Publicado Metaforas Da Vida Cotidiana
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METÁFORAS DA VIDA
CO(T)VIDIANA
METAPHORS WE LIVE (FIGHTING) BY
José Teixeira1
CEH da Universidade do Minho-Portugal
1 AS METÁFORAS E A VIDA
Falar, no início de um texto académico, da relação entre a vida e as
obra “extraordinária”:
A lingüística já exportou várias grandes idéias para o mundo intelectual.
[...] Até por esses padrões, a teoria da metáfora conceitual de Lakoff é
extraordinária. Se ele estiver certo, a metáfora conceitual pode fazer
qualquer coisa, desde virar de cabeça para baixo 2500 anos de equivocada
confiança na verdade e na objetividade no pensamento ocidental. (PINKER,
2008, p. 284)
2Não fica muito elegante o termo e é pouco habitual esta referência àquilo que, normalmente,
se designa por visão ou teoria “lakoffiana” da metáfora. Mas fica mais justa. Convenhamos
que a obra seminal que lhe deu origem é dos dois, embora muitas vezes o segundo autor,
Mark Johnson, fique por referir.
que quaisquer outros anteriores a eles que a metáfora não é algo anormal, mas
formas e expressões. E é por isso que se pode aceitar que o título Metaphors We
Live By possa ter sido traduzido, em outras línguas, como Les Métaphores dans la
em que este texto está a ser escrito)4 é absolutamente dominado por uma temática
3 “metaphor is pervasive in everyday language and thought—evidence that did not fit any
contemporary Anglo-American theory of meaning within either linguistics or philosophy.
Metaphor has traditionally been viewed in both fields as a matter of peripheral interest. We
shared the intuition that it is, instead, a matter of central concern, perhaps the key to giving
an adequate account of understanding” (LAKOFF; JOHNSON, 1980, p.7)
4 Setembro de 2020.
secundário:
Denotação: Significado literal e estável de uma palavra ou expressão.
[Não tem exemplos]
Notas: Denotação define-se por oposição a conotação.
Conotação: Significado(s) secundário(s) associado(s) a uma palavra ou
expressão que não corresponde(m) ao seu sentido literal.
Exemplos: Na frase "A minha camisa é vermelha", a palavra "vermelha" tem
valor denotativo; na frase, "Ele é um sindicalista vermelho", a palavra
"vermelho" tem valor conotativo evocando uma filiação partidária ou
desportiva.
Notas: Conotação define-se por oposição a denotação5.
inquestionável que opõe os dois níveis de valor que, nesta perspetiva, uma
denotação e conotação.
Figura 1 - Visão dicotómica tradicional entre denotação e conotação
que quando se diz “aquele golo matou o jogo”, “O campeonato é uma guerra que
esmagador” não se está a usar o sentido físico que as palavras matar, guerra, tiro,
fuzilar, esmagar podem ter, como se se tratasse de uma guerra no sentido original7.
Mas será que a organização mental do léxico tem, para cada palavra, duas
as palavras têm duas faces, uma denotativa não figurada e outra conotativa,
Suficientes (CNS) nunca conseguiu explicar a forma como a mesma palavra (ou
mecanicismo do [+X] por oposição a [-X]. Portanto, também aqui, não será de
possa ser uma questão de grau ou que a figuratividade da linguagem pode variar
teriam tido. O conceito de metaforicidade pode ir desde o papel que os gestos têm
como teoria para explicar as representações concetuais começa até fora do âmbito
possui usos dotados sempre do mesmo estatuto concetual, mas usos mais
mesma coisa...)8. Assim, desde os usos prototípicos até aos usos periféricos, há
(podemos chamar-lhe) uma distância semântica que o falante domina e que lhe
menor, ou seja, se a palavra está a ser usada no sentido mais ou menos figurado 9.
8Para ver este aspeto sobre a organização prototípica da concetualização, ver Teixeira (2005).
9Pode falar-se também em grau de figuratividade. Não é muito rigoroso, no entanto, associar
denotação/conotação, sentido próprio/sentido figurado a membros ou usos prototípicos/
membros ou usos não prototípicos porque estão implicadas duas visões diferentes do
funcionamento das línguas naturais e da organização lexical. No entanto, globalmente, a
organização prototípica dos usos lexicais abarca, na totalidade, o que tradicionalmente se
dividia entre denotação/conotação, sentido/próprio/sentido figurado.
estaria mais próximo dos valores assinalados como periféricos (V4, por exemplo).
Figura 2 - Esquema representativo da estrutura prototípica
não há graus ou níveis de significado, mas uma gradação entre os vários valores
Para mostrar que não há dois planos completamente distintos, mas apenas
opinião, pode ir-se mais longe. A partir de algumas centenas de inquéritos, onde
quando estes não estão diretamente relacionados com cores. Designámos estas
constata-se, sem grande dificuldade, que os valores das cores evocados pelos
da integração sintonímica.
Figura 3 - Esquema da proposta do conceito de sintonímia
A nível neurológico, parece também que será mais acertado admitir que
possíveis que podem fazer. Pelos dados fornecidos pela neurocognição, parece
Parece, pois, não ser difícil de admitir que os nossos neurónios procuram
se fossem fenómenos de âmbito muito diferente, quando não serão mais do que
que a retratam incorporam essas correlações que, a nível lexical, não são mais do
Só que, como atrás vimos (Figura 2), não é necessário supor dois planos de
significado, mas apenas um, em que pode haver maior ou menor distância
pela bola”: para uns, lutar terá um sentido muito metafórico, mas para outros
futebol como luta/guerra pode não ser metafórico no mesmo grau para todos.13
13Basta assistir ao vivo a um jogo de futebol (de preferência nas bancadas dos adeptos comuns,
não nas dos VIPs) para se ver como é pequeno o grau de metaforização ou figuratividade da
metáfora da luta e da guerra no futebol. O comportamento belicoso de muitos adeptos antes
e no fim do jogo acentua esta dimensão do jogo como luta.
variáveis. Alguns exemplos mostram que esta visão é mais adequada. Na palavra
conceito de linha implica aceitar que tem comprimento mas não tem espessura
nem largura, o que é impossível construir pela perceção habitual. Já em “o rei era
cabeça do corpo humano, é menor: é a habitual atribuição pelos processos que são
falantes. E assim, a distância semântica será maior entre cabeça do corpo humano e
cabeça da nação do que entre lutar na segunda guerra mundial e lutar pela bola em cada
jogada. Aqui, lutar é “menos metáfora” do que cabeça nos exemplos dados, ou seja,
visualizar.
Figura 4 - Esquema da variação da distância semântica na metaforização
seja, que, tal como acontece com os conceitos para as cadeiras, os pássaros ou o
metafórica e não metafórica não tem sempre a mesma saliência, mas configura
um contínuo que vai da separação nítida até à quase identificação. E, a nosso ver,
no contexto COVID-19 está em que, mais do que de luta, são metáforas de guerra.
Mais: para determinados atores políticos, convém até que nem sejam vistas como
pelo seu sentido prototípico, como se o referente não fosse uma situação de não
seja, estes atores políticos (ainda que talvez não conscientemente) intuíram que a
distância semântica nas metaforizações não é sempre a mesma e que pode ser
referencial.
é uma guerra metafórica (não usa esta formulação) mas uma guerra real, uma
termina assim: “Porque não há outra forma de vencer esta guerra que não seja
3.2 Porque é que uma metáfora pode ser vista como “um exagero e um excesso
de linguagem”?
COVID-19, se já o era até aí, tornou-se quase asfixiante na imprensa, dando, por
vezes, a ideia de que parecia estar a falar-se mesmo de uma guerra. Isso levou a
que, na própria imprensa, surgisse o debate sobre até que ponto a guerra
da guerra pode ser nociva porque pode ser tomada como “pouco metafórica” e
o papel dos líderes a quem se deve dar todo o poder, fazem ver tudo como uma
questão de quem ganha e quem perde, captam a nossa benevolência para confiar
popularidade nas sondagens. Por isso, não é de admirar que esta metáfora não
seja aceite por quem, por questões de princípio ou ideologia, não quer conceder
Emergência:
Ao contrário do que se diz, isto não é uma guerra. Nas guerras perde-se ou
ganha-se. Nisto, pondera-se o impacto da doença e da cura. E é por isso que
os políticos não podem ser comandados pelo medo das pessoas, por mais
insuportável que seja a pressão. (Daniel Oliveira, Não morrer da cura,
Expresso 21/3/2020)20.
refere:
Marcelo Rebelo de Sousa utilizou oito vezes a palavra guerra, na
comunicação que fez ao país, para definir a crise que estamos a atravessar
devido ao coronavírus. O Presidente da República não tem dúvidas de que
estamos a enfrentar «uma verdadeira guerra». Não foi o primeiro a associar
a Pandemia da COVID-19 a uma guerra, mas há quem considere um exagero
e um excesso de linguagem.
antivírus estava a ser interpretada quase literalmente, ou seja, não era atribuída
muitos mortos, doentes, hospitais onde não cabiam mais pessoas que eram
de sair de casa, tentando, os que podiam, fugir para zonas mais distantes, rurais
e mais isolados dos grandes centros, como acontece numa verdadeira guerra. O
não está no domínio metafórico: “Em Espanha, o cenário é de guerra” quer dizer
morreram quase 400 pessoas. O país vizinho soma neste momento 28573
“o Presidente é a cabeça da nação”, “os teus olhos são estrelas” ou “o teu sorriso
é o meu sol”, embora aqui sim, em rigor haja “um exagero e um excesso de
linguagem”, razão apontada para não se dever referir a proteção contra o vírus
como guerra. Toda a gente sabe que as nações não são uma pessoa, não têm
cabeças, os olhos não são estrelas e o Sol é uma estrela e não um sorriso. Mas a
quase absurda ou mesmo absurda sem ninguém se admirar nem querer proibir.
Então, por que razão esta metáfora concetual da guerra covidiana foi (é) polémica
devendo ser evitada? Precisamente porque ela é interpretada quase como não
referencial.
aumento da venda de armas para particulares nos Estados Unidos, que mesmo a
Figura 6 - Bartoon
simbologia social e cognitiva que o uso de armas tem para muitos americanos.
“guerra” ao vírus não se faz com as armas das guerras não metafóricas, mas como
esta “guerra” foi sentida como quase real e pouco metafórica o inconsciente
real.
23 Site da Agência Efe (https://www.efe.com 9): “as compras impulsionadas pelo medo dos possíveis
efeitos do novo coronavírus também levaram ao aumento nas vendas de armas nos Estados Unidos, com
compradores a aglomerarem-se em estabelecimentos especializados em cidades como Los Angeles.
Longas filas de compradores foram vistas neste fim de semana em frente à loja de armas Martin B.
Retting, em Culver City, no condado de Los Angeles, o que levou o local a publicar uma mensagem na
sua conta do Facebook a pedir desculpas aos clientes por não permitir testes em algumas das armas e por
não poder atender todos.
As vendas de armas também subiram online.
O site "Ammo.com", que vende munições online, também viu um aumento recente nas vendas.
Segundo a empresa, de 23 de fevereiro a 4 de março, as transações aumentaram 68% em comparação
aos 11 dias anteriores, informou o jornal Los Angeles Times.”
Disponível em: https://www.efe.com/efe/portugal/destacada/venda-de-armas-nos-eua-
aumenta-devido-ao-medo-dos-efeitos-do-coronavirus/50000440-4197630. Acesso em: 16 set.
2020.
24 Publicado na edição impressa e também disponível online em:
https://www.publico.pt/bartoon. Acesso em: 10 fev. 2021.
distância semântica entre metáforas com Fontes e Alvos diferentes (para linha,
soundbites originam nos média. No entanto, elas nem são as metáforas nucleares
Esta rede metafórica será, como todas, uma estrutura aberta, e nenhum
intenção deste texto, mas apenas a de, em esquema, situar a metáfora concetual
metaftonímia (por isso atrás abordado) para poder entrar na referida rede
maiúsculas, uma minúscula e um número. Mas raramente ele é usado para referir
fossem termos sinónimos. E a prova disso é, por exemplo, aparecer escrito, como
(metonímica) ao vírus.
relatos orais são inúmeros25). Não é a doença que infeta, é o vírus. A doença é o
25Apenas a título de exemplo: “Acha que esteve infetado com COVID-19?” (Jornal Correio da
Manhã, disponível em: https://www.cmjornal.pt/mundo/detalhe/acha-que-esteve-infetado-
com-covid-19-conheca-os-sintomas-que-nao-deve-ignorar-e-podem-persistir-apos-recuperar.
Acesso em: 10 fev. 2021; “Sabe o que fazer se alguém em sua casa ficar infetado pelo #COVID-
19?”, site do Hospital Privado de Chaves, disponível em: https://hpchaves.pt/sabe-o-que-
fazer-se-alguem-em-sua-casa-ficar-infetado-pelo-covid-19/. Acesso em: 10 fev. 2021; “Casal
infetado com Covid-19 deu o nó no hospital”, site da RTP, televisão nacional (do estado) de
Portugal, disponível em: https://www.rtp.pt/noticias/mundo/missao-da-oms-a-china-origem-
do-sars-cov-2-fica-por-determinar_n1296368. Acesso em: 10 fev. 2021. Os exemplos são
inúmeros, basta pesquisar a expressão “infetado com covid”.
deveria ser “Guarda redes do Benfica infetado com o vírus corona tem COVID-
absurdos, como “COVID-19 ajuda zonas com menos turismo”27. Aqui COVID-19
equivale a vírus ou à situação global criada e não à doença. Não é quem está
doente ou a própria doença que ajudam as zonas que antes da pandemia tinham
menos turismo, mas a situação social (as pessoas procurarem para férias zonas
Destak de 14/09/2020.
constituído por este vírus fomos recolhendo um corpus que demonstra a enorme
podem, aqui, apresentar todas as ocorrências desse corpus, mas, para mostrar
28 “The notion of a cascade builds on the observation made in frame semantics that frames
are bundles of coherent roles dynamically related to one another”.
29 Expressões muito frequentes como “proteger-se é a melhor arma”, “distanciamento social é
a melhor defesa”, “ficar em casa é a única arma que temos” mostram a abrangência aqui do
conceito de luta que inclui a proteção de cada um.
5 FOCANDO O ESSENCIAL
Naturalmente que não foi objetivo deste texto a explanação de toda a rede
dos falantes que, mesmo não sendo linguistas, intuem diferenças entre os dois
existem, mas isso não pode significar uma visão rígida que separa esses planos
como instâncias paralelas de significado. Esses planos têm de ser vistos como de
procuramos que se visualize a forma como se pode conciliar a existência dos dois
Por isso, ela estar a ser tão popular em culturas e nações muito diferentes, por
isso ela ser obsessivamente usada, sobretudo por líderes governamentais que lhe
covidiana são, para o bem e para o mal, hoje, metáforas da vida cotidiana.
REFERÊNCIAS
30Os líderes nacionais (Presidentes Bolsonaro, Trump e poucos mais) que não partilharam
estes frames (podemos dizer, esta estrutura cognitiva) e não quiseram perspetivar o combate à
pandemia como uma guerra, mas como algo banal (“uma gripezinha”, “nada de especial”,
“com o calor o vírus vai morrer”) ou mudaram de opinião ou sofreram fortes perdas de
popularidade.
Nota do editor:
Artigo submetido para avaliação em: 11 de novembro de 2020.
Aprovado em sistema duplo cego em: 04 de fevereiro de 2021.