Surdez, Educação e Trabalho - Um Estudo em Aracaju-Se
Surdez, Educação e Trabalho - Um Estudo em Aracaju-Se
Surdez, Educação e Trabalho - Um Estudo em Aracaju-Se
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Salvador (BA)
2021
VALÉRIA SIMPLÍCIO DA SILVA
Salvador (BA)
2021
APROVADO EM: ___.___.____
Ao meu orientador, o professor Dr.ª Miguel Angel Garcia Bordas, pela paciência,
dedicação, disciplina e rigor científico.
Às professoras Drª Sheila de Quadros Uzeda, Drª Regiane da Silva Barbosa, Drª Cláudia
Paranhos de Jesus Portela e Dr.ª Isa Regina Santos dos Anjos pelas valiosas contribuições
e orientações durante o exame de qualificação.
À professora, amiga e colega de trabalho Isa Regina Santos dos Anjos, sempre disposta a
oferecer suas colaborações, orientações e acompanhamento à minha pesquisa.
Aos amigos e colegas de trabalho Irami Bila, Raquel Pereira e Jorge Fortes por todo o
apoio.
À minha mãe e a todos meus irmãos pela força.
Aos meus filhos Larissa Simplício, Eudes Simplício e Laura Simplício, e ao meu neto
Noah Simplício pelo amor a mim dedicado.
Em especial à Vanessa Rhoden pelo amor, companheirismo, apoio e por sentir junto
comigo os altos e baixos de todo esse percurso, me dando forças nas horas mais difíceis.
À amiga Marina que sempre me deu força na realização deste trabalho.
Aos meus colegas do Doutorado que compartilharam comigo momentos de aflição e
angústia e que foram solidárias.
A todas as pessoas que de alguma forma torceram por mim neste período.
Aos professores do Doutorado.
Aos surdos entrevistados.
A todos os meus alunos.
Obrigada a todos que, direta ou indiretamente, me ajudaram de alguma forma nesta
trajetória.
RESUMO
Esta tese apresenta os resultados da pesquisa que se propôs a investigar as relações entre
surdez, educação e trabalho. A pergunta que mobilizou o estudo foi: a formação
educacional dos surdos em nível superior tem contribuído para um maior acesso e melhor
atuação deles no mercado de trabalho, na atualidade? O objetivo da pesquisa consistiu em
analisar as relações existentes entre a formação educacional de surdos egressos do Ensino
Superior e a sua atuação no mercado de trabalho de Aracaju-Se. Para dar início a esse
estudo, primeiramente, foi realizada uma pesquisa no Banco de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para obter um
panorama das produções acadêmicas cuja temática relacionam a formação educacional dos
surdos em nível superior e sua atuação no mercado de trabalho. O lócus do campo
empírico foi a cidade de Aracaju-Se. Para alcançar os objetivos de pesquisa, a abordagem
empregada na foi qualitativa de base fenomenológica. Os principais resultados da pesquisa
consubstanciaram com a defesa da seguinte tese: as dificuldades de inserção e atuação dos
surdos egressos do Ensino Superior no mercado de trabalho de Aracaju-Se não estão
relacionadas apenas à qualidade da formação recebida em sua trajetória acadêmica – em
virtude das barreiras linguísticas e metodológicas que tiveram que enfrentar durante o
percurso acadêmico e da falta de apoio pedagógico especializado – mas também às
barreiras atitudinais que eles se deparam quando tentam acessar o mundo laboral, à falta de
uma política de acompanhamento desses egressos por parte das Instituições de Ensino
Superior através de parcerias com as organizações de trabalho.
This thesis presents the results of the research that proposed to investigate the relationship
between deafness, education and work. The question that mobilized the study was: has the
educational training of the deaf at a higher level contributed to greater access and better
performance of them in the job market, nowadays? The objective of the research was to
analyze the existing relationships between the educational formation of deaf graduates
from Higher Education and their performance in the job market in Aracaju-Se. To start this
study, first, a research was carried out at the Bank of Theses and Dissertations of the
Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel (Capes) to obtain an
overview of academic productions whose theme relates to the educational training of deaf
people at higher education and its performance in the labor market. The locus of the
empirical field was the city of Aracaju-Se. To achieve the research objectives, the
approach used in the qualitative was phenomenological based. The main results of the
research substantiated with the defense of the following thesis: the difficulties of insertion
and performance of the deaf graduates of Higher Education in the job market in Aracaju-Se
are not only related to the quality of the training received in their academic trajectory - due
to the linguistic and methodological barriers that they had to face during the academic path
and the lack of specialized pedagogical support - but also to the attitudinal barriers that
they face when trying to access the world of work, the lack of a policy of monitoring these
graduates by the Institutions of Higher Education through partnerships with work
organizations.
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 10
1.1 ESTADO DA ARTE SOBRE AS PESQUISAS QUE RELACIONAM SURDEZ,
EDUCAÇÃO E TRABALHO ......................................................................................... 13
1.2 OBJETIVOS .............................................................................................................. 18
1.2.1 Geral ................................................................................................................... 18
1.2.2 Específicos .......................................................................................................... 18
2 QUEM SÃO OS SURDOS? ........................................................................................... 21
2.1 COMUNIDADE SURDA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS SURDOS ................... 24
2.2 CULTURA SURDA .................................................................................................. 29
2.3 IDENTIDADE SURDA ............................................................................................ 32
3 OS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR....................................................................... 37
3.1 LEGISLAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA INCLUSÃO DOS SURDOS NA
UNIVERSIDADE ............................................................................................................ 38
3.2 ACESSIBILIDADE PARA ALUNOS SURDOS NA UNIVERSIDADE ................ 41
3.2.1 A Barreira da Língua Portuguesa ................................................................... 43
3.3 POLÍTICA DE ACOMPANHAMENTO DO EGRESSO SURDO .......................... 50
4 OS EGRESSOS SURDOS E O MERCADO DE TRABALHO ................................. 55
4.1 DADOS DA INSERÇÃO E ATUAÇÃO DO SURDOS NO MERCADO DE
TRABALHO .................................................................................................................... 61
5 PERCURSO METODOLÓGICO ................................................................................ 67
5.1 ABORDAGEM METODOLÓGICA ........................................................................ 67
5.2 LÓCUS DA PESQUISA ........................................................................................... 69
5.3 PARTICIPANTES DA PESQUISA .......................................................................... 69
5.4 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ........................................................ 71
5.5 COLETA DE DADOS............................................................................................... 71
5.6 ANÁLISE DOS DADOS........................................................................................... 73
6 DESEMPENHO ACADÊMICO E ATUAÇÃO PROFISSIONAL: O QUE
PENSAM OS EGRESSOS? .............................................................................................. 76
6.1 PERCEPÇÕES DO EGRESSO SURDO SOBRE SUA FORMAÇÃO
ACADÊMICA ................................................................................................................. 76
6.2 MERCADO DE TRABALHO: INSERÇÃO E ATUAÇÃO .................................... 88
6.3 POSSIBILIDADES DE CONTINUIDADE ENTRE A UNIVERSIDADE E O
MERCADO DE TRABALHO ........................................................................................ 98
6.3.1 Apoio pedagógico especializado ao estudante surdo ...................................... 99
6.3.2 Política institucional de acompanhamento ao egresso surdo ...................... 105
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................. Erro! Indicador não definido.
REFERÊNCIAS ..................................................................... Erro! Indicador não definido.
APÊNDICES .................................................................................................................... 125
1. APÊNDICE A ............................................................................................................ 126
2. APÊNDICE B ............................................................................................................ 128
3. APÊNDICE C ............................................................................................................ 129
1 INTRODUÇÃO
10
No que se refere aos surdos, apesar de ser percebida uma conquista no campo dos
direitos sociais pelos mesmos, o processo de mudança, dentro de uma perspectiva
assistencialista e paternalista para uma visão mais tolerante para a diferença, foi e continua
sendo marcado por lutas, contestações e decepções.
Segundo Custódio (2012), mesmo após as leis específicas que legitimam o direito
de pessoas com deficiência ao trabalho, como a Lei n° 8.112 de 11 de dezembro de 1990,
que determina a reserva de 20% das vagas em concursos públicos, e a Lei nº 12.711 de 29
de agosto de 2012 (Lei de Cotas), que obriga empresas com 100 (cem) ou mais
funcionários a reserva de 2% a 5% das vagas para pessoas com deficiência, muitas
empresas não contratam o surdo alegando baixa escolaridade da maioria e falta de
capacitação profissional.
Foi diante desse contexto, a partir da problemática acima exposta e da minha
atuação como docente do Departamento de Libras (DELI) da Universidade Federal de
Sergipe (UFS), que o interesse por esse estudo foi desencadeado.
Tendo me dedicado acadêmica e profissionalmente, nos últimos vinte anos,
exclusivamente à educação de surdos e ao ensino da Libras, comprometida com os
movimentos desse segmento pelo reconhecimento dos seus direitos como um grupo
linguístico, não poderia deixar de investigar as relações que se estabelecem entre surdez,
educação e trabalho. Interesse que se intensificou diante de interações com os surdos
egressos de vários cursos da Instituição, onde em conversas informais eles expunham as
dificuldades do ingresso e atuação no mercado de trabalho mesmo após sua formação.
Para Viana (2009), o Brasil tem uma das menores taxas de participação de surdos
no mercado de trabalho. De acordo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), 6,7% da população brasileira possui algum tipo de deficiência. Os
números apontam para um universo de 12,7 milhões de pessoas. Dentro desse universo,
existem 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva no país, onde 20% são
completamente surdos. Número expressivo que merece destaque.
Segundo dados do IBGE (2010), 13,1% da população brasileira está
desempregada. Em relação às pessoas com deficiência, a inclusão no mercado de trabalho
ainda continua pequena. O trabalho para essas pessoas corresponde a somente 3,45% dessa
população. O levantamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(CAGED) de 2018 apontou 442.007 empregos para pessoas com deficiência – o que
explica a baixa porcentagem. Em relação às pessoas com deficiência auditiva, de acordo
11
com o Instituto Locomotiva de Pesquisa e Estratégia em pesquisa realizada em 2019,
apenas 37% dessas pessoas estão atuando no mercado de trabalho.
Atualmente um número significativo de políticas de combate à exclusão social
tem sido implementado. Entre elas destacam-se as políticas afirmativas, que se
caracterizam, segundo Munanga e Gomes (2006, p. 186), por um conjunto de ações
“públicas e privadas, de caráter compulsório (obrigatório), facultativo (não obrigatório) ou
voluntário que tem como objetivo corrigir as desigualdades historicamente impostas a
determinados grupos sociais e/ou étnico/raciais”.
Entre as diversas ações públicas que compõem as políticas afirmativas, ganham
destaque as Ações Afirmativas de Promoção ao Ensino Superior. Essas ações
caracterizam-se em uma ação governamental que institui a necessidade de instituições
públicas e privadas reservarem vagas para as pessoas que fazem parte de grupos sociais
menos favorecidos, dentre eles, os surdos. Trata-se, então, de uma ação que tem como
objetivo atenuar as dificuldades de ingresso no Ensino Superior, na tentativa de tornar o
sistema educacional mais equilibrado e equitativo.
Sobre as Políticas de Reserva de Vagas nas universidades, é importante destacar
sua significativa aprovação na presente década, uma vez que, atualmente, várias
universidades públicas brasileiras já implementaram tal política. Outras ações, também
importantes, têm se constituído em ações afirmativas, como bolsas de estudos para aqueles
que desejam se preparar para concursos, curso pré-vestibular para negros e indígenas e,
ainda, cotas para ingresso em instituições de trabalho públicas.
Nesse sentido, é importante lembrar que alguns estudos foram desenvolvidos, no
que se refere ao ingresso, à evasão e à permanência de alunos surdos no Ensino Superior.
No entanto, ainda não existe nenhum trabalho referente às questões de acompanhamento
dos surdos egressos, no momento de sua saída da universidade e da entrada no mercado de
trabalho. O diferencial desta pesquisa, em meio a tantos trabalhos sobre a atuação do surdo
no mercado de trabalho, está em tecer relações entre essa atuação e à sua formação no
Ensino Superior. De acordo com Zoboli, Silva e Bordas (2009, p. 218)
Sob o olhar acadêmico, ainda persevera uma lacuna de estudos que deem voz ao
público em questão, no sentido de apreender suas dificuldades no que se refere à sua
formação para atuar no mercado de trabalho. Segundo Bordas (1982, p. 8):
Na década de 1980 e, ao longo dos anos 1990, de acordo com Brito, Neves e
Xavier (2013), as pesquisas científicas demonstrando o estatuto linguístico da língua de
sinais no Brasil, iniciaram-se, e a linha de argumentação dos ativistas surdos envolvidos
com a luta pela oficialização da Libras, sustentou-se ainda mais no trabalho dos linguistas
que demonstravam – através da publicação de livros, artigos e materiais didáticos e da
organização de cursos, congressos e grupos de pesquisas – a natureza linguística desta
língua. Assim, a partir da década de 1990, houve um crescimento em relação ao número de
trabalhos acadêmicos publicados, seja em forma de dissertação de mestrado, teses de
doutorado, artigos científicos ou livros, e muitos abordavam aspectos referentes à
educação de surdos.
13
Com a promulgação da Lei nº 10.432, de 2002, a Libras passa a ser reconhecida
como língua oriunda de comunidades de pessoas surdas do Brasil e, por meio do Decreto
nº 5.626 de 2005 que a regulamenta, esse número de trabalhos aumenta, no entanto, como
esta pesquisa evidencia, um número infinitamente pequeno desses trabalhos relaciona a
educação de surdos e o trabalho laboral.
Assim, para o aprofundamento da investigação foi feito, inicialmente, um
levantamento de pesquisas no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O período da busca foi
demarcado, inicialmente, pelo último ano em que estavam disponíveis as informações no
Banco de Teses, ou seja, 2020, e retrocedendo-se cinco anos, temos como corte inicial o
ano de 2015.
Das produções desse período, apenas a dissertação de Roberto Antônio Alves,
intitulada Ser surdo: o percurso (auto) biográfico das aprendizagens construídas na vida
escolar e profissional, defendida em 2016 no Programa de Pós-graduação Escolar da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Araraquara, faz relação entre a
surdez, a educação e o trabalho.
Desta forma, tendo identificado apenas uma produção relacionada a essa temática,
no referido recorte temporal, foi realizada outra busca, de forma geral, sem delimitar
período, com o intuito de obter um número maior de trabalhos publicados. Após esse
segundo levantamento, foram identificadas, até 2020, seis dissertações de mestrado, na
área da Educação, defendidas em 1999, 2002, 2006, 2011 e 2016, cujos estudos relacionam
a educação dos surdos e o trabalho.
O primeiro trabalho é o de Madalena Klein, A formação do surdo trabalhador:
discursos sobre a surdez, a educação e o trabalho, defendido em 1999, no Programa de
Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Constatou-se
que esta autora é a que mais se dedicou à temática em questão, até este momento, uma vez
que a mesma é a pesquisadora que mais tem publicações, em forma de artigos, com a
temática Surdez, Educação e Trabalho, no entanto o texto de sua dissertação não está
disponível para leitura na internet. Assim, entrei em contato com a referida pesquisadora e
solicitei o envio do texto de sua dissertação, o que ela disponibilizou prontamente.
14
As seis produções acadêmicas encontradas nesta pesquisa foram selecionadas
inicialmente pelo título e, a partir da sua inclusão por este critério, realizou-se a leitura do
resumo de cada trabalho, de onde foram retiradas informações pertinentes à pesquisa.
LOCAL
‘(1999)
(2011)
(2011)
17
1.2 OBJETIVOS
Para o alcance das questões de pesquisa que nortearam este estudo, foram
delineados os seguintes objetivos:
1.2.1 Geral
1.2.2 Específicos
18
Vale destacar que analisar as relações existentes entre a formação educacional de
surdos egressos do Ensino Superior e a sua atuação no mercado de trabalho em Aracaju-SE
é um aspecto que merece ser incluído no debate das políticas públicas a ações afirmativas,
uma vez que o papel dessas políticas e ações não deve ser apenas o de ampliar o acesso e a
garantia da inserção desses sujeitos no Ensino Superior, mas também de proporcionar a
permanência desse público na universidade através de medidas que oportunizem a eles
uma formação de qualidade para que haja a ampliação de suas possibilidades de atuação
profissional e, consequentemente, uma maior inserção no mercado de trabalho De acordo
com Bordas (1982, p. 11):
20
2 QUEM SÃO OS SURDOS?
21
uma perda de células ciliadas da cóclea e/ou nervo auditivo, afetando a percepção de
diversos sons e comprometendo assim a percepção do estímulo sonoro; 3) perda mista,
quando ocorrem alterações na orelha externa e/ou na orelha média e na orelha interna.
Nesse estudo, foi tomado como referência o conceito cultural, adotando a
concepção de surdez como diferença, uma vez que se faz necessária uma leitura que supere
essa perspectiva biomédica, levando em consideração a influência dos contextos sociais e
culturais em que a pessoa surda se insere, bem como a experiência singular com a surdez
(OMS, 2011). Skliar (2000, p. 20) chama a atenção para a importância de
Considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende
e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando
sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS.
22
Se vocês nos perguntarem aqui: o que é ser surdo? Temos uma resposta:
ser surdo é uma questão de vida. Não se trata de uma deficiência, mas de
uma experiência visual. Experiência visual significa a utilização da visão,
(em substituição total a audição), como meio de comunicação. Desta
experiência visual surge a cultura surda representada pela língua de
sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo,
de entrar nas artes, no conhecimento científico e acadêmico.
24
já que existem espaços onde a comunicação entre eles é favorecida – mas sim a uma rede
de sociabilidade (de forma pessoal ou virtual) que envolve surdos e outras pessoas que
saibam se comunicar em língua de sinais. Desta forma, essa língua tem um papel
fundamental na comunidade surda, como uma comunidade linguística. Segundo Gumperz
(1984, p. 289):
28
Nas palavras dessa pesquisadora surda, a Perlin (1998, p. 71) encontramos
explicitada sua visão do movimento surdo:
30
mais amplo, mas que deve ser entendida como existente e necessária de
ser respeitada. A forma especial de o Surdo ver, perceber, estabelecer
relações e valores deve ser usada na educação dos Surdos, integrada na
sua educação em conjunto com os valores culturais da sociedade ouvinte,
que em seu todo vão formar sua sociedade.
De acordo com Lane (1992), pessoas que ficaram surdas muito jovens ou que
nasceram surdas, se consideram essencialmente visuais, com uma linguagem visual, com
uma organização social, uma história e valores que lhes são próprios. Sendo assim, essas
pessoas têm a sua própria maneira de ser e possuem língua e cultura próprias. Sá (2002),
destaca que a cultura surda está ligada aos códigos utilizados pelos surdos, a maneira como
eles se organizam e como expressam sua linguagem, seus valores e sua arte.
A legitimação de uma cultura própria não significa que os surdos querem se isolar
dos ouvintes e viver segregados. Como em qualquer outro grupo cultural, unido pela
existência de diferenças e questões que surgem no convívio, acabam levando à exclusão
dos próprios membros, seja por não identificação ou por divergência de opiniões.
A cultura ouvinte exige dos surdos um esforço no sentido de que eles se adaptem
a todas as barreiras linguísticas, e a existência da cultura surda permite a capacidade de
autoaceitação dos surdos, permite a esses sujeitos um posicionamento frente à cultura
ouvinte, que é a cultura da maioria, e que é socialmente imposta aos surdos sem levar em
consideração as diferenças linguísticas. Perlin (1998) resume a questão da cultura surda
dizendo que os surdos precisam realizar a experiência de serem surdos, de serem o povo
surdo que determina a esperança e a certeza de que não serão exterminados e que não se
fecharão na deficiência, devendo partir para ações intelectuais com outros povos.
31
Conforme Sá (2002), fazer parte da comunidade surda, enquanto surdo ou
enquanto ouvinte frequentador, não é apenas utilizar a língua de sinais, mas também optar
por conhecer e compreender a problemática da surdez por meio de sua própria experiência
ou do convívio com os surdos. Sendo assim, não existe cultura surda sem surdez, e a língua
de sinais, é o principal elemento que une os membros desta comunidade. Nesse sentido, a
cultura surda é mais forte entre aqueles que utilizam a língua de sinais, porque os surdos se
utilizam da própria diferença linguística como forma de elevar a autoestima e sentir
orgulho de suas próprias conquistas.
32
Em termos culturais, a surdez não é considerada apenas uma condição fisiológica,
ela constrói uma identidade cultural própria. Mas o que é a identidade surda? Para Perlin
(idem, p. 8), como sujeitos que transitam em diferentes formas de uma identidade surda,
34
interessante para a comunidade surda e esta não a reconhece. Portanto, não serão quaisquer
sujeitos, que por uma ou por outra característica, podem compor a comunidade surda. Há
requisitos mínimos de intencionalidade e dever comum.
Os surdos que aceitam sua identidade política e que não desistem de expressar
suas opiniões, de construir o conhecimento e de estarem ativas e se posicionarem diante de
questões políticas, sociais, linguísticas e culturais, buscam conviver no mundo ouvinte à
sua maneira, fazendo questão de assumir a sua identidade surda. Esses surdos são sujeitos
históricos e culturais que constroem e reconstroem suas identidades a partir do conceito de
diferença. Essa perspectiva está em sintonia com o multiculturalismo crítico de McLaren
(1997), que concebe a existência e convívio de várias culturas surdas. Isto é, formas de ver,
perceber, estabelecer relações e valores a partir da experiência visual em meio às relações
sociais de poder existentes.
Segundo Skliar (1998), essa visão de surdez considera a pessoa surda como
pertencente a um grupo com características próprias no que se refere à cultura, à língua, e à
percepção do mundo. Um grupo que possui uma diferença e que constrói essa diferença de
forma histórica e social, vivenciando conflitos com seus pares. Essa concepção de surdez
como diferença, admite a existência da comunidade surda, da língua de sinais, da cultura
surda, das identidades surdas e dos movimentos sociais surdos.
Skliar (1998) destaca que há um forte preconceito por parte dos ouvintes em
relação aos surdos sinalizadores, pois entendem que se os surdos não falam (oralizam), são
incapazes como um todo, inclusive que são impossibilitados de desenvolver sua profissão.
“Ser falante é também ser branco, homem, profissional, letrado, civilizado, etc. Ser surdo,
portanto significa não falar, não ser profissional, não ser letrado, ser surdo-mudo e não ser
humano” (SKLIAR, 1998, p.21). Por causa desse preconceito, quando um surdo supera as
barreiras linguísticas e sociais e ingressando no Ensino Superior, sendo aprovado em um
concurso público, tirando carteira de motorista, entre outros, ainda desperta surpresa ou
espanto das pessoas ouvintes. Ainda há uma rotulação de incapacidade linguística e
intelectual desses sujeitos surdos, pois, de acordo com Goffman (2008), espera-se que um
indivíduo estigmatizado se comporte de maneira que seu estigma fique evidente.
Para Marin e Góes (2006) esse é um dos problemas relativos à resistência dos
empregadores em contratar pessoas surdas para o trabalho. Elas sofrem com o preconceito
da incapacidade, são discriminadas e, muitas vezes, são negadas as oportunidades de
35
mostrar suas capacidades e talentos. Mesmo quando conseguem um emprego, seja na sua
área de formação e/ou profissionalização ou não, sentem dificuldades para construir
relações interpessoais, bem como compreender a dinâmica do espaço laboral.
De acordo com Sá (2002), os surdos podem e devem ter acesso a todos os bens
culturais universais, e essa apropriação irá se materializar por meio da compreensão de si
mesmos, em conjunto com seus pares, e de acordo com a sua leitura cultural de mundo.
Assim, para Andrade (2012), a principal motivação dos surdos quanto à sua
formação acadêmica diz respeito à relevância de se profissionalizar e de atuar junto à
sociedade, apresentando aos ouvintes o que significa ser surdo e influenciando as novas
gerações quanto ao desenvolvimento de uma identidade surda.
36
3 OS SURDOS NO ENSINO SUPERIOR
37
Assim, apesar do desenvolvimento das políticas afirmativas para combater a
situação de exclusão vivenciada por eles, no momento do ingresso a esse nível de ensino,
através da reserva de vagas para pessoas com deficiência, e do acesso à comunicação e
informação através dos intérpretes de Libras, a fragilidade das práticas pedagógicas não
permite ainda, de forma satisfatória, o acesso ao conhecimento acadêmico para a
permanência deste público nesse nível de ensino.
1
Termo utilizado para referir-se às pessoas que possuem algum tipo de deficiência. “A partir de 1981, por
influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começa-se a escrever e falar pela primeira vez a
expressão pessoa deficiente. O acréscimo da palavra pessoa, passando o vocábulo deficiente para a função de
adjetivo, foi uma grande novidade na época. No início, houve reações de surpresa e espanto diante da palavra
pessoa: ‘Puxa, os deficientes são pessoas?!’. Aos poucos, entrou em uso a expressão pessoa portadora de
deficiência, frequentemente reduzida para portadores de deficiência. Por volta da metade da década de 90,
entrou em uso a expressão pessoas com deficiência, que permanece até os dias de hoje.” (Terminologia
sobre deficiência na era da inclusão – Romeu Sazumi Kazaki). Disponível em:
http://www.mobilizadores.org.br/bastidores/textos/terminologia-sobre-deficiencia-na-area-de-inclusao/.
Acesso em: 22 fev. 2021.
38
Entre as ações afirmativas de promoção ao Ensino Superior estão a determinação
de reserva de vagas nas instituições públicas e privadas para as pessoas menos favorecidas,
como os índios, os alunos de escolas públicas, os negros, bem como as pessoas com
deficiência. Assim, trata-se de uma ação que tem o objetivo de atenuar as dificuldades de
ingresso desses indivíduos no Ensino Superior, equilibrando e tentando tornar o sistema
educacional mais equitativo.
No que se refere aos surdos, as ações afirmativas que proporcionaram um maior
acesso e permanência desse público na Educação Superior, vêm após reconhecimento
oficial da Libras como meio legal de comunicação e expressão das comunidades surdas
brasileiras, pela Lei de Libras, pois a partir dessa oficialização é que uma política
linguística voltada para atender as pessoas surdas no Ensino Superior começa a ser
implantada e regulamentada. Para Lacerda (2009) a partir da sanção desta lei os surdos
ganham respaldo, diante do poder público, na reivindicação de uma educação que
considere as suas especificidades linguísticas.
Em 2003 passa a vigorar a portaria nº 3.284 que dispõe sobre os requisitos de
acessibilidade às pessoas com deficiência para instruir os processos de autorização,
reconhecimento de cursos e credenciamento de IES, considerando a necessidade de
assegurar às pessoas com deficiência condições básicas de acesso ao Ensino Superior.
Dentre os requisitos determinados por esta portaria para que as IES possam estar em
condições de ofertar cursos estão os que são direcionados aos surdos, no art, 2º, §. 1º, inc.
III, (BRASIL, 2003, p. 1)
40
para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino aos
alunos com deficiência e transtornos globais do desenvolvimento. Esse mesmo Decreto,
assegura, em seu art. 5º, § 2º, inc. apoio técnico e financeiro para a estruturação de núcleos
de acessibilidade nas IES com vistas ao apoio pedagógico a esses alunos.
Segundo Rosseto (2009), o MEC possui dois programas na área de Educação
Especial relativos a este nível de ensino: o Incluir e o programa de apoio do Ministério da
Educação às Universidades Públicas (PROESP), cujo objetivo é apoiar e incentivar a
pesquisa em Educação Especial e cursos relacionados à formação dos professores do
ensino infantil, fundamental, médio e superior, nas modalidades de educação de jovens e
adultos e na educação profissional. No entanto, mesmo com as iniciativas oficiais do
governo e com o fomento de Programas que estimulem o acesso das pessoas com
deficiência no Ensino Superior, ainda existem dificuldades para institucionalizar uma
política de inclusão dentro das IES.
41
favoreçam aos mesmos a aprendizagem em condições de igualdade, atribuindo o insucesso
ou fracasso dos alunos surdos no Ensino Superior à falta de serviços de apoio.
Segundo Goffredo (2004), após o ingresso do estudante surdo na universidade é
preciso vencer as barreiras que dificultam ou impedem a sua permanência no curso para
que as suas necessidades educacionais sejam atendidas. Segundo Sampaio e Santos (2002),
para que esses alunos consigam se adaptar à vida acadêmica e passem a assimilar as novas
informações e conhecimentos do ensino universitário precisam, primeiramente, contornar
problemas herdados da Educação Básica, como deficiências de linguagem, condições de
estudo inadequadas, falta de habilidades lógicas, problemas de compreensão em leitura e
dificuldade de produção de textos escritos.
Outro fator que pode desfavorecer e inviabilizar a participação e a aprendizagem
por parte dos alunos surdos são as barreiras pedagógicas/metodológicas, ou seja,
metodologias e práticas pedagógicas inadequadas dos professores. Aqui a acessibilidade
metodológica se concretiza na diversificação metodológica em razão das necessidades
específicas desse público no que se referem à língua.
Para Sampaio e Santos (2002) participar de forma efetiva das mais diversas
atividades educacionais é um desafio no tocante à desvantagem linguística que a
comunidade surda enfrenta, uma vez que surdos formam um grupo com menor número de
pessoas em relação aos ouvintes. Portanto, há que se discutir também a necessidade
urgente de atender às especificidades linguísticas2 destes alunos, pois não basta a
existência de uma política linguística3 se não for possível materializá-la. O sistema
educacional precisa se organizar para atendê-la.
De acordo com Daroque (2011), até os dias atuais, os surdos tiveram uma
formação defasada em grande parte da sua vida acadêmica, pois sempre estiveram à mercê
de práticas educacionais impróprias que resultaram em dificuldades ainda maiores,
preocupações e até frustrações quanto à sua capacidade em acompanhar o ensino, pois
quando se inserem no Ensino Superior, é esperado que leiam e escrevam em português de
forma proficiente.
Ainda segundo Daroque (2011), apesar de ler e escrever, os surdos não alcançam
um nível de desenvolvimento desejável de domínio do Português como segunda língua e
2
No que se refere ao uso de uma língua para comunicação, diferente da dos ouvintes. Nesse caso, a língua de
sinais.
3
Grandes decisões do país referentes às relações entre as línguas e a sociedade.
42
isso se deve ao fato de que na Educação Básica suas reais necessidades linguísticas não
foram contempladas. Assim, por não incorporarem satisfatoriamente a leitura e a escrita
em seu processo de escolarização, essas práticas se apresentam defasadas no Ensino
Superior.
Segundo Sampaio e Santos (2002, p. 32), “a escolarização em nível universitário
pressupõe uma considerável quantidade de trabalho intelectual, exigido principalmente em
atividades de leitura, compreensão e expressão de conteúdos complexos”. Já de acordo
com Oliveira e Santos (2005, p. 119) “diversos estudos têm evidenciado que estudantes
universitários não apresentam o nível de leitura esperado para essa etapa de escolarização.
Assim, o maior desafio da educação das pessoas surdas, no Ensino Superior, no
que se refere à inclusão educacional é, prioritariamente, promover a formação deste grupo
respeitando sua diferença linguística e, principalmente, a condição social imposta pela
diferença, reconhecendo seu lugar de comunidade linguística, e proporcionando condições
para uma formação de qualidade.
A leitura e a escrita são dois grandes desafios tanto para os estudantes ouvintes
quanto para os estudantes surdos que ingressam no Ensino Superior, uma vez que ambos
trazem na bagagem deficiências do processo de aprendizagem da Educação Básica. No
entanto, a situação dos surdos é um tanto mais complexa considerando que a Língua
Portuguesa é segunda língua para ele.
Diante desse quadro, é necessária uma reflexão sobre as condições do aluno surdo
no Ensino Superior, propondo a possibilidade de uma nova visão do ensino no que diz
respeito à igualdade de acesso ao conhecimento, atendendo à sua especificidade
linguística.
43
As conquistas das pessoas surdas no que se refere ao Ensino Superior se
configuraram como um marco na garantia da permanência desse público nas IES, no
entanto, por não terem tido acesso a um ensino de qualidade durante a Educação Básica, os
surdos chegam à universidade com defasagens relativas, principalmente, à Língua
Portuguesa, afetando a permanência e um bom desempenho no Ensino Superior. O
histórico escolar dos alunos surdos, no que se refere ao domínio da Língua Portuguesa
escrita, tende a ser constituído por experiências bastante restritas, com condições de
produção de conhecimento pouco propícias ao domínio dessa língua e com aprendizagens
pobres que envolvem escasso uso efetivo da linguagem escrita (GÓES, 1999).
Sendo assim, apenas o ingresso progressivo desses estudantes ao Ensino Superior
não responde às suas necessidades neste nível de ensino. Esse ingresso demanda mudanças
institucionais importantes quanto ao direito à educação bilíngue, ou seja, uma educação
onde o ensino é desenvolvido na Língua Portuguesa e na Libras. O ensino da Língua
Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de
tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais
alunos da escola (BRASIL, 2020).
Apesar de não ser de conhecimento geral, a maioria das pessoas que nasceram com
surdez severa e profunda bilateral ou que ficaram surdas antes da aquisição da linguagem
não sabe, necessariamente, ler e escrever na Língua Portuguesa de forma proficiente. Em
resultado de pesquisa realizada no banco de teses da Capes por Gavaldão e Martins (2016),
em que as autoras fazem um levantamento das produções sobre inclusão e acessibilidade
de estudantes surdos no Ensino Superior, constata-se que muitos professores expõem que
desconhecem que a primeira língua (L1) para o surdo é a Libras e a Língua Portuguesa se
enquadra como segunda língua. A pesquisa também evidenciou que, nos dizeres dos
professores,
44
Outro dado importante da pesquisa, segundo Gavaldão e Martins (2016), quando
discutiram as questões relacionadas à relevância da Língua Portuguesa no Ensino Superior,
se refere às enormes barreiras linguísticas e metodológicas, em que os discursos dos
professores denotam as dificuldades dos surdos com a Língua Portuguesa e,
consequentemente, para dar continuidade em seus estudos.
Por falta de metodologias adequadas para o ensino de Língua Portuguesa como
segunda língua, os alunos surdos apresentam dificuldades na escrita e na compreensão de
textos. Há um grande estranhamento, em relação à escrita do aluno, por parte da maioria
dos professores e as limitações na leitura desses alunos são vistas como obstáculos para o
domínio dos conteúdos e o desenvolvimento do raciocínio, uma vez que todas as
disciplinas envolvem o uso da Língua Portuguesa escrita de maneiras diversas, ora nas
modalidades de leitura e escrita, ora na compreensão de conceitos, que fica prejudicada
pelo não domínio da língua.
Como consequência da dificuldade com a Língua Portuguesa escrita, os alunos
surdos não obtêm um melhor desempenho nas atividades, pois não compreendem de forma
plena os conceitos, o que está escrito, o vocabulário e os significados que circulam em sala
de aula. Sentem um peso do estudo no cotidiano, pois não conseguem acompanhar o ritmo
e a quantidade de leitura e escrita exigida. Por outro lado, os professores reforçam a
necessidade de que esses alunos se expressem na Língua Portuguesa escrita que, de forma
inevitável, terá de utilizar para cumprir as atividades em sala, tornando indispensável que o
aluno surdo domine a segunda língua, o Português escrito.
A leitura e a escrita do Português são baseadas nas ideias dos sons do Português e
por isso estão ligadas a este processamento de linguagem baseado em experiências
auditivas. Isso não ocorre na mente de pessoas surdas como ocorre na mente de pessoas
ouvintes e por isso é tão difícil para o surdo com perda auditiva severa e profunda ler e
escrever uma língua oral-auditiva. Essa dificuldade implica, inevitavelmente, em obstáculo
adicional para a entrada e permanência de surdos no Ensino Superior. Assim, parece
necessário que os alunos surdos tenham um domínio razoável do Português escrito para
que possam cursar esse nível de ensino. Neste ínterim, para Fernandes e Moreira (2014, p.
140).
46
Neste contexto, a maioria dos estudantes surdos sai da Educação Básica e chega
ao Ensino Superior com uma defasagem muito grande de aprendizagem de leitura e escrita
do Português, sendo necessário receber, neste nível de ensino, um apoio pedagógico em
Língua Portuguesa. Diante desta realidade evidencia-se que o apoio pedagógico para estes
alunos deve acontecer não apenas na Educação Básica, mas também na Educação Superior,
como garantia de que esses alunos irão se utilizar de todos os recursos necessários para
superar as barreiras no processo educacional e usufruir seus direitos educacionais,
exercendo sua cidadania, de acordo com os princípios constitucionais do nosso país.
Pensando no desempenho dos estudantes surdos no Ensino Superior, é fato que a
acessibilidade aos conteúdos acadêmico-científicos das disciplinas não é garantida
unicamente apenas pela presença do intérprete de Libras em sala de aula. A acessibilidade
dos surdos no Ensino Superior não passa somente pela presença desse profissional,
considerando que as barreiras de acessibilidade que eles enfrentam não estão relacionadas
apenas às de comunicação e informação, mas também e principalmente pelas barreiras
metodológicas/pedagógicas do Brasil (2014 p. 38), onde a
A presença do intérprete de Libras nesse nível de ensino é uma conquista das lutas
políticas e sociais da comunidade surda, entretanto, uma educação acessível aos surdos é
aquela que atende às suas necessidades de aprendizagem, marcadas especialmente por
experiências visuais. Assim, torna-se necessária a adequação de recursos e suportes,
garantidos por leis, para que esses alunos possam concluir com sucesso seu curso de
graduação, oportunizando aos surdos universitários o ensino de Língua Portuguesa
instrumental como segunda língua, pois, para eles, é indispensável a capacitação para a
leitura e escrita.
47
Desta forma, é evidente a necessidade e importância de oportunizar apoio
pedagógico de Língua Portuguesa para os estudantes surdos do Ensino Superior dentro das
IES de forma que se possa garantir uma educação bilíngue aos alunos surdos para que
consigam acessar e apreender os conteúdos científicos das disciplinas e,
consequentemente, terem um melhor desempenho acadêmico. Esse processo envolve
muitos desafios, uma vez que o processo de aproximação desses alunos com gêneros
textuais acadêmicos secundários costuma causar estranhamento pelos usos da linguagem,
do conhecimento técnico veiculado como conteúdo, da ausência de repertório lexical em
Libras para sinalizar equivalentes na Língua Portuguesa, pela falta de experiência de
interações verbais nessa esfera discursiva e pela complexidade dos conteúdos envolvidos
nesse campo epistemológico.
No apoio pedagógico para o ensino da Língua Portuguesa, esta língua deve ser
ensinada na modalidade escrita e como segunda língua por professores de Língua
Portuguesa com fluência em Libras. Esse atendimento deve ser planejado a partir do
diagnóstico do conhecimento que o aluno tem a respeito dessa língua e serão trabalhadas as
especificidades desta com o objetivo de desenvolver a competência linguística nos alunos
surdos, para que sejam capazes de gerar sequências linguísticas bem formadas.
A estratégia utilizada para a aprendizagem dessa escrita é o processamento visual.
Para Capovilla (2012) a palavra escrita é tratada e compreendida como um ideograma que
precisa ser memorizado visualmente. Conhecendo essa estratégia, é possível compreender
o que implica para o surdo a leitura de um texto que contenha vocabulário especializado e
distinto do uso cotidiano como é o caso dos termos técnicos e científicos dos diversos
assuntos das várias disciplinas da graduação que ele está cursando.
O domínio parcial do Português escrito pela ausência de proposta de ensino de
Português como segunda língua em seu percurso escolar, faz com que os alunos surdos não
compreendam enunciados complexos que exigem amplo vocabulário. Isso leva-nos a
reconhecer que estes estudantes necessitam de apoio específico (tecnológico e humano),
também no Ensino Superior, de forma permanente ou temporária para alcançar os
objetivos finais da educação.
Desta forma, no que se refere à permanência dos alunos surdos no Ensino Superior,
esse apoio pedagógico com a Língua Portuguesa é de extrema necessidade, principalmente
para aprendizagem e um maior e melhor acesso aos conteúdos das disciplinas do curso em
48
que o aluno está matriculado, uma vez que os surdos têm muita dificuldade com a Língua
Portuguesa e na compreensão de termos que ainda não possuem sinal na Libras.
De acordo com a portaria nº 3.284 de 7/11/2003, a Secretaria de Educação
Superior, com apoio técnico da Secretaria de Educação Especial, deve estabelecer como
um dos requisitos de acessibilidade para alunos surdos, um compromisso formal das
instituições de ensino superior, no caso de vir a ser solicitada e até que o aluno conclua o
curso, de estimular o aprendizado da Língua Portuguesa. Isso irá garantir aos estudantes
surdos acesso à cultura escrita e a se sentirem capazes de atender a demanda do letramento.
No Ensino Superior podemos apreender a lógica do apoio pedagógico para os
alunos surdos, nas entrelinhas dos textos legais, pela questão da transversalidade da
Educação Especial desde a educação infantil até o Ensino Superior, pela indicação de
continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino, e pela difusão da
política, através dos Núcleos de Acessibilidade das IES (BRASIL, 2008).
Esses núcleos são espaços previstos para serem criados e consolidados, dentro das
IES, pelo Programa de Acessibilidade na Educação Superior (Incluir). Esse programa foi
criado em 2005 pela então Secretaria de Educação Especial, extinta em 2014, em parceria
com a Secretaria de Ensino Superior, ambos vinculados ao Ministério da Educação (MEC).
O objetivo principal do Programa Incluir era fomentar a criação e a consolidação
desses núcleos para efetivar a inclusão de pessoas com deficiência à vida acadêmica,
eliminando barreiras comportamentais, pedagógicas, arquitetônicas e de comunicação
(BRASIL, 2013). Os Núcleos de Acessibilidade nas IES são caracterizados pela Secretaria
de Educação Superior (BRASIL, 2008b, p 39), como:
50
desenvolvimento econômico, mas sim de aumentar as chances individuais de inserção no
mercado de trabalho.
Diante dos dados da inserção e atuação dos egressos surdos no mercado de
trabalho, fica evidente a necessidade de colocar em prática uma política de
acompanhamento desses egressos pelas IES, como forma de contribuir para a continuidade
entre a universidade e o mercado de trabalho fazendo com que a inclusão proporcionada
para os surdos na educação reverbere no trabalho.
Durante o percurso acadêmico, os estudantes são submetidos à avaliação através
do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), que é um dos três
componentes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES),
utilizado pelo MEC. No entanto, é necessário, também, um acompanhamento após sua
formação, considerando que as universidades são depositárias de esperanças sociais, que
faz gerar grandes expectativas, não apenas no estudante, mas na população em geral que
espera e cobra resultados, benefícios sociais e culturais efetivos das IES.
De acordo com Lousada e Martins (2005, p. 74) para cumprir essa tarefa e ter um
controle acurado das ações educacionais direcionadas aos seus egressos, as IES precisam
criar mecanismos de acompanhamento capazes de indicar, com clareza, as diretrizes e
metas futuras para esses egressos e propor melhorias com vistas a obter resultados efetivos.
Ainda de acordo com os autores:
Conforme disposto no texto da lei, o ensino nas IES deve ser ministrado também
com enfoque na qualificação para o trabalho, portanto voltado ao mercado de trabalho,
diferentemente de qualquer ideia que se possa ter sobre uma formação exclusivamente
generalista.
No dia 14 de abril de 2004, é instituído o SINAES através da Lei nº 10.861, com o
objetivo de assegurar o processo nacional de avaliação das IES, dos cursos de graduação, e
do desempenho acadêmico de seus estudantes, nos termos do art. 9º , VI, VIII e IX, da Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
De acordo com o art. 3º desta lei, o objetivo de avaliar as IES é “identificar o seu
perfil e o significado de sua atuação, por meio de suas atividades, cursos, programas,
projetos e setores, considerando as diferentes dimensões institucionais”. Uma dessas
dimensões, de acordo com o inciso IV deste artigo, são as políticas de atendimento aos
estudantes.
Em 2006 é elaborado o documento Avaliação externa das instituições de
Educação Superior que dá diretrizes e serve como instrumento dessa avaliação, e dentro da
dimensão política de atendimento aos estudantes, um dos grupos de indicadores é
denominado de Egressos, que tem como um os indicadores Política de acompanhamento
do egresso.
52
Diante do exposto, para atender as exigências da LDBN e do MEC quanto aos
aspectos da avaliação institucional, se faz necessário que as IES elaborem uma política de
acompanhamento de seus egressos da graduação, bem como que promovam revisões e
atualizações relacionadas a ela com o objetivo de apresentar bases e orientações para o
desenvolvimento de um acompanhamento que visa ao incentivo e divulgação das
oportunidades de formação continuada assim como uma análise da inserção profissional e
da participação do egresso no mercado de trabalho.
Quando existe na IES uma sistemática de relacionamento com o egresso é
atribuída a pontuação máxima no indicador Política de acompanhamento do egresso, no
que diz respeito ao Instrumento de Avaliação Externa de Instituições de Educação do
SINAES (MEC, 2006).
Uma das responsabilidades das IES quanto aos seus egressos é obter retorno em
relação à qualidade dos profissionais que são formados por elas, através de políticas
institucionais fundamentadas em pesquisas e estudos sobre esses egressos. Para Lousada e
Martins (2005) é extremamente relevante que as IES façam análises, de acordo com as
percepções dos egressos, sobre os fatores que dificultam ou facilitam o ingresso destes ao
mercado de trabalho pois quando as IES obtêm feedback dos seus egressos, poderão
aplicar as mudanças necessárias em seus currículos e nos processos de ensino-
aprendizagem que preencham as lacunas que existem entre a formação acadêmica do aluno
e as reais necessidades de qualificação exigidas pelo mercado de trabalho.
Através da prática de gestão de egressos é possível “avaliar a adequação da
formação do profissional para o mercado de trabalho” bem como a “utilização das opiniões
dos egressos para aperfeiçoamento do processo de formação” (BRASIL, 2006, p. 164. Essa
prática garante que o estudante se torne um profissional que atenda às necessidades do
atual mercado de trabalho, possibilitando com maior sucesso o seu ingresso e permanência
na vida econômica e social. As políticas de egressos instituídas a partir das políticas
institucionais buscam a inserção dos egressos no mercado de trabalho e a participação
destes na vida da instituição (IESJT, 2005).
Segundo Da Costa Lemos, Dubeux e Pinto (2009) a qualificação profissional é
um requisito aos que buscam se inserir no mercado de trabalho. Entretanto, a oportunidade
de colaboração entre universidades e empresas é evidenciada de forma limitada no Brasil.
53
De acordo com Jenschke (2002), as IES raramente oferecem suporte aos egressos
no desenvolvimento de sua carreira, comprometendo assim, a transição do graduado para o
mercado de trabalho. Ainda segundo Jenschke (idem), poucas instituições de ensino
superior que executam ações para buscar o desenvolvimento da carreira dos universitários.
No que se refere aos egressos surdos, uma política de gestão de acompanhamento
desses egressos por parte das IES se faz ainda mais necessária considerando as barreiras
atitudinais que eles se deparam nas tentativas de ingresso e atuação no mercado de
trabalho. De acordo com Viana (2010, p. 131):
54
4 OS EGRESSOS SURDOS E O MERCADO DE TRABALHO
De acordo com uma pesquisa realizada por Santiago (2011), em uma instituição
universitária privada da grande São Paulo, que proporciona aos alunos surdos cursar o
56
Ensino Superior com o serviço especializado de Tradutores/Intérpretes de língua de Sinais
nas aulas, acompanhamento pedagógico e orientação educacional, mostrou que, dentre as
24 opções de cursos de graduação e 14 cursos tecnológicos, existem surdos matriculados
em 10 cursos diferentes. São eles: Administração, Ciências Contábeis, Engenharia da
Computação, Engenharia de Produção, Pedagogia, Técnico em Análise e Desenvolvimento
de Sistemas, Técnico em Design Gráfico, Técnico em Aeronave, Técnico em Recursos
Humanos, Técnico em Rede de Computadores.
Para Santiago (idem), isso mostra que os jovens surdos acabam por escolher, em
grande parte, cursos levando em consideração que sua condição linguística não seja, no
futuro, um impeditivo para a sua atuação profissional, demonstrando a possibilidade do
surdo se adaptar ao mercado de acordo com as especificidades de sua condição linguística,
bem como sua capacidade de inserção no mercado de trabalho, desde que a ele sejam
dadas condições e oportunidade.
Neste sentido, em acordo com Pastore (2000), percebe-se que os surdos se
esforçam para realmente participarem da lógica do mercado de trabalho, no entanto a
contratação dos mesmos ainda é muito tímida, e quando essas contratações ocorrem, em
sua maioria, não é levado em conta a formação inicial e/ou técnica profissional destes
sujeitos, impedindo-os do exercício de suas habilidades.
A inserção e atuação dos surdos no mercado de trabalho se direcionam por
políticas de cotas, por políticas públicas e intervenções que fixam o sujeito em certa
posição como um exótico “outro”, como o “não capaz”, revelando, assim, o modo
“indolente” com o qual são vistas as pessoas surdas e tantos outros sujeitos que demandam
de outros modos e tempos para alcançar a emancipação social. Nas palavras de Zoboli,
Silva e Bordas (2009, p. 219),
De acordo com Santos (2006), esse modo indolente, denominado pelo autor como
razão indolente, é uma forma de racionalidade cuja principal característica é a manutenção
do status dos grupos hegemônicos, detentores dos capitais culturais e financeiros, que
57
normatizam as regras de funcionamento da vida social, invisibilizam uma grande parcela
da população que vive sem grandes expectativas de existência, negam a possibilidade
dessas pessoas terem seus estilos de vida reconhecidos, bem como de terem outras
possibilidades de participação no desenvolvimento da sociedade.
Os processos de inserção dos surdos no mercado de trabalho são legitimados por
essa razão indolente que insiste em tornar invisíveis sujeitos que não correspondem à
lógica excludente imposta pelo saber dessa razão, e, ao relacionarmos o pensamento
racional criado pela razão indolente com o cotidiano do trabalhado dos surdos, vemos que
a racionalidade criada pela modernidade em sua interface com o mercado de trabalho
garante o acesso aos ouvintes e nega aos surdos. Essa linha de pensamento, baseada na
racionalidade indolente, é incapaz de produzir novas ideias a um mundo repleto de
experiências diferentes.
No mercado de trabalho, a razão indolente também promove a seleção de quais
funções os surdos irão atuar, sendo tal seleção definida levando em consideração apenas a
perda auditiva, deixando de considerar a formação e habilidades profissionais dessas
pessoas que, uma vez não legitimadas pela razão indolente, passam a ser vistas como não
credíveis, portanto, sem condições de serem incorporadas no ambiente laboral. Dessa
forma, a razão indolente cria a ideia de que os surdos não têm capacidade, nem condições
de atuarem em determinadas funções mesmo tendo formação e capacitação profissional
para tal, restando atuar apenas em funções onde eles não poderão demonstrar as suas
experiências. Assim versam Zoboli, Silva e Bordas (2009, p. 219),
58
inferioridade insuperável. Esse processo de invisibilização relega os surdos à
marginalidade.
Como forma de enfrentar a razão indolente, Santos (2006; 2007) apresenta a razão
cosmopolita, uma linha de pensamento alternativo que promove o reconhecimento e
valorização de conhecimentos e experiências existentes, mas invisibilizados pela
racionalidade moderna, bem como a constituição de ações que proporcionem visibilidade e
reconhecimento social, situada na Sociologia das Ausências e das Emergências, e no
processo de tradução.
Segundo Santos (idem; idem), a Sociologia das Ausências tem o objetivo de
revelar e dar visibilidade à produção que foi resignada como ignorante e residual, enquanto
a Sociologia das Emergências atua sobre esse cenário para evidenciar as dimensões de
potência e possibilidades, através do movimento de ampliação simbólica de saberes e
práticas. Essas duas sociologias trarão uma pluralidade de conhecimentos que pode
potencializar uma vida decente para pessoas que vivem sem alternativas de existência,
necessitando que esses conhecimentos se traduzam uns nos outros, ou seja, que busquem
pontos de convergência para dar conta da complexidade da vida humana na sociedade.
Essa tradução de experiências e conhecimentos, e a conscientização das possibilidades que
essa produção pode apontar para os desafios da vida social promovem pensamentos
alternativos para muitas situações que parecem não ter alternativas para a razão indolente.
No âmbito da inserção e atuação dos surdos no mercado de trabalho, essa linha de
pensamento cosmopolita traz possibilidades e alternativas para o cotidiano dos ambientes
de trabalho desafiados com a inserção e atuação dos surdos quando ações, conhecimentos e
experiências não reconhecidas e valoradas pela razão indolente passam a incorporar as
relações de trabalho. Enquanto a razão indolente prima por ações solitárias no ambiente de
trabalho, a razão cosmopolita reitera a relevância das ações solidárias na mediação do
conhecimento atravessada pelos pressupostos da igualdade e diferença.
O desenvolvimento de ações solidárias promove a tradução de conhecimentos e
troca de experiências; resgata a importância de se subjetivar os trabalhadores surdos como
sujeitos de direito e de conhecimento; alça o empregador como empreendedor de novos
outros saberes e fazeres; fortalece o diálogo e a cooperação; reestabelece a função social
das empresas; e rompe com a ideia de que o trabalhador surdo é um prático puro que não
retroalimenta suas ações pedagógicas perspectivas teóricas.
59
Nesse contexto insurgente, há o reconhecimento que essa nova configuração torna
visível sujeitos antes invisibilizados pelas práticas discriminatórias produzidas no âmbito
das relações sociais. Assim, ao pensarmos a inserção dos surdos no mercado de trabalho na
perspectiva da inclusão social, temos que estabelecer diálogos entre os diferentes saberes
na busca por criação de alternativas que possibilitem tornar visíveis os trabalhadores
surdos.
De acordo com Santos (2006), ao realizarmos uma arqueologia das existências
invisíveis, identificamos os contextos e práticas nos quais os saberes e fazeres diferentes se
tornam operantes e visíveis e, no contato com outras formas de ser e estar resultam em
trocas e aprendizados, somente possíveis numa atmosfera entremeada de empatia.
Segundo Pochmann (2010), no Brasil há uma grande desigualdade para o ingresso
no mercado de trabalho, onde os filhos dos ricos tendem a ingressar no mercado de
trabalho após concluírem o ensino superior e os filhos dos pobres, ingressam muito mais
cedo, com um nível de escolaridade menor, o que os leva a ocupar postos de trabalho com
menor remuneração. Wrigley apud de Klein (2005) ressalta que surdez e pobreza se
conectam de forma muito imediata. Sendo assim, os surdos fazem parte desse contingente
da população, com um agravante: as representações constituídas sobre eles.
Estudos como os de Thomas e Klein (2005) sobre as atividades laborais
desenvolvidas pelos surdos, mostram que essas geralmente não exigem um nível de
escolaridade ou de qualificação mais elevado.
Para Skliar (2005), no mundo do ouvinte, as representações e imaginários
construídos sobre o surdo são colonialistas. A consequência disso é a percepção do surdo
como ser inferior ao ouvinte, subalterno. Essa percepção passa a dominar o mundo
ouvintista e, muitas vezes, o próprio surdo, que interioriza os estigmas e preconceitos dos
ouvintes sobre si, levando-os a aceitar como normal, a sua exclusão educacional e social,
bem como o desenvolvimento de atividades laborais que, vias de regra, exige um nível de
escolarização mínimo. Em acordo com Zoboli, Silva e Bordas (2009, p. 218),
Segundo o Censo 2010 (IBGE) 9,7 milhões de brasileiros possuem alguma forma
de deficiência auditiva. Desse número, 2.147.366 milhões apresentam deficiência auditiva
severa, situação em que há uma perda entre 70 e 90 decibéis (dB), e 344,2 mil são surdos.
61
Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), ano-base 2019,
divulgada pelo Ministério da Economia, demonstra quão resistente o mercado ainda
permanece em relação à inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.
Segundo o relatório, entre os 47,5 milhões de empregos formais, somente 523.094 estavam
direcionados a pessoas com deficiência. Além disso, o tipo de deficiência como critério
para a seleção continua em evidência. Pessoas com deficiência física estão na liderança,
com 44,97% das contratações, seguida pela auditiva, 17,74%, visual, com 16,13%, e
intelectual, com 8,97%. Por último, estão reabilitados pelo INSS, com 10,54% das
efetivações, e pessoas com deficiências múltiplas, com 1,65%.
Esse número demonstra que a taxa de participação da pessoa com deficiência
auditiva no mercado de trabalho ainda é muito baixa, especialmente se considerarmos o
número total de pessoas com deficiência auditiva no país.
Um estudo realizado pelo Instituto Locomotiva de Pesquisa em 2019, revela a
existência de 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva no Brasil. Desse total, 2,3
milhões têm deficiência auditiva severa. A surdez atinge 54% de homens e 46% de
mulheres com predominância na faixa etária de 60 anos de idade ou mais (57%). Do total
de pessoas com essa deficiência, 9% adquiriram essa condição ao longo da vida, sendo que
metade antes dos 50 anos de idade. Entre os que apresentam deficiência auditiva severa,
15% já nasceram surdos. Entre os tipos de ocupação desempenhada pelas pessoas com
deficiência auditiva acima de 18 anos de idade, destacam-se empregados do setor privado
(43% e trabalhadores autônomos (37%). Segundo um dos fundadores do Instituto, Renato
Meirelles, esses surdos com trabalho autônomo desistiram de tentar conseguir um emprego
formal e passaram a empreender para garantir seu sustento.
Diante desses dados, constata-se que a inserção do surdo no mercado de trabalho
formal tem sua maior representação com a aprovação da Lei n° 8.112 de 11 de Dezembro
de 1990, que garante o direito de pessoas com deficiência de se inscrever em concurso
público tendo o direito assegurado de 20% das vagas, segundo Pastore (2000, p. 47) “cujas
atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras”; e a Lei 8.213 de
24 de Junho de 1991 (Lei de Cotas), que determina a reserva de vagas para pessoas com
deficiência ou beneficiários reabilitado, entre 2 a 5% junto às empresas privadas com mais
de 100 funcionários, na seguinte proporção: até 200 empregados: 2%; de 201 a 500: 3% ;
de 501 a 1.000: 4%; de 1.001 em diante: 5%.
62
A empresa que não respeitar essa lei corre o risco de ser multada, devido a
fiscalizações realizadas pelo Ministério Público do Trabalho, por meio de auditores-fiscais
(art. 36, § 5º, do Decreto nº 3.298/99). O valor destas infrações vai variar de acordo com o
número de funcionários que a empresa mantém e o número de pessoas com deficiência que
ela deixa de contratar.
A política de cotas insere-se na política de ampliação de oportunidade, a qual
reconhece que as desigualdades têm origem em todos os setores sociais. Trata-se de uma
ação afirmativa que visa atingir a igualdade de oportunidades, oferecendo meios
institucionais diferenciados para o acesso das pessoas com deficiência ao sistema jurídico
e de serviços e, portanto, viabilizar o gozo e o exercício de direitos fundamentais,
sobretudo no que concerne ao direito de toda pessoa ser tratada como igual (NERI;
CARVALHO, COSTILHA, 2002).
A Lei de Cotas é considerada pelas pessoas com deficiência como grande
conquista documental, entretanto, Pastore (2000, p. 183) se mostra contrário neste ponto
ao afirmar que: “a simples oposição de uma obrigatoriedade não garante que ela seja
cumprida, e muito menos que as empresas venham oferecer, de bom grado, condições
condignas de trabalho para os portadores de deficiência (sic)”.
O cumprimento da Lei de Cotas não depende somente dos órgãos
governamentais, mas também das ações de todos, pois somos igualmente responsáveis em
exercer a cidadania. De acordo com a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do
Ministério do Trabalho e Emprego (MET), (2007, p. 52):
63
envolvimento empresarial e ampliando a possibilidade de promover ao surdo uma vida
com perspectivas reais, realizações pessoais, fazendo com que este se sinta como parte da
cultura da organização. Todavia, a efetividade da Lei de Cotas tem sido questionada em
função de barreiras sociais e efetivas, nomeadamente e segundo as empresas e instituições,
a falta de qualificação profissional das pessoas com deficiências.
Dentro desta contradição, os surdos vêm se mostrando capazes de fazer parte do
de mercado, de serem produtivos e ao mesmo tempo consumidores desta produção. Eles
chegam ao mercado de trabalho com expectativas de desenvolvimento a partir de sua força
de trabalho e de sua participação social, entretanto, também neste contexto, ele é diferente
e carrega os estigmas e as desvantagens de sua condição.
De acordo com Oliveira (2007), muitos acreditam que incluir pessoas com
deficiência, principalmente no mercado de trabalho, pode vir a gerar muitos problemas,
pois consideram este grupo de pessoas incapazes de trabalhar, desenvolver e pensar direito,
portanto, passam a ser consideradas pessoas que não dão um bom rendimento e podem até
causar prejuízos. Essa visão de equivocada de incapacidade da pessoa com deficiência tem
sua explicação baseada também na forma como essa deficiência está sendo avaliada, tendo
em vista que a Classificação Internacional de Doenças (CID) possui uma antiga
compreensão da deficiência como algo definido somente pelo corpo.
No entanto, no dia 10 de março de 2020 foi aprovado, pela Secretaria Nacional da
Pessoa com Deficiência e pelo Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência
(CONADE), o Índice de Funcionalidade Brasileiro Modificado (IFBrM), baseado na a
Classificação Internacional de Funcionalidades e Incapacidade em Saúde (CIF), como
instrumento adequado de avaliação da deficiência, deverá ser utilizado pelo Governo
Brasileiro, conforme prevê o Parágrafo 2º do Artigo 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de
2015 (Lei Brasileira de Inclusão). A nova normativa modifica o sistema atual de avaliação,
saindo do modelo da CID para um novo modelo de avaliação da CIF, portanto,
adotando critérios biopsicossociais. Esse modelo é baseado não apenas na visão biomédica
que a entende como uma patologia ou impedimento do indivíduo, mas na compreensão de
que a deficiência resulta da interação desta lesão com as barreiras sociais que impedem a
participação plena da pessoa na sociedade.
O Modelo adotará, portanto, critérios biopsicossociais na avaliação da deficiência,
e isso beneficiará as pessoas surdas no momento do ingresso no mercado de trabalho, pois
64
a sociedade e os empregadores passarão a compreender que essas pessoas têm capacidade
de atuação em suas áreas de formação.
Segundo Pastore (2000), é bastante evidente a fragilidade das políticas impostas
pelas leis em benefício aos surdos para ingresso ao mercado de trabalho, que vê esses
sujeitos, de forma estigmatizada como “coitados” pelos empregadores e pela sociedade,
que definem as pessoas com deficiência como incapazes para comandar o cotidiano de
uma casa, trabalhar, ganhar dinheiro, ser independente, ter um carro, entre outros aspectos.
A Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão
da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), aponta diretrizes e
direitos à pessoa com deficiência em várias áreas, entre elas, o trabalho. Essa importante
legislação, que entrou em vigor no início de 2016, também prevê medidas no ambiente
corporativo, além de como a presença de um intérprete de Libras e o estímulo a interação
com os demais profissionais, além de prever que as empresas também precisam se adaptar
e/ou focar em intervenções, tecnológicas ou não, que podem melhorar o desempenho das
pessoas com deficiência no trabalho.
No ambiente profissional, segundo Thomas apud Fleury (2000, p. 20), “a gestão
da diversidade cultural implica em adotar um enfoque holístico para criar um ambiente
organizacional que possibilite a todos o pleno desenvolvimento de seu potencial na
realização dos objetivos da empresa”.
Sendo assim, apesar da relevância e necessidade de leis que beneficiam as pessoas
com deficiência no âmbito profissional, observa-se que na prática a simples implementação
ainda não promoveu real mudança na participação efetiva dos surdos no mercado de
trabalho. Por outro lado, as empresas precisam fazer a contratação destes sujeitos de
acordo com suas capacidades, habilidades e qualificação profissional, bem como permitir-
lhes que, ao adquirirem o emprego, possam ter a chance de progredir e ser avaliados como
qualquer outro funcionário, sem impor barreiras ou expor, como critério de desempate, a
condição física do profissional.
Assim, considerando a importância do trabalho na vida humana e que os surdos
necessitam e têm direito a um processo educacional que os proporcione adquirir
competência para exercer uma profissão e conquistar um espaço no mundo do trabalho,
destaca-se, então, o papel das IES na formação desse público para que possam conseguir
enfrentar e obter êxitos num mercado de trabalho tão competitivo dos dias atuais, bem
65
como a criação de uma política de acompanhamento do egresso surdo no que se refere a
uma colaboração entre universidades e empresas com o objetivo de contribuir para
inserção profissional e da participação do egresso no mercado de trabalho.
66
5 PERCURSO METODOLÓGICO
67
frequência em que ocorre determinado fenômeno (MOREIRA, 2002; GIL, 2008; COOPER
E SCHINDLER, 2011).
A fenomenologia cuida investigar a essência das formas puras de pensamento. Se
a intenção da pesquisa é tecer considerações a respeito da formação educacional egresso
surdo e de sua atuação no mercado de trabalho, é útil pensarmos na sua forma de entender
o mundo, de como ele compreende, vivencia e percebe a sua localização dentro do
ambiente laboral, de como ele vê a questão comunicativa, como se descortina o seu
mundo-da-vida. Pela profundidade dessas questões, é que a fenomenologia é escolhida
aqui, portanto, como método de investigação. Segundo Gamboa (2007, p. 88):
[...] proporcionar uma descrição direta da experiência tal como ela é, sem
nenhuma consideração acerca de sua gênese psicológica e das
explicações causais que os especialistas podem dar. Para tanto, é
necessário orientar-se ao que é dado diretamente à consciência, com a
exclusão de tudo aquilo que pode modificá-la, como o subjetivo do
pesquisador e o objetivo que não é dado realmente no fenômeno
considerado.
Ainda segundo Gil (2008, p. 14, 15), a realidade do ponto de vista do método
fenomenológico, refere-se ao que é compreendido e interpretado, e deve-se entender como
68
o que surge da intencionalidade da consciência voltada para o fenômeno investigado, de
forma que não se admite a existência de uma única realidade, senão, de tantas forem as
suas comunicações e interpretações.
Abordagens qualitativas, baseadas em uma perspectiva fenomenológica, se
utilizam de um conjunto de asserções com o objetivo de descobrir fatos e causas. Desta
forma, para Bogdan e Biklen (1994), pesquisadores fenomenologistas tentam entender o
significado de acontecimentos e interações humanas em situações particulares.
Estudar sobre as vivências dos surdos no Ensino Superior e sua atuação no
mercado de trabalho, compreendendo como se processou esse fenômeno, dentro do
contexto no qual se fundamenta esse acontecimento nas suas várias manifestações e
implicações, leva-nos a conhecer este fenômeno por suas causas e explicá-lo pelos
antecedentes e condicionantes.
69
licenciatura
L3 Feminino Educação FASE 7 anos
Física
bacharelado
C4 Masculino Letras Libras UFS 3 anos
licenciatura
J5 Masculino Letras Libras UFS 3 anos
licenciatura
L6 Feminino Pedagogia Faculdade 12 anos
Atlântico
Letras Libras UFS 2 anos
licenciatura
C7 Masculino Pedagogia Faculdade 6 anos
Atlântico
J8 Masculino Letras Libras UFS
licenciatura 3 anos
R9 Feminino Letras Libras UFS 3 anos
licenciatura
L10 Feminino Pedagogia UFS 4 anos
G11 Masculino Letras Libras 3 anos
licenciatura UFS
E12 Feminino Ciências FANESE 4 anos
Contábeis
FONTE: elaborado pela autora a partir da coleta de dados das entrevistas.
70
5.4 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
71
o tema tratado. Os questionamentos devem levar em consideração o objetivo geral da
pesquisa para ambos estarem articulados. Portanto, as perguntas devem ser diretas a fim
dar liberdade aos entrevistados em se expressar sem se sentirem limitados.
As entrevistas foram realizadas em Libras pela pesquisadora, e gravadas em
vídeo. Em 2019 foram entrevistados cinco participantes de forma presencial, e em 2020,
após começar a Pandemia da Covid-19, foram entrevistados mais sete, de forma remota,
através de vídeochamada pelo WhatsApp. Para execução das entrevistas, primeiramente
foram agendados encontros com os participantes pelas redes sociais Instagram e Facebook,
e pelo WhatsApp, via mensagem de texto. A escolha do WhatsApp para realizar as
entrevistas justificou-se por ser o aplicativo mais usado pelos participantes, além de sua
praticidade. Para gravação das vídeochamadas foi utilizado um outro aplicativo para gravar
tela e vídeo, o XRecorder.
Durante as entrevistas, foi solicitado aos participantes que respondessem à
questões relacionadas à sua formação superior e sobre inserção e atuação no mercado de
trabalho, descrevendo as suas visões a respeito do fenômeno. Desta forma, na escrita de
Neves (2005, p. 50) as narrativas “são descrições do vivendo”, que iniciam com uma
pergunta fenomenológica para o fenômeno em questão.
No decorrer das entrevistas, procurou-se fazer poucas interrupções na fala dos
participantes. No entanto, em alguns momentos foi necessário para que algumas falas
ficassem mais claras, o que impôs a realização de outras perguntas de conexão entre os
assuntos de modo a não interferir ou influenciar a resposta dos participantes.
Também houve muitas dificuldades com as entrevistas por vídeochamada por
conta de problemas advindos dos servidores de internet em que as conexões eram
realizadas, resultando em falhas de chamadas como imagens congeladas, turvas, duplicas,
e até mesmo conexões que caíam. Assim foram necessárias várias tentativas de realização
dessas entrevistas até conseguir concluir as entrevistas com êxito e obter uma coleta de
dados satisfatória.
As narrativas das entrevistas foram utilizadas visando a compreensão das
trajetórias acadêmicas e profissionais dos egressos surdos, identificando seus valores e
concepções que os mobilizaram. Segundo Cunha (1997), a utilização de narrativas é a
modalidade que tem sido muito utilizada em pesquisa.
72
Nesse sentido, as narrativas são potencialmente instrumentos de pesquisa uma vez
que, ao “se narrar”, o sujeito ressignificando o que vive ou viveu. Portanto, as narrativas,
assevera Cunha (idem, p. 7), “[...] não são meras descrições da realidade; elas são,
especialmente produtoras de conhecimento que ao mesmo tempo em que se fazem
veículos, constroem os condutores”. Falar com os egressos surdos do Ensino Superior
sobre sua vivência educacional e laboral, é falar sobre os saberes nos quais eles se baseiam
para agir.
Todos os entrevistados foram previamente informados sobre o estudo. Os que
consentiram e participaram da realização das entrevistas, assinaram um Termo de
Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e o Termo de Autorização de Uso de Imagem e
Depoimentos (TAUID), embora este estudo não apresente riscos à integridade física ou
psicológica dos entrevistados.
Com as entrevistas gravadas em vídeo, foram produzidos documentos escritos,
através da tradução e transcrição das falas dos entrevistados, realizadas pela pesquisadora e
por um intérprete de Libras, obtendo assim textos escritos, passando então para a análise e
interpretação desses relatos.
73
essência nada é explicado sobre o fenômeno, ele é apenas descrito. Essa é a fase descritiva
dos dados significativos sendo possível à essência do fenômeno.
Através das inúmeras releituras das narrativas, para Neves (2005, p. 51) trechos
“que comportam aparentes inessencialidades” foram excluídos, permanecendo apenas
fragmentos que revelaram as essências do fenômeno posto em questão.
Nas descrições realizadas foram destacadas informações consideradas relevantes e
importantes para a pergunta da pesquisa, caracterizando o fenômeno experienciado de
forma precisa e expressiva da experiência original vivida pelos participantes teve dos
eventos expressados em seu relato.
O tratamento qualitativo foi realizado mediante a análise das informações
advindas dessas transcrições, com ênfase na descrição dos dados coletados, fazendo a
relação teórica dos elementos analisados na revisão bibliográfica, buscando compreender o
problema de pesquisa. Portanto, os textos das entrevistas são os dados analisados.
Desta forma, foram identificadas unidades de significados de cada descrição
realizada retirando-se delas àquilo que melhor expressava as ideias de cada participante
relacionadas ao fenômeno interrogado. E esse procedimento só é possível após uma leitura
exaustiva das descrições, pois, segundo Bastos (2017), trata-se de um movimento analítico
que tem como referência a observação de ideias que convergem para um mesmo
significado.
Segundo Bicudo (2000), a leitura das descrições com um olhar atento sem perder
de vista a intencionalidade do pesquisador, leva-os às Unidades de Significado que “são
unidades da descrição ou do texto que fazem sentido para o pesquisador a partir da
interrogação formulada”. Essas Unidades comportam os intervalos mais importantes dos
discursos de cada caso particular estudado, cuidando-se tal qual expressa Neves (2005)
para não modificar o sentido do expresso pelo sujeito entrevistado.
Assim, foram utilizadas as seguintes unidades de significado para análise dos
depoimentos coletados nas entrevistas:
• Desempenho acadêmico e formação profissional: sensação pessoal de falta de
uma melhor qualificação para desempenhar a profissão estudada. Os egressos
surdos acreditam que a universidade, muitas vezes, não oferece uma formação
satisfatória por falta de alguns tipos de acessibilidade.
74
• Inserção e atuação no mercado de trabalho: o mercado de trabalho não oferece
aos egressos surdos inserção nas vagas disponíveis em igualdade de oportunidade
aos ouvintes, e quando são inseridos não os permite ocupar cargos e/ou funções
condizentes com a sua formação e qualificação, por conta de preconceitos em
relação à surdez.
• Continuidade entre a universidade e o mercado de trabalho: situações e
circunstâncias que contribuíram para a descontinuidade entre a universidade e o
mercado de trabalho e possibilidades que podem contribuir de forma mais efetiva
para que haja essa continuidade.
Com essas unidades de significado foi possível analisar o descrito nas transcrições
realizadas com base nos depoimentos dos participantes, resultando no próximo capítulo
que mostra as percepções dos egressos surdos do Ensino Superior, no que se refere ao seu
desempenho acadêmico e atuação profissional.
75
6 DESEMPENHO ACADÊMICO E ATUAÇÃO PROFISSIONAL: O QUE
PENSAM OS EGRESSOS?
Compreender a transição desses jovens não como efeito, mas sim como
acontecimento, ou seja, como os jovens fizeram a referida transição.
Entender a trajetória desses jovens é diferente de entender a transição
como um efeito, ou seja, refere-se à compreensão de como eles agiram,
encontrando ou não soluções para enfrentar as situações cotidianas que
ocorreram entre a formação universitária e a inserção no mundo de
trabalho.
77
[...] meu primeiro sonho era na área da tecnologia [...] já tinha
experiência como instrutor (de Libras) e queria também fazer o curso na
área tecnológica, então eu fiquei dividido nessas duas áreas. Até que foi
implantado o curso de Letras Libras na UFS. Aí eu parei e pensei bem,
porque já tinha um histórico de empecilhos (de tentar atuar na área de
tecnologia). A área de tecnologia era boa, mas como professor de Libras
talvez eu conseguisse mudar mais a sociedade, melhorá-la e com uma
sociedade melhor, eu também seria ajudado com uma vida melhor, além
de quebrar algumas barreiras que existem em relação a Libras,
diminuindo o preconceito, dando visibilidade a essa língua porque isso
era algo que já estava internalizado em mim. Esses fatores me levaram a
escolher o curso de Letras Libras e hoje eu percebo que eu fiz a escolha
mais acertada.
[...] percebi que seria bom para mim (formar em Letras Libras) e
importante para poder futuramente ensinar Libras a alunos surdos e
ouvintes, porque é importante que todos aprendam Libras. Então eu fiz o
vestibular, ingressei no Curso, me formei e agora pretendo fazer uma
especialização e depois graduação em Psicologia, porque é importante
que haja psicólogos surdos para poder atender e orientar melhor as
pessoas surdas.
78
participantes dessa pesquisa, o desafio com a Língua Portuguesa é a principal barreira, pois
prejudica, impede e/ou dificulta a apropriação de conhecimentos curriculares acadêmicos
na universidade.
A grande dificuldade que os surdos têm com a Língua Portuguesa não permite que
realizem satisfatoriamente as atividades pois eles não compreendem de forma plena os
conceitos, o que está escrito, o vocabulário e os significados que circulam em sala de aula
nos textos acadêmicos. Essa dificuldade com o Português leva os surdos a sentirem que o
estudo cotidiano é muito pesado, pois não conseguem acompanhar o ritmo e a quantidade
de leitura e escrita exigida nas disciplinas, como demonstrado abaixo na fala de L6:
80
Na minha opinião o português é o mais difícil, muito complicado.
Escrever em Libras é mais fácil, com as palavras na nossa estrutura. Nós,
às vezes, não conseguimos flexionar os verbos nos tempos presente,
passado e futuro, além dos adjetivos [...] eu não sei fazer isso. [...] Às
vezes uso o português escrito, mas com dificuldade. Mesmo eu
escrevendo, as pessoas não entendem bem. Na UFS já foi explicado de
maneira muito clara que era preciso interpretar os textos, mas a gente não
conseguia entender nada, só se houvesse imagens. [...] A leitura do
português para o surdo não é fácil, é muito difícil.
[...] o professor precisa se preocupar para não indicar muito texto, indicar
pouco texto ou textos mais simples com uma só lauda, tentar deixar tudo
o mais simples possível. Os ouvintes conseguem ler textos mais longos,
mas os surdos leem só uma página, já com dificuldade. Um texto com
uma página só, vamos tentando, olhando na internet para tentar encontrar
o mesmo texto em Libras. Aí a gente não encontra, não é isso? Só em
português. Então, com paciência, tentamos fazer a leitura, mas a leitura
dos textos em português é complicada, é difícil para o surdo.
81
Portuguesa escrita, pelos surdos, pois esta se faz presente nos portadores textuais a que os
alunos têm contato.
A fala de E12, disposta abaixo, demonstra a necessidade de que os professores
aceitem a sua escrita do Português enquanto usuária de segunda língua. O professor, por
seu lado, reforça a necessidade de que a aluna se expresse na Língua Portuguesa da mesma
forma que o ouvinte alegando que, inescapavelmente, ela terá de utilizar para cumprir as
atividades em sala de aula e no ambiente de trabalho
82
Os professores se queixam das dificuldades dos alunos surdos na leitura e escrita
dos textos acadêmicos indicados nas disciplinas. Há um grande estranhamento, por parte
desses professores, em relação à escrita do aluno e as limitações na leitura são vistas como
obstáculos para o domínio dos conteúdos, o desenvolvimento do raciocínio e para o
desempenho nas atividades, trabalhos e avaliações. Isso é demonstrado na fala de R9:
83
A maioria dos surdos que estão hoje no Ensino Superior, tiveram uma educação
com instrução visando a educação dos ouvintes. Esses surdos foram submetidos a
abordagens educacionais e a práticas pedagógicas que buscavam o apagamento da surdez,
pois, de uma forma geral, os professores desconhecem as questões relacionadas à
comunidade, cultura e identidade surda, bem com a abordagem de educação bilíngue para
surdos.
É bastante significativa a insistência com que os entrevistados mencionam lacunas
na trajetória escolar fazendo com que a entrada no Ensino Superior suscite uma
ressignificação da experiência passada na Educação Básica. Assim diante de exigência no
Ensino Superior, o estudante surdo faz uma releitura extremamente crítica do que viveu
antes do ingresso na universidade, como exemplificam as falas de G11 e E12 a seguir:
As falas acima mostram que os surdos viveram seus anos de escolarização com
metodologias que não se aplicavam à educação de surdos. G11 reforça esses depoimentos
relacionando o mal desempenho na Educação Superior com o fracasso da Educação
Básica:
Sobre essa questão Ansay (2009) diz que quando o estudante surdo ingressa no
Ensino Superior é preciso que seja levada em consideração que a sua trajetória educacional
tem singularidades que devem ser observadas, pois elas vão mostrar aspectos relevantes
para que ações pedagógicas eficazes possam ser empregadas quando da entrada do surdo
na universidade. Refletir sobre essa trajetória escolar leva os professores ao entedimento
das diferenças significativas no processo de ensino e aprendizagem entre surdos e ouvintes
e sobre todas as nuances que envolvem a apropriação do conhecimento dos dois grupos.
Sobre essa questão L6 afirma:
87
Diante dessa não compreensão, eles não reivindicam um apoio pedagógico, que se
mostra fundamental durante o seu percurso acadêmico: a continuação do ensino de Língua
Portuguesa de forma específica para o surdo. Oportunizar aos surdos universitários, em
contraturno, o ensino de língua portuguesa instrumental como segunda língua se faz
necessário pois é a capacitação para a leitura e escrita é indispensável, considerando que o
Português para eles é segunda língua. Também deveriam ter um suporte, mesmo depois da
formação, da mesma forma que todos os profissionais fazem formação continuada
destinada aos que já estão no mercado de trabalho e precisam de qualificação e atualização.
O antigo argumento de que os surdos não são contratados e ficam fora do mercado
de trabalho devido à sua suposta baixa escolarização foi derrubado com os dados do Censo
2010 do IBGE que mostrou que as pessoas surdas estão ingressando cada vez mais no
Ensino Superior. Além disso, os relatórios do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS)
mostram que se não fossem leis como a Lei n° 8.112 de 11 de dezembro de 1990, e a Lei
nº 12.711 de 29 de agosto de 2012 (Lei de Cotas), essas pessoas não seriam contratadas, o
que evidencia que as barreiras são muito mais de acessibilidade do que de qualificação
para o trabalho.
Para Badargi e Hutz (2012) uma vez que é difícil avaliar a real situação do
mercado de trabalho em cada profissão, grande parte dos estudos existentes avalia a
percepção que os egressos do Ensino Superior têm sobre o mercado de trabalho, e os
resultados destes estudos indicam que estas percepções parecem ser um definidor da
satisfação desses egressos.
Conforme o quadro mostra abaixo, nesta pesquisa, dos 12 participantes que foram
entrevistados, 11 deles já haviam concluído a graduação a mais de 3 anos, no entanto
apenas 2 estavam trabalhando na sua área de formação. Os demais estavam trabalhando em
outras áreas, que não exigiam formação específica, ou estavam desempregados.
88
ENTREVISTADOS GÊNERO ÁREA DE TEMPO DE ÁREA DE
FORMAÇÃO FORMAÇÃO ATUAÇÃO
PROFISSIONAL
A1 Masculino Educação Física 3 anos Instrutor de Libras
bacharelado em cursos livres
L2 Feminino Letras Libras 3 anos Professora de
licenciatura Libras em escola
L3 Feminino Educação Física 7 anos Mercado informal
bacharelado
C4 Masculino Letras Libras 3 anos Professor de Libras
licenciatura em escola na
J5 Masculino Letras Libras 3 anos Atendente em
licenciatura sorveteria
L6 Feminino Pedagogia 16 anos Desempregada
Letras Libras 2 anos
licenciatura
C7 Masculino Pedagogia 6 anos Desempregado
J8 Masculino Letras Libras 3 anos Desempregado
licenciatura
R9 Feminino Letras Libras 2 anos Auxiliar de estoque
licenciatura em loja de
vestuário
L10 Feminino Pedagogia 4 anos Nunca trabalhou
G11 Masculino Letras Libras 3 anos Desempregado
licenciatura
E12 Feminino Ciências 4 anos Auxiliar
Contábeis administrativo
FONTE: elaborado pela autora a partir da coleta de dados das entrevistas
O quadro acima demonstra que a área de atuação profissional dos egressos surdos
não corresponde à sua area de formação acadêmica. Ou seja, os alcances profissionais
desses egressos não respondem às suas expectativas em relação à inserção do mercado de
trabalho no que se refere a atuar dentro da sua área de formação. Os recortes abaixo
ilustram muito bem essa situação. São eles, respectivamente R9, J5, L3 e G11:
89
Eu já quis trabalhar em algumas instituições, entreguei meu currículo,
mas acredito que a maioria dos empregadores se preocupa em como será
a comunicação com um surdo. Por esse motivo eu trabalho atualmente na
Sorveteria Il Sordo e lá eu vejo que os surdos podem crescer, se
desenvolver profissionalmente. Minha formação é Letras Libras, me
formei e até agora não fui chamado para trabalhar em nenhuma escola.
Estou aguardando, acho que é preconceito [...].
Nas narrativas acima, fica bastante claro que as percepções dos surdos em relação
a não contratação deles para atuar na área de sua formação estão relacionadas à crença de
que não são capazes de atuar profissionalmente em determinadas funções e que apenas a
surdez enquanto deficiência impede que eles tenham a mesma capacidade de um ouvinte
de exercer qualquer profissão da sua área de formação ou executar qualquer tipo de
trabalho a que se proponha.
Fica evidente também nas falas de L3 e de G11 que a questão da comunicação
pelo uso de uma outra língua – a língua de sinais – muitas vezes acaba sendo um
impeditivo para a contratação porque, mesmo que os surdos aleguem que há outras formas
90
de se comunicar com os ouvintes e estratégias que eles podem usar para desenvolver o
trabalho sem prejuízo do desempenho, não há uma credibilidade, por parte do empregador,
por desconfiar que eles realmente sejam capazes. Essa incredibilidade demonstra que,
antes de tudo, há uma barreira e que ela está acima da barreira comunicacional. Essas
barreiras que os egressos surdos se deparam na tentativa de ingressar e/ou atuar no
mercado de trabalho se caracterizam como barreiras atitudinais.
De acordo com Sassaki (2003) as barreiras atitudinais são àquelas que estão
materializadas por meio da discriminação, do preconceito e estigmatização, ensejando um
olhar depreciativo para a convivência equânime da diversidade humana. As barreiras
atitudinais não são visíveis como as barreiras físicas, por exemplo, e para removê-las é
necessário a vontade dos dirigentes e dos empregados de uma organização. Tais barreiras
se materializam nos preconceitos e predisposições negativas quanto ao potencial e
capacidade das pessoas com deficiência ou com outras condições. Na maioria das vezes
elas são inconscientes e de difícil reconhecimento por parte de quem as pratica. Podemos
ver claramente na fala de C7 as formas como essas barreiras se apresentam:
Não é fácil para um egresso surdo ser contratado para trabalhar. Existe
muito preconceito, por parte dos ouvintes, de que o surdo saiba fazer
algo. As pessoas da sociedade não conhecem os surdos, então acham que
não é possível para um surdo desenvolver bem um trabalho. Mas é
possível sim e os surdos têm que lutar para conseguir se fazer ouvir e
para conquistar espaço no mercado de trabalho compatível com sua
formação. Não pode fraquejar nem desistir.
94
Desse modo, ao contratar um surdo, as organizações precisam considerar que esse
sujeito não deve ser visto apenas pelas características de sua deficiência para cumprir
apenas a Lei de Cotas, e sim pelas suas potencialidades. As barreiras atitudinais
prejudicam a equidade no trato das pessoas com deficiência porque elas são reduzidas a
seu impedimento ao serem definidas por ele. Essa atitude do empregador tem a ver com
desfavorecimento, pois dar vantagem ao empregado surdo por conta de sua deficiência
pode desfavorecer o seu desempenho, haja vista que pode impedir a sua adaptação integral
às atividades. Receber tratamento diferenciado através de vantagens especiais ou
exigências menores no trabalho não promove igualdade de condições. O tratamento
diferenciado se configura numa das vertentes das barreiras atitudinais pelas quais os surdos
passam em seu ambiente laboral.
Analisando as falas dos surdos quanto à questão do tratamento diferenciado, pode-
se observar diversos tipos de comportamentos desfavoráveis a eles. A face do preconceito
foi demonstrada por diversos traços diferentes. Foram relatadas situações de dúvidas em
relação à sua capacidade e situações de constrangimentos em relação a receberem
vantagens no trabalho por possuírem uma deficiência. De acordo com Antonak e Livneh
(1988), as atitudes negativas dos empregadores e colegas de trabalho impedem a aceitação
plena das pessoas com deficiência por aquelas que não têm uma deficiência.
Outra forma de discriminação que acontece no momento da contratação de
pessoas com deficiência é a opção do empregador por determinados tipos de deficiência.
Sobre essa questão G11 diz:
A fala de G11 demostra a preferência por pessoas com deficiência física nas
contratações em comparação a pessoas com outras deficiências ou condições. Ou seja, as
pessoas com deficiência intelectual, visual, auditiva, múltipla deficiência, autismo, entre
outras condições, têm sido as mais preteridas pelas organizações contratantes. Há uma
95
clara vantagem para as pessoas cujos corpos não possuem impedimentos que demandem
muitas adequações.
Outra situação que se configura como barreira atitudinal e que foi demonstrada
nas entrevistas, tanto nas falas dos surdos que estão atuando no mercado de trabalho
quanto nas do que estão desempregados, mas já atuaram, foram as denúncias de tratamento
de menos valia em relação aos seus direitos enquanto empregados. E12 e G11 disseram
que:
Situações como essas em que os empregados não participam das reuniões e das
decisões de sua unidade de trabalho, de não ser mantido informado dos acontecimentos da
organização e de não ser beneficiados das promoções de função das quais os funcionários
ouvintes são, invalidam os esforços desses empregados em relação ao trabalho, pois é uma
demonstração de descrédito sobre as possibilidades e potencialidades dos surdos.
Mesmo com todos esses empecilhos no mercado de trabalho, os entrevistados
foram contundentes em dizer que não desistem de lutar e que ainda acreditam em um
espaço mais inclusivo no mundo laboral e na sociedade. Nas palavras de E12 e G11:
Nós temos que nos mostrar, nos posicionar, dar uma resposta à sociedade
que pensa que se eu sou surdo tenho que ficar excluído, morando com os
pais e dependendo deles para resolverem tudo para mim. Isso não é
verdade, isso acaba deixando-os com a ideia de que nós não somos
capazes. Precisamos acostumar as pessoas a uma mudança desses
conceitos em toda Aracaju. Mas é aos poucos, com muita luta. Não é uma
tarefa fácil. Eu acredito que é possível sim criar uma empresa em que não
haja barreiras de acessibilidade. Eu acredito. Quando um surdo entrega
um currículo, é difícil, porque muitos empresários não aceitam por causa
da deficiência, da surdez. É difícil. A maioria das pessoas não acreditam
no surdo. Tudo bem.
Essa falta de conhecimento sobre a pessoa surda relatada por E12, o desejo da
existência de organizações onde não haja barreiras de acessibilidade, bem como de
proporcionar visibilidade aos surdos diante da sociedade sobre suas potencialidades e
capacidades, transformando a sociedade através de luta, ansiados por G11, se faz com o
enfrentamento das barreiras atitudinais, e dentro das organizações, com a difusão do
conhecimento e com a própria presença das pessoas com deficiência nos ambientes
laborais, se a elas forem ofertadas as mesmas oportunidades de atuarem e contribuírem
para o desenvolvimento da organização.
As barreiras atitudinais são uma herança das políticas de segregação do passado,
que geraram a um desconhecimento da realidade e dos modos de vida na surdez, por parte
das organizações. Quando passamos a olhar mais para o surdo do que para o significado
negativo do impedimento auditivo que ele tem, tais barreiras automaticamente são
removidas e a inclusão se fortalece.
Nas narrativas dos surdos, resultantes das entrevistas, nenhum participante
relacionou as suas dificuldades de empregabilidade com o seu mal desempenho acadêmico,
no que se refere ao acesso aos conteúdos, pela falta de acessibilidade metodológica e
linguística. Mesmo apontando todas as barreiras que vivenciaram na trajetória acadêmica
de acesso ao conhecimento para uma melhor formação, não foi constatado em suas falas
que essa formação deficitária é uma barreira para a sua inserção e atuação no mercado de
trabalho.
97
Percebe-se que essa questão não foi uma ocorrência em seus depoimentos porque
quando eles tentam acessar o mercado de trabalho, antes mesmo de ser dada qualquer
oportunidade de mostrarem suas habilidades profissionais, eles já são rotulados como
sendo incapazes para assumir vagas para atuar em sua área de formação, o que deixa
evidente que a falta de qualificação profissional não tem sido, no caso dos surdos, o
impeditivo para a sua inserção e atuação no mercado de trabalho. Ou seja, não são
barreiras relacionadas a falta de qualificação e sim barreiras atitudinais.
É evidente que existe uma qualificação deficitária dos surdos no Ensino Superior
e podemos afirmar isso com base nos depoimentos dos egressos surdos, quando
questionados sobre a acessibilidade, dentro da universidade, ao conhecimento acadêmico, e
isso também será uma barreira para sua inserção e atuação no mercado de trabalho depois
de vencidas as barreiras atitudinais.
98
sala de aula para um maior e melhor acesso aos conteúdos acadêmicos e melhor
desempenho dos estudantes surdos; (ii) política de acompanhamento do egresso surdo para
proporcionar acessibilidade atitudinal dentro das empresas, com vistas a romper o estigma
da incapacidade que os empregadores têm com relação às pessoas surdas.
Ambas ações, previstas por lei, precisam ser gerenciadas pelas IES através da
criação de uma política pública institucional dentro das universidades.
99
público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana
como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.
100
Acessibilidade programática: muitas vezes imperceptíveis, embutidas em políticas
públicas (leis, decretos, portarias, etc), normas e regulamentos (institucionais, empresariais
etc).
As falas acima mostram denúncias dos estudantes surdos com relação à problemas
como a utilização, por parte dos professores, de métodos de ensino inadequados que não
atendem às suas necessidades linguísticas desses alunos e a não adaptação dos materiais,
textos dos conteúdos das disciplinas.
De modo geral, os alunos surdos apontam dificuldades relacionadas à didática dos
professores e dificuldade de produção e interpretação textual de gêneros secundários. Ou
seja, não se sentem capazes de atender a demanda de letramento que se espera dos
universitários. Embora as aulas sejam mediadas por intérprete de Libras isso não impede
que esses surdos tenham dificuldade na leitura de textos em português.
102
O letramento dos surdos universitários ainda se constitui a partir de poucos
hábitos de leitura e escrita tendo em vista que o processo de escolarização desses
estudantes não garantiu a eles acesso à cultura escrita nem a práticas significativas com a
linguagem, gerando neles dificuldades com gêneros textuais secundários como provas
escritas, relatórios, livros, trabalho de conclusão de curso, entre outros. Sobre o processo
de escolarização deficitário dos surdos na Educação Básica e a necessidade de adaptação
dos textos acadêmicos G11 diz:
Isso evidencia a aquisição precária do português escrito por parte dos estudantes
surdos e a necessidade de se repensar as ações docentes quanto às suas metodologias.
Segundo Daroque (2011) é indispensável que os surdos dominem a Língua Portuguesa
como segunda língua na forma escrita, entretanto, essa cobrança por porte dos professores
só é pertinente se for garantido um suporte adequado para que esses estudantes tenham o
domínio dessa segunda língua.
Para garantir esse suporte se faz necessária a oferta dos recursos para que eles
possam concluir com sucesso seu curso de graduação. Dentre esses recursos a adequação
metodológica é primordial, não apenas para garantir o aprendizado do aluno surdo, mas
para que esse processo não seja maçante. Assim versa Guarinello (2005, p. 10): “Os surdos
têm a capacidade de escrever textos bem estruturados, claros, organizados e com
significação; porém, para que isso aconteça, são necessárias várias mudanças na sua
educação”.
Esses recursos e suportes devem estar fundamentadas em metodologias com
ênfase na visualidade, na apresentação das aulas baseada em um mapa conceitual, na
sensibilidade quanto à adaptação do material de leitura, de preferência traduzido para a
Libras, na estreita interação profissional entre professor e intérprete de Libras, em sala de
aula, e na consciência de um processo avaliativo diferenciado levando em consideração
103
que o português para os surdos é segunda língua. Quando as aulas e os materiais escritos
são complementados ou associados a recursos visuais, o aluno surdo sente-se mais capaz
de entender, estabelecer relações e acompanhar as explanações que estão sendo traduzidas
em Libras. G11 enfatiza essa necessidade:
Em relação ao português, acho que precisa ter outra pessoa junto que
possa ajudar o surdo. [...]. Qualquer pessoa, por exemplo, uma professora
ficaria junto comigo e me ensinaria a Língua Portuguesa: como é que se
escreve, aí eu escreveria na estruturada Libras e a professora faria a
correção do que estivesse errado, eu refaria e isso me ajudaria a aprender.
104
estudantes para que eles possam aprimorar seus conhecimentos na Língua Portuguesa
escrita.
As ações desenvolvidas pelos Núcleos de Acessibilidade deverão garantir o
acesso e a participação plena dos alunos surdos nas atividades acadêmicas obtendo um
melhor desempenho em seu percurso acadêmico dentro das IES.
Fazer parte de uma instituição onde a cultura ouvinte é o parâmetro, é um desafio
para os estudantes surdos. Dessa maneira, deve-se refletir sobre as condições do aluno
surdo no Ensino Superior, propondo a possibilidade de uma nova visão do ensino no que
diz respeito à igualdade de acesso ao conhecimento.
De acordo com Carvalho-Freitas e Marques (2010), apesar das leis específicas que
contemplam o tema, pesquisas mostram que as empresas não estão preparadas para gerir o
processo de inserção das pessoas com deficiência, e mesmo as que já trabalham com essas
pessoas, possuem dúvidas na forma de lidar com elas no cotidiano do trabalho. Essas
dúvidas permeiam a questão da adequação das pessoas com deficiência às organizações de
trabalho, demonstrando que o foco predominante é ainda na deficiência e não nas
potencialidades do indivíduo, evidenciando assim a face do preconceito. Diante desse
panorama, é necessário que haja uma política de transição, entre a universidade e o mundo
do trabalho que contemple os egressos com deficiência.
A política de acompanhamento de egressos estabelece o processo de
conhecimento, avaliação, monitoramento e acompanhamento da IES, tendo como foco o
contexto dos ex-alunos. Assim, investiga a realidade profissional e acadêmica do egresso e
suas percepções acerca do seu processo de formação e da adequação da proposta no seu
curso de formação, para a obtenção de informações relevantes a fim de subsidiar o
planejamento, a definição e a retroalimentação das políticas educacionais das IES. O
objetivo dessa política é promover o monitoramento da empregabilidade dos egressos de
modo a traçar indicadores da inserção deles no mercado de trabalho. Portanto, a
participação dos egressos nesse processo é fundamental para o constante crescimento
qualitativo da formação e das ações promovidas pela universidade.
105
Em se tratando dos egressos surdos, uma política institucional de
acompanhamento desses sujeitos, além de promover o monitoramento da empregabilidade
teria como objetivo, também, orientar as organizações de trabalho no tocante a questões
específicas relacionadas a essas pessoas.
Para a elaboração e o desenvolvimento de uma política de acompanhamento
desses egressos, poderia ser criada uma comissão de orientação dentro do Núcleo de
Acessibilidade de cada IES através de uma parceria com o Ministério do Trabalho, com
vistas a orientar as empresas que contratam egressos surdos, no tocante a alguns pontos,
dentre os quais:
106
Proporcionar cursos de Libras para os funcionários ouvintes, principalmente àqueles que
vão trabalhar diretamente com os funcionários surdos. O uso da Libras entre alguns
profissionais da empresa é muito importante e imprescindível para que ocorra a inclusão
do surdo no ambiente de trabalho.
As ações acima podem ser realizadas com base numa relação de parceria entre as
empresas, os governos e as IES. Assim, papel das universidades seria fornecer informações
e dar orientações acerca da formação, qualificação, habilitação, potencialidades dos
egressos surdos, sobre aspectos da comunidade, identidade e cultura surda, e sobre as
questões linguísticas relacionadas à língua de sinais e ao uso do português escrito pelos
surdos, além de elaborar um programa para implementar dentro da política institucional de
acompanhamento do egresso favorecendo assim o rompimento das barreiras atitudinais
dentro das empresas.
Da parte das organizações se espera modificações nos ambientes de trabalho e nos
processos de contratação, interação e comunicação para que os egressos surdos possam ser
incluídos de forma efetiva, respeitosa e segura.
Esta relação entre as universidades e organizações de trabalho ainda não acontece
para que possa favorecer a inserção e atuação dos egressos surdos do Ensino Superior no
mercado de trabalho. Pode-se dizer que, enquanto as empresas não estiverem dispostas a
praticar outro tipo de gestão, a contratação dessas pessoas será vista como impositiva,
impedindo o processo de inclusão social. Em contraposição, quando as organizações estão
dispostas a incluir pessoas com deficiência em seus quadros de funcionários, elas precisam
de orientações para a inserção e atuação possa ser realizada de forma efetiva, e será através
das IES que encontrarão esse apoio através de uma comissão de acompanhamento do
egresso.
Quando o governo, a universidade e as organizações de trabalho estabelecerem
uma relação de proximidade e parceria, o processo de inclusão de pessoas com deficiência
no trabalho será facilitado.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
108
Esses dados levaram à reflexão sobre o estigma da incapacidade na deficiência
sensorial que permanece até os dias atuais refletindo diretamente na competitividade no
mercado de trabalho e na superação desses estigmas para que ocorra o acesso ao mercado
de trabalho pelas pessoas com deficiência. No que se refere aos surdos, segundo Goffman
(1978) ainda há uma rotulação de incapacidade linguística e intelectual desses sujeitos,
pois, espera-se que um indivíduo estigmatizado se comporte de maneira que seu estigma
fique evidente.
O estigma da incapacadidade linguística e intelectual dos surdos leva à resistência
dos empregadores em contratar pesssoas surdas para o trabalho. Elas sofrem com o
preconceito da incapacidade, são discriminadas e, muitas vezes, são negadas as
oportunidades de mostrar suas capacidades e talentos. O embasamento do referencial
teórico sobre a ocorrência de tais atos discriminatórios nas organizações é confirmado
pelos entrevistados desta pesquisa.
Há uma baixa atuação desse público no mercado de trabalho e uma grande
discriminação dentro das empresas no que diz respeito a sua capacidade de ocupar e
exercer função ou cargo compatível com a sua formação e perfil curricular profissional. De
acordo com Marin e Góes (2006), mesmo quando conseguem um emprego, seja na sua
área de formação e/ou profissionalização ou não, sentem dificuldades para construir
relações interpessoais, bem como compreender a dinâmica do espaço laboral.
Se observou que as expectativas dos surdos egressos do Ensino Superior, quanto à
sua formação acadêmica, ao ingressar na universidade estavam relacionadas à relevância
de se profissionalizar e à visibilidade positiva de uma carreira profissional como melhores
condições de trabalho, salários mais elevados, como alternativa de conquista financeira e
de mostrar que eles têm capacidade de atuar junto à sociedade, apresentando aos ouvintes o
que significa ser surdo e influenciando outros surdos quanto ao desenvolvimento de uma
identidade surda.
Com relação à formação que esses egressos receberam no Ensino Superior, foi
constatado que as universidades precisam rever profundamente o modo como lidam com o
ensinar e o aprender dos estudantes surdos. Precisam conhecer a surdez, pensar sobre as
diferenças linguísticas e culturais e sobre o modo como essas diferenças incidem na vida
acadêmica desses estudantes.
Foi evidenciado que os participantes perceberam que não possuíam conhecimento
necessário em Língua Portuguesa e que isso impediam um maior e melhor acesso aos
conteúdos acadêmicos e, consequentemente, ao conhecimento. Em função disso, criavam
109
estratégias para acompanhar o que era ensinado em sala de aula, como também para
responder às demandas acadêmicas apresentadas pelos professores. Tal medida os levava a
atuarem, muitas vezes, como um estudante de um sistema de ensino que desconsidera a
estrutura de sua língua, devido à ausência de satisfação das suas necessidades específicas,
mesmo tendo acesso à comunicação e informação através dos intérpretes de Libras.
A fragilidade das práticas pedagógicas e metodologias de ensino aplicadas com os
estudantes surdos não permite ainda, de forma satisfatória, o acesso ao conhecimento
acadêmico para a permanência deste público nesse nível de ensino. Constatou-se, assim,
que o fator que desfavorece e inviabiliza a participação e a aprendizagem por parte dos
estudantes surdos no Ensino Supeiror são as barreiras pedagógicas/metodológicas e
lingúisticas, ou seja, metodologias e práticas pedagógicas inadequadas dos professores e
deficiência com a Língua Portuguesa, no que se refere à leitura e a escrita. Segundo
Daroque (2011), apesar de ler e escrever, os surdos não alcançam um nível de
desenvolvimento desejável de domínio do Português como segunda língua e isso se deve
ao fato de que na Educação Básica suas reais necessidades linguísticas não foram
contempladas. Assim, por não incorporarem satisfatoriamente a leitura e a escrita em seu
processo de escolarização, essas práticas se apresentam defasadas no Ensino Superior.
Nas narrativas dos surdos, resultantes das entrevistas, nenhum participante
relacionou as suas dificuldades de empregabilidade com o seu mal desempenho acadêmico,
no que se refere ao acesso aos conteúdos, pela falta de acessibilidade metodológica e
linguística. Mesmo apontando todas as barreiras que vivenciaram na trajetória acadêmica
de acesso ao conhecimento para uma melhor formação, não foi constatado em suas falas
que essa formação deficitária é uma barreira para a sua inserção e atuação no mercado de
trabalho.
Percebe-se que essa questão não foi uma ocorrência em seus depoimentos porque
quando eles tentam acessar o mercado de trabalho, antes mesmo de ser dada qualquer
oportunidade de mostrarem suas habilidades profissionais, já são rotulados como sendo
incapazes para assumir vagas para atuar em sua área de formação, o que deixa evidente que
a falta de qualificação profissional não tem sido, no caso dos surdos, o impeditivo para a
sua inserção e atuação no mercado de trabalho. Ou seja, não são barreiras relacionadas a
falta de qualificação e sim barreiras atitudinais.
110
É evidente que existe uma qualificação deficitária dos surdos no Ensino Superior
e podemos afirmar isso com base nos depoimentos dos egressos surdos, quando
questionados sobre a acessibilidade, dentro da universidade, ao conhecimento acadêmico, e
isso também será uma barreira para sua inserção e atuação no mercado de trabalho depois
de vencidas as barreiras atitudinais.
A partir da análise dos dados desse estudo, podemos inferir que a universidade
precisa estar atenta para uma formação que, de fato, prepare o estudante surdo com
competências e habilidades que exige a sua profissão para que ele possa se inserir e atuar
no mercado de trabalho com uma formação de qualidade. Essa premissa, aos estudantes
surdos, implica em apoios e recursos de acessibilidade linguística e metodológica, que
assegurem qualidade na sua trajetória acadêmica, e um trabalho em parceria com as
organizações de trabalho no que se refere ao acompanhamento do egresso no momento de
seu ingresso e de sua atuação no mercado de trabalho, com orientações aos empregadores
para quebra de preconceitos e para ressignificar a imagem que se tem na sociedade sobre
os surdos.
Foram apontadas duas possibilidades que podem contribuir para a continuidade
entre a universidade e o mercado de trabalho: o apoio pedagógico especializado ao
estudante surdos durante sua trajetória acadêmica, proporcionando acessibilidade
linguística e metodológica dentro da sala de aula para um maior e melhor acesso aos
conteúdos acadêmicos e melhor desempenho dos estudantes surdos; uma política de
acompanhamento do egresso surdo para proporcionar acessibilidade atitudinal dentro das
empresas, com vistas a romper o estigma da incapacidade que os empregadores têm com
relação às pessoas surdas.
Destacou-se, assim, a importância do apoio pedagógico especializado para que os
surdos tenham um maior acesso ao conhecimento, obtendo um melhor desempenho em seu
percurso acadêmcio e, consequentemente, tenham uma melhor qualificação para ingressar
e atuar no mercado de trabalho. Esse apoio pedagógico deve ser ofertado pelas IES através
dos Núcleos de Acessibilidade. As ações desenvolvidas por esses Núcleos deverão garantir
o acesso e a participação plena dos alunos surdos nas atividades acadêmicas
Além do apoio pedagógico durante a formação desses alunos, também é
necessário, após a conclusão do curso e saída da universidade, que esses egressos tenham
uma relação sistemática de acompanhamento, em uma colaboração entre universidades e
111
empresas, com o objetivo de auxiliar na inserção e atuação dos surdos no mercado de
trabalho.
É importante destacar que, nesse processo, a universidade tem que pensar
estrategicamente na orientação profissional de seus egressos, preparando-os para a
transição para o mundo do trabalho. Essa ação pode e deve ser estruturada tendo como um
dos objetivos aproximar a universidade das empresas, visando oferecer informações e
formações que contribuam para conscientização e novas atitudes frente aos egressos
surdos, abrindo perspectivas para inserção profissional dessas pessoas. Portanto, para
atender tamanha exigência do mercado competitivo, é de fundamental importância, por
parte das universidades, uma formação pensada também para este público, dando-lhes a
instrumentalização e orientação necessária para repensar as relações, formar-se competente
e para que seja possível uma visão pessoal de futuro para ele, no momento de transição
para o trabalho. Por parte das organizações se espera modificações nos ambientes de
trabalho e nos processos de contratação, interação e comunicação para que os egressos
surdos possam ser incluídos de forma efetiva, respeitosa e segura.
Esta relação entre as universidades e organizações de trabalho ainda não acontece
para que possa favorecer a inserção e atuação dos egressos surdos do Ensino Superior no
mercado de trabalho. Pode-se dizer que, enquanto as organizações não estiverem dispostas
a praticar outro tipo de gestão, a contratação dessas pessoas será vista como impositiva,
impedindo o processo de inclusão social.
Em contraposição, quando as organizações estão dispostas a incluir pessoas com
deficiência em seus quadros de funcionários, elas precisam de orientações para a inserção e
atuação possa ser realizada de forma efetiva, e será através das IES que encontrarão esse
apoio através de uma comissão de acompanhamento do egresso, pois quando o governo, a
universidade e as organizações de trabalho estabelecerem uma relação de proximidade e
parceria, o processo de inclusão de pessoas com deficiência no trabalho será facilitado.
Por fim, como implicações acadêmicas desse estudo, aponta-se possibilidades do
desenvolvimento de outras pesquisas, como resultado dos desdobramentos desta, através
de temas relevantes como: as relações entre o não domínio do português escrito pelos
surdos e o desempenho acadêmico deficitário desses estudantes no Ensino Superior;
acessibilidade linguística e metodológica para surdos no Ensino Superior como requisito
de acesso aos conteúdos acadêmicos dos materiais escritos; política institucional de
112
acompanhamento sistemático de egressos surdos do Ensino Superior como forma de
continuidade entre a universidade e o mercado de trabalho.
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124
APÊNDICES
125
1. APÊNDICE A
BENEFÍCIOS DA PESQUISA
Analisar as relações existentes entre a formação educacional de surdos egressos do Ensino
Superior e a sua atuação no mercado de trabalho em Aracaju-SE, ampliando o debate e a
reflexão sobre o acesso e a permanência do surdo ao Ensino Superior e as adequações
126
necessárias para um melhor desempenho deste durante a sua formação acadêmica e
consequente qualificação para inserção e atuação no mercado de trabalho.
ESCLARECIMENTOS E DIREITOS
Em qualquer momento o voluntário poderá obter esclarecimentos sobre todos os
procedimentos utilizados na pesquisa e nas formas de divulgação dos resultados. Tem
também a liberdade e o direito de recusar sua participação ou retirar seu consentimento em
qualquer fase da pesquisa.
CONSENTIMENTO PÓS-INFORMAÇÃO
Eu, ___________________________________________________________, portador do
RG ______________________, por me considerar devidamente informado (a) e
esclarecido(a) sobre o conteúdo deste termo e da pesquisa a ser desenvolvida, livremente
expresso meu consentimento para inclusão, como sujeito da pesquisa. Fui informado esta
pesquisa atende preceitos éticos dispostos na Res. 196/96, sobre pesquisas envolvendo
seres humanos e que recebi cópia desse documento por mim assinado.
Data: ___/___/____
Assinatura:
_______________________________________________________________________
127
2. APÊNDICE B
Eu __________________________________________________________RG: ________,
depois de entender os objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e benefícios desta
pesquisa, acredito ter sido suficientemente esclarecido a respeito das informações que li ou
que foram lidas para mim, bem como estar ciente do uso de imagens, fotos e documentos
impressos e/ou visuais; AUTORIZO, através do presente, a pesquisadora Valéria Simplício
da Silva, do projeto intitulado SURDEZ, EDUCAÇÃO E TRABALHO, a realizar fotos e
colher cópias de documentos que se façam necessários, sem quaisquer ônus financeiros a
nenhuma das partes. Ao mesmo tempo libero a utilização dessas fotos e documentos para
fins científicos e de estudos (livros, artigos e slides), em favor das pesquisadoras acima
identificadas.
Assinatura: ______________________________________________________
128
3. APÊNDICE C
QUESTÕES
1. Qual a sua instituição e área de formação, há quanto tempo está formado (a), e quais
eram as suas expectativas relacionadas ao curso quando ingressou no Ensino Superior?
3. Você considera que o aproveitamento dos conteúdos acadêmicos das disciplinas foi
satisfatório no que se refere ao seu desempenho na aprendizagem? Por quê?
4. Sendo a Língua Portuguesa segunda língua para os surdos, você teve dificuldades com a
leitura dos textos para o acesso aos conteúdos das disciplinas? Quais?
5. Quais medidas você considera que seriam necessárias para que a aprendizagem e o
desempenho no aproveitamento dos conteúdos acadêmicos pelos surdos fossem em
igualdade de oportunidade ao dos ouvintes?
129
6. Sua formação proporcionou qualificação suficiente para você atuar no mercado de
trabalho?
8. Trabalha ou trabalhou na área de formação por quanto tempo? Se não trabalha ou não
trabalhou, quais as dificuldades você enfrentou ou enfrenta para ingressar e/ou atuar no
mercado de trabalho e a que você atribui essas dificuldades?
9. Como você vê as leis de cotas do governo para inserção das pessoas com deficiência no
mercado de trabalho?
130