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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS
COMISSÃO DE GRADUAÇÃO DO CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PRÁTICA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: TRABALHO DE CONCLUSÃO DE
CURSO

Que pena, essa turma é muito agitada: problematizando o fenômeno da


indisciplina e da agitação em sala de aula

Agatha Almeida Xavier

Porto Alegre
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS
COMISSÃO DE GRADUAÇÃO DO CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
PRÁTICA DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: TRABALHO DE CONCLUSÃO DE
CURSO

Que pena, essa turma é muito agitada: problematizando o fenômeno da


indisciplina e da agitação em sala de aula

Agatha Almeida Xavier

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à Comissão de
Graduação do Curso de Ciências
Biológicas – Licenciatura da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, como requisito parcial e obrigatório
para obtenção do grau de Licenciada
em Ciências Biológicas.

Orientador: Prof. Luciano Bedin da Costa

Porto Alegre
2013
Agradecimentos

Ao meu orientador, o prof. Dr. Luciano Bedin da Costa, pelo incentivo,


pelas ideias e por ter me proporcionado todo o embasamento teórico
necessário para a realização deste trabalho, além de ter aceitado tão
prontamente a tarefa de ser meu orientador;
À professora Russel Teresinha Dutra da Rosa pelo apoio e pelas
orientações durante os períodos de estágios;
Às escolas em que realizei os estágios curriculares, incluindo seus
membros componentes – professores e direção – pelo acolhimento oferecido e
pelas experiências compartilhadas;
À turma em que realizei as oficinas, pelas trocas de conhecimentos e
pelas ricas respostas que renderam ao meu estudo, além da atenção que me
proporcionaram;
Ao professor Roberto Garcia, que rapidamente se prontificou a ajudar,
fazendo com que a oficina pudesse se concretizar, e mais do que isso, desse
certo;
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e à COMGRAD-
BIO, especialmente ao Rodrigo Fritz e à Taíse Laux por todo apoio durante os
processos de matrícula e pela resolução de todos os problemas que surgiram
no percurso;
Ao João Paulo Brubacher, por todo apoio e compreensão durante todo o
período de elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso, e pelo carinho
presente em todos os momentos;
À minha família e amigos, que torceram para que este trabalho desse
certo e que me apoiaram em todas as etapas,

Obrigada!
Resumo

Este Trabalho de Conclusão de Curso tem o objetivo de problematizar a


agitação e a indisciplina, assuntos muito pertinentes nos processos
educacionais, muitas vezes vistos como sinônimos. Para isto, foi realizada uma
busca bibliográfica, abordando diferentes autores com diferentes visões sobre
a indisciplina, a fim de mostrar as constantes divergências encontradas sobre o
assunto, desde causas/origens até modos de se evitá-la. Depois, com o intuito
de também conhecer as opiniões do corpo escolar discente, foi realizada uma
oficina com alunos da sétima série (nono ano) do Ensino Fundamental,
oriundos de uma escola municipal da zona rururbana de Porto Alegre. Nesta
oficina, intitulada Agite antes de usar, trabalhou-se os conceitos de agitação,
indisciplina e rótulos, através de roda de discussões e de uma atividade lúdica.
Além disso, foram colocadas em questão a importância ou não dos rótulos
impostos em sala de aula, assim como propostas para mudá-los. A partir destas
visões, propõe-se uma nova possibilidade de entendimento da agitação, esta
benéfica à aprendizagem e relacionada à ação do sujeito em relação ao
conhecimento.

Palavras-chave: Agitação. Indisciplina. Rótulos.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Imagem retirada do filme Escritores da Liberdade .........................27


Figura 2 – Imagem mostrando alunos indisciplinados em sala de aula............28
Figura 3 – Imagem mostrando alunos prestando atenção ao professor durante
uma aula............................................................................................................28
Figura 4 – Imagem mostrando alunos durante o período de recreio................29
Figura 5 – Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno.................................34
Figura 6 – Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno ................................35
Figura 7 – Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno ................................36
Figura 8 – Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno.................................37
Figura 9 – Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno.................................38
Quadro 1 – Cenas de indisciplina encontradas em fragmento do filme
Escritores da Liberdade.....................................................................................27
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO..........................................................................................7
2. INDISCIPLINA.........................................................................................11
2.1 POSSÍVEIS CAUSAS.......................................................................13
2.2 EVITANDO A INDISCIPLINA.............................................................15
2.3 NEM AUTORITARISMO NEM ABANDONO......................................18
3. AGITAÇÃO.............................................................................................22
4. AGITE ANTES DE USAR.......................................................................25
4.2 OFICINA............................................................................................26
4.3 AGITANDO OS RÓTULOS...............................................................34
5. CONCLUSÃO.........................................................................................40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................42
1. INTRODUÇÃO

Durante meu período de estágio em Ciências Biológicas, observei


diversos professores dizendo que muitas vezes não conseguiam dar aula
devido à agitação de seus alunos; e ao saber a turma em que eu iria estagiar,
ouvi comentários do tipo “que pena, esta turma é muito agitada”, ou “não
consigo dar aula para essa turma, eles não param quietos um minuto”. Percebi
então que estes professores possuíam um pré-conceito negativo em relação à
agitação em sala de aula, achavam que era um comportamento ruim e que
deveria ser reparado ou mesmo suprimido. Isso me deixou bastante intrigada,
decidindo estudar o assunto mais a fundo.
Durante meu curso de graduação em Ciências Biológicas pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, realizei dois estágios de docência
na Educação Básica, constituintes das disciplinas EDU02X18 – Estágio de
Docência em Ciências e EDU02X17 – Estágio de Docência em Biologia, um no
Ensino Fundamental e outro no Ensino Médio, e em ambos tive essa mesma
impressão acerca dos professores e a mesma sensação de curiosidade sobre
o tema.
O estágio de Ensino Fundamental foi realizado na Escola Estadual de
Ensino Fundamental Paraíba CIEP, durante o ano de 2012, e foi composto de
20 horas de observações, seguidas de outras 20 horas de exercício da prática
docente. Eu havia sido aluna da escola durante a maior parte do Ensino
Fundamental, o que me abriu diversas portas e facilitou o contato com os
professores e a direção. A instituição era muito diferente de todas as outras
escolas públicas que conheci. Era, ao mesmo tempo, rígida e respeitosa,
tratando muito bem seus alunos, mas sem perder a autoridade que exercia
sobre os mesmos, além disso, possuía uma estrutura maravilhosa, com uma
ampla biblioteca, laboratório de ciências, salas e informática, quadras de
esportes, anfiteatro, etc. No entanto, mesmo contando com essa excelente
estrutura, laboratórios e aulas diversificadas, os professores seguidamente
reclamavam da agitação dos alunos.
7
O fato que mais chamou a minha atenção durante meu período de
estágio foi a maneira como os professores se referiam às turmas. Na sala dos
professores, durante o período de observação, eram comuns frases como “eu
não consigo dar aula porque os alunos são muito agitados” ou “fulano é um
péssimo aluno, ele não fica quieto em aula”. No conselho de classe, foram
frequentes comentários como “ele é um ótimo aluno, bem quieto, nem
incomoda”. Mas será que a diferença entre o bom e o mau aluno é apenas ser
quieto ou agitado? Será que ser agitado implica necessariamente em uma
coisa ruim?
Durante o conselho de classe, pude perceber que a maioria destes
alunos taxados como “quietos” vinham de lares cujo ambiente não era o mais
agradável ou recomendado. Um destes alunos tinha a mãe dependente
química, e estava morando com os avós. Ele estava desiludido com a situação,
e começou a desacreditar da escola. Nunca deixou de fazer o que lhe era
requisitado, porém se limitava a fazer aquilo que foi proposto, nunca
questionando ou dando uma opinião. Parecia estar desmotivado para a aula.
Ao mesmo tempo em que estes alunos são considerados os melhores
em comportamento pelos demais professores (mesmo que suas notas não
fossem lá muito inspiradoras), os alunos que eram chamados agitados já eram
taxados como “alunos-problema”, mesmo quando atingiam notas bem acima da
média. Depois de ter esta experiência como professora estagiária, vi um salto
na nota destes alunos considerados agitados. Ao tentar explorar esta energia
que eles insistiam tanto em extravasar, fiz o máximo possível para tornar as
aulas bem dinâmicas, participativas, para que todos se sentissem à vontade e
tivessem a motivação necessária para que pudessem aprender. Com isso,
acabei afastando aqueles alunos considerados como tímidos, enquanto atraía
mais aos alunos “bagunceiros”. Tentava então encontrar um certo equilíbrio,
mesmo sabendo que tal equilíbrio é necessariamente dinâmico e instável.
Já o estágio de Ensino Médio foi realizado na Escola Estadual de Ensino
Médio Padre Reus, durante o ano de 2013, e também contou com 20 horas de
observações, seguidas de outras 20 horas de exercício da prática docente.
Novamente, após ouvir comentários do mesmo tipo em relação aos alunos,
8
utilizei diversas aulas práticas e dinâmicas, o que mais uma vez causou uma
aproximação dos alunos taxados como problema e um afastamento dos alunos
considerados exemplares.
Um dia que marcou muito este meu estágio foi nossa última aula. Em
uma semana especial de conselhos de classe, recebi três períodos em um
único dia para encerrar minha experiência, e decidimos fazer uma festa de
despedida. Programei também uma atividade de Caça ao Tesouro, cujo prêmio
seria chocolates e outros doces. O jogo funcionava assim: divididos em quatro
grupos, de cerca de 8 pessoas cada, os alunos deveriam seguir as pistas
deixadas em diferentes locais da escola, desvendando estas pistas que eram
relacionadas aos sistemas do corpo humano, o assunto que havíamos
estudado. Ao final, estavam todos eufóricos, e todos os grupos foram
recompensados, independente da posição em que ficaram no jogo. Na
sondagem final do estágio, a grande maioria dos alunos considerou esta
atividade como a melhor de todas, enquanto apenas um aluno (que era o
considerado exemplar pelos demais professores) a considerou como a pior de
todas. Quando perguntei a ele o porquê da resposta, ele me disse “prefiro aula
no quadro mesmo, não gosto dessas aulas no pátio, que tem que correr”. Senti
mesmo durante a atividade, que ele estava indisposto, talvez até com vergonha
ou timidez.
Independentemente da idade ou do nível de escolarização em que se
trabalha, é muito comum relatos deste tipo. Alunos agitados. Mas o que
significa ser agitado, pelo menos para estes professores que citei?
Questionados sobre o que era essa agitação, os professores frequentemente
relatavam sinais de indisciplina: alunos “mal-educados”, que não se sentam
durante as aulas, que discutem com os colegas ou com o próprio professor
durante a aula, que não obedecem às normas, que não seguem os horários
nem realizam as atividades propostas. Pretendo, então, problematizar os
fenômenos da indisciplina e da agitação em sala de aula, a fim de tentar
entender melhor como ambas interferem no ambiente escolar.
Por mais que os professores comumente utilizem as palavras indisciplina
e agitação como sinônimos, pretendo construir uma nova perspectiva de
9
agitação, que a veja como uma característica necessária ao processo de
aprendizado, e que esteja ligada a uma agitação mental do sujeito, em que ele
se incomode com sua posição estática e se movimente a fim de saciar sua
curiosidade e vontade de aprender.
Nos capítulos Indisciplina e Agitação apresento e discuto as diferentes
perspectivas teóricas sobre o tema, mostrando divergências e pontos de
convergência entre autores e livros. Ao final, no capítulo Agite antes de usar,
apresentarei duas oficinas realizadas com alunos de uma escola municipal de
Porto Alegre, nas quais trabalhamos, de forma lúdica e crítica, o fenômeno da
agitação sob a perspectiva discente. Como se trata de um tema recorrente na
escola, procurei tomá-lo de forma generalizada, não me centrando nas aulas
de Ciências ou de Biologia.

10
2. Indisciplina

Quando perguntamos a um professor quais são suas queixas a respeito


das turmas em que leciona, invariavelmente é levantada a questão da
indisciplina. Alunos que não obedecem, que não respeitam a autoridade do
professor, que usam vocabulário inadequado para o ambiente escolar, que não
respeitam os demais colegas, que se agridem fisicamente, que destroem o
patrimônio da escola, que não param quietos.
Muitas vezes o nome do aluno é substituído por esses “não(s)” – o aluno
da turma tal que não para quieto, aquele que não para de conversar -, como
aborda Schäffer (2003) em sua pesquisa. A autora problematiza o fato de
frequentemente haver uma substituição do nome dos alunos pela visualização
dos seus problemas de aprendizagem (o aluno-não). Muitas vezes, o simples
fato de se rotular os alunos pelas suas dificuldades ou problemas leva-os a
pensar que não há como livrar-se deles – algo como “já que me chamam de
bagunceiro, tenho mais é que bagunçar mesmo” frase que ouvi durante meu
período de estágio.
O significado da palavra indisciplina pode variar de acordo com o
contexto em que está sendo evidenciada, e pode ter desde um significado
negativo, como “desordem proveniente da quebra das regras estabelecidas
pelo grupo” (ESTRELA, 1992, p. 17); ou “procedimento, ato ou dito contrário à
disciplina; desobediência; desordem; rebelião” (FERREIRA, 1986, p. 595); até
um significado mais positivo como “desafio aos padrões vigentes, oposição à
tirania muitas vezes presente no cotidiano escolar” (REGO, 1996, p. 85).
Dentro da sala de aula, o conceito de indisciplina também é variável, e muitas
vezes, é difícil dizer em que momento a indisciplina se torna violência. Apesar
de frequente na rotina escolar, é um tema que precisa ser melhor
problematizado, que ainda carece de autores que abordem o tema.
Essa dificuldade de se obter um único ponto de convergência a respeito
da indisciplina é justificável, já que esta se relaciona com os valores e as
expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e
11
mesmo dentro de uma mesma sociedade (REGO, 1996). As normas vigentes
na instituição vão fazer com que, algo que em um contexto corresponda à
indisciplina, em outro contexto esteja dentro do comportamento esperado. Num
exemplo famoso não relacionado à educação, na Grécia, após a refeição, há o
costume de quebrar os pratos utilizados, o que significa que a comida estava
saborosa. Em outros lugares, como o Brasil, este mesmo ato teria outro
significado, e seria visto como um ato de extrema grosseria.
Mesmo sendo uma das principais queixas nos níveis de ensino, a
indisciplina, também chamada coloquialmente como “falta de educação”, não
afeta apenas o ambiente escolar. Júlio Groppa Aquino (2003) diz que a
indisciplina não é uma queixa exclusiva de professores, mas também dos pais,
indicando que talvez seja uma questão associada à educação, ligada ao estilo
de ação dos educadores (no caso, o professor na escola, e os pais em casa)
com excesso ou ausência de autoridade. Ciulik (2011) diz que antigamente a
educação (em casa e na escola) era mais rígida, com alunos estáticos e que a
rebeldia era tratada com palmadas. Os professores abusavam da autoridade e
os alunos obedeciam por medo. Hoje há uma mudança para o outro extremo,
onde o foco é o diálogo, os professores perderam o controle e os alunos não
param quietos em nenhum momento, sendo difícil encontrar uma forma viável
de combater a rebeldia. Cardoso (1998) diz que o excesso de tolerância
também é prejudicial ao aprendizado, pois o aluno não desenvolve senso
crítico e sugere ao mesmo a indiferença por parte do professor em relação à
turma. Oferecer tanta autonomia pode parecer falta de interesse ou
preocupação, e é preciso saber diferenciar autoridade de autoritarismo, já que
a autoridade é necessária para que a turma perceba o professor como uma
figura de apoio, autoridade e identificação.

12
2.1 POSSÍVEIS CAUSAS

As causas apontadas para a indisciplina são variáveis de acordo com os


autores, então vou abordar diversas vertentes do assunto, a fim de tentar fazer
um apanhado geral de ideias. De maneira geral, a indisciplina pode estar ligada
às regras, ao professor, à escola, ao aluno e à família, além do autoritarismo,
que será explorado mais adiante. Maria Trevisol (2007) afirma que a
indisciplina escolar não apresenta uma causa única. Segundo ela,
complexidade é parte do perfil da indisciplina, embora seu conceito seja, ainda,
um trabalho não totalmente compreendido.
Quando tentamos encontrar a causa da indisciplina, La Taille (1996) diz
que, em ambientes regidos por normas (como a escola e a casa), a indisciplina
poderá ser fruto de duas formas: ou da revolta contra essas normas ou do
desconhecimento das mesmas. Em outras palavras, um aluno pode ter uma
atitude considerada inadequada ou por não concordar com algo que está
sendo imposto ou simplesmente por não saber que esta não é uma postura
considerada adequada. Uma grande parte do problema está relacionada ao
fato de não haver a devida apresentação das regras das escolas, e quando há,
elas já foram anteriormente escritas pelo corpo docente e pela direção visando
apenas aos estudantes, que ficam com uma sensação de injustiça, já que a
seu ver, os professores não precisam cumprir nenhuma regra. Por que
somente eles deveriam seguir as regras? Certamente as regras ali presentes
não se dizem “cabíveis” para professores ou membros da direção, mas a
inclusão de regras para estes poderia ter um efeito nos alunos, que passariam
a sentir que fazem mais parte do ambiente escolar, com direitos e deveres
iguais ao restante da comunidade escolar. É claro que a comunidade docente e
a direção também se submetem a regras (como planejar aulas, comparecer em
reuniões, horários a cumprir, posturas que devem exercer), mas, ao contrário
do que acontece com os alunos, estas atribuições não são expostas ao corpo
discente, nem são cobradas por ele.

13
A indisciplina pode ser também uma consequência da atitude do
professor em sala de aula. Um professor desmotivado, que não busca
atividades diferentes, que não planeja suas aulas, que pede aos alunos para
abrirem seus livros e ficarem cada um trabalhando na sua classe, em seu
caderno, cortando qualquer interação com os demais, acaba contagiando-os e
desmotivando a turma (TREVISOL, 2007). O rendimento dessa sala vê-se
comprometido por essas atitudes do professor. A indisciplina parece ser uma
resposta clara ao abandono à habilidade das funções docentes em sala de
aula, porque é só a partir do seu papel evidenciado corretamente na ação em
sala de aula que os alunos podem ter clareza quanto ao seu próprio papel, que
é complementar ao do professor (AQUINO, 1998, p.8).
Outra causa levantada por Trevisol (2007) seria a maneira como é
formulada a escola, que se mantém com a mesma estrutura de sempre. A
autora salienta: “a sociedade mudou, a família também, o aluno de hoje é
diferente, mas a escola continua com seus métodos de ensino como a décadas
atrás (p. 5)”. Então, o comportamento indisciplinado do aluno poderia estar
sinalizando que algo na escola não está ocorrendo de acordo com as
expectativas principalmente dos alunos, e mais, estes estariam reivindicando
mudanças necessárias para que se realize o objetivo da escola: uma educação
de qualidade, que desperte o interesse do aluno pelo aprendizado e pelo
ambiente escolar. "Estamos em outro tempo e precisamos estabelecer outras
relações" (AQUINO, 1996, p.12).
Além disso, a indisciplina pode ser uma consequência do
comportamento familiar. Nesse sentido, quando os pais possuem dificuldades
em exercer sua responsabilidade de estabelecer limites, transmitir valores para
seus filhos, ou isentando-se desses papéis, podem ser considerados como
indisciplinados. (TREVISOL, 2007). Os pais, principalmente atualmente, às
vezes por não saberem como agir em determinados momentos, e não
quererem assumir uma posição autoritária, acabam permitindo que os filhos
façam de tudo, tentando evitar que este venha a sofrer algum trauma ou
alguma frustração. Assim, acabam gerando a indisciplina, já que não fornecem
subsídios para que a criança tenha comportamentos adequados no convívio
14
com outras pessoas, independente do contexto envolvido: familiar, escolar,
social, entre outros. Ainda segundo Trevisol (2007), se observarmos crianças
em que os pais não impõem nenhum tipo de limite identificaremos crianças que
são, geralmente, rejeitadas pelos colegas, pois não conseguem respeitar
ninguém. Para que a criança saiba aceitar e respeitar os limites impostos pelos
professores, colegas ou amigos com que convive, é preciso que ela tenha
aprendido, exercitado, desde o início de sua vida este tipo de comportamento
em sua família.
De acordo com Aquino (1998), escola e família exercem papéis distintos
no processo educativo, evidenciando-se uma confusão de papéis. A principal
função da família é a transmissão de valores morais às crianças. Já à escola
cabe a missão de recriar e sistematizar o conhecimento histórico, social, moral
Essa discussão será retomada mais tarde.

2.2 EVITANDO A INDISCIPLINA

Haveria, então, algum modo de se tentar evitar ou diminuir a indisciplina


em sala de aula? Aquino (2003) fala que a disciplina escolar só é obtida a partir
de acordos entre as partes, ou seja, quando o regimento e o calendário escolar
são elaborados em conjunto com os alunos e o professor cuja autoridade deve
ser respeitada. Somente assim as duas causas de indisciplina ditas por La
Taille (1996) poderiam ser evitadas: todos os alunos teriam conhecimento das
regras, e, a princípio, todos as julgariam justas (visto que todos ajudaram a
elaborá-las). Além das regras, também é importante que, em conjunto, sejam
debatidas as sanções ao não cumprimento destas normas (Cardoso, 1998),
pois o aluno, ao transgredir uma norma, já deve saber qual será a sua punição,
sem ser surpreendido por ela ou temê-la. Gotzens (2003) lembra, também, que
nunca se deve utilizar maus tratos físicos ou psicológicos, e que todas as
punições devem ser advertidas e previsíveis. Isso pode não parecer algo
necessário de salientar atualmente, mas várias vezes vemos nas escolas
15
professores gritando, “zombando” ou fazendo piadas com alunos quando estes
fazem algo inadequado, e este tipo de atitude poderia soar como um mau trato
psicológico. Esses castigos também não devem ser de exclusão, mas sempre
inclusivos e reparatórios, tentando aproximar cada vez mais o aluno
“indisciplinado” do restante da turma. Todas essas combinações devem estar
sempre abertas à revisão e à mudança, para que os novos casos que surgirem
possam ser debatidos e resolvidos juntamente entre os alunos e o professor.
Retomemos à pergunta inicial deste subcapítulo. Mas, e como o
professor pode atuar em sala de aula a fim de evitar a indisciplina discente?
Como dito antes, a autoridade (e nunca o autoritarismo) ajuda os alunos a se
identificarem com o professor, além de se sentirem mais seguros e confiantes.
Azevedo (2012) diz que a
autoridade deve ser vista como um poder legitimado pelas partes
envolvidas, que surge da aliança entre o conhecimento e a
experiência na condução da classe, buscando orientar o indivíduo,
ajudar o aluno a crescer social, psicológica e intelectualmente.

Arendt (1992) diz que a qualificação do professor é indispensável para


que se tenha autoridade, mas que nunca a gera por si só. É preciso que ele a
conquiste junto com a turma. Segundo Dubet (1997), os professores mais
eficientes são aqueles que veem os alunos como eles são e não como eles
deveriam ser. Com isso podemos dizer que um professor, para tentar evitar
este problema em sala de aula, deve ter autoridade suficiente sobre suas
turmas, no entanto sem esperar delas mais do que elas podem dar, talvez
possa até mesmo fazer um pacto com elas, para que os alunos também digam
o que esperam do professor, e possam construir as aulas em conjunto, sem
atropelar as capacidades e expectativas de cada um.
Além do esforço do professor, é necessário que haja um reconhecimento
da autoridade deste por conta dos alunos. Para isso, é necessária, segundo
Aquino (1996), a existência de parâmetros morais anteriores à escolarização
(permeabilidade a regras comuns, partilha de responsabilidades, cooperação e
solidariedade, por exemplo), que precisam ser construídos na sua primeira
educação – a que o aluno recebe em casa – antes da fase de escolarização.
Segundo o autor, o aluno atual carece destes parâmetros em maior ou menor
16
grau, e, ao invés deles, chegam à fase escolar acometidos por agressividade,
rebeldia, indiferença ou desrespeito/falta de limites.
Talvez, a indisciplina tão presente hoje nas escolas esteja revelando
relações familiares desagregadoras, que não conseguiram garantir a
apropriação na criança destes preceitos necessários para o processo
pedagógico. Com isso, o papel da escola (que antes se baseava apenas na
transmissão de conteúdos através das gerações) passou a ser quase que
exclusivamente disciplinador. Ainda segundo o autor, gasta-se muito mais
tempo e energia em sala de aula com questões ligadas às questões morais dos
alunos do que com a tarefa epistêmica fundamental.
Apresento uma citação que traz à tona o padrão de aluno visado pela
escola – e pelos professores, e como a disciplina também consta como função
da escola:
As crianças são mandadas cedo para a escola, não para que aí
aprendam alguma coisa, mas para que aí se acostumem a ficar
sentadas tranquilamente e a obedecer pontualmente aquilo que lhe é
mandado, a fim de que, no futuro, elas não sigam a cada um de seus
caprichos. Essa era uma função explícita, não era escondida, havia
clareza que a escola moderna tinha como função moldar os jovens
para que eles ficassem quietos, sentados, obedientes para aprender e
para depois, na vida, continuarem quietos, sentados, obedientes para
não se darem mal. (XAVIER, 2007)

Shäffer (2003), fazendo uma pesquisa com alunos que estavam sendo
encaminhados à orientação pedagógica, notou que na maioria das vezes as
ocorrências denominadas “dificuldades de aprendizagem”, na verdade estavam
relacionadas com distúrbios de ordem, ou questões de comportamento.
Diversos alunos com boas notas estavam sendo encaminhados por
apresentarem um comportamento considerado impróprio. Enquanto isso,
diversos problemas de aprendizagem (alunos que realmente têm dificuldade
em se apropriar dos conteúdos) são acobertados pelo fato de esses alunos
serem quietos e não chamarem muito a atenção do professor.

17
2.3 NEM AUTORITARISMO, NEM ABANDONO

Ao contrário do que pode parecer, a indisciplina está presente em todas


as classes sociais, em escolas públicas e privadas e em todos os níveis de
ensino (fundamental, médio e superior). Como qualquer outra instituição, a
escola está planejada para que todas as pessoas sejam iguais, visto que,
desta maneira homogênea, a população é mais fácil de ser dirigida. Como
mostra Xavier (2007):
(...) traz, com muita clareza, a função de escola para as crianças: olha
que bonitinha essa figura, as crianças todas sentadinhas, de
uniforme, quietinhas, a professora, as mãozinhas fechadas, as
menininhas com as perninhas fechadas, tudo arrumadinho, tudo
formatado.

Segundo Passos (1996, p. 118), a maioria das instituições é reconhecida


pela sociedade por uma obsessão pela manutenção da ordem; e mais do que
isso, alguns professores justificam-na como necessidade pedagógica, além de
concebê-la como condição imprescindível de uma instrução eficaz. Esta
homogeneização é conquistada a partir de mecanismos disciplinares, mas
assim como a escola tem este poder de dominação que não tolera diferenças,
ela também é recortada por formas de resistência que não se submetem às
normas (GUIMARÃES, 1996).
A indisciplina manifestada pelos alunos na sala de aula pode ser uma
resposta a uma abordagem autoritária por parte do professor. De acordo com
Pereira (2009),
nas relações de forças sociais, quando os subordinados percebem
quão danosa pode ser a ação disciplinadora da autoridade sobre
eles, ou num estágio mais avançado, quando já não temem mais o
poder superior, insuflam entre si movimentos de resistência às
imposições, a fim de se posicionarem para garantir espaços antes
renunciados.

O simples fato de haver uma cobrança no cumprimento de regras não é


uma coisa negativa por si só. O problema é que nem sempre essas regras são
explicadas para os alunos, nem seu significado nem sua importância. Elas
poderiam servir, por exemplo, para mostrar como a turma deveria agir, e não

18
apenas enumerar atitudes que não poderiam ser tomadas. Como La Taille
(1996, p.9) analisa,
as crianças precisam aderir a regras e estas somente podem vir de
seus educadores, pais ou professores. Os ‘limites’ implicados por
estas regras não devem ser apenas interpretados no seu sentido
negativo: o que não poderia ser feito ou ultrapassado. Devem
também ser entendidos no seu sentido positivo: o limite situa, dá
consciência de posição ocupada dentro de algum espaço social – a
família, a escola, e a sociedade como um todo.

O grande problema é que a maioria das vezes, no contexto escolar, a


escola não leva em consideração as expectativas, vivências ou hábitos de cada
um. Assim, “a disciplina imposta, ao desconsiderar, por exemplo, o modo como
são partilhados os espaços, o tempo, as relações afetivas entre os alunos, gera
uma reação que explode na indisciplina incontrolável” (GUIMARÃES, 1996, p.
78).
Um dos grandes problemas da homogeneização dos alunos na sala de
aula é a maneira como essa massa é vista pelos docentes. Além de
desconsiderar as diferenças inerentes aos indivíduos, os professores tendem a
desconsiderar também as dificuldades de cada um. De acordo com Maffesoli
(2004, p. 15), uma parte dos problemas dos professores nos colégios
considerados problemáticos decorre de sua propensão a ver uma turma como
uma soma de indivíduos que precisam ser aperfeiçoados, e não como um
grupo com suas dificuldades, mas também com suas potencialidades coletivas.
A disciplina, utilizada como mecanismo de conformação e
homogeneização, aproxima-se dos princípios da moral, que se preocupa com a
padronização e enquadramento, desconsiderado as particularidades
individuais. Os professores geralmente não percebem que podem utilizar as
diferenças culturais, sociais e cognitivas dos seus alunos em benefício de uma
aula mais atraente para estes. Segundo Wallon (1975, p. 379), tudo o que se
busca em sala de aula é “obter a tranqüilidade, o silêncio, a docilidade, a
passividade das crianças de tal forma que não haja nada nelas nem fora delas
que as possa distrair dos exercícios passados pelo professor, nem fazer
sombra à sua palavra”.

19
Segundo Pereira (2009), quando o professor se dá conta de que os
conflitos vão sempre existir, independente da sua vontade, e de que a sala de
aula é um espaço complexo e heterogêneo, ele consegue, juntamente com os
alunos, e não mais de forma autoritária, construir um espaço de tolerância e
respeito às diferenças, em que todos possam participar e contribuir para um
ambiente saudável. Segundo Guimarães (1996):
Isso não significa que a paz reinará na escola, mas que alunos e
professores, por força das circunstâncias, serão obrigados a se
ajustar e a formular regras comuns (...). Portanto, nem autoritarismo e
nem abandono (GUIMARÃES, 1996, p. 79).

Nessa perspectiva, o professor que deseja organizar uma sala de aula


equilibrada, precisa levar em consideração a imensa pluralidade presente entre
seus alunos, favorecer oportunidades para a expressão livre, construir as
regras coletivamente a partir de negociações e viver de forma mais intensa a
enigmática relação do território escolar, com todas as suas turbulências
(Pereira, 2009).
Foucault (2007) apresenta uma das principais características da
modernidade, o poder disciplinar. Aponta o surgimento de uma maquinaria de
poder que exerce forte pressão sobre o corpo, permitindo um controle
minucioso daqueles que estão sob sua mira. Isso
implica numa coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os
processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de
acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o
espaço, os movimentos. (FOUCAULT, 2007, p. 118).

Uma das características do poder disciplinar é a não utilização do corpo


como alvo das penas e castigos. Pretende-se privar a liberdade ao invés de
castigar o corpo. Assim, percebeu-se que privando o direito de ir e vir e
confinando as pessoas em instituições controladoras, seria muito mais fácil
dominá-las. Isso causaria um melhor aproveitamento do poder e teria um efeito
mais permanente na vida das pessoas. Pois “(...) estar proibido de mover-se é
um símbolo poderosíssimo de impotência, de incapacidade e dor.” (BAUMAN,
1999, p. 130).
De acordo com Pereira (2009), na escola, o poder disciplinar passou por
modificações ao longo do tempo, vários instrumentos foram substituídos por
20
outros menos violentos ao corpo, porém não menos cruéis, pois as punições
continuaram com a mesma intensidade, se não maior. Como diz Guirado
(1996, p. 63):

Mas pode-se pensar (...), como a escola eliminando aos poucos a


palmatória, faz a substituição por um conjunto de práticas em que a
punição é exatamente a restrição ao movimento e à comunicação.
Há, portanto, efeitos físicos. Mas, o objetivo imediato é a reeducação
da alma do indivíduo, para que se livre de tendências delinqüenciais
em vida. Para tanto é que se priva a pessoa da possibilidade de
dominar seu próprio tempo, seu fazer, seu lazer.

21
3. AGITAÇÃO

Assim como o ocorre com o conceito de indisciplina, o termo agitação


também não tem um significado definido. O termo agitação engloba muitas
variáveis, e uma pessoa pode ser agitada vista por uma pessoa e não ser
quando vista por outra. Também pode ser agitada em uma situação (como na
escola, por exemplo) e não ser em outro. Uma criança pode ser agitada por
conversar muito com seus amigos, mas também pode ser por brigar muito na
escola, agredindo outras crianças. Mais uma vez, é um conceito que depende
muito da moral e do comportamento esperados. O que normalmente acontece
é uma associação entre o conceito da agitação com o da indisciplina, e
geralmente as palavras são utilizadas quase como sinônimos.
Na adolescência (idade dos alunos que trabalhei), há uma busca da
identidade própria com a necessidade crescente de independência, podendo
haver atitudes contestadoras. De um lado, a necessidade de ter uma rotina e
grupos sociais diferentes dos pais, e de outro, a dificuldade em assumir as
responsabilidades adultas, levam o adolescente a uma fase de intensa
confusão: constantes mudanças de opiniões e metas, de humor e um
comportamento bastante “impulsivo” (MARCONDES, 2002). Estas constantes
mudanças e a curiosidade natural da infância (que ainda permanece, pois com
12-13 anos ainda estão em fase de transição) originam uma agitação natural,
que na sala de aula de aula se manifesta (quando em níveis menores) como
muita bagunça e o aumento da conversa.
Mas o ato de conversar em si geralmente não é um problema para o
professor, a não ser quando é acompanhado de violência. Alguns alunos às
vezes atrapalhavam minhas aulas com brincadeiras maldosas com os colegas,
com desinteresse com a aula que estava sendo dada. Fortuna (2002) escreve
que “mais do que descumprir regras, a indisciplina pode significar um rico
manancial de informações sobre como os alunos vivem a escola e seus
conteúdos.” Talvez o que estava acontecendo é que os alunos não estavam
conseguindo fazer a ligação entre os conteúdos ministrados com a sua vida
22
fora da escola. Segundo Zenti (2000), os especialistas afirmam que os
professores devem mostrar aos seus alunos que estudar pode ser divertido.
Em todas as aulas, eu tentava trazer exemplos práticos para que os alunos
vissem a importância do conteúdo, e sempre alguém conhecia alguma pessoa
com determinada doença, traziam dúvidas a respeito dos assuntos, tentando
quebrar aquela tensão presente nas aulas, e deixá-las mais divertidas. Para
Charlot (2000), esses jovens vivem num mundo em que a prioridade é
aprender o que lhes permite sobreviver nele. O saber escolar para eles parece
inútil, muitas vezes fora da vida real, a não ser que lhes possa ajudar a obter
“uma boa profissão”. Algumas vezes algum aluno perguntava “pra quê serve
isso?” ou fazia comentários como “nem sei por que eu tô estudando, eu vou
fazer EJA mesmo...”.
Essa falta de ligação entre o que é ensinado com o que é vivido pelo
aluno, misturada à agitação da idade, resulta algumas vezes neste
comportamento que os professores criticam. Pois, se a agitação é natural da
idade, a ausência dela é incomum. Aqueles alunos que são extremamente
quietos, que não conversam nem com os colegas, geralmente apresentam
dificuldades de aprendizado, já que não costumam tirar suas dúvidas em aula e
não debatem suas respostas com os colegas. Contentam-se em decorar as
respostas prontas do professor, sem debater ou questionar. Estes alunos
podem estar se sentindo desmotivados, algo que os impede de querer
acompanhar a aula normalmente. Pozo (2002) acredita que o aluno deve criar
uma certa expectativa com relação à aprendizagem, para assim sentir-se
motivado, ou seja, desejar aprender para descobrir algo novo. É importante os
professores se conscientizarem de que nem sempre o que for interessante
para eles será interessante também aos alunos a ponto de estimulá-los a
aprender. Ainda segundo Pozo (2002),

não é que os alunos não estejam motivados, que não se movam em


absoluto, mas que se movem para coisas diferentes e em direções
diferentes das que pretendem os professores.

23
Um outro aluno havia me chamado a atenção durante o período de
observações. Ele era bem bonito, e imaginei que deveria atrair as meninas, ter
muitos amigos, enfim, ser popular, no auge dos seus 15 anos. No entanto,
percebi que ele sempre se sentava sozinho, e que quando havia alguém
sentado ao seu lado pedia para que ele mudasse de lugar. As meninas o
chamavam de estranho, e os meninos usavam adjetivos chulos para se
dirigirem a ele. Durante as aulas, ele se limitava a copiar a matéria e resolver
os exercícios, sem conversar com ninguém, sem fazer nenhuma pergunta.
Perguntei certa vez o porquê dessa dificuldade, e ele me respondeu que era
tímido. No entanto, seu comportamento “quieto” era considerado exemplar
pelos demais professores, mesmo que suas notas estivessem sempre no limite
da média exigida. Podemos avaliar o comportamento dele e dos demais
colegas “quietos” e taxá-los como tímidos, mas será que é só isso?

24
4. AGITE ANTES DE USAR

Quando falam sobre a agitação dos alunos em sala de aula,


frequentemente os professores utilizam este termo como um sinônimo de
indisciplina. E o limite também não é muito esclarecido, assim como acontece
com seu conceito, como já foi dito anteriormente. No entanto, será que não
haveria uma outra maneira de encarar a agitação no cotidiano da escola? Será
ela sempre um fenômeno negativo e perturbador à aprendizagem? Gosto de
pensar em outro conceito para agitação, entendendo-a como uma
característica desejada para um sujeito que se encontra passivo diante de uma
proposta pedagógica. A agitação do aluno, ou mesmo de uma aula, pode ser
um indicador de contato e de troca de calor com o outro, seja este um
professor ou até mesmo um outro aluno. A agitação faz com que as ‘partículas’
entrem em contato, que saiam do “comodismo”.
Para compreender melhor este ponto, utilizaremos uma imagem da
Química. Pois bem, quando compramos um iogurte, vemos escrito “Agite antes
de usar”. Isso se dá pois a bebida é composta por algumas partículas sólidas
que decantam e se depositam no fundo da embalagem, e essas partículas
precisam ser agitadas para serem distribuídas mais uniformemente pela parte
líquida, promovendo uma melhor distribuição e sabor. Numa metáfora, acredito
que o mesmo deva acontecer com os alunos em uma determinada aula: o
pensamento e o corpo devem ser movimentados, agitados, a fim de que aquilo
que está estagnado, sem desejo, possa vir à tona, em busca de respostas e
novos questionamentos. Assim, a agitação seria um item necessário para a
aprendizagem. Esta será uma imagem importante para as oficinas realizadas
com alunos, e que serão abaixo apresentadas.

25
4.1 OFICINA

De todos os textos e autores pesquisados para a elaboração deste


Trabalho de Conclusão de Curso, a grande maioria trazia a visão de
professores sobre o assunto, enquanto alguns outros relatavam a visão dos
pais sobre o mesmo. Mas em nenhum deles havia uma sondagem com os
alunos, o que me levou a criar um projeto de oficina, composta de duas partes,
a fim de problematizar os fenômenos da indisciplina e da agitação em sala de
aula com eles.
A primeira parte da oficina aconteceu no dia treze de novembro do ano
de dois mil e treze, em uma escola municipal da zona rururbana de Porto
Alegre, e contou com duas horas de duração. A turma participante era da
sétima série (nono ano) do Ensino Fundamental, com idades entre 12 e 17
anos. Conforme alguns professores da escola, se tratava de uma turma
barulhenta e ‘bagunceira’, mas que às vezes era receptiva e participativa. Era
composta por cerca de 35 alunos, cuja maioria participou ativamente da
atividade oral, e 21 alunos participaram também com material escrito. Havia
também uma distribuição praticamente equivalente entre o número de meninos
e de meninas pertencentes à turma.
Após uma breve apresentação minha e do trabalho que estou
elaborando, além da justificativa deste estudo, mostrei aos alunos uma cena do
filme Escritores da Liberdade, que retratava uma professora (interpretada pela
atriz Hilary Swank) chegando em seu primeiro dia como docente em uma
escola da periferia. A turma, composta por alunos considerados pelos
professores como “difíceis de lidar” é constituída por um número considerável
de adolescentes em conflito com a lei, usuários de drogas e alunos que
costumam ir armados para a escola. A partir deste vídeo, pedi que os alunos
identificassem cenas de indisciplina no filme, apontando-as em uma folha de
papel, para que pudéssemos discutir posteriormente.

26
Figura 1. Imagem retirada do filme Escritores da Liberdade

Os diferentes apontamentos feitos estão listados no quadro abaixo:

Levantam da classe sem


Alunos brigam durante a Chegam armados na
pedir autorização ao
aula sala
professor

Bullying Comer na sala de aula Pichar a mesa e o muro


Chegar atrasado na aula
Tocar a mochila no chão Pintar a unha na sala
(sic)
Conversar durante a Não responder à
Ignorar a professora
explicação chamada

Quadro 1. Cenas de indisciplina encontradas em fragmento do filme Escritores da Liberdade.

Mostrei também algumas fotos que retratavam momentos de aula em


que os alunos se encontravam sentados nas cadeiras, sem conversar, e outras
em que os alunos estavam em pé, conversando com os colegas e atirando
bolas de papel pela sala, além de outra foto que mostrava o período de recreio

27
em uma escola, com os estudantes correndo pelo pátio, conversando e
jogando futebol. Pedi para que a turma olhasse para as fotos e novamente
identificasse os pontos de indisciplina presentes nas mesmas (três destas fotos
estão indicadas nas Figuras 2, 3 e 4).

Figura 2: Imagem mostrando alunos indisciplinados em sala de aula.


Fonte: http://prof-elienai.blogspot.com.br/2011/02/dilemas-na-sala-de-aula.html

Figura 3: Imagem mostrando alunos prestando atenção ao professor durante uma aula.
Fonte: http://www.vitoria.es.gov.br/secom.php?pagina=noticias&idNoticia=9089
28
Figura 4: Imagem mostrando alunos durante o período de recreio.
Fonte: http://www.portalrcr.com.br/radios/jovempan/noticias-regionais/51397-projeto-
viabiliza-sincronismo-na-hora-do-recreio

Depois de ver a última foto, os alunos precisaram parar e repensar o


conceito que estavam utilizando, já que várias ações se repetiam entre o
primeiro grupo de fotos e este último (por exemplo, estavam todos levantados,
conversando, alguns correndo), mas nem por isto estas ações eram
consideradas como indisciplina quando aconteciam no período de recreio.
Haveria uma variável envolvida. Disseram, então, que o conceito de indisciplina
poderia variar dependendo do lugar em que se leva em questão.
Pedi para que cada aluno criasse o seu conceito para indisciplina,
utilizando suas próprias palavras, para ver o que eles pensavam sobre o
assunto, a fim de que pudéssemos compará-los e debater a respeito. Algumas
das frases escritas estão postas a seguir:
 Costume inadequado conforme as regras de um devido local
 Desrespeitar as regras e desrespeitar alguém
 Desrespeitar o que é mandado
 Atitude mal-educada do aluno que não cumpre suas obrigações
 Algo que não parece bom aos olhos dos outros
 Não convêm às regras da sociedade
 Fazer coisas que não devem ser feitas
 Indisciplina é uma pessoa desobediente
29
Quase todos os alunos questionados relacionaram a indisciplina com as
regras ou com o respeito às pessoas. Na aula, chegaram a um consenso de
que a indisciplina estava ligada à transgressão de regras impostas pela
sociedade, no caso da sala de aula, impostas pela escola e pelo professor.
Uma menina disse, então, que na escola, cada professor fazia suas próprias
regras dentro da sala de aula, e que uma coisa que era considerada por um
docente como indisciplina poderia não ser quando vista por outro. O exemplo
levantado foi o do uso dos fones de ouvido, que alguns professores
consideravam uma extrema falta de educação, enquanto que outros nem se
importavam com sua presença.
Questionados sobre a agitação presente em sala de aula e reclamada
pelos professores, a turma argumentou que nem sempre ela pode ser
considerada como um sinônimo de indisciplina. Um exemplo dado foi o de um
aluno que, nervoso por estar fazendo uma prova, fica batendo freneticamente
com o lápis em sua mesa, sem se dar conta de que está atrapalhando o
professor e os demais colegas. Outro aluno disse que a agitação é o excesso
de vontade de se fazer alguma coisa, enquanto um terceiro disse que é alterar
o nosso estado físico e mental para fazer alguma coisa que nos dá vontade. A
diferença relatada foi que nem sempre a agitação estaria ligada a desrespeito
de regras, enquanto que este parece ser um requerimento básico para a
indisciplina.
Todos concordaram que a agitação pode ser uma ação positiva ou
negativa, e que isso depende do momento em que ocorre e da motivação que
a levou a acontecer. Perguntei, então, em que momentos a agitação poderia
ser considerada como ‘boa’, e obtive como respostas: quando estamos jogando
bola, quando vamos fazer alguma coisa que a gente gosta.
Uma coisa que novamente havia me chamado muito a atenção foi a
maneira como os professores da escola se referiram à turma. Mais uma vez,
uma turma taxada como bagunceira, barulhenta, que não fica quieta em aula,
que não senta durante a explicação... Quase uma “turma-não”, como diria
Schäffer (2003). Mesmo que este rótulo possa vir a transparecer o
comportamento atual da turma em sala de aula, decidi abordar a questão dos
30
rótulos na segunda parte da oficina, pois acredito que eles também não devem
ficar estagnados, acomodados. A questão para o segundo momento da oficina
foi pensada a partir da seguinte reflexão: e se os alunos pudessem agitar
também esses rótulos?
Perguntei a cada aluno como eles imaginavam que eram vistos pela
escola e pelos docentes, e, mais do que isso, como eles gostariam de ser
vistos, a partir das atitudes que apresentam durante as aulas. Este ponto é
importante de frisar, pois todos os alunos gostariam de ser vistos como um
aluno que o professor julgasse ser ideal (e isso pode variar muito de pessoa
para pessoa), porém nem todos agem como tal; então pedi para que levassem
isto em conta na hora de dizer como gostariam de ser vistos. Após esta
atividade, tive alguns resultados interessantes:

 Sou visto como um aluno que conversa muito durante a aula, mas
queria que visse que eu só converso quando acabei tudo
 Eu acho que como crianção, mas queria que vissem que sou
inteligente
 Me veem como bagunceiro, mas queria que vissem que faço
todas as tarefas
 Como MUITO inteligente (diferenciação maiúsculas/minúsculas do
aluno), mas preferia ser um simples aluno
 Os outros acham que eu fico rindo demais, mas eu faço quase
tudo, queria que eles vissem.
 Eu gostaria que eles (os professores) vissem que eu estudo
bastante, mas só alguns veem isso.

Uma coisa interessante de ressaltar é a constante presença da


adversidade nas respostas. Esses mas representam a diferença do querer e do
ter, a distância entre o que se vive e o que se pensa como ideal para cada um.
Mostra, nestes casos, a insatisfação dos alunos com a maneira como são
vistos pelos demais, e a vontade de mudar este rótulo.

31
Um aluno somente escreveu que era visto da mesma maneira de que
gostaria, pois era quieto e estudioso. Outras duas falas dos alunos me fizeram
refletir mais sobre o tema:
 Eu gostaria de ser visto como comportado, mas o professor só me
vê quando eu estou bagunçando.

Esta é uma consideração muito importante, já que o professor,


normalmente, só chama a atenção do aluno (e também é chamado por ele)
quando este está em uma situação de indisciplina. Dificilmente um professor
tem sua atenção atraída por um aluno que está sentado quieto fazendo seus
deveres. Então, naturalmente, sua atenção vai sempre se voltar para algo ou
alguém que esteja fugindo do comportamento esperado.
 Acham que eu não faço nada, mas na verdade quando eu estou
triste eu gosto de ficar sozinho e quieto para chorar (tipo quando
eu sinto saudade do meu irmão), mas os professores não
entendem isso (...).

O depoimento me chamou muito a atenção, pois este aluno havia ficado


quieto durante toda a oficina, e eu achava que ele não estava participando, até
ele me entregar este bilhete. Corri atrás para tentar descobrir algo sobre ele, e
descobri que seu irmão havia falecido há pouco tempo. Ficar quieto foi a
maneira que ele encontrou para tentar amenizar essa dor, porém os
professores veem esta atitude como uma demonstração de indiferença.
É interessante de se notar também que não são apenas os rótulos
negativos (bagunceiro, criança, pessoa que só fica rindo em aula) que
incomodam os alunos. Ser taxado como inteligente também não é muito
vantajoso, segundo o aluno, pois os professores exigiriam muito mais dele, já
que esperam que ele sempre se saia melhor do que os demais nas avaliações
e atividades propostas. Por mais que, aos olhos do professor, este rótulo possa
soar como algo positivo, na visão do aluno ele também é carregado de pré-
conceitos.

32
4.2 AGITANDO OS RÓTULOS

Na segunda parte da oficina, denominada Agite antes de usar,


novamente foi explorado o temas dos rótulos, desta vez de forma mais lúdica.
Os materiais utilizados foram um pote de iogurte por aluno, tesoura e fita
adesiva.
Numa metáfora, o iogurte simbolizaria o próprio estudante, que segundo
minha visão, deveria ser agitado para responder aos estímulos propostos,
assim como o iogurte. A tarefa proposta à turma nesta parte da atividade foi a
criação de seu próprio rótulo, aquele com que deveria – e gostaria – de ser
visto, e cada estudante deveria criar o seu. Além disto, um outro rótulo foi
criado – aquele pelo qual os alunos acreditavam ser vistos pelos demais alunos
e pelos professores – que deveriam ser substituídos pelos novos rótulos por
eles elaborados.
Os alunos reagiram muito bem à proposta, e todos participaram da
1
atividade. Alguns dos iogurtes rotulados serão discutidos a seguir.

Figura 5. Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno.

1
Nota: o conteúdo dos rótulos será transcrito a cada página, devido à falta de visibilidade da
imagem.
Figura 5 - rótulo do aluno: “inteligente, sábio, ágil e um bom atleta! (produto concentrado).”
Rótulo dos professores: “calmo e inteligente”
33
Começo minha análise por aquele mesmo aluno que disse não gostar de
ser visto apenas como o mais inteligente da turma. Em seu iogurte (Figura 5),
ele diz gostar de ser visto como inteligente, mas também como um bom atleta.
Conversando com ele durante a atividade, soube que nas aulas de educação
física normalmente os outros meninos da turma não o escolhiam para os times,
pois achavam que, por ser um aluno tão inteligente, deveria jogar mal. Em um
trocadilho com o lema da oficina, ele acrescentou no iogurte que se sentia
como um produto concentrado, que deveria ser diluído entre os demais e
agitado para que tivesse seu melhor aproveitamento.

Figura 6. Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno.

Em outro exemplo também já explorado (Figura 62), o aluno reclama que


os professores só prestam atenção nele quando está “incomodando”, e nunca
quando está concentrado. Isso acontece pois, como já foi dito anteriormente, é

2
Nota: Figura 6 – rótulo do aluno: “estudioso”
Rótulo dos professores: “Eles só percebem quando estou incomodando e nunca quando estou
concentrado.”
34
muito mais fácil prestarmos atenção em algo que fuja do que se é esperado
para um determinado momento. Então, em uma sala de aula em que o
professor deseja que todos os alunos permaneçam quietos em seus lugares,
ouvindo atentamente às explicações, qualquer estudante que esteja
“bagunçando” ou conversando será rapidamente notado e repreendido.

Figura 7. Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno.

A visão de outra aluna (Figura 73) também me chamou muito a atenção.


Ela diz que é sempre vista como mandona, tanto pelos alunos quanto pelos
professores. No entanto, ela fala que somente apresenta esta postura (pedir
para os colegas ficarem quietos, que virem seus corpos para frente na cadeira,
etc.) para ajudar o professor durante as aulas, pois, segundo ela, enquanto os
professores explicam as matérias, a turma fica bagunçando e ela tenta
organizar a sala para que o professor possa explicar melhor. Porém, essa

3
Nota: Figura 7 – rótulo do aluno: “eu queria que os professores soubessem que eu não sou
mandona, mas sim que quando eles estão dando uma explicação, e os alunos estão bagunçando, eu apenas
tento organizar a aula pra eles!!”
Rótulo dos professores: “eu sou a “Mandona” da sala! Ao olhar dos professores e alunos”.
35
ajuda não é notada pelos professores, que também a xingam por perturbar a
aula.

Figura 8. Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno.

Mais uma vez é colocada em pauta a questão da “bagunça ofuscar os


bons alunos”. Conversando com uma menina, ela me disse que quando se
concentra é uma aluna exemplar (como mostra o iogurte da Figura 8 4), mas
que os professores não geram os estímulos necessários para que ela participe
de determinadas atividades. Como exemplo, ela fala que adora responder a
questões no quadro-negro, mas que os professores nunca a chamam como
“castigo” por estar conversando.
A foto que fecha a análise e a oficina é a Figura 9. Nela, quando
questionada sobre o rótulo que gostaria de ter, disse que não gostaria de ter
um rótulo. Respondeu que preferiria ser vista pelo que realmente é – e isto

4
Nota: Figura 8 – rótulo do aluno: “uma aluna que é da bagunça, mas quando se concentra é uma
aluna exemplar”.
Rótulo dos professores: “eles acham que eu sou inteligente, mas que eu sou muito da bagunça”.
36
estaria sujeito a mudanças - e não pelo que os demais pensassem sobre ela.
Foi a única pessoa na turma que não concordou com a ocorrência dos rótulos,
e disse ainda que não deveríamos ser taxados com um comportamento,
mesmo que este nos agradasse, e sim deveríamos ser notados como resultado
de nossas ações e pensamentos. Achei muito interessante, pois corrobora com
a ideia de que mesmo os rótulos devem ser agitados e constantemente
modificados. 5

Figura 9. Imagem de iogurte com rótulo feito por aluno.

Depois destas duas atividades de oficina, conseguimos manter uma boa


discussão com os alunos, que, quando questionados sobre a importância deste
tipo de abordagem, disseram que era muito necessária, já que a indisciplina e a
rotulação são problemas que afetam alunos e professores. A própria questão
5
Nota: Figura 9 – rótulo do aluno: “eu quero ser vista pelo que eu sou, não pelo que os outros
pensam de mim.”
Rótulo dos professores: “quietinha e não presta atenção”.
37
da agitação deveria ser mais trabalhada em sala de aula, inclusive com os
professores, a fim de mostrá-los que podem vê-la como uma qualidade, e não
como um defeito de uma turma.

38
CONCLUSÃO

Após realizadas as etapas de revisão bibliográfica e abordagem ao


público discente, ainda há muito a se discutir. A tarefa primordial deste trabalho
– problematizar os fenômenos da agitação e da indisciplina – foi cumprida, mas
ainda haveria muito a ser feito, caso tivéssemos uma permanência maior com a
turma (pretendemos dar um feedback do trabalho à escola e, se possível, à
turma em questão). Depois da oficina Agite antes de usar, novas propostas de
trabalho podem ser pensadas, novas abordagens podem ser utilizadas. Mas
nada muda o fato de que este assunto é muito pertinente e merece ser melhor
estudado.
Entre os resultados obtidos neste trabalho, podemos concluir que a
indisciplina é um fenômeno que afeta sistemas educacionais de todas as
etapas, em todas as idades e em todas as classes sociais. Mais do que isso,
trata-se de um termo que pode ter os mais amplos significados, podendo ser
desde uma atitude desrespeitosa até a resposta a um autoritarismo imposto.
Por isto, antes de julgar uma atitude indisciplinada, devemos refletir para tentar
entender sua causa, já que pode ser apenas a resposta de um aluno clamando
por justiça ou mesmo querendo ser visto de outra maneira, por outros “rótulos”.
Quanto à agitação, vista geralmente com maus olhos pela comunidade
escolar, pode ser entendida de maneira positiva, como um pré-requisito para a
aprendizagem. Será que não há como encararmos a agitação como o
movimento do aluno através da motivação e da curiosidade, buscando se
consolar no conhecimento, até saciar sua vontade pelo aprender?
Analisando as respostas dos alunos e conversando com estes, vemos
que muitas vezes eles também pensam assim, e não gostam da postura
estática que os professores querem que exerçam. A própria definição de
agitação proposta por um dos alunos mostra sua importância na aprendizagem:
excesso de vontade de se fazer alguma coisa. Se um aluno ficar com muita
vontade de aprender uma determinada coisa, ele vai se agitar em relação a ela,
e esta agitação não deve ser vetada, e sim estimulada. Julgamos importante
reforçar que em nenhum momento fazemos apologia à indisciplina
39
desenfreada, ou mesmo à violência. O que buscamos pensar é em uma
aprendizagem agitada, que provoque movimentos e que desperte reflexões.
E, por favor, não digam mais que pena, esta turma é muito agitada. Ao
invés disso, apostem na paixão dos alunos pela aula, para que possam, então,
se agitar para a construção de novos conhecimentos!

40
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