GILPIN Robert - A Economia Poltica Das Relaes Internacionais - Captulos 1 e
GILPIN Robert - A Economia Poltica Das Relaes Internacionais - Captulos 1 e
GILPIN Robert - A Economia Poltica Das Relaes Internacionais - Captulos 1 e
' A relação histórica entre Estado e mercado é tema de intensa controvérsia acadêmica. Se os dois
tiveram um desenvolvimento autónomo, se o mercado gerou o Estado ou o contrário, são
questões históricas importantes cuja solução não é relevante para o argumento apresentado
neste livro. Qualquer que tenha sido a sua origem, o Estado e o mercado têm hoje uma existência
independente, uma lógica própria e uma interação reciproca.
28 Robert Gilpin
2 Os conceitos de Estado e de mercado usados neste livro derivam primariamente de Max Weber
(1978, v. 1, p. 56, 82 e passim).
3 O primeiro autor a abordar sistematicamente esse tema deve ter sido Eugene Staley (1939).
A economia politica das relações internacíonais 29
' Obviamente, nem todos que trabalham no campo da economia poHtica internacional concorda-
rão com a escolha desses três temas como os mais imponantes. Muitos poderiam apresentar
outros temas, com boa razão. Assim, por exemplo, os temas propostos excluem a formação e
a substância da política econômica extema. Embora esse seja um assunto relevante, o foco
principal do livro são a estrutura, o funcionamento e a interação dos sistemas econômico e
político internacionais. Uma distinção paralela pode ser feita (e é habitualmente feita) entre o
estudo da política externa de determinados Estados e o estudo da teoria das relações internaci-
onais. Embora se trate de assuntos muito relacionados entre si, eles propõem questões distin-
tas, e baseiam-se em diferentes premissas. Gaddis ( 1982) e Wallz (1979) são, respectivamente,
excelentes exemplos de cada tipo de abordagem.
30 Robert Gilpin
___
poder ou, ao contrário, contribuirá para a sua difusão?
Tanto os liberais como os marxistas tradicionais.....consideram
.,.,....._..,..,..,,.."-'" ..,,..... ,._.
.,.,..,,...~-,..,,~.,,-.,..,..,..,,...,~~-·--~·~·----~·-~ ""~,-.-
Pariiamãiõria<lõslinerais, o.
___ ~---· .-~·-,--,,., ···--"~"··~~··---.-·-·"-~"'~'-
A importância do mercado
' Goldthorpe (1984; cap. 13), Giddens (1985) e Rostow (1975) representam essas posições.
A economia política das relações internacionais 35
• Cooper (1985, p. 1196-1200) apresenta uma excelente análise desses vários sentidos.
36 Robert Gilpin
três tipos mais tradicionais da ecgnomia ilc: ti:aca Embora nenhuma dessas
formas de intercâmbio tenha existido ele forma exclusiva, uma delas sempre
tendeu a predominar. O sistema econômico que mais prevaleceu ao longo da
história, e que ainda é característico de muitas economias menos desenvolvi-
das, é o intercâmbio localizadg, muito restrito em ter!!lQ.s-®-eÂÇ.P.P.9~~
co e da cesta dos bens oferecidos. O se undo_1mo de intei:s;..&mhiQ_~.,,g~flJ!§...
economias comanda as. como as dos grapde§ imqérios.histórLc;,os da Assíria
.
e, em grau muito menor, de Roma; que é também a dos países socialistas de
hoje. Nessas economias planificadas, a produção, a distribuição e o preço das
mercadorias tendem a ser controlados pela burocracia governamental. O ter-
ceiro tipo é o do comércio,tmt.m.t;LQ_d,e.g.r;m1.r;!~~s,ttncia~ yom mercadoria~
de alto valor, como as caravanas que cruzavam a Asia e a Af!ica, principais
.....b-.io......E""m=b""or..,a-..c..o...~~t9L<? ~;2,graficamente exten-
..:.ce.n_t_ro.._.s.._d"'e.-s"'s"'e"'i.;.;nt.;.;e;.;;rc.-â""m
.:SO, envolvia só um pe9ueno n,úme~o 2e be.~ (condimentos, sedas, escravos,
metais preciosos, etc.). Po.r muit.as raZ!1es 1 os mercados tendem a des}ocar-ª.~.
formas mais tradicionais de intercâmbio.
Um dos motivos da primazia do mercado na formação do mundo moderno
é o fato de ele obrigar a reorganização da sociedade, para que possa funcionar
mais adequadamente. Como Mag, perceheµ_c)arnmente,_qJ.lalllk>..sw:g.1;...l!.!l1-_
mercado ele se toma uma fors:.!!.,I?,Oderosa,para a tragsfoi;ma!il~JUl.ru;.i!!I,., Vale a
pena citar uma autoridade no assunto:
~tlor.Ç.l!S..dQJ!l~S~do_~.E2_~~ª'li~'!!2A.!?~E!re_çQs.~UUJ.!!1~9ci~~ade.
tende a sobrepor-se às institui.ções e ~-teli\ções sociais da tradição, e até
*
_jru_~nal são os efeitos alfarni;.iit~.i~ertur.h<1.do.r.elt.Sobr.e_ª§.Qt;ie4ªµe;_a intro-
Conclusão
_A~_p_reocupações
principais deste livro são com o impacto da eco.!!.Qmi!I de
mercado global sobre as relações entre os ~st!!flos~~do co~o es.tes [lLQ.-
curam influir nas forças do mercado Qara J!laximizar suas vanta~ens., Implícitos
nessa relação entre Estado e mercado, há .três t.\'._~as interligados, importantes_
para o estuf!a~ ~~ p_<?_líti!:ª·~º primeiro é..o..m..Q.d.6 como~endência no
mercado afeta a poli.ti.c;a intemaçjrui~I e é afetada.por ela..rarticulannente pela
presença ou pela ausência de uma liderança política._9 segl!!,1dp tem ~~.r.~~!!2~
a interação das ômicas e políticas, a qual provoca uma intensa
,competição entre os Estados eela localizaçãp global das ativi ades e~OJlÔ!I!Í;..
cas..,em particular nos núcleos
. -
de maior
=
importância
. .
da indústria moderna.
42 Robert Gilpin
A perspectiva liberal
Alguns estudiosos afinnam não existir uma teoria liberal da economia po-
lítica, porque o liberalismo distingue a economia da política e entende que cada
esfera funciona de acordo com regras e lógica próprias. 1 Mas esse ponto de
vista é em si mesmo uma posição ideológica, e os teóricos do liberalismo preo-
cupam-se tanto com os assuntos políticos como com os econômicos. Assim,
podemos falar de uma teoria liberal da economia política, teoria esta que está
explícita ou implícita nos seus escritos.
Por trás das teorias liberais da economia e da política há um conjunto de
valores políticos e econômicos, os quais no mundo moderno têm surgido reunidos
(Lindblom, 1977).,A teoria econômica liberal está comprometida çom o li~
mercado e com um mínimo de intervenção es~ embora, confonne vamos
mostrar mais adiante, varie a ênfase relativa nessas duas idéias. De seu lado, a
teoria política liberal tem um compromisso com a igualdade e a liberdade individu-
ais, embora também possa haver uma diferença de ênfase. Aqui estamos inte-
ressados primordialmente no componente econômico da teoria liberal.
A perspectiva liberal da economia politica está incorporada na disciplina da
economia como ela se desenvolveu no Reinolf~icl~~-'ilõs-Estados Unidos e na -
Europa Ocidental.
c.___ ___ ·-···-·· -· ...
Desde Adãm-Smith até-;s-;;Õntemporâneos, os pensado-
-~-·--,-~-.- -~-~
1 O termo "liberal" é usado neste 1ivro no sentido europeu, isto é, significando o compromisso
com o individualismo, o livre mercado e a propriedade privada. Essa é a perspei:tiva predomi-
nante na maioria dos economistas norte-americanos e na disciplina da economia conforme é
ensinada nas universidades dos Estados Unidos. Assim, a despeito de diferenças importantes
nas suas idéias políticas e teóricas, tanto Paul Samuelson como Milton Friedman são conside-
rados aqui como representantes da tradição liberal norte-americana.
46 Roberl: Gilpin
' Agradeço a Michael Doyle ter chamado minha atenção para esse interessante artigo.
A economia política das relações internacionais 47
algum fator exógeno, tal como uma mudança nas preferências do consumidor
ou na tecnologia da produção, o mecanismo dos preços o reconduzirá oportu-
namente para um novo estado de equilíbrio: preços e quantidades tornarão a
reequilibrar-se. Portanto, urna mudança, seja na oferta seja na demanda, de um
bem provocará mudanças no preço desse bem. A técnica mais importante da
análise econômica moderna, a estática comparativa, baseia-se nessa premissa,
de que há uma tendência para o equilíbrio sistêrnico. 3
.Outra pr~mi ssa.)_il?,~~! É_.9~- ª·-ç_Q!!!J?.~~-isªP-!l~L.!!!~~~~2_~_!~~~<!.u.!QL~_i; __
consumidores cril!.!}.QJQ.ngo .Prn.zq_umaJu~rmQ..nil!...fu.!!Q!HE,\Nlt~lil~s.j~
_ses, a qual su_E~!~r~ualque!.~~nf!L~o te~~9.r.~rio:.A motivação do auto-interes-
se pelos atores individuais aumentará o bem-estar social, porque conduz a urna
maximização da eficiência; e o crescimento econômico resultante eventual-
mente trará vantagens para todos. Em conseqilência, todos tendem a ganhar
com a sua contribuição ao conjunto da sociedade, mas, é preciso acrescentar,
nem todos ganharão na mesma proporção, porque há diferenças na produtivi-
dade individual. Sob o regime do livre intercâmbio, a sociedade em geral será
mais rica, porém os indivíduos serão recompensados de acordo com a sua
produtividade marginal e com a sua contribuição relativa para o produto social.
Finalmente, hoje a maioria dos economistas liberais acredita no progresso,
definido quase sempre como o aumento da riqueza per capita. Afirmam que o
crescimento de uma economia que funcione regularmente é linear, gradual e
contínuo (Meier e Baldwin, 1963, p. 70), desenrolando-se conforme o que um
economista denominou de "curva de crescimento em equilíbrio padrão, do
Massachusetts Institute ofTechnology". Embora acontecimentos políticos e de
outra natureza - guerras, revoluções e desastres naturais - possam prejudicar
dramaticamente essa curva de crescimento, a economia retornará sempre a
um modelo estável de desenvolvimento, determinado principalmente pelos au-
mentos da população, dos recursos e da produtividade. Além disso, os liberais
não aceitam a conexão necessária entre o processo de crescimento econômico e
os eventos políticos, tais como as guerras e o imperialismo; esses males políticos
afetam e podem ser afetados pelas atividades económicas, mas são causados
essencialmente por fatores políticos, e não económicos. Assim, por exemplo, os
liberais não acreditam que tenha havido qualquer relação de causalidade entre o
progresso do capitalismo no fim do século XIX e, de outro lado, os surtos de
imperialismo, depois de 1870, e a Primeira Guerra Mundial. Para os liberais a
' O método da estática comparativa foi inventado por David Ricardo. Consiste em um
modelo de mercado em estado de equilíbrio, no qual é introduzida uma variãvel exógena,
calculando-se o novo estado de equilíbrio. Como de modo geral essa forma de análise não
se preocupa com as origens da variável exógena, seu uso fica limitado ao exame do proble-
ma das mudanças na economia.
A economia política das relações internacionais 49
A perspectiva nacionalista
or
IJ_acionalistas tendem a considerar essas duas metas de forma complementar
(Knorr, 1944, p. 1 -------~--~---·-"-----~ ~-"--~,~·- .
• Podemos identificar Friedrich List com a posição mercantilista benigna. List acreditava que o
verdadeiro cosmopolitismo só seria possível quando todos os países se tivessem desenvolvi-
do. Vide uma discussão sobre o mercantilismo benigno e malévolo em Gilpin 1975, p. 234-237
e no Cap. 1O, adiante.
A economia política das relações internacionais 51
A perspectiva marxista
' Embora houvesse diferenças importantes entre o pensamento de Engels e o de Marx, ao longo
desta discussão vou tomar os escritos de Marx como contribuição conjunta de ambos.
54 Robert Gilpin
Ji.~!a: o mod<tde.pr.o_d.uçã.Q.Ç.!!P.i!ª-h~JJLÇ.P...§e!l_gçs.t_i}1g,:;ª~-clet(:i:t!1.iEad_!),:i_po_~_1:1_!!1__
c911Jt1nJo...de_'.1ci.s.~_ç_onômicas de transformação da sociedade. moderna".
o quarto é um cornpromis~-;:;~~~~-~sOclãlismO:-tõdõs os ~~i~~-
acreditam que a sociedade socialista é não só necessária como também uma
meta desejável para o desenvolvimento histórico (Heilbroner, l 98Ó,p:·w:zí').'
Dessas crenças, só a terceira vai nos intereSsãrâquí.
O marxismo caracteriza o capitalismo como a propriedade privada dns_
melõs-diprodução e a existência de trabalhadores assalariados. Acredita 91:11'. o
capitalismo seja impulsionado por capita~stas em bu~21!,.Ç!~l!!~~().s~eilUÍ~()ª·
acumulação de capital em uma economia de mercado competitiva. O trabalho
passou a serÚma.mercadÓria:-sujeita·aÕ·mecãnismÕ dos .preÇõs:·Para Marx,
essas duas características principais do capitalismo são responsáveis pela sua
natureza dinâmica, tomando-o o mecanismo econômico mais produtivo já visto.
Embora sua missão histórica seja desenvolver e unificar o globo, o seu sucesso
lhe apressará o fim. Segundo Marx, a origem, a evolução e o fim do sistema
capitalista são determinados por três leis econômicas inevitáveis.
A primeira dessas leis é a da desproporcionalidade, que implica negar a lei
de Say; em termos simplificados, esta última sustenta que a oferta cria a sua
própria demanda, de modo que, exceto por breves períodos, haverá sempre um
equilíbrio entre as duas (vide Sowell, 1972). A lei de Say sustenta que em uma
economia de mercado capitalista o processo de recondução ao ponto de equilí-
brio toma a superprodução impossível. Marx, como mais tarde John Maynard
Keynes, negava a existência dessa tendência para o equilíbrio, e argumentava
que as economias capitalistas tendem a produzir em excesso determinados . . ~Oi 1 .
tipos de mercadorias.rPara Marx, há ll~~ªR~~~i:~? ~111_ª ~?ntra?.i.~~? intr_ínse~a / ~... ' i; ' r',e.._~
entre a s~paci~~ p~_oduzir ~en~_:~p~-~~-·~!~!q~ê!_e_q:y~Jêm_os ÇQl}_Sl:1!.I!~: ~Àff .P~0,4;.;J,,, .J.z
&
dores (assalari_agfil)_de ~~~l!'!~~~e.s_l?".11~;.assim, a falta de proporção recor- ~~ ·
rente entre o que é produzido_e o q_~:_~ CO_!l~1:1~~-~·-:_m razã.o d~ "anarqu!a" do .~ ,
!Uercad~, 2rovoc~ fl~tuações ec~?~1ca~-~~~p~~S~():;.Re~~ód~.. Pr~v1a que ,,,.,,.,, ~J-<. _,,fi' ~ .;,,.,/J _
essas crises econorn1cas se tomariam cada vez mais senas e termmanam por vi,~Ji,~,,f,,}, '-t'?
obrigar o proletariado a rebelar-se contra o sistema. ~•.""' ~.... '-"" ~"0'
A segunda lei que movimenta o siste~-~~~pJ!alist~. de ~~~!~'?..~_()!!1_~.~;-1!1~t:::. ~ ...e.v..e l""~ flcr1~,(,, • ,•
xistas, é a da ç0nc_entração (ou acumulaçã_~ do caI?!_tal. A força motnz do 'f'l$f.-( -f.f
. capitalismo é a hus.cade lucros e a conseq!iente n~~~~~i_dad~~~.-~~ll~~-~r-~de_ J.,,'d.
investir sentid~.Rçlo capitaJl~~ivid_JJ~~-~ compe~ição obri~ os_gJ:tl!Jl.liJ!ta~.'!...
aumentar sua efici~ocll! e seu investimen~o de ca~~~I_, para não correr o risc~-
A economia política das relações internacionais 55
6 Com efeito, os marxistas estão acusando os defensores do capital ismo de empregar a falácia da
composição: "uma falácia em que se alega que o que é verdadeiro com relação a uma parte
também o é, necessariamente, com relação ao todo" (Samuelson, 1980, p. 11 ). Da mesma
forma, Keynes argumentava que, embora a poupança individual fosse uma virtude, seria uma
calamidade se todos se dedicassem a poupar.
Robert Gilpin
capital pelo capital, ou seja, do capital industrial pelo capital financeiro, represen-
tava o estágio mais avançado do desenvolvimento capitalista.
Para ele, o capitalismo tinha escapado das três leis que o dirigiam pelo
imperialismo ultramarino. A aquisição de co!ônias dera às economias capitalis-
tas a possibilidade de dispor das mercadorias produzidas e que não encontra-
vam mercado dentro dos seus países; de adquirir rec~:rsos a baixo custo e
exportar seu excesso de capital. E a exploração des'. ,i:: colônias proporcionaria
mais-valia adicional com a qual os capitalistas poderi;;.n .. üquirir a liderança do
seu próprio proletariado. Para Lenin, o imperialismo colonialista passara a ser
uma característica necessária do capitalismo avançado. À medida que suas
forças produtivas se desenvolviam e amadureciam, a economia capitalista pre-
cisava exp;indir-se no exterior e capturar colônias para não ser vitimada pela
estagnação e pela revolução. Lenin identificava essa expansão necessária como
a causa da destruição eventual do sistema capitalista internacional.
~~ssên".l11..~t~a.rnmnenti:L4.e.!,f.!!iDJL!ul,e . qu~)1.. ec.Q1Jom.iãSªP}~l!!~~-tl!)llt~i:: .
. nacional promove o desenvolvimento mundial, mas de forma desigual. As eco-
nomias capitalistas crescem com taxas diferenciadas,_ e esse aumento diferen-
cial do Eoder nacional é responsável pelo imperialismo, pela guerra e pelas
mudanças políticas internacionais. Ao reagir ao argurrieril:óãeKautsky de"êjüt
os capitalistas eram por demais racionais para entrar em conflito a propósito
das colônias, e se associariam na exploração conjunta dos povos coloniais (a
doutrina do "ultra-imperialismo"), Lenin afirma ÇJUe isso era impossível pelo
que se tomou conhecido como a "lei do desenvolvimento desigual":
~tT.J.!L.<;.ti.t.iQ..golítica
do sistema capitalista, em gue os atores l!rincipais pas;
saram a ser Estados nacionais mercantilistas a com etir entr · · · na
os pela necessidade econômica. Embora o capitalismo internacional tenha
sido economicamente exitoso, Lenin argumentava que era politicamente instá-
vel, e representava um sistema de hostilidades recíprocas. Nos países capitalis-
tas desenvolvidos, os trabalhadores, ou pelo menos os que participavam da
chamada "aristocracia do trabalho", compartilhavam temporariamente da ex-
ploração dos povos coloniais, mas terminariam pagando por essas vantagens
econômicas no campo de batalha. Lenin acreditava que a contradição intrínse-
ca do capitalismo residia na conseqüente luta entre as nações, e não na luta de
classes. O capitalismo terminaria em decorrência de uma revolta contra a sua
inerente belicosidade, com conseqüências políticas.
Em suma, Lenin argumentava que a contradição inerente ao capitalismo é
o fato de, ao desenvolver o mundo, ele plantar as sementes políticas da sua
própria destruição e difundir a tecnologia, a indústria e o poder militar. Cria
competidores estrangeiros com salários mais baixos e um padrão de vida que
pode competir vantajosamente no mercado mundial com a economia até então
dominante. A intensificação da competição econômica e política entre as po-
tências capitalistas ascendentes e declinantes gera conflitos econômicos, riva-
lidades imperiais e, eventualmente, a guerra. Para Lenin, esse tinha sido o des-
tino da economia liberal do século XIX, centralizada na Inglaterra. Se vivesse
hoje, não há dúvida do que diria: com o declínio da economia norte-americana,
um destino semelhante ameaça a economia liberal do século XX, centralizada
nos Estados Unidos.
Com o triunfo do bolchevismo na União Soviética, a teoria do imperialis-
mo capitalista de Lenin tomou-se a interpretaçao marx,Wa ortodoxa da eco-
nomia política mtemacionat No entanto, Õutros herdeiros da tradição marxis-
ta continuaram a desafiar essa visão oficial, modificada também pelas mu-
danças subseqüentes na natureza do capitalismo e em outros desenvolvimen-
tos históricos. O capitalismo do estado do bem-estar social realizou muitas
das reformas que Lenin acreditava impossíveis, e o controle político das colô-
nias deixou de ser considerado uma característica necessária ao imperialis-
mo; o capitalismo financeiro da época de Lenin foi substituído em parte pela
empresa multinacional, e a visão de que o imperialismo capitalista desenvolve
os países menos desenvolvidos foi alterada pelo argumento de que, na verda-
de, ele impede o seu desenvolvimento; e alguns marxistas tiveram
a ousadia de aplicar a teoria marxista à própria criação política de Lenin - a
União Soviética. Modificado desse modo no fim do século XX, o marxismo,
em suas várias manifestações, continua a exercer grande influência como
uma das três principais perspectivas da economia política.
60 Robert Gilpin
' Vide Blaug (1978, p. 717) sobre o emprego de hipóteses ad hac para explicar previsões
equivocadas.
A economia política das relações internacionais 61
maior parte da economia liberal como instrumento de análise sem rejeitar mui-
tas das suas premissas e fundamentos normativos. Marx utilizou a economia
clássica com muita habilidade, mas seu objetivo era incluí-la em uma grande
teoria sobre a origem, a dinâmica e o fim do capitalismo. Com efeito, a dife-
rença fundamental entre o liberalismo e o marxismo tem a ver com as per-
guntas formuladas e suas premissas sociológicas, e não com a metodologia
econômica empregada (Blaug, 1978, p. 276-277).
Conforme reformulag9_pprJ,!min,9m_arxismo tornou-se dific:il!k.dís.tin-
gu_it.1l!_~'!!!:ina do !_t!!IJ~.1!1Q__p.2!ftifº_{Keohaiie,".1984a:-µ~ 41-46). Co1!!2__<?__
nacionalismo econômico, o realismo polítko acentua a primazia do Estado e a
~egurança nacional. Embcirã-êstejam--rnuíiô'próxlmõ-s~Õ-reáTIS~'(;é.-êm-ês~-
-~~!:IC!.!!b_l!mª-P..P~j~~ü.i&.a....!Ll'W..1!!!!1!9..QJ)gl<.i~malismo ecoJ]~~_mâ ati-_
tude econômica. Em outras nalavras, o n!lcionaliwio econô'Eico baseia-se na
--â~~-~f.§!reahSfa cfas re!a_xõ~s internas!.onais. 0
~ - - - - - - - .
·· ·· Tanto na teoriade.Leni11-cam0-n0-r.ealismo.p9JiJ:.\c:Q,.os_Eslad_Q.sJ,\,l_~ª--llJ.llªr~l__
aumentar sel!..l'od_t:r-.!'...§.ll_!!._Üqu~za, .•c:__iLcliaY.e-doS-conflitos e das mudanças
pohticas intern~ionais é_Q_ç!Jfete.!)_çia.Ln9.8!lnhçu;!e._pgger_(Gilpin, 1981 ),_No._
entanto, as premissas das duas teorias, com respeito à base da motivação hu-
mana, à naturez~ do -Êstado e do sistema intemacional,.são.fundameotalrnente
di'S'tfntas. Pa~a os marxistas, a natur~-~;;;anaé maleável, facilme~·t;-~;..
tôinpiliã~~1º-~;pit~lism9_e~l:~cµpem<l~-:p~í~~~~i~1i~rrió;t:rii!~-2~ie,~J!s!~f~c~ª1~
·tam que os CCl_l}ft.i~9s"poI_íticos resultam de uma natur.eza. IJ1,11w.!Tl.ll.!1!!1J.~ihr.~L
·····- ··ErigÜ;~to os maP:Çistas acn;git:;t,!!LQ!.!!Ul..EsJªQQ..~~-§.~!'.\liE!.QI.4i};:!~S.,Ç__t;l,<J_-
minante, partl..Q.S..t.e.alistas.._e.le.Luma-entidade..rclatill.a~.!U.e..fil!lÔ!.lQ!!1ª..A..9!!.l\L
visa aos interesses [email protected]_p__~m.si<r re,ç!l,!,;;.19.2~.A.Q§.__i,nt_~~ssi;,&,Q!!J:,
ticulares de qy_ªlquer cla.ss..e Para os marxistas, o sistema internacional e a_
_política externa são determinados pela estrutura da~çimia n~~l;l!!!Eª ~
!;alistas, a natureza do sistema internacionaU..Q.Yil..d.~tsirmina fundamentaJ-
mente a política externa. Em suma, os marxistas consideram a guerra, o impe·
rialismo e o Estado como manifestações maléficas de um capitalismo que vai
desaparecer com a revolução comunista, enquanto para os realistas são traços
inevitáveis de um sistema político internacional marcado pela anarquia.
A diferença entre as duas perspectivas, portafito, é considerável. Para o IT\l!r=.
xista, embora o Estado e as lutas entre os Estados sejam.uma consegüência_do_
modo capitalista de produção, o fiiturQJra!:á um rs:in..<l de_y~~ei~nia e~~
depois da revoluç~ inevitáyç)g_l!.~-~~P.i~ªJism91m!I~y9lo_vaiPm\'.oC9T-,QJ:~ª-]jst112_
de outro la_~CJ_L~_si:~E,i~_g_ue n~~.h!!.yen!il!!!lªÍs_Jl~I!lililll nírval!~·-~~~~!.!il\ •.
__!!.atu_r~Í11-C!~!.~1JJen~oísm._ç!QLJJe.res hul!!,_anos e ga anai;~).l!ia do sistema
internacional_,_As lutas entre grupos e Estados é virtualmente incessante, embora
Õcasionalmente possa haver uma suspensão temporária. Ora, parece improvável
que qualquer dessas previsões possa ser comprovada cientificamente.
62 Robert Gilpin
Cada uma das três perspectivas que descrevemos tem pontos fortes e
fracos, que vamos explorar mais adiante. Embora nenhuma delas nos propor-
cione uma compreensão completa e satisfatória da natureza e do dinamismo
da economia política internacional, em conjunto, elas nos dão uma boa visão
desse aspecto da realidade, e também levantam questões que serão desen-
volvidas nos capítulos seguintes.
8 Hâ muitos livros sobre a economia política das tarifas e de outras formas de protecionismo
comercial, com o objetivo de produzir recursos. Como já notamos, o tema do processo de
fonnação da política econômica excede o escopo deste trabalho. Frey (l 984b) apresenta uma
excelente discussão dessa abordagem à política tarifária e a assuntos correlatos.
A economia política das relações internacionais 67
9 Comwall (1977) propõe um argumento representativo das vantagens da indústria com relação
à agricultura no desenvolvimento económico.
68 Robert Gilpin
os Estados (Cohen, 1977, p. 49). 1ºNo entanto, não é necessário aceitar a iiHer~
l?_r~~ção materialistª 9a bistc>ril! o~ ~ primà~o íiã· 1~ia de c]as~es para ent~nder
gue a t'Ormá como as pessoas ganham a vicla_e_êiistribuêffi-ariqueza-determinà
criticamente a estrutura soc.iaLe a conduta política. ~
Outra contribuição do marxismo é a sua ênfase na natureza e na estrutura
da divisão do trabalho, tanto nacional como intemacional.Mª12C eJ~ngels mostra-
ram co~~~ent<:_~_rn-4.ldtto_{pg{a a/em_ti_q"lJi:.9~!9l!er__cliyisã5>d.sitra~?lh()_Í_!llpli~.
ca uma dependência e, portanto, um~o ~ítica (Marx e Engels, 1947 [1846)).
Em uma economia de mercado o nexo econômico entre os grupos e os Estados
adquire importância critica na determinação do seu bem-estar e das suas rela-
ções políticas. Mas a análise marxista é muito limitada, porque a interdependência
econômica não é o único conjunto de relações entre os Estados, nem mesmo o
mais importante. As relações políticas e estratégicas entre os atores políticos têm
a mesma ou maior importância, e não podem ser reduzidas a simples considera-
ções econômicas, pelo menos não como os marxistas definem a economia.
A teoria marxista da economia política internacional é também valiosa,
porque focaliza as transformações políticas internacionais. Nem o liberalismo
nem o nacionalismo têm uma teoria compreensiva das mudanças sociais. /
O marxismo enfatiza o papel da economia e da te~~2gia para_i:xp~ica..i:!.clll].~.:
mica do sistema internacional. Como expriéãã lei do desenvolvimento desigual
de Lenin, o dife.t.enciaLr:te;_~p;;êntÕ-do -põàêretifre 0s'ESfáâÕs'"e'ümã:"éaúi~-
·5'iib]acente das mudanças políti;;lntêmãclõnãis.LênirÍ-;;stava certo, pelo menos
em parte, ao atribuir a Primeira Guerra Mundial ao desenvolvimento desigual
do poder entre os Estados industrializados, os quais entraram em conflito a
respeito da divisão territorial. Não pode haver muita dúvida de que o cresci-
mento desigual de várias potências européias e seus efeitos sobre o equilíbrio
do poder contribuíram para a falta de segurança coletiva. A competição por
mercados e por colónias foi um fator agravante das relações interestatais. Além
disso, a percepção crescente pelo homem comum dos efeitos das vicissitudes
do mercado mundial e da conduta econômica dos outros Estados sobre o seu
bem-estar material e a sua segurança passou a ser também um fator significa-
tivo na promoção dos antagonismos nacionais. Para o cidadão, como para as
nações, o aumento da interdependência econômica trouxe consigo um novo
sentido de insegurança, de vulnerabilidade e de ressentimento com respeito aos
rivais políticos e econômicos externos.
Não há dúvida de que os marxistas estão também certos quando atribuem
às economias capitalistas, pelo menos como as conhecemos historicamente,
10
O volume editado por Krasner (1982c) contém uma ampla discussão do conceito dos regimes
internacionais.
70 Robert Gilpin
11 Wiles ( 1968) apresenta uma anã!ise valiosa do comportamento contrastante das economias
capitalistas e comunistas.
A economia política das relações internacionais 71
" Herbert Feis (1964 [1930] e Eugene Staley (1935) apresentaram efetivamente esse argu-
mento.
A economia política das relações internacionais 73
O processo ______________
de desenvolvimento
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......._,. ____
desigual
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foi um século de Pax Britannica que tenninou quando a metrópole mais im·
portante passou a não poder mais liderar e a impor a sua paz em uma parte tão
ampla do mundo" (idem, ibidem). Parece impossível dizer mais do que isso
sobre as relações entre o crescimento económico e os conflitos militares.
" Michael Doyle (1983) argumentou, em excelente artigo dividido em duas partes, que as econo-
mias liberais (que ele, ao contrário de Schumpeter, distingue das economias capitalistas) têm de
fato pouca propensão para a guerra, comparativamente a outras sociedades liberais.
76 Robert Gilpin
TABELA 1
Anulação das leis marxistas pelo welfare state
'' Rousseas ( 1979) contém uma excelente exposição das suas idéias.
A economia política das relações internacionais 83
84 Robert Gilpin
Conclusão
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