Aula Kant3

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BAUMGARTEN

Coube ao filósofo alemão Alexandre Baumgarten, um original seguidor da escola leibniziano-


wolffiana, o mérito de sistematizar a abordagem das questões estéticas numa nova disciplina
filosófica a que chamou precisamente Aesthetica, cujo 1º volume foi publicado em 1750 (o 2º
sê-lo-ia em 1758). Os assuntos estéticos até então ou eram tratados à mistura com reflexões
de natureza moral e psicológica (a propósito dos sentimentos), ou com considerações
metafísicas (a ideia de beleza convocava as – ou era convocada pelas – de perfeição, de
harmonia, de ordem, de simetria, de regularidade), ou, pelo que respeitava aos aspectos
expressivos, eram tópicos dos Tratados de Poética e de Retórica, que haviam conhecido
grande proliferação no período do Barroco

Desenharam-se assim três linhas de reflexão relativamente autónomas, mas que por vezes se
cruzaram:

1) uma linha de reflexão prevalentemente metafísica sobre a ideia de beleza, no


seguimento da tradição platónica e neoplatónica, que fora reavivada na segunda
metade do século XV por Marsílio Ficino e que, no pensamento alemão moderno, fora
protagonizada por Leibniz e seus discípulos e, na época de Kant, era representada pelo
seu amigo Moses Mendelssohn
2) uma linha de análise psico-empírica da fenomenologia dos sentimentos dos indivíduos
(do seu modo de sentir), desenvolvida sobretudo pelos pensadores ingleses e
escoceses de orientação empirista (David Hume, Adam Smith);
3) uma linha de orientação mais técnica de reflexão sobre o fazer artístico e os processos
da criação e produção nas diferentes artes, a que se poderia chamar a filosofia das
artes (da Pintura, da Arquitetura, da Música, da Poesia, da Retórica…), um género que
tem por mais antigos paradigmas a Poética e a Retórica de Aristóteles e que teve
grande expressão a partir do Renascimento (pense-se em Leon Battista Alberti, em
Leonardo da Vinci, em Francisco de Holanda, em Lomazzo, em Palladio e em tantos
outros)

Ao criar e autonomizar a nova disciplina, agora reconhecida na sua legitimidade entre os


outros saberes filosóficos (a Metafísica, a Ética e a Lógica), Baumgarten não só reunia e dava
fundamentação e consistência sistemática a reflexões e perspectivas que até então andavam
dispersas, mas punha em evidência a importância das faculdades sensíveis humanas,
geralmente desconsideradas a favor das faculdades intelectuais . Ele definia a nova
disciplina como «ciência do conhecimento sensitivo, lógica da faculdade cognoscitiva inferior,
gnoseologia inferior», por contraste com a Lógica, entendida como ciência do conhecimento
racional. A sua ideia era mostrar que a sensibilidade tem uma lógica autónoma e se
regula por princípios próprios, os quais não devem ser extraídos da lógica do
entendimento ou da razão, mas sim da fantasia ou imaginação

Baumgarten é um dos principais representantes do Iluminismo, é um filosofo


alemão do século XVIII, foi o primeiro a usar o termo estética e também a ministrar o
curso de estética. Ele segue a mesma linha de Descartes, pois para ele a alma é o
que nos permite ter consciência da nossa existência, ou seja, para ele a razão é
o que nos permite existir. Divide a razão em duas faculdades, a FACULDADE
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SUPERIOR e a FACULDADE INFERIOR, a estética só é possível por causa dessa


faculdade inferior. Ele afirma que a partir da nossa posição podemos perceber de
modo claro ou obscuro as marcas distintivas.
A sensibilidade mais desenvolvida é chamada de aguda, a sensibilidade menos
desenvolvida é chamada embotada.
Baumgarten afirma que a Estética é uma Ciência. O fim visado pela Estética é a
PERFEIÇÃO DO CONHECIMENTO SENSITIVO. À natureza do esteta deve pertencer
um refinado e elegante talento inato, cujas faculdades inferiores sejam mais facilmente
excitadas em função da elegância do conhecimento. O exercício deve permitir a
gradual aquisição do hábito de pensar com beleza

A área escolhida para o desenvolvimento desse projeto de pesquisa é a


Estética, do grego aisthésis, percepção, sensação, é um ramo da filosofia que tem
por objeto o estudo da natureza do belo e dos fundamentos da arte. Ela estuda o
julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção das emoções
pelos fenômenos estéticos, bem como as diferentes formas de arte e do trabalho
artístico; a ideia de obra de arte e de criação; a relação entre matérias e formas
nas artes. Por outro lado, a estética também pode ocupar-se da privação da
beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio.

Compreender melhor como ocorre a relação entre o CONHECIMENTO SENSÍVEL,


onde a experiência é a base do conhecimento, ou seja, ADQUIRE-SE A
SABEDORIA ATRAVÉS DA PERCEPÇÃO DO MUNDO EXTERNO  e o
CONHECIMENTO RACIONAL,  que é quando a obtenção de conhecimento se dá
pelas ideias inatas, que seriam pensamentos existentes no homem desde sua origem
que o tornariam capazes de intuir as demais coisas do mundo, segundo o filosofo
alemão Baumgarten

KANT

ANNE CAUQUELlN – Kant e o sítio da estética

Kant: questão: Podemos julgar a arte sem ser por intermédio de nossos humores? Existe um
tipo de julgamento particular aplicável à atividade artística, e, nesse caso, quais seriam suas
características? É possível traçar a forma universal segundo a qual tal julgamento pode ser
exercido, de maneira que todos os julgamentos de gosto individuais refiram-se a ela?

Kant se propõe a responder a essa questão

Não se trata mais de encontrar um fundamento para as obras de arte, de pleitear um lugar
para elas nas atividades humanas, nem mesmo de ditar regras para sua produção, mas, no
século dito 'das luzes' - no qual o esforço dos filósofos concentrou-se inteiramente nas
capacidades da razão - , de interrogar-se a respeito do gênero de conhecimento que podemos
ter delas. O tema central da reflexão não é mais a obra, mas o processo interior que nos
conduz a pensar que se está de fato diante de uma obra de arte
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P 71 - A exploração de nossos modos de conhecer já havia conduzido Kant a limitar os poderes


do entendimento aos fenômenos naturais, reservando o númeno (o que pertence ao mundo
do nous, da essência) a outro tipo de conhecimento; existe sempre a razão, mas ela é ou pura,
ou prática. Dois modos que dão acesso a dois mundos. Mas nem um nem outro são válidos
para um terceiro mundo: o da arte, onde as leis da natureza, assim como os preceitos da
Razão (ou moral) não podem ser aplicados, donde a necessidade de definir um terceiro tipo
de conhecimento, de limitar seu uso, ou seja, de traçar suas fronteiras (crítica derivada de
krinein: distinguir, separar). Somente uma crítica, uma linha divisória, permite assegurar a
validade dos julgamentos dentro do perímetro que ela delimita.

Fenomenologia – estética

Kant: o simples fato de que nossa consciência já esteja sempre limitada de maneira sensível
por um mundo exterior a ela, por um mundo que ela não criou, constitui o fato primordial,
fato do qual se deve partir para abordar de uma nova maneira todas as questões tradicionais
que pertenceram à metafísica.

É A PRETENSÃO METAFÍSICA DE CONHECER O ABSOLUTO, DE APREENDER A ESSÊNCIA


ULTIMA DO COGITO OU DE DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE DEUS QUE SE ACHA
RELATIVIZADA DIANTE DA AFIRMAÇÃO INICIAL DA CONDIÇÃO LIMITADA OU SENSÍVEL QUE
É NECESSARIAMENTE A DA CONSCIÊNCIA HUMANA.

Esta inversão contém duas implicações sobre o estatuto do divino e sobre o estatuto do
sensível

1) Questiona-se a pretensão de demonstrar, através do argumento ontológico, a existência


de Deus

Segundo o argumento ontológico, teríamos assim a possibilidade de chegar, partindo da


simples análise do conceito de Deus, à conclusão de sua existência real.

A objeção de Kant é famosa: consiste em dizer que a possibilidade lógica, isto é, o caráter não
contraditório de um conceito, em nada garante sua objetividade, porque, segundo uma
proposição celebre de Crítica da Razão Pura, o “ ser evidentemente não é um predicado real,
isto é, um conceito de uma coisa”. Em outras palavras: admitindo-se que a Ideia de Deus seja
uma ideia necessária da razão humana, admitindo-se até mesmo que a Ideia de Deus está
necessariamente vinculada à de sua existência, de todo modo, essa existência continua sendo
uma existência ideal, apenas uma existência em pensamento, não uma existência real. O FATO
DE EU POSSUIR A IDEIA DE UM SER QUE NECESSARIAMENTE EXISTE NÃO PROVA DE MODO
ALGUM A EXISTÊNCIA REAL DESSE SER. (P.117)
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Autonomia da Estética

Na tradição platônica ...a sensibilidade foi sistematicamente desvalorizada em proveito do


inteligível

[...] Para Kant, ao contrário, o ponto de vista da finitude não poderia ser relativizado
relativamente a um entendimento divino infinito, pela simples e boa razão de que esse
entendimento é só um ponto de vista da razão humana, uma ideia. Por conseguinte, A
PRINCIPAL CARACTERÍSTICA DO CONHECIMENTO HUMANO, O FATO DE ESTAR SEMPRE
LIGADO À SENSIBILIDADE, À INTUIÇÃO, TAMPOUCO PODERIA SER RELATIVIZADO E, COMO
TAL, DESVALORIZADO. O conhecimento sensível, humano, não é menor do que o de Deus: é o
único conhecimento possível, e é justamente por isso que o conhecimento divino, o
entendimento infinito, é reduzido à ideia de razão. Neste sentido poderíamos dizer que o
retraimento do divino e a revalorização da sensibilidade “ se entre-exprimem” (p.120)

Para Kant, a vivência estética é propriamente a vivência de um indivíduo, é


uma vivência radicalmente subjetiva. E isto quer dizer que nela não se tem em vista
nada que contribua para o conhecimento do objeto enquanto tal. Este vai ser mesmo um dos
novos sentidos que ele dá à noção de estético

o adjetivo «estético» não indica aqui qualidade nenhuma no objeto, mas


um modo de o sujeito ser afetado quando representa ou contempla um
objeto. «Estético» designa uma determinação do sujeito (um modo de
ele ser afetado) e não uma determinação do objeto.

Analítica do gosto

A noção de «gosto», sobre a qual e em torno da qual se desenvolve uma considerável


parte do pensamento estético setecentista (a par com outros tópicos como o belo, as belas-
artes, o génio), era extraída, por transposição metafórica da arte culinária e gastronómica, do
sentido físico do gosto – da capacidade de apreciar o paladar e o sabor dos alimentos – e era
usada num sentido estético já desde o Renascimento (século XVI). Mas ela tinha conotações
também sociais, indicando a capacidade de certos indivíduos para apreciarem e
pronunciarem o seu juízo acerca do que, num determinado domínio, se considerava como
sendo pertinente ou como tendo gosto, assim se constituindo como críticos do gosto e juízes
do «gosto são» ou do «bom gosto», seja na convivência e trato de sociedade, seja nas artes,
seja até nas ciências e na filosofia. Foi tal a difusão dessa categoria no século XVIII, quer no
contexto da vida de sociedade, quer no contexto propriamente estético e filosófico, que esse
século mereceu os epítetos de «século do gosto» e «século da crítica».

Um dos méritos de Kant foi, como o reconheceu Hannah Arendt, precisamente o ter posto em
relevo a importância dessa faculdade – o juízo ou faculdade de julgar –, que até à época era
reconhecida apenas pela sua função lógica, enquanto subordinada ao entendimento e
reduzida ao serviço da aplicação dos conceitos deste aos casos particulares
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Crítica da faculdade de julgar estética (juízo de gosto) (1790)

Crítica da faculdade de julgar (1790) – embora lá se encontre os elementos de toda a estética:


definição do belo, teoria do gênio, classificação das belas-artes – as belas-artes não são o
essencial dessa obra

A primeira parte (crítica da faculdade de julgar estética) está dedicada à exposição e à dedução
transcendentais do julgamento do gosto (que postula que uma coisa é bela). Para Kant, são
belos, sobretudo , os seres naturais

Arte é concebida na chave da tekné (produto de uma intenção, e não objeto criado para ser
belo.

A faculdade de julgar em geral é a faculdade que permite relacionar o particular com o


universal

Kant divide o espírito em 3 faculdades


1) A faculdade de conhecer (entendimento, razão e faculdade de
julgar)
2) O sentimento “de prazer e de aflição”
3) A faculdade de desejar, denominada “vontade”

Como situar, de fato, o gosto? No começo (1770) Kant encontrava-se diante de uma
alternativa: é preciso escolher entre o empírico e o apriori, a sensação e o entendimento, o
psicológico e o racional puro (empiristas e idealistas)

O juízo de gosto quer atingir uma certa universalidade, quer ser repartido, compartilhado.
Mas, por outro lado, o gosto cultiva-se, só uma longa experiencia apura suas regras e não
pode, portanto, ser confundido com o JULGAMENTO do entendimento, que é um
CONHECIMENTO

Tal é o problema que se apresenta a Kant quando medita sobre uma “crítica do gosto” e que
ele resolve com a Crítica da faculdade de julgar, encontrar para o gosto regras que não sejam
empíricas mas que tampouco sejam legisladoras (cf. Lógica, p. 13). Pois a c r í t i c a do gosto
de um homem p r o b o não deve ser uma d o u t r i n a c om prescrições e cânones, nem
poderia ser uma ciência a priori

GOSTO- Descartes – gosto é individual, portanto, não racional!

Questão: como manter a particularidade absoluta do gosto sem ceder à


fórmula: “cada um tem seu gosto” e assim destruir a pretensão à
universalidade na ausência da qual a mera discussão estética perderia
todo o significado?
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O GOSTO É A “FACULDADE DE JULGAR O BELO”. É UM JULGAMENTO

DISTINÇÃO ENTRE JUIZO DETERMINANTE E JUÍZO REFLEXIONANTE

“ A faculdade de julgar em geral é a faculdade que consiste em pensar o particular


compreendido no universal.

Jimenez: A Crítica da Faculdade de Julgar interroga-se sobre dois pontos essenciais que ela
trata em relação entre si: o primeiro concerne à natureza do julgamento em geral ou, se
preferirmos, ao mecanismo da faculdade de julgar, seu como. O segundo concerne ao seu
porquê, em outras palavras, à sua finalidade, sobre a significação última de nossos
julgamentos (p.119)

A DEFINIÇÃO DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Kant chama de juízo a faculdade de unir representações, de unir sujeito e predicado e


construir um conhecimento

Para Kant, falar de ciência é falar de um determinado conjunto de conhecimentos que se


exprimem em enunciados a que dá o nome de juízos sintéticos a priori.

Um conhecimento científico é expresso num juízo, constitui uma síntese ou unidade e não
deriva da experiência.

Para melhor se entender o que é um juízo científico, Kant distingue-o dos juízos analítico e
sintético a posteriori.

Todos os juízos consistem na relação entre um sujeito e um predicado, podendo este ser
afirmado ou negado do sujeito. A relação, como veremos imediatamente, assume várias formas
e tem fundamentos diversos.

2. l. O juízo analítico

Que relação existe entre o sujeito e o predicado? O predicado está contido no sujeito e
portanto basta analisar o sujeito para explicitar ou revelar o predicado. É um juízo
explicativo, pois o predicado somente explica aquilo em que o sujeito consiste,
revela a sua essência.

É um juízo de identidade ou uma tautologia, pois no predicado repete-se por outras palavras o
que o sujeito é, o conceito do sujeito. Por isso mesmo não é um juízo cognitivo ou extensivo. É
um juízo fundado no princípio de não contradição porque na análise do sujeito o predicado ou
predicados obtidos só têm validade se não contradisserem, se não entrarem em contradição com
o sujeito, melhor dizendo, com o conceito que constitui o sujeito do juízo.

É um juízo universal e necessário porque aquilo que se diz do sujeito vale para todos os
tempos e lugares e não pode deixar de ser assim.

Exemplo: "O triângulo é um polígono de três ângulos."


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Por simples análise do sujeito obtém-se o predicado: dizer "triângulo" e "polígono de três
ângulos" é o mesmo (tautologia, repetição). O predicado nada acrescenta ao sujeito, unicamente
explicita o que neste já está implícito.

Esta explicitação nada de novo nos faz conhecer, não aumenta o nosso conhecimento: não
produz um juízo cognitivo.

O predicado assim obtido não contradiz o conceito do sujeito, pois o que ele enuncia é
precisamente aquilo em que o sujeito consiste. Posso atribuir P a S porque P não contradiz S.
Por isso mesmo este juízo vale universalmente e é necessário. É por ser necessário que tem
validade universal. Um triângulo tem de ser, não pode não ser um polígono de três ângulos.
Ninguém pode pôr em causa o que este juízo enuncia.

2.2.    Juízo sintético a posteriori


Coloca-nos numa situação contrária à do juízo analítico. Como o próprio termo o indica, não é
a priori (independente da experiência, i. e., universal e necessário).
Sendo sintético, a atribuição do predicado ao sujeito não é resultado de uma inspeção ou
análise lógica do sujeito. Aqui o predicado é algo que se acrescenta ao sujeito, não se deduz
deste por que não está contido no seu conceito. O predicado acrescenta-se ao sujeito, não se
tira deste.

Exemplo: "Todos os habitantes desta casa são velhos."


É um juízo sintético, pois não podemos obter o predicado "velhos" por simples análise lógica do
conceito do sujeito "habitantes desta casa". A ligação entre "velhos" e "todos os habitantes
desta casa" é o resultado de várias observações num certo espaço e num certo tempo . A
atribuição do predicado ao sujeito tem o seu fundamento na experiência. O predicado "velhos"
não pode surgir da consideração pura e simples do conceito "habitantes desta casa". Por
palavras simples, eu preciso de os ver para dizer o que são.

O juízo sintético a posteriori não é um juízo propriamente científico, embora aumente o


nosso conhecimento, pois nele o predicado acrescenta algo ao sujeito, é uma novidade e
não uma repetição.

É um juízo cognitivo mas não é um juízo que exprima um


conhecimento científico. Porquê? Porque, segundo Kant, a ciência consiste em
juízos cuja universalidade ou necessidade é estrita, isto é, não admite
exceções: é assim e sempre foi e será assim. Se é verdade que neste momento
todos os habitantes da casa são velhos, é possível (muito provável) que no futuro surjam
habitantes jovens e que no passado elementos jovens a tenham habitado. Assim não há uma
ligação necessária entre os dois objetos da minha experiência. Não é possível dizer que os
habitantes desta casa sempre foram e sempre serão velhos. Os juízos sintéticos a posteriori são
contingentes (não necessários), pois se é contraditório que o triângulo tenha mais de três
ângulos (é assim e não pode ser de outro modo) não é contraditório ou impossível que a casa
venha a ter habitantes jovens. Se agora isso não acontece não faz sentido dizer que há
impossibilidade lógica ou real desse acontecimento.

Os juízos sintéticos a posteriori, uma vez que não são independentes da


experiência, não são nem necessários nem universais em sentido
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estrito. São juízos de facto, dependentes da observação, só válidos para


quem observa e valendo somente para o momento ou o tempo da
observação.

2.3.    Juízo sintético a priori (juízo científico)

No processo do conhecimento temos um conhecimento que é independente da


experiência e que está ligado à abstração (conhecimento puro, a priori). As proposições
só podem ser consideradas puras quando nelas não é constatado nada de base na
experiência. A proposição “cada mudança tem sua causa”, é uma proposição a
posteriori, só que não pura, pois mudança é um conceito que só pode ser tirado da
experiencia

“A ciência se baseia em um terceiro tipo de juízo, ou seja, no tipo de juízo que, a um só


tempo, une a aprioridade, ou seja, a universalidade e a necessidade, com a fecundidade, e
portanto a ‘sinteticidade’” (REALE, 2005, p. 357). Destarte, vemos então a necessidade de
se formular um juízo que fundamente a ciência e o conhecimento, porém que seja possível
de ser conhecido e universalizado. Ora esse juízo será então o juízo sintético a priori.
. Os juízos sintéticos a priori não serão juízos analíticos porque aumentarão o nosso
conhecimento nem juízos a posteriori porque serão absolutamente universais e necessários, i. e.,
de validade independente da experiência

Exemplo de Kant: "Todo o acontecimento tem uma causa."


O juízo é sintético pois o predicado (tem uma causa) não está contido no conceito de
acontecimento. O predicado só estaria contido no sujeito se em vez de acontecimento
falássemos de efeito: "Todo o efeito tem uma causa."

No juízo "Todo o acontecimento tem uma causa" eu atribuo o predicado ao sujeito mas para isso
não recorro, em termos de validade e de fundamentação, à experiência, à observação. A
experiência já o sabemos é limitada, limita-se ao aqui e agora, não pode dizer: "todos os
acontecimentos" porque não temos a possibilidade de intuição empírica de todos os fenómenos,
passados, atuais e futuros. Além disso, dizer que "tudo o que acontece tem uma causa" é
afirmar que todos os acontecimentos passados, presentes e futuros tiveram, têm e terão
uma causa. Este juízo necessário não pode, como é óbvio, derivar da experiência: não é,
portanto, um juízo sintético a posterior mas sim sintético a priori.

Para Kant, ciências puras como a matemática seriam todas sintéticas e também a priori;
i.e., uma ciência como a matemática representaria seu conceito na intuição –lugar onde
haveria uma construção de conceitos–em colaboração com o componente a priori do
entendimento, não sendo, deste modo, totalmente dependente da intuição pura. Kant utiliza
do exemplo da soma “7+ 5 = 12”
“Pela adição de sete e cinco tenho ideia desta soma 7 + 5, é
verdade; mas não que esta seja igual ao número 12. A
proposição aritmética é, pois, sempre sintética: o que se
compreende ainda mais claramente se se tomam números maiores,
pois então é evidente que, por mais que volvamos e coloquemos
nosso conceito quanto quisermos, nunca poderemos achar a soma
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mediante a simples decomposição de nossos conceitos e sem o


auxílio da intuição.”
 
Desta forma Kant demonstra que a soma não é algo que faz parte
dos números 7 e 5, ainda que pensemos que a soma seja implícita
aos dois números, assim a própria soma que parecia implícita nos
números é algo adicionado (sintético)a estes conceitos para que
cheguemos realmente ao número 12, porém os números 5 e 7 serão
os mesmos em qualquer lugar do universo e a sua soma também
será válida até mesmo na lua, o que os faz ser “a priori” (universais e
necessários). Assim se faz uma síntese “a priori” num primeiro
momento, pois o conceito de soma é completamente aditado e não
pode provir da decomposição do conceito de 5 e 7.

Segunda distinção – Juízos determinantes e reflexionantes


“Se o universal (a regra, o princípio, a lei) é dado, a faculdade do juízo que nele
subsume o particular é determinante (bestimmend). Porém, se só o particular for
dado, para o qual ela deve encontrar o universal, então a faculdade do juízo é
simplesmente reflexionante (reflektierend)”.

Quando digo de 7+ 5= 12 ou que todo efeito possui uma causa, coloco estes casos
particulares sob regras universais. São exemplificações de leis e princípios universalmente
válidos em lógica matemática ou em física. Segundo Kant, estes são juízos DETERMINANTES
(Determinar significa subsumir, colocar sob uma regra universal).

[...]. Se é dado só o particular, se a faculdade de julgar deve encontrar o universal (que lhe
corresponde), ela é simplesmente REFLEXIONANTE: é nestes termos que Kant realiza a partilha
entre o juízo de conhecimento, juízo determinante, e o juízo de gosto, juízo
reflexionante.

Dedução e indução:

Todos os homens são mortais dias 30 de maio de 1900 fez frio em São Carlos

Sócrates é Homem Todo dia 30 de maio faz frio em S.Carlos

Sócrates é mortal

O critério que permite a divisão dos juízos em determinantes e


reflexionantes é a presença dada de um universal. Isso significa que a falta
de um universal dado não impede ou descaracteriza o juízo como
subsunção do particular sob um universal. Não havendo um universal
"dado", pode haver juízo, a saber, apenas reflexionante e nunca
determinante.
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A faculdade de juízo determinante, sob leis universais transcendentais


dadas pelo entendimento somente subsume. A lei lhe é indicada a priori e
ela, por isso, não precisa pensar para si mesma uma lei de modo a poder
subordinar o particular na natureza ao universal.

Reflexão – atividade intelectual caracterizada por 5 momentos:

1. Inicialmente, a atividade de reflexão procede, claramente, indo do particular ao


universal
2. O geral (ou universal) não está dado antes da atividade de reflexão, mas somente
depois dela e através dela – e nisto o juízo reflexionante se opõe ao juízo
determinante, que vai do universal já possuído a um particular e assim constitui
apenas uma aplicação do universal
3. Embora o geral não seja dado como conceito ou como leis determinadas no início da
operação reflexiva, existe, no entanto, um horizonte de espera indeterminado que
serve de fio condutor ou, segundo a fórmula de Kant, de princípio para a reflexão.
Consiste na esperança ou na exigência de que o real vá se deixar classificar e assim se
conformar ao lógico. O universal existe, pois, não como conceito, mas sim como ideia,
isto é, como princípio regulador para a reflexão.
4. Essa operação supõe, de modo implícito, que é perfeitamente contingente que o real
corresponda ou não aos imperativos da racionalidade lógica que não lhe impomos,
mas apenas lhe submetemos: nada impede de pensar que o real possa não satisfazer
às nossas exigências subjetivas de sistematicidade lógica, de modo que não
cheguemos a constituir nem gêneros, nem espécies. Negar essa proposição significaria
postular a priori a racionalidade do real e, em última instância, a tornar a dar uma
objetividade à ideia de um ponto de vista divino a partir do qual o mundo seria
integralmente inteligível
5. A atividade de reflexão mostra-se assim na origem de uma satisfação que Kant
denomina estética, a qual remete a noção de finalidade: é porque o real aparece
radicalmente, após a desconstrução da metafísica e do argumento ontológico, como
contingente em relação às nossas exigências de racionalidade, que o sujeito
reflexionante pode sentir prazer quando, sem nenhuma garantia, constata o acordo
entre o real e sua exigências (p128/9)

A faculdade do juízo reflexionante distingue-se da determinante por uma tarefa com a qual
somente ela anda às voltas. Porque falta-lhe o universal sob o qual subsumir, porque faltam-
lhe "leis universais transcendentais dadas pelo entendimento", ela, além de subsumir, precisa
pensar para si mesma uma lei que lhe permita descobrir um o universal sob o qual há
de subsumir seu objeto. A faculdade do juízo reflexionante vive, assim, às voltas com uma
dupla tarefa. É em virtude da primeira delas que ela se chama reflexionante, ou simplesmente
não-determinante, justamente a tarefa de que a determinante se vê dispensada, a saber, a
tarefa de pensar para si mesma uma lei.

Pensada essa lei, a faculdade do juízo é conduzida para diante de princípios universais que
antes faltavam. Agora, se eles não mais faltam, a faculdade do juízo não precisa mais refletir. A
segunda tarefa, a de "subordinar o particular na natureza ao universal", encontrado pela via da
reflexão, já não é mais, a rigor, uma tarefa reflexionante.
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Mas se julgar é subsumir o particular sob um universal, no que consiste julgar de modo
exclusivamente reflexionante? Se ainda não há universal nenhum dado, se a faculdade do juízo
reflexionante está justamente às voltas com o pensamento de uma lei para, a partir disso,
descobrir um universal sob o qual subsumir, como pode ela, enquanto reflexionante, julgar?
No que consiste um juízo reflexionante? Não somos levados a crer que ou bem se reflete, ou
bem se julga? Como refletir pode ser, ao mesmo tempo e no mesmo sentido, julgar, de tal
modo que haja um "pensamento do particular como contido sob um universal"...
reflexionante?

A afirmação de que a faculdade do juízo reflexionante não dispõe de um


universal dado não pode implicar que o juízo reflexionante não tenha
princípio. Simplesmente, seu princípio é aquele que, na ausência de um
universal dado, a faculdade do juízo pensa para si. O princípio da faculdade
do juízo reflexionante é a mencionada lei que ela pensa para si mesma com
vistas a ser conduzida para diante de leis empíricas do funcionamento
específico de formas da natureza. Mas se "reflexionante" é uma qualificação
de juízo, então, no movimento mesmo pelo qual a faculdade do juízo pensa
para si uma lei, subsume ela um particular sob essa lei. O juízo
reflexionante é a referência de um dado qualquer ao princípio pensado pela
própria faculdade do juízo com vistas a descobrir "universais dados", isto é,
lei empíricas da natureza, e subsumir certas formas específicas da natureza
sob eles.

O JUÍZO TELEOLÓGICO, o que tem como objeto a finalidade, é também um juízo


reflexionante: a finalidade, de fato, não é uma propriedade nem uma qualidade do objeto. Sou
realmente eu, enquanto sujeito, quem procura determinar o fim de todas as coisas.

O domínio do conhecimento, regido pela causalidade e pelo determinismo, não coloca o


problema da finalidade. Simplesmente porque num encadeamento causal a finalidade não
existe...Além disso, a causalidade é uma categoria a priori do entendimento,
não a finalidade.
No domínio moral, o problema da finalidade encontra-se resolvido, a lei moral de fato, contém
ela mesma sua própria finalidade: a finalidade do dever é a de obedecer à lei moral porque ela
é exatamente a lei moral. (p.121)

O problema é muito diferente no caso da natureza, da arte e da liberdade.

Kant: Assim como o corpo humano e a natureza exterior parecem


obedecer a um princípio de organização orientado para um fim, eu não
posso deixar de pensar que o conhecimento, a moral, a arte, a natureza
possuem um sentido último, mesmo que essa significação não seja
conhecível

EM BOA LÓGICA, UM JUÍZO REFLEXIONANTE NÃO PODERIA SER NEM A PRIORI NEM
UNIVERSAL (P.122)
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Juízo de gosto: Mas onde ficou o sentimento de prazer e de dor, nosso julgamento
sobre o que diz respeito aos nossos sentidos? Que significa, por exemplo, decidir sobre o
gosto e especialmente sobre o belo? Onde está o a priori neste caso, já que, diferentemente
do conhecimento e da moral, o que chega em primeiro lugar ao espírito provém de fato da
experiência, por intermédio dos sentidos? É esta, aliás, a razão pela qual este tipo de
julgamento é chamado de “estético” (p.119)

Rone Santos: Na concepção kantiana nunca temos acesso às coisas mesmas tais como elas são
em si. No máximo as apropriamos tais como elas vêm até nós, ou seja, somente temos contato
com a aparição fenomênica das coisas tal como as percebemos. Como chama atenção Roberto
Oliveira, em Kant o conceito de fenômeno é utilizado como sinônimo ou com o sentido de
“algo que aparece para mim”, ou seja, daquilo que para torna-se objeto de conhecimento,
necessita mover-se para uma posição ou lugar que seja acessível tanto para mim como para os
outros, torne-se “manifesto de maneira válida para todo e qualquer sujeito”. Aquilo que se
chama conhecimento é o mesmo que a representação que mostra um ente singular
representado de forma geral. De modo que o que se representa é algo singular e particular.
Contudo, o que se objetiva é que todo e qualquer sujeito possa representar os elementos que
formam o conhecimento da mesma maneira.

Nesse ponto é preciso apontar uma diferença entre o juízo lógico e o juízo de gosto destacado
por Valerio Rohden. Para ele essa diferença deve ser antecipadamente admitida, mas não
elaborada. Parte do pressuposto de que o juízo de gosto “não é um Urteil (juízo, em sentido
Isso significa que, no
lógico) mas uma Beurteilung (ajuizamento, em sentido reflexivo)”.
que diz respeito ao gosto, trata-se de um “juízo apreciativo” que não
alarga o conhecimento, mas somente aprova ou desaprova o objeto
analisado. Nesse aspecto, quem aprecia toma o partido do ponto de vista crítico, visto que
julga se o ajuizamento efetuado pode ser comunicado ou se não é passível de difusão

A experiência estética — do belo — permite estabelecer uma comunicação entre o


mundo fenomênico ou natural (que não é um simples mecanismo mas também pode
ser pensado como objeto de uma experiência estética) e o mundo numénico ou
supra--sensível, que é o objeto de uma experiência moral'".

Há um plano da existência humana em que, para o homem, não se trata nem


de conhecer cientificamente nem de querer agir moralmente mas, pura e
simplesmente, de sentir. Este plano é o da experiência da beleza, o domínio da
estética. O sentimento da beleza, quer de uma obra artística quer da natureza, é
expresso num juízo a que Kant dá o nome de juízo estético ou juízo de gosto.

Para Kant o relevante é apreensão da fruição estética e não a formulação de julgamentos


racionalmente elaborados. Está em jogo a maneira pela qual o sujeito percebe as coisas a
partir de suas sensações, sem a intermediação das apreciações cognitivas efetuadas pela razão

O juízo de gosto é a forma de comunicarmos em palavras e conceitos um


sentimento: o sentimento da beleza. O juízo estético exprime o que acontece quando
temos uma experiência estética, i. e., traduz um sentimento que experimentamos ou
13

vivemos ao contemplar um objeto, por exemplo, uma rosa. Dizer "Esta rosa é bela" é
traduzir num juízo um sentimento de prazer que acompanha essa contemplação.

Se a experiência da beleza é um sentimento de prazer isso


significa que a beleza não é, apesar de poder parecer o contrário,
uma propriedade objetiva das coisas e que o juízo estético é
reflexionante. Será essa a primeira das suas características a ser
esclarecida.
Partindo do que dissemos até o presente momento, qual seria a definição kantiana de gosto?
Kant entende o gosto como sendo “a faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo
de representação mediante uma complacência ou uma descomplacência independente de
todo interesse” .

Um juízo de gosto é expresso de forma livre visto que é efetuado de forma desinteressada,
sem conformidade a fins. Diferentemente de um juízo que busca formular conceitos tendo por
objetivo o conhecimento, no juízo de gosto “a representação é referida inteiramente ao
sujeito (...) e em nada contribui para o conhecimento (...)”. Ora, sendo assim, semelhante juízo
é diferente de um simples juízo de agrado, pois ao afirmar que algo é belo, tal coisa o é porque
me parece bela e está de acordo com minhas inclinações individuais. O fato de partilhar do
mesmo gosto que outra pessoa é mero acaso, um fato contingente, visto que as sensações não
podem ser comunicadas. Por outro lado, Kant complementa a definição de juízo de gosto
dizendo tratar-se da faculdade de ajuizamento do que torna nosso sentimento universalmente
comunicável.

Luc Ferry: Estes 5 momentos da atividade reflexionante vão constituir a estrutura intima do
juízo de gosto. Como na operação que comanda a formação dos conceitos empíricos, é a Ideia
de sistema, Ideia de um mundo integralmente inteligível que vai servir de princípio para a
reflexão estética. Esta é a razão pela qual a definição kantiana do objeto belo como o objeto
que reconcilia a natureza e o espírito anuncia as teorias românticas. O laço entre a ideia de
sistema como princípio da reflexão e a definição do belo como reconciliação entre a
sensibilidade e a inteligência pode ser enunciado de modo conciso: embora se ponha em
evidência o caráter ilusório de Deus, essa ideia continua desempenhando um papel regulador
para toda atividade intelectual. Ela significa a exigência – inacessível, mas continuamente
presente – de uma racionalização perfeita do real, portanto, de uma completa subsunção da
matéria sensível do conhecimento pela forma inteligível (p.129)

DE TODA MANEIRA, COMO SIMPLES EXIGÊNCIA DA RAZÃO, A IDEIA DE DEUS OU A IDEIA DE


SISTEMA PODE SER, ÀS VEZES, SE NÃO INTEGRALMENTE “PREENCHIDA” (“APRESENTADA”,
DIZ KANT), AO MENOS PARCIALMENTE , OU “SIMBOLICAMENTE” EVOCADA POR ALGUNS
OBJETOS. O BELO é justamente um desses objetos: enquanto é reconciliação parcial entre
natureza e espírito, sensibilidade e conceitos, ele funciona como um vestígio contingente –
dependente do próprio real – dessa ideia necessária da razão.

Contrariamente ao que afirma o racionalismo clássico, O JUÍZO DE GOSTO NÃO SE


FUNDAMENTA EM CONCEITOS (REGRAS) DETERMINADOS: portanto, torna-se impossível “
disputar” acerca dele como se tratasse de um juízo de conhecimento cientifico.
14

No entanto, ele não se limita a remeter à pura subjetividade empírica do sentimento, porque
se baseia na presença de um objeto que, se é belo (o que será admitido por hipótese),
desperta uma ideia necessária da razão que é, enquanto tal, comum à humanidade. Por
tanto, é em referência à essa ideia indeterminada (ela comanda somente a reconciliação entre
o sensível e o inteligível, sem dizer precisamente em que pode consistir essa reconciliação) que
é possível “discutir” o gosto e ampliar a esfera da subjetividade pura para visar a uma partilha
não dogmática da experiência estética com outrem enquanto outro homem (p131)

Jimenez: O JUÍZO DE GOSTO É EXATAMENTE UM JUÍZO AO MESMO TEMPO REFLEXIONANTE


E UNIVERSAL. É claro que não se trata do simples gosto ligado aos sentidos, em que cada um é
livre de conceber se o que sente lhe causa prazer ou dor, se isso é agradável ou não. Esse juízo
permanece sempre subjetivo, sem conceito – se houvesse um conceito de belo, ele se aplicaria
imediatamente a todo mundo – e contudo, ele é universal: “ Se se julgarem e apreciarem os
objetos apenas através de conceitos, perder-se-á toda representação da beleza. Não pode,
portanto, existir uma regra através de cujos termos alguém possa ser obrigado a reconhecer
algo como belo”

E Kant mostra-se surpreso: “ Ora, há aqui algo de muito estranho: enquanto de um lado,
quanto ao gosto dos sentidos, não somente a experiência mostra que seu juízo não tem
valor universal e que, pelo contrário, cada um é pessoalmente bastante modesto para não
atribuir aos outro um tal assentimento universal a seus próprios juízos [...] de outro lado o
gosto pela reflexão [...] pode, todavia, julgar possível [...]representar a si mesmo os juízos
susceptíveis de exigir tal assentimento universal . (p.123)

Observemos sua prudência: o gosto “pode julgar possível “formar juízos “ susceptíveis” de etc.
No início de sua argumentação todas as condições de possibilidades dos juízos de gosto ainda
não estão estabelecidas. Kant contenta-se em postular a universalidade das vozes em relação à
satisfação sem necessidade de conceitos. Pode-“se” postular também a possibilidade de um
julgamento estético poder ser “válido para todos” . Tal assentimento universal é, portanto,
uma simples Ideia cujo fundamento não é procurado logo. (123)

Justamente como não existe nenhuma prova a priori capaz de impor a


alguém os juízos de gosto.......se trata de um juízo de gosto e não do
entendimento ou da razão (p.123-4)
Admitimos, pois, que o belo não tenha conceito e que, portanto, não seja universal, que seja
subjetivo – sou eu que acho belas estas tulipas -, QUE É QUE ME AUTORIZA A PENSAR QUE
ELE POSSA, AO MESMO TEMPO E APESAR DE TUDO, PRETENDER A UNIVERSALIDADE? É
evidente que tais juízos nada contribuem, parece, para o conhecimento, mas desejam ter a
adesão de todos, como os juízos sintéticos.

O juízo de gosto não se baseia aparentemente num a priori vindo da experiência alheia ou de
razões demonstrativas e, contudo, tal juízo pressupõe a possibilidade de uma concordância
universal, como se esta universalidade desempenhasse o papel de um a priori (p.124)

Em suma, este juízo subjetivo particular, tem todas as aparências de um juízo sintético a
priori. Para que seja de fato um juízo, basta-me definir um a priori. Ora, ESTE A PRIORI EXISTE:
15

reside ele exatamente na HIPÓTESE DE QUE TODOS OS HOMENS POSSUEM UM “SENSO


COMUM” ESTÉTICO.

Rone Santos (sobre o lugar do juízo de gosto da estética kantiana):

Diferentemente dos conceitos lógicos, como alerta o próprio Kant, o juízo de gosto não requer
um acordo unânime de qualquer pessoa. O que nos faz concluir que o juízo de gosto pode não
ser partilhado por todos porque não tem caráter lógico e universal, enquanto algo ligado ao
objeto da explicação. É preciso atentar para o fato de que Kant também diz que a
comunicabilidade do juízo de gosto ocorre mesmo sendo esse algo extremamente subjetivo.
Pode parecer contraditório , contudo não é:

porque, uma vez que não se baseia [a análise do belo] em nenhuma inclinação do
indivíduo (nem sobre qualquer outro interesse premeditado), mas desde que o juiz
[i.e., aquele que efetua o julgamento] se sinta completamente livre no que respeita à
satisfação que dedica ao objeto, não pode ele encontrar fundamento para essa
satisfação em nenhuma condição peculiar relacionada com o seu próprio sujeito;
conseqüentemente, tal satisfação deve ser considerada como baseada naquilo que ele,
como juiz, pode pressupor em todos os outros homens

Como dissemos anteriormente não se convence ninguém de que algo é belo fazendo uso da
explicação via argumentos e conceitos racionais. É por esta razão que o objeto, sendo passível
de julgamento, o será sempre e repetidamente julgado por cada indivíduo e “a sua beleza é
descoberta sempre pela primeira vez, e sempre novamente a universalidade deste prazer é
reivindicada por aquele que a sente, como se todos já o tivessem sentido ou devessem vir a
senti-lo”.

Kant chega a dizer que quando uma pessoa formula um juízo do tipo “isto é belo”, ou se
compraz com uma paisagem natural ou artística, sente a beleza que lhe é própria de maneira
universal. Diante
de alguma coisa bela percebemos sua beleza, mas
não conseguimos exprimir em quê realmente consiste o belo.
O juízo de gosto sugere uma comunicação universal, a vivificação das
faculdades da imaginação e do entendimento, no horizonte de uma
universalidade não conceitual. O belo é tido como belo porque possui uma
certa conformidade a fins (ligada à forma do objeto), mas não uma finalidade
determinada, que pudesse ser estabelecida em conceitos

É essa espécie de comunicação universal que Kant denominou “universalidade subjetiva”. Tal
universalidade não é mediatizada por conceitos e os juízos não podem ser postulados; isso
apenas poderá ser feito segundo a vontade de uma “voz universal”, que para Kant, seria
“somente uma idéia

Leonel R. Santos: Segundo o filósofo, a comunicabilidade dos juízos


estéticos e a universalidade que lhes é peculiar e que nós com direito
16

presumimos, funda-se num "sentido comum" que existe em todos os seres


humanos e que Kant interpreta não como um vago senso comum mas como
sendo propriamente um sensus communis aestheticus, que se identifica
com o próprio gosto (Geschmack) e que define como «o poder de
apreciação daquilo que, numa dada representação e sem mediação
de um conceito, o nosso sentimento torna universalmente
comunicável»

Por certo, essa comunicabilidade é, como vimos (§ 11), facilitada já pelo


facto de que o que se comunica na experiência estética não é um prazer
que se refira à matéria do objecto ou dela resulte, e sim apenas a
satisfação que nasce da percepção da mera forma - «forma da
teleoformidade ou teleoformidade da forma» - que o sujeito, na sua
reflexão, atribui ao objecto. Desse modo, Kant pode afirmar que a
necessidade do assentimento universal, pensada num juízo de gosto, é uma
necessidade subjectiva, que, sob a pressuposição da existência de um
sentido comum em todos os homens, é representada como objectiva.
Reporta-se a esse originário sentido comum ou comunitário a
capacidade de criar ou inventar uma «norma ideal mas
indeterminada» do juízo de gosto, que se pressupõe existir em
todos os seres humanos e que garante a comunicabilidade dos
sentimentos entre eles

Por muito complexa e rebuscada que possa parecer - ou mesmo ser - uma
tal solução, ela revela-se de uma impressionante novidade e fecundidade.
Em primeiro lugar, porque não precisa de fundar a universalidade dos juízos
estéticos numa ordem do conhecimento, mantendo assim no plano do
sentimento: há uma universalidade e capacidade de
comunicação universal dos sentimentos que não depende
da - nem passa pela - ordem dum conhecimento objectivo
e intelectual, conceptualizado e argumentado com razões
objectivas de ciência. Em segundo lugar, esse «sentimento
comunitário» ou «sentido comum» é mais originário do que a capacidade de
pensar e comunicar pensamentos ou ideias logicamente, o que coloca o
sentimento estético num plano mais fundo da subjectividade humana, a que
Kant chama o Gemüt (o ânimo, o espírito: animus, mens - o sentimento de
unidade de todas as faculdades anímicas, por isso Kant também fala de
sentimento vital ou de vida - Lebensgefühl). Em terceiro lugar, esse
«sentido comum» (Gemeinsinn) é mesmo comum a todos, isto é, qualquer
ser humano o possui, pelo que a capacidade para o sentimento estético ou
para emitir apreciações estéticas é muito mais básica e fundamental nos
seres humanos do que a capacidade para o conhecimento científico e para
emitir juízos lógicos, que supõe cultivo e treino. A capacidade estética -
para a apreciação estética, para ter sentimentos estéticos ou para emitir
juízos de gosto - não está, por isso, reservada a alguns indivíduos
17

com qualidades especiais, mas é originariamente dada a todos os


seres humanos pelo simples facto de serem humanos. Em suma: a
ordem de onde brota o sentimento estético é mesmo mais originária do que
a ordem do entendimento ou da razão, e há uma comunicação autónoma
dos sentimentos que não passa pelas vias da comunicação intelectual ou
racional. O a priori kantiano da comunicabilidade humana sobre que se
funda toda a civilização, a cultura, a sociabilidade e até a existência política
é de matriz estética: é um sentimento. Mas esse sentimento, não sendo da
ordem do conhecimento intelectual, é todavia da ordem da reflexão: o
juízo estético ou de gosto é um acto duma faculdade também ela
peculiar, a faculdade de julgar reflexionante, que não se deve
confundir com a vulgar faculdade de emitir juízos lógicos ou
científicos

Poderei demonstrá-lo? Certamente não, mas nada também me permite pensar que todos os
outros homens dele não sejam providos. Este senso comum, “simples norma ideal”, explica
Kant, “ não diz que cada um admitirá nosso juízo, mas que cada um deve admiti-lo”. Esta
necessidade: o belo é um dever, é naturalmente teórica. Ele não tem o valor
do imperativo categórico nem moral. Mas tudo permite pressupor em cada um a existência de
um senso comum estético. Eu crio uma probabilidade de poder transmitir a outrem a minha
representação do sentimento de prazer resultante do belo. (p.124)

É preciso que fique claro: eu não comunico meu gosto – meus sentidos pertencem-me com
coisa particular. Isto é verdadeiro para o que é agradável: posso julgar bom o vinho das
Canárias,meu vizinho pode perfeitamente achá-lo intragável. Isto vale também para o
belo...Também não transmito o conceito de belo que possa originar uma demonstração da
beleza. Quando digo: “ Este poema, este edifício são belos”, dirijo-me
simplesmente ao senso comum, supondo em cada um a mesma aptidão
para representar a si mesmo o que eu sinto: “ É exatamente esta a razão pela
qual aquele que julga com gosto [...] está autorizado a esperar que cada um sinta a finalidade
subjetiva, isto é, a mesma satisfação diante do objeto, e a considerar que seu sentimento é
universalmente comunicável e que o seja sem a mediação dos conceitos (p125)

E Kant chega á definição explicita do tão procurado a priori, isto é, ao


fundamento do assentimento universal que no início não quisera revelar:
“ O gosto é , portanto, a faculdade de julgar a priori a comunicabilidade
dos sentimentos ligados a uma dada representação (sem a mediação de
um conceito)” . Portanto, contraditoriamente às aparências, o juízo de
gosto, juízo reflexionante, subjetivo, particular, individual, é também um
juízo estético, sintético, a priori. É sintético porque do conceito de rosa
não posso deduzir sua beleza: é de fato meu juízo de gosto que faz a
síntese entre o sujeito (rosa) e o predicado (bela). Ele existe a priori,
porque está baseado na hipótese de um senso comum, não demonstrável
empiricamente (p.125/6)
18

O juízo estético é a expressão de um sentimento de prazer puro e


desinteressado

Quando eu julgo um objeto como belo, duas condiçõ es são necessárias:


1 — Não reduzir o objecto ao estatuto de meio que satisfaz determinado fim.
2 — Não estar condicionado por nenhum desejo de posse, não sentir nenhuma
carência.
O juízo de gosto, o sentimento do belo, é exterior a toda e qualquer espécie
de desejo, é desinteressado. Com efeito, ao julgar algo como belo eu considero
determinada coisa pura e simplesmente pondo de parte toda e qualquer inclinação ou
interesse. O meu juízo (por exemplo, "Este rio é belo") não pode depender de qualquer
desejo nem reduz a coisa ao fato de ser desejada. Deste modo, o sentimento do belo
nada tem a ver com a faculdade de desejar, ou vontade.
O juízo de gosto que incide no belo, exprimindo a sua experiência, comunica uma
satisfação desinteressada e pura. Para Kant dizer que algo é belo é diferente de dizer
que é agradável.
Ao julgar um objeto como agradá vel está presente no sujeito um desejo de
posse da coisa que preencherá um certo estado de carência. Dizer que algo é agradável
não me pode, por conseguinte, tornar indiferente à  existência da coisa, pois é esta que
torna possível uma apropriação ou posse, fonte de prazer sensorial ou material. Como
o interesse consiste "na satisfação que ligamos à representação da existência de um
objecto" (C. F. J.,§ 2, p. 50), é evidente que o juízo do agradável só pode ser
interessado

Quando há contemplação pura, estética, o sujeito não tem nada a ligá-lo, a prendê-lo, à
existência do objeto, à sua materialidade. A satisfação é unicamente determi-
nada pela representação do objeto, pela sua pura forma. A concepção
kantiana do sentimento estético, como puro e desinteressado, faz deste sentimento algo de
puramente formal. No limite, pode-se dizer que o sentimento estético tem de "pôr entre
parênteses" o sensível naquilo que este tem de empírico ou material.Assim na pintura é a
apreensão da forma dos objectos (o desenho e não a cor), aquilo que me deve satisfazer para
que o sentimento seja puro ou estético; na mú sica é a composição dos sons, e não os sons em si
mesmos, que constitui o elemento propriamente estético.

O juízo estético é um juízo em que se revela a harmonia original entre


as faculdades de conhecimento
Kant caracteriza a experiência estética como uma livre harmonia que o sujeito
sente no interior de si mesmo entre as faculdades de conhecimento: sensibilidade,
imaginação e entendimento. Sabemos que para haver conhecimento a sensibilidade e
a imaginação submetiam a sua "actuação" às regras, conceitos e princípios do
entendimento, a "faculdade dos conhecimentos". Mediante os esquemas criados pela
imaginação transcendental as categorias ou conceitos puros do entendimento
19

podiam aplicar-se a algo que parecia radicalmente heterogéneo: as intuições


empíricas ou sensações. Os esquemas da imaginação são sempre esquemas das
categorias permitindo a submissão dos dados sensíveis ou particulares ao conceito, i.
e., ao universal.
Verificámos, quando se tratava de conhecer, que os dados sensíveis captados pela
sensibilidade eram submetidos aos conceitos do entendimento para que se pudesse
constituir um conhecimento. Assim, o entendimento explicava mediante conceitos
aquilo que a sensibilidade recebia.
Na experiência estética não se verifica a submissão dos dados sensíveis a conceitos
ou regras do entendimento, ou seja, não há uma submissão da sensibilidade ao
entendimento. Com efeito, ao falarmos de dados sensíveis em termos estéticos
estamos a falar de sentimentos de prazer e os sentimentos não se explicam, não se
demonstram.
O que acontece então? Acontece que a sensibilidade vive um sentimento de prazer
na contemplação de determinado objecto e o entendimento em vez de explicar ou de
demonstrar esse sentimento vai simplesmente traduzi-lo num juízo utilizando um
conceito que é o conceito de belo.
Exemplo: Contemplo uma paisagem e sinto um prazer puro e desinteressado nessa
contemplação. O que faz o entendimento? Traduz essa experiência formulando um
juízo: "Esta paisagem é bela."
O conceito de beleza unicamente exprime um sentimento mas não o explica porque
se isso acontecesse a experiência já não seria estética mas de conhecimento.
Em suma, sendo um sentimento puro a experiência da beleza não é conhecimento
de qualquer objecto, e então, não o submetendo a conceitos, verifica-se que
sensibilidade e entendimento estão em harmonia, estão de acordo, não havendo
submissão de uma faculdade à outra. Isto significa que há um livre jogo entre elas, um
acordo incompreensível porqueindemonstrá vel. /
Dizer "Esta rosa é bela" é muito diferente de dizer, esta rosa é bela por isto
e por aquilo. Há assim uma harmonia entre sensibilidade e entendimento,
um livre jogo porque a experiência sensível não é submetida a conceitos,
isto é, a demonstrações. Não há nenhuma regra preestabelecida sobre o que
é a beleza, não há nenhum conceito sobre o que é belo que utilizemos para
falar da contemplação dos objectos. Assim, não estando a sensibilidade
submetida a regras fixas ou imutáveis, dá-se um livre jogo entre as
faculdades, uma harmonia original.
Deste modo, na experiência da beleza (estética) as faculdades que contribuem para
o conhecimento estão envolvidos mas não produzem conhecimentos,’. e., não
funcionam da forma que é habitual. As faculdades de conhecimento, "alimentadas pela
imaginação", relacionam-se livremente entre si, não visam qualquer interesse ou fim
determinado. É nessa liberdade que reside o prazer

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