Ciclos Fatais Socialismo e Direitos Humanos by Geanluca Lorenzon

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 236

Ciclos fatais:

socialismo e direitos humanos


Geanluca Lorenzon

Ciclos fatais:
socialismo e direitos humanos
Sobre a inevitabilidade da destruição
humanitária sob o socialismo

1a Edição
Mises Brasil
Copyright © by Geanluca Lorenzon

Editado por:
Instituto Ludwig von Mises Brasil
R. Leopoldo Couto Magalhães Junior, 1098, cj. 46 – Itaim Bibi
CEP: 04542-001, São Paulo – SP
Tel.: +55 11 3704 3782
E-mail: [email protected]
www.mises.org.br

Impresso no Brasil/Printed in Brazil


ISBN - 978-85-8119-102-7

Revisão Ortográfica
Mariana Diniz Lion
Thaiz Batista

Revisão Técnica
Fabio Barbieri
Mariana Piaia Abreu

Avaliação 1a Edição (2014)


Ricardo Seitenfus
Rodrigo Saraiva Marinho

Ficha Catalográfica

I643a Lorenzon, Geanluca

 iclos Fatais: Socialismo e Direitos Humanos / Geanluca Lorenzon.


C
– São Paulo : Instituto Ludwig von Mises. Brasil, 2017.
183p
ISBN - 978-85-8119-102-7

1. Mercado 2. Justiça 3. Sociedade 4. Economia 5. Direitos Humanos

CDU – 330.83
O socialismo sempre falhará.
Ele é profundamente errado na teoria,
e trágico na prática.

A questão é quantos milhões


terão que sofrer ainda para que os intelectuais
notem o tamanho dessa arrogância fatal.
Sumário

NOTA TÉCNICA 9
PREFÁCIO 11
INTRODUÇÃO 15
CAPÍTULO I
SOCIALISMO: A PRETENSÃO DO CONHECIMENTO 19
1.1 O que é socialismo? 21
1.2. Distinguindo o socialismo em suas encarnações políticas 30
1.3 A linha tênue entre o fenômeno econômico e político 43
CAPÍTULO II
DIREITOS HUMANOS: ORIGENS E INFLUÊNCIA 45
2.1 A formação histórica e conceituação internacional dos direitos humanos 48
2.2 O legado liberal aos direitos humanos: a geração individual, negativa e objetiva 53
2.3 O legado socialista aos direitos humanos: a geração social, positiva e subjetiva 58
2.4 O panorama atual dos direitos humanos frente ao plano internacional 80
CAPÍTULO III
A DESTRUIÇÃO HUMANITÁRIA TRIFÁSICA SOB O SOCIALISMO 85
3.1 A primeira fase: a crise socioeconômica 98
3.2 A segunda fase: a crise totalitária 118
3.3 A terceira fase: a crise anti-humanitária 134
CAPÍTULO IV
OS CICLOS HUMANITÁRIOS 149
4.1 A ação e reação 151
4.2 O avanço e cumulação de ciclos 161
4.3 Aprofundamento ou descontinuidade 169
4.4 O atraso ou ausência de reação em casos específicos 177
CAPÍTULO V
DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS 183
5.1 Os direitos humanos no liberalismo contemporâneo 185
5.2 Uma hipótese sobre a inefetividade dos direitos humanos atualmente 197
CONCLUSÃO 207
DADOS GRÁFICOS 211
overview 218
REFERÊNCIAS 219
RECONHECIMENTOS 233
SOBRE O AUTOR 235
Nota técnica

Este livro é o fruto de uma extensa pesquisa iniciada em 2013, que buscou reunir o
conhecimento apriorística-teórico dos temas tratados com os relatos históricos alta-
mente incontroversos. Uma primeira edição puramente acadêmica foi introduzida
ao final de 2014, sob orientação do Dr. Ricardo Seitenfus. Entre 2015 e 2016, a pes-
quisa foi apresentada e discutida no ambiente acadêmico com estudantes e pesquisa-
dores de diversas faculdades pelo Brasil, incluindo a Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), a faculdade de economia da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), a Universidade de Fortaleza (UNIFOR), a Universidade do Estado
da Bahia (UNEB), a Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), a Uni-
versidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), dentre outras instituições.

Agora, apresenta-se esta obra como um trabalho completamente novo e


ampliado, dotado de uma nova linguagem e aprofundamento da teoria apresen-
tada em 2014, a qual se mostrou fidedigna e acertada nas evoluções do fenômeno
socialista ocorridas no mundo após a primeira publicação.

Seguindo a linha editorial do Instituto Mises Brasil, escolhe-se grafar a pa-


lavra “estado” nesta obra com letra minúscula.
Prefácio
por Felippe Hermes1

Sintetizar os acontecimentos do século XX não é lá uma tarefa das mais fáceis.


Para alguns dos liberais mais extremados, trata-se do século das guerras, e não por
um acaso, uma época onde o crescimento e o tamanho dos governos parecia não ter
limites. Com certa generosidade, mas mantendo o bom senso, não é difícil encarar
este período como um de confrontos de ideias.

Do início ao fim, teorias nascidas no esteio da revolução industrial, pensa-


das e planejadas para moldar a sociedade, ganharam espaço na realidade daquele
período. Na prática, entretanto, nem toda perfeição descrita nos livros, e nem toda
a certeza que um verniz científico parecia garantir, foram suficientes para impedir
que muitas dessas ideias se mostrassem fracassos retumbantes quando confronta-
das com a realidade.

1
Felippe Hermes é editor e fundador do premiado news outlet brasileiro Spotniks.
12 Geanluca Lorenzon

Ao final do século, regimes totalitários foram depostos na maior parte do


mundo e, em boa parte dos demais casos, forçados a se abrandar, ainda que muitas
vezes apenas no campo econômico. A globalização, ensaiada durante o início do
século, voltou com tudo ao final dele, e mesmo os regimes mais sedutores, como as
sociais-democracias europeias, mostraram-se repletos de falhas e obrigaram seus
defensores a implementar mudanças.

Da Heritage Foundation ao Fraser Institute, não são poucas as instituições


liberais que corroboram a noção de que a liberdade econômica tem ganhado força
nas últimas décadas. Ainda assim, a sensação que fica é de uma vitória amarga,
incompleta, quase um fracasso.

Como fica claro também nos dias atuais, a ideia do socialismo ainda seduz,
e se mantém mais viva do que nunca. Como mostrou a conceituada Gallup, a nova
geração literalmente prefere o socialismo ao capitalismo, e não sem seus motivos.

Defender o socialismo nos dias de hoje não se resume a uma concepção


sobre como devem ser estruturados os meios de produção em uma sociedade, ou
como a economia reagirá aos incentivos plantados por esta ou aquela mentalidade.
Trata-se de uma guerra pura pelo poder da narrativa, entre o bem e o mal, nós e
eles, os 99% contra o 1%. Como ficará claro ao leitor durante toda a obra, porém,
há um enorme choque de realidade entre discurso e prática quando o assunto são
direitos humanos e socialismo.

Muito mais do que argumentar ou confrontar a esquerda com a realidade,


o livro permitirá ao leitor fazer uma autorreflexão e entender de que forma corri-
gir um erro, que a cada dia que passa, se torna mais danoso. Ao passo em que os
liberais e conservadores centraram-se em combater o comunismo pelo seu sistema
econômico planificado, naturalmente incapaz de dar às pessoas aquilo que elas es-
peram, deixaram desassistidas algumas das ideias mais fundamentais ao convívio e
à formação da civilização ocidental.
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 13

Não por um acaso, sem merecer a devida atenção por conservadores, e es-
pecialmente liberais, essas ideias foram abraçadas por grupos que sob qualquer
olhar mais atento, em nada se assemelham ao seu propósito original.

Rastrear os momentos históricos em que este abandono se deu é, contu-


do, uma tarefa muito mais simples do que aparenta. Imagine por exemplo, que
a primeira parada LGBT ocorrida em Nova York, no dia 28 de junho de 1970 e
apelidada de Christopher Street Liberation Day, tinha como principal objetivo lu-
tar contra a repressão estatal em bares frequentados por homossexuais no distrito
de Greenwich Village. O que levou um movimento nascido para lutar contra a
repressão estatal a ser tão comumente associado nos dias de hoje a ideias como
aquelas defendidas na vizinha Cuba, que nos mesmos anos de 1970 ainda mantinha
campos de trabalho forçado para homossexuais?

Como saímos de uma época na qual liberais proeminentes como Joaquim


Nabuco centravam suas críticas ao comunismo na negação do mais básico dos di-
reitos humanos, a propriedade sobre si mesmo, para um período no qual falar de
direitos humanos é uma pauta considerada de esquerda?

A cada capítulo desta obra, ficará mais e mais difícil ao leitor manter qual-
quer esperança de associar a defesa dos direitos humanos a qualquer das concep-
ções de socialismo existentes, seja ele um socialismo Fabiano, comunismo, ou mes-
mo o bolivarianismo. A consequência mais óbvia de todas será forçar o leitor a
buscar a origem do erro e abandonar certas pautas em detrimento de outras.

Trata-se porém não de uma mera narrativa histórica, ou um economicismo


daqueles que abraça o mundo sem explicar o básico, mas de uma oportunidade
infelizmente ainda rara no Brasil de presenciar um bom uso da interdisciplinari-
dade entre o direito e a economia, o law and economics, que nos permite ir desde a
concepção do que vem a ser o socialismo, como da origem dos direitos humanos, e
14 Geanluca Lorenzon

em ambos os casos, garantindo um bom entendimento para permitir que o próprio


leitor constate na essência a incompatibilidade entre ambos.

Ao passo em que os conceitos ficarem claros, é possível também com-


preender de que forma foi criada a narrativa para que o socialismo contemplasse
sua própria visão de direitos humanos, uma vez que coube ao próprio Marx de-
finir que estes direitos não deveriam ser individuais, mas coletivos. Em outras
palavras, o leitor poderá entender do início a origem dos chamados direitos so-
ciais, e de que forma estes foram sobrepujando os próprios direitos humanos sob
a perspectiva socialista, até que estes fossem completamente positivados.

Por fim, o leitor terá a oportunidade de vislumbrar como podemos parar


a máquina de constantes agressões aos direitos individuais, alimentada pela am-
pliação sistemática do conceito de direito, em detrimento ao mais básico de todos,
aquele mesmo salientado por Nabuco.

É de se esperar, portanto, que a obra contribua para garantir ao leitor resga-


tar valores e princípios a um certo tempo esquecidos, além de expandir suas ideias
para aquilo que de novo os liberais puderam produzir a respeito dessas questões.

O que se pode dizer, ao concluir por completo a obra, é que tratamos aqui
de um assunto demasiadamente importante para a liberdade, para que o deixemos
a cargo de pessoas instintivamente antiliberais.

Felippe Hermes

Porto Alegre, março de 2017


Introdução

A próxima tentativa
socialista vai dar certo

“T odas as experiências já realizadas de socialismo estavam


erradas. Não eram o ‘verdadeiro socialismo’. A próxima
tentativa vai dar certo”. Parece estranho, mas toda vez que
intelectuais ou políticos decidem defender o sistema econômico socialista, eles são
obrigados a recorrer a esses tipos de justificativas, como maneira de desviar o de-
bate das horrendas tragédias e experiências do passado.

Os genocídios, crises, fome generalizada, decadência e caos, nada mais se-


riam do que uma coincidência, ou uma consequência direta da falta de disciplina
dos mortos em seguir o “verdadeiro e correto” plano do que seria o “socialismo”.
16 Geanluca Lorenzon

Infelizmente, esse discurso tem dado resultado. Uma pesquisa realizada


pela prestigiada Gallup em 2016, com a chamada geração millenial, mostra que
55% da população norte-americana, entre a idade de 18 a 29 anos, prefere o sistema
socialista ao capitalista.2

Mas e se os trágicos exemplos históricos não tivessem sido uma mera coin-
cidência? E se todo o sofrimento que o socialismo impôs à humanidade no século
XX fosse completamente previsível cientificamente, e, até, já contemplado por
defensores desse sistema dois séculos atrás?

É sobre essas questões que este livro se debruça.

A Análise Econômica do Direito (law and economics) é um campo de estudo


ainda pequeno no Brasil, ao menos em sua acepção atual. Muitos são os assuntos
que podem ser vislumbrados a partir de premissas econômicas, mas a disciplina de
direitos humanos certamente é um terreno quase inexplorado nessa área.

Uma das hipóteses que explica essa ausência é a dificuldade em precisar e


identificar um ordenamento jurídico delimitado do que seriam “direitos huma-
nos”. De fato, ao longo da história, muitos foram os conceitos adotados. Advindos
na modernidade a partir da concepção de direitos naturais, esse corpo protetivo já
foi restrito, discriminatório e completamente inócuo.

Porém, hoje os direitos humanos são dotados de um caráter relevante


frente à comunidade internacional. Eles são parte de um corpo vinculante que re-
flete a prática dos diferentes estados, caminhando, cada dia mais, em direção à
universalidade.

Americans’ Views of Socialism, Capitalism Are Little Changed. Frank Newport. Gallup
2 

International. May 6, 2016.


Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 17

Desde a revolução industrial, a humanidade tem avançado nesse aspecto.


Em diferentes partes do globo, sob diversas culturas ou distintos países, o ser hu-
mano goza de proteção e respeito como nunca se viu antes. Contudo, existiu um
fenômeno mundial que interrompeu essa tendência generalizada de crescimento
no respeito à condição humana: o socialismo.

Esse modelo foi talvez uma das maiores construções teóricas da história.
Estudado, debatido e pesquisado, o conceito foi desenhado para formatar uma so-
ciedade ideal, que pudesse ultrapassar as barreiras e as dificuldades do ser egoísta,
e trazer ao (novo) homem uma libertação verdadeira.

Contudo, as experiências nesse modelo não obtiveram sucesso. Passo-a-


passo, o mundo viu a escalada e o declínio do regime soviético, sua referência
fundamental, que por sete décadas tentou superar os problemas econômicos de
sua própria concepção. Se foi o conhecimento de intelectuais que levou à formação
do socialismo, foi também a chamada arrogância fatal que causou um dos maiores
desastres humanitários da história.

Esta obra visa entender primeiramente o que é socialismo em termos téc-


nicos. Além do que se almeja e suas disposições políticas, faz-se necessário vis-
lumbrar no que consiste uma economia socialista, e o que isso representa frente
ao indivíduo.

Da moral objetiva nasceu o jusnaturalismo, que advogou por uma ideia


universal do direito, independente da cultura, local, sociedade ou qualquer outro
contexto social em que o sujeito estiver inserido.

Foram os direitos naturais que iniciaram a longa caminhada do que são hoje
os direitos humanos: a ideia básica e fundamental de que a vida do indivíduo cabe
a ele próprio, em detrimento dos demais, da sociedade e do estado. Nesse sentido,
compreenderemos o que eles são, e como podem ser concebidos no contexto atual.
18 Geanluca Lorenzon

Após, esta obra irá responder à pergunta fundamental proposta, acerca da


inevitabilidade da tragédia humanitária em sistemas econômicos socialistas, o que
será visto tanto através de um processo de três fases, como também por uma teoria
cíclica que explica a expansão e auto reprodução do modelo.

É importante mencionar que as análises que aqui serão feitas partem de um


pressuposto de indiferença em relação às reais intenções dos dirigentes e conduto-
res de uma sociedade socialista, uma vez que será demonstrado que os problemas
intrínsecos ao modelo independem de qualquer motivação maléfica previamente
deliberada, sendo apenas necessário o ímpeto por insistir na ideologia de planeja-
mento central.

O objetivo desta obra é reformatar completamente a perspectiva política e


jurídica de como socialismo (e seus sistemas econômicos práticos) é contemplado
atualmente nos ambientes acadêmicos brasileiros, bem como reintroduzir ao seu
posto de merecimento o papel fundamental que o liberalismo jurídico teve na evo-
lução da humanidade, através da concepção moderna de direitos humanos.

Todo esse campo de discussões, que cresceram e se reproduziram com


maior intensidade após a Revolução Industrial, conduzem a uma questão básica e
fundamental: por que todas as experiências socialistas falharam em manter vivos e
efetivos os direitos humanos? Eis a questão.
Capítulo I

Socialismo: a pretensão
do conhecimento

N unca houve historicamente um sistema econômico mais pro-


penso a causar a destruição humanitária do que o socialismo.
Apresentando-se nos últimos séculos sob várias terminologias
dentro do espectro político (comunismo, socialdemocracia, socialismo Fabiano,
boliviarianismo, nacional-socialismo, etc.), o socialismo econômico pôde se mani-
festar através de diferentes perspectivas e maneiras.

Enquanto há muito espaço para o debate no campo da política partidária,


este capítulo analisará e definirá o conceito técnico de socialismo, para somente
20 Geanluca Lorenzon

então vislumbrar como esse sistema se apresentou na história, suas diferentes rou-
pagens e principais características.

Faz-se necessário analisar o fenômeno socialista por ele ser a causa maior
da Teoria dos Ciclos Humanitários, que será apresentada no quarto capítulo desta
obra, razão pela qual é impossível dissociar o socialismo das violações de direitos
humanos. Ao contrário do que alegam seus defensores, não é uma mera coincidên-
cia que todas as experiências econômicas desse tipo tenham acabado em tragédias
históricas sem precedentes.

De acordo com o conceituado dicionário Oxford da língua inglesa, socia-


lismo é a teoria política e econômica de organização social que advoga que os
meios de produção, distribuição e troca devem ser propriedade, ou devem ser con-
trolados, por um grupo social como um todo.3 Em outras palavras, o completo
controle da economia sob um sistema central e organizado. Nesse sentido, o termo
socialismo tem sido usado para descrever várias posições políticas, mas necessaria-
mente como oposição a uma economia de livre mercado, a versão mais antagônica
possível ao que almeja o raciocínio liberal.

Contudo, essa definição não é suficiente para indicar o significado técnico


de socialismo sob uma perspectiva econômica. Para que se possa melhor analisar
no que consiste a oposição à liberdade de mercado, e no que concerne o controle
da mesma por um determinado arranjo social, irá se recorrer à perspectiva lógica
apresentada a seguir.

SOCIALISMO. In: OXFORD DICTIONARY. Londres: Oxford University Press,


3 

2014 Disponível em: <http://www.oxforddictionaries.com/us/definition/american_en-


glish/socialism> Acesso em: 1 nov. 2014.
Capítulo 1.1

O que é socialismo?

Todo mundo o quer, mas ninguém deseja assumir a paternidade dessa “crian-
ça”. Achar um político hoje que admita que qualquer das experiências passadas de
socialismo seja o que ele gostaria de ver implementado é praticamente impossível.

Essa lógica parece fazer sentido. Ninguém quer “assinar embaixo” de um


regime responsável pelas maiores tragédias da humanidade.4 O problema não resi-
de tão somente nas intenções daqueles que advogam por uma nova tentativa, mas
pela hipocrisia e – na maioria das vezes – ignorância em entender que não se trata
de uma mera coincidência.

Considerando que o objetivo é demonstrar se existe uma relação necessá-


ria entre o fenômeno econômico e as violações, ao que se pode considerar como,
direitos humanos, é de suma importância determinar com exatidão o significado
atribuído à expressão socialismo nesta obra. Pode-se adiantar que será usado uma
definição incontroversa.5

4 
Ver gráfico à pág. 147.
Nesse sentido vale a atentar ao debate acadêmico e intelectual ocorrido no século passado
5 

entre Friedrich Hayek e o economista socialista Oskar Lange, a partir do problema do cál-
culo econômico sob o socialismo demonstrado por Ludwig von Mises na década de 20. O
conceito aqui apresentado e discutido é considerado amplamente incontroverso.
22 Geanluca Lorenzon

Ao contrário do senso comum, Karl Marx não foi o fundador do socialismo.


Sua concepção já estava claramente delineada e formulada antes do autor alemão,
tendo advindo da ideia de pensadores do século XVIII que viam o indivíduo com
liberdade como sendo uma ameaça ao “bem-comum”, uma vez que o seu egoísmo
(autointeresse) prejudicaria a formação de uma sociedade ideal.6 Assim, a solução
encontrada por esses intelectuais foi formular a ideia de uma sociedade em que
as ações dos indivíduos seriam direcionadas por um plano comum, a fim de se
atingir um objetivo coletivo determinado que seria maior que os meros interesses
privados de cada cidadão. A liberdade do mercado era visto como uma anarquia a
ser combatida.

Isso nos leva ao entendimento máximo e fundamental do estudo da econo-


mia, que é a ação humana: todo indivíduo age com um propósito determinado por
ele, para chegar a um objetivo que julgue ser lhe conveniente. Partindo desse pres-
suposto, o socialismo tem que interferir sobre a ação humana, para que as pessoas
não mais ajam com base em suas deliberações individuais, mas sim em consonância
com um plano que será elaborado de forma centralizada, o qual conduziria a so-
ciedade como um todo a algo mais desejável do que ocorreria caso cada um agisse
baseado em suas próprias determinações.

Assim sendo, socialismo é um sistema de condução da ação humana para


fins determinados de forma centralmente planejada. Para isso, faz-se necessário
agredi-la ao que seria normalmente, uma vez que os indivíduos naturalmente já
agem baseado em suas próprias cognições e seu conhecimento limitado. Daí sur-
gem as expressões que descrevem esse sistema como “economia planificada”, “su-
premacia do interesse da sociedade”, “sistema centralmente coordenado”, etc.

Por um olhar mais informal (e simplista), socialismo significa o controle


de todas as ações econômicas de uma sociedade através do planejamento realizado

6 
MISES, Ludwig von. Human Action. 1949. Capítulo 25.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 23

por uma entidade central, enquanto capitalismo é o sistema em que todos os indi-
víduos agem conforme suas próprias deliberações.

Outro conceito introdutório de socialismo é “todo o sistema de agressão


institucional ao livre exercício da função empresarial.”7

Função empresarial é um estado de permanente alerta, para “colher” co-


nhecimento que conduzirá a uma ação humana. A ideia do socialismo é que toda
atitude com fins econômicos que os indivíduos tomem estejam de acordo com um
sistema coordenado pela sociedade (na forma do estado). O conceito de agressão
e/ou coerção é definido aqui da seguinte forma:

Por agressão ou coerção devemos entender toda


a violência física, ou ameaça de violência física,
iniciada e exercida sobre o agente por outro ser
humano ou grupo de seres humanos. Como con-
sequência, e para evitar males maiores, o agente
que, de outra forma teria exercido livremente a
sua função empresarial, vê-se forçado a agir de
forma diferente da que teria feito noutras circuns-
tâncias, modificando, assim, o seu comportamen-
to e adequando-o aos fins daquele ou daqueles
que exercem alguma coerção sobre ele.8

Essa é a razão pela qual não existem empreendedores dentro de um sistema


socialista. Toda a estrutura produtiva passa a ser parte do estado.

DE SOTO, Jesús Huerta. Socialismo, Cálculo Econômico e Função Empresarial. Tradu-


7 

ção de Bruno Garschagen. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013. p. 71
8 
Ibid., p.71
24 Geanluca Lorenzon

Como mencionamos, no modelo socialista os indivíduos devem conduzir


suas ações humanas em conformidade com uma coordenação estabelecida central-
mente pela sociedade, na forma de seu corpo administrativo: o estado.

A forma específica com que esse órgão toma as decisões e elabora o pla-
nejamento é absolutamente irrelevante. Mesmo que haja um sistema que colete
informações próximas ao dia-a-dia do indivíduo, que existam assembleias ou co-
mitês “democráticos”, que os líderes sejam eleitos por maiorias, ou ainda que a
programação seja resultado de métricas elaboradas por gênios e computadores
jamais vistos sobre a face da terra, seu caráter continuará sendo absolutamente
indiferente para o que se analisará aqui.

Não importa se esse planejamento seja realizado a poucos metros de sua


casa ou se as decisões sejam auferidas pelo sindicato do bairro. O mero fato de que
exista um órgão decisório que defina como as pessoas devem agir economicamen-
te, desconsiderando sua autonomia, já configura a centralização descrita.

Em outras palavras, o planejamento econômico (socialismo) existe toda a


vez que se impõe uma hierarquia para as decisões da ação humana. Nesse sistema,
toda a sociedade deve agir economicamente conforme determinado por ninguém
menos que o estado (entendido aqui como o corpo dirigente e administrador da
sociedade), seja ele estabelecido da forma que for, ainda que (como se demonstra-
rá no decorrer do livro) exista uma inevitável tendência de governos socialistas a
se tornarem autoritários.

Na vida real, todos os indivíduos são agentes econômicos que se engajam


na grande rede de trocas chamada por nós de mercado, através de suas ações in-
dividuais do dia-a-dia. Tecnicamente, define-se ação humana como “todo o com-
portamento ou conduta deliberada”9 com o fim específico de levar o indivíduo

9 
MISES, Ludwig Von. Ação Humana. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 25

de uma situação de maior desconforto para uma de menor. Quando um casal de


namorados se abraça, em um ato de afeto, estão agindo conforme o axioma da ação
humana e se engajando em uma troca de recursos voluntários às suas disposições,
como tempo e capital humano. Se aplicam a essa lógica todas as ações tomadas
pelos indivíduos, independente do grau de repercussão “econômica”.

A importância de jamais centralizar a decisão por uma determinada condu-


ta econômica nasce do princípio dos estudos dessa ciência. O economista austríaco
Ludwig von Mises afirma que “numa economia real, todo agente é sempre um
empresário e um especulador”,10 e que “empresário é simplesmente aquele que
reage às mudanças que ocorrem no mercado.”11 Conclui-se, por conseguinte, que
todo indivíduo do mundo por se engajar no conceito de ação humana, é sempre
um empresário e um especulador.

Por exemplo, quando alguém oferece sua mão de obra para um empregador
ou ao estado (através de um concurso público);12 ou ainda quando recolhe uten-
sílios caseiros e os anuncia como “a venda” em uma rede social, o indivíduo está
se comportando como empresário e buscando uma relação econômica; ao mesmo
tempo, comporta-se como especulador, por estar dotado de habilidade racional ca-
paz de imaginar e prever os incertos resultados positivos e negativos dessa relação
em um dado tempo, através da determinação de um preço ou de outros benefícios
que possa almejar conquistar. A mesma coisa ocorre quando alguém procura um
parceiro(a) em um aplicativo de relacionamentos como o Tinder™, em que o in-
divíduo está aceitando e rejeitando ofertas, especulando e empreendendo, sem ter
o conhecimento completo do que quer, uma vez que sabe que o que encontrará é
imprevisível. Logo, ele age em suposições, enquanto vai coordenando suas expec-
tativas imediatamente de acordo com as opções disponíveis no “mercado”.

10 
Ibid., p. 309
11 
Ibid., p. 310
12 
Em um Sistema socialista, todos seriam funcionários públicos, direta ou indiretamente.
26 Geanluca Lorenzon

Todo indivíduo pretende alcançar determinados fins, que descobriu serem,


de alguma forma, importantes para si.13 Toda ação humana almeja levar o indiví-
duo de uma posição de maior desconforto psicológico, para uma de menor descon-
forto. O que é desconforto? Isso somente pode ser decidido pelo próprio indivíduo
e os valores pessoais e íntimos de sua psique. E para isso ele deve ser livre.

Esse processo corrobora o conceito apriorístico elaborado pela Escola


Austríaca, através do chamado axioma fundamental, que diz que seres humanos
individuais agem propositadamente para atingir as metas desejadas – sempre algo
mais desejável do que o estado atual das coisas.14

Importante notar que em muitos casos a restrição ou agressão institucio-


nal que regem um modelo socialista derivam do desejo deliberado de melhorar
o processo de coordenação social e alcançar determinados fins ou objetivos.15
Infelizmente, esses objetivos (por razões que serão abordadas no terceiro capítulo)
são cientificamente impossíveis de serem atingidos pelo meio proposto.

Assim sendo, no sentido econômico, socialismo é toda a restrição ou agres-


são institucional contra o livre exercício da ação humana ou função empresarial. É
a economia em sua integralidade nas mãos e, sob o controle, do estado. Como con-
sequência, todos os meios de produção passam a ser propriedade dele. Mas como
tal asserção não seria muito popular, socialistas historicamente substituíram a pa-
lavra “estado”, na frase acima, por “proletariado”. É o mesmo truque de retórica
usado para manter caras e corruptas empresas estatais sob controle de políticos. A
Petrobras é do povo brasileiro!(?)

13 
DE SOTO, op. cit., p. 37
14 
Sujeita à desvalorização marginal decrescente.
15 
DE SOTO, op. cit., p. 69
Socialismo: a pretensão do conhecimento 27

Essa definição reflete com precisão a ideia de planejamento central de uma


economia, considerada característica-mor do conceito de socialismo: o órgão res-
ponsável por essa função, nada mais faria senão agredir/restringir/controlar o
livre exercício da ação humana com o fim de moldá-la ao projeto econômico tra-
çado pelo estado. Independente de como esse planejamento foi construído e de
como é administrado.

É de essencial importância ressaltar a indiferença quanto à forma com que


o planejamento é elaborado: se por meio democrático ou não; se houve métodos
diretos ou indiretos de participação pela população ou não. Independentemente da
forma, haverá um plano (inicialmente econômico) a ser implementado sobre os in-
divíduos, o que necessariamente irá requerer que os mesmos se abstenham de con-
dutas econômicas que outrora fariam.16 Para que isso ocorra, o órgão planejador
deve usar seu método de atuação para limitar a ação humana, então a agredindo.
Considerando que o estado tão somente age através de uma ameaça ou coerção
institucional, uma vez que os indivíduos não se submetem às suas resoluções de
maneira voluntária, sem que haja a ameaça de retaliação por seu descumprimento,
o socialismo acaba sendo definido como um sistema de agressão institucional à
ação humana.

Esse sistema já possui em seu cerne um legítimo caráter coercitivo e agres-


sor, ainda que às vezes praticado para “fins nobres”.

Ainda que os órgãos diretores possam ser diferentes, em distintos períodos


de tempo, sob variadas terminologias, a ideia essencial de controle sobre a ação
humana (na perspectiva econômica apresentada acima) se mantém.

Esse comando é realizado necessariamente por uma coerção ou agressão


dirigida pelo órgão planejador. Assim, para que a economia seja controlada pelo

Condutas econômicas entendidas como qualquer ato de troca, produção, especulação, ou


16 

alocação de recursos.
28 Geanluca Lorenzon

estado, necessariamente este terá de usar de seu poder de agressão institucional


para determinar como os cidadãos devem se comportar economicamente.

E como um verdadeiro estado, as formas de agressão serão as tradicionais e


históricas: punições civis e criminais.

Esse fator se aplica independente do “grau” do socialismo. Caso se olhe


para um sistema mais brando, o estado usará de seu aparato policial para, por
exemplo, garantir o controle de preços e de lucros dos empresários, vide o exem-
plo argentino da Lei do Abastecimento no governo Cristina Kirchner em 2014,
onde o governo impôs limites legais a determinados produtos.17 Ou, do clássico
exemplo brasileiro dos chamados “Fiscais do Sarney”, em que cidadãos teriam
uma obrigação moral de verificar se os “malvados empresários” não estariam
subindo os preços dos bens e serviços para “sabotar o país” em disposição con-
trária ao determinado pelo governo do então Presidente José Sarney.

Caso se olhe para um sistema mais severo de socialismo, o estado conti-


nuará a usar seu aparato policial para determinar quem deve produzir, quanto, por
quanto e para quem – situação em que a economia estaria definitivamente plani-
ficada, conforme explicitamente desejava Marx,18 ainda que em sua escassez teóri-
ca.19 Em ambos os casos, os únicos meios para que o estado imponha tal mecanis-
mo de planejamento central é o mesmo: coerção e agressão sobre a ação humana.

OLMOS, Marli. Argentina aprova reforma da lei que limita preços e margens de lucro.
17 

Valor Econômico. São Paulo. Disponível em <http://www.valor.com.br/internacio-


nal/3701816/argentina-aprova-reforma-da-lei-que-limita-precos-e-margens-de-lucro>
Acesso em: 3 nov. 2014.
Segundo Marx, o proletariado deve forçar coercivamente uma “coordenação” a partir de
18 

cima para acabar com as características típicas do capitalismo. DE SOTO, op. cit., p. 145.
Marx nunca foi preciso em como seria o sistema econômico socialista (o que talvez expli-
19 

que um pouco sua militância pelo modelo), tendo algo mais vislumbrável em sua crítica ao
programa de Ghota. Ver MARX, Karl. Critque of Gotha Programme. 1985.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 29

Em suma, socialismo pode ser compreendido como “toda a coerção ou


agressão sistemática e institucional que restringe o livre exercício da função em-
presarial em determinada área social e que é exercida por um órgão diretor.”20

Esse será o conceito do fenômeno econômico que será analisado por esta obra.

20 
DE SOTO, op. Cit., p. 75
Capítulo 1.2

Distinguindo o socialismo em suas


encarnações políticas

Considerando que nenhuma reforma econômica ou jurídica advém se-


não de um processo sociopolítico, e que muitas vezes é impossível dissociar as
escolhas econômicas do padrão partidário erigido por um regime, sistema ou
organização, este tópico se dedicará a delimitar os fenômenos históricos e atuais
envolvidos que serão analisados pelas teorias posteriormente neste livro.

Socialismo Real ou das economias do tipo soviético

Talvez o estilo mais amplo e irrestrito de socialismo seja aquele institu-


cionalizado por uma agressão generalizada à ação humana individual, pratica-
mente aniquilando qualquer função empresarial em relação a bens econômicos
e fatores de produção. Pela sua forma irrestrita, ele foi considerado por muito
tempo como o socialismo mais puro ou o socialismo por excelência, sendo tam-
bém conhecido como socialismo real.21 Na história política do século XX, ficou
conhecido como comunismo.22

21 
Ibid., p. 111
22 
Não confundir com a fase final do Sistema econômico humano na teoria da Karl Marx.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 31

Historicamente essa corrente política de socialismo nasce com a União


Soviética e decai (quase que) por completo ao fim da Guerra Fria.23 Entre as agres-
sões institucionais à ação humana, destacam-se o completo controle da economia
pelo estado, que passou por “altos e baixos”, e que incluíram o controle de preços
e de todos os aspectos da economia, alocação deliberada de recursos e a coletiviza-
ção dos meios de produção.

O exemplo Soviético é, sem dúvidas, o de maior relevância para este es-


tudo, dada a profundidade econômica que o modelo inseriu. O controle geral da
economia era organizado pela tríade composta pela Gosplan, comissão de planeja-
mento estatal; Gosbank, banco estatal unificado e Gossnab, responsável pelo supri-
mento de recursos.

Em suma, jamais existiu outro sistema econômico mais próximo da espe-


cificação técnica socialista do que o soviético. Este exemplo é muito importante e
será aqui estudado exaustivamente, uma vez que a União Soviética persistiu por
um longo período de tempo, possuía ampla geografia para a produção de uma
economia variada, moldou diferentes sociedades com origens muito distintas, e se
estabeleceu como um polo de poder e força no mundo durante o século XX, com
influência até os dias de hoje.

Socialismo Democrático ou Socialdemocracia

Considerada a corrente política de economia socialista mais popular atual-


mente, surgiu como uma separação tática do socialismo real, distinguindo-se deste
por procurar alcançar os seus objetivos através da utilização dos mecanismos de-
mocráticos tradicionais que se formaram nos países ocidentais.24

23 
Com exceção do regime norte-coreano.
24 
Ibid., p. 111
32 Geanluca Lorenzon

Pode-se afirmar que a socialdemocracia nasceu em uma divisão ocor-


rida durante a Segunda Internacional Socialista, um congresso composto por
partidos dessa vertente em Paris de 1889, caracterizada por desejar um avanço
gradual e lento em direto ao socialismo, por influência da organização britânica
Sociedade Fabiana.

Curiosamente, esta associação possui como símbolo uma tartaruga, simbo-


lizando uma movimentação lenta e gradual em direção ao objetivo final de estabe-
lecimento de uma sociedade socialista.25

Mais tardiamente, a socialdemocracia objetivou “socializar” os meios ou


fatores de produção, colocando cada vez mais a ênfase na ideia de exercer a agres-
são sistemática e institucionalizada, sobretudo na área fiscal, com o desejo de equi-
librar as “oportunidades” e os resultados do processo social.26

Uma visualização precisa dessa modificação histórica ocorreu em 1994,


quando o tradicional Labour Party (Partido Trabalhista Britânico) elegeu Tony
Blair como seu líder, que sob o manifesto chamado New Labour, alterou a Cláusula
IV da Constituição de seu partido (Labour Party Rule Book) para não mais advogar
pela estatização dos meios de produção, mas sim pela estratégia gradualista por
trás da socialdemocracia, da seguinte forma:

O Partido Trabalhista é um partido socialista de-


mocrático. Ele acredita que pela força do nosso es-
forço comum podemos alcançar mais do que nós
conseguimos sozinhos, de modo a criar para cada
um de nós os meios para realizar o nosso verdadei-
ro potencial e para todos nós uma comunidade em

THOMSON, George. The Tindemans Report And The European Future. Disponível
25 

em: <http://aei.pitt.edu/10796/1/10796.pdf> Acesso em: 25 out. 2014.


26 
DE SOTO, op. cit., p. 112
Socialismo: a pretensão do conhecimento 33

que o poder, a riqueza e as oportunidades estão na


mãos de muitos, não de poucos, onde os direitos de
que desfrutamos reflitam os deveres que nós pos-
suímos, e onde nós vivemos juntos, livremente, em
um espírito de solidariedade, tolerância e respeito.27

Considera-se que essa foi a única solução política para que o Labour Party
voltasse ao poder depois dos 11 anos em que Thatcher promoveu profundas refor-
mas liberalizantes na economia do Reino Unido, enterrando de vez a premissa de
que a economia deveria ser planificada e controlada pelo estado, uma ideia vigente
naquele país até a década de 70.

Contudo, a diferença entre o socialismo real e o socialismo democrático


não é uma diferença categórica ou de classe, mas apenas uma distinção de grau.28

A agressão no modelo socialdemocrata está direcionada a variadas


áreas, mas persiste de maneira forte e contundente no intervencionismo, regu-
lação e coerção efetiva. Isso não impede – de forma alguma – que os proble-
mas de descoordenação econômica e social que causam problemas humanitá-
rios e ciclos de estatização.

Hoje, os principais valores do discurso político transmitidos por essa cor-


rente de socialismo centram-se na “redistribuição” de renda para um “melhor”
funcionamento da “sociedade”, como se esta fosse algo passível de manipulação,
correção ou “limpeza de impurezas sociais”.

LABOUR PARTY, Labour Party Rule Book. Londres, 2013. Disponível em <http://
27 

labourlist.org/wp-content/uploads/2013/04/Rule-Book-2013.pdf> Acesso em: 21 out.


2014. (tradução nossa)
28 
DE SOTO, op. cit., p. 112
34 Geanluca Lorenzon

Essa apresentação estética chega ao cúmulo de mencionar que, por mais


que o mercado entregue resultados mais eficazes e produtivos, não seria ético lhe
delegar tais funções (sobretudo nas ideias do pensador norte-americano Michael
J. Sandel).

Contudo, ainda que momentaneamente exercida de maneira democrática, a


agressão à ação humana econômica persistirá.

Socialismo Conservador ou “de direita”

Pode ser considerado como socialismo conservador aquele que exerce sis-
tematicamente a agressão institucional à ação humana, mas, em outros aspectos,
visa manter o status quo socialmente vigente.

Escrevendo sobre o aspecto econômico do socialismo conservador, Hans


Hermann-Hoppe expressa que nessa corrente política o programa interfere dire-
tamente no consumo e nas trocas não comerciais, prejudicando o desenvolvimen-
to dos talentos produtivos das pessoas.29 Uma das principais características desse
sistema socialista é o paternalismo, tentando manter inalterado o comportamento
dos indivíduos, normalmente baseados em preceitos morais ou religiosos.30 Nesse
sentido, a agressão institucional econômica também é usada para os fins de contro-
lar as condutas não-comerciais da sociedade.

O populismo latino-americano da primeira metade do século XX, princi-


palmente com Vargas no Brasil e Perón na Argentina, está radicalmente inserido
nesse conceito.

HOPPE, Hans-Hermann. Uma teoria sobre o socialismo e o capitalismo. São Paulo:


29 

Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. p. 92


30 
Ibid., p. 93
Socialismo: a pretensão do conhecimento 35

No Brasil, foi o governo Vargas que centralizou toda a legislação rele-


vante do país na esfera federal, transformando a então federação em um estado
unitário de facto. Foi a mesma administração que importou a legislação fascista
italiana através da CLT, corpo de leis que estabeleceu no Brasil uma série de re-
gulamentações, as quais há décadas geram consenso entre economistas quanto a
suas consequências nefastas, que incluem distorções de oportunidades, aumento
da desigualdade de renda31 e engessamento da mobilidade social, mantendo o
país na pobreza.

Aproxima-se desse conceito o chamado socialismo militar, em que “todas as


instituições são concebidas com o fim de fazer guerra e em que a escala de valores
para determinar o status social e o rendimento dos cidadãos se baseia, de forma
exclusiva ou preferencial, na posição que cada um deles ocupa na relação com as
forças armadas”;32 Os maiores exemplos desse modelo militar, sem dúvidas, foram
Vietnam e Laos.

A batalha de um estado contra o outro é usada como motivo para transfor-


mar toda a sociedade em uma divisão do exército.

Também similar é o socialismo corporativo e o agrário, “que pretendem, res-


pectivamente, organizar a sociedade com base numa estrutura hierárquica de es-
pecialistas, gerentes, capatazes, oficiais e trabalhadores ou dividir a terra pela força
entre determinados grupos sociais. “33

Vale a pena aqui mencionar as seis formas com que a Justiça do Trabalho no Brasil au-
31 

menta a desigualdade de renda: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2492


MISES, Ludwig von. Socialism: An economic and sociological analyses. Indianapolis:
32 

Liberty Press, 1981. p. 220


33 
Ibid., p. 229 – 232 passim.
36 Geanluca Lorenzon

Engenharia social ou socialismo cientista

O socialismo cientista pode ser considerado como aquele advindo da ideia


de que uma casta de intelectuais da sociedade se sente excepcional o suficiente para
tentar dirigi-la e conduzi-la economicamente. A legitimidade de tal grupo adviria
de seu conhecimento “superior”.34

A origem desse socialismo está na tradição intelectual do nacionalismo


cartesiano ou do construtivismo, que acreditam que a razão do intelectual possui
capacidade ilimitada, tendo criado e concebido todas as instituições sociais; e que,
então, poderia modificá-las ou planificá-las conforme desejasse. A humanidade
seria um objeto maleável.

Esse fenômeno em si não é visto como um sistema geral, mas sim como
um subproduto presente em determinados regimes em que intelectuais, através de
governos, tentam fazer uso de conhecimentos adquiridos no campo das ciências
exatas, para então influir no comportamento social das massas.35

Talvez uma de suas mais curiosas descrições seria a proposta feita por um
dos teóricos do chamado socialismo utópico, o francês Henri de Saint-Simon
em 1803.36 Dono de um imponente estilo de vida, ele preferia aprender atra-
vés de jantares e banquetes com intelectuais, ao invés de estudar com leituras e
pesquisas.37

34 
DE SOTO, op. cit., p. 115
Um dos maiores críticos da engenharia social e da pretensão do conhecimento envolvido nesse
35 

sistema, é o economista norte-americano Thomas Sowell.


36 
HAYEK, F. A. The Counter-Revolution of Science. USA, Free Press. 1952, pp. 120-121
37 
Ibid.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 37

De acordo com ele, o socialismo se daria através da criação do chamado


Conselho de Newton,38 que reuniria três matemáticos, três físicos, três químicos, três
psicólogos, três literários, três pintores e três músicos. Esses 21 “iluminados”, elei-
tos por toda a humanidade, seriam a representação de Deus na terra, organizan-
do e comandando a humanidade a caminho de um mundo melhor. Mas eles não
seriam de todo arrogantes, pois poderiam criar subconselhos, de forma a atender
todo o planeta desesperado por suas orientações e conhecimento. Tudo isso teria
sido revelado a Saint-Simon através de uma conversa que ele teria tido com – nin-
guém menos – que Deus. De fato, utópico.

Saint-Simon é até hoje uma referência para os intelectuais socialistas.

Socialismo Bolivariano ou Chavismo

Fenômeno tecnicamente novo, o socialismo bolivariano pode ser entendido


como aquele que surgiu a partir do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV),
fundado após a vitória presidencial de Hugo Chávez, como uma união formal de
várias das agremiações que o apoiaram no pleito, de uma forma centralizadora,
parecida com o regime de partido-único de diversas nações socialistas, como Cuba
e Coréia do Norte. As ideias e táticas desse movimento se espraiaram pela América
Latina como um ideal, principalmente através do Foro de São Paulo, organização
multinacional de partidos e organizações de extrema-esquerda da América do Sul,
que inclui os brasileiros PT, PDT, PCdoB, PSB e PPS.

Ainda de difícil definição e delineamento intelectual, o socialismo boliva-


riano possui como referência o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frías,
encampado em uma chamada “revolução bolivariana”.

38 
Como aponta Hayek, uma releitura exagerada do culto de Voltaire a Newton.
38 Geanluca Lorenzon

Também chamado de “socialismo do século XXI”, algumas características


que marcam esse fenômeno incluem uma “economia de valores” em substituição
a uma de preços de mercado, blocos regionais de poder, teoria do valor-trabalho,
reformulação constante, “democracia” direta, entre outras características.

No plano apriorístico, o socialismo bolivariano possuiria muitas das ca-


racterísticas de agressão institucional econômica semelhantes ao socialismo real,
mas dotado de um discurso diferenciado em determinados segmentos. Marcado
excessivamente pela linguagem regional, tal discurso quase remete ao socialismo
de direita, forte na América do Sul durante a metade do século passado, especifi-
camente em decorrência do caráter paternalista e populista presente no chavismo.

Características de adoções práticas desse sistema envolvem controle de


preços,39 restrição de lucros,40 estatização de setores considerados de relevante
importância,41 controle “econômico” da mídia,42 entre outras medidas.

ELLSWORTH, Brian. Venezuela decrees new price controls to fight inflation. Reuters.
39 

Caracas, 2014. Disponível em <http://www.reuters.com/article/2014/01/24/us-ve-


nezuela-economy-idUSBREA0N1GL20140124> Acesso em: 21 out. 2014.
40 
STRANGE, Hannah. Nicolas Maduro steps up offensive against ‘bourgeoisie’ with pro-
fit limits. The Telegraph. Londres, 2014. Disponível em <http://www.telegraph.co.uk/
news/worldnews/southamerica/venezuela/10468615/Nicolas-Maduro-steps-up-offen-
sive-against-bourgeoisie-with-profit-limits.html> Acesso em: 20 out. 2014
ROMERO, Simon. Venezuela plans to nationalize two industries – Americas – International
41 

Herald Tribune. The New York Times. Caracas, 2007. Disponível em <http://www.nyti-
mes.com/2007/01/09/world/americas/09iht-venez.4147028.html?pagewanted=all&_r=0>
Acesso em: 20 out. 2014
In depth: Media in Venezuela. British Broadcast Company News. Londres: 2012. Dispo-
42 

nível em: <http://www.bbc.com/news/world-latin-america-19368807> Acesso em: 20


out. 2014.
Socialismo: a pretensão do conhecimento 39

Nacional-socialismo ou Nazismo

O debate em relação à posição ideológica do nazismo é intenso em ambien-


tes acadêmicos por todo o mundo, ainda que no Brasil não existam reais discussões
em relação ao enquadramento desse fenômeno frente a um espectro maior.

Analisaremos brevemente a inserção do nazismo frente ao espectro


econômico,43 a fim de identificar semelhanças e diferenças entre a definição de
socialismo apresentada no subcapítulo anterior.

O fundamento do argumento de que a Alemanha Nazista não era socialista


é o fato de que a maioria das indústrias foi aparentemente deixada em mãos priva-
das. Contudo, a situação de facto não era essa, consoante denota Reisman:

O que Mises identificou foi que a propriedade


privada dos meios de produção existia apenas
nominalmente sob o regime Nazista, e que o ver-
dadeiro conteúdo da propriedade dos meios de
produção residia no governo alemão. Pois era o
governo alemão e não o proprietário privado no-
minal quem decidia o que deveria ser produzido,
em qual quantidade, por quais métodos, e a quem
seria distribuído, bem como quais preços seriam
cobrados e quais salários seriam pagos, e quais

43 
Contudo, importa ressaltar que politicamente havia uma aproximação notória entre o socia-
lismo ideológico em si, e o nacional-socialismo de Hitler. Conforme ponderou Hayek em O
Caminho da Servidão, “Esquecemos também que, uma geração antes de o socialismo se tornar
uma séria questão na Inglaterra, a Alemanha tinha um numeroso partido socialista no parla-
mento, e que, até data recente, o desenvolvimento da doutrina socialista ocorria quase inteira-
mente na Alemanha e na Áustria, de sorte que mesmo hoje os russos partem do ponto em que
os alemães se detiveram.” HAYEK, Friedrich A. O Caminho da Servidão. São Paulo: Instituto
Ludwig von Mises Brasil, 2010
40 Geanluca Lorenzon

dividendos ou outras rendas seria permitido ao


proprietário privado nominal receber. A posição
do que se alega terem sido proprietários privados
era reduzida essencialmente à função de pensio-
nistas do governo, como Mises demonstrou.44

De forma sintética, a propriedade não poderia ser considerada à disposi-


ção dos indivíduos, pois nem mesmo eles próprios possuíam autonomia, ou seja,
suas vidas particulares eram integralmente planejadas pelo estado, levando assim
a um sistema decorrente de controle econômico, ainda que o governo não fosse o
proprietário nominal dos meios de produção à época. Mises chamou esse tipo de
socialismo de “Hinderburg pattern”, no qual o cidadão tem os títulos dos meios
de produção, mas o controle deles está sob determinação do estado através da
burocracia.

Ou seja, na Alemanha de Hitler havia um sistema de socialismo que só di-


feria do sistema russo na medida em que ainda eram mantidos a terminologia e os
rótulos do sistema de mercado. Ainda existiam “empresas privadas”, como eram
denominadas. Entretanto, o proprietário já não era um empresário; chamavam-no
“gerente” ou “chefe” de negócios (Betriebsführer).45

Os requisitos necessários para a implementação efetiva do sistema de con-


trole de salários e preços trazem à luz a natureza totalitária do socialismo, tan-
to na variante alemã ou nazista de socialismo, mas também no estilo soviético.
Essa asserção é corroborada quando Hitler declarou em um dos seus discursos,

REISMAN, George. Porque o nazismo era socialismo e porque o socialismo é totalitário.


44 

Instituto Ludwig von Mises Brasil. São Paulo: 2014. Disponível em <http://www.mises.org.
br/Article.aspx?id=98> Acesso em: 14 out. 2014
MISES, Ludwig von. As seis lições. Tradução de Maria Luiza Borges. 7ª ed. São Paulo:
45 

Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009.


Socialismo: a pretensão do conhecimento 41

em fevereiro de 1941, que “basicamente, nacional-socialismo, fascismo (italiano e


japonês) e marxismo eram a mesma coisa”.46

Apoiando-se na definição de Hayek, o economista norte-americano


Sanford Ikeda menciona que a proximidade entre socialismo e fascismo está na
característica comum entre ambos de que a organização do trabalho na sociedade
está direcionada a um determinado fim, na medida em que a divergência entre os
dois sistemas resume-se ao caráter almejado destes fins.47 Ambos os fenômenos
políticos acreditam na condução da sociedade de forma dirigida a um “bem maior”
que o indivíduo. A ideia apresentada por Marx de que o ser humano que age sem
ser dirigido pela sociedade é um “mônada egoísta”, corrobora o lema de Mussolini
de “tudo no estado, nada contra o estado, nada fora do estado”. Caso se substitua a
palavra “estado” por “sociedade” na frase do ditador italiano, ter-se-ia um slogan
compatível e facilmente utilizável por qualquer movimento socialista hoje em dia.

De fato, o comunismo (marcado pelo regime de socialismo real) foi equi-


parado ao nazismo pelos países do leste europeu que o vivenciaram, através da
Declaração de Praga, datada do ano de 2008.48

O fato que regimes desse naipe perseguiam “comunistas” não os faz me-
nos socialistas. Apesar de a esquerda hoje repetir isso insistentemente, inclusive
apontando para perseguições ocorridas sob o regime Vargas e sob a ditadura civil-
-militar brasileira pós-64, a perseguição de comunistas não era uma agressão à
ideologia econômica dos mesmos, mas sim às posições políticas de alinhamento à

46 
The Bulletin of International News, Royal Institute of International Affairs, v. XVIII,
n.º 5, p. 269 (apud HAYEK, op cit., 2010)
47 
IKEDA, Sanford. Dynamics of the Mixed Economy. Routledge, 1997. P. 33.
DECLARAÇÃO DE PRAGA SOBRE CONSCIÊNCIA EUROPEIA E COMUNIS-
48 

MO. Adotada em 2008. Disponível em <http://www.praguedeclaration.eu/> Acesso


em: 20 out. 2014.
42 Geanluca Lorenzon

União Soviética. Ser comunista não era partilhar de ideais economicamente socia-
listas, mas sim se engajar dentro do sistema revolucionário advogado à época pelo
regime soviético. Ser comunista era cool.
Capítulo 1.3

A linha tênue entre o fenômeno


econômico e político

Analisando as diferentes espécies de corrente política que aderem concei-


tualmente, em maior ou menor grau, ao socialismo, tem-se que o sistema econô-
mico que será relacionado ao conceito de destruição dos direitos humanos assumiu
diversos semblantes na história, e nem sempre existem laços efetivos que conectam
diretamente um ao outro.

A definição mais científica de socialismo, conceito econômico unifor-


memente adotado no comunismo revolucionário, seria todo o sistema de agres-
são institucional ao livre exercício da função empresarial e ação humana.49

No plano estatal, a implementação dele necessariamente seguirá um dos


dois modelos:

(i) o modelo marxista, ou russo, que baseia


toda a economia na burocracia, na medi-
da em que todos passam a ser funcionários
do estado, e a produção ocorre através de
agências dirigidas pelo governo;

49 
DE SOTO, op. cit., p. 92
44 Geanluca Lorenzon

(ii) o modelo dirigista, ou alemão, conhecido


também como “padrão de Hindenburgo”
(Hindenburg pattern), que mantém aparen-
temente todos os meios de produção sob
propriedade dos indivíduos (de jure private
ownership), mas que em realidade controla
em totalidade a posse delas (de facto state
ownership), fazendo com que o estado seja
o proprietário de facto de toda a economia:
os donos das empresas são pseudoempre-
sários, na medida que o órgão diretor de-
termina como e o que produzir, para quem
vender, os preços a serem praticados, salá-
rios, condições, e todas as questões concer-
nentes à economia.

Assim sendo, tais modelos, como visto nos fenômenos revolucionários aqui
analisados, implicam na criação de um órgão diretor, sob diferentes nomes ou es-
truturas na história, com o intuito inicial de planejar a economia, mas que – ao fim
e ao cabo – sempre acaba por controlar todos os aspectos da vida da pessoa, vio-
lando assim os conceitos de direitos humanos que se passa a analisar no próximo
capítulo.

Socialismo foi a ideia de que se era possível desenhar um sistema com-


pletamente arranjado e coordenador a partir de um planejamento central. Hayek,
em seu histórico discurso de aceitação ao Prêmio Nobel em 1974, nomeia essa
arrogância de a pretensão do conhecimento.50 Em uma alusão à clássica obra de
Shakespeare, socialismo é o sonho de uma noite de verão.

Friedrich August von Hayek – Prize Lecture: The Pretence of Knowledge”. Nobelprize.
50 

org. Nobel Media AB 2014. Web. 13 Mar 2017


Capítulo II

Direitos humanos:
origens e influência

F ato conhecido na academia que, durante um certo período, diversos


países que experimentaram o fenômeno político socialista e que, de
alguma maneira o vivenciam até hoje, se posicionaram a favor de
uma visão de que os direitos humanos não eram nada além de uma “criação bur-
guesa”, composta em si de egoísmos e privilégios. Já no cenário político brasileiro,
“direitos humanos” são usados para construir embates coletivistas, a despeito da
noção histórica de que são essencialmente individuais e “negativos”.

Ao analisarmos o status dessas normas, especialmente dos direitos huma-


nos individuais (ou da chamada primeira geração ou dimensão), concluímos que a
46 Geanluca Lorenzon

resistência formal às suas disposições foi quase totalmente derrubada. Atualmente


o leste europeu, Cuba e a China têm demonstrado um avanço no reconhecimento
desses direitos, especialmente após o final da Guerra Fria e a abertura de seus mer-
cados, o que não é uma coincidência.

Logo, esta obra deve responder às seguintes questões: os direitos humanos


foram resultado de políticas internacionais ou algo natural, evolutivo e inevitável?
Qual a relação com o fenômeno do socialismo? E por que os direitos de primeira
geração, individuais (vida, liberdades civis e políticas, etc.) conseguiram se sobre-
por em efetividade aos de segunda, sociais (saúde, moradia, educação, etc.)? Essas
controvérsias serão analisas respectivamente nos capítulos II, III e V desta obra.

Faz-se necessário clarificar a razão pela qual o corpo internacional de di-


reitos humanos será o fator decisivo para se auferir um processo de autodestruição
humana. E isso acontece por três razões.

Primeiramente, em decorrência da universalidade do corpo de legislação


de direitos humanos sob o direito internacional. As provisões que constituem esse
ordenamento são consideradas customary international law e, como consequência,
são uníssonas, costumeiras e legalmente aceitas pela comunidade internacional.51
Esse fator conduz à segunda razão: considerando o alto nível de aceitação desse
corpo de direito pelo mundo, existe uma percepção de que os direitos humanos
são naturais ao indivíduo (teorias jusnaturalistas) ou fruto da evolução espontânea
da ordem moral (teoria hayekiana). Finalmente, a terceira razão está na base de
formação e eficácia de suas previsões.52

Não se deve confundir o corpo internacional de direitos humanos com o


que os órgãos das Nações Unidas atribuem como parte deles (UNHRC, UNHCR,

51 
North Sea Continental Shelf, Judgment, I.C.J. Reports 1969, pp. 3, 43, [74],
52 
SHAW, Malcolm. International Law. 6ª Ed. Londres: Cambridge University Press, 2008.
Direitos Humanos: origens e influência 47

UNICEF, etc.). Isso se dá porque as referidas organizações atuam de forma posi-


tivista e centralizadora na elaboração de suas políticas e definições, muitas vezes
sob forte interferência de governos e “intelectuais”, motivo pelo qual as três razões
explicadas no parágrafo anterior não podem também ser estendidas a esse tipo de
definição de “direitos humanos”.

Deve-se reconhecer que persiste a confusão teórica e o confronto cultural


entre os diferentes conceitos (agora mascarado sob a ideia de que algumas ga-
rantias devem se sobrepor a outras), o que torna suas fontes obscuras, resultando
em dificuldade na definição de direitos; ainda assim, a ideia por trás dos direitos
humanos é, de fato, universal.53

ENGLE, Eric. Universal Human Rights: A Generational History. 2006 Annual Survey of In-
53 

ternational & Comparative Law Golden Gate University School of Law. San Francisco: 2006.
Capítulo 2.1

A formação histórica e conceituação


internacional dos direitos humanos

Como apresenta a renomada Max Planck Encyclopedia, “[d]ireitos huma-


nos são definidos como os direitos dos indivíduos e dos grupos que são reconhe-
cidos como tal em tratados e declarações internacionais, bem como pelo direito
internacional consuetudinário”. 54

No primeiro grupo, estão os chamados direitos individuais, ou de primeira


geração, marcados por uma concepção de direitos negativos – aqueles que exigem
uma abstenção de ação coercitiva contra seus exercícios. Já na segunda categoria,
direitos dos grupos (ou sociais), existe uma majoritária característica de direitos
positivos, que demandam uma execução determinada de prestações para sua im-
plementação, também conhecidos como direitos de segunda geração. Essa distinção
é essencial.

Ainda que o conjunto atual dos direitos humanos sob o direito internacio-
nal aponte para a existência conjunta de ambas as gerações acima mencionadas,
a história mostrou que isso nem sempre foi verdade. De fato, o surgimento do

HUMAN RIGHTS. In: MAX PLANCK ENCYCLOPEDIA OF INTERNATIONAL


54 

LAW. Londres: Oxford University Press, 2014, tradução nossa)


Direitos Humanos: origens e influência 49

fenômeno econômico aqui analisado exerceu direta influência nesse conflito, uma
vez que trazia uma nova visão do que seriam os direitos humanos.

Contudo, para se analisar precisamente este fenômeno, deve-se fazer uma


investigação geral de sua formação pela história.

Como assevera Paul Gordon Laurem, “ideias de justiça e direitos humanos


possuem uma longa e rica história. Eles não se originaram exclusivamente em uma
única região geográfica do mundo, um único país, um único século, uma única
forma, ou mesmo uma única forma política de governo ou de sistema legal”.55

Tal proposição confirma a ideia de universalidade do conceito de direitos


humanos, relacionando-se inclusive com a proposição jusnatural de inerência e a
faculdade humana de razão,56 ou à ideia de evolução moral da sociedade, defendida
por Hayek, que serão vistas no capítulo V.

As mais antigas das codificações que lembram o que hoje consideramos


direitos humanos incluem os textos arcaicos do Sumerian Code of Ur-Nammu
(2100–2050 AC), codex of Lipit-Ishtar (1930 AC), e o Akkadian Laws of Eshnunna
(1770 AC).

Tais codificações foram seguidas pelo famoso Código de Hamurabi, que


cobriu certos aspectos do que hoje chamaríamos de direitos humanos.57 De fato, o
Código apresentou um dos primeiros exemplos do direito à liberdade de expressão,

55 
SHELTON, Dinah. The Oxford Handbook of International Human Rights Law. ISBN
9780199640133 Londres: OUP Oxford, 2013, (tradução nossa)
Especificamente no que se denota à filosofia jusnatural (tecnicamente objetivista) de Ayn
56 

Rand, e outros.
57 
SHELTON, op. cit., cap. II
50 Geanluca Lorenzon

presunção da inocência, direito de defesa e devido processo legal58 – todos hoje


considerados sobre a primeira geração de direitos humanos, com características
individualistas e majoritariamente negativas. Foi nele que o princípio liberal de
igualdade perante a lei, base do que viria a ser o rule of law, foi primeiramente
visto, na medida que estabeleceu que algumas leis eram tão fundamentais que se
aplicavam a todos, inclusive ao rei.

A lei de Moisés (Mosaic Law), que veio a ter especial influência nos antigos
reinos da Judéia e Israel, os quais estavam desenvolvendo-se próximo ao Oriente
Médio, também trazia características do que chamamos hoje de direitos humanos,
especialmente entre 600 e 400 AC.59 Algumas das previsões desses textos incluíam
forte respeito à vida, liberdade e propriedade privada.60 A ideia da relação recípro-
ca entre direitos e responsabilidades, tão crucial no papel das relações jurídicas na
teoria liberal, também já estava presente.

Entretanto, as origens do conceito não ficaram restritas tão somente à for-


mação da sociedade ocidental. Traços de similar compreensão são encontrados na
antiga China com a filosofia de Confucius (551-479 AC),61 e na antiga Índia com o
Arthashastra (~300 AC). O caráter é puramente global.

Na China, a formação veio através de um código de ética moral, e não


através de regras jurídicas normativas. Kong Qiu (Confucius) advogou pela res-
ponsabilidade individual, defendendo a ideia de que os indivíduos não deveriam

CODE OF HAMMURABI. The Avalon Project. Disponível em: <http://avalon.law.


58 

yale.edu/ancient/hamframe.asp> Acesso em: 14 set. 2014


59 
SHELTON, op. cit., cap. II
Milton R Konvitz (ed), Judaism and Human Rights (2nd edn, Transaction 2001); Rabbis
60 

for Human Rights, ‘Home’ <http://rhr.org.il/eng/> accessed 14 February 2013.


Nome real Kong Qiu, estima-se que viveu na região hoje conhecida como China entre
61 

551–479 AC. SHELTON, op. cit., cap. II


Direitos Humanos: origens e influência 51

causar danos uns aos outros, algo próximo ao conhecido princípio liberal da não-
-agressão (PNA). Séculos depois, o filósofo Meng Zi (372-289 AC) declarou que
“o indivíduo é de valor infinito, as instituições e convenções vem depois dele, e os
governantes são, entre todos, os de menos significância.”62 Estudantes chineses re-
citavam essa frase em 1989 durante o massacre da Praça da Paz Celestial.63 A ideia
de que o ser humano antecedia a construção social, conforme a filosofia de direitos
liberal advoga, já estava presente no extremo oriente. Xunzi (312-230 AC) evoluiu
a filosofia, mencionando que “nada é efetivo sem um claro reconhecimento dos
direitos individuais”.64

No surgimento da cultura jurídica greco-romana, que orientou a formação


dos dois grandes sistemas legais existentes atualmente (civil law e common law), a
concepção dos direitos humanos ancorados no jusnaturalismo emerge na Grécia
Antiga, desde Platão,65 sendo reforçada por Aristóteles, que arguiu pela impor-
tância da lei positivada (feita através do estado) moldar-se aos direitos naturais.66

O Direito Romano manteve essa visão, como denotado pelo filósofo e jus-
doutrinador Marcus Tullius Cicero por volta de 46 AC,67 que reconheceu que a
lei e a justiça antecedem o estado, especialmente no sentido do respeito entre os
indivíduos. Em sua obra On Duties, ele defendia que a lei natural possuía direitos e
obrigações para todos os indivíduos, o que foi tornado real através do jus gentium
romano: um conjunto de leis que reconhecia a existência de direitos universais

62 
The Evolution of Human Rights’ United Nations Weekly Bulletin (12 August 1946)
63 
SHELTON, op. cit, cap. II, footnote no. 24
64 
UNESCO, The Birthright of Man (UNESCO 1969) 303
65 
PLATO. The Laws (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).
66 
SHELTON, op. cit., cap. II
CICERO, Marcus Tullius. The Republic and The Laws. Londres: OUP, 1998. (2013,
67 

apud SHELTON, op. cit., cap. II).


52 Geanluca Lorenzon

aplicados a todos os seres humanos, independente de nacionalidade, um conceito


fortemente valorado à época.

O período Medieval, sobretudo na antiga Britânia, é marcado pela Magna


Carta, que demandou a supremacia do “rule of law” sobre o direito do soberano
monarca, abrindo caminho para os avanços ocorridos na Idade Moderna através
da delineação de algo mais próximo ao sistema que visualizamos hoje. Apesar da
expressão rule of law ser historicamente traduzida ao português como “estado de
direito”, deve-se compreender seu significado como um oposto à frase “rule of the
king”. Em outras palavras, o conceito significa que a ordem legal não mais viria do
rei, mas sim do direito, que antecederia sua dinastia, o estado e a sociedade. Nas
palavras de Hayek (1972), seria a ideia de que o governo e todas as suas ações estão
sob regras definidas e anunciadas de antemão.

Tais ideias se aprofundaram intensamente no Iluminismo, inclusive com


Hugo Grotius, considerado o “pai do moderno direito internacional”. De forma
surpreendente, exatamente na mesma época, Huang Zongxi professava ideias si-
milares na China.68

É a partir desse período que diferentes filosofias começaram a se formar – e


se fortaleceram junto ao conceito atual que temos de “direitos humanos”.

Em seguida, analisaremos como o liberalismo vislumbrou a formação


desse conceito, e então como o socialismo o aferiu, para finalmente entender a
comunicabilidade histórica entre esses dois fenômenos e como eles se fundem
no contexto atual.

STRUVE, Lynn. Huang Zongxi in Context: A Reappraisal of His Major Writings. Jour-
68 

nal of Asian Studies, 1998. (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).
Capítulo 2.2

O legado liberal aos direitos


humanos: a geração individual,
negativa e objetiva

No que concerne ao aspecto histórico, o capitalismo é o responsável pela


emergência e solidificação dos direitos humanos individuais,69 pois “na Europa,
o declínio do feudalismo, com sua rígida hierarquia e economia monopolista, por
exemplo, gradualmente abriu caminho para a ascensão dos livres mercados do ca-
pitalismo e uma classe média, fortalecendo, assim, o conceito de direito individual
à propriedade privada. Este, por sua vez, levou ao desejo de transformar os direi-
tos econômicos pessoais em direitos políticos e civis mais amplos”.70

Sem dúvidas o principal teórico jurídico da corrente liberal foi o filósofo


John Locke, que argumentou em favor da liberdade de religião e consciência, e
que em sua clássica obra, Second Treatise of Government, datada de 1690, lançou as
bases fundamentais da teoria hoje vigente:

Importante ressaltar que autores marxistas consideraram os direitos humanos no sur-


69 

gimento indicado acima como uma “arma de Guerra ideológica a serviço de uma classe
social”. Ver mais em MORANGE, Jean. Direitos Humanos e Liberdades Públicas. 5º Ed.
Barueri – SP: Manole, 2004. p. 3
70 
SHELTON, op. cit., cap. II, tradução nossa
54 Geanluca Lorenzon

A título de perfeita liberdade e gozo incontro-


lado de todos os direitos e privilégios da lei da
natureza igualmente com qualquer outro homem
ou grupo de homens em todo o mundo e tem,
por natureza, um poder não apenas para preser-
var sua propriedade – isto é a vida, a liberdade e
a propriedade – contra as lesões e as tentativas
de outros homens, mas para julgar e punir as vio-
lações daquele direito em outros.71

A Inglaterra era o terreno fértil para a solidificação desses direitos, dado o


seu empirismo72 e a existência de textos como a Magna Carta de 1215, a Petição de
Direitos de 1627, o Ato de Direitos de 1668 e o Ato de Sucessão de 1701. Contudo,
a codificação mais notável dos direitos humanos liberais veio através da Bill of
Rights (traduzida às vezes como Carta dos Direitos): as dez primeiras emendas à
Constituição Norte-Americana.73

Mas ainda é visível como esse sistema foi muito mais fruto de uma evolução
social do que do design humano. Talvez uma das razões pela qual o solo britânico
tenha sido a raiz fundamental da disseminação da concepção liberal de direitos
humanos na era moderna seja em razão dos resultados que o mesmo trouxe à so-
ciedade da época. Como Hayek afirma, somente depois que foi descoberto que o
aumento de liberdade individual experimentado no século XVIII produziu uma
prosperidade material sem precedentes na história da humanidade, que tentativas
de se desenvolver uma teoria por trás de tal sistema começaram a surgir.74

71 
LOCKE, 1821, tradução nossa
72 
MORANGE, op. cit., p. 04.
Lamentavelmente o conceito de indivíduo não foi estendido à toda a população, e a escra-
73 

vidão continuou vigente até a Guerra Civil de 1861.


74 
HAYEK. F. A. The Principles of a Liberal Social Order. p. 602
Direitos Humanos: origens e influência 55

Entretanto, ainda que antiga, a essência dos direitos humanos sob o cunho
liberal persiste até os dias de hoje: a noção de que esses direitos são naturais (ou
objetivos),75 podendo ser gozados exclusivamente por indivíduos, tendo como
base a vida, a liberdade e a propriedade.

Na positivação das dez primeiras emendas à Constituição Americana, es-


ses direitos foram implementados na oposição de determinadas garantias contra o
estado, na forma de liberdade de religião, de expressão e de imprensa, direito de
petição e associação pacífica, proteção contra indevidas procuras e apreensões,
contra penas cruéis, devido processo legal e igualdade perante a lei, direito a um
julgamento rápido e público, entre outros.

Esses direitos foram repetidos sob o manto da Declaração dos Direitos do


Homem e do Cidadão,76 resultado da Revolução Francesa, e datado também de
1789,77 que notadamente abraçou o individualismo, apenas o indivíduo era titular
de direitos,78 merecendo atenção a crítica de Edmund Burke sobre a eficácia e mo-
ral do fenômeno francês por completo.

75 
Na visão da filósofa Ayn Rand.
76 
Para Jean Morange, a declaração francesa era “apenas uma cópia desses precedentes, sem
originalidade nem no fundo nem na forma.” MORANGE, op. cit., p. 08.
ROYAUME DE FRANCE. Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de 1789.
77 

Disponível em <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/fran-
cais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l
-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html> Acesso em 12 set. 2014.
Nenhum grupo é mencionado na declaração, com exceção da Nação detentora da sobera-
78 

nia. Comunas ou paróquias, regiões ou províncias, corporações ou organismos profissio-


nais não são mencionados. Não é feita nenhuma alusão à família, e os direitos de reunião
ou de associação não são reconhecidos.
56 Geanluca Lorenzon

Logo, surge assim a ideia por trás do princípio da não-agressão, presente no


clássico documento francês de 1790, ao reconhecer que a liberdade individual vai
até o limite d’alheia.79

Mais do que isso, a concepção jusnatural de direitos individuais tem sido as-
sim recepcionada pela jurisprudência internacional. Isso foi notado fortemente no
pós-Segunda Guerra, ao reconhecer que alguns princípios eram tão universais que
seriam auto evidentes, podendo então ser executados independente da regra nulle
crime sine lege (“não há crime sem lei”) no âmbito penal, por exemplo. Não se fazia
necessário que fosse proibido o assassinato de judeus nos campos de concentração
nazistas, uma vez que o direito deles à vida não dependia do estado, não sendo uma
concessão do resto da sociedade.

A partir desse padrão não se é muito difícil vislumbrar a construção do


conceito dos chamados direitos humanos de primeira geração, normalmente re-
lacionados ao Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966 (em inglês International
Covenant on Civil and Political Rights, doravante denominado simplesmente
“ICCPR”) – considerado a primeira parte da versão vinculante da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.

De fato, os direitos acima mencionados foram codificados preservan-


do a noção de individualismo, uma vez que se aplicam ao indivíduo, conforme

Ver ROYAUME DE FRANCE. Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de


79 

1789. Disponível em <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/


francais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l
-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html> Acesso em 12 set. 2014.
Direitos Humanos: origens e influência 57

determinado por seu próprio preâmbulo;80 negativos, uma vez que demandam em
gênese uma conduta de abstenção; e objetivos, uma vez que não estão (em tese)
sujeitos a critérios subjetivos em sua aplicação, sendo então universais.81

Eis o legado humanitário do liberalismo.

“Realizing that the individual, having duties to other individuals and to the community to
80 

which he belongs, is under a responsibility to strive for the promotion and observance of the rights
recognized in the present Covenant.” – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto
International dos Direitos Civis e Políticos. International Covenant on Civil and Political
Rights. Disponível em: <http://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/ccpr.
aspx> Acesso em: 29 set. 2014
Interessante notar como a questão de objetividade racional dos direitos se relaciona com
81 

o conceito de que os mesmos são naturais. Essa conexão é feita pela filósofa Ayn Rand,
mas a percepção jusnaturalista, obviamente, esteve presente desde as primeiras constru-
ções jurídicas.
Capítulo 2.3

O legado socialista aos


diretos humanos: a geração
social, positiva e subjetiva

Neste subcapítulo analisar-se-á como a ramificação teórica que deu su-


porte à ideologia socialista vislumbrou a concepção, conceituação, delimitação
e efetividade dos direitos humanos, conforme concebidos internacionalmente.

Essa percepção se relaciona diretamente com a análise de que eles não seriam
universais; tanto porque não existiriam valores universais (visão pós-modernista),
ou porque representariam tão somente os ocidentais e burgueses (visão de relativis-
mo cultural). Logo, podem ser relativizados, cessados ou extintos quando cabível.

Esses pensamentos ignoram as bases liberais de Aristóteles e Locke, que


reconheciam a existência de uma moral objetiva antecessora ao estado. Essas
bases se diferenciam um pouco da corrente atualmente herdeira do pensamento
liberal clássico, tecnicamente denominada de libertária.82 Posner, por exemplo,

Um dos expoentes libertários mais influentes hoje, Murray N. Rothbard, é um árduo


82 

defensor do jusnaturalismo e traça toda sua filosofia jurídica baseada na ideia de autopro-
priedade.
Direitos Humanos: origens e influência 59

acredita que não existem valores morais, mas tão somente moralidade de mercado.83
Já Hayek defende a ideia de que através da ordem espontânea, a humanidade vai
descobrindo a moralidade em um processo evolutivo. Mises arguiu no mesmo sen-
tido, ao expressar que “o direito não surgiu na humanidade como algo perfeito e
completo. Por milhares de anos ele evoluiu e ainda está evoluindo”.84

Ainda que diferentes visões liberais neguem a universalidade desse concei-


to, elas reconhecem sua objetividade, ou seja, que eles se aplicam a todos os indiví-
duos do mundo independente de sexo, etnia, raça, religião, etc. Nesse sentido, um
fato é indiscutível: seres humanos saudáveis e racionais buscam uma boa vida em
sociedade, e isso genuinamente é um arquétipo universal.

A racionalidade é a base da universalidade que se encontra na moral obje-


tiva liberal, denotado nas palavras de Eric Engle:

“Racionalidade é precisamente a base justifican-


te dos direitos fundamentais. Os seres humanos
têm direitos por serem seres racionais e porque
as estruturas de direitos permitem a racionalidade
para ser implantado na prática, não apenas para
sobreviver, mas também para alcançar a boa vida
de paz, felicidade e discurso social.”85

Igualmente, ainda que ninguém tenha desafiado a ideia de direitos hu-


manos como referência da modernidade, persistiram divergências em seu real

83 
Ver mais em POSNER, Richard. The Economics Of Justice. Boston: Harvard, 1981.
84 
MISES, Ludwig von Mises. Socialism. P. 46
(Tradução nossa) – ENGLE, Eric. Universal Human Rights: A Generational History.
85 ”

2006 Annual Survey of International & Comparative Law Golden Gate University School
of Law. San Francisco: 2006.
60 Geanluca Lorenzon

significado, originadas sobretudo durante o coração do Iluminismo, mesmo antes


da Revolução Francesa, quando surge intelectualmente o socialismo.

Rousseau (às vezes ironicamente chamado de “o primeiro marxista da his-


tória”) advogou de maneira pioneira a noção de que igualdade86 era uma oposição
à visão de Locke quanto vida, liberdade e propriedade. Nesse sentido, o questio-
namento de Marx sobre os direitos do homem eram, em si, um consequente pros-
seguimento dessa distinção.87

Seguindo a tradição teórica nomeada acima, países comunistas comparti-


lharam a visão de Marx no sentido de que direitos civis e políticos eram, em reali-
dade, “burgueses”, e sempre buscaram visões econômicas e sociais como preferên-
cia em detrimento do que chamavam de “liberdades formais”.88

É notável que durante a Conferência Mundial de Direitos Humanos de


1993, na dissolução dos escombros da Guerra Fria, um grupo de países expressou
suas reservas em relação à universalidade da validade dos direitos humanos esta-
belecidos, expressando que eles representam tão somente valores ocidentais, que
seriam imposições ao resto do mundo, buscando uma dominação imperialista em
escala global.89

A seguir, veremos como a raiz jurídica do socialismo contemplou o con-


ceito de direitos humanos respectivamente no plano teórico, positivado e factual.

86 
Na visão de Rousseau.
ALVES, Lindgren. Commemorative Essay: On The 50th Anniversary Of The Universal
87 

Declaration Of Human Rights: The United Nations, Postmodernity, and Human Rights.
University of San Francisco School of Law Review. 32 U.S.F. L. Rev. 479, 1998.
88 
Ibid.
ALVES, Lindgren. Commemorative Essay: On The 50th Anniversary Of The Universal
89 

Declaration Of Human Rights: The United Nations, Postmodernity, and Human Rights.
University of San Francisco School of Law Review. 32 U.S.F. L. Rev. 479, 1998.
Direitos Humanos: origens e influência 61

A percepção teórica dos direitos humanos


pelo fenômeno socialista

Para vislumbrar qual era a percepção teórica acerca de direitos humanos,


faremos uma breve análise do pensamento da base fundamental do socialismo e
como isso explica, direta e indiretamente, o assunto.

O maior expoente da difusão dos valores econômicos e políticos do socia-


lismo foi a figura do teórico alemão Karl Marx. Entre as obras que abordaram a
temática marxista de sociedade encontram-se “Sobre a Questão Judaica” (como
base filosófica), “O Manifesto Comunista” (política) e “O Capital” (economia).

A obra “Sobre a Questão Judaica”, escrita em 1843 e publicada em 1844,


é de especial relevância uma vez que o autor faz uma reflexão acerca da situação
dos judeus na Prússia, sedimentando então a concepção de materialismo histórico.

Especificamente, encontra-se neste livro a visão teórica de direitos dos ho-


mens pela perspectiva marxista, a qual se assemelha com sua evolução posterior
no plano internacional até os dias atuais, não se mantendo restrita à visão da época
tida por Marx, mas – em realidade – se expandindo em um corpo bem definido que
chegaria ao cume positivado pelas constituições da União Soviética.

Marx acreditava que o indivíduo era somente uma peça da sociedade e que
atribuir-lhe direitos era egoísmo:

Nenhum dos chamados “direitos do homem” vai


além do homem egoísta, o homem como ele é na
sociedade civil, ou seja, um indivíduo se esqui-
vando por trás de seus interesses privados e capri-
chos, separado da comunidade.90

90 
MARX, op. cit.
62 Geanluca Lorenzon

Marx explicitamente rejeitou inteiramente a visão de “direitos” trazida pelo


Iluminismo. Isso se aplicou para as noções de igualdade, liberdade, segurança e
propriedade da Declaração dos Direitos do Homem, e suas mesmas articulações
na Declaração de Independência Americana. Ele observou que estes documentos
viam o indivíduo como um “autossuficiente mônada”, dos quais os direitos tão
somente concerniriam a perseguição de seus interesses egoístas, com a segurança
de garantir o alegado “egoísmo”.91

Nesse sentido, pesquisadores atuais afirmam que a teoria marxista de di-


reitos humanos afere que “direitos de sobrevivência”, como comida e moradia,
possuem um “valor maior” em relação a direitos liberais clássicos, como o direito
de propriedade ou liberdade, por exemplo.92

Na referida obra, Karl Marx faz uma análise que se aplicaria restritivamente
aos judeus, mas da qual se pode averiguar a existência de axiomas que são coeren-
temente deduzidos em suas impressões a respeito do direito em situações mais am-
plas, inclusive levando a formação de uma visão filosófica do que seriam direitos.

Arguindo pela incompatibilidade entre os judeus e o estado cristão, Marx


aponta que, o que entendemos hoje como liberdade de religião, seria um privilé-
gio sobre os demais, desencadeando seu raciocínio finalmente em um pensamento
antirreligioso e marcado por uma solução explícita através da abolição da religião.
Em outras palavras, a individualidade não possui direito para ser expressada, ten-
do o indivíduo que estar sujeito somente à orientação da sociedade em si.

O axioma que pode ser extraído aqui é o caráter coletivista que prossegue e
se mantém majoritariamente em sua obra e que traria ao mundo, algumas décadas

GORDON, Joy. The Concept Of Human Rights: The History And Meaning Of Its
91 

Politicization. Brooklyn Journal of International Law. 23 Brooklyn J. Int’l L. 689. 1998,


(tradução nossa).
92 
ENGLE, op. cit., dev.
Direitos Humanos: origens e influência 63

depois, a consolidação dos chamados direitos sociais (ou direitos de grupos). Ou


seja, indivíduos não possuem direitos. Grupos (e classes) sim.

Ele rejeita a ideia de direitos como algo natural, afirmando que isso não se-
ria inato ao homem, mas sim uma conquista na “luta contra as tradições históricas
em que o homem, até agora, foi educado”.93 Daí advém a expressão “conquistar
direitos”, tão utilizada por sindicalistas e políticos de esquerda atualmente.

Os recipientes desses direitos seriam, para o autor, tão somente aqueles que
teriam lutado e então merecido. Este ponto em específico denota a subjetividade
dos direitos para Marx, uma vez que eles têm sua existência atrelada ao sujeito
detentor (recipiente) dos direitos de acordo com o mérito político deles frente à
sociedade, personificada no estado, não sendo um fundamento objetivo universal
(que se aplicaria a todos igualmente, como defende a visão liberal).

Ao analisar os direitos à igualdade, à liberdade, à segurança e à proprie-


dade, presentes na Constituição Francesa de 1793, Marx afirma que tais presun-
ções seriam egoístas, com objetivo de separar os homens da sociedade. De fato, ao
analisar o conceito de liberdade negativa,94 ele afirma que isso seria tão somente
da liberdade do homem enquanto mônada isolado, retirado para o interior de si
mesmo. Nesse sentido, o autor avança ao notar que o natural desfecho desse con-
ceito é a propriedade privada, o qual ele rejeita expressamente. Para Marx, direitos
humanos eram basicamente proteção à propriedade privada, começando pelo pró-
prio corpo do indivíduo.

Analisando sob outra perspectiva, o francês Jean Morange descreve que


os direitos foram vistos por Marx em duas fases. Na primeira, socialismo, sob a

93 
MARX, Karl. Sobre a Questão Judaica. São Paulo: Boitempo, 2010
Aqui entendido como “A liberdade é o poder que o homem tem de fazer tudo o que não
94 

prejudique os direitos dos outros.”, ou segundo a Declaração dos Direitos do Homem de


1791: «A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique outrem.»
64 Geanluca Lorenzon

ditadura do proletariado, o direito permaneceria em seu teor, como todo direito:


um direito de desigualdade. Na segunda fase, comunismo,95 o homem estaria apto
a coincidir com seu ser genérico, cada um conforme suas necessidades.96 Trata-se
da completa dissolução da individualidade humana em prol de um planejamento
coletivista e centralizador.

Em si, o homem não poderia ser separado da sociedade, e logo – deduz-se –


não poderiam os direitos tê-lo como recipiente, sob pena de incorrer em egoísmo,
razão pela qual a concepção marxista de direitos é de caráter coletivista.

Marx usa o termo “emancipação” em referência sempre a um grupo,97 delimi-


tando e atribuindo características que coletivizam indivíduos sob um mesmo arranjo.

Uma outra referência do que seria a filosofia de direitos dentro do socialis-


mo é apresentada em 1886 por Anton Menger.98 De acordo com este contemporâ-
neo de Marx, o socialismo acredita somente em três direitos básicos: (i) o direito à
produção máxima de trabalho; (ii) o direito a existir; e (iii) o direito a trabalhar.99
Impossível não entender essa tríade como radicalmente oposta à visão liberal de
vida, liberdade e propriedade.

A primeira diferença entre ambas essas perspectivas é a ausência de um


conceito material ou pré-determinado na tríade liberal. Ao respeitar a vida,

Não confundir com o fenômeno politico do século XX, também identificado como
95 

comunismo, com início na Revolução Russa de 1917.


96 
MORANGE, op. cit., p. 45
Notável a diferença com a metodologia liberal nas ciências sociais, segundo a qual so-
97 

mente indivíduos agem.


98 
Ironicamente, irmão do fundador da Escola Austríaca, Carl Menger.
MENGER, Anton. Das Recht auf den vollen Arbeitsertrag in geschichtlicher Darste-
99 

llung. Stuttgart und Berlin. 4 ed. Berlim: 1910.


Direitos Humanos: origens e influência 65

liberdade e propriedade, a perspectiva está em si permitindo ao próprio indivíduo


que o mesmo assuma a valoração do que acredita ser relevante para si, sendo os
direitos um instrumento para isso (perseguição da felicidade). Se o trabalho lhe é
importante, ele usará seu direito à liberdade para assim agir. Já na tríade socialista,
os três “direitos” estabelecidos já possuem forte carga determinista, estando anco-
rados na ideia de que existe uma preconcepção não opcional dos valores a serem
seguidos pelas pessoas, baseado na ideia de uma sociedade que focará em produção
e trabalho, bem no caráter vigente no século XIX. Impossível não visualizar como
essa visão seria “antiprogressista”, no sentido de engessar as instituições e fenôme-
nos sociais a um molde específico daquele tempo. Talvez seja por isso que políticos
socialistas se alinham a keynesianos para aprovar leis que “protejam o operário”,
proibindo coisas como caixa eletrônico de bancos, como o infame projeto de lei
proposto por Aldo Rebelo, ex-Ministro brasileiro de Ciência e Tecnologia, que vi-
sava proibir toda a adoção de “qualquer inovação tecnológica que seja poupadora
de mão-de-obra (...)”.100

Analisando dois dos direitos da tríade apresentada por Anton Menger, o


direito à produção máxima de trabalho e o direito a trabalhar, como a história de-
monstrou incontroversamente no século seguinte, nada mais são do que concei-
tuações de obrigações impostas aos cidadãos, no sentido de que eles devem seguir
os planos definidos pelo estado em consonância com o determinado pelos órgãos
de planejamento.

O direito de existência da tríade socialista jamais pode ser confundido com


o direito à vida da perspectiva liberal. O significado específico dessa postulação é
que o direito de existência significa que “cada membro da sociedade pode deman-
dar os bens e serviços necessários para sua existência em conformidade com o que
for disponibilizado a ele [pelo órgão planejador], de acordo com a disponibilidade

100 
Projeto de Lei no. 4.502/94 da Câmara dos Deputados da República Federativa do Brasil.
66 Geanluca Lorenzon

deles”.101 Forma-se aí a base filosófica e conceitual do que viriam a ser os chama-


dos direitos sociais na história contemporânea.

Em resumo:

Tríade Liberal Tríade Socialista


Por John Locke Por Anton Menger

Vida Produção Máxima


Liberdade Existência
Propriedade Trabalho

É assustador como a tríade socialista de direitos humanos evoluiu de forma


tão influente a ponto de ter sido o referencial teórico dos principais textos cons-
titucionais socialistas do século XX, tendo alcançado instrumentos de alto valor
normativo ao redor do mundo.

Curioso imaginar que a ideia, que os socialistas de hoje advogam, de que


determinados serviços como saúde e educação devam ser direitos a fim de que
todos tenham acesso, é uma contradição lógica com a filosofia que os originou.
Ao descrever cada um dos componentes da tríade, Anton Menger assevera que
o direito de existência, e suas prestações sociais, somente deveriam ser concedi-
dos conforme disponibilidade e em ordem de prioridade estabelecida pelo estado.
Pelo menos ele conseguia esboçar a compreensão do princípio (fundamental das
ciências econômicas) da escassez, que infelizmente os socialistas contemporâneos
insistem em ignorar.

Eis a diferença fundamental entre a perspectiva socialista e a visão liberal


clássica de direitos humanos.

101 
Ibid
Direitos Humanos: origens e influência 67

A positivação dos direitos humanos pelo socialismo

É importante distinguir aqui a diferença entre a positivação dos direitos


humanos conforme a filosofia socialista, daquela ocorrida pelo fenômeno propria-
mente político socialista.

A primeira se refere ao que vieram a ser conhecidos como direitos sociais.


Os primeiros instrumentos de destaque que os contemplaram foram a Constituição
Mexicana de 1917, a Constituição Russa de 1918 e a Constituição de Weimar (ale-
mã) de 1919, “garantindo” certas prestações como educação, saúde e moradia. No
Brasil, a Constituição Federal de 1988 estabelece os direitos a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdên-
cia social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.

Nos EUA, Franklin Delano Roosevelt, o mesmo presidente americano que


tentou destruir a Suprema Corte em 1937102 e estabeleceu campos de concentração
para nipo-americanos,103 tentou sem sucesso algo similar, quando em 1941 deci-
diu reestruturar completamente a concepção de direitos vigentes dentro da tra-
dição constitucional clássica dos EUA. Ele apresentou o que chamou de “Quatro
Liberdades” (Four Freedoms), sendo elas liberdade de discurso, liberdade de cul-
to, liberdade contra querer e liberdade contra temer. As duas últimas representa-
vam maneiras de inserir os direitos sociais como “liberdades” à população norte-
-americana, os quais até hoje não são considerados como garantias (rights) pelo
sistema jurídico e político norte-americano, sendo chamados – quando aplicáveis
– de apropriações (entitlements).

102 
No que ficou conhecido como Court-Packing Plan.
The War Relocation Authority and The Incarceration of Japanese Americans During
103 

World War II: 1948 Chronology, Web page at www.trumanlibrary.org. Acessado em Sep-
tember 11, 2006.
68 Geanluca Lorenzon

Já para se vislumbrar a forma como ocorreu a positivação dos direitos hu-


manos pelos regimes socialistas, será realizada neste tópico uma breve análise das
Constituições da União Soviética, que levaram à codificação dos grandes tratados
vinculantes sobre o assunto e moldaram o documento internacional que virou re-
ferência para essa dimensão/geração de direitos.104

A União Soviética, durante sua existência, possuiu três Constituições, da-


tadas respectivamente de 1924, 1936 e 1977. De acordo com o pesquisador fran-
cês Jean Morange, as concepções de direitos nas mesmas foram concebidas como
orientados, não tendo (de forma alguma) objetivo de permitir a cada um levar sua
vida segundo o que lhe dita a sua consciência,105 mas sim favorecer sua participação
na sociedade de economia socialista.106 O objetivo delas era fazer com que a indi-
vidualidade humana fosse suprimida em prol de um bem maior, de forma muito
semelhante ao discurso nazista.

A Constituição Soviética de 1924 não trazia nenhuma menção aos direitos


aplicáveis à sua população, limitando-se a usar o termo para denominar alguns dos
direitos de que usufruíam as repúblicas que formaram a sua união.107 Literalmente
os únicos detentores de direitos à época eram os estados.

Erigida 12 anos mais tarde, a Constituição da União Soviética de 1936 (tam-


bém conhecida como “a Constituição de Stalin”), ao contrário de sua antecessora,

104 
Refere-se aqui ao Internacional Covenant on Economic, Social and Cultural Rights.
105 
MORANGE, op. cit., p. 46
106 
MORANGE, op. cit., p. 46
UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS. Constituição da União
107 

Soviética de 1924. Traduzida para o Inglês. Disponível em <http://www.answers.com/


topic/1924-constitution-of-the-ussr> Acesso em: 17 de out. 2014
Direitos Humanos: origens e influência 69

ganhou um capítulo específico para tratar da questão de direitos e deveres funda-


mentais dos cidadãos.108

Inaugurado pelo artigo 118, o Capítulo X da referida Constituição protegia


o direito ao trabalho; a um salário estabelecido de acordo a quantidade e qualidade
do mesmo; direito ao descanso, estabelecido desde já no texto constitucional atra-
vés de políticas sociais como férias, atividades de lazer, clubes, etc.; direito (próxi-
mo ao que hoje entendemos como) à seguridade social;109 direito à educação; direi-
to à igualdade de direitos concernentes às esferas econômicas, estatais, culturais,
sociais e políticas; separação entre estado e igreja, e liberdade de religião; direito
à liberdade de expressão, imprensa, associação e protestos somente poderiam ser
exercidos em favor dos “interesses da classe trabalhadora de forma a fortalecer o
sistema socialista”, colocado à disposição dos sindicatos. E, finalmente, estabele-
cia também uma breve lista de deveres a serem observados para a implementação
desses direitos, que incluem o dever de disciplina de trabalho; respeito das regras
socialistas; dever de proteger a propriedade do sistema soviético e dever militar
universal. Ao mesmo tempo que teoricamente concedia direitos, ele os sujeitava
a normas de caráter aberto que poderiam os suprimir de qualquer forma e a qual-
quer momento.

Irônico notar que quando o documento reconhece um direito a “um salário


estabelecido de acordo com a quantidade e qualidade do mesmo”, ela acaba por re-
futar a teoria de valor-trabalho, largamente desacreditada por economistas desde o

UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS. Constituição da União


108 

Soviética de 1936. Traduzida para o Inglês. Disponível em <http://www.departments.


bucknell.edu/russian/const/36cons04.html#chap10> Acesso em: 17 de out. de 2014
Em tradução ao inglês: “ARTICLE 120. Citizens of the U.S.S.R. have the right to main-
109 

tenance in old age and also in case of sickness or loss of capacity to work. This right is en-
sured by the extensive development of social insurance of workers and employees at state
expense, free medical service for the working people and the provision of a wide network
of health resorts for the use of the working people.”
70 Geanluca Lorenzon

século XIX, que é a base e sustentação para a mais-valia de Marx, e por consequência
de toda a concepção de exploração do proletariado pela burguesia que justificaria
o socialismo. Explica-se: a mais-valia parte do pressuposto fundamental de que o
trabalho é valorado conforme a quantidade (horas, força, etc.) despendido nele, de
forma objetiva, e não pela qualidade do que se produz, o que seria subjetivo. Dentro
das ciências econômicas, considera-se como a “revolução marginal” o momento em
que os economistas modernos110 largamente concordaram que o valor não pode ser
auferido objetivamente, mas sim que ele dependente da utilização e satisfação do que
se produz, sendo então subjetivo. Logo, sendo a mais-valia baseada em uma equa-
ção que relaciona a quantidade do trabalho tão somente empregado em relação ao
“valor” gerado, a lógica aplicada é completamente equivocada. Vale notar que não
se pode dizer que Marx teria reconhecido a teoria do valor subjetivo ao descrever o
chamado “fetiche de mercadoria”, uma vez que a elaboração de tal termo foi pro-
positalmente assim feita para esclarecer que não se tratava de algo que agrega valor.
Entretanto, vale ressaltar que a grande refutação da mais-valia e sua deficiente teoria
de juros foi feita pelo austríaco Eugen Bohm von Bawerk em 1886.111

Em 1964, em um artigo intitulado La protection des droits des citoyens en


U.R.S.S. (a proteção dos direitos dos cidadãos na União Soviética),112 escrito por
M. S. Strogovitch, membro da Academia de Ciências da União Soviética, descre-
veu-se o sistema de direitos que eram previstos no campo legal à população do
referido país:

110 
Representados pelo “triunvirato” de Jevons na Inglaterra, Carl Menger (pai da escola
Austríaca) na Áustria, e Walras na Suíça.
BAWERK, Eugen Bohm von. A teoria da exploração do socialismo-comunismo. 3ed.
111 

São Paulo: Instituto Ludwig von Mises. Brasil.


STROGOVITCH, M.S. La protection des droits des citoyens en U.R.S.S. In: Revue
112 

internationale de droit comparé. Vol. 16 N°2, Avril-juin 1964. pp. 297-306. Disponível em
<http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/ridc_0035-3337_1964_
num_16_2_13937> Acesso em: 17 de out. 2014.
Direitos Humanos: origens e influência 71

Os direitos dos cidadãos, direitos individuais


(subjetivos) de acordo com o termo empregado na
teoria do direito, não são considerados na URSS
como concedidos pelo estado, na medida em que
ele pode, a seu critério, retirá-los. De acordo com
a teoria comumente aceita, direito subjetivo não é
mais do que um reflexo do direito objetivo. Como
consequência, para o estado, e para a jurispru-
dência soviética, essa teoria é inaceitável, sendo
antidemocrática por natureza. Teórica e pratica-
mente, os direitos dos cidadãos e a liberdade do
indivíduo não existem na URSS, apenas a expres-
são jurídica da situação que o trabalhador ocupa
no seio da sociedade socialista, seja como membro
igual em direitos em relação a outros membros e
participante como eles na gestão do estado e na
atividade social, seja como uma personalidade hu-
mana, que tem todas as possibilidades de fazer va-
ler e de desenvolver suas capacidades e seus dons.
Os direitos beneficiam o cidadão que confirma a
lei, ao mesmo tempo em que seus deveres para o
estado, a sociedade e os outros cidadãos consti-
tuem no seu conjunto o estatuto jurídico do cida-
dão soviético, sua situação jurídica no estado e na
sociedade.113

A análise teórica de Strogovitch prossegue no sentido de que os direitos estão di-


vididos em duas seções: direitos políticos e direitos sociais. Liberdades políticas incluíam
supostamente a liberdade de expressão e liberdade de imprensa, liberdade de comícios e

113 
Ibid., des., tradução nossa.
72 Geanluca Lorenzon

reuniões, a liberdade de consciência, o direito de votar e ser eleito para órgãos represen-
tantes soviéticos e organizações sociais e inviolabilidade da pessoa. Já os direitos sociais
seriam: o direito ao trabalho e o direito ao repouso, o direito à educação e à assistência
médica gratuita, direito a seguro de velhice e garantia médica ou deficiência.

Na visão do governo, a liberdade de imprensa estaria disponibilizada aos


trabalhadores, através de impressoras e papel para a publicação de escritos, dis-
cursos, etc. Ou seja, não disponível da mesma forma que nas sociedades liberais
– em que as liberdades eram individuais e exercidas pelos cidadãos separadamente
ou em associação voluntária; mas em conjunto, através de grupos regulados pelo
governo, desde sua formação, até o usufruto da “liberdade” em questão.

A garantia do direito ao trabalho estaria externalizada em uma suposta


ausência de desemprego na União Soviética, através da construção econômica e
cultural que em tese se desenvolveria sem parar e consequentemente exigiria o
aumento sistemático da força de trabalho empregada na produção.

O direito de voto foi apresentado no regime para formar os órgãos repre-


sentativos do poder – os soviets de operários e camponeses. No entanto, esse direi-
to não foi geral, pois certos grupos da população se enquadravam como parte de
“classes não-trabalhadoras”. Além disso, o direito não era igual, uma vez que os
trabalhadores industriais eram mais plenamente representados para os soviéticos
que o campesinato, que na época formavam cooperativas.

A justificativa para essas restrições ao direito de voto estava alegadamente


nas condições sociais e políticas que a União Soviética sofrera, como a “interven-
ção estrangeira” e a “guerra civil’, que trouxe ao poder o regime comunista. Em
1936, esse cenário teria se alterado e o voto teria se tornado supostamente univer-
sal, com exceção de casos de condenações criminais.114

Importante ressaltar que a União Soviética usava pesadamente seu sistema jurídico penal
114 

para fins políticos, consoante se expõe no terceiro capítulo deste trabalho.


Direitos Humanos: origens e influência 73

A Constituição Soviética de 1977, também conhecida como “Constituição


Brezhnev”, praticamente manteve os direitos previstos em sua versão anterior,
ainda que algumas modificações tenham ocorrido, como a divisão de alguns di-
reitos sociais em garantias mais específicas, e uma singular inovação contida
em seu artigo 57, que incluíam o “respeito pelo indivíduo” e sua proteção como
deveres de todas as organizações e dos oficiais de estado; inclusive garantindo a
reputação, vida, saúde, liberdade pessoal e propriedade.115

Entretanto essa perspectiva quanto aos direitos que marcou a positivação


não se restringiu à União Soviética. Outras constituições da civilização socialista
basicamente adotaram a mesma vertente coletivista de direitos. A Constituição da
Alemanha Oriental reconhecia tanto o direito como o dever de trabalhar.116 Os di-
reitos sociais eram o elemento central das disposições nesse sentido, consolidando-se
como a marca desse fenômeno frente ao que podemos chamar de direitos humanos.

O regime jurídico de facto dos direitos


humanos sob o fenômeno socialista

Além do plano teórico e jurídico, este tópico se dedica a analisar como fo-
ram os resultados das escolhas econômicas e políticas do fenômeno analisado, ten-
dendo a vislumbrar um sistema e regime jurídico de facto em relação ao que se foi
historicamente proposto na teoria.

UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS. Constituição Soviética de


115 

1977. Tradução para o Inglês. Disponível em <http://www.departments.bucknell.edu/russian/


const/77cons02.html> Acesso em: 19 out. 2014.
REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DA ALEMANHA. Verfassung der DDR. 1949,
116 

Artigo 24. Disponível em <http://www.ddr-im-www.de/Gesetze/Verfassung.htm>.


Acesso em: 21 out. 2014.
74 Geanluca Lorenzon

A União Soviética é reconhecida por ter um dos regimes totalitários mais


radicais da história. Junto com outros regimes socialistas, como a China de Mao,
a Cuba dos irmãos Castro, a Alemanha de Hitler e o Camboja de Pol Pot, promo-
veram os maiores massacres e as mais grandiosas violações de direitos humanos
documentadas até hoje pela humanidade.

O regime iniciou com um decreto em 7 de novembro de 1917, quando


Lenin confiscou todas as propriedades e as colocou sob o regime do governo,
implementando assim um radical sistema socialista de economia. Cinquenta dias
depois, ele criaria a Cheka, que veio a ser conhecida por KGB. Seu primeiro líder,
Felix Dzerzhinsky, declarou: “Nós não precisamos de justiça neste ponto. Estamos
engajados hoje, de mãos dadas para combater até a morte! Até o fim! Eu propo-
nho, eu demando, a organização de uma revolução aniquiladora contra todos os
contrarrevolucionários!”.117

Em 4 de Janeiro de 1918, Lenin bane o Partido Democrático-Constitucional


Russo, conhecido como cadets, os denominando como “inimigos do povo”, por
defenderem a democracia liberal e direitos sindicais. No mesmo dia, dois líderes
do partido foram assassinados em um hospital.118 Um decreto na semana seguin-
te extinguiu todos os direitos legais das igrejas, tornando ilícitas suas existências.
Logo em seguida o casamento é abolido e a família é considerada pelo regime
como obsoleta, uma vez que privaria as mulheres de realizar o trabalho útil ao
estado, que pretendia gradualmente se encarregar da criação dos recém-nascidos.
Para eles, crianças “como cera, são altamente maleáveis” e “bons e verdadeiros
comunistas podem ser feitos deles”.119

117 
JOHNS, Michael. Seventy Years of Evil: Soviet Crimes from Lenin to Gorbachev. Po-
licy Review Magazine. The Heritage Foundation, 1987.
118 
Ibid.
119 
Ibid.
Direitos Humanos: origens e influência 75

A ideia de que crianças pertenceriam ao estado, e não às suas famílias, é his-


toricamente uma bandeira do socialismo e do fascismo, estando na espinha dorsal
do processo de controle social por esses regimes. Logo, quando a Procuradora da
República, Deborah Duprat, mencionou em um debate na TV Câmara brasileira
que as crianças não pertenceriam às suas famílias, falhou ela em não entender a
grande carga moral e histórica que tal concepção carrega. Como ensinou Edmund
Burke, aqueles que não conhecem a história estão fadados a repeti-la.

Em julho de 1918 o regime cria uma categoria de cidadãos conhecidos como


lishenets, e retira deles todos os direitos. Neste grupo estavam inclusos empresá-
rios, padres, antigos colaboradores da polícia, frequentadores da antiga realeza, e
“pessoas que contratam trabalho com o intuito de obter lucro”. É estimado que 5
milhões de russos foram enquadrados nessa categoria.

Em setembro de 1918, o cabinet Soviético autoriza o “Terror Vermelho”,


que permitiria à Cheka implementar uma “impiedosa massa de terror”, em respos-
ta a uma tentativa de assassinato a Lenin que resultou no massacre de 600 pessoas.
Na mesma situação, ele autoriza a abertura de campos de concentração destinados
à “bourgeoisie” (burguesia): eram fundados os gulags.

Dois meses depois, o sistema jurídico russo sofre seu maior atentado.
Lenin substitui o sistema judicial por tribunais revolucionários destinados a pren-
der aqueles que não representassem “a consciência do proletariado e o dever
revolucionário”.

Em 1919, Lenin assina um decreto iniciando uma campanha para combater


o analfabetismo, que passa a ser considerado crime. Em 1922, a Cheka é substituída
pela GPU, e seu primeiro objetivo é exterminar a liberdade de expressão, assassi-
nando poetas e intelectuais considerados contrarrevolucionários. O código-penal
é emendado em 1927 para criminalizar as chamadas “atividades contrarrevolucio-
nárias”, que veio a servir de base para uma série de restrições a liberdades civis,
76 Geanluca Lorenzon

inclusive na manifestação de piadas e sátiras do regime.120 Como George Orwell


descreveu em sua obra clássica, 1984: “toda piada é uma pequena revolução”
(every joke is a tiny revolution).

Em 1929, é estimado que os trabalhadores eram forçados a trabalhar sete


dias por semana em terríveis condições. Um relatório emitido por um agente da
GPU informava que a alimentação era terrivelmente desnutrida, formada essen-
cialmente de água. A carne era normalmente contaminada e os vegetais pratica-
mente inexistentes.121

Em 1932-33 ocorre um dos mais terríveis episódios da história da humanida-


de, em que oito milhões de Ucranianos foram assassinados através de fome artificial
imposta como retaliação a uma revolta contra o regime stalinista: o evento histórico
conhecido como Holodomor, que será contemplado em mais detalhes no capítulo III.
Jornais ocidentais, como o The New York Times, negaram o ocorrido à época.

Em 1933, o direito de ir e vir é definitivamente extinto, para manter a “es-


tabilidade de emprego” e residência, sendo instituídos passaportes domésticos, em
um estilo parecido com o sistema usado na África do Sul durante o regime de apar-
theid. Em 1935, Stalin decreta nova legislação sobre as crianças, determinando que
pessoas de 12 anos ou mais seriam criminalmente processados por não denunciar
“traições” ao regime cometidas pelos seus pais. O regime nazista alemão editou
similar lei em 1944.

Em uma história que ficou consagrada na obra Eleven Years in Soviet Prison
Camps (em tradução literal, Onze Anos em Campos de Prisão Soviéticos, nun-
ca publicado no Brasil), Elinor Lipper descreve a história de um cidadão que foi
submetido a um campo de concentração onde ocorria trabalho escravo explorado

120 
Vale a pena assistir o documentário de 2006, intitulado Hammer & Tickle, de Ben Lewis.
121 
Ibid.
Direitos Humanos: origens e influência 77

pelo regime comunista. Os terrores dos gulags são muitas vezes comparados aos
campos de concentração nazistas.

Estimativas ocidentais afirmavam que, em 1939, mais de oito milhões de


pessoas haviam sido presas e, desde 1937, começaram a morrer em massa por conta
das más condições dos campos de concentração.

Logo após a Segunda Guerra Mundial a fome começa a varrer a Ucrânia e


outros países do Leste Europeu, fazendo com que o Kremlin demande produções
irreais dos fazendeiros. Stalin demanda confiscação de grãos para alimentar cida-
des, implementando políticas que geram desestímulos à plantação. Como resulta-
do, milhares morreram de fome e Stalin então nega aos Ucranianos o direito de
reter parte de sua produção de alimentos para saciar a sua própria.

O ano de 1950 é marcado pelo massacre de milhões, executados em massa


nos gulags.122 Três anos depois, protestos são duramente reprimidos da Alemanha
Oriental. Especificamente no dia 17 de Junho de 1953, aproximadamente quinhen-
tas pessoas foram esmagadas por tanques soviéticos em Berlim. No mesmo senti-
do, em 1956 um grupo intitulado “Liberdade de Expressão” é fundado na Sibéria
e, em menos de um ano, todos são presos. Segue a isso uma campanha promovida
para remover “parasitas”, majoritariamente pesquisadores e artistas opositores ao
regime, que são enviados a regiões remotas da União Soviética.

Em 1964, a Academia de Ciências Ucraniana começa a circular o livro


antissemita intitulado Judaism Without Embellishment (em uma tradução literal,
Judaísmo Sem Enfeites). Muitas das ilustrações são diretamente importadas do pe-
riódico nazista Der Stunner. Como consequência, no ano seguinte, centenas de
jovens são presos na Ucrânia, acusados de oposição ao regime.

122 
Ibid.
78 Geanluca Lorenzon

Em 3 de fevereiro de 1977, em um sangrento golpe efetuado na Etiópia com


o suporte de Moscou, o ditador comunista Colonel Mengistu Haile Mariam lança
seu próprio “Terror Vermelho”, matando cerca de 10 mil pessoas.

Dentro da Ucrânia, a perseguição a católicos se intensifica e um dos líderes


católicos no país escreve ao Papa Paulo VI que “nossos padres gemem em campos
de trabalho forçado e em institutos psiquiátricos... Eu vivo em um país em que é
um crime ser cristão. Nunca antes a fé de uma Igreja de Cristo foi exposta a tantas
perseguições como hoje”.123

No mesmo ano, em Honolulu no Havaí (EUA), o Congresso Mundial de


Psiquiatria denuncia que o regime soviético abusou de procedimentos para manter
o regime político. Dois anos antes, o canal norte-americano CBS News reportou
que 7.000 lobotomias foram realizadas em cidadãos soviéticos para “curá-los de
crenças políticas errôneas.”124

Em 1983, o Departamento de Estado Americano estima que quatro milhões


de pessoas se encontravam em mais de mil e cem campos de trabalho forçado na
União Soviética. Em 1985, o direito à inviolabilidade da pessoa humana é sepulta-
do novamente quando a presidência do Supremo Soviet da URSS decreta que tra-
tamentos médicos serão compulsoriamente aplicados às pessoas com “problemas
psiquiátricos” sem autorização judicial.

Nem sob o regime de Gorbatchev a situação dos direitos humanos chegou


perto do que se vivenciou na maioria dos países ocidentais no mesmo período.
Dentro das informações presentes e reconhecidas incontroversamente até hoje, as
redes da KGB mantinham informações e controle sobre todos os bairros e locais

123 
Ibid.
124 
Ibid.
Direitos Humanos: origens e influência 79

de trabalho; nenhum cidadão soviético conseguiria um emprego ou apartamento


se não estivesse junto com o partido.125

Em si, a realidade factual dos registros históricos aponta que os direitos


humanos sob o regime soviético foram praticamente extintos. A alta flexibilidade
advinda do caráter coletivo dos mesmos sob a Constituição de 1936 sujeita sua
aplicabilidade a todo tipo de necessidade do governo, em que “para o bem-estar
social” eventuais violações poderiam ser aplicadas.

No terceiro capítulo deste trabalho será investigado quais as razões desse


fenômeno de autodestruição humana e a relação com a escolha de uma economia
socialista por parte da União Soviética. A destruição humanitária não era opcional
caso o regime quisesse manter um sistema socialista.

125 
Ibid.
Capítulo 2.4

O panorama atual dos


direitos humanos frente ao
plano internacional

As duas filosofias de direitos humanos apresentadas acabaram se espalhan-


do pelo mundo e estiveram presentes no início da globalização jurídica, através da
Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, ao final da Segunda Guerra
Mundial, com a criação das Nações Unidas.

O documento sofreu uma bifurcação como consequência dos dois sistemas


vigentes à época: o capitalismo, com sua filosofia liberal de direitos e o socialismo,
com sua perspectiva coletivista.

Esse processo resultou no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos


(ICCPR) e no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
(ICESCR). Ele veio a ser justificado por um argumento pragmático, mas que re-
fletia também as tensões que se escalavam na Guerra Fria: enquanto a primeira
tratava de direitos civis e políticos que somente requereriam abstenções, a segunda
demandava ações afirmativas de implementação.126

GORDON, Joy. The Concept Of Human Rights: The History And Meaning Of Its
126 

Politicization. Brooklyn Journal of International Law. 23 Brooklyn J. Int’l L. 689. 1998.


Direitos Humanos: origens e influência 81

Daí a diferenciação fundamental entre os direitos individuais como negati-


vos e os direitos sociais como positivos.

A comunidade jurídica abraçou essa distinção entre as gerações, na prá-


tica. Um exemplo é a Anistia Internacional, que apesar de buscar a proteção das
provisões da Declaração Universal dos Direitos Humanos127 e de não rejeitar a
noção de direitos econômicos, sociais e culturais,128 está focada em questões es-
pecíficas como a proteção de perseguidos por raça, sexo, religião, etnia, etc.129 O
mesmo caso é notado pela organização não-governamental Human Rights Watch,
que está direcionada a combater violações de integridade física e direitos civis e
políticos.130

Dessa forma, fundamentou-se a divisão largamente aceita dos direitos hu-


manos na atualidade: a primeira geração, composta notadamente de direitos indivi-
duais e a segunda geração, composta notadamente de direitos sociais. Logo após, se
consolidaria também a chamada terceira geração, que englobaria aspectos trazidos
pela Declaração de Estocolmo, referentes a questões ambientais, por exemplo. Ao
contrário das duas primeiras, a terceira geração ainda não pode ser considerada
customary international law (direito costumeiro),131 carecendo ampla aceitação prá-
tica e política pela humanidade, razão pela qual não é analisada nesta obra.

HAMMARBERG, Thomas. Preface to Chapter 5: Non-Governmental Organisations,


127 

in 3 James Avery Joyce, Human Rights: International Documents 1559-60, 1978.


128 
GORDON, op. cit., dev.
AMNISTIA INTERNACIONAL. The Amnesty International Handbook 129. Marie
129 

Staunton et al. eds., 1991.


Conforme notado em Human Rights Watch, The Lost Agenda: Human Rights and UN
130 

Field Operations (1993).


Bodansky, Daniel (1995) “Customary (And Not So Customary) International Environ-
131 

mental Law,” Indiana Journal of Global Legal Studies: Vol. 3: Iss. 1, Article 7
82 Geanluca Lorenzon

Abraçando a ideia de universalidade dos direitos humanos, veremos neste


livro a deterioração do que foi entendido como direitos individuais e sociais.

Ambos, hoje, são dotados de prática reiterada, de razoável duração, consis-


tência, repetição e generalidade (general practice), e da presença de uma convicção
juridicamente relevante (ou consentimento) sobre a obrigatoriedade – opinio iuris
– da prática em presença ou da respectiva admissibilidade ou proibição, conforme
o caso, compondo assim um corpo universal do direito internacional.
Direitos Humanos: origens e influência 83

QUADRO RESUMO

DIREITOS INDIVIDUAIS DIREITOS SOCIAIS

Primeira Geração Segunda Geração

INDIVIDUAIS COLETIVOS
se aplicam somente a indivíduos se aplicam a grupos e classes

NEGATIVOS POSITIVOS
geram uma obrigação de geram uma obrigação de
abstenção (não fazer) prestação (fazer, pagar)

OBJETIVOS SUBJETIVOS
se aplicam a todos de a aplicação está predicada
forma igualitária ao sujeito receptor

Baseado na filosofia do Baseado na filosofia do


LIBERALISMO SOCIALISMO

Origem descentralizada Origem na Europa Ocidental


e desconhecida na Idade Moderna

Primeiro Instrumento Moderno Primeiro Instrumento Moderno


Bill of Rights (EUA) 1789 Constituição Mexicana 1917

Vida, Liberdade e Propriedade Educação, Saúde e Moradia


Capítulo III

A destruição humanitária
trifásica sob o socialismo

T oda tentativa socialista vai falhar, e isso ocorrerá de maneira ar-


rasadora e previsível. Essa afirmação não é baseada tão somente
nos exemplos da história, mas sim em um arcabouço teórico que
responderá se as violações aos direitos humanos são um fenômeno intrínseco, ne-
cessário e inevitável ao modelo econômico socialista.

Ao fenômeno aqui descrito, este autor deu o nome de processo trifásico de


destruição humanitária, baseado nas premissas de que a descoordenação econômi-
ca provocada pelo processo socialista inevitavelmente acaba gerando um ciclo de
destruição em fases da estrutura humanitária de uma sociedade.
86 Geanluca Lorenzon

Jamais existiu um governo, estado, nação, país, região, povo, ou qual-


quer outro segmento de humanos, que adotassem um regime integralmente
laissez-faire. Da mesma forma, nunca houve a adoção integral do regime eco-
nômico socialista. Todos os regimes existentes são, de uma forma ou outra,
mixed economies (economias mistas), sempre estando em algum ponto entre
os dois extremos.

Logo, faz-se necessário ajustar a forma com que o termo socialismo será
aqui usado. Inclusive porque, como será demonstrado adiante, é impossível se ter
uma economia socialista no mundo real, dada a existência de um problema funda-
mental em sua teoria. Assim sendo, são eles, e aderem ao processo trifásico aqui
descrito, aqueles sistemas econômicos que intervém na economia a um nível que
geram um mercado paralelo dos mesmos bens e serviços que são ofertados tam-
bém através de uma produção estatizada.

Plano TEÓRICO Plano real


Economia centralmente Economia estatal e
sOCIALISMO
planejada mercado paralelo
Economia de mercado Economia mista sob
intervencionismo
sob forte intervenção intervenção
Inexistência de
CAPITALISMO Economia laissez-faire
interferência no mercado

Ainda que a União Soviética tenha adotado oficialmente um sistema inega-


velmente socialista, sob o ponto de vista econômico, a existência de um mercado
oculto (criado em razão da incapacidade de alocar recursos de uma forma econô-
mica e eficiente) fez com que subsistisse paralelamente um sistema marginal de
trocas, descentralizado que, em teoria, não existiria no socialismo. Sorte seria se só
nisso a teoria socialista estivesse errada.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 87

Importante notar também que, dado o caráter centralizador necessário à


planificação da economia por um determinado órgão ou corpo diretor, nenhuma
sociedade surge naturalmente socialista. Em si, tal sistema foi o fruto do pensa-
mento de diversos intelectuais, e não o resultado da ordem espontânea da evolução
moral da humanidade.

Assim sendo, todos os fenômenos socialistas da história são marcados por


implementações em medidas graduais. Algumas experiências possuem implemen-
tações mais bruscas e rápidas, como no caso da União Soviética ou de Cuba, que
implantaram o socialismo através de uma revolução; em outros, como a Venezuela
ou o Drittes Reich (Third Reich, ou Alemanha Nazista), medidas interventoras so-
bre a atividade humana são colocadas em práticas de forma mais gradual.

Entretanto, o processo aqui descrito se aplica independentemente da velo-


cidade inicial de implantação, ou grau de profundidade alcançado.

Traça-se uma relação temporal para analisar como as medidas que caracte-
rizam um regime socialista afetam os direitos humanos. Muitas das violações sur-
gem como inerentes a partir de um problema causador, resultado de uma ação eco-
nomicamente interventora de alto grau, a ponto de ser descrita como socialismo.

As sete premissas do sistema trifásico

Os efeitos que o socialismo tem sobre a eficácia real dos direitos humanos
podem ser compreendidos através de três diferentes níveis, cada um caracterizado
por uma crise, os quais costumam aparecer na seguinte ordem temporal: um fenô-
meno socioeconômico (afetando os chamados “direitos sociais”), um fenômeno
totalitário (que atinge o adimplemento das chamadas liberdades individuais e ci-
vis), e, finalmente, um fenômeno anti-humanitário (que susta as mais importantes
88 Geanluca Lorenzon

garantias individuais relacionadas à dignidade humana).132 O limiar de cada grupo


de indivíduos é sempre diferente, e é influenciável pelo aparato institucional en-
volvido em cada situação.

A base lógica desse sistema trifásico está nas seguintes premissas:

(i) ao optar pelo modelo econômico de planeja-


mento central (socialismo), o estado causará uma
(ii) descoordenação econômica, que por sua vez
trará impactos mais amplos na sociedade. Uma das
consequências será (iii) o surgimento de um mer-
cado paralelo. Ao tentar (iv) reprimi-lo, o estado
(v) torna-se gradualmente totalitário. Em alguns
casos, ou situações, com o objetivo de (vi) tentar
repetidamente extinguir o mercado paralelo, (vii)
ele opta por implementar políticas que poderiam
ser caracterizadas como anti-humanitárias, dado o
ataque amplo e generalizado no caráter íntimo dos
direitos à vida e à liberdade (em sentido estrito,
referindo-se a um modelo similar a escravatura ou
servidão involuntária).

Importante ressaltar que a própria Escola Austríaca identificou diversos


outros problemas que conduzem a um “destrutivismo” da sociedade sob o regime

Ressalta-se que este livro poderia ter apresentado uma visão quadri-fásica de destruição
132 

dos direitos humanos ao adicionar uma fase antidemocrática. Contudo, ao contrário dos
demais elementos analisados, a democracia não pode ser considerada como customary in-
ternational law, nem mesmo sob o manto dos direitos humanos, uma vez não haver general
practice consolidada e unificada de forma suficiente, logo ficando de fora da teoria. A pró-
pria definição do que seria democracia é demasiadamente controversa. A crítica de Hoppe
nesse sentido é inteiramente cabível. Ver mais em: HOPPE, Hans H. Democracia: O Deus
que Falhou. 2013 1ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 89

socialista.133 Outros economistas, não pertencentes a essa vertente teórica, tam-


bém apontaram demais mazelas, com especial atenção ao chamado problema de
incentivos,134 em que a coletivização dos meios de produção reduziria, ou extingui-
ria por completo, a atividade econômica.

Interessante notar que as conclusões e as forças motoras que geram as crises


independem de uma teoria única que demonstre a falha do socialismo, na medida em
que o processo se dá por uma ação (movimento opressor estatal) e reação (expansão
do mercado paralelo), de forma contínua e gradual crescente, até a fase de alívio.

As evidências históricas, com o fim de demonstrar as teses aprioristas,


serão primeiramente baseadas em duas situações específicas: o regime econô-
mico sob a União Soviética entre 1917 e 1990,135 e sob a Venezuela, entre 1998
e os dias atuais,136 pois esses dois exemplos destacam-se na distinção entre si:
enquanto aquele se deu de implantação abrupta, baseado no modelo do século
XX, este está se dando de forma gradual, em referência ao chamado “socialismo
do século XXI”. Assim sendo, na conjunção desses exemplos opostos, este livro
visa obter evidências para corroborar o processo dedutivo que precederá suas

De fato, em sua obra Socialismo, Mises aponta: uma análise econômica e sociológica, Mises
133 

aponta que o processo de “destrutivismo” sob um regime economicamente socialista ocorre-


ria também baseado em problemas de demagogia e destruição do literati, o que se traduziria
através de legislação trabalhista, seguridade social compulsória, sindicalização generalizada,
seguro-desemprego, socializações em larga escala e taxação. MISES, Ludwig Von. Socialism:
an economic and sociologic analysis. Indianápolis: LibertyPress/LibertyClassics, 1981.
Em realidade o problema de incentivos já era visto em 1848 pelo filósofo empirista Stuart
134 

Mill. Ver mais em: MILL, John Stuart. The Principles of Political Economy. New York: D.
Appleton And Company, 1848.
135 
Período entre a Revolução de Outubro e o fim (estimado) do socialismo na União Soviética.
Período pós a chamada Revolução Bolivariana, iniciada com a posse de Hugo Rafael
136 

Chávez Frías na presidência da Venezuela.


90 Geanluca Lorenzon

apresentações. Entretanto, também se irá demonstrar como isso se deu em outras


“experiências” socialistas.

Consoante acima exposto, esta obra indicou que a tradição liberal clássi-
ca não reconhece o que se chama de “direitos sociais”. Porém, para exercício da
teoria econômica aqui apresentada, iremos mostrar a situação em que o espectro
normativo de direitos humanos englobaria em absoluto os chamados “direitos de
segunda geração”. Questiona-se se existem teoremas capazes de explicar que o
fenômeno genérico aqui analisado também levaria a profundas e insolvíveis viola-
ções aos chamados “direitos sociais”, especialmente já na primeira fase.

Para isso, precisamos identificar o que são esses direitos sociais, em que eles
consistem economicamente e o que seria necessário para suas implementações,
para que somente então se possa definir como um sistema socialista os afetaria.

A análise econômica dos “direitos sociais”

É possível fazer um (curioso) paralelo entre o tratado internacional de di-


reitos sociais de 1966 (ICESCR) e a Constituição da União Soviética de 1936, es-
pecificamente seu capítulo X. Em ambos os casos, a seção de direitos é aberta com
o “direito ao trabalho”. Entretanto, os principais direitos que chamam a atenção
e caracterizam o fundamento da segunda geração são, sem dúvidas, os direitos à
educação, à seguridade social (saúde, bem-estar e aposentadoria) e à alimentação,
incluindo vestuário e moradia.

Pode-se dizer que esses direitos sociais constituem a raiz da teórica segun-
da geração (ou dimensão), dos direitos humanos. Essa definição é tão bem aceita
universalmente que a Constituição Brasileira de 1988 reconhece em seu art. 6º
os direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 91

assistência aos desamparados.137 Mais recentemente, graças ao maravilhoso ato de


nossos congressistas, os brasileiros agora desfrutam do direito social ao transpor-
te. Tudo mudou. Great success.

Sob o ponto de vista da análise econômica do direito, esses benefícios


seriam em realidade muito diferentes do conceito presente na primeira gera-
ção. Analisando-se brevemente a origem filosófica e jurídica presente no Second
Treatise of Government que conduziu ao Bill of Rights norte-americano (de forma
mais consistente) e à Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen francês (de
forma mais dispersa), as características de implementação são muito distintas, se-
não antagônicas.

Enquanto os direitos individuais a vida, liberdade e propriedade exigem –


em tese – tão somente uma atitude negativa de não violação, conforme descrito
inclusive pelo documento francês quando afirma que “a liberdade consiste em poder
fazer tudo que não prejudique o próximo”,138 os chamados direitos sociais, pelo con-
trário, demandam uma prestação positiva.

Bem é verdade que alguns dos direitos individuais delineados no Bill of


Rights norte-americano igualmente carecem de prestações positivas, como por
exemplo o direito de ser levado a julgamento por um tribunal do júri, o qual –
em uma análise econômica – necessita que recursos sejam manejados e alocados
de forma a garantir uma prestação pelo estado. Contudo, a fundamental diferen-
ça reside no fato que nenhuma prestação positiva adviria da primeira geração,

REPÚBLICA FEDERAL DO BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 6º. Dis-


137 

ponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompi-


lado.htm > Acesso em: 23 de out. de 2014.
ROYAUME DE FRANCE. Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de 1789.
138 

Disponível em <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/fran-
cais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l
-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html> Acesso em 12 set. 2014.
92 Geanluca Lorenzon

senão como consequência de uma violação ou ameaça. Nesse sentido, qualquer


economista ou administrador contemporâneo pode concluir que, inclusive, um
sistema judicial de proteção aos direitos individuais de primeira geração poderia
ser sustentado pela própria remuneração de seus serviços oferecidos, sem onerar
toda a sociedade.

O mesmo não ocorre quando se analisa os direitos sociais que, indepen-


dente da condição, circunstância e/ou motivação, estão (ou devem estar) à dis-
posição para uso e gozo dos cidadãos. Exemplificadamente, não se faz necessário
que haja um fato atípico para que alguém sob o regime constitucional de jure da
União Soviética desfrutasse do direito à educação. Contudo, para que alguém no
capitalismo desfrute do direito de ser julgado por um tribunal do júri, faz-se ne-
cessário que tenha ocorrido uma situação atípica não-natural, como um crime.
Situação, na qual, os recursos despendidos para a execução de tal direito poderiam
ser arcados pelo réu (se condenado) ou pelo acusador (se inocentado). Ou seja, de
forma individualizada, sem onerar toda a sociedade e, por consequência, pessoas
não envolvidas com o potencial crime. Em um modelo de sociedade ainda mais
radicalmente capitalista, os custos seriam das agências seguradoras previamente
contratadas pelos indivíduos envolvidos.139

Retornando à questão principal ora analisada, os direitos sociais em si nada


mais são do que uma promessa (ou garantia) jurídica de que determinados re-
cursos serão alocados em favor de um grupo de pessoas que podemos considerar
como recipientes.

Sem dúvidas, sob o ponto de vista da análise econômica do direito, o que


mais marca essa diferenciação entre as duas gerações é que, ao contrário da pri-
meira, os chamados direitos sociais possuem suas efetividades baseadas em fatores

Nesse sentido, válido o modelo hipótetico de funcionando do anarcocapitalismo por D.


139 

Friedman. Ver mais em: FRIEDMAN, David. The Machinery of Freedom.


A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 93

materiais finitos, uma vez que estão sob a lei econômica de escassez. Como o reno-
mado economista norte-americano Thomas Sowell colocou, “a primeira lição da
economia é a escassez (...), e a primeira lição da política é ignorar a primeira lição
da economia.”140

Todos os recursos disponíveis ao ser humano são finitos e, em algum grau,


escassos. O conceito de recursos inclui não somente os elementos materiais co-
nhecidos pelo homem, mas também tempo, dinheiro e capacidade mental. Tudo
que pode ser engajado em um processo econômico de trocas é, em si, um recurso.

Assim sendo, o “direito à educação” baseado em uma visão ortodoxa,


nada mais é do que uma soma de recursos alocados à disposição de determinada
segmentação da população humana. A estrutura do local, o custo e o tempo do
profissional, são todos elementos econômicos que são finitos e estão sujeitos à
lei da escassez.

A mesma interpretação se aplica ao “direito à saúde”, que envolveria a alo-


cação de recursos como fármacos, infraestrutura hospitalar, equipe médica, etc.,
que em si já são o resultado de uma série de outros recursos que foram alocados
de forma a produzir uma combinação final, que poderia ser considerada como
um serviço médico de saúde. A exata mesma lógica se aplica aos outros direitos
sociais, como alimentação, moradia, seguridade social, entre outros.

Os direitos sociais são uma equação econômica a ser resolvida. Quando


se fala neles se está lidando, sobretudo, com uma questão de produção e alocação
de recursos, ao contrário dos direitos individuais de primeira geração que, sendo
eminentemente negativos, não exigem uma conduta positiva. Ou seja, quando um
cidadão respeita o direito à liberdade de outrem, não se está fazendo nada além
de uma abstenção de sua conduta, sendo que o estado (em tese) só atuaria caso

140 
SOWELL, Thomas. Basic Economics. 4ª Ed. Nova Iorque: Basic Books, 2007.
94 Geanluca Lorenzon

houvesse uma violação desse padrão. Não existe escassez na abstenção. A imple-
mentação e efetividade dos direitos individuais não está condicionada a existência
de recursos. Eles não estão sob a lei fundamental da economia. Os “direitos” so-
ciais estão.

Nesse ponto reside a diferença fundamental entre a visão política liberal e a


socialista no que tange ao bem-estar social.

Ao contrário do discurso político de esquerda, o liberal não é um ser malig-


no que objetiva a expansão do sofrimento pela terra, retirando saúde, educação e
moradia dos mais pobres. Em realidade ele reconhece que tais prestações são ser-
viços e produtos de fato e que, por estarem necessariamente sob a lei da escassez,
são mercadoria (fazem parte do problema alocativo). Isso não é algo opcional. Na
medida em que todos os indivíduos dão um valor subjetivo ao que desejam e agem
baseados nesse sentido, recursos escassos finitos estão sob a lei de oferta e deman-
da, sendo assim bens econômicos. O liberal sabe que o processo que aloca de forma
mais eficiente e menos custosa, e então mais acessível a todos, é necessariamente o
livre mercado, tanto pela rede de conhecimento que conecta e mantém informados
e coordenados todos os agentes econômicos e o sistema de preços, como pelo fato
de que a competição – que somente existe no mercado – leva ao desenvolvimento
de melhorias que aumentam a eficiência, reduzem custos e promovem inovação.

Essa é a razão pela qual toda vez que um serviço passa a ser oferecido pelo
estado ele se torna necessariamente mais caro e menos eficiente.

A visão socialista nesse sentido é absolutamente oposta. Ela acredita que


esses serviços devem ser considerados direitos, completamente desconsiderando
o caráter de mercadoria (que inclusive é uma expressão da doutrina marxista) que
eles possuem, como se de alguma maneira a sociedade pudesse retirar um fato
dado da realidade. É como se um plebiscito resolvesse que a água não será mais
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 95

considerada como feita de oxigênio, mas de enxofre. Você pode pintar uma vaca
com as cores e tons de uma zebra, mas ela ainda será uma vaca.

As consequências dessa perspectiva “econômica” sobre esses setores são


devastadoras. O processo de coordenação econômica é completamente prejudica-
do e, como resultado, os custos disparam e a qualidade cai. Suponha-se analisar a
mesma situação sob ambas as perspectivas.

Em um cenário hipotético, um ônibus de professores de uma pequena cida-


de do interior, que viajava a uma localidade vizinha para um dia de treinamento,
é tomado por uma grande tragédia que resulta na morte de todos os 30 indivíduos
que ali estavam. Como diferentes sistemas lidariam com o problema da escassez
resultante dessa tragédia?

Em um sistema de livre mercado, em que as instituições de ensino são pri-


vadas, no exato momento que a escola se vê na ausência de profissionais para aten-
der aos alunos-consumidores, como uma verdadeira empresa no processo de espe-
culação, ela se vê obrigada a aumentar o valor ofertado do salário, a fim de atrair
professores de outras regiões. Se existe uma oferta baixa de professores em um
caráter mais amplo, o aumento do preço dos salários será sentido pelo setor estu-
dantil, que reconsiderará os benefícios de se adentrar nessa carreira, preenchendo
a demanda de forma sustentável.

Caso o mesmo cenário se dê dentro de um país socialista de forma ple-


na, em que todas as instituições de ensino são públicas, a resolução seria muito
mais complexa. A pequena cidade que se viu escassa de professores teria que ten-
tar atrair profissionais de outra forma. Se tentasse elevar os salários somente dos
professores para aquela cidade, o resto da classe se revoltaria em desalento; se o
aumento salarial fosse provisório, o problema voltaria a se apresentar ao longo
prazo; se tivesse que elevar os salários para todos os profissionais da classe, o in-
centivo para realocação à pequena cidade seria perdido. Esse processo todo estaria
96 Geanluca Lorenzon

sujeito a um processo central de organização financeira e decisória. Qualquer ação


potencialmente satisfatória teria que passar por instâncias e instâncias de agentes
estatais até que fosse aprovada. E por que realocar dinheiro especificamente para
aquela comunidade abatida pela tragédia? Uma ponte caiu na cidade vizinha, cinco
pessoas morreram e eles também querem o dinheiro – diria um político nesse mundo
fantasioso. Como todo o sistema de ensino está nas mãos do estado, seria necessário
a implementação de uma política para ajustar a oferta de profissionais. E como
acertar o nível máximo? Sem o sistema de preços, como será possível auferir o
ponto de escassez e de valoração que cada um estaria disposto a pagar?

Parece um cenário distante e hipotético, mas foi exatamente isso que ocor-
reu durante o furacão Catrina nos EUA em 2005, em que as empresas situadas na
área conseguiram agir muito mais rapidamente e sob baixos custos para atender
as necessidades urgentes provocadas pela devastação, enquanto auferiam lucro,
em comparação com as ações do departamento americano responsável por assistir
essas tragédias (FEMA), mesmo tendo este um orçamento de bilhões de dólares
para ser gasto a “fundo perdido”. Vale ler as análises acerca desse episódio de Lew
Rockwell Jr.141 e Robert Murphy.142

Toda vez que um processo estatal é iniciado para tentar corrigir uma des-
coordenação ocorrida, por qualquer motivo, ele vai inevitavelmente ser demo-
rado, caro e errôneo – como se verá mais adiante. Não é coincidência que todas
as vezes que um serviço público é – bem143 – privatizado, ele reduz custos e eleva
acesso. A mera recordação do acesso aos serviços telefônicos na década de 90 no

141 
ROCKWELL, L. H. Katrina and Socialist Central Planning. Mises Institute. October, 2005.
MURPHY, R. P. How the Market Might Have Handled Katrina. Mises Institute. Oc-
142 

tober, 2005.
FONSECA, Joel Pinheiro da. Não basta privatizar – tem de desregulamentar e libera-
143 

lizar. Instituto Ludwig von Mises Brasil. Acesso disponível em < http://www.mises.org.
br/Article.aspx?id=1927>
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 97

Brasil já é uma dose empírica suficiente para aqueles que viveram à época. Análise
divulgada em 2016 pelo economista brasileiro Leandro Roque mostrou que os
preços de setores regulados pelo governo subiram em média 284% mais que os
estabelecidos pelo mercado.144

As evidências acerca da ineficácia de uma normatização dos ditos direi-


tos sociais são fartas. Um estudo apresentado pelo juiz brasileiro Bruno Bodart
demonstrou a completa irrelevância de constituições ao redor do mundo ao
tentar firmarem garantias a saúde, educação e seguridade social, ao apontar
para a gritante falta de correlação entre a existência de normas desse tipo e suas
potenciais efetividades.145

O professor de Harvard, Cass Sunsteins, arguiu fortemente contra os di-


reitos sociais, argumentando que eles são inexatos para disputas jurídicas, não tra-
zem benefícios à sociedade e produzem fortes incentivos negativos que diminuem
a iniciativa individual,146 piorando as condições socioeconômicas da população
em geral. Isso explica a razão pela qual países com mais proteção de direitos so-
ciais são Papua Nova Guiné, Paquistão, Zimbábue, Bolívia, Cabo Verde, Angola,
Venezuela, Equador, Bolívia e Sérvia.147

O primeiro passo para alguém que quer ver a sociedade com amplo acesso
a saúde, educação e moradia é não ser um socialista.

ROQUE, Leandro. Surpresa! Desde o real, preços regulados pelo governo subiram
144 

muito mais que os preços de mercado. Disponível em: <http://www.mises.org.br/Ar-


ticle.aspx?id=2499>
145 
BORDART, Bruno. Para que servem os direitos sociais? – ou: 100 anos de Consti-
tuições que prometem mundos sem fundos. Fevereiro de 2017. Disponível em: <http://
mises.org.br/Article.aspx?id=2625>
Cass R. Sunstein, “Against Positive Rights Feature,” 2 East European Constitutional
146 

Review 35 (1993).
147 
BODART, op. cit.
Capítulo 3.1

A primeira fase: a crise


socioeconômica

A primeira fase do processo de destruição inicia-se através da formação


de uma crise socioeconômica sobre a sociedade que “optou” pelo sistema eco-
nômico socialista. Ela é causada pelo pontapé inicial do governo ao adentrar o
sistema, sendo esta a primeira premissa do processo trifásico.

Robert Bradley, responsável por uma complexa análise do sistema de re-


gulações do mercado do petróleo norte-americano, descreveu seis tipos de perso-
nalidades interventoras,148 que caracterizariam as motivações desse tipo de agressão
ao mercado (a sociedade não controlada por um regime central). Uma analogia
poderia ser feita às suas tipologias, de forma a explicar o processo cognitivo por
trás da motivação de implantar ou expandir o socialismo:

> Socialista Profissional: aquele que abraça o ati-


vismo ideológico como forma de vida;

Bradley, Robert (1996) Oil, Gas and Government: The U.S. Experience. Lanham, MD:
148 

Rowman & Littlefield.


A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 99

> Socialista ingênuo: aquele que expande o poder


com boas expectativas baseadas nas suas inten-
ções de “um mundo melhor”;

> Socialista Oportunista: aquele que vislumbra o


sistema como uma forma de ganho de poder, di-
nheiro e prestígio;

> Socialista pró-establishment (ou conservador):


aquele que acredita que o sistema conservará a
existência valores que julga bons, sempre arguin-
do que o capitalismo levará a uma catástrofe, seja
ela humanitária ou ambiental;

> Socialista anti-establishment (ou desconstrutivis-


ta): aquele que quer a destruição completa da so-
ciedade e cultura “dominantes”, acreditando que
o sistema irá substituirá as instituições sociais vi-
gentes de forma mais “justa”;

> Socialista pragmático: encontra no ativismo so-


cialista puros benefícios pessoais no seu dia-a-dia,
sem se doutrinar na ideologia.

Ainda é possível visualizar essas seis personalidades em uma tabela, ten-


do de um lado o nível de envolvimento com o sistema socialista (vive dele; se
identifica com ele; ou meramente o apoia), e o aspecto geral com que objetiva
em sua psique essa relação com o sistema (para si ou, imaginando fazer isso
“para a sociedade”).
100 Geanluca Lorenzon

Para si Para os outros


Vive do sistema oportunista profissional
Identifica-se com ele pragmático ingênuo
Meramente o apoia pro-establishment anti-establishment

Com a conquista do poder por ideólogos socialistas, democraticamente ou


não, no momento em que o estado centraliza a economia, total ou parcialmente, a re-
pressão sobre a ação humana e o mercado acarretará num processo intenso, complexo
e amplo de descoordenação econômica e social, que por sua vez causará uma reação:
o estabelecimento de um mercado paralelo. Esse será o gatilho da teoria apresentada.

A descoordenação econômica e social

Caos: talvez a imagem mais recorrente daqueles que já viveram em uma


economia socialista. Esse processo de descoordenação econômica e social, que é a
segunda premissa do ciclo, pode ser abordado através de duas perspectivas dentro
das ciências econômicas, evolutivas/cumulativas ou alternativas.149 Eles são dois
problemas fundamentais descobertos pela Escola Austríaca, historicamente presti-
giados, que afetam a informação e o conhecimento econômico.

Dentro dos estudiosos da Escola Austríaca hoje, existem duas correntes principais em
149 

relação à distinção entre esses dois problemas. De um lado, entre os seguidores de Murray
Rothbard, acredita-se que se tratam de duas teorias diferentes. Para aqueles que seguiram a
linha do próprio Friedrich Hayek, existe um entendimento que ambas as teorias são aspec-
tos do mesmo problema, tendo ele desenvolvido na questão do conhecimento necessário
para resolver o problema alocativo.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 101

A lógica, aqui apresentada, explica o processo de descoordenação econô-


mica (caos) causado por qualquer tipo de planejamento: seja na tentativa de reso-
lução do “problema matemático” que são os direitos sociais; como em qualquer
outra área, setor, indústria, produção ou meio no qual o estado inicia o processo
de planejamento. É curioso como normalmente, em nomes de uma melhor presta-
ção das ditas garantias sociais, políticos socialistas chegam ao poder, mas não são
derrubados quando a deterioração econômica causada pelo socialismo torna esses
serviços ainda piores ao longo do tempo.

A primeira grande falha teórica do socialismo é o chamado problema do


cálculo econômico, descrito pelo economista austríaco Ludwig von Mises; e a se-
gunda é a teoria da dispersão do conhecimento formulada pelo, também econo-
mista austríaco, Friedrich Hayek.150

O problema do cálculo econômico sob o socialismo foi “descoberto” por


Ludwig von Mises em 1920,151 e consiste basicamente no teorema lógico-dedutivo
de que sem um mercado em que os agentes troquem informações conforme suas
necessidades, não podem haver formulações de preços com base no quanto as pes-
soas individualmente valoram as coisas, em cada momento diverso e complexo de
suas vidas.

Sobre o incrível ambiente acadêmico na Viena do século XIX, que deu luz a vários
150 

intelectuais, Fabio Barbieri escreve: “Considere uma pequena amostra [de Viena à época]:
Popper se tornou amigo de Hayek, que era primo de Wittgestein. Mises era colega de es-
cola de Hans Kelsen. Freud atendeu Gustav Mahler. A esposa deste, Alma Mahler, depois
de flertar na juventude com Gustav Klimt, após a morte do compositor foi sucessivamente
esposa do famoso arquiteto alemão Walter Gropius e do escritor Franz Werfel, além do
romance que desenvolveu com o pintor Oskar Kokoschka.” BARBIERI, 2013, op. cit. p. 31
MISES, Ludwig Von. O Cálculo Econômico na Comunidade Socialista. Archiv für Sozialwissens-
151 

chaft und Sozialpolitik. Vol. 47, Abril de 1920. pp. 86-121


102 Geanluca Lorenzon

Cientificamente, isso ocorre pois a precificação de cada recurso disponível


em uma economia se dá por uma valoração subjetiva decrescente (utilidade margi-
nal decrescente) e que só pode ser averiguada através da troca livre de informações
entre indivíduos. Em outras palavras, preços são o resultado numérico extraído de
uma rede complexa que conecta todos os agentes econômicos existentes. Quando
se vai a um supermercado e se compra um determinado produto, o indivíduo está
aprovando aquele preço, dizendo que ele valoriza aquilo na medida suficiente do
que está pagando. Diversos fatores pessoais contribuem para isso. Todos eles são
emitidos na forma de um preço, processados pelo mercado. São literalmente bi-
lhões de indivíduos agindo nesse sistema, em diversas etapas, entregando uma si-
nalização constante e dinâmica. A complexidade do sistema de formação de preços
deixa a internet no chão.

Sem preços para que se valore e se quantifique monetariamente (ou em


qualquer sistema de atribuição) os custos reais de cada bem e serviço, bem como
sua relação com a finidade resultante da lei de escassez, o cálculo econômico tor-
na-se absolutamente impossível.152

Sem que o produto esteja em um mercado de livre circulação não é possível


que os preços sejam ajustados conforme a utilidade deles e – principalmente – a
quantidade disponível. Se não for pela rejeição dos consumidores a um produto já
oferecido no supermercado, como poderia se descobrir que ele está muito caro?

Imagine um tradicional mercado municipal, como os de São Paulo, Rio de


Janeiro, Belo Horizonte ou Porto Alegre. Quando um vendedor de pastel lá está,

Esse problema é essencial para que se determine todas as implicações de um produto. O


152 

próprio preço, em si, já é uma informação de muita relevância para a economia como um
todo. Logo, o controle de preços não pode funcionar já que ele nada mais é do que um “ra-
bisco” sobre uma mensagem com muito significado. A precificação de algo em um patamar
elevado (em acordo com a lei de utilidade marginal) significa que o recurso é muito útil ou
muito escasso. Assim, o preço é uma mensagem acerca do recurso em questão.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 103

ele vai ajustando os preços a todo instante, tanto como razão de como ele visualiza
o que precisa para produzir seus pasteis, como pela capacidade e disposição que
os potenciais consumidores estão dispostos a pagar. No momento em que o seu
fornecedor de queijo aumenta o preço; ou quando a banca ao lado começa a vender
o mesmo produto; ou ainda na situação em que um grupo numeroso de turistas
estrangeiros com alto poder aquisitivo passa a visitar o local nas semanas de car-
naval; o vendedor de pastel rapidamente consegue ajustar o preço cobrado pelo
seu produto, considerando a disponibilidade de quanto o consumidor irá valorizar
o que está sendo oferecido. Somente em um mercado de procura e ofertas existe
a possibilidade constante de se testar os valores precificados de bens e serviços.
Unicamente com esse teste é que será possível ir aprendendo constantemente qual
é o valor correto das coisas (mais próximo ao ponto de equilíbrio entre oferta e
demanda), pois seus atores recebem de imediato a confirmação de se estão certos,
tendo sucesso na venda do pastel aos consumidores, ou se estão errados, tendo
então que reestabelecer novas tentativas de precificação.

Se não há mercado, torna-se impossível constantemente averiguar o preço


de tudo que é demandado no mundo real, junto com todas as demais informações
que ele transmite.

Finalmente, na impossibilidade de realizar o cálculo econômico racional


alinhado com a economia real de um determinado sistema (que necessita de preços
alinhados com a realidade), não é possível fazer um planejamento econômico –
quanto mais um que envolva absolutamente todos os aspectos produtivos de uma
sociedade, o que é – em si – a base de uma economia socialista.

A consequência fundamental é que na ausência da possibilidade de se formar


preço, o valor monetário atribuído arbitrariamente pelo governo acaba gerando in-
formações errôneas para todo o processo de planejamento econômico, tornando-se
impossível agir de acordo com a real valoração de um recurso pela sociedade. É por
isso que toda vez que o governo tabela preços de bens de consumo mais relevantes,
104 Geanluca Lorenzon

eles se tornam de difícil acesso, independente de seus graus reais de escassez. E quan-
do tabela preços de bens menos relevantes, somente os mais ricos acabam com aces-
so.153 Nas palavras do economista Milton Friedman, “se colocarem o governo para
administrar o deserto do Saara, em cinco anos faltará areia”.154

Em resumo: sem mercado, sem preço. Sem preço, sem cálculo. Sem cálculo,
sem planejamento. E sem planejamento, sem socialismo.

A esquerda anda tão curiosa politicamente que não seria impossível logo
lançarem um “socialismo de livre mercado” para tentar resolver esse problema. 155

É irônico que, considerando que os direitos sociais nada mais são do que a
garantia jurídica de disponibilização de um recurso para ampla parte da sociedade,
o socialismo em si acaba por tornar esse processo impossível de ser coordenado
na realidade.

Apesar de essa ser uma análise sobre uma economia geral, a mesma lógica
pode ser aplicada para segmentos isolados, a saber o setor de saúde de um deter-
minado país, o qual passaria a ser estatizado a fim de garantir o chamado “direito à
saúde”. Sem dúvidas, o problema resultante do desencontro das informações reais

Vale notar a clássica ineficiência de sanções comerciais, que acabam por prejudicar os
153 

mais pobres, em detrimento de uma elite que conseguirá explorar um monopólio que surge
com as barreiras desse tipo de ato. Recomenda-se a leitura de: CATALAN, J. M. F. Uni-
tended Consequences of Trade Sanctions. Mises Institute. Disponível em < https://mises.
org/library/unintended-consequences-trade-sanctions>
GOODMAN, P. S. The New York Times. A Fresh Look at The Apostle of Free Marke-
154 

ts. 13 de abril de 2008.


Com ressalva ao fato de que os modelos de Lange, Lerner, Durbin e Dickinson são
155 

parte do que é conhecido como “socialismo de mercado”, mas que – em realidade – ainda
mantém o sistema centralizador e planejador. Para melhor entendimento, recomenda-se
fortemente a obra BARBIERI, Fabio. História do Debate do Cálculo Econômico Socialis-
ta. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013, pp. 89-90.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 105

e das artificiais criadas pelo órgão planejador seriam menores quando comparados
com um controle total, mas existiriam de qualquer forma.156

Mas qual a razão pela qual seria importante o cálculo econômico para que
se alcançasse a eficácia dos ditos direitos sociais? A resposta está na essência de
seus inadimplementos. Como explicitado no capítulo anterior, ao contrário dos
direitos individuais negativos, os direitos sociais demandam que haja um provi-
mento positivo (prestação) de recursos a favor da população, o que – sob uma
ótica socialista – significa que caberia ao governo produzir e, mais importante,
alocar esses bens e serviços à disposição do recipiente. Logo, os direitos sociais
nada mais são do que um “setor econômico com oferta e demanda” custeado de
maneira indireta, para qual – então – decisões de alocação se fazem necessárias.157

As primeiras consequências que seguem o problema do cálculo econômico


concernem primeiramente a impossibilidade de que se tenha em conta as valora-
ções dos agentes econômicos que intervêm no processo social, dado que se faz
necessário que haja um engajamento eficiente para que se atenda um determinado
direito social. Logo, a ausência do cálculo em si acaba por trazer graves prejuízos
a seu adimplemento.

Em segundo lugar, como descreveu Jesus Huerta de Soto, “o cálculo


econômico orienta a ação, no sentido de que indica que tipo de processos pro-
dutivos devem ou não ser iniciados, o que é possível através dos indicadores ou
dos ‘sinais’ que as estimativas de perdas e de ganhos realizadas constantemente
representam”.158 Em outras palavras, na ausência de preços, é impossível que uma

156 
Uma análise da socialização da saúde é apresentada no próximo subtópico.
Pode-se dizer que é de maneira indireta uma vez que os custos de todo esse processo não
157 

são percebidos diretamente pelos recipientes como em uma relação normal de mercado,
mas sim através de prestações dispersas como taxas e impostos.
158 
DE SOTO, op. cit., p. 153
106 Geanluca Lorenzon

produção descubra se está tendo “lucro” ou “prejuízo”, ou seja, se aquilo que está
produzindo, e a maneira como está, é ou não desejável pela sociedade.

Socialistas esquecem que em uma economia capitalista, quem realmente


controla os empresários são os consumidores, ao aprovarem (comprarem, e en-
tão gerarem lucro) ou reprovarem (causando prejuízo) o que ele está oferecen-
do. É como se o mercado fosse um grande “sistema democrático”, em que cada
um real corresponde a um “voto econômico”. A diferença é que, ao contrário
dos demais, no capitalismo a minoria ainda tem voz, porque aqueles que não
possuem mais que a metade do mercado não são excluídos de oferecerem seus
produtos e serviços.

Além disso, do ponto de vista puramente econômico, sem o cálculo, as va-


lorações relacionadas com a ação se reduzem ao denominador comum das uni-
dades monetárias, o que, ao fim, afetam de forma generalizada todos os setores
de produção, incluindo aqueles responsáveis por prover os recursos necessários à
implementação dos direitos sociais.

Uma questão de bom-senso pode surgir ao leitor neste momento: como


conseguiu a União Soviética resistir tanto tempo sem que conseguisse auferir
preços próximos ao ponto de equilíbrio (realidade), conforme os problemas aqui
apresentados? Isso ocorreu, entre outras razões, porque o órgão planejador lar-
gamente copiava os preços estabelecidos no mercado negro existente, bem como
comparava com aqueles que eram praticados no mundo capitalista ocidental.159
Ambas fontes de informações que não deveriam existir em um mundo genuina-
mente socialista.

Se direitos sociais são a tentativa constante de se resolver uma equação eco-


nômica, o problema apontado por Mises acaba por impossibilitar que a descoberta

159 
BOETTKE, Peter J. Why Perestroika Failed. Routledge. 1993
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 107

dos valores de cada uma das variáveis, tornando a resolução absolutamente impos-
sível. Surge o caos, a terceira premissa do processo trifásico. Eis a primeira visão
sobre a impossibilidade prática e teórica do socialismo.

Para introduzir a perspectiva de Hayek sobre a impraticabilidade do sis-


tema socialista, insta nos valermos de uma nota do brilhante economista norte-
-americano Thomas Sowell:

Quando tanto o conhecimento especial, quanto o


conhecimento mundano, são contemplados e tidos
como conhecimento genuíno, torna-se duvidoso
se mesmo a pessoa mais culta do planeta tem se-
quer uma pequena fração de todo o conhecimento
acumulado do mundo, ou mesmo uma pequena
fração do conhecimento mais significativo de uma
sociedade qualquer.160

A concepção do problema identificado por Hayek baseia-se na premissa


de que o conhecimento necessário para se planejar um sistema econômico está
disperso entre todos nós, e cada indivíduo carrega consigo somente uma pequena
fração do total.

Considerando que o socialismo presume que um grupo de pessoas possa


de alguma forma dirigir a economia, ele incorreria na chamada “pretensão do co-
nhecimento” ou “arrogância fatal”, em um problema apontado pelo mesmo, de
raiz eminentemente epistemológica,161 e que foi apresentado ao mundo no artigo

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. 1ed. 2011. São Paulo: É Realizações


160 

Editora.
161 
DE SOTO, op. cit., p. 143
108 Geanluca Lorenzon

The Use of Knowledge in Society162 considerado um dos escritos mais importantes e


influentes da história das ciências econômicas.

A questão central para esta análise gira em torno do fato de que, em uma
sociedade socialista, tudo aquilo que for necessário para os seres humanos deverá
ser provido pelo estado, em um verdadeiro desafio matemático de alocação. Essa
expressão é aqui usada para denotar uma série de demandas complexas, dinâmicas,
voláteis e imprevisíveis que devem ser supridas a todo o tempo.

Para se compreender com clareza, usa-se o seguinte cenário hipotético:


uma nação possui um milhão de habitantes, sendo que nela existem em torno de
10 mil professores, em uma estrutura de 1.000 escolas, com uma gráfica oficial do
governo para se imprimir os livros e outros materiais, que por sua vez possui 20
mil madeireiros produzindo a matéria-prima das folhas e lápis, e assim por diante.
Do outro lado, existem duzentos mil alunos que precisam ser atendidos, os quais
são – neste cenário – os recipientes do “direito social à educação”. Eis a equação
econômica a ser resolvida: tem-se uma determinada soma de recursos que preci-
sam ser alocados de forma a atender uma demanda, sendo que outros precisam ser
produzidos a uma certa eficiência, tempo e qualidade.

A mazela denotada por Hayek consiste na premissa de que o conhecimento


para se resolver um problema econômico, como o descrito no parágrafo anterior,
não pode ser reunido na cabeça de um indivíduo, nas informações de um comitê,
nem na administração de um órgão central de planejamento.

Conforme Hayek afirma,

“O caráter peculiar do problema de uma ordem


econômica racional é determinado precisamente

HAYEK, Friedrich. The Use of Knowledge in Society. The American Economic Re-
162 

view. 1945
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 109

pelo fato de que o conhecimento das circunstân-


cias de que temos de fazer uso nunca existe sob
forma concentrada ou integrada, mas apenas
como os pedaços dispersos de conhecimento in-
completo e frequentemente contraditório que
todos os indivíduos separadamente possuem. O
problema econômico da sociedade não é, portan-
to, meramente um problema de como alocar re-
cursos “dados” – por “dado”, entende-se dado a
uma única mente que deliberadamente resolve o
problema definido por esses “dados”. É mais um
problema de como garantir o melhor uso dos re-
cursos conhecidos por qualquer um dos membros
da sociedade, para fins cuja importância relativa
apenas estes indivíduos sabem. Ou, para colocá-
-lo brevemente, é um problema da utilização do
conhecimento que não é dado a qualquer pessoa
em sua totalidade.”163

Assim sendo, pelo fato de que o conhecimento não pode ser reunido a pon-
to de que um planejamento central ocorra de forma racional, todas as tentativas
de alocação e produção de recursos que optem por se basear em um conhecimento
centralizado irão, necessariamente, falhar. Incluindo aquelas que precisam estar à
disposição de um determinado segmento da sociedade, das necessidades humanas
mais básicas.

Essa constatação de Hayek é tão brilhante, que provavelmente seja o mais


importante avanço das ciências sociais no século XX, sendo a equiparação para
estas do que foi a teoria da relatividade de Einstein para as ciências exatas. A

163 
(HAYEK, 1945, tradução nossa)
110 Geanluca Lorenzon

renomada American Economic Review elegeu o artigo em que Hayek introduziu


essa teoria como um dos 20 textos mais importantes do seu primeiro centenário.164
Foi dessa teoria que surgiu a inspiração para Jimmy Wales criar a Wikipedia,165
que, apesar de todos os problemas, seja talvez um dos maiores166 e mais bem-su-
cedidos167 projetos de conhecimento e informação dos tempos contemporâneos.

Analisando a dispersão do conhecimento de forma mais precisa, uma dis-


tinção fundamental apresentada por Lachmann (1986) expande o problema apon-
tado por Hayek, ao considerar não somente o conhecimento como um todo (stock
of knowledge), mas também o fluxo de informação (flow of information) que ele
deve percorrer para informar e coordenar todos os atores. A forma e tempo com
que o conhecimento se dispersa e informa os indivíduos é essencial, uma vez que
o planejamento da ação humana, que irá determinar sua condução em todos os
sentidos, é feito em cima dele.168 Ao colocar um terceiro ente (estado) em todas as
relações “econômicas” entre dois indivíduos, o fluxo de informação acaba radical-
mente prejudicado.

A eficácia da alocação desses recursos é tida, nas palavras de Hayek, como


a racionalidade de uma organização econômica. Assim, a disputa acaba sendo

Arrow, Kenneth J., B. Douglas Bernheim, Martin S. Feldstein, Daniel L. McFadden,


164 

James M. Poterba, and Robert M. Solow. 2011. “100 Years of the American Economic
Review: The Top 20 Articles.” American Economic Review, 101(1):
Mangu-Ward, Katherine (June 2007). “Wikipedia and beyond: Jimmy Wales’ sprawling
165 

vision”. Reason. 39 (2). p. 21. October 31, 2008.


Cohen, Noam (February 9, 2014). “Wikipedia vs. the Small Screen”. The New York
166 

Times.
Grossman, Lev (December 13, 2006). “Time’s Person of the Year: You”. Time. Time.
167 

Retrieved December 26, 2008.


STRYDOM, The economics of information. In: BOETKKE, Peter. The Elgar Compa-
168 

nion to Austrian Economics. 1996


A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 111

entre quem deve fazer o planejamento desse processo: se seria alguém encarregado
disso por um governo, disposto então a usar a agressão institucional para garantir
a implementação de seu planejamento, ou se a alocação deveria surgir através do
que o autor chama de ordem espontânea, formada por indivíduos perseguindo seus
próprios fins – a clássica descrição de um sistema de livre mercado.

Nesse sentido, faz-se necessário romper com a concepção mais generali-


zada de origem robbinsiana,169 segundo a qual o problema econômico consiste na
distribuição de recursos, que são escassos, mas conhecidos para fins que já também
estariam dados. Em realidade, o conhecimento está disperso em um certo nível em
que os próprios indivíduos não detêm informações suficientes sobre suas próprias
necessidades e/ou desejos materiais. No chamado “direito social à saúde” isso é
gritantemente visível, uma vez que ninguém pode fazer sequer o próprio plane-
jamento dos recursos que serão necessários para manter sua saúde durante sua
própria vida com precisão, quanto mais em relação à vida dos outros.

As principais consequências causadas pelos problemas acima enumera-


dos ocorrem em razão de uma falha na possibilidade de transmissão de conhe-
cimento entre os agentes econômicos (coordenação), o que causa desencontro
entre uma oferta induzida e uma demanda existente (descoordenação econômi-
ca). Considerando setores como saúde, educação, alimentação, moradia, etc., esse
desencontro e ineficiência na produção e alocação de recursos acaba por – em
realidade – produzir, juridicamente, graves violações à sociedade, especialmente
à implementação da segunda geração dos direitos humanos. Entre uma escassez
de carros (para nomear um dos primeiros problemas que ocorrem quando se é
adotado um regime de economia socialista) e uma de medicamentos, certamente a
última possui maior relevância para qualquer sociedade.

169 
DE SOTO, op. cit., p. 155
112 Geanluca Lorenzon

Importante notar que não só intervenções governamentais, na tentativa de


transformar produtos e serviços em “direitos”, causam os problemas de disfun-
ção econômica aqui citados. Toda e qualquer intervenção governamental provo-
ca efeitos adversos na grande rede de informações que conecta toda a sociedade:
o sistema de formação de preços pelo mercado. Inclusive um regime em que o
governo controla todos os recursos que oficialmente seriam propriedade privada
(por exemplo, no modelo nazista de Zwangswirtschaft).170

Em suma, o mercado está para os neurônios de uma pessoa, da mesma for-


ma que os preços são os impulsos elétricos e o governo é o Alzheimer.

Vale novamente responder à pergunta de se não teria um problema como


os apontados por Mises e Hayek sido percebidos mais rapidamente na União
Soviética, que somente caiu sete décadas depois. Não só essas mazelas foram no-
tadas, como os problemas econômicos advindo delas forçaram o planejamento so-
viético a abandonar o modelo radical já em 1922, através da NEP, “New Economic
Policy”. Lenin havia notado a impossibilidade de se operar no sistema socialista, e
então propôs uma grande reforma que “liberalizou” de forma muito tímida alguns
aspectos da economia, mantendo ainda todo o controle dela nas mãos do estado.
Obviamente o programa não deu certo, e a culpa foi mais uma vez colocada na
liberdade, fazendo com que Stalin a abortasse em 1928. Isso é também explicado
pelo ciclo humanitário que será descrito no capítulo IV deste livro.

O pesquisador norte-americano Peter Boettke esclarece que essa mudança


advinda da NEP no sistema econômico substituiu um completo e total socialismo
por uma economia intervencionista pesada, empurrando a dissolução do sistema
até os anos 80 (junto com todo o aparelho repressivo).171 A União Soviética come-
çou a estabelecer preços através de um sistema que, de uma parte copiava aqueles

170 
IKEDA (1997), op. cit., p. 97
171 
BOETTKE, op. cit.,
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 113

praticados no ocidente capitalista; e do outro usava o esquema de espionagem da


KGB para tentar equipará-los aos usados no mercado negro ilegal existente dentro
da própria URSS. Irônico.

Assim sendo, em virtude dos dois problemas acima apresentados, os cha-


mados “direitos sociais” são inevitavelmente afetados em suas implementações,
uma vez serem um problema econômico de produção e alocação de recursos que
está sujeito à necessidade de transmissão de informação e conhecimento para que
o processo seja realizado com eficiência. Em conclusão, esse problema advém tan-
to da artificialidade induzida através de uma “bola-de-neve”, conforme apontado
por Mises, como por um problema do conhecimento e sua dispersão, consoante
denotado por Hayek. Passa-se agora a analisar evidências empíricas que corrobo-
ram essas asserções teóricas.

As evidências do processo do caos gerado pelo socialismo

Existe uma correlação evidente entre a adoção de um regime de economia


socialista e uma má performance nas principais áreas assistidas pelos ditos direitos
sociais e da economia em geral. Para que se possa fazer uma demonstração da cau-
salidade existente nesse fenômeno, descrita aprioristicamente acima, analisemos
alguns fatos históricos.

A principal evidência de que o problema econômico apresentado não con-


segue ser resolvido em uma economia socialista é a inerente e constante escassez
de recursos disponíveis à população. De fato, os shortages (termo usado na lingua-
gem científica internacional para escassez de bens) foram o maior problema eco-
nômico da história da União Soviética. Isso levou, inclusive, a uma (infame) piada
do falecido presidente americano, Ronald Reagan: “o processo de comprar um
carro na União Soviética é muito demorado, primeiro você precisa fazer o paga-
mento, e somente depois de um enorme processo, normalmente 10 anos, a pessoa
114 Geanluca Lorenzon

recebe ele. Um dia um homem colocou o dinheiro à mesa, e o funcionário lhe disse
‘volte em 10 anos para pegar seu carro’. O homem respondeu ‘durante a manhã
ou à tarde?’. O funcionário espantado retrucou: ‘são daqui 10 anos, que diferença
faz!?’, para que o homem lhe confessou: ‘bem, o encanador virá na manhã’.”

Evidências apontam que desde o ano de 1921, houve racionamento de comida


dentro da URSS. Inclusive nos últimos dez anos de sua existência, a escassez, o racio-
namento de comida, as longas filas para compras e a pobreza aguda eram endêmicos.172
No início a culpa dessas falhas era atribuída ao caos gerado pela guerra civil, e não pelo
sistema em si. O direito à alimentação jamais conseguiu ser adimplido. A descoordena-
ção econômica era tanta que nos anos 80, antes do fim do regime econômico, somente a
Ucrânia, a Bielorrússia e o Cazaquistão produziam mais do que consumiam em carne, lei-
te, grãos, batatas e vegetais,173 algo que não seria problemático caso essas sociedades fos-
sem voltadas ao comércio, e então não-socialistas. A Rússia possuía um déficit em todos
esses produtos. Péssimo para o sistema que advogava ter revolucionado a humanidade.

Na área da saúde não foi diferente. Um relatório publicado por Mark


Adomanis listou uma série de fatores que descrevem a forma estatizada em que um
sistema de saúde funcionava na União Soviética.174 Todos os médicos, enfermeiros

172 
ARON, Leon. Everything You Think You Know About the Collapse of the Soviet Union
Is Wrong: And why it matters today in a new age of revolution. Foreign Policy Magazine,
2011. Disponível em <http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/06/20/everything_
you_think_you_know_about_the_collapse_of_the_soviet_union_is_wrong> Acesso em:
2 de nov. 2014.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Central Intelligence Agency. Soviet Food Shorta-
173 

ges: Making the History of 1989, Item #182. Disponível em <http://chnm.gmu.edu/1989/


items/show/182> Acesso em: 2 nov. 2014.
ADOMANIS, Mark. Think Obamacare Is Socialized Medicine? 5 Things You Shou-
174 

ld Know About Soviet Healthcare. 2013. Disponível em: <http://www.forbes.com/si-


tes/markadomanis/2013/09/25/think-obamacare-is-socialized-medicine-5-things-you
-should-know-about-soviet-healthcare/> Acesso em: 2 nov. 2014.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 115

e outros profissionais na saúde, e todos os hospitais e clínicas, eram de proprieda-


de tão somente do estado. Qualquer serviço de saúde privado era ilegal.

Como resultado da descoordenação econômica, a cada cinco anos era apre-


sentado um plano de gastos na saúde, diminuindo o número de cirurgias dispo-
níveis e também de medicação; os salários na área de saúde eram menores que a
média dos outros trabalhadores; a área de saúde correspondia a menos de 3% do
PIB. Isso acaba se encaixando com as visões filosóficas de Marx e Anton Menger
apresentadas no capítulo anterior, no sentido de que os recursos necessários à ma-
nutenção da vida e existência dos trabalhadores seriam sempre condicionados ao
que o estado conseguisse produzir através de sua economia socialista.

Segundo estudos da Universidade da Califórnia de São Francisco, logo


após o fim da economia de guerra, e especialmente depois dos anos 60, a saúde
entrou em absoluto colapso, junto com a diminuição cada vez maior na qualidade
de vida.175 A única forma de se manter o socialismo era controlando a revolta da
população, através de um estado extremamente totalitário.

Isso corrobora as deduções econômicas apresentadas no capítulo anterior.


Nas palavras de um teórico econômico espanhol:

“O socialismo provoca um grave problema de es-


cassez generalizada em todos os níveis sociais. A
principal razão para este fenômeno reside no fato de
a coerção institucional eliminar na origem a possi-
bilidade de a enorme força do engenho empresarial
humano se dedicar sistematicamente a descobrir os
estados de escassez bem como de procurar novas e

UNIVERSITY OF CALIFORNIA SAN FRANCISCO. Health and Health Care in


175 

Russia and the Former Soviet Union. Disponível em <http://meded.ucsf.edu/gh/health


-and-health-care-russia-and-former-soviet-union> Acesso em: 2 nov. 2014.
116 Geanluca Lorenzon

mais eficazes formas de eliminá-los. Por último, os


erros na distribuição de recursos se tornam especial-
mente graves no que se refere à mão de obra, que
tende a ser sistematicamente mal-empregada, o que
provoca um elevado volume de desemprego, mais ou
menos encoberto dependendo do tipo específico de
socialismo em questão. Este é um dos mais típicos re-
sultados da coerção institucional sobre o exercício da
função empresarial no âmbito dos processos sociais
relacionados com o mundo laboral.”176

Interessante também é o fato de que muitos países ocidentais, com destaque


aos escandinavos, adotam centralizações econômicas em áreas como saúde, previ-
dência social e educação, ainda que no amplo espectro possuam uma economia de
mercado com altos índices de respeito à propriedade privada e com normas traba-
lhistas relativamente menos interventoras.177 A diferença principal entre esses dois
modelos está no fato de que, ao contrário das economias escandinavas, no socia-
lismo o estado está presente pesadamente sobre o setor, não permitindo qualquer
ato de função empresarial que fuja ao controle do órgão planejador. Mesmo assim,
quando se compara mais a fundo do que o IDH mede os resultados efetivos e reais
desses países, nota-se que eles possuem pior qualidade de vida e riqueza do que os
cidadãos norte-americanos,178 que possuem majoritariamente um sistema privado
de educação e saúde.179

176 
DE SOTO, op. cit., p. 90
177 
HERITAGE FOUNDATION. Index of Economic Freedom. Washington, DC., 2013.
MCMAKEN, Ryan. If Sweden and Germany Became US States, They Would be Among
178 

the Poorest States. Mises Institute. Outubro de 2015. Disponível em <https://mises.org/


blog/if-sweden-and-germany-became-us-states-they-would-be-among-poorest-states>
LEITE, D. L. Mentiram para você sobre o sistema de saúde dos Estados Unidos. Insti-
179 

tuto Mercado Popular. Setembro de 2015.


A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 117

A mesma situação que se tem com o direito à saúde ocorre com os outros
direitos sociais. Os níveis de acesso e – principalmente – qualidade de moradia,
educação e vestimenta são gritantes quando se compara os países de economia
socialista aos de economia de mercado, em um mesmo período. Tudo isso tão so-
mente se considerando o impacto das aplicações no geral.

Para os regimes de implementação gradual de socialismo, antes da aboli-


ção da propriedade privada (ou do controle total dela no Hindenburg pattern), e
da centralização e planejamento da economia, as ações interventoras sobre a ação
humana que mais causam danos ao sistema de sinais e conhecimentos econômicos
(price system) são, respectivamente, da maior para a menor: manipulação monetá-
ria, controle de preços, restrições produtivas e controle “qualitativo”.180

Em si, o próprio regime baseado tão somente na premissa de direitos huma-


nos como caráter social, a fim de se estabelecer uma economia socialista, não con-
segue persistir. Os problemas de alocação de recursos não deixam negar que, inde-
pendente dos valores éticos que se possa imprimir, a educação, a saúde, a moradia,
etc., continuarão sendo mercadorias (bens cuja provisão depende de decisões de
alocação) e, assim, estarão sujeitas a todos os problemas econômicos inerentes à
centralização de uma economia.

180 
IKEDA, op. cit., pp. 161-164
Capítulo 3.2

A segunda fase: a crise totalitária

O homem de sistema é frequentemente tão enamorado com a suposta beleza do


seu próprio plano ideal de governo, que ele não pode sofrer o menor desvio de
qualquer parte dele. Ele age no sentido de implementá-lo completamente, e em
todas as suas partes, sem qualquer consideração seja aos grandes interesses ou
aos fortes preconceitos que possam se opor a ele. Ele imagina que pode arranjar
os diferentes membros de uma grande sociedade com tanta facilidade quanto a
mão que arranja as diferentes peças em um tabuleiro de xadrez. Ele não consi-
dera que tais peças não têm outro princípio de movimento além daquele que a
mão impõe sobre elas; mas que, no grande tabuleiro da sociedade humana, cada
peça individual tem um princípio de movimento próprio, inteiramente diferente
daquele que a legislação possa escolher impor sobre ela.181 Adam Smith,

Teoria dos Sentimentos Morais (1759)

Na versão inglesa original: The man of system, on the contrary, is apt to be very wise in his
181 

own conceit; and is often so enamoured with the supposed beauty of his own ideal plan of gover-
nment, that he cannot suffer the smallest deviation from any part of it. He goes on to establish
it completely and in all its parts, without any regard either to the great interests, or to the strong
prejudices which may oppose it. He seems to imagine that he can arrange the different members
of a great society with as much ease as the hand arranges the different pieces upon a chess-board.
He does not consider that the pieces upon the chess-board have no other principle of motion besi-
des that which the hand impresses upon them; but that, in the great chess- board of human socie-
ty, every single piece has a principle of motion of its own, altogether different from that which the
legislature might chuse to impress upon it. (Smith, A. The Theory of Moral Sentiments. 1759)
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 119

No tópico anterior vislumbrou-se a primeira consequência do socialismo:


o desencontro entre a produção e alocação de bens em relação às demandas de
recursos econômicos de uma determinada sociedade. Essa crise socioeconômica
que advém de um caos pode ser cientificamente tratada como descoordenação ou
desajuste social generalizado, uma vez que afeta todas as áreas da economia, com
ênfase especial àquelas mais importantes à sobrevivência humana, as quais, con-
forme visto anteriormente, estariam “garantidas” pelos ditos “direitos sociais”.

Após vermos porquê o socialismo sempre conduzirá uma sociedade à po-


breza e à miséria econômica, vislumbraremos neste capítulo a razão pela qual ele
sempre leva necessariamente ao totalitarismo. E isso não é só porque Marx adotou
a expressão “ditadura do proletariado” para descrever o sistema político vigente
em uma sociedade desse tipo.

Nesse sentido, de acordo com Hayek, os autores franceses que lançaram as


bases do socialismo moderno não tinham dúvida de que suas ideias só poderiam
ser postas em prática por um forte governo ditatorial.182 O socialismo nasce com
sangue totalitário. O problema é que esse sangue é dos outros, que não de sua
classe dirigente.

Este capítulo analisará como o fenômeno econômico prossegue e então se


relaciona com a violação dos direitos individuais de primeira geração, também
chamamos de direitos civis e políticos.

Por fenômeno totalitário deve se entender o crescente papel do estado na


vida das pessoas, não só como grande intervencionista econômico, mas também
como um verdadeiro substituto em todas as decisões da vida das pessoas.

A descoordenação social e econômica, provocada pelos problemas ineren-


tes a uma economia socialista, produz um verdadeiro desajuste social, o que acaba

182 
HAYEK, 2010, op. cit., p. 47
120 Geanluca Lorenzon

por ocasionar diversos efeitos que afetam diretamente a implementação de alguns


dos chamados direitos individuais de primeira geração ou dimensão.

Analisaremos, nesta fase, as evidências empíricas juntamente com a iden-


tificação lógica dos próprios fenômenos, apontando exemplos reconhecidos pela
comunidade internacional de violações aos direitos humanos, que acompanharam
a implementação de um regime socialista sobre a economia.

O desajuste social generalizado como


preparação para o totalitarismo

A primeira consequência do estabelecimento de um sistema socialista é o


aparecimento de uma descoordenação ou desajuste social generalizado. Esse efeito
é caracterizado pela ação contraditória de múltiplos agentes econômicos, que não
conseguem disciplinar o seu comportamento em função do que os outros fazem,
e nem podem entender que – em realidade – estão cometendo erros, uma vez que
a informação e o conhecimento econômico que foram reunidos pelo governo em
seu órgão de planejamento central estão impedindo que a economia funcione de
acordo com a precificação resultante das valorações subjetivas dos agentes.

Em si, dado que o planejador central está tentando coordenar a econo-


mia em consonância com seu conhecimento limitado, um número significativo
de ações humanas não será bem-sucedida, impedindo então o ajuste constante da
economia às dinâmicas necessidades humanas. De fato, esse desencontro de planos
ou descoordenação generalizada vai afetando diretamente todos os aspectos da
vida social.

Essa desordem social encaminha o governo ao totalitarismo, entregando


constantemente aos governantes uma justificativa para aumentar seus poderes e
controles sobre a sociedade. Não é coincidência que todos os políticos populistas
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 121

e autoritários do mundo são adeptos do modelo econômico socialista, ainda que


sob diferentes graus e terminologias. Eles acreditam possuir, ou poder conhecer,
uma maneira de corrigir todos os problemas sociais existentes, por mais complexos
que possam ser.

O problema acaba se revelando muito pior, pois quanto maior o grau de


socialismo, mais complicado se torna identificar o que está errado. Conforme es-
creveu De Soto:

“Nesse sentido, a generalizada descoordenação


no âmbito social é muitas vezes utilizada como um
pretexto para justificar doses ulteriores de socia-
lismo, ou seja, de agressão institucional, em novas
áreas da vida em sociedade ou com um nível de
profundidade e de controle ainda maiores. Isto só
costuma acontecer porque, embora o órgão di-
retor não seja capaz de entender em detalhes as
ações contraditórias e desajustadas que a sua inter-
venção provoca em concreto, mais cedo ou mais
tarde se torna evidente que o processo social em
geral não funciona. A partir da sua limitadíssima
capacidade de valorização, o órgão diretor inter-
preta esta circunstância como um resultado lógico
da “falta de colaboração” dos cidadãos que não
querem cumprir corretamente os seus mandatos
e ordens, pelo que estes se tornam cada vez mais
amplos, detalhados e coercivos. Este aumento do
grau de socialismo provocará uma descoordena-
ção ou um desajuste ainda maior no processo so-
cial, que se utilizará para justificar novas “doses”
de socialismo, e assim sucessivamente. Explica-se
122 Geanluca Lorenzon

desta forma a irresistível tendência do socialismo


para o totalitarismo, entendido este como o regi-
me que tende a “exercer uma forte intervenção em
todas as áreas da vida.”

Como a economia é um processo dinâmico, os erros acabam formando um


problema que cresce exponencialmente e sobre si. Assim, os responsáveis pelos
órgãos de planejamento, que necessariamente têm de usar a coerção estatal para
tentar manter a economia conforme suas visões, perdem a capacidade de identifi-
car e explicar as razões pelas quais seu engenho social não funciona, produzindo
resultados cada vez piores em decorrência de suas ações econômicas. A crise se
aprofunda, e então também o totalitarismo.

Mercado paralelo e a reação socialista

O resultado desses desacertos é uma economia que acaba piorando, fazen-


do com que a população não consiga cumprir as ordens dadas pelo órgão planeja-
dor. Como resultado, o governo, que não pretende abandonar o modelo socialista
em detrimento de uma economia de mercado, vê-se obrigado a usar sua única arma
para tentar “colocar em ordem” suas diretrizes: coerção.

Em outras palavras, uma vez que o estado vê que suas medidas de gerencia-
mento econômico não estão sendo efetivas, ele começa gradativamente a aumentar
o nível e a severidade da coerção usada, o que resulta em um regime mais intrusi-
vo, punitivo e restritivo.

Como consequência necessária, o regime irá tolher cada vez mais as liber-
dades individuais, caminhando então para um regime superpoderoso em todas as
áreas da vida humana, o qual aqui chamaremos de estado totalitário.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 123

A liberdade torna-se inimiga do órgão planejador. Nesse sentido, de acordo


com Hayek, os primeiros pensadores socialistas franceses já consideravam a liber-
dade de pensamento a origem de todos os males da sociedade do século XIX.183

Persistem evidências históricas de que o totalitarismo estatal se mos-


tra necessário para a implementação de uma economia centralizada pelo estado.
Descreve-se que “um dia, após anos de combate, [quando] os exércitos estrangei-
ros chegaram à Alemanha, [eles] procuraram conservar esse sistema econômico de
direção governamental [(socialismo)]; mas para isso teria sido necessária a bruta-
lidade de Hitler. Sem ela, o sistema não funcion[aria].”184

A escassez gera a falta de recursos básicos à população. No intento de coibir


a ação humana de sobrevivência, que acaba lutando contra os problemas econômi-
cos resultantes da centralização da economia, o governo acaba por aumentar seu
poder punitivo toda vez que considera necessário.

Em outubro de 1946, um decreto do governo soviético ordenou que todos


os casos de furto em um prazo de dez dias fossem submetidos a uma severa lei
de punição. Como consequência, um mês depois, mais de 53.300 pessoas, em sua
maioria kolkhozianos (camponeses soviéticos), foram julgados e condenados a pe-
sadas penas, em campo de concentração, por roubo de espiga de milho ou de pão.185

Além disso, com a descoordenação econômica, nem os próprios produto-


res conseguiam atingir as metas estipuladas pelo órgão planejador. Milhares de
presidentes de kolkhozes foram presos por “sabotagem da campanha de coleta”.

183 
HAYEK, 2010, op. cit., des.
184 
MISES, 2009, op. cit., p. 54
COURTOIS, Stephan. The Black Book of Communism: crimes, terror, repression.
185 

Cambridge: Harvard University Press, 1999.


124 Geanluca Lorenzon

Durante dois meses em 1946, a realização da colheita passou do plano de 36% a


77%, por força das repressivas ações do estado.186

O próprio processo democrático vai sendo deformado, como visto na


Venezuela, em que – para lutar na eminente “guerra econômica” – o Congresso apro-
vou a chamada Lei Habilitante (Ley Habilitante), que permitiu ao presidente do país
intervir na economia sem qualquer aprovação do legislativo.187 Mais do que isso, o refe-
rido ato permite ao chefe do poder executivo venezuelano emitir decretos com força de
lei – inclusive em direito penal. Ou seja, o presidente da Venezuela, sob essa lei, pode
definir monocraticamente o que será crime, quais serão as punições e o como o proces-
so criminal será conduzido. Se isso não é uma ditadura, não há o que seja.

Esse processo de desordem e de “endurecimento” do regime, combinado


com os problemas socioeconômicos em curva exponencialmente crescente, levam ao
surgimento de uma economia oculta: um verdadeiro mercado paralelo e informal,
em que os indivíduos são forçados a recorrer para terem acesso aos bens necessários
à sua sobrevivência ou bem-estar. Essa é a quarta premissa do processo trifásico.

Esse mercado paralelo que surge em meio à sociedade, novamente, leva


o regime a endurecer ainda mais as regras. Nesse momento, para que o governo
continue tentando levar a cabo seu planejamento econômico, o mero aumento pu-
nitivo de suas coerções institucionais não é suficiente. Para que ele consiga sequer
iniciar a punição aos agentes, forçados a adentrar essa economia subterrânea, o
estado começa a aderir a violações de liberdades individuais como a privacidade
de correspondência e comunicação, a liberdade de imprensa e de expressão, etc.

186 
Ibid.
Nos escritos da referida lei, “Establecer mecanismos estratégicos de lucha contra aquellas
187 

potencias extranjeras que pretendan destruir la Patria en lo económico, político y mediáti-


co.” REPUBLICA BOLIVARIANA DE LA VENEZUELA. Ley Habilitante. Disponível
em < http://www.asambleanacional.gob.ve/uploads/documentos/doc_5180d31b1edfd-
c408094225928f74ea0d993fcdb.pdf > Acesso em: 20 out. 2014
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 125

Evidência disso é o relatório da NGO Press and Society Institute (IPYS), que
notou que o governo venezuelano cometeu 254 violações do direito à liberdade de
expressão nos primeiros seis meses de 2013, o que representou um aumento de 68%
em relação ao mesmo período em 2012.188 Foi nesse período que se viu um maior
aprofundamento do estado venezuelano sobre a economia.

É nesse mesmo momento que a coerção usada pelo governo começa a ul-
trapassar o nível institucional e seus órgãos são usados para tentar combater esse
mercado paralelo de todas as formas, caracterizando a quinta premissa do processo
trifásico. Assim sendo, notou-se na história, e conforme se verá a seguir, que regimes
iniciam campanhas para que a própria sociedade comece a atacar os agentes que se
engajam nessa economia oculta. Esse é o instante em que governos começam a plan-
tar um discurso de ódio, que será levado a cabo na terceira fase do processo trifásico.

Outro dos direitos humanos normalmente afetado em uma tentativa do


governo socialista de salvar a economia é a liberdade do indivíduo de sair de seu
próprio país, estabelecido inclusive em instrumentos internacionais.189 Conforme
o Comitê de Direitos Humanos da ONU, “liberdade de deixar o território de um
estado não pode ser dependente de qualquer propósito específico ou no período de
tempo que o indivíduo escolhe para ficar fora do país.”190

188 
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. US State Department. 2013 Human Rights Re-
ports. In: Venezuela Disponível em <http://www.state.gov/j/drl/rls/hrrpt/humanri-
ghtsreport/index.htm#wrapper> Acesso em: 25 out. 2014.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto International dos Direitos Civis e
189 

Políticos. International Covenant on Civil and Political Rights. Disponível em: <http://
www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/ccpr.aspx> Acesso em: 29 set. 2014
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. UN Human Rights Committee (HRC),
190 

CCPR General Comment No. 27: Article 12 (Freedom of Movement), 2 November 1999,
CCPR/C/21/Rev.1/Add.9. Disponível em: <http://www.refworld.org/139c394do-
cid/45.html> Acesso em 31 out. 2014. Tradução nossa)
126 Geanluca Lorenzon

Como a repressão não consegue ser efetiva, o governo vai buscar uma al-
ternativa para evitar que as pessoas se engajem no regime de mercado que surgiu
paralelamente em decorrência dos problemas socioeconômicos. Nesse sentido, co-
meça uma investida na prevenção sobre a ação da população. A repressão não será
apenas punitiva. O estado começa a inverter completamente a lógica de ação, o
objetivo agora é prevenir, até que se chegue a uma completa inversão do princípio
de que todos são inocentes até que se prove o contrário.

Para obter uma eficiência tão grande sobre ações que não são tecnicamente
consideradas crimes,191 o estado vai buscar, então, aprofundar o aparato de con-
trole preventivo, o que se dá através de uma intrusividade desumana, destruindo
inclusive os conceitos de família e religião.

Foi por isso que, para aumentar a fiscalização e prevenção sobre a ação
humana, em 1935, Stalin sancionou um decreto que determinava que pessoas de
12 anos ou mais possuíam a responsabilidade de denunciar “traições” ao regime,
ainda que cometidas pelos seus próprios pais. De forma similar, fora editada lei,
em 1944, pelos nazistas na Alemanha de Hitler.

Em decorrência de tal processo, o indivíduo acaba por ficar desamparado


frente ao aparato estatal, de forma que o próprio estado se transforma em uma
religião. Isso é notável em regimes como a Coreia do Norte, em que demons-
trações públicas de afeto ao ditador em poder assemelham-se aos maiores cultos
das principais religiões que a humanidade já conheceu. O processo de adoração a
Hitler, Lenin, Stalin ou Chávez também não é diferente. Qualquer distração que o
estado socialista possa oferecer, e que motive a população desesperada em meio à
crise socioeconômica, é válida aos governantes. Socialismo é o maior processo já
conhecido de exploração do sofrimento alheio na história da humanidade.

No sentido filosófico clássico liberal de que só pode haver um crime se houver uma
191 

vítima.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 127

Em outro campo de liberdade individual, com o intuito de tentar controlar a


imagem institucional, o governo é forçado a intervir diretamente na manifestação das
pessoas. Visando preservar a autoridade do estado, a Venezuela, durante 2013, aplicou
uma norma que tornou um crime punível com prisão inafiançável de seis a trinta me-
ses o ato de proferir insultos ao presidente. Tal fato foi considerado pela comunidade
internacional como uma violação à liberdade de expressão.192 Mais tarde, a divulgação
de dados macroeconômicos não autorizados pelo governo, como inflação, foi sujeita a
penas similares, incluindo-as como atividades contrarrevolucionárias. Soma-se a isso
a previsão de que “reportagens não acuradas”, que possam perturbar a “paz pública”,
são igualmente puníveis com prisão – de dois a cinco anos – sendo que a definição mais
exata é considerada como aberta à motivação política.193 A reforma chavista do Código
Penal, ocorrido em 2005, afetou inclusive o direito de associação, aplicando penalida-
des estritas para alguns tipos de demonstrações e protestos públicos.

Três estudos independentes realizados em 1997,194 2003195 e 2005,196 respectivamen-


te, encontraram uma forte ligação entre o sentimento anticapitalista e intolerância racial
e preconceitos, demonstrando como o socialismo acaba por prejudicar moralmente uma
sociedade. Essas conclusões vão de encontro com o estudo realizado por Ian Vásquez
e Tanja Porčnik, que encontrou uma forte correlação entre capitalismo e liberdades

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. US State Department. 2013 Human Rights


192 

Reports. In: Venezuela Disponível em <http://www.state.gov/j/drl/rls/hrrpt/hu-


manrightsreport/index.htm#wrapper> Acesso em: 25 out. de 2014.
193 
Ibid.
Granzin, Kent L., Jeffrey D. Brazell and John J. Painter (1997). An Examination of
194 

Influences Leading to Americans’ Endorsement of the Policy of Free Trade, Journal of


Public Policy & Marketing. 16: 93–109
Weiss, Hilde (2003). A Cross-National Comparison of Nationalism in Austria, the Cze-
195 

ch and Slovac Republics, Hungary, and Poland, Political Psychology. 24: 377–401.
Mayda, Anna M. and Dani Rodrik (2005). Why Are Some People (and Countries) More
196 

Protectionist than Others? European Economic Review. 49: 1393–1430


128 Geanluca Lorenzon

pessoais.197 O processo todo ajuda a ilustrar a indivisibilidade das liberdades: a impos-


sibilidade de haver liberdade civil sem liberdade econômica (capitalismo). Como disse
Hayek em O Caminho da Servidão, o controle dos meios resulta no controle dos fins.198

A destruição do ordenamento jurídico

– “Eu acho”, diz Ivan a Volodya,


“que nós [Rússia] somos o país
mais rico do mundo!”

– “Por quê? “, pergunta Volodya.

– “Porque por quase 60 anos todo


mundo tem roubado do estado, e
ainda tem algo a ser roubado.”

SMITH H., The Russians (1976)

Ainda nesta fase, o ordenamento jurídico também, em si, é diretamente


afetado pela descoordenação econômica. Todo o arcabouço de normas e regula-
mentos elegidos pelo governo, com o intuito de colocar em prática o planejamento
central da economia, começa a resultar no desaparecimento do conceito tradicio-
nal de lei e justiça que outrora fora estabelecido.

Capitalismo sendo entendido como Liberdade econômica. Ver mais em: https://object.cato.
197 

org/sites/cato.org/files/human-freedom-index-files/human-freedom-index-2016.pdf
198 
HAYEK, 2012, op. cit.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 129

De fato, para não abandonar a economia socialista, esse órgão diretor ganha
cada vez mais força, a fim de conseguir moldar o comportamento individual de acor-
do com os papéis entendidos pelo governo. Logo, há repercussão em todo o sistema
jurídico, pois a sensação de ineficácia e inoperância se espraia por outras áreas, não
necessariamente econômicas.

Em novembro de 1918, Lenin substituiu todo o sistema judiciário por “tribunais


revolucionários”, a fim de adimplir “a consciência do proletariado e o dever revolucio-
nário”. Mais ou menos no mesmo ideal que objetiva hoje os magistrados da Justiça do
Trabalho no Brasil. “Comissionários do povo” passavam pelas ruas atirando e prendendo
cidadãos suspeitos de não cumprir o regimento político e econômico.199 Maxim Gorky re-
lata que um aliado de Lenin declarou publicamente que “para o bem do povo russo, seria
certo matar um milhão.”200 Essa deturpação da justiça não ocorreu somente em episódios
isolados. Até no final do regime soviético, em 1985, internações psiquiátricas judiciais
começaram a ser usadas para quem discordasse da “consciência econômica necessária”.201
Não há limites na tentativa de impor o planejamento econômico do governo.

Soma-se a isso a formação e o crescimento da corrupção. Isso decorre em


razão de que os indivíduos que não conseguiram obter o poder sob o regime so-
cialista, veem-se forçados a dedicar uma parcela significativa de suas atividades
para tentar desviar, modificar ou evitar as consequências mais danosas ou radicais
das ordens e coerções empregadas pelo estado. Nesse momento, então, inicia-se a

199 
JOHNS, Michael. Seventy Years of Evil: Soviet Crimes from Lenin to Gorbachev. Po-
licy Review Magazine. The Heritage Foundation, 1987.
200 
Ibid., p. 11
201 
Ibid., p. 21
130 Geanluca Lorenzon

concessão de privilégios, vantagens ou determinados bens e serviços às pessoas


encarregadas de controlar, vigiar e fazer cumprir as leis.202

Esse fato foi igualmente notado na Venezuela, em que o índice de corrup-


ção despencou de 2.6, em 1999, quando Chávez chegou ao poder, para 2.0, em
2013, em uma escala em que 10 significa nível absoluto de transparência e zero,
nível absoluto de corrupção.203 O mesmo ocorre em outros regimes que adotaram
um modelo de economia socialista, como a Coreia do Norte, que registrou um
índice de 0.8 em 2013.204

Contudo, as evidências não se limitam a apontar a relação entre o aumento


do socialismo com corrupção somente em exemplos específicos. Um estudo rea-
lizado em 2003 e publicado no Jornal Europeu de Política Econômica, concluiu
que,205 em geral, existe uma forte relação entre liberdade econômica e menos cor-
rupção. Países com menos liberdade econômica – com regimes economicamente

Conforme De Soto, “Esta atividade corruptora é uma atividade de aspecto defen-


202 

sivo, pois funciona como uma verdadeira «válvula de escape» e permite uma certa
diminuição do dano social provocado pelo socialismo, podendo ter o efeito positivo de
tornar possível a manutenção de vínculos sociais minimamente coordenadores, mes-
mo nos casos mais graves de agressão socialista. Em todo o caso, a corrupção ou o per-
verso desvio da função empresarial que estamos a comentar terá, como corretamente
indica Kirzner, um caráter sempre supérfluo e redundante.” DE SOTO, op. cit., p. 97
203 
TRANSPARENCY INTERNATIONAL. The Corruption Perceptions Index. 2013. Dis-
ponível em <http://www.transparency.org/research/cpi/overview> Acesso em: 2 nov. 2014.
204 
Ibid.
GRAEFF, P. The impact of economic freedom on corruption: different patterns for
205 

rich and poor countries. European Journal of Political Economy. Vol. 19, 2003. P. 605-
620. Disponível em <https://campus.fsu.edu/bbcswebdav/orgs/econ_office_org/
Institutions_Reading_List/17._Corruption_and_Economic_Performance/Graef-
f,_P._and_G._Mehlkop-_The_Impact_of_Economic_Freedom_on_Corruption%3B_
Different_Patterns_for_Rich_and_Poor_Countries> Acesso em: 26 out. 2014.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 131

mais centralizados e, logo, mais próximos ao socialismo – possuem de forma con-


sistente e histórica maiores níveis de corrupção.206

Esse processo de destruição do rule of law também ocorre através do que


Hans Sennholz chama de “janela de transferência de benefícios”. Trata-se de um
forte incentivo à corrupção gerado pelo próprio sistema. Uma vez que o merca-
do paralelo criado como reação ao sistema socialista prospera, algumas pessoas
começam a acumular riquezas de forma ilegal. Como consequência, elas têm o
incentivo de transpor esses ganhos para a legalidade, avançando-se então sobre
a classe dirigente, que rapidamente se torna igualmente corrupta, muitas vezes
também precisando recorrer ao mercado paralelo para conseguir bens e serviços
que julga necessário.

Outro fator que expande a corrupção é quando o preço de bens e serviços


oferecidos no mercado paralelo é mais condizente com a valoração real dada pela
sociedade (e consequentemente do ponto de equilíbrio). Isso é explicado pelo pro-
blema do cálculo econômico sob o socialismo, de Mises, já vislumbrado no capítu-
lo anterior. Como bens são legalmente forçados a serem vendidos por preços ar-
bitrários, estipulados pelo conhecimento limitado e artificial do órgão planejador,
eventualmente alguns deles serão mais valorizados em precificação no mercado
paralelo do que na economia legal, forçando um “desvio de produção”. Um caso
desse tipo foi relatado à Universidade de Harvard em 1977, por John Kramer:

“A escassez generalizada de bens e serviços rurais fez com que muitos ofi-
ciais do regime Soviético desviassem o que restava para o mercado negro,
uma vez que os valores desses produtos de compra e venda eram subs-
tancialmente maiores. Essas operações ilegais envolviam grandes grupos.

Importante destacar que o estudo também conclui que alguns tipos de regulação di-
206 

minuem corrupção, não constituindo assim uma defesa intransponível de uma economia
laissez-faire, ao menos em relação aos dados analisados. Igualmente, o estudo também con-
cluiu que a correlação é afetada dependendo da riqueza e da pobreza do país em questão.
132 Geanluca Lorenzon

Logo, oficiais corruptos da Armenian Choral Society usavam insumos ad-


quiridos no mercado paralelo para produzir produtos que valiam nove mi-
lhões de rublos soviéticos, desde móveis até pasta de dentes.”207

É neste momento, também, que surgem ideias que buscam relativizar o


conceito de justiça. Na China, houve uma tentativa de “democratização” dos tri-
bunais, em que a população era convidada a ir a julgamentos públicos com o ob-
jetivo de escolher os “contrarrevolucionários” que seriam condenados a morte.
Nesses episódios, pessoas eram massacradas na frente de suas famílias, que eram
então forçadas a comer a carne de seus entes assassinados pelo regime comunista
chinês.208 Tais episódios, também registrados no regime comunista do Camboja,
ficaram conhecidos como “canibalismo de vingança” (vengeful cannibalism). O
terror e a brutalidade total serviam para exemplificar o que aconteceria com aque-
les que se revoltassem contra os planos do governo.

Se fosse possível buscar uma ordem ou padrão do avanço estatal sobre as


liberdades civis durante a segunda fase do processo trifásico, poder-se-ia dizer que
a repressão se inicia pelo

a. direito à associação – na medida em que os


indivíduos começam a ser tolhidos de se re-
lacionarem/associarem/contratarem uns aos
outros sem a intervenção do estado, avançan-
do então para

b. a censura à liberdade de expressão/imprensa


– quando o governo a fim de favorecer seu

Political Corruption in the U. S. S. R. John M. Kramer. The Western Political Quarterly,


207 

Vol. 30, No. 2 (Jun., 1977), pp. 213-224. Published by: University of Utah on behalf of the
Western Political Science Association Stable.
208 
Black Book of Communism, p. 471
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 133

processo econômico vê-se obrigado a interfe-


rir na expressão de certos atores que estariam
desfavorecendo seu plano econômico/políti-
co, seguindo para

c. violações mais sérias de direitos pessoais – es-


pecificamente na transformação de um estado
policial, chegando à destruição da liberdade
pessoal íntima – ocorrida no momento em que
o estado captura todas as relações sociais a fim
de garantir o máximo de controle estatal, jus-
tificado na falsa premissa de que os problemas
de descoordenação econômica e social são
causados por falta de cumprimento intencio-
nal aos planos estabelecidos.

A descoordenação social resultante da centralização da economia, combi-


nada com os efeitos pessoais sofridos em decorrência da primeira fase de destrui-
ção humana sob o socialismo, acabam por criar um regime que inerentemente se
vê forçado a violar e restringir cada vez mais as garantias individuais, de forma a
tentar impor – sem sucesso – seu planejamento econômico. Considerando que o
regime não está disposto a abandonar o socialismo nessa fase, e que os problemas
inerentes à produção e alocação de bens persistem e aumentam, a formação de um
estado totalitário e anti-humanitário é inevitável.
Capítulo 3.3

A terceira fase: a crise


anti-humanitária

O que é entendido como fenômeno anti-humanitário? Dentro das vio-


lações intrínsecas aqui analisadas, aquelas que se apresentam como a raiz no
sistema de direitos do homem (na sua concepção liberal mais original e simples)
e que constituem pressuposto básico da dignidade humana, serão estudadas sob
o título do anti-humanitarismo: a liberdade do seu próprio corpo e a preservação
da vida em si.

Em textos históricos, como na Declaração de Independências dos EUA,


esse cerne é descrito na tríade vida, liberdade e perseguição da felicidade. O direi-
to contemporâneo encontrou essa visualização no art. 4º do Pacto dos Direitos
Civis e Políticos internacionais – considerado de status mais elevado e sob difícil
derrogação,209 também conhecida como de natureza jus cogens.

Importante ressaltar que pouquíssimos exemplos históricos de socialismo


chegaram a este ponto. De qualquer forma, esta fase será analisada de acordo com

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção de Viena sobre o Direito


209 

dos Tratados. Vienna Convention on the Law of Treaties. 1969. Artigo 51. Disponível em
<https://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/Volume%201155/volume-1155-I-
18232-English.pdf> Acesso: 2 nov. 2014.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 135

o que vimos no último capítulo: primeiramente as consequências serão deduzidas


como premissas lógicas dos axiomas envolvidos e, então, evidências empíricas se-
rão apresentadas para corroborar as conclusões que se apresentarem.

Escravidão institucional

Nenhum homem deve ser propriedade de alguém. Parece natural acredi-


tarmos nisso, mas mesmo atualmente os ideais socialistas não conseguem distin-
guir o que isso significa na prática, especialmente considerando as tragédias hu-
manitárias do passado que não modificaram a essência de suas propostas atuais. A
proibição à escravidão e à servidão é inegavelmente um dos direitos humanos mais
consolidados de nossa sociedade contemporânea.

Estaria a proposição do comunismo revolucionário eminentemente relacio-


nada com um regime escravagista ou de servidão compulsória?

O custeamento de um governo e a provisão de escravidão apresentam uma


interessante relação, que já foi objeto de diversos estudos jurídicos, filosóficos
e econômicos. Infelizmente eles não ganham destaque nas faculdades de direito
atualmente. A ideia dos direitos fundamentais através de sua origem (vida, liber-
dade e propriedade), principalmente no que se refere à questão de liberdade, é a
base dessas indagações.

Nesse sentido, em específico, o direito à liberdade, em sua forma genérica,


seria o objeto dessa principal discussão, pois é o “sujeito” atacado em ambas as
situações aqui analisadas: a violação de escravidão/servidão e a coerção engajada
na cobrança do montante de custeio da entidade governamental, usualmente tra-
duzida através de taxas, impostos e expropriações diretas já presentes nesta fase.
136 Geanluca Lorenzon

Em sua obra clássica, The Road to Serfdom (O Caminho da Servidão),


Hayek descreve o fenômeno humano de perda de liberdade como uma consequên-
cia inerente que decorre de uma economia planificada, termo técnico para o socia-
lismo apresentado no primeiro capítulo.

A servidão seria um resultado natural da própria ideia de planejamento


central econômico. Conforme assevera o autor, o que os planejadores exigem é
um controle centralizado de toda a atividade econômica de acordo com um plano
único, que estabeleça a maneira pela qual os recursos da sociedade sejam “cons-
cientemente dirigidos” a finalidades determinadas.210

Nesse sentido, para que o estado controlasse todos os setores econômicos de


determinada sociedade, far-se-ia necessário que este estivesse presente em todos
os aspectos da vida social das pessoas. Logo, todos os fins da ação humana serão
guiados necessariamente pelo estado, o que inevitavelmente representa o solapa-
mento total do direito individual à liberdade. Conforme asseverou Hilaire Belloc,
“o controle da produção da riqueza é o controle da própria existência humana”.211

A destruição política do direito à liberdade encontrou sua presença em


Lenin, que afirmou que “a sociedade inteira se terá convertido numa só fábrica
e num só escritório, com igualdade de trabalho e igualdade de remuneração”
e também por Leon Trotski quando expressou que “num país em que o único
empregador é o estado, oposição significa morte lenta por inanição. O velho
princípio ‘quem não trabalha não come ’ foi substituído por outro: ‘quem não
obedece não come ’.”212

210 
HAYEK, 2010, op. cit., p. 57
HILAIRES, Belloc. The Servile State. ISBN 1110777000. Editora Biblio Bazaar, LLC,
211 

2007. p. 11
212 
HAYEK, 2010, op. cit., p. 127
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 137

De fato, o “direito ao trabalho” nada mais é do que uma obrigação abso-


luta frente ao estado, conforme determinado pela própria Constituição da União
Soviética, e pelas filosofias de Karl Marx e Anton Menger. Como a economia está
em constante desordem, naturalmente a alocação de mão de obra começa a ser
cada vez mais ineficiente, mais uma vez contribuindo para o próprio aumento des-
se efeito de forma exponencial.

Logo, a fim de que a economia continue em curso, faz-se necessário mais


intervenção do estado. Nesta fase, as meras liberdades individuais não são sufi-
cientes, sendo necessário o completo tolhimento da ação humana individual em
prol de um completo controle do cidadão. A lógica é a mesma: o planejamento
econômico (socialismo) ainda não deu certo? A solução é reprimir a sociedade
ainda mais, pois talvez “agora ela cumpra nosso plano econômico.”

Foi nesse contexto que se disseminaram pela União Soviética campos de


concentração e de trabalho forçado, os chamados gulags.

Inicialmente montados com o intuito de ser um sistema de repressão cri-


minal, os gulags foram muito mais do que isso. Em lº de janeiro de 1935, um
sistema de campos de concentração e trabalho foi unificado e reunia mais de
965.000 presos.

A partir disso os campos começaram a formar uma grande rede de pro-


dução industrial. A única maneira de conseguir manter um aparente controle da
economia era literalmente colocar uma corrente no pescoço das pessoas e forçá-
-las a trabalhar. Os reclusos desses campos de concentração eram empregados na
construção de estradas, trilhos de trem, minas de carvão e campos petrolíferos.213
Nas palavras de Courtouis:

213 
COURTOIS, op. cit., p. 103
138 Geanluca Lorenzon

“A função produtiva do campo de concentração dito


de “trabalho corretivo” estava claramente refletida
nas estruturas internas do Gulag. As direções cen-
trais não obedeciam a princípios geográficos nem
funcionais, mas econômicos: direção das constru-
ções hidroelétricas, direção de construções ferro-
viárias, direção de pontes e estradas, etc. Entre essas
direções penitenciárias e as direções dos ministérios
industriais, o preso ou o colono especial era uma
mercadoria que funcionava como moeda de troca.
(...) Em uma nota de 10 de abril de 1939 dirigida ao
Politburo, Beria expôs seu “programa de reorga-
nização do Gulag”. Segundo ele, seu predecessor,
Nikolai Lejov, havia privilegiado a “caça aos inimi-
gos” em detrimento de uma “gestão economicamen-
te sã”. (...) O papel do Gulag na economia de guerra
revelou-se muito importante. Segundo as estimati-
vas da administração penitenciária, a mão-de-obra
detida garantiu cerca de um quarto da produção em
um certo número de setores-chave das indústrias de
armamento, metalúrgica e de extração mineral.”214

No início de 1941 a população econômica nos gulags da União Soviética era


nada menos do que 1.930.000 pessoas. Outra evidência do caráter econômico dos
gulags era a baixa rotatividade dos concentrados: arquivos revelam que somente
20% a 35% eram soltos a cada ano.215 Estima-se a acumulação de 7 milhões de
pessoas que deram entrada nos campos de concentração e colônias do Gulag entre
1934 e 1941, com dados insuficientes para os anos 1930-1933.

214 
Ibid.
215 
Ibid.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 139

Durante todo o período de existência desse sistema, menores e idosos foram


também empregados. O apogeu ocorreu no início de 1953, quando o Gulag contava
aproximadamente com 2.750.000 prisioneiros, distribuídos em 500 colônias de tra-
balho, 60 grandes “complexos penitenciários” e 15 “campos de regime especial”.216

Por incrível que pareça, o tolhimento radical da liberdade para que se fosse
empregado um sistema econômico sempre esteve na raiz intelectual da teoria so-
cialista. O primeiro dos planejadores modernos, o teórico socialista Saint-Simon,
teria predito que aqueles que não obedecessem às comissões de planejamento por
ele propostas seriam “tratados como gado”.217 Já na prática do socialismo, não só
os que não obedecem também o são.

Estima-se que 14 milhões de pessoas participaram desse processo econô-


mico dentro desses campos, o que denota – de certa forma – que não se pode
considerá-los como mero meio de exceção, mas sim como um verdadeiro sistema
de produção econômica.

Na China não foi diferente. Os trabalhadores alocados nos campos de


concentração firmavam à força um “contrato vitalício de serviço ao governo.“
Estima-se que houveram mais 1100 desses campos.218 Os nomes já davam conta de
que os gulags nada mais eram do que grandes complexos de produção. “Jingzhou
Industrial Dye Works” e “Yingde Tea Plantation” eram denominações comuns.

Na Venezuela, que no momento de publicação desta obra encontra-se aden-


trando a terceira fase do processo aqui descrito, não tem sido diferente. Em julho de
2016, o sucessor de Hugo Chávez, Nicolas Maduro, emitiu um decreto com força de
lei determinando que qualquer empregado pode ser obrigado a trabalhar em tarefas

216 
COURTOIS, op. cit., p. 121
217 
HAYEK, 2010, op. cit., p. 47
218 
Black Book of Communism, p. 497
140 Geanluca Lorenzon

da agricultara como forma de combater a crise alimentícia do país.219 De acordo com


o governo, trabalhadores do setor público e privado podem ser “convocados” a ser-
virem organizações estatais, contra suas próprias vontades. A Anistia Internacional
considerou a medida o mesmo que trabalho forçado,220 o qual, junto com a escravi-
dão e a servidão, são considerados vedados sob o regime jurídico internacional.221

Importante notar que um relatório disponibilizado em 2014 pelas Nações


Unidas (ONU) aponta que esses campos de trabalho forçado existem até os dias
atuais na República Popular da Coreia do Norte,222 com quase que veemente
silêncio por parte da comunidade internacional. Especialmente, dos partidários
que advogam pela causa socialista e comunista. Em um manifesto datado de 02
de abril de 2013, o PCdoB, PT, PSB, CUT, MST, UNE, entre outras entidades
brasileiras de esquerda, manifestaram apoio à manutenção do regime vigente na
Córeia do Norte.223

‘Decreto trabalhista da Venezuela é o mesmo que trabalho forçado’. 28 de Julho de 2016.


219 

Veja. Disponível em < http://veja.abril.com.br/economia/decreto-trabalhista-da-ve-


nezuela-equivale-a-trabalho-forcado/>
220 
Ibid
221 
Ver arts. 6, 7 e 8 do ICCPR
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Office of the High Commissioner for
222 

Human Rights. Commission of Inquiry on Human Rights in the Democratic People’s


Republic of Korea. Report of the detailed findings of the commission of inquiry on human
rights in the Democratic People’s Republic of Korea. A/HRC/25/CRP.1 Fevereiro, 2014.
Disponível em: <http://www.ohchr.org/en/hrbodies/hrc/coidprk/pages/commissio-
ninquiryonhrindprk.aspx> Acesso em: 2 nov. 2014.
PC do B, PT, PSB, CUT e UNE fazem o que nem a China faz: dão irrestrito apoio à
223 

Coreia do Norte e acusam a do Sul e os EUA de “belicistas”. VEJA. 7 de abril de 2013. Por
Reinaldo Azevedo. Disponível em < http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/pc-do-b-pt
-psb-cut-e-une-fazem-o-que-nem-a-china-faz-dao-irrestrito-apoio-a-coreia-do-norte-e
-acusam-a-do-sul-e-os-eua-de-belicistas-nao-veremos-modelos-bonitinhas-dando-beiji-
nho-na-boca-ah-8230/>
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 141

Contudo, o aparelho repressor necessário à condução de uma economia


socialista, ao chegar nesse nível, não se restringe tão somente a extinguir o direito
humano à liberdade. A vida e o que restava da dignidade humana foram simulta-
neamente atacadas, como verificaremos a seguir.

A autodestruição

Abordaremos aqui a repressão profunda e severa do direito individual à


vida. Esse fenômeno, decorrente do socialismo, ocorre em dois aspectos: (a) o di-
rigido, entendido como todo ato atentatório ao direito à vida, exercido em grandes
escalas, com intenção na produção do resultado genocida; (b) e o consequente ou
externalizado, entendido como toda sucessão de massivas perdas de vidas humanas
decorrentes do processo intenso de crise socioeconômica gerado pelo socialismo.

Como visto na fase anterior (fenômeno totalitário), o acirramento da des-


coordenação social, gerada pelos problemas na difusão de informação econômica,
incentivou a criação de um regime que tolhe cada vez mais as liberdades individuais.
Isso porque tentava exercer, com maior eficiência, o controle sobre o uso e a aloca-
ção de toda ação humana em consonância com as determinações do órgão diretor.

Essa crescente repressão aos direitos individuais atinge seu cume quando o
regime em questão224 começa a promover episódios de massacres. A questão para
o regime, neste ponto, não é somente tentar mais uma vez colocar em prática o
planejamento econômico. Neste ponto, a sociedade está tão frágil e debilitada que
os dirigentes socialistas acreditam ser necessário realizar “amputações” de partes

Deve-se entender os massacres como meio indireto para a obtenção de um resultado


224 

econômico naqueles casos em que os mesmos ocorreram com fim punitivo, e até mesmo
de cunho pedagógico para o resto da sociedade.
142 Geanluca Lorenzon

que não são mais úteis aos seus planos, tanto para servir de exemplo à sociedade,
como para “se livrar” de demandas por alimentos.

De certa forma, tais episódios eram comuns nos regimes que chegaram nes-
te estágio de socialismo. Talvez um dos mais emblemáticos episódios tenha sido o
Holodomor, quando seis milhões de pessoas morreram como consequência da fome
de 1932-1933, uma catástrofe amplamente imputada à política de coletivização for-
çada e de antecipação predatória feita pelo estado sobre as colheitas dos kolkhozes.225

Entretanto, o maior massacre causado pela fome na história da humanidade


ocorreu na China comunista, entre 1959 e 1961. Um ousado programa iniciou-se
após 1955, intitulado Great Leap Forward, com o slogan de “três anos de trabalho
duro e sofrimento, para mil anos de prosperidade”. Nele, o regime de Mao ten-
tou incentivar a produção agrícola baseado em princípios da economia socialista,
considerando pessoas como bens de produção. Todas as propriedades privadas
e quaisquer resquícios de mercado foram abolidos. O grande produtor rural da
China se tornou o governo, que na tentativa de aperfeiçoar técnicas que os le-
vassem aos níveis de produção agrícola do capitalismo, acabou por levar a morte
estimada por fome entre 20 e 43 milhões de pessoas entre os anos de 1957 e 1961.226
Nem isso à época foi suficiente para o regime comunista admitir a ineficácia do
modelo socialista. A culpa foi colocada nos camponeses, que estariam escondendo
90% de sua produção por “questões ideológicas”.

A repressão dos regimes da União Soviética também levou a 720.000 exe-


cuções, das quais mais de 680.000 apenas nos anos de 1937-1938, subsequentes a
uma paródia de julgamento feita por uma jurisdição especial da GPU-NKVD;
300.000 óbitos atestados nos campos de concentração entre 1934 e 1940; cerca de
400.000 para toda a década, números que, sem dúvida, podemos generalizar para

225 
COURTOIS, op. cit., parte I.
226 
Black Book of Communism, p. 495
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 143

os anos de 1930-1933, sobre os quais não se dispõe de dados precisos. Ademais, um


número inverificável de pessoas mortas entre o momento de sua prisão e seu regis-
tro como “os que entram” pela burocracia penitenciária e cerca de 600.000 óbitos
atestados entre os deportados, “deslocados” e colonos especiais.227 Tudo isso tão
somente na União Soviética.

Outros massacres de grandes proporções ocorreram na China, Vietnã,


Camboja, Laos, Coreia do Norte, Etiópia, Angola, Cuba e em diversos outros
locais do Leste Europeu.228 Estima-se que jamais ocorreu um fenômeno tão mortí-
fero como o comunismo revolucionário.

Ao mesmo tempo, pode-se vislumbrar diversos casos em que esses mas-


sacres ocorrem como consequência pura de descoordenação econômica, gerando
escassez de alimentos a um nível suficiente em que as pessoas, literalmente, agoni-
zaram de fome até a morte.

Dentro deste fenômeno, é valido destacar que a teoria socialista de Marx


sempre entendeu que o direito à vida não existiria. Especial menção à declara-
ção do mesmo, em escritos registrados em 1853, conforme registros do New York
Tribune: “as classes e as raças fracas demais para dominar as novas condições de
vida têm de ceder”.229

Em suma, dado o totalitarismo excessivo em que um governo socialista se


vê após os diversos problemas econômicos elucidados anteriormente, o direito à
vida cessa consoante se faz necessário, a fim de que o regime mantenha controle

227 
Ibid.
228 
Ibid.
MARX, Karl. Forced Immigration. New York Daily Tribune. Março, 1853. Disponível
229 

em <https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/03/04.htm> Acesso: 2
nov. 2014. (Tradução nossa)
144 Geanluca Lorenzon

sobre os indivíduos, na crença de que isso possibilitará, finalmente, a condução


eficiente da economia. Esse é o ponto central de conexão com direitos humanos.

Em conclusão: arbitrariedade. Exatamente neste conceito fundamental


todas as violações estão inseridas. A história mostrou que vidas foram ceifadas
de acordo a necessidade do regime, muitas vezes com o intuito punitivo de pres-
sionar a população a se comportar conforme o planejamento central necessitava.
Em 1982, a Comissão da ONU para Direitos Humanos escreveu seu Comentário
Geral ao artigo 6º do ICCPR, e ponderou que o direito à vida não é derrogável
nem quando houver situação de emergência pública que ameace à nação230 e proi-
bindo no papel “atos de genocídio e outras massas de violência que causem a perda
arbitrária da vida”.231

Novamente, é válido apontar as sete premissas que formam esse sistema


trifásico, e sua representação gráfica a seguir.

(i) ao optar pelo modelo econômico de planeja-


mento central (socialismo), o estado causará uma
(ii) descoordenação econômica, que por sua vez
trará impactos mais amplos na sociedade. Uma das
consequências será (iii) o surgimento de um mer-
cado paralelo. Ao tentar (iv) reprimi-lo, o estado
(v) torna-se gradualmente totalitário. Em alguns
casos, ou situações, com o objetivo de (vi) tentar

230 
Consoante prediz o art. 4º do ICCPR, op. cit.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comentário Geral ao ICCPR: Núme-
231 

ro 06. CCPR/C/21/Rev.1/Add. 13. Disponível em < http://ccprcentre.org/doc/IC-


CPR/General%20Comments/CCPR.C.21.Rev1.Add13_%28GC31%29_En.pdf> Aces-
so em: 2 nov. 2014.
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 145

repetidamente extinguir o mercado paralelo, (vii)


ele optar por implementar políticas que poderiam
ser caracterizadas como anti-humanitárias, dado o
ataque amplo e generalizado no caráter íntimo dos
direitos à vida e à liberdade (em sentido estrito,
referindo-se a um modelo similar a escravatura ou
servidão involuntária).
intervencionismo

economia mista

(i)
crise socieconômica
fase I

socialismo

descoordenaçã o (ii)
(iii)
(vi)
crise totalitária

mercado paralelo socialismo


fase II

(iv) (v) totalitá rio

repressã o (vii)
crise humanitária

socialismo
fase III

anti-humanitá rio
146 Geanluca Lorenzon

Não foi só a Escola Austríaca que sempre apontou o grande erro intelectual
e humanitário que é o socialismo. Mais surpreendente: a teoria liberal clássica já
havia postulado isso há nada menos do que 180 anos.

A inerência de tal sistema econômico e político à violação de direitos indi-


viduais foi notada desde 1835, na obra clássica de Alexis de Tocqueville acerca da
primeira nação no mundo fundada na ideia de direitos individuais sob sua exegese.
De fato, ainda naquele tempo, Tocqueville concluiu que

“Depois de ter subjugado sucessivamente cada


membro da sociedade, modelando-lhe o espíri-
to segundo sua vontade, o estado estende então
seus braços sobre toda a comunidade. Cobre o
corpo social com uma rede de pequenas regras
complicadas, minuciosas e uniformes, rede que as
mentes mais originais e os caracteres mais fortes
não conseguem penetrar para elevar-se acima da
multidão. A vontade do homem não é destruída,
mas amolecida, dobrada e guiada; ele raramente
é obrigado a agir, mas é com frequência proibi-
do de agir. Tal poder não destrói a existência, mas
a torna impossível; não tiraniza, mas comprime,
enerva, sufoca e entorpece um povo, até que cada
nação seja reduzida a nada mais que um rebanho
de tímidos animais industriais, cujo pastor é o go-
verno. Sempre pensei que uma servidão metódica,
pacata e suave, como a que acabo de descrever,
pode ser combinada, com mais facilidade do que
em geral se pensa, com alguma forma aparente
A destruição humanitária trifásica sob o socialismo 147

de liberdade, e que poderia mesmo estabelecer-se


sob as asas da soberania popular.”232

O socialismo/comunismo foi, e continua sendo, um episódio triste de nos-


sa realidade política contemporânea. O mais sangrento da história da humanida-
de. Este capítulo se dedicou a entender porque as violações de direitos humanos
ocorrem em todas as suas “experiências”, a partir tão somente do problema de
informação econômica sobre produção e alocação de recursos.

DE TOCQUEVILLE, Alexis. Democracy in America. Indianápolis: Liberty Fund. Inc,


232 

2009. Parte II, livro IV, cap. VI.


Capítulo IV

Os ciclos humanitários

O fenômeno apresentado no capítulo anterior é a expressão de um


processo que pode ser visto de maneira mais detalhada, com mo-
mentos e fases definidas, sujeitos a pressões e incentivos diver-
sos. Os regimes socialistas, sejam sob qual terminologia se apresentarem, possuem
tanta similaridade de resultado social e econômico, que se torna possível apontar
de forma clara o processo de descoordenação social que surge em um determinado
regime que busque a preservação do modelo, extraído das leis econômicas advin-
das do estudo da ação humana.

Através desses teoremas, e da apreciação da história, faz-se possível afir-


mar que existe uma tendência natural no socialismo a, cada vez mais, intensificar o
nível e a profundidade de suas ações agressoras, levando a sociedade a passar pelas
150 Geanluca Lorenzon

três fases descritas no capítulo anterior, até chegar em um estágio de servidão e


genocídio. Isso parte de um pressuposto lógico e pode ser visto através de ciclos,
únicos ou repetitivos.

Este autor denominou o fenômeno que será agora apresentado de Teoria


dos Ciclos Humanitários, que inferem forte influência, mas não podem ser confun-
didos com, a chamada Teoria Austríaca dos Ciclos Intervencionistas, de Sanford
Ikeda, conforme se verá a seguir.
Capítulo 4.1

A ação e reação

Para compreendermos como os ciclos se formam, e como eles acabam


formatando, em perspectiva, um literal “caminho da servidão”, faz-se necessário
visualizar primeiramente um sistema de ação e reação entre o poder dirigente (es-
tado) e a sociedade em sua ordem espontânea (cataláxia) no decorrer do processo
de implementação do socialismo.

Toda vez que o estado avança no grau de socialismo, e então intervém


na sociedade, agredindo a ação humana, esta sofre um processo de descoorde-
nação momentânea. O sistema já estabelecido por uma economia de mercado,
ainda que parcial, acaba prejudicado, pois as trocas que ocorriam acabam
imediatamente afetadas pela limitação de um planejamento central à ação
humana preexistente. Entretanto, logo após a descoordenação, a sociedade
busca se reorganizar através de um mercado paralelo, uma vez que não pode
tolerar a escassez ou os preços praticados pela economia estatal de bens e
serviços essenciais, como resultado da atuação do órgão planejador dentro
do modelo socialista.

Em outras palavras, toda vez que o regime socialista expande sua agressi-
vidade, ele automaticamente acaba por causar mais descoordenação econômica e
social, ainda que com um intervalo de tempo. Como a escassez de bens e serviços
não é suportada por um longo período, os indivíduos precisam se reorganizar na
152 Geanluca Lorenzon

ilegalidade através de um mercado paralelo. O exemplo venezuelano é essencial


neste sentido. Quando a presidência confiscou algumas redes de distribuição em
2015, vários alimentos acabaram em escassez. Como consequência, as pessoas ti-
veram de recorrer ao mercado paralelo, aumentando o seu tamanho e complexida-
de, quando não o preço.

Só o fato de que o estado precisa adentrar ou intermediar toda relação eco-


nômica já existente, ainda que ele hipoteticamente não almeje modificá-la, faz com
que o fluxo de informação seja impactado e se altere radicalmente, atrapalhando a
direta coordenação entre as partes. Ao imaginarmos isso acontecendo em toda a
sociedade, para cada relação econômica possível, fica fácil entender de onde o caos
do socialismo surge.

O axioma fundamental da ação humana explica o processo reativo do


ciclo. No momento em que o estado rompe um processo econômico já estabe-
lecido, ainda que dinâmico, todos os preços necessários para a obtenção de um
bem acabam prejudicados. Pense na seguinte situação: uma mãe solteira com
dois filhos necessita comprar leite para eles. No momento em que o governo
estatiza o setor agropecuário, gerando todas as consequências negativas que
tal ação causa, e a mãe sente a escassez, não só ela terá que recorrer ao mercado
paralelo, como os preços do leite lá disponíveis estarão mais altos do que se-
riam em um livre mercado. Isso se dá, pois, um dos sinais que o preço também
transmite é o risco. Quanto mais arriscado um negócio – especialmente quando
proibido pelo estado – mais caro se engajar nele será. Assim, a família terá que
gastar uma maior parte de sua renda para comprar o alimento básico, que antes
dispunha de fácil acesso pelo mercado.

A opção no cenário descrito, entretanto, não é entre um leite mais caro e


um mais barato. A opção é entre ter o leite por um preço mais alto, obtendo-o
através do mercado paralelo, ou simplesmente não o acessar, uma vez que a in-
tervenção econômica do governo gerou escassez, ou completa destruição desse
Os Ciclos Humanitários 153

setor produtivo. Toda ação humana propositada busca posicionar o indivíduo de


um estado de maior desconforto para um de menor. Claramente “não ter o leite”,
no exemplo usado, é o estado de maior desconforto. Logo, a reação de expansão
do mercado paralelo, como consequência do avanço do regime socialista, é uma
conclusão logicamente dedutiva do processo de escassez ou do inflacionário de-
corrente da implementação do socialismo.

Aplicada em escala gradual e, considerando que o mercado é um pro-


cesso complexo e dinâmico, está explicado por qual razão quanto mais so-
cialista uma economia é,233 mais as famílias comprometem suas rendas com
consumo de produtos básicos, tornando coisas triviais como papel higiênico
em artigos escassos de luxo.

Por essa razão, traficantes de drogas venezuelanos deixaram parcialmente


de comercializar narcóticos, e iniciaram um esquema de venda de alimentos e me-
dicamentos.234 Considerando que eles já possuíam todo o aparato de distribuição
em um mercado paralelo alheio à economia legalizada, os custos de oportunidade
para explorar essas demandas foram muito menores quando comparado aos custos
de novos empresários, podendo oferecer preços mais competitivos para aqueles
que agora se veem na necessidade de efetuar transações econômicas ilegais para
conseguir sobreviver.

A evidência histórica do processo de formação de um mercado paralelo


como reação à economia socialista é inegável e incontroversa. Absolutamente
todas as experiências que adentraram tal sistema enfrentaram, mais cedo ou

Quando mais socialista uma economia é, menor seu desempenho em liberdade econômi-
233 

ca. Ver Índices de Liberdade Econômica, Fraser Institute e Heritage Foundation.


World BBC: Escassez faz criminosos trocarem tráfico de drogas pelo de alimentos na
234 

Venezuela. Daniel Pardo. Da BBC Mundo em Caracas. 23 de agosto de 2015. Disponível


em: < http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150821_contrabando_ve-
nezuela_ab>
154 Geanluca Lorenzon

mais tarde, o fato de que a população não se dará por satisfeita com os resulta-
dos econômicos entregues pelo órgão planejador. Alguns comentaristas inclu-
sive mencionam que a razão pela qual existiam tantos milionários russos, logo
após a queda da União Soviética, é exatamente pela existência contínua, du-
rante décadas, desses mercados paralelos.235 O fenômeno ficou internacional-
mente conhecido como “a segunda economia da União Soviética”. Na China
não foi diferente, com vários registros, inclusive, monitorando os preços que
eram praticados fora da economia oficial. Todas as experiências socialistas já
realizadas vivenciaram esse fenômeno, comumente descrito na imprensa como
mercado negro (black market).

Importante notar que esse fenômeno ocorre necessariamente após toda


descoordenação causada pelo aprofundamento de um regime socialista, ainda
que isso esteja acontecendo em menores passos. Pode ocorrer, também, toda
vez que um regime “capitalista” age de forma muito interventora sobre o mer-
cado, inclusive no caso dos EUA.236 Durante o governo de Cristina Kirchner
na Argentina, em 2014, a pesada restrição na compra de dólares deu criação a
um amplo e conhecido mercado paralelo, em que argentinos podiam inclusive
acompanhar online os preços e as variações. Todo o tipo de produto, em menor
ou maior escala, passa a ser encontrado no mercado paralelo na medida em que
para ele há demanda, e o governo esteja dificultando o acesso.

Vladimir G. Treml and Michael V. Alexeev, “The Second Economy and the Destabilization
235 

Effect of Its Growth on the State Economy in the Soviet Union: 1965-1989”. BERKELEY-
DUKE OCCASIONAL PAPERS ON THE SECOND ECONOMY IN THE USSR, Pa-
per No. 36, December 1993
Para se entender o tamanho, forma e atuação do mercado paralelo norte-americano,
236 

recomenda-se a obra de Hans Sennholz, The Underground Economy.


Os Ciclos Humanitários 155

Estudos sobre a formação desses mercados paralelos são campo conhe-


cido das ciências econômicas, mas pouco explorados. Mark Thornton descreve
que em ambientes assim, surgem oportunidades de exploração dessas demandas
que não estão sendo supridas, em razão dos erros advindos do planejamento
econômico pelo governo.237 Uma questão fundamental nesse sentido, é o fato
de que uma determinação do órgão diretor sobre algo, não só tem efeito nulo
sobre a demanda de um bem ou serviço, como também representa um grande
fomento na criação do mercado paralelo, pois gera uma oportunidade de negó-
cios. Surgem incentivos para estabelecer ofertas. As possibilidades de lucro que
surgirem nesse momento irão resultar em novos métodos de produção, logística,
armazenagem, distribuição e marketing. Uma nova rede de coordenação econô-
mica será formada, agora na ilegalidade.

O produto e sua qualidade serão igualmente impactados pelo fato de te-


rem passado de um ambiente de concorrência para um dominado pela proibição,
sob a ilegalidade, ainda que isso não impacte a demanda no aspecto de necessida-
de que ele carrega. Isso explica um dos maiores danos da proibição às drogas no
mundo moderno: ao colocá-las no espectro ilegal, torna-se impossível averiguar
aspectos fundamentais como composição química e potencial de vício, deixando
inclusive mais difícil tratar dependentes e reduzir o consumo, já que a proibição
não afeta a demanda.

A ação e reação formam um verdadeiro ciclo, que pode inclusive ser vi-
sualizado em um gráfico, em que o eixo vertical orienta o grau de descoordenação
econômica e social (ds) e o eixo horizontal o tempo (t).

237 
THORNTON, Mark. The Economics of Prohibition. Mises Institute, EUA. P. 82
156 Geanluca Lorenzon

(ds)
açã o açã o
reaçã o
c

d
e

a f
(t)

Interessante notar os pontos textuais descritos, pois representam momen-


tos-chave no processo de implementação socialista. O ponto (a) representa o mo-
mento em que a ação agressora socialista é iniciada. Ela causa uma descoorde-
nação econômica crescente (b), de forma expandida, acompanhando a absorção
contínua por todos os cantos da sociedade da medida adotada. Esse intervalo de
tempo é enormemente variado, dependendo muito das ações iniciais. Caso se trate
de regulações e controles de preço, nos exemplos mais graduais de implantação do
socialismo, o intervalo entre (a) e (b) tende a ser maior no tempo. Porém, no caso
de revoluções que se iniciam rapidamente, confiscando grandes meios de produ-
ção e propriedades, a descoordenação surge rapidamente e de forma generalizada.
Os Ciclos Humanitários 157

Quando ela chega a um ponto em que as pessoas valoram mais cometer uma ilega-
lidade ao adentrar um mercado paralelo do que seguir o plano do governo, inicia-
-se a formação do sistema de trocas ilegais (c), ou mercado paralelo, com o objeti-
vo de poder suprimir as demandas necessárias. Quanto maior a distância entre os
pontos (a) e (c) em relação ao eixo vertical (ds), mais radical é a implementação do
socialismo e mais volátil é o ciclo.

Com a criação do mercado paralelo no ponto (c), a coordenação econô-


mica vai se reestabelecendo parcialmente e de forma vagarosa, na medida em que
empreendedores começam a oferecer soluções para atender às necessidades dos
consumidores, que agora se veem desprovidos de bens fundamentais. Indivíduos
conseguem, por um preço maior, ter acesso novamente aos produtos e serviços
que julgam ser necessários, fora da economia oficial controlada pelo estado. É a
partir desse período que o órgão planejador coloca a culpa da falha ou ineficá-
cia de suas políticas socialistas na população, principalmente na classe produtiva,
argumentando que todos os problemas que estão surgindo são em razão de uma
desobediência ao projeto estabelecido pelo órgão planejador.

O ponto decisório (d) é o momento fundamental na política socialista, pois


é quando caberá ao regime tomar a decisão de aprofundar o processo socialis-
ta, com uma nova agressão à ação humana (e); ou decide abandonar o modelo, e
reverter a uma economia mista (f ). Para fazer uma crítica que também se aplica
à chamada Curva de Laffer (sobre a chamada elasticidade da receita taxável),238
existe um intervalo temporal inespecífico entre o aumento da intervenção do go-
verno e as consequências econômicas de descoordenação que geram, também, um

A crítica à Curva de Laffer, nesse sentido, seria de que existe um elemento temporal não
238 

considerado, em que há um intervalo de tempo entre o aumento da taxação pelo governo,


e a geração de incentivos negativos que diminuam a produtividade, e então a receita total.
A existência desse intervalo pode distorcer uma série de hipóteses testadas à luz da pers-
pectiva original, inclusive possibilitando um estado que consiga um poder confiscatório
maior do que o previsto.
158 Geanluca Lorenzon

desincentivo à produção. Na crise gerada pelo sistema socialista, é nesse intervalo


que o comportamento econômico cumulado das ações humanas se reorganiza ex-
pandindo o mercado paralelo.

Porém, na situação em que o mercado paralelo conseguiu sua máxima efi-


ciência possível (ou seu maior ponto de equilíbrio dinâmico nas circunstâncias
reais), o ponto de retorno (e) sempre estará em um nível acima de repressão em
relação ao momento em que a ação agressora teve início (a), no eixo vertical (ds).
Ou seja, jamais a coordenação econômica de um sistema de livre mercado poderá
ser alcançada através de um sistema que combine socialismo com um mercado
paralelo.

Isso é uma consequência direta do fato de que qualquer transação econômi-


ca ocorrida no mercado paralelo é mais cara do que a mesma seria em um sistema
de livre mercado. Logo, se os custos de transação sobem, a capacidade de extensão
e crescimento desse mercado reativo são prejudicadas, não podendo atingir o mes-
mo tamanho absoluto (absolute market size) em comparação ao que seria em um
ambiente de liberdade de trocas.

Um mercado absoluto menor significa necessariamente maior descoor-


denação econômica pelas seguintes razões: ao ser menor, a quantidade nominal
de recursos que circulam necessariamente também será reduzida, razão pela qual
matematicamente menos indivíduos poderão se engajar no processo de coordena-
ção, com menos oferta, demanda, ação empresarial, descoberta, produção, opor-
tunidade de lucros e – consequentemente – “ações” humanas. Ao ser menor ele
será necessariamente mais descoordenado em comparação ao que seria caso não
estivesse na ilegalidade.

Isso é aprofundado inclusive em razão da minimização da criação de rique-


zas, que se resta extremamente afetada sob o regime de planejamento econômico.
Os Ciclos Humanitários 159

Essa área, denominada por este autor de Área de Descoordenação


Permanente ou Mínima, na esperança (nada) humilde de que um dia seja chamada
de Intervalo de Lorenzon, é fundamental para se compreender a teoria aqui apresen-
tada, pois ele determina necessariamente a tendência dos ciclos em aprofundarem
o processo socialista e, como consequência, maximizarem gradualmente o proces-
so repressivo humanitário.

(ds)

d
e

Área de Descoordenaçã o Permanente


a
(t)

O simples fato de se operar economicamente na ilegalidade já torna todo


o processo mais custoso, uma vez que os gastos com “segurança” e proteção dos
produtos acaba exponencialmente crescendo. Jamais um mercado paralelo con-
seguirá obter maior, ou sequer a mesma, coordenação econômica social que um
160 Geanluca Lorenzon

modelo laissez-faire consegue. Por essa razão que o ponto (e) sempre necessaria-
mente estará acima do (a), formando aí o intervalo mencionado.

Bem verdade que esse desnível específico pode não estar presente quan-
do se analisa separadamente diferentes setores que passam da economia legal a
um mercado paralelo, especificamente nas áreas em que, mesmo legalizadas, já
estiveram historicamente sob forte influência reguladora e interventora do esta-
do, ainda que em uma economia mista. Nesses casos, não seria improvável que o
mercado paralelo ofereça melhores preços daqueles que já eram praticados ante-
riormente, antes do avanço a uma economia socialista, uma vez que – agora mais
“livres” – possa haver uma compensação pelas regulações de outrora, bem como
um aproveitamento marginal da nova estrutura de coordenação ilegal existente.
Entretanto, em relação à economia geral, os custos totais necessariamente serão
maiores no mercado paralelo, razão pela qual o intervalo se mantém.

Veremos agora o que leva, e o que significa, a repetição sucessória desses


ciclos.
Capítulo 4.2

O avanço e cumulação de ciclos

Vários são os fatores que influenciam o andamento do ciclo, o intervalo


entre ação e reação, o delineamento da próxima medida de avanço de socialismo a
ser tomada e a opção pelo retorno a uma economia mista.

Em uma analogia à Teoria dos Ciclos Intervencionistas,239 o tempo para


que o mercado paralelo reaja dependeria também da forma e dos obstáculos im-
postos pelo governo.

Como Mises ilustra:

As autoridades gostam de avaliar com otimismo os


efeitos de suas ações. Se o congelamento de preços
fez com que mercadorias de melhor qualidade fos-
sem substituídas por bens de qualidade inferior, a
autoridade estará sempre disposta a desconsiderar
a diferença de qualidade para persistir na ilusão de
que a intervenção produziu o efeito desejado. Às
vezes um sucesso pequeno e temporário pode ser
atingido à custa de um preço caro a ser pago no

239 
IKEDA, op. cit., p. 99
162 Geanluca Lorenzon

futuro: os produtores de bens atingidos pelo conge-


lamento de preços podem preferir suportar perdas
por um certo tempo, para não correr novos riscos;
podem ter medo, por exemplo, de que suas fábricas
sejam saqueadas pelas massas incitadas, sem que o
governo lhes dê a proteção adequada. Nesses casos,
a medida de controle fiscal conduz a um consumo
de capital e, dessa forma, indireta e eventualmente,
a uma diminuição de futura oferta de produtos.240

A ação e reação que causam o ciclo dão vida a um sistema contínuo de macro
pressões, ou forças. Esses movimentos e suas inclinações políticas e econômicas tam-
bém podem ser descritos e visualizados em um gráfico, apresentado a seguir:

(ds)
inverno primavera

φ
α
δ

outono verã o
(t)

MISES, Ludwig von. Intervencionismo: uma análise econômica. São Paulo: Instituto
240 

Ludwig von Mises – Brasil. 2010, p. 50


Os Ciclos Humanitários 163

Retirando inspiração da brilhante interpretação de Helio Beltrão em rela-


ção aos ciclos de Kondratiev,241 podemos analisar diferentes momentos do fenô-
meno gráfico como estações, mas de maneira inversa, uma vez que o aumento em
relação ao eixo (ds) sinaliza algo negativo e indesejável.

Assim, no outono, a descoordenação é majoritariamente resultado da força


alpha (α), que representa as consequências do impacto mais direto da agressão socia-
lista sobre a ação humana. São os primeiros sinais de descoordenações que surgem
como resultado da intervenção na cataláxia. Já na fase de inverno, os erros econômi-
cos começam a se multiplicar exponencialmente na medida em que afetam todas as
demais áreas e setores da economia, viciando o sistema de preço e seus sinais, repre-
sentado na força beta (β). É nesse momento que lentamente o mercado paralelo vai
surgindo, inicialmente angariando o que se pode chamar de early adopters: aqueles que
são forçados a recorrer à ilegalidade de trocas por necessidade de subsistência. Isso
representa a força delta (δ), sinalizando a chegada da primavera. Essa adoção acaba
gerando o sinal para que os demais agentes também se engajem no mercado paralelo,
não somente por necessidade extrema, mas sim por notarem que é mais benéfico para
seus objetivos gerais, o que é representado na força ômega (ω). Nesse período que a
pressão por avanço do controle social começa a ressurgir com a força fi (φ). Quando a
força ômega está em seu maior potencial é que ocorre o verão do Ciclo Humanitário.

Importante notar que na medida em que o país avança para uma nova fase
no sistema, o ciclo começa a ficar mais aberto e mais volátil, pois não só a ação
agressora é mais ampla, cara e complexa de ser implementada, como também a res-
posta é mais extensa e rebuscada. Para que um país socialista abandone o regime,
faz-se necessário que a pressão por abandono seja maior que a pressão por uma
nova tentativa de regime socialista, de forma a “dobrar” a curva do novo ciclo para
baixo, encerrando o processo.

BELTRÃO, Helio. Kondratiev – a irresistível força gravitacional dos ciclos longos. 6 de


241 

junho de 2013. Instituto Mises Brasil.


164 Geanluca Lorenzon

Interessante apontar também a relatividade do fator temporal para que se comple-


te um ciclo, e como a ação socialista original pode ser brusca o suficiente para já projetar
um que tenha seu cume, ponto (c), na área da terceira fase, com uma crise humanitária
instantânea, principalmente quando o modelo é estabelecido através de uma revolução.

De forma proporcional, um dos regimes mais brutais foi o Khmer Rouge, acon-
tecido no Camboja. Nele é estimado a morte de 2 milhões de pessoas, ou 26% da popu-
lação total do país,242 em consonância com o renomado estudo apresentado pelo pes-
quisador da Universidade de Geneva, Marek Sliwinski.243 Todo esse processo, entre o
estabelecimento da ação agressora (socialismo) e o abrandamento do regime, deu-se em
apenas 3 anos e 8 meses. Uma projeção gráfica deste caso mostraria quase que somente
um cume, rapidamente alcançado, com um ponto de retorno encerrando a experiência.

Porém, na maioria dos casos não é assim. Os ciclos tendem a se repetirem, le-
vando os países para um avanço de repressão, atravessando as três fases. Ainda que
algumas experiências já tenham começado totalitárias, como as da União Soviética e
Cuba, por exemplo, elas ainda foram avançando através desse ciclo até chegarem em
uma área que sinalizaria a terceira fase do processo apresentado no capítulo anterior.
Toda essa questão gira em torno do momento decisório, o ponto (d) nos gráficos acima.

Caso a decisão seja por renovação, a ação agressora necessariamente terá que le-
var o sistema a um ponto maior de coerção e planejamento do que o pico anterior, como
consequência da Área Permanente de Descoordenação (ADP) explicada acima. Para
compreender melhor, imaginemos um processo de ciclos repetitivos em que seja possí-
vel identificar, ao menos, três de suas ocorrências sucessivas. Uma vez que o ponto (e)1
estará acima do (a)1, consequentemente o ponto (a)2 também estará, fazendo com que
o (e)2 esteja superiormente acima, bem como o (a)3 e o (e)3, e assim sucessivamente,

242 
Black Book of Communism, p. 589
243 
SLIWINSKI, Marek. Le génocide khmer rouge. Editions L’Harmattan (January 1, 1995). P. 49-67
Os Ciclos Humanitários 165

conduzindo todos os ciclos, e então o sistema, a um aprofundamento da descoordena-


ção. Quanto menor a ADP, mais gradual é a implementação do socialismo.

Além disso, também podemos deduzir a tendência de avanço dos ciclos pelas
fases pois seria ilógico a ação humana, dos detentores do poder, repetir exatamente
um ato passado esperando os mesmos resultados (ainda que seja irônico assumir que
o estado agiria logicamente); e também porque nenhuma circunstância presente é
igual a uma circunstância passada (“ninguém entra duas vezes no mesmo rio”). A
expansão do socialismo se assemelha a uma contínua injeção de heroína no sistema,
na medida em que cada vez se faz mais necessário aumentar a dose, mascarando a
deterioração efetiva que o corpo, neste caso a sociedade, vem sofrendo.

É desse processo de pressões e evoluções dos ciclos, incorporado na efetiva


manutenção e aprofundamento do processo socialista, que surge o “Caminho da
Servidão”, apontado com brilhantismo em 1944 por Friedrich Hayek:

(ds)
crise humanitária
fase III


i dão
er v
aS
crise totalitária

o d
nh
fase II

m i
a
“C
crise socieconômica
fase I

(t)
166 Geanluca Lorenzon

Hayek também explica o acúmulo do ciclo e sua inegável tendência a se


expandir e subir para as próximas fases que este livro apresentou. De acordo com
o autor,244 os resultados do planejamento econômico tornam difícil encerrar o pro-
cesso de socialismo, uma vez que surge a impressão que, para se obter o controle,
faz-se necessário que cada vez mais a economia esteja sob a autoridade e jurisdição
do órgão planejador.

É importante destacar que os pontos apresentados graficamente são gran-


des aproximações de uma tentativa de visualização. Jamais uma economia estaria
situada como um ponto fixo no gráfico. Mercados são processos dinâmicos e, neste
caso, um país estaria representado como um constante movimento em determina-
da área, similar a um elétron “posicionado” em um átomo.

Vale apresentar aqui o que Ikeda chama de “paradoxo de Mises”: como se-
ria possível que economias interventoras sejam o modelo mais comum encontrado
hoje? Ou como explicar a insistência no modelo socialista pela história?

A resposta para essas questões reside exatamente no que é apresentado nes-


te capítulo, na medida em que instável é diferente de transitório. Toda vez que o
sistema econômico encontra contradições internas ele acaba por reagir, ainda que
de forma muito pequena, conforme o ciclo aqui descrito, se adaptando, indo e vol-
tando na escala de quão descoordenado (e socialista) ele está. Como foi apontado
no início desta obra, nunca nenhuma nação foi integralmente capitalista (laissez-
-faire) ou socialista. Todos os governos constantemente flutuam no intervalo entre
esses dois pontos.

Um fator que auxilia o sistema de pressões políticas a serem determinantes


na formação do ciclo é o fato de que o socialismo gera a impossibilidade crescente

244 
HAYEK, op. cit.
Os Ciclos Humanitários 167

de se adquirir e compreender conhecimento da economia. De fato, qualquer apren-


dizado em cima dele seria inútil.

Quando o socialismo destrói a comunicação entre os agentes (aniquilando


o sistema de preços), o que ocorre é que estes passam a estar longe do que seriam
em realidade. Em um ambiente de livre mercado, os preços refletiriam de forma
mais precisa o tradicional ponto de equilíbrio entre oferta e demanda. Entretanto,
na medida em que eles refletem uma informação equivocada, não é mais possível
auferir o ponto de equilíbrio pois não há um sistema de ofertas a serem aceitas
ou recusadas. Uma vez que tudo deve ser alocado conforme planejamento,245 os
preços auferidos consequentemente serão errôneos. Como resultado, qualquer
conhecimento obtido em cima dessas informações estará igualmente viciado, per-
petuando e espalhando o erro. Como Ikeda aponta, “em equilíbrio, aprendizado é
desnecessário. Fora dele, aprendizado é inútil.”246

Uma verdadeira bola-de-neve de erros é formada, na medida que qualquer


formulação, análise ou teoria formulada baseada nos dados obtidos estarão fada-
dos ao fracasso. É impossível inclusive que qualquer modelo econométrico possa
apresentar resultados reais. Essa confusão intelectual conduz a um processo de
descrédito dos “técnicos” do órgão planejador frente aos chefes do regime, uma
vez que toda análise elaborada por eles acaba sempre se mostrando equivocada,

Os chamados modelos de “socialismo de mercado” tentaram solucionar essa questão


245 

estabelecendo uma hipótese em que o órgão planejador executaria a fixação de preços atra-
vés de um sistema de tentativas e erros (Modelo de Lange), ou seja, da mesma forma que
um empresário capitalista o faz. Este modelo em especial possui seríssimas deficiências ao
desprezar o aspecto temporal, a dispersão do conhecimento, a complexidade social e o ca-
ráter de processo que o mercado possui. Vale estudar o debate em torno desse modelo entre
Oskar Lange e F. Hayek a partir da década de 30. Nesse sentido recomenda-se BARBIERI,
Fabio. História do Debate do Cálculo Econômico Socialista. 1ed. São Paulo: Instituto Lu-
dwig von Mises: 2013.
246 
IKEDA, op. cit., p. 98
168 Geanluca Lorenzon

dando espaço para que discursos políticos substituam o debate econômico, que
poderia reverter a expansão do socialismo.

Também é válido analisar a hipótese de uma suposta existência de correlação


entre a distância proporcional de (a) a (c), e de (c) a (d), em relação ao eixo (ds), em um
cenário de ciclos repetitivos. Ainda que possa haver uma tendência aparente, seria im-
prudente assimilar a existência de uma correlação positiva. Isso porque o principal fator
que determina o nível de coordenação econômica, que será recuperado pelo mercado
paralelo, é o custo que ele encontrará para sua penetração pela cataláxia.

O custo, no sentido apresentado, não tem correlação direta com a descoor-


denação econômica, mas sim com uma série de fatores que podem ou não estar re-
lacionados ao ambiente do estado. Por exemplo: uma ação expropriatória de todas
as propriedades agrárias pode causar grande descoordenação, mas se as punições
para descumprimento de ordens econômicas forem pesadas, o risco de se engajar no
mercado paralelo será alto, logo os custos serão maiores, e o intervalo entre (c) e (d)
será muito menor proporcionalmente ao de (a) e (c). Um cenário oposto também
é possível, na medida que um mero tabelamento de preços não cause uma grande
descoordenação, mas se as punições forem brandas ou completamente ineficazes, os
custos de se desviar do planejamento do regime serão baratos, aumentando o tama-
nho do mercado paralelo, quase equivalendo o intervalo de (a) a (c) e o de (c) a (d).

Outros fatores que igualmente fazem diferença para determinar o tamanho


entre os pontos (c) e (d) em relação ao eixo (ds) incluem a forma e tipo da ação
(regra, expropriação, taxação, tabelamento, burocracia, etc.), o tamanho, a com-
plexidade, a localização, os interesses concentrados (sindicatos, políticos, etc.), a
punibilidade (pecuniária, prisional, capital, etc.), entre outros. Não seria prudente
estabelecer uma correlação.

Veremos agora os fatores que influenciam o fim ou a renovação de um


novo ciclo.
Capítulo 4.3

Aprofundamento ou descontinuidade

A escolha entre uma nova tentativa, ponto (e), ou o abandono do sistema,


ponto (f ), com uma reversão à economia de mercado, seja ela intervencionista
ou mais laissez-faire, depende do processo de realização e descoberta em torno
da complexidade e ignorância (no sentido técnico) que permeiam um sistema
socialista.

O momento decisório (d) é um fenômeno radicalmente político, o qual


não cabe ser analisado tão somente através das lentes das ciências econômicas.
São inúmeros os fatores internos e externos que podem determinar qual será o
encaminhamento quando ele se fizer presente. Teóricos austríacos chamam este
momento, em economias intervencionistas, de nodal points.247

Outro fator fundamental que explicaria uma decisão em direção ao ponto


(e), e a pressão por uma nova tentativa de expansão socialista, é o fato de que o su-
cesso e a aprovação de uma política pública não são medidas por quanto ela alcança
seus objetivos propostos, mas sim por como os seus apoiadores a percebem sub-
jetivamente.248 Isso fornece espaço para que o movimento político pró-socialismo

247 
IKEDA, op. cit., p. 139
248 
IKEDA, op. cit., p. 110
170 Geanluca Lorenzon

possa usar qualquer tática de propaganda e informação que corrobore a ideia de


que suas ideais são as corretas.

Não é por outra razão que todas as experiências acabaram por tomar e se
apropriar dos meios de imprensa, como forma de manipular a opinião pública. No
exemplo mais recente de socialismo, notadamente na Venezuela (em maior escala)
e na Argentina de Kirchner (em menor escala), esse controle veio sob o título de
“regulação da mídia”, tentando – inclusive – chegar ao Brasil, através de proposta
do Partidos dos Trabalhadores (PT).249

O papel da ideologia em manter viva a fé irracional em torno do socialismo,


e então renovar o ciclo, é fundamental nesse processo.

Fazendo uma analogia ao processo de reversão de uma ação interventora


apresentado por Sanford Ikeda,250 o processo de condução à economia de mercado
tende a depender de uma soma de resultados inesperados, contradições internas e
ideologia. Uma crise dentro do establishment decisório tende a surgir, com usual-
mente duas condições necessárias, mas não suficientes. A primeira é o fato de que
os atores com maior influência decisória notam – finalmente – que os resultados
das políticas socialistas não estão sendo eficientes para os fins que eles almejavam
ao implementá-las. A segunda é o fato de que esses mesmos atores se dão conta
que o sistema possui falhas lógicas que comprometem o sucesso das mesmas em
maneiras fundamentais, levando não somente ao fracasso das mesmas, mas tam-
bém a contradições.

É nesse momento em que a ideologia acaba sendo um fator com gran-


de peso decisório, dado seu poder de dominância intelectual, a resposta que os

Dilma vai enviar proposta de regulação da mídia ao Congresso. Site Oficial do Partidos
249 

dos Trabalhadores (PT). 10 de outubro de 2014. Acesso em < http://www.pt.org.br/


dilma-vai-encaminhar-proposta-de-regulacao-da-midia-ao-congresso-nacional/>
250 
IKEDA, op. cit., p. 120
Os Ciclos Humanitários 171

detentores do poder encontram pode ser pelo aprofundamento do modelo socialis-


ta, ou sua desistência. Outros fatores que determinam a decisão são a perspectiva
com que encaram os resultados das políticas tentadas (diretamente influenciada
pela ideologia) e a quantidade e qualidade das informações que recebem no pro-
cesso de avaliação.

Uma nova tentativa (e) implica novos custos para sua implementação, e
essa diferença causa mudanças marginais na ideologia que dá suporte ao regime,
alterando as preferências que irão determinar o futuro do sistema. Conforme
aponta novamente Ikeda, a velocidade e direção que o sistema irá tomar é resulta-
do de como os decisores conseguem perceber os custos e benefícios de uma nova
tentativa, e a clareza com que conseguem entender a conexão entre o socialismo e
as consequências do que estão tentando combater.

Isso se torna problemático pois a percepção dos dirigentes em entender o


erro de seu experimento acaba se debruçando sobre a complexidade e descoorde-
nação das informações. Da mesma forma que Hayek apontou que se é impossível
reunir o conhecimento necessário para o planejamento central de uma economia,
torna-se igualmente inconcebível que se consiga compreender, dentro de um pro-
cesso tão complexo, quais são as causas específicas de cada problema econômico
gerado pelo socialismo. Essa dificuldade fundamental dá a oportunidade para que
qualquer tipo de explicações e interpretações do que está ocorrendo sejam criadas,
muitas vezes contraditórias, e em alta velocidade. O governo torna-se uma máqui-
na de gerar “desculpas” e justificativas. Com o intuito de preservar o poder, dado
que o objetivo de quem está no comando é maximizar seu tempo nessa posição, os
dirigentes irão escolher como válida a narrativa que lhes for mais conveniente, sem
poder levar em consideração qual seria a real.

Assim sendo, a descoordenação gerada pelo socialismo será também um fa-


tor que irá prevenir que as soluções reais para o problema sejam encontradas, pre-
judicando o encaminhamento ao ponto (f ). O fato de que o sistema de preços foi
172 Geanluca Lorenzon

destruído no momento em que o socialismo foi implantado acaba por prejudicar


toda e qualquer informação econômica, e por consequência, suas interpretações.
Sem sequer ter uma base de dados reais do que está acontecendo, torna-se impos-
sível fazer análise econométrica para auferir conclusões econômicas no modelo
mainstream.

A soma da complexidade, descoordenação e ideologia tendem a levar ao


aprofundamento do sistema, ponto (e), em detrimento do retorno a uma economia
de mercado, ponto (f ).

Entretanto, não se pode excluir o fator de que uma decisão de (d) para (e)
também seja resultado de fortes incentivos para que os governantes maximizem
seus tempos no poder. Logo, pode-se agrupar em duas grandes categorias as razões
pela qual o ciclo se renova:

– por ignorância, em razão da impossibilidade de se


identificar a origem e as causas dos problemas de
descoordenação que se apresentam;

– por deliberação, uma vez que os dirigentes querem


perpetuar o poder que detém somente em um mo-
delo socialista de economia.

É válido também questionar por quantas vezes o ciclo pode se renovar até
que o regime abandone o socialismo. O conceito de fundo de reserva, reserve fund,
elaborado por Mises acaba sendo essencial neste ponto. Ele se baseia no fato de
que “a ideia subjacente a todas as políticas intervencionistas é a de que a renda e a
fortuna da parcela mais rica da população é um fundo do qual pode ser extraído o
necessário para melhorar a situação dos mais carentes.”251

251 
Ação Humana, p. 965
Os Ciclos Humanitários 173

É usando esse fundo de riquezas acumuladas antes da implantação do regi-


me que o socialismo consegue obter alguns melhoramentos sociais, manipulando
a opinião da sociedade à sua ideologia com o objetivo de estender o tempo de vida
do sistema sob seu comando. Mesmo quando o fundo não advém somente de ri-
quezas previamente acumuladas, mas é gerado através recursos naturais, como no
caso da Venezuela (em que adveio do petróleo), ele consegue prevenir o sistema de
implodir por um tempo, mas jamais fazer com que o socialismo dê certo.

Essa interpretação inclusive reforça a famosa citação da ex-Primeira


Ministra britânica, Margareth Thatcher, de que “o socialismo dura até acabar o
dinheiro dos outros.” Apesar do forte apelo político da frase, existe uma base eco-
nômica para ela.

Apesar do conceito de Mises ter sido elaborado no cenário de uma econo-


mia intervencionista (mixed economy), uma analogia ao modelo socialista é com-
pletamente possível. O processo de criação de riquezas é completamente destruído
pelo sistema central, fazendo com que, para sobreviver, o sistema comece a usar
todos os recursos que formariam uma “reserva”. A economia socialista duraria até
que esse fundo fosse esgotado.

Essa reserva acaba sendo reabastecida aos poucos, ainda que de forma mui-
to lenta durante o socialismo. O próprio mercado paralelo acaba por criar rique-
zas que poderão indiretamente contribuir com ela. Razão pela qual sistemas de
legalização desses recursos podem surgir esporadicamente. Porém, jamais em um
nível que torne a economia socialista sustentável, como a história repetidamente
demonstrou. O nível com que a reserva será drenada depende muito do tipo de
política que será usado, e seus custos.

Quando finalmente chega a decisão de descontinuidade do sistema socialis-


ta, ponto (f ), a intensidade da reversão ideológica determinará o quão livre será o
novo modelo adotado. Nesse momento o fundo de reserva começa a se recuperar,
174 Geanluca Lorenzon

na medida que ocorre acúmulo de capital e investimento de capital líquido, ambas


igualmente aumentando a produtividade, e somando a uma recuperação gradual.

É nesse momento que uma proposta tentadora pode ressurgir: na medida


em que o fundo de reserva se recupera gradualmente, os dirigentes podem con-
cluir que uma nova tentativa ao socialismo é possível. Talvez dessa vez ele vá dar
certo. Como aponta o economista brasileiro Fabio Barbieri:

“(...) assim que uma reforma liberalizante ali-


via os males causados pelo acúmulo de inter-
venções, aumenta novamente a demanda pelas
mesmas intervenções, na medida em que a hos-
tilidade aos mercados for uma força presente.
Se prestarmos atenção na história, essa hostili-
dade não é apenas um fenômeno atual. Hayek,
por exemplo, mostra que em épocas e civili-
zações passadas o sentido de repugnância aos
mercados é uma constante. Para o autor, isso é
explicado pela moral tribal que marcou a evolu-
ção cultural da humanidade. Essa moral rejeita
o tipo de normas abstratas necessárias para o
convívio em uma sociedade mais complexa.”252

O capital político, nesse sentido, acaba sendo essencial para forçar o não-
-retorno ao socialismo. “Na presença da ideologia estatista, cada fracasso de uma
intervenção gera demandas por novas intervenções: a culpa dos problemas nunca
é a intervenção em si, mas a falha em aplicar a lei e o egoísmo dos agentes econô-
micos. Exigem-se então novas e mais rigorosas leis”.253

252 
BARBIERI, op. cit., p. 98
253 
BARBIERI, op. cit., p. 103
Os Ciclos Humanitários 175

Entretanto, após décadas de regime socialista, alguns hábitos interventores


persistem, e é comum que nesses momentos o governo use de “ações amenizado-
ras” para socorrer aqueles que se veem prejudicados pelo retorno a uma economia
de mercado.

Ademais, a moral da sociedade que passou pelo sistema socialista foi alta-
mente prejudicada.254 Fatores que contribuem para a formação da opinião ideoló-
gica, decisiva para o ponto (d), envolvem as visões acerca de família, associações
civis, religião, imprensa, grupos organizados, etc. Essas instituições moldam a
forma com a sociedade pode responder no momento decisório. Logo, devem ser
controladas pelo regime, como se viu na segunda fase do processo trifásico.

O legado da expansão soviética moldou a opinião nesses aspectos até os


dias de hoje. Pessoas bem-intencionadas da sociedade civil acreditam fielmente na
necessidade do avanço do estado sobre a economia para proteger as pessoas dos
“horrores do mercado”. Todo um discurso ideológico e exacerbado é feito, de for-
ma a culpar a liberdade econômica pelos problemas decorrentes do planejamento
e intervenção de governos.

John Larrinee aponta que a supremacia desse discurso hoje é resultado da


dificuldade das pessoas em estabelecerem uma conexão entre as tragédias do pas-
sado (comunismo, fascismo, nazismo, entre outras) com as teorias econômicas que
os deram base e sustentação.255

Certamente a alienação das novas demografias em relação ao ocorrido no


passado se revela como uma ameaça perigosa ao desenvolvimento humano. A fa-
lha de se associar como o controle de preços de combustíveis advém da mesma

LARRIVEE, John. It’s not the markets, it’s the morals: How Excessively Blaming the
254 

Markets Undermines Civil Society. In: WOOD Jr., Thomas E. Back on the Road to Ser-
fdom. ISI Books.
255 
Ibid.
176 Geanluca Lorenzon

teoria econômica estatizante do passado, que sempre acabou se mostrando errada;


ou como a centralização da educação pelo estado é fruto da busca por oportunida-
des de abusos de caráter totalitário, dando a chance para que o governo manipu-
le como as pessoas devem interpretar a realidade; representa uma necessidade de
manter vivo o estudo das teorias e suas implicações práticas. A esquerda deveria ir
ler um livro de história (econômica).
Capítulo 4.4

O atraso ou ausência de reação em


casos específicos

Esta obra não poderia deixar de abordar o caso de países que parecem não
responder ao processo de estatização econômica com a reação de formação de um
mercado paralelo conforme descrito anteriormente. São nações que, apesar de es-
tarem muito bem classificadas nos índices de qualidade de vida, possuem um forte
estado de bem-estar social. É o caso dos países escandinavos.

O primeiro ponto a ser destacado no caso de países desse tipo é que, ainda
que possuam um pesado estado de bem-estar social com enormes gastos gover-
namentais, são eles também as nações com alguns dos maiores níveis de liber-
dade econômica (capitalismo) hoje existentes. No ranking anual elaborado pela
Heritage Foundation, Dinamarca, Islândia, Suécia, Finlândia e Noruega estavam,
em 2016, no top 25 dos países mais capitalistas do mundo, com excepcional de-
sempenho principalmente em proteção à propriedade privada e livre comércio.256
Somente por essas informações, defender o socialismo inspirado nesses modelos já
seria hipócrita e ignorante.

256 
Notar que jamais se deve confundir livre comércio com livre mercado.
178 Geanluca Lorenzon

Além disso, esses países possuem um dos melhores ambientes de negócio


do mundo,257 também estando entre os mais globalizados atualmente.258 Grandes
bandeiras sindicais, como o salário-mínimo imposto pelo governo, são inexistentes
na Suécia, Noruega e Dinamarca.

Entretanto, persiste de fato um paradoxo, pois esses países possuem áreas


fortemente “socializadas” enquanto mantém um sistema de mercado com alto
grau de proteção à propriedade privada com o objetivo de gerar renda e qualidade
de vida de toda à população.

Esse sistema ficou conhecido como “modelo nórdico” (Nordic model).


Dado a alta produtividade aliada à criação de riquezas, resultantes do capita-
lismo, o governo pôde historicamente se “dar ao luxo” de gastar de forma mais
expansiva, financiando o estado de bem-estar social, principalmente após a dé-
cada de 1950.

Essa alta produtividade, alinhada com geração de renda (graças ao grande


nível de capitalismo), pode explicar como os efeitos de uma eventual descoorde-
nação econômica acabam não sendo percebidos; da mesma forma com que um
aumento de produtividade pode compensar uma bolha formada pela expansão de
crédito, de acordo com a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE).

Uma leitura superficial e romântica sugeriria que se trata de algo bom ter
capitalismo de um lado, e socialdemocracia de outro. Porém, a questão, como
Bastiat apontava, é sobre o que não se vê.

Um estado pesado, mesmo com uma economia de mercado, não consegue


sustentar esse modelo por muito tempo. O exemplo da Suécia é emblemático.
Até 1950 o país era um dos mais capitalistas do mundo, com um governo mais

257 
Doing Business Ranking, http://www.doingbusiness.org/rankings
258 
http://ceoworld.biz/2015/10/15/the-top-25-most-globalized-countries-2015
Os Ciclos Humanitários 179

enxuto que o norte-americano à época. Esse modelo fez com que a Suécia tivesse
o maior crescimento de PIB per capita registrado entre 1870 e 1950, se tornando
uma das nações mais ricas e prósperas do planeta. Foi somente então, após a
acumulação de toda essa riqueza, que os suecos decidiram mergulhar na expe-
riência de um estado de bem-estar social, o que, como os dados inequivocamente
mostram, comprometeu severamente seu crescimento – e sua dívida pública, até
ir esvaziando o reserve fund.

Porém, o ponto mais importante a ser exposto, a respeito da aparente per-


petuação desse modelo, reside no fato de que muitos dos problemas que levariam a
uma descoordenação econômica, e então à reação no mercado paralelo, estão seve-
ramente amenizados pela conexão externa dos setores “socializados” desses países,
principalmente dada a altíssima taxa de globalização econômica dessas nações.

O exemplo do setor de saúde é paradoxal nesse sentido. Ainda que um país


possa manter um sistema público de saúde, a maior parte dos produtos e servi-
ços oferecidos sofre constante influência do mercado internacional, especialmen-
te advindo de países em que o sistema é amplamente privado, como nos EUA.
Consequentemente, ainda que o sistema interno não seja capaz de obter avanços
por si só, ele acaba se beneficiando da inovação tecnológica, redução de custos,
melhoramentos de práticas e novas descobertas que só o setor privado é capaz de
ofertar em larga escala. A indústria farmacêutica mundial continuará a pesquisar
medicamentos mais efetivos, com menos efeitos colaterais e com melhor-custo be-
nefício, ainda que alguns países tenham um sistema público de saúde. A mesma
lógica é aplicada a toda a produção sistemática de recursos na área, desde maqui-
nário hospitalar até acessórios domésticos de saúde básica.

Isso explica como foi possível que esses estados conseguissem sustentar,
em parte, grandes áreas de bem-estar social por quase cinco décadas. Porém, nos
anos de 1990, eles se viram forçados a reformar com urgência esses modelos para
180 Geanluca Lorenzon

se salvarem de um colapso financeiro, se arrastando com medidas austeras e pen-


sando em novas soluções, até hoje.

Entretanto, o interessante é que, mesmo com tudo isso, o estado de bem-


-estar social desses países ainda não é sustentável, e se não for alterado acabará por
implodir, gerando a parte reativa do ciclo.

A Finlândia, que possui saúde e educação como sistemas públicos, está


cada vez mais reconsiderando o modelo adotado, dado o crescente aumento do
endividamento nacional (que saltou de menos de 15% em 1981, para 63% do
PIB atualmente)259 mesmo tendo uma das maiores cargas tributárias do mundo,
com o imposto de renda sobre pessoa física chegando a 50% dos rendimentos
dos trabalhadores. Um modelo de substituição, que tem sido considerado, é a
distribuição de uma renda aos cidadãos, para que eles possam, a partir dela, fa-
zer os gastos que hoje estão sob o governo. Dessa forma, o mercado voltaria a
funcionar, tendo competição e livre iniciativa trazendo inovação e redução de
custos. Ainda longe de ser a solução ideal, certamente já seria um avanço em
relação ao modelo atual. A Suécia adotou um sistema de vouchers, que segue a
lógica do sistema nomeado acima, a partir dos anos 1990s, e que tem largamente
sido considerado um sucesso.260

Outros sinais de desgaste do modelo já podem ser percebidos. Na Suécia,


graças a cinco décadas de socialismo no sistema de saúde, um jornal em 2013 reve-
lou que médicos foram instruídos a priorizar pacientes baseados no potencial deles

Dados oficiais das estatísticas do Governo da Finlândia. Acessível em: < http://www.
259 

stat.fi/til/jyev/index_en.html>
260 
http://ftp.iza.org/dp6683.pdf
Os Ciclos Humanitários 181

como futuros pagadores de impostos.261 Pessoas idosas, como terão menos tempo
contribuindo ao sistema financeiro do governo, seriam baixa prioridade.

Em suma, apesar de prometerem ser bons modelos, no longo prazo, e sem


um setor externo fortemente ancorado no modelo de mercado, os países escandi-
navos não teriam um aparente sucesso em manter um estado de bem-estar social.
Espera-se que quando a nova geração olhar para essas experiências não se esqueça
de vislumbrar todo o aspecto capitalista que essas nações possuem, com forte pro-
teção à propriedade privada, excelente ambiente de negócios, baixíssimo imposto
de renda sobre empresas (corporate tax), etc.

BERNPAINTNER, Klause. The truth about SwedenCare. 10 de Julho de 2013. Mises


261 

Institute, USA. Disponível em: <https://mises.org/library/truth-about-swedencare>


Capítulo V

Desafios contemporâneos

A s questões apresentadas neste capítulo representam a luta da


tradição liberal clássica em relação aos fenômenos econômicos
vividos atualmente. Isso não significa que a análise do capítulo
passado se refira tão somente a algo retrógrado já descartado pela humanidade.
Muito pelo contrário: a ideologia econômica por trás do socialismo se mantém
viva, e no mundo contemporâneo acabou evoluindo para se reinserir na socie-
dade atual através de um discurso de “igualdade material”, “distribuição de ren-
da”, “diversidade”, “justiça social”, etc.

Ainda que tenha sido o grande ator que “conduziu” a humanidade a um


novo patamar de desenvolvimento jurídico, o liberalismo se manteve vivo e evo-
luindo intelectualmente desde sua consolidação a partir do século XVIII, com
184 Geanluca Lorenzon

grandes pensadores que avançaram sobre pontos das teorias tradicionais, bus-
cando novas soluções para problemas contemporâneos, em cima da visão do que
devem ser os chamados direitos humanos. Vamos a análise.
Capítulo 5.1

Os direitos humanos no liberalismo


contemporâneo

Dentro da tradição metodológica da Escola Austríaca, que baseou e orien-


tou esta obra, existem duas grandes correntes desse escopo que merecem destaque,
sendo uma baseada na ideia de que existem direitos naturais que antecedem o ho-
mem (Rothbard), e outra na ideia de que eles são necessariamente parte da ordem
espontânea e a evolução moral da sociedade (Hayek).

Corrente jusnatural ou rothbardiana

A primeira perspectiva é alicerçada na ideia de direitos naturais (jusnatu-


ralismo), a filosofia de que os direitos humanos antecederiam a vida do homem
em sociedade. Na perspectiva desenvolvida pelo filósofo americano Murray Ro-
thbard, eles nascem do conceito natural de propriedade, ou mais especificamente,
autopropriedade.

A essência clássica dessa tradição está dada na ideia de que todos os direitos
são radicalmente negativos: nenhum indivíduo deve sofrer interferência na sua
liberdade de uso e disposição de sua propriedade, a qual começa com nosso corpo.
Eis o chamado princípio da não-agressão (PNA). Conforme explica o economista
186 Geanluca Lorenzon

americano Walter Block, “o axioma da não-agressão é a espinha dorsal da filosofia


[liberal contemporânea] (libertarianismo). Ele determina que todos podem fazer
aquilo que desejam, desde que não iniciem (ou ameacem iniciar) violência contra
outrem, ou sua propriedade legitimamente adquirida.”262 Nas palavras escritas em
1689, mas ainda surpreendentemente atuais:

“Todo homem tem a propriedade de si mesmo, e


a isso ninguém tem qualquer direito a não ser ele
próprio. O trabalho de seu corpo, e o resultado de
suas mãos, são propriamente dele. Tudo que ele
remove do estado de natureza e mistura com seu
trabalho, fazendo algo que refleti a si, transforma
em sua propriedade.”263

A filosofia de Rothbard se relaciona com a liberal clássica na medida em


que a autopropriedade formaria a base para todos os demais “direitos humanos”,
ainda que o filósofo não tenha elaborado de forma concreta a tríade tradicional,
conforme se descreverá abaixo.

A autopropriedade é a ideia de que o indivíduo é o único proprietário de


seu próprio corpo (propriedade endógena). Essa ideia segue a concepção elabora-
da pelo pai do liberalismo clássico, John Locke.264 Sendo assim, o indivíduo tem o
direito à sua vida e existência. Sendo proprietário de seu próprio corpo, ele detém

BLOCK, Walter. The Non-Aggression Axiom of Libertarianism. March, 2003. The


262 

Lew Rockwell Website. USA.


263 
LOCKE, 1689, op. cit.
Como referido em: BLOCK, Walter E. (2015), Expiration of private property rights:
264 

a note, The Journal of Philosophical Economics: Reflections on Economic and Social Is-
sues, VIII: 2, 43-65
Desafios Contemporâneos 187

o direito de usá-lo e possuí-lo conforme seu livre arbítrio julgamento e discerni-


mento, tendo então o direito à liberdade.

O direito à propriedade exógena (de coisas além de seu próprio corpo) sur-
ge do fato de que, já sendo ele o proprietário de seus meios corpóreos, tudo aquilo
sobre a qual ele aplica seu trabalho passa a ser igualmente dele, contanto que não
seja previamente propriedade de outrem (res nullius). Essa ideia vem do histórico
conceito de homesteading: algo passa a ser possuído após um ato original de apro-
priação em que trabalho tenha sido despendido.

Esse princípio foi primeiro visto na filosofia liberal clássica,265 que arguiu
que a mistura (mixing of labour) entre seu próprio corpo e trabalho, por este exe-
cutado resulta na propriedade adquirida de algo ainda sem dono. O renomado
professor de Harvard, Robert Nozick, chamou isso de Lockean proviso,266 reconhe-
cendo o caráter negativo e individual dos direitos.

Resumidamente, a tríade clássica estaria em Rothbard da seguinte forma:


vida (propriedade endógena), liberdade (uso e disposição da propriedade legiti-
mamente adquirida) e propriedade (exógena). Assim, pode parecer simplesmen-
te uma nova justificativa de teoria clássica conforme esposada por John Locke e
George Mason (o pai do Bill of Rights norte-americano). Entretanto, a diferen-
ça fundamental é que na filosofia de Rothbard os direitos não são aplicados na
perspectiva de indivíduos contra o Leviatã, mas sim somente nas relações entre
aqueles, uma vez que o próprio estado tem sua existência questionada, por um
problema de moralidade.267 Eis a justificativa ética do chamado anarcocapitalismo.

265 
LOCKE, op. cit.
266 
NOZICK, Robert. Anarchy, State and Utopia. 1971.
Deriva-se daí a perspectiva deontológica do anarcocapitalismo. Ver mais em RO-
267 

THBARD, Murray. Por uma Nova Liberdade. 1ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mi-
ses – Brasil.
188 Geanluca Lorenzon

A combinação dessa tríade, sob um escrutínio radical de propriedade, pode


levar à formação do que seriam hoje os direitos humanos individuais positivados,
na perspectiva de um jurista mainstream. O direito à liberdade de expressão seria o
resultado do uso da liberdade do indivíduo sobre determinados matérias aos quais
ele possui propriedade, com o objetivo de disseminar conhecimento e informação.
Nessa perspectiva, por exemplo, não existiria liberdade de expressão na proprieda-
de alheia. Ninguém poderia entrar na casa de um vizinho para fazer um discurso
político, e justificar sua ação como justa, pois possuiria simplesmente a garantia
de “liberdade de expressão.” O que importaria não seria o exercício do discurso,
mas a propriedade do papel e da tinta com que o indivíduo divulgasse suas ideias.
O exercício da liberdade é a disposição de sua propriedade, desde que não viole as
dos demais.

Através desse raciocínio de valorização da propriedade como base funda-


mental de todas as garantias, os demais direitos clássicos (proibição à escravidão,
liberdade religiosa, vedação à tortura, livre associação, etc.) seriam o resultado da
dedução dessa perspectiva através do uso e disposição de uma propriedade para
fins objetivados pelo indivíduo.

Nessa perspectiva, os direitos humanos acabam sendo adimplidos quando


os demais indivíduos de uma sociedade se abstêm de qualquer conduta que seria
considerada uma agressão não justificada.268 Como na versão clássica, não existem
quaisquer direitos positivos (prestações, como os direitos sociais) nessa filosofia.

Vale mencionar que essa filosofia é muito próxima da perspectiva apresen-


tada pela filósofa russa Ayn Rand, que também acreditava em uma visão radical
de liberdade individual, sob a qual os direitos a vida, liberdade e propriedade eram
frutos da razão humana e antecediam o estado.269 Ainda que ambos concordassem

268 
A única justificada seria a de autodefesa (self-defense).
269 
RAND, Ayn. The Objectivist Ethics.
Desafios Contemporâneos 189

na ideia de algo próximo ao princípio de não-agressão, Rothbard expandiu a ideia


de liberdade ao ponto em que a própria existência do estado seria imoral, na medi-
da em que taxação seria uma forma de agressão não-justificada, ou roubo (taxation
is theft), já que os indivíduos não teriam concordado com a existência de um con-
trato social, tendo sido a eles impostos a existência do estado.

Ayn Rand acreditava, de outro lado, que a existência do estado era neces-
sária. Segundo ela, o estado seria uma maneira objetiva de organizar a força física
retaliatória resultante de uma agressão injusta,270 ou seja, fornecer um sistema ju-
diciário que coordene as punições e penas resultantes de uma conduta criminal.

Corrente evolutiva ou hayekiana

A segunda grande corrente dentro da Escola Austríaca, pela qual podemos


vislumbrar a forma com que direitos humanos seriam percebidos na filosofia con-
temporânea liberal, emerge de Friedrich A. Hayek.

Para se compreender a visão de Hayek nesse assunto, faz-se necessário es-


tabelecer uma lógica contrária ao visto anteriormente. Ao invés de se analisar tão
somente qual seria o melhor arranjo moral conhecido para o indivíduo, e como ele
irá se projetar então em um contexto de sociedade, devemos em realidade primeiro
compreender esse aspecto como parte de um todo: um sistema de ordem liberal,
uma vez que os direitos humanos atualmente positivados teriam conexão total com
o rule of law, sendo um corpo deste.

Para iniciarmos o entendimento de qual seria o melhor cenário social,


tendo em mente um processo descritivo como oposição a um normativo, Hayek

The Nature of Government. Ayn Rand. Foundation for Economic Edutation. March
270 

01, 1964.
190 Geanluca Lorenzon

defende que o ordenamento jurídico surge da ordem espontânea, através de in-


terações entre indivíduos únicos e complexos em si, assim como todos os demais
fenômenos e instituições sociais.271

Nesse contexto, seria papel do ordenamento jurídico salvaguardar a liber-


dade individualmente, que seria apenas um meio, e jamais um fim, pois este é o
propósito de cada indivíduo de modo independente.

Ao assim fazer, de acordo com o autor a sociedade acaba por resultar em


um sistema chamado de “ordem social liberal” (the liberal social order),272 onde
os direitos do indivíduo estariam preservados. Como ensinou com brilhantismo
a jurista brasileira Renata Ramos, “em Hayek, não há como se instruir ‘de cima
para baixo’ uma ordem liberal. Ela é um processo que ocorre ‘de baixo para cima’,
sendo por tanto mais benéfica que um ordenamento deliberado.”

Conforme analisou Eugene Heath, ao interpretar a teoria do autor,273 a or-


dem liberal deveria ser o regime vigente na humanidade por uma das seguintes três
seguintes razões:

(a) A ordem liberal espontânea promove um


processo de coordenação do conhecimento
disperso (teoria apresentada no capítulo III
desta obra), e somente um rule of law que re-
conheça isso pode dar as condições necessá-
rias para isso;

271 
Conforme visto em: The Use of Knowledge in Society.
HAYEK, F. A. The Principles of a Liberal Social Order. Il Politico, Vol. 31, No. 4 (DI-
272 

CEMBRE 1966), pp. 601-618


HEATH, Eugente. Spontaneous Social Order and Liberalism. NYU Journal of Law
273 

and Liberty.
Desafios Contemporâneos 191

(b) Os avanços benéficos da humanidade na his-


tória nos legam um ordenamento liberal como
a melhor forma de organização jurídica, o que
disponibiliza as condições para a emergência
de uma complexa ordem espontânea, dado
que nós não podemos reunir conhecimento de
forma suficiente a reestruturar as instituições
sociais e políticas da civilização humana;

(c) A ordem social liberal é a única forma de as-


segurar a disponibilidade de alguns bens e
valores que todos nós compartilhamos como
necessários.

A hipótese (c) parece ser a mais valorizada atualmente, na medida que seria
a única que estabelece uma relação entre a ordem liberal e uma razão moral.274
Roland Kley arguiu que Hayek busca demonstrar que a ordem liberal é o melhor
meio de atingirmos os bens que todos desejamos de forma comum.275

Como mencionou Hayek de forma explícita, essa é a ideia por trás da justi-
ficativa de que uma ordem espontânea liberal, ao permitir que os indivíduos usem
seus conhecimentos para seus próprios propósitos, ao invés de estarem sujeitos a
um arranjo à base de comandos (socialismo), possibilitando que a humanidade
atinja uma estrutura muito mais complexa, e por consequência mais benéfica, do
que por um ordenamento deliberado.276

274 
Ibid., p. 67
275 
KLEY, Roland. Hayek’s Social And Political Thought 194–211 (1994).
276 
HAYEK, 1966, op. cit., p. 603
192 Geanluca Lorenzon

Estabelecido o melhor arranjo social, a ordem liberal, passa-se a analisar


qual seria a base de direitos individuais presentes na concretização dela.

Para isso temos que recorrer à análise da própria natureza humana, na


medida em que a percepção dos fatos é seletiva e guiada subjetivamente.277 A
ação humana é necessariamente determinada a um objetivo específico,278 sem-
pre estando sujeita às limitações do conhecimento humano. Igualmente, dada a
incerteza dos fatos no mundo real, ela não será baseada em algo conhecido, mas
sim em expectativas, palpites e suposições.279

Logo, a capacidade de uso de seus recursos materiais (propriedade) e


imateriais (talentos e habilidades) estará sujeito às suas próprias limitações. O
fato de que indivíduos possuem diferentes objetivos, recursos e informações
(conhecimento), acaba por conduzir ao fato de que eles reconhecem, avaliam
e implementam diferentes cursos da ação humana de formas díspares dos de-
mais.280 Em outras palavras, todos somos únicos e buscamos coisas distintas.

Hayek não fornece uma razão normativa para explicar o porquê a indivi-
dualidade da ação humana deve conduzir ao direito à liberdade.281 Ele manifesta

HAYEK, Friedrich A. The Sensory Order: On the Foundations of Theoretical Psycho-


277 

logy. London: Routledge. 1952


278 
Em consonancia com o axioma fundamental da Ação Humana.
279 
HAYEK, Friedrich A. The Use of Knowledge in Society. 1952
DAUMANN, Frank. Evolution and the Rule of Law: Hayek’s concept of liberal order
280 

reconsidered. Journal of Libertarian Studies. Vol. 21, no. 04. (winter 2007). Pp. 123-150
281 
Ibid.
Desafios Contemporâneos 193

que esse direito é necessário para que o conhecimento individual descentralizado


seja possível de melhor utilização.282

O autor também afirma que a liberdade individual é um pré-requisito ne-


cessário para que os indivíduos alcancem seus objetivos.283 Nas palavras dele, o
indivíduo para usar seus meios e conhecimentos não pode estar sujeito a regras que de-
terminem a ele o que fazer.284

Entretanto, na visão de Hayek, a liberdade não pode ser absoluta, pois isso
restringiria o mesmo direito dos demais.285

Essa liberdade individual seria manifestada através da esfera privada de


cada indivíduo, ou seja, da capacidade dele de agir livremente de acordo com suas
decisões e planos, desimpedido da intenção dos demais, e limitado tão somente aos
seus próprios recursos (direito à propriedade).286

Estabelecidos então os direitos à liberdade e à propriedade na filosofia ha-


yekiana. A partir disso o ordenamento jurídico deliberado poderia ser traçado,

Essa foi a conclusão que Zeitler chegou acerca da justificativa moral da Liberdade in-
282 

dividual de Hayek. Ver mais em: ZEITLER, Christoph. Spontane Ordnung, Freiheit und
Recht: Zur politischen Philosophie von Friedrich August von Hayek. Frankfurt am Main,
New York: Peter Lang. 1995.
283 
HAYEK, 1966, op. cit. p. 607
Ibid. No original: “Free man who are to be allowed to use their own means and their own
284 

knowledge for their own purposes must therefore not be subject to rules which tell them what they
must positively do (…).”
285 
HAYEK, F. A. Liberalism. 1978.
286 
HAYEK, op. cit, 1960
194 Geanluca Lorenzon

contanto que as leis também obedeçam alguns parâmetros,287 devendo ser univer-
sais, abstratas, abertas e certas.288

Outro ponto que merece destaque, na filosofia de Hayek, é que o conceito


de direito é um resultado evolutivo da ordem espontânea. Essa análise é impor-
tante, pois, sendo os direitos humanos uma parte do ordenamento jurídico, eles
acabam sendo influenciados como um todo.

Para Hayek, a ordem sociocultural, independente de ser certa ou eficiente,


é fruto de uma evolução baseada em três camadas:

(i) regras de conduta derivadas da natureza,


herdadas biologicamente, pois durante a
seleção natural os seres humanos adquiri-
ram instintos no processo de evolutivo, os
quais são comuns a todos eles;

(ii) 
regras de conduta derivadas da razão,
motivadas pela existência de normas ra-
cionalmente desenhadas pela inteligên-
cia humana com propósitos específicos
pré-estabelecidos;

(iii) regras de conduta derivadas da evolução


sociocultural, como resultado de um pro-
cesso de evolução constante e histórico

HAYEK, Friedrich A. The Constitution of Liberty. Chicago: University of Chicago


287 

Press. 1960
A teoria de Hayek sobre lei e legislação é tão rica e complexa que seria impossível trans-
288 

miti-la nesta obra de forma satisfatória. Recomenda-se, além das obras já mencionadas, a
leitura de HAYEK, F. A. Lei, legislação e Liberdade.
Desafios Contemporâneos 195

da ordem espontânea, sendo complexas


demais para o entendimento da cognição,
transmitidas culturalmente entre gerações.

Uma vez que a (i) evolução biológica é muito mais lenta que a cultural, os
instintos tendem a ser uniformes por toda a humanidade, e são compartilhados por
todos os indivíduos.289 Logo elas podem ser negligenciadas nesse processo.

Considerando que (ii) as regras derivadas da razão sempre são resultado de


um processo de decisão de valores já estabelecidos, elas não podem ser auferidas
para caracterizar o que seria a ordem liberal como um todo, para processos dinâ-
micos, novos e evolutivos. Consequentemente, elas estariam amplamente prejudi-
cadas pelo problema de dispersão do conhecimento.

Logo, os valores normativos devem advir necessariamente de um foco na


(iii) evolução sociocultural humana de forma dispersa, como na common law, em
que o direito vai “sendo feito”, ou sendo descoberto, através da construção evoluti-
va e gradual em cima de conflitos que precedem sua resolução.290

Dada a complexidade da sociedade humana, o progresso do ordenamento


jurídico a partir da evolução cultural ocorre através de um processo de tentativa
e erros. Dessa forma, o conhecimento vai sendo adquirido, e a ordem espontânea
vai descobrindo a moral. Como consequência, as regras que derivam da evolução
socioeconômica carregam consigo um contínuo acúmulo de conhecimento, sendo
superiores àquelas desenhadas com objetivos específicos.

Em resumo, Hayek acredita que os direitos humanos derivam da liber-


dade individual, pois o ordenamento jurídico que os protegerá só surge na

289 
DAUMANN, op. cit., p. 134
No sentido de que não se tenta aplicar uma norma (lei) já existente à um fato, mas sim
290 

construir e descobrir o direito aplicável após o acontecimento dele.


196 Geanluca Lorenzon

existência de uma instância que o reconhece como tal. Como elucida Renata
Ramos, “por [essa razão] que Hayek não fala em direitos para embasar direitos,
mas sim em liberdade”, divergindo de como os demais austríacos, em especial
Rothbard, contemplam esse tema.

Ambas as visões aqui apresentadas da filosofia liberal contemporânea pela


Escola Austríaca reforçam os valores fundamentais da visão clássica, que acabou
por formatar os instrumentos mencionados no Capítulo II. De qualquer forma,
compreendê-las passa a ser fundamental para distinguir os fenômenos políticos
atuais frente a conflitos de interesses dispersos.
Capítulo 5.2

Uma hipótese sobre a inefetividade


dos direitos humanos atualmente

Não há dúvida de que persiste uma forte ineficácia dos direitos humanos
no plano material. Contudo, isso é algo natural e compreensível, uma vez que todo
conflito que viole à liberdade alheia irá revelar a imperfeição do mundo real, e logo
uma certa “ineficiência” dessa moral normativa. Somente em um paraíso utópico
seria possível que o ordenamento dos direitos humanos, na forma da concepção
liberal clássica ou contemporânea, se mantivesse sempre vigente em absoluta e
constante eficácia entre todos. Seres humanos erram constantemente, pois são se-
res imperfeitos e complexos em circunstâncias extremas.

Logo, quando este capítulo se propõe a analisar a inefetividade do que seriam


os direitos humanos, não estamos falando sobre a existência de violações em casos ha-
bituais, mas sim de quando se pode (i) identificar um acúmulo massivo de desvios em
casos históricos de transgressões291 ou ainda (ii) a falta, ou resolução errônea, de um
conflito social que pode ser classificado como pertencente à temática humanitária.

Três concepções liberais de direitos humanos foram apresentadas nesta


obra. A primeira advém do (a) liberalismo clássico, sendo lockeana, e as demais do

291 
Sempre cometidas pelo estado contra a população.
198 Geanluca Lorenzon

contemporâneo, incluindo aqui a (b) rothbardiana e a (c) hayekiana. Independente


da base ética que dá razão a essas hipóteses, todas elas encaminham-se para o que
se chama aqui de tríade clássica: vida, liberdade e propriedade.

Foi ao abrir e explorar essa formatação básica, que a humanidade, através


de suas instituições, muitas vezes na sede de construir um mundo melhor através
de um racionalismo construtivista,292 elaborou instrumentos como a Declaração
Universal de Direitos Humanos e o ICCPR.

A comunidade internacional, personificada através de órgãos como as Nações


Unidas (ONU), no ímpeto de expandir a efetividade dos direitos humanos, acabou
por focar neles como sendo formatações básicas, desconexas da análise da filosofia
fundamental que as descreveu na modernidade, talvez – inclusive – pelos problemas
políticos que adviriam ao se reconhecer a superioridade humanitária do liberalismo.

Como consequência, reconhece-se a ocorrência de grandes problemas, re-


lacionados no segundo parágrafo deste subcapítulo. A partir deles, apresenta-se as
seguintes questões controversas, que são especificamente:

(1) se os problemas referidos no segundo pará-


grafo deste capítulo são frutos da descone-
xão entre implementação de direitos huma-
nos nos ordenamentos jurídicos e a filosofia
liberal clássica; e/ou ainda

(2) se são consequência de um enfoque equi-


vocado dentro da tríade “vida, liberdade e
propriedade”.

Infligindo assim nos problemas da segunda camada da evolução social da ordem jurídica
292 

de Hayek, apresentada nesta obra no capítulo 5.1.


Desafios Contemporâneos 199

A hipótese deste autor arguirá positivamente, no sentido de que o acúmulo


massivo de transgressões humanitárias, e a falta de resolução satisfatória de um
conflito social, são consequências de um problema da desconexão entre direitos
humanos e sua filosofia, bem como do consequente equívoco do enfoque correto
sobre a tríade. Essas hipóteses apontarão para o fato de que as mazelas mencio-
nadas são resultado direito de uma falta de respeito e/ou enfoque ao direito de
propriedade privada, tanto endógeno como exógeno.

Para se defender a hipótese, primeiramente iremos estabelecer uma lógica


apriorística acerca de porque direitos humanos devem ser, em verdade, o respeito
à propriedade privada; para então visualizar este entendimento em evidências em-
píricas, como um instrumento de mera demonstração da teoria dedutiva.

A grande base dos direitos civis e políticos, tidos com parte dos direitos hu-
manos, pode ser interpretado dentro da concepção proprietarista da filosofia libe-
ral contemporânea. A listagem mais consolidada dele está personificada no Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ICCPR). Vale analisar suas principais
garantias sob a filosofia (e hipótese) aqui defendida.

O primeiro deles é o direito à vida, que nada mais é do que a proteção a


propriedade do corpo. O limite dessa garantia demanda que ninguém deve ser
privado arbitrariamente da vida, quase remetendo – em teoria – ao princípio de
não-agressão (PNA), na medida em que uma derrogação seria somente justificada
em casos de autodefesa (reação a uma agressão injusta). A próxima previsão de
destaque concerne uma vedação à tortura e tratamentos cruéis, que nada mais seria
do que uma expansão da proteção à propriedade endógena.

Outra clássica definição desse rol está personificada na proibição à escravi-


dão, à servidão e ao trabalho forçado, que nada é do que – novamente – a garantia
de que cabe somente ao indivíduo auferir como usar sua autopropriedade (corpo).
200 Geanluca Lorenzon

Um grande leque de “liberdades civis” que merecem destaque nessa lis-


tagem se referem, sumariamente, a liberdade de expressão, reunião, associação,
pensamento, consciência e religião, nos termos do próprio Pacto. Igualmente, é
interessante notar como violações a elas não são – ao fim e ao cabo – nada mais do
que meras transgressões ao direito de propriedade.

Toda perseguição estatal (censura), que justificou o direito à liberdade de


expressão, envolvia uma intrusão injusta de pessoas à propriedade alheia, pelo fato
desta transmitir alguma informação ou conhecimento indesejável pelo agressor.
Muito mais justo, efetivo e simples, teria sido garantir que em sua propriedade
o indivíduo deve ser livre para agir (dispor de seu corpo), o que significa uma
proteção a propagar qualquer expressão, opinião, pensamento, religião e filosofia
que julgar melhor. É simplista dizer que a censura é uma “restrição à liberdade”,
quando em verdade ela é uma agressão à propriedade.

A importância fundamental de se esclarecer como as coisas são com


exatidão remete a clareza e certeza necessárias para o bom funcionamento de
um ambiente jurídico. Ao tentar mascarar ou relegar o direito à propriedade
como não importante ou secundário, o que ocorre é uma confusão jurídica e
social, que resultará na criação conceitos e regras equivocadas que não ofere-
cem respostas adequadas para os conflitos que surgirão. Consequentemente,
isso sempre acaba enveredando para discursos opressores advindos de ambos
os campos do espectro político.

Especificamente, na questão de censura, pode-se pensar como era o objeti-


vo da extrema-esquerda brasileira de, durante a ditadura civil-militar da segunda
metade do século passado, garantir a difusão de suas ideias. A questão não era
simplesmente um ataque à liberdade de expressão, mas sim um verdadeiro tolhi-
mento do direito à propriedade, na medida em que o estado determinava como ela
deveria ou não ser usada.
Desafios Contemporâneos 201

Para clarificar a ideia aqui apresentada, vale a pena recorrer a um exemplo que
demonstre como uma interpretação não-proprietarista dos direitos humanos gera uma
contradição lógica. Imaginemos um cenário (muito) hipotético em que o estado em-
preende uma guerra a determinadas ideias, proibindo na lei a expressão de determina-
das ideologias que julga serem indesejáveis para sua manutenção de poder. Ao mesmo
tempo, nessa hipótese, ele também está vinculado a um respeito máximo ao direito
de propriedade, não podendo iniciar ou ameaçar agressão contra ela, na concepção
liberal apresentada aqui. Supõe-se que nesse ambiente fictício, um determinado grupo
opositor inicia a circulação de um folhetim semanal que contém ideias consideradas
“perigosas” pelo regime vigente. Ainda que a liberdade de expressão estivesse sob ata-
que, o que poderia ser feito contra essa disseminação caso fosse respeitado o direito
fundamental de liberdade? Absolutamente nada. O papel e a tinta do folhetim são pro-
priedade que não pode ser violada. O local, onde eles são elaborados, também o é. As
pessoas que o distribuem possuem um inegável direito a controlarem sua propriedade
endógena (corpos) da forma que julgarem melhor. O ataque desse governo tirânico
seria absolutamente ineficaz.

É ao tentar distorcer a base do direito à liberdade de expressão e afastá-lo


da concepção proprietarista, que os problemas se iniciam.

Na medida em que a liberdade de expressão é vista como algo desconexo da


propriedade, uma série de conflitos que acabarão por o destruir surgem. Ao invés de,
por exemplo, se considerar que no papel de cada um (propriedade) cabe tão somente ao
indivíduo que o possui determinar o que deve ser escrito, surgem limitações resultantes
de aparentes conflitos. Um clássico exemplo ocorre quando se é arguido que a liberda-
de de expressão deve ser restringida para que não conflite com a liberdade religiosa e de
consciência. Proíbe-se determinadas obras pois elas ofenderiam a religião de outrem.

Pode até parecer razoável e sutilmente tolerável tal cenário, mas o que faz o
regime tirânico quando pensa que vale a pena confiscar o folhetim de oposição pois
ele está conflitando com um princípio maior que a liberdade de expressão? Na mente
202 Geanluca Lorenzon

desse governante, a limitação seria válida pois ela estaria conflitando com a liberdade
de religião, uma vez que as ideias que estão sendo propagadas nesse folhetim acabam
por atacar um padrão social vigente que teria sido “elegido” pela sociedade.

O segredo para se resolver esses conflitos, e então evitar abusos e governos


tirânicos, está sempre na preservação do direito à propriedade, como base funda-
mental dos direitos humanos.

Pode-se inclusive analisar dois temas fundamentais atualmente no ocidente


sob essa perspectiva: o casamento gay; e o bolo para a cerimônia dessa celebração.
Vamos a eles.

No caso Obergefell v. Hodges293 a Suprema Corte norte-americana reco-


nheceu a existência de um direito que permitisse que homossexuais se casem nos
mesmos termos jurídicos que os demais cidadãos. A questão foi resolvida recor-
rendo-se a um verdadeiro malabarismo jurídico, sob forte oposição e controvérsia,
na tentativa de se encontrar, na interpretação da 14a Emenda Constitucional (que
expressamente garante vida, liberdade e propriedade aos cidadãos norte-america-
nos), uma obrigação de emissão de certidão de casamento a casais homossexuais
que assim o desejarem. O liberalismo contemporâneo jamais teria gerado a con-
fusão política e jurídica que tal decisão ocasionou. A resolução teria sido muito
simples: casamento é um contrato de compartilhamento de propriedade e estabe-
lecimento de obrigação entre dois indivíduos. Assim sendo, tendo eles o direito à
propriedade (exógena e endógena), não cabe a ninguém restringir o que eles deve-
riam fazer com ela, desde que isso não agredisse a propriedade de outrem. A maior
discussão que haveria seria em torno da utilização da expressão “casamento”, caso

293 
Obergefell v. Hodges, No. 14-556, slip op. at 23 (U.S. June 26, 2015).
Desafios Contemporâneos 203

hipoteticamente se reconhecesse que cabem (controversos) direitos de “proprie-


dade” intelectual sobre a expressão.294

Outro caso polêmico que envolve o assunto é o Craig v. Masterpiece


Cakeshop,295 em que uma padaria do Colorado foi forçada a fazer um bolo para
uma celebração de casamento gay, contrariando a orientação de conduta da reli-
gião dos donos do empreendimento. Para a filosofia liberal contemporânea, o caso
seria igualmente de fácil resolução. Sendo a padaria propriedade privada, caberia
tão somente a seus donos definir o que lá será produzido e quem será atendido.
Da mesma forma, caberia tão somente ao casal Craig definir quem lhes servirá no
casamento, as pessoas com quem se relacionam, ou não, e em qual grau.

Além da hipótese aqui defendida ajudar a melhor dirimir questões ju-


rídicas, ela também possui uma vantagem indiscutível: toda vez que casos,
como os aqui mencionados, surgem, eles acabam por gerar conflitos sociais
que causam danos, dor e ódio entre indivíduos. Um espectador pode achar que
é bom que valores “progressistas” sejam forçados na sociedade dessa forma,
mas esquece que haverão reações. Como Hayek ensinou, a sociedade evolui
pela ordem espontânea, e não pelo desenho ou desejo planejado de alguém.

Se a argumentação apriorística apresentada não serviu como convencimen-


to para a hipótese defendida, uma mera análise de como as sociedades se com-
portam sob diferentes níveis de proteção a direitos de propriedade acabará por
confirmar, de maneira macro comportamental, o que foi aqui exposto.

Existem dois medidores tradicionais de proteção à propriedade privada


(no sentido exógeno aqui apresentado), formulados pelos prestigiados institutos

Sobre a origem e moraldiade de Direitos de Propriedade Intelectual, ver KINSELLA,


294 

Contra a Propriedade Intelectual. 1ed. Sao Paulo: Institutlo Ludwig von Mises Brasil.
2013.
295 
Craig v. Masterpiece Cakeshop, Inc, 2015 COA 115
204 Geanluca Lorenzon

Heritage Foundation (EUA) e Fraser Institute (Canadá). Para estipular os parâ-


metros valorativos, leva-se em consideração a proteção de títulos, contratos, bens
imobiliários, capital, entre outros.296

Usando dados de 2014 (ano mais recente disponibilizado em comum entre


todas as publicações apresentadas), e combinando os dados de ambos os institutos
mencionados em relação ao fator considerado, é possível se estabelecer uma nota de
0 a 1000, em relação a 153 países, e como eles protegem propriedade privada exógena.

Comparando-se isso com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),


elaborado pela UN Development Programme (UNDP), esta pesquisa concluiu
a existência de uma fortíssima correlação de nada menos que 0,7509 entre os cri-
térios mencionados, em uma escala que vai de -1 a 1, sendo este absolutamente
correlato, e aquele absolutamente oposto.

Os resultados mencionados podem ser verificados em um gráfico abaixo,


com uma trajetória de correlação:

Fraser Institute. The Human Freedom Index. 2016. Disponível em < https://www.fraserins-
296 

titute.org/sites/default/files/human-freedom-index-2016.pdf>
Desafios Contemporâneos 205

Como a própria ONU admitiu em uma análise publicada em 2000, citando


Adam Smith, existe uma forte correlação entre IDH e direitos humanos, razão
pela qual se escolheu esse medidor para a análise acima apresentada.297 Os dados
que geraram a correlação e o gráfico acima estão em uma planilha, em apêndice a
esta obra.

Outros estudos já apresentaram forte correlação entre capitalismo


e renda per capita,298 democracia,299 saúde,300 educação,301 inovação e meio-
-ambiente,302 mobilidade social,303 tolerância social,304 e até felicidade;305 bem
como entre livre comércio e direitos humanos.306 Um estudo de Berggren e
Nilsson descobriu uma fortíssima correlação (e causalidade) entre capitalis-
mo e tolerância LGBT,307 o que deixa confuso, inclusive, o fato, alegado pela

United Nations. Human Development Report, 2000. Disponível em: <http://hdr.


297 

undp.org/sites/default/files/reports/261/hdr_2000_en.pdf>
298 
Terry Miller and Anthony B. Kim, 2017 Index of Economic Freedom (Washington: The
Heritage Foundation, 2017)
299 
Ibid., p. xi
300 
Ibid., p. 14
301 
Ibid., p. 14
302 
Ibid., p. 15
Florida, Richard (2002). Bohemia and Economic Geography, Journal of Economic
303 

Geography. 2:55–71.
Niclas Berggren and Therese Nilsson. Does Economic Freedom Foster Tolerance?
304 

KYKLOS, Vol. 66 – May 2013 – No. 2, 177–207


305 
Frey, Bruno S. and Alois Stutzer (2002). Happiness and Economics: How the Economy
and Institutions Affect Human Well-Being. Princeton, NJ: Princeton University Press.
Frank J. Garcia, Mark A.A. Warner & Steve Charnovitz, Jeffrey L. Dunoff, The Global
306 

Market as Friend or Foe of Human Rights, 25 Brook. J. Int’l L. (1999).


307 
BERGGREN and NILSSON, op. cit.
206 Geanluca Lorenzon

esquerda, desta demografia normalmente se associar a grupos politicamente


“anticapitalistas”.

Em suma, seja pelas razões que a filosofia na perspectiva liberal contem-


porânea nos fornece, ou pela visualização de dados consolidados em relação à hu-
manidade, a conexão entre direitos humanos e propriedade é clara, cristalina e
necessária. É o caminho para a resolução de conflitos que se relacionam com áreas
tão essenciais para nossa vida em sociedade moderna.

Ate o “pai do socialismo”, Karl Marx já havia compreendido explicitamen-


te no século XIX que direitos humanos nada mais são do que propriedade priva-
da.308 Espera-se que este capítulo tenha servido para elucidar o debate em um tema
tão fundamental como este.

308 
Conforme demonstrado no capítulo 2.2
Conclusão

A próxima tentativa
socialista não
vai dar certo

O socialismo necessariamente conduz a um regime de autodestrui-


ção humana, sendo este entendido como aquele que perpetua as
violações de direitos fundamentais, em um nível em que a pró-
pria existência humana encontra-se ameaçada. Isso se dá tanto pelos eminentes
problemas socioeconômicos, como pelo caráter opressor que o regime socialista
se obriga a utilizar a fim de tentar consertar a descoordenação social e econômica
causada pelo modelo adotado.
208 Geanluca Lorenzon

A existência de três fenômenos – notadamente socioeconômico, totalitário


e anti-humanitário – compõe uma trifásica destruição da sociedade. Felizmente,
muitos regimes durante a história abandonaram a experiência na primeira fase,
sendo minoria aqueles que avançaram para a segunda (totalitarismo) e terceira
fase (crise humanitária).

No estudo dos direitos humanos atualmente, talvez um dos maiores pro-


blemas que as faculdades de direito incorrem é a crença na determinação de certos
valores econômicos como se fossem a única escolha para a sociedade. Toda vez
que se normatiza a lei em cima de situações específicas, e não através de regras se-
melhantes a axiomas, acaba-se por engessar a sociedade, rapidamente interferindo
na coordenação social e gerando consequências devastadoras para todos, indepen-
dente do grau de socialismo aplicado.

O problema fundamental aqui analisado foi a ineficiente e artificial trans-


missão do conhecimento, tanto em razão da ausência de um mercado que possa ge-
rar esse aspecto, como em decorrência da impossibilidade cognitiva de se centra-
lizar o conhecimento necessário para se coordenar qualquer processo econômico.

A primeira fase das crises geradas pelo socialismo se mostrou perceptível


por uma lógica dedutivista (apriorista) simples, que acaba por criar uma descoor-
denação social que torna impossível recursos econômicos serem alocados de for-
ma a adimplir, de qualquer forma, os ditos direitos sociais.

Contudo, esse mesmo desajuste acaba por impossibilitar que a informação


do problema chegue aos dirigentes, levando-os a repetir e aprofundar erros, o que
fatalmente conduzirá a um crescente papel do estado sobre a vida das pessoas,
independente da intenção.

A intervenção pode começar tão somente no caráter econômico, mas


sempre acabará por consumir todos os aspectos da vida da sociedade, e do que a
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 209

compõe: o indivíduo, incluindo – em um primeiro momento – sua privacidade e


liberdades públicas, como o direito à expressão, à livre demonstração, e até a um
aviltamento do conceito de justiça e democracia.

Dado que as próprias necessidades socioeconômicas da população não con-


seguem ser satisfeitas, surge naturalmente um mercado que funciona como uma
economia paralela e obscura ao regime estatal. A população é forçada a entrar
nesse sistema ilegal por suas próprias necessidades e a força crescente do mesmo é
um risco a qual o regime socialista não pode ceder.

Assim sendo, o estado começa a aumentar seu aparato repressivo, momen-


to em que diversas violações aos direitos humanos individuais se asseveram. Mas
como a repressão ainda não é suficiente e também considerando que o regime não
consegue obter a informação necessária para entender o desajuste social, faz-se
necessário não só que a repressão seja usada, mas também a prevenção passa a
assumir um papel essencial.

Para que a mesma tenha eficiência, o estado vai buscar então aprofundar a
prevenção, e isso se dá através de uma intrusão desumana, destruindo os conceitos
de família e religião. O indivíduo acaba por ficar desamparado frente ao aparato
estatal, de forma que o próprio estado adquire características de uma religião.

Esse fenômeno acaba por levar à terceira fase, quando os conceitos de li-
berdade e vida começam a desaparecer completamente, em razão das necessidades
de condução da sociedade pelo regime socialista.

Nesse sentido, não só a vida humana acaba se vendo como uma grande
servidão da qual o estado precisa, mas também se monta uma rede de produção
econômica baseada no trabalho forçado como forma de tentar sustentar o regime.
A vida em si é depreciada de forma cabal nessa fase, quando se faz necessária
210 Geanluca Lorenzon

intensa produção. O terror é literalmente tratado como um incentivo e a dignidade


desaparece.

Vislumbrar essa inerência é de vital importância para o estudo dos direitos


humanos, pois as escolhas econômicas não são costumeiramente levadas em conta
para a averiguação das consequências negativas que um regime bem-intencionado
pode trazer.

Em suma, a escolha por um regime economicamente socialista irá necessa-


riamente conduzir a sociedade em questão a um processo de depreciação e extinção
dos direitos humanos, o que caracteriza um processo de autodestruição humana.

Ao final da obra, se o leitor se restar convencido das teses apresentadas,


ele pode indagar: qual a razão pela qual deveria eu me posicionar contra sistemas
centralizadores dado que eles estão fadados a sempre falhar?

Bem é verdade que o socialismo sempre falhará. Ele é profundamente er-


rado na teoria e trágico na prática. A questão é quantos milhões terão que sofrer
ainda para que os intelectuais notem o tamanho dessa arrogância fatal.
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 211

Dataset
(Referente ao gráfico da página 203)

País Heritage Fraser Composto IDH


Afghanistan N/A N/A N/A 0,465
Albania 30 4,80 390 0,733
Algeria 30 4,80 390 0,736
Angola 15 3,21 235,5 0,532
Argentina 15 4,12 281 0,836
Armenia 30 5,56 428 0,733
Australia 90 8,02 851 0,935
Austria 90 8,06 853 0,885
Azerbaijan 20 5,95 397,5 0,751
Bahamas 70 6,67 683,5 0,790
Bahrain 60 6,52 626 0,824
Bangladesh 20 3,03 251,5 0,570
Barbados 80 6,46 723 0,785
Belarus 20 N/A N/A 0,798
Belgium 80 7,81 790,5 0,890
Belize 30 4,15 357,5 0,715
Benin 30 4,87 393,5 0,480
Bhutan 60 6,58 629 0,605
212 Geanluca Lorenzon

Bolivia 10 4,34 267 0,662


Bosnia Herz 20 4,98 349 0,733
Botswana 70 6,10 655 0,698
Brazil 50 4,67 483,5 0,755
Brunei N/A 6,73 N/A 0,856
Bulgaria 30 5,05 402,5 0,782
Burkina Faso 30 3,84 342 0,402
Burundi 20 3,54 277 0,400
Cabo Verde N/A N/A N/A 0,646
Cambodia 30 4,19 359,5 0,555
Cameroon 30 4,17 358,5 0,512
Canada 90 8,05 852,5 0,913
CAR 10 1,98 149 0,350
Chad 20 3,19 259,5 0,392
Chile 90 6,94 797 0,832
China 20 5,83 391,5 0,728
Colombia 50 4,14 457 0,720
Comoros 30 N/A N/A 0,503
Congo 10 2,04 152 0,591
Congo (Dem Rep) 10 3,01 200,5 0,433
Costa Rica 50 6,27 563,5 0,766
Croatia 40 5,76 488 0,818
Cuba 10 N/A N/A 0,769
Cyprus 70 6,43 671,5 0,850
Czech Republic 70 6,39 669,5 0,870
Denmark 90 8,20 860 0,923
Djibouti 30 N/A N/A 0,470
Dominica 60 N/A N/A 0,724
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 213

Dominican Rep 30 4,35 367,5 0,715


Ecuador 20 4,22 311 0,732
Egypt 20 4,51 325,5 0,690
El Salvador 40 4,14 407 0,666
Equatorial Guinea 10 N/A N/A 0,587
Eritrea 10 N/A N/A 0,391
Estonia 90 7,30 815 0,861
Ethiopia 30 4,96 398 0,442
Fiji 25 6,25 437,5 0,727
Finland 90 8,88 894 0,883
France 80 7,16 758 0,888
Gabon 40 4,29 414,5 0,684
Gambia 30 5,41 420,5 0,441
Georgia 40 6,61 530,5 0,754
Germany 90 7,73 836,5 0,916
Ghana 50 5,30 515 0,579
Greece 40 5,91 495,5 0,865
Grenada N/A N/A N/A 0,750
Guatemala 25 4,43 346,5 0,627
Guinea 20 3,46 273 0,411
Guinea-Bissau 20 4,10 305 0,420
Guyana 30 4,52 376 0,636
Haiti 10 2,61 180,5 0,483
Honduras 30 4,24 362 0,606
Hong Kong 90 8,08 854 0,910
Hungary 60 6,10 605 0,828
Iceland 90 8,32 866 0,899
India 50 5,24 512 0,609
214 Geanluca Lorenzon

Indonesia 30 4,72 386 0,684


Iran 10 5,63 331,5 0,766
Iraq N/A N/A N/A 0,654
Ireland 90 8,04 852 0,916
Israel 75 5,93 671,5 0,894
Italy 50 5,72 536 0,873
Jamaica 40 5,03 451,5 0,719
Japan 80 7,82 791 0,891
Jordan 60 6,11 605,5 0,748
Kazakhstan 30 6,30 465 0,788
Kenya 30 4,95 397,5 0,548
Kiribati 30 N/A N/A 0,590
Kuwait 50 6,57 578,5 0,816
Kyrgyzstan 20 4,70 335 0,655
Lao 15 5,85 367,5 0,575
Latvia 50 6,61 580,5 0,819
Lebanon 20 4,39 319,5 0,769
Lesotho 40 5,81 490,5 0,497
Liberia 30 4,65 382,5 0,430
Libya 10 3,56 228 0,724
Liechtenstein N/A N/A N/A 0,908
Lithuania 60 6,44 622 0,839
Luxembourg 90 8,37 868,5 0,892
Madagascar 40 3,36 368 0,510
Malawi 45 4,87 468,5 0,445
Malaysia 55 7,00 625 0,779
Maldives 20 N/A N/A 0,706
Mali 20 4,43 321,5 0,419
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 215

Malta 75 7,04 727 0,839


Mauritania 25 4,09 329,5 0,506
Mauritius 65 6,49 649,5 0,777
Mexico 50 4,24 462 0,756
Micronesia 30 N/A N/A 0,640
Moldova 40 5,01 450,5 0,693
Mongolia 30 5,90 445 0,727
Montenegro 40 5,49 474,5 0,802
Morocco 40 6,14 507 0,628
Mozambique 30 4,07 353,5 0,416
Myanmar N/A 3,55 N/A 0,536
Namibia 30 6,26 463 0,628
Nepal 30 4,79 389,5 0,548
Netherlands 90 8,11 855,5 0,922
New Zealand 95 8,73 911,5 0,914
Nicaragua 15 4,53 301,5 0,631
Niger 30 4,11 355,5 0,348
Nigeria 30 3,73 336,5 0,514
Norway 90 8,69 884,5 0,944
Oman 50 7,16 608 0,793
Pakistan 30 3,96 348 0,538
Palau N/A N/A N/A 0,780
Palestine, State of N/A N/A N/A 0,678
Panama 30 5,47 423,5 0,780
Papua New Guinea 20 4,94 347 0,505
Paraguay 30 3,73 336,5 0,679
Peru 40 4,73 436,5 0,734
Philippines 30 4,83 391,5 0,668
216 Geanluca Lorenzon

Poland 60 6,43 621,5 0,843


Portugal 70 6,99 699,5 0,830
Qatar 70 7,94 747 0,850
Romania 40 5,97 498,5 0,793
Russia 25 5,38 394 0,798
Rwanda 30 7,19 509,5 0,483
Saint Lucia 70 N/A N/A 0,729
St Vincent 70 N/A N/A 0,720
Samoa 60 N/A N/A 0,702
Sao Tome 20 N/A N/A 0,555
Saudi Arabia 40 7,36 568 0,837
Senegal 40 4,97 448,5 0,466
Serbia 40 4,83 441,5 0,771
Seychelles 50 5,49 524,5 0,772
Sierra Leone 15 4,22 286 0,413
Singapore 90 8,31 865,5 0,912
Slovakia 50 5,56 528 0,844
Slovenia 60 6,27 613,5 0,880
Solomon Islands 30 N/A N/A 0,506
South Africa 50 5,79 539,5 0,666
Spain 70 6,54 677 0,876
Sri Lanka 40 5,13 456,5 0,757
Sudan N/A N/A N/A 0,479
Suriname 40 4,59 429,5 0,714
Swaziland 40 4,83 441,5 0,531
Sweden 90 8,05 852,5 0,907
Switzerland 90 8,45 872,5 0,930
Syria 10 6,04 352 0,594
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 217

Tajikistan 20 5,55 377,5 0,624


Tanzania 30 5,53 426,5 0,521
Thailand 45 4,99 474,5 0,726
Timor-Leste 20 3,55 277,5 0,595
Togo 30 2,98 299 0,484
Tonga 20 N/A N/A 0,717
Trinidad Tobago 50 4,54 477 0,772
Tunisia 40 5,75 487,5 0,721
Turkey 50 5,00 500 0,761
Turkmenistan 5 N/A N/A 0,688
Uganda 30 4,93 396,5 0,483
Ukraine 30 4,86 393 0,747
UAE 55 7,78 664 0,835
United Kingdom 90 7,83 841,5 0,907
United States 80 7,10 755 0,915
Uruguay 70 5,54 627 0,793
Uzbekistan 15 N/A N/A 0,675
Vanuatu 40 N/A N/A 0,594
Venezuela 5 2,00 125 0,762
Viet Nam 15 5,52 351 0,666
Yemen 30 3,96 348 0,498
Zambia 30 5,68 434 0,586
Zimbabwe 10 3,93 246,5 0,509
Korea, North 5 N/A N/A N/A
Korea, South 70 6,50 675 0,898
Overview

Heritage – Índice de Proteção à Propriedade Privada elaborado pela


Heritage Foundation (Washington, DC, EUA), em um parâmetro de 0 a 100, da-
dos de 2014;

Fraser – Índice de Proteção à Propriedade Privada e Sistema Legal ela-


borado pelo Fraser Institute (Canadá), em um parâmetro de 0 a 10, dados de 2014;

Composto – Média aritmética normalizada ao parâmetro de 0 a 1000 entre


os índices Heritage e Fraser;

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano auferido pelo United Nations


Development Programme, em um parâmetro de 0 a 1, dados de 2014.
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 219

Referências

ADOMANIS, Mark. Think Obamacare Is Socialized Medicine? 5 Things You


Should Know About Soviet Healthcare. 2013. Disponível em: <http://www.
forbes.com/sites/markadomanis/2013/09/25/think-obamacare-is-socialized-
-medicine-5-things-you-should-know-about-soviet-healthcare/> Acesso em:
2 nov. 2014.

ALVES, Lindgren. Commemorative Essay: On The 50th Anniversary


Of The Universal Declaration Of Human Rights: The United Nations,
Postmodernity, and Human Rights. University of San Francisco School of Law
Review. 32 U.S.F. L. Rev. 479, 1998.

Americans’ Views of Socialism, Capitalism Are Little Changed. Frank


Newport. Gallup International. May 6, 2016.

AMNISTIA INTERNACIONAL. The Amnesty International Handbook


129. Marie Staunton et al. eds., 1991.

ARON, Leon. Everything You Think You Know About the Collapse of
the Soviet Union Is Wrong: And why it matters today in a new age of revolu-
tion. Foreign Policy Magazine, 2011. Disponível em <http://www.foreignpolicy.
com/articles/2011/06/20/everything_you_think_you_know_about_the_col-
lapse_of_the_soviet_union_is_wrong> Acesso em: 2 de nov. 2014.
220 Geanluca Lorenzon

ARROW, Kenneth J., B. Douglas Bernheim, Martin S. Feldstein, Daniel L.


McFadden, James M. Poterba, and Robert M. Solow. 2011. “100 Years of the American
Economic Review: The Top 20 Articles.” American Economic Review, 101(1):

BARBIERI, Fabio. História do Debate do Cálculo Econômico Socialista.


São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013

BAWERK, Eugen Bohm von. A teoria da exploração do socialismo-comu-


nismo. 3ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises. Brasil.

BERNPAINTNER, Klause. The truth about SwedenCare. 10 de Julho


de 2013. Mises Institute, USA. Disponível em: <https://mises.org/library/
truth-about-swedencare>

BLOCK, Walter E. (2015), Expiration of private property rights: a note,


The Journal of Philosophical Economics: Reflections on Economic and Social
Issues, VIII: 2, 43-65

BLOCK, Walter. The Non-Aggression Axiom of Libertarianism. March,


2003. The Lew Rockwell Website. USA.

Bodansky, Daniel (1995) “Customary (And Not So Customary)


International Environmental Law,” Indiana Journal of Global Legal Studies: Vol.
3: Iss. 1, Article 7

BOETTKE, Peter J. Why Perestroika Failed. Routledge. 1993

BORDART, Bruno. Para que servem os direitos sociais? – ou: 100 anos de
Constituições que prometem mundos sem fundos. Fevereiro de 2017. Disponível
em: <http://mises.org.br/Article.aspx?id=2625>
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 221

BRADLEY, Robert (1996) Oil, Gas and Government: The U.S. Experience.
Lanham, MD: Rowman & Littlefield.

Cass R. Sunstein, “Against Positive Rights Feature,” 2 East European


Constitutional Review 35 (1993).

CATALAN, J. M. F. Unitended Consequences of Trade


Sanctions. Mises Institute. Disponível em < https://mises.org/library/
unintended-consequences-trade-sanctions>

CICERO, Marcus Tullius. The Republic and The Laws. Londres: OUP,
1998. (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).

CODE OF HAMMURABI. The Avalon Project. Disponível em: <http://


avalon.law.yale.edu/ancient/hamframe.asp> Acesso em: 14 set. 2014

Cohen, Noam (February 9, 2014). “Wikipedia vs. the Small Screen”. The
New York Times.

COURTOIS, Stephan. The Black Book of Communism: crimes, terror,


repression. Cambridge: Harvard University Press, 1999.

Craig v. Masterpiece Cakeshop, Inc, 2015 COA 115

DAUMANN, Frank. Evolution and the Rule of Law: Hayek’s concept of


liberal order reconsidered. Journal of Libertarian Studies. Vol. 21, no. 04. (winter
2007). Pp. 123-150

DE SOTO, Jesús Huerta. Socialismo, Cálculo Econômico e Função


Empresarial. Tradução de Bruno Garschagen. São Paulo: Instituto Ludwig von
Mises Brasil, 2013. p. 71
222 Geanluca Lorenzon

DE TOCQUEVILLE, Alexis. Democracy in America. Indianápolis:


Liberty Fund. Inc, 2009. Parte II, livro IV, cap. VI.

DECLARAÇÃO DE PRAGA SOBRE CONSCIÊNCIA EUROPEIA E


COMUNISMO. Adotada em 2008. Disponível em <http://www.praguedeclara-
tion.eu/> Acesso em: 20 out. 2014.

ELLSWORTH, Brian. Venezuela decrees new price controls to fight in-


flation. Reuters. Caracas, 2014. Disponível em <http://www.reuters.com/arti-
cle/2014/01/24/us-venezuela-economy-idUSBREA0N1GL20140124> Acesso
em: 21 out. 2014.

ENGLE, Eric. Universal Human Rights: A Generational History. 2006


Annual Survey of International & Comparative Law Golden Gate University
School of Law. San Francisco: 2006.

ENGLE, Eric. Universal Human Rights: A Generational History. 2006


Annual Survey of International & Comparative Law Golden Gate University
School of Law. San Francisco: 2006.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Central Intelligence Agency.


Soviet Food Shortages: Making the History of 1989, Item #182. Disponível em
<http://chnm.gmu.edu/1989/items/show/182> Acesso em: 2 nov. 2014.

FLORIDA, Richard (2002). Bohemia and Economic Geography, Journal


of Economic Geography. 2:55–71.

FONSECA, Joel Pinheiro da. Não basta privatizar – tem de desregula-


mentar e liberalizar. Instituto Ludwig von Mises Brasil. Acesso disponível em <
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1927>
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 223

Frank J. Garcia, Mark A.A. Warner & Steve Charnovitz, Jeffrey L. Dunoff,
The Global Market as Friend or Foe of Human Rights, 25 Brook. J. Int’l L. (1999).

Frey, Bruno S. and Alois Stutzer (2002). Happiness and Economics: How
the Economy and Institutions Affect Human Well-Being. Princeton, NJ: Princeton
University Press.

FRIEDMAN, David. The Machinery of Freedom.

Friedrich August von Hayek – Prize Lecture: The Pretence of Knowledge”.


Nobelprize.org. Nobel Media AB 2014. Web. 13 Mar 2017

GOODMAN, P. S. The New York Times. A Fresh Look at The Apostle of


Free Markets. 13 de abril de 2008.

GORDON, Joy. The Concept Of Human Rights: The History And


Meaning Of Its Politicization. Brooklyn Journal of International Law. 23 Brooklyn
J. Int’l L. 689. 1998, (tradução nossa).

GRAEFF, P. The impact of economic freedom on corruption: different pat-


terns for rich and poor countries. European Journal of Political Economy. Vol. 19,
2003. P. 605-620. Disponível em <https://campus.fsu.edu/bbcswebdav/orgs/
econ_office_org/Institutions_Reading_List/17._Corruption_and_Economic_
Performance/Graeff,_P._and_G._Mehlkop-_The_Impact_of_Economic_
Freedom_on_Corruption%3B_Different_Patterns_for_Rich_and_Poor_
Countries> Acesso em: 26 out. 2014.

GRANZIN, Kent L., Jeffrey D. Brazell and John J. Painter (1997). An


Examination of Influences Leading to Americans’ Endorsement of the Policy of
Free Trade, Journal of Public Policy & Marketing. 16: 93–109
224 Geanluca Lorenzon

GROSSMAN, Lev (December 13, 2006). “Time’s Person of the Year:


You”. Time. Time. Retrieved December 26, 2008.

HAMMARBERG, Thomas. Preface to Chapter 5: Non-Governmental


Organisations, in 3 James Avery Joyce, Human Rights: International Documents
1559-60, 1978.

HAYEK, F. A. Lei, legislação e Liberdade.

HAYEK, F. A. The Counter-Revolution of Science. USA, Free Press.


1952, pp. 120-121

HAYEK, F. A. The Principles of a Liberal Social Order. Il Politico, Vol. 31,


No. 4 (DICEMBRE 1966), pp. 601-618

HAYEK, Friedrich A. The Constitution of Liberty. Chicago: University of


Chicago Press. 1960

HAYEK, Friedrich A. The Sensory Order: On the Foundations of


Theoretical Psychology. London: Routledge. 1952

HAYEK, Friedrich. The Use of Knowledge in Society. The American


Economic Review. 1945

HEATH, Eugente. Spontaneous Social Order and Liberalism. NYU


Journal of Law and Liberty.

HERITAGE FOUNDATION. Index of Economic Freedom. Washington,


DC., 2013.

HILAIRES, Belloc. The Servile State. ISBN 1110777000. Editora Biblio


Bazaar, LLC, 2007. p. 11
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 225

HOPPE, Hans H. Democracia: O Deus que Falhou. 2013 1ed. São Paulo:
Instituto Ludwig von Mises Brasil.

HOPPE, Hans-Hermann. Uma teoria sobre o socialismo e o capitalismo.


São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. p. 92

HUMAN RIGHTS. In: MAX PLANCK ENCYCLOPEDIA OF


INTERNATIONAL LAW. Londres: Oxford University Press, 2014, tradução nossa)

IKEDA, Sanford. Dynamics of the Mixed Economy. Routledge, 1997. P. 33.

Media in Venezuela. British Broadcast Company News. Londres: 2012.


Disponível em: <http://www.bbc.com/news/world-latin-america-19368807>
Acesso em: 20 out. 2014.

JOHNS, Michael. Seventy Years of Evil: Soviet Crimes from Lenin to


Gorbachev. Policy Review Magazine. The Heritage Foundation, 1987.

JOHNS, Michael. Seventy Years of Evil: Soviet Crimes from Lenin to


Gorbachev. Policy Review Magazine. The Heritage Foundation, 1987.

KINSELLA, Contra a Propriedade Intelectual. 1ed. Sao Paulo: Institutlo


Ludwig von Mises Brasil. 2013.

KLEY, Roland. Hayek’s Social And Political Thought 194–211 (1994).

LABOUR PARTY, Labour Party Rule Book. Londres, 2013. Disponível


em <http://labourlist.org/wp-content/uploads/2013/04/Rule-Book-2013.pdf>
Acesso em: 21 out. 2014. (tradução nossa)

LARRIVEE, John. It’s not the markets, it’s the morals: How Excessively
Blaming the Markets Undermines Civil Society. In: WOOD Jr., Thomas E. Back
on the Road to Serfdom. ISI Books.
226 Geanluca Lorenzon

LEITE, D. L. Mentiram para você sobre o sistema de saúde dos Estados


Unidos. Instituto Mercado Popular. Setembro de 2015.

MANGU-WARD, Katherine (June 2007). “Wikipedia and beyond: Jimmy


Wales’ sprawling vision”. Reason. 39 (2). p. 21. October 31, 2008.

MARX, Karl. Forced Immigration. New York Daily Tribune. Março, 1853.
Disponível em <https://www.marxists.org/archive/marx/works/1853/03/04.
htm> Acesso: 2 nov. 2014. (Tradução nossa)

MARX, Karl. Sobre a Questão Judaica. São Paulo: Boitempo, 2010

MAYDA, Anna M. and Dani Rodrik (2005). Why Are Some People (and
Countries) More Protectionist than Others? European Economic Review. 49:
1393–1430

MCMAKEN, Ryan. If Sweden and Germany Became US States, They


Would be Among the Poorest States. Mises Institute. Outubro de 2015. Disponível
em <https://mises.org/blog/if-sweden-and-germany-became-us-states-they-
-would-be-among-poorest-states>

MENGER, Anton. Das Recht auf den vollen Arbeitsertrag in geschichtli-


cher Darstellung. Stuttgart und Berlin. 4 ed. Berlim: 1910.

MILL, John Stuart. The Principles of Political Economy. New York: D.


Appleton And Company, 1848.

Milton R Konvitz (ed), Judaism and Human Rights (2nd edn, Transaction
2001); Rabbis for Human Rights, ‘Home’ <http://rhr.org.il/eng/> accessed 14
February 2013.
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 227

MISES, Ludwig Von. Ação Humana. São Paulo: Instituto Ludwig von
Mises Brasil, 2010.

MISES, Ludwig von. As seis lições. Tradução de Maria Luiza Borges. 7ª ed.
São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2009.

MISES, Ludwig von. Human Action. 1949. Capítulo 25.

MISES, Ludwig von. Intervencionismo: uma análise econômica. São


Paulo: Instituto Ludwig von Mises – Brasil. 2010, p. 50

MISES, Ludwig Von. O Cálculo Econômico na Comunidade Socialista.


Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik. Vol. 47, Abril de 1920. pp. 86-121

MISES, Ludwig von. Socialism: An economic and sociological analyses.


Indianapolis: Liberty Press, 1981. p. 220

MURPHY, R. P. How the Market Might Have Handled Katrina. Mises


Institute. October, 2005.

Niclas Berggren and Therese Nilsson. Does Economic Freedom Foster


Tolerance? KYKLOS, Vol. 66 – May 2013 – No. 2, 177–207

North Sea Continental Shelf, Judgment, I.C.J. Reports 1969, pp. 3, 43, [74],

NOZICK, Robert. Anarchy, State and Utopia. 1971.

Obergefell v. Hodges, No. 14-556, slip op. at 23 (U.S. June 26, 2015).

OLMOS, Marli. Argentina aprova reforma da lei que limita preços e mar-
gens de lucro. Valor Econômico. São Paulo. Disponível em <http://www.valor.
com.br/internacional/3701816/argentina-aprova-reforma-da-lei-que-limita-
-precos-e-margens-de-lucro> Acesso em: 3 nov. 2014.
228 Geanluca Lorenzon

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comentário Geral ao


ICCPR: Número 06. CCPR/C/21/Rev.1/Add. 13. Disponível em < http://
ccprcentre.org/doc/ICCPR/General%20Comments/CCPR.C.21.Rev1.
Add13_%28GC31%29_En.pdf> Acesso em: 2 nov. 2014.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto International dos


Direitos Civis e Políticos. International Covenant on Civil and Political Rights.
Disponível em: <http://www.ohchr.org/en/professionalinterest/pages/ccpr.
aspx> Acesso em: 29 set. 2014

PLATO. The Laws (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).

POSNER, Richard. The Economics Of Justice. Boston: Harvard, 1981.

RAND, Ayn. The Objectivist Ethics.

REISMAN, George. Por que o nazismo era socialismo e por que o socia-
lismo é totalitário. Instituto Ludwig von Mises Brasil. São Paulo: 2014. Disponível
em <http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=98> Acesso em: 14 out. 2014

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DA ALEMANHA. Verfassung der


DDR. 1949, Artigo 24. Disponível em <http://www.ddr-im-www.de/Gesetze/
Verfassung.htm>. Acesso em: 21 out. 2014

REPÚBLICA FEDERAL DO BRASIL. Constituição Federal de 1988.


Artigo 6º. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constitui-
cao/ConstituicaoCompilado.htm > Acesso em: 23 de out. de 2014.

ROCKWELL, L. H. Katrina and Socialist Central Planning. Mises


Institute. October, 2005.
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 229

ROMERO, Simon. Venezuela plans to nationalize two industries – Americas


- International Herald Tribune. The New York Times. Caracas, 2007. Disponível em
<http://www.nytimes.com/2007/01/09/world/americas/09iht-venez.4147028.
html?pagewanted=all&_r=0> Acesso em: 20 out. 2014

ROQUE, Leandro. Surpresa! Desde o real, preços regulados pelo governo


subiram muito mais que os preços de mercado. Disponível em: <http://www.
mises.org.br/Article.aspx?id=2499>

ROTHBARD, Murray. Por uma Nova Liberdade. 1ed. São Paulo: Instituto
Ludwig von Mises – Brasil.

ROYAUME DE FRANCE. Déclaration des droits de l’homme et du ci-


toyen de 1789. Disponível em <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-
-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/
declaration-des-droits-de-l-homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html> Acesso
em 12 set. 2014.

SHAW, Malcolm. International Law. 6ª Ed. Londres: Cambridge University


Press, 2008.

SHELTON, Dinah. The Oxford Handbook of International Human


Rights Law. ISBN 9780199640133 Londres: OUP Oxford, 2013, (tradução nossa)

SLIWINSKI, Marek. Le génocide khmer rouge. Editions L’Harmattan


(January 1, 1995). P. 49-67

OXFORD DICTIONARY. Londres: Oxford University Press, 2014


Disponível em: <http://www.oxforddictionaries.com/us/definition/american_
english/socialism> Acesso em: 1 nov. 2014.

SOWELL, Thomas. Basic Economics. 4ª Ed. Nova Iorque: Basic Books, 2007.
230 Geanluca Lorenzon

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. 1ed. 2011. São Paulo: É


Realizações Editora.

STRANGE, Hannah. Nicolas Maduro steps up offensive against ‘bour-


geoisie’ with profit limits. The Telegraph. Londres, 2014. Disponível em <http://
www.telegraph.co.uk/news/worldnews/southamerica/venezuela/10468615/
Nicolas-Maduro-steps-up-offensive-against-bourgeoisie-with-profit-limits.
html> Acesso em: 20 out. 2014

STROGOVITCH, M.S. La protection des droits des citoyens en U.R.S.S.


In: Revue internationale de droit comparé. Vol. 16 N°2, Avril-juin 1964. pp. 297-
306. Disponível em <http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/arti-
cle/ridc_0035-3337_1964_num_16_2_13937> Acesso em: 17 de out. 2014.

STRUVE, Lynn. Huang Zongxi in Context: A Reappraisal of His Major


Writings. Journal of Asian Studies, 1998. (2013, apud SHELTON, op. cit., cap. II).

STRYDOM, The economics of information. In: BOETKKE, Peter. The


Elgar Companion to Austrian Economics. 1996

Terry Miller and Anthony B. Kim, 2017 Index of Economic Freedom


(Washington: The Heritage Foundation, 2017)

The Bulletin of International News, Royal Institute of International


Affairs, v. XVIII, n.º 5, p. 269 (apud HAYEK, op cit., 2010)

The Evolution of Human Rights’ United Nations Weekly Bulletin (12


August 1946)

The War Relocation Authority and The Incarceration of Japanese


Americans During World War II: 1948 Chronology, Web page at www.trumanli-
brary.org. Acessado em September 11, 2006.
Ciclos fatais: socialismo e direitos humanos 231

THOMSON, George. The Tindemans Report And The European Future.


Disponível em: <http://aei.pitt.edu/10796/1/10796.pdf> Acesso em: 25 out. 2014.

THORNTON, Mark. The Economics of Prohibition. Mises Institute,


EUA. P. 82

UNESCO, The Birthright of Man (UNESCO 1969) 303

UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS.


Constituição da União Soviética de 1924. Traduzida para o Inglês. Disponível em
<http://www.answers.com/topic/1924-constitution-of-the-ussr> Acesso em:
17 de out. 2014

UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS. Constituição


da União Soviética de 1936. Traduzida para o Inglês. Disponível em <http://www.
departments.bucknell.edu/russian/const/36cons04.html#chap10> Acesso em: 17
de out. de 2014

UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS.


Constituição Soviética de 1977. Tradução para o Inglês. Disponível em <http://
www.departments.bucknell.edu/russian/const/77cons02.html> Acesso em: 19
out. 2014.

UNIVERSITY OF CALIFORNIA SAN FRANCISCO. Health and


Health Care in Russia and the Former Soviet Union. Disponível em <http://
meded.ucsf.edu/gh/health-and-health-care-russia-and-former-soviet-union>
Acesso em: 2 nov. 2014.

Vladimir G. Treml and Michael V. Alexeev, “The Second Economy and the
Destabilization Effect of Its Growth on the State Economy in the Soviet Union:
1965-1989”. BERKELEY-DUKE OCCASIONAL PAPERS ON THE SECOND
ECONOMY IN THE USSR, Paper No. 36, December 1993
232 Geanluca Lorenzon

WEISS, Hilde (2003). A Cross-National Comparison of Nationalism


in Austria, the Czech and Slovac Republics, Hungary, and Poland, Political
Psychology. 24: 377–401.

ZEITLER, Christoph. Spontane Ordnung, Freiheit und Recht: Zur poli-


tischen Philosophie von Friedrich August von Hayek. Frankfurt am Main, New
York: Peter Lang. 1995.
Reconhecimentos

São reconhecidos, como fundamentais para a construção deste li-


vro, os que seguem:

Instituto Mises Brasil, pela oportunidade de pesquisa e conhecimento;


H. Beltrão, pelo pioneirismo no Brasil, demonstração e experiência, que fez
de tudo isso possível;
R. Dal Molin, pela cognição organizacional e profissional indispensável;
F. Sanfelice, A. Freo e G. Riesgo, pela amplitude da ação liberal que forma-
tou esta carreira;
R. Marinho, pela base teórica e encorajamento moral dentro da área jurídi-
ca da Escola Austríaca;
F. Barbieri, M. Abreu e R. Ramos, pelas valiosas e críticas lições que inte-
gram esta obra;
M. Lion e T. Batista, pelo suporte, assistência e comprometimento moral;
P. Lorenzon, N. Lorenzon e N. A. Lorenzon, pelo suporte afetuoso e pes-
soal indispensável;
J. Cristo, pela base moral da civilização ocidental que fez possível o desen-
volvimento dos direitos humanos;
Deus, pela sua ordem espontânea e tudo que dela advém.
Sobre o autor

Geanluca Lorenzon é consultor do mercado empresarial. Ex-Diretor Geral de


Operações do Instituto Mises Brasil, é advogado e graduado em Direito pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pós-graduado em Competitividade
Global por Georgetown University (Washington, DC), e especialista em
Organizações Políticas pela Theodor Heuss Akademie (Alemanha). Em 2014 ga-
nhou a premiação de melhor orador, melhores memoriais e título nacional nas ro-
dadas brasileiras da Philip C. Jessup International Law Moot Court Competition,
a maior e mais prestigiada competição de direito do mundo, com nota recorde
histórica até aquele momento. Atuou como consultor econômico para peça do edi-
torial board do The Wall Street Journal (WSJ), o maior e mais influente jornal dos
EUA, acerca da crise brasileira causada pela Nova Matriz Econômica, em dezem-
bro de 2015. É também Fundador e ex-Presidente do Clube Farroupilha e do Club
of Internacional Law of UFSM.

Você também pode gostar