GILPIN Robert - A Economia Poltica Das Relaes Internacionais - Captulos 1 e

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Capítulo 1

A natureza da economia política

É a existência paralela e a interação recíproca do Estado e do mercado


que cria, no mundo moderno, a "economia política"; sem o Estado e o mercado
essa disciplina não existiria. Ausente o Estado, o mecanismo dos preços e as
forças do mercado determinariam o resultado das atividades econômicas: esta-
ríamos no mundo puro do economista. Na ausência do mercado, os recursos
econômicos seriam distribuídos pelo Estado, ou um seu equivalente; estaríamos
no mundo puro do cientista político. Embora nenhum desses dois mundos possa
existir de forma pura, a influência relativa do Estado e do mercado muda com
o tempo e com as circunstâncias. Portanto, os conceitos de "Estado" e "mer-
cado" na análise que segue são o que Max Weber denominou de "tipos ideais".
A expressão "economia política" sofre de ambigüidade. Adam Smith e os
economistas clássicos a utilizaram com o sentido do que hoje chamamos de
"ciência econômica". Mais recentemente, alguns estudiosos como Gary Becker,
Anthony Downs e Bruno Frey definiram "economia política" como a aplicação
da metodologia da economia formal, ou seja, o chamado "modelo do ator racio-
nal", a todos os tipos de conduta humana. Outros usam a expressão ·querendo
referir-se ao emprego de uma teoria econômica específica para explicar a con-
duta social: os jogos, a ação coletiva e as teorias marxistas são três exemplos.
A abordagem baseada na escolha pública inspira-se tanto no método como na
teoria econômica para explicar o comportamento social. E outros ainda usam
"economia política" para indicar um conjunto de questões geradas pela interaçãô
das atividades econômicas e políticas- questões a ser exploradas com todos os
métodos teóricos e metodológicos disponíveis (Tooze, 1984).
Embora as abordagens à economia política baseadas na teoria e no méto-
do da economia sejam muito úteis, são ainda inadequadas para propiciar um
26 Robert Gilpin

arcabouço abrangente e satisfatório para a investigação acadêmica. Os con-


ceitos, as variáveis e as relações de causalidade não foram ainda desenvolvi-
das de forma sistemática: o fator político e outros fatores não-econômicos são
muitas vezes desprezados. Com efeito, uma metodologia unificada ou uma te-
oria da economia política exigiriam uma compreensão genérica do processo da
mudança social, incluindo-se aí os modos como interagem os aspectos social,
econômico e político da sociedade. Por essas razões uso aqui "economia políti-
ca" apenas para indicar um conjunto de questões que devem ser examinadas
com uma mistura eclética de métodos analíticos e perspectivas teóricas.
Essas questões são geradas pela interação do Estado e do mercado como
a incorporação da política e da economia no mundo moderno. Elas investi-
gam de que forma o Estado e seus processos políticos conexos afetam a
produção e a distribuição de riqueza, assim como, em particular, o modo como
as decisões e os interesses políticos influenciam a localização das atividades
econômicas e a distribuição dos seus custos e beneficias. Inversamente, essas
questões indagam também qual o efeito dos mercados e das forças econômi-
cas sobre a distribuição do poder e do bem-estar entre os Estados e outros
atores políticos, e especialmente como essas forças alteram a distribuição
internacional do poder político e militar. Nem o Estado nem o mercado são
causa primária; as relações causais entre eles são interativas, e na verdade
ciclicas. Assim, as questões a ser exploradas aqui focalizam as interações
~múltiplas de mei~s muito diversos para ordenar-eorganizar as ativid~~
manas: o Estado e o mercado. ---------------------------
Essa formulação certamente não é original, e é pelo menos tão antiga
quanto a distinção crítica de Georg Hegel na sua Filosofia do direito ( 1945
[1821]), entre Estado e sociedade (economia). Outros autores propuseram
definições semelhantes. Charles Lindblom ( 1977), por exemplo, propõe "in-
tercâmbio" e "autoridade" como os conceitos fundamentais da economia
política. Peter Blau (1964) usa "intercâmbio" e "coerção"; Charles
Kindleberger (I 970) e David Baldwin (1971) preferem "poder" e "dinheiro";
Klaus Knorr (1973) emprega "poder" e "riqueza". Enquanto Oliver Williamson
(1975) contrasta "mercados" e "hierarquias", Richard Rosecrance (1986)
contrasta "mercado" e "territorialidade", dois conceitos próximos dos esco-
lhidos por nós. Note-se que cada uma dessas visões da economia política tem
seus próprios méritos.
,Charles Kindleberger observou ( l 91Q,~) que tanto o orçamento do Es- _
tado como o mercado funcionam como mecanismos para a alocação de recur-
sos e de produtos. Em um mundo exclusivamentepolitiêO,ém-:iue não existisse
~mercado, o Estado distribuiria os recursos disponívei§.fle acordo com seus ·
objetivos sociais e políticos, decisões que "~~~~l_!'lir~~E1. ~~o orçãmento "'
A economia polífoca das relações internacionais 27

estatal. E em um mundo sem intervenção do Estado, em que só exista o merca:,


do, este funcionaria na base dos preços relativos das mercadorias e dos servi7
ços; as decisões teriam a foimãêiãbüsca do interes5eínêliviêlu7i1. Assim, os
estudiosos da economia políti~a il!!l:!!!~<.'.ional de~..C:I_Il__ pi.:ºcu_rnr.~ntendeLco.ma-:
esses modos contrastantes de deciçfü:..e_.d_o::..grganizar as atividades human'!_s se_
influenciam mutuamente,_detsrrnirmru!.q,_;~1§_~.i!Jli._r~ult.!!9.P~~o~i~l~ ç t>Tf.MA-
Embora o Estado e o mercado sejam aspectos distintos do mundo moder- u- J!(} fl'l ·1
.
no, mcorporan do respec t'tvamente a pol" tttca e a economia, . e' o'bvto . que n ão r--·-···----...:::.""
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podem ser separados de forma completa. Com efeito, o tema deste livro é o / f OO \
seu inter-relacionamento. O Estado influencia profundamente o resultado das 1(
5
ÍA ~ \
atividades do mercado ao determinar a natureza e a distribuição dos direitos de 1 ~ ) i
propriedade, assim como as regras que regulam a conduta econômica (Gerth e \ t1 €1\ CAJ)ô:__}
Mills, 1946, p. 181-182). A crescente percepção de que o Estado pode influen- \'--_ _______..---
. ciar as forças @.mercado, <'...~.!~!!':1.~ll_<_'.ia,. cl~!ei:!l.1.Lm!.!IQQJ?.~~..!!-cle,sti!lC! ~m.m:.ª.l!
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significativo, é um fator importante para explicar a emergência da economia
J!QJítica. Por _i:i_utro lado, o próprio mercado é uma fonte de poder que influencia os
,...-

{'eSultados políticós:-Acrepetrdêneia éconômica cria uma relação de poder que é


fundamental na economia mundial contemporânea. Em suma, emOõfa sejãpOS-
sivel considerar a política e a economia como duas forças distintas, as quais
determinam a feição da época em qÜevivemos, elas não func.!.22.~ ~t;t;t!ª'
independ!;nt1:-
0 Estado e o mercado têm procurado deslocar outras formas de organiza-
ção política e econômica no mundo moderno em virtude de sua eficiência na
produção do poder e/ou da riqueza. Originários do princípio da Europa moder-
na, o Estado e o mercado difundiram-se daquele recanto relativamente peque-
no do globo para abranger uma fração substancial da humanidade. Hoje, muito
poucas pessoas vivem à margem da sombra do Estado; e estas consideram a
instituição de um Estado como um dos seus objetivos mais importantes, como
testemunha a luta dos judeus, dos palestinos e de outros povos. Ao seguir um
ritmo alternado, o mercado como modalidade de intercâmbio também se ex-
pandiu, e trouxe um número cada vez maior de sociedades para a rede da
interdependência econômica. 1
A relação entre Estado e mercado, e especialmente as diferenças entre
esses dois princípios de organização da vida social, é um tema recorrente do

' A relação histórica entre Estado e mercado é tema de intensa controvérsia acadêmica. Se os dois
tiveram um desenvolvimento autónomo, se o mercado gerou o Estado ou o contrário, são
questões históricas importantes cuja solução não é relevante para o argumento apresentado
neste livro. Qualquer que tenha sido a sua origem, o Estado e o mercado têm hoje uma existência
independente, uma lógica própria e uma interação reciproca.
28 Robert Gilpin

discurso acadêmico. De um lado, o Estado baseia-se nos conceitos da


~rritorialidade, lealdade e çx:clus1vida~ tem o monopólio do y~J<:$.~!!p_~ __ .
da força._Embora nenhum Estado possa sobreviver por muito tempo sem o
consentimento dos grupos sociais mais poderosos, e não garanta os seus inte-
resses, os Estl!!!Q.5-_go~m E.C: ..8-1:~'!~-d~ l!l!~ºl:1~!!!i.!1 \18-1ê~ª-d()_Sd_ç{)!!l_t;~~P.~!t{)!t.
__sociedades das guais patticÍJl_@l. .De outro lado, o mercado fundal!!!l!ltª~-
-nos conc:;~J.~~<!?~!nte.~_11r..!iº !l!.ll~J~maj,_il.~!!'lal(§~~-fº~!r.!!.!Uª!~-<!~S!~!Ç$J!:..
,te interdependência de -~~rad~ e vendedg.!~11.:~ univers~_c.~!!IP~_!t<?.....
_principll!1.!1~:!!!e .Q9.LJ?!:E)_ç_q~e Q.!U!Jlli.<la4es; o agente econômico autôno_J!!_«:>,_q~~---
responde .aos sinais dagos_~QS preçp~_,_tc;m.Jd!!!l!..Q!~~-P!.~~--~l!.~Y.!:~
Para o EstadQ, as fronteiras territoriais são necessárias para a unidade políti-
ca e a autono~-;;~-;;i~~-;!:?ara__Õ_mêrêãéiõ~-é-TmpêratTvo-elinilnar todosõs..
';;bs"~í;;;p~k~;"d;~;.;;;;i;~-;;;;;;;-fuliéTõôameõto'<lõ.ffiêcã.Usmoãõs·
12re~A tensão entre
essas du"is'-rilãne!ras'"Cie.. orãeiiiirãS relâ'çõesnumãnâs:"
fundamentalmente distintas, afetou profundamente o curso da história mo-
derna e constitui um problema crucial no estudo da economia política. 2
Essa concepção da t'l.!<Qilll..miap_ofüic.a.difar.e_§l!ti!.me!J!eAª dc;fjn içª-9 us.a::.
da no rrieu livro ªnterioJ:.sohre.o.assunto,J! qu~! dc:_fü:Ü!l~!-~Q!.12~Í'.!: P.~!-~t~-~a _
C<?rrl<>..'.'.!!.•iQ!~~p recíproca~ dinâmis~J_d,da ~~-<!.ªJig~<.!\tRRSxL:·­
(Gilpin, 1975, p. 43). Embora ambas focalizem os efeitos da relação entre
"economia" e "política'', a presente formulação salienta a organização dessas
atividades na Era Moderna, enquanto o trabalho anterior acentuava o objeti-
vo dessas atividades. Obviamente, essas concepções inter-relacionam-se.
Conforme observado antes, os mercados constituem certamente um me~o dl'...
conseguir e de exercer o goder, e o Estado pode ser usado (e é usado) para
alcançar a riqueza. Estado e mercado i~gem para Influenciar a êii'Stribui-
ção de poder e riqueza nas relações internacionais.

Os temas da economia poUtica

O conflito entre a crescente interdependência técnica e econômica do mundo


e a continua compartimentalização do sistema político, composto de Estados
soberanos, é um motivo dominante dos trabalhos contemporâneos sobre a eco-
nomia política internacional. 3 Enquanto poderosas forças do mercado - o co-
mércio, os fluxos financeiros e os investimentos ex:temos - tendem a ultrapas-

2 Os conceitos de Estado e de mercado usados neste livro derivam primariamente de Max Weber
(1978, v. 1, p. 56, 82 e passim).
3 O primeiro autor a abordar sistematicamente esse tema deve ter sido Eugene Staley (1939).
A economia politica das relações internacíonais 29

sar as fronteiras nacionais, a escapar ao controle político e a integrar as socie-


dades, a tendência dos governos é restringir, canalizar e fazer com que a ativi-
dade econômica sirva os interessespêrcêl:iiãrisdos.EsfaaosedÕsgruil_Qii~9<l~
rosos que atuam no sêu"liiteriõr~·x1ógieã-dõmerêàdoconsisi:êêili"i~calizar as
,atividades económicas onde elas são mais ~dutivas lucrat~tógíca du-e
.Es.tJ..do_ç_onsiste...em..cap.tnrar e contm.1-ªr o processo de cresc1mênto eéOnõiii!Co-
e de acumulação de capitaj_(Heilbroner, 1985, p. 94-95). ·
Durante séculos, debateu-se sobre a natureza e as conseqüências do cho-
que das lógicas do mercado e do Estado, que se opunham fundamentalmente.
Desde os primeiros pensadores modernos sobre a economia, como David Hume,
Adam Smith eAlexander Hamilton, até luminares do século XIX, como David
Ricardo, John Stuart Mil! e Karl Marx, e os autores contemporâneos, a opinião
esteve sempre profundamente dividida a respeito da interação da economia e
da política. As interpretações conflítantes representam três ideologias funda-
mentalmente diferentes, as quais discutiremos no próximo capítulo.
O choque inevitável cria três temas genéricos inter-relacionados que pene-
tram as controvérsias históricas no campo da economia política internacional.
Todos se relacionam com o impacto do crescimento de uma economia do merca-
do mundial sobre a natureza e a dinâmica das relações intemacionais. 4 E todos
podemos encontrar nos tratados dos mercantilistas do século XVIII, nas teori-
as dos economistas clássicos e neoclássicos dos últimos dois séculos, nos to-
mos dos marxistas do século XIX e dos críticos radicais contemporâneos do
capitalismo e da economia da globalização. Uma longa tradição teórica e
especulativa é crucial para o entendimento dos problemas contemporâneos do
comércio, das finanças e das relações monetárias entre os países.
O primeiro tema tem a ver com as causas e os efeitos económicos e polí-
ticos do surgimento de uma economia de mercado. Em que condições emerge
uma economia global altamente interdependente? Ela promove harmonia entre
os Estados nacionais ou provoca conflitos entre eles? Será necessária a pre-
sença de um poder hegemónico para assegurar que Estados capitalistas man-

' Obviamente, nem todos que trabalham no campo da economia poHtica internacional concorda-
rão com a escolha desses três temas como os mais imponantes. Muitos poderiam apresentar
outros temas, com boa razão. Assim, por exemplo, os temas propostos excluem a formação e
a substância da política econômica extema. Embora esse seja um assunto relevante, o foco
principal do livro são a estrutura, o funcionamento e a interação dos sistemas econômico e
político internacionais. Uma distinção paralela pode ser feita (e é habitualmente feita) entre o
estudo da política externa de determinados Estados e o estudo da teoria das relações internaci-
onais. Embora se trate de assuntos muito relacionados entre si, eles propõem questões distin-
tas, e baseiam-se em diferentes premissas. Gaddis ( 1982) e Wallz (1979) são, respectivamente,
excelentes exemplos de cada tipo de abordagem.
30 Robert Gilpin

tenham relações cooperativas ou poderá essa cooperação surgir espontanea-


mente do interesse mútuo? Sobre este ponto os teóricos de diferentes escolas
de pensamento têm apresentado opiniões profundamente conflitantes.
Os liberais em economia acreditam que as vantagens de uma divisão
internacional do trabalho com base no princípio das vantagens comparativas
fazem com que os mercados surjam espontaneamente e promovam a harmo-
nia entre os Estados; acreditam também que as redes de interdependência
econômica, que se encontram em expansão, criam uma base para a paz e
para a cooperação no sistema de Estados soberanos, competitivos e anárqui-
cos. Por outro lado, os nacionalistas econômicos acentuam o papel do poder
na formação de um mercado e a natureza conflitiva das relações econômicas
internacionais; argumentam que a interdependência econômica precisa ter
um fundamento político, cria outra arena para o conflito entre os Estados,
aumenta a vulnerabilidade nacional e constitui mecanismo que uma socieda-
de pode usar para dominar outra. Embora todos os marxistas enfatizem o
papel do imperialismo capitalista na criação de uma economia de mercado
global, eles se dividem entre os leninistas, para quem as relações entre as
economias de mercado são pela sua natureza conflitivas, e os seguidores de
Karl Kautsky, o principal protagonista de Lenin, os quais acreditam que as
economias de mercado (pelo menos as dominantes) cooperam na exploração
conjunta das economias mais fracas. A alegada responsabilidade do sistema de
mercado pela paz e pela guerra, pela ordem e pela desordem, pelo imperialis-
mo e pela autodeterminação está implícita nesse tema importante, como tam-
bém a questão crucial de saber se a existência de uma economia internacional
liberal exige a participação de uma economia hegemônica para governar o
sistema. O desafio aos Estados Unidos e à Europa Ocidental representado
pelo Japão e outras potências econômicas em ascensão, no fim do século
XX, dramatiza a importância dessa matéria.
O segundo tema relacionado com a economia política internacional é o
vínculo entre a mudança econômica e a política. Quais são os efeitos sobre as
relações políticas internacionais e que problemas estão associados às mudan-
ças estruturais no locus global das atividades econômicas, nos principais seto-
res da economia e nos ciclos da atividade econômica? Vice-versa, de que modo
os fatores políticos afetam a natureza e as conseqüências das mudanças estru-
turais nos assuntos econômicos? Assim, por exemplo, pode-se questionar se os
ciclos econômicos e seus efeitos políticos são um fenômeno endógeno (interno)
ao funcionamento da economia de mercado ou se essas flutuações são devidas
ao impacto de fatores exógenos (externos) sobre o sistema econômico, tais
como guerras ou outros eventos políticos. É necessário também indagar se a
instabilidade econômica é ou não a causa de certos distúrbios políticos profun-
A economia política das relações internacionais 31

dos, corno a expansão imperialista, as revoluções políticas e as grandes guerras


dos últimos séculos.
Assim, este livro interessa-se em parte pelos efeitos das mudanças eco-
nômicas sobre as relações políticas internacionais. Essas mudanças pertur-
bam o status quo internacional e levantam problemas políticos de grandes
dimensões: qual será a base da nova ordem econômica, e qual a nova lideran-
ça política? Haverá um ajuste apropriado às novas realidades econõmicas
(por exemplo: novas relações monetárias e comerciais)? Como se poderá
resolver o choque inevitável da vontade de os Estados manterem sua autono-
mia interna com a necessidade de regras internacionais que regulem tais
mudanças? Esses aspectos da transição entre épocas históricas surgiram no-
vamente com a difusão global de atividades econôrnicas e as alterações pro-
fundas nos principais setores econômicos que ocorrem no fim do século XX.
É importante pesquisar a relação entre essas mudanças estruturais e a crise
na economia política internacional.
O terceiro tema do livro é o significado, para as economias nacionais, de
uma economia de merc:;ido globalizada. Quais são as conseqüências para o
desenvolvimento econômico, o declínio e o bem-estar de cada uma dessas so-
ciedades? De que modo a economia de mercado mundial afetará o desenvolvi-
mento dos países menos desenvolvidos e o declínio das economias avançadas?
Quais os seus efeitos sobre o bem-estar interno dos países envolvidos? Como
afetará a distribuição do poder e da riqueza entre as sociedades nacionais?
O funcionamento de uma economia mundial tenderá a concentrar a riqueza e o

___
poder ou, ao contrário, contribuirá para a sua difusão?
Tanto os liberais como os marxistas tradicionais.....consideram
.,.,....._..,..,..,,.."-'" ..,,..... ,._.
.,.,..,,...~-,..,,~.,,-.,..,..,..,,...,~~-·--~·~·----~·-~ ""~,-.-

de uma sociedade na economia mundial como um fator positivo para o bem-


estar n1tern<U::-ci:.:<l~senv.o)yim~;:õilômiêo.
a integração
.._..

Pariiamãiõria<lõslinerais, o.
___ ~---· .-~·-,--,,., ···--"~"··~~··---.-·-·"-~"'~'-

--..,.....-·--·- .. .,.._,,·--·~···-~·--~"-""'-·--"' "-


comércio é um "motor do cre_scimento.'.'.;_emb9~ã-ãj]Ç.ü@~íli!~r!f.!~-=:~1n!êseP:.'
volvimento_s.ej.am1nfilLimi:iortmtes._o...puw_ess.Q.il~~scimentq,.2~flç_~~;§,ç_
grandemente com os fluxos internacionais de comércio, de capital e de tecnologia
~SiliàrxiSüiStrã~_IE_'L~ For~illrii_~s·pro-····
movem o desenvofVimento ao destruir as estruturas sociais conservailoras. Por
-;ufro 1ãdõ:nos"países desenvolvidos como n~s países desenvolv1mento;-;; em
~cionalistas acreditam gue a economia -~~r.E!~~~l.m:eim!ie~~_.so:'
_l}Q!!lig e o bem-estar internos. Para eles,...o..c.omércio..é,..na verdasl.e-.UQJ...'.'.m.oJQL
de exploração" dos sens.p.aíses, uru..fator de subdes~Y2!~o - no caso das
económias avançadas, uma causa do declínio econômico. Essa co~v~f~
sobre o papel d.a.economiamunctiãLna.dísitlbulÇ.ãô_gLohaldâriqii°eza, do poder e
-----~~- .... ·-~~·,,,~_..,,, ...."' "'"'"'"'"""·'L>~--.
do bem-estar constitui u~!._~~~ 9.~õe.Ll'J11l.~§.~?..rl.!!.!>~!1idas !;._maJ~J.ri..kn~ª:-
_mente discutidas da economia p,oJ.illç_:;i,_
3Z Robert Gilpin

Esses três temas - as causas e os efeitos da economia de mercado global,


a relação entre as mudanças econômica e política, o significado da economia
mundial para as economias internas - constituem as mais importantes ãreas de
interesse do livro. Naturalmente, nem todos os aspectos desses temas serão
examinados aqui em detalhe: pretendo concentrar-me naqueles tópicos especí-
ficos que esclarecem os problemas da economia mundial contemporânea.
No restante deste capítulo discutiremos a natureza do mercado, suas con-
seqüências econômicas, sociais e políticas, assim como as respostas políticas a
esses efeitos. E nos capítulos subseqüentes estudaremos o papel do Estado na
sua tentativa de controlar as forças do mercado. No entanto, antes de consi-
derar a temática teórica implicada nessa interação, e sua relevância para a
compreensão de assuntos tais como o comércio, as relações monetárias e o
investimento externo, devemos fazer a seguinte pergunta sobre o foco desse
mercado: por que enfatizá-lo como o ponto crucial da vida econômica moderna
em vez de focalizar, por exemplo, o capitalismo, o advento da industrialização
ou o impacto da tecnologia científica?

A importância do mercado

Nosso estuc!g_ga ~co!!omia política tem como foco o merca~_C)__\l§.!!ª§J~!!l::


ções com o Estado porque nâ nossãépocaa
econêimlii-cle mer~~do mundial é
~ic~J~~-ra ~~~_ges inte~'j;~;~;;-~is; ~1é;;~;~õ-ilãs-sõcie<liiilê-ssocíâí isíás 3··
chave para o debate econômico é o papel atribuído às forças internas e exter-
nas do mercado .•~C)-~\l.1:1. _i:stt1<i9. ç1ª11~jçQ_~QPTt1ª . tran§f<;>rtt1ªÇã,() <iª §Qç!i:ita,9.\l~
moderna Karl Polanyi dissE_.

( ... )a fonte e matriz do sistemª (sconômL~..2lític9_~1?rno] era..!!.i!:Jl..!Q;


regula~ do mer~l!99· J;.ç!$.§~<l.9.l;!e cr.\2?.l!l!!!l...:~2.~~p;<;,!.~;.
ca. O padrão-ouro era sim11lesmente uma tentativa de estender ao campo
internacional o sistema interno de mercado; o sistema do equilíbrio de tJoder
·;;;;;-;~-~~j;;;.;;trutura eris.ida sobre o padrão-ouro e que em parte funcÍ~
vapor meio dele; o próprio Estado liberal era uma criação do mercado auto-
. regulado. A chave para o sistema institucional do século XIX [assim como o
da nossa época] são as leis que governam a economia de mercado (Polanyi,
1957, p. 3).

Por outro lado, Karl Marx acentuava a importância do capitalismo ou do


modo de produção ca~i~alista co~_fatÕr ~xclusiv.<?z...e_ criãfivo?..~~m~n~~=­
modemo, ·Se_gundo .Mi!.'2'..!'..,~-~'!..~~ª~l!E~~~!.~EJ~.l!.!~,.,.Q.~Jraç2~-'I!:!;.ªª§~
'
capitalismo (e que aceito) são a pro2riedade privada dos meio~'·--d~
- ,.,...,....,""""' _ _ _
·~-,~--~_,,.,,,-,,.,,~-·'-~~--e__..,.,.,. .
E,fOdução, a ...
..,,,,.........,~-.-~-.,..,.,. """>rv.<'~""=""'"'-"""'tfll-"<,
A economia política das relações internacionais 33

existência druali..aJho livre ou_!!§l?a!ªriac!9....Q.Lfilo cOJ!LQ~ação e a _!enÇ~Jt


eia para acumular capj_tª-t. São essas características que dão ao capitalismo o
seu dinamismo, e, por sua vez, o caráter dinâmico do sistema capitalista trans-
formou todos os aspectos da sociedade moderna. Conforme GordoIJ_C.i::a_ig de~
xou c.laI.Q...anatureza.r.e.v.alucfonár.ía.. do-capitali_sm.g.r.eside.no..fatuJl.e.,..Rela.pJ.L
meira vez, o insti!J!()_~~-i!S:,l!!!l~ll!~.<il!Jlq~z.:!L~ se in.s;2-.IR.9..tí!.dP ao process.o., _
~!iYQ;,.!Lqu.e.mugou a face d_o globo foj_a combinação desse si§!em~ econô,. .--v ~0>"~6'
. mico corn.!U!es.!;i9A!l..ª-f!.q),ij,!:il:.i:!mJst~(Craig, 1982, p. 105-106). f'~ l~
Não há dúvida de que é correta essa caracterização da natureza dinâmica ~
do capitalismo, e do seu impacto: é o espírito agressivo do capitalismo aquisitivo
que dá vida ao sistema de mercado (Heilbroner, 1985). Mas foi o mercado que +
* . . . 1mente essas f~rças __~~~-!.!P.~~aji~ITIº• e depois as ~~nali~_Q!!:._ ·11"1""'4-~·
l1'b erou m1c1a
O capitalismo exerce sua influência profunda nas relações sociais e no sistema
político por meio do mecanismo de mercado. O mercado e o intercâmbio co-
mercial unificam o universo econômico; no entanto. não se pode falar de um__
modo internacional de produção capitalista. A despeito da emergência da em-
presa multinacional e das finanças internacionais, a produção e as finanças
ainda têm uma base. nacional, e, apesar da maior interdependência econômica,
poucas economias estão completamente integradas na economia mundial. Além
disso, nas últimas décadas do século XX o bloco socialista, o qual não privilegia/""'·+ Jo.. ~e
o mercado, aumentou sua participação no mercado global. f.9rtantQ,_o..men:a.d!L J..r, ,, ~
. global n~o se_confund~ com o sis~e~a capitalista, e é_bem maior. . -l, cl~"JYnilvtuW'
O dmam1smo do sistema cap1tahsta deve-se precisamente ao fato de, estJ- v~
mulado pela motivação do lucro, o capitalista precisar competir para sobreviver '1i "t~ v6' ~-e ..~13-­
em uma economia de mercado competitiva.A competição elimina os ineficientes, ~;/-0.. ~rctr fô4'"
premia a inovação e a eficiência e promove a racionalidade. Na ausência de /h. ~-r·o~ )11< ~
um mercado, o capitalismo perde sua criatividade e seu vigor essencial (McNeill, .11~ ~ ,..~ ~-"fi -
1982). As características próprias do modo c~pitalista de produção, confo11E_Ç_, e, ~-·Y.,A§;A,,_
_definidas pelos marxistas, não teriam levado ao progresso econômico sern.5L-1Ív,;1U~ _.,,:t,,O'.:.-Ct>,z.
• estímulo da competifãO n_o mercado: No~~!1!º' na presença do ~cado, até .iÍJ. ~ ,)r, _~'-'° t-toi,,;,
mesmo as firmas nac1onahzadas e~~.c1sam lutar.Il..ara 111anter-se lucrativas e com- t?f Y''~JI; "!·~ w..
petitivas. Assim, o advento do socialismo não deve alterar necessariamente -e. "h,,,.;,,,-.,,,,,J,-<>- ~""'
essa dinâmica subjacente, desde que continue a haver a competição ou um seu !,,,g '"'lJc'!.: AM.i.!}. 4 lê
equivalente funcional. John Rawls lembra-nos que "não há um vínculo essenci- ~.:.,''""' ~ .'1;?,,,w,
ai entre a utilização do mercado livre e a propriedade privada dos meios de -U~ : ' fi'\\'.J\-

* produção" (Rawls, 1971, p. 271 ). O capitalismo não está associado necessaria-


mente ao sistema de trocas no mercado.
Assim, o conceito dS.:merc.ado" é mais amplo do que o de '~capitalismo".
· ,.,VJJY ~~
·

A essência de um mercacjQ,_a qual definimos adiante com maiores detalhes_, é o


~ papel central dos pre20~ relativ~s na tomruJ.a_d.e_cl~cigía11ara a _alocaçãó de.
34 Robert Gilpin

~.V recursos. A essência do capitalismo, como dissemos anteriormente, é a pro-


-'!'" .Priedade privada dos meios de produção e a existência de trabalho livre. Teori-
camente. um sjstema de mercado pog~rill ~er cgmposto por atores públicos e
com força de trabalho sem liberdade, como no conceito de socialismo de mer-
pado. p papel crescente do Est~:.2,?s ~!ores_[!úblicos no merc~ criou
J.1ltimamente uma economia mista de erng~~a ~.!!ca e. p!b'..,ada:.J~a prâ!ica,,
ºporém, o mercado tende a vincular-se ao capitalismo internacional..
Em suma, o sistema de intercâmbio no mercado e o modo de produção
capitalista são coisas distintas, embora haja uma conexão estreita entre elas, e
algumas vezes sejam mencionadas neste livro indiferentemente. O termo "ca-
pitalismo" é ambíguo demais para ser usado como uma categoria analítica.
Com efeito, existem muitas variedades de capitalismo, as quais funcionam de'.
1
maneira diferente. Será a França, por exemplo, genuinamente capitalista, com
90% do seu setor financeiro e boa parte da sua indústria pesada em mãos do ~/~/J"#
Estado? Como classificar o capitalismo japonês, com o papel tão importante
atribuído ao Estado na orientação da economia? O mundo contemporâneo está ;1 t.vi/'.;f/f~;.,:.d-_
composto em grande parte de economias mistas, forçadas a competir entre si """"
no contexto internacional. /
Outros pesquisadores identificaram o industrialismo, a sociedade industriáÍ
e/ou o desenvolvimento da tecnologia científica como características da vida
econômica moderna. 5 O desenvolvimento da tecnologia industrial e o da ciên-
cia moderna são obviamente importantes para a prosperidade e para o caráter
do mundo moderno. Não se pode explicar a Revolução Industrial e o advento
da ciência moderna simplesmente como uma resposta às forças do mercado;
sem a tecnologia baseada na ciência, a moderna economia do mercado não
teria podido progredir tanto.
Os avanços científicos dos séculos XVII e XVIII que instituíram os alicer-
ces da indústria e da tecnologia modernas não podem ser explicados só por
motivos econômicos. A ciência é uma criação intelectual resultante da curiosi-
dade humana e da tentativa de compreender o universo. Contudo, sem uma
demanda por maior eficiência e novos produtos, o estímulo para explorar a
ciência e para desenvolver inovações tecnológicas seria muito menor. Embora
o progresso científico aumente o suprimento potencial de novas indústrias e
novas tecnologias, é o mercado que produz a demanda necessária para que
essas tecnologias sejam criadas. Assim, o papel crucial do mercado, ao organi-
zar e ao promover a vida econômica, justifica nosso enfoque no mercado, as-
sim como as implicações da interdependência econômica nas relações interna-
cionais.

' Goldthorpe (1984; cap. 13), Giddens (1985) e Rostow (1975) representam essas posições.
A economia política das relações internacionais 35

O conceito de mercado, ou de interdependência económica, é ambíguo,


havendo muitas definições diferentes.6 Neste livro usaremos a definição de,
interdep<:odência económica do Oxford English Dic{iori,arJ!., ~.&id.ª'-OOL
Richard CooE,er: interdependência é "o fato OJ.1 ç9ndicão da deg.epclência recí-
p_roca; a mútua dependência" {Cooper, 1985, p. 1196). Além disso,.como Robert
JÇ_euhane_e.1.o.s.e.ph Nye ( 19_77) observ!l.!ªm, ll, interdependência económi~~.
,wferir-se-a-uma.rela~_âp de oder isto é ao ue ~lb~r;t HirscmiL,!J945)
chama de "interdepeng§]cia de vulnerabilidade". A expressão pode significar
também interdependência de sensitividade, ou seja, a pronta interação das mu-
danças nos preços e nas quantidades em diferentes mercados nacionais.
Embora em teoria esses diferentes sentidos se possam distinguir facil-
mente uns dos outros, na realidade isso nem sempre acontece. A não ser
advertência em contrário, uso "interdependência" no sentido de "dependên-
cia mútua, embora não igual". Aceito a interdependência económica como
um fato ou condição, mas não concordo com muitas das suas alegadas con-
seqüências económicas e políticas.
Se por aumento da interdependência económica se pretende indicar o fim-
cionamento da "lei do preço único" - isto é, o fato de os bens idênticos tende-
rem a ter o mesmo preço-, então, a interdependência global alcançou um nível
sem precedente. No entanto, as conclusões a que podemos chegar não são
óbvias. Embora examinemos neste livro a integração dos mercados nacionais
em uma economia global interdependente e em expansão, questionaremos tam-
bém alguns dos efeitos que se atribui a essa crescente interdependência no
campo das relações internacionais. A interdependência. é um fenómeno a ser
estudado, não um conjunto pronto de conclusões a respeito da natureza e da
dinâmica das relações internacionais.

As conseqüências econômicas do mercado

Embora "mercado" seja um conceito abstrato, a economia de mercado


ode ser definida como a uela em ue bens e servi os são intercambiados na
base e pre os relativos; no mercado as transa ões são ne e· das e os re-
sos etermínados. Nas palavras de um economista, sua essência é "a forma-
ção de um preço, mediante a negociação entre os que vendem e os que com-
pram" (Condl iffe, 1950, p. 301 ). Em termos mais formais, mercado é "o con- ,
J!:!nto d~gualguer r~J.ão o~de compradore!~..Y..fED.C!ri!m:!:.ê. .§.i:J.J.1EP~r:!~!3..~~<2~-t~
liberdade que os 12reços das mesmas mercadorias tend911 a se igualar rap1Õa-

• Cooper (1985, p. 1196-1200) apresenta uma excelente análise desses vários sentidos.
36 Robert Gilpin

mente e sem dificuldade" (Cournot, citado em Cooper, l 985, p. 1199). Suas


características específicas dependem do grau de abertura e da intensidade da
competição Os mercados diferem entre si no concernente à liberdade que têm
os participantes de nele ingressar, e também na medida em que compradores e
vendedores podem influenciar individualmente os termos desse intercâmbio.
Assim, um mercado perfeito ou auto-regulado é aquele que está aberto a todos
. os inte~tenêlãís:-eii'f.9.uãfõêiiliü~~;ided~ ou ~}EEr~ªQ!J!M"l
determinar os_tem de§se iutercâmhjQ Embora nunca tenha havido nenhum
mercado perfeito a esse ponto, este é o modelo implícito no desenvolvimento da
teoria econômica.
A economia de mercado represen(ª um afastamento ...................... significativo dos
..._...-,._..~-

três tipos mais tradicionais da ecgnomia ilc: ti:aca Embora nenhuma dessas
formas de intercâmbio tenha existido ele forma exclusiva, uma delas sempre
tendeu a predominar. O sistema econômico que mais prevaleceu ao longo da
história, e que ainda é característico de muitas economias menos desenvolvi-
das, é o intercâmbio localizadg, muito restrito em ter!!lQ.s-®-eÂÇ.P.P.9~~­
co e da cesta dos bens oferecidos. O se undo_1mo de intei:s;..&mhiQ_~.,,g~flJ!§...
economias comanda as. como as dos grapde§ imqérios.histórLc;,os da Assíria
.
e, em grau muito menor, de Roma; que é também a dos países socialistas de
hoje. Nessas economias planificadas, a produção, a distribuição e o preço das
mercadorias tendem a ser controlados pela burocracia governamental. O ter-
ceiro tipo é o do comércio,tmt.m.t;LQ_d,e.g.r;m1.r;!~~s,ttncia~ yom mercadoria~
de alto valor, como as caravanas que cruzavam a Asia e a Af!ica, principais
.....b-.io......E""m=b""or..,a-..c..o...~~t9L<? ~;2,graficamente exten-
..:.ce.n_t_ro.._.s.._d"'e.-s"'s"'e"'i.;.;nt.;.;e;.;;rc.-â""m
.:SO, envolvia só um pe9ueno n,úme~o 2e be.~ (condimentos, sedas, escravos,
metais preciosos, etc.). Po.r muit.as raZ!1es 1 os mercados tendem a des}ocar-ª.~.
formas mais tradicionais de intercâmbio.
Um dos motivos da primazia do mercado na formação do mundo moderno
é o fato de ele obrigar a reorganização da sociedade, para que possa funcionar
mais adequadamente. Como Mag, perceheµ_c)arnmente,_qJ.lalllk>..sw:g.1;...l!.!l1-_
mercado ele se toma uma fors:.!!.,I?,Oderosa,para a tragsfoi;ma!il~JUl.ru;.i!!I,., Vale a
pena citar uma autoridade no assunto:

Quando o poder econômico é redistribuído por aqueles que abraçam o ideal


produtivo, sua influência como compradores, investidores e empregadores é
considerada capaz de modificar o resto da sociedade. O passo critico no
estabelecimento de um momento do mercado é a alienação da terra e do
trabalho. Quando esses componentes fundamentais da existência social sen-
tem a influência do mecanismo dos preços, a direção social transfere-se para
os determinantes econômicos (Appleby, 1978, p. 13-15).
A economia política das relações internacionais 37

Na ªl!~cia de limites ~is,_fí~jçQª-J'_de 9_ytra mit~~\!.EW'.!Q!J.liiu:le,


mercado tem uma qualidade dinâmica e expansiva,. Tende a provocar o desen-
volvimento econômico, a expandir-se territorialmente e a abranger todos os
segmentos da sociedade. Estados e grupos de interesse procuram restringir o
funcionamento do mercado porque ele tem a capacidade potencial de exercer
uma pressão considerável sobre a sociedade; os esforços para controlar os mer-
cados levam ao surgimento da economia política das relações internacionais.
Tr.~!!!.Sl~ti~SJ~~,2~=~~~de_mercad2_ são responsáveis pelo seu
dinamismo: 1) o pap.:!. crítico dos ~çp~Jati,'l'.9~ 9~s_5ens e de
serviços; 2) a importância fundamental da competição como determinante da
conduta indiv~l. t;,)!;S!itµçiiti.!!\.i.S: 3) a imp2!'1ânciadª efi.ciência na determ!:_
nação da capacidade de sobrevivêncJ!.꺪 atores econô._micos. Delas decor-
rem todas as profundas conseqüências do mercado para a vida econômica,
social e política.
~ ecpn omJ_'.1 de ..!!!C!!"f.!!.dO...P!Qffi<?_Y~.Q...cre§çiJ!IJmiQ.P_O.!:_ T!!_~~~~--~§.~-ªtiç.~~,.Ç.c,.
~j_çJ1.!i,,_Q.flles_ç,ª!:10••:i:1l.1!!S:nrn.1_1.~J.QS:~!l:Q[g,~fici.ente.d~~-X~.l!!~~~!iS.~5,~tJt~s_,__
_9~iffi.!:!!to e_conqmil:.Q.ê~!§~.P.Qr.9!le o merc~~~ promove l!_ma redistriQ,uição _
~ª'1.@Q'.J-lh_~~E-~Rt!~.l,_()!t'!.U1it!)_clg~ara aquelas atividades mais compe-
titivas. E como as forças competitivas do mercado obrigam o produtor a inovar
e levam a economia a níveis cada vez mais altos de tecnologia e eficiência
produtiva (para que possam prosperar ou meramente sobreviver), o mercado
promove dinamicamente inovações tecnológicas e de outros tipos e expande,
assim, o poder e a capacidade da economia. Embora tanto os aspectos estáti-
cos como os dinâmicos dos mercados tenham ao longo da história contribuído
para o crescimento econômico, o fator dinâmico adquiriu importância decisiva
com o advento da ciência moderna, base da tecnologia de produção.
A economia de mercado tende a expandir-se____
_...,,_......_..._.,,...,.,.........,.__ geograficamente,
..... ultrapassar
='11,.~-·,""""'~'""''

fronteiras políticas e incorporar uma parte cada vez maior da população do


globo (Kuznets, 1953, p. 308). A demanda por recursos e mão-de-obra mais
baratos faz com que se difunda o desenvolvimento econômico (H. Johnson,
l 965b, p. l l-12)._Ç..Qfil.Q...~.!n12Q.._!-!.,,m~yarte crescente da perifaria ecQnqmica é
atraída para a órbita QQ.J11ercado,,. As r~.ts dessa tendência ex12.ansionista
incluem a,s .e.flc.~nci~s de esca\a, o ap_erfeiç_~l\_ffi~ntç gos transEortes e o au;.
mento da demanda. E o que Adam Smith tinha em mente quando afirmou que
tanto a divisão do trabalho como o crescimento econômico dependem da esca-
la do mercado (Smith, 1937 (1776], p. 17). Para aproveitar esse aumento da
eficiência e reduzir os custos, os atores econômicos procuram expandir a ex-
tensão e a escala do mercado.
Outra característica da economia de mercado é a tendência tmra i.!!.co,mo..-;,,.
rar todos os as.ps;ctos da sociedade' às relações de mercado. Por meio dessa
38 Robert Gilpin

"comercialização", todas as facetas d!!_~~!!!s.l!!~liti.2..JJ.ªI são trazid!s para


_a órbita do.mecan.ismo do.wreco~AJe1!!>.!.Í2I~itc;ll\l1'!l.RcªIJ;;,~ e o~tro~ ch!!.,JJ!.a-:jf
~,M,2!.!<&Q~~PkoÕMÇ.ª°;: J:!!!Ssam a ser merca4orias, a ser in!ercambiadas,
sujeitas ao jogo das forças do mercado (Heilbroner, 1985, p. 117). De forma
mais crua, ode-se dizer que tudo tem o seu preço; como um amigo economista
costuma dizer, "o v or e uma coisa é o seu preço". Em conseqüência, os mer- :-LI
cados têm u esestabilizador na sociedade, porque disso)- ~
,xem as es!rutuw tradicionais e as Wa@.çS.§!.!Siilãi!i(Goldthorpe, 7 , p. 194).
Tanto no nível interno como no internacional, o sistema de..mer.cad.o tende .
também a criar uma divisão.hierárgl!i~trahl!.\h.Q.~ptre os 1l~~!9.!~S. ba-,
_seada 12rincipalmente..na..esp.ec.iali:z:a..ç.ão.e.Jl.o.,qu.e.,Q~1.J;,ÇQ.QQWͧ!,.~fil}!,'!1!1'.l), ~
lei das vantagens (ou custos) comparativas.., Em conseqüência das forças do
mercado, a sociedade (interna e internacional) é reordenada sob a forma de um
centro dinâmico e uma periferia dependente. O centro caracteriza-se princi-
palmente pelos níveis mais avançados de tecnologia e de desenvolvimento
econômico; a periferia depende do centro, pelo menos inicialmente, como um
mercado para suas exportações de produtos básicos e como fonte de técnicas
produtivas. No curto prazo, à medida que o centro cresce ele vai incorporando
à sua órbita uma parte cada vez maior da periferia; no longo prazo, contudo, em
conseqüência da difusão da tecnologia produtiva e do processo de cresci-
mento, novos centros tendem a formar-se na periferia, tomando-se núcleos
alternativos de crescimento. Essa tendência para a expansão do centro e o
surgimento de novos núcleos tem conseqüências profundas para a economia e
para a política (Friedmann, 1972).
A economia de mercado tende ta:rnb~m a r.Wis.ttibnir a riquez.a~ as ativi-
dades econômicas entre as sociedades e no seu interior. Embora todos se
_!?eneficiem, em termos absoÍutos",' à"~fdí.Ulue ÇJlQfi!Uec_em COnl ?wf2.~JljCiJ?a­
ǪO pa economia de mei:,cado. alguns ganham mais do que outro.§:~Há uma
tendência para que os mercados, pelo menos inicialmente, concentrem a rique-
za em determinados grupos, classes ou regiões. Os motivos são muitos: as
economias de escala, a renda dos monopólios, os efeitos das extemalidades
positivas (transferências de uma atividade para outra), as vantagens do apren-
dizado e da experiência e muitas outras eficiências que produzem um ciclo
caracterizado por "dar mais a quem tem mais". No entanto, subsequentemen-
te, os mercados tendem a difundir a riqueza por todo o sistema, em razão da
transferência de tecnologia, das mudanças nas vantagens comparativas e ou-
tros fatores. Em certas sociedades pode haver também um círculo vicioso de
declínio a depender da sua flexibilidade e da capacidade de ajustar-se às mu-
danças. Mas o crescimento e a di~~~!~q~~..!1~.?-~~~!!:.E~f2._ryn,a...!!!:>m9.:.
gênea em todo o siste.!!!.l!;...te!lde a conc~till:s~-~9!!!:1c:§.1!ºvos <:~
A economia política das relações internacionais 39

núcleos de crescimento em que as condições são mais favoráveis; Em COI,!~~.


qüência, a economia ge mercado tegde a pmmg~r !.!PJ m,.o.cess,q ge des~.MtID
vimento in:~ulu.t nos sistem!!S iptçmg ç intçmã~âPtll;\k . · ·
Deixada a seµs pró,prjp§ inmlll~o~. uina economia de mercado tem efeitos1
profundos SC?~r,e. ~ natureZ!i~J,,,o,rganizaçig.,cJíi1 sopi~~ad_e, assim co;no sob~i}
:_s relí!ǧes 12olíticas entre elas. ,Embora muitas dessas cónseqüênc1as 0
possam
ser benéficas, e desejadas por uma sociedade, outras contrariam os desejos e
os interesses de grupos e· Estados dôtados ·de poder. Assim, a tendência resul"
~ .el&ll'1ll:•~lll41:Ullli~•!SioW

J.ante é a dejJUe os E,~tados interven~am nas atividades econômicas para prg.


·,moyer os efejtos que os beneficiam e para reduzir os que lhes são prejudiciais.•

Os efeitos do mercado e as reações políticas

No universo abstrato dos economistas, a economia e outros aspectos da


sociedade existem em esferas separadas. Os economistas propõem a hip_ót.e.se..
_de um universo teórico comp_9sto de atores autônomos e homogêneos, <?~.
quais tendem a maximizar vantagens, são livres e capazes de reagir às força§..!
,do mercado em termos do que entendem seja seu auto-interesse_,_$1.ssumem o
fato de as estruturas econômicas serem flexíveis e os comportamentos mu-
darem automaticamente e de forma previsível em função dos sinais emitidos
pelos preços (Little, 1982, cap. 2). Como se não existissem classes sociais,
lealdades étnicas· e fronteiras nacionais. Quando lhe perguntaram certa vez o
que faltava no seu clássico livro de texto, o economista Paul Samuelson,
ganhador do Prémio Nobel, teria respondido: "a luta de classes". O que é
correto, embora ele pudesse ter acrescentado, sem exagero indevido e sem
violar o espírito do seu livro, "raças, Estados nacionais e todas as outras
divisões políticas e sociais".
De acordo com os economistas, a essência da economia e de suas impli-
cações para a organização política e social está contida no que Samuelson
qualificou de "mais bela idéia" da teoria econômica, a saber: a lei das vanta-
gens comparativas de David Ricardo. Esse simples conceito implica a orga-
nização da sociedade internacional e das sociedades nacionais em termos de
eficiência relativa. Implica uma divisão universal do trabalho baseada na es-
pecialização, em que cada participante se beneficia de acordo com a contri-
buição que dá ao conjunto, É um mundo em que a pessoa mais humilde e a
nação com menos recursos podem encontrar um nicho de prosperidade. Por
baixo do crescimento e da expansão do mercado e da interdependência eco-
nômica presume-se uma harmonia fundamental de interesses entre os indiví-
duos, os grupos e as nações.
40 Robert Gilpin

No mundo real. dividido em muitos gru_p_Qs...e_EstadQs.,...fi:e.qileementc...


conflitantes, os mercados têm.um.impa.ci;Q..diferent,!! dague)e proposto pela teoria
econômica, e provocam poderosas reações políticas. As atividades econômicas
afetam diferentemente o bem-estar político, social e econõmico de vários grupos
e Estados. O mundo real é um universo de lealdades exclusivas, muitas vezes
contrastantes, e de fronteiras políticas em que a divisão do trabalho e a distri-
buição dos seus frutos são determinadas tanto pelo seu poder e sua sorte como
pelas leis do mercado e do mecanismo dos preços. Com freqüência a premissa
de uma harmonia fundamental de interesses não se sustenta, e o crescimento e
a expansão dos mercados em um mundo social e politicamente fragmentado.
têm conseqüências profundas para a natureza e o funcionamento da política
internacional. Quais são essas conseqüências que provocam reações políticas?
J.Lma__Ç!l..nseg@!lcia da economia de.!Ylercado eara a política nacional _e

~tlor.Ç.l!S..dQJ!l~S~do_~.E2_~~ª'li~'!!2A.!?~E!re_çQs.~UUJ.!!1~9ci~~ade.
tende a sobrepor-se às institui.ções e ~-teli\ções sociais da tradição, e até
*
_jru_~nal são os efeitos alfarni;.iit~.i~ertur.h<1.do.r.elt.Sobr.e_ª§.Qt;ie4ªµe;_a intro-

}i"iesmo a dissolvê-las. A competição da eficiência expulsa os ineficientes <:_


9briga todos a se adaptar a novos hábitos. Como já notamos~os mercados têm :lf
uma tendência inerente para expandir-se e l!ttair tudo pai;a a sua órbita. Novas
demandas são estimuladas constantemente, novas fontes de suprimento são
procuradas. Além disso, os mercados estão sujeitos a distúrbios e flutuações
cíclicas sobre os quais a sociedade pode ter pouco controle; a especialização e
as dependências resultantes aumentam a vulnerabilidade a eventos imprevis-
tos. Em suma, os mercados constituem uma fonte poderosa de transformação
social e política e provocam reações igualmente importantes, à medida que as
sociedades tentam se proteger contra as forças que desencadeiam (Polanyi,
1957). .Portanto. não há Estado, por mais liberal. gue pe~Il:~!,Q,
,plena e livre das forças do mercado,
Outra conseqüência da i;:EQTIQmiª-.di:: merca_do é o fatq_ de ela afetar signi-
ficativamente a distribuição ~e rigueza ,e..de_poder..entr.e.Jl.li.§..~!.!!llE:!.=.!!~
de cada uma. Teoricamente, todos podem aproveitar as oportunidades do mer-
cado; na R!~tic~ porém, ojhidIVíduos, os S!llii~--ê~~snas.:õés têm dotes desi- ·
'guais, e estão em sitµaçfu;s .•di.ferentes imra beneficiar-se dessas oportunida-
'êíes. Assim, o aumento da riqueza e a difusão das atividades econômicas em
um sistema de mercado tendem a ser desiguais, o que favorece alguns atores
mais do que outros. Por isso os Estados procuram orientar as forças do merca-,
do de modo a que tragam benefícios a seus cidadãq_s, e disso resulta,...11.elQ.
menos no curto prazo,-~mái,4ifilrlbuiçl9,fü:_i;jguaLda.tiqueza.e~d-9~P.Q.cll!~~
2_articipantes daquele mercado e a es~ão dM.~.Q,Ç.iedades.!l~
]Olítica intem&<:i211al..(l;;lawtrey, 1952).
A econom·ia política das relações internacionais 41

Outra conseqilência importante da economia de mercado, no que se re-


fere aos Esta.dos, é em decorrênciarlo flito de a ínTuroepeiiaêncjã econômica
_çríar uma rela ão de oder entre ru os e sociedades. Os mercados não são
politicamente neutros; criam poder econômico, o qual um ator po e usar contra
outr9. A inti:rdi;pendência provoca ".!i:;.:l::.:n=.er:.:a:,::b".?il:.:.id:::.ª;d:::e~s:.:q:i:u::;e::Lp.:::od::.e;::m:.::..:ºs::.e:.:,r.:e"-'x"'p"'lo.,,r=a3
~as e manipuladas. Nas palavras de Albert Hirschman, "o poder de interrom-
per as relações comerciais e financeiras com qualquer pais ( ... ) é a causa
fundamental da posição de influência ou de poder que um país adquire com
relação a outros" (Hirschman, 1945, p. 16). Portanto, em graus variados, a
interdependência econômica estabelece uma dependência hierárquica e cria
relações de poder entre os grupos e as sociedades nacionais. Ao reagir a
essa situação, os Estados procuram aumentar a sua própria independência,
assim como a dependência dos demais.
Uma economia de mercado traz beneficios ~ custos para os grupos ~.
para as sociedades. De um lado, a especialização e a divisiig do trabalho
-~--
_ _ . . , , .... . - ' -- -· • ? ••~-~
promo~ o crescimento da econom..J.!!j:_,.o..aumento..daJ:i.mieza dg§_gpe parti:.
cipam do mercado. Embor-ªS§..ses benefic_LQ~,!1~~e.J!istribuam de forma
. igualitária, de l!!QQ.Q.g~tí;lltº°WJ>,ga.llhª111~~~~í!lW~~~~.. Assim, poucas
-sociedades procuram fugir à participação no sistema econômico mundial..Jle_
_outro lado, porém, a economia de mercado im.p.õ.e..t.amQ.~m custos ,ÇFP.~.Q..i.ni;;.
cos, sociais e políticos a determinados grupos e sociedades, de forma que, em
·termos relativos, alguns s~.beneficia.m mais do que o~ltros. Por isso, os ESiã:·
dos procuram proteger-se ao limitar os custos que incidem sobre eles e
sobre os seus cidadãos. No mundo contemporâneo, a disputa entre grupos e
Estados, a propósito dessa distribuição de vantagens e custos, tomou-se um
dado importante das relações internacionais.

Conclusão

_A~_p_reocupações
principais deste livro são com o impacto da eco.!!.Qmi!I de
mercado global sobre as relações entre os ~st!!flos~~do co~o es.tes [lLQ.-
curam influir nas forças do mercado Qara J!laximizar suas vanta~ens., Implícitos
nessa relação entre Estado e mercado, há .três t.\'._~as interligados, importantes_
para o estuf!a~ ~~ p_<?_líti!:ª·~º primeiro é..o..m..Q.d.6 como~endência no
mercado afeta a poli.ti.c;a intemaçjrui~I e é afetada.por ela..rarticulannente pela
presença ou pela ausência de uma liderança política._9 segl!!,1dp tem ~~.r.~~!!2~
a interação das ômicas e políticas, a qual provoca uma intensa
,competição entre os Estados eela localizaçãp global das ativi ades e~OJlÔ!I!Í;..
cas..,em particular nos núcleos
. -
de maior
=
importância
. .
da indústria moderna.
42 Robert Gilpin

O terceiro é o efejto do mercado m11odia) soba< Q desenvolvimento econômico


e o consegüent~esforço dos· Estados_para controlar ou pelo menos para ter
condições de influenciar as regras ou os regimes que governam o comércio, o
investimento externo e o sistema monetário internacional, assim~~
pspectos da economia política internaciõijãi ' '·· · '
Por trás dos temas aparentemente técnicos do comércio e das finanças
. int.~aç,ionaisJ1JtJem~§.J?º1ig~~i5:i!~Jn!]~~~SI~~-.iir.Pi~vi!.w~Ej~~:~~gif;,i.:
~m_dê~~T-est~~~~~lí!,Q.Q.!l,,,,Assim, embora o comércio possa
trazer beneficio mútuo para o comprador e para o vendedor, todos os Estados
pretendem que seus ganhos sejam desproporcionalmente maiores do que a
vantagem que o comércio lhes traz; e querem utilizar a tecnologia para obter o
maior acréscimo de valor à sua contribuição à divisão internacional do trabalho.
E da mesma forma, todos os Estados querem ter influência no processo decisório
das regras do sistema monetário internacional. Em todos os segmentos dos
assuntos econômicos internacionais, os temas econômicos e políticos entrela-
çam-se.
Os pesquisadores e outros indivi<:hm.s_dife.rem,.cgntµd(),.ªJ~§.pçj~o.rJa.nª~­
tureza dessas -refãÇõesentreÕs-i~~as _l;conômicos !:J~~lít_icos, Embora pos-_
samos identificar lllUlta__§j)_Q.siÇQ~ª-.QÍ~!.Íntas.,..q_uas~Jç_da.iU..<ê.QQl:;filJÜ:~ç_a.i.I'.. ej1:!__
!rês pers2ectivas, ideolo~ias_<2~~S«;.l~-~~,P.~~~~!!1!!1!~~~~l!~~ll:l§.:..V19.E:,.,
ralismo•.rui.a.ci.onalism.o~..i>....!JlJILJtiw.9...,No próximo capítulo vamos avaliar as
forças e os limites de cada uma delas. Em particular, estudaremos o desafio
fundamental do nacionalismo, especialmente do marxismo, com respeito às
perspectivas de persistência da economia internacional liberal do pós-guerra.
Capítulo 2

Três ideologias da economia política

Nos últimos 150 anos, três ideologias dividiram a humanidade-o liberalis-


mo, -Õnaciõíiãiismoeomarxlsffiõ~-Esieíívrô-êntên{fepor''lêlêôlôgiãs"-~qué- --
Heilbroner (1985, p. 107) chama de "sistemas de pensamento e de crenças
com os quais [os indivíduos e os grupos] explicam(... ) como funciona o seu
sistema social, e que princípios ele testemunha". O conflito entre essas três
atitu_<!_e.~!!1-<>!"ª-i_s_t.Ül.l.!el~ç!!!ªis tem girado em~~~º âo Ê_~p_efe Ciêi"sijnificãdo-do--
~wniza!;<ã_o_da.sociedade ..e..da_~_ç_9r1gmi__a ..
Por meio de uma avaliação dos pontos fortes e das fraquezas dessas ide-
ologias é possível iluminar o estudo da economia política internacional. A força
de cada uma dessas perspectivas será aplicada a discussões posteriores de
temas específicos, tais como comércio, investimento e desenvolvimento. Em-
bora meus valores pessoais sejam os do liberalismo, o mundo em que vivemos
sugere uma melhor descrição com as idéias do nacionalismo econômico e,
ocasionalmente, também do marxismo. O ecletismo pode não levar à precisão,
teórica, mas às vezes é o único caminho disponível.
As três ideo logi~s citad~s, gif~r.c::l.!1..~'!!..lll!l.!1!1!Pl2 c3rd.áJJJQ...Q~_p)o<.r&Y.!1lªs~­
corno as següiníeS:q\íãfo-Significado do mercado para o crescimento econômi-
~o e pru:_a_~distribuição da riQuU~ ent!:_l:!Jfil1P._2S e-s~cj!!Jaçle~? Qual deveria ser.
o papel dos mercados na organi.i~ã~sociedade nacio~_inte!.1,!_acional?
Qual o efeito do sistema de mercado sobre os temas relacionados com a guer-
~a e a paz? Essas pergunta;;:;;,--;;-tra~emelh;nte";, são fundamentais para a
economia política internacional.
Essas três visões ideológicas diferem profundamente no modo como con-
cebem as relações entre sociedade, Estado e mercado, e talvez não seja um
exagero afirmar que todas as controvérsias no campo da economia política
internacional podem ser reduzidas às diferenças na maneira de interpretar
Robert Gilpin

essas relações. O contraste intelectual tem mais do que simples interesse


histórico. O liberalismo econômico, o marxismo e o nacionalismo econõmico
subsistiam com força total no fim do século XX, ao definir as perspectivas
conflitantes que as pessoas têm com respeito às implicações do sistema de
mercado para as sociedades nacionais e a internacional. Muitos dos temas
que eram controvertidos nos séculos XVIII e XIX voltaram a ser debatidos
intensamente.
É importante compreender a natureza e o conteúdo dessas ideologias
contrastantes da economia política. Uso o termo "ideologia", em vez de "teo-
ria", porque cada posição implica um sistema de crenças abrangente a respeito
da natureza da sociedade e dos seres humanos, assemelhando-se assim ao que
Thomas Kuhn denominou de "paradigma" (Kuhn, 1962). Como Kuhn demons-
trou, os compromissos intelectuais são defendidos com tenacidade e raramente
podem ser afastados pela lógica ou pela evidência contrária. Isso se deve ao
fato de esses compromissos ou ideologias pretenderem anunciar descrições
científicas do modo como o mundo funciona, embora constituam também posi-
ções normativas sobre o modo como o mundo deveria funcionar.
Embora muitas "teorias" tenham sido elaboradas para explicar a relação
da economia com a política, três delas adquiriram importância especial e têm
tido uma influência profunda tanto na pesquisa como na política. Ao simplifi-
car uma realidade bem mais complexa, podemos dizer que o nacionalismo
econômico_(ou mer_can!ili~.Q,.S:.9_1!!.9_foi_ç_o_l:!h!êi<Í.4Q.EEiSPª!P-ep_tE2_i_?. 9Y!L~~-­
desenvolveu a partir da prática dos governantes no princípio da história moder-
';ia, p~esume e âdvoga o primâdcl'dãPõíff@ãsõ'bre·ã·ê~2!!2i~I~:·ifesser1c:,~!~.
mente uma doutrina que privilegia o Estado e afirma o fato de o mercado
dever estar sujeito aos interesses estata~rgumenta serem os fatores polí-
ticos determinantes das relações econômicas, ou pelo menos deveriam
determiná-las, Quanto ao liberalismq, que emergiu do Iluminismo nos livros de
Adam Smith, entre ÕÜtrÕs~l:<ifu~! re5ª0 ao mer_cantili~_o e incorn,QJ"ou-se..à-
economia ortodoxl!, O liberalismo presume que. pelo menos do ponto de vista
ideal, política e economia ocupam ~E~ad~_No interesse da eficiên-
cia, do desenvolvimento e da soberania do consumidor, os mercados devem
funcionar livres de interferência política. O marxisf1!~! que surgiu i:_m meados
do século XIX como uma reação contra o liberalismo e a economia clássica,
sustenta ser a economia a condutora da políticã.Õsconflitos políticos nas.:
_cem da luta entre as classes sociais a propósito da distribuição da riqueza, e,
só cessarão quando o mercado e a sociedade de cla§ses forem eliminados,
'Como na nossa - época tanto o nacionalismo como o marxismo se desenvolv!t,
ram em reação aos objetivos da economia lib!:.l'Jll, meu exame e avaliação
dessas três ideologias começará com o liberalismo econômico.
A economia política das relações internacionais 45

A perspectiva liberal

Alguns estudiosos afinnam não existir uma teoria liberal da economia po-
lítica, porque o liberalismo distingue a economia da política e entende que cada
esfera funciona de acordo com regras e lógica próprias. 1 Mas esse ponto de
vista é em si mesmo uma posição ideológica, e os teóricos do liberalismo preo-
cupam-se tanto com os assuntos políticos como com os econômicos. Assim,
podemos falar de uma teoria liberal da economia política, teoria esta que está
explícita ou implícita nos seus escritos.
Por trás das teorias liberais da economia e da política há um conjunto de
valores políticos e econômicos, os quais no mundo moderno têm surgido reunidos
(Lindblom, 1977).,A teoria econômica liberal está comprometida çom o li~
mercado e com um mínimo de intervenção es~ embora, confonne vamos
mostrar mais adiante, varie a ênfase relativa nessas duas idéias. De seu lado, a
teoria política liberal tem um compromisso com a igualdade e a liberdade individu-
ais, embora também possa haver uma diferença de ênfase. Aqui estamos inte-
ressados primordialmente no componente econômico da teoria liberal.
A perspectiva liberal da economia politica está incorporada na disciplina da
economia como ela se desenvolveu no Reinolf~icl~~-'ilõs-Estados Unidos e na -
Europa Ocidental.
c.___ ___ ·-···-·· -· ...
Desde Adãm-Smith até-;s-;;Õntemporâneos, os pensado-
-~-·--,-~-.- -~-~

res liberais têm compartilhado um conjunto coerente de premissas e crenças


sobre a natureza dos seres humanos, a sociedade e as atividades econômi-
cas. O liberalismo já assumiu muJ!~ fo~~.!llill..QliQ!;!!llismo clássico,
neoclássico, keynesiano, monetarist-ª, austríaco, das expectativas racionais, etc.
Essas variantes incluem desde as que priorizam a igualdade e tendem para a
democracia social, e aceitam o intervencionismo estatal para alcançar seus
objetivos, até aquelas que enfatizam a liberdade e a não-intervenção governa-
mental, à custa da igualdade social. No entanto, todas as fonnas do liberalismo
econômico estão comprometi~a~ com 2. mercado e com o mecanismo dos pre:
.s;os como o meio mais eficiente de organizar as relaffis:.s econômicas internas e
intemacionais._Com efeito, o liberalismo pode ser definido como uma doutrina e
-~
um conjunto de princípios para organizar e administrar uma economia de mer-
cado, de modo a obter o máximo de eficiência, crescimento econômico e bem-
estar individual.

1 O termo "liberal" é usado neste 1ivro no sentido europeu, isto é, significando o compromisso
com o individualismo, o livre mercado e a propriedade privada. Essa é a perspei:tiva predomi-
nante na maioria dos economistas norte-americanos e na disciplina da economia conforme é
ensinada nas universidades dos Estados Unidos. Assim, a despeito de diferenças importantes
nas suas idéias políticas e teóricas, tanto Paul Samuelson como Milton Friedman são conside-
rados aqui como representantes da tradição liberal norte-americana.
46 Roberl: Gilpin

_}\ premissa do liberalismo econômico é a idéia de que um mercado s1,1.rge_


de forma espõntâE~.ParaSatiSfazer as necessidad_es hüíU~;,-;-q;:;;:~~~-­
vez que comece a funcionar, o faz de acordo com sua própria lógica intern!b
1)_]iõmêm é, por íiatÜreza, umanimãriiáfürã.I;é;·portânto:osmê";c;·;r;;;";r;;n-
~"'-'-"-'-"'""'~=~::::.:.::~~~::::...::~=~=~-·~---­
yolvem-se naturalmente, sem uma direção central. N_as palavras de Adam Smith,
"transportar, vender e trocar" são atividades inerentes à humanidade. Para
facilitar o comércio e melhorar seu bem-estar, as pessoas criam mercados,
meios de pagamento e instituições econômicas. Assim, no seu estudo sobre a
organização económica de um campo de prisioneiros de guerra, R. A. Radford
(1954) mostra como mesmo nas condições mais extremas surge espontanea-
mente um mercado complexo e sofisticado para satisfazer as necessidades
humanas; mas a sua descrição mostra também a necessidade de alguma forma
de governo para policiar esse sistema primitivo de mercado. 2
A rationale do mercado-~_.?_l1!!1_~'!tQ..c:l.!1~ficl_ên_.s_ia_~c~~~ca, a
maximização do crésCimento-da economia e, portanto, a meltíÕria do bem-
estar humano. Embora os liberais acreditem.que a atividade económica au-
menta também-o.pÕcierea ~nça do Estado, argume~ que o_Q..bjetiv.Q...
,primordial dessa atividade é beneficiar os consumidores individu_l!!~. Sua de-
fesa fundamental do livre comércio e da abertura dos mercados é que eles
aumentam a gama de bens e serviços disponíveis ao consumidor.
A premissa fundamental do liberalismo é a noção de que a base da socie-
dade é o consumidor individual, a firma, a família. Os indivíduos comportam-se
de forma racional e procuram maximizar ou satisfazer certos valores ao me-
nor custo possível. A racionalidade só se aplica ao sentido da conduta, ao
esforço feito, não ao resultado. Assim, se um objetivo não é alcançado por
causa da ignorância ou alguma outra causa, para os liberais isso não invalida
a premissa de que os indivíduos agem sempre na base de um cálculo do
custo/benefício, dos fins com relação aos meios. Finalmente, o liberalismo
sustenta que o indivíduo continua a perseguir um objetivo até que um equilí-
brio seja alcançado no mercado, ou seja, até que os custos associados com a
realização desse objetivo igualem as vantagens decorrentes. Os economistas
liberais tentam explicar o comportamento económico e, em certos casos, a
conduta humana de modo geral, com base nessas premissas individualistas e
racionalistas (Rogowski, 1978).
O liberalismo presume também que exista um mercado em que os indiví-
- e - - ·-·~-.-,.,.-
_ciUOS têm informação comQleta e. portª11!Q, podem selecionar Q.,.Ç..l!!§.~-
que lhes traz mais beneficias...Produtores e consumidores individuais serão muito
sensíveis aos sinais dos preços, e isso criará uma economia flexível, em que

' Agradeço a Michael Doyle ter chamado minha atenção para esse interessante artigo.
A economia política das relações internacionais 47

qualquer mudança nos preços relativos provoque uma mudança corresponden-


te na estrutura da produção, do consumo e das instituições econômicas; estas
últimas seriam o produto e não a causa do comportamento econômico (Davis e
North, l 971 ). Além disso, em um mercado genuinamente competitivo, os ter-
mos de intercâmbio são determinados de forma exclusiva pela oferta e pela
demanda, e não pelo exercício do poder e pela coerção. Se as trocas são volun-
tárias, ela satisfazem os dois lados.
A disciplina acadêmica da "e~~!!.QJ!lia'.'., ou seja, a economia como é ensi-
nadinamaiorfadãi'i.miversi"Ciades norte-americanas (que os marxistas cha-
mam de economia ortodoxa ou burguesa), é CO!!S.!~~~~!!-~c~ê~~i~_e1npírica da_
~~-~~5-~<>-~a_c_clTlclllJa._O comportamento humano é tido como governado
por um conjunto de "leis" econômicas, impessoais e politicamente neutras. Assim,
economia e política podem ser separadas em esferas distintas. Os governos
não devem intervir no mercado, exceto nos casos em que este último falhe
(Baumol, 1965), ou então para proporcionar um bem público, ou coletivo (Olson,
1965).
A economia de mercado é governada principalmente pela lei da demanda
(Becker, 1976, p. 6). Essa "lei" (ou, se preferirmos, essa premissa) afirma que
as pessoas comprarão mais de um bem se o seu preço relativo cair, e menos se
ele subir. Da mesma forma, as pessoas tenderão a comprar mais se sua renda
relativ<:1 aumentar, e menos se ela diminuir. Qualquer desenvolvimento que mude
o preço relativo de um bem, ou o rendimento relativo de um ator, criará um
estímulo, positivo ou negativo, para adquirir (ou produzir) mais ou menos desse
bem. Essa lei tem ramificações profundas em toda a sociedade. Embora haja
algumas exceções a esse simples conceito, ela é fundamental para o funciona-
mento e para o êxito de um sistema de mercado.
Do lado da oferta, a economia liberal entende que os indivíduos perse-
guem seus interesses em um universo marcado pela escassez e pelos limites
à disponibilidade dos recursos- uma condição fundamental e inescapável da
existência humana. Toda decisão implica um custo de oportunidade, uma op-
ção entre os usos alternativos dos recursos disponíveis (Samuelson, 1980, p.
27). A lição fundamental da economia liberal é que there is no such thing as
a free lunch, ou seja, "todo almoço tem o seu preço" - para obter algo
precisamos ceder alguma coisa em troca.
O liberalismo afirma também que a economia de mercado tem uma estabi-
lidade inerente, elliostra 1.iinãfõrtetêíídêõêlã'j?ãraõeqiiílíbrio, pelo menos no,
)_on&()Y-razq,__Esse "conceito de equilíbrio auto-imposto e autocorrigível, alcan-
çado pela contraposição de forças em um universo racional" é crucial para a
crença dos economistas no funcionamento do mercado e nas leis que o gover-
nam (Condliffe, 1950, p. 112). Se um mercado se desequilibra em razão de
48 Robert Gilpin

algum fator exógeno, tal como uma mudança nas preferências do consumidor
ou na tecnologia da produção, o mecanismo dos preços o reconduzirá oportu-
namente para um novo estado de equilíbrio: preços e quantidades tornarão a
reequilibrar-se. Portanto, urna mudança, seja na oferta seja na demanda, de um
bem provocará mudanças no preço desse bem. A técnica mais importante da
análise econômica moderna, a estática comparativa, baseia-se nessa premissa,
de que há uma tendência para o equilíbrio sistêrnico. 3
.Outra pr~mi ssa.)_il?,~~! É_.9~- ª·-ç_Q!!!J?.~~-isªP-!l~L.!!!~~~~2_~_!~~~<!.u.!QL~_i; __
consumidores cril!.!}.QJQ.ngo .Prn.zq_umaJu~rmQ..nil!...fu.!!Q!HE,\Nlt~lil~s.j~
_ses, a qual su_E~!~r~ualque!.~~nf!L~o te~~9.r.~rio:.A motivação do auto-interes-
se pelos atores individuais aumentará o bem-estar social, porque conduz a urna
maximização da eficiência; e o crescimento econômico resultante eventual-
mente trará vantagens para todos. Em conseqilência, todos tendem a ganhar
com a sua contribuição ao conjunto da sociedade, mas, é preciso acrescentar,
nem todos ganharão na mesma proporção, porque há diferenças na produtivi-
dade individual. Sob o regime do livre intercâmbio, a sociedade em geral será
mais rica, porém os indivíduos serão recompensados de acordo com a sua
produtividade marginal e com a sua contribuição relativa para o produto social.
Finalmente, hoje a maioria dos economistas liberais acredita no progresso,
definido quase sempre como o aumento da riqueza per capita. Afirmam que o
crescimento de uma economia que funcione regularmente é linear, gradual e
contínuo (Meier e Baldwin, 1963, p. 70), desenrolando-se conforme o que um
economista denominou de "curva de crescimento em equilíbrio padrão, do
Massachusetts Institute ofTechnology". Embora acontecimentos políticos e de
outra natureza - guerras, revoluções e desastres naturais - possam prejudicar
dramaticamente essa curva de crescimento, a economia retornará sempre a
um modelo estável de desenvolvimento, determinado principalmente pelos au-
mentos da população, dos recursos e da produtividade. Além disso, os liberais
não aceitam a conexão necessária entre o processo de crescimento econômico e
os eventos políticos, tais como as guerras e o imperialismo; esses males políticos
afetam e podem ser afetados pelas atividades económicas, mas são causados
essencialmente por fatores políticos, e não económicos. Assim, por exemplo, os
liberais não acreditam que tenha havido qualquer relação de causalidade entre o
progresso do capitalismo no fim do século XIX e, de outro lado, os surtos de
imperialismo, depois de 1870, e a Primeira Guerra Mundial. Para os liberais a

' O método da estática comparativa foi inventado por David Ricardo. Consiste em um
modelo de mercado em estado de equilíbrio, no qual é introduzida uma variãvel exógena,
calculando-se o novo estado de equilíbrio. Como de modo geral essa forma de análise não
se preocupa com as origens da variável exógena, seu uso fica limitado ao exame do proble-
ma das mudanças na economia.
A economia política das relações internacionais 49

economia é progressiva, enquanto a política é retrocessiva; eles concebem o


progresso de forma distinta da política, com base na evolução do mercado.
Com~~~~}!~§5..ª.!>J'!:e!Ili.ssas.e nesses.comprqmj~sp~,p~.e~onomisl~.::,
dernÕSelaboraram a ciência empírica da economia. Nos últimos dois séculos,
deduziram as "leis.--;dã cÕnduta debÜscã"da ·mãXirrÍização, tais como a teoria
das vantagens comparativas, da utilidade marginal e a teoria quantitativa do
dinheiro. Ouvi de Arthur Lewis o comentário de que os economistas desco-
brem novas leis à razão de uma a cada quarto de século - "leis" que são ao
mesmo tempo contingentes e normativas. Elas presumem a existência do "ho-
mem econômico", racional e maximizador, uma variedade da espécie Homo
sapiens que tem sido relativamente rara na história, existindo apenas naqueles
períodos em que as condições lhe eram favoráveis. Além disso, essas leis são
normativas, porque prescrevem como uma sociedade precisa se organizar e
como as pessoas se devem conduzir para maximizar o aumento da riqueza.
Tanto os indivíduos como as sociedades podem violar essas leis, mas a custo de
sua eficiência e produtividade. Hoje, existem as condições necessárias para o
funcionamento de uma economia de mercado, e o compromisso normativo com
o mercado estendeu-se desde o seu nascedouro, no Ocidente, para abarcar
uma porção cada vez maior do globo terrestre. A despeito de alguns fracassos,
o mundo moderno tem caminhado na direção da economia de mercado e de
uma interdependência econômica global precisamente porque os mercados são.
mais eficientes do que outras formas de organização econômica (Hicks, 1969).
Em essência, osJi.l;l.i:;rn.j_saci:ePÜi!-lll.Q!le()Ç()Qlércio e o intercàmb.ío eco_l).Ô:
micôCõnstit~;;n~J;.a fonti:..deJ:clJt@~J?ªPífi~~i_Ç;;í_r~~~i_ii~Õ.~~··µüt:q;e os
beneficios recíerocos dQ.~mérciE_ e dl!_ interd~~§.nci~ expan~o entre
as economias nacicmais tenderão a 12romover,,~!!!r.e elas rela<(Õ~s cooperativa~.
Enquanto a política tende a dividir, a economi.l!J!U~-9..U;!ovos, Uma economia
internacional liberal será uma influê~~iâ;;~deradora sobre a política interna-
cional a criar laços de interesse comum e um compromisso com o status quo.
No entanto, é importante voltar ~enfati~!!_~_q!!~.fê!Jlbonu~rn_termos absolutos
todos ganhell}_{Q!-Lllo.s.s.llm_gan.f!ar) em_l!.rI.!!.~gi!TieA~l_i.Y!_e_fQ!!!~[Ç.lQ,J!_Q!J~T!!!2~­
relativos esses ganhos serão dife-;:entes. E é exatament~_L~st!!_~- dos g~
relativos e da distribuição da riqueza gerada pelo mer<aQ.q,_Cl!!llti.ou as doutri-
nas riv~ nacionali~JE.<? eSQn.c;\!!liç_o.e...d.QJJ'lfil:Xisr;no..

A perspectiva nacionalista

Da mesma forma que o liberalismo, o nacionalismo econômico sofreu vá-


rias metamorfoses durante os último~lõS.;eseus-rótulos também mudl!:.
;;~: mercantilisiOO;êst;;f.jSiiJ~~p;:;;i:;~;~~T;;n;~~·ês~-;;í;trisiórica alemã e, mais
50 Robert Gilpin

recentemente, o neoprotecionismo. No entanto, em todas essas manifest.affi~­


encontramos um conjunto de""t~m"ãs e de atitudes, em 1~·de'-úili-;-t~oria
.Política ou econômic~ sistematizada_,_ A idéia centrâfé a de que as atividade;·
econômicas devem estar subordinadas à meta da construção e do fortaleci-
mento do Estado._Todos os nacionalistas defendem a primazia do Estado, da
.~~J~~[ll!15!1:}!ll.~jm:i1!1J<.QQ.Qil_çjE"[_r:i}i!\~~~l}~.E.i~~l~~:iã2..~-1!9Ju!!~)2J1.]!!l.!l1!!.2.~
sistema intemaciona1..D.JW.!l:.<u!es.s_a_.JN1Üç[9__g~_taJ,_g.l1.a.~-~t-~~~.c,l.~~-pg9.i;orrL~ec.
identificadas.
• Alguns nacionalistas
---,~-"<·~--.,.-"_,_
consideram
.....--......... ,............_
.--~--~------ _,._ ' • a salvaguarda do.._____
,,_ _ _ interesse
,_ _
econômico nacional como o mínimo essenc1ãl para a segurança e asobrevi-
vência do Estaêiõ:·A-faltà-deüm tennÕ.melhor:e~~a atitude, de modo geral
defensiva, pode ser chamada de mercantilismo "benigno". 4 De outro lado, há
nacionalistas que consideram a economia internacional como uma arena para
a expansão imperialista e para o engrandecimento da nação. Essa forma
agressiva podemos chamar de mercantilismo "maligno". Um exemplo foi a
política econômica de Hjalmar Schacht, o ministro da economia nazista, com
relação à Europa Oriental, nos anos 1930 {Hirschman, 1969).
Embora o nacionalismo econômico deva ser visto como Uffi..2.Q!JlpromissQ_
genérico com o fortalecimento do EstadQ,.§e!-1~.~tivos E~~~~º~-~ as E.2J!tica~
,g_ue preconiza têm diferido em fun~§o dii ~rui~e.do lu,g1;1r, Contud~ corno
Jacob Viner argumentou em urna passagem muito lembrada, os defensores do
pacionalisrno econôrnico (ou o que ele chama de mercantilismo) co'!!Eartilharn
-~s mesma convicções .í!.ill~,do ,Ç~SQDAWS..U.t~\l~Zi!'..S.P..fill:SL

Acredito que praticamente todos os mercantilistas, em qualquer período,


país ou situação particular, teriam subscrito todas as seguintes proposições:
/'" I) a riqueza é um meio absolutamente essencial para o poder, em termos de
' segurança ou para a agressão; 2) o poder é essencial ou valioso como meio
f para adquirir e manter a riqueza; 3) a riqueza e o poder são ambos objetivos
.-<, últimos da política nacional; 4) no longo prazo há uma harmonia entre esses
objetivos, embora em circunstâncias· particulares possa ser necessário fazer
sacrificios econômicos, durante algum tempo, no interesse da segurança mi-
litar e, portanto, da prosperidade de longo prazo (Viner, 1958, p. 286).
"'--

Enquanto os autores liberais considerarrt~E}~.o._do_~~i:!l!ltb_usca do poder e


da riqu~z!i.~iª'):1_cJ.ii;.i.w:!.tix..._~~JJ!t.S$_1<_!Jlªl1t.e.i&.~ºmo uma,22.'<!º· os

or
IJ_acionalistas tendem a considerar essas duas metas de forma complementar
(Knorr, 1944, p. 1 -------~--~---·-"-----~ ~-"--~,~·- .
• Podemos identificar Friedrich List com a posição mercantilista benigna. List acreditava que o
verdadeiro cosmopolitismo só seria possível quando todos os países se tivessem desenvolvi-
do. Vide uma discussão sobre o mercantilismo benigno e malévolo em Gilpin 1975, p. 234-237
e no Cap. 1O, adiante.
A economia política das relações internacionais 51

Os nacionalistas econômicos acentuam o papel dos fatores econômicos,


_nas rel!!ÇÕe§ internacionais ~c,gnsideram a disputa entre os Estados - capitalis-
_!!ls, socialistas ou de outra natureza - por recursos econômicos inerente à na-
tureza do próprio sistema internacional. Como disse um comentarista, como os
recursos econômicos são necessários para o poder nacional, todo conflito é ao
mesmo tempo econômico e político (Hawtrey, 1952). Pelo menos no longo
prazo, os Estados buscam igualmente a riqueza e o poder.
Ao evoluir, no princípio da Idade Moderna, o nacionalismo econômico re-
fletiu os acontecimentos políticos, econômicos e militares dos séculos XVI,
XVII e XVIII, e reagiu a eles: a emergência de Estados nacionais poderosos a
competir constantemente entre si, o surgimento de uma classe média dedicada
a princípio ao comércio, e depois cada vez mais à manufatura, o ritmo mais
intenso da atividade econômica decorrente de mudanças ocorridas na Europa e
·da des.coberta do Novo Mundo, com recursos abundantes. Foram também im-
portantes a evolução de uma economia de mercado monetarizada e a grande
transformação ocorrida na arte militar, transformação esta que tem sido carac-
terizada como a "Revolução Militar" (Roberts, 1956). Os nacionalistas, ou
mercantilistas, como eram então conhecidos, tinham razões para identificar o
balanço de comércio favorável com a segurança nacional. '
, O objetivo principal dos nacionalistas é a industrialização, por vários moti-
vos (Sen, 1984). Em primeiro lugar, acreditam que a indústria tem influência
gositiva (.q_.u;l!..amados spillovers ou extemalidades) em toda a economia, o._
que promove o desenvolvimento do conjunto. Em segundo lugar, associam a
indústria com a auto-suficiência econômica e a autonomia potítica. Terceiro, e
mais importante, a indústria é a base do poder militar, e no mundo' moderno é
fundamental para a segurança nacional. Em quase todas as sociedades, inclu-
indo-se as que vivem sob um regime liberal, os governos favorecem o desen-
volvimento industrial. Alexander Hamilton, um teórico do mercantilismo do de-
senvolvimento econômico norte-americano, escreveu: "não só a riqueza mas
também a independência e a segurança de um país parecem estar associadas
materialmente à prosperidade das manufaturas" (citado por Rostow, 1971,
p. 189): nenhum estudioso contemporâneo da dependência o disse mais clara-
mente. Como vamos mostrar no Capítulo 3, esse objetivo nacionalista da indus-
trialização é em si mesmo uma.fonte importante de conflito econômico.
Tanto no princípio da Idade Moderna como hoje, o nacionalismo eco.nômi-
ço surge, em parte_, da ten..c;!~Il..f.!? do~cados em concentrar riq.®:ra e criar
----··
relações de poder ou de g~p~ndência e.ntre as economias maitloaes e as mais
fracas .. Em sua forma defensiva, mais benigna, ele tenta prot.e,ger -ª-~~Qno.mia.
nacional contra as fors:as econômicas e polític~Kt!\!JJ.!!~J.1.,!lgativ~ O nacio-
nalismo econômico defensivo existe com freqüência nas economias menos
52 Robert Gilpin

desenvolvidas ou naquelas economias avançadas que começaram a declinar;


nesses países, o governo segue políticas protecionistas e semelhantes para pro-
teger suas indústrias nascentes ou declinantes e para salvaguardar os interes-
ses nacionais. NaJ.orm_!.!!!Ç!!9_s_~eni_gp_~~l}!!Ci,Ç>_n!!i1!.~.9..ec_<>,!!2JTI.!El?.E..º!!.l'..~l'~!!~~-­
à beligerância praticada na economia-. E uma modalidade prevalecente sobre-
tudo nas potências em expansão, e o exemplo clássico é a Alemanha nazista.
Em um_m\.!n<!Q_Q\'.. Estados que competem entre si, os nacionalistas dão ,,--,, llY.,};hA,,,,.,,
mais importância aos ga~~;~ ~~Tatl.Y.Q.sd'õ~ê:jüe'~i=~'!ili,g~IJ!~!'JE!9.~~.Assim, • ""°""· 1,f/.,,
as nações tentam continuamente mudar as regras ou os regimes das relações
econômicas internacionais para se beneficiar desproporcionalmente, em relação
às outras potências econômicas. Adam Smith comentOl,!,EQ!!Lfill$!!.ÇÍd'!.9-ç:.,g!!~_
todos queren:!_t~_!!!TI.!!IJ2!lQ:RQÜQ,..e.t®tarãp agir mQ!!_gPQJ.i~mwJ5'.J!..!1ã.Q..$~t
que os COJl1P-etidores q il!!P~ª!Il .. Portan!Q,_uma economia intema~g!!_l libi;@l
. não sç,,egsle s_onsolidar a não ser guando apoiada pelos Estados dominante,§.
economicamente. cujos interesses sejam consistentes com a sua ereserv~Q.,
-~'!9..!1.~~!~.()~J.il?~XiÚS.ªi;;e.!:lt:t.1amas.va11t1!WlS_rr.!.Y.tu.9s_q9_co~rcio interoa_::..-'t
_cional, os nacionalistas e os marxistas as consideram fundamentalmente conflitivas.
Embora isso não impeça a cooperação econômica éntre as nações e"àãdoÇãôTe'
políticas liberais, a verdade é que a interdependência econômica nunca é simétri-
ca; de fato, ela constitui uma fonte de conflito e insegurança. Desde Alexander
Hamilton até os teóricos contemporâneos da dependência, os ro.i.to.res.nacionglis- ;f
tas enfatizam a auto-suficiência e não a interdependência econômica.
No mundo moderno, ona~Ío;;ii~mõeCõnôm!éõ~~miu várla;furmas dis-
tintas. Ao reagir à Revolução Comercial e à expansão do comércio internacional,
tio princípio desse período, o mercantilismo clássjcQ,_9u fi.l}fil!feiro, enfatiza':'._!!;~
promoção do comércio e um balanço de pagamentos superavitário. Depois da
Revolução Industrial, os mercantilistas como Hamilton e List pregavam a supre-
macia da indústria com relação à agricultura. Depois das duas guerras mundiais,
juntou-se a esses objetivos um vigoroso compromisso com a primazia do bem-
estar interno e com o chamado welfare state - o estado do bem-estar social. Nas
últimas décadas do século XX, a impor ..incia crescente da tecnologia avançada,
o desejo de controlar os pontos focais da economia moderna e o advento do que
se poderia chamar de "competitividade das políticas públicas" passaram a ser os
traços característicos do mercantilismo contemporâneo. No entanto1 a preocuQa-
ção prevalecente com o poder e a independência nacionais. foi sempre a caracte~
risticãptl:S_ominante do nacionalismo econômico.
· Quaisquer que sejam a sua força e as suas fraquezas como ideologia ou
teoria da economia política internacional, a ênfase nacionalista na localização
geográfica e na distribuição das atividades econômicas toma-se muito atraente.
Durante !?~-~_!!!~tóri!!_JEOdema,2.~J§.stado.~_::!s~€;uiram [J,Qlíticas de promo~
A economia política das relações internacionais 53

são do desenvolvimento da indústria, da tecnologia avans:ada e AA.s_atividades


econômicas com ml!is alta lucratividad~ e ~ll~~o...d~mprego 4entrÕ
das suas fronteiras. Na medida do possível, procuram criar uma divisão intema-
c10nal do trabalho favorável a sei 1s .in.teressespõht1cos e economicos. Çom efeito,
en uanto perdurar o presente sistema de Estados, o nacionalismo econômico
tenderá a representar uma m uencia importante nas relações internacionais.

A perspectiva marxista

Como o liberalismo e o nacionalismo, o marxismo desenvolveu-se de modo


significativo desde que suas idéias fundamentais foram lançadas por Karl Marx
e Friedrich Engels, em meados do século XIX. 5 As idéias de Marx mudaram
durante_a sua vida, esuas teorias sempre estiverall1 ;u}Ç_i{a~.;i, Ínteroreté!Ç9es
éonÍlitant~s, . El!lh.<:>r,~ () fl!é~()f~ S(Jn~id~ra~~e. (). c_!!eilé!li-ªJp,p_c_o_w.Q__u~ ~~!"'.!f.l~
econômico global, ele não desenvolveu um conjunto sistemático de noções a
·-resi)eiiô-Ci~~ ;~1~çõ~;t"~1é"nia~Ton~Ts;-~ssatã-ieràcoúile_â_g~;;çãüéíe.escrií~;~~
marxistas que o suc-edeÜ..Ã.lém disso, tendô-~dÕtàdõõ"marx'ismo"como'"ã'süa
ideologia oficia(ãüniã~Soviética e a China o modificaram sempre que neces-
sário para servir a seus interesses nacionais.
Como no liberalismo e no nacionalismo, duas modalidades fundamentais
podem ser discernidas no marxismo moderno. A primeira é o marxismo
evolucionário da democracia social, associada a Eduard Bernstein e Karl
Kaustky; no mundo contemporâneo ela se reduziu em importância, e mal pode
ser distinguida do liberalismo igualitário. No outro extremo temos o marxismo
revolucionário de Lenine, pelo menos em teoria, da União Soviética. Em razão
do seu triunfo como a ideologia predominante em uma das duas superpotências
mundiais, essa variedade do marxismo é a mais importante, e será objeto de
maior consideração neste livro.
Como R.Q.b_e1:tH~jlb_rQ_ner_Q280)_Q.'2§S!J'.Y.OU,_a.despeito..da.existênciadessas
difére~tes V!Lri..ti.4?-º~s de_m;u:idsmo_podemos identifi~ar -9,l!_atr:_o elt:_l!l.~_l}!.Q§_~s:: .
.. senciais nQ...ç_Qujunto_dos.es.cr.it®.4~Marx._Q primeiro elemento~ a.aborda~@­
diãlétT~;~o c~i.l!le.n!!J_~J... s.o<ie.dad~cpi_e.A.i;!i.!!~-~-!}ature~!Lc.la realic!l!de_
como dinâmica e conflitiva: os desequilíbrios sociais e as mudanças deles de-
correntes são devidos à luta de classes e ao choque das contradições inerentes
aos fenômenos sociais e políticos. Segundo os marxistas, não há uma harmonia
social inerente que promova o retomo à situação de equilíbrio, como pensam os

' Embora houvesse diferenças importantes entre o pensamento de Engels e o de Marx, ao longo
desta discussão vou tomar os escritos de Marx como contribuição conjunta de ambos.
54 Robert Gilpin

liberais. O segundo elemento é a visão materialista da história: o desenvolvimento


.~s forças p_i:()ctU.~!Y.:i_s.~..ª!! :l!i\fída~~coQÔ111i<:ai-s~~~~ !?;;;:~~--;;:;~<l~Ç~
históricas e funcion3J!!.!!OLJ!leÍQ da lt1ta de cl~~~~g>.!1.~!ti§!i:i.Qµi~Q.clO
produto social. O terceiro é uma perspectiva geral do desenvolvimento capita-
"·-~··-~-,---·-· '·--·-~ ... '" ,_,....,"'"~ -~~--···'·-"--·-~ , . _ _• ..,. ~"",_.,_,.,.,... --·"·--·-·· ,,._..,, f~•.-c ....-.~~--.~-,·~---"' '~ -'··~.-- •,.

Ji.~!a: o mod<tde.pr.o_d.uçã.Q.Ç.!!P.i!ª-h~JJLÇ.P...§e!l_gçs.t_i}1g,:;ª~-clet(:i:t!1.iEad_!),:i_po_~_1:1_!!1__
c911Jt1nJo...de_'.1ci.s.~_ç_onômicas de transformação da sociedade. moderna".
o quarto é um cornpromis~-;:;~~~~-~sOclãlismO:-tõdõs os ~~i~~-
acreditam que a sociedade socialista é não só necessária como também uma
meta desejável para o desenvolvimento histórico (Heilbroner, l 98Ó,p:·w:zí').'
Dessas crenças, só a terceira vai nos intereSsãrâquí.
O marxismo caracteriza o capitalismo como a propriedade privada dns_
melõs-diprodução e a existência de trabalhadores assalariados. Acredita 91:11'. o
capitalismo seja impulsionado por capita~stas em bu~21!,.Ç!~l!!~~().s~eilUÍ~()ª·
acumulação de capital em uma economia de mercado competitiva. O trabalho
passou a serÚma.mercadÓria:-sujeita·aÕ·mecãnismÕ dos .preÇõs:·Para Marx,
essas duas características principais do capitalismo são responsáveis pela sua
natureza dinâmica, tomando-o o mecanismo econômico mais produtivo já visto.
Embora sua missão histórica seja desenvolver e unificar o globo, o seu sucesso
lhe apressará o fim. Segundo Marx, a origem, a evolução e o fim do sistema
capitalista são determinados por três leis econômicas inevitáveis.
A primeira dessas leis é a da desproporcionalidade, que implica negar a lei
de Say; em termos simplificados, esta última sustenta que a oferta cria a sua
própria demanda, de modo que, exceto por breves períodos, haverá sempre um
equilíbrio entre as duas (vide Sowell, 1972). A lei de Say sustenta que em uma
economia de mercado capitalista o processo de recondução ao ponto de equilí-
brio toma a superprodução impossível. Marx, como mais tarde John Maynard
Keynes, negava a existência dessa tendência para o equilíbrio, e argumentava
que as economias capitalistas tendem a produzir em excesso determinados . . ~Oi 1 .
tipos de mercadorias.rPara Marx, há ll~~ªR~~~i:~? ~111_ª ~?ntra?.i.~~? intr_ínse~a / ~... ' i; ' r',e.._~
entre a s~paci~~ p~_oduzir ~en~_:~p~-~~-·~!~!q~ê!_e_q:y~Jêm_os ÇQl}_Sl:1!.I!~: ~Àff .P~0,4;.;J,,, .J.z
&
dores (assalari_agfil)_de ~~~l!'!~~~e.s_l?".11~;.assim, a falta de proporção recor- ~~ ·
rente entre o que é produzido_e o q_~:_~ CO_!l~1:1~~-~·-:_m razã.o d~ "anarqu!a" do .~ ,
!Uercad~, 2rovoc~ fl~tuações ec~?~1ca~-~~~p~~S~():;.Re~~ód~.. Pr~v1a que ,,,.,,.,, ~J-<. _,,fi' ~ .;,,.,/J _
essas crises econorn1cas se tomariam cada vez mais senas e termmanam por vi,~Ji,~,,f,,}, '-t'?
obrigar o proletariado a rebelar-se contra o sistema. ~•.""' ~.... '-"" ~"0'
A segunda lei que movimenta o siste~-~~~pJ!alist~. de ~~~!~'?..~_()!!1_~.~;-1!1~t:::. ~ ...e.v..e l""~ flcr1~,(,, • ,•
xistas, é a da ç0nc_entração (ou acumulaçã_~ do caI?!_tal. A força motnz do 'f'l$f.-( -f.f
. capitalismo é a hus.cade lucros e a conseq!iente n~~~~~i_dad~~~.-~~ll~~-~r-~de_ J.,,'d.
investir sentid~.Rçlo capitaJl~~ivid_JJ~~-~ compe~ição obri~ os_gJ:tl!Jl.liJ!ta~.'!...
aumentar sua efici~ocll! e seu investimen~o de ca~~~I_, para não correr o risc~-
A economia política das relações internacionais 55

de extinção. O resultado é que a evolução do sistema se faz mediante uma


crescente concentração da riqueianasmãos'd'os-pÕ~~os aiorês'eficíenteS,'com
o emQçJ1I.~9mc:.nt~cadã vezmãíõr de-müffós-õuirÕs~A-pegÜena -bllrguesfa é
iJi1P_urrnJia_para.as.fiÍ~i~~;:ém~~l?~õsã~:<lo~proie~~~ empo~~.Qi~_;-au!ii_~~~a,_
()_"exército de reserva dos desempregados"; os salários diminu;i.m...~a.i>.o_g!l,Qª:-·
de capitalista fica madura para arevolução sociàL .
- .A terc.eira.!ei do capitalismo é a da taxa de~ro cadente. À medida que CL
capital se acumula, tornando-se m~i!..~~!;1!!§'2~~-~!axa de_~~C?._rno d~lJE.a:~
o que diminui o incentivo para investir. Embora os economistas clássicos libe-
Í<us tenham admitido essâ
poss16ffiilãde, pensavam que se poderia encontrar
uma solução, por exemplo, na exportação de capital e de manufaturas, assim
como na importação de alimentos baratos (Mill, 1970 [1848], p. 97-104). De
seu lado, .Marx acreditava que a tendência para a queda dos lucros erit.
irreversível. Como a pressão-dá i::oinpetição obriga os capitalistas a aumentar
'Sua efic1ênda e sua produtividade, mediante investimentos em tecnologia mais
produtiva e menos dependente do trabalho,_o.,-n....,ív_e~l_d_e_d_e_s_e_m-õ'p_r-'eg""o_te_n.,..d-=erii:3!.
crescer, e a taxa de lucro, ou mais-valia, a diminuir. Desse modo, os capitalistas
perderiam o incentivo para investir em empreendimentos produtivos, fonte de
emprego. O resultado seria a estagnação econômica, o~pe].!_Q_gQ_gc:,~~mp..r.e=.
go e o empobrecimento do proletari~qq,.._Com o tempo, a crescente intensidade
e a profundiaàae"aõ's'Clc'lõsêêõnô-n:;í~os levariam os trabaÍhaciÕresãi~oel~§ê''
para destruir o sistema_c:apit!!!!l?!!h.
O núcleo da crítica marxista ao capitalismo é a idéia de que, embo!!i!!.~.:
vidualmente os capita!istãs~e.lamrãciõiiãls J.comÕpreswnemosITfiérais), o
sistema capitalista em si l}lesmo é irracional. O mercado competitivo obriga os
capitalistas a poupar, a investir e a acumular. Se a busca de lucros é o combus-
tível do capitalismo, os investimentos são o seu motor, e o resultado é a acumu-
lação. De modo geral, contudo, esse capital acumulado dos capitalistas indivi-
duais leva à superprodução periódica de bens, ao excesso de capital e ao desa-
parecimento dos incentivos para investir. Com o tempo, a severidade crescente
dos ciclos económicos e a tendência de longo prazo para a estagnação levam o
proletariado a derrubar o sistema por meio da violência revolucionária. Assim,
a contradição inerente ao capitalismo consiste no fato de, com a acumulação
de capital, o sistema plantar as sementes da sua própria destruição e ser subs-
tituído pelo sistema socialista.6

6 Com efeito, os marxistas estão acusando os defensores do capital ismo de empregar a falácia da
composição: "uma falácia em que se alega que o que é verdadeiro com relação a uma parte
também o é, necessariamente, com relação ao todo" (Samuelson, 1980, p. 11 ). Da mesma
forma, Keynes argumentava que, embora a poupança individual fosse uma virtude, seria uma
calamidade se todos se dedicassem a poupar.
Robert Gilpin

Em meados do século XIX Marx acreditava que o amadurecimento do capi-


talismo na Europa e a captação da periferia global pela economia de mercado
/ tinham preparado o terreno para uma revolução proletária que traria o fim da
economia capitalista. Quando isso não aconteceu, alguns dos seus seguidores,
como RudolfHilferding e Rosa Luxemburgo, preocuparam-se com a resistência
e a vitalidade do capitalismo, que se recusava a desaparecer do cenário mundial.
.A força do nacionalismo, os, ~~i_tq§,_eçonômtÇQ~ dQ.f:!\PHaJi_srno e o advento d()
)mperiafismo Tevâiiiiii ifmétamorfose do pensamento marxista~«:i«iúãi cuimlnou
no Imperialismo de Lenin, pu6Iicado pela primeira vez em 1917. Escrito na
época da Primeira Guerra Mundial, e baseando-se nos textos de outros autores
marxistas, /mpería/ismo foi uma l'olêmica con~~qs irümjgqsjgeQJQgi_9..Q_!!_do..m-ªl.:.
xismo e tam.hén1.uma sínt~_!fas críticas Il!!l.!X.is.tas..à.e.c.o.n.Q.mi.a_<;..aI!L~li!lta f!!Y!l..:.
diJ!). Ao manifestar seu pensamento, Lenin, de fato, converteu o rmi.txismo...de •
.uma teoria focalizada _es§,_enç'-ªJme..n.te_11a.S!~Q.1J.Qmjª··J:!ª.fÍQ!lal _em_"1m_!J~..Q!ia..Qª-~
.r_elªç.Q.c::.§JtOliticas..e..e~n.funic.aiw:JJtr~ os Estados cimitalistas.
Lenin impôs-se a tarefa de explicar o fato de, no princípio da Primei~r:.
ra Mundial, o nacionalismo ter triunfado sobre o internacionalismo proletário e
p;~~~rado assim fornecer a base intele~tual.Jiara a rêurunéãÇãõao moviment~-­
comunista internacional, sob a sua lideran_ça. Queria demonstrar que os parti-
aos socialistas de vários países europeus, em especial os socialdemocratas ale-
mães dirigidos por Karl Kautsky, tinham apoiado suas respectivas burguesias.
E procurou também explicar.porque nl0Ji11hª.hª-yi_<i9_Q_~ll}PQ.!>Ie.<!i.men~C>A<l
proletariado previsto por Marx, mas, ao contrário, os salários estavam aumen-
']im!Q-e os trllêifüidõi~~Jíis§_tjyJ~~j~_ijas-orgãiliZllçõé>' siridicáiS: ··· · · ·· ···· ·· ·
No período entre Marx e Lenin, o capffalisiiio.ifrifreü'üirià.pr.ofunda trans-
formação. Marx tinh~ escrito a resR_~ttQ~4_e.Üm.cãj)Ttãfisma·cónfinaciõ.j)raticã=
mente à Ei.iropa Ocidental, uma economia fechada em que õ"ííílp-ülsõêie:Cres~ ·
~---"'c:-'-'C,-------~·
cimento teria de esgotar-se um dia, à medida que colidisse com vários fatores
limitativos. No entanto, entre 1870 e 1914, o capitalismo passara a ser um
sistema aberto, de ãmbi!g cada v.ez..mais...aJ'.llp.Lo.,_yHmiilte e tef_!iTficadõ:Nos-
âias de Marx, o vinculo fundamental da economia mundial, que cresciálenta-
mente, era o comércio._Deruiis_de.. 1870, porém, a exporta5ãq.maçjça,de capital
pela Ingl atem_e,..sJ!.b..~qi!.<:Iltemrote,.por..o.uttas:(;'ê;);.o;ui~s:de.~~nXQlYi.Q.\t~_fül~!!.
mudado de modo significativn a economia d0 m1 nid<>, O investimento externo e
as finanças internacionais alteraram profundamente as relações econômicas e
políticas entre as sociedades. O capitalismo de Marx era composto principalmen-
te por firmas industriais pequenas e competitivas. Na época de Lenin, contudo, as
economias capitalistas estavam dominadas por gigantescos grupos industriais que,
por sua vez (de acordo com o próprio Lenin), eram controlados pelos grandes
bancos - a chamada hautfinance: a "alta finança". Para Lenin, o controle do
A economia política das relações internacionais 57

capital pelo capital, ou seja, do capital industrial pelo capital financeiro, represen-
tava o estágio mais avançado do desenvolvimento capitalista.
Para ele, o capitalismo tinha escapado das três leis que o dirigiam pelo
imperialismo ultramarino. A aquisição de co!ônias dera às economias capitalis-
tas a possibilidade de dispor das mercadorias produzidas e que não encontra-
vam mercado dentro dos seus países; de adquirir rec~:rsos a baixo custo e
exportar seu excesso de capital. E a exploração des'. ,i:: colônias proporcionaria
mais-valia adicional com a qual os capitalistas poderi;;.n .. üquirir a liderança do
seu próprio proletariado. Para Lenin, o imperialismo colonialista passara a ser
uma característica necessária do capitalismo avançado. À medida que suas
forças produtivas se desenvolviam e amadureciam, a economia capitalista pre-
cisava exp;indir-se no exterior e capturar colônias para não ser vitimada pela
estagnação e pela revolução. Lenin identificava essa expansão necessária como
a causa da destruição eventual do sistema capitalista internacional.
~~ssên".l11..~t~a.rnmnenti:L4.e.!,f.!!iDJL!ul,e . qu~)1.. ec.Q1Jom.iãSªP}~l!!~~-tl!)llt~i:: .
. nacional promove o desenvolvimento mundial, mas de forma desigual. As eco-
nomias capitalistas crescem com taxas diferenciadas,_ e esse aumento diferen-
cial do Eoder nacional é responsável pelo imperialismo, pela guerra e pelas
mudanças políticas internacionais. Ao reagir ao argurrieril:óãeKautsky de"êjüt
os capitalistas eram por demais racionais para entrar em conflito a propósito
das colônias, e se associariam na exploração conjunta dos povos coloniais (a
doutrina do "ultra-imperialismo"), Lenin afirma ÇJUe isso era impossível pelo
que se tomou conhecido como a "lei do desenvolvimento desigual":

Basta que essa questão [a possibilidade de as alianças capitalistas serem


mais do que temporárias, e isentas de conflitos J seja enunciada claramente
para que se torne impossível dar-lhe outra resposta a não ser a negativa;
porque ~~!'itl!lis!!lo _l)_ão s~J'.QQc;..i.IJ!!!&Ü!!lLo-l!!r.l!.. b.aJ;_e_pa,çªJu!b1is1ío.t::Jn
esferas de influência bL~~n.iio._um__c;íJ.ç_1,1J1u;i..1Lfo.tçª_<,IQ.§~P.llnicipantes.da...
,divisão, do seu poderio econômico, financeiro, militar, etc. E a força relati'la
desses participantes não muda de modo i ual, pois sob o capitalismo o de-
scnvolvnnento e iferentes empresas, trusts, setores industriais ou p~
não pode ser o mesmo. Comparada com a Inglaterra da mesma época, há meio
século a Alemanha era um pais miserãvel e insignificante do ponto de vista da
sua força capitalista. E o Japão era igualmente insignificante comparado com
a Rússia. Ora, pode-se conceber que em dez ou vinte anos a força relativa das
potências imperialistas terá permanecido a mesma? Isso é absolutamente
inconcebível (Lenin, 1939 [ 1917], p. 119).

Com efeito, nessa passagem e de modo geral na sua tentativa de provar


que um sistema capitalista internacional era intrinsecamente instável, Lenin
acrescentou uma guartaJei às três lcis marxistas originªis sobre o capitalis.!IlQ..
58 Robert Gilpin

Segundo essa nova lei, à medid_a que as e':?n~'!!ias c~it~is~~.l!I, e o .


capital acumula-s_!.<, e à medida que as taxas de juros diruii,mem .. as economias
capitalistas são obrigadas a buscar colônias e a criar dependências que lhes
_sirvam de mercados, saída para investimentos e para fontes de ali e
matérias-primas,; Ao competir entre s1, e as 1v1 em as colônias de acordo com
a sua força relativa. Por isso, a economia capitalista mais avançada, a ingles!!_,_
apropriou-se do maior número. No entanto, à medida que as outras .~.~EC.~!~~.
capitalistas se desenvolviam, houve uma tentativa de redistribuição dess~ colô;.
-ruãs;bssecôõllitõTnlperialiSiãiêvõülnêvítaíielõíeute à guerra entrêãS potências
coloniais emergentes e as declinantes. Segundo essa análise, a Primeira Guerra
~lifilãJ]iiiiíi]õrõOjêffiío a red'f;tribuição territorial das colônias entre a Grã-
Bretanha, potência declinante, e outras potências capitalistas em ascensão.
Para Lenin, as guerras coloniais continuariam até a revolta contra o sistema
por parte das colônias industrializadas e do proletariado dos países capitalistas.
Em tennos mais genéricos, Lenin raciocinava que, como as economias
capitalistas crescem e acumulam capital em taxas diferenciadas, um sistema
capitalista internacional só poderia ser estável durante períodos muito curtos.
Ao opor-se à doutrina do ultra-imperialismo de Kautsky, Lenin argumentava
que todas as alian as ca italistas eram temporárias e refletiam equilíbrios mo-
..'!!e~tâneos de poder eptre o~ E~.fgPJ!~lis~s. que seriam inevita~crrte
desestabilizados pelo processo de desenvolvimento desigual.A.medida que isso
acontecesse, surgiriam novos..c.onfilto.J! dentro do mundo ca~i~m:ç.122_ajJQ.
dos territórios coloniail!,.
A lei do desenvolvimento desigual, com suas conseqüências desastrosas,
havia se manifestado na sua época porque o mundo subitamente se tornara
finito - um sistema fechado. Durante décadas, as potências capitalistas euro-
péias haviam se expandido e absorvido territórios ultramarinos, mas as potênci-
as imperialistas cada vez mais entravam em contato umas com as outras e,
portanto, em confronto, à medida que diminuíam as terras passíveis de coloni-
zação. Lenin acreditava que o drama final seria a divisão imperialista da China
e que, esgotada a fronteira não desenvolvida do mundo, os choques entre os
imperialistas se intensificaríam. Com o tempo, esses conflitos provocariam re-
voltas nas colônias, o que debilitaria o jugo do capitalismo ocidental sobre as
raças colonizadas do resto do mundo.
A internacionalização da teoria marxista por Lenin representou uma _
ref~rmulação sutil, mas s1gmhcat1va dos seus conceitos. Na crític.!\..Q_()_~a_p!!~:­
iismo __g_~~-"-~ii..;.._,,!lli __ç_ªÚsa; ~~:~~sâf;i!i.0~~-~i-;-eram econômicas: o
.capital ismo fracassar.ia-por-i:azõ.es.e.c.o.uômiç~~'-fü!ª11A-éi..Q.PJ:Qfo1ifiâdci.Síü::~~ .. ·
Yc:>IJii.ll§!';SQnt~eu ~eol;>secl.m!<.!ltQ:....~Jém disso, ~Ê.1:1.1:!.~~~.~
. ' --.
classes sociais como os atores desse dram3.!:.J'~'.l~~Leri_jp substituiu e:ss~
' ~-,.., ,,
A economia política das relações internacionais 59

~tT.J.!L.<;.ti.t.iQ..golítica
do sistema capitalista, em gue os atores l!rincipais pas;
saram a ser Estados nacionais mercantilistas a com etir entr · · · na
os pela necessidade econômica. Embora o capitalismo internacional tenha
sido economicamente exitoso, Lenin argumentava que era politicamente instá-
vel, e representava um sistema de hostilidades recíprocas. Nos países capitalis-
tas desenvolvidos, os trabalhadores, ou pelo menos os que participavam da
chamada "aristocracia do trabalho", compartilhavam temporariamente da ex-
ploração dos povos coloniais, mas terminariam pagando por essas vantagens
econômicas no campo de batalha. Lenin acreditava que a contradição intrínse-
ca do capitalismo residia na conseqüente luta entre as nações, e não na luta de
classes. O capitalismo terminaria em decorrência de uma revolta contra a sua
inerente belicosidade, com conseqüências políticas.
Em suma, Lenin argumentava que a contradição inerente ao capitalismo é
o fato de, ao desenvolver o mundo, ele plantar as sementes políticas da sua
própria destruição e difundir a tecnologia, a indústria e o poder militar. Cria
competidores estrangeiros com salários mais baixos e um padrão de vida que
pode competir vantajosamente no mercado mundial com a economia até então
dominante. A intensificação da competição econômica e política entre as po-
tências capitalistas ascendentes e declinantes gera conflitos econômicos, riva-
lidades imperiais e, eventualmente, a guerra. Para Lenin, esse tinha sido o des-
tino da economia liberal do século XIX, centralizada na Inglaterra. Se vivesse
hoje, não há dúvida do que diria: com o declínio da economia norte-americana,
um destino semelhante ameaça a economia liberal do século XX, centralizada
nos Estados Unidos.
Com o triunfo do bolchevismo na União Soviética, a teoria do imperialis-
mo capitalista de Lenin tomou-se a interpretaçao marx,Wa ortodoxa da eco-
nomia política mtemacionat No entanto, Õutros herdeiros da tradição marxis-
ta continuaram a desafiar essa visão oficial, modificada também pelas mu-
danças subseqüentes na natureza do capitalismo e em outros desenvolvimen-
tos históricos. O capitalismo do estado do bem-estar social realizou muitas
das reformas que Lenin acreditava impossíveis, e o controle político das colô-
nias deixou de ser considerado uma característica necessária ao imperialis-
mo; o capitalismo financeiro da época de Lenin foi substituído em parte pela
empresa multinacional, e a visão de que o imperialismo capitalista desenvolve
os países menos desenvolvidos foi alterada pelo argumento de que, na verda-
de, ele impede o seu desenvolvimento; e alguns marxistas tiveram
a ousadia de aplicar a teoria marxista à própria criação política de Lenin - a
União Soviética. Modificado desse modo no fim do século XX, o marxismo,
em suas várias manifestações, continua a exercer grande influência como
uma das três principais perspectivas da economia política.
60 Robert Gilpin

Crítica das diferentes perspectivas

Como vimos, o liberalismo, o nacionalismo e o marxismo adotam premis-


sas distintas e chegam a conclusões conflitantes a respeito da natureza e das
conseqüências da economia de mercado mundial ou (como preferem os mar-
xistas) da economia capitalista mundial. A posição adotada neste livro é a de
que essas perspectivas ou ideologias contrastantes constituem compromissos
intelectuais, atos de fé. Embora se possa demonstrar que certas idéias ou teo-
rias em particular, associadas com uma ou com outra posição, podem ser falsas
ou pelo menos questionáveis, nenhuma dessas perspectivas pode ser compro-
vada ou rejeitada com argumentos lógicos ou com a apresentação de evidência
empírica. Há várias razões que explicam a persistência dessas perspectivas e
sua resistência aos testes científicos.
Em primeiro lugar, elas baseiam-se em premissas sobre as pessoas ou
sobre a sociedade, premissas essas que não podem ser verificadas pela expe-
rimentação empírica. Por exemplo: o conceito liberal do indivíduo racional não
pode ser considerado verdadeiro ou falso; os indivíduos que parecem agir con-
trariamente aos seus interesses podem ter informações incorretas ou, quem
sabe, procuram maximizar um objetivo que escapa ao observador - portanto,
podem estar agindo em coerência com a premissa básica do liberalismo. Além
disso, os liberais poderiam dizer que, embora um indivíduo em particular, em um
caso específico, pudesse estar agindo irracionalmente, em conjunto a premissa
da racionalidade continuaria a ser válida.
Em segundo lugar, o fracasso das previsões feitas com base em uma de-
terminada perspectiva pode sempre ser descontado se introduzirmos na análise
certas hipóteses ad hoc.1 A literatura marxista está repleta de tentativas de
explicar as falhas de previsão da teoria. Lenin, por exemplo, desenvolveu o
conceito da "falsa consciência" para explicar o fato de que os trabalhadores
preferiam ingressar nos sindicatos em vez de participar do proletariado revolu-
cionário. A teoria de Lenin do imperialismo capitalista pode ser considerada
igualmente um esforço para explicar o insucesso das previsões de Marx a
respeito do colapso do capitalismo. Mais recentemente, como comentaremos
adiante, os marxistas foram obrigados a formular teorias elaboradas do Estado
para explicar a emergência do welfare state e sua aceitação pelos capitalistas,
algo que Lenin afirmou ser impossível.
Em terceiro lugar, e mais importante, as três perspectivas que descreve-
mos têm objetivos distintos e, em certa medida, se colocam em níveis analíticos
diferentes. Assim, tanto os nacionalistas como os marxistas podem aceitar a

' Vide Blaug (1978, p. 717) sobre o emprego de hipóteses ad hac para explicar previsões
equivocadas.
A economia política das relações internacionais 61

maior parte da economia liberal como instrumento de análise sem rejeitar mui-
tas das suas premissas e fundamentos normativos. Marx utilizou a economia
clássica com muita habilidade, mas seu objetivo era incluí-la em uma grande
teoria sobre a origem, a dinâmica e o fim do capitalismo. Com efeito, a dife-
rença fundamental entre o liberalismo e o marxismo tem a ver com as per-
guntas formuladas e suas premissas sociológicas, e não com a metodologia
econômica empregada (Blaug, 1978, p. 276-277).
Conforme reformulag9_pprJ,!min,9m_arxismo tornou-se dific:il!k.dís.tin-
gu_it.1l!_~'!!!:ina do !_t!!IJ~.1!1Q__p.2!ftifº_{Keohaiie,".1984a:-µ~ 41-46). Co1!!2__<?__
nacionalismo econômico, o realismo polítko acentua a primazia do Estado e a
~egurança nacional. Embcirã-êstejam--rnuíiô'próxlmõ-s~Õ-reáTIS~'(;é.-êm-ês~-
-~~!:IC!.!!b_l!mª-P..P~j~~ü.i&.a....!Ll'W..1!!!!1!9..QJ)gl<.i~malismo ecoJ]~~_mâ ati-_
tude econômica. Em outras nalavras, o n!lcionaliwio econô'Eico baseia-se na
--â~~-~f.§!reahSfa cfas re!a_xõ~s internas!.onais. 0
~ - - - - - - - .

·· ·· Tanto na teoriade.Leni11-cam0-n0-r.ealismo.p9JiJ:.\c:Q,.os_Eslad_Q.sJ,\,l_~ª--llJ.llªr~l__
aumentar sel!..l'od_t:r-.!'...§.ll_!!._Üqu~za, .•c:__iLcliaY.e-doS-conflitos e das mudanças
pohticas intern~ionais é_Q_ç!Jfete.!)_çia.Ln9.8!lnhçu;!e._pgger_(Gilpin, 1981 ),_No._
entanto, as premissas das duas teorias, com respeito à base da motivação hu-
mana, à naturez~ do -Êstado e do sistema intemacional,.são.fundameotalrnente
di'S'tfntas. Pa~a os marxistas, a natur~-~;;;anaé maleável, facilme~·t;-~;..
tôinpiliã~~1º-~;pit~lism9_e~l:~cµpem<l~-:p~í~~~~i~1i~rrió;t:rii!~-2~ie,~J!s!~f~c~ª1~
·tam que os CCl_l}ft.i~9s"poI_íticos resultam de uma natur.eza. IJ1,11w.!Tl.ll.!1!!1J.~ihr.~L
·····- ··ErigÜ;~to os maP:Çistas acn;git:;t,!!LQ!.!!Ul..EsJªQQ..~~-§.~!'.\liE!.QI.4i};:!~S.,Ç__t;l,<J_-
minante, partl..Q.S..t.e.alistas.._e.le.Luma-entidade..rclatill.a~.!U.e..fil!lÔ!.lQ!!1ª..A..9!!.l\L
visa aos interesses [email protected]_p__~m.si<r re,ç!l,!,;;.19.2~.A.Q§.__i,nt_~~ssi;,&,Q!!J:,
ticulares de qy_ªlquer cla.ss..e Para os marxistas, o sistema internacional e a_
_política externa são determinados pela estrutura da~çimia n~~l;l!!!Eª ~
!;alistas, a natureza do sistema internacionaU..Q.Yil..d.~tsirmina fundamentaJ-
mente a política externa. Em suma, os marxistas consideram a guerra, o impe·
rialismo e o Estado como manifestações maléficas de um capitalismo que vai
desaparecer com a revolução comunista, enquanto para os realistas são traços
inevitáveis de um sistema político internacional marcado pela anarquia.
A diferença entre as duas perspectivas, portafito, é considerável. Para o IT\l!r=.
xista, embora o Estado e as lutas entre os Estados sejam.uma consegüência_do_
modo capitalista de produção, o fiiturQJra!:á um rs:in..<l de_y~~ei~nia e~~­
depois da revoluç~ inevitáyç)g_l!.~-~~P.i~ªJism91m!I~y9lo_vaiPm\'.oC9T-,QJ:~ª-]jst112_
de outro la_~CJ_L~_si:~E,i~_g_ue n~~.h!!.yen!il!!!lªÍs_Jl~I!lililll nírval!~·-~~~~!.!il\ •.
__!!.atu_r~Í11-C!~!.~1JJen~oísm._ç!QLJJe.res hul!!,_anos e ga anai;~).l!ia do sistema
internacional_,_As lutas entre grupos e Estados é virtualmente incessante, embora
Õcasionalmente possa haver uma suspensão temporária. Ora, parece improvável
que qualquer dessas previsões possa ser comprovada cientificamente.
62 Robert Gilpin

Cada uma das três perspectivas que descrevemos tem pontos fortes e
fracos, que vamos explorar mais adiante. Embora nenhuma delas nos propor-
cione uma compreensão completa e satisfatória da natureza e do dinamismo
da economia política internacional, em conjunto, elas nos dão uma boa visão
desse aspecto da realidade, e também levantam questões que serão desen-
volvidas nos capítulos seguintes.

Crítica do liberalismo económico

O liberalismo incorpora um conjunto de instrumentos analíticos e de pres-


crições de políticas que permitem a uma sociedade maximizar seus ganhos a
partir de recursos escassos; seu compromisso com a eficiência e a maximização
da riqueza total proporcionam boa parte da sua força. O mercado representa o
meio mais efetivo para organizar as relações econômicas, e o mecanismo dos
preços funciona para garantir que do intercâmbio comercial tendam a resultar
vantagens mútuas e, portanto, benefícios sociais agregados. Com efeito, a eco-
nomia liberal diz à sociedade, nacional ou internacional: "isso é o que é preciso
fazer para conquistar a riqueza".
De Adam Smith até hoje, os liberais têm procurado descobrir as le.!Ji_que
governam2.!Í q~ezad_a~~ri"a_ções. _Em bora--E!1_sua íTiãi or~a_ç(,_!i~I a.~;:~-; _as_ re.:
··gras-éíã-e:ç~momi~S'.Qmo_ leis ~~IJ_r_aj~jnyiº!ªyeJ:S;J;fa:ipç!J.e.rrt~~r_y)~t?_s_t?rn:..
bém como guias prescriú'Vo; para a tomada de d~c.iJ>_ã_q,. Se forem violadas,_
·_ haverá Un:!._9!§.to.;.J!•..b.uscade.outto.s p ):ij,etixos,..além __ç!11 _e_fiC.!~n_ci_a, _i ffip_l_icará ..
necessariamente un:Lc.u.sJo de QruID11niíl_filf_~,_~m termo1!._Q~_e_fi.c_iênciape:r:dida...
O liberà1ismÓ enfatiza o fato de haver sempre essas opções nas políticas
públicas. Por exemplo: no longo prazo a ênfase na igualdade e na redistribuição
está condenada ao fracasso se não leva em conta a consideração da eficiência.
Para que a sociedade seja eficiente, não pode desconsiderar inteiramente as
"leis" econômicas - como as economias socialistas descobriram.
A principal defesa do liberalismo_1ª_ly_ez
:--;"'-----'----------...
seja negati'.(a: embora possa
·-·---
--~"··-····· '"·--·-·-··-···----·...\-.~----
ser
_......,....-
yerdade, como a~~gam os ~ffi?1..&Ji{ru;_~-ªJguns_n_aciQJJa1i~la~,-~_!J-_alfelii-ª.tiY.a
..eara o sis~~ma liberaly2!!_eri'!.~E u~_O,.!:Jtrç_~J~tt<I11!l-.. er.i:i.qu~ !~~°-~~~~~-~~ss~rn
igualmente, é possível tarnbélll que C.~111 ~l.~ !~clº!JJLerd~~~-~'.T.l.~J!!JennosJt\lsQ.:
lutos. Muito se pode dizer em defesa da doutrina liberal da harmonia dos inte-
~; contudo, conforme ponderou E. H. Carr, a evidência apresentada em
seu apoio é extraída geralmente de períodos históricos nos quais houve "um
aumento sem paralelo da produção, da população e da prosperidade" (Carr,
1951 (1939), p. 44). Quando as condições da economia são dificeis (como
aconteceu na década de 1930), a harmonia desaparece e, como vou demons-
A economia política das relações internacionais 63

trar, a conseqüente queda dos regimes liberais tende a conduzir ao conflito


económico, em que todos perdem.
Ê!'incipal crítica feita ao_libe~~-!:~~~-~gi.§Jtfli;,gJ:l~.~!l~-P!~IJl!s~l!§..
básicas. tfil.S_c.Qmo a existência de atores rruãooai~dQmercado competitivo, etç,,
-são irrealistas. Em p~rte, essa críti;a é injusta, pois os~is ad~tãiTI'cõ~~~~n­
temente essa;;. premiss~s-sl~Pllffcàaõras-cia· reãHdaCfe P_'.'f.li_f~-~i.ihi.iL~.ri~.sg_11is~
científica. Sem tal recurso a ciênClanãÕ·irpossivêro·que é mais importante é
que elas devem ser julgadas pelos seus resultados e pela sua capacidade de
prever, e não pelo seu alegado irrealismo (Posner, 1977, cap. 1), conforme ale-
gam, corretamente, os que as adotam. Desse ponto de vista, e dentro da sua
esfera, a economia liberal demonstrou ser um instrumento analítico poderoso .
.No entanto, a economia liberal pode ser criticada sob vários aspec~Q$JW:
----------·-- -
Nu--~----···-·---·- -• -,, ..
·-----·~---"· ,.,_,,__.,,_,,._,m,_,~,,~-···-·'-

,portanteO~~- Como um meio para compreender a sociedade, especialmente a


dinâmica social, a ciência económica é um instrumento de utilidade limitada e
não_pgd~5-_eryir_i)ãrâ'úmã"âbcíidâgeriúi&rãn'gênte·aaeêoriomTa'J)OliiTêã~T:õiliü-::-­
<lo, os econo~isi~'s ifberâi"íi'tenêie~a~~q;;-;;;~-;:-~a-lim"ltàÇãôint~Ínse~à. ao ver
a economia como a-ciência social por excelência e ao perrnitir que ela pratique
uma forma de "imperialismo" com relação a outras disciplinas. E quando isso
acontece, a natureza e as premissas fundamentais da economia podem desviar
o estudioso do seu caminho e limitar sua utilidade como uma teoria da econo-
mia política.
A primeira dessas limitaç2~s, ~_qJ'ªtQ de, o p~nsamento econômico separar
artiflciãimente_ã,_êcõiló'mi;dos outros aspectos da so~iedade...ê.aéeitar comg
um dado a estrutura sociopolí~~~~E!~,. in~~uindo-se-ãrã~if;i;ibuiÇão-~()
.~~-~ _d..Q_L<li.reitos de Jl!9J?!iedsd~ a dQtação ~~Et:~~~ dos ~!!9-l~!.~1_~~-d!Q~.
~!Y~s e das socieda~.:.~~io~iii.~.a.ssim C:Ql'll~.!.?~~~-~~- insti!::iiçõe~~g_c:i~~?.
polüiçase culturais. O mundo liberal é isento de fronteiras políticas e imposi-
'ÇÕ~s sÓ~i~·Ís; é habitado por indivíduos homogêneos, racionais e iguais. Suas
'' l~scr~yem__!l_l_!l: c~i:ij u11_t_o~d_e_~t:gi:_~s. de !Tl!l?C!ll_l Í_?_!!,ǪQ.. [email protected]!tQr.t!S e.<:Q:
nômicos sem levar em cçnt!!,_çnd,Ç __~_ç.Qm ..qu.e.meios.J!!Ç;L<fü!tirJíci!ULSIJ!I.§.
atl-Vldad·es: -no-:êiiiaüiõ~na-;;id~.!~k:mt:!:\t<il:~211Ll!m_q.Y,_~J'--P-º1!tº-«º-c:: ..11ªni<!~
determine o des!i!!2.!1e1se§.J!!P.r1:s/Dahrendorf, 1979).
Outra limitação da economia libera!_co_l])_QJ!eQJ:Íii..Ç,.!\JJ::V.d~p_çj.a~P-1.!I!LQ~Q.
le~~~l!l-~2.nJ!U!.Ü!"S:"ttÇâQYJL~ilidãd~..dQS,J;~tillRdOS,,Àª.a.t.i.YiO.ai!i:._e_ç_qp_t}miç!!:..
·Apesar dos seus esforços heróicos para formular uma economia do bem-estar
"objetiva", a distribuição da renda entre as sociedades e em cada uma delas
não está presente no campo de visão fundamental da economia liberal. Há uma
certa verdade na crítica marxista de que a economia liberal é um conjunto de
ferramentas para gerenciar uma economia capitalista de mercado. Para os
marxistas, a economia burguesa é uma disciplina administrativa e não uma
64 Robert Gilpin

ciência holística da sociedade. Diz como se pode alcançar determinados obje-


tivos ao menor custo, dentro das limitações existentes, mas não pretenderes-
ponder as perguntas sobre o futuro e o destino do homem - temas caros aos
marxistas e aos nacionalistas econômicos.
O lib~r,~l~s!!12..~mit~~~-também pela s~~!:.~JE.~S,~~c!~.9,\l~JLÇ()I]!~~~ip k
senipre livre,....,.••desenvolvendo-se
~~.-...'~"'"""'~'"' ,.,_ ........ , ..,,, .
em lJJ:n.m.ei:C.!tdo
' _,._
competitivo
_ •......,..
entre
..,.,.".'~'-'·'""'""•··C>·''"'·~---:-....-·......,,...,-.,.,.,·-
iguais
'
com
___
......,.,.,~---

perte1ta informação, e pode assim assegurar ganhos recíprocos nesse inter-


_E.âmbio, Infelizmente, como Charles Lindblom tem argumentado, os termos de
intercâmbio podem ser afetados profundamente pela coerção, pelas diferenças
no poder de negociação (o monopólio e a monopsonia) e por outros fatores
essencialmente políticos. Com efeito, por negligenciar tanto esses fatores não-
econômicos como os efeitos políticos do comércio, o liberalismo não é uma
verdadeira "economia política".
Outra limitação da economia liberal é o fato de sua análise tender a ser
estática. Pelo menos no curto prazo ela aceita como constantes o conjunto das
demandas dos consumidores, o arcabouço institucional e o contexto tecnológico,
vistos como limitações e oportunidades que determinam as opções disponíveis
e as decisões tomadas. Para o liberal, problemas relacionados com as origens
ou as direções tomadas pelas instituições econômicas e o aparelho tecnológico
da sociedade são secundários. O economista liberal é incrementalísta e acredi-
ta que as estruturas sociais tendem a mudar lentamente, em reação aos sinais
dados pelos preços. Embora a economia liberal tenha procurado desenvolver
teorias da mudança econômica e tecnológica, as variáveis importantes de natu-
reza social, política e tecnológica que afetam essas mudanças são considera-
das fatores exógenos, os quais excedem a província da análise econômica.
Conforme a crítica marxista, falta ao liberalismo, que tende a presumir a esta-
bilidade e as virtudes do status quo econômico, uma teoria da dinâmica da
economia política internacional
Com suas leis para a maximização do comportamento, a economia liberal
baseia-se em premissas muito restritivas. Nunca houve uma sociedade com-
posta pelo genuíno "homem econômico" da teoria liberal. Para funcionar, uma
sociedade exige laços afetivos e a subordinação do interesse individual a valo-
res sociais mais amplos; se não fosse assim, as sociedades se desintegrariam
(Polanyi, 1957). Contudo, a sociedade ocidental avançou muito na busca do
aperfeiçoamento social e econômico e limitou a tendência básica do indivíduo a
privilegiar seu egoísmo (Baechler, 1971 ). Ao liberar o mecanismo do mercado
de imposições políticas e sociais, a civilização ocidental pôde alcançar um nível
de afluência sem precedentes, o que constituiu um exemplo para outras civili-
zações. No entanto, isso foi feito à custa de outros valores, porque a própria
economia liberal ensina que nada pode ser alcançado sem um custo.
A economia polftica das relações internacionais 65

A maior força do nacionalismo_econôm-ice-é-e--seu-foco.JJ,p Estado como


-~~r fil~_dominante nas-~elaç.&i:;.~iote.r:nacion.ais_e...cpJru>.Jn.strwn;-t.o..d~d~::.­
volvimento econôrriis:.<l:_,Embora muitos autores argumentem que a economia e
a tecnologia modernas tomaram o Estado nacional um anacronismo, o século
XX termina com o sistema de Estados ainda em expansão: em todo o mundo as
sociedades procuram criar Estados fortes, capazes de organizar e gerenciar
sua economia, e o número de Estados continua a aumentar. Mesmo nos mais
antigos, o sentimento nacionalista pode facilmente ser inflamado, como aconte-
ceu na Guerra das Malvinas, em 1982. Embora existam outros atores, como as
organizações internacionais, as quais exercem sua influência, a eficiência eco-
nômica e militar do Estado faz com que ele tenha posição de preeminência
dentre todos os atores presentes.
Uma segunda fo1:,ç.a_<!9_!!acjg_11.aJi~.l!l<:l_~_ ll_st,111_ê.1? fas~. _n?, i~pg,i;tfu!_<:_i-ª-.Qª-..
segurança e dos interesses políticos na organização e na conduta das relações
econômica;i~~rc;~~is:· Não-êpr~"i:fso aceltar;-ênfase naci;n-~H;ta~o prl:
mado da segurança para compreender que em um sistema internacional anár-
quico e competitivo a segurança do Estado é uma precondição necessária para
a sua higidez econõmica e política. O Estado que não garante sua própria segu-
-~------~--------~-." ·-·
,., __ _,. ----- ~

rança perde aJndepe.i:!dên~~-ª· Quaisg~~~-~:.i~T._os objetivos da socie_dfta~~~.-1.l ~


-~-éfe.itos :}_~ !!ivi?~~~~~?.;:i_!;~o~~l!j!}9!:J?~Jili:Çnef.i.P~~-:§:.~2!; ~ /;< J!UJ,,~
~;;:~;~~7; ~}'.1~11f-1EJter~!!!1.P2~!lt.!:.l!~~~~"~~~.~-~.er:oc!fp~~~
8
A terceira força do nacJ.2!2alismo é a sua ênfase na estrutu!!! políti_s~
J!!iyidades econômicas,j>eu reconhecimento de g_l!e q,!U.]lercados prec._~~~-~!!:"
cionar e"'!.~n:!..!:!.~\Y.~i:~~g~Lf:êt~~<.:>.~~,g111,pQ~ÇQ1!1Pt?titiYQ§,.As relações políticas
entre esses atores afetam o funcionamento dos mercados, assim .como estes
últimos influenciam as relações políticas. Com efeito, o sistema político interna-
cional constitui uma das limitações mais importantes e determinantes dos mer-
cados nacionais; como os Estados procuram influir sobre os mercados em van-
tagem própria, é crucial o papel do poder na criação e na. sustentação das
relações do mercado. Até mesmo o exemplo clássico de Ricardo, da troca de
lãs inglesas por vinhos portugueses, não estava isento do poder estatal (Choucri,
1980, p. Ili). Na verdade, como Carr demonstrou, todo sistema econômico
depende de uma base política segura (Carr, 1951 (1939]).
Uma fraqueza do nacion~Iismo_~_su~_tendên_?i~~-~~'._e.,~i!~:_g~~lações_
econômicas inte~!.9!!!!.is §.i!.<L~~mpr~e..e.Kc.l\!.~ixru:n.eJJ.t~J!WJQ&Q.Q!=~i:i:!~.~~!'.();.
ou sejã;CfueÕ_g.anho de um Estado precisa corresponder necessariamente à
perda sofrida por outro. O comércio, o investimento e todas as outras relações
66 Robert Gilpin

econômicas são vistas pelos nacionalistas primordialmente em tennos conflitivos


e distributivos. Contudo, quando há cooperação, os mercados podem trazer um
ganho recíproco, como insistem os liberais - embora não necessariamente igual.
É a possibilidade de vantagem para todos os participantes que constitui a base
da economia de mercado internacional. Outra fraqueza do nacionalismoé o
.fato de a bHsc!-<illP~\!~~ IIQ,,"!11!\~~}e c~nflÍt;f'coll\!;prÓcujiª~~~~~!!i
menos no curto prazo. A acumulação e o emprego do poder militar ou de outros
tipos representam um custo para a sociedade, custo este que pode comprome-
ter sua eficiência econômica. Portanto, como argumentava Adam Smith, as
políticas mercantilistas dos Estados do século XVIII que identificavam o di-
nheiro com a riqueza prejudicavam o aumento da riqueza real, criado pelos
incrementos de produtividade. Adam Smith demonstrou que a riqueza das na-
ções seria mais bem servida pela política do livre comércio. Do mesmo modo,
a tendência hoje prevalecente para identificar a indústria com o poder pode
debilitar a economia de um Estado. O desenvolvimento industrial que não leva
em conta o mercado e as vantagens comparativas pode enfraquecer uma
sociedade economicamente. Embora em situação de conflito os Estados pre-
cisem às vezes seguir uma política mercantilista, no longo prazo essa política
pode ser comprometedora.
Além disso, falta ao nacionalismo uma teoria satisfatória da_soi;jçda.!l.t<llª::
cional, do Esta.do__e_c:f;lQ.ajii!Çi~iiêroli];:!~~nãcJQ:iiiliS.ti$.t~rrd.~m11..pn:~l.lm!r_~
a sociedade e o Estado forma.!!U1J!lª.t:!l.t:ifll1_Qt:J!l.IÍ!~ria, e que a política externa
--~---
é determinada por um propósito nacional objetivo. Contudo., como os liberais
acentuam (e com razão), a soCiedade é plurálí~t~~nsiSie'em indivíduos e
grupos, ou seja,
............,..,,,_.Ao,fC-...,...
~·"'~, ~ ..
agregadÓs-éle'Tn<llvíduõs;
' ' ' ' ......_._,.,.,,,,,. .. "'' •..,..
<"
que procuram cal'turar o aparelho
'',,,....,,,.,,•',O• e-·-,_,-. .,~.- ........... ,, ·-·~ ..... _,,_.,,,,,,..,.,.-....... ,-.... H d"-- ' •• ·~· '

~ta~l~.ª pô-~'á"!~tç? d§êus P.E~p~s).n!t:l~~~~.~.:Q9.líticos e econ~micp_§-.,


Embora os Estados tenham diferentes graus de autonomia social e de indepen-
dência na formulação das suas políticas, a política externa (incluindo-se aí a eco-
nômica) resulta em grande parte do resultado da competição entre os grupos
dominantes dentro de cada sociedade. O protecionismo comercial e a maioria
das outras posições nacionalistas derivam das tentativas por um ou outro fator
da produção (o capital, o trabalho ou a terra) de adquirir uma posição
monopolística e de aumentar desse modo sua participação no rendimento da
economia. As políticas nacionalistas são adotadas muitas vezes para redistribuir
a renda auferida pelos produtores, originada nos consumidores e na sociedade
de modo geral. 8

8 Hâ muitos livros sobre a economia política das tarifas e de outras formas de protecionismo
comercial, com o objetivo de produzir recursos. Como já notamos, o tema do processo de
fonnação da política econômica excede o escopo deste trabalho. Frey (l 984b) apresenta uma
excelente discussão dessa abordagem à política tarifária e a assuntos correlatos.
A economia política das relações internacionais 67

Assim, o nacionalismo pode ser interpretado ou co_m_o_u_ma teoria da conso-


__ !!~ação _do_~isfarce para encobrir os interesses de determina:::.
dos gTU1tQS..de...prod11tores,grÜp()$êSfes"que se encontram em posição de influ-
~nciar a polít_ica nac!º_!!&. Na impossibilidade de apreciar plenamente osdciiS
sentidos possíveis do nacionalismo econômico, ou mesmo de distingui-los, os
nacionalistas podem ser acusados de não aplicar, tanto nos assuntos internos do
seu país como na política externa, a sua premissa de que a estrutura política
influencia os resultados econômicos. Deixam de levar na devida conta o fato
de os grupos políticos internos usarem freqüentemente uma retórica nacionalis-
ta para promover os seus interesses, em especial a da segurança nacional.
J:nquanto._J1Q..P-as.s.ª9~rra e o capital eram os canfils.mais..impo_rtan~
-~~timentg nacionalista, nas economias avançadas o trabalho tornou-se_Q_
mais nacionalista e protecionista dos trêsíãtõres·aãpiüéiüÇifq~ÊmuÍn mundo
de capital e recursos dotados de alta mobilidade, o trabalho procura usar o
Estado para proteger seus interesses ameaçados. E o poder ampliado do traba-
lho no welfare state contemporâneo tomou-o uma força importante do nacio-
nalismo econômico, como mostrarei adiante.
A validade da ênfase nacionalista no protecionismo e na industrialização é
mais dificil de avaliar. É verdade que todas as grandes potências industriais têm
um Estado forte, o qual protegeu e promoveu a sua indústria nas fases iniciais
do processo de industrialização; e que sem o protecionismo, as indústrias nas-
centes das economias em desenvolvimento provavelmente não teriam sobrevi-
vido à competição das empresas poderosas das economias mais avançadas.
Contudo, o alto nível de protecionismo adotado em muitos países provocou a
criação de indústrias ineficientes e chegou mesmo a retardar o desenvolvimen-
to da economia (Kindleberger, l 978b, p. 19-38). No último quartel do século
XX, economias como a de Formosa e a da Coréia do Sul, moderadamente
protecionistas e favorecendo a competição das indústrias de exportação, tive-
ram melhores resultados do que as dos países menos desenvolvidos que tenta-
ram se industrializar protegidos por barreiras tarifárias elevadas, ao adotar uma
estratégia de substituição das importações.
A preferência demonstrada pelos nacionalistas em favor da indústria,
cornparativªmente a agn~\!!fü·r~ aft~~~é.!i.!íl.!i!:.f!ll?~m·varlfâg~n·s·e·Cles~§!âgens;·
·É verdade que a indústria tem~.~~l!~_P.<?!1!~~-t:l11.s.~.fa".'.?!_: qu~__'!).n.!~2s!YS<~<l.
al!J~_Ç_!l_Ç>I og,i,gTnd.u.s.triàl.~m_Üml!.§Oc_i~.c:!!l~~J'E()duz:. e_~e~!?~. se_gg.ng_?:ri2~.(g~_c;hl!~..
rnados spillovers) que tendem a transformar e 'a modernizar todos os aspectg~
C!~:~onomil!_a__(}jÉ_,rimora~~e d~_f?!'.2~.<!t:.!r.ti2al.~_<..>~~,..~?, aU}}2.~!1!!1~ '!. .
lucratividade do capital,;' No enta~~~o pode,J'11qê,ce~q!:!~S~E.9.!:!~.PQ!!~~~J?"~~t::;..

9 Comwall (1977) propõe um argumento representativo das vantagens da indústria com relação
à agricultura no desenvolvimento económico.
68 Robert Gilpin

dadespuderam se desenvolver sem passar antes por uma revolução agrjcola, a


qual lJl_eAettmnnw.êL~a..d.e..p.I.odutiyidade no campo.(Lewis, l 978a). Com
efeito, algumas das economias mais prósperas como a Dinamarca, ofarm belt
norte-americano e o Canadá ocidental estão baseadas em uma agricultura efi-
ciente (Viner, 1952). Além disso, em todas essas sociedades foi o Estado que
promoveu o desenvolvimento agrícola.
Conclui-se, assim, que os nacionalistas estão ess~!lçi~lm(ê11J~_forre~Qs_11a
. ~ua cr~nça de que o Estac!<:l_Efecis~~~r ullll'~P~lfi}lp~~ll?!e 11.l:l_Q~~~-ºlv.im..!!J)~~­
to econômk_<:!.:..-,E preciso um Estado forte para promover a indústria e, em al-
guns casos, para protegê-la, assim como para criar uma agricultura eficiente.
Contudo, embora esse papel ativo 4Q_gs!Jt~.Q.s_eja_µ_m_a condição necessáriaL
_!1!9 é suficiente~tência_~~ un:i..'is.~~2 forte e intervJ:n~2nist!!Jl_ª9_g~i;11~
te por si só o desenvoly:im~ttto_~cPJJQmic,Q~na verdade, pode mesmo retardá-lo.
A condição suficiente é uma organização econômica eficaz da agricultura e da
indústria, e na maioria dos casos isso se consegue por meio do mercado. Essas
duas condições políticas e econômicas têm caracterizado as economias desen-
volvidas e os países de rápida industrialização no sistema internacional contem-
porâneo.
É importante perceber que, quaisquer que sejam seus méritos ou suas de-
ficiências relativas, o nacionalismo econômico tem um apelo persistente. Em
toda a história moderna, a localização internacional das atividades econômicas
tem sido uma preocupação importante dos Estados, os quais desde o século
XVII têm seguido políticas conscientes de desenvolvimento industrial e econô-
mico. Mas, para conseguir um poder militar estável e movido pela crença de
que a indústria oferece um maior "acréscimo de valor" à produção do que a
agricultura (vide Cap. 3, nota 26), o Estado nacional moderno adotou como um
dos seus objetivos mais importantes a criação e a proteção do poder industrial.
Enquanto existir um sistema internacional competitivo, o nacionalismo econô-
mico continuará a exercer uma forte atração.

Crítica da teoria marxista

c..O marxismo coloca o problema econôm_ic_':=~J?i:~d:ii_s;ão~_? dis!rfü!!i~~2.


da riq.ueza.-matei:iat--0nae.ere:1,-e.rtelice;::nõ:.centta..ou..p~r:to.i!.i:1_ç~Jltr.Q..Q!tYJdª··
política. Enquanto os liberais tendem a ignorar a distribuição, e os nacionalistas
estão preocupados primordialmente com a distribuição internacional da ri-
queza, os marxistas focalizam os efeitos internos e internacionais da economia
de mercado na distribuição da riqueza. Chamam atenção para o modo como as
regras ou os regimes que regulam o comércio, o investimento e outras relações
econômicas internacionais afetam a distribuição da riqueza entre os grupos e
A economia política das relações internacionais 69

os Estados (Cohen, 1977, p. 49). 1ºNo entanto, não é necessário aceitar a iiHer~
l?_r~~ção materialistª 9a bistc>ril! o~ ~ primà~o íiã· 1~ia de c]as~es para ent~nder
gue a t'Ormá como as pessoas ganham a vicla_e_êiistribuêffi-ariqueza-determinà
criticamente a estrutura soc.iaLe a conduta política. ~
Outra contribuição do marxismo é a sua ênfase na natureza e na estrutura
da divisão do trabalho, tanto nacional como intemacional.Mª12C eJ~ngels mostra-
ram co~~~ent<:_~_rn-4.ldtto_{pg{a a/em_ti_q"lJi:.9~!9l!er__cliyisã5>d.sitra~?lh()_Í_!llpli~.
ca uma dependência e, portanto, um~o ~ítica (Marx e Engels, 1947 [1846)).
Em uma economia de mercado o nexo econômico entre os grupos e os Estados
adquire importância critica na determinação do seu bem-estar e das suas rela-
ções políticas. Mas a análise marxista é muito limitada, porque a interdependência
econômica não é o único conjunto de relações entre os Estados, nem mesmo o
mais importante. As relações políticas e estratégicas entre os atores políticos têm
a mesma ou maior importância, e não podem ser reduzidas a simples considera-
ções econômicas, pelo menos não como os marxistas definem a economia.
A teoria marxista da economia política internacional é também valiosa,
porque focaliza as transformações políticas internacionais. Nem o liberalismo
nem o nacionalismo têm uma teoria compreensiva das mudanças sociais. /
O marxismo enfatiza o papel da economia e da te~~2gia para_i:xp~ica..i:!.clll].~.:­
mica do sistema internacional. Como expriéãã lei do desenvolvimento desigual
de Lenin, o dife.t.enciaLr:te;_~p;;êntÕ-do -põàêretifre 0s'ESfáâÕs'"e'ümã:"éaúi~-
·5'iib]acente das mudanças políti;;lntêmãclõnãis.LênirÍ-;;stava certo, pelo menos
em parte, ao atribuir a Primeira Guerra Mundial ao desenvolvimento desigual
do poder entre os Estados industrializados, os quais entraram em conflito a
respeito da divisão territorial. Não pode haver muita dúvida de que o cresci-
mento desigual de várias potências européias e seus efeitos sobre o equilíbrio
do poder contribuíram para a falta de segurança coletiva. A competição por
mercados e por colónias foi um fator agravante das relações interestatais. Além
disso, a percepção crescente pelo homem comum dos efeitos das vicissitudes
do mercado mundial e da conduta econômica dos outros Estados sobre o seu
bem-estar material e a sua segurança passou a ser também um fator significa-
tivo na promoção dos antagonismos nacionais. Para o cidadão, como para as
nações, o aumento da interdependência econômica trouxe consigo um novo
sentido de insegurança, de vulnerabilidade e de ressentimento com respeito aos
rivais políticos e econômicos externos.
Não há dúvida de que os marxistas estão também certos quando atribuem
às economias capitalistas, pelo menos como as conhecemos historicamente,

10
O volume editado por Krasner (1982c) contém uma ampla discussão do conceito dos regimes
internacionais.
70 Robert Gilpin

um impulso poderoso para a expansão por meio do comércio e especialmente


pela exportação de capitais. Os próprios economistas clássicos liberais obser-
varam que o crescimento econômico e a acumulação de capital criam uma
tendência à diminuição da taxa de retomo (o lucro). Mas esses economistas
observaram também que essa queda da lucratividade pode ser compensada
pelo comércio internacional, pelo investimento externo e por outros meios. En-
quanto o comércio absorve o capital excedente, por meio das exportações, o
investimento externo canaliza o capital para fora do país. Assim, os economis-
tas clássicos confirmam a afirmativa marxista de que as economias capitalistas
têm uma tendência intrínseca a exportar as mercadorias que produzem, assim
como seu capital excedente.
Essa tendência levou à conclusão de que a natureza do capitalismo é inter-
nacional, e que sua dinâmica interna estimula o expansionismo internacional.
Em uma economia capitalista fechada e na falta de progresso tecnológico, o
consumo insuficiente, o excesso de capital e a resultante queda na lucratividade
levariam eventualmente ao que John Stuart Mill chamou de "estado estacioná-
rio" (Mill, 1970 [1848], p. 111 ). Mas em uma economia mundial aberta, carac-
terizada pelo capitalismo em expansão, pelo crescimento demográfico e pelo
aumento contínuo da produtividade, mediante o progresso tecnológico, não há
uma razão inerente para que ocorra a estagnação económica.
Por outro lado, uma economia comunista ou socialista não tem uma ten-
dência econômica intrínseca para se expandir internacionalmente. Em uma
economia comunista, o investimento e o consumo são determinados antes de
mais nada pelo planejarnento nacional; além disso, o Estado tem o monopólio
de todas as trocas internacionais. 11 Naturalmente, uma economia comunista
pode ter motivos políticos ou estratégicos para exportar capital, ou pode preci-
sar investir no exterior para assegurar o suprimento de matérias-primas vitais.
Um regime marxista pode também achar lucrativo o investimento no exterior,
ou dedicar-se a outras transações comerciais. A União Soviética, por exem-
plo, foi considerada em algumas ocasiões como negociadora sagaz, e tem um
certo mérito a observação de Ralph Hawtrey de que o advento de um gover-
no comunista ou socialista não elimina o lucro como motivo, mas simples-
mente o transfere para o Estado {Hawtrey, 1952). Não obstante, a estrutura
dos incentivos existente em uma sociedade comunista, com sua ênfase no
prestígio, no poder e na ideologia, não se inclina ao estímulo da expansão
econômica no exterior. Ao contrário, sua tendência é subordinar a economia
à política e aos objetivos nacionalistas do Estado (Viner, 1951 ).

11 Wiles ( 1968) apresenta uma anã!ise valiosa do comportamento contrastante das economias
capitalistas e comunistas.
A economia política das relações internacionais 71

Os marxistas certamente estão com razão quando afirmam que o capita-_


!ismo necessita uma econõmtãmun4!~fã~1iãlista5 qu~rem exportar
mercaâorias e capitais para as economias estrangeiras; as exportações têm-um
certo efeito keynêSíàno sob_n; a demaii~a-~estimulãii:üias.]_c:-õ_nQllUas:_c_apjtalis~ .
tas a atividade econômica, e as exportações de capital aumi;!!tam a taxa global
de lucro. O fechamento dos mercados estrangeiros e dos canais para a trans-
ferência de capital prejudicaria o capitalismo, e uma economia capitalista fe-
chada teria provavelmente como resultado -um declínio dramático do cresci-
mento econômico. Há razão para acreditar que o sistema capitalista (pelo me-
nos como o conhecemos) não poderia sobreviver na ausência de uma econo-
mia mundial aberta. Conforme Marx observou, o capitalismo é essencialmente
~~p~it~; a ideofõiàl!.dos,_capi~JJ_stis_é,fritiiiiã.ÇLêiri~Lõêai5itâllsmõ-em uíjl .
só Estado seria in<J.ubitavelmenteJ®aJJ:l1P-9JlfilRilidade ..
-Nos séculos XVIII e XX os Estados capitalistas dominantes-a Grã-Bretanha
e os Estados Unidos - usaram o seu poder para promover e para manter a
abertura da economia mundial. Utilizaram sua influência para derrubar as barrei-
ras ao livre fluxo das mercadorias e do capital. Quando necessário, "o maior
poder das nações desenvolvidas impôs aos seus parceiros hesitantes as oportuni-
dades oferecidas pelo comércio e a divisão de trabalho internacional", para usar
as palavras de Simon Kuznets (Kuznets, 1966, p. 335). Ao buscar seus próprios
interesses, essas nações criaram o direito internacional para proteger a propriedade
dos comerciantes e investidores particulares (Lipson, 1985). E quando as grandes
nações comerciantes deixaram de poder implementar as regras do livre comércio,
o sistema liberal começou seu recuo sistemático. Até aí, portanto, os marxistas têm
razão quando identificam o capitalismo com o imperialismo moderno.
A principal fraqueza do marxismo co_mo teoria da economia 1!2)íti_gijntei:::
~nacio_nal decorre do fato de não !evar emsonta o papel dos fatores polític~
estratégicos nas relações internacionais. Embora se possa apreciar as percep-
Ções do marxismo, não é necessário aceitar a teoria marxista segun<;!QJUUUll..A.
dinâmica das relações internacionais modernas tem como causa a necessidade
de exportar mercadorias e cap1tarexcedentes das economias capitalistas. 'Por"
exemplo: na medida em que o crescimento desigual das economias nacionais
leva à guerra, isso se deve às rivalidades nacionais, que podem existir qualquer
que seja a natureza das economias nacionais - um bom exemplo é o conflito
entre a China e a União Soviética. Embora a competição pelos mercados e
pela exportação de capitais possa ser um fator de tensão, uma causa do impe-
rialismo e da guerra, isso não explica satisfatoriamente a conduta externa dos
Estados capitalistas.
A evidência histórica não apóia, por exemplo, a explicação da Primeira
Guerra Mundial por Lenin, imputando-a à lógica do capitalismo e ao sistema de
72 Robert Gilpin

mercado. As disputas territoriais mais importantes das potências européias,


que precipitaram a guerra, não tinham a ver com as colônias ultramarinas,
como previa Lenin, mas localizavam-se na própria Europa. O conflito mais
importante que precedeu a guerra estava relacionado com a redistribuição dos
territórios balcânicos do decadente Império Otomano. E, na medida em que a
fonte desse conflito era econômica, ele resultava do desejo do Estado russo de
acessar o Mediterrâneo (Hawtrey, 1952, p. 117- 118). O marxismo não pode
explicar o fato de os três maiores rivais imperialistas - a Grã-Bretanha, a Fran-
ça e a Rússia - colocarem-se do mesmo lado no conflito subseqüente, ao lutar
contra uma Alemanha que tinha poucos interesses em uma política externa
fora da Europa.
Além disso, Lenin errou ao admitir que a força motriz fundamental do
imperialismo residia no funcionamento interno do sistema capitalista. Confor-
me Benjamin J. Cohen deixou claro na sua análise da teoria marxista do impe-
rialismo, os conflitos políticos e estratégicos das potências européias eram mais
importantes; pelo menos em parte, foi o impasse continental entre as grandes
potências que as forçou à competição no mundo colonial (Cohen, 1973). De
fato, todos esses conflitos coloniais (excetuada a Guerra dos Boers) foram
resolvidos por meio da diplomacia. Finalmente, as colônias ultramarinas das
potências européias tinham pouca importância econômica. Como mostram
os dados apresentados pelo próprio Lenin, quase todo o investimento europeu
em outros continentes foi dirigido para as "terras de colonização recente"
(Estados Unidos, Canadá, Austrália, África do Sul, Argentina, etc.), em vez
das colônias dependentes, o que chamamos hoje de Terceiro Mundo (Lenin,
1939 [1917], p. 64). Com efeito, contrariando a visão leninista de que a polí-
tica acompanha o investimento, durante esse período as finanças internacio-
nais foram em grande parte serviçais da política externa, como no caso dos
empréstimos franceses à Rússia czarista. 12 Assim, a despeito de focalizar
adequadamente as mudanças políticas, o marxismo tem sérios defeitos como
teoria da política econômica.

Três desafios a uma economia mundial


----·-··· _________ .. ________ de......
.,_.
mercado
,__ .. ....•. .___,_ ....
---~- .- , , __

A despeito de suas sérias limitações como teoria do mercado, ou da econo-


mia capitalista mundial, o maQlismo levanta trê~ohlem.a~-I.l.i!Q.,~dem_$L,
deserezados facilmente. e que sª9- çmciaiS..pam.Jl.ÇQID,I!reensão da.dioffi111jca d11s.

" Herbert Feis (1964 [1930] e Eugene Staley (1935) apresentaram efetivamente esse argu-
mento.
A economia política das relações internacionais 73

relações internacionais contemporâneas. O primeiro são as implicações econô-


micas e políticas do processo de crescimento desequilibrado. O segundo é a
relação entre economia de mercado e política externa. O terceiro, a capacida-
de que tem uma economia de mercado de reformar e moderar suas caracterís-
ticas menos desejáveis.

O processo ______________
de desenvolvimento
, __
......._,. ____
desigual
_,_,,.,.
~--

Há duas explicações fundamentalmente opostas para o fato de o cresci-


mento econômico d_eseqüílI5.iii_4:Q:téii~e~~9-cóíl.il!.füi<ifül.s9::§~};];;:;;;1~~; ;-~;,;;-··
parti_Cl!lar a lei do desenvolvimento desigual, de Lenin, localizam as fontes des-
se conflito na necessidade que têm~Lç.conQ.IDia~..Ç!pi~Ji~M..d.eien.v;cl\Íidás::d~
exportar seu excesso de capital e de p_ro_du,Ç,ão, eJIX!?~OO~L
imperialistas. O realismo político sustenta que em um sistema internacional
anárquico o conflito entre os Estados a respeito de recursos econômicos e na
disputa pela superioridade política é endêmico.:,.J?!!J?.~r~ru<Ç.ÜY~!!Us.1ª •.Q.Rf~
_cesso de desenvolvimento desigual gera um conflito entre os Estados que cres-
cem e os q!l_~ntra~~.Q..!!!JS!:fu!ª-,QJJ.e~1~-últimos rocura -··
rar ou manter sua posição relativa na hierarquia política internacio~
Como já se argumentou, não parece existir um método confiável para re-
solver essa controvérsia e indicar qual a melhor teoria. Tanto o marxismo .
como
........-
.

ºrealismo político conseg~ explicar a tendên~~!!.91!.'<2-de~TI.YQJY.imt,:!!!Ç>


aes1gual provoque conflitos políticos ent~!.§~q_qs, fAtOS UUe parecem des:
mentir essa hipótese podem ser FaélTitíente "de~.cloS.::.median~l_!l:P!..egº-·
de hipóteses ad hoc. ~..:.?..'E-º-!1-~.~hunuu:la.s_du.ll§..teori_f!.s parec~...§.,ÇL.ÇllP~.EJ:...
superar um teste empírico~ermita,1;!s:rrub.klM....o.S_~.tudi<lS.Q..S...SÃU..Qbrigad_o.s,
:_ãideí'iiTii:Si~outw,..dependendo da premissa adotada a respeito
das relações entre a política e a economia internacionais.
Minha posição a re~qJ_.!! ..<i()~lismo político: o pro_~esso de cresci-
----·""""'"'~·~·~-~~- --~--
mento desigual estimula o conflit~olítico porque prejudica o status quo politi-
·cõiiifernacional. Alterações n7i-0c;:;;dãs atiV!êfãdes ecõnõmlcasmudãm a díS=
tribuição da riqueza e do poder dos Estados que participam do sistema interna-
cional. Essa redistrib_uiç.ã.a..do_p_oger e seus efsrll~;;oq_i:._c:_!l si!uação~_q_~-~!l1:.
estar de cada Estado acentuam o conflito entre os Estados em ascensão e os
declinantes. se.esse..cPuf]ito nãPfu;~sõiVidõ;põ"ciê?ct-revãrãoguê'êlia;;;~c;;·n;­
-ôútro texto, de "guerra hegemônica",..__w_.--
cujo resultado final - será
,,.......,,.. a determinação
.,...,.--.......,_,.,_..,,.,,.,,,~

.do Estado ou Estados dominantes na nova hierarquia intemacion!;!l(Gilpin, 1981 ).


' Acredito que para explicar a relação entre crescimento desigual e conflito po-
lítico a interpretação realista é bem superior à do marxismo.
74 Robert Gilpin

Assim, em contraste com o emprego da "lei do desenvolvimento desigual"


por Lenin para explicar a Primeira Guerra Mundial, podemos contrapor a expli-
cação de Simon Kuznets, essencialmente realista. No seu livro Modern
Economic Growth, Kuznets interrompe sua análise detalhada do crescimento
econômico para indagar se existe uma relação entre o fenômeno do cresci-
mento econômico e a Primeira Grande Guerra do século XX (Kuznets, 1966).
O economista enfatiza inicialmente o grande crescimento de poder militar
que precedeu a guerra.

O crescente poder produtivo das nações desenvolvidas, derivado da


tecnologia orientada pela ciência que passara a ter um papel cada vez mais
importante no crescimento econômico moderno, significou também um au-
mento do poder nos conflitos armados, e uma maior capacidade para susten-
tar a luta(Kuznets, 1966, p. 344).

Em conjunto, a continuada acumulação de capital e a tecnologia moderna habi-


litaram as nações a promover guerras em escala sem precedentes.
Em segundo lugar, Kuznets considera essas grandes guerras como "os
testes definitivos das mudanças ocorridas no poder relativo das nações, testes
para resolver disputas sobre se tais mudanças foram ou não reais, e para saber
se os ajustes políticos solicitados eram realmente necessários" (Kuznets, 1966,
p. 345). Em outras palavras, o papel da guerra é testar se a redistribuição de
poder no sistema, provocada pelo crescimento econômico, conseguiu mudar o
equilíbrio de poder fundamental do sistema; e se esse equilíbrio se alterou, de-
vemos esperar conseqiientes adaptações políticas e territoriais que reflitam a
nova distribuição. Em uma época de crescimento econômico rápido e contínuo,
haverá mudanças freqüentes e significativas do poder relativo, econômico e,
portanto, também militar. "Se as guerras são necessárias para confirmar ou
negar essas mudanças, a rapidez e a freqüência com que elas ocorrem podem
explicar os freqilentes conflitos que servem como testes" (idem, ibidem). As-
sim, uma grande guerra é provocada pelo crescimento desigual do poder do
Estado.
Finalment~ •.. !S~~&,U,.!!}~!!~-'11l.~.')!:!l. g11-«r:i:a~.PrillPiP.a!§.E!'i.~~.'?..~l!Qcia7
,!1as à em~gtQ!<Íl!.g~.xáriasJtaçõe.s.grandes..e...dJ'§envolvj.Q.11§..,1,lQ.c.\!rsg,~Q,P!.9.:•.
~
demo crescimento e~JlP.ntico';. (Kuznets, 1966, p. 345):({7iilSéCulo de J?.ª-~ "-.A:
, _ __..,...,..__...,..,,.
í-.
instável tinha sido possível porque, durante._ boª'-Pª-rt~.<J~-ª§_ÇJ?~Jt9Q.Q,.hQ.l!~ _!!..1!1. ;'' ..!..

~r:ii~_c>_g~~ ,Eaj§Jlvan.çadn..a.gerar_c.1:e.itçim~!ltCL!,lC<mômiçp.A emergência de_


'r é'
"l.<~,~.q;'.
outras socie~ades industrializadas e em de_se,!}Y.PIYil!!.!l..ll.t~iç~-~~-ª ~.!_e­
manha depois de 1870. levou finalmente..~.h.eg5r,nJ1llL<;a~A presença de
vários países grandes e economicamente desenvoTviãós 1
é condição necessária,
embora não suficiente, para a ocorrência de guerr~s mundiais. "Nesse sentido,
1
A economia política das relações internacionais 75

foi um século de Pax Britannica que tenninou quando a metrópole mais im·
portante passou a não poder mais liderar e a impor a sua paz em uma parte tão
ampla do mundo" (idem, ibidem). Parece impossível dizer mais do que isso
sobre as relações entre o crescimento económico e os conflitos militares.

As economias de mercado. e a política


____
~~
externa
..-· ···''· _..,_.
--~,---~-~-~.,.__,, ~,-·

01!!_~ crítica marxista à economia. capitali~tª Qll <ie mercado consiste na .


~ão..d~que..e1ã:ii:0:4~-ª-:s_~-gµ1~·um.a.pô1íticª _e~~~l'Í}ii· . '.lllie.~~i~~: · .Natürãi~
·mente, os liberai~J!S.SJJmem_aJl.Qªiçã.<>-..9.R.Q!!I~-~-!iJ:!!!!!!'...9~e as economias.
capitalistas são fundamentall!lente P!lcíficas. Por exemplo: no seu ens?io sobre
o imperialismo, Joseph Schumpeter argumenta que os. capita!istas--são
-~ntibel icõsos, e a~~i~errâs-in2~rri.ãs :§ão·d~_'{L4!!i..ã:PieY.iilê!l.!<iiüfüx~~itifoS:Ji::.
,estruturni>..soç_iaispr~c;:\;JI!;.ntes.(Schumpeter, 195 l)~ara ele, em uma socieda-_
de verdadeiram,:;r:!e. caeita~~~~0Jíti9~ ewxts~~~l'.!~.E~1!1~.,! 3 Marxistas,
1iberais e nacionalistas têm debatido longamente a questão acerca de saber se
a interdependência económica é uma fonte de relações pacíficas ou de conflito
entre os Estados nacionais. Os liberais acreditam que os beneficias mútuos do
comércio e a rede de interdependência em expansão, a qual liga as economias
nacionais, tendem a promover um relacionamento cooperativo. Assim,.,Norman
Angell procurou demonstrar em um livro famoso, The Great l/lusion ( 191 O),
~nto quatro anos ant~~-~ã,}'fifti]!fli:-QY<-:II;t."M§ií(li~f~·:qú.~~~~~rrjlj~jõ,rijª!ª.
Lmpensável Pº!.."-.~~~9.111P~ll~llr<:> ~ll~!,~L'!!P}~~~<;J, .Pl!S.~?E.<!.().1:\_S.€:!". Jl.J!!!!!.!!:~C::-~ª.
sociedade industrial moderna,, [email protected] nacio_1;tl\.li.s.tas,_o.c.omét:eio.nãQ_Ra.s~1J,.,.de_
.,Q_utra arena paraaoomp~ç~2_\!lte!!111.çj9n_al, P(J!~llill_terd~~!!Q.ª.!ISÍ.11-ÇÇPP.Pm.içll.
aumenta a ins~~s E_:;_~~~Q-~JUtl!ll ~lnç1i!2iJiq11(lç_.a.f9~t:!<Mc.P.QI,itiç_~s,
econom1cas externas.
~ Os hbera1s tem Cõnsiderado a economia internacional como inseparável da
política, e também como uma força em favor da paz - desde a afirmativa de
Montesquieu de que "a paz é a conseqüência natural do comércio", passando
pelos escritos de John Bight e Richard Cobden, no século XIX, até os teóricos
contemporâneos do funcionalismo e da interdependência económica. Enquanto
a política tende a dividir, a economia tende a unir os povos. O comércio e a
interdependência económica criam laços de interesse comum e uma inclinação
autêntica em favor da paz internacional, exercendo, assim, uma influência mo-
deradora sobre as relações internacionais.

" Michael Doyle (1983) argumentou, em excelente artigo dividido em duas partes, que as econo-
mias liberais (que ele, ao contrário de Schumpeter, distingue das economias capitalistas) têm de
fato pouca propensão para a guerra, comparativamente a outras sociedades liberais.
76 Robert Gilpin

De outro lado, a premissa fundamental dos marxistas e dos nacionalistas é


a de que a interdependência internacional é não só fator de conflito e de insegu-
rança como também cria relações de dependência entre os Estados. Como a
interdependência nunca é simétrica, o comércio toma-se uma fonte de expan-
são do poder político exercido pelos fortes sobre os fracos. Portanto, tanto os
marxistas como os nacionalistas econômicos defendem políticas autárquicas.
O registro histórico não presta grande apoio a essas duas posições, pois os
modelos de relacionamento econômico e politico são muito contraditórios. An-
tagonistas políticos podem ser parceiros comerciais importantes, como aconte-
ceu com a Grã-Bretanha e com a Alemanha na Primeira Guerra Mundial; ou
então podem ter um comércio desprezível, como os Estados Unidos e a União
Soviética depois da Segunda Guerra Mundial. O que os fatos sugerem é que o
comércio pode agravar ou moderar os conflitos, dependendo, em cada caso,
das circunstâncias políticas. Assim, ê preciso prestar atenção a fatores inter-
relacionados que parecem influenciar as formas como o comércio afeta as
relações políticas internacionais.
O pri!!!eirQ_f}!!.Q_t:}1J1fetar.as.cQ1Jê.~Q.ii.Çncl!!~J~Q.ljtjcas d()_<:_0,.1!1~rcfil_a..~.xê_­
_tência..Qu a ausên.cia.d!Ulfil!tRQ~.l!ÇÍ,!IJi.!J~ra.LdPm.i1111mc: .01:! hege.111.ê>11lca <I!le.
possa estabelece~-~·-ª~rnill!~.!!.!l!.2"~~.!çm!.Ül.l!.e.rnacio.n-ªl.Ãe..i;;m:n~!Qi.O,, Grandes
áreas de interdependência econômica têm sido identificadas com a supremacia
sem contraste do poder do comércio hegemônico, tais como a Grã-Bretanha,
no século XIX, e os Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial. Quando
o domínio dessas potências se desvaneceu, desafiadas pelas potências em as-
censão, aumentou o número dos conflitos comerciais.
O segundo fator d~erminante dos efeit~~.J?.Q.lít_ÍÇ_Q§_ÊQ.29m~I.Ç_io é a_t,!l!'ª~
de .crescimento .econômico do sist~ma.
...,,,...,...,...__,.,_..,_ .......,....,...,-
....,,,..-=""'~=,.,.....,~
Emborll seja Y~J9ade.que..a...d.e_ç_li!JÍ2,
,......,..__ •
do protec1~nisíno ~.~.~P,~!1,'i~~-2E~~~!ld.9~""11ll!tl~!~.i.~.~-s_tj,!llul.~!1L0,.<?!~5-S!~.
mento econômico, o corolário é também .YJ:!:dl!..c!e<i.tQ.;_j!l!)!EªRidaJª~ª·de..4~;
senvolv1mento eéonômicoTêvãàexeãiisão do c_om~J_<;.io e da inten:l.e,.p_emJ.ênçJ.11
económica. Dã mesmâ-fôr.l;a, uma redução na taxa de crescimento dificulta
os ajustes necessários, intensifica a competição comercial e exacerba as re-
lações políticas internacionais.
O terceiro fator que afeta os resultados políticos das relaçõ=~~~i:n~r~i~J,~J.
o grãUc!êiiõiiiOg-en1i"idirc1t;õtCdé-fíêierógeiíei4ii,<l$.]iêstiüfiírãTu.4ll.~t.r.i-ªI· qual '°
"por sua vez detennina-acÕmposiçãód:~ importações e das exportações
(Akamatsu, 1961 ). É verdade que as nações industriais comerciam entre si
mais do que com os países não-industrializados, mas quando as nações têm
estruturas industriais e de exportação muito semelhantes ou mesmo homogê-
neas, o resultado é freqüentemente relações de comércio competitivas e
conflitivas nos períodos de estagnação económica (Hicks, 1969, p. 56-57). Pela
A economia política das relações internacionais 77

mesma razão, o caráter heterogêneo da estrutura industrial tende a produzir


relações de comércio complementares. Assim, a heterogeneidade das estrutu-
ras industriais da Grã-Bretanha e das outras nações, no principio e em meados
do século XIX, resultou em um comércio geralmente harmonioso. À medida
que outras nações se industrializaram, no fim daquele século, a tendência ao
conflito comercial intensificou-se. O mesmo fenômeno pode ser observado na
era contemporânea, quando países de industrialização recente, como o Japão e
os chamados "novos países em vias de industrialização" (os N!Cs: new
industrializing countries) alcançam e ultrapassam os Estados Unidos.
O ponto mais importante é que o comércio e as demais relações econômicas
não são em si mesmas críticas para provocar relações internacionais cooperati-
vas ou conflitivas. Não parece possível generalizar a respeito das relações de
interdependência econômica e de conduta política. Às vezes essas relações po-
dem ser moderadas pelo intercâmbio econômico, às vezes são agravadas. O que
se pode dizer com uma certa justificativa é que o comércio não garante a paz. De
outro lado, o colapso do comércio tem levado freqilentemente ao início do conflito
(Condlíffe, 1950, p. 527). De modo geral, o caráter das relações internacionais e
a questão da paz e da guerra são determinados primordialmente pelas configura-
ções mais amplas do poder e do interesse estratégico entre as grandes e as
pequenas potências que integram o sistema internacional.

-~terceiro l?EC?.~!!?ll!ll.l.~Y!lnta~o.i:iel.a críticll.~ªrxi.sta . ~ ~~(J~(J~i.ll.S~.P.~~fü;t~­


ou de mercado tem a ver com a sqa c@acmde dJl ref11!!'.n..!!::.~~~No fundo do
·debate entre Lenine Kautsky sobre o futuro do capitalismo estava a possibili-
dade de o sistema capitalista poder despojar-se dos seus piores traços.~
Kautsky e os socialdemocratas a tra!1sição eacífica do capitalismo parll.~
Sõcrat1smo era possível, como resultado do aumento da força dos trabalhadore~­
nas democracias ocidentais. Para Lenin, isso parecia impossível, e até mesmo
absurdo, em virtude da própria natureza da economia capitalista:

Desnecessário dizer que, se o capitalismo pudesse desenvolver a agricultura,


que se encontra hoje em toda parte muito atrás da indústria, se pudesse
erguer o padrão de vida das massas, em toda parte pobres e desnutridas a
despeito do extraordinário avanço do conhecimento tecnológico, não se po-
deria falar em superabundância do capital. Esse "argumento" é avançado em
todas as oportunidades pelos críticos pequenos-burgueses do capitalismo
[leia-se: KautskyJ. Mas se o capitalismo pudesse fazer isso, não seria capita-
lismo, pois o desenvolvimento desigual e as condições miseráveis das mas-
sas são condições e premissas fundamentais e inevitáveis desse modo de
produção (Lenin, 1939 [1917], p. 62-63).
78 Robert Gilpin

Deixando de lado a natureza tautológica do argumento de Lenin, o que


ele descreveu como uma impossibilidade no regime capitalista vamos encon-
trar agora nos Estados de bem-estar social de meados do século XX. Mesmo
se admitirmos que o welfare state foi imposto à classe capitalista pela classe
trabalhadora, o ponto crucial é que o assistencia tismo atingiu todas as três leis
marxistas sobre o capitalismo e satisfez a maioria das exigências de Lenin de
um capitalismo reformado, ou seja, um capitalismo que garantisse o pleno
emprego e o bem-estar econômico das massas. A produtividade agrícola au-
mentou enormemente graças ao apoio governamental aos programas de pes-
quisa, à progressividade do imposto sobre a renda e a outros pagamentos de
transferência que redistribuíram renda de modo significativo. O advento da
economia keynesiana e a administração da demanda por meio da política
monetária e fiscal moderaram os efeitos da "lei da desproporcionalidade" e
reduziram as flutuações cíclicas mediante o estímulo da demanda.

TABELA 1
Anulação das leis marxistas pelo welfare state

Leis marxistas Welfare state

(1) Lei da desproporcionalidade Administração da demanda com a


política monetária e fiscal

(2) Lei da acumulação Redistribuição da renda por meio do


imposto de renda progressivo e dos
pagamentos de transferência. Apoio
aos sindicatos. Política regional e de
apoio à pequena empresa.

(3) Lei da taxa de lucro decrescente Apoio governamental à educação e à


pesquisa, visando aumentar a eficiên-
cia de todos os fatores da produção.

Adicionalmente, a regulamentação governamental e as políticas antitruste


diminuem a concentração do capital, enquanto o apoio do governo à educação
maciça e à pesquisa e ao desenvolvimento industrial promove a eficiência e a
lucratividade, tanto do trabalho como do capital. Nas palavras de Joseph
Schumpeter, o capitalismo é o primeiro sistema econômico a beneficiar as ca-
A economia política das relações internacionais 79

madas inferiores da população (Schumpeter, 1950). Com efeito, pode-se argu-


mentar que o capitalismo fez tudo o que Lenin previu que não poderia fazer,
embora a classe capitalista tenha resistido às reformas implicadas pelo estado
do bem-estar social. 14 (Vide a Tabela 1.) Na verdade, a expansão do capitalis-
mo, depois da Segunda Guerra Mundial, produziu a mais importante era de
prosperidade econômica generalizada que o mundo já viu.
No entanto, a crítica marxista da economia capitalista ou do mercado glo-
bal não pode ser desprezada, porque levanta uma questão importante relativa
ao futuro do sistema de mercado. Embora por si mesmo o capitalismo não
possa ser responsabilizado pelo imperialismo e pela guerra, e embora tenha
sobrevivido a numerosas crises, provando que podia ter grande flexibilidade e
admitir reformas, a continuidade de sua existência ainda é problemática. Por
isso vamos enfrentar diretamente a questão da capacidade de sobrevivência do
capitalismo do bem-estar social no mundo em rápida transformação dos Esta-
dos nacionais nos últimos anos do século XX.

O capitalismo do bem-estar social em um mundo do capitalismo inter-


nacional desprovido de welfare

A despeito dos êxitos e das reformas internas do capitalismo, pode-se


argumentar razoavelmente que a quarta lei de Lenin sobre o desenvolvimento
desigual continua válida, o que levará eventualmente à condenação do capita-
lismo e da economia liberal de mercado. É possível que com o surgimento do
welfare state as contradições intrínsecas do capitalismo tenham sido simples-
mente transferidas do nível dos Estados nacionais para o âmbito internacional.
Nesse âmbito, o welfare state não existe, como também não há um governo
mundial que possa aplicar a política keynesiana da administração da demanda e
que coordene as políticas nacionais conflitantes ou compense a tendência para
o desequilíbrio econômico. Em contraste com uma sociedade nacional, não há
um Estado para compensar os perdedores, como bem exemplifica o desinte-
resse demonstrado pelos países mais ricos com relação às demandas dos paí-
ses menos desenvolvidos que desejariam instituir um Nova Ordem Econômica

14 Os próprios marxistas contemporâneos tentaram explicar essa anomalia da teoria marxista


argumentando que o Estado capitalista é semi-autônomo e pode agir de um modo que, embora
contrário aos interesses dos capitalistas individuais, favoreça a preservação do sistema capi-
talista. Essas discussões entre os marxistas sobre a teoria do Estado tomaram-se altamente
acadêmicas (Carnoy, 1984). Será melhor considerar essas teorias, como a teoria leninista do
imperialismo, simples hipóteses ad hoc que procuram explicar as falhas de previsão da teoria
marxista.
80 Robert Gilpin

Internacional. E não há também uma resposta governamental efetiva ás práti-


cas ilícitas e às falhas do mercado.
Na anarquia que caracteriza as relações internacionais, ainda valem a lei
do desenvolvimento desigual e a possibilidade de choques dentro do mundo
capitalista. Poder-se-ia mesmo argüir que o advento do welfare state no nível
nacional acentuou os conflitos econômicos entre as sociedades capitalistas
(Krauss, 1978). O novo compromisso do estado do bem-estar social capitalista
com o pleno emprego e o bem-estar interno faz com que ele substitua as políti-
cas intervencionistas pelo livre jogo das forças do mercado, o que provoca um
conflito com as políticas dos outros Estados que seguem os mesmos objetivos
econômicos.
Os welfare states são potencialmente muito nacionalistas porque seus
governos se tornaram responsáveis perante a cidadania, pela eliminação
dos males económicos, e às vezes a melhor forma de alcançar essa meta é
transferir as dificuldades econômicas para outras sociedades. Em épocas
de crise, as pressões públicas estimulam os governos a deslocar para ou-
tras sociedades o ónus do desemprego e do necessário ajuste económico;
assim, a competição entre os Estados, por meio do mecanismo do mercado,
transforma sutilmente o conflito em vantagem económica e política. Esse
esforço nacionalista para conquistar vantagens económicas e para expor-
tar problemas é outra ameaça ao futuro do capitalismo internacional.
O tema acerca do futuro da sóciedade capitalista na era do estado do bem-
estar social é fundamental para a questão da aplicabilidade, no fim do século
XX, do núcleo da teoria geral de Marx sobre o desenvolvimento histórico. Uma
afirmativa marxista é a de que

nenhuma ordem social jamais perece antes de que se desenvolvam todas as


forças produtivas para as quais reserva um espaço; e novas relações de
produção, mais elevadas, nunca surgem antes de as condições materiais para
a sua existência terem amadurecido no ventre da velha sociedade (Marx, 1977
[ 1859], p. 390).

Ou seja: um modo de produção nunca é superado pelo seguinte até que se


tenha esgotado seu inerente potencial produtivo. Na concepção marxista, cada
fase da experiência humana tem sua própria missão histórica a cumprir na
elevação da capacidade produtiva, criando as bases para a etapa seguinte.
Cada fase progride até que esse progresso deixe de ser possível; nesse mo-
mento, a necessidade histórica dita que os grilhões que prendem a sociedade
sejam removidos pela classe escolhida para transportá-la até o nível seguinte
de realização material e liberação humana.
!

A economia política das relações internacionais 81

As implicações dessa fórmula deixam dúvidas sobre o futuro do capitalis-


mo segundo a teoria marxista. Para Marx, afunção histórica do capitalismo é
desenvolver o mundo e seu potencial produtivo e transmitir depois a seu herdei-
ro, o socialismo, urna economia mundial plenamente desenvolvida e industriali-
zada. Embora Marx não tenha sugerido um calendário para esse cataclisma,
ele viveu na expectativa de que a revolução era iminente.
Como Albert Hirschman demonstrou, Marx deixou de reconhecer (mais
provavelmente, suprimiu) o significado dessas idéias para a sua análise do
fim do capitalismo, mas se nenhum modo de produção chega ao fim até que
seu papel histórico seja inteiramente cumprido, e se o papel do capitalismo é
desenvolver o mundo, então ele deveria persistir por muitas décadas, talvez
séculos ou mesmo milênios (Hirschman, 1981, cap. 7). Se, além disso, des-
contarmos, como fazem os marxistas, o argumento dos "limites do cresci-
mento", a tarefa capitalista de desenvolver economicamente o planeta, inclu-
indo-se aí os oceanos e o espaço econômico circunjacente, vai exigir muito
tempo.
Hirschman sugere que essa deve ter sido uma idéia incômoda para Karl
Marx, que, até a sua morte, teve sua esperança de ver o início da revolução
proletária tantas vezes iludida. Para Hirschman, isso explica por que Marx
focalizou o capitalismo europeu como um sistema econômico fechado, e r.ãn
aberto, e por que ele deixou de propor uma teoria do imperialismo, embora seri.'<
de esperar que o fizesse, na condição de estudante assíduo de Hegel. Confor-
me Hirschman, Hegel antecipou todas as teorias subseqüentes do imperialismo
capitalista.
A conclusão de Hirschman é que Marx suprimiu a teoria do imperialismo
capitalista de Hegel em razão de suas implicações perturbadoras para as previ-
. sões sobre a sobrevivência do capitalismo. Se nenhum sistema social pode ser
superado até exaurir seu potencial produtivo, ao expandir-se pela Ásia, África
e outras regiões, o capitalismo imperialista dará uma nova vida ao modo de
produção capitalista. Por meio dos mecanismos do comércio internacional e do
investimento externo, o colapso inevitável do capitalismo poderia ser posterga-
do por séculos. Com efeito, se esse colapso precisa aguardar a elevação do
mundo em desenvolvimento ao nível econômico e tecnológico das economias
mais desenvolvidas em um mundo de progresso tecnológico contínuo, a exigên-
cia do pleno desenvolvimento da capacidade produtiva do capitalismo pode
nunca ser alcançada.
Rosa L~~~~,~-1!~&<>,parece ter sido a primeira marxista importante a apre-
ciar o significado histórico desse raciocínio. Ela ~pm~E.,ta,va gu~....~quan_!.Q_
o capitalismo permanecer !!!11 sist~'!1ª abe~~~~!l<J..~ houver t~~ su.Q.;,
. _desen'l!.o.bci.das-<.rn.cl!?~.m.i!~ista-1e. P!!:!ft~=t~~IW.~~J>~
82 Robert Gilpin

erevi~ões de estag_nação econômica e de revolu!(ãO política feitas por Maix


.não serão preenchidas.15 Em resposta a essa perspectiva
...._,, _ _
-·-·-"-••'"'"~·''"'"'"~-~,.~
perturbadora
.. ...........
(pelo
.· ....
,_,,,.,,,""-'""~ -~ ,..~-~--.v~,...,,,..._.c,:,,-. ·~~--4

menos para 2s marxist~~}, ~ ~~,!~_g!!,}}!!P,!!~~~ I.::,enj!J~~Ç,~_!~E~l!:;,


.iri.2s, tran~formou a crítica marxista do capitalismo intemacion:Y, Para Lenin,
_embora o ca12italismo desenvolva o mundo e seja um sucesso econômico, o
·fechamento do espaço polkicopelo imperialismo capitalista e a divisãÕ t~Trit<i'ri7
. do ~ndo entre_!~tênci_as ,E!lpital~s~s em ascensão e queda levarão ao
conflito internacional. Assim, Lenin afirmava que as massas se revoltariam
contra o capitalismo como um sistema político voltado para a guerra, e nãÕ-
zomo um sistema econômico fracassado.
Aceitemos ou não essas vârias formulações e reformu!a1;1ões do pensa:_
mento marxista, elas levantam uma questão fundamental. Como o próprio
Marx apontou.._a lógica da dinâmica da economia capitalista ou de mercado é
internacional e expansiva. As forças do mercado abrangem todo o mundo e
2estroem as culturas tradicionfil.s~ A anargl!)ll fuTJ!IAmen.tl),Ldo_n:i,e__çanism~i_Q.e_
mercado leva instabilidade à vida das pessoas e das sociedades.
-..O moderno welfare state e !> 12rot~cionismo desenyglverarn:~e P!',!~111;
pensar esses ef\;itos delet' · e esse é o roblema !.is_s.éri.o..paau1 sobr~
v1venc1a o sistema capitalista. Como Keynes viu bem,. a ló_gica dQ,.wttlfrJrJ!,,
0
state leva ao fechamentÕda economia, porque o governo precisa ser caEaz.
de isolá-la das limitações extern.ii.s_e"da.:;_p~~e.!!-W"J,g!itl!Ól.s.!lo..e,is.J~rJ.QL.
_para p_oder con.tr..Qlâ-la e administrâ-1~. O fluxo internacional de comércio e
dinheiro prejudica o gerenciamento'keynesiano da economia ao reduzir cada
vez mais a autonomia política interna. Como escreveu Keynes, no auge da
Grande Depressão, as mercadorias deviam ser homespun, produzidas em
casa (Keynes, 1933), e o capital devia permanecer no país para beneficiar a
nação e a sua classe trabalhadora.
Assim, a lógica da economia de mercado, con:iOJ!.111 si~J~ma_globalineren=
tem~nte expansivo, colid~om..a..lgglêi'ã-Eie-mede-mo weifm:e-state Ao resolver
Õ-probféma-cíeuma ec;;~mia fechada, o estado do bem-estar social limita-se a
transferir o problema fundamental da economia de mercado e da sua sobrevi-
vência para o nível internacional. Assim, conciliar Q,c;J1pjtalismQ.QQ wel/jJre no
nível interno com a natureza do sistema capita!Í;~J~len:i.aciQ!Jªl Ç.J!filJ1!Q~J~Jn!l~-
~anha ~of!!l}~i14 . .
A solução desse dilema fundamental entre a autonomia interna e as nor-
mas internacionais é essencial para a futura viabilidade da economia de mer-
cado ou capitalista. Como conciliar esses dois meios opostos de organizar a

'' Rousseas ( 1979) contém uma excelente exposição das suas idéias.
A economia política das relações internacionais 83

atividade econômica? O que prevalecerá: o intervencionismo econômico na-


cional ou as regras da economia de mercado internacional? Quais as condi-
ções que promovem a paz e a cooperação entre as economias de mercado?
Será necessário um poder hegemônico para resolver esse conflito? Se olhar-
mos para os êxitos e para os fracassos do capitalismo internacional no passado
veremos que a solução temporária desse dilema, ou a impossibilidade de
resolvê-lo, teve uma papel crucial na história recente. Na década de 1980, o
futuro da economia de mercado mundial e a sobrevivência do modo de pro-
dução capitalista dependiam das soluções que pudessem ser encontradas pe-
los Estados Unidos e seus principais parceiros econômicos.
Sob outra forma, esse foi o problema proposto por Richard Cooper no
seu livro The Economics of Interdependence (1968), que exerceu muita
influência. Uma economia mundial de crescente interdependência exige ou
um acordo internacional para formular e implementar as regras da economia
aberta em todo o mundo e para facilitar o ajuste das diferenças ou então um
grau elevado de cooperação das politicas dos Estados capitalistas. Sem uma
dessas duas abordagens, a economia de mercado tenderá a desintegrar-se
sob o efeito de conflitos nacionalistas a respeito do comércio, das finanças e
das políticas nacionais. Com o declínio relativo do poder dos Estados Unidos
e da sua capacidade ou da disposição de administrar a economia mundial,
esse tema adquiriu grande importância para a economia mundial. Se não au-
mentar a coordenação das políticas, ou diminuir a interdependência econômi-
. ca das economias capitalistas, o sistema poderá perfeitamente degenerar em
uma guerra entre os Estados, como previu Lenin.
~ sob.!JlYlY.tl!l_çi?_..!1.~-~~? ~~PEª.~!?- gQ_sis.tema .capitalista- i nternacion.<.11, .
pelo menos como o conhecemos desd_e: o fi!)l..!!!.§~g,l!IJ~~.Q.uJ:rr~.M,i,1_1~9_!!11,__
Coõü'iiüã--ãserprõlil~rnáticã·:-EnjJi,<llii.~\:Í:~~l/.a.i:e....s1a1.e.renh.~'.Xe~QlviQ.9:.:.,~..
"'j)i1j0lema do capiiâiísmÕnacional conforme identificado or Marx, no mun-
do con emporaneo os con .~ru::i.tinuo§sutre as sociedades cap.,iUili~=~
respeitõdo comércio, do investiment . ' suntos monetários
_internac1ona1s em ram-n.q~g~<ibd~a#: r<atr.e_l.1<uiri e Kautsky sobre a
natureza internacional do sistema ca italista ainda é relevante. Com o declínio
do po er e a 1derança dos Estados Unidos, em virtude da "lei do desenvol-
vimento desigual", aumentará o confronto entre os Estados, podendo levar
ao colapso do sistema, à medida que uma nação após outra seguir políticas
de beggar-my-neighbor, de empobrecimento dos vizinhos, como seria a
expectativa de Lenin? Ou será que Kautsky estava correto ao afirmar que
os capitalistas são por demais racionais para permitir esse tipo de carnifici-
na econômica?
r"

84 Robert Gilpin

Conclusão
-'----·~

_1_ii!!@§.~Jlreç~~ente das ideologias econôm!ç~~()_t:!,?,U?:.!!Q.S_I! tl:,~§)!Ú!'1P'ª':


tivas de caráter gerat.Tpnmerraeadeque a distribuição global ou territorial.
~~.v1~ades econômicas, especia~mente ~os. cam,po~I! ~n!~~~.,2!.,.
tecnologia, constitui urria . reÕcu a ão fundamental do Estado moderno. Por
trás das iscussões técnicas sobre o comércio, os investimentos externos e
as finanças mundiais há ambições nacionais conflitantes, e a questão funda-
mental: "quem deve produzir o que e onde". Um segundo ponto é o de gue a
-divisão internacional do trabalho decorre tanto
-
~-·-
".da eficiência relativa dos
'

países como das políticas que ele!_!!.~i--~~J::stados possam igf!o-.


'

_,
~

raro mercado, e o façam, procyi;,imdo influenciar a localização das atividadg,


.EEQ!Iômi~as, isso te.111-q~,!_qJ::{o lon_go prazo o mecanismo dp~~S2il!."~
.forma as eficiências nacionais e as relações econômicas intern!cionai~ §!!!..
terceiro lugar, em conseqüência dessas mudanças e do crescimento_ desjgy.~l
das economias nacionais, a estabilidade inerente ao sistema internacional de
__ ,,. ~-·~ "·"-- I"

mercado ou caJ?i~J.lb~IJJ~p~oblemática; é a natureza da dinâmica desse.


sistema que corrói os fundamentos políticos sobre os guais, em última análise,
ele se apóia, levantando a per~unta cruciat como .em;,!l!W:,ar uma nova lideran:
ça política que garanta a sobrevivência da ordem econômica internacional de
-cunhq.J1l>~.m!1
.

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