivos e negativos dessa relação
em um dado tempo, através da determinação de um preço ou de outros benefícios
que possa almejar conquistar. A mesma coisa ocorre quando alguém procura um
parceiro(a) em um aplicativo de relacionamentos como o Tinder™, em que o in-
divíduo está aceitando e rejeitando ofertas, especulando e empreendendo, sem ter
o conhecimento completo do que quer, uma vez que sabe que o que encontrará é
imprevisível. Logo, ele age em suposições, enquanto vai coordenando suas expec-
tativas imediatamente de acordo com as opções disponíveis no “mercado”.
10
Ibid., p. 309
11
Ibid., p. 310
12
Em um Sistema socialista, todos seriam funcionários públicos, direta ou indiretamente.
26 Geanluca Lorenzon
13
DE SOTO, op. cit., p. 37
14
Sujeita à desvalorização marginal decrescente.
15
DE SOTO, op. cit., p. 69
Socialismo: a pretensão do conhecimento 27
alocação de recursos.
28 Geanluca Lorenzon
OLMOS, Marli. Argentina aprova reforma da lei que limita preços e margens de lucro.
17
cima para acabar com as características típicas do capitalismo. DE SOTO, op. cit., p. 145.
Marx nunca foi preciso em como seria o sistema econômico socialista (o que talvez expli-
19
que um pouco sua militância pelo modelo), tendo algo mais vislumbrável em sua crítica ao
programa de Ghota. Ver MARX, Karl. Critque of Gotha Programme. 1985.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 29
Esse será o conceito do fenômeno econômico que será analisado por esta obra.
20
DE SOTO, op. Cit., p. 75
Capítulo 1.2
21
Ibid., p. 111
22
Não confundir com a fase final do Sistema econômico humano na teoria da Karl Marx.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 31
23
Com exceção do regime norte-coreano.
24
Ibid., p. 111
32 Geanluca Lorenzon
THOMSON, George. The Tindemans Report And The European Future. Disponível
25
Considera-se que essa foi a única solução política para que o Labour Party
voltasse ao poder depois dos 11 anos em que Thatcher promoveu profundas refor-
mas liberalizantes na economia do Reino Unido, enterrando de vez a premissa de
que a economia deveria ser planificada e controlada pelo estado, uma ideia vigente
naquele país até a década de 70.
LABOUR PARTY, Labour Party Rule Book. Londres, 2013. Disponível em <http://
27
Pode ser considerado como socialismo conservador aquele que exerce sis-
tematicamente a agressão institucional à ação humana, mas, em outros aspectos,
visa manter o status quo socialmente vigente.
Vale a pena aqui mencionar as seis formas com que a Justiça do Trabalho no Brasil au-
31
Esse fenômeno em si não é visto como um sistema geral, mas sim como
um subproduto presente em determinados regimes em que intelectuais, através de
governos, tentam fazer uso de conhecimentos adquiridos no campo das ciências
exatas, para então influir no comportamento social das massas.35
Talvez uma de suas mais curiosas descrições seria a proposta feita por um
dos teóricos do chamado socialismo utópico, o francês Henri de Saint-Simon
em 1803.36 Dono de um imponente estilo de vida, ele preferia aprender atra-
vés de jantares e banquetes com intelectuais, ao invés de estudar com leituras e
pesquisas.37
34
DE SOTO, op. cit., p. 115
Um dos maiores críticos da engenharia social e da pretensão do conhecimento envolvido nesse
35
38
Como aponta Hayek, uma releitura exagerada do culto de Voltaire a Newton.
38 Geanluca Lorenzon
ELLSWORTH, Brian. Venezuela decrees new price controls to fight inflation. Reuters.
39
Herald Tribune. The New York Times. Caracas, 2007. Disponível em <http://www.nyti-
mes.com/2007/01/09/world/americas/09iht-venez.4147028.html?pagewanted=all&_r=0>
Acesso em: 20 out. 2014
In depth: Media in Venezuela. British Broadcast Company News. Londres: 2012. Dispo-
42
Nacional-socialismo ou Nazismo
43
Contudo, importa ressaltar que politicamente havia uma aproximação notória entre o socia-
lismo ideológico em si, e o nacional-socialismo de Hitler. Conforme ponderou Hayek em O
Caminho da Servidão, “Esquecemos também que, uma geração antes de o socialismo se tornar
uma séria questão na Inglaterra, a Alemanha tinha um numeroso partido socialista no parla-
mento, e que, até data recente, o desenvolvimento da doutrina socialista ocorria quase inteira-
mente na Alemanha e na Áustria, de sorte que mesmo hoje os russos partem do ponto em que
os alemães se detiveram.” HAYEK, Friedrich A. O Caminho da Servidão. São Paulo: Instituto
Ludwig von Mises Brasil, 2010
40 Geanluca Lorenzon
Instituto Ludwig von Mises Brasil. São Paulo: 2014. Disponível em <http://www.mises.org.
br/Article.aspx?id=98> Acesso em: 14 out. 2014
MISES, Ludwig von. As seis lições. Tradução de Maria Luiza Borges. 7ª ed. São Paulo:
45
O fato que regimes desse naipe perseguiam “comunistas” não os faz me-
nos socialistas. Apesar de a esquerda hoje repetir isso insistentemente, inclusive
apontando para perseguições ocorridas sob o regime Vargas e sob a ditadura civil-
-militar brasileira pós-64, a perseguição de comunistas não era uma agressão à
ideologia econômica dos mesmos, mas sim às posições políticas de alinhamento à
46
The Bulletin of International News, Royal Institute of International Affairs, v. XVIII,
n.º 5, p. 269 (apud HAYEK, op cit., 2010)
47
IKEDA, Sanford. Dynamics of the Mixed Economy. Routledge, 1997. P. 33.
DECLARAÇÃO DE PRAGA SOBRE CONSCIÊNCIA EUROPEIA E COMUNIS-
48
União Soviética. Ser comunista não era partilhar de ideais economicamente socia-
listas, mas sim se engajar dentro do sistema revolucionário advogado à época pelo
regime soviético. Ser comunista era cool.
Capítulo 1.3
49
DE SOTO, op. cit., p. 92
44 Geanluca Lorenzon
Assim sendo, tais modelos, como visto nos fenômenos revolucionários aqui
analisados, implicam na criação de um órgão diretor, sob diferentes nomes ou es-
truturas na história, com o intuito inicial de planejar a economia, mas que – ao fim
e ao cabo – sempre acaba por controlar todos os aspectos da vida da pessoa, vio-
lando assim os conceitos de direitos humanos que se passa a analisar no próximo
capítulo.
Friedrich August von Hayek – Prize Lecture: The Pretence of Knowledge”. Nobelprize.
50
Direitos humanos:
origens e influência
51
North Sea Continental Shelf, Judgment, I.C.J. Reports 1969, pp. 3, 43, [74],
52
SHAW, Malcolm. International Law. 6ª Ed. Londres: Cambridge University Press, 2008.
Direitos Humanos: origens e influência 47
ENGLE, Eric. Universal Human Rights: A Generational History. 2006 Annual Survey of In-
53
ternational & Comparative Law Golden Gate University School of Law. San Francisco: 2006.
Capítulo 2.1
Ainda que o conjunto atual dos direitos humanos sob o direito internacio-
nal aponte para a existência conjunta de ambas as gerações acima mencionadas,
a história mostrou que isso nem sempre foi verdade. De fato, o surgimento do
fenômeno econômico aqui analisado exerceu direta influência nesse conflito, uma
vez que trazia uma nova visão do que seriam os direitos humanos.
55
SHELTON, Dinah. The Oxford Handbook of International Human Rights Law. ISBN
9780199640133 Londres: OUP Oxford, 2013, (tradução nossa)
Especificamente no que se denota à filosofia jusnatural (tecnicamente objetivista) de Ayn
56
Rand, e outros.
57
SHELTON, op. cit., cap. II
50 Geanluca Lorenzon
A lei de Moisés (Mosaic Law), que veio a ter especial influência nos antigos
reinos da Judéia e Israel, os quais estavam desenvolvendo-se próximo ao Oriente
Médio, também trazia características do que chamamos hoje de direitos humanos,
especialmente entre 600 e 400 AC.59 Algumas das previsões desses textos incluíam
forte respeito à vida, liberdade e propriedade privada.60 A ideia da relação recípro-
ca entre direitos e responsabilidades, tão crucial no papel das relações jurídicas na
teoria liberal, também já estava presente.
causar danos uns aos outros, algo próximo ao conhecido princípio liberal da não-
-agressão (PNA). Séculos depois, o filósofo Meng Zi (372-289 AC) declarou que
“o indivíduo é de valor infinito, as instituições e convenções vem depois dele, e os
governantes são, entre todos, os de menos significância.”62 Estudantes chineses re-
citavam essa frase em 1989 durante o massacre da Praça da Paz Celestial.63 A ideia
de que o ser humano antecedia a construção social, conforme a filosofia de direitos
liberal advoga, já estava presente no extremo oriente. Xunzi (312-230 AC) evoluiu
a filosofia, mencionando que “nada é efetivo sem um claro reconhecimento dos
direitos individuais”.64
O Direito Romano manteve essa visão, como denotado pelo filósofo e jus-
doutrinador Marcus Tullius Cicero por volta de 46 AC,67 que reconheceu que a
lei e a justiça antecedem o estado, especialmente no sentido do respeito entre os
indivíduos. Em sua obra On Duties, ele defendia que a lei natural possuía direitos e
obrigações para todos os indivíduos, o que foi tornado real através do jus gentium
romano: um conjunto de leis que reconhecia a existência de direitos universais
62
The Evolution of Human Rights’ United Nations Weekly Bulletin (12 August 1946)
63
SHELTON, op. cit, cap. II, footnote no. 24
64
UNESCO, The Birthright of Man (UNESCO 1969) 303
65
PLATO. The Laws (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).
66
SHELTON, op. cit., cap. II
CICERO, Marcus Tullius. The Republic and The Laws. Londres: OUP, 1998. (2013,
67
STRUVE, Lynn. Huang Zongxi in Context: A Reappraisal of His Major Writings. Jour-
68
nal of Asian Studies, 1998. (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).
Capítulo 2.2
gimento indicado acima como uma “arma de Guerra ideológica a serviço de uma classe
social”. Ver mais em MORANGE, Jean. Direitos Humanos e Liberdades Públicas. 5º Ed.
Barueri – SP: Manole, 2004. p. 3
70
SHELTON, op. cit., cap. II, tradução nossa
54 Geanluca Lorenzon
Mas ainda é visível como esse sistema foi muito mais fruto de uma evolução
social do que do design humano. Talvez uma das razões pela qual o solo britânico
tenha sido a raiz fundamental da disseminação da concepção liberal de direitos
humanos na era moderna seja em razão dos resultados que o mesmo trouxe à so-
ciedade da época. Como Hayek afirma, somente depois que foi descoberto que o
aumento de liberdade individual experimentado no século XVIII produziu uma
prosperidade material sem precedentes na história da humanidade, que tentativas
de se desenvolver uma teoria por trás de tal sistema começaram a surgir.74
71
LOCKE, 1821, tradução nossa
72
MORANGE, op. cit., p. 04.
Lamentavelmente o conceito de indivíduo não foi estendido à toda a população, e a escra-
73
Entretanto, ainda que antiga, a essência dos direitos humanos sob o cunho
liberal persiste até os dias de hoje: a noção de que esses direitos são naturais (ou
objetivos),75 podendo ser gozados exclusivamente por indivíduos, tendo como
base a vida, a liberdade e a propriedade.
75
Na visão da filósofa Ayn Rand.
76
Para Jean Morange, a declaração francesa era “apenas uma cópia desses precedentes, sem
originalidade nem no fundo nem na forma.” MORANGE, op. cit., p. 08.
ROYAUME DE FRANCE. Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de 1789.
77
Disponível em <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/fran-
cais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l
-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html> Acesso em 12 set. 2014.
Nenhum grupo é mencionado na declaração, com exceção da Nação detentora da sobera-
78
Mais do que isso, a concepção jusnatural de direitos individuais tem sido as-
sim recepcionada pela jurisprudência internacional. Isso foi notado fortemente no
pós-Segunda Guerra, ao reconhecer que alguns princípios eram tão universais que
seriam auto evidentes, podendo então ser executados independente da regra nulle
crime sine lege (“não há crime sem lei”) no âmbito penal, por exemplo. Não se fazia
necessário que fosse proibido o assassinato de judeus nos campos de concentração
nazistas, uma vez que o direito deles à vida não dependia do estado, não sendo uma
concessão do resto da sociedade.
determinado por seu próprio preâmbulo;80 negativos, uma vez que demandam em
gênese uma conduta de abstenção; e objetivos, uma vez que não estão (em tese)
sujeitos a critérios subjetivos em sua aplicação, sendo então universais.81
“Realizing that the individual, having duties to other individuals and to the community to
80
which he belongs, is under a responsibility to strive for the promotion and observance of the rights
recognized in the present Covenant.” – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto
International dos Direitos Civis e Políticos. International Covenant on Civil and Political
Rights. Disponível em: <http://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/ccpr.
aspx> Acesso em: 29 set. 2014
Interessante notar como a questão de objetividade racional dos direitos se relaciona com
81
o conceito de que os mesmos são naturais. Essa conexão é feita pela filósofa Ayn Rand,
mas a percepção jusnaturalista, obviamente, esteve presente desde as primeiras constru-
ções jurídicas.
Capítulo 2.3
Essa percepção se relaciona diretamente com a análise de que eles não seriam
universais; tanto porque não existiriam valores universais (visão pós-modernista),
ou porque representariam tão somente os ocidentais e burgueses (visão de relativis-
mo cultural). Logo, podem ser relativizados, cessados ou extintos quando cabível.
defensor do jusnaturalismo e traça toda sua filosofia jurídica baseada na ideia de autopro-
priedade.
Direitos Humanos: origens e influência 59
acredita que não existem valores morais, mas tão somente moralidade de mercado.83
Já Hayek defende a ideia de que através da ordem espontânea, a humanidade vai
descobrindo a moralidade em um processo evolutivo. Mises arguiu no mesmo sen-
tido, ao expressar que “o direito não surgiu na humanidade como algo perfeito e
completo. Por milhares de anos ele evoluiu e ainda está evoluindo”.84
83
Ver mais em POSNER, Richard. The Economics Of Justice. Boston: Harvard, 1981.
84
MISES, Ludwig von Mises. Socialism. P. 46
(Tradução nossa) – ENGLE, Eric. Universal Human Rights: A Generational History.
85 ”
2006 Annual Survey of International & Comparative Law Golden Gate University School
of Law. San Francisco: 2006.
60 Geanluca Lorenzon
86
Na visão de Rousseau.
ALVES, Lindgren. Commemorative Essay: On The 50th Anniversary Of The Universal
87
Declaration Of Human Rights: The United Nations, Postmodernity, and Human Rights.
University of San Francisco School of Law Review. 32 U.S.F. L. Rev. 479, 1998.
88
Ibid.
ALVES, Lindgren. Commemorative Essay: On The 50th Anniversary Of The Universal
89
Declaration Of Human Rights: The United Nations, Postmodernity, and Human Rights.
University of San Francisco School of Law Review. 32 U.S.F. L. Rev. 479, 1998.
Direitos Humanos: origens e influência 61
Marx acreditava que o indivíduo era somente uma peça da sociedade e que
atribuir-lhe direitos era egoísmo:
90
MARX, op. cit.
62 Geanluca Lorenzon
Na referida obra, Karl Marx faz uma análise que se aplicaria restritivamente
aos judeus, mas da qual se pode averiguar a existência de axiomas que são coeren-
temente deduzidos em suas impressões a respeito do direito em situações mais am-
plas, inclusive levando a formação de uma visão filosófica do que seriam direitos.
O axioma que pode ser extraído aqui é o caráter coletivista que prossegue e
se mantém majoritariamente em sua obra e que traria ao mundo, algumas décadas
GORDON, Joy. The Concept Of Human Rights: The History And Meaning Of Its
91
Ele rejeita a ideia de direitos como algo natural, afirmando que isso não se-
ria inato ao homem, mas sim uma conquista na “luta contra as tradições históricas
em que o homem, até agora, foi educado”.93 Daí advém a expressão “conquistar
direitos”, tão utilizada por sindicalistas e políticos de esquerda atualmente.
Os recipientes desses direitos seriam, para o autor, tão somente aqueles que
teriam lutado e então merecido. Este ponto em específico denota a subjetividade
dos direitos para Marx, uma vez que eles têm sua existência atrelada ao sujeito
detentor (recipiente) dos direitos de acordo com o mérito político deles frente à
sociedade, personificada no estado, não sendo um fundamento objetivo universal
(que se aplicaria a todos igualmente, como defende a visão liberal).
93
MARX, Karl. Sobre a Questão Judaica. São Paulo: Boitempo, 2010
Aqui entendido como “A liberdade é o poder que o homem tem de fazer tudo o que não
94
Não confundir com o fenômeno politico do século XX, também identificado como
95
100
Projeto de Lei no. 4.502/94 da Câmara dos Deputados da República Federativa do Brasil.
66 Geanluca Lorenzon
Em resumo:
101
Ibid
Direitos Humanos: origens e influência 67
102
No que ficou conhecido como Court-Packing Plan.
The War Relocation Authority and The Incarceration of Japanese Americans During
103
World War II: 1948 Chronology, Web page at www.trumanlibrary.org. Acessado em Sep-
tember 11, 2006.
68 Geanluca Lorenzon
104
Refere-se aqui ao Internacional Covenant on Economic, Social and Cultural Rights.
105
MORANGE, op. cit., p. 46
106
MORANGE, op. cit., p. 46
UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS. Constituição da União
107
tenance in old age and also in case of sickness or loss of capacity to work. This right is en-
sured by the extensive development of social insurance of workers and employees at state
expense, free medical service for the working people and the provision of a wide network
of health resorts for the use of the working people.”
70 Geanluca Lorenzon
século XIX, que é a base e sustentação para a mais-valia de Marx, e por consequência
de toda a concepção de exploração do proletariado pela burguesia que justificaria
o socialismo. Explica-se: a mais-valia parte do pressuposto fundamental de que o
trabalho é valorado conforme a quantidade (horas, força, etc.) despendido nele, de
forma objetiva, e não pela qualidade do que se produz, o que seria subjetivo. Dentro
das ciências econômicas, considera-se como a “revolução marginal” o momento em
que os economistas modernos110 largamente concordaram que o valor não pode ser
auferido objetivamente, mas sim que ele dependente da utilização e satisfação do que
se produz, sendo então subjetivo. Logo, sendo a mais-valia baseada em uma equa-
ção que relaciona a quantidade do trabalho tão somente empregado em relação ao
“valor” gerado, a lógica aplicada é completamente equivocada. Vale notar que não
se pode dizer que Marx teria reconhecido a teoria do valor subjetivo ao descrever o
chamado “fetiche de mercadoria”, uma vez que a elaboração de tal termo foi pro-
positalmente assim feita para esclarecer que não se tratava de algo que agrega valor.
Entretanto, vale ressaltar que a grande refutação da mais-valia e sua deficiente teoria
de juros foi feita pelo austríaco Eugen Bohm von Bawerk em 1886.111
110
Representados pelo “triunvirato” de Jevons na Inglaterra, Carl Menger (pai da escola
Austríaca) na Áustria, e Walras na Suíça.
BAWERK, Eugen Bohm von. A teoria da exploração do socialismo-comunismo. 3ed.
111
internationale de droit comparé. Vol. 16 N°2, Avril-juin 1964. pp. 297-306. Disponível em
<http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/ridc_0035-3337_1964_
num_16_2_13937> Acesso em: 17 de out. 2014.
Direitos Humanos: origens e influência 71
113
Ibid., des., tradução nossa.
72 Geanluca Lorenzon
reuniões, a liberdade de consciência, o direito de votar e ser eleito para órgãos represen-
tantes soviéticos e organizações sociais e inviolabilidade da pessoa. Já os direitos sociais
seriam: o direito ao trabalho e o direito ao repouso, o direito à educação e à assistência
médica gratuita, direito a seguro de velhice e garantia médica ou deficiência.
Importante ressaltar que a União Soviética usava pesadamente seu sistema jurídico penal
114
Além do plano teórico e jurídico, este tópico se dedica a analisar como fo-
ram os resultados das escolhas econômicas e políticas do fenômeno analisado, ten-
dendo a vislumbrar um sistema e regime jurídico de facto em relação ao que se foi
historicamente proposto na teoria.
117
JOHNS, Michael. Seventy Years of Evil: Soviet Crimes from Lenin to Gorbachev. Po-
licy Review Magazine. The Heritage Foundation, 1987.
118
Ibid.
119
Ibid.
Direitos Humanos: origens e influência 75
Dois meses depois, o sistema jurídico russo sofre seu maior atentado.
Lenin substitui o sistema judicial por tribunais revolucionários destinados a pren-
der aqueles que não representassem “a consciência do proletariado e o dever
revolucionário”.
Em uma história que ficou consagrada na obra Eleven Years in Soviet Prison
Camps (em tradução literal, Onze Anos em Campos de Prisão Soviéticos, nun-
ca publicado no Brasil), Elinor Lipper descreve a história de um cidadão que foi
submetido a um campo de concentração onde ocorria trabalho escravo explorado
120
Vale a pena assistir o documentário de 2006, intitulado Hammer & Tickle, de Ben Lewis.
121
Ibid.
Direitos Humanos: origens e influência 77
pelo regime comunista. Os terrores dos gulags são muitas vezes comparados aos
campos de concentração nazistas.
122
Ibid.
78 Geanluca Lorenzon
123
Ibid.
124
Ibid.
Direitos Humanos: origens e influência 79
125
Ibid.
Capítulo 2.4
GORDON, Joy. The Concept Of Human Rights: The History And Meaning Of Its
126
mental Law,” Indiana Journal of Global Legal Studies: Vol. 3: Iss. 1, Article 7
82 Geanluca Lorenzon
QUADRO RESUMO
INDIVIDUAIS COLETIVOS
se aplicam somente a indivíduos se aplicam a grupos e classes
NEGATIVOS POSITIVOS
geram uma obrigação de geram uma obrigação de
abstenção (não fazer) prestação (fazer, pagar)
OBJETIVOS SUBJETIVOS
se aplicam a todos de a aplicação está predicada
forma igualitária ao sujeito receptor
A destruição humanitária
trifásica sob o socialismo
Logo, faz-se necessário ajustar a forma com que o termo socialismo será
aqui usado. Inclusive porque, como será demonstrado adiante, é impossível se ter
uma economia socialista no mundo real, dada a existência de um problema funda-
mental em sua teoria. Assim sendo, são eles, e aderem ao processo trifásico aqui
descrito, aqueles sistemas econômicos que intervém na economia a um nível que
geram um mercado paralelo dos mesmos bens e serviços que são ofertados tam-
bém através de uma produção estatizada.
Traça-se uma relação temporal para analisar como as medidas que caracte-
rizam um regime socialista afetam os direitos humanos. Muitas das violações sur-
gem como inerentes a partir de um problema causador, resultado de uma ação eco-
nomicamente interventora de alto grau, a ponto de ser descrita como socialismo.
Os efeitos que o socialismo tem sobre a eficácia real dos direitos humanos
podem ser compreendidos através de três diferentes níveis, cada um caracterizado
por uma crise, os quais costumam aparecer na seguinte ordem temporal: um fenô-
meno socioeconômico (afetando os chamados “direitos sociais”), um fenômeno
totalitário (que atinge o adimplemento das chamadas liberdades individuais e ci-
vis), e, finalmente, um fenômeno anti-humanitário (que susta as mais importantes
88 Geanluca Lorenzon
Ressalta-se que este livro poderia ter apresentado uma visão quadri-fásica de destruição
132
dos direitos humanos ao adicionar uma fase antidemocrática. Contudo, ao contrário dos
demais elementos analisados, a democracia não pode ser considerada como customary in-
ternational law, nem mesmo sob o manto dos direitos humanos, uma vez não haver general
practice consolidada e unificada de forma suficiente, logo ficando de fora da teoria. A pró-
pria definição do que seria democracia é demasiadamente controversa. A crítica de Hoppe
nesse sentido é inteiramente cabível. Ver mais em: HOPPE, Hans H. Democracia: O Deus
que Falhou. 2013 1ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 89
De fato, em sua obra Socialismo, Mises aponta: uma análise econômica e sociológica, Mises
133
Mill. Ver mais em: MILL, John Stuart. The Principles of Political Economy. New York: D.
Appleton And Company, 1848.
135
Período entre a Revolução de Outubro e o fim (estimado) do socialismo na União Soviética.
Período pós a chamada Revolução Bolivariana, iniciada com a posse de Hugo Rafael
136
Consoante acima exposto, esta obra indicou que a tradição liberal clássi-
ca não reconhece o que se chama de “direitos sociais”. Porém, para exercício da
teoria econômica aqui apresentada, iremos mostrar a situação em que o espectro
normativo de direitos humanos englobaria em absoluto os chamados “direitos de
segunda geração”. Questiona-se se existem teoremas capazes de explicar que o
fenômeno genérico aqui analisado também levaria a profundas e insolvíveis viola-
ções aos chamados “direitos sociais”, especialmente já na primeira fase.
Para isso, precisamos identificar o que são esses direitos sociais, em que eles
consistem economicamente e o que seria necessário para suas implementações,
para que somente então se possa definir como um sistema socialista os afetaria.
Pode-se dizer que esses direitos sociais constituem a raiz da teórica segun-
da geração (ou dimensão), dos direitos humanos. Essa definição é tão bem aceita
universalmente que a Constituição Brasileira de 1988 reconhece em seu art. 6º
os direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 91
Disponível em <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/fran-
cais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l
-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html> Acesso em 12 set. 2014.
92 Geanluca Lorenzon
materiais finitos, uma vez que estão sob a lei econômica de escassez. Como o reno-
mado economista norte-americano Thomas Sowell colocou, “a primeira lição da
economia é a escassez (...), e a primeira lição da política é ignorar a primeira lição
da economia.”140
140
SOWELL, Thomas. Basic Economics. 4ª Ed. Nova Iorque: Basic Books, 2007.
94 Geanluca Lorenzon
houvesse uma violação desse padrão. Não existe escassez na abstenção. A imple-
mentação e efetividade dos direitos individuais não está condicionada a existência
de recursos. Eles não estão sob a lei fundamental da economia. Os “direitos” so-
ciais estão.
Essa é a razão pela qual toda vez que um serviço passa a ser oferecido pelo
estado ele se torna necessariamente mais caro e menos eficiente.
considerada como feita de oxigênio, mas de enxofre. Você pode pintar uma vaca
com as cores e tons de uma zebra, mas ela ainda será uma vaca.
Parece um cenário distante e hipotético, mas foi exatamente isso que ocor-
reu durante o furacão Catrina nos EUA em 2005, em que as empresas situadas na
área conseguiram agir muito mais rapidamente e sob baixos custos para atender
as necessidades urgentes provocadas pela devastação, enquanto auferiam lucro,
em comparação com as ações do departamento americano responsável por assistir
essas tragédias (FEMA), mesmo tendo este um orçamento de bilhões de dólares
para ser gasto a “fundo perdido”. Vale ler as análises acerca desse episódio de Lew
Rockwell Jr.141 e Robert Murphy.142
Toda vez que um processo estatal é iniciado para tentar corrigir uma des-
coordenação ocorrida, por qualquer motivo, ele vai inevitavelmente ser demo-
rado, caro e errôneo – como se verá mais adiante. Não é coincidência que todas
as vezes que um serviço público é – bem143 – privatizado, ele reduz custos e eleva
acesso. A mera recordação do acesso aos serviços telefônicos na década de 90 no
141
ROCKWELL, L. H. Katrina and Socialist Central Planning. Mises Institute. October, 2005.
MURPHY, R. P. How the Market Might Have Handled Katrina. Mises Institute. Oc-
142
tober, 2005.
FONSECA, Joel Pinheiro da. Não basta privatizar – tem de desregulamentar e libera-
143
lizar. Instituto Ludwig von Mises Brasil. Acesso disponível em < http://www.mises.org.
br/Article.aspx?id=1927>
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 97
Brasil já é uma dose empírica suficiente para aqueles que viveram à época. Análise
divulgada em 2016 pelo economista brasileiro Leandro Roque mostrou que os
preços de setores regulados pelo governo subiram em média 284% mais que os
estabelecidos pelo mercado.144
O primeiro passo para alguém que quer ver a sociedade com amplo acesso
a saúde, educação e moradia é não ser um socialista.
ROQUE, Leandro. Surpresa! Desde o real, preços regulados pelo governo subiram
144
Review 35 (1993).
147
BODART, op. cit.
Capítulo 3.1
Bradley, Robert (1996) Oil, Gas and Government: The U.S. Experience. Lanham, MD:
148
Dentro dos estudiosos da Escola Austríaca hoje, existem duas correntes principais em
149
relação à distinção entre esses dois problemas. De um lado, entre os seguidores de Murray
Rothbard, acredita-se que se tratam de duas teorias diferentes. Para aqueles que seguiram a
linha do próprio Friedrich Hayek, existe um entendimento que ambas as teorias são aspec-
tos do mesmo problema, tendo ele desenvolvido na questão do conhecimento necessário
para resolver o problema alocativo.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 101
Sobre o incrível ambiente acadêmico na Viena do século XIX, que deu luz a vários
150
intelectuais, Fabio Barbieri escreve: “Considere uma pequena amostra [de Viena à época]:
Popper se tornou amigo de Hayek, que era primo de Wittgestein. Mises era colega de es-
cola de Hans Kelsen. Freud atendeu Gustav Mahler. A esposa deste, Alma Mahler, depois
de flertar na juventude com Gustav Klimt, após a morte do compositor foi sucessivamente
esposa do famoso arquiteto alemão Walter Gropius e do escritor Franz Werfel, além do
romance que desenvolveu com o pintor Oskar Kokoschka.” BARBIERI, 2013, op. cit. p. 31
MISES, Ludwig Von. O Cálculo Econômico na Comunidade Socialista. Archiv für Sozialwissens-
151
próprio preço, em si, já é uma informação de muita relevância para a economia como um
todo. Logo, o controle de preços não pode funcionar já que ele nada mais é do que um “ra-
bisco” sobre uma mensagem com muito significado. A precificação de algo em um patamar
elevado (em acordo com a lei de utilidade marginal) significa que o recurso é muito útil ou
muito escasso. Assim, o preço é uma mensagem acerca do recurso em questão.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 103
ele vai ajustando os preços a todo instante, tanto como razão de como ele visualiza
o que precisa para produzir seus pasteis, como pela capacidade e disposição que
os potenciais consumidores estão dispostos a pagar. No momento em que o seu
fornecedor de queijo aumenta o preço; ou quando a banca ao lado começa a vender
o mesmo produto; ou ainda na situação em que um grupo numeroso de turistas
estrangeiros com alto poder aquisitivo passa a visitar o local nas semanas de car-
naval; o vendedor de pastel rapidamente consegue ajustar o preço cobrado pelo
seu produto, considerando a disponibilidade de quanto o consumidor irá valorizar
o que está sendo oferecido. Somente em um mercado de procura e ofertas existe
a possibilidade constante de se testar os valores precificados de bens e serviços.
Unicamente com esse teste é que será possível ir aprendendo constantemente qual
é o valor correto das coisas (mais próximo ao ponto de equilíbrio entre oferta e
demanda), pois seus atores recebem de imediato a confirmação de se estão certos,
tendo sucesso na venda do pastel aos consumidores, ou se estão errados, tendo
então que reestabelecer novas tentativas de precificação.
eles se tornam de difícil acesso, independente de seus graus reais de escassez. E quan-
do tabela preços de bens menos relevantes, somente os mais ricos acabam com aces-
so.153 Nas palavras do economista Milton Friedman, “se colocarem o governo para
administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia”.154
Em resumo: sem mercado, sem preço. Sem preço, sem cálculo. Sem cálculo,
sem planejamento. E sem planejamento, sem socialismo.
A esquerda anda tão curiosa politicamente que não seria impossível logo
lançarem um “socialismo de livre mercado” para tentar resolver esse problema. 155
É irônico que, considerando que os direitos sociais nada mais são do que a
garantia jurídica de disponibilização de um recurso para ampla parte da sociedade,
o socialismo em si acaba por tornar esse processo impossível de ser coordenado
na realidade.
Apesar de essa ser uma análise sobre uma economia geral, a mesma lógica
pode ser aplicada para segmentos isolados, a saber o setor de saúde de um deter-
minado país, o qual passaria a ser estatizado a fim de garantir o chamado “direito à
saúde”. Sem dúvidas, o problema resultante do desencontro das informações reais
Vale notar a clássica ineficiência de sanções comerciais, que acabam por prejudicar os
153
mais pobres, em detrimento de uma elite que conseguirá explorar um monopólio que surge
com as barreiras desse tipo de ato. Recomenda-se a leitura de: CATALAN, J. M. F. Uni-
tended Consequences of Trade Sanctions. Mises Institute. Disponível em < https://mises.
org/library/unintended-consequences-trade-sanctions>
GOODMAN, P. S. The New York Times. A Fresh Look at The Apostle of Free Marke-
154
parte do que é conhecido como “socialismo de mercado”, mas que – em realidade – ainda
mantém o sistema centralizador e planejador. Para melhor entendimento, recomenda-se
fortemente a obra BARBIERI, Fabio. História do Debate do Cálculo Econômico Socialis-
ta. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013, pp. 89-90.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 105
e das artificiais criadas pelo órgão planejador seriam menores quando comparados
com um controle total, mas existiriam de qualquer forma.156
Mas qual a razão pela qual seria importante o cálculo econômico para que
se alcançasse a eficácia dos ditos direitos sociais? A resposta está na essência de
seus inadimplementos. Como explicitado no capítulo anterior, ao contrário dos
direitos individuais negativos, os direitos sociais demandam que haja um provi-
mento positivo (prestação) de recursos a favor da população, o que – sob uma
ótica socialista – significa que caberia ao governo produzir e, mais importante,
alocar esses bens e serviços à disposição do recipiente. Logo, os direitos sociais
nada mais são do que um “setor econômico com oferta e demanda” custeado de
maneira indireta, para qual – então – decisões de alocação se fazem necessárias.157
156
Uma análise da socialização da saúde é apresentada no próximo subtópico.
Pode-se dizer que é de maneira indireta uma vez que os custos de todo esse processo não
157
são percebidos diretamente pelos recipientes como em uma relação normal de mercado,
mas sim através de prestações dispersas como taxas e impostos.
158
DE SOTO, op. cit., p. 153
106 Geanluca Lorenzon
produção descubra se está tendo “lucro” ou “prejuízo”, ou seja, se aquilo que está
produzindo, e a maneira como está, é ou não desejável pela sociedade.
159
BOETTKE, Peter J. Why Perestroika Failed. Routledge. 1993
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 107
dos valores de cada uma das variáveis, tornando a resolução absolutamente impos-
sível. Surge o caos, a terceira premissa do processo trifásico. Eis a primeira visão
sobre a impossibilidade prática e teórica do socialismo.
Editora.
161
DE SOTO, op. cit., p. 143
108 Geanluca Lorenzon
A questão central para esta análise gira em torno do fato de que, em uma
sociedade socialista, tudo aquilo que for necessário para os seres humanos deverá
ser provido pelo estado, em um verdadeiro desafio matemático de alocação. Essa
expressão é aqui usada para denotar uma série de demandas complexas, dinâmicas,
voláteis e imprevisíveis que devem ser supridas a todo o tempo.
HAYEK, Friedrich. The Use of Knowledge in Society. The American Economic Re-
162
view. 1945
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 109
Assim sendo, pelo fato de que o conhecimento não pode ser reunido a pon-
to de que um planejamento central ocorra de forma racional, todas as tentativas
de alocação e produção de recursos que optem por se basear em um conhecimento
centralizado irão, necessariamente, falhar. Incluindo aquelas que precisam estar à
disposição de um determinado segmento da sociedade, das necessidades humanas
mais básicas.
163
(HAYEK, 1945, tradução nossa)
110 Geanluca Lorenzon
James M. Poterba, and Robert M. Solow. 2011. “100 Years of the American Economic
Review: The Top 20 Articles.” American Economic Review, 101(1):
Mangu-Ward, Katherine (June 2007). “Wikipedia and beyond: Jimmy Wales’ sprawling
165
Times.
Grossman, Lev (December 13, 2006). “Time’s Person of the Year: You”. Time. Time.
167
entre quem deve fazer o planejamento desse processo: se seria alguém encarregado
disso por um governo, disposto então a usar a agressão institucional para garantir
a implementação de seu planejamento, ou se a alocação deveria surgir através do
que o autor chama de ordem espontânea, formada por indivíduos perseguindo seus
próprios fins – a clássica descrição de um sistema de livre mercado.
169
DE SOTO, op. cit., p. 155
112 Geanluca Lorenzon
170
IKEDA (1997), op. cit., p. 97
171
BOETTKE, op. cit.,
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 113
recebe ele. Um dia um homem colocou o dinheiro à mesa, e o funcionário lhe disse
‘volte em 10 anos para pegar seu carro’. O homem respondeu ‘durante a manhã
ou à tarde?’. O funcionário espantado retrucou: ‘são daqui 10 anos, que diferença
faz!?’, para que o homem lhe confessou: ‘bem, o encanador virá na manhã’.”
172
ARON, Leon. Everything You Think You Know About the Collapse of the Soviet Union
Is Wrong: And why it matters today in a new age of revolution. Foreign Policy Magazine,
2011. Disponível em <http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/06/20/everything_
you_think_you_know_about_the_collapse_of_the_soviet_union_is_wrong> Acesso em:
2 de nov. 2014.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Central Intelligence Agency. Soviet Food Shorta-
173
176
DE SOTO, op. cit., p. 90
177
HERITAGE FOUNDATION. Index of Economic Freedom. Washington, DC., 2013.
MCMAKEN, Ryan. If Sweden and Germany Became US States, They Would be Among
178
A mesma situação que se tem com o direito à saúde ocorre com os outros
direitos sociais. Os níveis de acesso e – principalmente – qualidade de moradia,
educação e vestimenta são gritantes quando se compara os países de economia
socialista aos de economia de mercado, em um mesmo período. Tudo isso tão so-
mente se considerando o impacto das aplicações no geral.
180
IKEDA, op. cit., pp. 161-164
Capítulo 3.2
Na versão inglesa original: The man of system, on the contrary, is apt to be very wise in his
181
own conceit; and is often so enamoured with the supposed beauty of his own ideal plan of gover-
nment, that he cannot suffer the smallest deviation from any part of it. He goes on to establish
it completely and in all its parts, without any regard either to the great interests, or to the strong
prejudices which may oppose it. He seems to imagine that he can arrange the different members
of a great society with as much ease as the hand arranges the different pieces upon a chess-board.
He does not consider that the pieces upon the chess-board have no other principle of motion besi-
des that which the hand impresses upon them; but that, in the great chess- board of human socie-
ty, every single piece has a principle of motion of its own, altogether different from that which the
legislature might chuse to impress upon it. (Smith, A. The Theory of Moral Sentiments. 1759)
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 119
182
HAYEK, 2010, op. cit., p. 47
120 Geanluca Lorenzon
Em outras palavras, uma vez que o estado vê que suas medidas de gerencia-
mento econômico não estão sendo efetivas, ele começa gradativamente a aumentar
o nível e a severidade da coerção usada, o que resulta em um regime mais intrusi-
vo, punitivo e restritivo.
Como consequência necessária, o regime irá tolher cada vez mais as liber-
dades individuais, caminhando então para um regime superpoderoso em todas as
áreas da vida humana, o qual aqui chamaremos de estado totalitário.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 123
183
HAYEK, 2010, op. cit., des.
184
MISES, 2009, op. cit., p. 54
COURTOIS, Stephan. The Black Book of Communism: crimes, terror, repression.
185
186
Ibid.
Nos escritos da referida lei, “Establecer mecanismos estratégicos de lucha contra aquellas
187
Evidência disso é o relatório da NGO Press and Society Institute (IPYS), que
notou que o governo venezuelano cometeu 254 violações do direito à liberdade de
expressão nos primeiros seis meses de 2013, o que representou um aumento de 68%
em relação ao mesmo período em 2012.188 Foi nesse período que se viu um maior
aprofundamento do estado venezuelano sobre a economia.
É nesse mesmo momento que a coerção usada pelo governo começa a ul-
trapassar o nível institucional e seus órgãos são usados para tentar combater esse
mercado paralelo de todas as formas, caracterizando a quinta premissa do processo
trifásico. Assim sendo, notou-se na história, e conforme se verá a seguir, que regimes
iniciam campanhas para que a própria sociedade comece a atacar os agentes que se
engajam nessa economia oculta. Esse é o instante em que governos começam a plan-
tar um discurso de ódio, que será levado a cabo na terceira fase do processo trifásico.
188
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. US State Department. 2013 Human Rights Re-
ports. In: Venezuela Disponível em <http://www.state.gov/j/drl/rls/hrrpt/humanri-
ghtsreport/index.htm#wrapper> Acesso em: 25 out. 2014.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto International dos Direitos Civis e
189
Políticos. International Covenant on Civil and Political Rights. Disponível em: <http://
www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/ccpr.aspx> Acesso em: 29 set. 2014
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. UN Human Rights Committee (HRC),
190
CCPR General Comment No. 27: Article 12 (Freedom of Movement), 2 November 1999,
CCPR/C/21/Rev.1/Add.9. Disponível em: <http://www.refworld.org/139c394do-
cid/45.html> Acesso em 31 out. 2014. Tradução nossa)
126 Geanluca Lorenzon
Como a repressão não consegue ser efetiva, o governo vai buscar uma al-
ternativa para evitar que as pessoas se engajem no regime de mercado que surgiu
paralelamente em decorrência dos problemas socioeconômicos. Nesse sentido, co-
meça uma investida na prevenção sobre a ação da população. A repressão não será
apenas punitiva. O estado começa a inverter completamente a lógica de ação, o
objetivo agora é prevenir, até que se chegue a uma completa inversão do princípio
de que todos são inocentes até que se prove o contrário.
Para obter uma eficiência tão grande sobre ações que não são tecnicamente
consideradas crimes,191 o estado vai buscar, então, aprofundar o aparato de con-
trole preventivo, o que se dá através de uma intrusividade desumana, destruindo
inclusive os conceitos de família e religião.
Foi por isso que, para aumentar a fiscalização e prevenção sobre a ação
humana, em 1935, Stalin sancionou um decreto que determinava que pessoas de
12 anos ou mais possuíam a responsabilidade de denunciar “traições” ao regime,
ainda que cometidas pelos seus próprios pais. De forma similar, fora editada lei,
em 1944, pelos nazistas na Alemanha de Hitler.
No sentido filosófico clássico liberal de que só pode haver um crime se houver uma
191
vítima.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 127
ch and Slovac Republics, Hungary, and Poland, Political Psychology. 24: 377–401.
Mayda, Anna M. and Dani Rodrik (2005). Why Are Some People (and Countries) More
196
Capitalismo sendo entendido como Liberdade econômica. Ver mais em: https://object.cato.
197
org/sites/cato.org/files/human-freedom-index-files/human-freedom-index-2016.pdf
198
HAYEK, 2012, op. cit.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 129
De fato, para não abandonar a economia socialista, esse órgão diretor ganha
cada vez mais força, a fim de conseguir moldar o comportamento individual de acor-
do com os papéis entendidos pelo governo. Logo, há repercussão em todo o sistema
jurídico, pois a sensação de ineficácia e inoperância se espraia por outras áreas, não
necessariamente econômicas.
199
JOHNS, Michael. Seventy Years of Evil: Soviet Crimes from Lenin to Gorbachev. Po-
licy Review Magazine. The Heritage Foundation, 1987.
200
Ibid., p. 11
201
Ibid., p. 21
130 Geanluca Lorenzon
sivo, pois funciona como uma verdadeira «válvula de escape» e permite uma certa
diminuição do dano social provocado pelo socialismo, podendo ter o efeito positivo de
tornar possível a manutenção de vínculos sociais minimamente coordenadores, mes-
mo nos casos mais graves de agressão socialista. Em todo o caso, a corrupção ou o per-
verso desvio da função empresarial que estamos a comentar terá, como corretamente
indica Kirzner, um caráter sempre supérfluo e redundante.” DE SOTO, op. cit., p. 97
203
TRANSPARENCY INTERNATIONAL. The Corruption Perceptions Index. 2013. Dis-
ponível em <http://www.transparency.org/research/cpi/overview> Acesso em: 2 nov. 2014.
204
Ibid.
GRAEFF, P. The impact of economic freedom on corruption: different patterns for
205
rich and poor countries. European Journal of Political Economy. Vol. 19, 2003. P. 605-
620. Disponível em <https://campus.fsu.edu/bbcswebdav/orgs/econ_office_org/
Institutions_Reading_List/17._Corruption_and_Economic_Performance/Graef-
f,_P._and_G._Mehlkop-_The_Impact_of_Economic_Freedom_on_Corruption%3B_
Different_Patterns_for_Rich_and_Poor_Countries> Acesso em: 26 out. 2014.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 131
“A escassez generalizada de bens e serviços rurais fez com que muitos ofi-
ciais do regime Soviético desviassem o que restava para o mercado negro,
uma vez que os valores desses produtos de compra e venda eram subs-
tancialmente maiores. Essas operações ilegais envolviam grandes grupos.
Importante destacar que o estudo também conclui que alguns tipos de regulação di-
206
minuem corrupção, não constituindo assim uma defesa intransponível de uma economia
laissez-faire, ao menos em relação aos dados analisados. Igualmente, o estudo também con-
cluiu que a correlação é afetada dependendo da riqueza e da pobreza do país em questão.
132 Geanluca Lorenzon
Vol. 30, No. 2 (Jun., 1977), pp. 213-224. Published by: University of Utah on behalf of the
Western Political Science Association Stable.
208
Black Book of Communism, p. 471
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 133
dos Tratados. Vienna Convention on the Law of Treaties. 1969. Artigo 51. Disponível em
<https://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/Volume%201155/volume-1155-I-
18232-English.pdf> Acesso: 2 nov. 2014.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 135
Escravidão institucional
210
HAYEK, 2010, op. cit., p. 57
HILAIRES, Belloc. The Servile State. ISBN 1110777000. Editora Biblio Bazaar, LLC,
211
2007. p. 11
212
HAYEK, 2010, op. cit., p. 127
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 137
213
COURTOIS, op. cit., p. 103
138 Geanluca Lorenzon
214
Ibid.
215
Ibid.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 139
Por incrível que pareça, o tolhimento radical da liberdade para que se fosse
empregado um sistema econômico sempre esteve na raiz intelectual da teoria so-
cialista. O primeiro dos planejadores modernos, o teórico socialista Saint-Simon,
teria predito que aqueles que não obedecessem às comissões de planejamento por
ele propostas seriam “tratados como gado”.217 Já na prática do socialismo, não só
os que não obedecem também o são.
216
COURTOIS, op. cit., p. 121
217
HAYEK, 2010, op. cit., p. 47
218
Black Book of Communism, p. 497
140 Geanluca Lorenzon
Coreia do Norte e acusam a do Sul e os EUA de “belicistas”. VEJA. 7 de abril de 2013. Por
Reinaldo Azevedo. Disponível em < http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/pc-do-b-pt
-psb-cut-e-une-fazem-o-que-nem-a-china-faz-dao-irrestrito-apoio-a-coreia-do-norte-e
-acusam-a-do-sul-e-os-eua-de-belicistas-nao-veremos-modelos-bonitinhas-dando-beiji-
nho-na-boca-ah-8230/>
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 141
A autodestruição
Essa crescente repressão aos direitos individuais atinge seu cume quando o
regime em questão224 começa a promover episódios de massacres. A questão para
o regime, neste ponto, não é somente tentar mais uma vez colocar em prática o
planejamento econômico. Neste ponto, a sociedade está tão frágil e debilitada que
os dirigentes socialistas acreditam ser necessário realizar “amputações” de partes
econômico naqueles casos em que os mesmos ocorreram com fim punitivo, e até mesmo
de cunho pedagógico para o resto da sociedade.
142 Geanluca Lorenzon
que não são mais úteis aos seus planos, tanto para servir de exemplo à sociedade,
como para “se livrar” de demandas por alimentos.
De certa forma, tais episódios eram comuns nos regimes que chegaram nes-
te estágio de socialismo. Talvez um dos mais emblemáticos episódios tenha sido o
Holodomor, quando seis milhões de pessoas morreram como consequência da fome
de 1932-1933, uma catástrofe amplamente imputada à política de coletivização for-
çada e de antecipação predatória feita pelo estado sobre as colheitas dos kolkhozes.225
225
COURTOIS, op. cit., parte I.
226
Black Book of Communism, p. 495
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 143
227
Ibid.
228
Ibid.
MARX, Karl. Forced Immigration. New York Daily Tribune. Março, 1853. Disponível
229
em <https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/03/04.htm> Acesso: 2
nov. 2014. (Tradução nossa)
144 Geanluca Lorenzon
230
Consoante prediz o art. 4º do ICCPR, op. cit.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comentário Geral ao ICCPR: Núme-
231
economia mista
(i)
crise socieconômica
fase I
socialismo
descoordenaçã o (ii)
(iii)
(vi)
crise totalitária
repressã o (vii)
crise humanitária
socialismo
fase III
anti-humanitá rio
146 Geanluca Lorenzon
Não foi só a Escola Austríaca que sempre apontou o grande erro intelectual
e humanitário que é o socialismo. Mais surpreendente: a teoria liberal clássica já
havia postulado isso há nada menos do que 180 anos.
Os ciclos humanitários
A ação e reação
Em outras palavras, toda vez que o regime socialista expande sua agressi-
vidade, ele automaticamente acaba por causar mais descoordenação econômica e
social, ainda que com um intervalo de tempo. Como a escassez de bens e serviços
não é suportada por um longo período, os indivíduos precisam se reorganizar na
152 Geanluca Lorenzon
Quando mais socialista uma economia é, menor seu desempenho em liberdade econômi-
233
mais tarde, o fato de que a população não se dará por satisfeita com os resulta-
dos econômicos entregues pelo órgão planejador. Alguns comentaristas inclu-
sive mencionam que a razão pela qual existiam tantos milionários russos, logo
após a queda da União Soviética, é exatamente pela existência contínua, du-
rante décadas, desses mercados paralelos.235 O fenômeno ficou internacional-
mente conhecido como “a segunda economia da União Soviética”. Na China
não foi diferente, com vários registros, inclusive, monitorando os preços que
eram praticados fora da economia oficial. Todas as experiências socialistas já
realizadas vivenciaram esse fenômeno, comumente descrito na imprensa como
mercado negro (black market).
Vladimir G. Treml and Michael V. Alexeev, “The Second Economy and the Destabilization
235
Effect of Its Growth on the State Economy in the Soviet Union: 1965-1989”. BERKELEY-
DUKE OCCASIONAL PAPERS ON THE SECOND ECONOMY IN THE USSR, Pa-
per No. 36, December 1993
Para se entender o tamanho, forma e atuação do mercado paralelo norte-americano,
236
A ação e reação formam um verdadeiro ciclo, que pode inclusive ser vi-
sualizado em um gráfico, em que o eixo vertical orienta o grau de descoordenação
econômica e social (ds) e o eixo horizontal o tempo (t).
237
THORNTON, Mark. The Economics of Prohibition. Mises Institute, EUA. P. 82
156 Geanluca Lorenzon
(ds)
açã o açã o
reaçã o
c
d
e
a f
(t)
Quando ela chega a um ponto em que as pessoas valoram mais cometer uma ilega-
lidade ao adentrar um mercado paralelo do que seguir o plano do governo, inicia-
-se a formação do sistema de trocas ilegais (c), ou mercado paralelo, com o objeti-
vo de poder suprimir as demandas necessárias. Quanto maior a distância entre os
pontos (a) e (c) em relação ao eixo vertical (ds), mais radical é a implementação do
socialismo e mais volátil é o ciclo.
A crítica à Curva de Laffer, nesse sentido, seria de que existe um elemento temporal não
238
(ds)
d
e
modelo laissez-faire consegue. Por essa razão que o ponto (e) sempre necessaria-
mente estará acima do (a), formando aí o intervalo mencionado.
Bem verdade que esse desnível específico pode não estar presente quan-
do se analisa separadamente diferentes setores que passam da economia legal a
um mercado paralelo, especificamente nas áreas em que, mesmo legalizadas, já
estiveram historicamente sob forte influência reguladora e interventora do esta-
do, ainda que em uma economia mista. Nesses casos, não seria improvável que o
mercado paralelo ofereça melhores preços daqueles que já eram praticados ante-
riormente, antes do avanço a uma economia socialista, uma vez que – agora mais
“livres” – possa haver uma compensação pelas regulações de outrora, bem como
um aproveitamento marginal da nova estrutura de coordenação ilegal existente.
Entretanto, em relação à economia geral, os custos totais necessariamente serão
maiores no mercado paralelo, razão pela qual o intervalo se mantém.
239
IKEDA, op. cit., p. 99
162 Geanluca Lorenzon
A ação e reação que causam o ciclo dão vida a um sistema contínuo de macro
pressões, ou forças. Esses movimentos e suas inclinações políticas e econômicas tam-
bém podem ser descritos e visualizados em um gráfico, apresentado a seguir:
(ds)
inverno primavera
φ
α
δ
outono verã o
(t)
MISES, Ludwig von. Intervencionismo: uma análise econômica. São Paulo: Instituto
240
Importante notar que na medida em que o país avança para uma nova fase
no sistema, o ciclo começa a ficar mais aberto e mais volátil, pois não só a ação
agressora é mais ampla, cara e complexa de ser implementada, como também a res-
posta é mais extensa e rebuscada. Para que um país socialista abandone o regime,
faz-se necessário que a pressão por abandono seja maior que a pressão por uma
nova tentativa de regime socialista, de forma a “dobrar” a curva do novo ciclo para
baixo, encerrando o processo.
De forma proporcional, um dos regimes mais brutais foi o Khmer Rouge, acon-
tecido no Camboja. Nele é estimado a morte de 2 milhões de pessoas, ou 26% da popu-
lação total do país,242 em consonância com o renomado estudo apresentado pelo pes-
quisador da Universidade de Geneva, Marek Sliwinski.243 Todo esse processo, entre o
estabelecimento da ação agressora (socialismo) e o abrandamento do regime, deu-se em
apenas 3 anos e 8 meses. Uma projeção gráfica deste caso mostraria quase que somente
um cume, rapidamente alcançado, com um ponto de retorno encerrando a experiência.
Porém, na maioria dos casos não é assim. Os ciclos tendem a se repetirem, le-
vando os países para um avanço de repressão, atravessando as três fases. Ainda que
algumas experiências já tenham começado totalitárias, como as da União Soviética e
Cuba, por exemplo, elas ainda foram avançando através desse ciclo até chegarem em
uma área que sinalizaria a terceira fase do processo apresentado no capítulo anterior.
Toda essa questão gira em torno do momento decisório, o ponto (d) nos gráficos acima.
Caso a decisão seja por renovação, a ação agressora necessariamente terá que le-
var o sistema a um ponto maior de coerção e planejamento do que o pico anterior, como
consequência da Área Permanente de Descoordenação (ADP) explicada acima. Para
compreender melhor, imaginemos um processo de ciclos repetitivos em que seja possí-
vel identificar, ao menos, três de suas ocorrências sucessivas. Uma vez que o ponto (e)1
estará acima do (a)1, consequentemente o ponto (a)2 também estará, fazendo com que
o (e)2 esteja superiormente acima, bem como o (a)3 e o (e)3, e assim sucessivamente,
242
Black Book of Communism, p. 589
243
SLIWINSKI, Marek. Le génocide khmer rouge. Editions L’Harmattan (January 1, 1995). P. 49-67
Os Ciclos Humanitários 165
Além disso, também podemos deduzir a tendência de avanço dos ciclos pelas
fases pois seria ilógico a ação humana, dos detentores do poder, repetir exatamente
um ato passado esperando os mesmos resultados (ainda que seja irônico assumir que
o estado agiria logicamente); e também porque nenhuma circunstância presente é
igual a uma circunstância passada (“ninguém entra duas vezes no mesmo rio”). A
expansão do socialismo se assemelha a uma contínua injeção de heroína no sistema,
na medida em que cada vez se faz mais necessário aumentar a dose, mascarando a
deterioração efetiva que o corpo, neste caso a sociedade, vem sofrendo.
(ds)
crise humanitária
fase III
”
i dão
er v
aS
crise totalitária
o d
nh
fase II
m i
a
“C
crise socieconômica
fase I
(t)
166 Geanluca Lorenzon
Vale apresentar aqui o que Ikeda chama de “paradoxo de Mises”: como se-
ria possível que economias interventoras sejam o modelo mais comum encontrado
hoje? Ou como explicar a insistência no modelo socialista pela história?
244
HAYEK, op. cit.
Os Ciclos Humanitários 167
estabelecendo uma hipótese em que o órgão planejador executaria a fixação de preços atra-
vés de um sistema de tentativas e erros (Modelo de Lange), ou seja, da mesma forma que
um empresário capitalista o faz. Este modelo em especial possui seríssimas deficiências ao
desprezar o aspecto temporal, a dispersão do conhecimento, a complexidade social e o ca-
ráter de processo que o mercado possui. Vale estudar o debate em torno desse modelo entre
Oskar Lange e F. Hayek a partir da década de 30. Nesse sentido recomenda-se BARBIERI,
Fabio. História do Debate do Cálculo Econômico Socialista. 1ed. São Paulo: Instituto Lu-
dwig von Mises: 2013.
246
IKEDA, op. cit., p. 98
168 Geanluca Lorenzon
dando espaço para que discursos políticos substituam o debate econômico, que
poderia reverter a expansão do socialismo.
Aprofundamento ou descontinuidade
247
IKEDA, op. cit., p. 139
248
IKEDA, op. cit., p. 110
170 Geanluca Lorenzon
Não é por outra razão que todas as experiências acabaram por tomar e se
apropriar dos meios de imprensa, como forma de manipular a opinião pública. No
exemplo mais recente de socialismo, notadamente na Venezuela (em maior escala)
e na Argentina de Kirchner (em menor escala), esse controle veio sob o título de
“regulação da mídia”, tentando – inclusive – chegar ao Brasil, através de proposta
do Partidos dos Trabalhadores (PT).249
Dilma vai enviar proposta de regulação da mídia ao Congresso. Site Oficial do Partidos
249
Uma nova tentativa (e) implica novos custos para sua implementação, e
essa diferença causa mudanças marginais na ideologia que dá suporte ao regime,
alterando as preferências que irão determinar o futuro do sistema. Conforme
aponta novamente Ikeda, a velocidade e direção que o sistema irá tomar é resulta-
do de como os decisores conseguem perceber os custos e benefícios de uma nova
tentativa, e a clareza com que conseguem entender a conexão entre o socialismo e
as consequências do que estão tentando combater.
Entretanto, não se pode excluir o fator de que uma decisão de (d) para (e)
também seja resultado de fortes incentivos para que os governantes maximizem
seus tempos no poder. Logo, pode-se agrupar em duas grandes categorias as razões
pela qual o ciclo se renova:
É válido também questionar por quantas vezes o ciclo pode se renovar até
que o regime abandone o socialismo. O conceito de fundo de reserva, reserve fund,
elaborado por Mises acaba sendo essencial neste ponto. Ele se baseia no fato de
que “a ideia subjacente a todas as políticas intervencionistas é a de que a renda e a
fortuna da parcela mais rica da população é um fundo do qual pode ser extraído o
necessário para melhorar a situação dos mais carentes.”251
251
Ação Humana, p. 965
Os Ciclos Humanitários 173
Essa reserva acaba sendo reabastecida aos poucos, ainda que de forma mui-
to lenta durante o socialismo. O próprio mercado paralelo acaba por criar rique-
zas que poderão indiretamente contribuir com ela. Razão pela qual sistemas de
legalização desses recursos podem surgir esporadicamente. Porém, jamais em um
nível que torne a economia socialista sustentável, como a história repetidamente
demonstrou. O nível com que a reserva será drenada depende muito do tipo de
política que será usado, e seus custos.
O capital político, nesse sentido, acaba sendo essencial para forçar o não-
-retorno ao socialismo. “Na presença da ideologia estatista, cada fracasso de uma
intervenção gera demandas por novas intervenções: a culpa dos problemas nunca
é a intervenção em si, mas a falha em aplicar a lei e o egoísmo dos agentes econô-
micos. Exigem-se então novas e mais rigorosas leis”.253
252
BARBIERI, op. cit., p. 98
253
BARBIERI, op. cit., p. 103
Os Ciclos Humanitários 175
Ademais, a moral da sociedade que passou pelo sistema socialista foi alta-
mente prejudicada.254 Fatores que contribuem para a formação da opinião ideoló-
gica, decisiva para o ponto (d), envolvem as visões acerca de família, associações
civis, religião, imprensa, grupos organizados, etc. Essas instituições moldam a
forma com a sociedade pode responder no momento decisório. Logo, devem ser
controladas pelo regime, como se viu na segunda fase do processo trifásico.
LARRIVEE, John. It’s not the markets, it’s the morals: How Excessively Blaming the
254
Markets Undermines Civil Society. In: WOOD Jr., Thomas E. Back on the Road to Ser-
fdom. ISI Books.
255
Ibid.
176 Geanluca Lorenzon
Esta obra não poderia deixar de abordar o caso de países que parecem não
responder ao processo de estatização econômica com a reação de formação de um
mercado paralelo conforme descrito anteriormente. São nações que, apesar de es-
tarem muito bem classificadas nos índices de qualidade de vida, possuem um forte
estado de bem-estar social. É o caso dos países escandinavos.
O primeiro ponto a ser destacado no caso de países desse tipo é que, ainda
que possuam um pesado estado de bem-estar social com enormes gastos gover-
namentais, são eles também as nações com alguns dos maiores níveis de liber-
dade econômica (capitalismo) hoje existentes. No ranking anual elaborado pela
Heritage Foundation, Dinamarca, Islândia, Suécia, Finlândia e Noruega estavam,
em 2016, no top 25 dos países mais capitalistas do mundo, com excepcional de-
sempenho principalmente em proteção à propriedade privada e livre comércio.256
Somente por essas informações, defender o socialismo inspirado nesses modelos já
seria hipócrita e ignorante.
256
Notar que jamais se deve confundir livre comércio com livre mercado.
178 Geanluca Lorenzon
Uma leitura superficial e romântica sugeriria que se trata de algo bom ter
capitalismo de um lado, e socialdemocracia de outro. Porém, a questão, como
Bastiat apontava, é sobre o que não se vê.
257
Doing Business Ranking, http://www.doingbusiness.org/rankings
258
http://ceoworld.biz/2015/10/15/the-top-25-most-globalized-countries-2015
Os Ciclos Humanitários 179
enxuto que o norte-americano à época. Esse modelo fez com que a Suécia tivesse
o maior crescimento de PIB per capita registrado entre 1870 e 1950, se tornando
uma das nações mais ricas e prósperas do planeta. Foi somente então, após a
acumulação de toda essa riqueza, que os suecos decidiram mergulhar na expe-
riência de um estado de bem-estar social, o que, como os dados inequivocamente
mostram, comprometeu severamente seu crescimento – e sua dívida pública, até
ir esvaziando o reserve fund.
Isso explica como foi possível que esses estados conseguissem sustentar,
em parte, grandes áreas de bem-estar social por quase cinco décadas. Porém, nos
anos de 1990, eles se viram forçados a reformar com urgência esses modelos para
180 Geanluca Lorenzon
Dados oficiais das estatísticas do Governo da Finlândia. Acessível em: < http://www.
259
stat.fi/til/jyev/index_en.html>
260
http://ftp.iza.org/dp6683.pdf
Os Ciclos Humanitários 181
como futuros pagadores de impostos.261 Pessoas idosas, como terão menos tempo
contribuindo ao sistema financeiro do governo, seriam baixa prioridade.
Desafios contemporâneos
grandes pensadores que avançaram sobre pontos das teorias tradicionais, bus-
cando novas soluções para problemas contemporâneos, em cima da visão do que
devem ser os chamados direitos humanos. Vamos a análise.
Capítulo 5.1
A essência clássica dessa tradição está dada na ideia de que todos os direitos
são radicalmente negativos: nenhum indivíduo deve sofrer interferência na sua
liberdade de uso e disposição de sua propriedade, a qual começa com nosso corpo.
Eis o chamado princípio da não-agressão (PNA). Conforme explica o economista
186 Geanluca Lorenzon
a note, The Journal of Philosophical Economics: Reflections on Economic and Social Is-
sues, VIII: 2, 43-65
Desafios Contemporâneos 187
O direito à propriedade exógena (de coisas além de seu próprio corpo) sur-
ge do fato de que, já sendo ele o proprietário de seus meios corpóreos, tudo aquilo
sobre a qual ele aplica seu trabalho passa a ser igualmente dele, contanto que não
seja previamente propriedade de outrem (res nullius). Essa ideia vem do histórico
conceito de homesteading: algo passa a ser possuído após um ato original de apro-
priação em que trabalho tenha sido despendido.
Esse princípio foi primeiro visto na filosofia liberal clássica,265 que arguiu
que a mistura (mixing of labour) entre seu próprio corpo e trabalho, por este exe-
cutado resulta na propriedade adquirida de algo ainda sem dono. O renomado
professor de Harvard, Robert Nozick, chamou isso de Lockean proviso,266 reconhe-
cendo o caráter negativo e individual dos direitos.
265
LOCKE, op. cit.
266
NOZICK, Robert. Anarchy, State and Utopia. 1971.
Deriva-se daí a perspectiva deontológica do anarcocapitalismo. Ver mais em RO-
267
THBARD, Murray. Por uma Nova Liberdade. 1ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mi-
ses – Brasil.
188 Geanluca Lorenzon
268
A única justificada seria a de autodefesa (self-defense).
269
RAND, Ayn. The Objectivist Ethics.
Desafios Contemporâneos 189
Ayn Rand acreditava, de outro lado, que a existência do estado era neces-
sária. Segundo ela, o estado seria uma maneira objetiva de organizar a força física
retaliatória resultante de uma agressão injusta,270 ou seja, fornecer um sistema ju-
diciário que coordene as punições e penas resultantes de uma conduta criminal.
The Nature of Government. Ayn Rand. Foundation for Economic Edutation. March
270
01, 1964.
190 Geanluca Lorenzon
271
Conforme visto em: The Use of Knowledge in Society.
HAYEK, F. A. The Principles of a Liberal Social Order. Il Politico, Vol. 31, No. 4 (DI-
272
and Liberty.
Desafios Contemporâneos 191
A hipótese (c) parece ser a mais valorizada atualmente, na medida que seria
a única que estabelece uma relação entre a ordem liberal e uma razão moral.274
Roland Kley arguiu que Hayek busca demonstrar que a ordem liberal é o melhor
meio de atingirmos os bens que todos desejamos de forma comum.275
Como mencionou Hayek de forma explícita, essa é a ideia por trás da justi-
ficativa de que uma ordem espontânea liberal, ao permitir que os indivíduos usem
seus conhecimentos para seus próprios propósitos, ao invés de estarem sujeitos a
um arranjo à base de comandos (socialismo), possibilitando que a humanidade
atinja uma estrutura muito mais complexa, e por consequência mais benéfica, do
que por um ordenamento deliberado.276
274
Ibid., p. 67
275
KLEY, Roland. Hayek’s Social And Political Thought 194–211 (1994).
276
HAYEK, 1966, op. cit., p. 603
192 Geanluca Lorenzon
Hayek não fornece uma razão normativa para explicar o porquê a indivi-
dualidade da ação humana deve conduzir ao direito à liberdade.281 Ele manifesta
reconsidered. Journal of Libertarian Studies. Vol. 21, no. 04. (winter 2007). Pp. 123-150
281
Ibid.
Desafios Contemporâneos 193
Entretanto, na visão de Hayek, a liberdade não pode ser absoluta, pois isso
restringiria o mesmo direito dos demais.285
Essa foi a conclusão que Zeitler chegou acerca da justificativa moral da Liberdade in-
282
dividual de Hayek. Ver mais em: ZEITLER, Christoph. Spontane Ordnung, Freiheit und
Recht: Zur politischen Philosophie von Friedrich August von Hayek. Frankfurt am Main,
New York: Peter Lang. 1995.
283
HAYEK, 1966, op. cit. p. 607
Ibid. No original: “Free man who are to be allowed to use their own means and their own
284
knowledge for their own purposes must therefore not be subject to rules which tell them what they
must positively do (…).”
285
HAYEK, F. A. Liberalism. 1978.
286
HAYEK, op. cit, 1960
194 Geanluca Lorenzon
contanto que as leis também obedeçam alguns parâmetros,287 devendo ser univer-
sais, abstratas, abertas e certas.288
(ii)
regras de conduta derivadas da razão,
motivadas pela existência de normas ra-
cionalmente desenhadas pela inteligên-
cia humana com propósitos específicos
pré-estabelecidos;
Press. 1960
A teoria de Hayek sobre lei e legislação é tão rica e complexa que seria impossível trans-
288
miti-la nesta obra de forma satisfatória. Recomenda-se, além das obras já mencionadas, a
leitura de HAYEK, F. A. Lei, legislação e Liberdade.
Desafios Contemporâneos 195
Uma vez que a (i) evolução biológica é muito mais lenta que a cultural, os
instintos tendem a ser uniformes por toda a humanidade, e são compartilhados por
todos os indivíduos.289 Logo elas podem ser negligenciadas nesse processo.
289
DAUMANN, op. cit., p. 134
No sentido de que não se tenta aplicar uma norma (lei) já existente à um fato, mas sim
290
existência de uma instância que o reconhece como tal. Como elucida Renata
Ramos, “por [essa razão] que Hayek não fala em direitos para embasar direitos,
mas sim em liberdade”, divergindo de como os demais austríacos, em especial
Rothbard, contemplam esse tema.
Não há dúvida de que persiste uma forte ineficácia dos direitos humanos
no plano material. Contudo, isso é algo natural e compreensível, uma vez que todo
conflito que viole à liberdade alheia irá revelar a imperfeição do mundo real, e logo
uma certa “ineficiência” dessa moral normativa. Somente em um paraíso utópico
seria possível que o ordenamento dos direitos humanos, na forma da concepção
liberal clássica ou contemporânea, se mantivesse sempre vigente em absoluta e
constante eficácia entre todos. Seres humanos erram constantemente, pois são se-
res imperfeitos e complexos em circunstâncias extremas.
291
Sempre cometidas pelo estado contra a população.
198 Geanluca Lorenzon
Infligindo assim nos problemas da segunda camada da evolução social da ordem jurídica
292
A grande base dos direitos civis e políticos, tidos com parte dos direitos hu-
manos, pode ser interpretado dentro da concepção proprietarista da filosofia libe-
ral contemporânea. A listagem mais consolidada dele está personificada no Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ICCPR). Vale analisar suas principais
garantias sob a filosofia (e hipótese) aqui defendida.
Para clarificar a ideia aqui apresentada, vale a pena recorrer a um exemplo que
demonstre como uma interpretação não-proprietarista dos direitos humanos gera uma
contradição lógica. Imaginemos um cenário (muito) hipotético em que o estado em-
preende uma guerra a determinadas ideias, proibindo na lei a expressão de determina-
das ideologias que julga serem indesejáveis para sua manutenção de poder. Ao mesmo
tempo, nessa hipótese, ele também está vinculado a um respeito máximo ao direito
de propriedade, não podendo iniciar ou ameaçar agressão contra ela, na concepção
liberal apresentada aqui. Supõe-se que nesse ambiente fictício, um determinado grupo
opositor inicia a circulação de um folhetim semanal que contém ideias consideradas
“perigosas” pelo regime vigente. Ainda que a liberdade de expressão estivesse sob ata-
que, o que poderia ser feito contra essa disseminação caso fosse respeitado o direito
fundamental de liberdade? Absolutamente nada. O papel e a tinta do folhetim são pro-
priedade que não pode ser violada. O local, onde eles são elaborados, também o é. As
pessoas que o distribuem possuem um inegável direito a controlarem sua propriedade
endógena (corpos) da forma que julgarem melhor. O ataque desse governo tirânico
seria absolutamente ineficaz.
Pode até parecer razoável e sutilmente tolerável tal cenário, mas o que faz o
regime tirânico quando pensa que vale a pena confiscar o folhetim de oposição pois
ele está conflitando com um princípio maior que a liberdade de expressão? Na mente
202 Geanluca Lorenzon
desse governante, a limitação seria válida pois ela estaria conflitando com a liberdade
de religião, uma vez que as ideias que estão sendo propagadas nesse folhetim acabam
por atacar um padrão social vigente que teria sido “elegido” pela sociedade.
293
Obergefell v. Hodges, No. 14-556, slip op. at 23 (U.S. June 26, 2015).
Desafios Contemporâneos 203
Contra a Propriedade Intelectual. 1ed. Sao Paulo: Institutlo Ludwig von Mises Brasil.
2013.
295
Craig v. Masterpiece Cakeshop, Inc, 2015 COA 115
204 Geanluca Lorenzon
Fraser Institute. The Human Freedom Index. 2016. Disponível em < https://www.fraserins-
296
titute.org/sites/default/files/human-freedom-index-2016.pdf>
Desafios Contemporâneos 205
undp.org/sites/default/files/reports/261/hdr_2000_en.pdf>
298
Terry Miller and Anthony B. Kim, 2017 Index of Economic Freedom (Washington: The
Heritage Foundation, 2017)
299
Ibid., p. xi
300
Ibid., p. 14
301
Ibid., p. 14
302
Ibid., p. 15
Florida, Richard (2002). Bohemia and Economic Geography, Journal of Economic
303
Geography. 2:55–71.
Niclas Berggren and Therese Nilsson. Does Economic Freedom Foster Tolerance?
304
308
Conforme demonstrado no capítulo 2.2
Conclusão
A próxima tentativa
socialista não
vai dar certo
Para que a mesma tenha eficiência, o estado vai buscar então aprofundar a
prevenção, e isso se dá através de uma intrusão desumana, destruindo os conceitos
de família e religião. O indivíduo acaba por ficar desamparado frente ao aparato
estatal, de forma que o próprio estado adquire características de uma religião.
Esse fenômeno acaba por levar à terceira fase, quando os conceitos de li-
berdade e vida começam a desaparecer completamente, em razão das necessidades
de condução da sociedade pelo regime socialista.
Nesse sentido, não só a vida humana acaba se vendo como uma grande
servidão da qual o estado precisa, mas também se monta uma rede de produção
econômica baseada no trabalho forçado como forma de tentar sustentar o regime.
A vida em si é depreciada de forma cabal nessa fase, quando se faz necessária
210 Geanluca Lorenzon
Dataset
(Referente ao gráfico da página 203)
Referências
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