Aula Kant3
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BAUMGARTEN
Desenharam-se assim três linhas de reflexão relativamente autónomas, mas que por vezes se
cruzaram:
KANT
Kant: questão: Podemos julgar a arte sem ser por intermédio de nossos humores? Existe um
tipo de julgamento particular aplicável à atividade artística, e, nesse caso, quais seriam suas
características? É possível traçar a forma universal segundo a qual tal julgamento pode ser
exercido, de maneira que todos os julgamentos de gosto individuais refiram-se a ela?
Não se trata mais de encontrar um fundamento para as obras de arte, de pleitear um lugar
para elas nas atividades humanas, nem mesmo de ditar regras para sua produção, mas, no
século dito 'das luzes' - no qual o esforço dos filósofos concentrou-se inteiramente nas
capacidades da razão - , de interrogar-se a respeito do gênero de conhecimento que podemos
ter delas. O tema central da reflexão não é mais a obra, mas o processo interior que nos
conduz a pensar que se está de fato diante de uma obra de arte
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Fenomenologia – estética
Kant: o simples fato de que nossa consciência já esteja sempre limitada de maneira sensível
por um mundo exterior a ela, por um mundo que ela não criou, constitui o fato primordial,
fato do qual se deve partir para abordar de uma nova maneira todas as questões tradicionais
que pertenceram à metafísica.
Esta inversão contém duas implicações sobre o estatuto do divino e sobre o estatuto do
sensível
A objeção de Kant é famosa: consiste em dizer que a possibilidade lógica, isto é, o caráter não
contraditório de um conceito, em nada garante sua objetividade, porque, segundo uma
proposição celebre de Crítica da Razão Pura, o “ ser evidentemente não é um predicado real,
isto é, um conceito de uma coisa”. Em outras palavras: admitindo-se que a Ideia de Deus seja
uma ideia necessária da razão humana, admitindo-se até mesmo que a Ideia de Deus está
necessariamente vinculada à de sua existência, de todo modo, essa existência continua sendo
uma existência ideal, apenas uma existência em pensamento, não uma existência real. O FATO
DE EU POSSUIR A IDEIA DE UM SER QUE NECESSARIAMENTE EXISTE NÃO PROVA DE MODO
ALGUM A EXISTÊNCIA REAL DESSE SER. (P.117)
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Autonomia da Estética
[...] Para Kant, ao contrário, o ponto de vista da finitude não poderia ser relativizado
relativamente a um entendimento divino infinito, pela simples e boa razão de que esse
entendimento é só um ponto de vista da razão humana, uma ideia. Por conseguinte, A
PRINCIPAL CARACTERÍSTICA DO CONHECIMENTO HUMANO, O FATO DE ESTAR SEMPRE
LIGADO À SENSIBILIDADE, À INTUIÇÃO, TAMPOUCO PODERIA SER RELATIVIZADO E, COMO
TAL, DESVALORIZADO. O conhecimento sensível, humano, não é menor do que o de Deus: é o
único conhecimento possível, e é justamente por isso que o conhecimento divino, o
entendimento infinito, é reduzido à ideia de razão. Neste sentido poderíamos dizer que o
retraimento do divino e a revalorização da sensibilidade “ se entre-exprimem” (p.120)
Analítica do gosto
Um dos méritos de Kant foi, como o reconheceu Hannah Arendt, precisamente o ter posto em
relevo a importância dessa faculdade – o juízo ou faculdade de julgar –, que até à época era
reconhecida apenas pela sua função lógica, enquanto subordinada ao entendimento e
reduzida ao serviço da aplicação dos conceitos deste aos casos particulares
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A primeira parte (crítica da faculdade de julgar estética) está dedicada à exposição e à dedução
transcendentais do julgamento do gosto (que postula que uma coisa é bela). Para Kant, são
belos, sobretudo , os seres naturais
Arte é concebida na chave da tekné (produto de uma intenção, e não objeto criado para ser
belo.
Como situar, de fato, o gosto? No começo (1770) Kant encontrava-se diante de uma
alternativa: é preciso escolher entre o empírico e o apriori, a sensação e o entendimento, o
psicológico e o racional puro (empiristas e idealistas)
O juízo de gosto quer atingir uma certa universalidade, quer ser repartido, compartilhado.
Mas, por outro lado, o gosto cultiva-se, só uma longa experiencia apura suas regras e não
pode, portanto, ser confundido com o JULGAMENTO do entendimento, que é um
CONHECIMENTO
Tal é o problema que se apresenta a Kant quando medita sobre uma “crítica do gosto” e que
ele resolve com a Crítica da faculdade de julgar, encontrar para o gosto regras que não sejam
empíricas mas que tampouco sejam legisladoras (cf. Lógica, p. 13). Pois a c r í t i c a do gosto
de um homem p r o b o não deve ser uma d o u t r i n a c om prescrições e cânones, nem
poderia ser uma ciência a priori
Jimenez: A Crítica da Faculdade de Julgar interroga-se sobre dois pontos essenciais que ela
trata em relação entre si: o primeiro concerne à natureza do julgamento em geral ou, se
preferirmos, ao mecanismo da faculdade de julgar, seu como. O segundo concerne ao seu
porquê, em outras palavras, à sua finalidade, sobre a significação última de nossos
julgamentos (p.119)
Um conhecimento científico é expresso num juízo, constitui uma síntese ou unidade e não
deriva da experiência.
Para melhor se entender o que é um juízo científico, Kant distingue-o dos juízos analítico e
sintético a posteriori.
Todos os juízos consistem na relação entre um sujeito e um predicado, podendo este ser
afirmado ou negado do sujeito. A relação, como veremos imediatamente, assume várias formas
e tem fundamentos diversos.
2. l. O juízo analítico
Que relação existe entre o sujeito e o predicado? O predicado está contido no sujeito e
portanto basta analisar o sujeito para explicitar ou revelar o predicado. É um juízo
explicativo, pois o predicado somente explica aquilo em que o sujeito consiste,
revela a sua essência.
É um juízo de identidade ou uma tautologia, pois no predicado repete-se por outras palavras o
que o sujeito é, o conceito do sujeito. Por isso mesmo não é um juízo cognitivo ou extensivo. É
um juízo fundado no princípio de não contradição porque na análise do sujeito o predicado ou
predicados obtidos só têm validade se não contradisserem, se não entrarem em contradição com
o sujeito, melhor dizendo, com o conceito que constitui o sujeito do juízo.
É um juízo universal e necessário porque aquilo que se diz do sujeito vale para todos os
tempos e lugares e não pode deixar de ser assim.
Por simples análise do sujeito obtém-se o predicado: dizer "triângulo" e "polígono de três
ângulos" é o mesmo (tautologia, repetição). O predicado nada acrescenta ao sujeito, unicamente
explicita o que neste já está implícito.
Esta explicitação nada de novo nos faz conhecer, não aumenta o nosso conhecimento: não
produz um juízo cognitivo.
O predicado assim obtido não contradiz o conceito do sujeito, pois o que ele enuncia é
precisamente aquilo em que o sujeito consiste. Posso atribuir P a S porque P não contradiz S.
Por isso mesmo este juízo vale universalmente e é necessário. É por ser necessário que tem
validade universal. Um triângulo tem de ser, não pode não ser um polígono de três ângulos.
Ninguém pode pôr em causa o que este juízo enuncia.
No juízo "Todo o acontecimento tem uma causa" eu atribuo o predicado ao sujeito mas para isso
não recorro, em termos de validade e de fundamentação, à experiência, à observação. A
experiência já o sabemos é limitada, limita-se ao aqui e agora, não pode dizer: "todos os
acontecimentos" porque não temos a possibilidade de intuição empírica de todos os fenómenos,
passados, atuais e futuros. Além disso, dizer que "tudo o que acontece tem uma causa" é
afirmar que todos os acontecimentos passados, presentes e futuros tiveram, têm e terão
uma causa. Este juízo necessário não pode, como é óbvio, derivar da experiência: não é,
portanto, um juízo sintético a posterior mas sim sintético a priori.
Para Kant, ciências puras como a matemática seriam todas sintéticas e também a priori;
i.e., uma ciência como a matemática representaria seu conceito na intuição –lugar onde
haveria uma construção de conceitos–em colaboração com o componente a priori do
entendimento, não sendo, deste modo, totalmente dependente da intuição pura. Kant utiliza
do exemplo da soma “7+ 5 = 12”
“Pela adição de sete e cinco tenho ideia desta soma 7 + 5, é
verdade; mas não que esta seja igual ao número 12. A
proposição aritmética é, pois, sempre sintética: o que se
compreende ainda mais claramente se se tomam números maiores,
pois então é evidente que, por mais que volvamos e coloquemos
nosso conceito quanto quisermos, nunca poderemos achar a soma
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Quando digo de 7+ 5= 12 ou que todo efeito possui uma causa, coloco estes casos
particulares sob regras universais. São exemplificações de leis e princípios universalmente
válidos em lógica matemática ou em física. Segundo Kant, estes são juízos DETERMINANTES
(Determinar significa subsumir, colocar sob uma regra universal).
[...]. Se é dado só o particular, se a faculdade de julgar deve encontrar o universal (que lhe
corresponde), ela é simplesmente REFLEXIONANTE: é nestes termos que Kant realiza a partilha
entre o juízo de conhecimento, juízo determinante, e o juízo de gosto, juízo
reflexionante.
Dedução e indução:
Todos os homens são mortais dias 30 de maio de 1900 fez frio em São Carlos
Sócrates é mortal
A faculdade do juízo reflexionante distingue-se da determinante por uma tarefa com a qual
somente ela anda às voltas. Porque falta-lhe o universal sob o qual subsumir, porque faltam-
lhe "leis universais transcendentais dadas pelo entendimento", ela, além de subsumir, precisa
pensar para si mesma uma lei que lhe permita descobrir um o universal sob o qual há
de subsumir seu objeto. A faculdade do juízo reflexionante vive, assim, às voltas com uma
dupla tarefa. É em virtude da primeira delas que ela se chama reflexionante, ou simplesmente
não-determinante, justamente a tarefa de que a determinante se vê dispensada, a saber, a
tarefa de pensar para si mesma uma lei.
Pensada essa lei, a faculdade do juízo é conduzida para diante de princípios universais que
antes faltavam. Agora, se eles não mais faltam, a faculdade do juízo não precisa mais refletir. A
segunda tarefa, a de "subordinar o particular na natureza ao universal", encontrado pela via da
reflexão, já não é mais, a rigor, uma tarefa reflexionante.
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Mas se julgar é subsumir o particular sob um universal, no que consiste julgar de modo
exclusivamente reflexionante? Se ainda não há universal nenhum dado, se a faculdade do juízo
reflexionante está justamente às voltas com o pensamento de uma lei para, a partir disso,
descobrir um universal sob o qual subsumir, como pode ela, enquanto reflexionante, julgar?
No que consiste um juízo reflexionante? Não somos levados a crer que ou bem se reflete, ou
bem se julga? Como refletir pode ser, ao mesmo tempo e no mesmo sentido, julgar, de tal
modo que haja um "pensamento do particular como contido sob um universal"...
reflexionante?
EM BOA LÓGICA, UM JUÍZO REFLEXIONANTE NÃO PODERIA SER NEM A PRIORI NEM
UNIVERSAL (P.122)
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Juízo de gosto: Mas onde ficou o sentimento de prazer e de dor, nosso julgamento
sobre o que diz respeito aos nossos sentidos? Que significa, por exemplo, decidir sobre o
gosto e especialmente sobre o belo? Onde está o a priori neste caso, já que, diferentemente
do conhecimento e da moral, o que chega em primeiro lugar ao espírito provém de fato da
experiência, por intermédio dos sentidos? É esta, aliás, a razão pela qual este tipo de
julgamento é chamado de “estético” (p.119)
Rone Santos: Na concepção kantiana nunca temos acesso às coisas mesmas tais como elas são
em si. No máximo as apropriamos tais como elas vêm até nós, ou seja, somente temos contato
com a aparição fenomênica das coisas tal como as percebemos. Como chama atenção Roberto
Oliveira, em Kant o conceito de fenômeno é utilizado como sinônimo ou com o sentido de
“algo que aparece para mim”, ou seja, daquilo que para torna-se objeto de conhecimento,
necessita mover-se para uma posição ou lugar que seja acessível tanto para mim como para os
outros, torne-se “manifesto de maneira válida para todo e qualquer sujeito”. Aquilo que se
chama conhecimento é o mesmo que a representação que mostra um ente singular
representado de forma geral. De modo que o que se representa é algo singular e particular.
Contudo, o que se objetiva é que todo e qualquer sujeito possa representar os elementos que
formam o conhecimento da mesma maneira.
Nesse ponto é preciso apontar uma diferença entre o juízo lógico e o juízo de gosto destacado
por Valerio Rohden. Para ele essa diferença deve ser antecipadamente admitida, mas não
elaborada. Parte do pressuposto de que o juízo de gosto “não é um Urteil (juízo, em sentido
Isso significa que, no
lógico) mas uma Beurteilung (ajuizamento, em sentido reflexivo)”.
que diz respeito ao gosto, trata-se de um “juízo apreciativo” que não
alarga o conhecimento, mas somente aprova ou desaprova o objeto
analisado. Nesse aspecto, quem aprecia toma o partido do ponto de vista crítico, visto que
julga se o ajuizamento efetuado pode ser comunicado ou se não é passível de difusão
vivemos ao contemplar um objeto, por exemplo, uma rosa. Dizer "Esta rosa é bela" é
traduzir num juízo um sentimento de prazer que acompanha essa contemplação.
Um juízo de gosto é expresso de forma livre visto que é efetuado de forma desinteressada,
sem conformidade a fins. Diferentemente de um juízo que busca formular conceitos tendo por
objetivo o conhecimento, no juízo de gosto “a representação é referida inteiramente ao
sujeito (...) e em nada contribui para o conhecimento (...)”. Ora, sendo assim, semelhante juízo
é diferente de um simples juízo de agrado, pois ao afirmar que algo é belo, tal coisa o é porque
me parece bela e está de acordo com minhas inclinações individuais. O fato de partilhar do
mesmo gosto que outra pessoa é mero acaso, um fato contingente, visto que as sensações não
podem ser comunicadas. Por outro lado, Kant complementa a definição de juízo de gosto
dizendo tratar-se da faculdade de ajuizamento do que torna nosso sentimento universalmente
comunicável.
Luc Ferry: Estes 5 momentos da atividade reflexionante vão constituir a estrutura intima do
juízo de gosto. Como na operação que comanda a formação dos conceitos empíricos, é a Ideia
de sistema, Ideia de um mundo integralmente inteligível que vai servir de princípio para a
reflexão estética. Esta é a razão pela qual a definição kantiana do objeto belo como o objeto
que reconcilia a natureza e o espírito anuncia as teorias românticas. O laço entre a ideia de
sistema como princípio da reflexão e a definição do belo como reconciliação entre a
sensibilidade e a inteligência pode ser enunciado de modo conciso: embora se ponha em
evidência o caráter ilusório de Deus, essa ideia continua desempenhando um papel regulador
para toda atividade intelectual. Ela significa a exigência – inacessível, mas continuamente
presente – de uma racionalização perfeita do real, portanto, de uma completa subsunção da
matéria sensível do conhecimento pela forma inteligível (p.129)
No entanto, ele não se limita a remeter à pura subjetividade empírica do sentimento, porque
se baseia na presença de um objeto que, se é belo (o que será admitido por hipótese),
desperta uma ideia necessária da razão que é, enquanto tal, comum à humanidade. Por
tanto, é em referência à essa ideia indeterminada (ela comanda somente a reconciliação entre
o sensível e o inteligível, sem dizer precisamente em que pode consistir essa reconciliação) que
é possível “discutir” o gosto e ampliar a esfera da subjetividade pura para visar a uma partilha
não dogmática da experiência estética com outrem enquanto outro homem (p131)
E Kant mostra-se surpreso: “ Ora, há aqui algo de muito estranho: enquanto de um lado,
quanto ao gosto dos sentidos, não somente a experiência mostra que seu juízo não tem
valor universal e que, pelo contrário, cada um é pessoalmente bastante modesto para não
atribuir aos outro um tal assentimento universal a seus próprios juízos [...] de outro lado o
gosto pela reflexão [...] pode, todavia, julgar possível [...]representar a si mesmo os juízos
susceptíveis de exigir tal assentimento universal . (p.123)
Observemos sua prudência: o gosto “pode julgar possível “formar juízos “ susceptíveis” de etc.
No início de sua argumentação todas as condições de possibilidades dos juízos de gosto ainda
não estão estabelecidas. Kant contenta-se em postular a universalidade das vozes em relação à
satisfação sem necessidade de conceitos. Pode-“se” postular também a possibilidade de um
julgamento estético poder ser “válido para todos” . Tal assentimento universal é, portanto,
uma simples Ideia cujo fundamento não é procurado logo. (123)
O juízo de gosto não se baseia aparentemente num a priori vindo da experiência alheia ou de
razões demonstrativas e, contudo, tal juízo pressupõe a possibilidade de uma concordância
universal, como se esta universalidade desempenhasse o papel de um a priori (p.124)
Em suma, este juízo subjetivo particular, tem todas as aparências de um juízo sintético a
priori. Para que seja de fato um juízo, basta-me definir um a priori. Ora, ESTE A PRIORI EXISTE:
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Diferentemente dos conceitos lógicos, como alerta o próprio Kant, o juízo de gosto não requer
um acordo unânime de qualquer pessoa. O que nos faz concluir que o juízo de gosto pode não
ser partilhado por todos porque não tem caráter lógico e universal, enquanto algo ligado ao
objeto da explicação. É preciso atentar para o fato de que Kant também diz que a
comunicabilidade do juízo de gosto ocorre mesmo sendo esse algo extremamente subjetivo.
Pode parecer contraditório , contudo não é:
porque, uma vez que não se baseia [a análise do belo] em nenhuma inclinação do
indivíduo (nem sobre qualquer outro interesse premeditado), mas desde que o juiz
[i.e., aquele que efetua o julgamento] se sinta completamente livre no que respeita à
satisfação que dedica ao objeto, não pode ele encontrar fundamento para essa
satisfação em nenhuma condição peculiar relacionada com o seu próprio sujeito;
conseqüentemente, tal satisfação deve ser considerada como baseada naquilo que ele,
como juiz, pode pressupor em todos os outros homens
Como dissemos anteriormente não se convence ninguém de que algo é belo fazendo uso da
explicação via argumentos e conceitos racionais. É por esta razão que o objeto, sendo passível
de julgamento, o será sempre e repetidamente julgado por cada indivíduo e “a sua beleza é
descoberta sempre pela primeira vez, e sempre novamente a universalidade deste prazer é
reivindicada por aquele que a sente, como se todos já o tivessem sentido ou devessem vir a
senti-lo”.
Kant chega a dizer que quando uma pessoa formula um juízo do tipo “isto é belo”, ou se
compraz com uma paisagem natural ou artística, sente a beleza que lhe é própria de maneira
universal. Diante
de alguma coisa bela percebemos sua beleza, mas
não conseguimos exprimir em quê realmente consiste o belo.
O juízo de gosto sugere uma comunicação universal, a vivificação das
faculdades da imaginação e do entendimento, no horizonte de uma
universalidade não conceitual. O belo é tido como belo porque possui uma
certa conformidade a fins (ligada à forma do objeto), mas não uma finalidade
determinada, que pudesse ser estabelecida em conceitos
É essa espécie de comunicação universal que Kant denominou “universalidade subjetiva”. Tal
universalidade não é mediatizada por conceitos e os juízos não podem ser postulados; isso
apenas poderá ser feito segundo a vontade de uma “voz universal”, que para Kant, seria
“somente uma idéia
Por muito complexa e rebuscada que possa parecer - ou mesmo ser - uma
tal solução, ela revela-se de uma impressionante novidade e fecundidade.
Em primeiro lugar, porque não precisa de fundar a universalidade dos juízos
estéticos numa ordem do conhecimento, mantendo assim no plano do
sentimento: há uma universalidade e capacidade de
comunicação universal dos sentimentos que não depende
da - nem passa pela - ordem dum conhecimento objectivo
e intelectual, conceptualizado e argumentado com razões
objectivas de ciência. Em segundo lugar, esse «sentimento
comunitário» ou «sentido comum» é mais originário do que a capacidade de
pensar e comunicar pensamentos ou ideias logicamente, o que coloca o
sentimento estético num plano mais fundo da subjectividade humana, a que
Kant chama o Gemüt (o ânimo, o espírito: animus, mens - o sentimento de
unidade de todas as faculdades anímicas, por isso Kant também fala de
sentimento vital ou de vida - Lebensgefühl). Em terceiro lugar, esse
«sentido comum» (Gemeinsinn) é mesmo comum a todos, isto é, qualquer
ser humano o possui, pelo que a capacidade para o sentimento estético ou
para emitir apreciações estéticas é muito mais básica e fundamental nos
seres humanos do que a capacidade para o conhecimento científico e para
emitir juízos lógicos, que supõe cultivo e treino. A capacidade estética -
para a apreciação estética, para ter sentimentos estéticos ou para emitir
juízos de gosto - não está, por isso, reservada a alguns indivíduos
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Poderei demonstrá-lo? Certamente não, mas nada também me permite pensar que todos os
outros homens dele não sejam providos. Este senso comum, “simples norma ideal”, explica
Kant, “ não diz que cada um admitirá nosso juízo, mas que cada um deve admiti-lo”. Esta
necessidade: o belo é um dever, é naturalmente teórica. Ele não tem o valor
do imperativo categórico nem moral. Mas tudo permite pressupor em cada um a existência de
um senso comum estético. Eu crio uma probabilidade de poder transmitir a outrem a minha
representação do sentimento de prazer resultante do belo. (p.124)
É preciso que fique claro: eu não comunico meu gosto – meus sentidos pertencem-me com
coisa particular. Isto é verdadeiro para o que é agradável: posso julgar bom o vinho das
Canárias,meu vizinho pode perfeitamente achá-lo intragável. Isto vale também para o
belo...Também não transmito o conceito de belo que possa originar uma demonstração da
beleza. Quando digo: “ Este poema, este edifício são belos”, dirijo-me
simplesmente ao senso comum, supondo em cada um a mesma aptidão
para representar a si mesmo o que eu sinto: “ É exatamente esta a razão pela
qual aquele que julga com gosto [...] está autorizado a esperar que cada um sinta a finalidade
subjetiva, isto é, a mesma satisfação diante do objeto, e a considerar que seu sentimento é
universalmente comunicável e que o seja sem a mediação dos conceitos (p125)
Quando há contemplação pura, estética, o sujeito não tem nada a ligá-lo, a prendê-lo, à
existência do objeto, à sua materialidade. A satisfação é unicamente determi-
nada pela representação do objeto, pela sua pura forma. A concepção
kantiana do sentimento estético, como puro e desinteressado, faz deste sentimento algo de
puramente formal. No limite, pode-se dizer que o sentimento estético tem de "pôr entre
parênteses" o sensível naquilo que este tem de empírico ou material.Assim na pintura é a
apreensão da forma dos objectos (o desenho e não a cor), aquilo que me deve satisfazer para
que o sentimento seja puro ou estético; na mú sica é a composição dos sons, e não os sons em si
mesmos, que constitui o elemento propriamente estético.