Mirian Beccheri Cortez - Doutorado em Masculinidades
Mirian Beccheri Cortez - Doutorado em Masculinidades
Mirian Beccheri Cortez - Doutorado em Masculinidades
DOUTORADO EM PSICOLOGIA
VITÓRIA
2012
MIRIAN BECCHERI CORTEZ
VITÓRIA
2012
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
CDU: 159.9
Nome: Mirian Beccheri Cortez
Título: ‘Sem açúcar, com afeto’: estudo crítico de denúncias de violência contra as
mulheres e do paradoxo da judicialização.
BANCA EXAMINADORA
Saber a quem agradecer foi algo simples, embora não tenha dúvidas de que deixarão de
constar algumas pessoas... A parte mais difícil foi transmitir, mesmo que
superficialmente, a gratidão e carinho que sinto por aqueles aqui citados e o impacto de
cada um no meu percurso acadêmico e de vida. De todo modo, fica registrado o que é
possível se colocar no papel: Agradeço a todos aqui por terem construído comigo
minha histórica.
Meus pais, Lília e Julio, pelo apoio e confiança que depositam em minhas escolhas
(mesmo quando ainda tenho dúvidas...) e pelo muito que nos possibilitamos
crescer, nestes últimos anos, não apenas na relação pais-filha, mas como pessoas
que se querem bem.
Meus irmãos tão amados (Rodrigo, Rafael e Ramiro) que, de perto ou de longe, em
monossílabos ou em poesia, são fonte de inspiração pela paixão, sinceridade e
humanidade com que constroem seus caminhos.
Meus sobrinhos (Pedro, Juan, Rhaian e Jasmim, que ainda nem vi a carinha, mas
que já amo tanto), queridades de mi vida!
Minha tia Deolinda, pelo apoio, pelas preces e pela serenidade que sempre me
passou em nossas conversas.
Minhas primas ‘tia’ Vânia e Vanessa, Alecsandra e ‘tia’ Márcia, pedaço querido de
família com o qual reavivei os vínculos há pouco tempo e sei lá porque sempre me
passam algo tão bom.
Dona Rita, vó postiça linda e querida que mesmo nas broncas que dá só consegue
passar carinho!
A maior parte de minha segunda família está, hoje, na Ufes, onde por quase 09 anos de
minha vida tive a oportunidade de aprender e ensinar.
Aos amigos que fiz ao longo de muitos anos e que me dão, além do ‘ombro amigo’,
experiências, lições, conselhos e cuidados.
Cortez, M. B. (2012) “Sem açúcar, com afeto”: estudo crítico de denúncias de violência
contra as mulheres e dos paradoxos da judicialização. Tese de Doutorado. Programa de
Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória/ES.
Ao longo dos seis anos de promulgação da Lei 11.340/06, chamada Lei Maria da Penha, e quase
30 anos após a instalação da primeira Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres
(DEAM), encantamo-nos com discussões e práticas comprometidas com a defesa da categoria
feminina. Ao mesmo tempo, frustram-nos comentários e ações sexistas que desvalorizam
conquistas e novas demandas das mulheres. Dentro de um contexto com valores tão ambíguos,
verificar como e em que condições são aplicadas as políticas de enfrentamento da violência
contra a mulher torna-se de grande relevância para a avaliação dos aspectos que deveriam
receber mais investimentos e dos pontos críticos que impedem ou minimizam o sucesso das
ações planejadas. Esta pesquisa procurou, então, investigar as utilizações e implicações da Lei
Maria da Penha nas denúncias de violência conjugal realizadas por mulheres da cidade de
Vitória-ES. Para isso, são analisados dados de 613 boletins de ocorrência (BO) registrados na
DEAM-Vitória em seis meses de 2010, relatos dos funcionários da delegacia sobre o
funcionamento desta bem como sobre os casos atendidos e procedimentos adotados. Entrevistas
realizadas com duas mulheres (classe média/média-alta) e um casal, ex-cônjuges, de classe
média configuram a terceira fonte de dados: todos haviam experienciado violência em seus
relacionamentos e responderam questões sobre suas percepções de gênero, violência e
relacionamento. Os procedimentos de análise foram utilizados em acordo com os objetivos dos
estudos. Utilizamos os programas Excel e Sphinx para a análise descritiva dos dados dos BOs, o
programa Alceste para análise dos relatos dos BOs e também das transcrições das entrevistas
com as mulheres participantes. Para esses últimos dados, empregamos ainda a análise de
conteúdo. A análise fenomenológica foi utilizada para a organização e avaliação dos relatos dos
participantes que haviam sido casados. Temos, então, no conjunto de estudos, a caracterização e
análise da estrutura (física e profissional) da delegacia, a avaliação do posicionamento dos
funcionários com relação às denunciantes e ao serviço prestado, a descrição e análise dos casos
de violência conjugal registrados na DEAM. Realizamos ainda uma análise comparativa entre
as denúncias de mulheres de rendas baixa e média ou alta. As entrevistas com as três mulheres e
com o homem geraram dois estudos: no primeiro discutimos a violência sob o ponto de vista
destas mulheres (ocorrências, denúncia, expectativas) e, no segundo, optamos por desenvolver
uma análise relacional das ocorrências de violência ao longo do relacionamento do casal. As
análises permitiram avaliar a implantação dos aspectos previstos na Lei Maria da Penha e o uso
dos procedimentos da delegacia pelas mulheres denunciantes. Com isso, discutimos a
necessidade de investimentos que alcancem mais do que o viés criminalizante da Lei, uma vez
que nela e também em outras políticas há pontos voltados à educação, saúde e prevenção os
quais, ignorados, impedem que medidas mais adequadas sejam tomadas para o enfrentamento
da violência contra a mulher.
Cortez, M. B. (2012) “Without sugar, with affection”: a critical study of violence reports against
women and the paradoxes of judicial proceedings. Doctoral Thesis. Programa de Pós-Graduação
em Psicologia. Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória/ES, Brazil.
Over the six years of enactment of the Law 11,340/06, called Maria da Penha Law, and almost
30 years after the installation of the first Women Police Station in Brazil (so called DEAM), we
find ourselves pleased with discussions and practices committed to the defense of women's
category. At the same time, we are frustrated with sexist comments and actions that devalue
achievements and new demands of women. Within a context with such ambiguous values, to
investigate how and under which conditions policies to combat violence against women are
applied become very relevant for the assessment of the aspects that should receive more
investment, as well as the critical points that prevent or minimize the success of the planned
actions. Therefore, this research sought to investigate the uses and implications of the Maria da
Penha law on complaints of domestic violence by women in Vitória-ES. We analyze data from
613 police reports (BO) recorded at DEAM-Vitória over six months of 2010, as well as
interviews with police officers on the operation of this police station and the attended cases and
procedures adopted. Interviews with two women (middle class / upper-middle) and a middle
class couple, ex-spouses, constitute the third source of data: all had experienced violence in their
marital relationships and answered questions about their perceptions of gender, violence and
relationships. Analyses procedures were used in accordance to the objectives of each study. We
use the Excel and Sphinx for the descriptive analysis of the BOs, the Alceste to analyze the
reports of the police reports and of the transcripts of interviews with women participants. For
these last data, we also employ Content Analysis. The phenomenological analysis was used to
organize and evaluate the interviews of the participants who had been married. In this set of
studies, we have: the characterization and analysis of the structure (physical and professional) of
the police station, the employees evaluation of the complainants and the service, and the
description and analysis of cases of domestic violence recorded in the DEAM. We also
performed a comparative analysis of the complaints of women in low- and middle- or high
income. The interviews with the three women and a man led to the development of two studies:
the first one discusses violence from the perspective of these women (situations of violence,
denounces, expectations) and, on the second article, we develop a relational analysis of
incidents of violence over the couple relationship. The analysis allows evaluating the
implementation of the aspects set out in Law Maria da Penha and the use of the station by
women complainants. With that, we discussed the need for investments that achieve more than
the criminalizing bias of the Law, considering within it, and in other policies, there are points
that focus on education, health and prevention. When ignored, these points could hinder that
appropriate measures be taken to face violence against women.
Keywords: violence against women; judicial proceedings; Law 11.340/06, public policies,
policies against violence.
RÉSUMÉ
Cortez, M. B. (2012) «Sans sucre, avec affection»: une étude critique des rapports de violence
contre les femmes et les paradoxes judiciaires. Thèse de doctorat. Programme de Graduation en
Psychologie. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória / ES.
Au cours des six années de promulgation de la loi 11.340/06, appelé loi Maria da Penha, et près
de 30 ans après la installation du première Commissariat de Police Spécialisé Pour les Femmes
(DEAM), nous avons été fascinés sur les débats et des pratiques engagées dans la défense des
catégories des femmes. Au même temps que commentaires sexistes et les actions qui
dévalorisent les réalisations et les nouvelles demandes des femmes nous ont déjoués. Dans un
contexte avec des valeurs si différents, voir comment et dans quelles conditions sont appliqué
des politiques pour combattre la violence contre les femmes devient très pertinente pour
l'évaluation des aspects qui devraient recevoir plus d'investissements, et aussi pour l'évaluation
des points critiques qui empêchent ou minimisent le succès des actions prévues. Cette recherche
visait enquêter sur les usages et les implications de la loi Maria da Penha sur les plaintes de
violence conjugale par les femmes dans Vitória-ES. Pour ce faire, nous analysons les données
de 613 rapports de police (BO) enregistrés au DEAM en Vitória pendant six mois de 2010, les
informations donnés pour des fonctionnaires de police sur le fonctionnement de ce sujet et sur
les cas observés et les procédures adoptées. Entretiens avec deux femmes (classe moyenne /
moyenne supérieure) et un couple, ex-conjoints de la classe moyenne, constituent la troisième
source de données: tous avaient connu la violence dans leurs relations et ont répondu aux
questions sur leurs perceptions des genres, de violence et les relations. Les procédures d'analyse
ont été utilisées en conformité avec les objectifs des études. Nous utilisons le Excel et Sphinx
pour l'analyse descriptive de l'OB, l'Alceste pour analyser les rapports des déclarations et aussi
des transcriptions des entrevues avec les femmes participants. Pour ces entrevues, nous
employons encore l'analyse de contenu. L'analyse phénoménologique a été utilisée pour
organiser et pour évaluer les rapports des participants qui ont été mariées. Nous avons alors
pour l'ensemble des études, la caractérisation et l'analyse de la structure (physique et
professionnelle) du Commissariat de Police, l'évaluation de las informations données pour les
employés à l'égard des plaignants et le service, la description et l'analyse des cas de violence
domestique enregistrés dans DEAM . Nous avons également effectué une analyse comparative
des plaintes des femmes de revenu faible, moyen ou élevé. Les entretiens avec les trois femmes
et un homme a conduit deux études: la violence dans la vue de ces femmes (cas, la résiliation,
les attentes) et, d'autre part, nous avons choisi de développer une analyse relationnelle des
incidents de violence au cours la relation de couple. L'analyse permet d'évaluer la mise en
œuvre des aspects définis dans la loi Maria da Penha, et l'utilisation et procédures adopté dans
le Commissariat de Police par les plaignants femmes. Avec cela, nous avons discuté de la
nécessité pour les investissements qui permettent d'atteindre plus que de la loi criminalisant, car
cela et les autres politiques visent, également, à l'éducation, la santé et de prévention qui, ignoré,
évite que les mesures les plus appropriées sont prises pour combattre la violence contre les
femmes.
Mots-clés: violence contre les femmes; judiciarisation; loi 11.340/06 ; les politiques publiques;
faire face à la violence.
LISTA DE SIGLAS
MÉTODO
ESTUDO III
2011.............................................................................................................................. 105
LISTA DE FIGURAS
Estudo IV
Estudo V
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 16
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 17
OBJETIVO ................................................................................................................. 34
MÉTODO ................................................................................................................... 35
Com base nos estudos desenvolvidos para esta tese, defendemos a valorização
vivenciam a violência, posto que o referido processo ignora a força das relações
hoje combatido e no modo como os investimentos são realizados, uma vez que se
sobre as Leis e os serviços a que têm direito devem ser estimuladas para possibilitar
16
INTRODUÇÃO
desigualdade. Segundo a autora, esse conceito é tanto uma categoria de análise como
17
historicamente”.
poder e valor ao primeiro (Cantera & Blanch, 2010; Cortez & Souza, 2008, Giffin,
alcançada (Almeida, 2007; Saffioti, 2004; Medina Maldonado, Camacaro Cuevas &
Torres Torres, 2011; Oliveira, 2008; Xu, Kerley & Sirisunyaluck, 2011). É também com
base nesta perspectiva que Chauí (1984, 1999), Saffioti (1999, 2004) e Araújo (2002)
outro, reificando-o.
alterações nas relações de poder sejam dificultadas ou mesmo impedidas por meio de
ações que atingem (fisica, emocional ou socialmente) a parte dominada. Neste sentido, a
violência contra a mulher pode ser compreendida como uma “manifestação perversa
dessa distribuição desigual de poder” entre os gêneros (Cortez, Souza & Queiroz, 2010,
p. 229). Manifestação esta que se faz presente em espaços públicos, como o assédio
funções que homens (Almeida, 2007; Cunha, 2008) e igualmente nos espaços privados,
sendo cometidas pelos cuidadores, por familiares e/ou, na maior parte dos crimes
denunciados, pelos parceiros amorosos (Labronici et al, 2010; Marcelino & Dimenstein,
18
gênero e de relações de poder, devemos ter clara a implicação destes não apenas nas
relações homem-mulher, mas nas relações entre mulheres e entre homens. Ainda, como
bem observa a autora, é relevante destacarmos que o gênero não é o único aspecto
estruturante da sociedade e das relações sociais, e que classe e raça/etnia são também
gênero é “gerada no interior de disputadas pelo poder em relações íntimas” e que visa,
ainda que geralmente em menor grau, a mulher não está totalmente destituída de poder
nos conflitos ocorridos em seu relacionamento amoroso. Esse poder, que se intenta
mesmo para serem violentas com seus parceiros (como ação defensiva ou não) (Alvim
& Souza, 2005; Bair-Merritt, 2010, Cortez, Souza & Queiroz, 2010; Ross, 2012).
simetria entre os gêneros (gender symmetry theory), mulheres agridem seus parceiros
(física e/ou verbalmente) tanto quanto são agredidas. Tal dado tem sido encontrado e
Conflitos (Conflicts Tactics Scale – CTS ou Revised Conflicts Tactics Scale – CTS2 ou
CTS R), para obter informações sobre a violência cometida e sofrida por homens e
19
negociação, levantamento de danos físicos e emocionais) (Casimiro, 2008; Caldwell,
Swan & Woodbrown, 2012; Ross, 2012; Straus, 2007). Por outro lado, ao mesmo tempo
discutida como tendo consequências piores (mais danosas e/ou incapacitantes) para as
autores, porém, sugeriram que o uso da versão revisada (CTS2) poderia oferecer
mais profundo quanto à distinção entre formas severas e rotineiras” de violência. Essa
versão revisada foi utilizada por Sillito (2012) cuja avaliação indicou que esta escala
Sillito (2012) indicou que embora homens e mulheres tenham reportado utilizar
perpetrada por cada um eram “assimétricos” (Sillito, p.21). Os resultados dessa pesquisa
indicaram que os índices de “boa saúde física” eram praticamente os mesmos para
relatar medo e depressão do que os homens, dado esse corroborado pelas análises de
violência ou se há ou não homens que são agredidos por suas parceiras. Pesquisas já
indicaram que ocorrem agressões de mulheres contra homens e que todos sofrem com a
20
homens é comum e descrita como relacionada a questões de acesso a serviços e a outros
gênero) (Alvim & Souza, 2005; Bair-Merritt, 2010; Carney, Buttell, Dutton, 2007;
Flores, Vasquéz & Vega, 2009; Hernández Rodríguez, 2009; Houry, 2008; Medrado,
Por outro lado, temos dados que indicam que a mulher está mais sujeita a sofrer
conjugal contra a mulher são frequentemente mais graves quando mulheres são
2009; Saffioti, 1999 e 2004; Sillito, 2012). Tais informações fortalecem nosso
Saúde (OMS) da violência contra a mulher como uma violação dos direitos humanos e
violência privada cometida pelo parceiro amoroso é fenômeno histórico fortalecido por
subordinação feminina pelo homem em diversas instâncias sociais. Nossa escolha não
Produções Recentes
21
(2007-2012). A proposta aqui é dar destaque a alguns enfoques e tipos de pesquisas já
contra a mulher.
a curto, médio e longo prazo), até os possíveis impactos no desenvolvimento dos filhos
que presenciam as situações de violência (Bonomi et al, 2009; Blay, 2008; Cortez,
Souza & Queiroz, 2010; Durand, Schraiber, França-Junior & Barros, 2011; Lawson,
Laughon & Gonzalez-Guarda, 2012; Menezes, Moura, Netto & Silva, 2010; Osis,
& Clímaco, 2008; Medrado, Lemos & Brasilino, 2011; Gomes & Oliveira, 2011;
Cortez, Souza & Queiróz, 2010). Estes estudos descrevem suas características sócio-
22
demográficas, analisam suas percepções quanto às situações de violência (descrições,
descrevem algumas propostas de intervenção com essa população (Cortez & Souza,
2010; Geldschlager et al, 2010; Gomes & Diniz, 2008; Medrado, Lemos & Brasilino,
2011; Lila et al, 2010; Mullaney, 2007; Welland & Ribner, 2010).
sobre violência contra a mulher. A nosso ver, é de grande relevância uma maior
a inclusão dos homens nos debates sobre gênero (tanto como objeto de estudo, como
também estudioso da questão) favorece não apenas ações que intentam reduzir as
23
revisões bibliográficas, estudos teórico-críticos, qualitativos (estudos de caso,
(Blay, 2008; Cortez, Souza & Queiróz, 2010; Gomes & Oliveira, 2011; Hanada;
D'Oliveira & Schraiber, 2010; Leal, Lopes & Gaspar, 2011; Osis, Duarte & Faúndes,
2012; Ribeiro et al, 2009; Santos, 2010; Santos & Vieira, 2011; Soares, 2012).
Silva et al, 2012; Bonfim, Lopes & Peretto, 2010; Franzói, Fonseca & Guedes, 2011;
Geldschlager et al, 2010; Jong, Sadala & Tanaka, 2008; Lamoglia & Minayo, 2009;
Medrado, Lemos & Brasilino, 2011; Nobre & Barreira, 2008; Polo, Alhucema &
Cárdenas, 2008; Sagot, 2008; Schraiber; Barros & Castilho, 2010; Silva, 2012).
permite construir ações cada vez mais adequadas para o enfrentamento do fenômeno.
o reconhecimento das mulheres como cidadãs de direito que, por muitos anos, estiveram
24
naturalizada. A análise das produções mais recentes sobre o tema e a comparação com
alternativas para se discutir e enfrentar o fenômeno, por exemplo por meio da inclusão
São muitos os documentos e artigos que situam na década de 1970 o início das
tornou-se bandeira na luta pelos direitos femininos e ganhou maior espaço na mídia
após o assassinato de Angela Diniz, cometido em 1976 por Raul Fernando do Amaral
Angela foi morta por seu ex-companheiro, pois não queria continuar a relação
que mantinha com ele. O primeiro julgamento de Doca foi descrito da seguinte maneira
1
Outros casos que tiveram grande repercussão e cobertura da mídia foram os assassinatos de Eliane de
Grammont por seu ex-marido, o cantor Lindomar Castilho em 1981, e da jornalista Sandra Gomide por
seu ex-namorado, o também jornalista Antonio Marcos Pimenta Neves em 2000.
25
Após o primeiro julgamento, o réu, praticamente inocentado, declarou à
imprensa: “matei por amor”. A repercussão deste caso gerou grande debate público e
manifestações de grupos feministas que se organizaram sob o lema: “Quem ama não
mata” (Blay, 2003). Em novembro de 1981, Doca foi novamente a júri. Foi sentenciado
a 15 anos de prisão, cumpriu três anos e meio em regime fechado e saiu em liberdade
(Barsted, 1994; Blay, 2003; Santos, 2008; Oliveira & Vieira, 2011). Muitas conquistas
luta por políticas públicas para a mulher. Esse foi o caso do SOS Mulher, serviço que
De acordo com Silveira (2006), o primeiro SOS foi criado em outubro de 1980 e
autora afirma que o serviço funcionou por três anos e foi encerrado por iniciativa das
funcionamento do SOS foi prejudicado pelas discussões acerca das contradições entre
2
A continuidade na utilização deste argumento foi descrita por Rocha (2007), que analisou sentenças
proferidas entre 1998 e 2003.
26
ações políticas (com enfoque na denúncia da violência e promoção de autonomia das
Delegacia de Defesa da Mulher (DDM3) do Brasil seria instalada em São Paulo, capital
Lei Maria da Penha. De acordo com a autora, esses momentos, pontos-altos das
3
No estado de São Paulo é ainda comum a utilização da denominação Delegacia de Defesa da Mulher
(DDM) como referência à delegacia especializada. Outros estados e mesmo documentos oficiais federais,
porém, utilizam a denominação Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres (DEAM),
denominação adotada na presente pesquisa.
27
públicas (Santos, 2010, p. 155)
criado para atender aos casos considerados de “menor potencial ofensivo”, ou seja:
contravenções penais e crimes cuja pena máxima não fosse superior a 02 (dois) anos,
acumulada ou não com multa (Oliveira, 2008). Atendem a essa caracterização delitos
como: ameaça, injúria, dano, lesão corporal leve, dirigir desabilitado, desacato, entre
Até a criação da Lei Maria da Penha, no segundo semestre de 2006, a Lei 9.099
foi aplicada à maioria dos casos registrados nas DEAMs, onde prevalecem denúncias de
ameaça e lesão corporal leve (Oliveira, 2008, Ribeiro et al 2009). Situação não prevista
para esses juizados eram em sua maioria de violência doméstica e familiar, advindos das
cestas básicas pelo autor da violência” (Medrado & Méllo, 2008, p. 82).
dissonância com a implantação das DEAMs, que proporcionou visibilidade aos crimes
que discordem desta perspectiva e entendam que tanto a delegacia especializada quanto
28
o juizado especial fortaleceram a categoria feminina, o problema no tratamento da
informalização do processo, mas no modo como ele era conduzido. Para a autora, “as
percepções dos agentes do JECRIM sobre a violência de gênero apontam para a ideia de
que esse conflito diz respeito às famílias e seus membros e não ao Direito Penal”
(Oliveira, 2008, p. 46). O tratamento do delito como “um problema familiar recorrente”
direito de agredir sua parceira ao custo do pagamento de uma multa ou doação de uma
cesta básica.
o tratamento inadequado dos casos e das pessoas envolvidas levou a novas mobilizações
Gênero¸ demanda esta que se pretendeu atender com a criação, em 2003, de um Juizado
Especial Criminal da Família. No início desse mesmo ano é criada a Secretaria Especial
mulheres nas políticas públicas e o estabelecimento das condições necessárias para a sua
4
<http://www.sepm.gov.br/sobre>
29
direitos e deveres previstos na Convenção de Belém do Pará no caso da dupla tentativa
Penha. Em vigor desde em setembro de 2006, esta lei cria “mecanismos para coibir e
prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher” (Artigo 1°, Lei 11.340,
Violência contra a Mulher), a Lei Maria da Penha “dispõe sobre a criação dos Juizados
Justiça, 2010, p. 63). Com base nas críticas e pressões feministas relacionadas ao
direitos. Cremos que, também por isso, as menções aos homens são tão reduzidas e
aparecem distanciadas dos debates atuais sobre gênero, sendo limitadas e estereotipadas
na sua identificação como “agressor”, como bem analisaram Medrado e Méllo (2008).
Segundo os autores, nestes casos, faz-se referência às penalidades cabíveis a ele e a seu
30
Dentro de uma perspectiva relacional, ações de enfrentamento da violência
ações 2006-2007 (Brasil, 2007, p. 52), de 2003 a 2007, mais de sete mil profissionais
da SPM e parceiros, em muitos espaços essa capacitação prevista na lei 11.340 ainda
não chegou, o que nos leva a questionar a importância dada pelo Estado a esse tipo de
ação.
31
Atendimento à Mulher; 20 Promotorias Especializadas/Núcleos de Gênero do
não são especializados no atendimento à mulher, mas funcionam como portas de saída
nos municípios onde não existe nenhum outro tipo de serviço”) (Instituto Avon, 2011,
p. 29). Cada um desses espaços representa uma conquista que precisa ser
demais serviços) no país ser muito reduzida e concentrada nas regiões sudeste e sul
(Brasil, 2007).
É certo que, apesar das críticas e da necessária atenção para que seja
aplicação e divulgação pública adequadas das medidas previstas, bem como realizar
análises críticas sobre tais aplicações e sobre o próprio conteúdo da lei são essenciais
para avaliar sua eficácia, para aprimorar os serviços e para a contínua construção de
alternativas de intervenção.
sobre homicídio de mulheres (Waiselfisz, 2011; 2012), o Espírito Santo foi o estado
brasileiro com maior taxa de homicídio feminino no ano de 2010 (foram 9,4 vítimas de
homicídio feminino para cada 100 mil mulheres). No Piauí, estado com menor índice, a
taxa foi de 2,6 vítimas de homicídio para cada 100 mil mulheres.
32
homicídio feminino, a cidade de Vitória ocupa a 38ª posição (11,5 vítimas de homicídio
feminino para cada 100 mil mulheres em 2010) e as cidades de Serra, Aracruz,
Cariacica e Vila Velha aparecem respectivamente nas 8ª, 12ª, 23ª e 29ª posições
(Waiselfisz, 2012).
sobre o Peso Mundial da Violência Armada5, indica que “altos níveis de feminicídio
atentar para as altas taxas brasileiras de homicídio feminino, sabendo que elas também
mulher.
(BOs) por ano, dentre os quais prevaleceram denúncias de lesão corporal e ameaça
contra mulheres como um problema social e de saúde pública (Arruda da Silva et al,
2012 e Garcia-Moreno et al, 2006). Tal ponto de vista abre espaço para demandas por
ações públicas tanto no âmbito da segurança quanto do direito e da saúde (Villela &
5
Geneva Declaration Secretariat Global Burden of Armed Violence 2011. Lethal Encounters. Suíça,
2011.
33
OBJETIVO
denúncias de violência por mulheres de classes média e média-alta, grupo sempre citado
como também atingido pelo fenômeno, mas ainda pouco destacado nos estudos sobre a
temática da violência contra a mulher. A proposta era, então, realizar a pesquisa com
violentos.
objetivo inicial mantido como um dos objetivos específicos da tese. Assim, a pesquisa
dos boletins de ocorrência, o que nos permitiu uma visão mais crítica e também mais
seu trabalho, e por termos avaliado que a investigação dessas questões enriqueceria a
análise dos dados que já estavam sendo recolhidos, optamos por considerar a análise
34
dos processos em estudos futuros.
Lei Maria da Penha com base no levantamento de informações a respeito das denúncias
MÉTODO
Fontes de dados
35
observações realizadas durante as visitas à DEAM, e 3) entrevistas com os 14
Tabela 1
Tempo de serviço
Função Sexo Idade Escolaridade
Polícia Civil Deam
Agente/Perito
F 50 superior completo 30 anos 25 anos
papiloscópico
1 ano e 3
Digitador F 44 2º grau completo 3 anos
meses
Escrivão da
F 55 superior completo 21 anos 4 anos
polícia
Auxiliar de Serviço
F 36 1º grau completo 1 mês
serviços gerais terceirizado
6 anos e 3
Investigador M 48 2º grau completo 29 anos
meses
36
Outra parte dos dados analisados foi coletada por meio de entrevistas individuais
com três mulheres de classe média/média-alta (35, 51 e 58 anos de idade) que possuíam
histórico de violência conjugal (psicológica e/ou física) por parte do companheiro e com
um homem (48 anos de idade), ex-marido de uma das entrevistadas. Na Tabela 2 são
Tabela 2.
Atuação Situação da
Tipo de união;
profissional relação no
Participante Escolaridade tempo de
(renda individual período da
relacionamento
aproximada) coleta
Mulher Superior Analista de RH Casamento civil;
Encerrada
(51 anos) completo (R$4.000,00) 29 anos
1. DEAM-Vitória
apuração dos crimes praticados contra pessoas do sexo feminino” (p. 5). Atualmente,
funciona em uma casa antiga e pequena, de fácil acesso por transporte público, ao lado
da sede da Polícia Civil. Registra denúncias de mulheres entre 18 e 60 anos cujo delito
denunciado tenha ocorrido na cidade de Vitória. A coleta de dados foi realizada após
37
desta no final do segundo semestre de 2009. Destacamos que a proposta inicial incluía
denunciando. A alteração nos levou a optar pela análise dos dados de 2010 e não de
A coleta dos dados dos BOs teve início no primeiro semestre de 2010 e
profissionais.
2. Dados de 805 BOs, dos quais 613 eram referentes a denúncias de violência
6
Essa parte da coleta foi realizada pela pesquisadora e também pelos bolsistas de Iniciação Científica
Narjara Portugal Silva e Guilherme Vargas Cruz, alunos do curso de graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Espírito Santo.
38
3. Relatos dos profissionais da equipe da delegacia, coletados por meio de
a Mulher
Uma vez que muitos dos estudos que investigam a violência contra a mulher têm
essa população estar bastante representada nos dados dos boletins de ocorrência, a
39
menos investigados. Os participantes foram contatados com apoio dos dois psicólogos
atuantes no NEVID.
desta etapa da pesquisa, posto que outras tentativas já haviam sido realizadas sem
mesmos e receberem autorização para isto. As entrevistas foram agendadas por telefone
7
<http://www.mpes.gov.br/promotoriadamulher/paginas/nucleodeenfrentamento.html>
8
Valor estabelecido após análise prévia dos dados dos BOs coletados. Salário mínimo em 2011:
R$545,00.
40
minutos. A entrevista com o único participante do sexo masculino foi realizada por
Normas éticas
DEAM (Apêndice 5) como pelas mulheres e homem entrevistados (Apêndice 6). O TCI
estão:
contatados no NEVID);
2. Utilização dos softwares Excel e Sphinx para análise descritiva dos dados dos BOs;
3. Utilização do software Alceste para análise dos relatos dos BOs e também das
9
Guilherme Vargas Cruz, bolsista de iniciação científica CNPQ.
41
transcrições das entrevistas realizadas com mulheres e homem participantes;
para análise comparativa das entrevistas do casal de participantes que haviam sido
casados.
Excel e pode ser utilizado para analisar dados quantitativos, por meio de análises
Além disso, permite a avaliação de dados qualitativos por meio de análises léxicas e de
conteúdo.
Simples d’un Texte – Reinert, 1990) é utilizado para análise de dados textuais
análise realizada pelo Alceste fornece uma “primeira classificação estatística dos
enunciados simples do corpus estudado” (Oliveira, Gomes & Marques, 2005, p. 158).
apresentado no formato exigido pelas normas da revista científica a que foi ou será
tese.
42
ESTUDO I - A realidade de uma DEAM frente às normas e leis para o
RESUMO
para aplicação da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) nas Deams. Discute-se a
Maria da Penha.
INTRODUÇÃO
posteriormente também de saúde pública, abre espaço para demandas por ações públicas
Lamoglia; Minayo, 2009; Arruda da Silva, 2012). Assim, para compreendermos a atual
1
Artigo submetido à Revista de Administração Pública – RAP. Fundação Getúlio Vargas em abril de
2012.
43
configuração da rede de enfrentamento à violência, e a ênfase dada à criminalização
a promulgação, em 2006, da Lei n° 11.340, Lei Maria da Penha. Estes são analisados
pela autora como três momentos que marcam o caminho percorrido pelos movimentos
O processo de implantação das Deams teve início com a mobilização feminista dos
anos 1970/1980 (Arruda da Silva et al, 2012). Na pauta do movimento brasileiro, a luta
pelo reconhecimento da violência doméstica como uma das principais violências que
atingem a mulher tornou-se prioridade. Relevante enfatizar que, nesse período, crimes e
44
honra2” (Blay, 2003; Machado, 2002; Pasinato; Santos, 2008).
pela punição de seus assassinos alcançou “seu auge após 30 de dezembro de 1976,
quando Angela Diniz foi morta por Doca Street, de quem ela desejava se separar”. Doca
foi inocentado no primeiro julgamento (“matei por amor”, declarou à imprensa), mas
público e gerou diversas manifestações de grupos feministas, sob o lema: “Quem ama
não mata”3. Outro caso de grande repercussão foi o assassinato de Eliane de Grammont
por seu ex-marido, o cantor Lindomar Castilho em março de 1981, quase um ano após a
separação do casal. Preso, Lindomar afirmou que cometeu o crime por motivo passional
e por legítima defesa da honra. Foi condenado a 12 anos de reclusão, cumpriu quatro e
serviços, os chamados SOS Mulher, para acolher e orientar as mulheres que sofriam
menor que um ano de detenção. Incluíam-se, portanto, os casos de lesão corporal leve e
2
Mais recentemente, Rocha (2007) citou alguns estudos que identificaram o uso da legítima defesa da
honra em julgamentos ocorridos entre 1998 e 2003, revelando que esse argumento permanece sendo
utilizado, ainda que mais questionado.
3
A repercussão deste caso foi tanta que, em 1982, uma minissérie cujo título reproduzia este lema
(“Quem ama não mata”) foi produzida e transmitida pela Rede Globo de Televisão. Inspirada nos crimes
passionais que mobilizavam a opinião pública na época, a minissérie abordou “o relacionamento amoroso
na classe média através da história de cinco casais, cada um com uma visão particular sobre casamento,
amor e fidelidade”. Segundo o diretor, Daniel Filho, algumas histórias da minissérie foram baseadas nas
experiências pessoais dele e dos autores da trama. (Informações disponíveis no site:
<http://minisserie.blogspot.com/2010/03/quem-ama-nao-mata.html>)
45
Deams e, logo, também os mais frequentes nos Jecrims (Cortez, 2006; Santos, 2008).
Com isso, essas delegacias passaram a gerar Termos Circunstanciados, documentos que
Apesar de essa decisão ter, de fato, agilizado a chegada dos casos à instância
jurídica, Santos (2008, 2010) e Oliveira (2008) discutem que, ao ser enquadrada na Lei
9.099/95, a violência contra a mulher tornou-se um problema a ser mediado e não mais
objetivo do Jecrim. Por essa razão, as críticas a esse modelo surgiram rapidamente e se
permaneciam ativos na luta por leis específicas sobre a violência contra a mulher
violação dos direitos humanos e como um grave problema de saúde pública. Entre os
46
ratificada pelo Brasil em 1995 (Agende, 2004).
medidas para combater a violência contra a mulher, processo esse que tem como
resultado mais marcante a criação da Lei n.11.340/06, chamada Lei Maria da Penha. A
mesmo ano (Guimarães et al, 2011) e retirou dos Jecrims a competência para julgar os
encaminhamento das denúncias pela Deam, que passaram a ser registradas em BOs. A
constitucionalidade, uma vez que, para alguns, ao enfocar os direitos das mulheres, ela
feriria o princípio da isonomia, excluindo homens que também sofrem com a violência
doméstica, praticada por parceiras ou familiares (Alencar; Melo, 2011; Nunes; Hita,
2010). Para resolver tal impasse, em dezembro de 2007, o presidente Luiz Inácio Lula
leis brasileiras, os casos de violência conjugal contra homens, devem ser amparados na
alcançar, de fato, relações igualitárias também nos princípios da lei, valorizamos o fato
47
de a Lei Maria da Penha favorecer a publicização das violências cometidas contra as
mulheres, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de prevenção destes atos, por
A criação da lei Maria da Penha tornou-se um dos marcos mais importantes dos
violência contra a mulher deve ser combatida por meio da tríade prevenção-assistência-
repressão.
sentido final de prevenir o delito, “seja por dissuasão, eficiência e eficácia do método
1985, outras seis delegacias foram instaladas, nas seguintes capitais: Belo Horizonte
(MG), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Florianópolis (SC), Recife (PE) e Vitória (ES). Em
48
São Paulo a delegacia especializada se firmou com a denominação Delegacia de Defesa
da Mulher (DDM), mas, ainda que alguns estados utilizem variações desta
(Lei Maria da Penha) nas Deams (Observe, 2010), em 2009 foram contabilizadas 475
como âmbito inicial de ação toda a região da Grande Vitória (na época, Vitória, Vila
constatamos que a delegacia e seus serviços, desde então, têm sido adaptados às
2011) referem-se aos casos de violência contra idosas (acima de 60 anos de idade), que
Jecrim.
49
Diversos estudos, entre os quais o de Pasinato (2010), indicam que o número de
BOs registrados nas delegacias aumenta a cada ano. Em Vitória, o indicativo dos efeitos
dessa Lei sobre os registros poderia ser aferido comparando-se a quantidade de boletins
técnico do Instituto Jones dos Santos Neves (2008) indica que nos anos de 2005 e 2006,
com a entrada da Lei em vigor pode-se inferir certa retração do número de denúncias ou
Dados mais atuais, fornecidos pela própria Deam, indicaram o registro de cerca de
2000 boletins de ocorrência no ano de 2009 e 1669 BOs em 2010. Acreditamos que a
queda de um ano para o outro pode ser decorrente de alterações nos serviços da Deam,
ocorrências.
das ocorrências nela registradas, mas também o conhecimento de suas instalações, sua
Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha – foi desenvolvido no período de 2007 a 2010 e
propõe fornecer indicadores que sirvam como base para a construção “de novos
50
desenvolvimento “de instrumentos de monitoramento e avaliação das políticas de
(Observe, 2010). Os dados publicados são os mais atuais no momento e permitem uma
visão geral (mas ainda assim, restrita) da situação desses órgãos (equipes, estrutura,
“razões adversas” (Observe, 2010:13, nota de rodapé) a Deam de Vitória, não foi
funcionamento no país.
OBJETIVO
de apoio).
sobre outras Deams referidas no relatório supracitado sobre Deams e Juizados (Observe,
2010)
51
MÉTODO
recolhidos por meio de entrevistas com os funcionários da Deam e por meio da análise
delegacia.
Participantes
anos e, dos 14 participantes, apenas três eram homens, todos eles investigadores.
(auxiliar de serviços gerais) a 25 anos (um investigador e uma agente) (M=6,14 anos).
Uma das digitadoras era estagiária, a auxiliar de serviços gerais era terceirizada e o
Procedimentos
Entrevistas e Observações
autoaplicáveis, mas após retornar à Deam para recolher o material após o período
52
sugestão de uma das policiais, optamos por aplicá-los individualmente, na forma de
anotadas manualmente.
deste estudo.
foi possível também conversar informalmente com alguns dos funcionários a respeito de
53
(principalmente sobre as mulheres atendidas, casos de reincidência, rotina da equipe e
trabalho da equipe.
RESULTADOS
De acordo com a Norma Técnica (Ministério da Justiça, 2010), uma cidade do porte
contar com 02 Deams, com horário de expediente de 8h as 18h. A Norma Técnica ainda
recomenda que o quadro de pessoal ideal para ser distribuído em cada Deam deveria ser
composto por: três delegadas, 21 agentes policiais (escrivão e/ou investigadores), dois
(uma delas estagiária), seis investigadores (três homens e três mulheres), duas escrivãs,
questão precisa atender a uma demanda quase quatro vezes maior do que a prevista,
posto ser a única em um município que já deveria contar com duas delegacias e atua
Deam é ressaltado por um dos entrevistados: “tem coisa que não é feita, mas não é falta
54
O número de delegacias especializadas em todas as capitais dos estados do Sudeste
(população: 5.940.224) há 03 delegacias, cada qual com uma delegada titular, todas
delegacia, servida por uma delegada titular e 11 delegadas plantonistas e em São Paulo
(população: 10.659.386) foram contabilizadas nove Deams, uma delas 24 horas. Cada
delegacia paulistana conta com uma delegada titular, oito delegadas plantonistas e três
adjuntas também atuam nestes serviços, num total de 20 delegadas (Observe, 2010;
IBGE, 2010).
Deam e os relatos dos profissionais revelaram que o grupo atua no sentido de se manter
pontos positivos da delegacia a equipe e o trabalho ali realizado. Foram comuns a todos
os relatos expressões como: “equipe super unida, dinâmica e bem resolvida. Tem
relações pessoais entre os entrevistados: “as pessoas são legais aqui”; “aqui é uma
equipe.
55
adjunta pra evitar acúmulo de relatórios”; “tem que aumentar o efetivo”. Muitos relatos
o efetivo”, “curso para todos os funcionários da Deam, pra dar um bom atendimento à
é também descrita por estudiosos como importante para se oferecer serviço de qualidade
às mulheres atendidas (Almeida, 2007, Blay, 2003; Guimarães et al, 2011, Santos, 2008,
Silva, 2012). De acordo com os profissionais, para que as mulheres sejam mais bem
demanda exposta também por delegadas de outras Deams no Brasil (Observe, 2010).
Um dos participantes lembrou ainda que a criação desta equipe na Deam, “com
assistente social e psicóloga”, está “prevista na Lei Maria da Penha”. Na verdade, tal
condição está descrita no Artigo 11 do Decreto n° 2.170-N (1985), que cria a Deam,
mas tanto a Lei Maria da Penha como também a Norma Técnica especificam que esses
mas em outros espaços que compõem a rede de assistência (nos Juizados de Violência
A Norma Técnica sugere que a Deam, por integrar uma rede de serviços, atue como
as usuárias até os mesmos. Essa rede, quando completa, deve oferecer os seguintes
Ainda que em desacordo com leis e normas atuais, a demanda dos profissionais da
56
verificação empírica dos profissionais, partilhada por outras equipes que atuam em
prestado pelas profissionais das áreas de psicologia e assistência social (antes ou após a
pode ser exercida pelos técnicos requisitados é um ponto interessante a ser discutido.
criminal, uma vez que o Artigo 11 especifica que os mesmos orientem as partes “no que
se refere à reintegração ao seu meio quando necessário”. Esse trabalho parece ser
realizado, por exemplo, no setor de Psicologia de uma Delegacia da Mulher (DM), outra
4
No período da coleta dos dados, os delitos enquadrados na lei Maria da Penha eram todos considerados
de Ação Penal Privada, ou seja, a denunciante precisava registrar sua intenção de representar
criminalmente contra o denunciado para que o processo fosse iniciado. Ou seja, optando pela
representação, instaurava-se um inquérito e o processo criminal era aberto; caso contrário, a denúncia
ficava “em aberto” por seis meses, período durante o qual ela poderia voltar e representar. Após um
semestre, a denúncia era arquivada. A partir de 9 de fevereiro de 2012, o STF instituiu que o delito de
lesão corporal contra a mulher passaria a ser Ação Penal Não-condicionada, ou seja, o delito pode ser
denunciado por outras pessoas e o Ministério Público não precisa da representação criminal da mulher
vitimada para dar prosseguimento ao processo.
57
Dell’Aglio, 2011).
levantamento dos casos atendidos pelo serviço. Esse setor funcionava em prédio
contiguo ao da Polícia Civil, contava com equipe formada por policiais, técnicos e
vazia, pois a DEAM não possui secretária ou recepcionista) e são recebidas por um(a)
Mulher de Vitória).
compreender e optar com segurança por um dos encaminhamentos possíveis. Por essa
razão, o que muitas vezes ocorria era uma pré-avaliação realizada pela(o) funcionária(o)
58
da DEAM, que indicava o procedimento que entendia ser o mais adequado à situação.
opta por não registrar o BO, é indicado a ela o atendimento pelos técnicos (psicólogos e
seus acompanhantes até o serviço indicado, em caso contrário, orienta-se sobre como
chegar ao local (a pé, andando cerca de quatro quarteirões). Interessante notar que esse
percebido como um modo de fazer com que as mulheres encontrassem o ‘local certo’
para serem atendidas e não como aspecto importante do serviço da DEAM, ainda que o
seja.
geral, explicados como um modo de fazer justiça e garantir algum tipo de segurança
59
delito (antes ou depois do registro do BO, dependendo da demanda no momento). O
DML localiza-se no mesmo quarteirão da DEAM e, em geral, a mulher vai até o serviço
estávamos na sala de registro (espaço onde digitávamos informações de BOs para outro
estudo), verificamos que muitas mulheres chegavam angustiadas para falar sobre o
ocorrido e muitas vezes eram interrompidas pela digitadora, que ouvia o início da
são recolhidos os dados pessoais, para só depois ouvir-se o relato dos fatos. Observamos
proferidas em voz muito baixa ou que tinham dificuldades para descrever o ocorrido de
ouvir seu depoimento. Um exemplo fictício: (denunciante) “motivo? ele fala que eu to
dando bola pra um primo dele e que eu tenho que parar com isso ou ele me mete a faca;
60
Verificamos que o constante contato com casos de violência e com mulheres
Frases como: “é tanto tempo vendo isso [casos de violência] que às vezes fica tudo
igual” ou “tem que separar bem as coisas (...) é muita coisa ruim aqui e não dá pra ficar
por cuidados com a própria saúde, seja por questões de limitações de ação profissional).
também que estes sejam capacitados para isso, o que não ocorre. Outros funcionários
também reconheceram que, em algumas situações: “o policial acaba sendo juiz, padre,
psicólogo, assistente social... você tem que apaziguar, aconselhar”. Essas ações são, em
geral, descritas como necessárias, mas não deveriam ou não poderiam ser executadas
por eles (por falta de capacitação, por excesso de tarefas ou por entenderem que não são
funções policiais), o que fortalece a demanda por profissionais técnicos qualificados que
atuem na delegacia.
24 horas e nos finais de semana, como sugere a Norma Técnica (Ministério da Justiça,
61
da delegacia passou a realizar atendimentos até as 16h00, para que atividades
(policiais e técnicos), bem como sua adequada capacitação, são pontos fortes das
estrutura física da Deam tiveram maior quantidade de citações e foram descritas com
mais detalhes.
Infraestrutura da Deam
Localização
A delegacia está situada em região de fácil acesso, bem servida pelo sistema de
transporte coletivo municipal e distante uma quadra de uma das principais avenidas da
local para onde são encaminhadas as mulheres para realizar exame de corpo de delito.
as mulheres são conduzidas pelos próprios policiais até esses órgãos, em veículos da
Deam. A Casa Abrigo, mesmo um pouco mais distante, situa-se nas imediações e é
62
Estrutura e recursos físicos
De acordo com Nader (2010), a Deam-Vitória funcionou até o ano de 2002 em uma
transferida para uma casa adquirida pelo Governo do Estado, ao lado da Polícia Civil,
A Deam está instalada em uma casa antiga, com muro baixo e um pequeno jardim
casa possui oito cômodos: sala de recepção/espera (com televisor, filtro de água, um
banco, mesa e uma impressora/copiadora), sala da delegada, sala para registro das
denúncias das mulheres, duas salas para registro de depoimentos dos denunciados,
antessala (área de transição para a cozinha) também utilizada para serviços burocráticos
funcionários.
estantes por praticamente toda a delegacia, inclusive banheiro e cozinha, com exceção
são seis computadores e uma impressora, em rede. A Deam é servida por um sistema de
estrutura e das condições de trabalho dos funcionários para a recepção das pessoas que
ali chegam para serem atendidas. Tal avaliação é corroborada pelos profissionais. Todos
63
identificaram a “falta de espaço” físico como o principal ponto negativo da Deam: “o
trabalho interno, como também sobre o atendimento às usuárias: “falta espaço pra
atender, pra orientar a vítima sobre dúvidas que a mesma quer solucionar”; “muito
barulho, falta espaço e privacidade”; “falta sala, falta recepção, sala pra criança, sala
separada pra mulher e pro homem, pra funcionários”; “falta espaço físico pra atender a
barulho de conversas paralelas (ora sobre o trabalho, ora não), a falta de privacidade
para a mulher relatar a queixa, ou para o homem prestar seu depoimento (as salas, em
geral, ficam com as portas abertas) e a ausência de salas para acomodar adequadamente
todos os profissionais da equipe. Apesar de algumas destas situações não poderem ser
poderiam ser amenizadas por ações simples, como o isolamento acústico da sala das
do atendimento em curso5.
5
Ressaltamos que durante certo período manteve-se a porta aberta para manter a ventilação adequada da
sala, dado que o ar condicionado não estava funcionando. Tal artifício manteve-se, porém, mesmo
estando o ar-condicionado novamente em uso.
64
trabalho são também deficitários: “falta material, viatura”; “e tem carro parado também
que indica que treze delegadas (32,5%) destacam a falta de equipamentos e/ou sua
reflexo do desprestígio que estas delegacias ainda gozam no interior das polícias”
(Observe, 2010:36).
em relação à Deam também foi descrito: “a verdade é que a delegacia (Deam) não é
prioridade pra Polícia [Civil]”. Ainda assim, é notável o empenho da equipe em fazer o
burocráticas (notebooks) como também o cuidado por parte deles em atender algumas
65
(...) usa recursos próprios pra dar conta do trabalho (...), usa computadores próprios”;
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vitória.
Os resultados encontrados revelam uma Deam inadequada no que diz respeito aos
constatações que apoiam o argumento de que a subvalorização das Deams ocorre desde
recursos próprios, trabalhando dentro das condições que conseguem criar, por pouco
contidas tanto na Lei Maria da Penha como na Norma Técnica e de não se pedir luxo,
66
decisões do governo estadual sobre as políticas de segurança pública.
reconhecimento dos pontos relevantes para a melhoria do serviço não sejam suficientes
Deam: “Dentro do que a gente tem aqui, a gente tá bem demais”. De conotação
conformista, esta frase explicita tanto a satisfação pelo resultado dos esforços da equipe
serviço ser:
Neste sentido, se por um lado as Deams atuam na repressão da violência, por outro,
devemos lembrar que elas devem atuar também na prevenção de outras violências, no
na Deam (Almeida, 2007; Blay, 2003; Santos, 2010). Essa questão é lembrada por
67
Gadoni-Costa, Zucatti e Dell’Aglio (2011:226) que ressaltam que “o número de
em alguns casos, em atendimentos que violam outros direitos das usuárias, quais sejam
de atendimento) para que os mesmos não sofram novas violências dentro do sistema
criado para protegê-los. Tal necessidade é ressaltada tanto pelo relatório Observe (2010)
destacou Santos (2008, 2010). Em seu estudo, Silva (2012:150) afirma que
recebeu maior número de adesões por parte das delegadas enquanto procedimento muito
importante para resolução dos problemas pelos quais passam as Deams”. A questão
profissionais que tratem destes aspectos. Resta à Deam, órgão de referência para o
68
seu parceiro ou ex-parceiro ora requisitam informações judiciárias, orientações legais e
assistência psicossocial.
refere às suas funções no espaço da Deam: como torná-la, como previsto na Lei, um
próprios profissionais relatam que o trabalho de educar, ouvir e orientar parece ser uma
atividade ‘extra’? Se a prevenção deve estar presente neste serviço tanto como resultado
que têm ali”, junto a um grupo de usuárias que não tem ou não identifica outras
instituições de apoio.
dos inquéritos, por exemplo), mas deixa de executar as atividades de orientação, devido
aos aspectos já destacados anteriormente. Tal falha parece ser ignorada pelos órgãos de
69
segurança responsáveis pelas delegacias especializadas, ainda que, como observado por
Silva (2012) seja identificada por delegadas dessas Deams, o que perpetua uma prática
implementação da Lei 11.340/06, que após inúmeras conquistas ao longo das últimas
décadas, parece ter arrefecido, como outros movimentos sociais, deixando de exercer
uma vigilância mais crítica, e necessária, sobre as condições gerais em que os serviços
para as mulheres em situação de violência, juntamente com uma maior pressão dos
11.340/06 e também nas demandas por melhorias, recorrentes não apenas na Deam-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
aplicação na cidade de Recife: uma análise crítica do perfil do “agressor” nos casos que
70
ARRUDA DA SILVA, Priscila, PEREIRA DA COSTA KERBER, Nalu, COSTA
Mara R., DOS SANTOS LUZ, Geisa. Violência contra a mulher no âmbito familiar:
estudo teórico sobre a questão de gênero. Enfermería Global, n. 23, p. 259-266, 2012.
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71
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MISTRETTA, Daniele. Lei Maria da Penha: por que ela ainda não é suficiente? Revista
<www.Agende.org.br/docs/File/publicacoes/publicacoes/revista%20Convencao%20Bel
72
(ES). 2003 – 2005. Em: Seminário Internacional Fazendo Gênero 9 Diásporas,
<www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1278008189_ARQUIVO_Trabalhopron
<www.Observe.ufba.br/_ARQ/Relatorio%20apresent%20e%20DEAMs.pdf>. Acesso
PASINATO, Wânia. Lei Maria da Penha - Novas abordagens sobre velhas propostas.
73
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<https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/11080/1/Da%20Delegacia%20da%20mul
feministas pelo Estado. Revista Crítica de Ciências Sociais, v.89, p.153-170, 2010.
p.132-154, 2012.
mulheres que sofreram violência sexual. Cad. Saúde Pública, v. 23, n. 2, p. 471-475,
2007.
74
ESTUDO II - Análise das denúncias de violência conjugal contra
mulheres na DEAM-Vitória/ES1
RESUMO
as mulheres. Os dados relativos a uma amostra de 613 BOs registradas em 2010 foram
58,6% das denunciantes, foi mais frequente entre mulheres que relataram histórico de
mediação de conflitos.
INTRODUÇÃO
a reconhecesse como um problema não apenas social, mas também de saúde pública em
como práticas socialmente relevantes não apenas para o campo social como também
1
Artigo submetido à revista Psicologia em Estudo, Departamento de Psicologia - Universidade Estadual
de Maringá.
75
para diversas organizações e instituições do campo da saúde.
Dentre os tipos de violência contra a mulher, aquele cometido por parceiros e ex-
(Labronici et al, 2010; Marcelino & Dimenstein, 2006). Segundo Debert e Gregori
(2008) tal prevalência ocorre desde o início dos estudos que acompanham os registros
de denúncias, na década de 1980, o que revela que o espaço doméstico é o que oferece
capital (Silva, 2012). Tal acontecimento oficializou a violência contra a mulher como
todas as capitais brasileiras contam com ao menos uma delegacia especializada, sendo
que, na região sudeste estão instaladas 14: nove em São Paulo/SP, três no Rio de
passou de 248 unidades em 2003 para 475 em 2009, a maioria concentrada na região
caracterizada como: “... qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” que
76
tenha ocorrido “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
2010; Pasinato, 2010; Meneghel et al, 2011). Meneghel et al (2011), em estudo que
especializada é marco oficial da publicização da violência sofrida. Tal fato, a nosso ver,
11.340/06) revelou que ao mesmo tempo em que há mulheres que querem a punição do
que vão à delegacia com o intento de “consertar a situação” (Nobre & Barreira, 2008).
Nestes casos, os autores do estudo afirmam que a figura do mediador (na época, a
77
não apenas para repressão de crimes, discutida também por Brandão (2006), Rifiotis
(2004) e Jong, Sadala e Tanaka (2008), indica a demanda das mulheres por serviços de
parecem pouco valorizados pelas políticas de estado. Mesmo não recebendo a devida
pesquisa documental para resgatar aspectos históricos e compará-los com dados atuais,
utilizados para dialogar com dados qualitativos também recolhidos (Blay, 2008;
cometeram agressões (Cortez, Souza, & Queiróz, 2010; Oliveira & Souza, 2006,
Vitória, 2010).
78
(maior concentração das denúncias de ameaça e lesão corporal) e do público atendido
amoroso entre denunciante e denunciado) (Debert & Gregori, 2008; Labronici, Ferraz,
Trigueiro, & Fegadoli, 2010; Marcelino & Dimenstein, 2006; Observe, 2010; Ribeiro,
Duarte, Lino, & Fonseca, 2009). O acompanhamento dos casos que chegam às DEAMs
pela DEAM são utilizados pelas denunciantes, podem contribuir para melhorias
viabilizadas.
OBJETIVO
função desta delegacia para suas usuárias considerando a opção ou não pela
2
No período em que foi desenvolvida a pesquisa (2010/2011), a representação criminal era opcional para
todos os delitos denunciados (Ação Penal Condicionada) e implicava na aceitação de continuidade do
processo (abertura e encaminhamento do inquérito e instauração do processo criminal). Caso a mulher
optasse por não representar criminalmente no momento da denúncia, ela tinha o prazo de seis meses para
retornar à DEAM e requisitar a continuidade do processo, período após o qual a denúncia era arquivada.
A opção da denunciante por representar ou não criminalmente contra o denunciado deveria constar no
final da descrição do delito. Em 9 de fevereiro de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu
que, nos casos de lesão corporal, o Ministério Público deve prosseguir com a acusação do denunciado
independentemente de a mulher realizar a representação criminal (Ação Penal Incondicionada).
3
As MPUs visam, em última instância, proteger e/ou garantir os diretos da mulher por meio de ações
como: afastamento do homem do lar, estabelecimento de distância máxima de aproximação,
encaminhamento da mesma para a Casa Abrigo ou outras (Ministério da Justiça, 2010). Salientamos que,
apesar de não ser prescrição da Lei, na DEAM em questão a solicitação de MPU estava condicionada à
representação criminal contra o denunciado, prática essa adotada, aparentemente, para que fosse dada
continuidade ao processo criminal. Ressaltamos que as MPUs, por visarem a segurança da denunciante,
não deveriam ser condicionadas a qualquer outra decisão da denunciante e, por isso, a prática adotada
pela DEAM era inconstitucional.
79
MÉTODO
Contexto de investigação
De acordo com a delegada titular, a DEAM onde foram coletados os dados foi a
primeira delegacia a ser implantada no estado do Espírito Santo, o que ocorreu no final
Espírito Santo4. Quanto à estrutura física e pessoal, era visível a insuficiência de salas
adequadas para os serviços burocráticos e para o atendimento das mulheres, bem como
o reduzido efetivo frente às demandas, o que também foi observado por Silva (2012).
maiores de 18 anos.
Fonte de dados
A coleta teve início após autorização da delegada titular. A digitação dos dados
dos BOs em uma planilha do programa Excel ocorreu na sala em que os depoimentos
4
Disponível em: <http://www.pc.es.gov.br/site/index.php/unidades-policiais> Acesso em março de 2012.
80
As seguintes informações foram recolhidas: 1) Ocorrências denunciadas (tipo de
Sphinx Lexica (Edição Survey, versão 5.1.0.5). O Sphinx, é um programa que facilita a
e os objetivos da pesquisa, posto que possibilita construir tabelas, gráficos, possui filtros
RESULTADOS E DISCUSSÃO
análise dos 613 boletins são apresentados e discutidos em três sessões: Caracterização
Ressaltamos que 587 boletins do total de 613 analisados foram registrados por
81
registrou boletim de ocorrência por 03 vezes, nos meses considerados no estudo. Como
a proposta do estudo foi analisar os registros de denúncias, os dados dos 613 BOs foram
considerados.
oficiais), noivo e namorado. A maioria dos denunciados foi identificada como ex-
parceiros, com 56% do total de registros. A análise de qui-quadrado indicou que há uma
maior representação dos casos quando o relacionamento é anterior e não atual, sendo
essa diferença significativa (χ2 (1) = 8,07, p < 0,05), o que revela uma maior propensão
corrobora os resultados encontrados por Zaluar (2009) e que, segundo a autora, sugerem
pelo poder dado pelos rituais à família, aos conhecidos ou ao Judiciário, seja pelos
82
valores mais conservadores dos casais que optam por esses ritos). Destacamos também
órgãos públicos no caso de situações de violência, uma vez que o controle gerado pelos
analisada (denúncia de lesão corporal e ameaça cometida por ex-companheira que não
declararam-se brancas e 48 (7,8%) disseram ser negras. Quanto à cor dos denunciados,
segundo as denunciantes, a maioria era de cor parda (266; 43,%), 217 (35,3%) eram
brancos e 124 (20,2%) foram declarados negros. Dos 427 BOs em que os envolvidos já
eram pais (69,8% do total), em 219 (51,3%) constava 01 filho, em 184 (43,1%) o
A idade média das denunciantes foi relativamente mais baixa do que a dos
prevalecido, tanto para as denunciantes como também para os denunciados a faixa etária
envolvidos com idades superiores a 45 anos de idade foram os menos encontrados (97
83
(33,6%) e 117 (19,1%) tinham ensino superior completo ou em curso. Os registros da
Dentre as 515 (84%) denunciantes que possuíam religião, 287 (55,8%) eram
não tinha religião foi a segunda mais encontrada (227; 37,0%). Foram declarados
a informação “não sabe informar”. Com relação ao alto número de homens declarados
sem religião, indagamos se essa afirmativa pode estar relacionada ao intento da mulher
em construir uma imagem de homem menos correto por não possuir uma crença
(26,0%) católicas.
836,51; DP = 1442,5), sendo que 135 (22,0%) mulheres declararam não possuir renda
havia alguma renda declarada (78%, N= 465), 202 (43,4%) registravam valor menor do
que 01 (um) salário mínimo (R$545,00) e em 201 (43,2%) constava valor entre 01 e 03
registros (3,1%). Dados sobre a renda dos denunciados não foram sistematizados devido
84
ocupações que não demandavam cursos ou treinamento específico para execução das
múltiplas foram consideradas para análise. Em 248 BOs (40,5%) constava um único
Dimenstein, 2006; Debert & Gregori, 2008), os delitos de violência conjugal mais
registrados foram os de ameaça (387 BOs, 63,1%) e lesão corporal (169 BOs, 27,6%).
Nesta DEAM não há especificação sobre a natureza leve ou grave da lesão corporal.
único delito denunciado foi o de violência física (lesão corporal ou vias de fato). Os
85
A prevalência de registros de violência psicológica (isoladamente ou associada a
outros tipos de violência) foi observada também em diversos outros estudos, como os de
Silva, Coelho e Caponi (2007) e Olaiz et al (2006) e Ribeiro et al (2009). Segundo estes,
além de poder ser um precursor para a violência física, a violência psicológica pode ter
efeitos mais severos e duradouros do que uma agressão física. Por essa razão,
ainda que tenhamos identificado, nos relatos recolhidos, referências a tal tipo de abuso
(constrangimento sexual e relações sexuais cedidas após coerção, por exemplo), como
outro fator que pode favorecer o silêncio é o reconhecimento da relação sexual como
uma das obrigações maritais, o que pode prejudicar o discernimento entre consentir e
ceder a uma relação sexual (Cortez et al, 2010; Schraiber, D’Oliveira, & França Junior,
2008). Assim, a mulher pode não reconhecer neste ato uma agressão, do mesmo modo
73 dos 613 boletins (11,9%) essa informação não havia sido registrada e em 92 BOs
(15%) a noticiante não soube relatar um motivo possível para o ocorrido. Dos 448 BOs
86
em que foi citada ao menos uma possível motivação, identificamos registros contendo
substâncias lícitas e/ou ilícitas (bebida alcoólica e drogas) pelo denunciado consta em
110 BOs (24,6%), prevalecendo citações sobre o consumo de bebidas alcoólicas com 68
registros (15,2%, do total), mesmo número de registro de ciúme como possível motivo
relacionados a decisões sobre a rotina do casal, sobre a família e sobre aspectos legais
Em estudos realizados por Deeke, Boing, Oliveira e Coelho (2009) e por Cortez
87
homem ser/se sentir contrariado e traição (ou suspeita de traição). A utilização da
al, 2009; Cortez & Souza, 2008; Deeke et al. 2009; Stuart et al, 2008) e, neste estudo,
continham tal informação sobre a denúncia. Temos, então, quase 40% de denúncias que
num primeiro momento não originaram processos criminais, o que nos leva a inferir
pedem que seja dado “um susto” em seus parceiros “com o objetivo de romper, ao
Brandão (2006), a maioria das mulheres que recorrem à DEAM não tem interesse na
punição legal dos denunciados. Como Jong et al (2008), Brandão discute a função
punição, é utilizado por muitas mulheres como um espaço cuja autoridade permite a
Faz-se relevante entender os usos que são feitos da DEAM e da Lei Maria da
Penha pelas mulheres, uma vez que o registro da denúncia, sem a continuidade no
processo judicial, pode ser uma tentativa da denunciante para mediar e/ou controlar a
88
romper o relacionamento ou criminalizar o parceiro ou ex-parceiro. A opção por não
por medo de o denunciado se tornar ainda mais agressivo). Por essa razão, além de
procura por segurança e proteção, neste mesmo serviço, uma vez que, ainda que
opcional no caso de haver representação criminal, das 359 mulheres que representaram
agressão física cometida pelo parceiro ou ex-parceiro denunciado, ainda que não
385 mulheres com histórico de agressões, 67,8% (261) optaram por representar
informaram não ter histórico de agressões físicas, 42,7% (94) optaram pela
denúncias em dois BOs diferentes e uma com três registros de denúncias. Dos 11 casos
89
houve opção, no momento do 2º registro ou do 3º registro, pela representação criminal e
pedido de MPU. Arriscamos avaliar que esses dados podem indicar que as repetidas
denúncias foram ensaios sucessivos para o rompimento definitivo da relação uma vez
que ao longo deste processo a mulher teve condições para reavaliar seu relacionamento,
reunir informações, desenvolver estratégias e obter suportes que lhe dessem segurança
CONSIDERAÇÕES FINAIS
DEAM não requeria informações sobre a renda dos envolvidos. A alteração no modelo
90
fenômeno podem ser mais bem embasadas.
identificadas nesta DEAM, por exemplo, pelo Instituto Santos Neves (2008), nos anos
contra a mulher não escolhe “raça, escolaridade, condição social e idade” (p. 268).
necessários para que os mesmos se tornem visíveis, possam ser devidamente orientados
e consigam suporte para sair das situações de abuso. Deste modo, a DEAM e toda a rede
favoreceria a luta contra os preconceitos e mitos que envolvem grupos ainda excluídos.
mencionarmos novamente que quase 40% das denunciantes optaram por não representar
também por solicitar as medidas protetivas. Vale lembrar que, nesta DEAM, as
91
denunciados. Ao longo da coleta dos dados, por compartilhar a sala de registro com as
casos, o condicionamento das MPUs à representação criminal foi fator importante para
verificamos que as denunciantes vislumbram a delegacia como um espaço que pode lhes
dar garantias de proteção. O pedido por medidas protetivas revela, portanto, a carência
função da DEAM e da denúncia para as mulheres que optam por não representar contra
tornou também um órgão que empodera simbolicamente a mulher, no sentido de lhe dar
ferramentas (cópia do BO) e um espaço seguro de referência para renegociar sua relação
com o denunciado (Nobre & Barreira, 2008), não havendo necessariamente a intenção
respeito de a DEAM perder sua função mediadora com a implementação da Lei Maria
da Penha, parece-nos que a delegacia permanece com tal função simbólica para as
mulheres, ainda que não seja divulgado comprometimento oficial com isso. Mesmo não
fortalecimento da mulher tomam forma nas orientações sobre serviços de apoio jurídico
92
como ‘lembrete’ ao agressor de que ela também detém certo poder na relação5. Como
esses mesmos autores afirmaram, o ato da denúncia coloca a mulher “em princípio,
numa condição de superioridade diante do agressor” (Nobre & Barreira, 2008, p. 160).
A DEAM permanece como uma instância “de resolução de conflito, a despeito de sua
Um aspecto que pode fortalecer tal análise, além do alto índice de BOs sem
processo após a denúncia (Ribeiro et al, 2009, Brandão, 2006). Tal constatação foi
confirmada com a análise de dados locais: dos 93 processos criminais com sentenças
processos julgou-se pela continuidade do processo, para ser julgado em nova audiência.
conflitos conjugais (Rifiotis, 2004) ainda é necessária não apenas como meio de inibir
as ocorrências deste fenômeno, mas também para que essa violência seja reconhecida
assim, a atenção e o cuidado adequados do Estado. Dois fatos, todavia, devem ser
5
Na DEAM investigada, o encaminhamento a serviços de apoio psicossocial e jurídico (Centro de
Atendimento a Vítimas de Violência, Promotoria da Mulher, por exemplo) é oferecido às mulheres que
registram o BO e também às que chegam à delegacia e desistem de fazer a denúncia.
93
mulher, e que ainda permanecem fortemente arraigados na maior parte das culturas e
sociedades. O segundo ponto a ser considerado é que, como bem indicam os dados
grande parte das mulheres que procuram apoio por se encontrarem em situações de
é um dos elementos essenciais para a “demanda por políticas públicas sociais” (p.119).
Assim, não devemos esquecer que além de criminalizar a violência doméstica contra a
mulher, a Lei Maria da Penha, como bem lembra esta mesma autora “define linhas de
por apoio informativo e mediação como modos para resolução dos conflitos. Esse fato
dinâmicas perversas e violentas que podem estar instaladas nos relacionamentos ou que
94
vemos nas escolas cursos e palestras promovidos pelo Estado que ensinem nossas
quais os serviços a que se pode recorrer em casos de necessidade; não temos acesso a
Centros de Referência ou junto a profissionais e técnicos da saúde para que eles e seus
filhos possam ser bem orientados. Não temos, enfim, contato com referências
Maria da Penha e que mobilizem famílias e/ou casais a procurarem por outras ações,
que não apenas a repressiva e que também compõem, ou deveriam compor, a rede de
sistema de enfrentamento da violência mostra-se essencial para que pontos da Lei Maria
ignorados pelas políticas de Estado e pelos órgãos responsáveis por sua implementação.
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97
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Stuart, G. L.; Temple, J. R.; Follansbee, K. W.; Bucossi, M. M.; Hellmuth, J. C.; Moore,
98
Vitória, M. B. R. (2010) Violência doméstica intrafamiliar: a realidade das mulheres
99
ESTUDO III - As denunciantes de violência conjugal e os serviços
RESUMO
conjugal; mulher.
1
Artigo submetido à revista Interação em Psicologia, Departamento de Psicologia, Universidade Federal
do Paraná.
100
violação dos Direitos Humanos, define os tipos de violência (psicológica, física, moral e
serviços de apoio psicossocial, entre outros) têm sido construídas em todo país. Dentre
enfrentamento da violência contra a mulher, com bem destacou Pasinato (2010) foi a
delegacias no Brasil foi inaugurada em São Paulo em 1985, ano em que também foram
denunciantes. De acordo com Blay (2003), no início, muitas profissionais mulheres que
atuavam nas delegacias especializadas agiam de acordo com padrões machistas, uma
vez que “tinham sido socializadas numa cultura machista” (p. 91) e, ainda hoje,
101
2010; Santos, 2010). Estudo desenvolvido por Silva (2012), que descreve a situação de
diversas DEAMs nos anos de 2000 e 2011, relembra entre outros aspectos a serem
das profissionais que ali atuam. Temos, pois, atualmente, profissionais atuantes nas
alguns casos, facilitar o contato com os envolvidos. Com base nestas fontes de
entre outros) (Lamoglia & Minayo, 2009; Marcelino & Dimenstein, 2006; Marques &
Coleta, 2010; Melo, Silva & Caldas, 2009; Ribeiro, Duarte, Lino & Fonseca, 2009).
Ressaltamos que pesquisas que contam com a participação do homem autor de violência
estudos identificados (Alves & Diniz, 2005; Alvim & Souza, 2005; Cortez, Padovani &
Williams, 2005; Cortez, Souza & Queiróz, 2010; Gomes & Diniz, 2008; Rosa, Boing,
Ainda que BOs, inquéritos e entrevistas com as mulheres que utilizam o serviço
102
da DEAM forneçam informações essenciais a respeito das ocorrências de violência e
dos seus impactos, há ainda diversos aspectos relacionados a esse fenômeno que
necessitam ser mais bem investigados, como por exemplo, os serviços prestados pela
violência contra a mulher, como pudemos averiguar nos estudos de Brandão (2006),
Scarduelli (2006), Lemos (2010), Nobre e Barreira (2008), Rifiotis (2004) e Villela e
cols. (2011).
A DEAM em questão neste estudo funciona desde 1985, mesmo ano da primeira
delegacia implantada no país, e seu serviço, como nas demais delegacias especializadas,
que ali atuavam lidavam bem com as dificuldades estruturais e se esforçavam para
OBJETIVO
103
das mulheres usuárias dos serviços da DEAM e das ocorrências (delitos, motivações); 2.
DEAM.
METODO
Participantes
Procedimentos
Instrumento de coleta
respeito dos fatores que motivam as mulheres a fazer ou não a denúncia de uma situação
104
Tabela 1
Tempo de serviço
Função Sexo Idade Escolaridade
Polícia Civil DEAM
Agente/Perito
F 50 superior completo 30 anos 25 anos
papiloscópico
1 ano e 3
Digitador F 44 2o grau completo 3 anos
meses
Escrivão da
F 55 superior completo 21 anos 4 anos
polícia
Auxiliar de Serviço
F 36 1o grau completo 1 mês
serviços gerais terceirizado
6 anos e 3
Investigador M 48 2o grau completo 29 anos
meses
105
privacidade da entrevista. Apesar destas condições, no decorrer das entrevistas todos se
mostraram à vontade.
Saúde, Resolução 196/96. Para manter o sigilo das identidades dos participantes,
optamos por não mencionar quaisquer características dos mesmos (cargo ou siglas) nas
por Bardin (2002). Esse processo inclui uma leitura minuciosa do material e a
RESULTADOS
denúncias realizadas por mulheres jovens, de baixa renda e pouca escolarização, cujos
verbalmente por não aceitarem o fim do relacionamento, por fazerem uso abusivo de
álcool e/ou drogas ou ainda devido ao ciúme. Segundo os entrevistados, essas mulheres
parceiro: “Ela [a mulher que denuncia] é jovem, mora em bairro periférico. O cara
chega bêbado, bate na mulher. E geralmente é na presença dos filhos, uns dois ou três
106
no mínimo”.
ocorrências menos atendidas envolvem mulheres mais velhas ou idosas, “com 30, 40
anos de casada, que tem “uma criação de que tem que aguentar aquilo”, e mulheres de
classe alta que sofrem violência conjugal (“senhora de [bairro classe alta da cidade]
agredida psicologicamente pelo marido, tortura, né. Ricos não denunciam”). Segundo
violência sexual (cometidas por desconhecidos ou pelo parceiro) são menos registradas
do que de violência física ou psicológica. Eles informaram também que, a partir de maio
Delegacia do Idoso.
referências à mulher que “já deu várias chances (...), passou por várias agressões” e que
violência nos filhos, pois as mulheres percebem que a violência “começa a atingir os
filhos (...) e não suportam mais viver daquela forma”. Deste modo, ao realizar a
denúncia, a mulher estaria desistindo da relação após concluir que não há possibilidade
107
resulta da percepção das mulheres de que as situações de agressão chegaram ao
procurar por apoio, como no exemplo a seguir: “Elas veem que falta pouco pra morrer.
acham que podem morrer”. Por outro lado, o fim do sentimento de medo também é
citado como fator importante para a denúncia. Nesta situação o registro da queixa é
descrito como uma atitude de “ou tudo ou nada”, compreendendo-se que essa mulher
não tem nada mais a perder: “Ela [denunciante] falava que agora ela não tinha medo
mais, nem de morrer: ‘eu perdi o medo’. É que ela já tá disposta até de morrer, tá
disposta a tudo”.
parceiro ou ex-parceiro para que a violência acabe. Para isso, elas utilizariam a cópia do
BO como um instrumento de negociação “pra mostrar para o homem que tem coragem
de vir pra DEAM e que é protegida pela Lei Maria da Penha”. O relato a seguir é
bastante ilustrativo deste tema: “Tem vítima que quer só um papel pra mostrar e a gente
explica como funciona, mas ela não quer tudo [processo, audiência, condenação]”.
Com menor frequência, encontramos relatos que indicam que a denunciante quer
resolver a situação, no sentido de exercer seu direito, acabar com a violência e punir
profissionais, mobilizam a mulher para que realize o registro da queixa contra o parceiro
108
ou ex-parceiro. Compõem esse tema os elementos: orientação advinda de Centros de
Referência e dos meios de comunicação (“a mídia diz que ele vai ser punido”) e pressão
de pessoas próximas (“pressão da família, dos filhos, vizinhos, dos colegas”; “Tem
mulher que chega aqui e fala que tá com medo dele [do filho] acabar batendo no pai,
matar o pai”).
DEAM em cinco temas: 1. O Peso dos Filhos e da Família (f=11); 2. Vínculo Afetivo
O tema O Peso dos Filhos e da Família, que reúne o maior número de citações,
ligada à necessidade de manter a família unida. A mulher não denuncia “pra não
familiar idealizada (constituída de pai, mãe e filhos) é um dever, pois possibilita maior
crianças: “Pra proteger os filhos. Porque se for prender o pai, o filho fica contra a mãe e
a favor do pai”; “Às vezes por insegurança de ficar sozinha, de não ter um companheiro
classe alta.
109
A Dependência Financeira da mulher (tema 3, f=7) é um tema com conteúdo
bastante próximo ao anterior, dada sua relação com a necessidade de cuidados com os
mulheres, “por insegurança de ficar sozinha, de não ter um companheiro pra ajudar
O Vínculo afetivo com o autor da violência (tema 2, f=10) aparece como fator
comportamento mude, faz com que ela desista ou adie a decisão pela denúncia: “Sempre
acredita que o esposo vai mudar, melhorar e vai levando a vida (...) [A Situação] é
complicada porque envolve situação de convivência, ela vem denunciar, mas ainda
Medo, tema bastante frequente nas entrevistas com os profissionais (tema 3, f=9):
um dos fatores que paralisam a mulher: “o marido fala: ‘se você denunciar eu te mato’,
daí o medo atrapalha”; “Na maioria das vezes por medo, por causa de ameaças dele
relatam que pode haver também ameaças envolvendo os filhos: “Ameaça de morte, de
tirar os filhos”; “E eles ameaçam ‘se você for na delegacia eu te mato e mato seus
filhos’”.
O último tema, Descrédito sobre Intervenção Legal (tema 5, f=3), é composto por
110
poucos elementos que se referem ao posicionamento da mulher em relação às
acredita que o denunciado será, de fato, punido: “[não denuncia] por achar que não vai
acontecer nada com ele, que vai ser perda de tempo”. Outro entrevistado afirmou que a
denunciante acredita que “com a justiça ele não vai ser preso na hora” e que ela
Especializada e julgadas pela juíza titular ou, quando é o caso, por juízes substitutos.
trabalhar a fim de que “o agressor não saia impune” também são ações presentes neste
e Práticas, agrupadas no tema 2 (f=6). Estas providências incluem ações que visam a
111
manutenção da segurança da denunciante, inicialização do processo criminal e apuração
encaminhamento das denunciantes para outros serviços e “intimação do autor pra tomar
“apaziguar, aconselhar” a mulher que chega à DEAM e realizar atividades que possam
garantir seu bem-estar, dentro do contexto em que está, entre eles a coleta dos pertences
psicólogas”, e um dos entrevistados afirmou: “o policial acaba sendo juiz de paz, padre,
psicólogo, assistente social”. Tais referências são citadas pelos participantes não apenas
necessidade por profissionais cujas funções estão executando, mas que, acreditam, não
vontade de ajudar”, “a gente se integra, troca ideias com relação ao que é a finalidade da
112
revelam pontos positivos e negativos relacionados às ações da DEAM e às suas
atendimento pode causar mudanças positivas na vida das mulheres: “[é positivo] saber
que consegue ajudar as pessoas a sair dessa situação”; “é bom participar da vida das
mas que parece ter grande impacto na satisfação da equipe com seu trabalho.
crimes e aqui o crime é feito por pai, irmão... alguém em quem confia, com quem
“torna [o profissional] insensível”, uma vez que “os casos são muito iguais, acabam não
recebendo tanta atenção. A vítima acha que é o fim do mundo e você já não acha nada
de mais”. Essa insensibilidade pôde ser inferida também a partir do relato de um dos
profissionais que não foi capaz de descrever ocorrências de violência doméstica menos
frequentes, por percebê-las todas iguais: “Pouco comum eu não sei, em geral são
mesmo:
113
tudo que passei, é isso mesmo’. Quando o cara é pego, vou algemar e a
mulher pergunta: ‘precisa disso?’ (...) Aí, na delegacia me avisam: ‘olha
ela não tá querendo representar’ e eu vou conversar com ela. Falo que eu
tinha explicado tudo sobre o flagrante e tal. Ela diz: ‘ah, mas eu queria
dar um susto nele’; eu virei pra ela e ‘BUU!’ e ficou nós dois sérios e daí
eu falei ‘polícia não dá susto, minha senhora. A gente tá aqui pra fazer
cumprir a lei.’”
frustração nos funcionários. A análise dos relatos revela que os profissionais avaliam
coletados, verificamos que a ação policial parece, assim, ter pouco efeito e valor, e os
de BOs desta DEAM, realizada por Cortez e Souza (2012b), apuramos que parte das
114
Por outro lado, com relação ao público que mais utiliza os serviços da delegacia,
Souza, 2012b; Lemos, 2010; Ribeiro e cols., 2009; Vitória, 2010), como baixa renda e
equivocadas. A maior parte das denunciantes, por exemplo, ainda que com renda baixa,
seus parceiros. O número elevado de filhos (“dois ou três, no mínimo”), descrito por
alguns dos entrevistados, é contrariado pelos registros analisados por Cortez e Souza
(2012b) que indicam que metade das denunciantes possuía apenas um filho e 43% de
dois a três filhos. Ainda segundo esses autores, as denunciantes não são tão jovens
como descreveram os participantes: ainda que a diferença não seja tão expressiva, a
análise dos BOs revelou que 41% possuíam entre 18 a 29 anos, enquanto 58,2% tinham
Essas percepções podem ser decorrentes, por exemplo, de casos mais marcantes
entrevistados, posto que alguns funcionários têm 06, 09 e mesmo 25 anos de atuação na
DEAM em questão.
Já os relatos sobre os casos menos registrados estão de acordo com a análise dos
dados dos BOs realizada por Cortez e Souza (2012b), a qual indicou que denunciantes
na faixa etária acima de 45 anos e/ou com renda individual superior a seis salários
Assim como no presente estudo, Lemos (2010) também identificou, por meio de
115
Embora as referências expressas sobre o grupo de usuárias não corresponda,
descrito na sessão anterior (“tem uma renca de filhos e ela não quer ver a prole passando
fome se o marido for preso”). Além disso, o vínculo afetivo com o autor da violência
parece também ter grande impacto na decisão de não denunciar a violência e/ou de
manter o relacionamento. Essas decisões, de acordo com alguns estudos com mulheres
& Da Ros, 2006; Kim & Gray, 2008; Jong, Sadala & Tanaka, 2008)
de crimes denunciados por mulheres que reconhecem e lutam pelo direito de não serem
agredidas.
Por essa razão, ao afirmarem que às vezes cumprem as funções de “juiz de paz,
116
padre, psicólogo, assistente social...” os entrevistados não se referem apenas ao serviço
fragilizada e emotiva que “na hora da raiva, diz que quer tudo o que tem direito... e não
é isso o que ela quer. Ela aciona o sistema, a PM [Polícia Militar] e, na verdade, é coisa
do uso que elas fazem dos serviços da DEAM, no modo como os funcionários avaliam
os serviços que prestam. O caráter preventivo do trabalho policial, apesar de ser o mais
requisitado na DEAM, parece caracterizar uma ação “menos policial” e, por isso, ter
menor impacto para a sociedade e menor valor para o próprio profissional. Como
analisa Silva (2012, p. 141), as DEAMs integram “... uma corporação na qual a
prestação de qualquer serviço não policial é visto como ponto negativo, como demérito
De acordo com Rifiotis (2004), Cortez e Souza (2012b) e Villela e cols. (2011),
117
resultados dos trabalhos realizados na DEAM, como também indicam os dados de
Ainda que o estudo de Williams e Pinheiros (2006) assegure tal constatação, por ter
comportamento do parceiro, uma vez que ele “volta a cometer a agressão”. O ciclo se
configura, então, como difícil de ser rompido: “tem mulher que vem [à DEAM], faz
bater”.
desacreditada: “Aí ela informa a quebra da MPU e quando a gente vai prender, ela tá
junto com o cara e fica chorando pra não prender”. Em muitos casos, o trabalho policial
parece não ter fim, no sentido de cumprimento efetivo de seu objetivo, posto que as
118
oportunidade”.
Às vezes dá vontade de dar uns tapas... de ver caso aqui e “ah, você de
novo?” Teve um caso em que a mulher levou 16 facadas, não morreu
porque não quis e voltou com o cara de novo! Dá raiva saber disso.
cumprir a lei e reprimir delitos, das afirmações que os profissionais fizeram sobre as
seguinte questão fica para a equipe da DEAM: “o quanto poderei cumprir meu dever
como parte da equipe da delegacia se as mulheres que devo proteger voltam a se colocar
em risco?”.
complexidades dos casos prejudicam a qualidade dos serviços que entendem ter que
prestar às mulheres.
agressões para ‘controlar’ a parceira que ‘sai da linha’ (Cortez, Souza & Queiroz, 2010;
Rosa et al, 2008) e mesmo dos pais que utilizam castigos e punições físicas para
119
‘corrigir’ os filhos que cometem erros ou desobedecem.
Como bem afirma Brandão (2006), em muitos casos, as mulheres utilizam a DEAM
como um dos recursos para “gerenciar a crise conjugal e familiar que subjaz ao delito
denunciado” (p. 210). Ou seja, cessando as agressões (mesmo que, de fato, seja
Parece-nos correto, então, analisar que, ao afirmarem que muitos dos atendimentos
possivelmente estão afirmando que muitas denunciantes vão ao lugar errado ao procurar
violência, mas não diminui a necessidade dos demais serviços e da qualificação dos
Fato é que, desde os tempos das primeiras demandas feministas, na década de 1980,
120
essa demanda continua sendo colocada em 3º ou 4º plano – quando lembradas – por
governantes que acreditam que ações repressivas e punitivas talvez sejam o único meio
2010 e Mistretta, 2011) pelos profissionais que atuam em seu enfrentamento, ela pode
pessoas.
físicas e emocionais e altos índices de mortalidade para a mulher. Danos para os demais
também consequências graves que não devem ser esquecidas. Dada sua gravidade e
complexidade, defendemos, pois, que ela não seja enfrentada por uma única via, seja
repressiva, educativa, preventiva ou da saúde. Entendemos ser, por fim, cada vez mais
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124
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que denunciam. Vitória (ES). Dissertação de mestrado. Universidade Federal do
Espírito Santo, Vitória.
Notas de rodapé:
125
ESTUDO IV - Diferentes classes... diferentes violências? Estudo
RESUMO
Este estudo compara e discute as informações sobre violência conjugal contra a mulher,
de idade mais alta, mais denúncias de violência psicológica e menor número de casos
com histórico de violência física. Mais mulheres do GCP optaram inicialmente por
públicos disponíveis.
INTRODUÇÃO
1
Estudo desenvolvido com a colaboração Narjara Portugal Silva (bolsista de Iniciação Científica CNPq),
aluna do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo.
126
2004; Santos, 2004). O conceito de violência que usamos neste estudo aproxima-se
daquele elaborado por Chauí (1999, 1985) que entende violência como uma ação de
transgressão que visa subordinar e dominar o outro, tirando do mesmo seu caráter de
sujeito. Neste mesmo sentido, Marcelino e Dimenstein (2006) afirmam que a violência
ou psicologicamente, por meio de coação. Para essas autoras, trata-se de uma violação
esse conceito, muito utilizado como categoria de análise, é também uma categoria
atribuindo-se mais valor e maior poder ao homem do que à mulher (Cortez & Souza,
2008).
que geralmente se realiza em silêncio no âmbito das relações sociais e depende deste
silêncio para ser eficaz. É contra o silêncio que envolvia a violência contra a mulher
o objetivo de tirar esse fenômeno do espaço privado e leva-lo à esfera pública para ser
127
denúncias e reivindicações políticas e sociais passaram a ser foco de movimentos e
em situação de violência.
Saffioti (2004), com base em dados de pesquisa realizada pela Fundação Perseu
Abramo, afirma que nos casos de violência contra a mulher, “os homens amados
revelam que parceiros e ex-parceiros são, em geral, os mais denunciados por agressões
nas delegacias especializadas (Cortez & Souza, 2012; Híjar & Valdez, 2009; Kronbauer
& Meneghel, 2006; Porto & Costa, 2010; Ribeiro, Duarte, Lino & Fonseca, 2009).
Tendo ciência de que para esse tipo de violência são utilizadas diferentes
violência conjugal para fazer referência à violência cometida contra as mulheres por
etnia, idade ou cultura (Blanco, Ruiz-Jarabo, Vinuesa & Martín-García, 2004; Cunha,
De acordo com alguns autores, a violência conjugal pode surgir quando uma ou
atribuídas a si e imaginadas como naturais por seus parceiros (Cortez, Souza & Queiroz,
2010; Marcelino & Dimenstein, 2006; Wood, 2004). Outros fatores relacionados a esse
128
tipo de violência incluem aspectos muitas vezes comuns aos autores das agressões,
Siqueira & Souza, 2005; D’Oliveira et al. 2009; Renner & Slack, 2004; Cortez, Souza
& Queiroz, 2010) e/ou às mulheres envolvidas nos relacionamentos violentos, como:
(que prejudicam tanto quem sofre, quanto quem comete ou está inserido neste contexto
1985, na cidade de São Paulo (Santos, 2008). Em 06 de outubro desse mesmo ano,
Mulher, DEAM-Vitória.
sendo hoje referência aos demais países da América Latina e também da África
11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, que veio reforçar e estabelecer
Brasil.
Vale ressaltar a posição de Portella (2005) que enfatiza que, apesar de entender
129
esse fenômeno como algo que atinge transversalmente todas as estratificações sociais,
as mulheres não “estão expostas à mesma violência” (p. 94). Segundo a autora,
socioculturais específicos.
definidos de acordo com sua gravidade. Foram analisados 684 cadastros de um centro
indicaram que as vítimas de lesão grave de origem sexual tinham, em geral, ensino
médio incompleto e não eram chefes de família. A maioria das vítimas com lesões
chefes de família e tinham relacionamentos de até cinco anos. No grupo de vítimas com
lesões leves de origem física e psicológica o tempo de união era inferior a cinco anos, as
mulheres tinham ensino médio completo e o agressor era mais novo e trabalhador.
Outro aspecto que chama a atenção é que, neste estudo, constatou-se que quando os
inibida é maior.
conjugal nas classes média e média-alta vem sendo pouco estudada. Em geral, as
130
mulheres em situação de violência que são contatadas e compartilham com os
pouca escolaridade e renda familiar baixa (Dantas-Berger & Giffin, 2005; Kronbauer &
Meneghel, 2005; Silva, 2007; Williams & Pinheiros, 2006). Kronbauer e Meneghel
(2005), em estudo com usuárias de unidade básica de saúde de Porto Alegre, relataram
plausível supor que a violência contra a mulher também ocorre nas classes sociais com
maior poder aquisitivo e que, muitas vezes, esses casos são afastados do conhecimento
público, como afirma Cunha (2007). Segundo a autora, o contexto das classes média e
média-alta é hostil à exposição destes casos devido aos seus valores fortemente
mulheres nas classes média e média-alta (Lamoglia & Minayo, 2009; Marcelino &
JUSTIFICATIVA E OBJETIVO
Por serem menos denunciados, os casos de violência contra a mulher nas classes
provesse alguma proteção contra situações deste tipo. A fim de avaliar se há e quais
131
MÉTODO
Fonte de dados
Souza, 2012). Após autorização da delegada titular, a coleta dos dados ocorreu na sala
A seleção dos BOs analisados ocorreu com base nas rendas individuais das
valores salariais, bem como o número de BOs para compor cada grupo partiu da
boletins configuraram, então, o GCMA. Para a seleção dos BOs referentes ao GCP,
132
Nos BOs são registrados os seguintes dados: 1. Informações pessoais dos
renda individual, entre outros), 2. Informações sobre o delito denunciado (tipo de delito
são ações tomadas, após decisão judicial, para promover proteção à denunciante
poderiam requisitar tais medidas. Apesar de ser uma prática inconstitucional, esta era
explicada às denunciantes pelas funcionárias da DEAM, do mesmo modo que o foi aos
referendou a validade da Lei Maria da Penha e estabeleceu que, nos casos de lesão
133
Análise dos dados
dois grupos.
O material textual sobre a denúncia contido nos BOs foi processado pelo
programa Alceste, após a devida formatação. Segundo Reinert (1990, como citado em
Camargo, 2005) o Alceste trabalha com um único arquivo, ou corpus, dividido em UCIs
separadas entre si por linhas de comando ou “linhas com asterisco”, que identificam a
2005). No presente estudo, cada relato foi considerado uma UCI, a linha de comando
Para a análise dos relatos, o corpus foi inicialmente processado pelo Alceste em
permite que essas UCEs sejam organizadas em duas classes: uma cujas UCEs contêm a
variável de interesse e outra com o restante do corpus (Formozo, 2007; Gomes &
Oliveira, 2010). Neste estudo, a variável de interesse, classe econômica, foi utilizada
134
para a realização da análise. Os dados da primeira análise obtida foram, então, cruzados
com a variável “gcma” e obtivemos a organização das UCEs em duas classes: uma delas
cujas UCEs possuem maior coeficiente de correlação com o GCMA e a outra, a “não-
GCMA”, cujo conteúdo está mais “afastado” da variável utilizada. Tornou-se possível,
criados.
RESULTADOS
contexto sócio histórico brasileiro. Vale lembrar que os dados dos homens foram
No GCMA, a média de idade das denunciantes foi de 39,9 anos, com idade
42,95 anos, com idade mínima de 27 e máxima de 83 anos. A média de idade das
denunciantes no GCP foi de 32,05 anos (mínimo: 19 e máximo: 46). Oito mulheres do
GCP tinham idades abaixo de 30 anos, faixa etária que não está presente entre os dados
do GCMA. Os homens do GCP apresentaram média de idade de 36,39 anos, com idade
A cor parda foi a mais citada do GCP para todos os envolvidos (12 mulheres e
135
O grau de escolaridade foi também bastante específico para cada grupo. O GCP
não possuíam filhos e prevaleceram envolvidos com apenas um filho (07 registros no
GCP e 06 no GCMA).
duradouros, sendo o tempo médio de relacionamento de 10,4 anos, (DP = 8,46; Min. =
companheiros tanto no GCMA (06) quanto no GCP (05). O número de denúncias contra
136
invalidez. A renda média dos casais do GCP era de R$ 351,56 (DP = 216,33), enquanto
renda média do GCMA era de R$ 7.138,89 (DP = 3.717,23). Em 04 BOs do GCMA não
constavam as rendas dos denunciados2. Temos, então, no GCP uma renda média
corporal (Dimenstein & Marcelino, 2006; Gadoni-Costa, Zucatti & Dell’Aglio, 2011;
Ribeiro, Duarte, Lino & Fonseca, 2009), dados esses corroborados pelos resultados do
presente estudo. Além do elevado número de denúncias de ameaça nos dois grupos (09
violência física (lesão corporal e vias de fato) no GCP (08 neste grupo e 03 no GCMA)
GCMA relataram: o autor não aceita o fim do relacionamento (04 de cada grupo), briga
2
De um modo geral, notamos que todos os campos de informações são devidamente preenchidos nos
BOs. Porém, no total de boletins (N=613), identificamos ausência da renda do denunciado em 44,4%. Em
muitos casos o registro “não sabe informar” constava no BO, em outros o campo estava em branco, o que
deixa a dúvida se a informação foi requerida ou não à denunciante.
137
Apenas no GCP o consumo de bebida alcoólica e/ou drogas ilícitas foi indicado
agressão física, em comparação com o GCMA (14 registros para o primeiro grupo e 07
esse que sinaliza grande coesão do material submetido. Foram identificadas 240 UCEs,
realizarmos a análise tri-crousé das classes, a qual agrupou 130 (54,17%) das UCEs na
138
classe B, identificada no relatório como “não-GCMA”. Por contarmos com apenas dois
conteúdo do GCP.
Figura 1.
Dendrograma Representativo das Classes GCMA e “não-GCMA” Provenientes da
Análise Tri-Crousé Realizada Com o Programa Alceste.
A análise do relatório gerado pelo Alceste indicou que a menção a substantivos
que forma essas expressões são comumente empregadas (o símbolo # sinaliza as formas
que logo após chegou um agente de saúde, a noticiante aproveitou a oportunidade, #saiu
que a noticiante diz que ja deixou notificado ao sindico #do #predio sobre a
139
#medida_protetiva e que o autor esta proibido de #entrar em seu #apartamento. que na
data #do fato a noticiante estava em casa e recebeu um telefonema #do autor dizendo
estou aqui e desligou o #telefone, que a noticiante foi para sua colacao de grau no
teatro.
00h a noticiante estava usando o notebook #do autor #olhando seus #e_mails #do
hotmail, sendo que este o autor nao tem #acesso, que a noticiante #saiu para ir ao
banheiro e quando retornou o autor havia vasculhado todos os #e_mails #da noticiante,
violência física ou sexual que se apresente de forma significativa para ser algo
que o autor foi para cima #da noticiante e acertou um soco no seu #olho. que a
noticiante pegou a #chave #do #carro para ir na delegacia e foi para a #garagem, quando
se deu conta que estava de camisola e voltou para se #trocar, quando #entrou no seu
quarto,
expressões e palavras que se referem de forma direta a ações violentas (agred+, brig+,
desferiu, jog+, les+, fisica+). Há referências sobre abusos físicos (soco+, bat+),
140
que ao #chegar ao local o #autor #comecou a questionar a #vida da #noticiante e
#desferiu um tapa na sua #cabeca não #deixando #lesao aparente e #pegou uma faca de
que o #autor partiu para cima da #noticiante com soco no #rosto, fato este que #deixou
#lesao nos labios da #noticiante, que segundo a #noticiante a #crianca nao #ficou
machucada.
o contexto e fatores envolvidos nas situações de violência como, por exemplo, abuso de
do denunciado. As UCEs que se seguem ilustram as formas como são usadas essas
expressões:
que toda vez que o #autor bebe #fica #agressivo e #bate na #noticiante, que no dia
aumentaram, pois o #autor por #ciumes #acusa a #noticiante de ter outros #homens no
trabalho,
Faz-se importante destacar que nas ocorrências em que são descritos episódios
que evidenciam coerção sexual, não há, de fato, a denúncia da violência sexual. Essas
situações são descritas como contexto inicial de agressões físicas e/ou psicológicas,
que em seguida o #autor quis ter #relacao #sexual com a #noticiante, que a #noticiante
nao quis e #comecou a gritar, que o #autor #bateu mais e #deu #socos na #cabeca, que o
141
DISCUSSÃO
de violência física e de histórico deste tipo de agressão no GCMA. Esses dados podem
indicar tanto que este tipo de violência ocorre, de fato, com menor frequência neste
grupo, como também pode ser indício de que as mulheres de classe média são menos
tolerantes aos conflitos conjugais e não ‘esperam’ a violência física ocorrer para
social do contexto em que vivem. De qualquer maneira, não há razão plausível para
A análise dos relatos revelou uma descrição e registro mais “passionais” dos
casos denunciados por mulheres do GCP: são descrições com diversos termos
ocorrência (carro+, chav+, computador, garagem), usar termos formais para falar sobre
142
violência, ao contrário dos registros relativos ao GCP, onde encontramos algumas
Diante dessas diferenças, podemos indagar sobre a forma como são registrados
os relatos das denunciantes, uma vez que o texto é escrito pelas funcionárias da
GCMA.
possibilidade de a DEAM significar para o GCP, mais do que para o GCMA, um espaço
não apenas para pedir proteção e providências, mas também para, em muitos casos, falar
pela primeira vez sobre a situação de abuso a uma instância de poder oficial. A fala das
mulheres do GCMA pode estar mais “contida” no momento do registro da queixa por
DEAM, então, menos fragilizadas e com um discurso mais bem elaborado, por já terem
registros dos delitos, uma vez que o boletim de ocorrência é um documento que pode
iniciar o processo criminal contra o denunciado. Logo, seus dados devem ser claros e
completos, registrados com o mesmo cuidado e atenção para todas as mulheres, dentro
143
de padrões formais, para que as futuras decisões judiciais sejam justas e tomadas sem
Ainda que exista um padrão para o preenchimento dos BOs (em termos de
É preocupante pensar que as diferenças nos relatos dos boletins das mulheres do
GCP e do GCMA possam induzir avaliações em termos de casos ‘mais sérios’ ou ‘mais
“barraco”, uma briga de casal corriqueira. Ainda que não tenhamos evidências claras de
É preocupante pensar que os relatos dos boletins das mulheres do GCP possam
conjugal sério, mas como “barraco”, uma briga de casal corriqueira. Ainda que não
pelo modo de relatar os casos, pode haver prejuízo para a avaliação e julgamento da
classes populares.
144
queixas, ou a opção por não representar criminalmente, como reflexos da intenção da
mulher em utilizar os meios legais para mediar os conflitos conjugais e “dar um jeito”
em seu parceiro. Seguindo essa linha de análise, podemos inferir que, para o GCP,
denúncia, representação e pedido de MPU seriam meios utilizados não apenas para
para obter recursos e informações aos quais não teriam acesso por si só, como serviços
pertences.
seus filhos ou ‘nome da família’, seja para evitar que o caso seja divulgado na mídia).
distintas para este grupo, além dos usos anteriormente descritos. Com base na menor
casal e à divisão de bens são relevantes para que a denúncia seja feita.
145
não haver relação de causalidade direta entre a ingestão de álcool e as ações de
violência, como descrito anteriormente (Minayo & Deslandes, 1998; Oliveira et al.,
2009; Wood, 2004). Ainda assim, é comum que homens autores de violência utilizem o
alcoólica como possível motivação para o delito. Entendemos que ao adotar essa
destes dados, não é possível afirmar que o consumo de bebida alcoólica esteja restrito às
classes populares, visto ser uma prática encontrada em todos os estratos sociais.
fator externo, neste caso a bebida alcoólica, dialoga com a função que valida novas
bebida.”, “Quando ele não bebe é um homem bom!”. Essa mesma justificativa não é
CONSIDERAÇÕES FINAIS
frequência de denúncias realizadas por mulheres de classes altas (Cortez & Souza,
que levam a tal diferença e também a respeito do modo como essas mulheres lidam com
146
a violência que experimentam em seus relacionamentos.
Muitos autores afirmam que além dos fatores identificados também entre
psicólogos) podem diminuir o número de denúncias (Cunha, 2007; Saffioti, 2004; Silva,
2007). Com base nos dados encontrados neste estudo, pudemos inferir outros possíveis
controles que podem influenciar a decisão de denunciar ou não a violência como, por
decisão do STF, citada anteriormente, sobre a ação penal incondicionada nos casos de
lesão corporal contra a mulher. Avaliamos que, se em muitos casos atendidos pela
DEAM deseja-se a mediação do conflito e não sua judiciarização, tal decisão do STF
Por fim, ainda que os 18 BOs do GCMA representem 100% das mulheres de
classe média e média alta que denunciaram algum tipo de violência conjugal na DEAM
em uma amostra de 06 meses, sabemos que não é possível afirmar que estes resultados
hipóteses levantadas, permitiram dar visibilidade à violência que ocorre contra a mulher
147
Além de contribuir para a produção de conhecimentos sobre as ocorrências de
seus direitos, bem como sobre os serviços públicos disponíveis e, com isso, construir
REFERÊNCIAS
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Wood, J. T. (2004). Monsters and victims: male felon’s accounts of intimate partner
153
ESTUDO V – Mulheres de classe média, relações de gênero e violência
RESUMO
Neste estudo foram analisadas situações de violência conjugal contra mulheres de classe
Foram entrevistadas individualmente três mulheres com rendas individuais superiores a seis
salários mínimos que tinham sofrido violência física e/ou psicológica, por parte de seus
maridos, na época em que eram casadas. Utilizou-se o software Alceste para organizar e
transformação dos valores que apoiam a desigualdade de gênero para que se possa promover
INTRODUÇÃO
Penha, a violência contra a mulher recebeu grande destaque nos meio de comunicação e, com
isso, notícias e discussões sobre o tema tornaram-se ainda mais comuns, ora enfatizando sua
recorrência (“mais um caso de violência”, “outra mulher espancada”, “mais uma denúncia”),
ora sua periculosidade (danos físicos e emocionais decorrentes, índices sobre mortes) bem
154
como custos econômicos.
(mulheres, homens e crianças) e, assim como Saffioti (1999) e Araújo (2002), caracteriza a
violência contra a mulher como uma transgressão dos direitos humanos. Para essas autoras, a
violência é uma ação que visa dominar/subordinar o outro, reificando-o, conceito esse
utilizado e defendido também por Chauí (1999, 1984) que ressalta a importância de se
violentas. A violência contra a mulher pode ser compreendida, então, como uma
“manifestação perversa dessa distribuição desigual de poder” (Cortez, Souza & Queiroz,
2010, p. 229) na qual o desequilíbrio de poder entre as partes resulta no que Foucault (1984)
diversos casos há poucas oportunidades para que, sem apoio ou intervenções, relações mais
igualitárias se estabeleçam, pois muitos dos fatores que a favorecem se perpetuam em valores
feminino (Cortez, Souza & Queiroz, 2010; Giffin, 2002; Vicente e Souza, 2006). Saffioti
(1997 e 1999) afirma que raça e classe social são duas categorias que juntamente com gênero
configuram um tripé no qual as relações sociais se apoiam. A partir disso, pensamos sobre a
relevância das conquistas femininas em nosso meio e seu impacto na organização social e nos
relacionamentos afetivos. Em 1979, Miller (citado por DeSouza, et al, 2000) indicava
tendências de configurações mais igualitárias afirmando que “hoje, os casais jovens de classe
média tendem a ser mais igualitários, abandonando a ideia de que as mulheres deveriam se
155
subjugar aos homens” (p. 491, grifos nossos). Passados mais de 30 anos, avaliamos que essas
tendências estão longe de serem consolidadas, ainda que já possam ser notadas em nosso
cotidiano.
DeSouza, Baldwin e da Rosa (2000) descrevem que mudanças nas relações de gênero
poder e de decisão e recebem salários, na maioria das vezes, inferiores aos dos homens 1
mulheres é de R$ 759,47 (IBGE, 2010). Ainda, sua inserção no mercado de trabalho não
reduziu suas atividades no espaço privado: a mulher continua, pois, como a principal
obrigações, pode causar prejuízos para sua saúde física e emocional (Barros, Ângelo &
Uchôa, 2011; França & Schimanski, 2009; Lima & Lima-Filho, 2009). Entre os pontos
como “chefes de família”, o que contribuiu para que elas ganhassem espaço e que fossem
2011, p.9).
ganha poder e autonomia para avaliar seus relacionamentos afetivos e decidir sobre sua
por Coutinho e Menandro (2010), identificou-se que mulheres de duas gerações diferentes
1
Sobre essa questão, no início de março de 2012 houve tentativa de aprovar um projeto de lei para equiparar os
salários entre gêneros para a mesma função em uma mesma empresa. No dia 8 de março, coincidentemente Dia
Internacional da Mulher, o governo desistiu de sancionar o projeto alegando que este precisava passar ainda por
revisões antes de ser votado.
<http://www.cartacapital.com.br/economia/equiparacao-salarial-para-mulheres-sera-rediscutido/>
156
partilham certas expectativas sobre a vida conjugal, mas também possuem concepções
esfera pública”, foram fatores importantes para que a geração mais nova incluísse nos planos
de vida a carreira profissional e entendesse que o casamento pode ser encerrado em situações
em que ocorram agressões físicas, traição, desrespeito ou quando o amor acaba. Para a
geração com maior média de idade, prevaleceu a noção de que o casamento deveria ser “para
sempre”.
empoderamento feminino (Casique, 2010, Leon, 2001). Segundo Meneghel, Farina e Ramão
como a proposta política de empoderamento feminino são, pois, aspectos relevantes para a
análise da inserção das mulheres na esfera pública e de suas demandas por reconhecimento e
exercício pleno de seus direitos como cidadãs e seres humanos nos mais diversos contextos
157
sociais cotidianas e os relacionamentos afetivos atuais exigem a articulação dos aspectos mais
tradicionais de gênero aos novos padrões que têm se estabelecido. Mulheres e homens tentam,
conjugais e familiares (Coutinho & Menandro, 2010; Cortez & Souza, 2008).
Reconhecemos que a igualdade plena nessas relações não é algo possível por se
tratarem de relações de poder e dependerem, pois, das negociações e trocas com o outro, ou
seja, do quanto cada um quer, pede, cede e/ou concede. Por isso a defesa de equidade e não de
igualdade nas relações. Não devemos ignorar também o fato de que em muitos casos quem
ocupa o lugar de maior poder pode resistir em cedê-lo ou dividi-lo. Por essa razão, são
diversos os autores que afirmam que o empoderamento feminino pode ser percebido como
ressignificação positiva das relações de gênero. Neste sentido, a violência exercida pelo
homem contra a mulher seria uma reação inicial à percepção de “perda de poder” e um meio
para a manutenção de seu de controle sobre ela (Casique, 2010; Dantas-Berger & Giffin,
Uma análise das pesquisas sobre a temática da violência conjugal revela que as
suas histórias e apreensões são, na sua maioria, subempregadas, possuem pouca escolaridade
e renda familiar baixa (Dantas-Berger & Giffin, 2005; Ribeiro et al, 2009; Silva, 2007;
Schraiber, D’Oliveira, França-Junior & Pinho, 2003; Williams & Pinheiros, 2006).
mulheres pobres não significa que a violência conjugal não possa ocorrer em segmentos com
melhor poder aquisitivo e maiores índices de escolarização (Cunha, 2008, Lamoglia &
Minayo, 2009; Saffioti, 1999; Silva, 2007). Nestes casos, acreditamos que meios particulares
158
para resolução dos problemas são utilizados - clínicas de repouso, assistência psicológica e
violência. Segundo Cunha (2007), as ocorrências de violência nessas camadas tendem a ser
ocultadas uma vez que as mulheres se veem em um ambiente hostil, cujos valores estão
classes média e média alta, a maioria dos estudos não as investiga. Ponderamos se tal fato está
relacionado à maior dificuldade de acesso aos participantes, visto que as denúncias destes
casos são reduzidas e há maior receio de exposição pública do ocorrido, ou porque esses
casais possuem mais recursos para buscar apoio de profissionais e instituições privadas. Tais
possibilidades implicam na exclusão desse grupo dos números oficiais, permitindo que a
violência ocorrida se mantenha menos visível às políticas públicas, o que também ocorre com
outros grupos de mulheres no Brasil, como, por exemplo, as lésbicas (Avena, 2010).
homem autor de violência pertencente à classe média-alta (Padovani & Williams, 2002) e
conjugal contra mulheres de classe média ou alta: as dissertações de mestrado de Silva (2007)
e Teixeira (2011) , um livro (Cunha, 2007) e um artigo (Cunha, 2008) resultantes de uma tese
delegacia de bairro de classe alta da cidade de São Paulo e explorou análises quantitativas de
compatíveis com certos aspectos das discussões de Cunha (2007, 2008), que articula trechos
159
para descrever um contexto geral das agressões. Cunha discute também que questões de poder
(2011, p. 44) desenvolveu um estudo de caso, de base psicanalítica, no qual objetiva discutir
“o motivo que sustenta uma mulher de classe média alta ao assujeitamento à violência
que, em alguns estudos, a autonomia financeira foi identificada como fator de proteção da
mulher contra tais ocorrências (Kim et al, 2007; Xu, Kerley, Sirisunyaluck, 2011), enquanto
outro estudos revelam ter sido esse um fator facilitador para as agressões contra a mulher
(Bates, Schuler, Islam & Islam, 2004; D’Oliveira, et al, 2009; Rodríguez-Borrego, Vaquero-
Abellán, Bertagnolli, 2012). Com certeza, dada a complexidade do fenômeno, não esperamos
encontrar um fator único que possa ser responsabilizado por sua ocorrência.
OBJETIVO
160
METODO
Participantes
anos), Joana (35 anos) e Cristiana (58 anos). Todas haviam encerrado o relacionamento
amoroso.
violência por parte dos ex-maridos (física e/ou psicológica) e (b) o valor da renda individual,
que deveria ser acima de seis salários mínimos (R$ 3.510,00 – salário mínimo no período R$
585,00). Esse valor foi estabelecido com base na análise prévia de um conjunto de 613
boletins de ocorrência registrados na DEAM da cidade, que indicou que em apenas 4,1% dos
BOS as denunciantes tinham renda individual acima de seis salários mínimos (Cortez &
Souza, 2012).
este estudo, conseguimos fazer contato com as entrevistadas por meio da equipe de psicólogos
da Promotoria de Justiça da Mulher do Espírito Santo. De acordo com o site oficial do órgão,
a Promotoria atende as mulheres que a procuram “para tomar ciência do andamento das
medidas judiciais ajuizadas e também para iniciar o atendimento daquelas que foram vítimas
2
Retirado de <http://www.mpes.gov.br/promotoriadamulher/paginas/apromotoria.html> Acesso em fevereiro de
2012
161
anuência das participantes, tendo duração média de hora e quarenta minutos, e orientada por
um roteiro semiestruturado. Além dos dados pessoais, o roteiro recolheu opiniões das
Consentimento Livre e Esclarecido. Esse termo garantia a livre participação, o sigilo sobre
entrevistas, avaliamos terem sido mínimos os riscos oferecidos pelo procedimento. Em caso
relacionamentos de cada uma foram utilizados para uma caracterização mais detalhada das
entrevistadas e do modo como elas percebiam seus relacionamentos com seus ex-maridos.
162
específico para atender ao objetivo da pesquisa, o qual reuniu todos os relatos sobre os
criminal. Esse conjunto de relatos foi analisado, então, utilizando-se o seguinte procedimento:
3. Análise dos eixos e classes gerados pelo Alceste considerando os conteúdos das
anteriormente analisados.
O software Alceste realiza a análise de dados textuais, podendo ser utilizado em dados
como entrevistas, diálogos, artigos de imprensa ou ensaios literários (Soares, 2005). A análise
realizada fornece uma “primeira classificação estatística dos enunciados simples do corpus
estudado” (Oliveira, Gomes & Marques, 2005, p. 158), em função da distribuição das
palavras nesses enunciados. Para tanto, as unidades básicas de análise com que o programa
da análise do corpus. A cada classe correspondem UCEs específicas identificadas por meio do
vocabulário (formas plenas e reduzidas) nelas contido. A força de relação com que cada UCE
e/ou palavra se relaciona a uma classe é determinado pelo valor do qui-quadrado (x2)
163
conjunto único de informações e, ao mesmo tempo, possibilitou que aspectos singulares das
RESULTADOS
dinâmica de relacionamento com os ex-maridos. Por essa razão, optamos pela apresentação
entrevistadas e de seus relacionamentos. A segunda seção é composta pela análise dos relatos
JOANA, 35 anos, tem ensino superior completo e atua em dois empregos, um deles
Reside com as duas filhas (08 e 05 anos de idade) em apartamento próprio, é evangélica e
frequenta com pouca regularidade os cultos. Seu relacionamento com Jorge teve duração de
um ano ao ser entrevistada. Jorge, 48 anos, é pai das duas filhas de Joana. Possui ensino
médio completo, atua como motorista no Ministério Público e recebe salário de R$ 900,00.
Segundo Joana, não possui religião definida, é divorciado e não tem filhos do relacionamento
anterior.
NATÁLIA tem 51 anos, é católica praticante e mãe de duas meninas (18 e 12 anos de
Possui ensino superior completo, atua como Analista de Recursos Humanos e recebe salário
164
de R$4.000,00 mensais. Seu relacionamento com Noel, primeiro namorado, teve duração de
quase 29 anos (namoro e casamento). Natália estava separada há pouco mais de um ano ao ser
entrevistada. Noel, 48 anos de idade, é pai das duas filhas de Natália e possui ensino médio
completo. Trabalha como autônomo e sua renda é de aproximadamente R$ 4.000,00 por mês.
Batista. Possui duas filhas (29 e 33 anos), ambas casadas e residindo com os esposos. A
aposentada pelo Ministério Público, recebendo R$15.000,00 mensais. Cristiana foi casada por
35 anos com Caio e, no período da entrevista, estava separada há seis meses e não mantinha
contato com ele. Caio, 64 anos de idade, católico, é pai das filhas de Cristiana. Reside em
JOANA
atividades de lazer em comum, como, por exemplo, alugar e assistir filmes juntos. Com seis
meses de relacionamento, Joana engravidou e o casal teve que se adaptar à nova rotina: Jorge
se mostrou muito atencioso e cuidadoso com a primeira filha do casal, que quando mais nova
tinha muitos problemas de saúde. Segundo Joana, a maior qualidade de Jorge era ser muito
“prestativo (...) tanto em casa quanto em resolver problemas, em acudir os outros, tanto da
em seus dois empregos, e Jorge começou a ficar menos tempo com a família, cumprindo sua
165
rotina de trabalho durante a semana e ocupando o final de semana “na rua, no futebol, no
Por ser a principal provedora da família, Joana contou que pagava a maioria das contas
e se esforçava para que Jorge não “soubesse que as contas existiam, pra não (...) me colocar
como superior a ele”. Segundo ela, Jorge contribuía com seu ticket alimentação e “dinheiro
mesmo ele gastava com o carro”. Por achar que Jorge pouco contribuía com os cuidados com
a casa e com a família, Joana afirma que ele “não se sentia parte disso tudo” e que, nos
últimos dois anos de relacionamento, o casal “vivia vida de solteiro: eu de mãe solteira (...) e
ele um homem solteiro”. Joana afirmou que não houve violência “séria” durante a união do
casal, só “essa coisa do dia-a-dia, do brigar, do reclamar da roupa espalhada pelo chão e
NATÁLIA
A participante relatou que ela e Noel tinham convívio muito bom tanto antes de as
filhas nascerem (“todo fim de semana a gente saía”) como também depois, quando iam a
domésticos: “É, quando eu tava trabalhando, ele fazia tudo, tudo. Lavava, cozinhava, passava,
limpava a casa, fazia tudo”; as contas de água, luz e condomínio ficavam a cargo de Noel (“se
o homem não tiver aquela obrigação de pagar conta de casa, eles jogam dinheiro fora”) e o
A rotina dos cuidados domésticos mudou aos poucos: Natália tirou licença médica
(“Fiquei com LER [Lesão por Esforço Repetitivo]”) e, ainda em tratamento, começou a se
envolver nas tarefas domésticas e foi “ocupando esse espaço que era dele (...), Noel ficou sem
isso”. Segundo Natália, Noel passou a beber mais após a morte do pai dele (dois anos antes da
separação) e isso piorou a relação dos dois: “ele bebia muito (...) se juntou com umas pessoas
166
que não eram legais. (...) eu não gostava, então acabava sempre dando em discussão com ele”.
CRISTIANA
Ainda que tenha tido um “período bom”, no início do casamento, Cristiana relatou que
quando as filhas cresceram um pouco a relação com Caio já ficou “ruim”. Com relação a
atividades de lazer, Cristiana afirma que os passeios em família (viagens, shoppings, parques)
conjunto, de casal? Olha, quase só ir no mercado, fazer compras”. Datas comemorativas não
eram celebradas entre o casal: “nunca comemoramos o dia do casamento (...) era o pior dia da
Para Cristiana, Caio “sempre deixou a desejar”, não lhe dava carinho ou atenção e
desvalorizava suas iniciativas em se cuidar (“arrumar cabelo, ter roupas bonitas, mulher gosta
disso”), pois achava desperdício de dinheiro. Cristiana era a responsável pela administração
da casa e as despesas eram sempre divididas: “Se as contas (...) davam R$4.900,00 reais então
era R$2.450,00 pra mim e R$2.450,00 pra ele”. Segundo ela, a divisão do valor de compras,
Ao longo da entrevista, Cristiana revelou que Caio tinha transtorno bipolar e tomava
medicamentos. Segundo ela, seu ex-marido era muito bom “com os outros”, mas não com ela.
O software Alceste identificou 638 UCES no corpus submetido e organizou 510 delas
(79.94 % do total) em quatro classes, distribuídas aos pares em dois eixos (“Violência
comigo, o que eu senti” e “Violência comigo, o que dizem por aí”), como ilustrado na Figura
1, apresentada a seguir.
167
Figura 1.
Os eixos foram descritos e analisados com base nos conteúdos e significados das
UCEs representativas de cada classe e ilustrados com transcrições dos relatos e UCEs (o
símbolo #, utilizado pelo software, sinaliza as palavras com maior índice de correlação com a
classe em questão).
Este eixo reúne as duas classes cujos conteúdos – descrições dos desentendimentos e
“Cotidiano violento” agrega 30,78% das UCEs analisadas e seu conteúdo identifica o
que aconteceu, o que senti e fiz”, com 16,67% das UCEs analisadas, configura os cenários e
Natália).
situações de violência estão mais fortemente relacionadas a este eixo. Cristiana afirmou que
seu relacionamento foi “péssimo”, na maior parte do tempo, e sempre marcado por
168
humilhações feitas pelo marido “perante a família, (...) e o povo da minha igreja”. Suas
queixas contra Caio se deviam principalmente à implicância constante que o marido tinha em
relação a ela e a situações de gastos financeiros: “... [em um restaurante] se tivesse dez
pessoas, ele pagava a conta de todo mundo, mas não pagava a minha. Eu não sei que ódio,
que coisa. Ele sempre foi competidor comigo”. Em algumas discussões Caio tentou “jogar
coisa” em cima dela e, mais no final da relação “(...) ele me desejava a morte, me desejava
doença”. Já Natália relatou que a maior parte de seu relacionamento foi boa, mas nos últimos
dois anos Noel “começou a ficar muito agressivo com as palavras não com soco”, depois que
passou a beber mais. Natália contou que muitas vezes “ele xingava palavrões (...), discutia
com a minha filha [e falava] e, ah você tem que morrer, você é uma louca. Desejar a morte,
desejar a minha morte”. Ela revelou que as brigas aconteciam somente com Noel alcoolizado
e que, no dia seguinte, ele relatava não se lembrar do ocorrido: “às vezes bebia normal e não
acontecia nada (...) quando ele se excedia na bebida, parecia (...) fora de si”.
psicológica apenas em duas ocasiões, após a separação do casal. Segundo Joana, Jorge, na
época já com uma nova parceira, descobriu que ela estava namorando e não gostou “Aí sim é
que aconteceu a violência. (...) Foi direto pra ameaça de morte e violência física”. Na primeira
situação eles estavam em um carro e Jorge passou a correr e a ameaçar bater em um poste ou
muro; a segunda situação de violência ocorreu no hall do prédio em que Joana reside. Ela foi
agredida com diversos socos na frente de vizinhos: “eu suponho que eu tenha desmaiado. (...)
só me lembro assim do primeiro soco que ele me deu na cabeça, (...). Depois eu só vi os
hematomas.”
Nas duas classes que compõem este eixo há referências a familiares e pessoas
próximas nos mais diversos contextos e funções: Joana contou que após as agressões físicas,
169
sua mãe e sua irmã passaram a monitorar seu deslocamento do trabalho até seu apartamento.
#irma #ja #tinha ligado #pra #minha #mae #pra saber se eu #ja
Natália revelou que algumas das discussões envolviam a filha mais velha do casal e
eram presenciadas pela filha mais nova. Ela e Cristiana descreveram situações em que eram
ofendidas verbalmente na frente de amigos: entao #nao #vou #levar. ai ele, #com raiva, ia e
comprava. mas ai tinha gente que #falava, o #caio, #voce trata a #menina mal (trecho de
UCE, Classe “O que aconteceu, o que senti e fiz”); “E pessoas que nós conhecemos junto,
convivemos junto, começaram a ver essa agressão dele e tudo. E falavam ‘olha, você tem que
medo pela qual passou após ser agredida pelo ex-marido. Natália e Cristiana revelaram
situações em que, ainda casadas, não conseguiam dormir ou temiam pela própria vida: “Eu
tinha medo dele, tanto que eu dormia de porta trancada” (no caso de Cristiana o casal dormia
em quartos separados); “Eu ia dormir pensando, ai meu deus ele vai pegar um revólver e vai
Um último aspecto deste conjunto de classes está relacionado aos tempos verbais que
prevalecem no eixo. A maioria dos verbos marcados como relevantes no relatório do Alceste
está no pretérito (voltava, queria, bebia, senti, falei, falava) ou compõe o futuro do pretérito
composto (ia falar, ia matar, ia voltar, ia chorar). Apesar da grande carga afetiva identificada
temporalmente distante, assim como seu relacionamento: história difícil que, apesar de
recente, é passada.
170
Eixo “Violência comigo, o que dizem por aí”
das próprias mulheres, observamos que o conteúdo das classes deste eixo expressa as
ou seja, “fora de casa”. Temos também neste eixo duas classes: “Experiências privadas e
espaço público” e “Percurso jurídico”, as quais reúnem 36,27% e 16,27% das UCEs
ora com base em experiência própria, ora considerando a opinião pública (da “maioria”); a
classe “Percurso jurídico” reúne UCEs cujos conteúdos refletem as avaliações sobre a própria
possui alto índice de correlação com os relatos de Joana, que atuava profissionalmente em
encontradas sobre os envolvidos. A mulher, ora é descrita como uma pessoa infeliz e
dependente financeiramente, ora como acomodada e fraca ou ainda como uma pessoa que
“não liga de #apanhar e #ela #também, a #mulher #também #bate #nele e fica aquela #coisa
privadas e espaço público”: #tem gente que #diz que dependência financeira é #uma #causa,
que impede a #mulher de #denunciar, #mas a #maioria #das que eu atendia era #chefe da
Já o homem autor de violência é descrito por elas como “inseguro”, “covarde” e “um
171
monstro”. Por outro lado, as entrevistadas admitem que a maioria das pessoas “acha que o
homem tem sempre razão” (Natália) e culpa a mulher pela violência ocorrida: “no início, as
pessoas querem crucificar, (...) prender o homem (...), mas no segundo momento, tenta-se
buscar o porquê que ele bateu e, normalmente, culpam a mulher: ‘ah, mas a mulher fez isso’”
(Joana).
violência. Joana, Cristiana e Natália em diversas situações descreveram que gostariam de ser
cuidadas e “paparicadas” pelos maridos, e que eles cuidassem mais das questões
administrativas (então eu me sinto assim, não com inveja, #mas eu queria que minha #vida
#fosse #daquele #jeito, igual #elas. E #tem #mulheres que #nem trabalham, #os #maridos que
sustentam, #tem a conta conjunta (UCE, classe “Experiências privadas e espaço público”).
Por outro lado, o uso da posição de chefe da família para legitimar abusos e a dificuldade da
mulher em denunciar a violência, e/ou se separar, revela o efeito negativo que esses valores
172
Além da dependência financeira, citada anteriormente, outros fatores foram indicados
como impeditivos para que a mulher realizasse a denúncia, quais sejam: medo do parceiro,
assim como outras mulheres, ela tinha “medo, vergonha” e não queria “se expor”, pois
acreditava “... que iam achar que eu era covarde em não denunciar e eu tinha medo mesmo.
Na UCE seguinte dois fatores são citados:: ... É #medo e ignorância. Como eu não era
#agredida fisicamente, eu não #sabia que eu #podia usar a #lei #maria #da #penha. (trecho de
Joana também reconheceu ter sentido muito medo e relatou acreditar que esse
sentimento impedia muitas mulheres de denunciar: “Eu só fiz as denúncias porque eu tô aqui
nesse espaço”, afirmou se referindo ao serviço que atende a vítimas de violência. Fica claro
em seu relato que ela se sentia na obrigação de fazer uso da rede de serviços e dos meios
ela conhece a lei, ela sabe e ela vai lá e retira a queixa? Como
assim?”
prevalência dos relatos de Joana na classe “Percurso Jurídico”. Esse conhecimento não
implicou em um andamento processual mais fácil ou menos violento. Joana registrou queixa
duas vezes contra seu ex-marido e relatou que durante a primeira audiência sobre o primeiro
173
Ele falou, Joana, a gente vê casos e casos da mulher que
sair daqui e ser morta. (...) Então retira, fazer o quê, né?”.
Segundo Joana, após essa situação e sob orientação de suas colegas, ela procurou um
advogado que pediu, em suas palavras “a retratação da retratação”, após achar uma “brecha na
lei”. Ou seja, segundo ela, havia a possibilidade de a retratação ser “cancelada” e o processo
reativado.
correspondentes foram abertos. Natália contou que retirou a queixa posteriormente, por
avaliar que seu ex-marido não representava risco a ela nem às filhas.
#foi uns #seis #meses #depois, eu vi que ele tava #na dele e o
Natália)
Cristiana disse que manteria o processo até resolver as pendências sobre o apartamento
no meu e que ele não me perturbe mais (...) aí ainda posso até
tirar, mas eu ainda vou dar um tempo. Ele tá sob, como se diz,
174
No caso de Joana, sua inserção profissional e o vínculo afetivo que manteve com seu
ex-marido tiveram grande impacto no modo como ela se posicionou frente às denúncias que
se relacionando com outra mulher. A entrevistada afirmou que não queria que seu ex-marido
fosse preso, mas que ele deveria “responder pelo que ele fez”, e que achava justo o
atendimento realizado na promotoria, pois Jorge precisava de ajuda para “reconhecer o que
fez”. Joana ressaltou a importância desses atendimentos e do apoio de juízes: “Eu acho que
falta um juiz pra mandar, porque agora ele vai porque eu to indo junto, ele me disse isso
hoje”.
DISCUSSÃO
Segundo Saffioti (1999, 2001), classe social é um dos fatores implicados nas relações
de poder e raça/etnia e gênero comporiam o tripé principal dessas relações. A opção por
utilizar a renda individual feminina como critério de seleção de nossas participantes ocorreu,
pois, pelo interesse em conhecer e analisar contextos particulares em que ocorre a violência
conjugal, visando identificar características que possam ser relevantes para alcançar diferentes
algum, a generalizações sobre um determinado grupo, nem a diferenciações que possam ser
socioeconômicas.
175
diante das ocorrências de violência. Além disso, foram identificados diversos aspectos já
medo e afeto, insegurança e vergonha, decepção e sentimento de fracasso) (Cortez & Souza,
Os resultados do presente estudo permitem afirmar, pois, que mesmo havendo certas
agressões ocorriam na forma de ameaças e ofensas verbais: por mais de 30 anos (no caso de
Cristiana) e por ao menos dois anos no caso de Natália, a violência psicológica ocorreu sem
que as entrevistadas conseguissem empreender iniciativas mais eficazes para alterar a situação
(ora se submetiam, ora reagiam verbalmente contra o então marido). Cristiana afirma que
manteve seu relacionamento principalmente por motivos religiosos, pois não achava correto o
fim de um casamento (“Porque a Bíblia diz: o que Deus uniu o homem não separa”). Já
Natália contou que demorou a entender que sofria, de fato, violência e que esta poderia ser
denunciada:
até me incluía ali, coisa que eu achava que não, eu não sabia.
176
Contrariamente à afirmação de Cunha (2008) de que “mulheres pertencentes às
camadas de baixo poder aquisitivo só percebem que são dominadas, quando são agredidas
fisicamente” (p. 171, grifos nossos), destacamos, além dos dois exemplos acima de mulheres
com maior poder aquisitivo e escolaridade, que em muitas DEAMs, espaço cujas usuárias são
socioeconômica distinta nos parecem essenciais para o fortalecimento das mulheres que,
estando em situação de violência, muitas vezes não denunciam ou deixam de procurar ajuda
religiosas.
& Dell’aglio, 2011; Martins, 2007). Nos casos que compõem o presente estudo, as pessoas
respeito de direitos, serviços e procedimentos legais e suporte para que mantivessem suas
família e de amigos para que tanto a denúncia como também a decisão pelo encerramento do
casamento fossem efetivadas. Cristiana e Natália contaram com o apoio, e mesmo certa
177
pressão, de suas filhas, para que se separassem de seus maridos. Joana, já separada quando as
agressões ocorreram, contou que sua mãe e sua irmã a ajudavam no cuidado com suas filhas e
acompanharam, por certo período, seus trajetos entre trabalho e casa através de contatos
telefônicos.
De acordo com Dekee, Oliveira e Coelho (2009) o risco de abuso físico diminui com o
aumento do nível de renda do lar e com os anos de educação da mulher, avaliação essa
apoiada por outros estudos (Kim et al, 2007; Xu, Kerley, Sirisunyaluck, 2011). Por outro lado,
há estudos que indicam maior risco de violência quando a mulher possui certa autonomia
houve relatos indicando conflitos relacionados a desconforto dos maridos com a participação
equitativa ou maior das esposas no provimento da família, o que não significa que não
ocorram. Ainda, como as participantes e seus ex-maridos possuíam suficientes e trabalho fixo
(ou aposentadoria), avaliamos que a renda dos envolvidos facilitou o encerramento da relação
meio de obter algum tipo de mediação dos conflitos, como descreveram Villela et al (2010) e
Brandão (2006). Segundo esses autores, o objetivo das denúncias seria o fim das ocorrências
que o controle e a mediação requeridos pelas participantes do presente estudo também não
vigilância ao longo do processo de separação. Esse dado corrobora a discussão dos resultados
178
encontrados em uma pesquisa que comparou boletins de ocorrência registrados por mulheres
para mulheres de classes socioeconômicas diferentes (Cortez, Silva & Souza, 2012).
com o consequente receio do que os outros vão pensar, o medo do julgamento social, a culpa
por não ter conseguido manter o casamento – possuem impacto significativo na manutenção
estudos que discorrem sobre a relação entre religião e violência doméstica e identificou que a
prática religiosa pode tanto ser um fator de empoderamento como de aprisionamento, pois a
comunidade religiosa poderia funcionar “como um sistema de família estendida, que poderia
ajuda” (Javier, 2007, p. 90, tradução nossa), análise essa consonante com a realizada por
Nason-Clark (2004).
Em sua primeira tentativa de separação, Cristiana foi aconselhada por seu pastor e por
seu amigo/advogado/colega de culto, a dar nova chance ao marido e concordou. Para defender
seus sacramentos não poderia também ser considerado uma violência original? Acreditamos
está exemplificada no relato de Joana sobre a coação de seu defensor, durante a audiência,
para que retirasse a queixa contra seu ex-marido. Encontramos em diversos estudos
que muitas vezes guiam discursos de defesa e acusação e também sentenças (Cenci, 2011;
Figueiredo, 2002; Pandjiarjian, 2002). Neste caso, fica a denúncia de má conduta de um (ou
179
mais um?) defensor público que, contratado pelo Estado para defender sua cliente, se vale de
diversas falhas no sistema de proteção à mulher, para convencer Joana a retirar o processo
contra Jorge. É preocupante pensar sobre quantas mulheres, com menos informação e suporte
social do que Joana, também foram levadas a retirar queixas nessas mesmas circunstâncias.
Soma-se então, mais uma violência, desta vez dos representantes do Estado contra as
mulheres.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cunha (2007, p. 176) afirma que, no caso das mulheres mais abastadas, “a
dependência emocional é a principal razão para que (...) permaneçam presas aos
companheiros”. Tal afirmação, a nosso entender, estende-se a todas as mulheres que estão
aplicável a qualquer pessoa (mulher ou homem) que viveu ou vive a situação, de qualquer
classe social e/ou etnia. É imprescindível considerar tal questão ao discutir, por exemplo, a
180
cuidado com os filhos, devemos considerar que um vínculo afetivo-amoroso pode não se
quebrar com um tapa, um xingamento, ou mesmo com ações mais violentas, e que
persistir.
mulheres de todos os níveis sociais, ainda que sofra certas influências de conquistas femininas
e das reorganizações das relações de gênero nas últimas décadas, como observaram Coutinho
e Menandro (2010) e Zordan, Faulke e Vagner (2009). Assim, entendemos que os diversos
“resolver o problema que deixou surgir” e, com isso “fazer o casamento dar certo”.
Como vimos, essa obrigação foi reafirmada em alguns dos espaços, em tese
constituídos para prover apoio e segurança. Na discussão dos resultados enfatizamos como os
poder das relações e a manutenção de práticas e valores tradicionais de gênero que tanto
esforço de “lutar pelo casamento”, “não provocar processos criminais” ou “não expor
problemas conjugais ao público”. Quaisquer ações que transgridam essas normas são ainda
vergonha continuam recaindo exclusivamente sobre a mulher. Temos então, neste estudo, um
181
transforma-se em algo objetivo, traduzindo-se em estruturas
119)
Curioso e triste é notar que diversos mecanismos que poderiam apoiar a mulher em
situação de violência, aumentando sua qualidade de vida e segurança e ainda favorecendo seu
fortalecimento como cidadã estão ainda contaminados pelos mesmos valores de gênero
presentes no período colonial. Mais triste é verificar o impacto disto para as mulheres que,
muitas vezes, são agredidas também por pelos mecanismos de proteção e valores em que
acreditam.
Ainda que as relações de classe sejam de grande relevância na organização dos modos
de vida e valores sociais, as relações de gênero têm ainda maior força em nossa cultura visto
que atuam como guias das expectativas e práticas nas relações conjugais/amorosas. Neste
sentido, seria possível considerar como uma violência maior a apropriação dos valores
de homens e mulheres, bem como a restrição das mulheres ao ambiente doméstico, enfim o
aprisionamento a esses valores, já que essa apropriação consiste na matriz para a violência
física ou psicológica.
capacidade de agir e tomar decisões sobre recursos e suas próprias vidas pelas mulheres,
vemos, pois, que esse processo encontra-se ainda em nível embrionário e com muitas (muitas)
barreiras a transpor – diversas delas, como observado, ocultas nos próprios sistemas que
Assim, para que esse processo possa de fato contribuir para a superação da
desigualdade de gênero, é importante que não apenas as mulheres, mas toda a sociedade
182
reconheça o quanto instituições, grupos e valores sustentam ainda uma ideologia sexista que
perpetua a discriminação feminina e lute para que promova segurança e valorização das
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189
ESTUDO VI – Violência conjugal: desafios e propostas para a aplicação da
RESUMO
INTRODUÇÃO
Em diálogo com a obra de Foucault, analisamos a subordinação ressaltada por Souza (2007)
como um “estado de dominação” a partir do conceito de relações de poder: “relação em que
1
Estudo desenvolvido com a colaboração de Guilherme Cruz Vargas (bolsista de Iniciação Científica CNPq),
aluno do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo.
2
Artigo submetido à Revista Psico, PUC-RS.
190
cada um procura dirigir a conduta do outro. [...] essas relações de poder são móveis, ou seja,
podem se modificar, não são dadas de uma vez por todas.” (Foucault, 1984, p.276). Foucault
chama de “estado de dominação” as situações em que as relações de poder entre sujeitos
encontram-se cristalizadas, como no caso da violência de gênero, a ponto de dificultar
qualquer inversão da situação.
A violência doméstica é classificada por Souza (2007) e Costa (2008) como uma dentre várias
formas de violências de gênero existentes no Brasil desde os primeiros anos de colonização
do território. Todavia, ao longo do século XX, as opiniões em relação ao fenômeno da
violência contra a mulher sofreram grandes mudanças por meio, principalmente, de lutas
travadas por movimentos feministas (Alvim e Souza, 2004; Cunha, 2008).
De acordo com Grossi (2008), a mobilização feminista dos anos 1970 deu visibilidade à
violência doméstica como a principal violência sofrida pelas mulheres brasileiras. Nos anos
1980, alguns grupos feministas instituíram os SOS Mulher, espaços onde ativistas voluntárias
davam suporte a mulheres violentadas pelos parceiros. Apenas em 1985 surgiram as primeiras
Delegacias da Mulher, como serviço especializado para mulheres vítimas de violência.
Num contexto de “forte apelo político dos movimentos feministas brasileiro e internacional”
(Costa, 2008, p.12), de demanda popular por medidas punitivas mais austeras e da
condenação do governo brasileiro, em 2001, pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, por violar direitos e deveres previstos na Convenção de Belém do Pará no caso da
dupla tentativa de homicídio de Maria da Penha Maia Fernandes pelo marido (Costa, 2008;
Souza, 2007), promulgou-se, em 2006 no Brasil, a Lei n 11.340 (Lei Maria da Penha), com o
intuito de prevenir, punir e erradicar a violência doméstica contra a mulher.
Soma-se ao estereótipo criminal indicado por Batista (2008) a constatação de diversos estudos
191
de que a maior parte das denúncias de violência conjugal realizadas nas Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) é proveniente de casos de agressão
ocorridos entre parceiros de classes com renda menor (Cortez, Silva e Souza, 2012; Debert e
Gregori, 2008; Kronbauer e Meneghel, 2005; Ribeiro, Duarte, Lino e Fonseca, 2009). Por
reconhecermos que o menor número de denúncias de violência conjugal por mulheres de
classes média não significa, de fato, um baixo número de ocorrências de agressões (Cunha,
2008), entendemos ser relevante a investigação dos aspectos envolvidos em situações de
violência envolvendo casais dessas classes sociais.
Para tratar dessas e de outras questões que dizem respeito à complexidade do fenômeno da
violência contra a mulher, acreditamos ser importante analisar tanto relatos da mulher como
também do homem envolvido no relacionamento violento. Como afirmam Cortez, Souza e
Queiroz (2010, p. 232) tal posicionamento “pode oferecer uma visão mais completa da
dinâmica do casal no que diz respeito, mais especificamente, às situações violentas
construídas e vivenciadas por eles”. Dessa forma, abordando ambos os envolvidos,
procuramos tanto considerar mulheres e homens como sujeitos ativos nesses contextos, como
também ampliar a compreensão desse fenômeno, desenvolvendo um estudo que atenda à
demanda atual de inclusão do homem autor de violência.
Defendemos também a interlocução com diferentes áreas do saber, como o direito, a filosofia,
a psicologia e assistência social, para que a diversidade de campos de produção de
conhecimento favoreça a construção de uma política nacional para as mulheres e a efetivação
de políticas públicas de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher.
OBJETIVOS
192
Além disso, o estudo se propõe a discutir a aplicabilidade e efetividade da Lei Mª da Penha,
considerando as políticas públicas e sua gestão, as instituições envolvidas e os recursos
disponíveis.
MÉTODO
Propomos aqui um estudo de caso, pesquisa qualitativa com a qual não pretendemos
generalizar os resultados alcançados, mas sim ter acesso, como descreveu Minayo (1999, p.
21), a “um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem
ser reduzidos à operacionalização de variáveis”, como é o caso de nosso objeto de estudo. Tal
perspectiva permitiu a inclusão do segundo objetivo, descrito anteriormente, complementação
que reflete nosso posicionamento metodológico de acolher os objetivos que surgem ao longo
do desenvolvimento de uma pesquisa.
PARTICIPANTES
Participaram da pesquisa uma mulher, Vanusa, 51 anos, e um homem, Erasmo, 48 anos, que
foram casados e estavam separados há aproximadamente um ano, no período da coleta de
dados (foram utilizados nomes fictícios). Vanusa tem ensino superior completo e trabalha em
uma grande empresa de Vitória/ES, onde recebe salário de R$ 4.000,00. Erasmo possui
ensino médio completo e trabalha como autônomo, com renda média de R$3.000,00.
Vanusa e Erasmo namoraram por 04 anos, foram casados por 26 anos e possuem duas filhas
deste relacionamento. Os entrevistados se conheceram ainda jovens e declararam ter sido este
o primeiro relacionamento duradouro de ambos.
193
com a Promotoria de Defesa da Mulher do Espírito Santo, no qual Vanusa e Erasmo já
haviam sido atendidos. O casal divorciado se disponibilizou a participar voluntariamente da
pesquisa, tendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que explicitava,
entre outras informações, os objetivos da pesquisa, o caráter voluntário de participação, a
possibilidade de interromper a entrevista a qualquer momento, podendo retomá-la ou não, e o
sigilo de suas identidades. A coleta das entrevistas atendeu à regulamentação das Diretrizes e
Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos do Conselho Nacional
de Saúde, Resolução 196/96.
Optamos pela análise fenomenológica como técnica adequada para o estudo da experiência de
violência doméstica vivida pelo casal, por permitir relacionar componentes subjetivos do
pesquisador e do pesquisado, sem deixar de atender às exigências científico-acadêmicas.
Utilizamos o modelo de cinco fases do método fenomenológico descrito por Trindade,
Menandro e Gianórdoli-Nascimento (2007).
194
serviços também fomentaram as discussões realizadas sobre políticas públicas de
enfrentamento da violência contra a mulher ao longo deste estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O Eixo 1, “Sexo Frágil” (referência à canção “Mulher”, de Erasmo Carlos e Narinha, 1981)
reúne as concepções de gênero dos entrevistados e suas opiniões sobre a percepção da
sociedade sobre gênero. Assim, identificamos uma alternância de conteúdos com referências a
características de gênero calcadas na polaridade entre uma figura masculina forte, provedora e
uma mulher frágil, cuidadora; assim como conteúdos que se opõem a esse modelo.
O entrevistado Erasmo, afirmou que o homem deve ser carinhoso e atencioso, mas quando
perguntado a respeito de como a sociedade percebe o homem, o entrevistado respondeu:
bruto, nervoso, mais estressado. Em relação a ser mulher, Erasmo disse: “É Deus no céu e a
mulher na terra, né?”; “Como se diz naquela música, ‘Sexo Frágil’”:
Em sua fala, Vanusa faz referências tanto à oposição entre a fragilidade feminina e a
virilidade masculina, quanto a uma mulher independente financeiramente, como se pode ver
em: “Eu sempre trabalhei fora, ele não”. Para Vanusa, a sociedade não aceita uma relação
como a dela e Erasmo, em que a mulher trabalhe fora de casa e o homem cuide dos filhos e da
casa. “Acham que a mulher, mesmo trabalhando fora, tem que lavar, passar, cozinhar, tomar
conta de filho enquanto o homem não precisa fazer nada disso, só trabalhar fora”. Vanusa
valoriza ideias de independência e autonomia, mas pondera que tais conquistas feministas
implicaram em uma sobrecarga para a mulher: “Dupla jornada? É quádrupla!”.
195
Em revisão bibliográfica encontramos referências a valores tradicionais de gênero e ao que
pesquisadores denominam “novos” elementos (Cortez e Souza, 2010; Couto, Schraiber,
D’Oliveira e Kiss, 2006; França e Schimanski, 2009;). Foi observada, por exemplo, em
entrevista com homens, a imagem de um homem ideal, gentil e carinhoso, construída em
contraposição à imagem do homem bruto e violento (Couto et al., 2006).
O Eixo 2, “Como Foi”, retrata a rotina do casal, sua organização familiar e conflitos, bem
como agrega as avaliações de si mesmos e de seu ex-cônjuge como mãe/pai, esposa/marido.
Erasmo afirma que os dois se casaram bem novos e juntos adquiriram o que possuem. Vanusa
diz que o relacionamento era muito bom no início, mas que com o tempo, Erasmo revelou-se
“acomodado”. Segundo a entrevistada ela continuou “evoluindo” (fez curso superior,
desenvolveu uma carreira profissional) e ele não.
Os entrevistados se avaliam como bom pai e boa mãe. Como cônjuge, Erasmo declara que
poderia ter sido melhor, que se arrependia por ter sido violento. Em relação às avaliações de
um sobre o outro, Erasmo afirmou que Vanusa era ótima esposa e mãe. Vanusa declarou que
Erasmo era bom pai, mas muito permissivo com as filhas, enquanto ela era mais rígida.
Ambos declaram que o relacionamento era bom, mas que nos últimos anos os conflitos entre
o casal se tornaram mais frequentes. Segundo Vanusa, algumas brigas do casal tinham início
196
devido a discussões de Erasmo com a filha mais velha. Nas ocasiões em que houve violência,
as filhas colocaram-se sempre a favor da mãe, apoiando-a na separação do marido.
O Eixo 3, “Como Deveria Ser”, reúne as expectativas que os dois possuíam no início do
casamento e conjuga questões sobre gênero e papéis tradicionais e/ou idealizados
desempenhados pelo casal.
Vanusa esperava “união” do casal com relação à administração da casa (“nós temos que tentar
progredir [...] melhorar, dar mais conforto”) e nos momentos de lazer (“A gente se juntar pra
sair, fazer passeio, viajar”). Para um bom relacionamento, Vanusa considera importante que o
casal possua níveis semelhantes de instrução formal e renda.
Erasmo afirma que, numa relação conjugal, deve-se “fazer tudo que se puder fazer pelo
outro”, o homem deve ser “mais carinhoso, mais atencioso, mais dedicado à família”. No
discurso de Vanusa sobre o que ela entende como um bom marido, as questões financeiras são
destacadas: “um homem com muito dinheiro pra pagar todas as contas, [...] e o meu dinheiro
ser só pra eu estudar, fazer um curso, pagar uma academia”.
Observamos que, tal como as normas de gênero no Eixo 1, as expectativas sobre casamento
dos entrevistados são organizadas tentando-se equilibrar idealizações tradicionais e “novas”
práticas. Assim, encontramos, no Eixo 3, descrições de práticas e de expectativas que ora
expressam claramente valores tradicionais sobre casamento – como o homem provedor,
identificado na pesquisa de Couto et al. (2006) e nas discussões sobre o modelo patriarcal
masculino realizadas por Nader (2007) e Cerdeira (2004) –, e ora expectativas menos
tradicionais, com uma maior equidade entre os gêneros, assim como “a valorização do
companheirismo e da cumplicidade” (Zordan, Falcke e Wagner, 2009, p.60).
197
Erasmo declara que a sociedade geralmente se posiciona a favor da mulher.
Vanusa também aponta como facilitadora de conflitos a dificuldade dos casais em lidar com
suas diferenças: “[...] as agressões entre o casal começam por causa de diferenças salarial,
cultural [...]”. A ideia de Vanusa de um casal sem conflitos, com níveis equivalentes de renda
e formação cultural se aproxima muito do ideal de união homogênea, equilibrada, promovido
desde o período colonial brasileiro: o casamento deve servir como estratégia para a
manutenção do prestígio social e dos domínios financeiro e político por parte da classe
dominante. Apregoava-se que o casamento deveria ocorrer entre homens e mulheres de
mesma cor e mesma classe econômica (Nader, 2007). A despeito dessa imagem ideal de
matrimônio (com base na manutenção econômica da família) e de mulher (recatada, honesta,
frágil), predominavam no Brasil colonial as uniões ilegítimas (Cerdeira, 2004) e eram comuns
os casos de mulheres, negras, ou não, escravas, ou livres, que exerciam as mais variadas
profissões: eram doceiras, vendedoras, prostitutas, feiticeiras (Cotrim, 1999).
198
afirma que os dois se distanciaram com a situação: “Desgarrou aquele laço que a gente tinha
antes”. A respeito deste distanciamento, Erasmo o descreve como repentino e surpreendente e
Vanusa o descreve como um longo processo em que o consumo excessivo de álcool pelo
marido, as frequentes discussões e algumas amizades dele desgastaram a relação.
O Eixo 6, “SOS Mulher”, nomeado como a música da cantora Vanusa (1981), reúne relatos
sobre motivações e implicações da denúncia. Os participantes caracterizam o episódio mais
marcante de violência como caso de violência psicológica e verbal. Vanusa conta que, na
DEAM, representou criminalmente contra Erasmo e pediu as Medidas Protetivas de Urgência
199
previstas na Lei Mª da Penha: “Ah, eu representei, pedi tudo o que eu tinha direito”.
Como fator que motivou a denúncia, ambos destacaram o medo de Vanusa diante das
ameaças de Erasmo. De acordo com Vanusa, seu sogro havia assassinado sua segunda esposa
e esse histórico de violência na família de Erasmo aumentava seu medo. Vanusa reconhece
que já havia passado por outros episódios de ameaças, de violência verbal e psicológica, mas
que não denunciara por achar que a Lei Mª da Penha só punia atos de violência física. Foi a
irmã de Vanusa que a esclareceu a respeito da abrangência da Lei.
Perguntados sobre o que faz com que as mulheres demorem a denunciar a violência conjugal,
ambos afirmaram que os fatores mais importantes são o medo e o desconhecimento da lei. No
caso de Vanusa, seu medo de denunciar foi superado pelo medo de se manter em um
relacionamento violento e pela segurança e apoio de suas filhas e de sua irmã. Com isso, a
realização da denúncia da DEAM e a separação se consolidaram: “Eu não separava com medo
dele me matar. [...] E eu pensei [...], se eu ficar, ele pode me matar, se eu separar ele pode me
matar também, então eu prefiro morrer tentando resolver, entendeu?”. Como no trecho da
música da cantora Vanusa (1981), a entrevistada procura uma saída da situação de conflitos:
200
pai, da rotina doméstica –, e de Vanusa - de sua capacidade de trabalho formal),
necessidade de reorganização do casal e da família em suas atividades diárias e ausência
de negociações adequadas a respeito de expectativas e valores pessoais.
Alvim e Souza (2004) ressaltam que o “[...] medo do ridículo, vergonha e o desejo de
manter os assuntos de família em privacidade proíbem muitos homens e mulheres de
revelar a violência doméstica para outros” (p.125), afirmação em acordo com Cunha
(2008), que analisa a violência contra mulheres de classe alta. Na fala de Vanusa fica
visível sua opinião de que humilhação e vergonha são “penas justas” para um homem
que assassine pessoas de sua família: “Se ele me matar, pelo menos eu fui lá, denunciei,
ele vai ser preso, vai ser perseguido, vai ser olhado de banda como o homem que matou
a mulher, matou as filhas”. A preocupação de Erasmo em não deixar transparecer
problemas é explicitada por Vanusa: “[...] porque a família pra ele é um retrato. Tem
que estar sempre mostrando para os outros que está tudo bem que está todo mundo junto
[...]”. Acreditamos que tal necessidade de mostrar publicamente uma família sem
conflitos oculta muitas vezes situações de violência doméstica.
201
outros fatores (pressões da filha mais velha, uso abusivo de bebida alcoólica por Erasmo
e a morte de seu pai) podem ter favorecido o afastamento físico e afetivo do casal. Neste
contexto de conflitos e ameaças, o medo de Vanusa impossibilitava a manutenção da
relação.
No que tange à rede de apoio, vale reforçar a relevância do suporte de pessoas próximas
na tomada de decisão de denunciar a situação de violência, que em muitos casos perdura
por anos. No caso de Vanusa, o apoio das filhas e da irmã foi fundamental para que a
denúncia fosse feita na DEAM. Por medo de expor a família, as mulheres que procuram
ajuda tendem a confiar em pessoas próximas, como mãe, irmãos e filhos (Alvim e
Souza, 2004).
A partir da fala dos entrevistados em sua pesquisa, Alvim e Souza (2004) destacam a
importância de espaços para troca de experiências entre homens e mulheres envolvidos
em situações de violência conjugal: [...] sujeitos que participaram de grupos de
discussão reforçaram a ideia de que o debate público sobre suas questões (consideradas
privadas) foi uma ótima solução para o (re)dimensionamento do problema e a busca de
soluções” (Alvim e Souza, 2004, p. 124).
202
desvalorização de outras formas de resolução de conflitos”.
Como uma faca de dois gumes, a Lei Mª da Penha é uma conquista na luta por direitos
humanos, todavia o processo penal ignora a complexidade das relações de gênero ao
organizar conflitos conjugais em categorias jurídicas polarizadas (vítima – autor de
violência) (Rifiotis, 2008). Este contexto simplista contribui para que o sistema
judiciário opere de forma discriminatória e seletiva, levando, muitas vezes, a sanções
mais austeras para aqueles homens com poucos recursos financeiros enquadrados pela
Lei n. 11.340 (Batista, 2008).
Como descrito anteriormente, a Lei 11.340/06 foi promulgada cerca de cinco anos após
a condenação do governo brasileiro pela omissão nos casos de tentativa de homicídio de
Maria da Penha Maia Fernandes por seu marido, fato que leva muitos autores a
ressalvarem a importância da pressão exercida por órgãos internacionais de defesa dos
direitos humanos para a promulgação da lei (Costa, 2008; Rifiotis, 2008; Souza, 2007).
Apesar deste apelo, a Lei pode ser considerada uma conquista de demandas populares
ascendentes, viabilizada e legitimada por meio do direito (Rifiotis, 2008). Todavia, para
que os direitos conquistados se efetivem e para que a lei produza, de fato, benefícios às
relações de gênero, torna-se indispensável uma gestão democrática dos serviços
públicos responsáveis por coibir, prevenir e punir a violência doméstica contra a
mulher, e dos dispositivos de assistência e proteção aos envolvidos.
203
princípios e aplicabilidade dessa Lei não são “no sentido de anulá-la, mas de
potencializar seus efeitos” (Medrado et al., 2011, p. 477). Vemos, pois, no controle
social, uma forma de ação democrática para promoção de melhorias, por meio da
inserção da população, no campo da gestão das políticas públicas.
Apontamos a participação popular como necessária, pois, assim como Rifiotis (2008, p.
230), acreditamos que o sistema jurídico “[...] não deve ser considerado um fim em si
mesmo [...], devendo ser objeto de monitoramento contínuo, como condição necessária
para a sua efetividade”.
No Art. 8, inciso II, da Lei Maria da Penha estão previstos o estudo e a pesquisa sobre o
tema da violência doméstica contra a mulher. Entendemos como importante que o meio
acadêmico integre as forças da participação popular e do controle social, discutindo a
recente Lei n° 11.340/2006 e dando visibilidade tanto às suas propostas, quanto às suas
contradições, de modo a garantir que essa conquista na luta pelo respeito aos direitos
204
humanos possa resultar, de fato, em melhorias na vida de mulheres e homens.
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208
DISCUSSÃO
apresentados ressaltam que valores idealizados de família, mulher e homem são fatores
2010; Wood, 2004; Dantas-Berger & Giffin, 2005). Esses mesmos valores aparecem
como justificativas para a manutenção das relações violentas seja por balizarem
relacionamento seja por impedirem o seu encerramento, por questões religiosas ou por
financeira como fator de proteção da mulher (Kim et al, 2007; Xu, Kerley,
Sirisunyaluck, 2011), enquanto outro estudos revelam ter sido esse um fator facilitador
209
para as agressões contra a mulher (D’Oliveira, et al, 2009; Rodríguez-Borrego,
exemplo). Por outro lado, nesses mesmos estudos (e também no estudo 03)
‘boa esposa’ e ‘bom marido’ são ainda relevantes para as consecutivas tentativas de
manutenção das relações conjugais (Zordan, Faulke & Vagner, 2009), mesmo após a
mulheres entrevistadas como também pela equipe da DEAM. Fica claro, portanto, que
medo (de ficar só e/ou de ser ainda mais agredida) e às expectativas idealizadas de
210
Ainda que a questão classe tenha menor impacto na regulação das situações de
mulheres de classe baixa e com pouca escolaridade (Marcelino & Dimenstein, 2006;
Menezes, Moura, Netto & Silva, 2010). É evidente que essas características influenciam
atendam cada vez mais mulheres e homens, respeitando sua diversidade (cor, orientação
sexual, idade, renda econômica, etc). Por outro lado, as características gerais das
Entendemos que a preferência das mulheres e homens das classes altas por
da crença de que esses são dirigidos unicamente ao público de classe popular, devido
também à pouca condição de acesso que essas pessoas têm a serviços privados,
Outro fator implicado, segundo Cunha (2008) é a procura por manter questões
equivocado, uma vez que, ao procurarem a DEAM, as denunciantes não são informadas
211
envolvidos – e que, apesar de alguns profissionais ressalvarem a importância de
resguardar a identidade e os dados pessoais dos envolvidos, outras pessoas poderão ter
acesso ao documento. Durante o período de digitação dos BOS, por exemplo, um dos
estagiários presenciou o atendimento de uma mulher de classe alta que reclamava de ter
mulher. de acordo com o estagiário, a denunciante, que recusou o convite, afirmava que
essa informação só poderia ter sido transmitida ao jornalista por alguém da DEAM e se
perspectiva do homem autor da violência, que contribuiu, por meio da análise relacional
nas relações das mulheres com suas redes de apoio, serviços de atendimentos e mesmo
contra a mulher.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
212
A compreensão das múltiplas violências praticadas contra as mulheres mostra-se
informado, nesta tese entendemos que tais violências resultam de séculos de relações de
vida feliz –, são a matriz privilegiada para a sua ocorrência. E mais, que os parceiros
estatísticas descritivas).
213
de mulheres socioeconomicamente distintos (classe popular e classe média/média-alta),
estudado bem como observar de modo crítico o suporte efetivamente oferecido pelas
políticas de estado.
literatura, sendo ameaça e lesão corporal os delitos mais denunciados. Com base na
análise das representações criminais e das características das mulheres que as requerem
214
No Estudo 3 foi possível verificar como a equipe profissional da DEAM percebe
do casal.
e média-alta foram analisadas com base em entrevistas individuais realizadas com três
mulheres que tinham sofrido violência física e/ou psicológica. Além da influência das
devido a ameaças de morte do marido à esposa e a uma das filhas foi analisado com
ocorrência de conflitos entre o casal que remeteram à discussão dos desafios existentes
215
para a aplicação da Lei Maria da Penha.
pontos da lei e das políticas públicas que, ignorados, impedem a tomada de medidas
debate sobre o impacto dos aspectos afetivos e valorativos das relações amorosas e/ou
eixos de ação à população. Avaliamos que o pouco que se vê efetivado não considera a
(2010) denominou de “absorção restrita” (p. 155) do que foi defendido e exigido pelas
essa razão, a inferência de que a função da DEAM se limita à repressão de crimes nos
parece inadequada e pode mesmo acarretar uma avaliação equivocada dos serviços
prestados por uma delegacia especializada, uma vez que, como já afirmamos, é comum
216
usuárias procurarem nesse espaço não para a criminalização dos denunciados, mas para
Estado como também de informar a população a respeito de seus direitos e dos serviços
que têm ou deveriam ter disponíveis. Acreditamos que as ações destes Conselhos
Ainda, pensar na violência como problema de saúde pública não deve implicar em
tanto na análise dos BOs, nas falas das mulheres e dos profissionais entrevistados, é
muito semelhante à que cerceia a prática do cuidado com a saúde: não há cuidado na
Por implicar questões afetivas e íntimas e, ao mesmo tempo ser uma questão
discriminada que provoca efeitos em toda a sociedade). É nosso ponto de vista que a
valorização dos aspectos afetivos e de saúde não devem, em momento algum, implicar
em falas como as de alguns policiais que relatam casos levados à DEAM que seriam “...
217
as mulheres denunciantes indicam que elas procuram por ações coercitivas e de
companheiro pelo crime de lesão corporal ou ameaça, por exemplo) (Santos, 2010;
Oliveira, 2008, Riffiotis, 2004). Dado esse confirmado pelos documentos analisados
Cabem, pois, questões a respeito de como agir diante de tal situação. As ações
sobre a (pouca) informação que possuem sobre seus direitos e deveres como cidadãos.
enviesada das leis pelos profissionais e órgãos responsáveis. Vemos isso, por exemplo,
políticas que, mesmo bastante avançadas em seu conteúdo, na prática revelam não
realizada por Waiselfisz (2012) sobre o impacto da Lei Maria da Penha nas denúncias
218
de violência contra a mulher:
cultivadas através da educação e informação. Vias essas que, hoje, ignoram a formação
Se a maior parte das mulheres está ainda excluída das discussões sobre gênero e
219
homens (principalmente aqueles identificados como autores de agressões) são muitas
violência contra a mulher (Medrado & Méllo, 2008). São, portanto, discriminados por
profissionais (da saúde, do direito...) que poderiam ajudá-los a se tornar parte da solução
deste problema, uma vez que a violência nas relações conjugais se sustenta na
gênero.
reconhecerem, juntamente ou não com seus parceiros, que outros meios seriam mais
instituições e políticas que lhes deem autonomia para realizar escolhas conscientes bem
como demandas a respeito do tipo de apoio que mais lhes interessa. Com relação aos
homens, discussões sobre gênero, poder e direitos humanos podem beneficiá-los, por
do modelo hegemônico (Connell & Messerschimidt, 2005; Cortez & Souza, 2010;
220
Ressaltamos também, que o empoderamento da categoria feminina como bandeira
política de luta pela equidade de gênero não pode ser abalado por discursos que
contra a mulher e para a contínua formação dos cidadãos conhecedores de seus direitos
e agentes críticos de mudança, visando favorecer mulheres e homens no que diz respeito
demandas por justiça e direitos por grupos e organizações e de mediação e atenção por
diversas mulheres, para que novas violências não ocorram no intento de se fazer
todos os envolvidos nas situações de violência, é preciso abertura para que tanto ações
para a construção de uma sociedade mais justa e respeitosa quanto aos direitos humanos
(direitos das mulheres e direitos dos homens), é essencial para que possamos rever
valores, conceitos e crenças que tendem a perpetuar e legitimar fenômenos tão nocivos à
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251
APÊNDICES
252
Apêndice 1 – Modelo de boletim de ocorrência utilizado pela DEAM-
Vitória em 2010
253
254
Apêndice 2 – Roteiro de entrevista com funcionários da DEAM –
Vitória
2. Em que situações são mais comuns a denúncia? (Ou na sua opinião, por que as
mulheres denunciam?)
255
Apêndice 3 – Roteiro de entrevista (versão para mulheres)
Nesta 1ª parte serão recolhidos dados pessoais seus e de seu parceiro ou ex-parceiro,
com quem vive/viveu um relacionamento com situações de violência. Esses dados nos
ajudarão a caracterizar o grupo entrevistado (sua identidade será mantida em sigilo).
A) DADOS PESSOAIS
Dados da entrevistada
***
Você consome de bebida alcoólica ( ) nunca/raramente ( ) 1 a 2 vezes na semana ( )
2 a 3 vezes na semana ( ) mais de 3 vezes na semana
Seu parceiro: ( ) nunca/raramente ( ) 1 a 2 vezes na semana ( ) 2 a 3 vezes na
semana ( ) mais de 3 vezes na semana
256
Apresentação: Nesta 2ª parte conversaremos sobre seu relacionamento. Não há
resposta certa ou errada, você pode me contar sobre impressões, crenças, vivências e
expectativas, de acordo com suas lembranças e avaliações pessoais.
SIGNIFICADOS
AVALIAÇÕES
1. Você se considera uma boa mulher? Por quê? ( )
2. Como você avalia:
a) você como esposa (ou – é/foi boa esposa?) ( )
b) você como mãe ( )
3. Seu parceiro é um bom homem? Por quê? ( )
4. Como você avalia:
d) seu parceiro como marido; (ou – é/foi bom marido?) ( )
c) seu parceiro com pai ( )
SIGNIFICADOS
1. O que é para você:
a) relacionamento conjugal ( )
VIVÊNCIAS
1. Fale um pouco sobre seu relacionamento com seu parceiro (ou ex-parceiro).
[Aspectos principais a serem levantados: a) responsabilidades de cada um ( ); b)
atividades que realizam juntos - hobbies, lazer, trabalho, ... -( ); c) atividades que
realizavam separados ( ); d) quem decide sobre o dinheiro( )]
AVALIAÇÕES
1. De um modo geral, o que você acha que a sociedade espera de um relacionamento
conjugal? ( )
2. O que você esperava no início de seu relacionamento? ( )
3. Como você avalia:
a) seu relacionamento ( )
b) seu comprometimento/dedicação com seu relacionamento ( )
c) Você é/foi uma boa parceira? Por quê? ( )
4. Como você avalia:
d) o comprometimento/dedicação de seu parceiro com o relacionamento de vocês ( )
e) Ele é/foi um bom parceiro? Por quê? ( )
5. (Se continua com o parceiro): O que você espera hoje deste seu relacionamento? ( )
257
3. Sobre representações de violência conjugal contra a mulher
SIGNIFICADOS
1. Como você define:
a) Violência conjugal. ( ) Exemplo? ( )
b) Violência contra a mulher. ( ) Exemplo? ( )
c) Homem que agride uma mulher ( )
d) Mulher que é agredida por um homem ( )
e) Quais os tipos de violência contra a mulher que você conhece, já ouviu falar?( )
f) O que você acha que a sociedade pensa sobre a violência conjugal? ( )
g) O que você acha que a sociedade pensa sobre homem que agride a parceira? ( )
h) E sobre a mulher que sofre violência do marido? ( )
1. Fale sobre a situação de violência ocorrida em seu relacionamento que mais marcou
você. [Aspectos a serem levantados: motivo que alega ( ); local em que ocorreu ( );
testemunhas presentes ( ); tipos de violência ocorridas: *física( ) *sexual( ) *emocional
(verbal, psi, privação liberdade, patrimonial ( )]
AVALIAÇÃO
1. Como você se sente com relação às situações de violência aconteceram em seu
relacionamento (dele pra ela, dela pra ele) ( )
2. Como você acha que seu parceiro se sente? ( )
258
Denúncia da violência: Vivência
1. Em muitos casos a mulher não denuncia ou demora a denunciar a violência que sofre,
na sua opinião, por que isso acontece?
2. Na sua opinião, por que as mulheres denunciam?
3. Você pode escrever um caso de violência conjugal que seja considerado o mais
comum?
4. Você pode escrever um caso de violência conjugal que seja considerado pouco
comum?
5. Qual a sua opinião sobre os casos em que as mulher agride seu parceiro? (o que você
acha que leva a essa situação como os homens se sentem....?)
***
259
Apêndice 4 – Roteiro de entrevista (versão para os homens)
Nesta 1ª parte serão recolhidos dados pessoais seus e de sua parceira ou ex-parceira,
com quem vive/viveu um relacionamento com situações de violência. Esses dados nos
ajudarão a caracterizar o grupo entrevistado (sua identidade será mantida em sigilo).
A) DADOS PESSOAIS
Dados do entrevistado:
Nome (pode ser só o 1º): ___________________________ Nascimento:
____/____/____
Bairro em que reside: ____________________________ Telefone:_______________
Escolaridade: ____________________ Profissão:____________________
Ocupação atual: ____________________ Salário médio: ______________
Religião que freqüenta: ______________ Estado civil: ____________ n° de filhos:
______
***
Você consome de bebida alcoólica ( ) nunca/raramente ( ) 1 a 2 vezes na semana ( )
2 a 3 vezes na semana ( ) mais de 3 vezes na semana
Sua parceira: ( ) nunca ( ) raramente ( ) 1 a 2 vezes na semana ( ) 2 a 3 vezes na
semana ( ) mais de 3 vezes na semana
260
Apresentação: Nesta 2ª parte conversaremos sobre seu relacionamento. Não há
resposta certa ou errada, você pode me contar sobre impressões, crenças, vivências e
expectativas, de acordo com suas lembranças e avaliações pessoais.
SIGNIFICADOS
1. Como a sociedade em geral vê: 2. O que é para você:
a) o homem ( ) a) ser homem ( )
b) a mulher ( ) b) ser mulher ( )
c) o marido ( ) c) ser marido ( )
d) a esposa ( ) d) ser esposa ( )
AVALIAÇÕES
1. Você se considera um bom homem? Por quê? ( )
2. Como você avalia:
a) você como marido (ou – é/foi bom marido?) ( )
b) você como pai ( )
Sua parceira é uma boa mulher? Por quê? ( )
3. Como você avalia:
d) sua parceira como esposa; (ou – é/foi boa esposa?) ( )
c) sua parceira com mãe ( )
SIGNIFICADOS
1. O que é para você:
a) relacionamento conjugal ( )
VIVÊNCIAS
1. Fale um pouco sobre seu relacionamento com sua parceira (ou ex-parceira)
[Aspectos principais a serem levantados: a) responsabilidades de cada um ( ); b)
atividades que realizam juntos - hobbies, lazer, trabalho, ... -( ); c) atividades que
realizavam separados ( ) d) quem decide sobre o dinheiro]
AVALIAÇÕES
1. De um modo geral, o que você acha que a sociedade espera de um relacionamento
conjugal?
2. O que você esperava no início de seu relacionamento? ( )
3. Como você avalia:
a) seu relacionamento ( )
b) seu comprometimento/dedicação com seu relacionamento ( )
c) Você é/foi um bom parceiro? Por quê? ( )
d) o comprometimento/dedicação de sua parceira com o relacionamento de vocês ( )
e) Ela foi/é um boa parceira? Por quê? ( )
4. (Se continua com a parceira): O que você espera de seu relacionamento hoje? ( )
261
3. Sobre representações de violência conjugal contra a mulher
SIGNIFICADOS
1. Fale sobre a situação de violência ocorrida em seu relacionamento que mais marcou
você. [Aspectos a serem levantados: motivo que alega ( ); local em que ocorreu ( );
testemunhas presentes ( ); tipos de violência ocorridas: *física( ) *sexual( )
*emocional (verbal, psi, privação liberdade, patrimonial ( )]
AVALIAÇÃO
1. Como você se sente com relação às situações de violência que aconteceram em seu
relacionamento (dele pra ela, dela pra ele) ( )
2. Como você acha que sua parceira se sente? ( )
4. Nos últimos dois anos de relacionamento, com que freqüência as agressões físicas
contra sua parceira aconteceram?
*1 ou duas vezes ( ) * de 3 a 4 vezes( ) *mais de 4 vezes( )
262
E outros tipos de violência? (patrimonial, sexual ou psicológica)
Qual tipo? _________ *1 ou duas vezes ( ) * de 3 a 4 vezes( ) *mais de 4 vezes( )
***
263
Apêndice 5 – Modelo de Termo de Consentimento para coleta com
funcionários da DEAM
Título da Pesquisa: Estudo sobre a violência conjugal nas classes média e média-alta
Pesquisadora: Mirian Béccheri Cortez Orientador: Prof. Dr, Lídio de Souza
Instituição: Programa de Pós Graduação em Psicologia, PPGP – UFES.
Objetivo da Pesquisa: investigar como os profissionais da DEAM Vitória/ES
descrevem os casos atendidos pela delegacia e as mulheres atendidas e como avaliam o
serviço prestado e a estrutura da delegacia.
Identificação do Participante:
Nome: ____________________________________________________
RG: __________________________ Órgão Emissor: _____________
____________________________ _______________________________
Participante Mirian Béccheri Cortez, PPGP – UFES
Telefone de contato: 9803-3421
264
Apêndice 6 – Modelo de Termo de Consentimento para coleta com
mulheres e homens envolvidos em relacionamentos violentos
violência entre parceiros íntimos, bem como trazer para debate a ocorrência de violência
conjugal nas classes média e média-alta.
assunto conheçam como pensam e agem as pessoas do grupo do qual eu faço parte; que os
dados possam ser utilizados como base para capacitação de profissionais que atual na área.
-
estruturados, realizadas individualmente com cada participante-voluntário(o,a), e gravadas com
autorização prévia a partir do final da leitura deste termo.
estudo.
continuar participando do estudo e, também,
que eu poderei retirar este meu consentimento, sem que isso me traga qualquer penalidade ou
prejuízo.
265
da minha pessoa, exceto aos responsáveis pelo estudo, e que a divulgação das mencionadas
informações só será feita entre os profissionais estudiosos do assunto.
266