Promontoria Monografica HISTORIA DO ALGA

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Promontoria Monográica HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Coordenação de
ALEXANDRA RODRIGUES GONÇALVES
A. PAULO DIAS OLIVEIRA
CRISTINA FÉ SANTOS

Fragmentos para a História

DO TURISMO
NO ALGARVE
Promontoria Monográica HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Fragmentos para a História

DO TURISMO NO ALGARVE

EDITOR:
Centro de Estudos em Património, Paisagem e Construção (CEPAC)
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
Universidade do Algarve
Editor:
Centro de Estudos em Património, Paisagem e Construção (CEPAC)
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
Universidade do Algarve

Comissão Coordenadora:
Alexandra Rodrigues Gonçalves
A. Paulo Dias Oliveira
Crisina Fé Santos

Introdução e Coordenação Cieníica:


A. Paulo Dias Oliveira

Apresentação:
Alexandra Rodrigues Gonçalves

Tiragem:
500

Capa:
Lúcia Costa

Depósito Legal:

ISBN:
978-989-8472-76-2

Faro, 2015

Impressão:
Gráica Comercial Arnaldo Matos Pereira, Lda
Zona Industrial de Loulé, Lote 18
Apartado 247 - 8100-911 Loulé
www.graicacomercial.com

Agradecimentos:
Muitos foram os que tornaram possível a realização/concreização deste projecto. A alguns deles, que não
vêm referidos no corpo da obra, é necessário deixar aqui o nosso agradecimento; estão neste caso Lúcia
Costa ([email protected]), a designer que concebeu e deu rosto a esta publicação e Marta Arez
([email protected]), que colaborou na tradução destes textos. Um especial agradecimento, ainda,
ao Emanuel Sancho, diretor do Museu do Trajo de São Brás de Alportel.
Nota: O uso do Acordo Ortográico de 1990 foi opção de cada autor.
Com o apoio de:

Com o Alto Patrocínio da Direcção Regional


de Cultura do Algarve
ÍNDICE

7 Apresentação

9 Resumos

27 Introdução

Património/ Cultura e turismo


Cultura e turismo
35
Vitor Neto

A experiência turísica e os museus a Sul


41 Alexandra Gonçalves

Porimão - O Desaio Museológico Entre Turismo e Património


65 José Gameiro I Ana Ramos

Património Arqueológico e Turismo na Região Algarvia


83 João Pedro Bernardes I António Fausino Carvalho

História do Turismo
A insitucionalização do Turismo
105 Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve
Artur Barracosa Mendonça

A primeira acção de propaganda externa do Algarve


135 A visita dos jornalistas ingleses em 1913
Luís Guerreiro

O Algarve e o turismo da região na «Revista de Turismo» (1916-1924)


153 Miguel Godinho

Contributo para o estudo do Turismo de Saúde no Algarve


173 Crisina Fé Santos
O Património Histórico-Arísico das Caldas de Monchique na valorização
187 do desino turísico algarvio
Ana Lourenço Pinto

Os primeiros Operadores Turísicos no Algarve


197 Alberto Strazzera

O turismo balnear em Albufeira: Uma história recente


213 Patrícia Baista

Infra-estruturas e Turismo
As vias de comunicação terrestres no Algarve e a sua evolução nos úlimos
229 170 anos
Aurélio Nuno Cabrita

Estrada da Fóia - Da vila ao coropito


251 José Gonçalo Duarte

O aeroporto de Faro como infraestrutura principal do desenvolvimento


261 turísico da região
António Correia Mendes

O Turismo como fator de Crescimento Regional: a noção de “BeachDisease”


265
João Romão I João Guerreiro I Paulo M. M. Rodrigues

279 Notas sobre os autores


APRESENTAÇÃO

Um passado para o turismo no Algarve


Comemoraram-se em Setembro os 100 anos do 1º Congresso Regional Algarvio em que
se mobilizaram pela primeira vez os grandes vultos do Algarve, para uma relexão profunda no
Casino da Praia da Rocha sobre os desígnios desta região.
Durante três dias juntaram-se várias classes proissionais e as personalidades mais
destacadas para diagnosicar o panorama regional de então. Podemos mesmo referir que o
Algarve assumiu uma ruptura regionalista com o resto do país, pois ao invés de congressos
municipalistas que promoviam a propaganda nacional, situaram a discussão numa dimensão
agluinadora de uma visão regional. O turismo ainda não era uma realidade no Algarve, mas as
preocupações da população falavam de desigualdades sociais e territoriais.
Vivia-se a 1ª República Portuguesa e uma crise governaiva que contribuía para mudanças
sucessivas de chefes de governo. A nível mundial, a Guerra das Guerras inha despontado no
ano anterior e a Europa teria de reconigurar as suas fronteiras. O comboio chegara pouco anos
antes ao Algarve. As mulheres reivindicavam direitos de igualdade, o casamento laicizava-se e
a ‘instrução popular’ era discuida.
O úlimo concelho do Algarve inha acabado de nascer, São Braz de Alportel em 1 de junho
de 1914, fechando assim o mosaico dos 16 concelhos que hoje constroem este território.
As relexões desenvolvidas à data falavam-nos dos produtos e da indústria do Algarve
(Luís Mascarenhas), do clima (Bentes Castelo Branco), das paisagens culturais algarvias (João
de Mello Falcão Trigoso) e da alfabeização (Mateus Moreno), entre outros. O professor
Fernando Catroga fala numa revolução cultural de raiz neo-iluminista1 no Algarve. Sobre o
desenvolvimento do turismo na região assume paricular relevância a intervenção de Thomaz
Cabreira (Presidente do Congresso), que havia sido ministro das inanças por pouco tempo e
apresentava neste congresso uma relexão sobre as zonas turísicas, que viriam a determinar
o aparecimento das primeiras estruturas de apoio ao turismo do Algarve. Defendeu então a
criação de uma gare maríima em Vila Real de S.to António para trazer os turistas da margem
de Ayamonte, na Andaluzia, até ao Algarve. Propõe a criação das ‘zonas turísicas’ da Praia
da Rocha e de Monchique indo ao encontro da procura entre o mar e a serra, e introduz a
necessidade de um casino e de um teatro, que proporcionem uma outra oferta regular. Foram
dias de inovação e planeamento prospecivo.
Os 100 anos do 1º Congresso deram-nos o mote para este empreendimento, que ica
muito longe dos feitos dos homens de então. Na região do Algarve, este centenário icará
marcado pela celebração levada a cabo pelo Município de Porimão, com o Museu Municipal a
1
Maria de Fáima Pegado Marins de Almeida Pires (2012) O surto das ideias republicanas no Algarve (1876-1910). Tese de Mestrado da FCHS/
Universidade do Algarve. available on line: htps://sapienia.ualg.pt/bitstream/10400.1/3484/1/tese_venha%20a%20republica%20paginada%20
-%20C%C3%B3pia.pdf, Outubro de 2015.
8 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

assumir o protagonismo da programação de um conjunto de relevantes palestras, assim como


pela assinalável retrospeciva elaborada por Aurélio Cabrita e publicada pelo “Sul Informação”
em 03 de Setembro de 20152, tendo os coordenadores deste trabalho a expectaiva que este
número especial da Promontoria, que procura juntar alguns retalhos deste úlimos 100 anos,
dê o seu contributo para o registo de alguma da história do turismo do Algarve que tanto tem
para nos revelar.

Hoje na linguagem do markeing, correntemente adoptada, dir-se-ia que foi a primeira


vez que se fez uma análise SWOT, ideniicando-se potencialidades e constrangimentos para a
região, no entanto, ainda subsistem muitas destas caracterísicas por resolver e cumprir3.

2
htp://sulinformaçao.pt/201509/ha-100-anos-o-congresso-regional-algarvio-fez-a-primeira-radiograia-da-região
3
Maria João Raminhos Duarte, “O I Congresso Regional Algarvio na Praia da Rocha”, comunicação apresentada no âmbito das comemorações do
Centenário.
RESUMOS
Abstracts
11

Cultura e turismo

Cultura e turismo
Culture and Tourism

VITOR NETO

Resumo: Parindo-se da indispensabilidade da Palavras-chave:


implementação de um Turismo Sustentável, examina- Turismo Sustentável
se as relações entre Património, Cultura e Turismo. Cultura
Na mesma ordem de ideias, expõe-se que da sua Património
interação resulta, por um lado, o diferenciar de outras Turismo
propostas turísicas e, por outro lado, o integrar das Algarve
especiicidades naturais e culturais. Por im, equaciona-
se que só quando a cultura é vetor estruturante da
própria estratégia turísica é que há, verdadeiramente,
Turismo Sustentável.

Abstrat: With the essenial implementaion of a Keywords:


sustainable tourism as a key issue, the relaionships between Sustainable tourism
Heritage, Culture and Tourism have to be veriied. On the Culture
same perspecive, it is shown that from this interacion Heritage
results, on one hand, the diference to other tourist ofers, Tourism
on the other hand, the inclusion of its natural and cultural Algarve
speciiciies. Finally, it is ideniied that it can only exist a truely
sustainable tourism, when culture becomes the tourist´s
strategy structure.

A experiência turísica e os museus a Sul


The tourist experience and museums in the south

ALEXANDRA GONÇALVES

Resumo: O turismo e a acividade turísica uilizam Palavras-chave:


a exclusividade e a singularidade dos lugares como Turismo Cultural
os grandes forças de atracividade dos desinos. Os Gestão
úlimos trabalhos de invesigação revelam que o turista Experiência Turísica
da pós-modernidade valoriza e procura aspectos como: Museus
interacividade, autenicidade, experiências muli-
sensoriais e envolvimento emocional nos locais que
visita.
Um número crescente de locais tem deinido o
turismo como a grande opção estratégica para o seu
desenvolvimento. A pergunta principal é: estarão os
museus e os seus proissionais a ir ao encontro das
12 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

expectaivas e das necessidades destes visitantes?


Mesmo em organizações não-lucraivas – como é o caso
dos museus – é necessária a adopção de um pensamento
estratégico que contribua para a sua aproximação e
resposta a diferentes públicos, mas também entre os
proissionais dos museus e do turismo.
As exigências da sociedade pós-moderna têm
ditado uma nova forma de estar dos indivíduos.
Propõem-se por isso novas orientações para o tempo
de lazer que respondam a uma experiência de visita
que possa dar resposta a quatro funções essenciais:
Educação, Entretenimento, Emoção e Experimentação
(4 E’s da experiência museológica). Numa ordem
aleatória entende-se que a acção do museu junto
dos seus públicos se deve pautar pela procura de
respostas a estas dimensões. Os museus integrarão
crescentemente serviços de apoio ao visitante, funções
de markeing e de relações públicas, ou pelo menos,
terão que com essas áreas estabelecer uma relação
muito próxima.

Keywords: Abstract: Tourism and tourist acivity use the uniqueness


Cultural Tourism and singularity of places as main forces of atraciveness of
Management desinaions. The latest research shows that the tourist of
Post modernity gives importance and demands characterisics
Tourist Experience
such as: interacivity, authenicity, muli-sensorial experiences
Museums
and emoional involvement in the places they visit.
A growing number of locaions have been seing tourism
as the major strategic strength for its development. The main
quesion is: Are museums and their professionals trying to
meet the expectaions and needs of their visitors? Even in
not-for-proit organizaions – as in the case of museums – is
required the adopion of a strategic thinking that contributes
to this approach and to the response to diferent audiences,
but also among the professionals of museums and tourism.
Post modern society requirements have dictated a new
way of being of individuals. New guidelines are being developed
for the leisure ime so that they are able to respond to a
visitor experience that can meet the four essenial funcions:
educaion, entertainment, Excitement and experimentaion
(4 E’s of the museological experience). In a random order,
this means that the relaionship of the museum with its
stakeholders should be guided by the search for answers to
these dimensions. The museums will increasingly support the
visitor services, funcions of markeing and public relaions,
or at least will have to establish with these areas a very close
relaionship.
13

Porimão - O Desaio Museológico Entre Turismo e Património


Porimão: The museological challenge between tourism and cultural heritage

JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS

Resumo: A relação entre Turismo, Património Palavras-chave:


e Museus no Algarve é uma trilogia recente e pouco História
generalizada no contexto territorial da região. Turismo
Propomo-nos, com base nessa realidade, traçar Algarve
um breve percurso evoluivo da história do turismo no Património
Algarve, centrado especiicamente em Porimão. Museu de Porimão
Pretende-se igualmente testemunhar a história
do fenómeno turísico pela forma relevante como
gerou novas dinâmicas sociais, económicas, culturais
e relecir sobre as suas implicações e inluências no
discurso patrimonial local e inalmente qual a relação
do Museu de Porimão com a atual realidade turísica.
Assumido que foi ao longo das décadas, o modelo
turísico de massas do sul da Europa e o binómio sol
e mar como o principal atraivo, importa não apenas
perceber qual foi o lugar do património cultural local
nesse contexto de mobilização de visitantes, mas
sobretudo como pode nos dias de hoje o Museu de
Porimão consituir uma alternaiva e uma mais-valia a
quem nos visita, enquanto recurso cultural e turísico
singular e diferenciador
É com base nesta relação dinâmica e diálogo, que
nos iremos debruçar sobre o contexto de surgimento e
desenvolvimento do turismo no Algarve/Porimão.

Abstrat: The relaionship between tourism, cultural Keywords:


heritage and museums in the Algarve is a recent and not History
much generalized trilogy in the region´s territorial context. Tourism
It is proposed, based on this reality, to draw a short Algarve
evoluionary route of the Algarve´s tourism history, speciically Cultural Heritage
focused on Porimão.
Portimão Museum
It is also intended to atest the tourist phenomenon’s
history by the relevant manner how it generated new social,
economical and cultural dynamics, as well as relect on its
implicaions and the inluences on local heritage speech, and
inally on what is the present relaionship between the Museu
de Porimão and current tourist reality.
It was assumed over the decades, the southern European
mass tourism model and the binomial sun and sea as the main
atracion, therefore it is important not only to understand which
was the local cultural heritage posiion in this visitors mobilizaion
context, but mainly, how can, nowadays, the Museu de Porimão
represent an alternaive and bring added value to our tourists, as
a cultural, unique and disinct tourist resource.
Based on this dynamic relaionship and dialogue, we
will pore over the Algarve´s/Porimão tourism emergence and
development context.
14 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Património Arqueológico e Turismo na Região Algarvia


Archaeological heritage and tourism in the Algarve

JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO

Palavras-chave: Resumo: Neste curto texto apresentam-se


Algarve algumas considerações preliminares sobre a relação
Arqueologia entre o Património Arqueológico e o Turismo no
Turismo Algarve, colocando especial ênfase na oferta já
existente (que se pode estruturar em três grandes
blocos temáicos: património arqueológico pré-
histórico, romano e medieval / moderno) e nas
diiculdades e potencialidades de desenvolvimento
que a região ostenta a este nível. Entre as primeiras
salientam-se a desariculação da oferta e a inexistência
de critérios uniformes de valorização e apresentação.
As potencialidades radicam, por seu lado, entre outros
aspetos, na interligação com o Património Natural e a
Gastronomia tradicional (vertente crucial, sobretudo
desde a recente classiicação da Dieta Mediterrânea
como Património da Humanidade pela UNESCO).

Keywords: Abstract: In this short text, a few preliminary


Algarve consideraions about the relaionship between
Archaeology Archaeological Heritage and Tourism in the Algarve are
Tourism presented, emphasizing the exising ofer (which can be
structured in three big themaic groups: prehistoric, roman
and medieval/ modern archaeological heritage) and the
region´s development weaknesses and strenghts in terms
of tourism. Unrelated tourisic ofers and the absence of a
regular improvement and presentaion criteria are some of
the weaknesses. The strengths are based, amongst other
aspects, in the interconnecion between Natural Heritage
and Tradiional Gastronomy (a crucial standpoint, specially
considering the recent UNESCO World Heritage award
granted to the Mediterranean Diet).
15

História do Turismo

A insitucionalização do Turismo
Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve
The Tourism insituionalizaion
Contribuions for the Algarve’s Tourism origins study

ARTUR BARRACOSA MENDONÇA

Resumo: Propomo-nos analisar o processo de Palavras-chave:


insitucionalização do turismo no Algarve, parindo das Turismo
publicações editadas pela Sociedade de Propaganda de Algarve
Portugal. Ideniicaram-se os principais responsáveis Propaganda
pela criação de mecanismos de divulgação da região, de
realizações que se foram efectuando, como o Congresso
Algarvio da Praia da Rocha em 1915 e a rede de
delegações e postos meteorológicos criados na região.
A História do Turismo no Algarve ainda está por fazer.
Este trabalho assume-se como um modesto contributo
para esse estudo, que envolve dados e análises de
contexto e estruturais, que passam não só pela História
e Economia, mas também pelos transportes, vias de
comunicação, pela Antropologia e Sociologia, entre
outros domínios.

Abstrat: The propose is to analyze the Algarve’s Keywords:


tourism insituionalisaion process, with the Sociedade de Tourism
Propaganda Portuguesa publicaions as a background. The Algarve
prime responsibles for the creaion of the region´s discloser Propaganda
means were ideniied, from the events that occurred as
the Congresso Algarvio da Praia da Rocha in 1915 and the
delegaions network and weather forecast staions created in
the region. The Algarve Tourism History is sill to be writen.
This work is assumed as a modest contribuion to this study,
involving data, context and structural analyzes, going through
History and Economics, but also transports, communicaion
means, Anthropology and Sociology, between other theme
ields.
16 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

A primeira acção de propaganda externa do Algarve


A visita dos jornalistas ingleses em 1913
The irst Algarve´s abroad propaganda acion
The visit of the Briish journalists in 1913

LUÍS GUERREIRO

Palavras-chave: Resumo: A realização do IV Congresso Internacional


Turismo de Turismo sob a égide da Sociedade Propaganda de
Algarve Portugal (SPP), em Lisboa no mês de Maio de 1911, pouco
Sociedade Propaganda de Portugal tempo depois da implantação da República, despertou um
(SPP) grande interesse no Algarve, vários arigos na imprensa
Jornalistas Ingleses enalteciam os beneícios deste acontecimento para o
desenvolvimento do País. Esperava-se que grupos de
congressistas viessem ao Algarve, conforme foi promeido
pelos organizadores, para visitarem as belezas naturais
e o clima excepcional da região. Tal não se veriicou
não obstante as enidades locais se terem preparado
para receber os ilustres visitantes. Ficou promeido que
nas próximas acções de propaganda que a SPP viesse a
promover, quer no plano interno quer externo, o Algarve
seria contemplado. Em 1913 um grupo de Jornalistas
Ingleses visitou Portugal a convite da SPP, o Algarve foi
incluído no Programa. O presente trabalho descreve como
decorreu a visita no sul do País. Importará, posteriormente,
analisar o que escreveram os jornalistas ingleses nos seus
jornais, com que impressões icaram do que viram, do que
não lhes foi mostrado e, naturalmente, do impacto que
iveram junto dos seus leitores.

Keywords: Abstract: The IV Congresso Internaional do Turismo


Tourism accomplishment, under the aegis of the Sociedade Propaganda
Algarve de Portugal (SPP), in Lisbon in May 1911, short ime ater the
Sociedade Propaganda de Portugal Implantação da República, simulated a great interest about the
(SPP) Algarve, several aricles exalted this event as of vital importance
Briish Journalists for the country´s development. Groups of congressmen were
expected to visit the Algarve, as promissed by the organizaion,
to know the region´s natural beauies and excepional climate.
However it did not happened regardless the local eniies
efords and preparaions for the honorable visitors. It was
promissed that in future abroad propaganda acions promoted
by the SPP, in the internal or external level, the Algarve would
be awarded. In 1913, a group of Briish Journalists visited
Portugal invited by the SPP and the Algarve was part of the visit
program. This work describes the visit to the southern Portugal.
It would later mater to analise what was writen by the Briish
journalists in their newspappers, the opinion about what they
saw, what was not shown on the visit and of course the impact
on their readers.
17

O Algarve e o turismo da região na «Revista de Turismo (1916-1924)


The Algarve and the region´s turism in the «Revista de Turismo» (1916-1924)

MIGUEL GODINHO

Resumo: A Revista de Turismo: publicação Palavras-chave:


quinzenal de turismo, propaganda, viagens, navegação, Turismo
arte e literatura foi um quinzenário publicado em Lisboa, Algarve
entre Julho de 1916 e 1924, tendo sido a primeira Revista de Turismo
revista, no nosso país, a ocupar-se exclusivamente deste Caminhos-de-ferro
tema, marcando a tendência internacional de divisão e/ Comboio
ou especialização temáica.
A realização daquela que icou conhecida por
«Excursão ao Algarve», realizada em 1921 por um grupo
de pessoas ligadas à direcção da revista, permiiu o
conhecimento de um “Algarve Turísico” que começava
a dar os primeiros passos, num período que antecede
a ixação dos estereóipos que viriam a ediicar
«uma idenidade» para a região, servindo também
para perceber os problemas que a caracterizavam,
principalmente no que toca às acomodações e aos
transportes.

Abstract: The Revista de Turismo: publicação quinzenal de Keywords:


turismo, propaganda, viagens, navegação, arte e literatura, a Tourism
fortnightly published magazine from Lisbon, printed between Algarve
July 1916 and 1924, was the irst portuguese magazine Revista de Turismo
exclusively dedicated to the tourism themaic and marked up Rail-ways
an internaional trend to a theme division/specializaion. Train
When in 1921, a group of people linked to the magazine´s
direcion made a tour to the Algarve, before the stereotypes
that marked the region´s tourist idenity were created,
permited the acknowledgment of a newborn tourist Algarve,
and realize its weaknesses, mainly in the accommodaion and
transport areas.
18 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Contributo para o estudo do Turismo de Saúde no Algarve


Contribuion to the study of Healthcare Tourism in the Algarve

CRISTINA FÉ SANTOS

Palavras-chave: Resumo: O turismo de saúde nos primórdios do


História Turismo na região algarvia? Responder a esta questão é
Turismo de Saúde o desidério desta invesigação. Desse modo, poderiam
Turismo de Bem-estar ser aduzidos exemplos como as Caldas de Monchique,
Algarve São Brás de Alportel, ou mesmo Alcouim, entre outros,
Sanatório locais que encontramos referenciados em inúmeros
Termas textos desde há mais de cem anos, como tendo sido
procurados por um sem número de forasteiros em
busca de tratamento/terapia e cura para os seus males
do corpo e mente. Do passado ao presente o Algarve,
quer pelo seu clima quer pelo ambiente tranquilizante
que proporciona é, para além de uma referência de Sol
e Mar, um espaço de tratamento clínico. Tema abordado
em algumas das teses apresentadas no 1º Congresso
Regional Algarvio validando a recomendação da região
pelas caracterísicas climatéricas, que a destacam para
o desenvolvimento de espaços dedicados à saúde.
No entanto, podemos constatar, pela constância
das potencialidades que são apresentadas, que esta
província não é valorizada enquanto espaço para o
desenvolvimento de um Turismo de Saúde tendo em
conta que, há cem anos e ainda hoje, estes mesmos
argumentos se repetem.

Keywords: Abstract: Healthcare tourism in the early days of Tourism


History in the Algarve? Answering this quesion is this invesigaion´s
HealthcareTourism main goal. Thus, examples could be adduced as Caldas de
Wellness Tourism Monchique, São Brás de Alportel, or even Alcouim among
Algarve other places, referenced in numerous texts for over one
Sanatorium hundred years, to have been visited by a number of outsiders
Thermal spa seeking treatment / therapy and cure for their body and mind
ills. From the past to the present the Algarve, whether for its
climate or for the soothing atmosphere it provides is, beyond
a reference of Sun and Sea, is a clinical treatment venue.
Issue addressed in some of the theses presented in the 1st
Algarve Regional Congress validaing the recommendaion of
the region by the climaic characterisics that stand out for
the development of spaces dedicated to health. However, we
note, by the constancy of the displayed potenials, that this
province is not valued as an area for the development of a
Healthcare Tourism given that, a hundred years ago and today,
these same arguments are repeated.
19

O Património Histórico-Arísico das Caldas de Monchique na


valorização do desino turísico algarvio
Caldas de Monchique’s Historical-arisic Heritage in the Algarve tourist
desinaion valorizaion

ANA LOURENÇO PINTO

Resumo: As Caldas de Monchique são conhecidas Palavras-chave:


pelas águas termais, que ali são uilizadas há, pelo Touring Cultural e Paisagísico
menos, dois mil anos. Da sua história densa resultou Gestão do Património Histórico-
um conjunto patrimonial de grande interesse histórico- -arísico
arísico, que foi alvo do nosso trabalho de mestrado. Algarve
Recolhidos os conteúdos desse estudo teórico, que Caldas de Monchique
caminhos práicos nos convoca esta paisagem única
em toda a região do Algarve? Sustentada no trabalho
académico e em diferentes documentos normaivos
internacionais e nacionais relaivos ao Turismo e ao
Património, propomos uma estratégia sustentável
de gestão patrimonial. Apostando na Cultura como
produto turísico complementar ou alternaivo à
oferta disponível no litoral algarvio e nas Caldas de
Monchique, antevê-se um caminho de valorização do
desino turísico local, mas também à escala regional.

Abstract: Caldas de Monchique is famous for its thermal Keywords:


waters that have been used at least for two thousand years. Cultural and Landscape Touring,
Its rich history resulted in a cultural heritage set with great Historical-arisic Heritage management
historical-arisic interest, which was the main subject to the Algarve
Master’s Degree thesis. Caldas de Monchique
Ater collecing the contents for the theoreical study,
which pracical path does this Algarve unique landscapes show
us? Based on the academic work and several internaional and
naional Tourism and Cultural Heritage normaive documents,
it is proposed a sustainable Cultural Heritage management
strategy. Taking interest in Culture as a complementary or
an alternaive tourisic product to what it is ofered in the
Algarve coastal region and in the Caldas de Monchique, which
is speculated to be the way to local tourisic desinaion
valorizaion, but also to a regional scale.
20 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Os primeiros Operadores Turísicos no Algarve


The irst T. O. (Tour Operators) in the Algarve

ALBERTO STRAZZERA

Palavras-chave: Resumo: A grande maioria dos desinos turísicos


Tour operadores do Mediterrâneo deve o seu desenvolvimento aos tour
História do Turismo operadores estrangeiros. É também esse o caso do
Desenvolvimento da Aviação Algarve. A explosão da procura turísica nos anos 60
Packages esteve associada às transformações socioeconómicas
no período da II Guerra que trouxeram melhorias
nas condições de vida dos trabalhadores e o direito
às férias. A grande mudança nos hábitos de férias e o
modo de viajar icar-se-ia a dever ao desenvolvimento
da aviação comercial, que introduziu os packages. O
desenvolvimento turísico exigiu também condições
de acessibilidade e estruturas de acolhimento, que
associadas aos atracivos naturais e ao clima, bem como,
à segurança, pelo afastamento geográico dos principais
conlitos entusiasmaram a região. Os primeiros hotéis a
abrir em 1960 foram o Vasco da Gama em Montegordo e
o Meia Praia em Lagos. Nos anos 70 o Algarve inha uma
imagem de desino caro e é o período de chegada dos
operadores alemães, mas só no Verão. Seguem-se anos
de disputa de preços com o mercado do Reino Unido,
gerando fusões e transformações entre as empresas que
programavam férias para o Algarve. Estas tendências
da acividade de “tour operaing” condicionaram e
afectaram o desenvolvimento turísico do Algarve.

Keywords: Abstract: The vast majority of tourist desinaions in the


Tour Operator Mediterranean due its development to foreign tour operators.
Tourism History It is also the case of the Algarve. The explosion of tourism
Aviaion development demand in the 60’s was associated with the socio-economic
Packages transformaions in the period of World War II which brought
improvements in the living condiions of workers and the
right to vacaions. The big change in the holiday rights and
in the mode of travel would result form the development of
commercial aviaion, which introduced packages. The tourist
development required condiions of accessibility and also
childcare, that associated with natural atracions and climate,
as well as to security, and to the geographical remoteness from
the major conlicts brought enthusiasm to the region. The irst
hotels opened in 1960 and were the Vasco da Gama in Monte
Gordo and the Meia Praia in Lagos. In the 70’s the Algarve had
an image of expensive desinaion and that was the period
of arrival of the German operators, but only in the summer.
Following years were of pricing dispute with the United
Kingdom market, generaing mergers and transformaions
between companies that programmed Algarve desinaion
holidays. These trends of the acivity of tour operaing shaped
and afected the development of tourism in the Algarve.
21

O turismo balnear em Albufeira: Uma história recente


Bathing Tourism in Albufeira: A recent history

PATRÍCIA BATISTA

Resumo: O turismo balnear, enquanto conceção Palavras-chave:


moderna do termo, é uma invenção recente, situando- Praia de banhos
se cronologicamente entre inais do século XIX e Turismo
as primeiras décadas do século seguinte. As praias Albufeira
de banhos vão perdendo a sua função higienista e
medicinal, caracterísicas da centúria de oitocentos,
e passam a desino de ócio e lazer, acessível a toda a
população.
Albufeira como “praia de banhos” apenas surge nos
anos trinta do século XX, embora haja testemunhos de
uma programação de Verão a parir de 1918, certamente
desinada à elite local e regional. A sua airmação
enquanto desino balnear ocorre, sobretudo, a parir
dos anos 60 do século passado, sendo atualmente
considerada a capital do turismo.

Abstrat: The bathing tourism, as a modern concept, Keywords:


is a recent term from late 19th century and the irst 20th Bathing beaches
century´s decades. The beaches started to lose its hygienist Tourism
and medicinal funcions, an 18th century characterisic, and Albufeira
became leisure desinaions, accessible to most populaion.
Albufeira as a ‘bathing beach’ appears around 1930,
although there are tesimonies of summer programs from
1918 onwards, probably desined to the local and regional
elite. Its airmaion as a bathing desinaion happened around
1960, and Albufeira is currently considered the Algarve’s
tourist capital.
22 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Infra-estruturas e Turismo

As vias de comunicação terrestres no Algarve e a sua evolução nos


úlimos 170 anos
The land communicaions in the Algarve and its evoluion over the past 170 years

AURÉLIO NUNO CABRITA

Palavras-chave: Resumo: O Algarve consituiu até ao advento do


Transportes caminho de ferro uma das regiões mais desconhecidas
Vias de comunicação dos portugueses em geral. A serra intransponível
Caminho de ferro limitou sobremaneira as relações terrestres com o
Estradas resto do país, de tal forma que o principal acesso a
História do Algarve Lisboa era maríimo. O Algarve era assim uma região
insular e remota até à chegada do caminho de ferro a
Faro, em 1889. Uma obra que se protelou no tempo,
em que as vicissitudes antagonicamente contribuíram
para a aceleração dos trabalhos. Em termos de ligações
rodoviárias, somente em 1932 foi possível viajar, sem
constrangimentos, de Lisboa a Faro. No contexto
regional, as principais acessibilidades também se
dilataram no tempo, fossem ferroviárias ou rodoviárias.
Viajar pelos acessos ao Algarve nos úlimos 170 anos é
o objeivo deste trabalho.

Keywords: Abstrat: The Algarve was, unil the coming of the


Transportaion railway, one the most unknown regions for the Portuguese
Ways of communicaion people. The mountain range, impassable, has limited the land
Railway communicaions with the rest of the country, in such a way
Roads that the main access to Lisbon was by sea. The Algarve was a
Algarve’s History remote region unil the coming of the railway to Faro, in 1889.
This construcion was delayed over ime. Only in 1932 it was
possible to travel, without constraints, from Lisbon to Faro.
In the regional context, the main communicaions were also
delayed over ime. Travelling through the roads to the Algarve
over the last 170 years is the main purpose of this dissertaion.
23

Estrada da Fóia - Da vila ao coropito


Estrada da Fóia - from the village to Coropito

JOSÉ GONÇALO DUARTE

Resumo: Um século depois do Congresso Regional Palavras-chave:


Algarvio e setenta anos após a construção do ramal que Estrada
liga a vila de Monchique ao Coropito da Fóia recorda- Ramal
se a igura do engenheiro Duarte Pacheco, ministro das Turismo
Obras Públicas que tutelou este projecto. Desenvolvimento
Uma das razões apontadas para o atraso do país Coropito
era a inexistência de uma rede viária moderna. No
Algarve inha-se construído a estrada que liga Porimão
à estação ferroviária de Sabóia passando pela Caldas
e depois da sua conclusão em 1931 possibilitava uma
carreira de camionetas com o im principal de servir o
turismo. Foi como complemento a este serviço que o
ministro assinou em dezembro de 1940 o despacho para
a construção do ramal que a parir da vila de Monchique
ligava ao Coropito da Fóia.
Este projecto foi orçamentado em 1223 contos,
inha o prazo previsto para terminar no inal de Janeiro
de 1943 e chegou a ter mais de 4000 trabalhadores em
simultâneo, construindo os 8 quilómetros que formam
o ramal.
É uma estrada turísica, coninuando ainda a
cumprir o seu objecivo ao fazer do Coropito um dos
pontos mais visitados do Algarve.

Abstract: A century ater the Algarve’s Regional Congress Keywords:


and seventy years ater the construcion of the branch road Road
which links Monchique’s village to Coropito da Fóia, we Branch road
remember the Engineer Duarte Pacheco, Minister of Public Tourism
Works which tutored this project. Development
One of the reasons pointed out for the underdevelopment Coropito
of the country was the inexistence of a modern road network. In
the Algarve, it had been built the road which links Porimão to
Saboia’s railway staion passing by Caldas, and ater its conclusion
in 1931 it was possible for bus leets to come with tourism aims.
As a complement to this service, the Minister signed, in December
1940, the decree for the construcion of the branch road which
links the Monchique village to Coropito da Fóia.
This project had a budgeted amount of 1223 thousand
escudos and the set deadline to inish it was by the end of
January 1943. This project had more than 4000 employees,
working simultaneously, to built the 8 kilometres which form
the branch road.
24 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

O aeroporto de Faro como infraestrutura principal do


desenvolvimento turísico da região
Faro Airport as main region´s tourism development infrastructure

ANTÓNIO CORREIA MENDES

Palavras-chave: Resumo: O Aeroporto Internacional de Faro data


Algarve de 1965 e consitui um importante impulsionador do
Desino turísico desenvolvimento económico e turísico da região.
Aeroporto As melhorias nas infraestruturas de apoio têm sido
História do Turismo constantes ao longo dos anos, respondendo a novas
necessidades dos mercados e da navegação aérea.
O movimento de passageiros tem sido crescente,
ultrapassando os 6 milhões na actualidade.
O aeroporto foi e é um equipamento principal
na airmação do Algarve enquanto desino turísico
internacional.

Keywords: Abstract: Faro Internaional Airport dates from 1965


Algarve and is considered an important promoter of the region´s
Tourist desinaion economical and tourist development.
Airport The improvements on the support infrastructures have
Tourism History been constant all over the decades, responding to the new
market and aircrat navigaion needs.
The increasing passengers movement have presently
trespassed the 6 million.
The Airport was and sill is the Algarve´s main airmaion
equipment as internaional tourist desinaion.
25

O Turismo como fator de Crescimento Regional: a noção de


“BeachDisease”
Tourism as regional growth factor: The “BeachDisease” noion

JOÃO ROMÃO I JOÃO GUERREIRO I PAULO M.M. RODRIGUES

Resumo: Este arigo analisa os impactos das Palavras-chave:


aividades de turismo sobre a estrutura sectorial da “BeachDisease”
economia regional, uilizando um modelo bayesiano. Os Economia
resultados revelam que o crescimento do turismo não Turismo
criou, de forma automáica, impactes posiivos sobre o Resiliência
desempenho de todos os outros setores económicos, em Algarve
contradição com o que tem sido defendido nas diversas
estratégias de desenvolvimento regional preparadas ao
longo das duas úlimas décadas. Os impactes posiivos
do turismo concentraram-se na produção de bens não
transacionáveis e na construção, conduzindo a uma
redução signiicaiva do peso, na economia regional, do
sector dos bens transacionáveis. Evoca-se a semelhança
com o processo de desindustrialização, descrita como a
“Doença Holandesa” (ou dutch desease). Esta situação
anuncia a ausência de uma capacidade de resiliência da
atual economia regional.

Abstrat: This aricle analyses the impacts of tourism Keywords:


aciviies on the regional economy, using a Bayesian model. “Beach Disease”
The results reveal that the growth of tourism did not create, Economy
in an automaic way, the expected posiive impacts on Tourism
the performance of all other economic sectors, in direct Resilience
contradicion with what has been established in the diferent Algarve
strategies of regional development prepared over the last two
decades. The posiive impacts of tourism are concentrated in
the producion of non-tradable assets and in construcion,
leading to a signiicant reducion of the weight, in regional
economy, of the tradable assets. It is menioned the similitude
with the deindustrialisaion process, described as the “Dutch
Disease”. This scenario states the present inexistence of the
regional´s economy resilience capacity.
INTRODUÇÃO

Não podemos deixar de estar em sintonia com William Makepeace Thackeray (1811-1863)
quando confessa que “as obras saíricas são as que aportam uma luz que seria inúil buscar
nos livros de história”1. Mais acrescentaríamos, que as obras de sáira e comédia provam que
aquilo que é o seu objeto, por analogia com As Nuvens de Aristófanes e a doutrina socráica,
se encontra suicientemente enraizado na mentalidade de uma determinada época. Se esse
não fosse o caso, quem poderia achar risível a comédia de Aristófanes se não ivesse um
conhecimento, nem que fosse supericial, da doutrina socráica?
Nessa ordem de ideias, parece-nos que o Livro VII de A Vida e Opiniões de Tristram Shandy
de Laurence Sterne2 pode ser um marco da implementação do conceito do Grand Tour3,
expressão que está na origem da palavra Turismo, como é do conhecimento geral. Nesta obra,
publicada em 26 de Janeiro de 1765, o autor elabora um motejo da viagem turísica. Iniciado
desde a travessia de Dover para Calais, referindo-se à própria cidade de Calais e às três estradas
que demandam Paris, aglomerado que ocupará grande parte do excurso. De Paris temos noícia
do cheiro nauseabundo e das suas novecentas ruas enumeradas bairro a bairro4, concluindo,
que se o viajante as conhecer todas terá conhecido a cidade5.
No entanto, é em Uma viagem senimental que Sterne deine as razões e os ipos de
viajantes. As jusiicações são as que se seguem: enfermidade do corpo, imbecilidade do espírito
ou necessidade inevitável. Ainda para o irlandês, “as primeiras duas incluem todos aqueles que
viajam por terra ou por mar, animados por orgulho, curiosidade, vaidade ou contrariedade,
subdivididos e combinados in ininitum. A terceira classe inclui o exército inteiro de márires
peregrinos; mas especialmente aqueles viajantes que se lançam a caminho com o beneício do
clero, seja como delinquentes viajando sob a alçada de tutores recomendados pelo magistrado
– ou como jovens idalgos deportados pela crueldade de pais e guardiões, viajando sob a tutela
de precetores recomendados por Oxford, Aberdeen e Glasgow”6. A isto se juntam as espécies
de viandantes: o viajante simples (emigrante), ocioso, curioso, meniroso, orgulhoso, vaidoso,

1
Citado por Cadernos de Literatura Brasileira, nº 10 (Ariano Suassuna), Insituto Moreira Salles, Novembro de 2000, p. 47, col. 2. A propósito desse
assunto veja-se, do mesmo modo, o nosso O pendor éico do humor de Rafael Bordalo Pinheiro, Congresso Internacional Rafael Bordalo Pinheiro
no seu tempo, Novembro de 2009 (no prelo).
2
Laurence Sterne, A vida e opiniões de Tristram Shandy, 2 Partes, tradução, prefácio e notas de Manuel Portela, Lisboa, Anígona, 1997-1998. O
Livro VII encontra-se na Parte Segunda, pp. 177-253. A fazer fé no prefaciador da obra, o próprio Sterne nos declara, em carta datada de Novembro
de 1764, que “há-de ler-se aí o mais singular Tour através da França que um viajante ou Escritor de viagens alguma vez imaginou, ou levou a cabo,
desde os começos do mundo – é uma Sáira bem humorada contra o viajar (como viajam os peraltas)”, Laurence Sterne, Uma viagem senimental,
tradução, prefácio e notas de Manuel Portela, Lisboa, Anígona, 1999, p. 10.
3
O Grand Tour era visto como a úlima etapa da educação do jovem adulto e, por esse moivo, era uma aividade, fundamentalmente, com
propósitos culturais.
4
Laurence Sterne, A vida e opiniões de Tristram Shandy, pp. 206-207.
5
Para ceriicar o calibre da comédia vejam-se, em paricular, os casos de Fontainbleau e Auxerre, Laurence Sterne, Idem, Ibidem, pp. 219-224,
Lyon, pp. 225 e ss. ou, ainda, Avignon, onde não existe qualquer referência ao Palácio dos Papas, pp. 246-247.
6
Laurence Sterne, Uma viagem senimental, p. 33. Segundo o tradutor “a grande voga de textos sobre viagens, sejam de caráter prescriivo ou
descriivo, é o pano de fundo narraivo sobre o qual a igura desta obra se constrói”, Idem, Ibidem, p. 13.
28 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

esplenéico, delinquente e criminoso, infeliz e inocente e, por úlimo, aquele de que trata a
obra, o viajante senimental7.
Se não atendermos aos casos especíicos de homiziados, delinquentes ou outros acidentes
semelhantes (de notar que Sterne já inclui nos viajantes os emigrantes), desta breve exposição
duas noções podem ser inferidas. A inicial tem a ver com as viagens por moivos de saúde.
Turismo de Saúde é o nome que hoje lhe damos, a mudança de ares era recomendada pelos
ísicos como forma de tratamento e, dentro desta, as Caldas e a Praia eram, provavelmente, os
locais mais demandados. A seguinte, que na nossa opinião é a verdadeira origem do Turismo,
prendia-se com moivos culturais. Turismo Cultural é a designação moderna, nesta o jovem
letrado vai completar a sua formação no estrangeiro, no caso dos ingleses incluía uma viagem
por França, Itália e Grécia como roteiro principal. Este suplemento não era, propriamente,
novidade, pois, provavelmente, desde tempos remotos a educação do aristocrata assim o
requeria8. No entanto, como temos tentado provar, ela só começa a tornar-se um hábito na
segunda metade do século XVIII9.
Contudo, a verdadeira popularização do Turismo só se vai dar, como alguns dos estudos
irão enfaizar, entre os inais do Século XIX e início do Século XX e será por esse moivo que o I
Congresso Regional Algarvio vai dar ao Turismo um papel de claro destaque, tal como se pode
perceber pelas temáicas presentes: “portos e rios – irrigação – arborização de serras e dunas
– estradas – uilização dos caminhos-de-ferro sob o ponto de vista do turismo e expansão das
indústrias e culturas algarvias – climatologia – turismo e sanatórios – indústrias (sob o ponto
de vista moderno) a criar e desenvolver no Algarve – o folk-lore algarvio: lendas, costumes e
tradições – museu regional do Algarve (história e pré-história) – problema do crédito – estudo
das culturas a desenvolver e adotar no Algarve”10. Não era outro o propósito da Casa do Algarve:
“promover a valorização e propaganda das belezas naturais e condições climatéricas da referida
Província, que fazem com que ela seja uma excelente estação de turismo”11.
Para terminar ouçamos a proposta de Mateus Moreno no que se refere ao que ele apelida
de “indústria do turismo”. O escritor farense começa logo por diagnosicar as necessidades
primárias: bons hotéis, estradas e meios de transporte. De seguida, evoca os locais que seriam
passíveis de receber visitantes, em primeiro lugar, a Praia da Rocha, símbolo das praias algarvias.
Sobre a Praia da Rocha, que foi o local escolhido para a Reunião regional, não podemos
deixar de dar o testemunho, evocado pelo oficial de artilharia, de Raul Brandão em Os
Pescadores: “detenho-me um instante na cenográica Praia da Rocha, extasiado nos dois
grandes penedos destacados e num io de areia doirada ao pé da água azul – tudo pintado
por Manini agora mesmo. A um lado a ponta do Altar entra decidida pelas águas; do outro,
o esfumado Lagos mal se entrevê ao longe… Duas impressões se ixam no meu espírito para
sempre: a noite extraordinária, a luz maravilhosa. A luz sustenta. Basta esta luz para se ser
feliz. É ela que encanta o Algarve. É ela que produz os igos orjais, os coitos, os bracejotes,
7
Idem, Ibidem, pp. 34-35.
8
Veja-se, apenas como exemplo paricular, as viagens de Platão à Ásia Menor, ao Egito e Itália, onde contatou, entre outras coisas, com as
doutrinas de Euclides em Mégara ou com as conceções pitagóricas na Sicília. Já agora que vem a propósito, Uma viagem senimental teria uma
parte complementar que trataria da estadia de Sterne em Itália, contudo, a morte gorou-lhe os planos.
9
Tenha-se em atenção as obras que o prefaciador de Uma viagem senimental enumera: Joseph Addison, Remarks on Several Parts of Italy (1705);
Piganiol de la Force, Nouvelle Descripion de la France (1724); Edwrad Wright, Some observaions made in travelling trough France, Italy, etc.
(1730); Thomas Nugent,The Grand Tour (1756, 2ª edição); Dean Tucker, Instrucions for Travellers (1757); Tobias Smollet, Travels trough France
and Italy (1766), que é diretamente parodiada na obra; Samuel Sharp, Leters from Italy (1766); a isto ainda se poderia juntar, pois Sterne uiliza-a
nas suas obras, A Liste générale des postes de France, que a parir de 1708 é publicada anualmente, cf. Laurence Sterne, Uma viagem senimental,
pp. 11-12.
10
Alma Nova, nº 8, Maio de 1915, p.1, col. 1, sublinhados meus. A Alma Nova tem sido considerada o órgão oicial do I Congresso Regional Algarvio,
como já deixei bem patente na conferência sobre Mateus Moreno, Diretor da Alma Nova e secretário do Concílio, no X Curso Livre de História do
Algarve em 23 de Julho de 2013.
11
Joaquim António Nunes, Regionalismo, Cultura e Turismo: Síntese Histórica da Casa do Algarve, Lisboa, Casa do Algarve, 1989, p. 21.
29

todos eles amarelos, a estalar de sumo, e desilando um líquido perfumado, e o igo preto
de enxaire que se mete na boca e sabe a mel e a luz perfeita. É ela a criadora destas agonias
doiradas que vão esmorecendo e passando por todos os tons até morrer a muito custo. E as
noites mágicas e caladas, as noites sem lua, muito mais claras que as noites do norte, em que
se disingue a brancura voluptuosa das casas e se vêem as estrelas enormes reluzindo através
das amendoeiras”12.
Seguidamente, as Caldas de Monchique, sendo esta de “águas verdadeiramente
milagrosas”, além disso, “um dos reiros mais belos, de paisagens mais paradisíacas e mais
arrebatadores panoramas, que existe no país”13, embora votada a uma incúria que, de certa
forma, era vista como um travão ao fomento do turismo.
Por outro lado, Mateus Moreno não deixa de prestar atenção ao turismo cultural, ou
seja, à visita a monumentos, obras de arte e síios de signiicado histórico. Por esse moivo,
não posso deixar de constatar que Moreno já entrevia a possibilidade de exploração turísica
do património, algo que, ainda hoje, nos esforçamos por divulgar e para o qual os nossos
operadores turísicos ainda não olham de forma séria e proissional. Por úlimo, mas não menos
importante, o clima, que Geraldino Brites considera “uma estação de inverno por excelência
(sem deixar de sê-lo também de verão) atribuindo-lhe «uma uniformidade térmica superior a
Málaga e à Riviera francesa»”14.
Está, então, na altura de entrar no conteúdo destes Fragmentos para a História do Turismo
no Algarve. Este opúsculo dividir-se-á em três segmentos, um primeiro, que invesigará as
relações entre o Património/Cultura e o Turismo, consisindo naquilo a que Vítor Neto vai
chamar, de forma perinente e acuilante, de Turismo Sustentável, o único que, ainda na sua
perspeiva, pode ser inteiramente viável; um seguinte, que se irá debruçar sobre os primórdios
do Turismo no Algarve nas suas variadas manifestações, desde a promoção da Região até à
consituição dos primeiros Operadores Turísicos e estâncias balneares; e um derradeiro, que
analisará a questão das acessibilidades no desenvolvimento do Turismo, sem esquecer o papel
fundamental que a inauguração do Aeroporto, em 1965 (faz, portanto, meio século), teve em
todo este processo. Como remate desta alínea inal, um texto onde se invesiga a resiliência da
economia regional face ao desenvolvimento do Turismo.
Mas comecemos pelo princípio, que é um modo de começar tão bom como qualquer
outro. O texto inaugural de Vítor Neto parte do exame dos conceitos de Turismo, Património
e Cultura para exarar uma deinição de Turismo Sustentável que tem a Cultura no seu ponto
axial, dando, desse modo, o mote para a restante invesigação deste apartado inicial. No
entanto, devemos ter em conta que, na mesma ordem de ideias, não se devem descurar as
idiossincrasias regionais nem a diversiicação da oferta turísica.
As duas matérias seguintes tratam de assunto idênico, os espaços museológicos, só
que em perspeivas niidamente diversas. No que se refere ao arigo de Alexandra Rodrigues
Gonçalves, pode-se atestar que pretende responder a uma questão crucial: estarão os museus
e os seus proissionais a ir ao encontro das expectaivas e das necessidades destes visitantes,
os Turistas? Com esse propósito a autora deine um conjunto de caraterísicas e estratégias que
visam dotar os museus de lexibilidade estrutural (quase diríamos mental) para empreender
as tarefas de educar, entreter, emocionar e experimentar, sendo que, cada vez mais, o seu
objeivo deva ser conseguir aingir o máximo de público possível.
No que concerne ao texto seguinte de José Gameiro e Ana Ramos, depois de uma
contextualização sempre necessária, aricula o espaço museológico como salvaguarda de uma
12
Raul Brandão, Os Pescadores, Aveiro, Estante Editora, 2010, pp. 202-203.
13
Mateus Moreno, Os quatro pontos cardiais do regionalismo algarvio, separata do nº 1 do “Boleim da Casa do Algarve” e da “Página do Algarve”
do Diário da Manhã, Lisboa, 1934, p. 21.
14
Idem, Ibidem, p. 22.
30 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

relação idenitária em permanente diálogo com aqueles que o visitam, desiderato que decorre
de estratégias autónomas delineadas com rigor.
O arigo seguinte de João Pedro Bernardes e António Fausino de Carvalho seria a parte
inicial de um percurso que se estenderia dos primórdios do Reino do Algarve até à Modernidade,
com uma incursão na literatura picaresca. No entanto, por razões variadas, apenas viu a luz do dia
“Património Arqueológico e Turismo na Região Algarvia”. No que respeita ao texto em questão,
os autores anunciam que não pretendem um levantamento sistemáico dos síios pré-históricos
e romanos do Algarve, apenas uma amostra representaiva e relevante desse Património,
tarefa que levam a cabo de forma rigorosa. Completa-se a invesigação com um excurso sobre
castelos, fortalezas, igrejas e conventos, encarados do ponto de vista arqueológico, e uma breve
referência ao património industrial, que serve de remate a esta divisão inaugural.
O segundo tema, como já icou referido, debruça-se sobre a História do Turismo no Algarve.
Neste segmento delineou-se um objeivo claro que foi encarar o assunto em estudo de forma
cronológica. Importa, desde já, destacar que existem temas que são transversais a todo este
segmento e, quiçá, a toda a publicação: estão neste caso, obviamente, o Congresso Regional
Algarvio, mas, também, a Sociedade de Propaganda de Portugal, o Congresso de Turismo
(1911), a Revista de Turismo, os periódicos algarvios, e mesmo nacionais, da época, etc., para
não enunciar tudo o que se encontra presente nos arigos, tarefa que empreenderemos de
seguida.
O primeiro estudo, de Artur Barracosa Mendonça, põe em relevo o papel dos algarvios na
tarefa de difusão das primeiras “imagens” do Reino do Algarve até à consituição da Sociedade
de Propaganda de Portugal (1906), importante instrumento de divulgação do País como
desino turísico. De seguida, trata da fundação da Reparição de Turismo (1911) e prolonga-
se até à realização do Congresso Regional Algarvio (1915), não deixando de destacar alguns
apontamentos pertencentes à década de 20 do Século indo.
O texto seguinte de Luís Guerreiro aborda a iniciaiva primordial de divulgação do Algarve
no exterior, a visita dos jornalistas ingleses em 1913, no seguimento do Congresso do Turismo
realizado um par de anos antes. Desse modo, expõem-se as circunstâncias que rodearam a
visita dos súbditos de sua majestade britânica ao Algarve e os preparaivos que envolveram
enidades oiciais e oiciosas. De todo o referido pode-se concluir que a visita teve um papel
decisivo na difusão e propaganda das belezas naturais do Algarve e foi um primeiro passo na
direção da internacionalização do Turismo na região.
A peça seguinte da autoria de Miguel Godinho aborda um instrumento fundamental da
publicidade do Turismo no País: a Revista de Turismo. Sem queremos ser prolixos, não podemos
deixar de referir o papel fundamental que as Revistas, em geral, iveram no panorama letrado
nacional, europeu e mundial nas úlimas décadas do Século XIX e grande parte do Século XX15.
É, precisamente, nesse contexto, que o autor explana, de modo rigoroso, uma apresentação
do periódico. Ali se reunia uma maioria de colaboradores afetos à Sociedade de Propaganda de
Portugal que deiniam como objeivo o pagamento de uma obrigação ao País, a sua elevação
a uma posição há muito perdida. Nesse senido, o Turismo era entendido não apenas como
uma forma de estabilidade das contas públicas, mas, mais ainda, como crescimento individual
e coleivo. De modo idênico, convém acrescentar a atenção paricular que a Revista dedica
ao Algarve, não só na invesigação e divulgação das suas caracterísicas naturais e medicinais,
como, também, na visita empreendida pelos responsáveis da publicação à região algarvia
(1921). Nesse apartado devemos salientar a importância que iveram as questões do Turismo
e da Indústria, sendo que, como nos alerta o autor, esta possa ser vista como uma espécie

15
Para avaliar essa questão consulte-se Luís Crespo de Andrade, “Introdução. Quatro notas breves”, VVAA, Revistas, Ideias e Doutrinas. Leituras do
Pensamento Contemporâneo, Lisboa, Livros Horizonte, 2003, pp. 11-18.
31

de descrição antecessora, tendo em conta as devidas distâncias, do Guia de Portugal, que se


publicaria, sob a direção de Raul Proença, a parir de 1924.
Embora com percursos diversiicados, os dois arigos subsequentes têm como matéria o
Turismo de Saúde, tema que, como vimos, está na própria raiz do Grand Tour. O preambular
de Crisina Fé Santos preocupa-se em estabelecer os limites e alcance estratégico daquilo que
se entende por Turismo Medicinal. Nessa linha de raciocínio, quesiona se este ipo de Turismo
não estará nos primórdios do próprio desenvolvimento desta aividade no Algarve, fornecendo,
como exemplo, o caso das Caldas de Monchique, objeto paricular do texto seguinte. No
seguimento da invesigação, pretende analisar, de forma breve, as referências a esse Turismo
especíico na região do Algarve, tendo como baliza cronológica primeira o Congresso Regional
e como meta derradeira a própria atualidade.
Tendo como ponto de parida a história das Caldas de Monchique, Ana Lourenço Pinto
desenvolve um conjunto de princípios com vista a uma gestão sustentável do património
histórico-arísico da insituição. Nessa perspeiva, vai defender a sua dinamização assente
na conservação e restauro das peças históricas, arísicas e terapêuicas, com vista a uma
musealização que integre centros interpretaivos, exposições temporárias, etc., de modo a que
se possa formar um circuito turísico que englobe Turismo, Saúde e Bem-estar.
Tal como os anteriores, os dois contributos seguintes poderão ser compreendidos
em paralelo. Pode-se atestar que o seu alvo primacial é o Turismo de Sol e Praia, espécie
de preenchimento do lazer que só no Século XX aingiu a sua verdadeira dimensão e, com
propriedade, poderíamos acrescentar que só na segunda metade do Século aingiu a extensão
que hoje tem.
De qualquer forma, a primeira inquirição de Alberto Strazzera aborda os operadores
turísicos no Algarve, na sua maioria originários da velha Albion. Depois de uma contextualização
indispensável, onde se explicita a importância da aividade para o que se designa de
“massiicação” do Turismo, empreende-se a sua narraiva com relação à região. De qualquer
forma, no que respeita à aividade turísica, deve acrescentar-se que foi a parir dos anos 60 do
Século XX que ela se desenvolveu, sofrendo um impulso muito signiicaivo com a abertura do
aeroporto em 1965. Com efeito, como é do conhecimento geral, é através de voos charter que
os operadores turísicos desenvolvem a sua ação, embora convenha ter em atenção que, sem
o desenvolvimento da indústria hoteleira nada disso teria sido uma realidade e, hoje em dia, o
Algarve não seria um desino turísico reconhecido mundialmente.
A averiguação terminal desta secção debruça-se sobre um objeto caracterísico: a praia
de banhos de Albufeira. Tal como Patrícia Baista nos esclarece, o conceito de Sol e Mar como
aividade de lazer é, razoavelmente, recente, e no caso de Albufeira, embora haja referências
anteriores, só lá pelos anos 30 do úlimo Século se começa a entranhar e, com certeza evidente,
por volta da década de 60 se interioriza como ritual. Desse modo, é na data referida que a
Vila, hoje Cidade, veste a roupagem turísica. Para esse efeito foram decisivos, entre outros,
a criação do Hotel Sol e Mar e a visita de ilustres personalidades estrangeiras, sendo que
alguns chegaram a ixar residência. Tudo isto contribuiu para que Albufeira seja, hoje em dia,
considerada a “Capital do Turismo em Portugal”.
Vemo-nos chegados, desta forma, ao derradeiro tema desta publicação, o qual terá de ser
dividido em dois segmentos disintos, convém a saber, um, anterior, que desenvolve o mote
das vias de comunicação como condição imprescindível ao desenvolvimento do Turismo, outro,
posterior, que encara os riscos desse mesmo desenvolvimento turísico, principalmente nas
valências que lhe não dizem diretamente respeito.
Podemos, desde logo, asseverar que os três dianteiros formam um bloco compacto em
torno de um objeivo fulcral: as acessibilidades, embora entendidos de forma disinta. De
32 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

facto, a invesigação de Aurélio Nuno Cabrita aborda, de forma abrangente, todos os meios de
comunicação da região com o restante território português. O autor descreve as diiculdades
que havia em viajar para o sul antes da inauguração do caminho-de-ferro. Usa, como exemplo,
as vias rodoviárias, de que nos fornece um mapa, que eram escassas e em mau estado de
conservação, sendo que a forma mais escorreita de empreender a viagem era por via maríima.
Em seguida, fornece-nos os dados necessários para entendermos a expansão da linha férrea
neste caninho ocidental, incluindo a demora que houve na chegada do comboio a Lagos
(1922), que, diga-se de passagem, só inha chegado à outra ponta do Algarve em 1906. Termina
com uma breve exposição onde procede ao levantamento, nos dias de hoje, de todas as
acessibilidades que conta a região algarvia, não se esquecendo de lembrar o que ainda estará
por executar.
A contribuição seguinte de José Gonçalo Duarte refere-se à construção da estrada de
Monchique ao alto da Fóia, datada de 1945 (comemoram-se sete dezenas de anos), obra
que possibilitou a uilização de uma via turísica com elevado valor ao nível da leitura da
paisagem. Nessa conjunção, o autor vai-nos descrever as vicissitudes inerentes à construção
desse caminho, no qual teve um papel de relevo uma igura notável natural do Algarve, Duarte
Pacheco.
O deiniivo tributo para esta trilogia, da autoria de António Correia Mendes, prende-
se com a construção do Aeroporto de Faro, em 11 de Julho de 1965, e a importante função
que teve no desenvolvimento do Turismo na região, facto que pode ser constatado através da
avaliação dos passageiros transportados: de pouco mais de 1 milhão em 1981 para pouco mais
de 5 milhões em 2006, uma quintuplicação do valor inicial num espaço de 25 anos.
A derradeira invesigação de João Romão, João Guerreiro e Paulo Rodrigues é de natureza
fundamental nesta publicação, pois chama-nos a atenção para os efeitos que pode ter o
Turismo numa dada região, isto é, sofrer o que os peritos designam de “doença holandesa”, uma
especialização em demasia do sector turísico com consequentes manifestações no declínio da
indústria e da agricultura. Quadro que em relação ao Algarve descreve de forma perinente o
que se passa nas úlimas décadas, o que demonstra que a capacidade da região em voltar ao
equilíbrio do seu próprio sistema tem sido insuiciente.
Não podemos concluir a exposição, ainda que breve, dos trabalhos desta publicação sem
fazer um voto para que, de futuro, se mulipliquem os estudos sobre o fenómeno do Turismo
no Algarve e que esta obra tenha a uilidade, se outra lhe não poder ser assacada, de poder
potenciar essas invesigações, que, quem sabe, talvez se possam juntar um dia, fragmento a
fragmento, numa História do Turismo no Algarve.
Para terminar, embora não da forma mais ortodoxa, vindo a propósito do ítulo da obra,
gostaria de mencionar dois excertos de Augusto Monterroso, initulados “Fragmentos (1)”
e “Fragmentos (2)”, que rezam desta maneira: “um fragmento é às vezes mais pensamento
que todo um livro moderno. No seu afã de sinteizar, a Aniguidade chegou a culivar muito
o fragmento. O autor anigo que melhores fragmentos escreveu, fosse por disciplina ou
porque assim o decidiu, foi Heraclito. Consta que todas as noites, antes de se deitar, escrevia o
correspondente a essa noite. Alguns eram tão pequenos que se perderam (…) os fragmentos,
como já dissemos noutro lado, foram culivados em todas as épocas; mas foi na Aniguidade
que mais loresceram. Seja em que época for, os melhores fragmentos surgiram, na Europa,
na arquitetura e na escultura; no que se refere às nossas anigas culturas autóctones, na
cerâmica”16.

16
Augusto Monterroso, O Resto é Silêncio, Tradução Pedro Pyrrait, Lisboa, Oicina do Livro, 2007, p. 148.
Património/ Cultura e Turismo
Cultura e Turismo
Vitor Neto

Do ponto de vista estrutural, o Algarve passou nas


úlimas décadas de uma região pouco desenvolvida, com
uma economia essencialmente agrícola, com alguma
indústria resultante de recursos da terra e do mar, para
uma região predominantemente de serviços agregados
em torno das aividades associadas ao Turismo. Agravou-
se o desequilíbrio estrutural e o peso da agricultura e
da indústria, na região, é hoje escasso. O Turismo é a
aividade dominante e o motor da economia, e faz com
que o Algarve tenha um rendimento per capita superior
à média nacional, correspondente a 85% da média
europeia.
O Algarve é o principal desino turísico do país, tanto
de estrangeiros como de nacionais, e dá um contributo
relevante para a economia nacional através das receitas
externas geradas pelo Turismo, que são o principal setor
exportador.

O PAPEL DO TURISMO
Importa antes de mais ter presente que o Turismo
é hoje uma aividade económica relevante em todo o
mundo, envolvendo interesses poderosos em todos
os coninentes – alojamento, imobiliária, operadores,
transporte aéreo, indústrias de lazer, invesimento
inanceiro, plataformas informáicas, etc..
Neste quadro, a primeira questão que se coloca é
a forma como cada país pretende posicionar-se perante
as perspeivas de evolução do Turismo. O que passa por
saber o que representa para cada país a Economia do
Turismo: se é uma aividade especulaiva e oportunista,
tendente a obter resultados imediatos, mesmo à custa
da destruição de recursos, ou se, pelo contrário, é uma
36 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

aividade que se pretende sustentável, capaz de gerar


riqueza, desenvolvimento e emprego, mas preservando
e potenciando, ao mesmo tempo, recursos vitais não
renováveis, sejam eles de que natureza forem.
Esta é a primeira opção que Portugal, e obviamente
o Algarve, têm de fazer. Saber o que representa e onde
quer estar a nível de Turismo.
Portugal não pode errar nas suas opções, pela simples
razão que a economia do Turismo não pode ser vista como
um elemento complementar de outras aividades, como
acontece em potências desenvolvidas, como os Estados
Unidos ou a França, mas consitui, já hoje, um vetor
estratégico insubsituível do seu crescimento económico.
Apesar de nem todos os responsáveis terem consciência
disso.

CULTURA E TURISMO
Antes de mais, em qualquer país, a começar por
Portugal, mas também em qualquer Região – por
exemplo o Algarve - quando se pensa em Turismo, tem
de se ter plena consciência da sua dimensão, desde
logo de território, mas também de recursos e das
potencialidades de oferta. Porque existe concorrência.
Não basta ser «muito bom» num ou noutro aspeto para
vencer.
A capacidade de atração de um desino turísico
não é a simples resultante da soma aritméica de
«produtos» isolados - mesmo que cada um seja muito
bom - mas é, antes de tudo, a perceção global, a ideia,
que os potenciais visitantes já têm sobre o desino, seja
ele uma grande capital mundial ou um lugar de férias e
lazer. O Turismo hoje, com a informação que existe, é
cada vez mais conirmação do que descoberta.
E é aqui que entra a relação Cultura/Património
e Turismo. Sendo certo que há abordagens diferentes
sobre a relação entre Cultura e Turismo, umas sérias,
outras instrumentais.
Os riscos de abordagens erradas desta relação
estão aí todos os dias à nossa frente. São vários e
partem quase todos de atores turísicos que seguem
tendências nascidas no século XIX, quando o Turismo
começou a ganhar importância como aividade
económica, e tendem a formatar e construir «produtos»
que se consideram bons para vender. Às brochuras das
agências, que são o símbolo máximo dessa tendência,
juntou-se agora a internet. Os agentes tradicionais e
alguns novos pensam que, no fundo, o que interessa
é ter um menu de «produtos» capaz de preencher um
VITOR NETO CULTURA E TURISMO 37

pacote para saisfazer os «turistas», seja por poucos


dias ou mesmo só por algumas horas (património,
igrejas, museus, lugares, eventos). Este mecanismo
acaba por comportar muitos riscos e por inluenciar a
própria oferta, cada vez mais igual à dos concorrentes, e
não evidencia as nossas diferenças.

Qual o caminho então para um desino pequeno


como Portugal – e o Algarve - que tem fronteira com
o imenso Atlânico e com uma das maiores potências
mundiais do Turismo e que está inserido naquele que é
e vai coninuar a ser - segundo a OMT - o maior e o mais
concorrencial mercado turísico do mundo - a Europa -
e mais concretamente, os dezassete países do Sul da
Europa/Mediterrâneo?
Só há um caminho. Mas é longo, diícil e exige
muito trabalho.
Portugal – e o Algarve - como desinos turísicos
de excelência, têm de conseguir airmar uma sua
proposta/imagem que não pode ser a simples soma
de produtos que os concorrentes também têm, tem
de saber airmar uma sua proposta global. É no quadro
dessa proposta que se devem inserir os «produtos»
sejam eles provenientes da nossa riqueza patrimonial e
natural, como da nossa História e Cultura, das nossas
gentes, hábitos e costumes. Com as nossas diferenças e
especiicidades.
Isto vale também para as diferentes Regiões –
Lisboa, Madeira, Porto, etc. – e desde logo para uma das
regiões mais diferente e original – o Algarve.

ALGARVE
O Algarve tem, em primeiro lugar, de se airmar
pela sua imagem global – que é uma síntese quase
imperceível e perfeita que resulta de vários fatores:
1. o seu território e a sua localização geográica
atlânico/mediterrânea; 2. uma conjugação única de
caracterísicas ambientais – Mar, Sol, Clima, Luz, Cor,
Ar, Amenidade, Sabores, Odores; 3. uma natureza e
paisagem diversiicada entre interior e litoral, entre
barlavento, centro e sotavento, mares, rios e rias; 4. uma
História milenar, um cruzamento de civilizações, de raças
e povos que resisiram e lutaram em terra e no mar, que
geraram cultura, tradições e hábitos, boa disposição e
afeividade sóbria.
É aqui que se enquadram a nossa Cultura e o
nosso Património Cultural – os nossos monumentos, os
nossos museus, as nossas Igrejas, castelos e fortalezas,
38 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

as nossas estações arqueológicas, a nossa arquitetura


tradicional herdeira de diferentes culturas, a nossa
gastronomia, as nossas cidades, vilas e aldeias, todas
com história e personalidade.

É neste enquadramento que o Turismo tem de


saber integrar na sua estratégia o contributo da Cultura
da região, e a Cultura tem de se airmar, não como mero
produto instrumental ao serviço do Turismo, mas como
vetor estruturante da própria estratégia sustentável de
Turismo e da Economia do Algarve.

O TURISMO NO MUNDO VAI CONTINUAR A MUDAR


O Turismo vai crescer muito. Dos atuais 1100
milhões de turistas internacionais a nível mundial,
teremos 1400 milhões em 2020, e 1800 milhões em 2030.
Mas, ao contrário do que alguns distraídos pensam, os
turistas «não vão andar por aí». Vão-se deslocar segundo
«leis» que são inexoráveis: a OMT prevê que 80% dos
turistas internacionais que em cada região/coninente
se deslocarem para desinos estrangeiros, escolherão o
seu próprio coninente. A Europa, onde 88% dos turistas
estrangeiros serão europeus, vai coninuar a ser o maior
e mais compeiivo desino turísico do mundo (com 750
milhões de turistas em 2030). Portugal faz parte dele.
Este quadro obriga Portugal, e em paricular o Algar-
ve, a preparar-se da melhor forma para a complexidade
das batalhas que aí vêm; a deinir o seu posicionamento
estratégico; a ainar, qualiicar, diversiicar e diferenciar os
seus produtos e a sua oferta; a apontar as suas prioridades
de mercados e as linhas de intervenção na promoção.
Ainda mais, porque o Algarve viveu na úlima década
um preocupante período de estagnação do Turismo.
Um só dado: a região em 2014 registou 12,4 milhões de
dormidas de estrangeiros, como atrás referimos, tendo
crescido cerca de um milhão em relação e 2013, o que
é muito posiivo. Mas importa recordar que em 2001 já
inha registado um número superior de dormidas: 12,6
milhões. Um dado que não pode ser «esquecido».
Esta evolução impõe uma forte relexão sobre as
suas causas – que não está feita – e sobre o Turismo do
Algarve e as propostas para o futuro. É redutor icar-
se pela «sazonalidade» e é insuiciente proclamar a
necessidade de «novos produtos».

ALGARVE. TURISMO E CULTURA


O caminho é claro. O Algarve possui uma enorme
riqueza Cultural e patrimonial. Para o Algarve é vital, é
VITOR NETO CULTURA E TURISMO 39

imprescindível, que a Cultura, o Património cultural,


as propostas e iniciaivas culturais cresçam, se
enriqueçam, se desenvolvam e encontrem o seu lugar -
de forma autónoma - numa estratégia global integrada
de desenvolvimento da região, em que o Turismo é o
principal setor e o motor da Economia.
A experiência turísica e os museus a Sul
Alexandra Gonçalves

INTRODUÇÃO
A discussão sobre os museus e o turismo parte
da noção que existem novos paradigmas emergentes
na sociedade, aos quais o museu não poderá icar
indiferente, sobretudo, como forma de potenciar a
sua atracção junto do público turista, mas também
pretende airmar-se como equipamento ao dispor de
uma sociedade de informação e de lazer. Consciente
dos desaios desta relação procura-se demonstrar
que existem beneícios claros resultantes de uma
aproximação entre estas áreas.
As abordagens próximas do território e dos seus
recursos tendem a consituir-se como um esímulo
à diversidade cultural. Por sua vez, a proximidade
espacial entre vários recursos turísicos, culturais
e patrimoniais podem potenciar a consituição de
clusters nas áreas do turismo e do lazer, airmando-se
como ofertas diferenciadoras dos desinos turísicos.
Estas aglomerações de recursos também são boas
oportunidades para a construção de economias nas
operações destes espaços e equipamentos, que por sua
vez, trazem ganhos de atracividade para o turismo.
Aalst e Boogaarts (2002) discutem como os clusters
baseados nos museus se consituem como estratégias
de sucesso e como quase todas as grandes cidades
apostaram nos museus como forma de regeneração
dos seus centros urbanos e de revitalização das suas
economias. Estes autores introduzem a noção de
“entertainment hub” e defendem que a concentração
ísica dos museus e de outros equipamentos e atracções
possuem vantagens: parilha de infra-estruturas;
transportes públicos; acessibilidades; e maior
42 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

capacidade de resposta muli-funcional a diferentes


audiências e necessidades (Aalst and Boogaarts, 2002).
A consituição de redes, de iinerários, de rotas, tem em
regra na sua base a resposta a uma dupla necessidade:
a da valorização e preservação de património e de
idenidades locais; e a redução ou economia de recursos
e de custos (nomeadamente, em termos de esforços de
markeing).
Há evidências de que a cultura tem ganho uma
dimensão estratégica e os museus, não raramente,
contribuem pela promoção de acividades com
grande potencial de atracção turísica que estão na
base de economias locais e regionais. Na actualidade,
os turistas representam uma parte importante das
visitas aos museus, tornando-se, em alguns casos,
uma percentagem expressiva do seu público. O
reconhecimento da importância da sustentabilidade
cultural já foi apreendido pelo turismo cultural e os
agentes do turismo estão hoje conscientes que o
futuro da indústria turísica depende da protecção e
preservação dos recursos ambientais, patrimoniais e
culturais de cada região.
Outros pressupostos principais da abordagem que
aqui se desenvolve têm que ver com:
1. Os paradigmas do turismo alteraram-se e uma
orientação para o produto está a dar lugar a um turismo
baseado na experiência.
2. As fronteiras entre os diferentes ipos de cultura
e de património estão a desaparecer.
3. Existe uma crescente diiculdade em separar o
turismo de outras práicas sociais e culturais.
As principais tendências de invesigação associadas
a estas questões apresentam um proliferar de textos e
de trabalhos sobre a experiência do visitante no museu,
sobre a museologia mulissensorial e sobre o trabalho
em parceria, como formas privilegiadas para o museu
encontrar estratégias de resposta às necessidades
e às mudanças da sociedade. Entre as temáicas
mais emergentes encontram-se os seguintes temas:
Repensar o museu – novos modelos de gestão; Estudos
de visitantes: o peril do visitante; Desenvolvimento
de novas audiências; Procuras Latentes e Não-
públicos; Experiência no Museu: aprendizagem versus
entretenimento; autenicidade versus encenação;
interacividade versus passividade; Qualidade da visita
e saisfação do visitante; outros temas mais recentes
incluem: markeing dos museus; programas educaivos
para adultos; programas para famílias; gestão centrada
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 43

no visitante; aprendizagem “experiencial”, museologia


mulissensorial; e trabalho em rede.
O museu emerge então como um equipamento
ao dispor do turista e do excursionista1 e como espaço
privilegiado de representação da cultura e da idenidade
de um território, ou de uma comunidade. A discussão da
temáica “museus, turismo e experiência turísica” é a
problemáica central da invesigação de Doutoramento
com o tema: “A cultura material, a musealização e
o turismo: a valorização da experiência turísica nos
museus nacionais.”.

1. TURISMO, MUSEUS E A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA


A proposta de estudo da experiência turísica
nos museus resulta do interesse em veriicar quais as
necessidades e as moivações do turista e do excursionista
na visitação a este espaço, bem como, em conhecer a
caracterização que fazem dessas experiências e quais as
suas condicionantes. O estudo da “experiência turísica
e cultural” resulta igualmente da crescente valorização
atribuída à “economia das experiências”, ao “markeing
experiencial” e às “indústrias criaivas” como temas
actuais que anunciam um “novo olhar” sobre o turismo.
No decurso da proposta de trabalho, determinou-
se como problema de invesigação: Que factores
contribuem para a valorização da experiência turísica
nos museus nacionais? Mais do que responder à questão
– Quem são os visitantes dos museus, procurou-se
conhecer o ipo de experiência e as determinantes dessa
experiência a que atribuem maior valor no contexto de
visita ao museu (social, pessoal ou ísica, de acordo com
a proposta de Falk e Dierking, 1992 e 2000).
A metodologia uilizou quer técnicas qualitaivas,
quer técnicas quanitaivas para a análise dos dados re-
colhidos. A informação primária recolhida baseou-se na
aplicação de uma “triangulação de métodos” (entrevista
exploratória semi-estruturada aos responsáveis pelos 32
museus envolvidos na invesigação2, quesionário técnico
aos mesmos museus, observação paricipante, debate/
mesa redonda e quesionário ao visitante dos museus).
As técnicas referidas foram testadas de forma faseada e
sequencial, tendo em vista a recolha de informação com-
plementar e uma abordagem do geral para o paricular.
1
Excursionista diz respeito ao visitante não residente que permanece por um período
inferior a 24 horas (não pernoita no local) e pode ser nacional ou estrangeiro.
2
Incluiu todos os museus da Rede Portuguesa de Museus a Sul de Lisboa à data, bem
como os da cidade de Lisboa, pelo que abrange museus sob tutela da administração
central, museus municipais, museus de fundações, museu da misericórdia, museu
privado; garanindo diversidade na amostra em termos de propriedade e do ipo de
colecção e localização – meio urbano, meio litoral e meio interior.
44 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

À abordagem centrada na experiência turísica


acrescenta-se o argumento que a qualidade dos
serviços e dos produtos já não é quesionável, mas o
que é relevante é coleccionar experiências únicas e
memoráveis (Morgan et al, 2008; Pine e Gilmore, 1999;
Schmit, 1999). Os indivíduos coleccionam experiências
que devem ser únicas e memoráveis. Haahi e Komppula
(2006) salientam a diversidade do ipo de experiências e
da sua duração, e Pine e Gilmore (1999) propõem que a
experiência seja temaizada, inclua mensagens posiivas,
combine memórias e envolva todos os senidos.
Tal como a sociedade, o museu evoluiu e modiicou-
se, sobretudo de três formas principais: o museu passou
a preocupar-se não só com o objecto, mas também com
a representação do passado, pelo que, teve lugar um
alargamento do que vale a pena preservar; teve lugar
uma mutação da natureza do museu – “os museus vivos”
subsituem os “museus mortos”; museus fechados,
subsituem os museus ao ar livre; alteração da relação
do museu com outras insituições sociais – os museus
estão a tornar-se mais sociais e comerciais (integram
cafés, livrarias e restaurantes; possuem dias abertos;
alugam colecções e organizam eventos) (Garcia, 2003;
Martos e Santos, 2004; Paris, 2006; Weil, 2004). Em
2005, na sua proposta de um “museu envolvente” (The
Engaging Museum), Graham Black incluia o museu
como atracção turísica entre as 16 caracterísicas e
expectaivas para o museu do século XXI.
Será de referir que apesar das evidências na altura
demonstrarem que não se encontrava consolidada a
relação entre os museus e o turismo, o pensamento
entre estas duas áreas, desde longa data que vem sendo
estruturado pelos organismos internacionais, bastará
analisar a documentação internacional produzida
no âmbito do Internaional Council of Museums, do
Internaional Council of Monuments and Sites, da
UNESCO e até da Organização Mundial de Turismo.
A “Carta Internacional do Turismo Cultural” de 1976
(ICOMOS), sendo uma proposta de aproximação entre o
turismo e os museus mais recente – Charter of Principles
for Museums and Cultural Tourism (Trujillo, Peru; ICOM,
2000).
Num primeiro momento os esforços de
aproximação entre estas duas áreas inham um carácter
assumidamente de preservação dos recursos culturais
e patrimoniais, mas hoje assiste-se a uma aliança
estratégica que inclui trabalho em rede e planeamento
integrado para o desenvolvimento do turismo cultural
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 45

e de novas oportunidades de lazer, mas também como


bandeira diferenciadora e idenitária dos locais, num
mundo cada vez mais global.
O turismo emerge como oportunidade também
porque: “Os gestores culturais com frequência possuem
apidões criaivas que podem ser usadas para inovar a
experiência turísica, enquanto os gestores turísicos
podem trazer as apidões de economia e de markeing
que são essenciais para tornar o produto viável.”3
(Richards e Wilson, 2006:1221). Uma gestão baseada
na experiência pode acrescentar valor à oferta e uma
orientação neste senido representa a necessidade de
conhecer as expectaivas e as necessidades de quem
visita os museus, mas também os atributos que lhes
dão resposta (Quan e Wang, 2004); e tal como airma
M. Morgan: “As estratégias compeiivas têm que
se basear nas experiências oferecidas e não apenas
na qualidade dos equipamentos e infra-estruturas4.”
(Morgan et al., 2008: 18). Esta aitude apresenta novos
desaios para os responsáveis dos museus: “Melhorar a
experiência de visita ao museu envolve ir para além da
tradicional ênfase dada aos objectos e às colecções e
ainda da ênfase dos anos recentes na informação e na
educação. Gerar experiências envolve acividades em
que os visitantes possam paricipar acivamente e em
que possam uilizar uma percepção sensorial intensiva,
combinando visão, som e movimento, ambientes em
que os visitantes possam imergir mais do que comportar-
se como meros espectadores, fora do esímulo usual
e com efeitos capazes de tornar as visitas aos museus
únicas e memoráveis.5” (Kotler e Kotler, 2004: 173).
Em 1995, um dos trabalhos de invesigação de
âmbito internacional que estabelece a relação entre
os museus e o turismo, apontava conclusões que
caracterizavam estes 2 mundos como afastados e
conlituantes: o mundo dos museus obedece a regras
diferentes; funciona com base em leis cieníicas, por
taxionomias e com base em períodos; os objectos
tendem a ser todos semelhantes para o público não-
especialista; a comunicação é do ipo convencional e
espera-se que cada visitante tenha um papel passivo;
é um mito que os visitantes vêm ao museu para obter
ganhos de conhecimento, apesar de o airmarem; a
3
Texto original: “Cultural managers oten have essenial creaive skills which can
be used to innovate the tourism experience, while tourism managers can bring the
economic and markeing skills that are essenial to make the product viable.” (Richards
e Wilson, 2006:1221).
4
Tradução livre da autora.
5
Tradução livre da autora.
46 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

visita ao museu é sobretudo uma oportunidade de


interacção social; os curadores privilegiam a palavra e
a escrita como forma de comunicar as ideias, quando
a aprendizagem é crescentemente colocada no visual;
os serviços são uma área pouco valorizada no museu; a
visita ao museu ocorre em momento de lazer, contudo,
o ambiente gerado em torno da visita ao museu é de
stress, associando-a a um ambiente de aprendizagem,
inimidando o visitante que procura lazer (Schouten,
1995). Benediktsson num outro trabalho ideniica 6
formas principais de inter-relação entre os museus
e o turismo (que foram uilizadas como base de
análise para as entrevistas exploratórias): Cooperação
total; Inter-relação em desenvolvimento; Existência
paralela/Ignorância harmoniosa; Incómodo moderado;
Emergência do conlito; Conlito (Benediktsson, 2004).
Globalmente, pode-se airmar com base nas
entrevistas recolhidas na invesigação de campo, que
a percepção é de “inter-relação” em desenvolvimento,
com alguns pontos de incómodo moderado, sobretudo
pela má compreensão do papel dos agentes do turismo
como mediadores culturais ao serviço do público-
turista.
O museu tem conhecido diferentes abordagens
ao longo dos séculos: de templo de saber, a serviço
público, a instrumento educaivo, a espaço comercial,
a equipamento de lazer; e a sua função social tem-se
alterado. O museu é tudo isto e muito mais, tal como
Robert Janes e Richard Sandell airmam, é um mundo
complexo, mas em que o que interessa não é sobre o
que é, mas para quem é (uilizando referência ao texto
de Stephen Weil, 1999, “From Being about Something
to Being for Somebody”, sobre a transformação do
museu Norte Americano).
Uma questão que icou explícita ao longo da
invesigação prende-se com o processo de valorização
patrimonial, que para os agentes culturais e patrimoniais,
termina no momento da abertura do espaço ao público
e circunscreve-se ao espaço em si – dentro de portas
do museu – veriicando-se alguma diiculdade destes
interlocutores em perspecivar uma revalorização
conínua ou uma valorização integradora de outros
contextos, ou de outros recursos “fora de portas”.
Recorrendo à abordagem de Zahava Doering
(2007), que ideniica três ipos de visitantes, procurou-
se perceber qual era, no conjunto dos museus estudados,
a abordagem predominante face ao visitante turista e
excursionista: a de Estranho; de Hóspede; ou de Cliente;
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 47

a estas três categorias acrescentaria uma quarta, que é


a do visitante “convidado” e “paricipante”, que resulta
das propostas da economia da experiência (Pine e
Gilmore, 1999) e do markeing experiencial (Schmit,
1999), que entendem o visitante como um co-produtor
na experiência inal, pelo que, no centro da experiência
turísica. Os resultados parecem apontar, nalguns casos
para um visitante perspecivado como um “Hóspede”,
sobretudo no que concerne à comunidade local e aos
grupos escolares, mas o turista é em grande parte dos
casos “um estranho”.
O museu oferece uma grande diversidade de
emoções e de conhecimento, mas em regra a sua
visita ocorre em tempo de lazer, o que muitas vezes se
esquece ao visualizar a experiência museológica como
puro instrumento educacional (Falk e Dierking, 1998;
Hein, 1997; Hooper-Greenhill, 2006). Sabe-se hoje que
existem vários graus de conhecimento dos públicos em
relação ao que estão a ver, assim como, diferentes graus
de intensidade de moivação para a cultura. As pessoas
chegam ao museu com diferentes necessidades de
informação, mas o turista tem necessidades especíicas
que o diferenciam do visitante geral (Doering, 2007;
Kotler e Kotler, 2004; Falk e Dierking, 2000; Goulding,
2000).
O entretenimento é apontado como uma parte
da experiência, mas não representa a totalidade. Têm
emergido novos conceitos associados às experiências
que combinam o entretenimento com outras dimensões,
entre os quais o de “Edutainment”, acividades que
combinam o aspecto educaivo com o entretenimento
(Okan, 2003; Pine e Gilmore, 1999; Schmit, 1999).
Aqueles dois consultores – Pine e Gilmore –
chegam à conclusão que as pessoas falam sobretudo
de experiências, pelo que propõem uma abordagem
centrada na criação de experiências e que só depois se
veriique quais os produtos e serviços que dão resposta
a essas experiências. Os ipos de experiências que
propõem centram-se em quatro grandes dimensões:
Entretenimento; Educação; Estéica; e Escape; mas
possuem forças em comum, pois a próacividade, ou
a paricipação do indivíduo, pode ser mais ou menos
intensa.
Um dos primeiros autores a introduzir a discussão
da experiência memorável na relação com o turismo
e o património foi Moscardo, que na sua análise
determina que a interacção e o senimento de controlo
da experiência são factores importantes para o visitante,
48 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

e diferencia a experiência em dois ipos: “Mindful” e


“Mindless” (Moscardo, 1996). Para que uma experiência
seja memorável entre os princípios fundamentais a que
deve responder encontram-se: o tema tem que ser
consistente e repeir-se ao longo de toda a experiência; o
tema deve integrar elementos posiivos e uma simbologia
de fácil percepção; os elementos negaivos ou outro
ipo de distracções - visuais ou audiivas – devem ser
eliminados; o produtor ou o fornecedor da experiência
deve proporcionar ao visitante a oportunidade de
comprar algo que leve para casa (souvenir ou algo que
conira tangibilidade à experiência); a experiência deve
ser mulisensorial (Pine e Gilmore, 1999). Mike Morgan
diz-nos que: “Para que seja verdadeiramente efeciva,
todavia, a experiência deve ser mais do que transitória,
oferecendo a oportunidade de ‘transformação’
através da aquisição de novas competências e de novo
conhecimento, ou através da melhoria da auto-coniança
e da auto-imagem.6” (Morgan, 2006:306) e sugere que
isto pode ser conseguido se a ênfase for colocada nos
aspectos emoivos, na realização de sonhos, e se se
procurar dar resposta a aspirações e desejos (em vez
de responder a necessidades): o visitante tem que ser
visto como um paricipante acivo e devem ser criadas
oportunidades de interacção entre o pessoal e o
indivíduo. O lugar, a envolvente e o design são elementos
a avaliar (Morgan, 2006).
O visitante-turista (nacional e estrangeiro)
demonstra em regra um bom conhecimento em relação
ao que está a ver e é um veículo de promoção do
interesse na visitação destes locais. A fruição destes
espaços não pode ser só vista na perspeciva económica,
mas também cultural e social, pois transmitem e
assimilam conhecimento. Em regra, os agentes do
turismo centram o seu discurso na questão económica,
pois é a forma mais fácil de convencer sobretudo os
responsáveis políicos, mas na verdade existem outras
dimensões desta realidade. Um conhecimento mais
aprofundado dos públicos poderá encontrar propostas
de visita diferenciadas para os principais segmentos
do museu, ideniicar formas de desenvolvimento e de
captação das audiências, que ainda não estão presentes
nos museus.
O museu que pretenda ir ao encontro dos seus
visitantes tem que integrar um processo dinâmico na sua
forma de gestão, o que pressupõe pró-acividade, pré-
planeamento e reacividade (adaptação às necessidades,
6
Tradução livre da autora.
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 49

capacidades e preferências do consumidor). Assim,


o conceito (a ideia que o visitante tem em relação ao
museu e à visita) e o sistema (os recursos internos e
externos ao dispor do museu) podem ser os mesmos,
mas as acividades propostas a diferentes visitantes
podem variar de acordo com a experiência desejada
(módulos) (Haahi e Komppula, 2006).
Uma conclusão principal diz respeito à adopção
de uma abordagem de markeing na relação da gestão
do museu com o exterior, e de uma abordagem de
gestão estratégica interna no museu que se pretenda
posicionar como orientado para o visitante, procurando
a conciliação das propostas de Kotler e Kotler (2004),
com aquelas de Reussner (2004) (com um exemplo
práico em curso na Fundação de Serralves, explicitado
por Odete Patrício, na museologia.pt, n.º 2, de 2008, pp.
213-227). O markeing é no presente uma necessidade
dos museus, para a sua coninuidade e para a sua
sustentabilidade (Rentschler, 2007). A realidade em que
os museus coexistem hoje é diferente.
Por sua vez, um modelo de gestão estratégica
pressupõe sempre o desenvolvimento de pesquisa e
invesigação sobre as audiências do museu (incluindo
estudos de visitantes e de não-visitantes), pois a
invesigação fornece informação que pode conduzir
a mudanças nas orientações estratégicas deinidas
(Reussner, 2003). A grande questão que se parece
evidenciar nos museus é efecivamente um problema de
gestão, que não tem que ver com quem gere, mas com
o que se gere e para quem se gere? E nesta perspeciva,
o turista emerge como um estranho, como uma
“não prioridade”, e em poucos casos foi reconhecido
como um “cliente” ou “convidado” (Doering, 2007).
Mas do outro lado desta relação estão também os
agentes do turismo, onde parece exisir um grande
desconhecimento em relação ao trabalho dos museus
e à sua programação, sem que os incluam em novas
ofertas de produtos ou sem que procurem uma maior
cumplicidade na cooperação tendo em vista a criação
de valor associado às acividades que desenvolvem para
o turista.

1.1 Apontamentos, resultados e recomendações


sobre os museus e o turismo
O momento internacional que se vive, de grande
incerteza económica e inanceira, deve ser encarado
como uma oportunidade para os museus e para
o turismo, que numa concertação de esforços se
50 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

deverão reinventar mutuamente, promovendo uma


programação que veja o visitante como paricipante,
e em que a escalas geográicas de proximidade
devem ser privilegiadas num primeiro patamar, mas
também almejar ao desenvolvimento de audiências
de âmbito regional (excursionismo, com enfoque
privilegiado em programas de “city break” e “touring”
cultural e paisagísico) e de âmbito nacional (turista
nacional). No entanto, a observação da realidade
museológica existente revela alguns obstáculos para um
estreitamento desta relação.
Para além de se quesionar as missões e os
objecivos propostos para cada museu, deve ser
colocada a questão de quem são as suas audiências, e
para quem querem trabalhar. Depois de tomada esta
decisão é que se deve desenvolver todo o planeamento
da acção do museu, ponderando os efeitos destas
tomadas de decisão sobre as estruturas do museu,
as qualiicações do pessoal ao serviço, os recursos e
os meios ao dispor, e a sua envolvente (insitucional,
políica, económica). Desta forma, impõe-se como
uma necessidade dos museus, repensar a relação
com os seus visitantes (Doering, 2007). Se o objecivo
destes espaços for determinado como o aumento da
paricipação cultural, a estratégia deve preocupar-se
não só em aumentar os visitantes, mas também em
diversiicá-los (Reussner, 2003).
Em Portugal, foi com o trabalho conjunto do
Observatório das Acividades Culturais e do Insituto
Português de Museus que se deu início a um estudo
objecivo e profundo do panorama museológico
português entre 2000 e 2003, recentemente publicado
(Lima dos Santos e Oleiro, 2005) e que tem vindo a ser
actualizado (Soares Neves e Alves dos Santos, 2006). À
data foram ideniicados 680 registos de museus, tendo
sido recolhidas 530 respostas válidas na invesigação.
Este primeiro estudo resultou na assinatura de um
protocolo conjunto (Insituto Nacional de Estaísica,
Insituto Português de Museus e Observatório das
Acividades Culturais), para a criação de uma Base de
Dados dos Museus (Soares Neves e Alves dos Santos,
2006).
Em face dos dados disponíveis, o número de
museus a funcionar em 31 de Dezembro de 2005 era
de 1.018, o que representa um acréscimo de 40% em
relação a 1999. Salienta-se uma tendência crescente
para a apresentação de novos projectos de criação
de museus, tendo sido ideniicados 326 em 2005
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 51

(o que representa 153% de crescimento em relação


aos números de 2000), sendo a administração local a
grande responsável por estes novos projectos, e pela
declaração de intenções de criação de mais museus
(Soares Neves e Alves dos Santos, 2006).
Os vários estudos consultados referem que um
número cada vez maior de enidades museológicas
procedem ao registo do seu número de visitantes
anuais, contudo, em face da disparidade do número
de museus que anualmente respondem ao INE, é diícil
estabelecer uma evolução das entradas de visitantes
nos museus portugueses, apontando a análise do
Observatório das Acividades Culturais e do Insituto
Português de Museus publicada em 2005 para uma
evolução posiiva entre 2000 e 2002 (em 2002, cerca de
13.609 milhões de visitantes, dos quais cerca de 16,5%
visitantes escolares) (Lima dos Santos e Oleiro, 2005).
Dos cerca de 1000 “museus” existentes em Portugal,
(que incluem colecções visitáveis, monumentos, síios
ou até outras situações) apenas 119 museus integram a
Rede Portuguesa dos Museus (RPM). Neste momento a
RPM7 tem em processo de avaliação a credenciação de
53 museus (na sua maioria de tutela municipal), sendo
que a RPM passou a integrar os Palácios Nacionais no
seu âmbito, pelo que à data desta publicação integra um
total de 125 museus e palácios.
Numa análise dos visitantes nos museus do IMC
nos úlimos 12 anos veriica-se alguma oscilação nos
resultados anuais. O ano de 2004 foi o pior ano em
termos de números de visitantes nos úlimos 12 anos
(918,208 visitantes), retomando em 2006 a tendência de
subida da procura nos museus da tutela. No ano de 2008
assiste-se a um ligeiro decréscimo face aos números do
ano anterior (1.243.051 visitantes em 2007 e 1.218.718
em 2008, o que representa -2%) (IMC, 1997-2009). Se
pensarmos que em 1996, segundo dados do INE, Portugal
recebeu 9.730,2 milhões de turistas residentes no
estrangeiro, e em 2007 esse número ascendeu a 12.320,8
milhões de turistas residentes no estrangeiro (e 11.411,4
excursionistas), sendo que 18% a 20% dos visitantes dos
museus são grupos escolares, é fácil perceber que muitos
destes turistas e excursionistas não visitam qualquer
museu nas suas deslocações (INE, 2008).
No conjunto dos 12 anos, o total de visitantes
apresenta uma variação relaiva posiiva de 13,8%,
7
A Lei-quadro dos museus (2006) insituiu o processo de credenciação para o
reconhecimento da qualidade técnica do museu (Arigo 110º), quanto à adesão à RPM
é voluntária e pressupõe a resposta a um processo de candidatura, de acordo com o
Despacho Normaivo n.º3/2006 de 25 de Janeiro.
52 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

mas que 2008 conheceu uma redução no número de


visitantes, que estará associada à quebra generalizada
no número de visitantes no mês de Maio de 2008 (-8%
que em 2007). A parir da análise de conjunto dos
números de visitantes dos museus do IMC entre 1997
e 2009, também merece relexão o comportamento dos
números no mês de Maio – mês do “Dia internacional
dos Museus” e da “Noite dos Museus” – e do mês de
Agosto, que sendo os meses que conseguem reunir maior
número de visitantes, apresentam um comportamento
muito estável ao longo dos anos, registando pequenas
lutuações. Os meses de Janeiro e de Dezembro foram
quase sempre, ao longo destes 12 anos, os meses de
menor aluência de visitantes (IMC, 1997-2009).
Estes são os resultados do IMC, mas não se conhe-
cem os do conjunto dos museus da RPM. A análise do
Insituto Nacional de Estaísica aponta para um número
de grupos escolares equilibrado entre 2000 e 2006 (va-
riando estes grupos entre 18 e 20% dos visitantes totais;
e registando em 2006, para os 291 museus que respon-
deram ao inquérito, um total de 10,3 milhões de visitan-
te, 17% dos quais visitas escolares) (INE, 2001-2008). Se
é verdade que um aumento dos números de visitantes
não tem que estar associado a uma diversidade dos pú-
blicos, também é verdade que não existem outros in-
dicadores disponíveis que possibilitem comparabilidade
de resultados ou outro ipo de análise.

Nos museus do IMC em 2007, o número de


visitantes estrangeiros representou 37% do total dos
seus visitantes, registando-se 783.780 mil visitantes
nacionais (63%) (IMC, 2008). Ao analisar o gráico
evoluivo – Fig.1 - constata-se que já exisiu um
maior equilíbrio entre os visitantes estrangeiros e

Figura 1 Gráico da evolução dos visitantes estrangeiros e nacionais nos


museus do IMC (2001-2007) - Fonte: IMC, 2000-2008
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 53

nacionais nestes museus, tendo o aumento do total


de visitantes nos úlimos anos acontecido por via de
um crescimento nos números dos visitantes nacionais.
Em 2003, os visitantes estrangeiros representaram
45,4% dos visitantes totais dos museus do IMC (IMC,
2008). Outra análise possível é a da quase estabilidade
no número de visitantes estrangeiros ao longo dos
sete anos analisados, com quebras em 2003 e 2004,
mas registando em 2007 um número de visitantes
estrangeiros muito próximo daquele do início do
século.
Passando da análise dos números de visitantes
para o contexto de visita ao museu, reira-se que se
veriicou que, de uma forma geral, a interpretação e a
comunicação com o visitante do museu encontram-se
muito centradas nas folhas de sala, na legendagem e
nos painéis interpretaivos. Em muitos casos assiste-se
à necessidade na renovação de brochuras e a uma fraca
edição de catálogos sobre as exposições.
Outra questão interessante foi a percepção que
um conjunto elevado de aspectos materiais que surgem
em toda a bibliograia de referência de avaliação
dos serviços dos museus mas que, pelo facto de não
exisirem disponíveis de uma maneira generalizada
nos museus portugueses, geraram um elevado número
de não respostas nesses itens (a interpretação muli-
sensorial ou as formas de apresentação da colecção
e dos objectos mais interacivas). O markeing nestes
museus tem-se restringido a acções de promoção e
difusão, ainda que possam estar a emergir novos olhares
sobre os instrumentos e técnicas que o markeing
disponibiliza.
Ideniicaram-se os seguintes factores posiivos
e negaivos relaivos aos museus portugueses a parir
dos estudos disponíveis sobre as práicas de lazer e
culturais dos portugueses, mas também do trabalho
desenvolvido8:

Os museus devem repensar a sua relação com os


seus visitantes; é necessário que o museu se envolva
com os visitantes, em relações profundas, com
signiicado, que também tragam valor para os museus e
para a sua acividade. Mas não só com os visitantes tem
que ser repensadas as suas relações, mas também com
8
Para os resultados que se apresentam, serviu de base a análise da informação
secundária recolhida e parte do trabalho empírico desenvolvido no âmbito das
entrevistas e da mesa redonda “Diálogos entre Museus e Turismo” (21 de Maio de
2008) e da observação paricipante promovida, no âmbito das visitas efectuadas
aos museus, mas também as conversas informais conduzidas com especialistas dos
domínios dos museus e do turismo.
54 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Factores Negativos Factores Positivos


- Estudos sobre as práicas culturais dos portugueses - Tendência crescente para a apresentação de
demonstram que a visita a museus é uma das práicas de lazer novos projectos de criação de museus.
com menor frequência. - Criação da Rede Portuguesa de Museus/
- Elevado peso da tutela pública: 60% dos museus pertencem à Inquérito aos Museus/Base de dados dos Museus.
administração pública e nestes 40% são da administração local. - Esforço de requaliicação museológica.
- Ausência de visão estratégica, que se confunde com a missão
- Redução do número de concelhos sem museu
do museu enquanto insituição cultural e social. e esbaimento da predominância geográica dos
- Enquadramento legal visto como entrave à inovação, museus na Região de Lisboa e Vale do Tejo.
sobretudo ao nível das carreiras. - Exposições temporárias surgem como
- Perda da especiicidade das colecções pela integração oportunidades de captação e alargamento de
de acervos com diiculdades de deinição do seu corpo públicos, e como instrumento de promoção.
predominante (derivado sobretudo do alargamento do conceito - Crescente interesse pela museologia e
de património). museograia.
- Ausência de estratégia de comunicação e de promoção - Projectos de invesigação que reúnem parcerias
(recursos que surgem enquadrados como despesa onde interessantes: OAC, INE, IPM.
retraem invesimento em tempos diíceis).
- Novos eventos: Comemorações do “Dia
- Ausência de hábitos de monitorização e de avaliação das Internacional dos Museus” e “Noite dos Museus”
acções e dos projectos desenvolvidos (excepção introdução da tem vindo a funcionar com grande êxito.
CAF no Museu do Trabalho em Setúbal).
- Roteiro dos Museus (120 museus da RPM).
- Insuiciente abordagem centrada no visitante; a saisfação
é encontrada (ou procurada) pelo indivíduo parindo-se do - Algumas oportunidades para o sector podem
pressuposto que é inerente às moivações de visita ao museu. resultar da dinâmica de crescimento dos museus.

- Insuiciência de recursos informáicos. - Nova Lei Quadro dos Museus e regime


de credenciação pela Rede Portuguesa de
- Cerca de 52% dos museus nacionais não possuem serviço Museus tornam mais rigorosas as condições
educaivo organizado (num total de 591 museus em 2002). de funcionamento e qualiicação dos museus
- As formas de comunicação do museu com diferentes públicos portugueses (existentes e novos).
são deicitárias. Muitos não possuem serviço de acolhimento ou - Novas oportunidades de desenvolvimento de
até folheto desdobrável. audiência a ser testadas – sobretudo através
- As visitas guiadas exigem em quase todos uma reserva de eventos: “5as à noite no museu” (iniciaiva
antecipada e são sobretudo para públicos escolares. inaugurada em 2008 pelo IMC).
- Ausência de uma visão integrada para os serviços de apoio ao - Introdução recente da possibilidade de gestão
visitante no museu. directa nas receitas de acções educaivas, cedência
- Aumento do número de museus fechados que se atribuem a: de espaços ou mecenato, para acividades do
mau estado das infra-estruturas; desaparecimento da tutela; museu pelos directores dos museus do IMC.
processos de reorganização do sector dos museus por parte - Iniciaivas de formação para os agentes do
das tutelas (fusões de unidades museológicas, alterações turismo: cursos promovidos pela Gulbenkian para
das funções do espaço até então consagrado à colecção, os Guias intérpretes e proissionais do turismo em
redistribuição dos acervos, entre outros). torno das suas colecções.
- Alguma diiculdade em garanir de forma coninuada os
requisitos exigidos pelo processo de qualiicação como
museu, pela Lei-quadro dos Museus Portugueses (nos museus
municipais).
- Falta de propostas integradoras de outros agentes ou
equipamentos locais e regionais (podem ser propostas
conjuntas de programação ou de visitação).
- No caso especíico do visitante estrangeiro assiste-se em
número elevado de situações a quase um evitar de contacto,
que se percebeu estar muito associado às barreiras linguísicas
e à falta de competências neste domínio, mas também nas áreas
de atendimento, prestação de serviços e apoio ao visitante.
Quadro 1 Factores negaivos e posiivos da análise secundária dos museus portuguesesFonte: Autora, 2009 (a parir de; Fortuna, 1995
e 2000; Garcia, 2003; Lima dos Santos e Oleiro, 2005; Novais, 1997; Santos, 2008; Serra, 2007; Soares Neves e Alves dos Santos, 2001 e
2006). Fonte: Autora, 2009 (a parir de; Fortuna, 1995 e 2000; Garcia, 2003; Lima dos Santos e Oleiro, 2005; Novais, 1997; Santos, 2008; Serra, 2007; Soares
Neves e Alves dos Santos, 2001 e 2006).
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 55

a sociedade em geral. O museu sozinho não sobrevive,


e o trabalho em rede dos museus é tão importante
quanto a cooperação com outras enidades, como é o
caso do turismo. Um maior diálogo e cooperação entre
estes dois sectores – museus e turismo – traz beneícios
para o desenvolvimento de estratégias associadas ao
turismo cultural.
As acividades comerciais são com frequência
encaradas de uma forma negaiva pelos responsáveis
dos museus, perdurando um senimento de “venda”
do “produto” museológico. A discussão entre o museu
como espaço cultural e educaivo e o museu como
espaço de diversão permanece como questão envolta
de alguma conlitualidade. Assume-se largamente uma
gestão orientada para uma audiência dos museus de um
só ipo, quando temos vários públicos no museu, com
moivações diferenciadas e à procura de experiências
diferentes. A localização, o horário, os espaços na
internet, a comunicação, a mediação, a interpretação,
a políica de preços, a sinaléica direccional até chegar
ao local, os serviços complementares no museu, a
programação, são alguns dos aspectos que merecem
relexão na invesigação associada a este trabalho.
Todavia, a dimensão económica tem vindo a assumir
uma importância crescente nas tomadas de decisão
dos museus e dos seus responsáveis. Aos curadores e
gestores da actualidade exigem-se novas competências
que incluem: gestão e análise de projectos; gestão
inanceira; gestão da informação; que deverão integrar
propostas coninuadas de formação com vista ao
desenvolvimento proissional destas competências
(Boylan, 2006; Semedo, 2003 e 2004; entre outros).
Existem vários meios disponíveis que possibilitam
conciliar a acção dos museus, com a sobrevivência
inanceira e uma melhor resposta às necessidades
dos seus visitantes, mas os museus parecem trabalhar
excessivamente de forma isolada. A produção de
eventos e a introdução de novas tecnologias são as
formas mais uilizadas para a integração das novas
aitudes na sua gestão. Schuster propõe um modelo de
gestão híbrido, isto é, a integração de um modelo misto
de responsabilidades entre o sector público e o sector
privado, encontrando cada museu, o modelo mais
adequado à sua realidade. Francine Lelièvre, Directora
do Museu de Arqueologia e História de Montreal,
enuncia como medidas para encontrar novos modelos
de inanciamento: ajustamentos na políica de preços
do museu; desenvolvimento de acividades comerciais;
56 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

desenvolvimento de produtos derivados (reproduções,


posters, postais, CD-Rom, publicações); introdução de
novas fontes de receitas (restaurantes, aluguer de salas,
espectáculos); inserção em redes (redes de parilha de
recursos, de invesigação, de promoção e de markeing),
que podem ser exclusivas de museus ou integrar outros
equipamentos e agentes, como os do turismo; parcerias
entre empresas e museus (patrocínios de exposições,
acções de promoção conjuntas); acções mecenáicas
(promover a divulgação do mecenato em Portugal é
essencial) (Lelièvre, 1996).
No trabalho que se desenvolveu ilustram-se e sis-
temaizam-se práicas e iniciaivas introduzidas na reor-
ganização dos museus e na sua aproximação ao turismo
(alguns exemplos: o “Programa para a Qualiicação dos
Museus para o Turismo” do Governo Brasileiro, 2008;
a rede de promoção e markeing dos museus da Nor-
th East Regional Hub, 2003; o programa de promoção e
desenvolvimento do turismo cultural da cidade de Wa-
shington sob o slogan: “Warm up to a museum”, 2007;
mas também o grupo informal de relexão e acção mu-
seológica que dá pelo nome de “Rede Regional de Mu-
seus do Algarve”, criado em 2007).
A monitorização dos visitantes nos museus é uma
das medidas mais implementadas a nível internacional
e para o conhecimento dos seus públicos, mas também
a adopção do modelo de experiência interaciva
(Interacive Experience Model), que pressupõe cuidados
acrescidos com elementos como o contexto ísico –
espaços para descansar/sentar; legendagem e percurso
(iinerário) (Falk e Dierking, 1992) são propostas a
considerar.
Reconhece-se a necessidade de introdução
de melhorias conínuas nos aspectos materiais do
museu e da sua exposição. Apesar de se airmar que
se veriicou uma diversiicação das audiências dos
museus, parece coninuar a assisir-se, a um crescente
número de pessoas que não vão a museus. Os museus
competem hoje com outras ofertas de lazer para
manter os seus visitantes e devem desenvolver esforços
junto da comunidade sem hábitos de visita ao museu.
Por exemplo, os programas para a comunidade são
sobretudo programas inclusivos, dirigidos a grupos
da comunidade com problemas de exclusão social e
a grupos minoritários. Outros incluem a comunidade
e, maioritariamente, os jovens e os idosos. No oposto
aparecem os eventos de carácter mais mediáico e com
um posicionamento generalista.
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 57

Nas áreas principais de relação entre os museus e o


turismo ideniicaram-se: a localização (e acessibilidade);
a sinaléica direccional; o horário; a políica de preços; o
espólio; a comunicação, a mediação e a interpretação;
o modelo de gestão; a cooperação; e a comunidade.
A nossa sugestão em relação a estes domínios é que
exista uma relação de cooperação interdepartamental,
o que signiica a deinição de estratégias conjuntas ou
até a reorganização de serviços que tenham a ver com
markeing e comunicação, programação educaiva e
pedagógica, e estudos de visitantes (internacionalmente,
em alguns museus assiste-se a uma fusão de serviços
e departamentos nestas áreas, integrando-se estes
serviços num só departamento designado por Visitor
Services).
Em geral estes aspectos são pouco valorizados
nos museus estudados, baseando-se os percursos em
propostas uniicadoras de visita, ou pelo contrário,
deixando o percurso ao livre arbítrio do visitante. A
invesigação desenvolvida também se deparou com
uma informação apresentada de forma pouco apelaiva
e muito baseada na visão e em alguns casos na audição,
sem que exista a introdução efeciva da interacividade
ou de oportunidades de apelo mulissensorial.
Ressalve-se que existe uma grande disparidade de
casos observados. Por exemplo, as visitas guiadas são
pouco uilizadas como forma de interacção social e de
diferenciação das propostas de visita ao museu, apesar
de terem um grande potencial de lexibilização.
A monitorização e a invesigação sobre as audiências
dos museus são necessidades prementes, pois a
invesigação fornece informação que pode ser essencial
para a introdução de novas orientações estratégicas
na gestão dos museus (veja-se o caso do Visitor
Atracions Monitor, criado em 1999 na Escócia, Lennon
e Graham, 2001). O estado da invesigação associada
aos chamados “visitor studies” em Portugal revelou-se
um constrangimento a esta relexão e infelizmente nem
sempre o apoio inicialmente demonstrado à proposta
de invesigação se concreizou nas fases posteriores da
invesigação de campo.
O turismo pode dar contributos válidos para a
captação de novos públicos, para a valorização das
idenidades locais, para o inanciamento de novos
projectos museológicos e acividades, bem como, para
as acividades de conservação e restauro, mas também
para a revitalização de acividades tradicionais, para a
compeiividade e a airmação dos desinos turísicos,
58 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

para a interacção, experimentação e transformação


interpessoal e, por úlimo, para a formação de
comunidades próximas dos seus recursos e dos seus
territórios. A parilha de conhecimento entre os museus
e o turismo é um elemento crucial para estabelecer a
coniança e a compreensão entre os dois sectores. As
redes e as parceiras emergem como formas privilegiadas
de relacionar os recursos e os equipamentos de um
território de forma a conceber propostas inovadoras e
atracivas para diferentes públicos.

CONCLUSÃO
Esta análise empírica reveste-se de um âmbito geral
sobre a temáica. Os resultados e a relexão desenvolvida
apontarão algumas propostas de valorização e
estreitamento da relação que se estabelece entre os
museus e o turismo em Portugal1.
As sociedades – tal como todos nós – têm
necessidades diversas e a receita de equilíbrio entre
as dimensões dos museus, do território e do turismo,
podem não ter uma resposta comum. Os museus ainda
que parilhem de uma imagem de marca comum –
insituições de presígio e grande valor simbólico -,
variam em diferentes aspectos, tais como o tamanho,
a natureza das suas colecções, o ediício onde estão
localizados, em recursos humanos e técnicos, o ipo
de gestão e, principalmente, em orçamento, e as suas
colecções baseiam-se em regra na cultura material das
suas comunidades, pelo que, diicilmente qualquer
teoria de markeing pode ser transversalmente aplicada,
na medida em que o museu se insere numa comunidade
e num território único, com os quais tem que dialogar
para construir os seus signiicados, pois só assim se
poderá consituir como um museu de referência e uma
atracção turísica.
Os museus enfrentam assim vários desaios, que
estão associados à adopção de uma gestão estratégica
mais orientada para o mercado, para o visitante e para
as suas necessidades, para manter a sua viabilidade
inanceira, e em simultâneo cumprir com a sua função
social, de insituições públicas. Porém, veriica-se
que existe um conhecimento muito incipiente do uso
potencial dos museus pelo turismo, e vice-versa.
Ao turismo exige-se a cooperação e um
planeamento da uilização e da valorização dos recursos
de forma integrada de um território. Do museu espera-
se que, como qualquer insituição ou empresa, que seja
dinâmico e se adapte e antecipe as novas exigências. À
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 59

direcção dos museus exige-se hoje polivalência, uma


abordagem holísica das questões museológicas, mas
também a deinição de uma visão e uma liderança forte.
Os museus devem reavaliar as histórias que estão
a contar, os papéis que os objectos possuem nessas
histórias e porque estão a contar essas histórias.
Uma questão que se reconhece entre a maioria dos
invesigadores nestes domínios e sobretudo ao nível da
gestão e do markeing aplicados aos museus, prende-
se com alguma resistência à mudança e às diiculdades
de introdução de novos procedimentos. O planeamento
estratégico, a segmentação, o markeing, são questões
que ainda não conseguiram penetrar nas lógicas de
funcionamento da maioria dos museus. Para os museus,
o turismo apresenta-se como uma oportunidade
desconhecida.
Os museus portugueses não fogem à realidade
internacional encontrada nos estudos consultados,
e que os problemas que se colocam aos museus
portugueses parecem ir ao encontro das discussões que
têm vindo a acontecer um pouco por toda a Europa.
Veriica-se, no entanto, que os estudos de públicos
em Portugal, têm assumido um carácter pontual, e
que a preocupação dos serviços educaivos está muito
centrada nos públicos infanto-juvenis.
A relação entre o turismo e a gestão do património
cultural tem sido ipiicada como uma compeição pelo
uso do mesmo recurso, pelo que muito centrada nos
compromissos relaivos aos valores da conservação
por parte do turismo. Como dizia um dos directores de
um dos museus do Algarve, esta relação “já é melhor,
mas ainda não é de todo uma relação muito aberta e
directa.”.
Em regra, as propostas que se baseiam numa
análise de comportamento do visitante/consumidor
são recusadas pelos museus, pois ideniicam esta
abordagem como de mercado. Uma abordagem que
perspeciva o visitante do museu como central não
deve ser vista como negaiva e será inevitável, pois as
forças externas ao museu exigem este repensar das
insituições museológicas.
O museu é um espaço dinâmico e mulifuncional,
integra vários objectos e vários espaços ísicos, que
possibilitam o desenvolvimento de diferentes ipos e
níveis de interacção entre as pessoas e a sua colecção,
e assim possibilita um trabalho diferenciado junto
de públicos diversos, o que pressupõe um aumento
da invesigação aplicada a esses diferentes públicos
60 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

e a esses diferentes contextos. No caso paricular do


turismo, e dos turistas, signiica a implementação
de um sistema de monitorização e de avaliação
das experiências turísicas e culturais com base em
diferentes técnicas de invesigação, mas também a
necessidade de instrumentos de planeamento e de
estratégias integradas, que dêem lugar a visitantes
saisfeitos, enriquecidos e envolvidos com as mensagens
do museu.
Black (2005) fala-nos em “museu envolvente”,
Casey (2003) refere-se ao museu como “agente”,
Moscardo caracteriza o que deve ser o museu
memorável (mindful) (1996); seja qual for a designação
ica claro que o visitante assume uma nova importância
no museu da actualidade. Neste processo de mudança
o markeing surge como um instrumento essencial,
mas não deve ser confundido com vendas, mas sim
perspecivado como capaz de estabelecer a melhor
relação entre o museu e os seus públicos (internos e
externos).
Novos desígnios exigem que o museu no futuro
procure transformar os seus visitantes em paricipantes,
e que em vez de apresentar objectos de reconhecido
valor auráico, seja capaz de se tornar num agente
facilitador de experiências memoráveis. No caso do
turismo, esta capacidade introduz também necessidades
especíicas.
Como convicção inal e principal da invesigação
que se está a desenvolver ica a perspeciva de um
museu inserido no território, aberto a parcerias com
outros equipamentos e agentes, para consituir novas
oportunidades de lazer, empenhado em conhecer os seus
públicos e em ser pró-acivo na sua acção, procurando
antecipar as mutações da sociedade e apostando na
criaividade dos seus acivos. O reconhecimento da
necessidade de mudança dos museus e da sua acção já
se iniciou, falta agora agir. Para o efeito é fundamental
ouvir o visitante.
ALEXANDRA GONÇALVES A EXPERIÊNCIA TURÍSTICA E OS MUSEUS A SUL 61

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Notas:
1
Também se desenvolveu um “Quesionário ao Visitante” para o qual foi solicitado o apoio a várias enidades e associações na aplicação, no
entanto, não se conseguiu concreizar nenhum apoio para além do esforço individual de cada museu. O inquérito decorreu em quatro idiomas para
além do Português (Inglês, Castelhano, Alemão e Francês), em 21 dos 32 museus, e estabeleceu-se como período de aplicação os meses de Julho a
Setembro de 2008. Os resultados da invesigação de campo demonstraram-se saisfatórios e serão apresentados oportunamente.

2
A bibliograia apresentada não se esgota nas referências bibliográicas deste documento, mas alarga-se a outros documentos que serviram
de base à conceptualização teórica da invesigação subjacente a este arigo. Outros documentos e referências foram incluídos e discuidos na
dissertação.
Porimão - O desaio museológico entre
turismo e património
José Gameiro I Ana Ramos

(…) Todo o litoral algarvio radiante de claridade, doirado


pelo sol, rendilhado de espuma alvacenta, é um poema de
beleza divina, cenário imponente e inconfundível, onde a cor
e a luz se combinam em magistrais sinfonias.
(Almanaque do Algarve, 1948)

Muitos foram os escritores e os géneros literários


que, tendo como um dos seus expoentes máximos
Manuel Teixeira Gomes, exaltaram as belezas do
Algarve e da sua costa, deixando antever grandes
potencialidades turísicas para este desino.
Não obstante, apesar da sua posição geográica,
atraivos paisagísicos e recursos naturais, o fenómeno
turísico consumou-se tardiamente nesta região face ao
resto do país.
Com um passado relacionado com o mar e as trocas
comerciais de produtos rurais e maríimos foi deste
modo que, do ponto de vista histórico, o Algarve travou
os primeiros contactos com outros povos, sobretudo
romanos e árabes que por aqui passaram e se ixaram,
moivados sobretudo pelos interesses comerciais
resultantes do aproveitamento dos seus recursos.
O mar e o seu peixe foram desde logo um
importante chamariz, veriicando-se por exemplo,
a parir da segunda metade do século XIX e início do
século XX, a vinda de espanhóis, franceses, italianos
e gregos a Portugal, para darem início a uma outra
importante fase de desenvolvimento económico-social
relacionada com o surgimento da indústria conserveira,
sobressaindo o Algarve como um desino preferencial e
no qual Porimão desempenharia um importante papel.
E se era notória e reconhecida a airmação cres-
cente da faceta industrial e maríima da região algarvia,
66 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

em paricular no seu litoral nos inais do século XIX, do


ponto de vista do turismo ocupava nessa época um dos
úlimos escalões dentro dos chamados atraivos nacio-
nais, permanecendo praicamente desconhecida relai-
vamente ao turismo internacional, numa altura em que,
na Europa, a burguesia aderia ao turismo mediterrânico.
Por outro lado, a praia não estaria ainda associada
aos rituais balneares e consituía sobretudo um local
de passeio, de contemplação e de exaltação da beleza
natural por onde, ao longo desse século, passavam
sobretudo alguns viajantes que registariam aspectos
relacionados com a amenidade do clima, as ocorrências
e peripécias das viagens, bem como alguns usos e
costumes dos seus habitantes.
Para além desta faceta mais contemplaiva a praia
começava, também nesta altura, por se consituir como
um local com propriedades terapêuicas e curaivas,
mais propícias a práicas higienistas.
No entanto, este hábito seria inicialmente apanágio
das elites e, no que diz respeito ao Algarve, suplantado
pelas termas de Monchique para onde se dirigiam
doentes nacionais e estrangeiros, encantados também
pela paisagem montanhosa e a vegetação intensa que
lhe valeu o ítulo de “Sintra Algarvia”.
Elogiavam-se as suas águas, cujas ações
terapêuicas eram eicazes contra o reumaismo,
doenças de pele, estômago e intesinos.
De resto, os passeios à costa e às praias locais
seriam empreendidos sobretudo por algarvios e
alentejanos, mais de fronteira com o Algarve, uma
vez que um dos moivos que ditou o lento arranque
no desenvolvimento turísico regional assentou nas
diiculdades de deslocação, devido à inexistência de
boas vias de comunicação, à pobreza de transportes e
à reduzida qualidade e quanidade da oferta hoteleira.
O “reino dos Algarves” maninha-se à parte do
restante país e despertava pouco interesse à Coroa e à
sociedade portuguesa em geral.
Tida como terra de pescadores, a opinião geral era
a de que a região primava pela inexistência de paisagens
imponentes ou de monumentos importantes, pois o
que exisia era considerado de grande pobreza arísica.
K. Albrecht Haupt e Estácio da Veiga entre outros,
registaram e ideniicaram importantes vesígios
históricos e arqueológicos de monumentos algarvios,
mas a sua dimensão, avançado estado de abandono
e falta de recuperação, não permiiu que viessem a
consituir um moivo de admiração para os turistas.
JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS PORTIMÃO - O DESAFIO MUSEOLÓGICO ENTRE TURISMO E PATRIMÓNIO 67

Mesmo o próprio mar algarvio, calmo e tépido, era


no início renegado pelas vagas toniicadoras de praias
como a Póvoa de Varzim ou Espinho.
Outra das representações que o Algarve gerava
para o restante país prendia-se também com os seus
habitantes e os seus costumes, sendo os algarvios idos
como “gente incivilizada e carrancuda”.
Autores como Aquilino Ribeiro e Raul Proença no
“Guia de Portugal”(1924), referem-se ao Algarve como
uma “região com gostos gastronómicos estranhos, com
festas soturnas e silenciosas”, acrescentando o úlimo
que a mulher algarvia não primava pela beleza e que o
povo era “mesquinho, interesseiro e pouco hospitaleiro”.

OS PRIMEIROS “TOURISTES”1 E O NASCIMENTO


DA “PRAIA DA ROCHA” COMO ESTÂNCIA BALNEAR
É na viragem para o século XX que chegam os
primeiros “touristes” e alguns veraneantes, acusando o
declínio dos hábitos termais.
Começam a deinir-se alguns potenciais desinos
balneares regionais, de onde se destacariam Monte
Gordo e a Praia da Rocha, a par também das primeiras
tentaivas de esboçar estratégias de divulgação destes e
de outros desinos a nível nacional.

Figura 1 Praia da Rocha, início do século XX

1
Denominação encontrada em alguma literatura da época reportando-se aos
primeiros visitantes. Este termo surgiu em França, no decurso dos vários incrementos
introduzidos pelo general De Gaulle relaivamente à democraização do fenómeno
turísico.
68 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Alguma imprensa regional como a Alma Algarvia,


publicações periódicas entre as quais o Almanaque do
Algarve ou a Revista Internacional e alguns registos
bibliográicos como as Cartas de um Viajor de João
Arruda (1908), ou o Manual do Viajante de Leonildo
Mendonça (1907), dão já conta dos principais desinos
turísicos e balneares do país.
Na Alma Algarvia relata-se a época balnear, os seus
aspectos e rituais quoidianos, geralmente com início
em Maio e encerramento em Outubro, enunciando
as famílias que chegavam ao Algarve, a sua origem e
a consituição de uma comunidade de elite nas praias
de eleição, entre as quais a Praia da Rocha, onde eram
alugadas casas e chalets.
A Praia da Rocha surge, neste contexto, como
uma das mais promissoras estâncias balneares do país,
pela beleza e qualidade da praia e pela amenidade
do clima, sendo comparada à Cote d’Azur e à Riviera
Francesa. Famílias de alentejanos, algarvios de terras
vizinhas, Lagos, Monchique, Faro, um ou outro lisboeta
e andaluzes movidos também pelos negócios, começam
a ocupar esta estância.
No entanto, apesar da procura que já se fazia
notar e à imagem do restante Algarve, o eixo Praia da
Rocha–Porimão debaia-se ainda com insuiciências e
limitações de vária ordem.
A falta de acessos era um dos principais moivos
de constrangimento da Vila Nova de Porimão que se
airmaria, nos inais do século XIX, como “o primeiro
centro de vida do Algarve” e o segundo porto comercial
depois de Vila Real de Santo António.
Embora já com estradas municipais que ligavam
todo o concelho, apenas em 1876 é inaugurada a ponte
rodoviária, dando desse modo coninuidade ao projecto
da estrada do litoral algarvio o qual, passando por
Porimão ligava Vila Real de Santo António a Lagos e,
somente em 1922, seria inaugurada a ponte ferroviária
sobre o rio Arade.
As incipientes condições de acolhimento de
potenciais visitantes, a falta de luz e água, a inexistência
de uma rede de esgotos, associada às más condições
de higiene e de alojamento também seriam fortes
condicionantes à capacidade da atracividade local.
Uma das prioridades passaria igualmente por
mudar a mentalidade da população local para alterar
os seus hábitos de vida, os quais primavam por parcos
cuidados de higiene e de saúde pública.
JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS PORTIMÃO - O DESAFIO MUSEOLÓGICO ENTRE TURISMO E PATRIMÓNIO 69

Nos inais do século XIX


começam a oferecer-se serviços de
alojamento e alimentação e exisiam
no centro da vila quatro hotéis: o
Hotel Francês, o Hotel Seromenho,
o Hotel Central e o Hotel Sansão.
A dois quilómetros de Pori-
mão, a Praia da Rocha acompanhava
este cenário. Consituída sobretudo
por chalets e quintas que progressi-
vamente começavam a ser alugados
na época balnear, exisia apenas um
hotel o Hotel Viola (1912), o qual no
Figura 2 Hotel Viola, 1912
entanto, reunia poucas condições
de acolhimento, pelo que era na vila
que as famílias encontravam aloja-
mento com mais facilidade.
À Praia da Rocha era também
apontada a falta de algumas infraes-
truturas, como o fornecimento de
água, o alcatroamento da avenida
principal, e a falta de atraivos como
um casino, animação musical e cam-
pos de golfe, entre outras.
No entanto, a crescente
procura desta estância tão afamada
pela sua beleza natural, moivou a
abertura de um posto de telégrafo, a
inauguração do Casino da Rocha em
1910 e a consituição de algumas
Comissões (de alojamento e Figura 3 Casino da Praia da Rocha

iinerários) em 1911, para a receção


aos “touristes”.
Este crescimento que coincide
com a passagem da Monarquia à
República, culmina com a realização
do I Congresso Regional Algarvio,
entre os dias 3 e 5 de Setembro de
1915, no Casino da Praia da Rocha,
uma das mais importantes airma-
ções do regionalismo republicano
do Algarve.
Dinamizado na sua génese, pe-
los algarvios António Teixeira Biker,
presidente do núcleo porimonense
da Sociedade de Propaganda de Por-
tugal e por Thomaz Cabreira, presi-
dente da Comissão Organizadora do
Figura 4 1.º Congresso Regional Algarvio 1915A
70 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Congresso, nele se pretendia analisar as condições e os


problemas gerais com que o Algarve se debaia, visando
igualmente potenciar o seu desenvolvimento, designa-
damente a promoção do turismo no Algarve.
Desde o clima, aos principais setores de aividade,
entre os quais as indústrias, a agricultura, os transportes,
a educação, a arte, a pesca, os portos e barras algarvias,
foram apresentadas 25 comunicações procurando
caracterizar a região, apresentar soluções e sublinhar as
suas mais-valias.
Entre estas analisaram-se também as áreas mais
carentes e os temas que então deveriam merecer mais
atenção, como seria o caso das “Zonas de Turismo”, por
Thomaz Cabreira, o qual propunha a criação de uma
“Estação de Turismo: Praia da Rocha – Monchique”
para irar parido das potencialidades e da invejável
proximidade entre o mar e a montanha, a comunicação
“Hoteis” de Raul Lino, onde aquele arquiteto apresentava
a sua ipologia de construção para um “Hotel Solar“,
como sendo o adequado ao litoral algarvio e um tema
apresentado por Manuel Emygdio da Silva, designado
“Kurtaxe”, sobre os “beneícios para o turismo da
região, resultantes da aplicação de uma taxa designada
por “imposto municipal”.
Este Congresso foi igualmente acompanhada por
um intenso programa aberto à população no qual,
para além da animação musical, arísica e desporiva,
contou com uma importante “Exposição de Produtos
Agrícolas e Industriais do Algarve”, cujos proprietários
e empresários atravessavam graves problemas de
exportação, em especial para a Alemanha, devido ao
diícil contexto da 1.ª Grande Guerra (1914-1918).
No entanto, do que foi discuido neste Congresso e
dos seus contributos infelizmente pouco se efecivou e
é mais tarde, do interior da própria elite porimonense,
entre os quais os industriais Cayetano Feu e Magalhães
Barros, que surgem iniciaivas como a Sociedade da Praia
da Rocha, com o objeivo de fomentar a construção de
algumas infaestruturas designadamente hotéis.
Mais tarde (1930) surge a Comissão de Iniciaiva
da Praia da Rocha, formada também por Cayetano Feu,
João Josino da Costa e José Simões Quintas.
É de realçar o papel de algumas das mais inluentes
Figura 5 Anúncio de espetáculo no Casino 2 de personalidades de Porimão no desenvolvimento
agosto 1925 da Praia da Rocha, onde se incluem Industriais,
proprietários, comerciantes locais e outros que,
vindos de fora, aí se ixaram a pretexto dos negócios e
interesses na localidade.
JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS PORTIMÃO - O DESAFIO MUSEOLÓGICO ENTRE TURISMO E PATRIMÓNIO 71

Foram eles os primeiros a construir ou a comprar


chalets na Praia da Rocha, para aí passar a época
balnear, contribuindo desse modo para impulsionar o
desenvolvimento desta estância.
Mas apesar destas tentaivas promocionais e
estruturantes, chega-se ao Estado Novo, sem grandes
melhorias ou transformações.
Com a criação do Secretariado Nacional de
Informação (SNI), organismo estatal promotor do
turismo e, à imagem da políica de um governo que
procurava o elogio de uma ruralidade moribunda e
temia o progresso e as novas mentalidades, rejeitava-se
a ideia de divulgar um Algarve balnear ou centrado na
amenidade do seu clima e na qualidade das suas praias.
Em vez disso, este organismo tentou exaltar um
outro ipo de belezas naturais, os supostos símbolos da
ruralidade e da “ipicidade” aí existente.
Surgiram representações como as amendoeiras Figura 6 Folheto promocional da Praia da Rocha
em lor, as casas caiadas, as chaminés algarvias, entre como Estância de Inverno

outras.
Neste contexto surgiu também uma nova forma de
turismo popular nacional, o excursionismo, muito ligado
à época das amendoeiras em lor, cuja imagem aliás foi
escolhida para o primeiro grande cartaz turísico do
Algarve.
A criação da Empresa de Viação do Algarve (EVA)
em 1933, possibilitou no ano seguinte, o início da
organização de excursões e iniciaivas em grupo, para
visitar o Algarve na época das amendoeiras loridas.
Sagres foi, neste contexto, alvo do turismo de
propaganda como ponto de parida histórico e mitológico
para a expansão maríima portuguesa, juntando-se
assim aos desinos “Praia da Rocha” e “Monchique”, que
consituiriam o “O brinquinho do Algarve”.
No entanto, apesar dos esforços do Estado Novo
para controlar o fenómeno turísico, promovendo uma
políica regionalista promotora do “rusicismo”, era
mesmo para as praias que se dirigiam os turistas.
A Praia da Rocha vai crescendo em fama e as
condições de acolhimento vão conhecendo melhorias.
A ligação a Porimão torna-se mais efeiva pois,
para além das famosas viagens de carrinha que
izeram a maravilha de muitos turistas e locais até aos
anos oitenta, a parir de 1936 surgem as carreiras de
autocarros.
Dá-se o alcatroamento da avenida principal, a
iluminação da mesma e a melhoria das instalações aí
existentes.
Figura 7 Folheto 1934
72 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

No início dos anos trinta melhora-se e amplia-


se o anigo Hotel Viola e surge no seu lugar o Grande
Hotel da Rocha (1932), a que se seguirá em 1936, a
inauguração do Hotel Bela Vista, aniga residência do
industrial António Magalhães Barros.
Este hotel, que manteve o romanismo presente
na construção e nos aspectos decoraivos dos seus
interiores do seu primiivo ediício, era muito procurado
por ingleses que, sobretudo no contexto da II Grande
Guerra e pós-Guerra, se transformam numa presença
assídua, geralmente nos meses de Setembro e Outubro.
Sobre este fenómeno comentou Pearce de
Azevedo, “(…) Chegam ao Algarve várias famílias de
cidadãos britânicos, que vão aumentando nos anos
que se seguiram e que consituem uma comunidade
estrangeira na Praia da Rocha. São reformados,
indivíduos na sua maioria das ex-colónias britânicas,
atraídos pelo clima do Algarve e que se alojam naquela
praia trazendo para ela o hábito do seu país (…)”.
(AZEVEDO cit. in PRISTA, 1991)
Com a crescente aluência de gentes às praias,
com diferentes culturas e comportamentos, os hábitos
balneares e mentalidades foram sofrendo inluências
e alterações. As praias que eram sobretudo espaços
maríimos, começaram a ter uma dupla demarcação,
agora associadas ao ócio e lazer.
E do “fazer praia” porque fazia bem à saúde,
progressivamente esta tornou-se um espaço recreaivo
onde as “modas”vindas do exterior, como o culto do
corpo e do bronzeado, foram ganhando espaço.
Tendo em especial atenção o regime conservador em
que Portugal se encontrava, surgiu toda uma regulamentação
própria para evitar o descontrole dos “novos tempos”.
Esta era diversiicada e abrangia diversas frentes,
desde a segurança e decoro dos banhistas, com rigorosos
detalhes sobre o ipo e dimensões da indumentária
permiida na praia, à repressão da mendicidade, à
exploração de negócios nos areais durante o Verão.
Até os uniformes das autoridades, as vestes dos
vendedores, o horário dos banhos, o uso de chapéus-
de-sol e os atributos dos nadadores salvadores foram
contemplados na extensa e minuciosa regulamentação
que incidiu sobre as praias.
A praia exigiu assim rigores de decência e vigilância
que, antes do turismo, pareciam não se jusiicar e que
subsisiriam mesmo em épocas de maior abertura.
Paralelamente, a praia tornava-se palco dos rituais,
hábitos e comportamentos dos seus ocupantes.
JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS PORTIMÃO - O DESAFIO MUSEOLÓGICO ENTRE TURISMO E PATRIMÓNIO 73

Neste espaço coexisiam as famílias de algarvios,


alentejanos, lisboetas, espanhóis que aqui faziam a sua
época balnear, alugando um toldo para os meses da
temporada que aqui passavam.
Frequentemente, era comum assisir-se, nesse
ritual de chegada à praia, a uma sequência que se iniciava
em geral com o grupo feminino, onde se integravam as
“senhoras” com as crianças e as “criadas” e, mais tarde
terminado o trabalho, com a chegada dos homens.
Pedro Prista (1991) refere que os algarvios citadinos
apareciam na praia em Julho e Agosto, enquanto aqueles
que trabalham na agricultura só o faziam em Setembro.
Os alentejanos por seu lado frequentavam diferentes
praias de acordo com o seu estatuto social: “(…) os pobres
iam para Quarteira, os remediados para Albufeira, os ricos
para Armação de Pêra e os inos para a Rocha”.
A par e passo com esta ocupação, ocorriam numa
outra esfera, as festas dos trabalhadores agrícolas, a de
S. João a 24 de Junho e a de S. Miguel a 29 de Setembro,
quando as pessoas de Monchique desciam à praia
para o piquenique e o banho, gerando um interessante
entrosamento entre locais e turistas.
Posteriormente, com a vinda crescente de turistas
estrangeiros, com as férias dos trabalhadores, entre
outros fatores, a ocupação da praia altera-se no senido
de uma maior democraização deixando desse modo de
ser o espaço eliista inicial.

A MASSIFICAÇÃO TURÍSTICA E A TRANSFORMAÇÃO


DO PARADIGMA ECONÓMICO-SOCIAL
Os anos 50 marcam, por assim dizer, o arranque
de um turismo a grande escala, mas é sobretudo nos
anos 60, com a inauguração do aeroporto de Faro que
se criam as condições para o fenómeno do turismo de
massas que conduziu também na Praia da Rocha e em
Alvor, a uma construção desenfreada de equipamentos
hoteleiros, tais como hotéis, restaurantes, e outros
espaços de lazer, coincidindo com o declínio das
aividades tradicionais e de indústrias, como os fumeiros
e as conservas.
O turismo e a construção civil a ele associada,
representavam igualmente uma solução para os
portugueses e imigrantes vindos das anigas colónias.
As aividades consideradas de índole “tradicional”
e as indústrias ligadas ao mar e ao campo entraram
em decadência acentuada pela falta de invesimento a
vários níveis, concorrência internacional, ausência de
adaptação a novas realidades económicas, políicas e
74 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

laborais e também porque os olhares dos invesidores


se viraram para o turismo.
Destas aividades, que durante décadas marcaram
pelos saberes e pelos fenómenos populares que
geraram, a idenidade própria das comunidades
locais, pouco foi valorizado pelos organismos oiciais,
autárquicos e turísicos, como parte integrante de um
património cultural especíico.
O turismo ia-se desenvolvendo à parte, como que
separado das restantes vivências históricas e sociais
do Município de Porimão e a sua poderosa inluência
junto dos decisores económicos e culturais foi sempre
incontornável.
A obtenção meramente quanitaiva de objeivos
de lazer, recreio ou de efémeras “experiências
folclóricas”, foram sendo sempre mais fortes do que
a sua apropriação como elementos portadores de
uma efeiva singularidade e um bom exemplo da
autenicidade das suas populações.
À erosão das falésias, originada pela densidade
da construção, assisia-se igualmente a uma erosão
cultural da memória, da história e do património,
pela ausência de aividades de fruição, educação,

Figura 8 Carrinha e Hotel Belavista, 1960


JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS PORTIMÃO - O DESAFIO MUSEOLÓGICO ENTRE TURISMO E PATRIMÓNIO 75

conservação e salvaguarda dos bens culturais móveis,


imóveis e imateriais.
O turismo de sol e praia impôs-se na região de
forma clara e na atualidade embora se contem com
ofertas como o turismo de golf e surja cada vez mais
uma oferta virada para valores como a natureza,
ecologia, mundo rural e inluência mediterrânica, é
o primeiro que coninua a moivar e movimentar um
maior número de visitantes tendo em conta a estratégia
e o planeamento anteriormente seguido e a sua forte e
histórica implantação.

O MUSEU DE PORTIMÃO COMO ELEMENTO


ESTRATÉGICO DO TURISMO CULTURAL
Entretanto, foram emergindo novos espaços de
sociabilidade, ordenaram-se as zonas ribeirinha de
Porimão e Alvor, surgiram equipamentos urbanos
coleivos, espaços culturais, desporivos e educaivos e
inaugurou-se em Maio de 2008, o Museu de Porimão,
consituindo-se desde logo como uma importante
tentaiva de equilibrar e fortalecer a oferta das opções
de fruição das raízes históricas, patrimoniais e idenitárias
das suas comunidades e igualmente como uma estrutura
aiva na ampliação e qualiicação de uma oferta cultural
complementar à própria realidade turísica.
Os museus desempenham um papel fundamental
enquanto lugares de invesimento social e cultural, de
representação simbólica e de interpretação histórica das
comunidades, assumindo-se como pólos potenciadores,
tanto das iniciaivas de descoberta das qualidades
representaivas das suas populações e do seu território,
como da oferta patrimonial e da diversidade dos
seus paricularismos culturais, portadores de efeiva
singularidade.
Neste contexto, os museus e a sua programação
devem insituir-se como locais dotados de uma
visão global capazes de trabalhar no cruzamento
da diversidade de expressões e variáveis sociais,
funcionando como refúgios idenitários seguros e
compensatórios, tanto ao nível das suas memórias
fundadoras, como das formulações mais atuais e
contemporâneas, relacionadas com o desenvolvimento
evoluivo das comunidades.
Devem igualmente espelhar o espaço e o tempo,
a cultura e a natureza, no senido de mais eicazmente
cumprirem o papel insubsituível de mediação, entre
as representações das suas comunidades e as dos seus
visitantes, estabelecendo-se como locais privilegiados
76 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

dessa permanente abertura e exposição pública, sempre


disponíveis ao olhar temporário dos “outros”.
Assim e também enquanto importantes recursos
e desinos de apropriação turísica, os museus
devem desenvolver estratégias autónomas e aivas
de comunicação, reciprocidade, trabalho em rede,
projetos e parcerias, entre si e com os diversos agentes,
setores económicos e estruturas turísicas, parilhando
audiências e públicos comuns.
Desde logo e prioritariamente, com os situados
na envolvente mais próxima da sua área de inluência
geográica e cultural, mas procurando igualmente
alcançar plataformas e escalas de contacto, visibilidade
e interação mais globais.
A “Carta de Princípios sobre os Museus e o Turismo
Cultural”, saída do Encontro “Museus, Património e
Turismo Cultural”, organizada pelo ICOM-Conselho
Internacional dos Museus, em Maio de 2000, nas
cidades de Trujillo (Peru) e La Paz (Bolívia), consitui
ainda hoje, um importante contributo para um melhor
e mais correcto enquadramento entre Museus, Turismo
e Cultura.
Desse documento, em síntese, destacam-se cinco
ideias chave, de extrema atualidade e aplicabilidade, na
relação entre o campo museológico e o turismo cultural:

Ariculação e envolvimento;
2- Salvaguarda e conservação;
Valorização da qualidade de vida;
Comunicação e reciprocidade;
Singularidade e representaividade;

Neste contexto, o Museu de Porimão assume-se


como um Museu de Sociedade, Idenidade e Território,
ao espelhar a evolução da matriz histórica, social e
cultural das comunidades presentes na sua área de
inluência e com ela interagindo.
Instalado na aniga fábrica de conservas de peixe
“Feu Hermanos”, datado de inais do século XIX,
situado junto à margem direita do rio Arade, o Museu
de Porimão assume-se como um observatório e um
laboratório em permanente mediação cultural, entre
a comunidade local e os seus visitantes, cujo programa
museológico assenta, basicamente, nos seguintes
quatro grandes objeivos:
JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS PORTIMÃO - O DESAFIO MUSEOLÓGICO ENTRE TURISMO E PATRIMÓNIO 77

a)- Reabilitação do património industrial e cultural

b)- Valorização da relação cidade, rio e mar

c)- Interpretação e reforço da evolução histórica,


territorial e social da comunidade

d)- Formação de novos públicos, potenciando e


desenvolvendo uma oferta cultural de qualidade

O Museu de Porimão revela-se assim como


um elemento âncora complementar de sinergias,
paricipando aivamente como elemento polarizador
e facilitador, do desenvolvimento de uma nova
atraividade na região, integrando-se naturalmente
como desino já consolidado na programação da oferta
turísica.
Como exemplo dessas sinergias, na procura de uma
maior proximidade e de uma adequação mais aiva,
entre a museologia e o turismo destacaríamos entre

Figura 9 Museu de Porimão


78 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

outras, no caso do Museu de Porimão, cinco iniciaivas


facilitadoras dessa mesma interação:

1 - Protocolos com Setores da Hotelaria e Similares


Realização de protocolos com unidades hoteleiras
e outros agentes de acolhimento turísico e similares,
visando a divulgação do Museu, enquanto desino
cultural de qualidade para as suas audiências e
clientes. Mais de 30 parcerias e acordos de cooperação
foram estabelecidas, compreendendo a divulgação do
Museu, exposições e materiais iinerantes, vouchers de
entrada, promoções especiais, patrocínio de aividades
e uilização dos espaços museológicos, como alguns dos
exemplos das soluções fornecidas.

2 - Gestão Integrada e Conjunta de Monumentos


Desenvolvimento de uma políica de valorização
dos aivos do património cultural, da sua envolvente
territorial, como bens imóveis e monumentos civis
religiosos e militares, síios históricos e arqueológicos,
localizados em Porimão, potenciando a organização
ariculada de rotas, percursos e circuitos turísicos,
direcionados para a interpretação histórica e idenitária
da comunidade.
É o caso do Centro de Acolhimento e Interpretação
dos Monumentos Megalíicos de Alcalar o qual ,
através de um protocolo de cooperação, entre a
Direcção Regional de Cultura do Algarve e o Município
de Porimão, passou a funcionar como “antena
museológica” do Museu de Porimão, permiindo uma
gestão cultural e uma dinamização pedagógica mais
ariculada e integrada.

3 - Parcerias com Visitas e Turismo de Grupos


O estabelecimento de parcerias efeivas com
enidades do Turismo Sénior e Social (INATEL), com
os agentes de navegação, de viagens e com alguns
dos operadores responsáveis pelo movimento e
comercialização dos cruzeiros, que acostam ao cais de
Porimão, de modo a incluir visitas ao Museu durante
a sua escala na cidade, através do planeamento e
organização logísica, incluída na programação cultural
dos navios de cruzeiro.
Atualmente, Porimão é o terceiro porto a nível
nacional que mais passageiros recebe, provenientes de
navios de cruzeiros (logo a seguir a Lisboa e Funchal),
reforçando assim, este segmento de turismo de
qualidade, o que atesta bem a importância deste setor
JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS PORTIMÃO - O DESAFIO MUSEOLÓGICO ENTRE TURISMO E PATRIMÓNIO 79

e deste porto, estrategicamente localizado entre o


Atlânico e o Mediterrâneo.

4 - Projeto “Ocean Revival-Parque Subaquáico de


Porimão”
Através de uma constante observação e aiva
procura de projetos que, do ponto de vista cultural,
cieníico e museológico, se podem tornar de
relevante interesse para o conhecimento e a fruição
das comunidades, quer a residente quer a turísica,
foi estabelecida uma ariculação entre o Museu e os
responsáveis do projeto do novo recife ariicial.
Construído a parir de quatro anigos navios de
guerra da Armada Portuguesa, afundados a 3 milhas da
zona costeira de Porimão, o projeto, designado “Ocean
Revival-Parque Subaquáico de Porimão “ pretende
assumir-se como um local único para mergulhadores e
turistas de todo o mundo e um lugar para o nascimento
de novas espécies de fauna e lora marinhas.
Depois de um contato direto com a associação
“Musubmar” responsável pelo projeto, foi acordado
que o Museu iria criar as condições museográicas para
uma exposição permanente sobre a história deste novo
recife.
Na galeria da aniga cisterna da fábrica de conservas
surgiu em 2014, uma sala em forma de “submarino”,
onde os visitantes podem seguir toda a evolução deste
projeto, nas suas diferentes fases.

5 - Horário especial de Verão


Flexibilidade e adaptação de horários diferenciados
e sua adequação aos luxos sazonais dos visitantes,
através da oferta anual de um horário especial de verão,
entre 1 e 31 de Agosto, das 15h00 às 23h00.

Desde a sua abertura em 2008 e a atribuição


entre outros, do presigiante prémio “Museu Conselho
da Europa” em 2010, o Museu assume-se como uma
mais valia no âmbito do turismo cultural (nacional e
internacional) e como uma estrutura que pretende
responder com lexibilidade, a novos desaios e
necessidades ao longo de todo o ano, contrariando
desse modo a inevitabilidade sazonal da região.
Estes são alguns dos desaios e caminhos de
proximidade que no caso do Museu de Porimão,
têm vindo a ser desenvolvidos, numa cooperação
consistente e num diálogo proícuo, visando a divulgação
e maximização das potencialidades culturais do museu,
80 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

da comunidade e do seu território, enquanto produtor


aivo de conteúdos e conhecimento, inserindo-se como
mais um elemento da permanente interação entre
turismo , cultura, património e museologia.

Figura 10 Museu de Porimão - Sala do Descabeço


JOSÉ GAMEIRO I ANA RAMOS PORTIMÃO - O DESAFIO MUSEOLÓGICO ENTRE TURISMO E PATRIMÓNIO 81

BIBLIOGRAFIA:

Almanaque do Algarve (1948) dir. e coord. de Fausto Gonçalves, Lisboa, Casa do Algarve.
I Congresso Regional Algarvio (1915), Teses, Lisboa.
PINA, Paulo, (1988), Portugal, O Turismo no século XX, Edições Lucidus, Lisboa.
RIBEIRO, Aquilino; PROENÇA, Raúl, (1924), Guia de Portugal, Lisboa.
PRISTA, Pedro Miguel, (1991), Turismo e Culturas Populares no Algarve, Lisboa, ISCTE.
FLORES, Adão, (1999) “O Turismo no Algarve na primeira metade do século”, in O Algarve -da
Aniguidade aos nossos dias, coord. Maria da Graça Maia Marques, Lisboa, Edições Colibri.
BOYLAN, Patrick, (1996), “L’ICOM a cinquante ans”, Museum, n.º 191, Paris, UNESCO.
GAMEIRO, José, (1998), Programa Museológico Preliminar, do Museu Municipal de Porimão,
Caderno de Encargos do Concurso Público, para a Elaboração do Estudo Prévio do Projecto, do Museu
Municipal de Porimão, C.M.P.
RIVIERE, G. H., (1989), La Museologie selon Georges Henri Riviére, Tours, Dunod.
SHAFERNICH, Sandra, (1993), On-Site Museum, Open-Air Museums, London, Buterworth.
UNESCO (1972), Resoluções adoptadas pela Mesa Redonda de Saniago do Chile, Saniago, ICOM.
Património Arqueológico e
Turismo na Região Algarvia
João Pedro Bernardes I António Fausino Carvalho

1. INTRODUÇÃO
Apesar do potencial histórico arqueológico do
Algarve, desde os primórdios da ocupação humana
do território, com o Paleolíico, até aos alvores da
nacionalidade, com a remodelação dos castelos e
síios islâmicos logo após o processo da Reconquista,
a promoção turísica do Algarve não tem ido em
devida conta estes recursos essenciais à diversiicação e
qualiicação do turismo regional. Este trabalho procura
chamar a atenção para aqueles recursos e respeivo
potencial, elencando e caracterizando de forma
muito sumária alguma da oferta turísica existente
em termos de Património Arqueológico. Não fazemos
um levantamento exausivo, mas tão só uma seleção
alargada de síios ou conjuntos de síios, que nos parece
ilustraiva da realidade geral (para a localização dos síios

Figura 1 Localização dos síios e conjuntos arqueológicos algarvios referidos em texto: 1- Alcouim; 2- Menires do Lavajo (Alcouim); 3-
Moninho das Laranjeiras (Alcouim); 4- Castelo de Castro Marim; 5- Santa Rita (Cacela); 6- Cerro do Castelo de Santa Justa (Alcouim);
7- Tavira; 8- Quinta do Marim (Olhão); 9- Milreu (Faro); 10- Quinta do Lago (Loulé); 11- Cerro da Vila (Loulé); 12- Salir (Loulé); 13-
Paderne (Albufeira); 14- Alcalar (Porimão); 15- Monte Molião (Lagos); 16- menires de Vila do Bispo.
84 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

mencionados, ver Fig. 1), reforçando a ideia de como


alguns síios arqueológicos e áreas naturais se poderiam
complementar, potenciar e qualiicar de forma conjunta
e ariculada. Não procedemos também a uma avaliação
ou balanço do impacto deste património no Turismo
algarvio por não ter sido nosso objeivo aceder a dados
quanitaivos.

2. O PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO ALGARVIO


E A SUA VALORIZAÇÃO TURÍSTICA: EXISTÊNCIAS E
POTENCIALIDADES

2.1. Património arqueológico pré-histórico


Por natureza, o património arqueológico de época
pré-histórica é frequentemente pouco monumental.
Acampamentos de caçadores paleolíicos, concheiros
mesolíicos ou abrigos de pastores neolíicos são de
musealização exigente e complexa, porque exigente
é a sua explicação se feita em termos rigorosos e
comumente entendíveis, sobretudo se se pretender
direcionada para o grande público não especialista.
Pode dizer-se que esta diiculdade se deve a um duplo
fator. Com efeito, nos exemplos referidos estamos a lidar
com sociedades exintas que iveram modos de vida
radicalmente disintos dos nossos e que elaboraram
culturas materiais — ou seja, os objetos que expomos
nos museus — que nada têm que ver com as nossas
experiências quoidianas no mundo atual. Trata-se, em
suma, de apresentar ao público objetos aparentemente
insigniicantes, tais como peças em pedra lascada
e, a parir da informação cieníica que elas nos
proporcionam, construir um discurso que descreva as
condições bioclimáicas que determinaram as diferentes
paisagens pré-históricas, a maior ou menor mobilidade
destes grupos humanos, a sua organização social e as
transformações culturais por que passaram. Ou, dito
de outro modo, trata-se de reconstruir o cenário e as
“histórias” humanas que nele iveram lugar. A estas
diiculdades inerentes ao próprio objeto de estudo,
há ainda que adicionar o imaginário popularizado do
“homem das cavernas”, que luta incessantemente
contra as violências da Natureza e dos outros homens
— os frios glaciares, as feras esfaimadas, os inimigos
canibais... — para conseguir garanir a sua simples
sobrevivência, imaginário que não é senão a perduração
de ideias (hoje preconceitos enraizados) herdadas das
primeiras interpretações, de meados da centúria de
oitocentos, sobre o mais remoto Passado humano.
JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO E TURISMO NA REGIÃO ALGARVIA 85

A região algarvia conta com inúmeros vesígios


dessas épocas remotas, os quais aliás integram as
grandes sínteses que se têm escrito sobre a Pré-História
de Portugal (p. ex., Cardoso 2002), dada a sua relevância
cieníica, por vezes verdadeiramente excecional.
Porém, um pouco à semelhança de muitas outras
regiões do País, no Algarve existem também vesígios
pré-históricos bem mais monumentais desse Passado:
os monumentos megalíicos e os povoados delimitados
por recintos de pedra ou fossos. Alguns têm sido objeto
de valorização mais ou menos sistemáica e coninuada,
outros encontram-se longe dos circuitos turísicos mais
frequentados, outros ainda estão desaproveitados mas
contêm um potencial incontornável. De uma amostra
deles teceremos de seguida curtas considerações.

Entre os monumentos ditos megalíicos — do


grego anigo “mega” (grande) e “lithos” (pedra) —
encontramos, na realidade, dois ipos: os menires e as
antas (ou dólmenes). De ambos há notáveis exemplares
no Algarve. Os primeiros são paricularmente frequentes
no Barlavento, onde se encontram inventariadas mais
de duas centenas (Gomes 1997)1 e que se consituem,
aliás, como uma das maiores concentrações em toda
a Península Ibérica. Ainda hoje objeto de alguma
controvérsia quanto à sua cronologia e signiicado
concretos, tem-se no entanto seguro que a sua maior
parte terá sido erguida no decorrer do período neolíico
(desde há cerca de sete mil anos) e que seriam lugares
de reunião para celebrações variadas relacionadas, quer
com os ciclos agrícolas e astrais (e, portanto, entendidos
como símbolos de ferilidade e locais de observação
astronómica), quer com estratégias de relacionamento
políico-social estabelecidas pelas comunidades agro-
pastoris que então habitariam a região. Os segundos
eram túmulos coleivos — deinham, portanto, como
função primeira o depósito dos restos mortais dos
antepassados — mas reúnem também todo o rol de
papéis sociais e simbólicos que reconhecemos nos
monumentos meníricos

O primeiro conjunto de menires a ser objeto de


valorização localiza-se no concelho de Vila do Bispo
(freguesia de Sagres). Sob a denominação de “Roteiro do
1
O úlimo inventário publicado data de inais do século passado, da autoria do autor
citado, que esimava então exisirem em toda a região algarvia mais de duas centenas
de menires, “alguns integrados em recintos ou em pequenos alinhamentos”, sendo
que se contabilizavam nessa data 219 exemplares, distribuídos da seguinte forma por
concelho: 121 em Vila do Bispo, 20 em Lagos, 9 em Porimão, 40 em Lagoa, 21 em
Silves, 5 em Loulé, 2 em Albufeira e 1 em Alcouim (Gomes 1997, p. 156-157).
86 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Figura 2 À esquerda: imagem de um dos menires fraturados e tombados que compõem o presumível cromeleque do Monte dos
Amantes, notando-se junto ao canto superior direito da fotograia, uma das placas sinalizadoras. À direita: levantamento da arte
insculturada no Menir 3 do conjunto do Lavajo (Cardoso et al. 2003, ig. 8, adaptada), onde se podem observar temas conhecidos em
monumentos similares do megaliismo alentejano, denunciando portanto inluências culturais dessa região.

Monte do Amantes”, reúne um conjunto de monólitos


fraturados (Fig. 2) que, pelo menos aparentemente,
formariam à época um cromeleque (ou seja, um
recinto delimitado por diversos menires) erigido numa
suave vertente virada ao Atlânico, no síio com aquele
topónimo. Este roteiro conta com um desdobrável
(disponível no website do município) que apresenta
diversas informações úteis: sugestões de iinerário,
condições de acesso, regras de proteção dos vesígios,
explicação do seu signiicado, apontamentos sobre a
lora local e outros pontos de interesse patrimonial, e
ainda um glossário. No próprio local foram colocados
painéis explicaivos em infraestruturas de madeira
e o percurso foi assinalado. Não sabemos — nem
provavelmente sabe o município, uma vez que as visitas
são de livre acesso — qual é a frequência de visitantes,
o seu peril, e a moivação, mas forçosamente se deduz
que o visitante-ipo é veraneante e/ou conjuga a visita
ao Monte dos Amantes com o usufruto da paisagem da
região, integrada num parque natural.

Semelhantes no ipo de vesígio, são os menires


do Lavajo, localizados no extremo oposto da região, no
concelho de Alcouim (freguesia de Afonso Vicente).
JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO E TURISMO NA REGIÃO ALGARVIA 87

Na realidade, são dois locais com menires (Lavajo I e


II), separados apenas por uma linha de água, mas que
deveriam conformar uma única enidade, considerando
a intervisibilidade existente entre ambos. Os trabalhos
de restauro e reerguimento dos monólitos originalmente
existentes em cada um dos locais implicaram escavações
sistemáicas que permiiram ideniicar os alvéolos
onde assentavam as peças e descobrir alguns objetos
arqueológicos que se lhes encontravam associados
(que, aliás, permitem por sua vez determinar que a
sua construção datará do inal do IV milénio a.C.).
Estes trabalhos, levados a cabo por João Luís Cardoso
e colaboradores (2003), iveram lugar em 1998 e
2001, e iveram como resultado a disponibilização dos
monumentos meníricos ao público, integrados na Rede
Museológica de Alcouim. No website do município
está disponível uma página sobre este património,
curta mas com elementos importantes para uma visita
(apresentação e mapa de acesso) e um folheto bilíngue
(português e inglês) com uma breve descrição, mapa de
acesso, fotos da localização e dos objetos encontrados,
assim como o levantamento da arte insculturada
existente num dos monólitos (Fig. 2).

Em Santa Rita, no concelho de Vila Real de


Santo António (freguesia de Cacela), foi escavado em
2007 e 2008 um notável monumento — o túmulo
megalíico de Santa Rita (Fig. 3) — que se integra
cultural e funcionalmente no conjunto mais alargado

Figura 3 À esquerda: imagem de conjunto do túmulo megalíico de Santa Rita, com o corredor de acesso à câmara funerária em
primeiro plano. À direita: imagem do “átrio” exterior do monumento funerário n.º 7 do complexo arqueológico de Alcalar. Note-se
as diferentes técnicas construivas empregues em ambas as necrópoles e, mais expressivamente, o efeito cromáico produzido pelo
recurso a elementos construivos a parir das geologias locais.
88 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

de manifestações dolménicas de ins funerários


conhecidas neste sector de sotavento do Barrocal
desde os trabalhos pioneiros de Estácio da Veiga (1886).
Conquanto ainda apenas preliminarmente publicados
os resultados da escavação (p. ex., Inácio et al. 2010),
é possível ao visitante, se se dirigir diretamente ao
Centro de Invesigação e Informação do Património de
Cacela, que funciona na aniga escola primária de Santa
Rita, obter um desdobrável com informação bastante
completa sobre o síio arqueológico (a sua descrição
arquitetónica, as práicas funerárias observadas
durante a escavação, as questões que o monumento
levanta, o seu enquadramento no megaliismo de
Cacela, e indicações para mais informações) e aceder ao
próprio monumento, localizado nas imediações. Aquele
centro não conta com qualquer outro ipo de apoio ao
visitante nem elementos adicionais sobre o monumento
(entre os quais seria interessante, por exemplo, uma
pequena amostra permanente dos interessaníssimos
objetos exumados na escavação), mas o conteúdo
do desdobrável e outras indicações encontram-se
disponíveis no respeivo website.

Por iniciaiva da Tutela da cultura, as duas úlimas


décadas assisiram a trabalhos vários de valorização
e musealização do complexo arqueológico calcolíico
de Alcalar, no concelho de Porimão (freguesia de
Mexilhoeira Grande). Trata-se de um vasto conjunto de
realidades arqueológicas atribuíveis essencialmente ao
Calcolíico (III milénio a.C.), que parecem testemunhar
a existência de uma sociedade pré-histórica fortemente
hierarquizada do ponto de vista da sua estrutura
social, tal como se pode inferir da panóplia de objetos
recuperados em escavação e, muito expressivamente,
da própria disposição espacial e ipologia dos diversos
síios arqueológicos que compõem o conjunto. No
que respeita ao património pré-histórico algarvio,
este é um dos projetos mais aprofundadamente
desenvolvido, pois incluiu prospeções no terreno
e escavações sistemáicas em diversos síios. Estas
iveram lugar em alguns dos monumentos funerários
já conhecidos desde o século XIX graças aos trabalhos
de Estácio da Veiga (1886), já referidos a propósito da
área de Cacela, de que é exemplo Alcalar 7 (Fig. 3), e
também no povoado adjacente, ocupando, ao que
tudo indica, uma vasta área habitacional delimitada
por fossos. Deste esforço de trabalho de campo têm
resultado diversas publicações cieníicas que não cabe
JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO E TURISMO NA REGIÃO ALGARVIA 89

aqui descrever, mas deve salientar-se a publicação de


um excelente livro, integrado na conhecida coleção
“Roteiros da Arqueologia Portuguesa” (Parreira 2007).
No próprio local, junto a um conjunto de monumentos
funerários, foi ediicado o Centro de Interpretação de
Alcalar onde, para além da aquisição dos bilhetes de
entrada para visita aos mesmos, o visitante tem acesso
a informação sobre o conjunto arqueológico, que inclui
nomeadamente uma pequena exposição. Uma pequena
descrição, mas contendo informações sobre as visitas
ao local, podem ser encontrados no website do Museu
de Porimão.

Outros monumentos megalíicos da região — por


exemplo, os que se conhecem na Serra de Monchique
e na Serra do Caldeirão, ou os menires do concelho de
Lagoa — e povoados foriicados (isto é, delimitados
por linhas de muralhas) — de que é exemplo maior o
Cerro do Castelo de Santa Justa, em Alcouim — foram
já escavados. Isso signiica que existe informação
cieníica disponível para a elaboração de discursos
museológicos e objetos adequados para o respeivo
suporte museográico. Porém, à data de redação deste
texto, em nenhum dos casos referidos se dispõe de
condições mínimas de receção de visitantes (os síios
não se encontrarão todos devidamente limpos de
vegetação e com acessos próprios, e não se dispõe de
roteiros, sinalização, ou outro ipo de apoio a visitas),
pelo que apenas por esforço próprio, e por sua própria
conta e risco, poderá o visitante aventurar-se na (re)
descoberta de tais síios arqueológicos.

2.2. Património arqueológico romano


Os vesígios do úlimo milénio antes da nossa
Era, cujos contextos funerários foram largamente
ideniicados por Estácio da Veiga, têm nos úlimos
anos adquirido importante expressão no panorama
dos estudos arqueológicos do Algarve, embora em
termos quanitaivos o número de síios ideniicados e
estudados seja ainda escasso. Não porque os síios destas
épocas de intensos contactos com o Mediterrâneo,
imediatamente antes da chegada dos romanos, não
tenham sido bastante relevantes, como se comprova
por um vasto número de necrópoles ideniicadas
pelo pioneiro algarvio, mas porque os povoados
correspondentes são de diícil detecção na paisagem. É
o período em que o atual território nacional e a região
do Algarve estabelecem uma intensa e proícua relação
90 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

com as civilizações e povos do Mediterrâneo Anigo de


que são exemplos os fenícios, gregos ou cartagineses; é o
tempo em que a escrita, o modo de vida urbano e muitos
dos hábitos do quoidiano mediterrâneo começam a ser
adotados pelas comunidades locais; é, inalmente, o
início de uma nova forma de ver o mundo e de estar que
passa pelo senido de pertença a uma cultura europeia
e mediterrânea, que se inicia com a incorporação no
Império Romano e culmina hoje na plena integração na
União Europeia. Os vesígios arqueológicos do período
pré-romano e romano são, pois, determinantes para
ajudar a conhecer a idenidade da região, e entender
as suas vivências e ambiências, enim, a enriquecer a
experiência de quem nos visita.

No castelo de Castro Marim, as escavações lideradas


por Ana Margarida Arruda nos úlimos anos têm trazido
à luz do dia alguns dos vesígios do Bronze Final, da
Idade do Ferro e da época romana. Estas ruínas, que
ainda não estão musealizadas, pertenceram ao núcleo
urbano de Baesuris, um povoado de origem pré-romana
que é referido nas fontes clássicas como um importante
nódulo viário, para além da posição estratégica que
assumia na desembocadura do Guadiana. Um pequeno
núcleo museológico no castelo de Castro Marim permite
ter acesso a algum do espólio recolhido nas escavações
que ali iveram lugar (Arruda et al. 2007). Tal como
naquele núcleo foriicado, também se encontram em
Tavira abundantes testemunhos, datados de entre os
séculos VIII e III a.C., de fenícios, gregos e cartagineses,
demonstrando os amplos contactos que a região
maninha com as civilizações do Mediterrâneo antes
da chegada dos romanos. Nesta cidade do Rio Gilão
já foram ideniicados vários núcleos fenícios, sendo
visitáveis alguns dos poços voivos no átrio do Palácio da
Galeria. Tem vindo a ser admiido que a cidade de Balsa
teve a sua origem neste núcleo urbano pré-romano de
Tavira, que, já em época romana, foi transferida para
junto de Luz de Tavira (Maia 2003).

As escavações igualmente dirigidas pela


invesigadora atrás referida no Monte Molião, em Lagos,
revelaram muitas estruturas da úlima fase da Idade
do Ferro (séculos IV-II a.C.) e dos primeiros séculos
da presença romana, aguardando-se a valorização e
preparação do síio para receção de visitantes. Supõe-
se que aqui se localizava o núcleo urbano da Lacobriga
referida nas fontes clássicas, tendo as escavações
JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO E TURISMO NA REGIÃO ALGARVIA 91

conirmado que, a parir do século II, foi paulainamente


abandonado em virtude da transferência das populações
para a margem oposta da ribeira de Bensafrim, onde se
situa o atual burgo. Com efeito, nos úlimos anos, em
pleno centro histórico de Lagos, foram ideniicados
restos de uma signiicaiva indústria de preparados de
peixe (Arruda 2007).

Para além dos povoados enunciados, as outras


ocupações conhecidas da Idade do Ferro objeto de
intervenção arqueológica, mas não visitáveis, resumem-
se a Faro e Silves (Cerro da Rocha Branca) (Arruda et al.
2008). A distribuição pelo litoral destes síios do primeiro
milénio a.C. — que, grosso modo, correspondem aos
primórdios das principais cidades do Algarve — acaba
então por estruturar a própria ocupação humana
do território algarvio, deinindo uma matriz urbana
regional que não mais se alterou.

Do período romano os dados são mais abundantes,


havendo vários síios escavados e preparados para
o visitante. O Moninho das Laranjeiras, na margem
portuguesa do Guadiana, é um síio com uma longa
diacronia de ocupação que se estende do século I ao
século XIII. Esta estação arqueológica, cujas escavações
se iniciaram no século XIX com Estácio da Veiga, foram
retomadas em inais do século passado com Jusino
Maciel e Hélder Couinho (Maciel 1993). O síio, que
entretanto foi musealizado pelo município de Alcouim,
integrando a rede museológica concelhia, é bem
conhecido por apresentar uma das primeiras igrejas
cristãs em Portugal de planta cruciforme, datada do
século VI e VII. Situado num síio aprazível de onde se
domina o rio, é um bom exemplo da importância da
navegabilidade do Guadiana para a região ao longo
da época romana, Aniguidade tardia e época islâmica
e que, rio acima, culminava no porto de Mértola. O
acesso às ruínas é livre, podendo o visitante encontrar
informação — para além da que se encontra disponível
localmente — no museu do castelo da vila de Alcouim
(Couinho 2005).

Não longe do Moninho das Laranjeiras, há que


referir a barragem do Álamo e o castelinho dos Mouros.
Neste úlimo, situado junto a Guerreiros do Rio, numa
posição estratégica que controla a navegabilidade
do Guadiana, as escavações dos úlimos anos têm
revelado uma ocupação romana do século I a.C. Já
92 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

a barragem do Álamo consitui a mais imponente


e bem conservada estrutura hidráulica do Algarve
romano, cujas caracterísicas icaram melhor deinidas
com as intervenções arqueológicas de 2006 e 2007. É
consituída por um paredão reilíneo com 41 metros
de comprimento e 2,8 metros de espessura, reforçada
por sete contrafortes, e com uma altura superior a 8
metros (Cardoso e Gradim 2011). Não é esta a única
barragem do Algarve. A de Santa Rita, situada junto
ao monumento megalíico homónimo já mencionado,
era uma barragem das épocas romana e islâmica que
abastecia a povoação situada em Cacela a Velha. Este
síio costeiro, com uma vista privilegiada sobre a Ria
Formosa, consituiu-se, entre os séculos X e XIII, como
núcleo urbano de importância regional, aparecendo
designado nas fontes árabes como Qast’alla. Ainda
que se desconheça quase tudo relaivamente ao síio
romano que aqui exisiu, pode-se ver in loco, para além
das ruínas de um bairro islâmico cuja musealização está
por fazer, um troço da muralha islâmica em taipa.

Em Cacela, tal como na maior parte dos síios


arqueológicos costeiros da época romana, estão
ideniicados tanques para elaboração de preparados de
peixe. Este ipo de tanques, que são hoje as estruturas
arqueológicas que restam das fábricas ou unidades de
processamento piscícola que produziam produtos à base
de sal e peixe exportados para todo o mundo romano,
de que o mais famoso era o garum, podem ser vistos na
sede do parque natural da Ria Formosa, localizada em
Marim (Olhão), ou ainda no resort da Quinta do Lago.
Escavadas nos anos 80 do século passado (Silva et al.
1992; Arruda e Fabião 1990) as ruínas icaram visitáveis,
embora nunca tenham sido criadas as condições
mínimas de conservação e de valorização dos síios
que os preparassem convenientemente para as visitas
e devida apreciação do grande público. Na verdade,
pouco ou nada foi invesido nos locais nesse senido,
para além de uma breve placa ideniicando a natureza
de tais tanques. E foi assim desde a década de 80 —
altura em que as então bem conservadas estruturas
foram postas a descoberto — até aos dias de hoje. Os
síios e as suas ruínas que deveriam sair digniicadas
pela opção de as apresentarem ao público, após estes
30 anos de abandono estão completamente degradadas
e até pouco recomendáveis a visita, tal é o grau de
desprezo a que estão votadas. Não se tendo apostado o
mínimo na sua manutenção, já há muito que se deviam
JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO E TURISMO NA REGIÃO ALGARVIA 93

ter enterrado de novo, salvaguardando-as, dessa forma,


do estado de destruição a que chegaram.

Servem estes dois casos, de Marim e Quinta do


Lago, para bem ilustrar que a relação entre Património
e Turismo tem que resultar de uma parceria de
entendimento e de ação em que se os bens patrimoniais
arqueológicos servem ou podem servir o turismo —
nomeadamente através da diversiicação da oferta,
da apresentação de outros conteúdos fortemente
compromeidos com a história do território, o ambiente
envolvente e as caracterísicas da terra — o turismo
não pode apenas servir-se dos bens arqueológicos.
Tem, também, em ariculação com as enidades que o
tutelam, que olhar para a sua preservação e valorização
uma vez que se serve dele e precisa de o uilizar nas suas
aividades de uma forma sustentável. Infelizmente, em
Portugal os setores do Turismo e do Património como
que têm caminhado e progredido de costas voltadas,
divorciados um do outro, quando a aividade de um
assenta na “venda” e exploração das caracterísicas de
um território, ao passo que o outro consitui boa parte
da idenidade e alma desse mesmo território. Ainda que
a aitude, pelo menos ao nível do discurso teórico, tenha
vindo paulainamente a mudar, há que passar à práica,
aprendendo inclusive com os nossos parceiros europeus
onde a aliança Turismo/Património se tem mostrado Figura 4 Em cima: ruínas romanas da praia da Luz
correspondentes a um balneário de um síio de
muito frutuosa para ambos os setores consituindo transformação de preparados de peixe. Em baixo:
hoje mais um binómio do que uma mera aliança de Estrutura hexagonal do Cerro da Vila (Vilamoura),
eventualmente dos séculos V ou VI d.C
interesses. Turismo sustentável é hoje impensável sem
se imiscuir no território, sem considerar o ambiente,
sem olhar para o Património ou até envolver-se
socialmente. Pois é a conjugação de tudo isto que cria
os ambientes genuínos e autênicos, as ambiências que
levam a novas experiências e vivências, que consituem
os terrenos férteis à atração turísica e à valorização das
comunidades.

Os síios romanos do Algarve mais visitados e


melhor preparados para os visitantes são a villa de
Milreu (Estoi) e o Cerro da Vila (Vilamoura). Ambos
integram os iinerários arqueológicos do Algarve tendo
beneiciado de algum invesimento sobretudo dirigido
para a construção de centros de acolhimento e de
interpretação. Recebem hoje milhares de visitantes por
ano, sobretudo estrangeiros, realizando-se nos seus
espaços eventos de natureza vária, como exposições ou Figura 5 Mosaico de Milreu retratando a fauna
espetáculos musicais. Ambos os síios, com uma longa marinha regional, um dos recursos mais explorados
na época romana e exportado em larga escala.
94 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Figura 6 A Ria Formosa vista a parir da fortaleza de Cacela, uma das muitas foriicações do litoral algarvio que asseguravam o
controlo da costa e a segurança das populações.

diacronia de ocupação, têm como principal moivo de


interesse as ruínas de comparimentos do século IV
pavimentados a mosaico, para além de estruturas e
artefactos de outros períodos. Outro síio que já esteve
aberto ao público pela peculiaridade da arquitetura das
suas ruínas e pavimentos de mosaico foi a villa da Abicada
(Mexilhoeira Grande) que se encontra em fase de
requaliicação para integrar o iinerário arqueológico do
Algarve. Note-se que a gestão dos síios disponíveis neste
ipo de iinerários pode ser parilhada. Se Milreu é um
dos bens arqueológicos tutelados pela Direção Regional
de Cultura, já o Cerro da Vila está sob gestão privada
através de uma parceria de concessão entre a tutela e
a empresa turísica local (Lusort). Este ipo de gestão,
passível de se aricular com interesses económicos,
parilha entre o público e o privado a responsabilidade
social sobre a preservação e valorização patrimonial
de um síio arqueológico, através de um modelo cuja
aplicação pode ser interessante para outros síios.
JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO E TURISMO NA REGIÃO ALGARVIA 95

Finalmente, da época romana podem ver-se mais


núcleos de ruínas do Algarve, alguns por escavar e/
ou que a erosão maríima tem posto à luz do dia,
como o síio pesqueiro da Boca do Rio ou os fornos
do Marinhal, outros que desde a época romana têm
permanecido visíveis como a barragem da Fonte dos
Mouros, em Lagos. Estas ruínas arqueológicas bem
como muitas outras que marcam a paisagem servem,
antes de mais, para ilustrar a frequência de síios
romanos no Algarve e a potencialidade arqueológica
e patrimonial da região. Alguns destes síios, como
o núcleo balnear das ruínas romanas da praia da Luz,
escavado em 1987 (Parreira 1997), e que integrava
mais uma unidade de transformação de preparados
de peixe, estão devidamente preparados para receber
públicos, ainda que frequentemente lhes falte a devida
divulgação e informação associada.

2.3. Património arqueológico medieval e moderno


Castelos, fortalezas, igrejas e conventos, consituem
o património histórico-arqueológico das épocas
medieval e moderna mais notável do Algarve, para além
de um ou outro caso de arquitetura civil de que o palácio
de Estoi, converido numa pousada de luxo, é o exemplo
mais signiicaivo. Sem querer enumerar todos estes
bens que se airmam e são referência das paisagens
urbanas da região e que se enquadram mais no âmbito
histórico e arísico do que arqueológico, não podemos
deixar de abordar alguns castelos islâmicos que, quer
pela relevância que ocupam no contexto nacional, quer
por terem sido alvo de trabalhos arqueológicos e de
valorização com vista à sua abertura ao público, são
incontornáveis em qualquer texto que trate o panorama
arqueológico do Algarve.

O mais anigo destes castelos com uma ocupação


entre o século VIII e o XI é o castelo velho de Alcouim,
escavado por Helena Catarino e que pode ser visitado
em grupo recorrendo aos serviços educaivos e
culturais do município. Implantado estrategicamente
sobre o rio Guadiana, dali tem-se uma panorâmica
verdadeiramente excepcional sobre o rio, mas também
sobre as afrontadas vilas de Alcouim e congénere
espanhola de San Lúcar do outro lado do Guadiana.
Informações sobre o primiivo castelo e o que lhe sucede,
já localizado em plena vila, poderão ser vistas em alguma
bibliograia desinada a visitantes, como por exemplo
no recente roteiro sobre Alcouim Medieval. Ainda do
96 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

período islâmico mas já das úlimas fases da ocupação


do território algarvio, séculos XI-XIII, os castelos de Salir
e de Paderne, igualmente escavados sob orientação de
Helena Catarino, consituem outros bons exemplos da
presença islâmica no Algarve central. O castelo de Salir
dispõe de um centro interpretaivo com um pequeno
núcleo museológico, onde se expõe espólio exumado
no local aquando das escavações e ainda restos da
arquitetura domésica e militar da época. Tudo isto
com a paricularidade de estar perfeitamente inserido
na trama da atual aldeia. Já o castelo de Paderne tem
como ponto principal de interesse as suas imponentes
muralhas de taipa, a cisterna e os restos de arquitetura
religiosa e domésica do seu interior, para além de se
encontrar numa colina de onde se avista uma magníica
paisagem do barrocal algarvio. A visita está hoje a cargo
do museu municipal de Albufeira que disponibiliza
abundante informação sobre o síio (Catarino 1997).

No extremo ocidental do Algarve há que fazer


referência ao ribât da Arrifana escavado nos úlimos
anos por Rosa Varela Gomes. Implantado sobre o
promontório da Ponta da Atalaia, a 6 km a poente de
Aljezur, que cai sobre o mar num cenário paisagísico
inesquecível, tem sido interpretado como o santuário
erigido pelo mestre sui Ibn Qasî em meados do século
XII. Tal como em Alcouim e mesmo em Salir, também
aqui se aliam o Património Cultural e Arqueológico com
o Património Natural e paisagísico, combinando num
mesmo cenário diferentes pontos de interesse, tornando
o local patrimonialmente ainda mais esimulante pela
conjugação das suas potencialidades. O síio, onde
ainda decorrem escavações, ajuda a entender o mundo
do Sagrado conjugado com o imenso mar Oceano
que desde a mais remota aniguidade iveram lugar
neste extremo ocidental da Europa a que os romanos
chamaram Promunturium Sacrum.

Para além das estruturas de defesa da época


moderna, paricularmente abundantes ao longo de
toda a costa algarvia, o património religioso consituído
por igrejas e conventos é abundante no Algarve. É
claro que estes bens patrimoniais arquitectónicos
e arísicos não são objeto deste texto dedicado ao
património arqueológico, ainda que nos mereçam
uma breve referência pois, recorrentemente, têm
sofrido escavações arqueológicas, sendo os vesígios
detectados por vezes incorporados no espaço existente.
JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO E TURISMO NA REGIÃO ALGARVIA 97

Reira-se, apenas a ítulo de exemplo e tomando como


caso a cidade de Tavira, as estruturas fenícias detectadas
nas escavações efetuadas para a reabilitação do Palácio
da Galeria e que se podem observar no interior deste
solar do século XVIII, ou ainda o núcleo arqueológico
que mostra ao público parte de um bairro islâmico no
convento da Graça (séc. XVI), escavadas aquando da sua
conversão em pousada (Covaneiro et al. 2008; Cavaco
e Covaneiro 2009); ou ainda as escavações efetuadas
no convento das Bernardas ou de Nossa Senhora da
Piedade, uma das obras mais notáveis construídas em
Tavira no século XVI, que permiiu a integração num
projeto residencial de Eduardo Souto Moura de vários
elementos antes ocultos relaivos à história do ediício
enquanto convento e depois moagem industrial.

Uma úlima palavra para alguns exemplos


de património industrial que nas úlimas décadas
foi também associado à arqueologia quando aí se
aplicam os métodos da disciplina sob a designação de
Arqueologia Industrial. No Algarve há duas aividades
industriais historicamente incontornáveis: a indústria
ligada à transformação de peixe e a indústria coriceira.
Se a primeira tem presença bem atestada desde os
Romanos, a segunda foi uma importante aividade
nos inais do século XIX e primeira metade do XX,
conservando-se um excelente caso em Silves, na
chamada “Fábrica do Inglês”. Esta fábrica abriu como
museu da coriça em 1999 e ganhou o prémio de melhor
museu industrial da Europa em 2001. Depois de um
amplo sucesso e de uma forte capacidade de atração
de públicos, o espaço foi encerrado com a falência do
projeto mais vasto em que se integrava, encontrando-se
hoje em risco de desaparecimento. Melhor sorte do que
este emblemáico exemplo da arqueologia industrial
algarvia, teve a fábrica Feu, conserveira onde se instalou
o museu de Porimão, integrando o espólio da aniga
unidade fabril e que é hoje o maior e mais moderno
museu do Algarve.

3. CONCLUSÕES
Como se foi constatando ao longo das páginas
precedentes, o património arqueológico algarvio é
muito rico, diversiicado e encontra-se disperso por
praicamente toda a região, o que, apesar de parecer
uma contrariedade do ponto de vista logísico e das
acessibilidades, pode na realidade ser uma mais-valia.
Mais importante ainda é veriicar-se que este património
98 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

dispõe de um enorme potencial para invesigação e


valorização adequada com base nessa invesigação,
não só no que respeita aos síios arqueológicos
desconhecidos do grande público (que consituem a
larga maioria), como também mesmo no que respeita a
muitos daqueles síios que, de um modo ou outro, estão
acessíveis a visitas. As diiculdades presentemente
observáveis na sua valorização e ariculação com o
Turismo no Algarve radica, quanto a nós, em dois pontos
cruciais. Em primeiro lugar, na desariculação de que
padece a oferta, a qual resulta de iniciaivas pontuais
mais ou menos estruturadas mas sem interligação
explícita entre si; em segundo lugar, na inexistência de
critérios uniformes de valorização que sejam transversais
às enidades que têm o património arqueológico a seu
cargo (a tutela e as autarquias), e que poderiam mostrá-
lo como um todo robusto e coerente. Ou seja, com
maior visibilidade. Mesmo quando se procura inserir os
síios em circuitos turísicos mais ou menos coerentes,
como é o caso do circuito arqueológico do concelho de
Alcouim, que reúne um conjunto alargado de síios
cobrindo diferentes temáicas e épocas reparidas
pelo concelho, falta-lhes um programa de markeing
e de comunicação, paricularmente junto dos agentes
turísicos e unidades hoteleiras. A desariculação entre
o público e o privado tem sido, aliás, recorrentemente
apontada ao nível nacional pelos stakeholders quando
abordam o problema do binómio Turismo/Património,
onde o esforço de colaboração é frequentemente
emperrado por estruturas públicas pouco ágeis e com
canais demasiado burocráicos e hierarquicamente
muito dependentes (Fonseca e Ramos 2012).

É nossa opinião que um primeiro passo na


superação das referidas diiculdades poderia
assentar na elaboração de um guia integrado, que
deinisse roteiros próprios para conjuntos de síios
arqueológicos — e, sempre que possível, museus
com coleções arqueológicas, sejam eles locais ou
monográicos — localizados em relaiva proximidade
entre si2. Estes roteiros, idealmente, deveriam ser
elaborados proporcionando uma ariculação estreita
pelo menos com o património ambiental envolvente
(designadamente a geologia, a lora ou a avifauna), se
com outros patrimónios (etnográico, imaterial, etc.)
se mostrasse de mais diícil ariculação. O património
2
À semelhança, por exemplo, do Guia de Percursos Pedestres publicado em 2012 pelo
Turismo de Portugal – Algarve, que inclui já, aliás, alguns síios arqueológicos (Anta da
Masmorra e Castelo de Paderne).
JOÃO PEDRO BERNARDES I ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO PATRIMÓNIO ARQUEOLÓGICO E TURISMO NA REGIÃO ALGARVIA 99

gastronómico seria, todavia, um valor a não ignorar


nesse senido, em paricular após a classiicação da
Dieta Mediterrânea pela UNESCO como Património
Cultural Imaterial da Humanidade (para uma análise
da Dieta Mediterrânea sob diversas perspeivas, ver
AA.VV. 2014). Mas é claro que não pode ser esquecido
o esforço de divulgação e de ariculação com os agentes
turísicos, a im de dinamizar essa oferta patrimonial e
não a deixar no esquecimento apesar do seu potencial,
como é o caso de Alcouim.

No senido da proposta dos guias integrados,


e no que respeita ao património pré-histórico, há
vários locais na região algarvia que se conformariam
como interessantes hipóteses de invesimento para
valorização e integração na oferta turísica, que se
poderiam somar às ofertas já existentes e que deveriam
apostar também fortemente na ligação direta com o
património ambiental do respeivo território. Tratar-
se-ia, seguindo as relexões apresentadas por Parreira
(2011), de seguir um caminho em quatro etapas —
“delimitar”, “intervir”, “preservar” e “difundir” (tarefa
que implica “gerir”) — o qual, em suma, se consitui
como um autênico invesimento a diversos ítulos,
e com retornos também a diversos ítulos, desde
inanceiros a cieníicos, passando pelas vertentes
sociais, educacionais e culturais.
100 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

BIBLIOGRAFIA

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Centro de Invesigação e Informação do Património de Cacela (Vila Real de Santo António):
htps://ciipcacela.wordpress.com/
Insituto de Conservação da Natureza e da Floresta:
htp://www.icnf.pt/portal/ap/amb-reg-loc/pais-proteg-local-rocha-pena
Menires do Lavajo (Alcouim):
htp://cm-alcouim.pt/pt/464/menir-do-lavajo.aspx
Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicenina:
htp://www.icnf.pt/portal/turnatur/visit-ap/pn/pnsacv/inf-ger#pt
Roteiro do Monte dos Amantes (Vila do Bispo):
http://cm-viladobispo.pt/pt/menu/188/roteiro-do-monte-dos-amantes---a-descoberta-dos-
menires.aspx
Castelo de Castro Marim:
htp://www.uniarq.net/projecto-castro-marim.html
Monte Molião:
htp://www.uniarq.net/projecto-moliaildeo-na-aniguidade.html
Visitas aos monumentos tutelados pela DRC Algarve:
htp://www.cultalg.pt/pt/drca/visitantes-dos-monumentos-aumentam-em-2014
História do Turismo
A insitucionalização do Turismo
Contributos para o estudo dos primórdios
do Turismo no Algarve
Artur Barracosa Mendonça

1 - ANTECEDENTES DO TURISMO E AS REFERÊNCIAS


AO ALGARVE COMO DESTINO TURÍSTICO
O presente trabalho pretende acrescentar alguns
contributos para a análise histórica das transformações
que ocorreram no Algarve ao longo do tempo e que
conduziram à assunção da região como o principal
desino turísico em Portugal. Abstraindo algumas
discussões sobre o que é o turismo1 e a evolução do
conceito ao longo do tempo.
Um dos reputados especialistas portugueses
em Turismo, considera que o termo turista surge em
Inglaterra, quando milhares de pessoas, sobretudo
burgueses, começam a viajar pelo Velho Coninente,
percorrendo ao longo de cerca de três anos vários países,
em especial a França, Itália, Suíça e Alemanha no que se
designava por “grand tour”2. Turista era um vocábulo
que servia para se referir ao viajante inglês, primeiro
os nobres depois os burgueses, que se deslocavam por
prazer, instrução e conhecimento.
A revolução dos transportes foi determinante no
desenvolvimento das viagens, da rapidez e também do
conforto com que se realizavam as mesmas. A mobilidade

1
W. Hunziker e K. Krapf em 1942, defendem que o turismo é o conjunto das relações
e fenómenos originados pela deslocação e permanência de pessoas fora do seu local
habitual de residência, desde que tais deslocações e permanências não sejam uilizadas
para o exercício de uma acividade lucraiva principal, permanente ou temporária
e ariculando três eixos fundamentais: a deslocação; a permanência e a moivação
com que é feita. Mais tarde, em 1963, a Organização das Nações Unidas (O.N.U.), na
conferência de Roma, sobre turismo e viagens internacionais acrescentava a noção
temporal (viagens superiores a 24 horas) e amplia a noção da mobilidade populacional
(alargando para o âmbito dos negócios, missões, reuniões, visitas a familiares, etc.),
mantendo a diferença entre turista e excursionista. Esta noção foi revista em 1993,
pela Organização Mundial do Turismo.
2
Licínio Cunha, “Desenvolvimento do Turismo em Portugal: os primórdios”, Fluxos &
Riscos, Nº1, Lisboa, 2010, p. 128.
106 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

interna nos países inha aumentado com a época


moderna, mas sobretudo a mobilidade externa era ainda
muito diminuta até meados do século XIX. As viagens de
lazer eram privilégios de poucos, como assinalou José
de Ataíde, no seu primeiro relatório da Reparição de
Turismo em 1912:
Há pouco anos atrás ainda, raros eram aqueles que
viajavam propriamente pelos encantos da viagem. Para
fora das fronteiras dos países apenas saíam, geralmente,
os representantes diplomáicos e consulares, os
comerciantes mais empreendedores e os aventureiros
em busca de fortuna, vivendo as diversas nações quase
isoladas umas das outras. Se analisarmos as causas que
moivavam a deslocação dos homens para fora dos seus
países de origem, encontramos quase sempre razões de
comércio ou de indústria. Dentro dos países imperavam
na circulação dos viajantes, as mesmas razões, havendo
a acrescentar, naturalmente, à lista dos que eram
forçados a deslocar-se, os diferentes funcionários em
virtude das promoções, transferências e outras causas
idênicas. Quem viajava anos atrás em Portugal a não
ser os vários funcionários, os membros do parlamento,
os académicos, os militares e os comerciantes?3.
Foram também estes viajantes mais conhecedores,
endinheirados e habilitados que começaram a deixar
memória dessas viagens pelo estrangeiro. Nos meados
do século XIX, em Portugal surgiram algumas obras4
que ilustram essa situação, bem como periódicos5 que
3
José de Ataíde, Serviços da Reparição de Turismo. Setembro de 1911-Junho de 1912.
Relatório, Typ. Bayard, Lisboa, 1912, p. 5-7.
4
Entre as obras que surgiram publicadas em Portugal durante o século XIX e que serviam
para dar a conhecer melhor os territórios, tradições, monumentos e paisagens do país
podemos apontar: João António Peres Abreu, Roteiro do Viajante no Coninente e nos
Caminhos-de-ferro de Portugal em 1865, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1865.
Esta obra assaz curiosa apresenta um roteiro das principais localidades onde passava
o comboio e se previa que viria a passar, apresentando já uma interessante selecção
de locais, palácios, igrejas, bibliotecas, jardins, hotéis e hospedarias, fábricas, escolas,
restaurantes e casas de pasto, cafés, as carreiras de trens e trens de praça, as empresas
de vapores, serviços de diligências que poderiam interessar aos viajantes sendo estes
aspectos muito mais detalhados para a cidade de Lisboa, mas também indicados para
outros locais ainda que de forma muito mais sumária. O autor tem ainda o cuidado
de sugerir alguns passeios ou roteiros pelas regiões como o que sugere ao Porto,
passando por Aveiro, Bussaco, Coimbra, Leiria, Batalha, Alcobaça, Caldas e Alenquer
(Cf. p. 147 a 152), um conjunto de três passeios de recreio a Coimbra (p. 152-156),
entre outros que são sugeridos. Além desta, podemos referir, por ordem cronológica,
as seguintes obras: Augusto Mendes Simões de Castro, Guia Histórico do Viajante no
Bussaco, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1868, [2ª ed. 1883]; Ricardo Augusto
Pereira Guimarães [Visconde de Benalcanfor], Impressões de Viagem. Cadiz, Gibraltar,
Paris e Londres, Viúva More Editora, Porto, 1869; Ramalho Origão, As Praias de
Portugal. Guia do Banhista e do Viajante, Livraria Universal, Porto, 1876; Eduardo O.
Pereira Queiroz Velloso, Roteiro das Ruas de Lisboa e concelho de Loures, Lisboa, 1890;
A. R. Andrade, Guia do Forasteiro em Coimbra, Typ. José da Silva Mendonça, Porto,
1906; Victor Ribeiro, A Inluência da Tradição Monumental e Local no Desenvolvimento
do “Turismo” no País [Tese do Grande Congresso Nacional da Real Associação dos
Archeologos Portuguezes 1910], Casa da Moeda, Lisboa, 1910.
5
Entre as publicações periódicas podemos indicar: O Viajante: jornal de recreio, n. 1 (13
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 107

mostram o interesse que havia em dar a conhecer o


mundo ainda mal conhecido pela grande maioria da
população. Almeida Garret, nos meados do século XIX,
a propósito do tema das viagens, escreveu o romance
Viagens na Minha Terra, onde descreve detalhadamente
as paisagens à beira-Tejo. Também alguns estrangeiros
publicaram obras sobre as suas viagens a Portugal
algumas delas foram depois traduzidas para a língua
de Camões, outras maniveram-se nas suas línguas de
origem e são pouco conhecidas em Portugal6.

Out. 1838) - n. 22 (18 Out. 1849), Lisboa, Typ. de A.J.P., 1838-1849; Jornal de Viagens.
Aventuras de Terra e Mar, dir. Emydio d’Oliveira. - V. 1, n. 1 (1 Jun. 1879) - s. 2, v. 1, n.
16 (2 Out. 1898), Porto, 1879-1898; À Volta do Mundo. Jornal de viagens e assuntos
geográicos, Dir. Teóilo Braga e Eduardo Barros Lobo, Lisboa, 1880 - 1883; Almanach
illustrado do jornal de viagens e aventuras de terra e mar, 1881, Porto, Empreza
do Jornal de Viagens, 1881; Carteira do viajante: guia oicial dos Caminhos de Ferro
Portuguezes, Porto, Administração Geral, [1883?] - 1886; Jornal de Viagens, Porto, 1896.
6
Citando, só a ítulo de exemplo, autores estrangeiros sobre a paisagem, os
monumentos e as tradições portuguesas podemos apontar: William Beckford, Hubner,
Rackzinsky, Lichnowsky, Albrecht Haupt, Madame Ratazzi, entre muitos outros que
tecem encómios, uns mais entusiásicos que outros, sobre o clima, o sol, a paisagem,
os monumentos, que seriam merecedores de melhor divulgação e conhecimento
junto dos seus patriotas. Autores menos conhecidos relatam também as suas viagens,
passeios, estadias em Portugal como: Henry John George Herbert Carnavon, Portugal
and Galicia, John Murray, London, 1836 [assinala passagens por várias povoações
algarvias, com descrições detalhadas das localidades e ideniica algumas pessoas,
p. 50-103]; W. H. Harrison, The Tourist in Portugal, Robert Jennings London, 1839;
John Murray, A Handbook for travellers in Portugal, John Murray, London, 1856 [com
referências ao Algarve entre as páginas 53-65]; Catherine Charlote Lady Jackson, Fair
Lusitânia, Richard Bentley and Son, London, 1874; John Latouche (pseud. Oswald
Crawford), Travels in Portugal, 1875 [com descrições de algumas povoações algarvias,
p. 259-265]; Richard Stephen Charnock, Bradshaw’s Illustrated handbook to Spain and
Portugal: a complete guide for travellers in the peninsula, W. J. Adams, London, 1894
]
[com apontamentos breves sobre o Algarve p. 186-187 ; Karl Baedeker, Spain and
Portugal. Handbook for travellers, Karl Baedeker Publisher, Leipsic, 1898 [as páginas
com referências e informações sobre Portugal encontram-se nas p. 509-587, mas as
referências ao Algarve são muito escassas p. 548-549]; Benito Perez Galdos, La Casa
de Shakespear.Portugal. De vuelta de Itália, António Lopez Librero, Barcelona, 1900
[embora publique memórias da passagem por Portugal em 1885]; Gilbert Watson,
Sunshine and seniment in Portugal, Edward Arnold, London, 1904 [esta obra merece
paricular destaque pelo detalhe das descrições e vivência no Algarve, em especial
Faro, mas também a região serrana de Loulé, com referências a Salir, Alte, Benaim,
que são muito pouco vulgares no início do século XX]; Agnes M. Goodwall, Peeps
at Many Lands. Portugal, Adam and Charles Black, London, 1909; Lisbon & Cintra:
with some account of other ciies and historical sites in Portugal, Chato & Windus,
London, 1907; Marin Hume, Through Portugal, E. Grant Richard, London, 1907 (com
ilustrações); W. H. Koebel, Portugal. Its Land and People, Archibald Constable and
Cº, London, 1909; Mark Sale, A Paradise in Portugal, The Baker & Taylor Company,
New York, 1911; Aubrey Fitz Gerald Bell, In Portugal, John Lane, London/New York,
1912 [com várias páginas a descrever o Algarve, p. 54-62]; B. Granville Baker, A Winter
Holiday in Portugal, Stanley Paul and Cº, 1912; Ruth Kedzie Wood, The Tourists Spain
and Portugal, Dodd, Mead And Cº, New York, 1913 [com descrições do Algarve:
Porimão, Monchique e Faro, p. 283-287. Esta obra tem a paricularidade de ser de
uma das pessoas que acompanhou a visita dos jornalistas ingleses em 1913.]; Aubrey
Fitz Gerald Bell, Portugal of the Portuguese, Charles Scribners Sons, New York, 1915;
Marcel Monmarché et Émile Bertaux, Espagne et Portugal, Librairie Hachete, Paris,
1916 [com breves anotações sobre o Algarve entre as p. 494-496]; F. y H. Giner de los
Rios, Portugal. Impresiones para server de guia al viajero, Imprenta Popular, Madrid,
1920; Ernest Peixoto, Through Spain and Portugal, Charles Scribners Sons, New York,
1922. Ainda há relaivamente pouco tempo António Ventura, Viajantes Estrangeiros no
Algarve, Lex, [Lisboa], 2005, onde faz uma pequena antologia dos textos de alguns dos
viajantes mais ilustres, icando ausentes os que acima se indicaram. Provavelmente,
com este levantamento, mais autores seriam recordados.
108 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

As viagens, sobretudo com o desenvolvimento do


comboio tornaram-se cada vez mais fáceis, baratas e
acessíveis a uma parte da população que até ali nunca
inha conseguido viajar. Lembrava José de Ataíde a
propósito das condições de viagem até meados do
século XIX:
As viagens faziam-se em péssimas condições de
comodidade e segurança. Ou a cavalo, ou em diligência
por caminhos inóspitos, pernoitando-se nas estalagens
onde tudo faltava, à mercê dos muitos salteadores que
então infestavam as estradas, as viagens não eram de
molde a seduzir quem quer que fosse e consituíam um
acontecimento de tal importância que a maioria dos
que se aventuravam a fazê-la, inha o cuidado de fazer
testamento antes de se meter ao caminho7.
Para o Algarve, as viagens eram preferencialmente
feitas por barco a vapor, pelo menos para os grupos
sociais que podiam. Porque por terra as diiculdades
aumentavam, as descrições que conseguimos encontrar
correspondem a todas estas diiculdades, acrescendo
também os perigos dos assaltos em pleno Alentejo ou
na serra algarvia, onde bandos de salteadores izeram
saques até muito tarde no século XIX. Dizia-se nos inícios
da década de quarenta do séc. XIX, “Os transportes
fazem-se no Algarve em muares ou jumentos, porque
não há estradas; apenas na beira-mar, e arredores de
Silves até S. Bartolomeu se usa de carros de bois, e
muito poucos de bestas. Assim, uma das descrições que
se conhece, encontra-se na obra de Amadeu Ferreira
de Almeida, e refere a viagem do avô [Manuel Bento
de Almeida] para Faro cerca de 18808, também na
imprensa se encontram alguns ecos das diiculdades e
problemas das viagens para o Algarve e, em 1873, no
jornal Revolução de Setembro, respeitante ao mês de
Setembro, onde se relecte sobre essas diiculdades9.
Em 1903, no Almanach do Algarve para 1903,
fazia-se o enfoque na questão das praias, apresentando
descrições e gravuras para a Praia da Rocha, para a Praia
de Lagos entre outras10. A apresentação da paisagem
natural e sobretudo da praia como potencial desino de
7
José de Ataíde, Serviços da Reparição de Turismo. Setembro de 1911- Junho de 1912.
Relatório, Typ. Bayard, Lisboa, 1912, p. 5- 7.
8
Amadeu Ferreira de Almeida, Recordando… Memórias e Impressões, Faro, 1956.
9
F. Simões da Cunha, “Necessidade de Navegação a vapor entre a capital e a Província
do Algarve”, Revolução de Setembro, Lisboa, 2-09-1873, Ano XXXIV, nº 9375, p. 2, col.
1 e 2. Ainda sobre este assunto analise-se um conjunto de arigos initulados “Causas
que têm obstado ao desenvolvimento do Algarve” que foi publicado em 1873, no
semanário Gazeta do Algarve, de Lagos.
10
Almanach do Algarve para 1903, Dir. Marcos Algarve e José Castanho, Porimão,
1903.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 109

viajantes não só para portugueses mas também para


estrangeiros conjugando com o clima ameno e suave,
recomendado para o tratamento de algumas doenças,
mas também para descanso.
Raul Proença, em 1908, escrevia no semanário
tavirense Província do Algarve um conjunto de arigos a
que deu o ítulo singelo “O Algarve – Sua Decadência”11.
Foram publicados três extensos arigos no semanário
republicano. Neles é possível encontrar como grandes
problemas da região a falta de vias de comunicação; a
falta de higiene; os problemas de iluminação pública; e,
por im o problema do analfabeismo.
Uma das referências ao Algarve, como desino de
viagens e passeio, pode ser encontrado numa publicação
dedicada ao tema das viagens publicada em França,
Journal des Voyages et des aventures de terre et de
Mer12, com um arigo “O Reino dos Algarves”[tradução
nossa]. O autor do arigo assina V. Morans e apresenta
uma descrição da região, com uma breve resenha desde
a reconquista cristã, depois caracteriza as produções
agrícolas da região (azeitonas, amêndoas, igos,
alfarrobas, empreitas, cera, mel). Refere-se ao clima da
região, destacando o papel da serra de Monchique com
as suas temperaturas mais suaves, contrastando com as
mais quentes que se fazem senir no Alentejo. O arigo
termina com os votos de receber na região os viajantes.
Curiosamente este aproveitamento do clima favorável é
um dos temas que os primeiros defensores do turismo
apontam o Algarve como região de referência13, como
iremos ver adiante.
Terá sido com Thomas Cook, comerciante inglês,
que se começou a pensar nas viagens como um negócio
e transformou a acividades das viagens numa indústria
que hoje movimenta anualmente inter-coninentes e
intra-coninentes muitos milhões de pessoas, gerando
empregos, ainda que muitas vezes sazonais, para as
mais variadas regiões, como assinalava logo em 1912,
José de Ataíde, Director da Reparição de Turismo:
Alguns ousados comerciantes, destacando-se
dentre todos eles um, Thomas Cook, cujo nome icará
indissoluvelmente ligado à história do turismo, procuram
irar parido da indústria nascente, organizando
estabelecimentos desinados a elucidar os viajantes e
11
Raul Proença, “O Algarve – Sua decadência”, Província do Algarve, Tavira, 24-10-
1908, Ano I, nº 4, p. 2, col. 1 e 2.
12
Journal de Voyages et aventures de terre et mer, 24-11-1889, Paris, nº 646, p. 3.
13
Daniel Gelanio Dalgado, The Climate of Portugal and notes on its Health Resorts,
Lisboa, 1914, p. 379 a 383 com referências ao Algarve, em especial à estância termal
de Monchique.
110 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

a fornecer-lhes pelos mesmos preços que empresas de


caminhos de ferro e de navegação, bilhetes para toda
a parte, encarregando-se também, em condições muito
vantajosas, da carga e descarga das bagagens, um dos
grandes aborrecimentos de quem viaja14.
Em 1917, Augusto de Castro airmava, numa
crónica initulada “Paisagens de Portugal”15, que
“nenhum de nós [portugueses] conhece Portugal […].
A serra da Estrela é quase um lugar desconhecido do
nosso turismo, como o são a costa do Algarve, a serra
da Lousã, o poema cinzento e acanilado das sombras
transmontanas […]. O turismo português emudece
diante da Torre de Belém, extasia-se diante dos
Jerónimos – e, quando muito, já com os bofes pela
boca fora, chega até à Batalha, Alcobaça e à Sé Velha
de Coimbra. Passado, arte, maravilhas históricas – mas,
no fundo, coisas mortas. Fora disso, o turismo ica pelo
Bussaco, ou Sintra, pela Figueira, pelas praias e pelas
batotas”. Esta constatação mostra as diiculdades de
conseguir introduzir esta nova concepção de lazer,
conhecimento, cultura na população portuguesa. Os
números de viagens de turismo de portugueses ao
estrangeiro não são conhecidos, nem as entradas de
estrangeiros em Portugal em turismo, pelo menos na
época que neste curto arigo nos propomos abordar.
Porém, a Sociedade de Propaganda de Portugal inha
iniciado em 190616 um processo de promoção de
Portugal sobretudo junto dos estrangeiros, mas também
com algumas iniciaivas interessantes em Portugal que
nos propomos analisar em algumas das suas vertentes,
acompanhando sobretudo as incidências respeitantes ao
Algarve através do boleim que publicou regularmente
ao longo de vários anos.
João António Correia dos Santos (1874-1949)
realizou na Casa do Algarve em Lisboa, no início da
década de 30, uma conferência initulada “O Turismo
no Algarve”, onde refere que o Algarve atraía “pelas
suas encantadoras belezas naturais, pelas suas lendas
maravilhosas, pelos inebriantes perfumes dum

14
José de Ataíde, Serviços da Reparição de Turismo. Setembro de 1911-Junho de 1912.
Relatório, Typ. Bayard, Lisboa, 1912, p. 5- 7.
15
A propósito de exposição feita no Chiado pelo fotógrafo Rompana, de um conjunto
de fotograias sobre a Serra da Estrela, que obteve algum sucesso junto da opinião
pública da época. Cf. Augusto de Castro, Fantoches e Manequins, Editores Santos &
Vieira, Lisboa, 1917, p. 75-76.
16
Ana Cardoso de Matos, Maria Ana Bernardo e Maria Luísa Santos, “A Sociedade de
Propaganda de Portugal e o Congresso do Turismo de 1911”, Atas do Congresso da I
República e do Republicanismo, 2011 [consultado online aqui:
http://www.centenariorepublica.parlamento.pt/CongressoCvsPapers/Ana%20
CardosoMatos_MariaAnaBernardo_MariaLuisaSantos_Paper.pdf em 01-08-2014], p. 394-395.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 111

interminável jardim lorido”17. Nesse texto reivindica


já a importância não só dos elementos acima descritos
mas também a questão do clima da região e as suas
praias. Por outro lado, assume com convicção que a
região algarvia possuía as condições para se tornar um
grande centro mundial do turismo18, sendo apresentada
como a zona de excelência o território entre a Praia da
Rocha, Monchique e Sagres, a “trindade encantadora”
como lhe chamaria Mário Lyster Franco.
Propomo-nos neste pequeno trabalho abordar
o período que Licínio Cunha denomina como a
etapa da infância do Turismo, que ele situa entre
1900 e 195019. Porém, em nosso entender, torna-se
importante circunscrever cronologicamente ainda
mais este período entre 1906 e 1930, isto é o início da
Sociedade de Propaganda de Portugal e a publicação da
lei hoteleira de 1930, que vai marcar profundamente
o licenciamento e construção de alojamento para o
público durante todo o Estado Novo. Ou seja, dentro da
primeira etapa podemos encontrar vários sub-períodos,
sendo um deles da denominada insitucionalização do
turismo. Este período cronológico, com cerca de duas
décadas, em que o próprio Estado começa a organizar
a acividade turísica e procura regulamentá-la,
criando a reparição de turismo, mais tarde criando o
Conselho do Turismo e desenvolvendo mecanismos de
regulamentação da acividade hoteleira, do ensino das
línguas estrangeiras para o pessoal dos hotéis, criação
das primeiras zonas de turismo e jogo no Estoril, das
praias, dos monumentos e das paisagens.

2 - A SOCIEDADE DE PROPAGANDA DE
PORTUGAL E O ALGARVE
A Sociedade de Propaganda de Portugal foi criada
por alguns apaixonados pelas viagens, consituída por
personalidades dos mais variados quadrantes políicos.
Foi oicialmente criada em 28 de Fevereiro de 1906.
Considerada insituição de Uilidade Pública em 3 de Março
de 1920, por decreto nº 6440. A sua sede funcionou no
Largo do Chiado, nº12. Esta sociedade inha por principal
objecivo promover o turismo, desenvolvendo esforços
junto das enidades públicas e privadas com a inalidade
de divulgar Portugal junto dos estrangeiros. Desde o início
que se consituem várias comissões e delegações que
promovem as belezas naturais, curiosidades arísicas,
17
Correia dos Santos, O Turismo no Algarve. Como os estrangeiros sabem valorizar as
suas riquezas, Casa do Algarve, Lisboa, 1931, p. 5.
18
Idem, ibidem, p. 9. Figura 1 Emblema da Sociedade Propaganda de
19
Licínio Cunha, Economia e Políica do Turismo, Verbo, Lisboa, 2006, p. 78-81. Portugal
112 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

históricas, arqueológicas, realizando melhoramentos


locais, proporcionando comodidades e indicações úteis
aos turistas20.
Entre os sócios fundadores e dirigentes da
sociedade encontramos personalidades dos mais
variados quadrantes políicos. Desde monárquicos
como o Eng. Fernando de Sousa, Emídio Navarro ou o
conde de Penha Garcia, a republicanos como Sebasião
de Magalhães Lima, todos unidos numa ideia de
divulgação de Portugal como potencial desino turísico
junto de outros países. Nesta iniciaiva envolveram-se
personalidades de grande relevo e presígio na época, o
que provocou o grande desenvolvimento da sociedade
que chegou a aingir os 75000 sócios. Com grande
dinamismo abriram-se casas de Portugal, criaram-se
comissões de turismo em grande parte das localidades
em Portugal, empenharam-se na realização do 1º Curso
de Pessoal Hoteleiro, paricipou e organizou Congressos
e conferências. Foi por sua iniciaiva que se organizou em
Portugal o Congresso Internacional de Turismo em 1911,
criou postos de informação meteorológica e a criação
da cadeira de Estudos Portugueses na Universidade de
Rennes, em 1921. Promoveu, não podemos também
esquecer, o 1º Congresso Regional Algarvio, em 1915,
cujo centenário se assinala no próximo ano.

Figura 2 Boleim da Sociedade Propaganda de Portugal

20
Ana Cardoso de Matos, Maria Ana Bernardo e Maria Luísa Santos, Idem, p. 395-396;
Cf., também, Ana Cardoso de Matos e Maria Luísa Santos, “Os Guias de Turismo da
cidade de Évora no contexto do turismo contemporâneo (dos inais do século XIX às
primeiras décadas do século XX)”, A Cidade de Évora, II série, nº 5, 2001, p. 384-388
[consultado online aqui:
htp://www.bdalentejo.net/BDAObra/obras/633/BlocosPDF/bloco01-c_389.pdf. (01-
08-2014)].
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 113

a) Caracterização do Boleim da Sociedade de


Propaganda de Portugal
O Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal
era uma publicação com periodicidade mensal, que
surge em Julho de 1907, começando por fazer um breve
historial da própria sociedade, publicando o relatório
da direcção provisória apresentado à Assembleia-Geral
de 18 de Dezembro de 1906. Esta revista publicava-se
sob a égide da Direcção da Comissão de Publicidade
da sociedade, sendo director da revista Manuel
Roldan y Pego e tendo por editor Agosinho Lourenço.
Inicialmente, era redigido na Rua Nova do Almada,
109, passou depois para a rua Garret, 103, em Lisboa.
Contendo inicialmente 26 páginas, mas a paginação foi
sendo alterada ao longo do tempo por diversas vezes.
Era composta e impressa na rua do Corpo Santo, 46-48,
mas depois passou para a rua da Abegoaria, nº 27 e 28,
na ipograia de Adolpho de Mendonça21. Figura 3 Leonildo de Mendonça e Costa
O boleim coninha publicidade na página dois,
geralmente de hotéis e arigos de casas iliadas na
Sociedade de Propaganda de Portugal, e nas úlimas
páginas, com anúncios aos Caminhos de Ferro
Portugueses, às Oicinas Fotográicas e à publicação
do Manual do Viajante em Portugal, de Leonildo de
Mendonça e Costa, entre outros anúncios.
Nesta publicação encontram-se arigos muito in-
teressantes sobre as ideias mais em voga para a divul-
gação do turismo entre os portugueses, notando-se o
contacto com organizações internacionais e o conheci-
mento de outras realidades, sobretudo europeias.
Contando com variadíssimas colaborações,
algumas delas não assinadas, mas onde podemos
destacar o Dr. João Bentes Castel-Branco, de que
falaremos mais adiante, de Leonildo de Mendonça e
Costa, entre muitos outros.
O boleim22 publicou-se com regularidade até
1921, suspende aí a publicação durante vários anos
tendo reaparecido depois em 1932 de forma efémera.
A publicação foi-se esvaziando de conteúdo ao longo do
tempo, até porque em 1916 inha começado a publicar-
se a Revista de Turismo, publicação especiicamente
21
Sobre esta publicação encontram-se algumas referências em Luís Paulo Marins e
Mário G. Fernandes, “Cartograia, Progresso e Turismo: Apontamentos sobre o «Mapa
Excursionista de Portugal», de 1907” [consultado online aqui:
http://www.cartografia.org.br/vslbch/trabalhos/73/108/Comunicacao_LM_MGF_
VSLBCH2013.pdf (02-08-2014) ];
22
Segundo a indicação do site da Biblioteca Nacional o que existe da publicação
resume-se aos números publicados entre 1907 e 1913 [Nº 1 (Jul. 1907) - a. 7, nº 12
(Dez. 1913)], porém na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC) consegue-
se encontrar a publicação até 1920 e ainda um número de numa nova série que não
deve ter ido coninuidade em 1934.
114 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

dedicada ao tema e que veio a absorver muitos dos


colaboradores da aniga publicação. Era distribuído
gratuitamente aos sócios.
Sobre a Revista de Turismo23 que também analisa-
mos, é possível encontrar várias referências ao Algarve
e às iniciaivas que iveram lugar na região. Uma publi-
cação úil para se perceber os avanços, as diiculdades
e os temas da acividade turísica no País. Nela se ape-
lava frequentemente propostas de viagens pelo País e
estrangeiro, divulgavam-se monumentos e paisagens
naturais dignas de menção para serem visitadas.

b) Algarvios envolvidos na S.P.P.


Os algarvios envolvidos na Sociedade de Propagan-
da de Portugal eram vários. Entre eles e com funções de
relevo destacam-se Agosinho Lúcio, médico e políico
algarvio. Nasceu em Faro em 1842, estudou na Escola
Médico Cirúrgica de Lisboa, tendo concluído o curso
em 1871. O trabalho que apresentou para conclusão do
curso médico initulava-se Ovariotomia. Sua importân-
cia cirúrgica, 1871. Foi várias vezes eleito deputado por
círculos do Algarve durante a monarquia. Colaborou em
várias publicações e pertenceu ao quadro médico dos
Caminhos-de-ferro Portugueses. Elaborou um relatório
sobre a questão do regime prisional depois de uma vi-
sita a vários países europeus para estudar o problema.
Foi um dos homens que mais se empenhou no combate
à crise no Algarve em 1875, organizando em Lisboa, no
Passeio Público, em 22 de Agosto de 1875, uma festa de
recolha de fundos para acudir aos agricultores sem tra-
balho devido à seca. Exerceu funções de médico da Pe-
nitenciária, subdelegado de saúde do município de Lis-
Figura 4 Dr. Agosinho Lucio da Silva
boa, redactor do Boleim de Saúde e Higiene Municipal.
Paricipou de forma muito empenhada na criação da
Sociedade de Geograia de Lisboa, onde paricipou sem-
pre com grande assiduidade. Chefe do serviço de saúde
dos caminhos-de-ferro do Estado, Vogal do Conselho
Superior de Agricultura. Em 1906, foi um dos primeiros
dirigentes da Sociedade de Propaganda de Portugal, in-
tegrando a comissão de Melhoramentos Públicos24.
23
Jorge Mangorrinha, Revista de Turismo - publicação quinzenal de turismo, propagan-
da, viagens, arte e literatura: icha histórica consultada online aqui:
htp://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/RevistadeTurismo.pdf (05-08-
2014)]. Além disto localizou-se também de Miguel Godinho, “O Algarve e o turismo da
região na «Revista de Turismo»” disponível online aqui: htp://museusdoalgarve.iles.
wordpress.com/2013/01/o-algarve-e-o-turismo-da-regic3a3o-na-revista-de-turismo_
miguel-godinho-cmvrsa.pdf (5-08-2014).Este úlimo trabalho já revisto e aumentado
pode ser consultado na presente edição deste revista.
24
“Relatório da Direcção Provisória apresentado à assembleia-geral de 18 de
Dezembro de 1906”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal, Lisboa, nº 1,
Julho de 1907, p. 11.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 115

Paricipou no 2.º Congresso Internacional de Higiene


Escolar, realizado em 1908. Com a mudança de regime, em
1910 afastou-se da vida políica e proissionalmente seniu
alguns dissabores, pois em 26 de Janeiro de 1911, durante
o ministério de José Relvas, foi demiido das funções de
médico da Inspecção-geral dos Impostos. Deixou escritos
vários textos onde se destacam Introdução ao estudo da
chymica elementar segundo as teorias modernas, Lisboa,
1868; Relatório das Epidemias de Tifo no Cadaval, 1873;
A Tuberculose na Penitenciária de Lisboa, 1888; Estradas,
Lisboa, 1915 [Tese apresentada ao Congresso Regional
Algarvio]. Colaborou no Jornal da Sociedade de Ciências
Médicas, no Correio Médico, no Diário de Noícias, entre
outros órgãos da imprensa. Foi um dos responsáveis pela
organização do Congresso Regional Algarvio, realizado em
Porimão em 1915. Faleceu em Lisboa, em Abril de 192625.

Jaime de Pádua Franco era natural de Porimão,


onde nasceu em 9 de Maio de 1968, ilho de Francisco
Augusto de Pádua Franco e de Maria da Conceição
Franco. Foi baizado na Igreja de Nossa Senhora da
Conceição em dois de Julho desse ano, com o nome
completo de Francisco Jaime Lindsay de Pádua Franco,
embora tenha icado conhecido com o nome de Jaime
de Pádua Franco. O pai era aspirante da alfândega de
Olhão, mas colocado na delegação de Porimão, era
natural de Lagoa e a mãe era natural de Porimão. Os
avós paternos chamavam-se Francisco António das
Chagas Franco e Carolina de Pádua Franco. Os avós
maternos chamavam-se João André da Conceição
Figura 5 Jaime de Pádua Franco
Franco e Maria da Conceição Lindsay Franco. Foram
seus padrinhos de baismo António Maria de Pádua,
viúvo, oicial da alfândega de Olhão e madrinha D.
Augusta Ballesteros de Pádua.
Foi um dos fundadores da Sociedade de Propaganda
de Portugal, embora não tenha integrado a direcção
provisória da associação, criador e inspector de diversas
organizações daquela insituição em Paris e noutras cidades
europeias, que durante muitos anos desempenharam as
funções que hoje competem às Casas de Portugal.
Foi organizador das primeiras conferências de
propaganda turísica de Portugal em Paris, Londres,
Rennes, Bordéus e Ruão, dos primeiros concertos de
música portuguesa em Paris, Havre e Londres, e da

25
Filipa Ribeiro da Silva e Paula Crisina Costa, “Silva, Agosinho Lúcio e”, Dicionário
Biográico Parlamentar 1834-1910, vol. III (N-Z), Coord. Maria Filomena Mónica,
Col. Parlamento, Imprensa de Ciências Sociais/Assembleia da República, Lisboa,
2006, p. 643-645. Sobre Agosinho Lúcio e Silva, ver ainda Luís Vidigal, “Mil Cidadãos
Meridionais”, Anais do Município de Faro, nº XVIII, Faro, 1988, p. 115.
116 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

representação do nosso país em feiras internacionais,


como a de Bordéus e Saarbrucken. Em 1921, sendo
director da Sociedade de Propaganda de Portugal e seu
representante em Paris, conseguiu, depois de várias
negociações, a criação da cadeira de Português na
Universidade de Rennes, que foi entregue a seu primo
sr. Chagas Franco. Em 1923, graças aos seus esforços,
foi dada à língua portuguesa um estatuto semelhante
ao do inglês, do alemão e do espanhol, nos cursos
secundários de França.
Representou Portugal em vários congressos
dos «Tourings» (Aliança Internacional de Turismo).
Colaborou em muitas publicações de turismo e em
diversos jornais.
O velório de Jaime de Pádua Franco teve lugar
na Igreja da Praia da Rocha, seguindo depois para a
Igreja matriz de Porimão, onde foi rezada missa de
corpo presente. A urna foi coberta com a bandeira da
Sociedade de Propaganda de Portugal e o corpo vesido
com a casaca e com as condecorações de Isabel, a
Católica, Senhora da Conceição de Vila Viçosa e colar da
Sociedade de Geograia.
Faleceu com 69 anos, em 20 de Abril de 1938.
A urna icou depositada no cemitério de Porimão,
no jazigo do visconde de Bívar26.

Manuel Roldan y Pego nasceu em Vila Real de


Santo António em 3 de Dezembro de 1863. Frequenta o
curso de engenharia, inicialmente na Escola Politécnica
de Lisboa e depois na Academia de Minas de Freiberg,
na Alemanha, onde concluiu o seu curso.
Marcou presença em vários Congressos
Internacionais de Estradas, nomeadamente no segundo,
em Bruxelas (1910) e no terceiro, em Londres (1913). Na
sequência destas paricipações elaborou uma exposição
ao Ministério do Fomento, nesse período, enquanto
representante do Conselho de Turismo, manifestou suas
preocupações relaivamente ao estado das estradas
portuguesas e o seu papel no desenvolvimento da
economia portuguesa.

Figura 6 Manuel Roldan y Pego


O discurso relaivamente à viação ordinária
começa a mudar na I República, com o “problema das
estradas” a ser equacionado de forma mais frequente
pelos interesses ligados às vias rodoviárias, entre

26
“Necrologia - Jaime de Pádua Franco”, O Algarve, Faro, 24-04-1938, Ano 31, nº 1569,
p. 3, col. 3 a 5.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 117

outros, o Automóvel Clube de Portugal e as empresas


fornecedoras de gasolina. Em 1914, por exemplo, o
relatório da Reparição do Turismo do Ministério do
Fomento dava conta do mau estado das estradas,
referindo a exposição feita pelo engenheiro de minas
Manuel Roldan y Pego, na qualidade de representante
do Conselho de Turismo, ao ministro do Fomento,
na qual airmava: “A estrada deteriorada é de grande
prejuízo à vida portuguesa em todos os seus ramos
já que profundamente afecta a economia do país,
porquanto a estrada não é só úil pelo automobilismo às
classes privilegiadas, mas essencialmente democráica
e necessária à vida rural e ao comércio”.
Foi membro do Corpo de Engenharia Civil da
Secção de Minas e foi director da Direcção Geral de
Minas e Serviços Geológicos desde 1918 até à sua
reforma em 1933. Foi também membro de vários
Conselhos Superiores como os de Turismo, o de
Caminhos-de-Ferro, de Indústria e de Electricidade.
Presidiu à Sociedade Propaganda de Portugal por várias
vezes. Realizou diversas conferências ligadas à questão
do turismo, mas não chegaram a ser publicadas.
Em 1933 era presidente do Conselho Fiscal da
Sociedade de Propaganda de Portugal.
Faleceu em Vila Real de Santo António a 12 de Abril
de 1935.
Publicou entre outras coisas ligadas à sua formação
de engenheiro de minas: “Jazigos de Minérios”, Notas
Sobre Portugal, Vol. I, Imprensa Nacional, 1908; “Efeitos
dos Tremores de Terra nas Minas de Aljustrel e S.
Domingos”, Revista de Obras Públicas e Minas, Ano XI,
1909, nº XL, p. 241; “O ouro e a prata do Sado”, Revista de
Obras Públicas e Minas, Tomo XL, Outubro a Dezembro
de 1909, n.os 478 a 480; Riquezas de Portugal. O ouro
e a prata do Sado, Lisboa, Imprensa Nacional, 1910;
“Footways of small sets. The paving of public places
and sidewalks in Lisbon”, [Comunicação], II Congresso
Internacional de Estradas (Highway Engeneering), 1910
[em co-autoria com o eng. José de Mello e Matos],
Bruxelas, 1910; “Dos carvões portugueses”, Revista de
Obras Públicas e Minas, n.º 632, Maio de 1925, pp.
15-19; “Aproveitamento de energia” [Comunicação]
Porto Medico, Porto, 1926. - 4 p. (3.º Congresso de
Electricidade em Coimbra); “Exposição internacional:
Panamá Pacíico em S. Francisco da Califórnia: sessão
portuguesa”, Boleim da Sociedade de Geograia de
Lisboa, Série 49, nº 1-2 (1931), p. 34-38.
Figura 7 José Lorjó Tavares
118 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Também José Bernardo Camilo Lorjó Tavares27


fazia parte da Comissão de Recepção da Sociedade
de Propaganda de Portugal aquando da sua criação.
Era natural de Faro, onde nasceu em 21 de Dezembro
de 1857 e veio a falecer em Colares, em 1939. Autor
teatral, jornalista e escritor, colaborou com inúmeras
publicações periódicas com destaque para Brasil-
Portugal, Peris Contemporâneos, Ilustração Portuguesa,
Correio da Noite, Correio Português, Ocidente, Comércio
Português, Diário da Manhã, entre muitos outros.
Apaixonado pelas viagens relatava os seus
percursos pelo mundo fora.
Publicou: A Moira de Silves, 1891 (ópera-cómica),
com três actos e quatro quadros foi representada pela
primeira vez no teatro da Trindade a 5 de Janeiro de
1891; O Segredo da Conissão, 1892 (drama), peça com
quatro actos, foi representada no teatro de D. Maria
II a 29 de Outubro de 1892; O Suicida, 1894 (drama);
Ingleses …, 1915 (comédia); Divórcios, 1933 (comédia);
Nonda, inédita (comédia trágica); 1808, inédita (drama
histórico); Alma Portuguesa, inédito.

c) A propaganda do turismo no Algarve pelo


Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal
As grandes preocupações e estratégias para
o turismo no início do século XX passavam pelo
aproveitamento do clima, das praias, termas e
paisagens. Airmava João Bentes Castel-Branco no
Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal num
arigo initulado “Termas e Praias”: É necessário pensar
nos modos de criar atracivos, recursos e comodidades
para reter e ixar entre nós os elementos estrangeiros
que nos procuram.
Temos a nosso favor, além da privilegiada posição
geográica, a amenidade, salubridade e doçura do
nosso clima, que se presta admiravelmente para o
tratamento dos indivíduos que chegam extenuados,
que pela violência luta e desregramento da existência
civilizada, quer pelos ardores dos climas tropicais, quer
pelos rigores dos climas frígidos28.
Neste extenso arigo, Bentes Castel-Branco
colocava algumas prioridades para o turismo em
Portugal sobretudo na questão das praias e termas:

27
Sobre Lorjó Tavares e o Brasil consultar o arigo de Fernanda Suely Muller, “Lorjó
Tavares, esse ilustre desconhecido de «Brasil-Portugal». 1899-1914”, Todas as Letras,
vol. XIII, nº 2, 2011, p. 44-54 [consultado aqui: htp://editorarevistas.mackenzie.br/
index.php/tl/aricle/viewFile/4006/3197 (08-08-2014)].
28
João Bentes Castel – Branco, “Termas e Praias”, Boleim da Sociedade de Propaganda
de Portugal, Lisboa, Nº2, Agosto de 1907, p. 8-10.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 119

a) estudar e disinguir as melhores estâncias para


as conseguir fazer concorrer com as melhores da Europa
no tempo;
b) coordenar esforços para não desenvolver
concorrência desordenada;
c) elaborar regulamentos sanitários para as praias,
termas e estações sanitárias para garanir as melhores
condições higiénicas;
d) promover a educação de pessoal adequado para
hotéis, casas de saúde e estabelecimentos termais;
e) promover a criação de hotéis, casas de saúde,
balneários e outros congéneres adequados ao
tratamento de doenças crónicas;
f) abrir vias de comunicação que ajudem a dar fácil
acesso às estações climatéricas que forem escolhidas.
Na sequência da publicação deste arigo, e porque
ele foi analisado em detalhe, os membros direcivos da
Sociedade de Propaganda de Portugal decidiram criar
uma comissão de vários elementos de competência para
elaborar o programa de um congresso que estude tão
complexo assunto, que se relaciona e prende com várias
empresas de capital interesse e importância para a
representação digna do País29 e criar uma secção nesta
sociedade com vista a promover a realização práica
da exploração climatérica em Portugal. Brevemente
publicará as importantes resoluções tomadas já nas
primeiras reuniões e que coligidas num bem elaborado
e sucinto relatório, presente à Direcção, são um trabalho
de grandíssimo alcance na solução de vários problemas
sociais30. Pode perceber-se, já nesta fase, uma
estruturação do pensamento do médico e director das
termas de Monchique31 e um dos primeiros algarvios
Figura 8 João Bentes Castel-Branco
29
“Notas Várias: Termas e Praias”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal,
Lisboa, Nº3, Setembro de 1907, p. 15.
30
“Notas Várias: Termas e Praias”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal,
Lisboa, Nº4, Outubro de 1907, p. 30.
31
Sobre João Bentes Castel-Branco deve consultar-se a nota biográica mais centrada
na igura do médico esboçada por Ana Lourenço Pinto, “Caldas de Monchique:
Das Águas Sagradas ao lugar de bem-estar. Um esboço da insituição através das
personalidades históricas”, Promontória Monográica. História do Algarve. Contributo
para a História da Saúde no Algarve, nº1, Centro de Estudos de Património e História
do Algarve/Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade do Algarve,
Faro, 2013, p. 55-58. Cf., também, João Nuno Aurélio Marcos, Os Viscondes de
Lagoa, Arandis Editora, Albufeira, 2013, p. 218-220. Permita-se-nos acrescentar mais
alguns elementos sobre a vida pública e políica deste polémico médico algarvio: Na
vida políica João Bentes Castel Branco começou por se airmar como republicano,
envolvendo-se na propaganda levada a cabo no Algarve no início dos anos 80 do
século XIX, paricipando em comícios e reuniões políicas. Foi da sua autoria o projecto
de “Organização do Parido Republicano no Algarve” que publicou no jornal O Século
de 25 a 28 de Novembro de 1884. Foi ainda redactor-principal do semanário Província
do Algarve juntamente com Roque Féria, que funcionou como órgão oicial do Parido
Republicano na região, mas este periódico rapidamente desapareceu. Paricipa em
Fevereiro de 1888 no primeiro Congresso Agrícola, tendo apresentado uma proposta
de criação de uma nova secção no congresso, a séima, para estudar a crise das frutas
120 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

a demonstrar publicamente interesse e conhecimento


sobre a questão turísica.

Através do Boleim da Sociedade de Propaganda


de Portugal é possível encontrar, sobretudo nos textos
deixados pelo médico algarvio, alguma expectaiva
no aumento de turistas na região, sobretudo com a
abertura do canal do Panamá32. Na referida publicação,
encontram-se textos sobre as várias estâncias termais
e suas potencialidades, bem como as praias em
destaque e recomendadas aos viajantes como Póvoa
do Varzim, Foz, Leça e Matosinhos, Espinho e Granja
e Figueira da Foz que era a praia mais frequentada do
País nas primeiras décadas do século XX32. Depois faz
um percurso pelas praias de Cascais, Praia da Rocha,
Luz de Lagos e pelas termas de Vidago, Gerês, Vizela
e Caldas da Rainha33. Airmava-se na época sobre a
Praia da Rocha: é a mais pitoresca praia do País pelas
penedias cheias de anfrutuosidades [sic] e galerias que
a guarnecem: é muito extensa e bem areada. Fica perto
da barra de Porimão, onde tocam vapores espanhóis,
portugueses, alemães e ingleses que a ligam por mar ao
Norte da Europa e partes do Mediterrâneo.
Por terra a Rocha dista 2 quilómetros de Porimão;
numerosos veículos percorrem de Verão esta distância
transportando passageiros, etc.
Porimão é estação de caminhos-de-ferro do sul e
dista de Lisboa 328 km: Hotel Sansão.
verdes e secas – laranja, igo, ameixa, uvas, tomates e coriça. Foi nomeado, em
Fevereiro de 1890, guarda-mor da saúde de Lisboa. Realizou, em Abril de 1890, uma
conferência no Centro Ultramarino, em Lisboa, sobre a colonização africana. Em Maio
de 1890 entra como sócio da Sociedade de Geograia, proposto por Ângelo Sarrea
de Sousa Prado. Curiosamente foi ele, três anos mais tarde, que propôs a entrada na
referida sociedade de outro ilustre algarvio, Tomás Cabreira. Em 1894, era presidente
da secção de emigração da mesma sociedade. Mais tarde, encontramo-lo já no
campo monárquico, colaborando com o jornal Portugal defendendo posições políicas
completamente opostas, porque exercia funções de destaque na Liga Monárquica, e
sendo por isso fortemente criicado pelos seus anigos correligionários.
Em 1908 paricipou mesmo no congresso do Parido Nacionalista, em Viseu, onde
apresentou uma tese sobre “Vida e Modo de Ser do Parido Nacionalista”. Foi
secretário do Centro Nacionalista Distrital de Lisboa. Foi também apresentado como
candidato a deputado pelo círculo eleitoral de Bragança nas eleições de Abril de 1908.
Paricipou no Congresso do Parido Nacionalista, realizado no Porto, entre 14 e 16 de
Novembro de 1909, onde apresentou uma tese sobre higiene e saúde pública. Mais
apresentou também uma tese no I Congresso da União Nacional, em 1933, sobre
questões de higiene e saúde pública, mas que não foi publicada. Foi o representante
de Portugal em vários congressos internacionais e tentou ainda criar um Insituto de
Bio-Cultura, em Lisboa, que dirigiu acompanhado de alguns seguidores.
Desiludido e parcialmente desacreditado reirou-se da clínica, vivendo dos
rendimentos e assumindo sempre um papel de excentricidade ao assumir-se como o
mais velho vegetariano português.
Faleceu em S. Pedro do Estoril, em 15 de Julho de 1940, com 89 anos de idade.
32
Anónimo, [João Bentes Castel-Branco???], “Praias e Termas de Portugal”, Boleim
da Sociedade de Propaganda de Portugal, Lisboa, Agosto de 1908, nº 14, p. 64-68.
33
Anónimo, [João Bentes Castel-Branco???], “Praias e Termas de Portugal”, Boleim
da Sociedade de Propaganda de Portugal, Lisboa, Setembro de 1908, nº 15, p. 70-72.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 121

Na Rocha há casino, casas pariculares para


hóspedes, chalets mobilados e Hotel Viola.
Na descrição que é feita da praia note-se o cuidado
em destacar a facilidade de deslocação através de
barco, com os múliplos contactos comerciais que
exisiam através da barra em Porimão34. Por outro
lado, salientando a presença do comboio como meio
de deslocação a uilizar, bem como a existência de
alojamentos, como o hotel e as casas pariculares que
eram uilizadas já para acividades de veraneio.
Por seu lado, a praia da Luz de Lagos era descrita
da seguinte forma:
Fronteira à praia da Rocha ica a baía de Lagos,
muito ampla, tornada conhecida pela escolha que
os ingleses izeram dela para as manobras das suas
esquadras, como ponto estratégico militar e comercial,
pela sua posição à entrada do Mediterrâneo e do
Atlânico, justamente colocada na estrada de maior
navegação do mundo sobretudo depois da abertura do
Canal do Panamá.
Já hoje rasam a Baía de Lagos mais de 12000
embarcações por ano, que poderiam comunicar com a
cidade sem se desviar sensivelmente do seu rumo, isto
é, quase sem perda de tempo, poderiam receber em
primeira ou úlima mão passageiros, correspondência,
comesíveis e carvão quando navegam do mediterrâneo
para a América ou reciprocamente.
O mar da costa Sul de Portugal é muito manso,
excepto em dias de vento sudoeste que de resto é pouco
frequente.
O clima é tão doce e seco que rivaliza com o das
melhores estações de inverno.
Nos meses mais frios a temperatura raro desce
abaixo do 8º apenas durante duas ou três horas na
madrugada, todo o resto do dia a temperatura mantém-
se acima de 12º35.
Notam-se aqui os eixos fundamentais da
propaganda da região e do país: o clima ameno e a
nossa posição geográica, mas lançava também o alerta
para a necessidade de resolver problemas como os
alojamentos, as vias de comunicação e os recursos para
manter os estrangeiros no País durante mais tempo,
como a criação de atracivos.
Ao longo de vários números da revista abordou-
se por diversas vezes a importância do aproveitamento

34
Ana Prata, “Porimão, une ville portuaire : la dynamique d’une industrie de la mer.
Étude d’un hinterland portuaire”, Cahiers de la Méditerranée, nº 80, 2010, 139-155.
35
Anónimo, [João Bentes Castel-Branco???], “Praias e Termas de Portugal”, idem.
122 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

do clima do País e da região. Concomitantemente,


apresentavam-se já as praias como um elemento
essencial que era necessário explorar e aproveitar36.
Segundo o referido boleim, João Bentes Castel-
Branco apresentou em 12 de Janeiro de 1910, na
sessão da direcção da Sociedade de Propaganda de
Portugal, um extenso relatório sobre este assunto. Este
relatório estava dividido nos seguintes capítulos: estado
do assunto; oferta de lucros; condições climatéricas;
posição geográica; lugares pitorescos; monumentos;
distracções e espectáculos; jogo de azar; comodidades;
facilidades de acesso; resumo; condições de viabilidade
do empreendimento; receitas; despesas; II Parte:
estudo da execução37. A análise deste documento
mostra a preocupação com a criação de condições para
acolher e manter por algum tempo os visitantes, tendo
em vista a obtenção de lucros e alargando as ofertas de
distracções como o jogo, espectáculos e diversões, que
permiiriam atrair mais gente, possibilitando também
aumentar as receitas proporcionadas pela denominada
indústria do estrangeiro.
O boleim fazia regularmente referência às
publicações que iam sendo editadas e, em 1912, surge
a referência a um álbum de fotograias da Praia da
Rocha, da autoria de Francisco de Bívar Weinholtz, para
divulgação no estrangeiro38, contribuindo assim para
mostrar as belezas naturais da região. Uma espécie de
folheto de propaganda da Praia da Rocha.
Reivindicavam-se também melhores estruturas
para a região, em especial ao nível do alojamento. Para
isso, a Sociedade de Propaganda de Portugal, pressio-
nou junto do poder políico, para que se realizasse uma
reunião entre elementos de destaque da sociedade al-
garvia em Lisboa e do Governo, como José Estêvão de
Vasconcelos, também ele algarvio, para se analisar a ne-
cessidade de construir um hotel de luxo na região39, ten-
do sido discuidas diferentes localizações e propostas.

36
Pedro Alexandre Guerreiro Marins, Contributos para uma História do Ir à Praia em
Portugal [Dissertação de Mestrado], FCSH-UNL, 2011 [consultado online htp://run.
unl.pt/handle/10362/7093 (09-08-2014)].
37
“Indústria do Estrangeiro – João Bentes Castel-Branco”, Boleim da Sociedade de
Propaganda de Portugal, Lisboa, Janeiro de 1910, nº 1, Ano IV, p. 1-7.
38
“Praia da Rocha”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal, Lisboa, Março
de 1912, nº 3, Ano VI, p. 21. No entanto não conseguimos localizar esta obra em
nenhuma das principais bibliotecas consultando os catálogos disponíveis online, mas
a obra existe.
39
Nessa reunião, realizada a 5 de Junho de 1912, esiveram presentes além de Estêvão
de Vasconcelos, Manuel Roldan, Alberto da Silveira, Gonçalo Reparaz, Coelho de
Carvalho, Vasconcelos Correia, Jaime de Pádua Franco e António Caetano Celorico Gil.
Cf. “Pró-turismo: melhoramentos do Algarve”, Boleim da Sociedade de Propaganda
de Portugal, Lisboa, Junho de 1912, nº 6, Ano VI, p. 54-55.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 123

Publica-se depois um extenso arigo de divulgação


de alguns aspectos do Algarve, sobretudo a paisagem,
alguns monumentos, alguns marcos históricos, eviden-
ciando algumas localidades como Faro, Tavira, Lagos,
Silves, Porimão e Vila Real de Santo António. Como se
pode observar são essencialmente os concelhos do li-
toral, mesmo assim deixando de fora Albufeira, Vila do
Bispo, Aljezur, Loulé, Olhão, Castro Marim, Alcouim, La-
goa e Monchique40. Analisando o texto veriica-se que
as recomendações passavam por alguns monumentos,
como igrejas, castelos, fortalezas, os acontecimentos
históricos mais marcantes dessas localidades, os mer-
cados e as marcas do território. No entanto, neste texto
não se dá o habitual destaque às termas, ao clima ou às
praias, mas a obra é acompanhada de inúmeras fotogra-
ias que ilustram a paisagem das localidades algarvias.
Assim, mesmo que omiindo alguns concelhos no texto,
as ilustrações servem para preencher de certa forma as
lacunas, de propósito ou não. Deve, no entanto, referir-
-se que o tratamento das imagens no texto é bastante
cuidado, escolhendo imagens panorâmicas, mas muitas
vezes desencontradas daquilo que era abordado na des-
crição feita. Porém, esta situação também podia resultar
de opções gráicas ou limitações por parte da ipograia.
Uma das preocupações da Sociedade de Propa-
ganda de Portugal quanto à indústria do estrangeiro
no Algarve relaciona-se com as recomendações feitas a
alguns municípios. Assim, em Outubro de 1912 publi-
cava-se um conjunto de recomendações feitas por esta
sociedade à Câmara Municipal de Vila Real de Santo An-
tónio, que passavam pela limpeza das zonas próximas
da ponte e cais de embarque, reirando da praia alguns
barracões de madeira e depósitos de carvão, “porque
causavam um feio aspecto e lhe iram o convite de hos-
pitalidade”. Porque, reforçava-se, o nosso País “deve
dar-se a conhecer pelas suas magníicas paisagens,
pelos ridentes síios, pela doçura do clima, pelas suas
limpas, seguras e extensas praias, enim pelos inúmeros
encantos que reúne”41. Apelava também à colocação de
plantas e relva em dois talhões da Avenida da República
e pelo cuidado na divulgação da praia de Monte Gordo
na vizinha Andaluzia, para caivar cada vez mais vera-
40
“Portugal Pitoresco: o Algarve”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal,
Lisboa, Novembro/Dezembro de 1912, nº 11, Ano VI, p. 101-105. Por seu lado, São
Brás de Alportel era ainda neste período uma freguesia do concelho de Faro. As onze
imagens que acompanham este texto dizem respeito a Faro, Lagos, duas imagens da
Praia de Rocha, uma vista de Tavira, Olhão, duas imagens de Monchique, Porimão e
Vila Real de Santo António.
41
“A “Propaganda” no Algarve”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal,
Lisboa, Outubro de 1912, Nº 10, Ano VI, p. 99.
124 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

neantes e visitantes mesmo em épocas fora do período


balnear, mas tornava-se necessário apresentar melho-
res instalações e maior facilidade na aquisição de géne-
ros alimentares.
Em meados do ano seguinte, surge também uma
recomendação divulgada no boleim, devidamente
fundamentada da Sociedade de Propaganda de Portugal
para se proceder à relorestação da serra algarvia42 para
reforçar a imagem e a beleza natural da região.
Promove e transcreve a conferência feita por Cân-
dido Marrecas sobre “A Praia da Rocha. Seu presente e
seu futuro”, nas instalações da SPP em 20 de Março de
191543. Nesta conferência, Cândido Marrecas começa
por salientar o papel da Sociedade de Propaganda de
Portugal, fazendo a propaganda do País a nível externo,
destacando as belezas naturais, o clima, recomendando
melhores estradas. Analisa ainda o horário dos comboios
e chama a atenção para a necessidade de modernização
dos serviços de transportes. Mas sistemaicamente con-
frontava-se com obstáculos como a inércia dos serviços
públicos, a diiculdade dos meios para fazer a propaganda
no estrangeiro. Avançou depois para uma bela e sugesi-
va descrição da Praia da Rocha e da região circundante.
Refere-se ao plano de urbanização da região da praia
feito pelo arquitecto Rosendo Carvalheira (1864-1919).
Analisou depois o clima da praia e refere-se à beleza das
amendoeiras em lor, que se viriam a tornar outro dos ex-
-libris da região. A descrição prossegue com o folclore e a
etnograia da região. Em seguida dedica alguma atenção
às acividades económicas como os trabalhos em palma
(empreita), a pesca com os maríimos de Olhão, as rendas
em Monchique e Lagos, a olaria, alertando para a neces-
sidade de se criar um museu regional com a representa-
ção de todas estas acividades que exisiam na província
de modo a que os estrangeiros o pudessem visitar44.

3 – A CRIAÇÃO DA REPARTIÇÃO DE TURISMO (1911)

a) O papel de José de Ataíde


José de Ataíde Ramos de Oliveira (1882-1942). Um
dos «pais» do Turismo insitucional português. Natural
“Arborização do Algarve”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal, Lisboa,
42

Maio e Junho de 1913, Nº 5 e 6, Ano VII, p. 60.


43
“A Praia da Rocha. Seu presente e seu futuro”, Boleim da Sociedade de Propaganda
de Portugal, Lisboa, Julho/Agosto de 1915, nº 4, Ano 9, p. 55-58. Esta conferência
coninua a ser transcrita no referido boleim, Agosto/Setembro de 1915, nº 5, Ano
9, p. 71-79.
44
José Carlos Vilhena Mesquita, “A Emergência do Turismo no Algarve”, Ualgzine, nº
4, Dezembro 2010, Universidade do Algarve, Faro, p.25-28. [Consultado online aqui:
htp://issuu.com/ualg/docs/web_ualgzine_4/1?e=5008404/6584045 (15-08-2014)]
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 125

de Lisboa, nasceu em 1882, advogado e publicista


cheiou a Reparição de Turismo entre 1911, data da sua
criação, até 1942.
Formou-se em Direito na Universidade de Coimbra,
em 1906, tendo exercido durante algum tempo a
advocacia.
Logo após a implantação da República, foi
escolhido por Brito Camacho para a cheia da Reparição
de Turismo, em 12 de Agosto de 191145, cargo que
desempenha até transitar para chefe de serviços
do Secretariado de Propaganda Nacional e onde se
conservou até à sua morte.
Publicou diversos folhetos de propaganda turísica
e relatórios, colaborou em diferentes jornais e revistas
e realizou várias conferências, tendo tomado parte
em Congressos da especialidade, nomeadamente
no Congresso Internacional Hoteleiro, realizado em
Lisboa em 1917, e no I Congresso Nacional de Turismo, Figura 9 José de Ataíde
realizado em Lisboa em 1936. Em 1929, através
do decreto nº16:999, de 21 de Junho de 1929, o
Governo da Ditadura Militar criou o Conselho Nacional
do Turismo para coordenar o Turismo oicial. Esta
iniciaiva legislaiva servia para tentar captar viajantes
sul-americanos que se deslocariam a Espanha para
visitar as exposições em Barcelona e Sevilha. Este
funcionário superior do Estado publicou entre outras
coisas: Serviços da Reparição de Turismo. Ministério do
Fomento. Relatório. Setembro de 1911 a Junho de 1912,
Typ. Bayard, Lisboa, 1912, 152 p.; Serviços da Reparição
de Turismo. Ministério do Fomento. Relatório. Julho de
1914-Junho de 1915, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916,
172 p.; Serviços da Reparição de Turismo. Ministério
do Fomento. Relatório. Julho de 1915-Junho de 1916,
Imprensa Nacional, Lisboa, 1916, 162 p.; “Algumas
Notas sobre o Turismo em Portugal”, Turismo. Separata
do Anuário Comercial de Portugal, Dir. Luís Reis Santos,
Empresa do Anuário Comercial de Portugal, Lisboa,
1932, p. 305-315; “Algumas Notas sobre o Turismo em
Portugal”, Turismo. Anuário 1933-1934. 1935-36, Dir.
Luís Reis Santos, Oicina Gráica Limitada, Lisboa, 1934, p.
III-X; Noções de Hotelaria. Hoteleiros e Restauranistas.
Pessoal de Hotéis e Restaurantes. Os Hóspedes, Lisboa,
Anuário-Oicinas Gráicas, 1939, p. 134.

45
O decreto que criou a Reparição do Turismo foi de 16 de Maio de 1911 e a
consituição da nova reparição do Ministério do Fomento foi publicada em Diário do
Governo, nº 188, 14-08-1911, p. 3435.
126 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

4 – A ESTRUTURAÇÃO DA S. P. P. NO ALGARVE

a) As delegações
Uma das preocupações desde cedo demonstrada
pela Sociedade de Propaganda de Portugal era levar à
criação de delegações por todo o País, procurando criar
uma rede de ligações com os municípios portugueses.
Assim, no Algarve organizam-se várias delegações.
Foram consituídas as delegações da Sociedade de
Propaganda de Portugal, em Porimão, em Novembro
de 1912 e a sede nesta localidade situava-se na sede
do Grémio Familiar, em Porimão e as reuniões dos
corpos gerentes realizar-se-iam no ediício dos Paços
do Concelho46. A delegação de Porimão conseguiu em
1914 estabelecer um acordo com António do Carmo
Provisório para obter descontos para os sócios que
frequentassem as sessões de cinema que estavam
muito em voga na época47. Em 26 de Outubro de 1913,
na sala da Câmara Municipal de Silves, procedeu-
se à inauguração e instalação da referida sociedade
naquela cidade algarvia. Também na capital algarvia foi
criada uma delegação da Sociedade de Propaganda de
Portugal, inaugurada no dia 8 de Novembro de 191348.
Organiza-se depois uma delegação em Monchique, a 19
de Abril de 1914 e em Lagoa, a 5 de Novembro de 1914.
Mesmo durante a Grande Guerra, a Sociedade de
Propaganda de Portugal coninuou a envidar esforços
para se consituírem novas delegações na província. Foi
então enviado um oício, em 20 de Setembro de 1915,
dirigido a Francisco Mendes Sanches, para se consituir
uma delegação em Vila Real de Santo António49.
A delegação de Albufeira foi consituída em 23
de Agosto de 191750. A reorganização da delegação
46
“Associações: De Propaganda”, Republica, Lisboa, 09-11-1912, Ano II, nº 656, p. 2,
col. 5. A direcção da delegação em Porimão era consituída por António Teixeira Biker,
presidente; Francisco de Bívar Weinholtz e Pedroso de Lima, secretário; Francisco
Mendes, tesoureiro.
47
“Propaganda de Portugal em Porimão”, Alma Algarvia, Silves/Porimão, 18-04-
1914, Ano IV, nº 155 (2ª série), p. 2, col. 4.
48
“Delegação em Silves e de Faro”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal,
Lisboa, nº 9 a 11, Ano VII, Setembro a Novembro de 1913, p. 85-86. Por seu lado, a
direcção da delegação de Silves icou consituída da seguinte forma: Dr. João Rosado
Garcia; Dr. Francisco Vieira, Henrique Marins, Dr. Victorino Mealha, Jorge Carlos
Freire, José António Duarte e Pedro Paulo Mascarenhas Júdice. Na cidade de Faro a
direcção foi formada da seguinte forma: Constanino Canavarro, Artur Aguedo, Jusino
Bívar, Álvaro Júdice, Pedro Monteiro de Barros, Alexandre Origão de Carvalho e Dr.
João Pedro de Sousa.
49
“Relatório dos trabalhos efectuados da comissão das delegações da Sociedade de
Propaganda de Portugal”, Boleim da Sociedade de Propaganda de Portugal, Lisboa,
Novembro/Dezembro de 1916, Ano Ano 10, nº 6, p. 105.
50
“Noícias Várias”, O Algarve, Faro, 02-09-1917, Ano 10, nº 493, p. 3, col. 1. Os
elementos desta delegação eram: Dr. José Frederico Cortes Menezes, José Crisóstomo
Pereira Paiva Júnior, Francisco Alexandre da Piedade, Ventura de Sousa Mateus e
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 127

de Porimão acontece em 1920, muito por força do


falecimento de António Teixeira Bicker51. A delegação de
Faro foi reorganizada também em 192052.
Estas delegações da sociedade acabaram por se
instalar em algumas localidades da região algarvia,
sobretudo as de maior pendor turísico, e dependiam
muito da iniciaiva, vontade e disponibilidade dos
elementos que a compunham. No entanto, as suas
iniciaivas eram muito localizadas, sobretudo feitas de
recomendações às enidades públicas e pouco mais.
Aquilo que podemos deduzir da acividade das
delegações é que ela era muito limitada. Algumas
delegações reuniam com regularidade e preparavam o
trabalho. Outras realizavam reuniões pontuais, onde se
discuia o que fazer, que prioridades deveriam avançar
e que condições deveriam ter as áreas a visitar pelos
turistas53.

b) Os postos meteorológicos
Os postos meteorológicos foram criados
inicialmente na Praia da Rocha, em 1912, por iniciaiva
de Jaime de Pádua Franco54. Este posto foi depois
renovado em 1914, aquando da visita do então Ministro
do Fomento, João Maria de Almeida Lima, em 18 de
Novembro de 1914 e era liderado pelo capitão do porto
de Porimão, Pedroso de Lima55.

Na vila de Monchique foi inaugurado um posto


meteorológico em 11 de Outubro de 191456. Esta
cerimónia decorreu nas instalações da câmara
municipal local e contou com a presença de várias
Joaquim Mendonça Gouveia.
51
Em consequência do falecimento do seu presidente, o presimoso cidadão, Exmo.
Sr. António Teixeira Bicker, e da saída da localidade, de outros membros da sua
Direcção, esta foi reconsituída pela seguinte forma: Presidente: Francisco De Bívar
Weinholtz; Tesoureiro: Exmo. Sr. António Dias Cordeiro; Secretário: Alfredo Lopes
Vieira d’Andrade; Vogais: João Bentes Soares Castel-Branco; José da Glória Silveira;
Dr. Francisco Vito Corte-Real; Francisco J. Duarte; Álvaro da Trindade Pina; Juliano de
Carvalho. “Reorganização das delegações em Faro e Porimão”, Boleim da Sociedade
de Propaganda de Portugal, Lisboa, Janeiro/Fevereiro de 1920, Ano 14, nº 1, p. 13.
52
Esta delegação foi reorganizada devido ao facto de algumas das pessoas que a
integravam terem abandonado a cidade de Faro. A parir de 1920, a delegação de
Faro passou a ter a seguinte consituição: Presidente: Constanino Cumano; Vogais:
Dr. Jusino de Bívar; Dr. António Miguel Galvão; Coronel João Pires Viegas; Bernardo
de Passos; José Alexandre da Fonseca; Dr. Joaquim Rodrigues Davim; Francisco José
Pinto; Mário Lyster Franco. “Reorganização das delegações em Faro e Porimão”, idem.
53
“Sociedade de Propaganda de Portugal: Delegação de Silves”, Alma Algarvia, Silves/
Porimão, 08-02-1914, Ano III, nº 150, p. 3, col. 4 e 5.
54
Maria João Raminhos Duarte, “Congresso Regional Algarvio – Praia da Rocha (1915)
”, 12º Congresso do Algarve, Tavira, 2004, p. 131, nota 4.
55
“Posto Meteorológico da Praia da Rocha”, Boleim da Sociedade de Propaganda de
Portugal, Lisboa, Maio/Junho de 1915, nº3, Ano 9, p. 47.
56
“Posto Meteorológico de Monchique” Idem, p. 46-47.
128 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

personalidades ligadas à Sociedade de Propaganda de


Portugal como Oliveira Pires, Alberto Bramão, Rosendo
Carvalheira, Oliveira Leone, José de Pádua, Ferrugento
Gonçalves, entre vários outros. Usou, na ocasião, da
palavra, Rosendo Carvalheira, que num discurso luente
entusiasmou a assistência, referindo-se à paisagem do
campo algarvio, a serra e as praias57.
Estes postos meteorológicos inham por missão
acompanhar as temperaturas e o clima em detalhe numa
determinada localidade. No caso da Praia da Rocha deu
origem a um conjunto de estudos estaísicos feitos
por João Madaíl sobre o clima da praia da Rocha que
foram publicados entre 1915 e 191858, sem esquecer o
trabalho de Geraldino Brites, sobre o mesmo assunto
publicado na Revista da Universidade de Coimbra e
também apresentado como tese ao Congresso Regional
Algarvio de 191559.
Os postos meteorológicos procuravam valorizar
através dos dados recolhidos as terras onde se
instalavam, sobretudo o clima aprazível, as temperaturas
amenas, propícios para proporcionar o descanso aos
viajantes de climas mais adversos.

5 – O PAPEL DO CONGRESSO REGIONAL


ALGARVIO DE 1915
A ideia dos congressos regionais começou a
germinar entre os paricipantes do IV Congresso
Internacional do Turismo, realizado em Lisboa, em 1911.
O tempo foi passando e a iniciaiva não se concreizava.
Passados quatro anos, alguns representantes da
Sociedade de Propaganda de Portugal no Algarve
Figura 10 Panorâmica da Praia da Rocha, imagem
de Emílio Biel manifestaram junto dos órgãos centrais que estariam
interessados em organizar o referido congresso60,
em especial António Teixeira Bicker, da delegação
de Porimão. Desencadearam-se vários contactos,
divulgou-se a iniciaiva e consituiu-se uma comissão
57
“Propaganda de Portugal”, O Algarve, Faro, 18-10-1914, Ano 7, nº 343, p.1, col. 1 e 2.
58
João Madaíl, Subsídios para o estudo do clima da Praia da Rocha (Algarve): notas
meteorológicas de 1913, Centro Tipográico Colonial, Lisboa, 1915; Idem, Notes
sur de climat de Praia da Rocha (Portugal): observaions météorologiques de 1915,
Tip. América, Lisboa, 1916; idem, Notes sur de climat de Praia da Rocha (Portugal):
observaions météorologiques de 1917, Tip. La Becarre, Lisbonne, 1918.
59
Geraldino Brites, “O Clima no Algarve”, Revista da Universidade de Coimbra, vol. IV,
Imprensa da Universidade, Coimbra, 1916, p. 726-781, mas que coninuava outros
estudos já desenvolvidos pelo autor na revista Movimento Médico, nº 10 a 15 e no
trabalho Febres Infecciosas. Notas sobre o concelho de Loulé, Coimbra, 1914.
60
“Propaganda de Portugal”, O Algarve, Faro, 02-05-1915, Ano 8, nº371, p. 1, col. 4 e
5. Numa carta de coleção paricular, enviada por António Teixeira Bicker, da delegação
de Porimão da Sociedade de Propaganda de Portugal, para Jaime de Pádua Franco a
sugerir Tomás Cabreira e Jaime de Pádua Franco para paricipar de forma empenhada
no congresso, pode notar-se o interesse que em Porimão havia em conseguir realizar
o evento.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 129

organizadora de algarvios e sócios da sociedade61, que


decidiu a data da realização do I Congresso Regional
Algarvio e o local da realização. Nomeou-se também
uma Comissão Execuiva, consituída por diversas
personalidades, tendo Tomás Cabreira, como presidente.
Tendo o plano de trabalhos do congresso sido esboçado
por esta comissão62 que o dividiu em VII secções. Exisia
ainda uma Comissão Organizadora63, onde constavam
elementos de várias localidades algarvias.
A imprensa regional acompanhou com detalhe
a realização do evento e apoiou-o de forma clara,
pelo menos os semanários O Algarve e O Heraldo,
divulgando a iniciaiva, os detalhes do congresso e os
apoios que iam sendo recebidos. Mesmo a imprensa de
Lisboa foi dando eco do congresso e acompanhando os
trabalhos, talvez por isso mesmo, na sessão inaugural
tenha sido feito o agradecimento não só à imprensa
local, através de Luís de Mascarenhas, mas também
à imprensa de Lisboa, através de Adelino Mendes e
de César dos Santos64. A revista Alma Nova funcionou
como órgão oicial do congresso65, mas o evento

61
A Comissão Execuiva era presidida por Tomás Cabreira, secretariado por Jaime de
Pádua Franco que contava com mais personalidades como: Fernando da Silva David,
Jacinto Parreira, Marins Moreno. Além disso, contava com A. Aboim Inglês, Agosinho
Lúcio da Silva, Alberto Carrasco da Guerra, Alberto Macieira, Aníbal Lúcio de Azevedo,
António Júdice Magalhães Barros, João Viegas Paula Nogueira, João Vasconcelos, José
Francisco da Silva e José Parreira.
62
Maria da Graça Marques, “O Primeiro Congresso Regional Algarvio”, Inuaf Studia,
Sep. Insituto Universitário Afonso III, nº 1, Loulé, 2000, p. 173-174. A comissão
organizadora era consituída por cerca de 200 personalidades.
63
As secções eram: Secção I – Agricultura algarvia: arborização de serras e dunas;
irrigação; posto agrário do Algarve; crédito agrícola; ensino agrícola, móvel e ixo;
escolas femininas e agrícolas; uilização dos salgados.
Secção II – Indústria algarvia: indústria de conservas e outras indústrias; crédito
industrial; ensino industrial; parques; e viveiros piscícolas.
Secção III – Meios de transporte: estradas; pontes; vias férreas; tarifas económicas e
de exportação; portos e barras.
Secção IV – Comércio Algarvio: crédito comercial; tratados comerciais; alfândegas;
produtos algarvios.
Secção V – Turismo: hotéis; estações termais e maríimas; zonas de turismo;
regulamentação do jogo; taxa de turismo; desportos.
Secção VI – Clima algarvio: climatologia; sanatórios; estações de repouso; postos
meteorológicos.
Secção VII: Arte e História do Algarve: museus; monumentos históricos; arte algarvia;
bibliotecas; lendas e tradições; canções regionais.
64
“O Congresso Algarvio”, A Vanguarda, Lisboa, 07-09-1915, Ano IV, nº 937, p. 1, col.
5 e 6, p. 2, col. 1.
65
Maria João Raminhos Duarte, “O I Congresso Regional Algarvio Praia da Rocha
-1915”, José Mendes Cabeçadas Júnior e a Primeira República no Algarve, [Catálogo
da Exposição], Câmara Municipal de Loulé, Loulé, 2010, p. 212-220. Ainda sobre o
Congresso Regional Algarvio de 1915 devem consultar-se os seguintes trabalhos:
Maria João Raminhos Duarte, “O I Congresso Regional Algarvio, Praia da Rocha, 1915”,
12º Congresso do Algarve, Racal Clube de Silves, Tavira, 2004, p. 28-30; Maria da
Graça Marques, “O Primeiro Congresso Regional Algarvio”, Inuaf Studia, Sep. Insituto
Universitário Afonso III, nº 1, Loulé, 2000, p. 159-207. Pode ler-se também de António
Paulo Oliveira,”Mateus Moreno (1892-1970) e o regionalismo algarvio” [Conferência],
X Curso Livre de História do Algarve, Universidade do Algarve, Faro, 2013.
130 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

teve acompanhamento detalhado em vários órgãos


noiciosos de Lisboa, desde o Diário de Noícias, Século,
A Vanguarda, A Capital, entre vários outros enviaram os
seus correspondentes que acompanharam com todo o
detalhe o decorrer dos trabalhos.
A conjuntura políica no ano de 1915 foi
paricularmente desfavorável, com o período ditatorial
de Pimenta de Castro, mas também com vários incidentes
como o atentado contra Afonso Costa, ao mesmo tempo
registaram-se desordens pelo País, muitas câmaras
municipais foram dissolvidas, entretanto o Presidente
da República, Manuel de Arriaga renuncia ao cargo
devido à eclosão do movimento de 14 de Maio de 1915,
sendo eleito pelo Congresso Teóilo Braga que exerceria
provisoriamente as funções até Outubro desse ano; na
sequência destes acontecimentos realizam-se eleições
legislaivas em Junho e ocorreram confrontos entre
tropas portuguesas e alemãs no sul de Angola. Perante
este contexto, não era propriamente fácil conseguir
reunir os meios e as pessoas para avançar com o
projecto do congresso regional, mas o certo é que ele
se concreizou.
O congresso contou, inicialmente, com uma
assistência relaivamente pouco numerosa, pelo menos
assim o assinala a imprensa de Lisboa, facto que é
omiido pela imprensa regional. Mas a chegada de
algumas enidades oiciais e respecivos acompanhantes
como o Ministro do Fomento, Manuel Monteiro,
tornaram mais concorridas as sessões; a cedência de
iluminação, fornecida pelo destroyer Douro, para que
houvesse sessão nocturna; a chegada de alguns oiciais
da Marinha de Guerra; o fornecimento de água das
Caldas de Monchique aos congressistas pelo director
das mesmas e paricipante no congresso, Dr. João Bentes
Castel-Branco. E, esteve também em funcionamento,
na Praia da Rocha, um serviço de transporte colecivo
para cerca de quarenta pessoas, com viagens regulares
entre a Rocha e Porimão. As acividades do congresso
foram acompanhadas por uma exposição de frutos
algarvios, de batalhas de lores e de outras iniciaivas
que serviram para divulgar o Algarve, os seus produtos
e as suas riquezas, aliando também a propaganda às
praias, ao clima e às paisagens naturais da região.

6 – OS ANOS 20 E A ACTIVIDADE TURÍSTICA NO


ALGARVE
José Dias Sancho (1898-1929), no início da década
de vinte lançava algumas críicas à Sociedade de
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 131

Propaganda de Portugal num arigo publicado em Abril


de 1920, no semanário farense Correio do Sul, porque
houve uma visita de 40 estudantes da Universidade
de Zurique, que teriam sido encaminhados para o
Hotel Sansão em Porimão, só que esse hotel não teria
o número de quartos necessárias para os albergar.
A questão do ariculista foi sobretudo em relação à
indicação daquele hotel por alguém da SPP quando
exisia o Grande Hotel, em Faro, ou o Hotel da Praia da
Rocha66. Na opinião deste escritor era necessário ter
mais cuidado na indicação das instalações a uilizar por
grandes grupos, pois a imagem que eles poderiam levar
não seria a mais posiiva.
A imprensa algarvia começou nesta década a
dedicar cada vez mais atenção à temáica do turismo
no Algarve. O semanário Alma Algarvia dedicou alguma
atenção ao tema do desenvolvimento do turismo
na região logo em 191467. Essa situação já inha sido
abordada de alguma forma num conjunto de arigos
publicados em 1916, pelo jornal O Algarve, dedicados à
Sociedade de Propaganda de Portugal e subinitulados
“Roteiro do Algarve”. Ao longo da década de vinte,
o semanário Correio do Sul dedicou vários números à
questão do turismo na região, permiindo-nos destacar
quatro arigos de Jaime do Inso (1880-1967), com o
ítulo “O Turismo na região algarvia” publicados entre
1923 e 1924, tendo por base algumas das praias da
região, desde a praia da Rocha a Monte Gordo68.
No roteiro Portugal. Clima, Paisagens, Estações
Termais, etc, editado pela Sociedade de Propaganda de
Portugal, são apresentadas como sugestão as excursões
ao Algarve, sobretudo a parir da Primavera, ou mesmo
no Inverno, devido à amenidade do clima, “pelo
aspecto formoso, principalmente em Fevereiro das
amendoeiras em lor, torna-se sempre apreciável pela
beleza da paisagem e pelo desenvolvimento daquelas
árvores, assim como das igueiras e alfarrobeiras”69.
Nessa excursão, podia uilizar-se preferencialmente o
caminho-de-ferro e o resto de automóvel tendo uma
duração de dois dias, onde se poderiam ver os produtos
66
José Dias Sancho “A Sociedade de Propaganda de Portugal”, Correio do Sul, Faro,
18-04-1920, Ano I, nº 11, p. 1, col. 1 e 2.
67
“Turismo no Algarve: a cidade de Faro”, Alma Algarvia, Silves/Porimão, 13-06-1914,
Ano IV, nº 162 (2ª série), p. 1, col. 3 a 6 e p. 2, col. 1.
68
Jaime do Inso, “O turismo na terra algarvia: a praia da Rocha I”, Correio do Sul, Faro,
08-11-1923, Ano 4, nº 232, p. 1, col. 1 e 2, quando se publicou o primeiro texto deste
conjunto, até “O Turismo no Algarve”, Correio do Sul, Faro, 13-01-1924, Ano 4, nº 247,
p. 1, col. 5 e 6.
69
Portugal. Clima, Paisagens, Estações Termais, etc, Sociedade de Propaganda de
Portugal, Lisboa, s.d., p. 18-19.
132 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

da região, como as conservas, destacando-se como


pontos de interesse a visita a Monchique, Lagos, Praia
da Rocha (Porimão) e Sagres. Neste pequeno roteiro
veriica-se o cuidado em salientar a qualidade do
alojamento disponível, quase sempre com a expressão
caracterísica “hotel pequeno, mas asseado”70. O roteiro
encontra-se ilustrado com pequenas fotograias. As que
dizem respeito ao Algarve são da Praia da Rocha (duas)
e de Monchique. Curiosamente, este roteiro apresenta
um anúncio de página inteira, na parte inal, de António
Júdice Magalhães Barros71, negociante e industrial, na
Mexilhoeira da Carregação.
A Câmara Municipal de Loulé, por exemplo, em
acta da reunião de 3 de Dezembro de 1928, deliberou
“conceder a qualquer empresa que se abalance à
construção de um hotel nesta localidade, a isenção do
pagamento de licenças e do consumo de água e luz
durante cinco anos”72.
Ainda para divulgar talvez mais as paisagens da
região, em 1925, foi apresentado o documentário
“Uma Panorâmica do Algarve”73, nos cinemas Olímpia
e Politeama, em Lisboa, em 23 de Junho e no cinema
Tivoli, a 13 de Julho, produzido pela Companhia
Cinematográica de Portugal e pela Invicta Film onde se
apresentavam entre outras coisas imagens da Feira da
Guia (Albufeira), Caldas de Monchique (estabelecimento
termal), Jardins do Palacete de Estoi, Feira de Gado,
uma linda algarvia, Praia da Rocha, Vila Real de Santo
António, Bênção de redes, Porimão, Lagos, Sagres,
Praia da Luz, Farol do Cabo de S. Vicente, Panorama de
Olhão, Panorama de Faro. Talvez se possa airmar que
era o primeiro ilme de propaganda turísica do Algarve.
Note-se que os pontos a apresentar eram aqueles que
interessavam divulgar desde o termalismo, o clima,
as praias e paisagens, as tradições. No entanto, o
património, pelo menos o construído, estava um pouco
arredado do plano das ilmagens.
O cinema documentário sobre o Algarve terá
surgido em 1913, com um ilme initulado A Pesca do
70
Idem, ibidem, p. 19.
71
Maria João Raminhos Duarte, Porimão. Industriais Conserveiros na 1ª metade do
Século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2003, em especial p. 45-50.
72
Raul R. Pinto, Loulé. Roteiro-Guia Histórico Turísico, Comercial e Industrial do
concelho, Gráica Ideal, Águeda, 1951, p. 23.
73
José de Matos Cruz e outras fontes que consultamos referem que este documentário
se initulava “Uma Panorâmica do Algarve”, porém na Cinemateca encontram-
se os documentos do plano de ilmagem com um ítulo um pouco diferente
“Aspectos do Algarve”. Cf. Cinemateca Digital aqui: htp://www.cinemateca.pt/
getatachment/10faecc7-7249-4cc0-84f1-8dc4429b5a78/Aspectos-do-Algarve.aspx
(15-08-2014). Cf. ainda José de Matos Cruz, Cinema Português: O dia do século, Grifo,
Lisboa, 1998, p. 113.
ARTUR BARRACOSA MENDONÇA A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TURISMO Contributos para o estudo dos primórdios do Turismo no Algarve 133

Atum no Algarve. Conhecem-se ainda documentários


como Faro e Arredores e Lagos e Arredores, de 1916,
realizados por Anatole Thiberville, para os franceses
da Gaumont. A imprensa regional dá também conta
de que Jaime de Pádua Franco acompanhou uma
equipa de ilmagens da Gaumont, em Agosto de 1917,
para escolher os melhores locais e cenários para dar a
conhecer “belezas nossas, vistas de campos e praias,
e conhecimento de síios relacionados com factos
históricos, costumes e indústrias”74. Já no inal da
década de vinte, Castello Lopes realizou Faro, Lagos,
Sagres, e Vila Real de Santo António, em 1929. No início
da década de trinta realizam-se ainda os ilmes Olhão
Industrial e Olhão Industrial e Comercial, de 1932 e,
poucos anos depois, realizam-se os ilmes Algarve, da
Companhia Cinematográica de Portugal, Algarve em
Flor, Aspectos do Algarve e Paisagens Algarvias, da
Ulyssea Filmes, Amendoeiras em Flor, realizado por
Manuel Luís Vieira e Vila Real de Santo António, de H.
da Costa, em 193575.
Através da Revista de Turismo (1916-1924)
também é possível encontrar algumas iniciaivas ligadas
ao desenvolvimento do turismo na região, tendo
essa análise sido já realizada num trabalho de Miguel
Godinho76.
Nesta publicação um dos temas principais ao longo
dos primeiros anos da década de vinte foi a questão
das vias de comunicação, os acessos, as estradas, o
caminho de ferro, as instalações de acolhimento aos
turistas (hotéis, pensões) que começaram a ser olhadas
com mais atenção a parir da década de trinta, com a
aprovação da Lei dos Estabelecimentos Hoteleiros.
O turismo no Algarve conquistou alguns adeptos
na região desde muito cedo, mas a evolução da
acividade foi lenta e o desenvolvimento das estruturas,
dos acessos, dos transportes e dos sistemas de
abastecimento e de saneamento foram processos que
se arrastaram ao longo de décadas. Começando por
fazer um levantamento possível de alguns dos textos
de autores estrangeiros que visitaram o País e a região.
74
“ A empresa Gaumont”, O Algarve, Faro, 26-08-1917, Ano 10, nº 492, p. 1, col. 1.
Nessa ilmagem passaram por Sagres, Monchique, Porimão, Praia da Rocha, Silves
e Faro e inham intenções de visitar Tavira e Vila Real de Santo António, sempre
acompanhados por Jaime de Pádua Franco.
75
José de Matos Cruz, “O Algarve e o cinema”, O Algarve da Aniguidade aos nossos
dias, coord. Maria da Graça Maia Marques, Ed. Colibri, Lisboa, 1999, p. 589.
76
Miguel Godinho, “O Algarve e o turismo na região na «Revista de Turismo»”,
Câmara Municipal de Vila Real de Santo António/ Centro de Invesigação e Informação
do Património de Cacela [consultado online aqui: htp://museusdoalgarve.iles.
wordpress.com/2013/01/o-algarve-e-o-turismo-da-regic3a3o-na-revista-de-turismo_
miguel-godinho-cmvrsa.pdf (13-08-2014)]
134 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Neste trabalho recordamos as personalidades, as


ideias e preocupações dos primeiros a propor a região
do Algarve como uma região de turismo por eleição,
devido às condições climáicas, às praias e às paisagens
naturais. Foi possível observar uma intensiicação das
publicações sobre turismo e, recordando um marco
fundamental neste processo histórico que foi a realização
do Congresso Regional Algarvio em 1915, mesmo que
os seus resultados não tenham sido os esperados.
Acompanhou-se também a acividade da Sociedade de
Propaganda de Portugal e as suas iniciaivas no Algarve
conducentes ao desenvolvimento do turismo.
A primeira acção de propaganda externa do
Algarve
A visita das jornalistas ingleses em 1913
Luís Guerreiro

«Um dia virá sem dúvida em que esta província, servida


por fáceis acessos nas vias terrestres e maríimas, mostrará
orgulhosa os ubérrimos dons que possui à insaciedade dos
estrangeiros»
O Algarve, 11.06.1911

O IV Congresso Internacional de Turismo que


decorreu em Lisboa, entre 12 e 20 de Maio de 1911,
sob a égide da Sociedade Propaganda de Portugal,1 Figura 1 Cartaz do IV Congresso Internacional de
Turismo da autoria de Raul Lino.
foi um marco importante para o desenvolvimento do
Turismo nacional. Teve a paricipação de mais de mil
e quinhentos congressistas, recebidos com pompa e
circunstância pela população de Lisboa, que respondeu
posiivamente ao apelo da comissão organizadora
para decorar as casas comerciais e as ruas por onde os
congressistas haveriam de passar.
Durante o Congresso, cujos trabalhos decorreram
na Sociedade de Geograia, houve tempo para os
paricipantes assisirem a várias recepções oiciais e
de passearem por várias terras do nosso País, segundo
um programa previamente traçado, que não incluía
o Algarve. O novo governo da República, com meses
de existência, dá todo o seu apoio a esta iniciaiva,
envolvendo-se directamente na sua concreização,
por um lado, porque vê nele uma possibilidade de
reconhecimento internacional do novo regime e, ao
mesmo tempo, corrobora uma ideia que já vem desde
os inais do séc. XIX que assentava no pressuposto de que
1
A Sociedade Propaganda de Portugal foi criada a 28 de Fevereiro de 1906, graças
aos esforços do jornalista e ferroviário Leonildo de Mendonça e Costa. Começou
com 73 sócios, sob a presidência do monárquico Conselheiro Fernando de Sousa.
Era consituída por monárquicos, republicanos, maçons, católicos, não importava as
origens, unia-os a divisa “Pró Patria Omnia”. Teve vasta acção no desenvolvimento da
incipiente indústria do turismo.
136 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

o incremento das visitas de estrangeiros, à semelhança


do que já acontecia noutras paragens, era uma forma
de resolver os principais problemas inanceiros com
que o País se defrontava. O IV Congresso Internacional
de Turismo ica também associado à criação em
Portugal das primeiras estruturas oiciais de Turismo - a
Reparição de Turismo e o Conselho de Turismo2 – sob
a alçada do Ministério do Fomento e que doravante
em colaboração com a Sociedade Propaganda de
Portugal, irão desenvolver um trabalho extremamente
importante na modernização dos serviços vocacionados
para o turismo e na criação de condições, internas e
externas, para acolher turistas. O Congresso tomou
uma série de medidas e recomendações sobre matérias
de interesse para o desenvolvimento do turismo, não
só para Portugal, mas também para Espanha e França,
tendo presente que não obstante a responsabilidade
de organização fosse da Sociedade Propaganda de
Portugal, a enidade máxima destes congressos era a
Figura 2 Sebasião Magalhães Lima (1851-1930)- Federação Franco – Hispano – Portuguesa. Dentre as
Políico, jornalista e Grão Mestre da Maçonaria. principais conclusões, com interesse nacional, destaca-
Foi fundador da SPP e seu Presidente. Acumulou
com a presidência do Conselho de Turismo, criado
se a adopção em Portugal da hora do meridiano de
em 1911. Greenwich, a organização de uma lista com vistas e
monumentos mais importantes de cada Concelho, a
necessidade de regulamentação do jogo, a protecção
dos monumentos, o estabelecimento de linhas de
navegação entre os países federados e as Américas,
a adopção pela Federação de Hoteleiros de um menu
com a indicação do nome dos pratos, a proposta de
sinalização das estradas para que passasse a ser igual
em todos os Países e a criação de um bilhete de comboio
de ida e volta.

O ALGARVE E O CONGRESSO DE TURISMO


A Imprensa regional deu conta da realização do
IV Congresso Internacional de Turismo com alguma
antecedência e criou grandes expectaivas relaivamente
às repercussões directas que o mesmo teria para a
região, em paricular com a vinda de excursionistas
estrangeiros ao Algarve. O semanário O Algarve na sua
edição de 3 de Março de 1911 lembrava que o sul do
2
Para cheiar a Reparição de Turismo foi designado José de Ataíde e para o Conselho
de Turismo foi indicado Magalhães Lima. José de Ataíde (1881 – 1943) – Advogado e
publicista, cheiou a Reparição de Turismo desde a sua criação até 1942. Era sobrinho
do ilustre monograista algarvio Francisco Xavier Ataíde da Oliveira. Publicou vários
folhetos e colaborou em muitos jornais e revistas da especialidade. Realizou várias
conferências sobre Turismo e paricipou em vários Congressos. Magalhães Lima
(1851- 1930) – jornalista, tribuno republicano e Grão-mestre da Maçonaria. Foi
Figura 3 José de Ataíde (1881 – 1943). Advogado e membro fundador da Sociedade Propaganda de Portugal e seu presidente após a
publicista. Foi o primeiro Director da Reparição de implantação da República, funções que acumulou com a presidência do Conselho de
Turismo, criada em 1911. Turismo, criado em 1911, na dependência do Ministério do Fomento.
LUÍS GUERREIRO A PRIMEIRA ACÇÃO DE PROPAGANDA EXTERNA DO ALGARVE A visita das jornalistas ingleses em 1913 137

País devia ter “n’esta celebração um lugar disinto pelo


que possui de encantos na feiiçaria com que a natureza
aqui pôs os seus mais formosos atracivos”.
Depois descrevia com minúcia os encantos e
belezas que o turista poderia encontrar, quer fosse para
a beira-mar, para a faixa média do litoral algarvio, ou se
pretendesse deleitar com a sua riquíssima história. De
seguida lançava o repto: “assim compete aos nossos
comprovincianos iniciar um movimento de cooperação
no grande Congresso de turismo e preparar a nossa
província em regalos e confortos, que deleitem os
estrangeiros, que tem o dever de atrair a si, não somente
para que digam no seu país que no Algarve se encontram
milhares de casos, que lhes promovem agradáveis
surpresas, como no mundo comercial e industrial
aqui há com que fazer largo comércio e desenvolver
lucraivas relações”. Parece que, numa primeira fase, as
autoridades locais não manifestaram especial interesse
nesta iniciaiva, nem sequer responderam ao convite da
Comissão Organizadora do Turismo para colaborarem
na recepção dos visitantes.

Na campanha promovida por O Algarve, publica-


se (12.03.1911) uma carta de um Português residente
em Génova que, relaivamente a esta parte do território
nacional diz: “mostremos-lhe esta admirável província
do Algarve, na minha modesta opinião, a região de
maior futuro de Portugal, porque é suscepível de se
tornar uma grande estação cosmopolita se o governo
não se demorar em aproveitar a admirável baía de
Lagos, a seninela avançada no Atlânico e que é a
primeira, que os que vêm do Panamá em direcção à
Europa encontram, e onde se demorarão por certo se
ali acharem as necessárias comodidades e atracções.
O Algarve será, logo que se construa a linha de Huelva
a Ayamonte, em circunstâncias de por ela transitarem
expressos [sic], a primeira província portuguesa visitada
por estrangeiros de Granada e de Sevilha. Se esiver
devidamente preparada poderá retê-los no incomparável
clima, bem superior ao da região mediterrânea.
Façamos-lhes ver essa admirável Serra de Monchique
com as suas termas já bem conhecidas, e pintemos, às
suas imaginações, o que seria essa estação climatérica
dotada com luxuosas instalações modernas no cimo de
uma serra cuidadosamente arborizada, tendo a seus
pés a admirável província algarvia, cuidadosamente
culivada, e coberta por uma lora riquíssima, e ao longe
o mar imenso fechando grandiosamente o horizonte.
138 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Figura 4 As belezas naturais, condições climatéricas, sol e luz sem comparação eram razões apontadas para tornar o Algarve uma
região de turismo.

Se Lagos, com a abertura do canal do Panamá, ica em


circunstâncias de se tornar um dos primeiros portos do
mundo, Monchique possui todos os requisitos para ser
uma das estações climatéricas mais notáveis da Europa”.
Este jornal desenvolveu uma intensa sensibilização
junto dos algarvios a favor do turismo, a pretexto
da realização deste Congresso, chamando a atenção
para a necessidade da região despertar para esta
realidade com os inevitáveis beneícios da atracção de
estrangeiros “cuja passagem se assinala sempre por
uma grande abundância de bem estar e um aumento
de riqueza nos países visitados, pois que com eles vem
o desenvolvimento comercial, as novas indústrias, toda
a robustez da vida económica a quem o sangue novo do
progresso, que o estrangeiro representa, traz vitalidade
e transformação”.
No dia 19 de Março de 1911, o Dr. Diogo
Marreiros Neto, ilustre Advogado algarvio, proferiu
uma Conferência sobre Turismo no Teatro Circo de
Faro, com a sala repleta e a presença das principais
personalidades públicas e privadas da cidade. No inal
icou consituída uma Comissão de Honra presidida pelo
Governador Civil, integrando as principais autoridades
da cidade e Sub-comissões (alojamentos, iinerários e
fundos) com o objecivo de prepararem um programa
LUÍS GUERREIRO A PRIMEIRA ACÇÃO DE PROPAGANDA EXTERNA DO ALGARVE A visita das jornalistas ingleses em 1913 139

de visita dos Congressistas à cidade de Faro. Foi dado


conhecimento desta decisão à Comissão execuiva do
Congresso de Lisboa e manifestado o interesse em fazer
outras Conferências sobre Turismo, nomeadamente em
Porimão e nas terras que os Congressistas visitassem.
Temos noícia que se consituíram comissões de
recepção em Porimão, Lagos e Silves. Sabemos que
estas comissões reuniram, prepararam programas (o
de Faro vem publicado em O Algarve de 7 de Maio de
1911), enviaram-nos para Lisboa sem obterem resposta
à medida que a data do Congresso se aproximava. Disso
mesmo noiciava o jornal da capital algarvia: “ainda
não veio para qualquer das comissões do Algarve
comunicação alguma sobre a vinda dos congressistas
estrangeiros a esta província”.
O Congresso abriu na Sexta-feira e ainda nada foi
resolvido pela Comissão Central sobre as viagens nas
províncias” (O Algarve – 14.05.1911). Os Congressistas
acabaram por não vir ao Algarve, embora tenham
visitado outras terras do País, o que gerou grande
descontentamento na região algarvia, depois da intensa
campanha de sensibilização para a importância deste
acontecimento na imprensa regional, da mobilização
que foi feita e ainda devido ao facto de na enidade
organizadora do Congresso, a Sociedade Propaganda de
Portugal, estarem alguns notáveis algarvios.
Por im, acabaria por chegar uma carta explicaiva,
endereçada ao Director do jornal O Algarve, que
transcrevemos:
“Não foi possível organizar a excursão ao Algarve
como tanto desejávamos. A data ixada, isto é, depois
da visita do exmo. Sr. Ministro do Interior, [estava
prevista a vinda de António José de Almeida a Faro no
dia 20 de Maio, no entanto, a mesma não se efectuou]
ou seja a 22 ou 23, era demasiado tardia. Entretanto
sei que alguns congressistas já visitaram e outros
pensam ainda em visitar o Algarve, visto as referências
que d’ele izemos, mas irão isolados ou em pequenos
grupos. Agradecemos em todo o caso a V. toda a boa
vontade que mostraram em se associar á obra tão
patrióica como foi o Congresso que inalizou hoje,
e a forma como receberam alguns congressistas que
vinham encantados com o acolhimento que iveram. Os
resultados d’esta reunião foram notáveis, e espero que
das resoluções tomadas advirão muitos beneícios para
o desenvolvimento do turismo no nosso País, com o qual
tanto pode lucrar essa linda província. Uma coisa icou Figura 5 Primeiro Guia oicial editado em Portugal
assente já, e é que haverá outro congresso de turismo pela Reparição de Turismo, 1913.
140 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

em Portugal, no ano de 1914; e, até lá, muito convirá


que se trabalhe nas regiões não visitadas agora, para
se lhes mostrar coisas novas. Apelo pois para os nobres
senimentos patrióicos de V. e para a sua iniciaiva
aim de, desde já se encetar uma campanha em favor
de melhoramentos de várias ordens no Algarve. Saúde
e Fraternidade Lisboa, 21 de Maio de 1911. O Vice-
Presidente E. Vasconcelos”.3

PRÓ – ALGARVE
Por esta altura havia um senimento generalizado
de abandono e alheamento do governo central para com
o Algarve, realidade que caracterizou muitos séculos da
monarquia e agora com a República, não obstante a sua
curta duração, as coisas pareciam estar na mesma. O
Algarve era praicamente ignorado por Lisboa, situação
que se alterou um pouco com a chegada do comboio
nos inais do séc. XIX. O Algarve era uma espécie de
ilha de diícil acesso, devido a uma barreira natural
a norte de complicada transposição, senão mesmo
perigosa em termos de segurança e de péssimas vias
de comunicação. O resto era mar e rio, fronteiras por
onde se processava, em grande medida, a circulação de
pessoas e mercadorias.
As nossas praias, apesar das suas belezas naturais,
não inham expressão nacional, a tal ponto que Ramalho
Origão no seu livro Praias de Portugal não se refere a
nenhuma praia algarvia, apesar de desde os inais do séc.
XIX serem frequentadas por alentejanos e espanhóis,
sobretudo as praias de Monte Gordo e Praia da Rocha.
A imprensa republicana teve um papel preponderante
na criação de uma consciência regional, com vista a
alterar este estado de coisas. Não era possível manter
este ostracismo relaivamente ao Algarve, tendo em
consideração a “magníica produividade do seu solo
pela extrema amenidade das suas condições climatéricas
e pela sua inegável acividade comercial, mas ainda e
muito principalmente, pela sua situação geográica, de
incontestável e primacial importância estratégica”.4

Por estas razões, entendiam que os governantes


deviam olhar para o Algarve com outra consideração
e atender às suas necessidades mais prementes. O
Algarve não possuía comunicações rápidas e seguras, a
rede ferroviária era exígua e de traçado absurdo, sendo
o material circulante velho e em péssimas condições,
Figura 6 Caricatura de Rocha Marins sobre o mau
estado das vias de comunicação portuguesas. O
Algarve era a região do País onde a rede viária
3
O Algarve – 28 de Maio de 1911
apresentava maiores deiciências. 4
O Sul – 18 de Agosto de 1912.
LUÍS GUERREIRO A PRIMEIRA ACÇÃO DE PROPAGANDA EXTERNA DO ALGARVE A visita das jornalistas ingleses em 1913 141

levando uma viagem do Algarve a Lisboa cerca de treze


horas. Por outro lado, os portos precisavam de ser
melhorados e ampliados e hotéis praicamente não
exisiam. Nessa ordem de ideias, como reforçava um
periódico: “se os governos e os municípios, numa intensa
acção em que todos os esforços se conjugassem, o que
esimularia também a iniciaiva paricular, procurassem
melhorar este estado de coisas, é indubitável que nós
poderíamos em breve tempo irar o maior proveito das
nossas excepcionais condições climatéricas, atraindo
para aqui o touriste que foge para aonde lhes facultam
todas as comodidades embora lhe não dêem, porque
é coisa que não se compra, um céu tão puro e anilado,
uma temperatura tão suave, um sol tão lindo e umas
noites tão poéicas, inalmente, uma natureza em que
tudo ande a lorir suavidade, risos e poesia!”5.
Podemos, portanto, concluir que o diagnósico
dos principais problemas da região que impediam o
seu desenvolvimento completo estava traçado. Tinham
consciência de que Roma e Pavia não se izeram num
dia, mas que era imprescindível avançar rapidamente
com a concreização de medidas essenciais tendo em
vista a atracção de turistas.

ALGARVE – REGIÃO DE TURISMO


No manifesto dirigido aos eleitores aquando das
eleições para a Assembleia Nacional Consituinte de 1911,
Tomás Cabreira6 apresentava o seu plano de intenções:
“pelo que respeita ao Algarve tenciono trabalhar pela
construção da linha do Vale do Sado, porque encurta
muito o trajecto para o Algarve; instar para que o troço
da linha férrea de Gibraleon a Ayamonte seja de via
larga, porque permite a visita ao Algarve dos turistas
que vêm à Andaluzia; procurar que se estabeleça uma
grande estação de turismo, com todos os melhoramentos
modernos na Praia da rocha (Porimão) cujo clima é, de
inverno, o melhor da Europa”.7

De facto, logo no início de 1912, Tomás Cabreira


apresentou um Projecto de Lei8 para a criação no Algarve
de uma região especial de turismo e jogo para a Praia da Figura 7 Tomás Cabreira (1865 -1918). Políico,
Professor e Militar. Foi o primeiro a defender a
criação de uma região de turismo no Algarve, na
5
O Sul – 18 de Agosto de 1912. imprensa, no parlamento e em livro.
6
Tomás Cabreira (1865 – 1918) – Professor, políico e militar. Natural de Tavira, ilho de
militar, seguiu a carreira das armas, tendo concluído também o curso de engenharia
civil. Republicano convicto, foi Deputado nas Consituintes e mais tarde ministro das
Finanças. Paladino do Turismo no Algarve. Publicou várias obras, sendo de destacar a
obra de referência O Algarve Económico (1918).
7
O Algarve – 11/06/1911.
8
Vd. Anexo.
142 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Rocha e Serra de Monchique que mereceu a aprovação


do Senado, mas acabaria por ser rejeitado pela Câmara
dos Deputados. Tomás Cabreira, foi um paladino do
Turismo no Algarve, no Parlamento, na Imprensa, em
Conferências e na Sociedade Propaganda de Portugal,
de que fazia parte desde a sua fundação.

Depois do Congresso Internacional de Lisboa e da


movimentação que exisiu no Algarve a este propósito,
a região começou a ter outra atenção nacional. Vários
dirigentes daquela Sociedade izeram aqui Conferências
sobre Turismo, temos noícia da visita de personalidades
Figura 8 Adelino Furtado (1883 - ? ). Era Governador ilustres com referências na comunicação social,9 a visita
Civil de Faro por ocasião da visita dos jornalistas
ingleses ao Algarve. regular de Jaime Pádua Franco,10 natural do Algarve
e importante dirigente da Sociedade Propaganda de
Portugal, um dos principais responsáveis pela vinda
da Comiiva dos jornalistas ingleses no início de 1913,
foi extremamente importante como elo de ligação
dos anseios da região junto dos organismos oiciais de
Turismo.

OS JORNALISTAS INGLESES
A propaganda era considerada uma questão
fundamental para que os estrangeiros nos visitassem.
Nesse senido, a Sociedade Propaganda de Portugal
desenvolveu, desde a sua criação, uma notável
acividade quer no plano interno quer externo. Publicou
e distribuiu folhetos, inanciou publicidade, aixou
cartazes em vários países, editou o “Guia Sociedade
Propaganda de Portugal”, fomentou a visita e o estudo
do nosso País por jornalistas e escritores estrangeiros. A
mais signiicaiva foi a visita de um grupo de jornalistas
ingleses que se deslocaram desde Leixões até ao
Algarve e que teve como efeito fazer-se, pela Europa
e pela América, grande publicidade do nosso País e a
publicação de um guia initulado Progressive Portugal
de Hethel Hargrove.11

9
O Algarve – 25/02/1912 – “Viajantes Ilustres – No expresso de hontem chegaram
a esta cidade e tencionam percorrer os melhores pontos de província o Sr. Harding,
ministro da Inglaterra em Lisboa, seu secretário e o Sr. Coks, cônsul da mesma nação
na capital e esposa. Estão hospedados no Hotel Magdalena”.
10
Jaime Pádua Franco (1868 – 1938) – Natural de Porimão. Sócio fundador da
Sociedade Propaganda de Portugal. Foi o criador e inspector de diversos “bureaux”
daquele organismo em Paris e noutras cidades europeias. Realizou várias conferências
sobre Turismo no País e no estrangeiro. Colaborou em vários jornais e revistas de
especialidade. Foi um grande defensor do Turismo no Algarve.
11
Cunha, Licínio, Desenvolvimento do Turismo em Portugal: os Primórdios. Texto
desinado ao Catálogo das Comemorações do 1º Centenário da Proclamação da
República. 2011.
LUÍS GUERREIRO A PRIMEIRA ACÇÃO DE PROPAGANDA EXTERNA DO ALGARVE A visita das jornalistas ingleses em 1913 143

Logo que se soube da vinda a Portugal desta


ilustre comiiva, no Algarve desenvolveu-se um amplo
movimento no senido do programa da visita incluir o
sul de Portugal. A princípio as noícias não eram muito
especíicas relaivamente aos locais a visitar. A imprensa
regional limitava-se a dar eco daquilo que os jornais da
capital referiam. Por exemplo o semanário O Algarve, no
dia 5 de Janeiro de 1913, dizia “consta que os jornalistas
ingleses esperados em Lisboa para visitar o nosso País,
terão no seu programa de excursão pelo país, uma visita
à Praia da Rocha e à Serra de Monchique”. O mesmo
periódico, em 26 de Janeiro, adiantava que os ingleses
chegariam no dia 16 de Fevereiro de 1913, no navio
Hilary e que o grupo se dividiria em dois, um percorreria
as terras do norte e o outro as do sul.
No que diz respeito ao Algarve, a comiiva inglesa
visitaria Vila Real de Santo António, Faro, Porimão,
Lagos, Sagres e Monchique. Por esta altura, foi
inaugurada uma exposição com cerca de 80 fotograias
de Portugal na Sociedade Fotográica da Grã-Bretanha,
em Londres. No início do mês de Fevereiro veio de
propósito ao Algarve, o devotado Jaime Pádua Franco
para preparar a vista dos jornalistas ingleses. Esteve
em Faro, Olhão, Porimão, Lagos e Monchique. Nestas
terras foram criadas Comissões para a recepção destes
importantes turistas, compostas por cidadãos que à
parida sabiam falar inglês ou francês12. As autoridades
públicas e muitos cidadãos pariculares colaboraram
para que a visita fosse um êxito, como na realidade

Figura 9 A comiiva icou hospedada no Hotel Viola na Praia da Rocha, Porimão.

12
A Comissão de Faro era composta por Samuel Sequerra, Teodoro d’ Almeida Coelho,
Vidal Belmarço e António Galvão.
144 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

veio a ser. Estava em causa a imagem do nosso país no


estrangeiro, que nem sempre era a melhor nalguma
imprensa internacional, derivada, de certo modo, pela
instabilidade políica que se começava a veriicar no
seio da República.
Por esse moivo, havia toda a vantagem de
receber bem esta comiiva porque tratando-se de
“representantes, directores e colaboradores dos
principais jornais do mundo, pela sua pena autorizada
poderemos dentro de breves dias ler com entusiasmo
e calor as descrições palpitantes de verdade sobre
o nosso país que eles nos darão nos seus jornais que
dia a dia se espalham pelo mundo inteiro” 13. Razões
mais que suicientes para um empenho reforçado e um
esforço malgré tout para receber condignamente estes
touristes.
Com efeito, os jornalistas ingleses chegaram a
Portugal no dia 16 de Fevereiro, conforme o previsto,
desembarcando no Porto de Leixões. Visitaram
o Porto, Guimarães, Braga, Penacova e Coimbra,
Batalha, Buçaco, Tomar, Sintra e Lisboa. Dias 24 e 25 de
Fevereiro esiveram no Algarve. Do iinerário visitado
que o ariculista de O Ocidente apelidou de “passeio de
delícias. Viagem de encantamentos. Peregrinação de
sonho”14, em tom de críica por os visitantes não terem
podido encarar a verdadeira alma portuguesa, “a alma
deste povo manso e heróico, arrebatado e descuidado,
enérgico e indolente”, limitando-se a observarem os
seus costumes através da pompa das recepções fesivas.
Do aludido iinerário, como se referiu, iremos apenas
descrever o que se passou no Algarve. A comiiva era
consituída por 34 pessoas, nem todos jornalistas,
tendo andado por todas as terras visitadas sempre num
único grupo.

A COMITIVA INGLESA POR TERRAS DO ALGARVE


Os visitantes britânicos foram esplendidamente
recebidos por todas as terras onde esiveram, não se
registando “uma só mancha na idalguia do senimento
algarvio.”15
Nas vésperas da sua chegada, no domingo 23
de Fevereiro, realizou-se no Teatro Circo de Faro uma
conferência proferida por Emílio Costa, membro da
Sociedade Propaganda de Portugal, subordinada ao
tema “Turismo e sua inluência”.

13
O Sul – 23/02/1913.
14
O Ocidente – 28/02/1913.
15
O Algarve – 02/03/1913.
LUÍS GUERREIRO A PRIMEIRA ACÇÃO DE PROPAGANDA EXTERNA DO ALGARVE A visita das jornalistas ingleses em 1913 145

Deu ênfase ao aspecto económico do turismo,


dando, como exemplo, a Suíça, a Itália e a Noruega que
“anualmente recebem milhões de francos provenientes
dos ricos viajantes estrangeiros”.16 Frisou a importância
de dotar o país de boas condições de acolhimento, em
matéria de hospedagem, viação, restauração e outros
problemas que se prendem com o turismo.
No dia seguinte, cerca das cinco horas e meia
da manhã, chegavam à estação de caminho de ferro
de Porimão, os visitantes ingleses. A esperá-los
encontrava-se o Presidente da Comissão Municipal
Administraiva de Porimão, António Dias Machado,
António Teixeira Biker, do núcleo de propaganda daquela Figura 10 Amadeu Ferreira de Almeida (1876 –
vila e os membros da Comissão de recepção, Corte 1966). Natural de Faro, foi Diplomata de carreira
Real, Bívar Weinholtz e José Pearce d’Azevedo, também e escritor. Foi destacado para acompanhar
oicialmente esta visita, em representação do
cônsul inglês, e Luís Mascarenhas, representante da Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Imprensa Algarvia. Com os ingleses vinham Jaime
Pádua Franco, um dos principais obreiros desta visita da
Sociedade Propaganda de Portugal, Henrique Taveira,
o Eng. Manuel Roldan, natural do Algarve, Vasconcelos
Leone e Carlos Bramas, todos dirigentes da enidade
organizadora. Faziam, ainda, parte da comiiva, o Dr.
Amadeu Ferreira de Almeida, representando o ministro
dos Negócios Estrangeiros e Joshua Benoliel (1873
– 1932), o famoso repórter fotográico da Ilustração
Portuguesa. Vinham, igualmente, no comboio os três
músicos, César Leiria, Manuel Silva e Aroldo Silva, que a
enidade organizadora convidou para tocarem durante o
jantar de Porimão e na sessão solene que se lhe seguiu.
Depois dos cumprimentos e da distribuição pelos
automóveis que a Sociedade Propaganda de Portugal
enviou para o Algarve, dirigiram-se para o Hotel Viola,
a im de tomarem o pequeno-almoço, onde foram
recebidos por muita gente, com aplausos e vivas. Antes
de parirem para Monchique, os ingleses quiserem ir ver
a Praia da Rocha, tendo icado muito agradados com a
beleza natural da praia. Em Monchique eram esperados
pelas autoridades locais, porém, devido ao mau tempo
que se fez senir na noite anterior, não foi possível
realizar o passeio à Foia, não obstante o expressivo
número de burros colocados à disposição dos membros
da comiiva.
A próxima paragem foi em Lagos, onde chegaram
por volta das 13 horas, tendo sido recebidos por
membros da Câmara, comissão de recepção e muita
população que enchia por completo as ruas da cidade. O
almoço teve lugar na casa do capitão Bento Formosinho
16
O Sul – 02/03/1913
146 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

de onde se avistava o panorama da


baía de Lagos, que muito agradou
aos ingleses. Depois dos brindes e
troca de palavras amistosas, foram
visitar os síios da Piedade, Santo
Estêvão, Praia da Luz e Escola
Industrial, regressando novamente
ao Hotel Viola, na Praia da Rocha,
onde foi servido um esmerado jantar
para cerca de 50 pessoas: “nesta
segunda refeição, sobre a mesa, por
entre as iguarias, predominavam os
doces de especialidades algarvias
e viam-se as conservas oferecidas
pelo Sr. João Júdice Fialho que
mandou preparar algumas especiais
para apresentar aos estrangeiros,
foi também servida água das Caldas
de Monchique, ofertada pelo Sr.
Manuel Franco Guerreiro.”17

Houve troca de lembranças,


izeram-se brindes, e depois foram
para o teatro barraca da vila, onde
Figura 11 e 12 Fotos do ilustre fotógrafo da Ilustração Portuguesa Joshua
Benoliel. Jornalistas ingleses em Monchique. foram recebidos pelas pessoas que
já se encontravam na sala, com
muitos aplausos. Subiu ao palco
o Dr. Amadeu Ferreira de Almeida
Carvalho para uma conferência,
começando por dirigir palavras
muito simpáicas à Sociedade
Propaganda de Portugal e aos
seus dirigentes, referindo-se de
uma forma muito elogiosa a Jaime
Pádua Franco, natural de Porimão
e principal organizador da vinda
dos jornalistas ingleses ao Algarve.
Falou, numa primeira parte em
português, sobre as belezas e
os encantos da região e do seu
aproveitamento turísico. Depois
de uma breve pausa, retomou o
seu discurso em inglês, abordando
fundamentalmente aspectos
históricos que ligam os dois países,
Portugal e Inglaterra. Terminou
lançando vivas aos dois países, ao
17
O Algarve – 02/03/1913
LUÍS GUERREIRO A PRIMEIRA ACÇÃO DE PROPAGANDA EXTERNA DO ALGARVE A visita das jornalistas ingleses em 1913 147

que a assistência correspondeu


delirantemente. Seguiu-se o
Concerto com os músicos atrás
mencionados.
No dia 25 de manhã, António
Teixeira Biker fez uma espécie de
visita guiada às praias, “mostrando-
lhes aquele encantamento de
penedos, furnas, galerias e rochas
abruptas que faziam o pasmo e a
admiração dos visitantes.”18 Foram,
na mesma correnteza, visitar uma
das fábricas de conservas do Sr. Figura 13 Chegada a Lagos da comiiva.
Fialho, em reconhecimento e
graidão pela forma como aquele
empresário cooperou no sucesso da
estadia dos ingleses em Porimão.
A esta hora já Faro estava
toda engalanada para receber os
ilustres visitantes estrangeiros. O
tempo da viagem entre as duas
cidades demorou mais que o
previsto, devido ao mau estado
de conservação da estrada. O
Vice-cônsul inglês em Faro e
Tavira, Cândido Pereira Santos, o
advogado António Miguel Galvão,
José Teodoro Coelho Júnior e Vidal
Belmarço, membros da Comissão de
Recepção e o Dr. Artur Águedo foram
receber a comiiva ao Patacão. À Figura 14 Entrada em Faro sob um arco de triunfo com a palavra «Welcome».
À frente seguia o carro da comissão organizadora.
entrada de Faro, foi colocado um
arco de triunfo, ornamentado com
lores e verdura, encimado com
a palavra ‘’Welcome’’. A comiiva
chegou por volta das treze horas
e meia, com cerca de uma hora e
meia de atraso. A recebê-los estava
a Filarmónica Aristas de Minerva e
uma enorme mulidão de pessoas
que gritavam freneicamente ‘’Viva
a Inglaterra’’, ‘’Viva o Povo Inglês’’,
‘’Vivam os nossos visitantes’’.
Quando passaram o arco, a Tuna
Académica de Faro e a Filarmónica
Aristas de Minerva tocaram o Hino
Inglês seguido de A Portuguesa.
18
O Algarve – 02/03/1913 Figura 15 Visitando as ruínas da villa romana de Milreu, Estoi.
148 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Dirigiram-se para o Governo Civil onde foram recebidos


SAUDAÇÃO pelo Governador Civil, Dr. Adelino Furtado e restantes
autoridades, indo de seguida para o Club Farense onde
AOS ILUSTRES JORNALISTAS INGLESES foi servido um almoço, fornecido pela casa Bijou de
l’Avenue de Lisboa.
O comércio todo veste-se de gala, De início, um sexteto sob a regência do maestro
E no mais nobre empenho não hesita; Rebelo Neves tocou o Hino Inglês. No im da refeição,
Cada qual se anima e no outro se iguala trocaram-se brindes, tendo o Dr. António Galvão
P’ra bem receber esta visita! proferido um brilhante discurso em inglês, saudando
o Rei Jorge V de Inglaterra e Manuel de Arriaga, como
Sede, pois bem vindo ó povo Londrino, símbolos dos dois países aliados. Agradeceu Mr. Figher,
À cidade de Faro que é amiga vossa! em tom caloroso, referindo-se à forma simpáica como
E vereis agora se alguém nos vence estava a decorrer a visita, às relações de amizade entre
No fraterno amor, ou igualar-nos possa! os dois povos, salientando “as festas que lhes têm sido
feitas, estando imensamente penhorados para com
Oh! Cidade de Londres, terra da beleza! o povo português.” Falou depois o Governador Civil,
Onde bem só casa a doce liberdade em francês, o Sr. Vasconcelos Correia, Vice-Presidente
Com os mil encantos da alta natureza da Sociedade Propaganda de Portugal, o Sr. Cândido
dos Santos, vice-cônsul inglês, que ofereceu a todos
Aqui te saudamos da melhor vontade um livrinho da sua autoria sobre o Algarve em língua
Da forma mais simples e bem portuguesa inglesa e, por im, o Dr. Ferreira de Almeida, também ele
Num grandioso abraço de fraternidade! natural de Faro, onde não vinha há 18 anos, conforme
frisou na altura, secretário da Embaixada em Londres e
António Augusto dos Santos Gil representante do Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Faro 25-02-19131 Com muitos Vivas a Inglaterra e Portugal e ao som da
música, terminou esta simpáica festa.
Seguidamente, dirigiram-se a pé para o Museu
Maríimo, estando a Rua de Santo António bem
enfeitada com colchas nas janelas e muito povo na rua.
Visitaram a Alameda, observaram o panorama da cidade
a parir de Santo António do Alto, e de carro foram para
Estoi, onde viram cuidadosamente as ruínas de Milreu e
o jardim do Visconde de Estoi, com muitas aclamações
do povo e foguetes. Regressaram às 18 horas ao Club
Farense onde tomaram chá, tendo parido para Olhão,
por volta das 19 horas, e dali para Lisboa.

CONCLUSÕES
O Algarve durante anos e anos esteve esquecido
e abandonado à sua sorte, por razões históricas e
geográicas, não obstante as suas riquezas naturais,
o labor e a pujança das suas acividades comerciais e
industriais. A sua ligação ferroviária ao resto do País,
embora tardia, veio dar um novo alento e uma nova
esperança, no senido de ser dada uma atenção especial
que até aqui lhe inha sido negada. Com a implantação
da República, uma nova época, mais promissora, se
perspecivou para a região. A realização do IV Congresso
1
in O Algarve – 02/03/1913
LUÍS GUERREIRO A PRIMEIRA ACÇÃO DE PROPAGANDA EXTERNA DO ALGARVE A visita das jornalistas ingleses em 1913 149

Internacional de Turismo que se realizou em Lisboa,


em Maio de 1911, despertou nos algarvios a vontade MENU DO ALMOÇO
e a necessidade de pariciparem no processo de oferecido aos jornalistas ingleses, no
desenvolvimento da incipiente indústria do turismo, Club Farense, no dia 25 de Fevereiro
porque se entendia que esta parte do território era a de 1913, fornecido pela Pâisserie
que melhores condições reunia para ser apelidada de Bijou de l’Avenue de Lisboa.
região do turismo. Tinha condições climatéricas, de luz e
sol sem comparação, praias de uma beleza única e todo CHAUD
o Algarve era um jardim. Embora lhe faltassem os meios Peite vol-au-vent à la Maréchale
fundamentais para o turismo: alojamento digno, vias de Grenadins de veau trufés
comunicação em bom estado, um comboio rápido que Croquetes de poulet aux
ligasse o Algarve à capital do País e todo um conjunto de champignons
infra-estruturas necessárias ao turismo. Rissoles de crevetes à la Victoire
Foi, desse modo, que em 1913, a Sociedade
Propaganda de Portugal patrocinou a visita de uma FROID
comiiva de jornalistas ingleses, numa acção de Dindonneaux trufé aux cressons
markeing, avant la letre, para falarem e escreverem Jambon de Praga à la gelée
lá fora bem do nosso País. Nessa ordem de ideias, Peits pains farcis de Strasbourg
“do pouco que puderam ver no seu rápido passeio e Sandwiches mélangées
do trato que iveram com portugueses, alguma coisa
porventura, terá inluído em seu espírito para destruir ENTREMTS
más impressões que ivessem pelo muito mal que lá Fruits frais de saison au naturel
fora se tem propalado a respeito do nosso País, nos Surprises au chocolat
úlimos tempos.”19 Foram recebidos principescamente Gourmandises surines à la
pelas autoridades e população portuguesa, viram o Portugaise
que se lhes quis mostrar, o melhor que ínhamos. Para Peits fours à la Parisienne
que “ao regressarem aos seus nevoeirentos países - Feuilletages à la gelée parfums
estamos certos – os senhores turistas, hão-de senir, divers
por vezes frémitos de saudade do lindo País encantado Amandes pralinées
que deixaram – lindo país de misicismo e heroísmo, de Bombons et dragées de Paris
sonho e lenda…”.20 Pâisserie ine assorie
De qualquer modo, esta iniciaiva da Sociedade
Propaganda de Portugal, a par de muitas outras VINS
desenvolvidas, foi extremamente posiiva para o Algarve Café et liqueurs
e para o País, porque deu a conhecer no estrangeiro as
nossas belezas naturais e riquezas arísicas, no início
de uma longa caminhada que conduziu à posição que,
hoje, possuímos no contexto do turismo internacional.

Figura 16 Grupo de raparigas que serviu o almoço


no Club Farense.
19
O Ocidente – 10/03/1913
20
O Ocidente – 28/02/1913
150 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

BIBLIOGRAFIA

Publicações periódicas
Algarve (O), 1911, 1912, 1913.
Capital (A), 1913.
Heraldo (O), 1913.
Ilustração Portuguesa (A), 1911, 12, 13.
Ocidente (O), 1912, 1913.
PORTUGAL ILUSTRADO – GRANDE ÁLBUM DE TURISMO - EDIÇÃO DA REVISTA “Terras de Portugal”,
n.º 1, 1927.
Sul (O), 1912, 1913

Livros
BRITO, Sérgio Palma, Notas sobre a evolução do VIAJAR E A FORMAÇÃO DO TURISMO, 2 volumes,
Lisboa, Medialivros, 2003.
GRANDE ENCICLOPÉDIA PORTUGUESA E BRASILEIRA, Lisboa – Rio de Janeiro, Editorial Enciclopédia
Limitada.
GUIA DO VIAJANTE EM PORTUGAL E SUAS COLÓNIAS EM ÁFRICA, Lisboa, Empresa Nacional de
Navegação, 1907.
LEAL, Carlos de Sousa, Algarve, Lisboa, Livraria Proissional, 1917.
MESQUITA, José Carlos Vilhena, A VIAGEM – Uma outra forma de Turismo na perspeciva do
conhecimento histórico, Faro, Universidade do Algarve, 1986.
90 Anos de Turismo em Portugal – Conhecer o Passado, Invesir no Futuro, Lisboa, 2001.
PINA, Paulo, Portugal, o Turismo no século XX, Lisboa, Lucidus, 1988.
Viajar, Viajantes e Turistas à descoberta de Portugal no tempo da I República, Lisboa, Turismo de
Portugal, 2010.
LUÍS GUERREIRO A PRIMEIRA ACÇÃO DE PROPAGANDA EXTERNA DO ALGARVE A visita das jornalistas ingleses em 1913 151

ANEXO
PROJETO DE LEI APRESENTADO POR TOMÁS CABREIRA NO SENADO EM 15.12.1912
Arigo 1.º - São criadas, no coninente da República, três estações de turismo: a primeira compreende
Cascais, Estoril e Sintra, a segunda a praia da Rocha de Porimão e Monchique e a terceira a Figueira da Foz
e o Buçaco, nas quais são permiidos, durante todo o ano, os jogos de bacarat, banca francesa e cavalinhos.
Arigo 2.º - O governo concederá, mediante concurso anunciado com 60 dias de antecedência, o
exclusivo, simultâneo ou separado, destes jogos nas três estações de turismo, por 10 anos, fazendo-se o
concurso sobre as seguintes bases:
1.ª - O concessionário construirá, à sua custa em cada estação de turismo, um casino
compreendendo salas de música, dança, leitura, conversação, teatro, terraços e jardins, com todas
as dependências exigidas pelo conforto moderno.
2.ª - As salas de jogo de bacarat e banca francesa estarão isoladas do resto do ediício, só entrando
nelas as pessoas munidas de carta pessoal, que não poderá ser concedida a menores de 21 anos.
3.ª - O concessionário entregará ao Estado, para ser reparida com o município onde funcionar a estação
de turismo, uma terça parte da percentagem que cobrar nas bancas de bacarat e banca francesa.
4.ª - O concessionário manterá, enquanto o casino esiver aberto, uma orquestra que dará, pelo
menos, um concerto diário.
5.ª - No concurso podem ser exigidas ao concessionário quaisquer construções que o respeivo
caderno de encargos indicar.
6.ª - Os concessionários terão prontos a funcionar, segundo os projetos aprovados pelo governo, todos
os ediícios, terraços e jardins no prazo máximo de três anos, a parir da data da aprovação dos projetos.
7.ª - O indivíduo que quiser concorrer ao concurso de cada estação de Turismo deposita, na Caixa
Geral de Depósitos, a quania de 50 contos em dinheiro ou em ítulos da dívida pública portuguesa,
pelo seu valor no mercado.
8.ª - Adjudicada a concessão, o concessionário elevará, até 15 dias depois da assinatura do
contrato, o seu depósito a 100 contos de reis, do qual receberá o respeivo juro.
9.ª - Quando a estação esiver a funcionar poderá o concessionário levantar o depósito, icando
todos os ediícios e construções da estação como garania do cumprimento de contrato.
10.ª - Se o concessionário quiser consituir uma sociedade anónima para a exploração da estação
de Turismo, os seus estatutos serão aprovados pelo governo e a sociedade será, para os efeitos
legais, portuguesa e icará sujeita à jurisdição dos tribunais portugueses.
11.ª - O concessionário pode requerer a expropriação, por uilidade pública, de todos os terrenos
necessários para a construção de casinos, teatros, jardins e parques, pagando os preços respeivos.
12.ª - A base de licitação para cada concurso será a quania anual que, além do terço da
percentagem indicada na condição 3.ª, o concessionário entregará no im de cada ano ao governo,
reservando-se este o direito de não aceitar a quania oferecida e mandando abrir novo concurso.
13.ª - O concessionário terá preferência quando, expirado o caso do exclusivo, abrir-se novo concurso.
Arigo 4.º - A receita proveniente do jogo, será reparida em partes iguais pelo governo, que só
poderá aplicá-la em obras de uilidade social, e pelo município da estação de turismo, que a empregará
em melhoramentos locais.
Arigo 5.º - O governo fará os regulamentos necessários para a execução da presente lei.
Arigo 6.º - Fica revogada toda a legislação em contrário.
Sala de Sessões do Senado em 15 de dezembro de 1912. Thomaz Cabreira.
O Algarve e o turismo da região na
«Revista de Turismo» (1916-1924)
Miguel Godinho

INTRODUÇÃO
O Turismo, como o concebemos actualmente,
encontra a sua origem na época românica. A
própria palavra deriva do termo inglês «tour», cujos
signiicados assentam, por um lado, na viagem que o
jovem gentleman devia fazer pela Europa Ocidental a
im de legiimar a sua condição social ou, por outro,
nas “estadas esivais de puro deleite ou mesmo com
ins terapêuicos”1. Neste contexto e decorrente do
desenvolvimento dos conhecimentos cieníicos que
iveram lugar um pouco por toda a Europa ao longo do
séc. XIX, em Portugal, e a par do turismo de campo, “das
propriedades rurais, frequentado pelas elites urbanas
que “possuíam, por herança, herdades”2 para onde se
deslocavam principalmente no início da época esival,
começam a surgir também várias estâncias termais/
terapêuicas (na sequência, aliás, de uma práica
proveniente de séculos anteriores), hotéis e espaços de
lazer associados, quase sempre em locais junto ao mar,
tomando parido das águas oceânicas que se sabia serem
possuidoras de virtudes sadias, num movimento a que
Alain Corbin designou de “invenção da praia”3. É nesta
altura que se começa a formar, imidamente, o Algarve
da forma que ele viria a ser mais tarde precisamente
reconhecido – a praia de Portugal, região turísica por
1
MATOS, Ana e SANTOS, Maria, Os guias de turismo e a emergência do turismo
contemporâneo em Portugal (dos inais do século XIX às primeiras décadas do século
XX), Scripta Nova, Revista electrónica de geograia y ciencias sociales. Universidade de
Barcelona, Barcelona, 15 de junio de 2004, vol. VIII, núm. 167, p.2.
2
HENRIQUES, Eduardo e LOUSADA, Maria, Férias em Portugal no primeiro quartel
do século XX. A arte de ser turista in QUEIROZ, Maria Inês (coord.) (2010) – Viajar:
viajantes e turistas à descoberta de Portugal no tempo da I República, Comissão
Nacional para as Comemorações do Centenário da República, Lisboa, p.106.
3
Idem, ibidem.
154 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

excelência, bem como a surgir as primeiras publicações


que se ocupam exclusivamente do tema. A Revista de
Turismo: publicação quinzenal de turismo, propaganda,
viagens, navegação, arte e literatura, acompanha a
tendência internacional e foi, neste aspecto, pioneira
no nosso país tendo dedicado várias páginas ao Algarve,
num período que antecede a ixação dos estereóipos
que viriam a ediicar-lhe uma idenidade. Procuraremos
de seguida perceber a abordagem nela feita à região e
ao turismo que ali começava a dar os primeiros passos.

CONTEXTUALIZAÇÃO,
ANTECEDENTES, INSTITUCIONALIZAÇÃO
DO TURISMO EM PORTUGAL
O desenvolvimento do Turismo está profundamente
ligado à evolução dos transportes e, no nosso país,
encontra na base da sua insitucionalização a criação da
Sociedade Propaganda de Portugal (SPP), organização
de iniciaiva popular, de carácter independente,
desassociada de qualquer estrutura políica ou religiosa.
Formada em 28 de Fevereiro de 1906 e parindo da ideia
de Leonildo de Mendonça e Costa, fundador e director
da Gazeta dos Caminhos de Ferro, esta insituição inha
comos objecivos, “promover, pela sua acção própria, pela
intervenção junto dos poderes públicos e administrações
locais (…) e pelas relações internacionais que possam
estabelecer, o desenvolvimento intelectual, moral e
material do país e, principalmente, esforçar-se por que
ele seja visitado e amado por nacionais e estrangeiros”4.
Pretendia, portanto, “promover e divulgar Portugal como
desino de turismo”5, obrigando-se para isso à “publicação
de um Boleim, depliants, guias de viagem, etc”, tendo
o seu raio de acção abrangido a “modernização da
hotelaria, (…) o favorecimento das ligações ferroviárias
com o resto da europa (…) e a qualidade das estradas”,
para além da criação de “delegações nas principais
cidades portuguesas e mesmo no estrangeiro”6.
O Congresso de Turismo de 1911 (IV), decorrido
após a implantação da república e organizado em grande
parte por membros destacados da SPP, foi fundamental
no que concerne à decisão – daí decorrente – de criação
de um organismo oicial para esta área, para lá das
resoluções que apontavam no senido do absoluto e
necessário desenvolvimento das vias de comunicação e
4
MATOS, Ana e SANTOS, Maria, Op. cit., p.5.
5
MATOS, Ana, BERNARDO, Maria e SANTOS, Maria (2011) – A Sociedade de Propaganda
de Portugal in Actas do I Congresso Internacional I República e Republicanismo, Lisboa,
p.394.
6
Idem, ibidem.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 155

dos transportes nacionais. Havia a perfeita consciência


da relação óbvia entre turismo e mobilidade e, em
resultado dessa relação, das carências no que toca às
(más) condições de circulação em Portugal, ao número
insuiciente de estradas e das péssimas condições das
mesmas, para lá da efeciva necessidade de que “todos
os sinais avisadores de obstáculos nas estradas [fossem]
tanto quanto possível, idênicos em todos os países”7. Diga-
se, aliás, a ítulo de curiosidade, que foi das conclusões
deste congresso que se aprovou, em Diário de Governo, o
Regulamento sobre a Circulação de automóveis.
Ainda em Maio desse mesmo ano, o Governo
Provisório da Republica viria a decretar sobre esta
matéria, propondo a consituição de um Conselho de
Turismo, auxiliado por uma Reparição de Turismo,
tornando-se Portugal, assim, no terceiro país do mundo
a produzir uma organização oicial na área.
Será importante relembrar que tudo isto
acontece numa altura em que, conforme informações
proporcionadas pelo Censo de 1911, “cerca de 60%
da população aciva portuguesa pertencia ao sector
agrícola. (…) Fora alguns lavradores mais abastados, que
«iam a banhos» por conselho médico, o mundo rural,
que era ainal o essencial do país, desconhecia quase
totalmente o conceito de férias, ou algo que se lhe
assemelhasse”8. Era, portanto, uma pequena minoria, a
elite abastada e estrangeiros, maioritariamente ingleses,
aqueles que podiam usufruir das poucas condições que
começavam agora a ser implementadas e da estrutura
insitucional que começava a ser criada.
A insituição de delegações locais distribuídas pelo
país, proposta aquando da criação da SPP, foi o plano
seguido pela nova Reparição de Turismo, que viu neste
modelo descentralizado uma forma eicaz de organização da
acividade de promoção e desenvolvimento das províncias.
Assim, em 1921 e “por iniciaiva de Ernesto Navarro,
veio a ser aprovada uma lei que permiiu a criação, «em
todas as estâncias hidrológicas e outras, praias, estâncias
climáicas, de alitude, de repouso, de recreio e de turismo»
de Comissões de Iniciaiva com o im de promoverem o
desenvolvimento das respecivas localidades”9.
7
Idem, ibidem, p.402.
8
HENRIQUES, Eduardo e LOUSADA, Maria, “Férias em Portugal no primeiro quartel do
século XX. A arte de ser turista” in QUEIROZ, Maria Inês (coord. ed.) (2010) – “Viajar:
viajantes e turistas à descoberta de Portugal no tempo da I República”, Comissão
Nacional para as Comemorações do Centenário da República, Lisboa, p.105.
9
CUNHA, Lícinio, A republica e a airmação do Turismo in QUEIROZ, Maria Inês
(coord.) (2010) – “Viajar: viajantes e turistas à descoberta de Portugal no tempo da
I República”, Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República,
Lisboa, p.134.
156 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

O PIONEIRISMO DA «REVISTA DE TURISMO»:


MISSÃO, ESTRUTURA, REDACTORES E COLABORADORES
Paralelamente à insitucionalização do turismo,
surge em Portugal, numa iniciaiva completamente
pioneira no que toca à natureza editorial, uma revista
inteiramente dedicada ao sector e que veio a manter-
se, durante toda a sua existência, como única no
género10. A Revista de Turismo: publicação quinzenal
de turismo, propaganda, viagens, navegação, arte e
literatura, distribuída em Portugal e Espanha, marcada
pela tendência internacional de divisão de temáicas
e especialização11, foi um quinzenário publicado em
Lisboa, entre Julho de 1916 e 1924. Na sua estrutura,
inha um director e um redactor principal, para além
de um editor e um secretário e “era essencialmente
escrita por apaixonados pela viagem e pela divulgação
dos recursos turísicos nacionais, na coninuidade dos
múliplos arigos que a gazeta dos Caminhos de Ferro
fazia desde o século XIX”12.
Contando com vários colaboradores, muitos deles
precursores da fundação e/ou insitucionalização do
turismo em Portugal, nomeadamente Magalhães Lima
(presidente do Conselho de Turismo), José de Athaíde
10
MANGORRINHA, Jorge (2012) – Análise da Revista de Turismo, Hemeroteca Nacional
– CML, Lisboa, p.2. Como refere este autor, «apenas a Gazeta dos Caminhos-de-ferro,
que sempre destacou o turismo, oferecia diversos arigos, especíicos ou soltos, à
volta da viagem, da hotelaria, do excursionismo, das paisagens, das estâncias termais
e balneares, o que correspondia ao interesse crescente que estes locais inham para
os turistas e para o desenvolvimento do sector.», Idem, ibidem.
11
Idem, ibidem, p.1.
12
Idem, ibidem.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 157

(director da Reparição do Turismo), Vasconcelos Correia


(director da SPP), Manuel Roldan y Pego (director da SPP),
Pedro d’Oliveira Pires (director da SPP e organizador dos
núcleos de propaganda que a SPP conseguia instalar em
Portugal), Bentes Castel-Branco (médico e proprietário
das termas das Caldas de Monchique), apresentava
ainda um conjunto mais extenso, destacando-se algumas
personalidades da sociedade e/ou literatura portuguesa,
designadamente e entre outros, já falecidos, Antero
de Quental, António Nobre, Eça de Queiroz, Fialho de
Almeida, João de Deus, e, ainda em vida, António Boto,
Cândido Guerreiro, Gomes Leal, Guerra Junqueiro, Júlio
Dantas, ou Teixeira de Pascoaes13.
Pretendendo ser o “produto de um ideal”, a
revista teve como missão, nas palavras dos seus
responsáveis, “um começo e uma inalidade. Não [era]
uma publicação vulgar para passatempo da ociosidade;
tampouco (…) resultante d’um simples capricho.
Ela representa, (…) o tributo que impuzémos a nós-
mesmo pagar à nossa querida Pátria, como obrigação
indeclinável de contribuirmos d’algum modo para a
sua felicidade, para o seu bem-estar, para a tornarmos
grande.”14 O Turismo era visto, portanto, como um
meio de engrandecimento da Pátria, não só uma forma
de ultrapassar os problemas de equilíbrio das contas
públicas que, ainda desde inais do século XIX vinham
sofrendo de grande instabilidade, mas também como
uma possibilidade de desenvolvimento pessoal e
social. Não foi por acaso que os republicanos prestaram
especial interesse “à formidável expansão da indústria
que se convencionou chamar de estrangeiros” sabendo,
com plena certeza, que haveria de “chegar o dia em
que as viagens estarão ao alcance de todas as bolsas
e em que todo o mundo viajará”15. De facto, já em
1934, após cessarem as remessas provindas do Brasil,
as acividades económicas movimentadas pelo turismo
seriam já “a principal nova parcela para o equilíbrio da
balança económica nacional”16.
Percebe-se claramente e como não poderia
deixar de ser, nos discursos da revista, uma apologia à
viagem. Para lá dos evidentes objecivos de ócio, lazer
ou deleite, e sendo a mesma entendida como “um dos
13
Idem, ibidem, p.4.
14
Revista de Turismo, nº97, Julho de 1920, p.1.
15
ATAÍDE, José de (1912), Relatório das Acividades desenvolvidas no Período de 14
de Setembro de 1911 a Junho de 1912, reparição de Turismo. A parir de CUNHA,
Licínio, Op. Cit., p.130.
16
MELO, Daniel, (1996) – “Turismo” in ROSAS, Fernando e BRANDÃO de BRITO, J. M.
(dir.) – Dicionário de História do Estado Novo, Vol. II, Bertrand, Lisboa, p.984.
158 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

maiores prazeres da vida”17 a viagem era, aos olhos


dos redactores, entendida principalmente enquanto
instrumento de conhecimento. Não apenas a viagem
praicada por aqueles que, principalmente oriundos da
capital – Lisboa, numa aitude provinciana, saem “em
recreio para o extrangeiro sem conhecerem da sua pátria
mais do que – por assim dizer – a terra onde nasceram,
como infelizmente acontece à grande maioria (…)” e
que vêm depois “extasiados ante qualquer coisa quasi
sempre inferior ao que cá temos, imaginando que na
nossa terra nada há que se possa comparar com o que
estão vendo”, mas também à tão ou mais importante
viagem realizada no seio do próprio país que, como se
percebeu, poderia e deveria ser feita por muitas mais
pessoas que, ao invés, se “comprazem simplesmente
em estadear, pelas ruas de Lisboa e no Campo Grande,
nas tardes elegantes, o fausto que lhe proporciona a
sua fortuna, acumulada, muitas vezes por um simples
espirito d’economia”18.

A RUBRICA «PAISAGENS PORTUGUESAS»: O


ALGARVE
O dever de conhecimento do país era visto nesta
altura e no período que se lhe seguiria, portanto, como
uma necessidade, como uma obrigatoriedade; para que
não acontecesse aquilo que, segundo os ariculistas,
muitas vezes sucedia: tantas vezes os portugueses, ao
“serem interrogados sobre coisas da nossa terra, (…) o
seu completo desconhecimento obriga a falta de resposta
ou a respostas menos verdadeiras; tendo-se já dado o
caso de se encontrarem, fora de Portugal, extrangeiros
que conhecem mais e melhor as suas belezas, do que
os portuguezes com quem trocam impressões”19. Nesse
senido, é criada a rubrica “Paisagens Portuguesas” que
pretendia, ao longo dos vários números, ir retratando a
diversidade paisagísica do país.
O Algarve é uma das regiões frequentemente
abordadas na Revista, num tom que oscila entre a
excitação causada pelo exoismo, pelo pitoresco da
condição de periferia e a consciência da absoluta
necessidade de promoção turísica, tendo em conta as
suas potencialidades. A “boa terra féril dos árabes”,
os “restos simoun do Deserto”, as muitas e “formosas
paragens tropicaes”, de “velhas ruínas onde dormem
lindas princesas d’outras eras”, a terra de “encanto e

17
Revista de Turismo, nº 107, Maio de 1921, p.135.
18
Idem, ibidem.
19
Idem, ibidem, p.135.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 159

poesia, lenda e sonho, ceo azul, clima doce e a alegria


do ilho do sul”, repleta de “moças de tez morena”, onde
é possível descobrir “o perdido typo da mulher arabe,
cujos traços, de raça não cruzada persisiram”20 sugerem
já uma certa idealização em torno da mesma, que se viria
a acentuar no período que lhe sucederia. Há também,
por outro lado, como se disse, uma consciência já
apurada em torno da necessidade de desenvolvimento
de algumas das potencialidades turísicas da região,
nomeadamente no que toca às termas das Caldas de
Monchique, capazes de completar “a já considerável
riqueza da província, como ainda produzia beneícios
de incomparável valor para o paiz em geral, pelos
resultados que o Estado d’ahi auferiria directamente e
pela repercussão que esse facto assinalaria no melhor
aproveitamento de outras thermas 21.
Relaivamente às Caldas de Monchique, descobre-
se num dos úlimos números da revista, o anúncio de
uma Portaria do Ministério do Trabalho22, relaivo à
aprovação do programa do concurso para adjudicação
do “Estabelecimento Termal de Monchique”, visto
que em 1921 a Estância termal reverteria a favor do
Estado, sendo gerida por uma Comissão Administraiva,
depois de alguns anos de um contrato de exploração,
concreizado por Decreto datado de 30 de Dezembro,
com alvará passado a 10 de Janeiro de 1895, a favor
do Dr. Bentes Castel Branco, colaborador assíduo
nesta mesma revista. Daí se percebe o interesse quer
deste médico em paricipar tão acivamente nesta
publicação, quer de colegas seus que frequentemente
abordam este assunto das Caldas de Monchique,
quase em jeito de publicidade àquele local, referindo
frequentemente os vários melhoramentos que a
administração do Dr. Castel Branco lhe realiza: para além
dos “12 prédios pariculares, (…) por conta da empresa,
levantaram-se dois hotéis, casino farmácia, escritórios
de administração, (…) duches e todas as variadas
aplicações terapêuicas actualmente existentes; foram
profusamente arborizados e sulcados de ruas para
passeio, os 52 hectares que consituem os terrenos do
estabelecimento”23.
Sabe-se contudo, por outras fontes24, que, após a
inauguração do Hotel Central (1899) e depois de, nos
20
Idem, nº2, Julho de 1916, p.15.
21
Idem, nº123, Setembro de 1922, p.227.
22
Diário do Governo nº 69 – II série, 25 de Março de 1924, Idem, nº141, Março de
1924, p.533.
23
Revista de Turismo, Maio de 1919, nº70, p.173.
24
Vide htp://www.aguas.ics.ul.pt/faro_monchique.html.
160 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

anos seguintes, terem sido efectuadas várias visitas


de inspecção aos vários espaços, terá sido possível
veriicar as más condições das instalações “sendo raro
o ano em que ali se não manifestam casos de febre
ifóide, e de outras doenças infecciosas”, visto que “não
muito distante da estância passa uma ribeira, onde são
lançados os despejos dos ediícios do Estado e dos
pariculares (…) [e] daí a infecção do lugar das termas e
das suas vizinhanças, pelos miasmas desenvolvidos sob
a acção demorada de um sol ardente, e arrastados pelas
correntes dos ventos norte e nordeste, predominantes,
no esio, para aquela região”. Por isso mesmo, “a
higiene habitacional também não [estava a ser] muito
respeitada; nem mesmo os hotéis, onde não há urinóis
nem retretes com autoclismo, e são mal construídos
e mobilados”. Acrescendo às múliplas reclamações
contra as condições higiénicas da estância, resultado
do “despoismo do concessionário”, que desmatava a
seu gosto a zona verde em redor das caldas e, assim,
não cumpria o contrato de concessão, “toda a gente
se queixa[va]: os doentes que tem de se servir dessas
águas [e] os habitantes dessa região”25. Era, pois,
evidente a razão do Estado querer reverter o contrato
de concessão atribuído.
Em todo o caso, a Revista aponta coninuamente a
vocação de “todo o Algarve, [no senido de poder ser]
um grande parque para repouso de convalescentes
de enormes sanatórios, que já ali deviam povoar
as encostas, mas que ainda permanecem em boas
vontades.”26 Por outro lado, e comparaivamente
com outras regiões do país, são ainda poucas as
referências aos «banhos» nas praias algarvias. Para lá
das inegáveis belezas naturais das mesmas, das alusões
mais constantes à Praia da Rocha, “a mais linda do paiz
em belezas naturaes”, ou à orla “de pequenas aldeias
e praias d’aspecto singular, de grandes e exquintos
rochedos” poucas mais referências se fazem. Diga-
se mesmo que num arigo escrito por Guerra Maio
initulado “Praias portuguesas”27, é muito maior o
destaque dado às praias do Norte do que às praias
do Sul. Seja por efecivo desconhecimento ou devido
à parca oferta turísica algarvia ou ainda porque a
práica dos banhos de mar fosse mais habitual acima
do Tejo por estar mais ligada às classes mais instruídas
– distribuídas pela capital e por algumas zonas urbanas

25
Idem.
26
Idem, nº14, Janeiro de 1917, p.108.
27
Idem, nº4, Agosto de 1916, p.29.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 161

do Norte, a verdade é que «o Algarve dos banhos» só


mais tarde será verdadeiramente descoberto.
A necessidade de resolução do problema dos
transportes e meios de comunicação no país e no
Algarve é, talvez o maior problema a resolver no que
toca ao Turismo. Diz o conferencista Adelino Mendes,
numa palestra realizada na Sociedade Propaganda de
Portugal e transcrita para um dos números da revista
que “no dia em que a essa provincia bela e aprazível, que
é o Algarve, nos ligarem comboios rápidos e cómodos,
ella será a mais visitada de Portugal, por ser a mais
estranha, a mais diferente de todas as outras e aquella
que não tendo neve, consegue todos os anos, quando a
primavera ainda vem longe, cobrir-se da branca lor da
amendoeira (…)”28.

A «EXCURSÃO AO ALGARVE» DE 1921:


OBJECTIVOS, IMPRESSÕES, APONTAMENTOS DOS
REDACTORES
De facto, a questão dos transportes era um problema
essencial que condicionava em muito o desenvolvimento
do turismo e o viajante que se deslocava, em paricular
e por razões óbvias, ao Algarve. Principalmente o
problema da ligação férrea, dos comboios, por ser este,
então, o principal meio de ligação do Algarve ao país. Se
não, veja-se a aventura que foi a realização daquela que
icou conhecida por «Excursão ao Algarve», realizada
em 1921 por um grupo de pessoas ligadas à direcção da
revista, com o propósito de dar a conhecer ao leitor “as
belezas ípicas [e os] atracivos a que as suas condições
regionais [têm para oferecer]”29.
Há uma vontade expressa por parte dos envolvidos
na excursão (o director, um secretário, o redactor chefe
em propaganda e o editor da Revista) em objecivar
as informações, em ir conhecer, em ver pelos próprios
olhos “essa província do sul de Portugal onde nos
diziam haver coisas inéditas”, ao invés de pensarem
em apresentar a região em segunda mão, repeindo
informações recolhidas em velhos repertórios. Para
tal, organizam um “plano de viagem, condicionado ao
tempo de que [podiam] dispor, uns escassos oito dias
[que viremos a perceber que acabarão por ser menos]
tempo que [veriicarão] depois ser insuiciente para se
correr essa província de lés-a-lés, e icar conhecendo-a
bem”.30

28
Idem, nº16, Fevereiro de 1917, p.126-7.
29
Idem, nº105, Março de 1921, p.136.
30
Idem, ibidem.
162 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

O plano previa que a viagem se izesse em


Fevereiro, por causa do espectáculo produzido pelas
amendoeiras em lor, de comboio, “d’uma etapa, de
Lisboa a Vila Real de Santo António, extremo oriental
da província algarvia – correndo-a depois, na linha
ocidental, até à ponta de Sagres, que é o primeiro torrão
da terra coninental portugueza que recebe as carícias
do Sul”, mas tendo esta viagem um propósito claro mais
amplo – o de «descrever», aquilo que designaram de
«viagem de Turismo», ou seja, uma viagem de estudo,
uma viagem de observação, não puderam os membros
da excursão “deixar de abrir vários parenthesis para
[aludirem] a coisas que merecem (…) especial reparo”.
São também esses reparos que conferem à revista
e à aitude dos seus ariculistas relaivamente às
considerações e propostas de desenvolvimento turísico
por si apresentadas, alguma novidade e interesse, que
aqui pretendemos evidenciar.
Começam então por apontar, logo no início da
viagem – feita à custa dos próprios, uma vez que a
Administração dos Caminhos de Ferro do Estado lhes
“recusou a genileza” de custear a viagem – as miseráveis
condições da estação de caminhos-de-ferro do Terreiro
do Paço que, tendo sido ediicada a ítulo provisório, ali
coninua conforme então foi ediicada. Deve referir-se a
excelência da ironia uilizada pelo redactor ao apontar o
dedo aos respecivos administradores que infelizmente
“não tenham d’embarcar n’ela todos os dias para
saborearem as suas comodidade [sic] reaes e visuais,
e o belo arôma das lôres do Tejo que a envolvem
quasi constantemente”31. Feita a travessia do Tejo, há
a apontar relaivamente à estação do Barreiro que
também esta é “muito inferior ainda para o que podia
e devia sêr [por causa da] sua actual pouca iluminação
talvez propositada para não se dar pelo seu pouco
asseio”.
Embarcados então num comparimento que
outrora proporcionava camas aos passageiros e que
“agora serve apenas lugares sentados”, moivou esse
facto nova críica pela ausência de conforto da solução
que, mesmo a quem queira e possa pagar, não tem agora
hipótese de usufruir dessa comodidade. Atravessada “a
aridez d’essa improduciva província” que é o Alentejo,
durante a noite, ei-los chegados a Beja, numa hora
de caminho, onde, depois de jantarem pelo caminho,
tomaram um chá, sofrendo no entanto uma decepção
já que o estabelecimento da gare, “imerso numa total
31
Idem, ibidem.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 163

escuridão – talvez pela aluvião de zombeteiras moscas


que, não só pela quanidade, como pela côr, quebravam
mais ainda o poder iluminante da frouxa luz, já de si
impotente para tão grande circulo”32 oferecia preços
proibiivos e uma qualidade altamente quesionável.
Chegados a Tunes, passada a “ingreme ladeira
da serra do Caldeirão”, era possível admirar já, ao
nascer do dia, a “paysagem algarvia, tão interessante,
tão original, tão diferente das outras províncias
portuguezas”. Querendo os passageiros tomar pois
o café da manhã, constataram que o locatário do
restaurante do comboio havia deixado expirar o prazo
de arrendamento, encontrando-se fechado, e sendo, por
isso, novamente, alvo de críicas dos viajantes. Saídos
de Tunes com duas horas de atraso, foram gozando, até
Vila Real de Santo António “as atraentes originalidade
d’essa paysagem [que] é a extensa planície em que
assenta toda a féril provincia Algarvia” onde “embora
não haja a diversidade de terras e de aspectos que se
encontram principalmente nas províncias do norte de
Portugal, o panorama algarvio é sempre interessante”.
Atravessando as várias cidades algarvias, e em passagem
por Olhão, vila que lhes despertou a atenção por ser
muito aniga, com a “quasi totalidade das habitações
anigas [sem] telhado, sendo sobrepostas por terraços
(…) [atribuindo-se] este facto à dominação árabe, que
ali ainda se faz senir, como – de resto – alguns usos
que são conservados por tradição. Diz-se que a classe
maríima, que consitue uma grande parte da população
d’essa Vila, usa os cabelos crescidos, como recurso para
poderem ser salvos n’um caso de naufrágio.”33 Não
podendo os ariculistas conirmar essa informação,
dizem os mesmos que a mencionaram apenas a ítulo
de curiosidade, certamente desconiando da veracidade
da mesma. Chegaram então, por im, a Vila Real de
Santo António, após uma jornada de dezasseis horas e
com pouco mais de hora e meia de atraso. Era esta, em
1921, a duração da viagem de comboio para o Algarve:
uma verdadeira eternidade, portanto.

VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO: UMA “TERRA


SEM AROMA”
Em Vila Real de Santo António, a impressão foi
“desagradável. (…) A estação de caminho de ferro
(…) por construir, embora já há tempo tenha sido
projectado um ediício para esse im. (…) O caminho

32
Idem, ibidem, p.156.
33
Idem, nº108, Junho de 1921, p.189.
164 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

que lhe dá acesso (…) pouco tentador; havendo um


carreiro pelo meio d’um campo escalvado, fronteiro à
estação, que, encurtando o espaço para a Vila – aliás a
pequeníssima distância – mostra, todavia, ao viajante,
um aspecto desolador.”34 O actual ediício da estação,
projectado pelo arquitecto Coinelli Telmo, só viria a
ser inaugurado no ano de 1945, tendo sido também
naquela década que a linha férrea foi prolongada
até à nova gare Vila Real de Santo António-Guadiana
(entretanto já desacivada). Curiosa é a descrição
do cronista relaivamente à estéica despojada das
construções pombalinas, ainda então com muito poucos
vesígios de gente, como o mesmo bem refere. Diz este
que “na travessia para o hotel [seguiram] por diversas
ruas, todas feias, de mau piso, ladeadas de casebres,
sem vesígios de civilização. Quasi todas as casas são
térreas, não tendo nenhum pavimento superior a dar-
lhes vislumbre de estéica”. Enquadrando esta descrição
no contexto temporal em que é escrita, um período de
modernismos, de extroversão das formas, de abertura à
arte nova, às decorações e loreados próprios daquele
tempo, compreende-se perfeitamente o comentário.
O hotel da Vila, o primeiro a que chegaram, não
despertou, como seria de esperar, surpresa posiiva
alguma, já que este estava “em justa relação com o valor
da localidade” – não merecia mesmo “a mais simples
referência”. Numa vila “importante pela sua industria,
pela sua situação de porto de mar (…) e demais
fronteira a Espanha, (…) estes predicados consituíam
suicientes moivos para tornar a úlima Vila de Portugal
n’uma interessante e atraente localidade de qualquer
nação que não fosse a nossa”. Sendo ela “parte do
coninente portuguez, por isso dá a impressão d’uma
terra de pescadores selvagens no extremo Austral do
Coninente Africano” 35. A visita à vila conirmou depois
a desolação “a cada passo”. Não fosse a grande Avenida
à beira-mar, “onde se encontram as principaes e mais
civilizadas habitações, todavia em mistura com grandes
fabricas de conservas”, e seria uma total decepção.
Mesmo a praça principal (Praça Marquês de Pombal) se
apresentava aos olhos do redactor “tão simples como
o obelisco que plantaram no seu meio. Em resumo – [a
Vila] não possue um monumento, nem um ediício mais
notável, nem um jardim; enim, nada de nada”. Até no
que toca à paisagem envolvente, “os seus arredores
[eram] insigniicantes”, com “uma paisagem árida”, as

34
Idem, nº109, Julho de 1921, p.15.
35
Idem, ibidem, p.15.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 165

gentes “pouco comunicaivas” e, talvez por isso, não


descobriram os viajantes, em toda a sua curta visita,
“nenhum exemplar feminino por onde [pudessem]
aquilatar os dons que a natureza dispensou às mulheres
de Vila Real de Santo António”. Em suma, “nada de
interessante [os] prendeu a esse triste rincão da Terra
Portugueza, que ali emudeceu os seus cânicos, os
doces gorjeios pelas luarentas noites esivaes; terra sem
aroma; sem mulheres, sem beleza, de homens sisudos e
rudes”36. Uma decepção total, portanto.
Após uma visita a Aiamonte, vila que, aos olhos dos
redactores, se apresentou com “os seus arruamentos
são mais bem delineados do que em Vila Real” – dado
no mínimo curioso, tendo em conta a ortogonalidade
da vila pombalina – e “uma vida pouco intensa devido,
em especial, à pouca energia dos seus dois a três mil
habitantes indígenas”, regressaram novamente a Vila
Real, que atravessaram “rapidamente, para que o
confronto não [os] conduzisse à tristeza que [deles]
queriam separada”, embarcando depois no comboio
para Faro, a caminho do Grande Hotel, no qual viriam a
conirmar as boas impressões que acerca deste inham.
De referir ainda a noícia que se descobre no nº 129
(Março de 1923), que relata uma reunião que terá ido
lugar em Huelva, “entre as Câmaras de Comércio d’esta
cidade e de Ayamonte, e os alcaides de Lepe, Cartaya
e Gibraléon, [visto da sua parte haver interesse] na
construção do prolongamento do caminho de ferro de
Ayamonte até à fronteira portugueza de Vila Real de Santo
António”. Na sequência dessa reunião, terá sido enviada
uma comissão a Madrid para tratar da coninuação das
obras, “que se acha[va]m suspensas desde o começo
da guerra europea”, mostrando uma clara consciência
da “importância da ligação da linha do Algarve com
a rede hespanhola”, e do que poderia resultar desse
importante contributo “para o desenvolvimento das (…)
relações com a nação visinha, facilitando belas excursões
de turismo”. Apesar de não icar claro neste pequeno
arigo, estamos em crer que não haveria a intenção de
construir uma ligação férrea entre as duas margens, mas
antes de prolongar ligeiramente a então designada linha
de Aiamonte, que indava numa zona longe do porto por
onde se fazia a ligação por barco à margem portuguesa,
à semelhança do que por esta altura ainda se passava na
margem portuguesa, como atrás se referiu, uma vez que
a gare Vila Real de Santo António-Guadiana ainda não
inha sido construída.
36
Idem, ibidem, p.16.
166 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

AS INDÚSTRIAS DO ALGARVE E O TURISMO


Chegados a Faro, capital da província, puderam
observar uma cidade relaivamente bem iluminada,
dotada de um teatro que iveram oportunidade de
frequentar, visitando no dia seguinte o mercado,
“pequeno mas suiciente”, o jardim e algumas ruas da
cidade e seus “estabelecimentos modernizados e bem
soridos”, comprando depois na grande mercearia
“Jeronymo Marins”, os saborosos “«D. Rodrigos», os
«Morgados» e outras espécies da primorosa doçaria
Algarvia” e uma remessa de igos para a família, cuja
industria, “no Algarve, se acha largamente desenvolvida,
facilitando o respecivo comercio por forma atraente
para o visitante (…), factor importante da economia da
provincia, [a par dos outros] (…) produtos da região que,
por egual, teem muita procura, taes como a amêndoa, a
alfarroba, o vinho, a coriça (…) paralelamente à industria
das conservas”37. Conheceram ainda “uma curiosa
fabrica de moagem, cuja instalação se acha feita pelo
systhema Suisso, servindo para descasque e moagem de
trigo, milho e arroz”, numa visita proporcionada por um
amigo que foram encontrar em Faro, “ocupado n’uma
especial e curiosa industria de serração de madeiras
e aproveitamento d’alfarroba para alimento animal”.
Será importante apontar o interesse destas pessoas em
visitarem e terem gostado de conhecer as indústrias
algarvias, indústrias essas que, hoje em dia, quase um
século depois, se viria a perceber apresentarem fortes
potencialidades turísicas, numa altura em que grande
parte desta indústria já se perdeu…
A questão da pretensão de concessão de
autonomia administraiva, reivindicada nesta altura
pelos algarvios, também não passa despercebida aos
redactores que vêem nesta exigência a eventualidade
do Algarve poder vir a ser “um verdadeiro encanto
e a mais propícia região de turismo, [logrando] o seu
progresso e o desenvolvimento da sua laboriosa vida
intensiicar[-se] de forma a assegurar-lhe uma completa
independência [e] nessa ocasião, certamente os seus
portos serão facilmente acessíveis a uma razoável e
proporcional navegação; as suas estradas convidarão a
agradáveis passeios; os bons hotéis estarão instalados
em todas as cidades e vilas; os comboios oferecerão
a rapidez e as comodidades indispensáveis; enim –
tudo quanto possa atrahir e fazer conservar dentro dos
seus limites, com consciencioso aprazimento, tanto os
naturaes como os extrangeiros – estes principalmente,
37
Idem, nº113, Novembro de 1921, p.66.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 167

que são os melhores pioneiros das ulimas modalidades


da civilisação”38. Visão algo romanizada mas não
menos interessante por isso, visto que coninua a ser
reivindicada, ainda hoje em dia e pelas mesmas razões,
por alguns defensores da regionalização.

O DESENVOLVIMENTO DE UM ALGARVE TURÍSTICO


Depois de admirarem do Alto de Santo António
“as encostas da cordilheira onde se divisam os casaes
ou quintas” do Barrocal e Serra Algarvias, e visitarem
o Jardim (actual Alameda) e Matadouro municipais,
jantaram e tomaram o comboio para Porimão, com
desino à Praia da Rocha, num comparimento de 1ª
classe, sob muito mau tempo. Chegados a Porimão às
22h00 e tendo parido depois de jantar, “ao anoitecer”,
é de pensarmos que, em 1921, quando esta viagem é
feita, a mesma não demoraria muito mais – se não o
mesmo tempo – que demora hoje em dia a viagem.
Conirma-se, portanto, que o problema dos transportes
– e muito concretamente, o comboio – é um problema
que persiste, passados quase cem anos.
Gozando da sorte de uma «carrinha» passar
por ali fora de horas visto que, à hora que chegaram
nenhum meio de transporte estava já disponível para os
transportar para Porimão ou para a Rocha, aproveitaram
a boleia do velho cocheiro que se disponibilizou para,
a custo, os transportar até à praia. Após percorrerem
a ponte sobre a ria, em muito mau estado, chegaram
por im ao Hotel Viola, “único existente no síio e cuja
tradição percorre toda a orla algarvia”. Percebe-se assim
que, em termos de alojamentos turísicos, um grande
caminho havia a percorrer. A Rocha apresentava-se como
“uma praia [com] encantos muito originaes durante
a época própria, quando a assistência e a animação
caracterizam a sua estonteante vida”, [sendo que, no
entanto], no inverno, a placidez das suas poucas ruas,
o isolamento das suas variadas casas e a tristeza que,
em geral, é imbre de todas as praias fóra da estação
própria, dão à Praia da Rocha os atracivos encantadores
exigidos pelo nostálgico da solidão”. É possível perceber
que o turismo de então era claramente sazonal, inha
uma época própria – o Verão, e que, nessa altura, se
animava bastante. Contudo, a oferta turísica era ainda
bastante reduzida.
Tendo em conta o mau tempo que se fazia senir,
o regresso foi assim antecipado, tendo os viajantes
desisido de ir a Lagos, a Sagres e a Monchique,
38
Idem, ibidem, p.67.
168 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

conforme previsto, havendo ainda, no entanto, tempo


para voltarem à vila “pitoresca” de Porimão que,
por ser domingo, “apresentava um aspecto pouco
interessante”.
Por im, a comissão da Revista de Turismo resume
a expedição dizendo que esta viagem “consitue uma
das mais agradáveis excursões que um bom turista
pode fazer; porque além da sua vida especial, dos seus
originaes usos e costumes, da sua lora, mesmo muito
própria, há as paysagens, a coniguração corográica
absolutamente diferente da de todas as outras províncias
portuguezas, (…) [e] que o Algarve, pelo seu conjuncto
de predicados, devia ser o que, infelizmente ainda não
é. E quando um dia os Algarvios compreenderem toda a
grande riqueza da sua provincia – que é enorme e está
ainda por explorar – então os beneícios espargir-se-hão
quasi automaicamente, não só em pról d’essa região,
mas inclusivamente, embora de forma menos directa,
na economia do Paiz”39.
De facto, o Algarve turísico desta altura era ainda
bastante pobre, com poucas e más acomodações turísicas
(o Guia de Portugal de 1924 haverá de referir isso mesmo
poucos anos depois deste relato) mas ainda havia de se
desenvolver imenso, não nos anos imediatamente a seguir
a estas palavras terem sido escritas mas algumas décadas
mais tarde, infelizmente nem sempre de uma forma que
privilegiasse os interesses da região e daqueles que aqui
vivem. Nos anos sessenta dar-se-ia o boom turísico e a
região apontaria deiniivamente no senido do turismo
de massas, auxiliada pela construção do aeroporto de
Faro e impulsionada por uma voragem imobiliária que
rapidamente trataria de alterar por completo a paisagem
tradicional e/ou rural da região, especialmente na orla
costeira, desvirtuando por completo a essência da região,
de certa forma ainda aqui bem retratada neste texto:
aquele Algarve dos “casaes e das quintas, no meio dos
quaes, em alvinitente brancura, sobresahem as casitas
maiores ou mais pequenas dos respecivos proprietários,
n’uma doce poesia bucólica”, das industrias tradicionais,
das paisagens pontuadas pelas árvores de fruto que
conferiam as caracterísicas pelas quais a região era
conhecida, para dar lugar aos aldeamentos e aos campos
de golfe, aos hotéis e prédios de segunda habitação
projectados nas falésias, sobre o mar.
Deve referir-se que, no que toca ao Algarve, esta
pressão imobiliária que se veriica nas zonas junto
à costa não nasce apenas nos anos sessenta. Já por
39
Idem, nº116, Fevereiro de 1922, p.115.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 169

esta altura se começavam a evidenciar as tentaivas


de ediicação de hotéis nestas áreas privilegiadas,
em virtude da progressiva demanda de uma clientela
cosmopolita internacional que começava a procurar
isso mesmo, e aos invesidores que, apercebendo-
se desta realidade, passariam a ver ali uma excelente
forma de empregarem o seu capital. O arquitecto Raúl
Lino é um dos arquitectos que se propõe, num projecto
apresentado à Sociedade de Propaganda de Portugal,
cuja memória esta revista reproduz, por lhes parecer
“da maior uilidade para os interessados na construção
de hotéis no sul do paíz”. Airmava o arquitecto que esta
proposta para um «Hotel Portuguez», poderia responder
a “um problema arquitectónico que tem de se resolver”
– a “adopção de typos estrangeiros”. Desinado à “beira-
mar”, seria para ser construído num “amplo terreno”
que seria “ajardinado”, de onde “se disfrutasse uma vista
agradável”, com “belos elementos dos anigos jardins
peninsulares”, de “caracter meridional”, ao contrário
“dos insípidos arranjos de relva e palmeiras (…) de que
tanto se tem abusado”. É nesse senido que Raúl Lino
esperava que naquele projecto se pudesse encontrar
“qualquer coisa de regional, esperando que [este] não
lembre, apesar da sujeição que houve à propriedade
da planta, quaisquer hotéis do extrangeiro”, já que a
decoração exterior “será muito singela”, procurando
associar-lhe “uma linha interessante nos telhados que
seriam cobertos com «telha lusa», branqueada a cal (…),
alvenaria de ijolo à vista, (…) a chaminé historiada, o
azulejo, e demais elementos que nos dão uma mancha
alegre de construção solarenga”40.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fica claro depois da análise aqui efectuada que
esta Revista não sugere ainda a visão formatada que
viria a consituir a região idealizada pelo Estado Novo
mas aponta já caminhos nessa direcção. Elementos
como as noras mouriscas, ou as casas pontuadas pelas
chaminés rendilhadas de «esilo árabe» (estava-se
a atravessar o período áureo da sua ediicação), ou o
Algarve do corridinho, não são ainda referidos não só
porque esse imaginário estava ainda a ser compilado
e «construído» mas também porque os redactores
derivavam e faziam questão de permanecer associados
a um estrato social que privilegiava o luxo, a tendência
modernista da sociedade, de cariz europeísta,
internacional, que viajava em 1ª classe, e frequentava
40
Idem, nº 38, janeiro de 1918, p.110.
170 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

os restaurantes exclusivos e os Palace Hotels, muito


em voga, na altura. Isso é perfeitamente evidente nos
discursos e no olhar dos redactores que, sob o pretexto
destas «viagens de estudo» e na coninuidade do grand
tour do século XVIII, procuram legiimar um certo status
social à classe burguesa em que se inserem e que
consitui o conjunto dos leitores da revista. A própria
excursão aqui apresentada faz-se exclusivamente por
zonas urbanas, sendo a atenção prestada à ruralidade
concreizada através de um olhar distanciado, algo
desinteressado ou secundário. Em todo o caso, e ainda
que sem um objecivo determinado, já se apresentam
alguns elementos – o Algarve das casas brancas, das
amendoeiras em lor, das açoteias de Olhão, o Algarve
das mouras encantadas e das gentes com a tez ingida
dos árabes, o Algarve dos descobridores, das praias de
rochedos que lembram “formosas paragens tropicais” –
que viriam, daí a uns anos, a consituir esse imaginário
de estereóipos que serviria os propósitos do regime e
que, ainda hoje, marcam a região.
Por outro lado, o Algarve retratado na Revista
e muito em concreto na excursão realizada em 1921
é um Algarve de impressões, é certo, de folheim,
um Algarve olhado de forma literária mas ao mesmo
tempo representado num documento com algum
caracter uilitário, contendo informações interessantes
e veriicadas sobre os locais, as distâncias, os tempos
de viagem, os alojamentos, a restauração, a paisagem
humana e natural, a economia, e apresentando
informações validadas, frequentemente abordadas
de forma irónica, por vezes até com laivos de
superioridade, caracterísico de quem pretende sairizar
uma realidade que não é a sua – principalmente no que
toca às acomodações e aos transportes, dado o caricato
que efecivamente seria viajar e ser turista no início do
século XX em Portugal e no Algarve. Podemos ainda dizer
que este documento não se apresenta – nem pretende
ser – o instrumento que viria a ser, por exemplo, o Guia
de Portugal de 1924, dada a dimensão, o alcance e os
meios disponíveis para a realização da tarefa. Em todo
o caso, antecede-o, mostrando-se por isso inovador no
senido de conseguir prestar um importante contributo
em termos turísicos numa altura em que nenhuma
outra publicação periódica o fazia.
MIGUEL GODINHO O ALGARVE E O TURISMO DA REGIÃO NA «REVISTA DE TURISMO» (1916-1924) 171

BIBLIOGRAFIA resumida

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nº1, pp-127-149.
FERREIRA, David Mourão (s.d.) – O Algarve, Livraria Bertrand, Lisboa.
MANGORRINHA, Jorge (2012) – Análise da Revista de Turismo, Hemeroteca Nacional – CML, Lisboa,
disponível em:
htp://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/FichasHistoricas/RevistadeTurismo.pdf
MATOS, Ana e SANTOS, Maria, Os guias de turismo e a emergência do turismo contemporâneo em
Portugal (dos inais do século XIX às primeiras décadas do século XX), Scripta Nova, Revista electrónica de
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167.
MATOS, Ana, BERNARDO, Maria e SANTOS, Maria (2011) – A Sociedade de Propaganda de Portugal
in Actas do I Congresso Internacional I República e Republicanismo, Lisboa, pp.393-403.
MELO, Daniel, (1996) – “Turismo” in ROSAS, Fernando e BRANDÃO de BRITO, J. M. (dir.) – Dicionário
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QUEIROZ, Maria Inês (coord. ed.) (2010) – Viajar : viajantes e turistas à descoberta de Portugal no
tempo da I República, Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, Lisboa.
Revista de Turismo: publicação quinzenal de turismo, propaganda, viagens, navegação, arte e
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PINTO, Ana Lourenço (2013) – Caldas de Monchique: das Águas Sagradas ao Lugar de Bem-Estar.
Um esboço da Insituição através das Personalidades Históricas in Promontoria Monográica História do
Algarve – Contributo para a História da Saúde no Algarve, nº1, Ed. Centro de Estudos de Património e
História do Algarve (CePHa) / Faculdade de Ciências Humanas e Sociais / Universidade do Algarve, Faro,
pp.47-64.
PROENÇA, Raul (1924) – Guia de Portugal. I. Generalidades. Lisboa e arredores, Lisboa. Fundação
Calouste Gulbenkian (Facsimile).

Webgraia
htp://www.aguas.ics.ul.pt/ (11/06/2014) - Projecto “Das termas aos “spas”: reconigurações
de uma práica terapêuica” - Centro de Estudos de Antropologia Social e Insituto de Ciências Sociais
(Universidade de Lisboa).
Contributo para o estudo do
Turismo de Saúde no Algarve
Crisina Fé Santos

O conceito “Turismo de Saúde”1 pode ter diferentes


perspecivas conforme alteramos os interlocutores com
os quais abordamos esta temáica. Com invesigadores
da área da História a ideia que lhes ocorre à memória é a
de termas e bons ares. Quando se tem por interlocutores
os que estão ligados à área da Saúde, as referências que
surgem são as do “Turismo Médico” ou “Turismo de
Bem-Estar” (tratar/cuidar e alojar tudo adquirido num
mesmo “pacote”). A ter em conta estes dois pontos
de vista, é a diferença entre o que era considerado no
séc. XIX, ou mesmo em grande parte do séc. XX, para a
doutrina dos nossos dias.
Mudam-se os tempos, muda o entendimento de
um mesmo conceito. A frequência de locais de bons
ares e estâncias termais, lugares aprazíveis onde se
passavam longas temporadas curando males do corpo e
da mente, distancia-se, em parte, da promoção que hoje
se faz da oferta conjunta da valência médica e turísica
numa única aquisição. Actualmente, temos a criação de
pacotes médicos-cirúrgicos, com estadias agradáveis em
espaços de turismo, desinados quer a estrangeiros quer
1
Turismo de Saúde: é o fenómeno caracterizado pelas deslocações de turistas cuja
moivação primária é a obtenção ou manutenção de beneícios relacionados
com a saúde, podendo aricular a valência médica com a valências turísicas que
lhe estão direta e indiretamente associadas, desde o termalismo ao lazer e passando
pelo bem-estar. Com este enquadramento, o Turismo de Saúde integra duas áreas
moivacionais disintas, sem prejuízo de estas poderem ser, sempre que possível
e apropriado, integradas em propostas conjuntas de serviços: o Turismo Médico
e o Turismo de Bem-Estar.
Turismo Médico - a deslocação para fora da área de residência habitual, com a
moivação primária de beneiciar de cuidados médicos, de diagnósico ou terapêuicos.
Turismo de Bem-Estar - a deslocação para fora da residência habitual, com a
moivação de beneiciar de aividades ou experiências que promovam a harmonia
ísica, mental e emocional.
Cf.htp://www.turismodeportugal.pt/PORTUGU%C3%8AS/TURISMODEPORTUGAL/
NEWSLETTER/2015/Documents/RelatGT-InterministerialTurismoSaude-2015.pdf
174 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

a nacionais que se deslocam, por um curto período de


tempo, da sua zona habitual de residência para outros
lugares, para aí realizarem procedimentos médicos.
Mantendo, no entanto, ao mesmo tempo, a promoção
do Termalismo, dos SPA e da Talassoterapia que, no seu
todo, integra uma aposta nacional no Turismo de Saúde
e Bem-estar nos dias de hoje.
Temos, como exemplo, um arigo publicado
Figura 1 Turismo Médico e Bem-Estar – ipos, em Abril de 2014, no jornal Público2. Pela leitura do
locais e meios de intervenção periódico podemos, assim, ceriicar que nos nossos dias
esta matéria faz parte das linhas de desenvolvimento
estratégico para a promoção da economia nacional:
“turismo de saúde e bem-estar pode render mais
de 400 milhões de euros por ano. Operar ingleses às
cataratas, colocar próteses da anca e do joelho em
doentes franceses e alemães pode tornar-se uma
práica corrente dentro de alguns anos em Portugal.
No turismo médico, deve apostar-se primeiro em sete
países europeus, com o Reino Unido, a Alemanha e a
França à cabeça […].São grandes as esperanças dos que
acreditam que o turismo de saúde e bem-estar pode
passar a ser uma importante fonte de receitas para
Portugal. […] O grosso das receitas será proveniente do
turismo de bem-estar (SPAs, talassoterapias e termas),
projectando para o turismo médico uma contribuição
bem mais modesta [...]”.
Se recuarmos cerca de um século e recuperarmos
um texto publicado no n.º 13 da Revista de Turismo, de
5 de Janeiro de 1917, podemos constatar que o Turismo
era, também nessa altura conturbada, considerado
como uma das indústrias mais lucraivas dos países
modernos, incluindo igualmente nesta nova indústria a
referência às Termas e aos Sanatórios: “Turismo. É uma
das indústrias mais lucraivas dos países modernos. O
homem de fortuna abdica hoje das despesas supérluas
d’uma vida monótona, ronceira, ani-coadonada [sic]
com o século e embrenha-se nos encantos das viagens,
excursões por pontos pitorescos e, assim, procura
uma vida em que se instrua e divirta, oferecendo uma
caudalosa fonte de receita pelos pontos por onde
transita. Isso permiiu a criação da nova indústria
turista”. Neste mesmo texto é referido que “todas as
nações tentam exibir os melhores encantos nessas novas
cruzadas da civilização moderna […]. Criam-se escolas

2
Excerto de um arigo de Alexandra Campos, publicado no jornal Público a 3.04.2014,
aquando da apresentação de um estudo encomendado pela Associação Empresarial
(AEP) – Câmara de Comércio e Indústria e pelo Health Cluster Portugal (HCP). in.
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/turismo-de-saude-e-bemestar-pode-
render-mais-de-400-milhoes-de-euros-por-ano-1630767
CRISTINA FÉ SANTOS CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO TURISMO DE SAÚDE NO ALGARVE 175

para hoteleiros, fomentam-se congressos e associações


dessa classe o intérprete torna-se uma enidade que se
procura com «afan». Requisita-se-lhe os requintes de
uma delicadeza modelar, as cidades modernas, termas,
as regiões de pitoresco acentuado, os pontos históricos,
os monumentos arquitectónicos, etc., tornam-se foco
de uma sociedade cosmopolita, que lançam os seus
capitães por todo o iinerário.”
No que diz respeito ao nosso país é mencionado
que “a guerra europeia veio focar Portugal, não só pela
sua intervenção na contenda armada, como ainda por
ser um país em que os turistas podem saisfazer o seu
anseio de estudos. Possuímos monumentos de alto
valor arísico, perpetuando uma história inigualável. O
país é de um encanto único, variegado nas paisagens,
como clima dulcíssimo. […] Possuímos termas com
incomensuráveis propriedades terapêuicas, montanhas
onde se pode levantar sanatórios e hotéis magníicos.
Somos ilhos de uma nação rica, mas infelizmente
inexplorada…”.3 Podemos assim depreender que, na
opinião do autor, no início do séc. XX Portugal não irava
proveito dos atributos que possuía e que poderiam
servir como dinamizadores da nova indústria de
turismo, criando novas fontes de receita, incluindo a
não dinamização das termas e sanatórios para os quais
reunia condições climatéricas e geográicas ideais.
Após a Guerra, escreve o Dr. Pedro Fazenda4, sobre
esta nova indústria, na sua obra A Crise Políica (em
Portugal), publicada em 1921: “que país como o nosso
pelo clima, paisagem e situação, poderia atrair as vistas
curiosas do viajante ocioso, e até a medicina que procura
no ambiente geográico a terapêuica de certos males?
País de turismo e repouso, onde a Natureza mediu,
numa harmonia de formas e admirável, as cumeadas
e os vales, as planícies e os relevos, em traços e curvas
proporcionados como se esculpisse no solo a imagem
arísica dum país ideal![…] Gerês, Bom Jesus, Estrela,
Caramulo, Bussaco, Sintra, Arrábida, S. Mamede, Ossa,
Monchique e Caldeirão, são outros tantos sanatórios
naturais, onde o ar circula numa pureza viviicante e
as águas brotam em cristalinidade paradisíaca; em que
a paisagem circundante oferece à alma cansada da
monotonia da cidade, ou premida pelo esgotamento
cerebral, ou torturada nos sofrimentos ísicos, o alívio da
3
Texto ideniicado como tendo sido publicado em O Defensor das Caldas da Rainha e
da autoria de Pires Machado.
4
Pedro Fazenda foi professor, políico, publicista e deputado da Nação. A 19 de
Dezembro de 1923 foi nomeado Governador Civil de Lisboa, cargo que ocupou muito
pouco tempo.
176 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

variedade onde se quebra a ideia obsidiante, recilínea


e rígida, duma existências mecanizada!...[…] Âncora, Foz,
Espinho, Póvoa, Figueira, Cascais, Estoril, Sines, Rocha,
praias abrigadas e cheias de luz, onde os estrangeiros
acorreriam a gozar-lhes o brilho do Sol e a transparência
das águas, como seriam demandadas, se a indústria
do Turismo fosse criada entre nós!”. Considerando,
também ele, esta indústria como uma aposta para o
desenvolvimento da economia nacional nos anos, de
crise, que se seguiram à Primeira Grande Guerra.
Anos separam as fontes e os textos publicados, mas
uma ideia é consistente, há ainda muito para se fazer para
que o Turismo de Saúde seja uma fonte de rendimentos
ajustada ao potencial existente em todo o território
português. Conirmando esta airmação podem ser
consultados os Planos Estratégicos do Turismo Nacional5,
e as considerações e análises sobre os mesmos, que se
encontram disponíveis online, onde se constata que o
Turismo de Saúde e Bem-estar é uma aposta estratégica
mas, tal como no passado, ainda existe muito por
fazer, coninuando a região algarvia com o seu enfoque
enquanto produto de turismo de “Sol e Mar”.
Ao tomarmos como espaço de referência o Algarve,
tendo em conta o tema desta publicação, quesiono-
me se o Turismo de Saúde não terá sido o primeiro
impulsionador do “turismo” nesta região. Tomando
como exemplo as Caldas de Monchique, cuja história
remonta aos romanos que aqui procuravam a uilização
das águas termais para ins terapêuicos6, ou, mais
tardiamente, as referências de que no início do séc.
XX era frequentada quer por portugueses (oriundos
do Algarve ou de província conígua, o Alentejo) quer
por espanhóis da vizinha Andaluzia. Ou, ainda, a fama
granjeada pela práica clínica de alguns médicos, que
exerciam a sua acividade neste distrito em meados do
séc. XX, que trouxe à região inúmeras pessoas, na procura
de cura para os seus problemas de saúde. Como exemplo
modelar podemos citar o Dr. Gabriel Medeiros Galvão,
médico em São Brás de Alportel, cujas boas práicas
médicas associadas às qualidades do ar dessa vila deram
origem à deslocação, para esse concelho, de muitas
famílias oriundas de vários pontos do país. A procura de
tratamento para os problemas respiratórios (repouso,
boa alimentação e bons ares), do próprio ou dos seus
5
Consultar htp://www.turismodeportugal.pt
6
Sobre as Caldas de Monchique ler a tese de Mestrado de Ana Lourenço Pinto
initulada Realizações e Utopias: O Património Arquitectónico e Arísico das Caldas de
Monchique na Cenograia da Paisagem Termal disponível em: htp://repositorio.ul.pt/
bitstream/10451/11357/1/ullL148032_tm.pdf
CRISTINA FÉ SANTOS CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO TURISMO DE SAÚDE NO ALGARVE 177

familiares, fez aumentar a procura de alojamento, quer


de curta quer de longa duração7, assim como os serviços
que lhes eram associados (comércio local e restauração).
Ou, ainda, em terras de Alcouim, as consultas
do Dr. João Dias, cuja fama trouxe àquela localidade
inúmeros pacientes, oriundos de regiões limítrofes onde Figura 2 De notar neste anúncio, publicado no
jornal O Algarve a 1.08.1954, a referência a que
se inclui a vizinha Espanha, e suas famílias, na procura esta casa possui solário, um dos espaços uilizados
de diagnósico e cura para as suas enfermidades, no tratamento dos que padeciam de problemas
respiratórios.
promovendo uma melhoria na economia local com o
aumento, também aqui, da procura de alojamento8 e
serviços de apoio à estadia, como a restauração. Estes
são alguns dos exemplos que ideniico como Turismo
de Saúde, pois movimentaram gentes, oriundas do
resto do país e/ou do estrangeiro, para esta região
na procura de cuidados médicos e de um clima mais
ameno e terapêuico para os males de que padeciam,
antecedendo as grandes movimentações sazonais,
no período esival, para o Sol e Mar, hoje a grande
referência turísica da região algarvia, sobretudo após a
inauguração do aeroporto (Julho de 1965)9.
Tendo como referência cronológica o 1º Congresso
Regional Algarvio, realizado em 1915 na Praia da Rocha, e
fazendo, assim, uma breve resenha do que foi publicado
nos anos que antecederam e procederam este Congresso
propomo-nos fazer uma análise sucinta do que as fontes,
desse período, nos reportam sobre a procura desta região
na vertente turismo de saúde. Tentamos, desta forma,
validar a ideia de que o Algarve foi ponto de atracção para
muitas pessoas (turistas) que para aqui se deslocaram na
procura de repouso e bem-estar, ou mesmo cura para
males do corpo, muito antes de se tornar uma referência
turísica enquanto produto de Sol e Mar.
A uilização das fontes escritas da época, colmata
a falta de trabalhos de invesigação sobre a história do
Turismo no Algarve, tema que ainda não suscitou aos
invesigadores, quer da História, quer do Turismo, um
estudo aprofundado. Excluindo, desta análise o que
já foi publicado e estudado, por isso mais acessível
ao público em geral, como a tese sobre as Caldas de
Monchique e o que se encontra divulgado em diversos
7
O tratamento das doenças respiratórias inha normalmente uma duração prolongada,
mais de um ano.
8
“Conheci o Dr. João Francisco Dias em 1952. O Dr. Dias inha uma consulta com
caracterísicas especiais; vinha gente de todo o País, não só de Alcouim e dos povos
limítrofes, pois a sua fama inha adquirido tal natureza que vinha gente de todas as
partes. Por isso não inha tempo para atender todas as pessoas diariamente, a tal
ponto que eram improvisadas pensões onde se alojavam os doentes esperando turno,
às vezes, mais de 15 dias para serem atendidos pelo Dr. Dias”. Entrevista a Francisco
Abril Franco, cf. Vida e obra do Dr. João Dias, Promontoria Monográica – História do
Algarve, n.º 1, p.145.
9
Ler sobre este tema o arigo de António Correia Mendes nesta publicação.
178 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

meios de comunicação sobre o que nesta matéria é


desenvolvido nos hospitais privados na região.10
Quando consultamos publicações dos inais do séc.
XIX e princípios do séc. XX, diversas são as referências
a esta região. Para além das suas praias, que muitas
vezes são citadas11, o Algarve é também referido pelas
qualidades da região enquanto estância de repouso ou
de saúde, sendo, também, muitas vezes recomendado e
ideniicado como espaço vocacionado para turistas que
procuram alívio para os seus males.
No que concerne a estâncias termais encontramos,
essencialmente, referências às Caldas de Monchique12,
com uma maior procura por turistas internos e da vizinha
Andaluzia. São também conhecidas águas termais na
zona de Tavira cujo ediício ainda hoje existe, actualmente
como sede do Clube de Vela de Tavira. No distrito de Faro
foram, ainda, ideniicados diversos outros locais onde
existem nascentes de águas termais, mas que não foram
desenvolvidos do ponto de vista turísico13.
Como referência pelos seus bons ares a serra de São
Brás de Alportel é a mais aludida como local propício para
estadias prolongadas14 na procura de cura para males
respiratórios, como a Tuberculose15, mas também para
estadias sazonais, no Verão, como local de repouso16.
Figura 3 Anigas termas de Tavira
10
Será de referir que estes hospitais surgiram, numa dinâmica mais organizada, nos
inais do séc. XX, tendo também procurado desenvolver a sua actuação na captação de
um número maior de uilizadores (pacientes) destes mesmos espaços, ao associar-se
ao Turismo, matéria que os mesmos têm divulgado.
Sobre este tema ler nesta mesma publicação o arigo de Artur Barracosa Mendonça.
11

De referir como curiosidade que Ramalho Origão, no seu livro As Praias de Portugal:
Guia do banhista e do viajante, publicado em 1876, não faz referência às praias algarvias.
12
No número 2 da Revista de Turismo, publicada a 20 de Julho de 1916, encontramos um
arigo sobre o Algarve, da autoria de Marques Pereira, que nos exorta a ir a Monchique,
“a Sintra do Sul, afamada pelas suas termas, perdida na montanha entre arvoredo, alegre
pela sinfonia dos riachos. Ali, garanto-vos que icareis com uma impressão agradável”.
13
Consultar htp://www.aguas.ics.ul.pt/faro.html Este site tem o seguinte aviso: “A
informação disponibilizada neste site tem como data de referência o ano 2002 e pode
encontrar-se desactualizada”, no entanto, ainda que possa estar desactualizado dá
uma perspeciva dos vários locais onde foi ideniicada a existência de águas termais
na região algarvia.
14
O Correio do Sul publica a 28 de Agosto de 1921: “S. Braz d’Alportel encheu-se
este ano de forasteiros. Este clima bendito onde se refugiam os desgraçados que
a tuberculose chupa e amarelece e para retomarem o vigor anigo e a bela cor das
faces; estes campos verdes de hortas e pomares tranquilos, silenciosos, d’um ar de
encantamento e sonho que nos torna bons, tem chamado este verão grande parte
dos frequentadores das praias e tem-se enchido d’um bulício elegante de termas, de
renome. Como se operou este milagre? Não sabemos. O que é certo é que desde
há anos, S. Braz se encontrava abandonado pelos veraneantes inquietos sempre em
demanda de novos horizontes e sensações. Voltou porém ao esplendor. S. Braz tornou
a coroar-se de Rainha da Beira-Serra e a sorrir, com enlevo, na brancura da sua cal, por
entre a folhagem verde”.
15
A 8 de Setembro de 1918 os Caminhos de Ferro do Estado inauguram um sanatório para
tratar os seus funcionários, que se localiza no síio das Almargens, São Brás de Alportel.
16
Em 1944 é aí inaugurada a Pousada de São Brás, muito procurada, não só por
portugueses, vindos de outras regiões do país, mas também por estrangeiros,
exisindo nos Livros de Hóspedes várias referências à estadia de turistas de diversos
CRISTINA FÉ SANTOS CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO TURISMO DE SAÚDE NO ALGARVE 179

Em 1914, ano que antecede o Congresso Regional


Algarvio, é publicado um livro, The climate of Portugal
and notes on its health resorts17, no qual o autor, Daniel
Gelanio Dalgado18, inicia o prefácio com uma frase que
atribui a Hipócrates “A Natureza é a cura das doenças”
(“Nature is the healer of diseases”)19 seguindo-se o
texto que aqui transcrevemos traduzido do original,
que se encontra em inglês: “em nenhum período
da história do mundo houve tanta gente a viajar em
busca de saúde e repouso como nos nossos dias. De
tal forma, que o conhecimento exacto das condições
climáicas e estâncias (ou resorts) de saúde nos vários
países, se torna, cada vez mais, um assunto de grande
importância. A polifarmácia de há cinquenta anos
está sendo mesmo subsituída, cada vez mais, por via
medicatrix naiirce [sic.]. E pelo Physio-terapêuica [sic],
de modo que não são apenas as estações climáicas, os
spas e banhos de mar agora mais amplamente uilizados
do que antes, mas também outros agentes ísicos,
como a electricidade, a luz solar, a radioacividade, que
reivindicam uma boa dose de atenção”.
Ainda na mesma ordem de ideias refere que o livro
tem dois objecivos “por um lado, para dar um esboço
do clima de Portugal como um todo; e, por outro,
para descrever de uma forma breve as suas principais
estâncias (resorts) de saúde”. Também neste texto é
mencionado que o “clima de Portugal, sob o ponto
de vista médico, não recebeu ainda a atenção que lhe
é devida”. O capítulo XVI, desta obra, é dedicado aos
“Health Resorts in the Mediterranean Region” onde
se ideniica como “Climaic Resorts” Lagos, Faro, e
Porimão; “Spas” Caldas de Monchique e como “Sea-
bathing Resorts” toda a costa do Algarve. Assim, pelo
que podemos ver, os principais locais nesta região já se
encontravam ideniicados e classiicados.
Considerando, agora, o que foi exposto e publicado
no Congresso Regional Algarvio destacamos duas das
teses aí apresentadas, que iveram como objecto de
estudo o clima e as condições que a região proporcionava
aos que aqui pretendessem vir na procura de repouso
e cura para os seus males. Nestes arigos, o maior Figura 4 Capa da tese apresentada por Bentes
enfoque é dado aos que padecem de problemas de Castelo Branco no Congresso Regional Algarvio,
origem pulmonar/respiratória para os quais algumas 2015

países. Sobre este tema consultar o livro A Pousada de São Brás: 1944-2014.
17
Ver em: htps://archive.org/stream/climateofportuga00dalgrich#page/n10/mode/1up
18
Daniel Gelanio Dalgado publicou diversos livros. Podem ser consultadas algumas
das suas obras neste link:htp://onlinebooks.library.upenn.edu/webbin/book/
lookupname?key=Dalgado%2C%20Daniel%20Gelanio
19
Referenciado no texto pelo autor como: On Epidemics. B. VI., Sect. 5, §1
180 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

zonas deste distrito, com um clima mais ameno, são


referidas como ideais para a sua recuperação.
Paricularizando, encontramos, desse modo, da
pena de um especialista em saúde, Bentes Castelo
Branco, a tese: “Clima do Algarve”, organizada em três
subcapítulos: Sanatórios, Clima do Algarve, Sanatórios
para Tuberculosos no Algarve, rematando o texto com
algumas Conclusões. Nesta exposição, pode-se ler logo
na primeira página, juntamente com a sua deinição de
sanatórios, de que com a sua existência “resulta, que
em volta de tais estabelecimentos aparecem sempre
hotéis, casas de saúde, pensões, casas ou quartos de
aluguer, etc. que permitem aos doentes seguir em
liberdade o tratamento que consitui a especialidade
local, em harmonia com as variadas circunstâncias
das suas condições individuais e sociais. É assim que
habitualmente se formam em volta dos sanatórios
verdadeiras povoações, denominadas em geral Estações
de Cura…”. Mais à frente, o autor refere que associados
a estas Estações de Cura se desenvolvem diversas
empresas, quer no que diz respeito à estadia dos que
ali se instalam, quer no que se refere ao transporte de
passageiros e de mercadorias para estes locais. Sobre
a existência de sanatórios no Algarve considera que
apesar da “orientação médica” aceitar teoricamente
a excelência do clima algarvio, os doentes têm sido
encaminhados para outras zonas do país devido à falta
de estabelecimentos convenientes na região20. No que
concerne a estâncias de águas termais refere somente
as das Caldas de Monchique, rematando, no entanto,
que estas possuem requisitos para atrair uma aluência
muito considerável de uilizadores quer nacionais, quer
estrangeiros, não só pela sua localização, mas também
pelas condições excepcionais que as consituem.
Ainda de um outro médico, Geraldino Brites,
depara-se-nos a tese initulada “O Clima do Algarve
e as suas indicações”21. O autor inicia o texto com a
informação de que “o Algarve tem um lugar quase
unanimemente estabelecido” na zona do sul da
Europa, cujas caracterísicas climáicas deinem o clima
denominado mediterrâneo. Relata-nos, ainda, que
“invesigações conducentes a uma racional e proícua
aplicação terapêuica dos recursos clínicos, a que
20
À data do Congresso, 1915, não exisia nenhum sanatório no Algarve. O primeiro
e único sanatório construído na região foi inaugurado a 8 de Setembro de 1918 em
São Brás de Alportel, sendo, no entanto, somente, desinado aos trabalhadores dos
Caminhos de Ferro.
21
O autor assina este texto como “ex-médico municipal em Loulé”. Geraldino Brites
Figura 5 Capa da tese apresentada por Geraldino nasceu no Porto em 1882, licenciou-se em Medicina em 1907, tendo exercido clínica
Brites no Congresso Regional Algarvio, 2015 em Loulé de 1908 a 1910.
CRISTINA FÉ SANTOS CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO TURISMO DE SAÚDE NO ALGARVE 181

também não são estranhos a exploração do turismo e


o desenvolvimento regional, têm levado à dissociação
desse grupo de estações climáicas, procurando elevar
para uma situação privilegiada, zonas da costa do
Mediterrâneo, que se diferenciam do ipo por um ou mais
factores do clima, a que se pode atribuir uma aplicação
especializada” sendo que “o Algarve pela sua situação
geográica, pela sua orograia, pela sua meteorologia,
consitui uma zona inconfundível, cuja situação entre os
meios da terapêuica climáica deve ser deinida de uma
maneira tão precisa quanto comportem os seus recursos
de observações meteorológicas”. Prosseguindo o seu
texto com a ideniicação das diversas zonas climáicas
e suas caracterísicas, bem como os ipos de doentes e
patologias que lhes devem ser direccionados22.
Sem uma alusão directa ao tema bem-estar e
saúde temos, ainda, outras duas conferências. A tese de
Tomás Cabreira23 “Zonas de Turismo”, na qual ideniica
a província do Algarve como uma zona com condições
excepcionais para consituir uma zona de turismo, Figura 6 Capa da tese apresentada por Tomás
Cabreira no Congresso Regional Algarvio, 2015
fazendo referências ao clima que aí se observa no
inverno, com temperaturas mais elevadas, no mesmo
período, que outras estâncias de turismo muito em voga
no princípio do século XX, como Biarritz, Côte d’Azur
francesa e a Riviera italiana e, por úlimo, a tese de Raul
Lino, initulada “Memória jusiicaiva e descriiva de um
projecto de Hotel Portuguez para ser construído no Sul
do Paiz”. Neste seu arigo, Raul Lino esclarece que não
pretende falar da falta de qualidade nos hotéis existentes
(não se referindo somente ao Sul de Portugal), mas, no
entanto, ideniica a importância da “criação de casas
ou palácios para hospedagem das pessoas que são
obrigadas a percorrer terras de Portugal para tratarem da
sua saúde, dos seus negócios ou apenas atraídos pelas
nossas admiráveis paisagens”, propondo a construção de
um modelo adequado à zona onde se insere que teria o
nome de “Hotel-Solar”.

22
Tomás Cabreira retoma este assunto no seu livro Algarve Económico, tema que
desenvolvemos mais à frente.
Figura 7 Capa da tese apresentada por Raul Lino no
23
Tomás António da Guarda Cabreira nasceu, em Tavira, em 1865 e faleceu em 1918. Congresso Regional Algarvio, 2015
Viveu o período conturbado de crise políica e económica que ocorreu na úlima
década do século XIX e a mudança de regime políico da monarquia consitucional
para a república na viragem da primeira década do século XX. Engenheiro de formação,
destacou-se na vida pública sobretudo como economista e políico através de uma
ampla e diversiicada obra escrita sobre temas económicos e inanceiros, publicada
essencialmente nos úlimos seis anos da sua vida, e através de uma curta intervenção
políica como deputado e senador a parir de 1911 e sobretudo como ministro das
Finanças em 1914. In “Tomás Cabreira: um economista políico num país de “inanças
avariadas”, de Ana Bela Nunes, publicado no nº. 29 da Revista Notas Económicas, Junho
de 2009. htp://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/657/1/WP33.net.pdf
182 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Nos anos que se seguem ao Congresso aparece em


1918, da autoria de Tomás Cabreira, uma obra initulada
o Algarve Económico, na qual o autor dedica o capítulo
XVI aos sanatórios (“O Turismo e os Sanatórios”),
preconizando o desenvolvimento da região enquanto
estância de saúde e de repouso (a que hoje chamamos
de bem-estar): “se o Algarve executar tudo o que ica
prescrito para a conquista do turismo, essa província
será a que ica melhor equipada, em Portugal, para o
exercício de tão lucraiva indústria, que consitui uma
das grandes fontes de receita da Suíça, da Itália, da
França, da Holanda e de muitos outros países, que
não se poupam a esforços e despesas para atrair os
estrangeiros. Se o Algarve pode adquirir uma grande
legião de turistas, que o venham habitar, atraídos pelas
suas belezas e pela doçura do seu clima, outra legião
não menor o pode frequentar, procurando no seu clima
um alívio para os seus males”.
Nesta publicação encontramos algumas referências
à tese sobre o clima algarvio apresentada por Geraldino
Brites no Congresso Regional de 1915. O autor “airma que
a zona litoral do Leste deve beneiciar, como estação de
Inverno, todos os ameaçados de tuberculose por factores
herdados ou adquiridos”24, nomeando as doenças e
doentes que ideniica como beneiciários deste clima.
Na mesma linha, relaciona as diversas zonas descritas
com as qualidades e as propostas de cura que lhe devem
ser dirigidas, “a zona alta do leste, S. Braz, Alportel, a parte
alta do concelho de Loulé e, paricularmente, o Barranco do
Velho, especializa-se durante o Inverno, para a tuberculose
pulmonar de marcha crónica, nos adultos, sem ou com
fracas reacções febris, congesivas ou nervosas”25.
Na mesma ordem de ideias, a sua análise estende-
se também à zona litoral do Oeste que “tem, no Inverno,
as mesmas indicações que a outra zona litoral, já
descrita, especializando-se para os estados mórbidos,

24
Apresenta, na sequência do texto, uma imensa lista de enfermidades que beneiciam
deste clima: “as crianças débeis, raquíicas ou linfáicas, ilhas de pais velhos, siilíicos,
alcoolizados ou tuberculosos; os adultos, esgotados pelo trabalho, os siilizados e
alcoolizados; os convalescentes de doenças agudas, escarlaina, sarampo e ifóide ou
que precisam fugir dum restabelecimento funcional lento; as crianças portadoras de
adenopaias; os indivíduos em que eternizam reliquat bronco-pulmonares, pleuréicos
ou pneumónicos; os deformados de esqueleto; os tuberculosos ósseos e ariculares;
os diabéicos, gotosos e obesos; os cardiopatas valvulares ou arteriais, sem assistolia;
os brighicos; os neurasténicos deprimidos, as uterinas linfáicas e neuro artríicas e
os tuberculosos renais”.
25
A zona alta do leste é sugerida: “para a tuberculose crónica ulcerosa; para os
bacilares, cuja doença tende espontaneamente para a cura; para os tuberculosos,
que precisam interromper periodicamente o seu tratamento pela alitude e para os
que precisam dum tratamento pela alitude e para os que precisam dum tratamento
ferruginoso, pela facilidade de se obterem águas férreas naturais, que brotam nesta
zona. Durante o Verão, esta zona pode ser aproveitada como estação de repouso”.
CRISTINA FÉ SANTOS CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO TURISMO DE SAÚDE NO ALGARVE 183

que resistem às variações térmicas e, durante o Verão,


é a que melhor pode ser aproveitada como estação de
repouso e balnear”. Para além de que “a região alta
de Oeste, formada pela serra de Monchique, é uma
boa estação de repouso esival, onde as águas das
suas termas fornecem excelente terapêuica contra
as afecções reumáicas”. Fazendo, no entanto, para
esta zona, uma ressalva: “desta, como de todas as
outras zonas climáicas algarvias, devem ser excluídos,
por terem afecções contrárias às suas indicações, os
bacilares pulmonares, de resistência vital nula; os
acentuadamente heréicos; os agudos; as formas de
evolução rápida; os sujeitos a crises congesivas e
bronquites repeidas; os tuberculosos hiperexcitáveis;
os tuberculosos laríngeos; todos os que padecem de
assistolia, de taquicardia, de aneurisma, de dilatações
aóricas, de angina do peito, de nevralgias e nevrites do
lexo [sic.] cardíaco e de cardiopaias”. Fornece, ainda,
referências quanto à localização ideal para a construção
de sanatórios, aludindo aos cuidados que deveriam ser
tomados relaivamente às populações que habitassem
na circunscrição destes espaços26.
Prossegue o texto acrescentando que a acção dos
sanatórios, pela sua localização, têm em consideração
que “os organismos tuberculizados” reagem pela acção
“do ar puro, que envolve o doente de dia e de noite,
por uma alimentação convenientemente estudada,
por uma ginásica sabiamente doseada e, às vezes,
de hidroterapia”, reduzindo em “75% a morte, por
tuberculose, na Inglaterra e Alemanha”, relembrando,
ainda, que em Portugal e no Algarve, a tuberculose
consitui um grande lagelo que é preciso combater, com
o estabelecimento de sanatórios e fazendo propaganda
dos mesmos e da sua uilização.
Destaca a diferença da uilização de espaços, a que
também chama de sanatórios, “para doenças crónicas

26
Remata estas orientações com a informação de que “O Algarve pode, portanto,
estabelecer, segundo as indicações das suas zonas climáicas, sanatórios para
tuberculosos, sanatórios para doenças crónicas e estações de repouso, devendo a
zona dos sanatórios para tuberculosos ser estabelecida na região mais adequada para
esse im, mas afastada das povoações. A disciplina higiénica desses estabelecimentos
deve ser extremamente rigorosa, não se permiindo infracções às regras estabelecidas,
para que as povoações próximas não sejam prejudicadas com a proximidade dessas
insituições”, mais tarde também Estanco Louro, na sua obra O Livro de Alportel,
quando se refere à existência do Sanatório Carlos Vasconcelos Porto, localizado em
São Brás de Alportel, salvaguarda a devida distância que estas insituições deveriam
ter relaivamente à população que aí habita: Pode-se assim ler, na página 469,“proibir
terminantemente que os imigrantes atacados de doenças pulmonares e que vão
para lá em busca do alívio ou cura dos seus males, possam viver à vontade, entre
a população. Construir, ao mesmo tempo, um ou mais sanatórios (nos arredores da
Fonte-férrea). Evita-se assim o contágio da população; atrai-se a colónia de repouso e
tem-se uma boa fonte de receita, a par do beneício prestado aos doentes”.
184 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

e as estações de repouso combatem as afecções pelo


emprego do ar livre, pelas alternaivas de repouso e
exercício moderado, pela alimentação sabiamente
escolhida, pelos banhos de Sol, pela hidroterapia e
pelas águas termais, quando existem na localidade,
como acontece em Monchique27. Refere, ainda a mesma
fonte, que “as estações de repouso formam a transição
entre as estações de sanatórios de doenças crónicas e
as estações de turismo”28.
Sendo deveras minucioso, Tomás Cabreira esclarece
que “no Algarve, é preciso separar niidamente estas
diferentes estações, icando a praia da Rocha como
estação de turismo, com todo o equipamento que uma
estação desta ordem exige, e as outras zonas, acima
indicadas, como estações de sanatórios ou de repouso,
sem que umas estações possam prejudicar as outras,
icando o Algarve com capacidade de receber duas
populações diferentes: uma que vem procurar, no seu
doce clima, um alívio aos seus males ou que vem repousar
de fadigas excessivas, e outra que apenas se quer diverir,
procurando distracções e prazeres de toda a espécie”.
De destacar a importância que o mesmo dá à
envolvência destes espaços no que diz respeito aos
habitantes locais com quem estes turistas se cruzarão
no seu dia-a-dia, enquanto por ali permaneceram, dado
que quem os procura pretende conviver com gentes
cultas e instruídas29.
27
Chegou a ser pensado para Monchique a construção de um sanatório, cf. Sanatório
Carlos Vasconcelos Porto: sanatório de uma empresa, Promontoria Monográica –
História do Algarve, n.º 1, p.75.
28
Tomás Cabreira destaca que nas Estações de Repouso “os doentes não estão, nestas
estações, sujeitos às prescrições mais ou menos apertadas dos sanatórios; têm uma
liberdade maior na sua vida e nos seus prazeres, o que aproxima estas estações das
estações de turismo, mas entre estes dois ipos de estação há uma diferença radical:
é que os prazeres e diverimentos das estações de repouso nunca devem exercer uma
acção excitante ou debilitante nas pessoas que os frequentam”. Sobre as Estações
de Turismo, o mesmo, refere que “ao passo que nas estações de turismo, todos os
prazeres são permiidos. Assim, as estações de repouso têm um regulamento especial
que não permite o funcionamento de casinos e restaurantes, além de certa hora;
que proíbe o jogo de azar e tudo o que possa ter uma acção deletéria sobre os seus
frequentadores. Nas estações de turismo não há regulamento de espécie alguma;
os casinos e restaurantes funcionam enquanto têm clientes, procuram-se todos os
meios de reter os forasteiros e até o jogo de azar é permiido, segundo uma legislação
especial”.
29
“Uma das condições indispensáveis para que a população algarvia possa ajudar o
estabelecimento de estações de cura, repouso e turismo é a difusão da instrução pelas
massas populares, porque o turista e o doente não gostam de viver entre populações
ignorantes. Todos os países que possuem afamadas estações de turismo ou de cura,
são extremamente cultos, como a Alemanha, a Suíça, a França, a Bélgica e a Itália; a
Espanha, a Rússia e a Turquia, em que a instrução é menor, não têm grandes estações
de turismo ou de sanatórios”. A alusão à ignorância das populações é uma das
referências constantes do não desenvolvimento do Turismo, quer em Portugal, quer
em paricular ao Algarve. Conforme já referimos no início deste arigo, aquando da
referência ao texto publicado no nº 13 da Revista de Turismo, a 5 de Janeiro de 1917,
em que se diz que o turista “procura uma vida em que se instrua e divirta”. Neste
mesmo capítulo, Thomaz Cabreira escreve, nas páginas 265 e 266, que “o Algarve tem
CRISTINA FÉ SANTOS CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DO TURISMO DE SAÚDE NO ALGARVE 185

Nos anos que se seguem ao Congresso encontramos


várias outras referências, em fontes escritas, que
recomendam o Algarve como uma região para
tratamento de males de Saúde. Sabemos, também, que
o único sanatório existente na região encerrou nos anos
90, pois o avanço da ciência e as práicas médicas já não
requeriam internamentos prolongados e o isolamento
dos doentes tuberculosos do resto da população. As
termas existentes, as Caldas de Monchique, viveram
momentos áureos e momentos de maior esquecimento,
ao longo de todo o século XX, mas não compeiam com
a hotelaria disponibilizada no litoral, relacionada com
o produto Sol e Mar. A inauguração do aeroporto nos
anos 60 traz ao Algarve um grande número de turistas
que na sua maioria procuram as praias, deixando para
segundo plano toda a região algarvia do interior.
Por outro lado, os hospitais privados no Algarve
procuram dinamizar o Turismo de Saúde, mas terão que
exisir mudanças de fundo, que requerem alterações de
leis e regras, para que se assista a mudanças relevantes
evidenciadas por práicas que fomentem a procura do
Algarve em qualquer estação do ano.
Usando como referência a frase de George Bernard
Shaw: “Aprendemos com a experiência que os homens
nunca aprendem com a experiência”30, poderemos
pensar no que se reporta, mais em concreto, ao Algarve
que a História nos demonstra que muito ainda há para
se fazer no que diz respeito ao aproveitamento de todas
as qualidades que esta região disponibiliza aos que
para aqui se deslocam. Cerca de cem anos separam as
fontes que uilizámos, mas uma leitura atenta dá-nos a
sensação que os textos anigos ainda são actuais.

uma população muito iletrada, como mostra o quadro seguinte que dá, segundo três
recenseamentos diferentes, o total dos analfabetos e dos que sabem ler na província:

Anos Analfabetos Sabendo ler Proporção

1890 194.693 habitantes 33.942 habitantes 18,40%

1900 212.775 habitantes 42.416 habitantes 19,90%

1911 224.072 habitantes 49.789 habitantes 21,70%

A proporção dos que sabiam ler para os analfabetos foi passando de 18,4 % para 19,9
e inalmente para 21,7 %, acusando um progresso real, no número dos que sabem ler,
que ainda assim é extremamente baixo, o que demonstra uma grande falta de escolas
em toda a província.”
30
Cf. htp://www.citador.pt/frases/aprendemos-com-a-experiencia-que-os-homens-
nunca-george-bernard-shaw-6679
186 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

BIBLIOGRAFIA

Publicações periódicas
O Algarve, nº 2418, 1 de Agosto de 1954.

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Papelaria e Tipograia A Tentadora, Lisboa.
CABREIRA, Tomás (1918), Algarve Económico, Lisboa.
CASTELO-BRANCO, Bentes (1915), “O clima do Algarve”, tese apresentada no Congresso Regional
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Gelanio
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milhoes-de-euros-por-ano-1630767
htp://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/657/1/WP33.net.pdf
htp://www.turismodeportugal.pt
h t t p : / / w w w. t u r i s m o d e p o r t u g a l . p t / P O R T U G U % C 3 % 8 A S / T U R I S M O D E P O R T U G A L /
NEWSLETTER/2015/Documents/RelatGT-InterministerialTurismoSaude-2015.pdf
O Património Histórico-Arísico das Caldas
de Monchique na valorização do desino
turísico algarvio 1

Ana Lourenço Pinto

1. INTRODUÇÃO1
O Algarve é a região portuguesa com maior
aluência turísica, em grande medida pela combinação
entre o agradável clima e as belas praias de arribas, que
se tornaram o bilhete postal deste território. Porém,
existe um outro Algarve, na zona interior, com diferentes
recursos turísicos que podem ser alternaivos ou
complementares, podendo atuar no combate ao maior
desaio desta província: a sazonalidade no Turismo.
As Caldas de Monchique são uma estância termal
no interior algarvio, cujo património arquitetónico
e arísico – o objeto de estudo do nosso trabalho de
mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro
- poderá contribuir para atenuar os efeitos da
sazonalidade e da interioridade.
Concluído o trabalho teórico, propomos uma
estratégia integrada de gestão deste património, assente
na sua preservação, sistemaização e dinamização, de
acordo com pressupostos de organizações internacionais
e nacionais ligadas ao tema.
O presente arigo é, pois, um exercício de relexão
acerca das consequências do trabalho académico e
da relação entre Turismo e Cultura, e o papel desta
no combate aos efeitos socioeconómicos adversos
da sazonalidade na região, resultantes da grande
dependência dos produtos de Sol & Mar e Golfe.

2. CONTEXTUALIZAÇÃO
O Algarve corresponde à região meridional
de Portugal, banhada a Sul e a Oeste pelo Oceano

1
A invesigação para o presente arigo foi realizada entre Dezembro de 2014 e Janeiro
de 2015.
188 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Atlânico. A localização geográica e a intensa exposição


solar revelam-se, por esse moivo, determinantes na
oferta turísica algarvia, caraterizada sobretudo pelos
produtos de Sol & Praia, Golfe, Turismo Náuico e Saúde
& Bem Estar.
As suas praias de areais dourados e águas cálidas
contribuem para uma intensa aluência de turistas,
nacionais e estrangeiros – na maioria, oriundos do Reino
Unido e Europa Central –, sobretudo ao longo dos meses
de verão. Se este fenómeno tem contribuído para o
incremento da economia do turismo no Algarve a parir
da segunda metade do século passado, em contraposição,
a sazonalidade inevitável do negócio turísico assente
naqueles produtos salda-se num enorme desaio da
oscilação na ocupação hoteleira e nas aividades turísicas
paralelas que deles dependem ao longo de todo o ano.
As repercussões fazem-se senir necessariamente na
elevada taxa de desemprego a parir do im da época alta
nos recursos humanos do setor turísico. Neste senido, a
região encontra-se sujeita às condições meteorológicas,
pelo que se registam anos com temperaturas e horas de
exposição solar inferiores às habituais, que acarretam
prejuízos para o Turismo.
Outro assinalável desaio que o Algarve enfrenta
nesta dinâmica diz respeito à crescente descaraterização
da sua paisagem cultural, pela obliteração da arquitetura
e malhas urbanas que deinem a forma como este
território tem sido vivido pela população ao longo da
história, em harmonia, precisamente, com a localização
geográica e o clima.

2.1. Monchique
Ao contrário da maioria dos dezasseis concelhos
que consituem o Algarve, Monchique encontra-se no
interior da região, portanto sem ligação direta à imagem
turísica por excelência da província portuguesa, o
litoral, de que dista cerca de 25 Km.
O território da Serra de Monchique é montanhoso,
aingindo na Fóia os 902m de alitude, com uma visão
privilegiada sobre todo o Algarve. E também aqui, a
adaptação às condições naturais resultou em soluções
arquitectónicas peculiares, como as chaminés-de-saia,
as habitações serranas com cobertura de uma só água,
ou o famoso portal manuelino (variante portuguesa do
tardo-góico) da Igreja Matriz, que retrata na pedra a
vegetação exuberante do concelho de Monchique.
Igualmente, a gastronomia monchiquense inspira-
se nos produtos alimentares da serra, como a carne de
ANA LOURENÇO PINTO O PATRIMÓNIO HISTÓRICO-ARTÍSTICO DAS CALDAS DE MONCHIQUE NA VALORIZAÇÃO DO DESTINO TURÍSTICO ALGARVIO 189

porco preto e os respecivos enchidos, a aguardente


desilada do medronho e a sua variante com mel – a
melosa, o bolo-de-tacho (de herança supostamente
conventual), entre outros pratos exclusivos que se
distanciam da gastronomia litoral algarvia.
Também de forma disiniva no Algarve, neste
concelho existem fontes de água termal, sendo as mais
célebres localizadas a cerca de 7 km a Sul da sede de
concelho, nas Caldas de Monchique – a estância termal
objecto de estudo do nosso trabalho.

2.2. Caldas de Monchique


As águas das Caldas de Monchique têm sido
uilizadas desde os Romanos, há cerca de dois mil anos.
Da longa história desta estância termal destacam-se
períodos como a tutela dos bispos do Algarve (1691-
1833), o período de inluência do médico e concessionário
João Bentes Castel-Branco (1882-1921) ou as campanhas
de obras sob a gestão pública da Comissão Administraiva
das Caldas de Monchique (1932-1974).
Ao seu potencial turísico não foi alheia a literatura
de viagens desde alvores do séc. XIX, pelo pincel e pela
pena de George Landmann2. Desenvolvendo-se como
local de vilegiatura, foi posteriormente considerado
como parte da “trindade maravilhosa”3 do turismo
algarvio (no contexto do concelho de Monchique),
juntamente com a Praia da Rocha e Sagres.
Actualmente, os equipamentos termais e a maior
parte das unidades hoteleiras, juntamente com o
ediício da Capela, compõem a Villa Termal das Caldas
de Monchique - SpaResort, tendo o conjunto sido
adjudicado pelo Estado português à Fundação Oriente
em 1994, e entrado em funcionamento no ano de 2001.
Desde então, as termas algarvias têm-se posicionado no
segmento turísico de Saúde & Bem Estar, apostando
numa programação complementar com algumas
aividades desporivas e de entretenimento dos clientes
na época alta (sobretudo entre Agosto e Outubro).
Apesar de não dispor da oferta turísica do litoral
algarvio, os efeitos socioeconómicos da sazonalidade
fazem-se senir também nas Caldas de Monchique e no
restante do concelho, acentuados pela interioridade.
2
Cf. Landmann, George (1818), Historical, military, and picturesque observaions
on Portugal, illustrated by seventy-ive coloured plates, including authenic plans of
thesieges and batles fougth in the Peninsula during the late war, vol.II (2 vols)., T.
Cadelland W. Davies, Londres, htp://purl.pt/22714/1/ds-xix-231/ds-xix-231_item1/
P1.html (Biblioteca Nacional de Portugal).
3
Cf. Franco, Mário Lyster (1928), Praia da Rocha, Monchique, Sagres: a Trindade
Maravilhosa. Os problemas iniciais do Turismo no Algarve, Edição Empresa Nacional
de Publicidade, Lisboa.
190 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

A dinamização e capitalização do património histórico-


arísico da estância termal poderá, a nosso ver, ajudar a
diluir esta tendência, uma vez que pode ser fruído todo
o ano, não estando sujeito às condições atmosféricas.
Entre equipamentos termais, religiosos e
hoteleiros, contabilizam-se ainda ediícios de interesse
histórico e arquitectónico (Figuras 1, 2 e 3), como
chalets pariculares, que oferecem a este território de
montanha uma paisagem única no Algarve. A transição
entre os séculos XIX-XX e o período do Estado Novo
português correspondem às fases construivas que
vincaram essa idenidade ainda hoje visível, num
estreito diálogo entre o património natural e a ocupação
humana das Caldas de Monchique.

3. TESE DE MESTRADO: PONTO DE PARTIDA


TEÓRICO
A dissertação de mestrado initulada Realizações
e Utopias: o Património Arquitectónico e Arísico das
Caldas de Monchique na Cenograia da Paisagem Termal4
teve diferentes objeivos teóricos. Em primeiro lugar, o
estudo inédito do património das termas algarvias sob
o ponto de vista da História da Arte, de que adveio a
descoberta de diversos projetos de arquitetos e aristas
produzidos para as Caldas de Monchique, sobretudo
entre o inal do século XIX e a atualidade (Figura 4), e
que permaneciam até ao momento desconhecidos ou
por estudar.

Por outro lado, foi-nos permiir localizar o paradeiro


de diversos objetos de importância histórica e arísica
para a narraiva deste património. Entre eles, contam-se
peças do período romano, como estatuetas em bronze
Figura 1, 2 e 3 Exemplos de ediícios de função (Figuras 5 e 6), fragmentos de lucernas ou tesselas do
com interesse arquitectónico nas Caldas de
Monchique: o anigo balneário provisório, o Chalet pavimento do balneário.
Mascarenhas e a Capela de Santa Teresa e S. João
de Deus.
Também um importante conjunto de azulejos
barrocos pertencente ao hospital termal gerido
pelos bispos do Algarve foi redescoberto, com uma
interessante iconograia ligada à sacralização da água e
ao dia-a-dia assistencial que ali se vivia no século XVIII
(Figura 7). O arquivo administraivo das termas foi,
por seu turno, estudado pela primeira vez, revelando
documentos essenciais para contar a história construiva
das Caldas de Monchique.
4
Pinto, Ana Lourenço (2013). Realizações e Utopias: o Património Arquitectónico e
Figura 4 Projeto para uma capela, da autoria Arísico das Caldas de Monchique na Cenograia da Paisagem Termal, dissertação
de Manuel Ferreira dos Santos (1903), não de mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro, Faculdade de Letras da
concreizado em obra. Universidade de Lisboa, Lisboa.
ANA LOURENÇO PINTO O PATRIMÓNIO HISTÓRICO-ARTÍSTICO DAS CALDAS DE MONCHIQUE NA VALORIZAÇÃO DO DESTINO TURÍSTICO ALGARVIO 191

O grau de novidade deste trabalho assentou na


abordagem cripto-histórica5, no senido de resgatar
a memória de ediícios e obras de arte que não
sobreviveram ao devir histórico, mas de que há registos
que permitem reconsituir o seu aspeto, autoria e
uilização ao longo do seu trajeto de vida. Foram ainda
realizadas entrevistas junto de anigos habitantes e
funcionários das Caldas de Monchique, que deram Figura 5 e 6 Estatuetas romanas em bronze,
uilização aos ediícios e permiiram complementar localizadas no anigo balneário provisório.
com os seus testemunhos as informações bibliográicas,
documentais e imagéicas recolhidas nos arquivos e
bibliotecas.
A autora da dissertação realizou também visitas
guiadas experimentais com os clientes da Villa Termal
nas épocas altas de 2011 e 2013, dando-lhes acesso aos
imóveis habitualmente encerrados ao público – como
a Capela – e parilhando conteúdos acerca dos locais
e personagens históricos que garantem o espírito do
lugar6 das Caldas de Monchique. Desta forma, pretende-
se que o trabalho académico teórico sirva de alavanca
a aividades práicas na valorização e dinamização do
património deste lugar.

4. DIAGNÓSTICO E ESTRATÉGIA
A estratégia de dinamização do património
histórico-arísico das Caldas de Monchique decorrente
do trabalho de mestrado baseia-se nos princípios
emanados de organismos internacionais e portugueses,
no que respeita à gestão do património cultural e ao
turismo.
Três documentos redigidos pelo Internaional
Council of Monuments and Sites (ICOMOS) exprimem
fundamentos para o trabalho de valorização daquele
desino turísico algarvio. Por um lado, a Carta para a
Interpretação de Síios de Património Cultural preconiza
a documentação do signiicado destes síios “through
accepted scieniic and scholarly methods”7, bem como
o respeito pela sua autenicidade.
Já a Carta Internacional do Turismo Cultural8
veicula a necessidade de envolver as comunidades
locais e os visitantes, com claros beneícios para ambas
as partes a parir do diálogo, ao mesmo tempo que
5
Serrão, Vítor (2001), A Cripto-História de Arte. Análise de Obras de Arte Inexistentes,
Livros Horizonte, Lisboa.
6
Cf. ICOMOS (2008), Québec Declaraion on the Preservaions of the Spirit of Place.
7
ICOMOS (2008), Charter for the Interpretaion and Presentaion of Cultural Heritage
Sites, Objeivos. Figura 7 Um dos painéis de azulejos barrocos,
8
Cf. ICOMOS (1999), Internaional Cultural Tourism Charter: Managing Tourism at proveniente do exinto balneário, demolido na
Places of Heritage Signiicance. década de 1940.
192 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

deine a gestão do turismo nos síios com signiicado


cultural. Com a realização de entrevistas junto daqueles
que uilizaram os ediícios estudados na dissertação,
tentámos sensibilizá-los para a importância da história
do conjunto patrimonial, e em simultâneo das suas
próprias experiências de vida e de trabalho nas Caldas
de Monchique. Com efeito, os turistas que pariciparam
nas visitas guiadas valorizaram em grande medida
este ipo de conteúdos acerca dos indivíduos, que
enriqueceu a narraiva histórica e arísica.
Por último, a Declaração do Quebeque sobre
a Preservação do Espírito do Lugar vem sublinhar,
precisamente, essa relação de enriquecimento mútuo
entre os patrimónios material e imaterial, na medida
em que inscreve o espírito do lugar como “the physical
and the spiritual elements that give meaning, value,
emoion and mystery to place. Rather than separate
spirit from place, the intangible from the tangible,
and consider them as opposed to each other, we have
invesigated the many ways in which the two interact
and mutually construct one another.”9.
Na ausência de um plano regional de turismo
para o Algarve, encontram-se no Plano Estratégico
Nacional de Turismo (PENT)10 as directrizes que o Estado
português aponta para o desenvolvimento deste sector
na província turísica, por excelência.
Constatando a ampla oferta de equipamentos e
serviços complementares no nicho de Saúde & Bem
Estar na região, o documento aponta a necessidade
de “desenvolver propostas especíicas direccionadas à
captação de turistas na época baixa (mercado interno)”,
no senido de potencializar os recursos existentes ao
longo do ano, através da captação de turistas nacionais
para colmatar a diminuição na aluência internacional,
fora da época alta. Defendemos, pois, o Touring
Cultural e Paisagísico como âncora, assumindo o papel
estratégico das Caldas de Monchique no processo de
combate à sazonalidade, pela fruição permanente do
seu património.
E o Plano conirma esta necessidade, ao revelar
que o Algarve deverá apostar noutros cinco produtos
turísicos para atenuar a sazonalidade e complementar
a oferta, além do tradicional Sol & Mar e do Golfe.
Neste senido ainda, são ideniicados os Circuitos
Turísicos Religiosos e Culturais como forma de “colocar
9
ICOMOS (2008), Québec Declaraion on the Preservaions of the Spirit of Place,
Preâmbulo.
10
Turismo de Portugal (2013), Plano Estratégico Nacional de Turismo. Revisões e
Objecivos 2013-2015.
ANA LOURENÇO PINTO O PATRIMÓNIO HISTÓRICO-ARTÍSTICO DAS CALDAS DE MONCHIQUE NA VALORIZAÇÃO DO DESTINO TURÍSTICO ALGARVIO 193

os recursos georreferenciados em valor, desenvolver


conteúdos e informação para o cliente, e incenivar
a diversiicar as experiências”, pelo que a criação de
acividades de animação turísica direccionadas para
os recursos patrimoniais concorre no alargamento da
oferta regional.
Contudo, é defendido pelo Turismo de Portugal,
I.P. um projecto de revitalização do Algarve, no sentido
de torná-lo num destino de excelência de Sol & Mar,
insistindo na sua dependência face a este produto, ao
passo que, reforçando outros produtos complementares
como o Turismo Cultural, os efeitos da sazonalidade
seriam senidos de forma menos intensa.
No que respeita às perspeivas da Direção
Regional de Cultura do Algarve (DRCAlg)11, veriicou-
se um aumento de 5,1% no número de visitantes nos
monumentos que tutela, em 2014, sintomáico da
crescente procura dos turistas pelos produtos turísicos
culturais. Ao mesmo tempo, há uma maior aproximação
à Enidade Regional de Turismo do Algarve, numa
sinergia que nos parece salutar entre ambas as enidades
públicas regionais, demonstraiva de que Turismo e
Cultura se complementam no território algarvio. O
programa DiVaM – Dinamização e Valorização dos
Monumentos terá contribuído igualmente para este
aumento. Prevê-se a requaliicação da Fortaleza de
Sagres, com um novo centro de exposições, que
reforçará a oferta cultural na região.
Também ariculando o património histórico e as
dinâmicas turísicas, a DRCAlg encetou já parcerias
com diferentes roteiros internacionais, como a Rota
Transnacional dos Omíadas – Iinerário Turísico
Transnacional pela Bacia do Mediterrêneo ou a Rota
Europeia dos Descobrimentos, ao mesmo tempo que se
encontra disponível para colaborar com novos projectos
de Touring Cultural no Algarve, tendo o Turismo e o
Património como eixos de desenvolvimento.
A conjuntura mostra-se, assim, favorável à
implementação de um projecto de Touring Cultural
nas Caldas de Monchique, apoiado nas tendências do
mercado turísico, que reletem mudanças no peril
psicográico dos turistas que visitam o Algarve, mas
ainda um incremento insitucional das ligações entre
Turismo e Cultura, e a abertura a parcerias com novos
projectos na região.

11
htp://www.cultalg.pt.
194 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

5. CALDAS DE MONCHIQUE: O PATRIMÓNIO


HISTÓRICO-ARTÍSTICO NA VALORIZAÇÃO DO DESTINO
TURÍSTICO
Com base no levantamento e estudo realizados do
património histórico-arísico das Caldas de Monchique,
a nossa proposta assenta em diferentes acções para a sua
dinamização. Antes de mais, é fundamental acondicionar
devidamente os objetos móveis, salvaguardando o seu
estado de conservação, para que depois possam ser
inventariados de forma sistemáica, com recurso a uma
base de dados com campos normalizados.
Além das obras de arte, também os equipamentos
termais existentes no anigo balneário provisório
(aparelhos de tratamentos respiratórios, duche de jato,
banheiras, entre outros instrumentos) fazem parte da
narraiva histórica do lugar, porquanto a função termal foi
determinante para a ocupação humana destas termas,
dando origem ao seu património, quer tecnológico,
quer arísico. A musealização deste balneário será um
pretexto para a preservação da estrutura arquitetónica
e do recheio patrimonial que alberga: os equipamentos
termais de meados do século XX, os vesígios romanos,
o acervo de azulejos barrocos e o espólio documental
da estância balnear, que se encontram em risco nas
atuais condições de acondicionamento. O arquivo
documental deverá ser igualmente alvo de um processo
de sistemaização, organizando-o e agilizando a sua
consulta. Por seu turno, a Capela necessita atualmente
de uma intervenção de conservação e restauro12, ao
nível da cobertura, da estrutura arquitectónica e do altar
de talha dourada, antes de poder ser alvo de visitas.
A informação produzida no estudo acerca do
património arquitetónico e arísico das termas
algarvias sob a forma de uma monograia poderá ser
uilizada como guião de conteúdos exposiivos, quer
para aividades de sensibilização patrimonial junto
da comunidade local, quer para eventos de animação
turísica, ou como recurso textual no contexto da
inventariação e musealização dos objectos já referidos.
Pretende-se ainda, em termos práicos, levar a cabo
uma programação cultural conínua, que permita atrair
turistas às Caldas de Monchique, de forma a atenuar
os efeitos da sazonalidade neste desino turísico.
Através da visita a um centro interpretaivo/ museu e à
Capela, de exposições temporárias nos salões do anigo
Casino, da realização de visitas guiadas pelo património
e de eventos de artes performaivas, conferências,
12
“Capela das Caldas: um património em risco”, Jornal de Monchique, 27/02/2015, p.9.
ANA LOURENÇO PINTO O PATRIMÓNIO HISTÓRICO-ARTÍSTICO DAS CALDAS DE MONCHIQUE NA VALORIZAÇÃO DO DESTINO TURÍSTICO ALGARVIO 195

entre outras aividades neste âmbito, aumentar-se-á a


sua atraividade ao longo do ano, funcionando como
alternaiva ou complemento da oferta termal e hoteleira
existente.
As parcerias com organismos públicos – no caso
da Enidade Regional de Turismo do Algarve e da
Direção Regional de Cultura do Algarve – e com o tecido
empresarial local irão contribuir para o desenvolvimento
sustentável do concelho, de forma integrada e com
beneícios para todos os envolvidos, com a consequente
divulgação, responsabilidade social e aumento do
volume de negócio, associados a um projeto de Touring
Cultural e Paisagísico para a dinamização do conjunto
patrimonial termal.
Esta estratégia visa, acima de tudo, a salvaguarda
do património das Caldas de Monchique, tornando-o
acessível ao público, através da abertura de ediícios
habitualmente encerrados e de um núcleo museológico.
Aqui será possível fruir os objectos arísicos e
arqueológicos, os equipamentos termais, o papel das
individualidades históricas, ou o património paisagísico
(recursos naturais e ocupação humana), numa
perspeiva didácica de sensibilização patrimonial.
Pretende-se, desta forma, criar um projecto-piloto
no Algarve – diferenciador à escala regional –, composto
por um produto turísico diversiicado, integrando Saúde
e Bem Estar e Touring Cultural e Paisagístico de forma
complementar. Canalizando não só os clientes dos
alojamentos, mas caivando também os passantes para
a programação cultural, o objeivo será o de valorizar
o desino turísico e potencializar os seus recursos,
respeitando a capacidade de carga, evitando, portanto,
a massiicação.
Com moivos para visitar as Caldas de Monchique
e ali despender tempo nas acividades culturais, o
turista poderá optar ainda por uilizar as infraestruturas
termais, de restauração, comércio e alojamento
existentes. As contraparidas obidas pela capitalização
dos recursos patrimoniais poderão, assim, ter relexos
socioeconómicos benéicos no combate à sazonalidade
e à interioridade, reforçando o papel estratégico das
Caldas de Monchique no turismo algarvio.
196 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

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Os primeiros Operadores Turísicos no Algarve
Alberto Strazzera

É unanimemente reconhecido que a grande maioria


dos destinos turísticos situados no litoral mediterrâneo
deve o seu grande desenvolvimento aos tour operadores
estrangeiros e o mesmo se passou na costa algarvia. O
aparecimento dos seus packages1 em voos charters
transformaram completamente o panorama turísico
da Europa a parir da segunda metade do século XX.
Entre 1963 e 1971 só no Reino Unido o aumento de
“packages” registado pelo Internaional Passenger
Survey, foi de 400% (Burkart e Medlik,1981:173) e
este rápido crescimento, embora desordenado, trouxe
a vinda de milhares de turistas a regiões que nem
sempre estavam preparadas para os acolher. Assim,
se, por um lado, os tour operadores foram o grande
motor do crescimento do turismo, com indiscuível
importância para a melhoria da economia, por outro,
o número de turistas que movimentaram, num ipo
turismo classiicado como “de massas”, ocasionou uma
excessiva ocupação de territórios não preparados para
uma tão rápida e descontrolada aluência de turistas. O
seu impacto nos desinos receptores foi determinante
e pesem no entanto, todas as vantagens económicas,
há também que contabilizar os inconvenientes socio-
ambientais resultantes.
A parir desta altura a história do turismo icaria
intrinsecamente ligada à história dos Operadores
Turísicos e como nos diz González Soria: “…A acividade
dos tour operadores é a pedra base sobre a qual girou
o nascimento de um turismo ao alcance de todas as
economias tal como actualmente o conhecemos”(Soria,

1
Pacotes combinados de alojamento, hotel, transporte aeroporto/hotel e hotel/
aeroporto e por vezes, refeições.
198 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

1999: 845), facto que o tornou acessível a grandes


camadas populares.
Ao analisar a acção inicial no Algarve e na
impossibilidade de uma cobertura total de todos os tour
operadores procuraremos destacar a sua evolução nos
dois mercados de maior relevância para a província, onde
os tour operadores surgiram em momentos diferentes e
com alguns requisitos disintos. Primeiro, referiremos
os tour operadores britânicos, que tradicionalmente
sempre iniciaram muitos novos desinos, seguem-se
os alemães, cujo poderio rapidamente cresceu a uma
posição de primazia no panorama europeu no inal do
século XX, por úlimo, são referidos alguns outros tour
operadores de diferentes países. Há ainda que disinguir
entre os grandes tour operadores que arriscaram
as primeiras operações “charter”, dos que optaram
por uma clientela individual, que chegava em voos
regulares e ainda os que faziam circuitos de autocarro
por Espanha e Portugal como a Polvani, a Maupin Tour, a
Cosmos, que ao passar pelo Algarve inha estadias mais
demoradas.
O fenómeno da explosão da procura turísica nos
anos 60 resultou de um conjunto de transformações
socioeconómicas, que se iniciaram na Europa, ainda
antes da Segunda Grande Guerra, como a promulgação
da lei de 20 Junho de 1936 que concedeu, em França,
o direito a 15 dias de férias pagas e com a aprovação
inicial de uma semana, em 1938, do ‘Holidays with Pay
Act’ no parlamento inglês, a que posteriormente se
vieram juntar outros factores como o desenvolvimento
da aviação comercial no im da Segunda Grande Guerra,
entre outros. As condições sociais dos trabalhadores
norte-europeus inham vindo, de um modo geral, a
melhorar e no inal do conlito europeu, em 1945, já
cerca de 14 milhões de trabalhadores no Reino Unido
inham direito a férias pagas.
Na mesma ordem de ideias, aumentara a
frequência das praias nacionais, cujo acesso por
comboio, ou por via rodoviária, as inham tornado mais
populares e onde agora se esbaia a disinção entre
classes sociais, anteriormente veriicada nos desinos
de grande reputação internacional frequentados pela
aristocracia. Como Fred Inglis refere, a praia tornou-se
um local propício para apagar diferenças sociais e onde
todos podem presumir um estatuto diferente: “…In the
sea you might become someone else, someone freed
from propriety” (2000:40) e à medida que o número de
veraneantes anónimos crescia, numa clara mudança de
ALBERTO STRAZZERA OS PRIMEIROS OPERADORES TURÍSTICOS NO ALGARVE 199

mentalidades, reduziam as dimensões regulamentares


vitorianas dos fatos de banho.
Na década de 50 vive-se um ambiente pós-
guerra caracterizado por um natural desejo de
aproveitar bem a vida e conhecer novos horizontes
que, compreensivelmente, costuma acompanhar os
que sobreviveram a um período de penosa contenção
e sofrimento, que pode ter contribuído para a grande
apetência por viajar que então se desenvolveu e
propiciado o desenvolvimento turísico dos anos que
se seguiram. Para o despertar de uma maior moivação
da procura de novos desinos de férias, certamente
não foi alheia a inluência da televisão, que a parir da
transmissão da coroação da rainha Isabel II, em 1953,
logo se espalhou pelos lares do Reino Unido (Laws,
1997), assim como por toda a Europa. Através da “caixa
mágica” chegavam, agora, aos países frios do Norte
da Europa interessantes programas sobre o modo de
vida nos países de sol do Mediterrâneo, acicatando a
curiosidade de conhecer outras terras e costumes, num
tentador convite para visitá-los.
Desde a histórica excursão de Thomas Cook, em
1841, que toda a segunda metade do século XIX foi
dominada pelo presígio daquela agência coninuada
pelo seu ilho John Mason Cook, embora outros
ivessem, à sua semelhança, criado serviços idênicos
de assistência a viajantes em 1850, quer na Inglaterra
como Henry Gaze, como também noutros países como
Thomas Bennet em Oslo e, alguns anos mais tarde, Carl
Stangen que com o seu irmão Louis abriu em 1862 a
sua agência em Breslau. No ano seguinte acompanhou
a abertura da Thomas Cook em Berlim e igualmente em
1864 em Londres, na realidade icaria conhecido como
o Thomas Cook alemão, a organização da sua primeira
volta ao mundo data de 1870, dois anos antes da de
Thomas Cook.
Até ao inal do século XIX outros países seguiram
estes exemplos, como a Chiari em Milão (1878) e a Piana
Perruca em Roma (1897), em França com a Alphonse
Lupin em Lyon (1873) e a Duchemin em Paris (1890)
ou mesmo nos Estados Unidos com a Ask Mr.Foster
na Califórnia (1888), mas indubitavelmente nenhuma
aingiu a dimensão e o presigio da Thomas Cook que,
a quando da morte do seu fundador em 1892, possuía
agências por todo o mundo incluindo três na Austrália e
uma em Auckland, Nova Zelândia, e em 1890 já vendera
3,25 milhões bilhetes.
200 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Na Península Ibérica também surgiram agências


de viagens mas como Agências de Navegação ligadas
à emigração, por exemplo, a Abreu que foi fundada
no Porto um ano antes da Thomas Cook e as agências
de Lisboa, a Empresa Nacional de Navegação (desde
1880) ou a Agência de Navegação Carlos Gomes Lda.
(desde 1885), estas dedicavam-se, essencialmente,
aos que procuravam fortuna no outro lado do Atlânico
fugindo da caresia que se vivia então e dando também
assistência aos navios que faziam escala em Portugal,
para não mencionar a Agência de Navegação Blandy
que, já desde 1862, assisia os ilustres passageiros que
frequentavam então a Madeira.
No princípio do século XX nasce a Secol em Lisboa
(desde 1901) e as Viajes Marsans em Barcelona (desde
1910), mas para encontramos em Portugal agências
mais vocacionadas para o turismo recepivo houve que
esperar por 1935, quando a Wagons Lits, que comprara
a Thomas Cook, em 1928, se instala em Lisboa, ao
mesmo tempo que uma ilial da agência belga Onabelt.
A grande mudança nos hábitos de férias e o modo
de viajar icar-se-ia a dever, porém, ao desenvolvimento
da aviação comercial que veio permiir a grande
mudança, o crescimento do mercado dos “packages”
aéreos. Foram as companhias de aviões de aluguer
ou “charter”, recém iniciadas no Reino Unido, como a
Airwork ou a Huning-Clan Air, que alguns agentes de
viagens mais empreendedores souberam aproveitar,
tornando-se nos primeiros proissionais de viagens
organizadas de avião que, seguindo a tradicional vocação
britânica para o pioneirismo turísico, iriam oferecer
um serviço de capital importância a um vasto público.
O bloqueio de Berlim em muito inha contribuído para
a formação daquelas pequenas companhias aéreas
transportadoras que aproveitaram anigos aviões
militares transformados para o transporte de carga para
a Tempelhof, na zona livre de Berlim.
Ao que se crê, foi Vladimir Raitz, fundador da
Horizon, o primeiro agente de viagens a tomar a
iniciaiva de organizar uma viagem em charter aéreo.
Em 1950, cerca de cem anos após a histórica excursão
de Leicester a Londonborough de Thomas Cook,
Raitz leva 32 passageiros, dos quais 17 são turistas
num primeiro avião “charter”, um DC3, para Calvi, na
Córsega, onde dormiam em tendas de campanha,
pagando 32 libras e 10 xelins pelo package de pensão
completa e transporte (Holloway, 1995; Laws, 1997).
A parir de então, apesar dos entraves causados pelas
ALBERTO STRAZZERA OS PRIMEIROS OPERADORES TURÍSTICOS NO ALGARVE 201

linhas regulares existentes, o aluguer destes aviões


cresceu, dando assim a possibilidade aos primeiros
organizadores destas viagens de oferecer aos seus
clientes a oportunidade de saisfazerem a sua apetência
por novos desinos de sol, a preços muitos acessíveis.
Tiveram inicialmente de combater a resistência ao novo
modelo de transporte aéreo, mas esta foi rapidamente
ultrapassada pela comodidade dos serviços prestados.
O sucesso dos primeiros agentes de viagens logo
incenivou a que outros os imitassem e levou a que
alguns operadores de simples viagens individuais (travel
agents) se transformassem em operadores de grandes
grupos (tour operators).
Talvez convenha aqui lembrar que para uma
região se desenvolver turisicamente são, no entanto,
necessários alguns requisitos básicos, além de um
atracivo, natural ou ariicial, que esse desino
possa apresentar é essencial que tenha condições de
acessibilidade e estruturas de acolhimento, para não
falar de um clima de tranquilidade segura. O Algarve
possuía dois desses requisitos, a amenidade do seu
clima e a beleza das suas praias, embora já registadas
em vários livros publicados no Reino Unido, estavam
ainda pouco divulgadas, assim como a tranquilidade da
região bem afastada dos conlitos da época. Faltavam-
lhe dois outros importantes requisitos: o acesso mais
fácil e hotéis acolhedores e modernos.
Vários algarvios que, no princípio do século após
o IV Congresso Internacional de Turismo de 1911,
realizado em Lisboa, se inham entusiasmado pelo
desenvolvimento turísico da região e que o inham
airmado como uma via para uma melhoria das
condições económicas regionais, durante o primeiro
congresso do Algarve, na Praia da Rocha, em 1915,
viram as atenções desviadas deste objecivo com a
entrada de Portugal na I Grande Guerra, logo seguida
de uma epidemia devastadora que também matou, em
1918, Tomás Cabreira, um dos maiores defensores do
futuro turísico do Algarve.
Outras vozes foram reclamando a criação de
condições quer na imprensa regional como na própria
Assembleia Nacional, mas a nível oicial a região
coninuava esquecida e o poder, como sempre com
forte ligações ao Estoril, não inha interesse numa
possível concorrência à sua imagem de desino turísico
de Portugal. Por outro lado, os possíveis invesidores
locais estavam muito mais interessados nos ganhos
que a indústria de conservas lhes proporcionava com
202 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

a exportação, numa época de conlitos armados na


Europa. Só quando a guerra termina e a indústria
conserveira, mal preparada para novos desaios, entra
em crise é que as atenções se voltaram de novo para a
solução redentora do turismo e curiosamente o Segundo
Congresso do Algarve, que era para ter acontecido em
1918, acaba por se realizar em 1950, mas em Lisboa.
Em 1951 a situação na hotelaria algarvia era
deplorável pois, segundo o Roteiro da Província do
Algarve de Nascimento, apresentava-se então apenas
com quatro hotéis, três pensões e uma casa de
hóspedes. A ideia da construção de um aeroporto em
Faro numa zona designada por Arábia, já inha sido
discuida em 1945 e voltou a ser lembrada em 1956
pelo Coronel Sousa Rosal, deputado pelo Algarve, na
Assembleia da República, airmando que o interesse
do desenvolvimento do turismo algarvio não era só
regional, como nacional e até mesmo internacional,
tendo informado ainda que estavam em organização
projectos e que corriam processos para a construção
de hotéis na Praia da Rocha, Montegordo, Albufeira e
Quarteira.
Efecivamente, já tinha surgido em Lagos a
Estalagem de São Cristovão, de Hermano Bapista,
e começa-se por todo o Algarve a notar uma nova
preocupação pela hotelaria regional. A Pensão Pinguim
passa a designar-se Solar Pinguim e, em Albufeira, o
empresário Vinhas Cabrita constrói doze apartamentos
no Largo Eng.º Duarte Pacheco e começa a projectar a
construção do Sol e Mar. Simultaneamente, veriica-se
uma melhoria, embora lenta, nas condições gerais da
província, a luz eléctrica chega a Quarteira em 1955 e
um ano depois a Tavira, o plano de obras de Porimão
programa a ampliação da rede de esgotos em 1958,
embora no 2º Plano de Fomento (1959-1964) coninue
a não se mencionar o turismo dando uma maior
prioridade à industrialização do país.
Regista-se em 1960 a entrada de 352.651
estrangeiros em Portugal e as 37.500 camas oiciais do
país recebem 1.246.000 dormidas, gerando uma receita
esimada em cerca de 14.750.000 contos, porém a faia
que coube ao Algarve foi compreensivelmente muito
baixa pois, como declarou o deputado Dr. Mário de
Oliveira ao Jornal do Algarve em Janeiro desse ano, a
situação em matéria de hotéis e pensões no Algarve
era ainda verdadeiramente lamentável, já que exisia
apenas um hotel de 1ª classe, dois de 2ª classe, uma
estalagem e 28 pensões, no total destas unidades
ALBERTO STRAZZERA OS PRIMEIROS OPERADORES TURÍSTICOS NO ALGARVE 203

hoteleiras apenas 33 quartos estavam equipados com


casa de banho.
É neste contexto que em 1960 se comemora em
todo o território português o V Centenário da Morte do
Infante D. Henrique, durante os meses que medeiam a
data do seu nascimento em Março até à da sua morte
em Novembro. No programa respeitante ao Algarve é de
assinalar a inauguração da Pousada do Infante em Sagres
e a visita àquela localidade, em Novembro, do Presidente
do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira. O impacto
destas comemorações não foi indiferente à signiicaiva
viragem que se veriicou no desenvolvimento turísico
do Algarve, neste ano de 1960, que icou marcado pela
inauguração do primeiro hotel moderno algarvio em
Montegordo, o “Vasco da Gama”, assim como o “Meia
Praia” em Lagos e de outros ainda em construção, mas
que se concluíram a breve trecho. Em Outubro o Correio
do Sul referia que, segundo informação do Diário de
Lisboa, em Portugal estavam a ser construídos 26 novos
hotéis com cerca de 2.500 quartos, dos quais cinco
eram no Algarve. No dia 30 de Abril desse mesmo ano,
uma comissão, consituída pelo Dr. Moritz Hofmann,
administrador da Associação dos Hotéis e Restaurantes
Alemães, pelo Sr. Oto Schmidt director da Touropa, pelo
Sr. F.H. Burger, director da Associação dos Agentes de
Viagens Alemães e um arquitecto do Governo, visitou
o Algarve para analisar as suas condições turísicas. No
inal da visita esta comissão emiiu um parecer onde
concluía que o Algarve não só possuía as condições para
o desenvolvimento da acividade turísica, como esta
devia ser fomentada. Para tal consideravam urgente a
construção de um aeroporto, a melhoria das ligações por
barco e também aconselhavam ainda a construção de
hotéis de média e pequena dimensão, que permiissem
preços acessíveis, não superiores a cem escudos por
pessoa, em pensão completa, inclusivamente sugerem
a construção de “bungalows”. Salientam, igualmente, a
necessidade da propaganda em língua alemã, caso se
pretendesse atrair os invesidores alemães, devendo
então lhes serem dadas condições “especialmente
atraentes”.
Estes são exemplos de alguns indícios que
prenunciavam a preparação do Algarve para o futuro
desenvolvimento turísico e o interesse latente do
mercado alemão, embora em 1960 ainda 70% dos 13
milhões de alemães que faziam férias escolhessem
ainda prioritariamente o seu país. Serão pois os tour
operadores ingleses que primeiro chegam ao Algarve,
204 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

inicialmente através do aeroporto de Lisboa e depois


de comboio ou por automóvel, a parir de 1965
directamente de avião a Faro.
Já em 1955 Vladmir Raitz inha começado a olhar
seriamente o potencial turísico de Portugal, mas
encontrou diiculdades na licença de voo para Lisboa
e como ainda não se vislumbrava a data da construção
do aeroporto de Faro, optou por trazer para o Porto
grupos de clientes da Horizon. Com o apoio local da
agência Tait trouxe um primeiro com um avião Viking de
36 lugares da companhia charter BKS e depois com um
De Havilland de 52 lugares. Os turistas distribuíam-se
pelo Hotel de Oir, localizado na praia, enquanto outros
preferiam as vistas tranquilas do Hotel de Santa Luzia
e destes locais eram organizadas excursões ao Porto
e a Lisboa. No Algarve a procura dos tour operadores
britânicos começa logo no ano seguinte à inauguração do
aeroporto. Até então, poucos eram os tours operadores
que sujeitavam os seus clientes ao incómodo de um
atribulado transfer desde Lisboa até às praias algarvias,
apenas alguns clientes da Thomas Cook enviados pela
agência da Wagon-Lits ou pela Agência Europeia de
Aílio Forte, que resultara do fecho da sucursal belga
Onabel, ou ainda qualquer outra agência representante
de algum tour operador estrangeiro.
Ao organizar um programa qualquer operador,
segundo a sua dimensão, fazia a sua opção na aérea
de cobertura do seu programa. Os que escolhiam a
zona de Montegordo normalmente não iam mais para
Ocidente do que Albufeira, os que preferiam Lagos e
Praia da Luz faziam o mesmo mas para Oriente. Assim,
poupavam em custos de transfers e em assistências.
Aqueles como Gordon Palmer, fundador da Meon em
1964, que se especializou em vivendas, não inham
tanto esse problema, pois os seus clientes eram mais
independentes e os “transfers” faziam-se de táxi ou
reservavam um carro de aluguer, quer numa das várias
companhias de aluguer internacionais que então
surgiram, como nos rent-a-car locais, que entretanto
se formaram, embora a zona onde mais se desenvolveu
este ipo de alojamento sempre se localizou a Ocidente
de Faro.
Mas não seria V. Raitz, o pioneiro dos packages
aéreos, a trazer a primeira operação charter para o
Algarve, mas seria sim um amigo seu, Harry Chandler.
Inicialmente pressionado pela sua mulher, que decidira
comprar uma vivenda na Fazenda Caravela, no interior
algarvio perto de Alcantarilha, como ele nos conta no
ALBERTO STRAZZERA OS PRIMEIROS OPERADORES TURÍSTICOS NO ALGARVE 205

seu livro Chandlers’ Travels, a tour of the life of Harry


Chandler. Ele recorda exactamente como tudo começou
na noite de 24 de Dezembro de 1960, quando um dos
seus convidados e amigo, Vic Cowing, lhe conidenciou
ter vendido o negócio herdado do pai e pensar emigrar
para construir vivendas num lugar fantásico que inha
descoberto nas suas úlimas férias: o Algarve. Harry
confessa nunca ter ouvido falar de tal lugar e teve
alguma diiculdade em localizá-lo exactamente, mas
perante tão grande entusiasmo felicitou-o e desejou-
lhe êxito no seu projecto, mais por delicadeza do que
por convicção, nunca pensando que no dia seguinte Vic
estaria batendo logo à sua porta com mapas e esboços
de projectos. O certo é que quando ele se foi embora
Rene inha acabado de comprar, no papel sem a ver
previamente, uma vivenda e terreno no topo de uma
colina. Harry começara o seu negócio em 1935 levando
turistas de comboio à Baviera e sabia quanto era agora
importante a proximidade de um aeroporto na venda
de qualquer destino turístico, por isso descartou logo
a possibilidade de enviar clientes para o Algarve, via
Lisboa. Mas quando a vivenda de Rene icou pronta em
1963, ele inalmente saisfez a sua curiosidade sobre
o Algarve e teve de concordar com o entusiasmo da
esposa. Assim, quando o aeroporto se inaugurou em
Julho de 1965 seria ele o primeiro a trazer de avião
charter turistas ingleses ao Algarve, clientes parilhando
um BAC I-11 com a Lord Brothers, um operador que
pertencia a dois irmãos, Stephen e Christopher, e que
anos mais seria um dos tour operadores absorvidos pela
Intasun de Freddie Laker.
Entretanto, desde a abertura do Hotel Vasco da
Gama, em 1960, novos hotéis inham aparecido na costa
algarvia, em 1963 o Hotel Garbe, em Armação de Pera,
o Hotel da Baleeira, em Sagres e um ano depois abriam
o Hotel das Caravelas e o Hotel dos Navegadores, em
Montegordo, também começa a ser construído um dos
primeiros aldeamentos do Algarve, a Aldeia Turísica
Das Areias de São João.
Na vizinha Espanha a procura de camas pelos tour
operadores é enorme e apesar do acelerado ritmo de
crescimento hoteleiro que ali se veriicou, o mesmo
ainda não acontecera no Algarve. Em 1964, enquanto
em Maiorca se inaugura o milésimo hotel e na Costa
do Sol abrem cinco hotéis de luxo, é que é inalmente
inaugurado o Hotel Sol e Mar, cuja construção começara
quatro anos antes. Após a abertura do aeroporto de
Faro é que realmente o ritmo da construção hoteleira
206 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

se acelera e os tour operadores procuram o Algarve


para saisfazer o excesso da procura em Espanha. A
parir do Verão de 66, Harry Chandler começa a trazer
semanalmente cerca de 50 turistas que se hospedavam
no Hotel Eva, inaugurado a 1 de Abril desse ano em Faro,
na Aldeia Turísica das Areias de São João, em Albufeira,
e no Hotel do Garbe, em Armação de Pêra, cujo dono,
Dr. Francisco Oliveira Santos, era conhecido por recusar
negociar com agentes de viagens, mas inha aberto uma
excepção com Harry Chandler, com quem estabeleceu
uma sólida relação de amizade, que se prolongou após
a morte prematura daquele hoteleiro, em 1976.
Outra grande mais valia que Harry Chandler trouxe
ao Algarve foi começar a operar durante o Inverno.
Cedo se apercebeu que estando os hotéis vazios nesse
período conseguia preços muito baratos para longas
estadias em vivendas e apartamentos, dando assim a
oportunidade de oferecer aos seus clientes uma estadia
de um Inverno ameno, que podia ser paga com o que eles
poupavam com o fecho do aquecimento das suas casas
na Inglaterra. A isto juntava o custo barato do transporte
aproveitando as “empty-legs” das suas operações no
inal de Verão e no princípio de Primavera. O seu êxito
foi enorme e em breve a operação se estendeu ao longo
do Barlavento algarvio até à Praia da Luz.
Outros tour operadores logo se seguiram ao já
mencionado Lord Brothers, e em 1968 todos os cinco
maiores tour operadores britânicos de então: Thomson,
IGL, Horizon, Briish Airways e Wings, que deinham
68% do mercado inglês (Fitch, 1987), já operavam no
Algarve. Também, nesse mesmo ano, o tour operador
Thomas Cook traz ao Algarve uma série de vinte
voos da BEA e segundo o Algarve Ilustrado de então
chegaram ao Algarve, só no mês de Julho desse ano,
3.768 turistas em voos fretados. O facto da fronteira
de Gibraltar ter fechado em 1969 agravou a tradicional
animosidade existente entre espanhóis e britânicos mais
nacionalistas, que preferiam visitar o sul do mais anigo
aliado do Reino Unido. É de notar que nessa época ainda
exisia alguma desconiança sobre a segurança dos voos
charters, já que em 1967 dois aviões charter britânicos,
em voos para Espanha se inham despenhado, com um
intervalo de 12 horas, viimando mais de 160 pessoas.
Paralelamente às grandes operações charter, outros
tour operadores mais pequenos, sem possibilidade de
compeir, mas com presígio como a Cadogan ou a Lunn
Poly ofereciam um serviço mais personalizado, para
clientes dispostos a praicar um preço mais elevado.
ALBERTO STRAZZERA OS PRIMEIROS OPERADORES TURÍSTICOS NO ALGARVE 207

Entre os primeiros visitantes que descobriram o


Algarve encontravam-se muitos que haviam regressado
das ex-colónias britânicas e procuravam agora um local
aprazível para se reformar, pois inham diiculdade em
se adaptarem de novo ao áspero clima britânico. Muitos
desses primeiros residentes no Algarve também viriam a
dar um grande contributo para a promoção da província
junto dos seus familiares e amigos.
No entanto, o crescimento da aviação charter torna-
se imparável e a própria BEA Airtours cria no inal do
anos 60 dois tour operadores, um dirigido ao turismo de
massas a Enterprise e outro para uma clientela de nível
mais elevado a Sovereign, que viaja nos voos regulares.
Nos inais dos anos 60 quase todos os operadores
ingleses importantes como a Horizon Holidays, a Hickie
Borman/Milbanke, a Global operavam no Algarve com
paridas de vários aeroportos. De Manchester chegam
da Arrowsmith (Liverpool/Manchester) e da MATO
Jetaway, cujo dono era Sir Douglas Ellis presidente do
clube de futebol Aston Villa.
Mas enquanto no Reino Unido se veriicou que
os tour operadores são originários de pequenas
agências de viagens, que cresceram e se muliplicaram
individualmente e acompanhando a evolução dos
transportes se tornaram em grandes tour operadores, os
seus congéneres alemães surgem, na sua maioria, logo
ligados a outras empresas de maior dimensão e com
grande raio de divulgação como os grandes armazéns
(NUR, Neckerman und Reisen), jornais (Humel-Reisen
com ligação ao Die Welt e ao Hambuerger Abendblat),
bancos e sindicatos, entre outros ramos de negócio.
O grande atracivo para estas empresas vocacionadas
para outras acividades era o facto do enorme cash
low produzido pelos pacotes turísicos que, devido
à sua grande procura, eram vendidos com enorme
antecedência, sendo os serviços fornecidos nos desinos
pagos só muitos meses depois, possibilitando assim a
livre uilização da receita gerada.
Diferentemente do Reino Unido também o
mercado turísico alemão, dada a posição geográica
do país, era menos dependente do transporte aéreo do
que o mercado britânico, pois os alemães estavam mais
perto dos seus tradicionais desinos favoritos, ou seja, a
Suíça, os Alpes no Inverno e no Verão a Itália e a França.
Os primeiros tour operadores, no período anterior à II
Grande Guerra, como a Dr. Tigges-Fahrt, que datava de
1928, começaram por conduzir grupos de estudantes,
desde a sua base no vale do Ruhr, pelas regiões alemãs
208 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

e países mais próximos, como a Bélgica e a Holanda,


só depois foram alargando o seu raio de visitas à Suíça,
Itália e França apenas em 1934 fazem a sua primeira
viagem a Maiorca. A fundação da Scharnow Reise
data da mesma época, embora a sua acividade tenha
sido interrompida com o ingresso de Willy Scharnow
no exército alemão. Temos pois uma tradição alemã
de turismo rodoviário que já vinha desde o princípio
do século com a formação da Associação Alemã dos
Motoristas em 1903, que passou a denominar-se ADAC,
em 1911. Este anigo tour operador para viagens mais
longínquas também se socorria das ligações ferroviárias
e será assim que os seus grupos chegam a Fáima.
A parir de 1933 as viagens passam quase na sua
totalidade a ser dominadas pelo KdF (Krat durch Freude)
criada pelo poliico nazi Robert Ley, à semelhança da
criação fascista Opera Nazionale Dopolavoro, criada em
1925, e cuja função recreaiva socialista encapotava os
ideais nacional-socialistas. Para o transporte das massas
era não só uilizado o comboio mas também os cruzeiros,
como foi o caso da Madeira que recebeu, em 1934,
80.000 visitantes desta organização, principalmente
oiciais nazis e suas famílias.
No inal da Segunda Grande Guerra, as estradas
e as ligações ferroviárias estavam destruídas e só em
1948 se forma em Munique a Touropa com a fusão
de várias agências: Dr. Tigges-Fahrten, Reisebuero
Degener, DER (Deutsches Reisebuero) e ABR (Amtliches
Bayerisches Reisebüro). Em 1950, apenas um em cada
dez veraneantes alemães recorria a uma agência de
viagens para marcar as suas férias por autocarro ou
comboio. A Touropa rapidamente cresceu em número
de clientes e desinos, entre os quais está Fáima em
1950. Só em 1953 organiza a primeira excursão aérea
a Espanha e um ano depois são fretados mais aviões
para outros desinos, agora como um moderno tour
operador ao contratar hotéis para os seus “programas
de tudo incluído”. Em breve outros, como a Scharnow
e a Hummel se lhe juntam para formar em 1957 a
Flugtourisik, que seria o primeiro tour operador alemão
a produzir um programa aéreo para o mercado alemão
e que foi o embrião da actual TUI.
Consequentemente, tour operadores como a
Neckerman e TUI, entre outros, só chegam ao Algarve
no princípio dos anos 70, pouco antes da fundação
da Olimar, Zahn em 1972, o primeiro tour operador
especializado em Portugal. Nos primeiros tempos os
operadores alemães contratavam só para a estação do
ALBERTO STRAZZERA OS PRIMEIROS OPERADORES TURÍSTICOS NO ALGARVE 209

Verão, uma vez que os desportos de Inverno sempre


foram um grande atracivo de férias para o mercado
alemão e devido a esse facto os hotéis, na sua maioria,
inham argumento para cobrar preços mais elevados
para o mercado alemão, que sempre procurou os hotéis
mais perto da praia. O Algarve inha então uma imagem
de desino caro já que a sua promoção inicial foi feita
conjuntamente pelos cinco hotéis de luxo existentes
e pela TAP, naturalmente mais interessados numa
clientela individual e de maior qualidade.
Entretanto no Reino Unido os dois maiores tour
operadores da época digladiavam-se numa guerra de
preços em 1971, que resultou na queda da Clarksons,
obrigando a Thomson e restantes sobreviventes a
obterem o maior número de clientes possível, porque as
suas margens de lucro eram agora muito baixas. A esta
primeira grande guerra de preços no Reino Unido, outras
se seguiram, em 1982 e 1991, sempre com resultados
desastrosos para algum grande tour e à fusão de outros
mais pequenos, icando sempre o mercado dominado
por um pequeno grupo de grandes tour operadores.
Entre os primeiros tour operadores de outros países,
que também programaram o Algarve entre 1966 e 1974,
haveria ainda que mencionar muitos outros nomes,
mas entre aqueles que a nossa memória mais retém
salientam-se, no mercado escandinavo, a Friidsresor
e a Vingresor, vindos da Suíça a Kuoni, Hotelplan e a
Imholz, da Holanda a Arke Reisen (desde 1934), a Zuid
Europa e mais tarde a Holland Internaional (desde
1974) e da Bélgica a Jetair. Muitos desapareceram e
outros acabaram por ser fundidos pelos mega tour
operadores numa tendência que se intensiicou no
inal dos anos 80 e princípio dos anos 90 e que icou
conhecida por “mergermania”. Como Holloway refere,
existem duas importantes caracterísicas na acividade
de “tour-operaing”, que se interligam. A primeira é
a indiscuível tendência para as fusões, o que leva à
segunda caracterísica que é a concentração da grande
procura turísica na mão de um pequeno número de
grandes tour operadores. Estas tendências veriicaram-
se logo a parir de 1960 e vários tour operadores,
procurando disputar a liderança nos seus mercados,
assumiram frequentemente riscos demasiado grandes
para as suas capacidades, uma das razões que explicam
algumas falências veriicadas. Estas caracterísicas
acabariam por ultrapassaram as barreiras nacionais na
Europa, o que explica actualmente a dimensão de um
tour operador como a TUI.
210 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Se o Algarve turísico é actualmente um desino


turísico reconhecido mundialmente muito deve à acção
daqueles tour operadores que um dia acreditaram e
apostaram no Algarve, como um excelente desino
turísico e é extensa a lista dos nomes dos tour
operadores e de seus directores comerciais que criaram
esta sua imagem, e é tarefa impossível mencionar
todos pois correr-se-ia sempre o risco de esquecer
nomes importantes. Porém, o actual reconhecimento
internacional não só deve aos que vieram de fora, mas
também aos que localmente durante os anos 60 e 70
se dedicaram a construir, tanto quanto sabiam, uma
imagem de bom serviço e de cordial hospitalidade.
Passado meio século já muitos desses pioneiros pariram,
porém, a sua dedicação e o seu proissionalismo
não devem ser esquecidos. Hoteleiros nacionais e
estrangeiros, agentes de viagens, autoridades locais,
guias e reps2, transportadores locais, desde os quadros
superiores aos que desempenhavam funções de menor
responsabilidade, todos deram o seu melhor contributo,
com grande entusiasmo e irmanados por um espírito
de entreajuda, na prossecução do objecivo comum a
construção de um desino turísico de qualidade.
É uma plêiade de profissionais em que cada um,
à sua maneira, procurou dar o seu melhor, quer na
promoção da oferta da região por feiras e congressos,
ou em acções de porta a porta nos diversos mercados
turísticos ou acolhendo os turistas que chegavam de
modo a que a sua visita se repetisse. Seria bom que pelo
menos a história da hotelaria algarvia fosse recordada
assinalando-se o mais antigo hotel ainda existente em
Faro, agora Pensão Madalena, assim como a história das
agências de viagens desde as que primeiro surgiram no
Algarve, como a Agência Peninsular, de Manoel Arcanjo
Viegas, aberta na capital algarvia em 1925, até às que
anos mais tarde se dedicaram aos turistas estrangeiros
como a desaparecida Ignis, dos anos 60 em Faro.

2
Rep é a abreviatura para representaive, que no sector do turismo são os representantes
do operador turísico no desino turísico, assumindo o acompanhamento de toda a
organização da viagem durante a permanência do turista no desino.
ALBERTO STRAZZERA OS PRIMEIROS OPERADORES TURÍSTICOS NO ALGARVE 211

Figura 1 Transfer de saída do aeroporto organizado por Harry Chandler em 1967 para um grupo de jornalistas britânicos
Fonte: CARTER (1985)
212 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

BIBLIOGRAFIA:
BURKART, A.J. e MEDLIK, S. (1981), Tourism. Past, Present and Future 2nd Ed., London: Heinemann.
CARTER, John (1985), Chandler’s Travel, a tour of the life of Harry Chandler, London: Quiller Press.
FITCH, A. (1987), “Tour Operators in U.K.”, Economist Intelligence Unit Travel and Tourism Analyst,
March, pp. 29-41.
GONZALEZ SORIA, J. (1999), “Tour Operadores” in 50 AÑOS del Turismo Español. Un análisis histórico
y estructural, Madrid: Ed. Centro de Estudios Ramón Areces, S.A.
HAYWOOD, K.M. (1992), “Revisiing resort cycle”, Annals of Tourism Research
HOLLOWAY, J.C. (1994), The Business of Tourism, 4ª Ed., London: Pitman Publishing, ABTA.
INGLIS, F. (2000), The Delicious History of the Holiday, London and New York: Routledge.
LAWS, E. (1997), Managing Packaged Tourism, London: Internaional Thomson Business Press.
O turismo balnear em Albufeira:
Uma história recente
Patrícia Baista

INTRODUÇÃO
Falar de Algarve e, em paricular, de Albufeira é hoje
sinónimo de praia e de férias, no entanto nem sempre
foi assim! Até meados do século XIX os banhos de mar
desinavam-se, exclusivamente, a ins terapêuicos
prescritos pelos médicos. O próprio conceito de viagem
e de turista era bastante diferente do atual. Viajar
sempre fora apanágio dos mais abastados, sobretudo
nos séculos XVIII e XIX onde se culivava o gosto pelas
viagens como parte integral da formação do indivíduo,
bem ao gosto românico da época.
O turista, tal como hoje é entendido, começa a
ganhar expressão a parir dos anos 30 do século XX,
com a crescente introdução de férias pagas, na Europa.
O que em Portugal só viria a acontecer décadas mais
tarde.
De forma gradual a “ida a banhos” desliga-se da
sua função meramente medicinal e começa a fazer
parte do calendário social da elite endinheirada, à
semelhança do que se veriica um pouco por toda a
Europa e, sobretudo, devido à inluência da família real
portuguesa, que cedo elege a praia de Cascais como
estância balnear, dada a proximidade com a capital e
com Sintra, vila onde os monarcas passavam a estação
quente. Os banhos de mar, para além das questões
higienistas, tornam-se igualmente momentos de fruição
e lazer, complementados por uma intensa aividade
social e cultural.

A “DESCOBERTA” DAS PRAIAS DE BANHOS


A vilegiatura era uma práica recorrente nas
classes mais elevadas da sociedade, que se reiravam
214 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

para o campo, para as termas ou para o litoral a im


de apanharem os “ares de mar”, já no início do século
XIX, à semelhança do que se passa no resto da Europa1.
Ao longo desta centúria o “ir a banhos” começa a fazer
parte dos hábitos das elites e em 1876 Ramalho Origão
publica o seu guia de praias2 onde elenca as várias praias
de banhos do país, de Norte para Sul, não ultrapassando
contudo Setúbal, icando o Algarve completamente
excluído desta listagem. Assaz interessante é o
testemunho das suas memórias de criança3, que nos
permitem perceber melhor as práicas balneares de
então, na praia da Foz (Porto): “No tempo em que
eu ia de chapéu de palha e de bibe, á tarde, apanhar
conchinhas na costa, pela mão de minha avó...”4,
mencionando também, que a época de banhos inha
início em Agosto e recorda a chegada dos banhistas.

O RITUAL DO BANHO - PRÁTICAS SOCIAIS


O ritual de banhos era bastante diferente das
práicas contemporâneas. Os banhos terminavam por
volta das 9h00 e os banhistas eram mergulhados no
mar com a ajuda do banheiro. Às 10 horas era o almoço
e às 4 da tarde era servido o jantar. Entre estas duas
refeições entregavam-se ao “dolce farniente” da vida
social local, como tão bem ilustra Eça de Queiroz:”…
Logo pela manhã estava a pé! Era hora do banho: as
barracas de lona alinhavam-se ao comprido na praia;
as senhoras sentadas em cadeirinhas de pau, de
sombrinhas abertas, olhavam o mar, palrando (…) Ela
saía então da barraca com o seu vesido de lanela azul,
a toalha no braço (…) Depois, de tarde, eram os passeios
à beira-mar, a apanhar conchinhas…” 5
Conforme se depreende da passagem acima
transcrita, a indumentária e os comportamentos ligados
à “ida a banhos” eram bastante disintos dos atuais,
estando inimamente ligados à mudança de paradigma
dos padrões de beleza moderna, que se izeram senir
na transição do século XIX para o século XX e no período
após a II Guerra Mundial6.
1
Vide: Maria Alexandre LOUSADA, “Viajantes e turistas. Portugal, 1850-1926”, in
Viajar – Viajantes e turistas à descoberta de Portugal no tempo da I República,
Centenário da República 1910-2010, Turismo de Portugal, 2010, p. 67.
2
Ramalho ORTIGÃO, As Praias de Portugal. Guia do banhista e do viajante, Livraria
Universal de Magalhães & Moniz – Editores, Porto, 1876.
3
Reira-se que Ramalho Origão nasceu em 1837.
4
Idem, ibidem, p. 23.
5
Eça de QUEIROZ, O Crime do Padre Amaro, Edição Livros do Brasil, Lisboa, 2000, p.
82 e 83. A primeira edição é de 1875.
6
Portugal durante a II Guerra Mundial, devido à sua posição de neutralidade,
tornou-se num desino privilegiado de estrangeiros e refugiados de guerra, tendo-se
PATRÍCIA BATISTA O TURISMO BALNEAR EM ALBUFEIRA: Uma história recente 215

Nos inais do século XIX inícios da centúria seguinte,


os então apelidados fatos-de-banho eram peças de
vestuário que cobriam o corpo todo, do pescoço aos pés,
e que, após o banho de mar eram mudados, o corpo era
freneicamente seco com um lençol áspero até a pele
icar vermelha7. O hábito de apanhar banhos de sol só
se desenvolveria mais tarde, tal como a invenção do
biquíni que se deu em 19468. A exposição ao sol era algo
a evitar, os banhistas faziam-se sempre acompanhar de
chapéus e sombrinhas. À época, uma pele queimada
pelo sol estava associada aos trabalhadores rurais, que
trabalhavam de sol a sol e por isso mesmo apresentavam
uma tez morena, as feições do rosto inas e a pele clara
eram sinal de urbanidade e de estatuto social elevado9.
O “bronzeado” tornar-se-á moda já nos inais
dos anos 30 do século passado, em França, com o
lançamento de uma campanha publicitária da “Ambre
Solaire” que apela à exposição solar. Regressar de férias
com a pele morena torna-se num verdadeiro imperaivo
social, imposto pela publicidade e corroborado pelo
cinema e televisão, sintomas do desenvolvimento da
sociedade de consumo.

PRAIAS E VIAS DE COMUNICAÇÃO


O conceito moderno de praia exisiria já na década
de 70 de oitocentos, integrando o calendário anual não
apenas das classes mais elevadas. Através do guia de
praias, Ramalho Origão fornece informações acerca
da distribuição geográica e social de cada banhista,
bem como das diferentes alturas do ano em que cada
“classe” vai à praia10.
veriicado um choque cultural e de mentalidades, designadamente no que respeita
aos trajes de banho uilizados pelos forasteiros, que levou à publicação do diploma
legal de 05 de Maio de 1941, cujo preâmbulo airmava: “Nos termos da Consituição
pertence ao Estado zelar pela moralidade pública e tomar todas as providências no
senido de evitar a corrupção dos costumes. Factos ocorridos durante a úlima época
balnear mostraram a necessidade de se estabelecerem, com a precisão possível, as
normas adequadas à salvaguarda daquele mínimo de condições de decência que as
concepções morais e mesmo estéicas dos povos civilizados ainda, felizmente, não
dispensam. Não se pretende resituir às praias o aspecto do século passado, nem
mesmo o das primeiras décadas deste; também não impor modelos rígidos que
destoem completamente do movimento da vida moderna”. Desta lei fundamental
resultaram diversos editais para as capitanias de todo o país com as medidas da
indumentária de banho.
7
Ramalho ORTIGÃO, ob. cit., p. 127.
8
O biquíni foi inventado por Louis Reard, trajo de banho, composto por duas peças,
dando-lhe o nome do Atol de Bikini, no Pacíico Sul, onde os Estados Unidos da
América detonaram bombas atómicas a ítulo experimental, o que gerou muito
polémica, uma vez que a Segunda Guerra Mundial inha terminado. O seu objeivo
era, precisamente, o de chocar a sociedade conservadora, tal como as bombas
izeram na opinião pública mundial.
9
História da vida privada em Portugal – A época contemporânea, Dir. José MATTOSO,
Coord. Irene VAQUINHAS, Círculo de Leitores| Temas e Debates, Maia, 2011, p. 438.
10
Vide: Maria Alexandre LOUSADA,“art. cit.”, p. 68.
216 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

A crescente procura da praia como forma de lazer


está, em nosso entender, diretamente relacionada
com as vias de comunicação existentes. Consegue-
se facilmente estabelecer uma ligação entre as praias
mais frequentadas e a existência de vias ferroviárias.
Há mesmo a criação do chamado “bilhetes de banho”,
com uma tarifa reduzida de ida e volta. Podemos falar
de uma democraização do acesso à praia, pois já não
implica uma estadia durante um longo período de
tempo algo que só seria possível às camadas mais altas
da sociedade.

AO SUL
A ausência de referências a Sul de Setúbal no guia
de Ramalho Origão é um indicador das diminutas
acessibilidades ao Algarve. Diversos relatos ilustram
a diícil e morosa jornada que os viajantes, vindos do
norte do Reino, enfrentavam para chegar à província.
Leopold Alfred Gabriel Germond de Lavigne, alto
funcionário francês do Ministério da Guerra, aquando
da sua passagem pela província, no úlimo quartel do
século XIX, refere: “Não existe, presentemente, uma
estrada acessível para aceder ao centro de Portugal ao
oeste da interessante província do Algarve. Os cumes
que separam estas duas regiões não são acessíveis
a não ser de mula, e os caminhos nem sempre são
praicáveis (...) prossegue a sua descrição dizendo: “Está
a ser construído um caminho-de-ferro para prolongar a
actual linha que liga Lisboa a Beja e a Casevel; enquanto
isso não acontece, apanhamos um carro público de Beja
a Mértola (...) descemos ao longo do curso do Guadiana,
entalado entre as margens portuguesa e espanhola, até
à embocadura. Na embocadura, em Vila Real de Santo
António, encontramos outros carros, ainda piores, que
atravessam todo o reino de este a oeste, por Tavira, Faro,
capital da província, Albufeira, Porimão e Lagos.”11
Não só é diícil chegar ao Algarve, como também o é a
circulação interna, como se veriica pela descrição. Uma
viagem de Faro a Boliqueime podia então demorar três
horas12.
Recorde-se que o comboio só chegará a Faro,
praicamente, na úlima década do século XIX, no ano
de 1889 e a sua extensão a Lagos seria uma realidade
só em 192213. Não obstante, no Guia de Portugal, Raúl
11
António VENTURA, O Algarve visto pelos estrangeiros: séculos XII a XIX, Lex, Lisboa,
2005, p. 257 e segs.
12
Idem, ibidem.
13
Sobre as vias de comunicação vide: Luís Filipe Rosa SANTOS, “As Vias de
Comunicação”, in: O Algarve da Aniguidade aos nossos dias, Coord. Maria da Graça
PATRÍCIA BATISTA O TURISMO BALNEAR EM ALBUFEIRA: Uma história recente 217

Proença escreve sobre o acesso à província: “Um serviço


magníico de rápidos, que honra a actual administração
dos caminhos de ferro do Estado, põe-nos em pleno
coração do Algarve em menos de seis horas.”14
A juntar-se à falta de acessibilidades da região estava
a qualidade dos hotéis que “deixam absolutamente a
desejar”15 e a escassez e a má qualidade da água (com
exceção de Monchique), pelo que nos anos 20 do século
XX a estação ideal do turismo no Algarve era o Inverno:
“…pela menor poeira das estradas, a temperatura mais
amena, a maior verdura da vegetação e o perfume das
amendoeiras loridas.”16
Na tradição dos séculos anteriores os guias do
primeiro quartel do século XX exaltam os monumentos
e os episódios históricos das diversas localidades.
Acerca de Albufeira dizem-nos: “É pois, natural que o
viajante pouco encontre em Albufeira (…)”17; porém
é já reconhecida a sua vocação como para praia de
banhos: “Mas se, como repositório de aniguidade,
pouca atracção a vila e seus arredores podem exercer no
viajante, outro tanto não acontece se a considerarmos
como estância de turismo e vilegiatura. Albufeira
dispõe com efeito de todas as condições naturais para
transformar-se numa praia de banhos de primeira
ordem.”18

ALBUFEIRA DE VILA PISCATÓRIA A PRAIA DE


BANHOS
Na Albufeira de então (início do século XX) sabe-se
que a ida a banhos era, sobretudo, ócio das famílias mais
ricas da vila e da região. Em 1916 já exisia o Grémio
Albufeirense, sociedade de recreio, que inha uma
comissão de festejos, responsável pelo programa de
animação desinada aos veraneantes. Na década de 20,
surge a Sociedade Recreaiva e Arísica Albufeirense.

O despertar de Albufeira como praia de banhos


Figura 1 Família a banhos em Albufeira em 1900.
faz-se de forma gradual ao longo das primeiras décadas Foto cedida por Arquivo do Museu do Trajo de S.
do século passado19, testemunho disso é a criação da Brás de Alportel. INV. EST 1004.

Maia MARQUES, Edições Colibri, Lisboa, 1999, pp. 385-391.


14
Raúl PROENÇA, Guia de Portugal II, Estremadura, Alentejo, Algarve - Apresentação de
SANT’ANNA DIONÍSIO, Texto que reproduz na integra a 1.ª edição publicada pela Biblioteca
Nacional de Lisboa em 1927, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, s/d, p. 209.
15
Idem, ibidem, p. 210.
16
Idem, ibidem, p. 209.
17
Idem, ibidem, p. 221.
18
Idem, ibidem, p. 223.
19
Reira-se que à época a praia da região que se destacava na imprensa regional e
nacional era a Praia da Rocha.
218 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Comissão de Iniciaiva e Turismo a 30 de Janeiro de 1929,


que visava dotar a vila das condições fundamentais para
o acolhimento dos visitantes.
Uma das suas iniciaivas de maior relevo e
marcante para o desenvolvimento turísico da pequena
vila piscatória foi a construção do túnel na Rua 5 de
Outubro, promovido pelo então ministro de obras
públicas, Eng.º Duarte Pacheco, e que contou com a
sua presença na inauguração no ano de 1935. Esta obra
permiiu a ligação entre o centro do núcleo urbano e a
praia, demonstrando igualmente uma visão estratégica
de futuro para a airmação de Albufeira como desino
turísico.
Foram incrementadas diversas obras de
melhoramento como o prolongamento do Passeio
Marginal e o arranjo urbanísico do Largo da Liberdade
(atual Largo Eng.º Duarte Pacheco); instalação de
saneamento básico entre a Rua da Misericórdia
(atual Rua Henrique Calado) e o Largo da Liberdade;
iluminação da esplanada do Túnel e a construção da
estrada de ligação a Olhos d’ Água.
No que respeita ao calendário da época balnear o
primeiro de Agosto marcava o início da “temporada de
banhos” que se estendia até Outubro ou até Novembro,
altura em que chegavam os chamados “banhistas
de alforge” que só podiam ir a banhos depois de
terminarem os trabalhos nas colheitas. Com o início da
época balnear, para usar um termo contemporâneo,
vinham não só as preocupações em contratar um
banheiro bem como o proveitoso negócio do aluguer de
barracas, toldos, toalhas e fatos de banho, ora veja-se a
preparação para o Verão de 1934:
“Deliberou a Comissão de Iniciaiva e Turismo
colocar na praia as barracas e toldos para a servenia
dos banhistas, cobradas com as seguintes importâncias:
- por cada banho:
- adultos de idade superior a 15 anos inclusive – 50
centavos
- até aos 14 anos, sendo ilho – 50 centavo, de 2
a 4 ilhos – 1 escudo, superior a 4 ilhos 1 escudo e 50
centavos
- pelo aluguer de cada barraca incluindo banhos,
por cada mês – 35 escudos;
- por cada toldo durante um mês – 15 escudos
- por cada fato - 50 centavos
- por cada toalha – 1 escudo, sendo este aluguer
por cada banho.”20
20
AHA, Câmara Municipal de Albufeira in: Acta n.º 29, de 1 de Agosto de 1934,
PATRÍCIA BATISTA O TURISMO BALNEAR EM ALBUFEIRA: Uma história recente 219

Recorde-se o ritual de banho herdado do século


anterior e que se maninha no início do seguinte,
em que a função dos banheiros era a de mergulhar
os banhistas nas águas, sendo pago um valor para o
efeito, episódio tão bem descrito no romance de José
Rodrigues Miguéis: “Meta-lhe a cabeça debaixo d’água,
isso! Outra vez! – grita da praia a dona Adélia (…). O
banheiro obediente carrega-lhe na cabeça com a mão
robusta, obriga-o a mergulhar duas, três vezes...”21.
Mas a época balnear não se pautava apenas
pela ida a banhos, algo que acontecia de manhã
cedo, aproveitando os beneícios da água fria22, daí a
importância do programa de aividades para entreter os
banhistas, provenientes de outras localidades da região
e do Alentejo23. Para além do casino (anigo Grémio
Albufeirense) organizavam-se torneios desporivos,
espetáculos de fogo-de-ariício, dança, Jazz, entre
outros, à semelhança do que se veriicava um pouco por
todas as praias mais frequentadas na altura, como a do
Estoril por exemplo.

Em 9 de Janeiro de 1937 foi criada a Comissão


Municipal de Turismo, subsituindo a Comissão de
Iniciaiva e Turismo, não se tratando provavelmente de
uma alteração de competências mas de designação, uma
vez que as preocupações eram em tudo semelhantes
à anterior organização, a avaliar pelas deliberações
tomadas na sessão de 21 de Abril de 1937:
“Comprar vinte e cinco toldos para a praia; saber
preços para cinco guarda-sóis para o túnel; saber da Figura 2 Praia de banhos, Albufeira, 1.ª 1/2 do séc.
Philips o preço e condições de venda para uma telefonia XX. Coleção de Fotograias do Arquivo Histórico de
para o Largo da Liberdade e esplanada do túnel Albufeira.

com o competente microfone; chamar um fotógrafo


competente para aproveitar os melhores moivos
da praia, vila e seus arredores e isto para efeito de
propaganda turísica. Manter a assinatura do jornal
“Diário do Alentejo” de Beja por ser um dos jornais
que mais propaganda tem feito da praia de Albufeira,
contribuindo assim que a mesma tenha vindo sendo
frequentada por muitos habitantes do Alentejo.”24
Comissão de Iniciaiva e Turismo.
21
José Rodrigues MIGUÉIS, Escola do Paraíso, Estúdios Cor, Lisboa, 1960, pp. 124-125.
22
Ramalho Origão, no seu guia das praias, faz toda uma descrição dos beneícios do
banho de mar enquanto “agente hydroterapico” e como “ banho medicamentoso”,
assim como das “preocupações hygenicas” que importar fazer “antes do banho, no
banho e depois do banho”, de acordo com as regras higienistas em voga à época e que
estão inimamente ligadas ao conceito de progresso.
AHA, Câmara Municipal de Albufeira, Acta de 21 de Abril, de 1937, Comissão
23

Municipal de Turismo.
Idem, ibidem.
24
220 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Estão aqui enunciadas preocupações e estratégias,


ainda hoje fundamentais para a captação de turistas,
por um lado, oferecer condições aos turistas e por
outro, publicitar o desino.
No inal da década de 30 o conlito mundial irá
repercuir-se na economia nacional, passando o país de
desino turísico a recetor de refugiados de guerra. A
população de Albufeira seniu, diretamente, os efeitos
nefastos deste contexto internacional, passando por
crises de abastecimento de eletricidade e racionamento
de víveres, veriicando-se um drásico abrandamento do
invesimento e de obras públicas, tão necessárias para
o turismo. Esta tendência começa a inverter-se a parir
de 1944, quando são esperados cerca de 1000 banhistas
para os meses de Julho e Outubro e 1.500 para os meses
de Agosto e Setembro, oriundos de várias localidades
do Algarve, Baixo Alentejo e Lisboa.
O clima de oimismo levou o Município a aspirar a
construção de diversos equipamentos como um casino-
hotel, um bairro para banhistas, um cinema, um porto
de abrigo, bem como obras de calcetamento de ruas
e inalização da rede de esgotos da vila. Destas obras
apenas se viria a concreizar nesta década a fundação
do Cine-Pax, passando a funcionar como Casa da
Cultura da Vila de Albufeira. Esta estrutura ideológica
era controlada pelo Estado com propósitos educaivos,
através da exibição de espetáculos sociais e culturais, de
teatro, cinema, bailes e outras aividades lúdicas para
entreter os munícipes e os veraneantes, aingindo o
auge da programação durante a época balnear.

Ainda nos anos 40 assiste-se a alguma industriali-


zação em Albufeira, com destaque para as fábricas de
conserva de peixe, como a Fábrica António Ramires, que
contribuíram para a criação de uma conjuntura econó-
mica necessária para o desenvolvimento da vila.
O progresso económico vai ser fundamental para
as décadas que se seguem, criando o contexto social
e económico favorável ao singular boom do turismo,
marcado por uma elite intelectual e social, onde
se destacaram Óscar Niemeyer, Jorge Amado, Paul
McCartney, Tom Jones ou Clif Richard.

A PROPAGANDA
A propaganda turísica da praia e da vila de
Albufeira era uma realidade pelo menos desde 1918,
data do “Primeiro Número Especial de Propaganda –
Praia de Albufeira – Algarve”. Nos anos 50 exisia já
PATRÍCIA BATISTA O TURISMO BALNEAR EM ALBUFEIRA: Uma história recente 221

produção de postais, gravuras, folhetos, roteiros, bem


como a preocupação em incluir Albufeira no Guia da
Indústria Hoteleira.
Estes materiais de propaganda eram colocados
à venda no Pavilhão do Turismo e para revenda pelo
comércio local e noutros síios. Em algumas ocasiões, as
coleções de postais eram oferecidas a insituições que
contribuíam para a promoção do turismo em Albufeira.
Os folhetos, por sua vez, eram distribuídos noutras Figura 3 Ediício do Cine-Pax, Déc. 50 do séc. XX.
regiões do País, como no Alentejo. Coleção de Fotograias do Arquivo Histórico de
Albufeira.
A publicação de anúncios de propaganda em
publicações periódicas, jornais e revistas, também
consituía uma forma de difusão do turismo, assim como
a colocação de fotograias em carruagens de serviço
internacional da Companhia Portuguesa dos Caminhos-
de-ferro. A realização de ilmes-documentários, a serem
exibidos em salas de espetáculos do País, terá sido
considerado um dos melhores meios para divulgar os
locais de maior interesse turísico de Albufeira. Uma
maior aluência de banhistas e de visitantes era o
objeivo de toda esta propaganda turísica.
De salientar igualmente, a importância da
divulgação feita por alguns estrangeiros que então
visitaram Albufeira, nomeadamente do suíço Eric
Gustof Beril Gullauder que mereceu um voto de
agradecimento da Câmara Municipal pela oferta de uma
tela da sua autoria e pela propaganda turísica que fez
da praia e vila através da imprensa suíça, conferências e
exposições que realizou em Estocolmo.

QUE ALOJAMENTO?
Em 1955 é apresentado o anteprojeto do hotel que
se previa, já na altura, vir a contribuir, signiicaivamente,
para o desenvolvimento turísico de Albufeira. Enaltecia-
se a iniciaiva do senhor Joaquim Vinhas Cabrita em
querer construir este hotel sobre o túnel sobranceiro ao
mar. Empreendimento turísico que obteve um parecer
favorável, para construção, do arquiteto urbanista
Miguel Jacobety. No ano seguinte é publicado, no Diário
do Governo n.º 213, de 8 de Setembro, o despacho
que declarou o Hotel Sol e Mar de uilidade turísica. A
necessidade de construção de um hotel moderno que
respondesse ao desígnio turísico “de grande projecção”
que se previa para Albufeira era premente25.
Por outro lado a instalação da FNAT (Fundação
Nacional para Alegria no Trabalho), insituição pioneira
num novo conceito de férias e lazer, numa aniga fábrica
25
Folha de Domingo, n.º 2311, 23 de Agosto de 1959.
222 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

de conservas, no ano de 1958, muito contribuiu para


colocar Albufeira no plano turísico nacional.
O progressivo desenvolvimento da vila e, em
paricular, do litoral do concelho veriicado ao longo
da primeira metade do século XX, com o crescimento
do tecido urbano, melhoramento das infraestruturas
coleivas, bem como a preocupação em dotar Albufeira
de unidades hoteleiras dignas da imagem turísica
difundida pelo Estado. A acrescentar a tudo isso, a
construção do aeroporto internacional de Faro, obra
basilar para a região, que foi contribuiu decisivamente
para a airmação de Albufeira como um dos símbolos do
turismo nacional.
Até ao início da década de 60, do século XX, o
alojamento do concelho caracterizava-se por unidades
modestas de pequena dimensão, a maioria de cariz
familiar, como o aluguer de casas privadas, segundo o
testemunho de Joaquim Antero Romero Magalhães:
“Nesse tempo, ir para Albufeira era quase uma
aventura: as casas que se alugavam pouco ou nada
estavam trastejadas. Quase que se fazia uma mudança.
Os tarecos iam na camioneta do Sr. Pereira da mercearia
na Rua Direita, que prestava esse favor. Embora: em
instalações precárias, icávamos na Meia-Laranja ou
arredores, bem no centro, próximo do cinema.”26
Dez anos após a apresentação do anteprojeto, no
ano de 1965, é então inaugurado o primeiro grande
hotel – o Hotel Sol e Mar, localizado no centro da vila e
com acesso direto à praia, dotado de 68 quartos, todos
com vista mar.

Nos anos seguintes foram ediicadas outras


unidades de maior dimensão, salientando-se o Hotel
Baltum, propriedade do industrial Teóilo Fontainhas
Neto, e o Hotel da Balaia, com 140 quartos, restaurante,
“boite”, piscina de água aquecida, campos de ténis, mini-
golfe e 12 moradias, projeto dos arquitetos Francisco
Conceição Silva e Maurício de Vasconcelos.

“THE SIXTIES”
A aividade turísica crescia em Albufeira, que
outrora fora descrita como pequena vila piscatória de
casario branco que descia até ao mar, o que fazia com
que fossem várias as propostas de melhoramentos
discuidas e votadas em reuniões de câmara,
relaivamente à urbanização de locais junto à praia de
Figura 4 Aspeto da construção do Hotel Sol e Mar. 26
Joaquim Antero Romero MAGALHÃES, in: Brochura da Comissão Municipal de
Anos 60, séc. XX. Coleção de Fotograias do Arquivo Toponímia de Albufeira – Rua Joaquim Magalhães, Câmara Municipal de Albufeira,
Histórico de Albufeira. Albufeira, 2008, p. 15.
PATRÍCIA BATISTA O TURISMO BALNEAR EM ALBUFEIRA: Uma história recente 223

Albufeira com vista a oferecer melhores condições aos


turistas, tais como o “Arranjo urbanísico da praia de
Albufeira – Seguidamente o Exceleníssimo Presidente
disse que devido ao grande interesse turísico que
a costa do Algarve tomou ulimamente se tornaria
imprescindível a execução urgente do estudo urbanísico
da Praia de Albufeira (parte central compreendida
pela Praia do Peneco), a im de permiir a concessão
da exploração da Praia a uma empresa que se propõe
executar as obras necessárias para o embelezamento e
Valorização da mesma.”27
O mesmo se observa na preocupação de
embelezamento da praia de Albufeira, como a
previsão de despesa no orçamento da autarquia para
a “ (…) pavimentação da esplanada do túnel, onde está
implantado o hotel Sol e Mar, (…), dotar a praia com novas
instalações de balneários condignas do meio, visto que as
existentes se encontrarem aniquadas e sem o mínimo de
condições higiénicas que permitam servir as pessoas que
delas se uilizam (…) e adquirir material eléctrico para a
iluminação dos principais rochedos da praia ”28.
Nesta época foram promovidas diversas iniciaivas
para a divulgação do Turismo de Portugal no estrangeiro,
sobretudo nos mercados europeu e norte-americano,
mas também internamente, publicitando a vila na
revista “Panorama”, edição nacional onde era feita
grande parte da divulgação turísica do país.
Não obstante o esforço propagandista do Estado
Novo é a inauguração do aeroporto de Faro em 1965,
que irá colocar o Algarve nos circuitos turísicos
internacionais, sendo responsável pelo “boom” do
turismo em Albufeira. A criação do aeroporto beneiciou
as várias localidades algarvias como Albufeira, sendo o
ponto de chegada para mais turistas que procuravam
uma região “paradisíaca”, que icava agora mais
acessível, através da ariculação estabelecida com a
rede rodoviária e ferroviária, permiindo uma mais fácil
circulação dentro da província. Surge, então o serviço
de transfers, ” … transferências de grupos, normalmente
estrangeiros, para e dos hotéis, por contratos
estabelecidos previamente com os tour-operators,
grupos esses que chegavam ao Algarve ou daqui
regressavam passados os seus períodos de férias.”29
27
AHA, Câmara Municipal de Albufeira, in: Actas da Câmara Municipal, 1959-1962,
l 91.
28
AHA, Câmara Municipal de Albufeira, in: Acta de Reunião de 21 de Setembro de
1962. Figura 5 Cartaz Publicitário. Anos 60, séc. XX.
29
Aníbal C. GUERREIRO, História da Camionagem Algarvia (de passageiros): 1925- Imagem cedida por Centro de Documentação e
1975 (da origem à nacionalização), s.l., s.n., 1983, p. 51. Informação da Região de Turismo do Algarve.
224 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

É neste contexto que, de paraíso perdido e


de diícil acesso, o Algarve se torna num centro
cosmopolita, desino turísico de iguras públicas de
renome internacional, o aeroporto, segundo Manuel da
Fonseca, faz da região “um arredor da capital do País.
Os estrangeiros, então, mal chegam a Lisboa, daí a
nada, estão a tomar banho nas praias algarvias”30.
Em Albufeira os designados “Sixies” marcam,
deiniivamente, a viragem de vila piscatória para vila
turísica. A construção do grande hotel, o Sol e Mar,
torna-se num verdadeiro símbolo dessa metamorfose.
O café Bailote, descrito como: “…um ponto de encontro
(…) que pertencia a um pintor, estava cheio de quadros
e inha mesa de bilhar”31 , consituía um centro
dinamizador da vida social e cultural albufeirense, ícone
incontornável de Albufeira, desde a sua abertura a 28 de
Novembro de 1937 até 1996, quando encerrou.
Foi nesta década que se intensiicou a vinda de
diversas personalidades das artes e do espetáculo,
contribuindo para a promoção da vila a nível
internacional. Por cá passaram o Arquiteto brasileiro
Óscar Niemeier, o cantor Tom Jones, o futebolista
Jimmy Greaves, o escritor Jorge Amado, a atriz Florbela
Queiroz. Entre estes salienta-se o cantor britânico Clif
Figura 6 Entrevista a Clif Richard, pelo Richard, que se juntava com amigos no nightclub “Sete
correspondente Vítor de Sousa. Diário de Lisboa,
18 Agosto 1969.Arquivo Histórico de Albufeira.
e Meio” e daí seguiam para a praia às 4 da manhã, onde
ajudavam os pescadores a puxar os barcos e comiam
bolas-de-berlim ao pequeno-almoço.

EM JEITO DE CONCLUSÃO
Sem dúvida que os anos 60 marcaram o início
de uma nova vocação para Albufeira, que passou de
pequena vila piscatória para um desino turísico de
projeção internacional.
Face a esta dinâmica económica veriicaram-
se, também, alterações sociais e demográicas. Ao
longo das décadas seguintes a população de Albufeira
aumentou, face à oferta de emprego que o turismo
criava. No que respeita à comunidade de pescadores,
que complementava o sustento da família com o trabalho
sazonal (de Inverno) nas fábricas da vila, esta começa a
ver no turismo uma nova forma de ganhar a vida. Muitos
dos pescadores e suas mulheres eram os banheiros
que asseguravam o funcionamento da época balnear,
relegando a pesca a uma aividade de segundo plano.

30
In: Manuel da FONSECA, Crónicas Algarvias, Caminho, 2.ª Edição, Lisboa, 1987.
31
Alexandra Prado COELHO, “Para além do Caldeirão havia um Paraíso”, in: Revista
Pública de 05.07.09, p. 17.
PATRÍCIA BATISTA O TURISMO BALNEAR EM ALBUFEIRA: Uma história recente 225

No pós 25 de Abril de 1974, com a consolidação do


poder local, houve um aumento das obras públicas, que
visavam melhorar as acessibilidades às zonas do litoral,
procedendo à pavimentação de caminhos, construção
do eixo viário (a atual Avenida dos Descobrimentos),
a construção do parque de estacionamento para
autocarros da Rodoviária Nacional, à entrada do núcleo
urbano, aumentando a capacidade e melhorando a
oferta dos transportes públicos de ligação à restante
região. Também a oferta de táxis foi negociada com a
Direção Geral de Transportes Terrestres para aumentar
o número destes veículos na freguesia de Albufeira,
tendo, na década de 70, passado de dezasseis para vinte
seis unidades.
Nos inais dos anos 70 e ao longo das décadas
seguintes, veriicou-se um aumento de unidades
hoteleiras ao longo do litoral concelhio tanto que,
segundo os dados do INE relaivos ao ano de 2006,
o concelho possuía, então 39,9% da capacidade de
alojamento do Algarve, o que representava 15,03% da
oferta de camas do país.
Hoje, Albufeira é por muitos deinida como a capital
do turismo. A verdade é que as suas praias coninuam
a ser um fator de atração para muitos estrangeiros
(nos anos 80, 88% dos turistas que visitam Albufeira
eram estrangeiros), mas também para nacionais
(sobretudo no mês de Agosto). Aqui a oferta turísica
é, essencialmente, o produto de “sol e praia”, pelo que
a sazonalidade é um problema que afeta o concelho,
o que acontece um pouco por todo o Algarve litoral.
Seria pois importante aprofundar o estudo da história
do turismo na região, para melhor perceber como esta
passou de “estância” de Inverno a desino de massas,
com todas as consequências que daí advêm para o
desenvolvimento e equilíbrio da região, que se divide
em três sub-regiões: litoral, barrocal e serra, e que,
historicamente, até à explosão turísica maninham
relações de interdependência.
226 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

BIBLIOGRAFIA

Fontes manuscritas
AHA, Câmara Municipal de Albufeira, Acta n.º 29, de 1 de Agosto de 1934, Comissão de Iniciaiva e
Turismo.
AHA, Câmara Municipal de Albufeira, Acta de 21 de Abril, de 1937, Comissão Municipal de Turismo.
AHA, Câmara Municipal de Albufeira, Actas da Câmara Municipal, 1959-1962.
AHA, Câmara Municipal de Albufeira, Acta de Reunião de 21 de Setembro de 1962.

Fontes impressas
Folha de Domingo, n.º 2311, 23 de Agosto de 1959.

Estudos
COELHO, Alexandra Prado, “Para além do Caldeirão havia um Paraíso”, in: Revista Pública de 05.07.09.
FONSECA, Manuel da, Crónicas Algarvias, Caminho, 2.ª Edição, Lisboa, 1987.
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nacionalização), s.l., s.n., 1983.
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DIONÍSIO, Texto que reproduz na integra a 1.ª edição publicada pela Biblioteca Nacional de Lisboa em
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VAQUINHAS, Irene (Coord.), História da vida privada em Portugal – A época contemporânea, Dir.
José MATTOSO, Círculo de Leitores| Temas e Debates, Maia, 2011.
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Infra-estruturas e Turismo
As vias de comunicação terrestres no
Algarve e a sua evolução nos úlimos 170 anos
Aurélio Nuno Cabrita

O Algarve consitui até à inauguração do caminho


de ferro uma das regiões de Portugal coninental
mais inacessível e desconhecida da generalidade
dos portugueses. Em 1853 o aveirense José Estêvão,
deputado por Lisboa, solicitava ao ministro das Obras
Públicas, na Câmara dos Deputados, a construção de
uma ponte na ribeira de Terges e Cobres de forma a
facilitar as comunicações entre o Alentejo e o Algarve,
lembrando que o “Algarve é muito mais desconhecido
em Portugal do que (...) muitas das provincias menos
conhecidas de França e Inglaterra; é uma cousa de que
se não faz idéa nenhuma; a julgar pela desconsideração
que se lhe dá, e pela pouca idéa que se tem delle, o
Algarve está a 400 legoas daqui.”1 Não seriam 400 mas
somente 40 léguas, contudo, era uma região ignorada,
obscura e longínqua.
A inexistência de obras de arte nos caminhos
que atravessavam a serra algarvia diicultavam a
intransponível cordilheira de “monículos de toupeira”.
A 18 de maio de 1856 o bispo do Algarve, D. Carlos
Pereira, relatava na Câmara dos Pares do Reino a
diiculdade que teve em viajar para Faro, em dezembro
de 1855.2 O prelado saíra de Lisboa a 23 de dezembro
e somente chegou a Faro a 22 de janeiro, cerca de um
mês depois. Só em Castro Verde esteve onze dias a
aguardar que as condições climatéricas lhe permiissem
a jornada, mormente a diminuição do caudal das linhas
de água que eram transpostas a vau. Se, na verdade,
desde 1853 a região era servida por um vapor “de
carreira”, entre os portos de Vila Real, Tavira, Olhão,
1
Diário da Câmara dos Deputados, 03/03/1853, p.40.
2
Diário da Câmara dos Pares do Reino, 18/05/1856, p.719.
230 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Faro, Porimão, Lagos e Lisboa, este nem sempre se


realizava, como reconhecia o bispo: “porque deixando
o vapor de ir em diferentes épocas que faz anunciar, só
quase no im de dezembro é que me vi obrigado a parir
para não demorar mais a jornada”3.
Sob condições climatéricas adversas a viagem
diicilmente ocorria, essencialmente se fosse à vela.
Charles Bonnet, em 1850, constatava o problema: “no
verão uma embarcação dirige-se muito rapidamente
de Lisboa ao Algarve, porém demora bastante mais
tempo a regressar”4. No inverno a situação inveria-
se, devido à mudança dos ventos dominantes. Ainda
assim a viagem de barco era a mais célere (um dia),
segura e económica, como tal a preferida, quer para o
transporte de passageiros, quer para as mercadorias.
Por estas circunstâncias: o Algarve era visto como uma
região insular, remota e estranha para os povos aquém
da serra algarvia.
Em 1888 o jornal O Occidente inseriu uma
reportagem sobre as Caldas de Monchique, de “preciosas
aguas thermaes, que rivalisam com as melhores do paiz
e do estrangeiro”5. A estância termal era frequentada
principalmente por algarvios, alentejanos e, também,
por espanhóis da Andaluzia. Contudo, lembrava aquele
periódico a possibilidade de ali concorrerem aquistas
de outros pontos de Portugal, através de duas vias
que considerava «relaivamente fáceis»: “ir até Beja
no caminho de ferro, e d’aqui em carro ou a cavallo
até Monchique”6; ou então por via maríima, “vae-se
no vapor até Porimão, e alli há uma estrada real para
Monchique”7. Eram estas as acessibilidades que de
«relaivamente fáceis» teriam muito pouco e conforto
ainda menos, todavia não seriam muito diferentes
daquelas que os algarvios ou estrangeiros inham para
sair ou entrar em outros pontos da região.
Uma viagem a Lisboa protagonizada pela lagoense
Petronila Augusta Segurado Calado, em 1877, evidencia-
nos os contratempos a que um viajante se sujeitava.8
Em Vila Nova de Porimão, onde tencionava tomar
3
Id., Ibidem.
4
Charles Bonnet, Memória Sobre o Reino do Algarve – Descrição Geográica e
Geológica, 2.ª edição, Delegação Regional do Sul da Secretaria de Estado da Cultura,
Faro, 1990 (1.ª ed., Algarve – Descripion Géographique et Géologique de cete
Province, Academia Real de Ciências de Lisboa, Lisboa, 1850), p.140.
5
O Occidente, N.º 355, 01/11/1888, p.244.
6
Id., Ibidem.
7
Id., Ibidem.
8
Aurélio Nuno Cabrita, “Petronila Augusta Calado ou uma viagem do Algarve a Lisboa,
em 1877”, htp://www.sulinformacao.pt/2015/05/petronila-augusta-calado-ou-uma-
viagem-do-algarve-a-lisboa-em1877/, página consultada em 06/10/2015.
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 231

o barco, foi informada que aquele não podia zarpar


dadas as condições maríimas. Todos os passageiros
viram desta forma os seus intentos frustrados, entre
os quais a viscondessa de Porimão e uma sua ailhada.
A alternaiva mais sensata seria aguardar a acalmia
necessária para a viagem, sendo que esta podia durar
horas ou mesmo alguns dias, ou então atravessar a
serra em diligência, hipótese raramente praicada,
desde logo demorada e de elevado risco, pelos assaltos
frequentes. Outra opção era viajar por estrada até Vila
Real de Santo António e aí tomar o barco para Mértola,
nova diligência em estrada desérica de dez léguas até
Beja e, inalmente, apanhar o comboio para o Barreiro.
Petronila, de espírito irrequieto e aventureiro, não icou
à espera do bom tempo e imediatamente considerou
a úlima hipótese, de que ouvira falar. Apresentado o
projeto à viscondessa para que se izessem à estrada,
com a vantagem de em Vila Real poderem pernoitar em
casa de um familiar prior, as três chegaram a acordo e
tomaram a diligência rumo à vila pombalina. A viagem
decorreu sem incidentes, a não ser as cócegas que o
vasto e elegante chapéu de plumas da viscondessa
causava no nariz de Petronila, sentada à sua frente,
quando aquela cochilava pelo torpor e cansaço
provocados pelo andamento ritmado dos cavalos.
Finda a primeira parte da jornada foi com grata
surpresa que encontraram a residência do pároco em
festa, o caso não era para menos, ainal o clérigo ganhara
a lotaria, dez mil reis, uma fortuna… Porém e apesar de
todo o momento fesivo, as três aventureiras depararam-
se com um problema, o controlo alfandegário. Este era
frequente e realizava-se em diversos locais do percurso.
Claro que o ipo de viagem, forçosamente longa e
sujeita a várias mudanças de transportes, obrigava os
passageiros a levar manimentos e o caso em apreço não
era exceção. Esse era o problema principal: como passar
pelos oiciais da alfândega os chouriços, o presunto
e o queijo que levavam com elas? Mais uma vez a
sagacidade de Petronila resolveu a questão. Na noite
anterior à viagem as três senhoras decidiram remover
as “ternures”, ou seja, as ancas posiças, úlimo grito da
moda parisiense, que acentuava a silhueta e diminuía
a cintura. Em sua subsituição coseram e enrolaram
nas ancas os chouriços e restantes manimentos,
conservando a elegância e conseguindo uma fácil
despensa, bastando para a alcançar apenas um levantar
de saia… E a viagem prosseguiu Guadiana acima, depois
rumo a Beja e inalmente de comboio para o Barreiro,
232 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

sem que vislumbrassem qualquer problema com o


controlo alfandegário. As astuciosas viajantes chegaram
à capital do reino possivelmente ao mesmo tempo do
barco, mas isso não reza a história, sabe-se sim que
desembarcaram de estômago bem reconfortado e de
certeza emanando um odor “muito” agradável dos seus
elegantes vesidos.
João António Júdice Fialho, em janeiro de 1888,
recorreu ainda a uma outra alternaiva. O porto de
Faro estaria fechado à navegação e como a cheia do
Guadiana, devido à forte corrente, não permiia a
carreira do vapor para Mértola, Júdice Fialho não teve
outra hipótese senão atravessar o rio e deslocar-se a
Sevilha, onde tomou um trem para Badajoz, seguindo
para Lisboa.9
Por tudo aquilo que se demonstrou viajar do
Algarve para a capital consituía uma verdadeira
aventura, assaz dispendiosa, até à chegada do comboio.

O CAMINHO DE FERRO
Somente trinta e três anos depois da inauguração
do primeiro troço de caminho de ferro em Portugal,
de Lisboa ao Carregado, a 28 de outubro de 1856, os
silvos da locomoiva se ouviram no Algarve. Na verdade,
embora a decisão de prolongar o caminho de ferro
do Sul até à região ivesse sido tomada nas sessões
parlamentares de 25 e 26 de junho de 1862 e a abertura
à exploração ixada, pouco depois, para 1 janeiro de
1869, a construção de tão desejável melhoramento
dilatar-se-ia no tempo, ao invés de outras regiões do
país.
Recorde-se que a linha ferroviária chegou a Beja,
vinda do Barreiro, em 15 de fevereiro 1864, aingindo
Casével a 20 de dezembro de 1870, que seria término
da linha do Sul durante 18 anos. A Casével passaram a
demandar os algarvios para aí tomarem o comboio para
Lisboa, como o recordaria, em 1909, o monograista
Ataíde Oliveira: “por esta estrada [Messines, S. Marcos,
Santana da Serra] transitamos algumas vezes, saindo de
Ourique a embarcar na estação de caminho de ferro em
Casével, antes d’essa via entrar no Algarve.”10
Se temos consciência que todo o trabalho era
braçal, sem recurso a maquinaria (tão-somente a
pólvora, picaretas, pás, alcofas, etc.), e que era forçoso
escavar outeiros, construir aterros, pontes e outras
9
Luís Filipe Rosa Santos, Os acessos a Faro e aos concelhos limítrofes na segunda
,
metade do século XIX, ed. do autor, Faro, 1995 p.9.
10
Francisco X. D’Athaíde Oliveira, Monograia de S. Bartholomeu de Messines, Livraria
Figueirinhas, Porto, 1909, p.105.
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 233

passagens hidráulicas ou, ainda, os ediícios para as


estações e passagens de nível, não é menos verdade que
a linha do Algarve, raras vezes, foi considerada prioritária
no contexto nacional. As obras desenvolviam-se por
secções, cujas paragens originavam situações caricatas,
de forma que troços concluídos associavam-se a outros
onde nada exisia. O lanço entre Faro e Boliqueime
foi um deles. Embora fosse um dos primeiros a icar
terminado, seriam necessários muitos anos até que por
ele circulasse alguma composição, não tendo por esse
moivo, qualquer uilidade.
Em 1875 um terrível acontecimento veio dar um
incremento às obras – a seca. As câmaras municipais
do Algarve, face ao lagelo da fome que acercava os
algarvios, pressionaram o governo para a abertura dos
trabalhos, não só na ferrovia como nas estradas, entre
outros.11 Jusino Bívar Weinholtz esimou em 500 contos
a verba atribuída pelo governo à região para acorrer “à
miséria das populações algarvias”12. Em 1878 nova seca
se faz senir e as obras sofrem novo impulso. Porém,
passadas as adversidades climatéricas, tudo voltava ao
mesmo, ou seja, a suspensão dos trabalhos. Foram por
isso muitos os algarvios que envelheceram e faleceram
sem ouvir o apito do progresso rasgar os céus.
A 3 de junho de 1888 abria à exploração o troço de
Casével a Amoreiras/Odemira, a locomoiva aproximava-
se da província mais meridional de Portugal. Oito meses
depois, a 21 de fevereiro de 1889, realizava-se a primeira
viagem técnica até Faro, só faltando a inauguração. Mas
se a construção da via teve, como vimos, inúmeras
contrariedades, um outro revés esperava os algarvios
– a indiferença. Aprazada a abertura ao público do
caminho de ferro do Algarve, mais de quatro meses
depois de realizada a viagem técnica, para 1 de julho
de 1889, a família real e membros do governo, sempre
presentes em eventos semelhantes noutros pontos do
país, absiveram-se de paricipar. Para alguns círculos
representaivos do Algarve a ausência dos reis e dos
membros do governo foi considerada como “a maior
humilhação que os altos poderes do estado podiam
ter inligido aos brios de um povo que se regia por
insituições consitucionais”13, e uma frase icou célebre
por aqueles dias: “nem Majestades, nem Altezas, nem
ministros”.
11
Aurélio Nuno Cabrita, “A seca no Algarve na década de 70 do séc. XIX”, Jornal
Barlavento, N.º 1466, 25/08/2005, p.16.
12
Jusino de Bivar Weinholtz, Faro no decorrer do século XIX, Separata do Correio do
Sul, Faro, 1947, p.14.
13
Luís Filipe Rosa Santos, Ob. Cit., p.140.
234 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

No entanto os algarvios não desanimaram e


organizaram durante três dias uma imponeníssima
manifestação de regozijo, celebrando em Faro o
início da exploração do seu caminho de ferro.14 A
cidade engalanou-se e recebeu milhares de pessoas
para assisirem à inauguração de tão importante
infraestrutura. Os principais ediícios foram iluminados
e as ruas decoradas. Várias bandas de música aturam
em simultâneo e dezenas de foguetes estalejaram nos
ares. Simultaneamente, foi colocado à venda um
jornal especial para solenizar o acontecimento, cujo
diretor, Jacinto Parreira, lembrava: “inaugura hoje
esta formosa provincia, um melhoramento desinado
a imprimir o mais benéico inluxo nos seus futuros
progressos. (...). Só no úlimo quartel d’este grande
século nos é dado ver, emim, abreviada a distância
que nos separa do resto do paiz e, não raro, do resto
do mundo. É tarde? Esse poderoso elemento de riqueza
e prosperidade, revigorando o depauperado organismo
Figura 1 Jornal “A Inauguração”, número especial d’esta infeliz provincia, determinará, em breve trecho, a
para solenizar a inauguração do caminho de ferro sua completa regeneração económica e moral”15.
do Algarve.
Para percorrer os 340 km de Faro ao Barreiro os
algarvios passavam a dispor de dois comboios diretos,
um em cada senido e outros dois com transbordo em
Beja. O Terreiro do Paço estava agora à distância de
13h20m. Os enjoos do Cabo de São Vicente ou os tédios
das diligências através das charnecas do Baixo Alentejo
eram agora passado, restava aguardar a regeneração
económica do distrito.
Provavelmente relacionado com a introdução
do comboio na região o periódico francês Journal des
Voyages – et des aventures de terre et de mer16 dedicou,
em novembro de 1889, alguns parágrafos ao Algarve, na
secção “Les Anciens États – Le Royaume des Algarves”,
com a descrição da província, aglomerados urbanos,
população e principais produções. Ainal, a região estava
agora indubitavelmente acessível por via terrestre ao
resto do país e à Europa.
Todavia, nos anos subsequentes pouco se terá
alterado na airmação do Algarve no contexto nacional,
até que, em 1897, um acontecimento vai projetar a
região, para as primeiras páginas dos jornais nacionais
– a visita do rei D. Carlos e da rainha D. Amélia.17
14
Aurélio Nuno Cabrita, O Comboio no Algarve: Festejos e Inaugurações, Casa do
Algarve/Centro de Arte e Cultura Teixeira Gomes, Lisboa, 2014, p.4.
15
A Inauguração, N.º único, 01/07/1889, p.1.
16
Journal des Voyages – et des aventures de terre et de mer, N.º 646, 24/11/1889,
pp.332-333.
17
Aurélio Nuno Cabrita, “Recordar a visita real ao Algarve: outubro de 1897”, Visita
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 235

Eram volvidos trezentos e vinte e quatro anos desde


que um monarca visitara a região, concretamente, D.
Sebasião em 1573. O acontecimento era pois único e
terá originado a primeira grande reportagem sobre a
província, descrevendo a imprensa não só a visita em
si, mas as principais localidades, a história, a indústria,
hábitos e costumes, hospedarias, etc., enim uma região
exóica e encantadora, “de ar balsâmico, de céu sempre
azul, de clima único, de solo féril”18.
Os reis viajaram de comboio até Faro, término da
linha, e daqui percorreram durante seis dias o distrito.
A sotavento visitaram Olhão, Tavira e Vila Real de Santo
António, bem como as Minas de São Domingos, e a
barlavento Lagos, Porimão, Monchique, Silves e S. B.
de Messines, onde tomaram o comboio de regresso
a Lisboa. O Diário de Noícias apresentou o seguinte
balanço: “a viagem real, quando não desse outro
resultado, terá pelo menos isto de bom: o chamar
a atenção do paiz para o Algarve, que é uma das
províncias mais esquecidas, sendo pelo contrário, uma
das terras portuguesas mais dignas de ser visitada e
querida”19. Quanto a meios de transporte os soberanos
uilizaram o comboio, mas também o barco, a carruagem
entre Faro e Vila Real, bem como de Lagos para
Porimão, Monchique, Silves e Messines e até cavalos
na subida à Foia. O periódico António Maria sairizou
o pó das estradas algarvias: “os povos de Tavira icam
convencidos que toda a régia comiiva é composta por
velhos. Estão todos brancos… da poeira.”20 Para em Vila
Real complementar: “se em Tavira nos julgaram velhos,
em Villa Real julgam-nos velhíssimos. Encanecidos pelo
pó da estrada”21. Façamos agora uma breve incursão
pelas estradas da região.

AS ESTRADAS
João Baista da Silva Lopes referia, em 1841, que
as estradas no Algarve são “menos más na beira mar,
no barrocal porém peiores, e na serra péssimas”22.
As comunicações com o Alentejo eram “quasi
intransitáveis”, sendo a estrada por S. B. de Messines, São
Marcos e Santa Clara/Sabóia a melhor e a mais uilizada
pelos almocreves de Faro e Loulé (embora carecesse de
Real ao Algarve (1897), Câmara Municipal de Lagoa, Lagoa, 1997, p.37.
18
Branco e Negro, N.º 82, 24/10/1897, p.56.
19
Diário de Noícias, N.º 11437, 15/10/1897, p.1.
20
O António Maria, N.º 449, 28/10/1897, p.3.
21
Id., Ibidem.
22
João Baista da Silva Lopes, Corograia ou Memória Económica, Estaísica e
Topográica do Reino do Algarve, 2º volume, Algarve em Foco, Faro, 1988, p. 75.
236 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

uma profunda intervenção, que a tornaria transitável


para seges e carretas, entre São Marcos e Santa Clara).
As outras hipóteses eram: Loulé, Salir (ou Ameixial) e
Almodôvar; Tavira por Giões e S. Sebasião dos Carros;
Lagos por Aljezur e Odeceixe; ou Porimão, Monchique
e Santa Clara. No interior da província apenas o caminho
que saía de S. B. de Messines para oeste, em direção a
Silves e para este, Faro, admiia carretas, mesmo assim
exigindo reparos. Algumas povoações comunicavam
Figura 2 Excerto do mapa de “Communicações entre si por veredas. Nove anos depois, Charles Bonnet
do Reyno” de 1862. A estrada de Faro a Beja foi
considerada prioritária.
dizia que a estrada para Lisboa era um simples caminho,
ou melhor “atalhos por vezes demasiado escabrosos e
apenas transitáveis a cavalo”.23
No inal da década de 1840 iniciou-se a construção
da estrada de Faro a Loulé, a primeira macadamizada na
região24, ou seja, segundo a metodologia concebida por
McAdam25. Nas décadas seguintes avançaram estudos e
projetos, construindo-se novas estradas um pouco por toda
a província. Sempre que possível, era aproveitado o velho
traçado medieval para se evitarem novas expropriações e
tornar a construção mais rápida e económica.
Em resumo, em 1873 a região contava com as
estradas de Lagos a Vila Real de Santo António e de Lagos
a Monchique, encontrando-se outras em construção.
As crises agrícolas de 1875 e 1878 vieram incrementar
não só os trabalhos existentes, como potenciar outros,
como a estrada de Porimão a S. B. de Messines. A par
das estradas de âmbito regional avançavam também as
municipais de menor importância, construídas segundo
a mesma metodologia.
Em termos de ligações ao Baixo-Alentejo e apesar
de em junho de 1862 o governo expressar a intenção
de concluir, no prazo de cinco anos, um conjunto amplo
de estradas a nível nacional, onde se incluía a de Beja a
Faro, pouco se executou nos anos seguintes. Em 1867
foram classiicadas como distritais ou de 2ª ordem,
entre outras: a estrada de Vila Real de Santo António a
Mértola, por Castro Marim e Alcouim; Faro a Almodôvar
e Castro Verde, por S. Brás e Ameixial; Odemira a Vila do
Bispo e Sagres por Odeceixe e Aljezur.26
23
Charles Bonnet, Ob. Cit., p.139.
24
Luís Filipe Rosa Santos, Ob. Cit., p.56.
25
Engenheiro escocês, inventou, cerca de 1820, um sistema que consiste, grosso
modo, em assentar três camadas de pedra de diferente granulometria, calcadas com
um cilindro, numa caixa com 20 cm de profundidade. As duas primeiras camadas, a
uma profundidade de cerca de 20 cm, recebiam brita de Ø 6 cm. A terceira era feita
com duas camadas de 5 cm, cheias de pedra de Ø 2,5 cm. A caixa inha valas laterais
para a drenagem das águas pluviais. Embora carecesse de uma intensa mão de obra, o
piso da estrada icava forte e enxuto.
26
Luís Filipe Rosa Santos, Ob. Cit., p.81.
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 237

Três anos depois a Junta Distrital resolveu que a


primeira a construir seria a de Faro a Almodôvar e Castro
Verde. Na opção pesou a possibilidade da ligação de
Faro à estação ferroviária de Beja, esimada em cerca de
dez horas. Todavia, sendo uma estrada distrital, a região
teria de contribuir para a sua construção, o que aliado
à conservação de algumas vias já construídas, tornava a
situação bastante onerosa. As obras foram autorizadas
por portaria de 24 de julho de 1871 e iniciaram-se
pouco depois, por troços. A 30 de junho de 1884
encontravam-se em execução cerca de 22 km, entre
Alportel e Cortelha, sendo que de São Brás a Faro a via
estava concluída. Seis anos depois estudava-se o local
para a ediicação da ponte sobre o Vascão. Em setembro
de 1896 e na sequência de uma nova crise agrícola foi
proposto ao governo que concluísse a estrada de Faro a
Castro Verde, bem como a de Monchique a Sabóia, esta
úlima com o objeivo de ligar àquela estação ferroviária.
Por essa altura, a estrada de Faro a Vila Real de
Santo António estava impraicável: “transpô-la de trem,
sobretudo em diligência, é tortura incomportável.
Antes mil vezes passar o cabo da Boa Esperança fora
da monção, do que sujeitarmo-nos àqueles solavancos
horrorosos que nos deixam os ossos num feixe”27. Esta
seria a mesma estrada que os soberanos uilizaram em
outubro de 1897, contudo, apesar dos comentários dos
jornalistas, estaria certamente em melhores condições,
até porque o rei prometera, em Faro, interessar-se pelas
obras maríimas e pelo desenvolvimento das linhas
férreas, quanto à rodovia nada foi dito em toda a visita.
Ainal, o comboio era o símbolo do progresso
e a parir de 1889 pouco ou quase nada se avançou
na construção de estradas. Quanto ao caminho de
ferro, um mês depois da visita real, era publicada
uma portaria, datada 10 de novembro de 1897, que
determinava a realização dos estudos necessários ao
seu prolongamento até Vila Real de Santo António, bem
como de Porimão a Lagos.28

O RAMAL FERROVIÁRIO DE PORTIMÃO


Embora um decreto datado de 17 de setembro
de 1883 determinasse o início da construção do ramal
de Porimão29, só na primavera de 1898 se iniciaram
os trabalhos30. O traçado esteve envolvido em

27
Id., Ibidem, p.87.
28
Gazeta dos Caminhos de Ferro, N.º 238, 16/11/1897, p.1.
29
Luís Filipe Rosa Santos, Ob. Cit., p.134.
30
Gazeta dos Caminhos de Ferro, N.º 361, 01/01/1903, p.3.
238 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

alguma polémica, principalmente pelos silvenses que


ambicionavam a estação junto à cidade, ao invés de se
localizar, como seria concreizado, a 2 km de distância. Os
lacobrigenses comungavam também daquela hipótese,
pois, desta forma, o atravessamento do rio Arade seria
mais fácil, o que permiiria que a linha fosse construída
com maior celeridade até Lagos, todavia, em março de
1899 tal intenção desvanecia-se.31 A 10 de outubro de
1899 o comboio chegava a Algoz, a 19 de março de 1900
aingia Poço Barreto e alcançava a estação de Silves a 1
de fevereiro de 1902. Um ano depois, a 15 de fevereiro
de 1903, as locomoivas soavam em Parchal/Ferragudo,
estação terminal que passou a ostentar o topónimo
de “Porimão”, icando assim concluído o ramal do
mesmo nome. Nesse dia houve uma estrondosa festa a
barlavento, ainal “era uma conquista e mais um passo
andado no caminho do progresso”32.
Centenas de pessoas associaram-se ao momento,
presidido pelo Governador Civil e por alguns deputados:
“a mulidão era tanta que tomava por completo a
distância de 1 600 metros que vae da estação a Porimão
e só com muita diiculdade se podia caminhar. O
espectáculo tornou-se então perfeitamente feérico e
maravilhoso, sendo impossível descrevê-lo. Aqueles que
conhecem Porimão poderão imaginar o que seria essa
marcha fesiva e, podemos dizer, triunfal.”33 Quanto a
Lagos a construção da ponte ferroviária sobre o Arade
iria dilatar o sonho por mais alguns anos.
Escassos meses após a inauguração, a 29 de
junho, uma comissão de cavalheiros de Faro realizava
o primeiro comboio de recreio, transportando
excursionistas de Faro a Porimão, conforme noiciava
o periódico olhanense O Cruzeiro do Sul. A iniciaiva
apresentava elevada procura, devido aos “preços que
são baraíssimos”34. O passeio era acompanhado por
uma ilarmónica, que atuaria ainda na Praia da Rocha
e na praça Manuel Bívar, em Porimão. Mas o ano de
1903 não icaria apenas registado nos anais da história
regional pela inauguração do ramal de Porimão, em
abril um outro acontecimento prendeu a atenção dos
algarvios, um dos primeiros automóveis percorreu as
estradas da região.

31
Aurélio Nuno Cabrita, O Comboio no Algarve: Festejos e Inaugurações, Ob. Cit., p.14.
32
O Cruzeiro do Sul, Nº 5, 19/02/1903, p.1.
33
Id., Ibidem.
34
O Cruzeiro do Sul, Nº 21, 11/06/1903.
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 239

OS PRIMEIROS CARROS NO ALGARVE E A


CONCLUSÃO DA LINHA FÉRREA DO SUL
Em abril de 1903 João Caetano de Tavares e
Mello, diretor técnico da empresa Automobilista
Portuguesa, sedeada em Coimbra, percorreu o
Algarve de automóvel. Para o Folha do Sul, periódico
publicado em Loulé, tratava-se da primeira pessoa a
visitar aquela vila de automóvel, “porque até agora
ainda aqui não apareceu nenhum d’esses modernos e
rápidos meios de transporte”35. Este terá sido um dos Figura 3 Ponte girante em Faro (postal ilustrado).
primeiros automóveis a chegar ao Algarve, contudo A diretriz do traçado caminho de ferro para
sotavento icou deinida em 1902, ele seguiria junto
viria de comboio. O insigne chaufeur fez rapidamente a à ria Formosa.
viagem num automóvel Darracq de Lisboa ao Alentejo,
onde visitou Grândola, Sines, Saniago do Cacém, Beja
e Mértola. Nesta úlima vila pretendia tomar o barco
até Vila Real de Santo António, porém e não tendo
encontrado vapor que o pudesse transportar, retornou
a Beja, onde de comboio viajou até S. B. de Messines.
A 21 de abril, pelas 9 horas da manhã, o veículo dava
entrada em Loulé causando admiração.
Em seguida, na mesma tarde, viajou para Faro,
tendo demorado 17 minutos no trajeto, visitando
posteriormente Olhão, Tavira, Vila Real de Santo António
e S. Brás de Alportel.36 Dia 23 percorria o barlavento
algarvio. O objeivo da viagem prendia-se com a
comercialização daqueles veículos de dois cilindros,
com 20 cavalos, com uma velocidade máxima de 70
km/hora e capacidade para sete pessoas. Apesar de ter
circulado em vagão ferroviário entre Beja e Messines,
a viagem de Tavares e Mello terá sido a primeira de
automóvel entre Lisboa e o Algarve. Não obstante,
o Folha do Sul, na edição de 26 de abril, noiciou que
Gregório Mascarenhas, de Silves, havia visitado aquela
vila no seu automóvel no dia anterior.37 Por curiosidade,
reira-se que em 1912 exisiam 4 automóveis na região,
reparidos por Faro, Lagos, Loulé e Tavira.38
Mas regressemos ao início do século e ao
prolongamento do caminho de ferro de Faro à fronteira.
Em março de 1902 icava decidida a diretriz do traçado
a adotar, ou seja, a via seguiria junto à ria até Olhão,
contornando o velho castelo de Faro, em vez de
atravessar a zona da Penha. A 28 de março de 1904 o
comboio chegava a Olhão tendo a inauguração oicial
ocorrido a 15 de maio. O prolongamento rumo à fronteira
35
Folha do Sul, N.º 68, 19/04/1903, p.1.
36
Folha do Sul, N.º 69, 26/04/1903, pp.1,2.
37
Id., Ibidem, p.2.
38
Thomaz Cabreira, O Algarve Economico, Imprensa Libanio da Silva, Lisboa, 1918,
p.172.
240 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

tornava-se um facto: a 1 de setembro era inaugurada a


estação da Fuzeta, seguiu-se a Luz em 31 de janeiro de
1905 e Tavira a 10 de março. Em 16 de junho teve lugar
a primeira passagem de uma locomoiva pela ponte do
rio Séqua, um verdadeiro acontecimento. Apesar de
concluído o troço entre Tavira e Cacela, este aguardaria
a abertura da fração inal até Vila Real de Santo António.
A inauguração foi aprazada para o dia 14 de abril
de 1906, em pleno sábado de Aleluia, algo bastante
criicado pela imprensa, ainda, para mais, quando
faltavam construir casas para o pessoal, placa giratória
para as locomoivas e a própria gare ferroviária
que icou a funcionar num ediício provisório (seria
subsituída apenas em 1945). De qualquer forma, os
festejos foram imponentes: “a inauguração oicial do
troço fez-se pelo tramway de Porimão que chegou à 1
hora da tarde a Villa Real, com innúmeras carruagens
apinhadas de festeiros e que n’aquella vila era
aguardado por uma massa compacta de povo no recinto
da estação que oferecia um imponente e deshabitual
aspecto.”39 Algumas ruas da vila estavam ornamentadas
com iluminações, realizando-se vários concertos por
diferentes ilarmónicas.
O jornal O Heraldo vaicinava as potencialidades
disponíveis com tão importante beneiciação: “as
principais localidades do sotavento da província estão
já hoje em communicação de via accelerada com todo
o resto do paiz e o mundo civilisado, melhoramento
de capital importância que lhes vem insular novos
elementos de vida e abrir novos caminhos de
prosperidade ao seu comércio e á sua indústria”40.
Simultaneamente, antevia e prognosicava que “toda
esta encantadora e aprazível região do litoral algarvio,
perdida do mundo pelo seu vergonhoso isolamento,
há de agora ver apreciadas pelo gosto requintado
dos touristes as suas edênicas maravilhas, rivaes, na
natureza às d’essa afamada Côte d’Azur que desde há
tempos atrahe e encanta quasi toda a vagabundagem
mundana.”41 Ainda acrescentava: “soubesse a iniciaiva
do homem corresponder à prodigalidade da natureza
e ao Algarve estaria agora desinado um futuro de
inigualáveis prosperidades, sobretudo pela amenidade
incomparável do seu clima que faz de todo este rincão
de terra algarvia a mais agradável estação de inverno”42.

39
O Heraldo, N.º 1240, 21/04/1906, p.1.
40
Id., Ibidem.
41
Id., Ibidem.
42
Id., Ibidem.
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 241

Concluída a linha do Sul em Vila Real de Santo


António, as acessibilidades à região, quer ferroviárias,
quer rodoviárias, não sofreram grandes alterações nas
décadas seguintes. Em 1915, no Congresso Regional
Algarvio, voltam a estar em evidência.

AS ACESSIBILIDADES E O CONGRESSO
REGIONAL ALGARVIO EM 1915
Realizado na Praia da Rocha nos primeiros dias de
setembro de 1915, o Congresso Regional Algarvio reuniu
a elite da época, que debateu na sua especialidade o
presente e o futuro da região.43 A imprensa nacional
deu amplo destaque à iniciaiva pioneira no país,
onde as acessibilidades esiveram em evidência, ou
não fossem imprescindíveis para um Algarve que se
queria turísico. Agosinho Lúcio apresentou a tese
“Estradas”, arriscando airmar que o Alentejo e o
Algarve seriam as regiões do país mais parcas em
rodovias. Se o litoral da região era regularmente servido
de meios de comunicação, na serra estes eram “duma
pobreza”44 diícil de explicar. Paralelamente à costa
havia três estradas, todas incompletas: Sagres a Vila
Real de Santo António (faltava o troço Vila do Bispo
a Sagres); S. B. de Messines a Tavira; de Alcouim ao
Ameixial. De penetração norte/Sul: Lagos a Odeceixe,
também incompleta; Porimão a Monchique; Faro a
Barranco do Velho, bifurcando-se aqui para o Ameixial
e para Cachopo. Considerava o congressista não só
indispensável o término das vias inacabadas, como
proceder ao estudo de novos traçados.
Nessa ordem de ideias, o Algarve dispunha de
511 km de estradas construídas/em construção,
aproximadamente 192 km de vias projetadas e 148 km
de estradas não estudadas. O autor reputava desse modo
como urgente a concreização da via de São Marcos a
Monchique, que se prolongaria até Aljezur, considerada
benéica para o turismo e para a agricultura, assim como
a ligação de Aljezur a Vila do Bispo, da mesma forma
concluir a estrada de Aljezur ao Alentejo, permiindo a
ligação com Lisboa. Do lado oriental terminar a ligação do
Ameixial a Alcouim e de Cachopo a Marim Longo, que
concebia úil ao turismo oriundo do leste da Espanha,
que transitaria por Sanlúcar - Alcouim.

43
Aurélio Nuno Cabrita, “Há 100 anos, o Congresso Regional Algarvio fez a primeira
radiograia da região”, htp://www.sulinformacao.pt/2015/09/ha-100-anos-o-
congresso-regional-algarvio-fez-a-primeira-radiograia-da-regiao/, página consultada
em 06/10/2015.
44
Agosinho Lúcio, “Estradas”, Congresso Regional Algarvio 1915, Tipograia
Moralisadora, Lisboa, 1915, p.5.
242 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Anotava, também, como importantes o ramal de


Sagres ao Cabo de São Vicente e de Loulé a Barranco
do Velho por Querença. Um outro aspeto primordial
e fundamental para o desenvolvimento turísico era
a conservação dos pisos, que o próprio considerava
de “vergonha administraiva”45, propondo um
regime de iscalização aivo e eicaz. Em síntese, as
estradas existentes no Algarve não se coadunavam ao
desenvolvimento do turismo.46
Relaivamente à ferrovia foram debaidas duas
teses: “Caminhos de ferro do Algarve”47 por Vasconcelos
Corrêa; “Tarifas ferroviárias”48 de Tomás Cabreira. Na
primeira defendia-se a rápida conclusão da linha do
vale do Sado (já estavam construídos e inaugurados os
troços da Funcheira ao Lousal)49 e do ramal de Porimão
a Lagos, bem como a construção de vias férreas
reduzidas. Estas seriam: de Loulé a S. Brás de Alportel
e a Faro, com um ramal de São Brás a Tavira por Santa
Catarina da Fonte do Bispo; de Porimão a Monchique,
com prolongamento à Praia da Rocha; de Lagos, Vila
do Bispo a Aljezur, Odeceixe, S. Teotónio e Odemira,
ligando eventualmente a Sines.
Uma outra questão perinente também não
foi esquecida, os horários e a qualidade do material
circulante. Dois temas caros aos algarvios, que se
protelaram no tempo, raramente os horários foram
considerados favoráveis aos interesses regionais,
e quanto ao material circulante, esse foi sempre
paupérrimo e sem qualidade. Adelino Mendes,
jornalista de A Capital, deixou-nos um testemunho
pouco abonatório da viagem que realizou de comboio
aquando do Congresso Regional Algarvio.50
Por seu lado, Tomás Cabreira, na tese “Tarifas
Ferroviárias”, defendia uma revisão nas tarifas
praicadas. Para o efeito considerava que a organização
do Conselho de Tarifas não estava a favorecer o
desenvolvimento económico do país, nem dava
suiciente representação às classes produtoras. Desde
cedo muitos se insurgiram contra os elevados preços
da expedição ferroviária, que consideravam proibiivos,

45
Id., Ibidem, p.7.
46
O Século, N.º 12121, 05/09/1915, p.2.
47
A. de Vasconcellos Corrêa, “Caminhos de ferro do Algarve”, Congresso Regional
Algarvio, Gazeta dos Caminhos de Ferro, Lisboa, 1915, pp.1-14.
48
Thomaz Cabreira, “Tarifas ferro-viarias”, Congresso Regional Algarvio, José Soares &
Irmão, Lisboa, 1915, pp.1-4.
49
José Ribeiro da Silva e Manuel Ribeiro, Os comboios em Portugal, Terramar, Lisboa,
2009, p. 84.
50
Adelino Mendes, O Algarve e Setúbal, Guimarães & C.ª, Lisboa, 1916, p.1.
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 243

não vislumbrando assim alternaiva ao despacho por


via maríima. Esta foi uma das teses que gerou algum
debate por se considerar que, em simultâneo, devia ser
exigida a introdução de câmaras frigoríicas.51
A entrada de Portugal na I Grande Guerra, em 1916,
com o incremento de todas as diiculdades daí advindas,
sem esquecer o falecimento precoce de Tomás Cabreira
(a alma do congresso), em Tavira em 1918, protelaram a
Figura 4 Ponte ferroviária sobre o rio Arade (postal
implementação das orientações do Congresso e as vias ilustrado).
de comunicação, essencialmente as rodoviárias, não
foram exceção. Quanto às ferroviárias, apesar de tudo,
seria diferente.

A CONCLUSÃO DA LINHA DE PORTIMÃO ATÉ


LAGOS
Com o advento da República a Câmara Municipal
de Lagos propôs-se construir o ramal, contraindo para
o efeito um emprésimo no valor de 500 contos52, este
seria caucionado com o Imposto da Barra que a autarquia
cobraria. A proposta foi autorizada pelo Parlamento em
julho de 1912 e nela paricipou aivamente um ilho
da terra, o Senador Alberto da Silveira. Pouco depois
têm lugar os primeiros trabalhos de assentamento da
linha, no entanto, o emprésimo não foi suiciente,
regressando as obras de novo ao Estado, bem como o
Imposto da Barra.
Em 1915 teve início a construção da ponte sobre
o Arade, em Porimão, a maior da ferrovia na região.
Entretanto, eram ediicadas as estações de Porimão
(atual), Montes de Alvor, Mexilhoeira Grande, Odiáxere
e Lagos, bem como construídas várias obras de arte. A
30 de julho de 1922 o ramal de Lagos era inaugurado
fesivamente pelo chefe do Governo e dois ministros,
do Trabalho e do Comércio. Foi o único troço da ferrovia
regional que contou com a presença das mais altas
iguras da nação. Os lacobrigenses comemoraram
sobremaneira o acontecimento, prolongando-se os
festejos por três dias, reparidos por concertos, jogos
de futebol, teatro, exposições e milhares de pessoas. O
traçado da linha consituía, segundo o jornal O Século,
“um pitoresco encantador, atravessando campos
verdejantes e loridos, quasi sempre marginando o
mar”53, concluindo tratar-se de “um ramal de luxo, linha
de turismo, como já lhe chamam”.54 Lagos dispunha,

51
O Século, N.º 12121, 05/09/1915, p.2.
52
Aurélio Nuno Cabrita, O Comboio no Algarve: Festejos e Inaugurações, Ob. Cit., p. 17.
53
O Século, N.º 14535, 29/07/1922, p.1.
54
O Século, N.º 14536, 30/07/1922, p.1.
244 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

inalmente, do comboio e a Meia Praia “servida por


uma projectada avenida e pela via ferrea, virá a ser uma
das mais deliciosas estâncias do Algarve, cujo futuro se
antevê brilhante de progresso e prosperidade”55.
O ramal de Lagos consituiu o úlimo lanço de
caminho de ferro construído na região, pese embora o
prolongamento da via da estação de Vila Real de Santo
António ao Guadiana, inaugurado a 20 de dezembro de
1937 para mercadorias e aberto a passageiros a 24 de
janeiro de 1952.56 Convém acrescentar que todos os
outros projetos elencados em 1915 não passaram do
papel, tal como o caminho de ferro de S. B. de Messines
a Tavira, com passagem por Alte, Salir, Querença, S. Brás
e Santa Catarina, aventado em 1927.57
Ainda em 1925 com a inauguração da ponte de
Alcácer do Sal, a 1 de junho, e com ela a conclusão
efeiva da linha do Sado (uma ponte provisória permiia
a passagem do Sado com muitas restrições desde
1920)58, o percurso entre o Barreiro e Faro tornou-se
mais rápido, não só foi reduzido em cerca de 52 km,
como se evitavam vários entroncamentos ferroviários,
como Vendas Novas, Casa Branca e Beja. Este úlimo
pressupunha ainda uma inversão da locomoiva para
os comboios desinados e provenientes do Algarve,
pois a linha contornava a cidade pelo lado norte,
situação que se manteve até 1970.59 Não obstante
a inauguração da Linha do Sado as composições para
o Algarve coninuaram a uilizar as duas linhas até ao
encerramento deiniivo do troço entre Funcheira e
Beja, a 31 de dezembro de 2011.60
Em 1932 a Companhia de Caminhos de Ferro
Portugueses inicia a organização de excursões, em
comboio coadjuvado com autocarro, com o objeivo
de “desenvolver o gosto pelas viagens em Portugal, e
de tornar conhecidas as belezas do país”61. Assim, a
primeira série destas excursões foi dedicada ao Algarve,
na temporada das amendoeiras loridas. Durante três
dias os passageiros cruzavam a região de sotavento a
55
Ilustração Portuguesa, N.º 859, 05/08/1922, p.125.
56
Aurélio Nuno Cabrita, O Comboio no Algarve: Festejos e Inaugurações, Ob. Cit., p.11.
57
Afonso da Cunha Duarte, Terras de Alportel, volume II, Casa da Cultura António
Bentes, S. Brás de Alportel, 2008, p.313.
58
Gazeta dos Caminhos de Ferro, N.º 1684, 16/02/1958, pp.91-92.
59
TrainSpoter, N.º 40, novembro de 2013, pp. 12-19, htp://www.portugalferroviario.
net /home/atachments/aricle/7/2013-11.pdf, página consultada em 06/10/2015.
60
Aurélio Nuno Cabrita, “A úlima viagem de comboio da Funcheira a Beja”, htp://
www.sulinformacao.pt/2012/01/a-ultima-viagem-de-comboio-da-funcheira-a-
beja31-de-dezembro-de2011/, página consultada em 06/10/2015.
61
C.P., Excursões ao Algarve – na época das amendoeiras loridas, C.P., Lisboa, 1932
(brochura).
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 245

barlavento, em pensão completa, por 290$00. Uma


iniciaiva que teria grande sucesso nos anos seguintes.

A CONCLUSÃO DAS ESTRADAS DE LIGAÇÃO AO


ALENTEJO
A ponte sobre a ribeira do Vascão, nas imediações
do Ameixial e fronteira com o Alentejo, apenas icaria
concluída cerca de 1913, sendo provável que de
imediato, ou pouco depois, fosse possível chegar a
Castro Verde. Em 1927, Raul Proença, no Guia de
Portugal, indica como acesso rodoviário ao Algarve a
estrada por Setúbal, Alcácer do Sal, Ferreira do Alentejo,
Aljustrel, Castro Verde e Almodôvar, todavia no inverno
era impossível transitar entre Ferreira e Aljustrel (ribeira
do Roxo), pelo que se tornava imprescindível tomar o
comboio em Beja e descer no Carregueiro (estação de
Castro Verde-Almodôvar).62 A 20 de julho de 1931 a
Auto-Cars Setubalense inaugura a primeira ligação em
autocarro desde Cacilhas ao Algarve, com transbordo
no Roxo, eliminando desta forma o constrangimento
provocado pela ausência de ponte.63
O ministro das Finanças Oliveira Salazar, em
novembro do mesmo ano, em deslocação de Beja para
o Algarve, seria víima das obras da estrada quando
o carro em que seguia se imobilizou nas imediações
de Castro Verde, sendo necessário recorrer ao auxílio
de uma junta de bois.64 Como resultado, a comiiva
ministerial chegou a Faro com várias horas de atraso.
A ponte sobre o Roxo seria concluída em 1932 e a
estrada inaugurada a 15 de Fevereiro,65 para solenizar
o acontecimento deslocou-se ao Algarve o presidente
da República general Carmona. O chefe de Estado
viajou em comboio especial até Ermidas-Sado, fazendo
o percurso rodoviário pela nova infraestrutua, vindo
tomar novamente o comboio presidencial em Almansil-
Nexe, no qual chegou a Faro.66 Concluída a ligação
rodoviária passaram-se também a organizar excursões à
região exclusivamente em autocarro.

62
Raul Proença, Guia de Portugal – Estremadura, Alentejo e Algarve, Biblioteca
Nacional de Lisboa, Lisboa, 1927, p.214.
63
José Luís Covita, Memórias de um século de autocarros a sul do Tejo, Scribe, Lisboa,
2012, p.118.
64
Aurélio Nuno Cabrita, “Salazar visitou pela primeira vez o Algarve há 81 anos”, htp://
www.sulinformacao.pt/2012/11/salazar-visitou-algarve81-anos, página consultada
em 06/10/2015.
65
Aurélio Nuno Cabrita, “Visita de Óscar Carmona ao Algarve em fevereiro de 1932:
a viagem entre Lisboa, Ferreira do Alentejo e Faro”, htp://www.sulinformacao.
pt/2012/04/visita-do-pr-oscar-carmona-ao-algarve-em-fevereiro-de1932-a-viagem-
entre-lisboa-ferreira-do-alentejo-e-faro/, página consultada em 06/10/2015.
66
Id., Ibidem.
246 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

A barlavento a estrada de Aljezur, por Odemira e


São Luís, concluir-se-ia com a inauguração das pontes
de Odeceixe e Sol Posto (entre São Luís e Odemira),
pelo ministro das Obras Públicas e Comunicações,
Joaquim Abranches, em 26 de julho de 1936. A ponte
de Odeceixe, com 181 metros de comprimento, era
então a mais extensa construída em cimento armado
e foi orçada em 1 800 contos.67 Inauguradas as duas
pontes restava concluir alguns troços além de Saniago
do Cacém, para que a viagem entre Lisboa e o Algarve
pelo vale do Sado se izesse, nas palavras de O Século,
“em condições recomendáveis ao turismo”68. Na
década de 1930 seria também inalizada a estrada de
Monchique à estação ferroviária de Sabóia- Santa Clara,
sendo que algumas obras de arte do percurso ostentam
a cronologia de 1931.
A sotavento a ligação entre Vila Real de Santo
António, Alcouim e Mértola icaria concluída na
década de 1940. Em 1932 Alcouim almejava a sua
construção69. Não obstante a sua importância, os povos
do baixo Guadiana sempre uilizaram o rio como via
de comunicação rápida e fácil. A ponte sobre a ribeira
da Foupana foi construída em 1944 e a do Vascão dois
anos depois, por sua vez, a de Odeleite foi inaugurada
em fevereiro de 194970. Em junho do mesmo ano, o
ministro das Obras Públicas, José Frederico Ulrich,
percorreu a totalidade da via entre Beja e Vila Real de
Santo António.71 Na época esta ainda não se encontrava
alcatroada, o que se previa que viesse a ocorrer com
brevidade. Em 1951, o mesmo ministro, em viagem do
Algarve para Lisboa, uilizou a “nova estrada de Vila Real
de Santo António – Beja que é uma das mais importantes
vias de comunicação entre a capital e aquela linda
província”72, pelo que a via estaria já concluída.
No II Congresso Regional Algarvio, realizado em
Lisboa em janeiro de 1951, a questão das acessibilidades
não é abordada, à exceção de “O Algarve carece de
aviação Civil”, tese apresentada pelo Dr. Amadeu
Ferreira de Almeida.73 A instalação de infraestruturas
67
O Século, N.º 19528, 27/07/1936, p.1.
68
Id., Ibidem.
69
Aurélio Nuno Cabrita, “Há 80 anos: Presidente da República Óscar Carmona visitou
o Algarve em 15 de fevereiro de 1932”, htp://www.sulinformacao.pt/2012/02/ha-80-
anos-presidente-da-republica-oscar-carmona-visitou-o-algarve-em15-de-fevereiro-
de1932/, página consultada em 06/10/2015.
70
Correio do Sul, N.º 1632, 10/02/1949, p.4.
71
Diário de Lisboa, N.º 9521, 02/06/1949, p.1.
72
Diário de Lisboa, N.º 10096, 09/01/1951, p.4.
73
Amadeu Ferreira de Almeida, “O Algarve carece de Aviação Civil”, II Congresso
Regional Algarvio – resumo das teses, conferências e comunicações, Faro, 1950, p.33.
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 247

aéreas no Algarve vinha a ser discuida desde a década


de 1940 e seria uma realidade a 11 de julho de 1965,
com a inauguração do aeroporto de Faro.74
Em meados do século XX, as principais
infraestruturas rodoviárias previstas no século XIX
estavam concluídas. Todavia, o traçado sinuoso da
estrada do Caldeirão não consituía um acesso rápido
ao centro do Algarve.
É, desse modo, que a 6 de novembro de 1966, o
presidente da República Américo Tomás inaugura a
estrada entre S. Marcos da Serra e S. B. de Messines,
o primeiro troço de uma nova estrada projetada
entre Alvalade e o Algarve. A via, que seria aberta ao
trânsito na totalidade em julho de 1974, dotada de “um
traçado amplo, recilíneo e sem grandes acidentes”75,
veio eliminar os constrangimentos, quer da estrada de
Barranco do velho, quer do Espinhaço de Cão, tornando
o acesso à região mais fácil e rápido por encurtar a
distância com Lisboa em cerca de 60 km. Já em meados
da década de 1980 seria prolongada de S. B. Messines
por Tunes até às imediações de Ferreiras.
Ainda, em 1966, com a construção da ponte sobre
o rio Tejo em Lisboa, foi delineada uma autoestrada
de Lisboa ao Algarve, a qual seria concluída em julho
de 2002. Em 1991, foi inaugurada a ligação rodoviária
com a Espanha, com a construção da ponte sobre o rio
Guadiana, uma obra ainda propalada no estertor do
Estado Novo, no início da década de 1970. A ponte sobre
o Guadiana potenciou também a construção de uma via
longitudinal no Algarve, a Via do Infante, estabelecendo
a comunicação entre Castro Marim e Bensafrim em
peril de autoestrada, cuja construção se prolongou por
mais de uma década, icando concluída em 2003.
Em 2015 o Algarve dispõe de excelentes vias de
comunicação, essencialmente depois da eletriicação
da linha férrea em 2004 (ainda só até Faro) e da
abertura da nova variante ferroviária a Alcácer, bem
como da ampliação da aerogare, carecendo todavia de
infraestruturas portuárias, mormente para a atracagem
de grandes navios de cruzeiro. Neste campo destacam-
se as diversas marinas, como a de Vilamoura, ainda da
década de 1970 e, mais recentemente, as congéneres
de Lagos, Porimão e Albufeira, entre outros portos de

74
Aurélio Nuno Cabrita, “O Aeroporto de Faro foi inaugurado há 50 anos – dos
primórdios à concreização”, htp://www.sulinformacao.pt/2015/07/aeroporto-de-
faro-foi-inaugurado-ha50-anos-dos-primordios-a-concreizacao/, página consultada
em 06/10/2015.
75
Arménio Aleluia Marins, “O Algarve está mais perto do país”, Jornal do Algarve, N.º
905, 27/07/1974, pp.1, 6.
248 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

recreio. Na rodovia urge a concreização da ligação de


Bensafrim a Aljezur e Odemira, em peril de iinerário
complementar, enquanto no sotavento, a conclusão
da estrada de Alcouim a Albernoa, por Mértola, no
mesmo peril.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Algarve consituiu, até 1889, uma região remota
e estranha para a maioria dos portugueses. A chegada
do comboio veio permiir o acesso fácil a uma região
que, separada do Alentejo pela “intransponível” serra
algarvia, inha no mar e, consequentemente, no barco
o meio de transporte por excelência. Não obstante esta
contrariedade a construção da ferrovia dilatou-se pelo
tempo e o Algarve foi das úlimas regiões do país a ouvir
o silvo da locomoiva, uma obra que demorou mais de
duas décadas a concluir-se até Faro. No caso de Vila Real
de Santo António e Lagos seria necessário esperar mais
alguns anos, dezassete e trinta e três respeivamente.
Em termos de rodovia a situação não seria muito
diferente, iniciada na década de 1870, somente em
1932 o Algarve icou acessível de carro a parir de
Lisboa, pela estrada de Barranco do Velho. No contexto
regional as diíceis acessibilidades à serra prolongaram-
se praicamente aos nossos dias, enquanto no barrocal
e essencialmente no litoral estas foram implementadas
de uma forma mais célere. O desenvolvimento turísico
prognosicado em 1915, com o Congresso Regional
Algarvio, cujas conclusões os sucessivos governos
ignoraram, viria a ser uma realidade essencialmente a
parir da década de 1960, mas, mesmo assim, só em
1974 a região usufruiu de uma ligação rodoviária rápida
com Lisboa, com a conclusão da estrada de S. Marcos a
Ourique.
Convém salientar que o comboio foi o meio de
transporte terrestre por primazia até aos anos de 1980,
quando a rodovia o terá suplantado. Enquanto isso, já o
aeroporto, inaugurado em 1965, airmava o Algarve no
contexto europeu e mundial. Foi ainda de comboio que
se organizaram as primeiras excursões, fosse na própria
região ou a parir de Lisboa. Na década de 1930 surgem
também as excursões em autocarro, via Barranco do
Velho.
Não obstante o desenvolvimento potenciado pelo
turismo vaicinado em 1906, aquando da inauguração
do caminho de ferro em Vila Real de Santo António,
evidenciado no Congresso Regional, como referimos,
ou ainda, em 1922, na conclusão do ramal de Lagos,
AURÉLIO NUNO CABRITA AS VIAS DE COMUNICAÇÃO TERRESTRES NO ALGARVE E A SUA EVOLUÇÃO NOS ÚLTIMOS 170 ANOS 249

o Algarve e os algarvios raramente foram prioridade


para os conínuos governos, fosse na Monarquia
Consitucional, na República, no Estado Novo, ou
mesmo depois do 25 de Abril de 1974. A realidade é
que as principais infraestruturas básicas protelaram-se
no tempo e raras vezes foram objeto de inauguração
oicial. O comboio marcou indelevelmente o século XIX,
tal como o aeroporto foi a principal infraestrutura de
transporte construída no século XX na região.
Quanto à autoestrada essa somente aingiu o
Algarve em pleno século XXI, e até os 130 km da Via
do Infante se delongaram em construção durante 12
anos, injusiicáveis face ao avanço tecnológico das
úlimas décadas. Não fosse a pressão turísica e as
potencialidades inatas da região, bem como a riqueza
daí advinda, o Algarve dos nossos dias não seria muito
diferente daquele que José Estêvão descrevia na
Câmara dos Deputados em 1853, uma das regiões mais
atrasadas e esquecidas do país. Ao invés, por algum
mérito próprio e muito reconhecimento estrangeiro,
tornou-se numa região cosmopolita e procurada por
milhões de turistas que anualmente nos visitam, seja de
avião, de comboio ou de autocarro, e mais recentemente
através de cruzeiro.
Estrada da Fóia - Da Vila ao coropito
José Gonçalo Duarte

“(…) No Dia de Maio de 1945, a debandada da vila foi


para a novidade da Estrada da Fóia. Concluída (ou quase)
poucos dias antes de terminar a 2ª Grande Guerra, ainda hoje
não se tem a certeza do im em vista. Empolou-se a ideia de
estrada turísica quando, no Algarve, nem se sonhava ainda
que, alguma vez, pudéssemos ser um Reino Turísico. Dizia-
se à boca pequena, com medo de alguém ouvir, que era uma
estrada militar, construída com ins de vigia do oceano, e que
isso nos podia tornar num alvo bélico preferencial. Fosse para
que fosse, a verdade é que foi o polo de atracção desse Dia de
Maio e que toda a gente icou deslumbrada com o que viu. Os
assados comeram-se nos taludes, empoleirados na paisagem,
à beira de quem passava. E toda a gente se cumprimentava,
comentava a vista, apontava o horizonte e oferecia um copo
de bebida ou um naco de bolo (…)”.
Silva Carriço in Memória das Coisas, p. 181

Passados que estão cerca de 70 anos do im da


Segunda Guerra Mundial e da conclusão do ramal da
estrada que liga a vila de Monchique ao topo da Fóia,
ao Coropito, a poucos metros do marco geodésico que
assinala a alitude de 902 metros, duas referências
surgem inevitavelmente. Em primeiro lugar, o Congresso
Regional do Algarve, cujo centenário se comemora
em 2015, que terá dado um impulso fundamental
para o turismo da região, seguidamente, a igura do
engenheiro Duarte Pacheco, ministro das Obras Públicas
e Comunicações, que a três de dezembro de 1940
despachou favoravelmente o projecto para a referida
construção.
O Congresso Regional Algarvio foi uma das
iniciaivas que a sociedade civil organizou na chamada Figura 1 Marco quilométrico com a ideniicação
actual da estrada
252 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

l República e que representou um marco histórico na


relexão que o país precisava de fazer para se aproximar
do contexto europeu. Portugal vivia apenas há cinco anos
no novo regime republicano e necessitava de actualizar
as políicas, assumir a modernidade e descobrir formas
de equilibrar as contas públicas, sendo que o turismo
era uma dessas vias.
No relatório do Congresso Regional Algarvio,
publicado em 1915, no que às estradas e rede viária
dizia respeito airmava-se “(…) a serra, essa é duma
pobreza de meios de viação, que não se sabe como
melhor explical-a, se por abandono a que são votadas
essas miseras estações sertanejas, se á ignorância, se
á indiferença dos poderes superiores, pelo estado, em
que vivem esses desventurados habitantes da cadeia
de montanhas, que parindo da Foya de Monchique se
entendem à margem direita do Guadiana.”
Se tomarmos como exemplo a Revista de
Turismo, que se publicou quinzenalmente entre 1916
e 1924, em, praicamente, todas as edições se refere
o problema da má qualidade ou da inexistência de
estradas. Aleatoriamente, vimos um texto no nº 37 que
transcrevemos: “(…) a linha do Douro, não deve porém
o seu desenvolvimento às suas estradas, que são tão
deicientes que há muiíssimas estações a que só dão
acesso maus e ingremes caminhos (…)”, aliado à própria
frustração do ítulo do arigo: “Um Paiz sem estradas - o
cumulo do desleixo”.
Um ano e meio antes, em setembro de 1917, em
contraste, era visível a saisfação e a esperança no futuro
do mesmo ariculista, que no nº 29 da mesma Revista,
inha escrito o seguinte: “(…) Vae muito adiantada a
construção da estrada de Monchique a Saboia, ou seja a
de ligação da parte oeste do Algarve com a provincia do
Alemtejo. Esta estrada, que vae de Porimão, ás Caldas
de Monchique, Monchique a Saboia, galga o alto da serra
de Monchique, em curvas caprichosas que nos permite
ver a beleza selvagem da serra, numa das curiosidades
mais notáveis do Paiz. (…)”. A mencionada estrada, no
entanto, só foi concluída em 1931, permiindo agora
aquela ligação que se ansiava, quer com ins turísicos,
quer com o senido de facilitar os acessos às populações
das zonas por ela servida.
Como se sabe foi, no entanto, com o engenheiro
Duarte Pacheco que a rede viária nacional começou a
senir progressos no seu desenvolvimento. Em relação à
região algarvia sabe-se que, em 1934, o então Presidente
do Conselho, Oliveira Salazar, fez uma visita relâmpago
JOSÉ GONÇALO DUARTE ESTRADA DA FÓIA - DA VILA AO COROPITO 253

ao Algarve para se inteirar de perto das diiculdades


regionais e, poucos dias depois, foi a vez do Ministro
das Obras Públicas e Comunicações. Foram feitos os
levantamentos necessários, se mais invesimento não
houve, na altura, tal deveu-se à pouca capacidade
económico-inanceira das Câmaras algarvias, incapazes
de suportar projectos que não ivessem o apoio dos
capitais nacionais. Sabe-se, por outro lado, que o
próprio ministro lamentava esse facto em contactos
manidos com responsáveis e dirigentes regionais.
O dinamismo que se tentou implementar nas
infra-estruturas, quer na criação de novas, quer na
modernização das já existentes, criou condições para
que, em 1937, a C. P. começasse uma carreira de
camionetas de passageiros a parir da estação de Sabóia
até à Praia da Rocha, com o objecivo de também servir
os aquistas das termas das Caldas de Monchique.
Obviamente, a vila de Monchique beneiciava com esta
iniciaiva e foi certamente neste contexto que surgiu
o plano de construir um ramal da estrada nacional
nº 107, 2ª, que a ligasse ao Coropito da Fóia, com
início precisamente no largo principal, nascido com a
construção da referida estrada1.

Do Congresso inham decorrido 20 anos, no


entanto, abriam-se agora perspecivas para um
incremento do turismo versus desenvolvimento. O
papel dinamizador era assumido pelo ministro das
Obras Públicas e Comunicações, que apostava no
desenvolvimento das estruturas. Tanto que o ramal para
a Fóia foi construído em pouco tempo, já que o despacho
que aprovou o projecto tem a data de 3 de Dezembro de
1940, a ceridão da Direcção dos Serviços de Construção
é passada a 6 de Janeiro de 1941, sendo que é exarada
na Nota de Serviço nº 46 no dia seguinte. Em 15 de
Fevereiro de 1941, a mesma Direcção Geral faz sair a
Nota de Serviço nº 411 que informa da arrematação,
em 5 de Fevereiro, da empreitada para a construção do
lanço entre Monchique e Fóia.
A empreitada foi adjudicada ao empresário José
Ferreira Bento, de Lisboa, por 1.223.000$00 (um
milhão e duzentos e vinte e três mil escudos ou, como
popularmente se dizia, 1223 contos) com a data prevista
de conclusão de 31 de Janeiro de 1943. Durante os
primeiros meses de 1941, começaram as expropriações
e os trabalhos preliminares, sob responsabilidade
do engenheiro chefe da 10ª Secção, Faro, Joaquim
1
Documento com ítulo RAMAL DA ESTRADA NACIONAL Nº 107-2ª
254 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

Barata Corrêa. Em Julho de 1942, os mapas de pessoal


mostravam um volume impressionante de gente
envolvida que aingia o total de 4131 indivíduos.

Documento 1 Mapa de pessoal de 31 de Junho de 1942

Só esta realidade, enquanto durou, foi factor de


forte desenvolvimento local, quer como criação de
postos de trabalho, quer como geradora da necessidade
de apoios de vária ordem.

Documento 2 Tabela dos salários mínimos constante no caderno de encargos

Houve, no entanto, várias situações de conlito. No


processo consultado no Arquivo Distrital de Faro consta
alguma documentação e correspondência relacionadas
com reivindicações e tomadas de posição por parte de
alguns trabalhadores.

Documento 3 Informação à tutela da ocorrência de uma sublevação de


trabalhadores exigindo aumento de salários e redução de horários
JOSÉ GONÇALO DUARTE ESTRADA DA FÓIA - DA VILA AO COROPITO 255

No que concerne à estrada, o ramal com cerca


de oito mil metros de extensão, une dois pontos com
uma diferença de cota de aproximadamente 500
metros circundando uma montanha de sienito. A vista
é deslumbrante em todo o percurso e do planalto que
forma o topo, onde o marco geodésico marca os 902
metros de alitude, vislumbra-se sem grande esforço a
costa atlânica um pouco a norte de Sines até ao cabo
de S. Vicente que, contornado pelos olhares, permite,
por um lado, observar o Algarve até Faro e, por outro,
penetra no Alentejo até Beja, pelo menos.

Documento 4 Jusiicação da construção da estrada pelo enquadramento


paisagísico

Foi esta realidade que o visionário e práico Duarte


José Pacheco percebeu e integrou no seu projecto
nacional. Curiosamente, o Director dos Serviços de
Construção da Junta Autónoma de Estradas, à época, era
o engenheiro Jorge Arsénio de Oliveira Moreira, nascido
em Lagos, mas residente e abastado proprietário
em Monchique. Este ramal teve a inluência e acção
directa destes dois homens que izeram com que esta
estrada chegasse até aos dias de hoje e ainda cumpra os
objecivos iniciais, no mesmo traçado e com melhorias
muito circunstanciais, quase só de manutenção. O
ministro morreu trágica e prematuramente em 1943,
embora conste que visitou por mais de uma vez a
obra de Monchique, não viveu o suiciente para a ver
acabada.
Como mera curiosidade, a propósito das visitas do
engenheiro Duarte Pacheco a esta estrada, diz-se que
num dia de calor o ministro pediu um copo de água a
um habitante local, morador na zona, que aproveitou
256 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

para se queixar da pouca segurança da sua casa devido


ao desaterro que estava a ser feito. O governante ouviu
atentamente e deu instruções pessoais aos responsáveis
para que se izesse um muro de suporte, que ainda hoje
lá se pode encontrar e que icou conhecido por muro do
copo de água. Na realidade, no conjunto da documentação
relacionada com o ramal há o projecto, desenhos e
cálculos do muro designado como “do José de Belém”, este
projecto tem a data de 14 de Julho de 1942.
Figura 2 Muro do copo de água
A maior parte das chamadas obras de arte,
pequenos arranjos, alindamentos e acabamentos foram
feitas bastante mais tarde. Desde a vila até ao cimo da
Fóia há vários muros, pequenos pontos para paragem
e observação das vistas panorâmicas, há diversas
fontes e aquedutos, que nalguns casos estão datadas.
Como exemplo, refere-se, no arranque do ramal, em
S. Sebasião, uma terraplanagem que criou um largo
para a realização de feiras e mercados, assim como
um miradouro sobre a vila, o qual foi inaugurado com
pompa e circunstância em 1953. Também a Fonte das
Bicas, junto ao desvio para os síios de Maçarotal e Vale
Figueiras, onde se pode ler a data de 1966 e a sigla JAE
(Junta Autónoma de Estradas) que tutelava estas áreas,
é uma dessas construções.
O que torna digno de reparo estes trabalhos de
servenia e acabamentos é que obedecem a uma grande
unidade nos critérios da concepção e da construção.
Usam a pedra local trabalhada de forma artesanal, mas
Figura 3 Fonte das Bicas
com grande rigor geométrico e até com virtuosismo,
bem enquadrados na paisagem e funcionais.

Documento 5 Normas que deinem os materiais e as suas dimensões


JOSÉ GONÇALO DUARTE ESTRADA DA FÓIA - DA VILA AO COROPITO 257

Nota-se bem que houve programa deinido e o


sienito surge aqui aplicado, tal como aparece o granito
nas regiões do país onde este existe. Esta acção do
Estado Novo, no fundo, segue as mesmas regras
aplicadas para outras construções, como as escolas do
denominado Programa dos Centenários onde também
se inserem, numa acção mais relacionada com o
turismo, as Pousadas cuja primeira unidade, a de Elvas,
foi inaugurada em 1942. Neste mesmo ano, entrou em
funcionamento o aeroporto de Lisboa e para o Algarve
foi proposto um aeródromo com localização em Faro.
A Pousada de São Brás de Alportel surgiu em 1944, em
cujo projecto e início de construção o ministro Duarte Figura 4 Muro de suporte e respecivo acabamento
ao gosto da época
Pacheco interveio pessoalmente. Reconhece-se uma
matriz ideniicadora com ligações aos materiais e
formas mais caracterísicas do local nas construções, em
simultâneo com uma forte aposta no desenvolvimento
da rede viária.
Em conclusão, o acesso para a Fóia foi construído
no âmbito de um projecto delineado e executado pelo
então ministro das Obras Públicas e Comunicações,
engenheiro Duarte José Pacheco, com o objecivo
de dinamizar o turismo, acividade promotora do
desenvolvimento.

Figura 5 Um dos vários aquedutos de drenagem


das águas pluviais

Documento 6 Jusiicação inequívoca da construção da estrada da Fóia para


ins turísicos

Setenta anos depois a mesma estrada coninua a


servir o local, que as estaísicas turísicas dizem ser,
imediatamente a seguir a Sagres, o segundo ponto mais
visitado do Algarve.
Neste coropito também se inspirou o poeta Leonel
Neves
No alto da serra
de Monchique não
há meta nem rota
Acaba-se a Terra...
(A Terra é um pião
e a Fóia a corota)
258 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

(…)

Lá dormem as nuvens
lá moram os ventos
e poisam estrelas
(…)

(…)
O sol traz com ele
os longes que viu
o mar é tão grande
do alto daquele
mirante algarvio.

(…)
Que lá vê a gente
a nau dos milagres
que é todo o Algarve e a
proa em São Vicente
e a bússola em Sagres
(A Fóia é a gávea.)

in Algarve todo o mar (colectânea publicada no âmbito de Faro


Capital da Cultura)

Figura 6 Em cada troço da estrada da Fóia descobre-se uma paisagem deslumbrante


JOSÉ GONÇALO DUARTE ESTRADA DA FÓIA - DA VILA AO COROPITO 259

BIBLIOGRAFIA:

Processo JAE 165, Arquivo Distrital de Faro, Vol. 1 e Vol. 2


Revista de Turismo, 1916-1924 (vários números)

AAVV, Pousada de São Brás, Casa da Cultura António Bentes, Loulé, 2015.
GASCON, José António Guerreiro, Subsídios para a Monograia de Monchique, Algarve em
Foco, Faro, 1993.
CARRIÇO, Silva, Memória das Coisas, O Monchiqueiro-GDC, Loulé, 2008.
TORGAL, Adosinda Providência e FERREIRA, Madalena Torgal, Algarve todo o mar
(colectânea), Dom Quixote, Lisboa, 2005.
CABRITA, Aurélio Nuno, A crise no Algarve em 1934 e a visita de Oliveira Salazar, www.
sulinformacao.pt, (acedido em 16 de maio de 2015).
O aeroporto de Faro como infraestrutura
principal do desenvolvimento turísico da região
António Correia Mendes

O Algarve é hoje em dia um


desino turísico de renome mundial,
tendo esta região na úlima metade
do século passado evoluído de forma
muito vincada duma economia
primordialmente associada ao setor
primário, agricultura e pescas, para
uma economia quase totalmente
associada ao setor terciário,
indústria do turismo.
Se, para além das caracterísicas
naturais, procurássemos as razões
subjacentes a essa rápida evolução
certamente que encontraríamos
como facto marcante e decisivo a
inauguração e início da operação
do Aeroporto de Faro, em julho de
1965.
Mas a história do Aeroporto
de Faro remonta a 1945, altura
em que o Governador Civil de Faro
recebeu um telegrama do diretor
do Secretariado da Aeronáuica
Civil, gen. Humberto Delgado,
comunicando-lhe terem sido
aprovadas a construção dum campo
de aviação no síio da Arábia,
concelho de Faro, e a elaboração do
respeivo projeto.
No entanto, fatores
burocráicos e de ordem económica
forçaram o atraso no invesimento,
262 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

o qual veio a ser retomado apenas


no âmbito do 2º Plano do Fomento
(1959-1964), tendo o início das
obras ocorrido em 1962.
A inauguração do Aeroporto
de Faro efetuou-se às 9:59H do dia
11 de Julho de 1965 com a chegada
dum DC-3 Dakota de matrícula CS-
DGA pertencente à aniga DGAC
(Direção Geral de Aeronáuica Civil),
a que se seguiu um Lockheed Super
Constelaion L-10149 G da TAP,
proveniente de Lisboa.
Foi este um evento marcante
para os Farenses e Algarvios,
que acorreram maciçamente ao
aeroporto para assim pariciparem
nesta ocasião tão importante para o
desenvolvimento da região.
Apesar da aerogare deiniiva
ter sido terminada apenas em 1967,
logo no dia 15 de julho de 1965 a
TAP iniciou a ligação bissemanal
entre Lisboa e Faro, dando-se
assim início ao tráfego regular no
Aeroporto de Faro.
Desde então as melhorias da
infraestrutura têm sido regulares,
respondendo ao constante
aumento da procura turísica na
Região do Algarve.
Estas melhorias iveram maior
expressão no desenvolvimento
ocorrido nos anos 80 do século
passado, tendo a imagem de marca
desse desenvolvimento sido a
construção de um novo ediício
terminal, inaugurado em outubro
de 1989.
A este desenvolvimento
seguiu-se um outro no inal do
século passado, que permiiu,
por um lado, expandir o ediício
terminal, incluindo a instalação de
pontes telescópicas para docagem
das aeronaves, e, por outro, criar
as infraestruturas para a instalação
dum importante equipamento de
ANTÓNIO CORREIA MENDES O AEROPORTO DE FARO COMO INFRAESTRUTURA PRINCIPAL DO DESENVOLVIMENTO TURÍSTICO DA REGIÃO 263

segurança da navegação aérea, o ILS


(Instrument Landing System).
Dando coninuidade à
melhoria das infraestruturas,
encontra-se atualmente em curso
um Plano de Desenvolvimento
que terá como principal símbolo a
renovação e ampliação do ediício
terminal. Este conjunto de obras de
desenvolvimento, cuja conclusão se
prevê para 2017, dotará o aeroporto
duma capacidade para processar
3 000 passageiros por hora, em
cada senido, e 30 movimentos de
aeronave por hora (a capacidade
atual é de 2400 passageiro por hora,
em cada senido, e 24 movimentos
de aeronave por hora).
Nos seus quase 50 anos de vida
o Aeroporto de Faro já processou
mais de 133 milhões de passageiros
e mais de 1 milhão de movimentos
aeronaves, tendo os números
relaivos a 2013 sido de 5 983 345
de passageiros e de 43 644 de
movimentos de aeronaves.
Mas a evolução do Aeroporto
de Faro é retratada de forma
evidente na evolução dos seus
passageiros, nomeadamente no
destaque que é dado no alcançar dos
milhões de passageiros processados
por ano:

Ano Passageiros

1981 1 001 336


1986 2 121 639
1991 3 345 446
1998 4 117 016
2006 5 089 617

Será ainda em 2014, em


plena comemoração do seu 50º
aniversário, que o Aeroporto de
Faro irá aingir mais uma importante
marca da sua história, ao processar
mais de 6 milhões de passageiros
neste mesmo ano.
264 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

É este dinamismo existente, associado ao constante


aumento da procura, que determinará seguramente
o coninuar do crescimento desta infraestrutura,
assegurando-se dessa forma a manutenção desígnio
subjacente à sua construção, que foi o de contribuir
decisivamente para o desenvolvimento do Algarve e do
seu turismo.
265

O Turismo como fator de Crescimento Regional:


a noção de “BeachDisease”1
João Romão I João Guerreiro I Paulo M. M. Rodrigues

1. INTRODUÇÃO1
Os impactos económicos e sociais que as aividades
de turismo geram nas regiões têm sido, nas úlimas
décadas, amplamente estudados, com diferentes
objeivos e metodologias.
Essas análises podem ser centradas no impacto
de um projeto especíico de invesimento (eventos,
iniciaivas promocionais, novos serviços ou novas
infraestruturas), geralmente a nível local ou regional,
envolvendo insituições públicas ou privadas, e
desinam-se a apoiar o processo de decisão ou de
avaliação dos efeitos associados a essas escolhas
especíicas. Modelos econométricos, como a Análise
de Input-Output e modelos equilíbrio geral computável
(CGE), são amplamente uilizados para esses ins.
Dwyer et al (2004) apresentam uma revisão exausiva
da literatura sobre esta matéria. Os mesmos autores
analisaram igualmente o uso desses modelos com a
inalidade de avaliar os impactos do crescimento do
turismo noutros sectores económicos, designadamente
estudando os níveis regionais de emprego e rendimento
(Dwyer et al, 2003).
Numa perspeiva mais ampla, os impactos do
turismo podem também ser analisados por via dos seus
efeitos sobre o crescimento económico. A possibilidade
de entender o turismo como líder do crescimento
regional tem sido abordada numa ampla ipologia
de estudos, resumidos por Brida & Pulina (2010) e
Shubert & Brida (2011). Existe um consenso geral sobre
1
Este arigo retoma algumas das relexões e conclusões elaboradas em: Romão,
J:; Guerreiro, J.; Rodrigues, P. (2015) “Tourism growth and regional resilience:
the ‘BeachDisease’ and the consequences of the global crisis of 2007” (em
publicação).
266 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

os efeitos posiivos do turismo como impulsionador


do crescimento económico, apesar das diferentes
metodologias adotadas (séries temporais, seção
transversal ou modelos de dados em painel). Estes
impactos posiivos foram ideniicados a nível regional,
por exemplo, em Trenino, Itália (Risso et al, 2010) ou
nos diferentes países onde o turismo desempenha um
papel importante nas economias nacionais, como a
Espanha (Balaguer & Cantavella-Jordá, 2002), a Espanha
e a Itália (Cortes-Jimenes & Pulina, 2010), a Grécia
(Dritsakis, 2004; Eeckels et al, 2012), um conjunto de
sete países mediterrânicos (Dritsakis, 2012), Taiwan
(Kim et al, 2006) ou Taiwan e a Coreia (Chen & Chiou-
Wei, 2009). Nowak et al (2007) sublinham a importância
do turismo como setor exportador de serviços, o que
permite inanciar a importação de bens de capital e
apoiar o crescimento económico.
No entanto, Capo et al (2007a), concentrando sua
análise sobre os efeitos a longo prazo do desenvolvimento
do turismo nas Ilhas Canárias (Espanha), concluíram que
o impacto do turismo tende a reduzir a importância de
outros setores económicos regionais, como resultado
da transformação da estrutura económica regional
decorrente da mobilização e canalização de recursos para
o desenvolvimento do turismo. Resultados semelhantes
foram obidos por Adamou & Clerides (2009) num
estudo que envolveu 162 países (1980-2005). Neste
estudo, os autores concluíram que o potencial dos
processos de crescimento liderado pelo turismo tem
uma tendência para se reduzir com o tempo. Também a
análise de um grande conjunto de países em diferentes
coninentes levou Lee & Chang (2008) a obter resultados
mais ambíguos no que respeita aos impactos do turismo
no crescimento económico, com resultados diferentes
para diferentes países. Contudo, Tang & Jang (2009) não
encontraram, para os Estados Unidos, nenhuma relação
signiicaiva entre as aividades relacionadas com o
turismo e o crescimento económico.
É importante notar que a maioria dos referidos
estudos se concentrou num período de crescimento
económico relaivamente estável, designadamente no
que respeita ao setor do turismo. Esta situação alterar-
se-ia com a crise inanceira internacional de 2007 e
com as suas implicações económicas e sociais. Vários
autores analisaram recentemente as consequências
deste novo ciclo. Por exemplo, Smeral (2009) ideniicou
uma queda relevante nas aividades de turismo no
coninente europeu em 2008. Song & Lin (2010)
JOÃO ROMÃO I JOÃO GUERREIRO I PAULO M. M. RODRIGUES O TURISMO COMO FATOR DE CRESCIMENTO REGIONAL: a noção de “BeachDisease” 267

chegaram a resultados semelhantes em matéria de


turismo, nas paridas e chegadas registadas nos países
da Ásia. Por outro lado, Caletrío (2012) ideniicou
alterações importantes no comportamento dos turistas
britânicos, concluindo que as visitas ao estrangeiro se
reduziram drasicamente em 2008, após um longo
período (25 anos) de crescimento conínuo. No entanto,
a Organização Mundial de Turismo (UNWTO, 2014)
esimou um aumento de 5%, em 2013, nas chegadas de
turistas internacionais, aingindo um recorde, em todo o
mundo, de 1.087 milhões de chegadas, acima dos 1.035
milhões registados em 2012. Recorde-se que foi neste
úlimo ano que o patamar de 1.000 milhões foi, pela
primeira vez, ultrapassado. Apesar da economia global
se caracterizar, na atualidade, por uma ‹marcha lenta›,
a procura global do turismo internacional superou
as expectaivas, com um adicional de 52 milhões de
turistas internacionais em 2013.
Outro aspeto importante, que se deve ter em
consideração, refere-se ao efeito potencial gerado pelo
turismo no senido de aumentar a procura e produção
de bens não transacionáveis ou de reforçar os processos
de acumulação de capital nas aividades de turismo, o
que pode contribuir para a desindustrialização regional
e provavelmente, a longo prazo, para a redução do
bem-estar na região. Esta questão foi levantada por
Copeland (1991) e Chao et al (2006) e está ideniicada
através do conceito de “DutchDisease” (Corden,
1984): um processo de desindustrialização (declínio
nas aividades de produção de bens transacionáveis)
em resultado de uma economia baseada na sobre-
exploração de recursos naturais, situação que provoca
o aumento da importância dos produtos e serviços não
transacionáveis.
O conceito de “DutchDisease” foi aplicado
ao turismo por Capó et al(2007b) que analisou os
possíveis efeitos desta “doença” em duas regiões
espanholas altamente especializados em turismo (Ilhas
Baleares e as Ilhas Canárias). Este autor admite que
as vantagens comparaivas decorrentes da existência
de recursos naturais especíicos e atraivos (sol e
praia) podem promover uma sobre especialização nas
aividades relacionadas com o turismo, garanindo um
aumento de receitas no curto prazo, mas gerando uma
transferência do dinamismo empresarial dos setores
transacionáveis (agricultura e indústria) para os setores
não transacionáveis (serviços diversos e construção),
com consequências negaivas a longo prazo. Os
268 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

autores concluíram que a reorganização das economias


regionais em ambas as ilhas, ao longo das úlimas
décadas, levou a um processo de desindustrialização
(afetando a industria e também as aividades agrícolas),
provocando uma diminuição da riqueza regional e uma
simpliicação da estrutura económica regional.
Apesar destes resultados, não há evidências claras
na literatura de que o crescimento do turismo tenha
uma relação direta com o declínio da agricultura ou
da indústria. Na verdade, mais recentemente, Holzner
(2011) também analisou a relação entre o turismo
e o crescimento económico em 134 países a im de
testar a existência de uma “doença” (um processo de
desindustrialização relacionado com o desenvolvimento
do turismo, com base no conceito da “DutchDisease”)
e concluiu que os países dependentes do turismo não
sofreram processos de desindustrialização em resultado
do crescimento do turismo entre 1970 e 2007. Este
autor indica que a infraestrutura instalada pode facilitar
o crescimento de outros sectores, em paricular do
sector dos bens transacionáveis.
O presente trabalho está focado na região do Algarve
e analisa as inter-relações entre os sectores económicos
regionais ao longo de 18 anos (1995-2012). Pretende-se
ideniicar o impacto que o turismo gerou sobre os outros
setores. Na verdade, o turismo desempenha um papel
cada vez mais importante na economia portuguesa: de
acordo com o Eurostat, 25% do emprego concentrou-se,
em 2000, no setor que inclui as principais aividades de
turismo (comércio por grosso e a retalho, transportes,
aividades de alojamento e restauração; informação
e comunicação). Este valor aingiu, em Portugal e em
2010, 29%. Para a região do Algarve, esses valores
são ainda maiores: 39% em 2000 e 41% em 2010. O
Algarve, sendo um importante desino turísico europeu
de sol e mar, com mais de 14 milhões de dormidas
nos estabelecimentos hoteleiros regionais em 2012,
contrasta com uma população residente que não ainge
os 500.000 habitantes. No contexto da crise internacional
de 2007, a região sofreu um impacto relevante nas
aividades de turismo. Esse choque externo negaivo teve
consequências importantes acrescidas sobre a estrutura
económica regional e graves consequências sociais,
com o desemprego a aingir níveis sem precedentes e a
revelar uma economia regional com reduzida capacidade
de resiliência (Pike et al, 2010; Marin, 2012).
O conceito de resiliência foi recentemente uilizado
de forma diferente na análise das economias regionais,
JOÃO ROMÃO I JOÃO GUERREIRO I PAULO M. M. RODRIGUES O TURISMO COMO FATOR DE CRESCIMENTO REGIONAL: a noção de “BeachDisease” 269

referindo-se ao processo de reajuste sofrido por um


sistema após este ser sujeito a uma perturbação externa
ou um choque. Este processo pode ser analisado usando
duas metáforas: uma baseada na ísica (“resiliência de
engenharia”, assumindo que o sistema irá retornar ao
seu estado inicial de equilíbrio após um choque externo)
e outra suscitada pela ecologia (a “resiliência ecológica”,
admiindo a possibilidade de um sistema alcançar uma
coniguração diferente, após ser submeido a uma
perturbação externa) (Modica & Reggiani, 2014 ou
Reggiani et al, no prelo). Marin (2012) acrescenta a
esta análise o conceito de “histerese”, sugerindo que
o processo de recuperação, depois de um choque,
depende também do comportamento e da estrutura
interna que caracterizavam o sistema antes de sofrer
uma perturbação externa, abrindo a possibilidade
de múliplos estados de equilíbrio “pós-choque” e
enfaizando a importância da evolução dos úlimos
momentos no processo de adaptação do sistema
perante as consequências do impacto externo.
É importante ideniicar os efeitos que o
desenvolvimento do turismo introduziu na estrutura
económica regional e analisar como é que estes impactos
contribuíram para reforçar (ou não) a capacidade de
recuperação perante um choque exógeno. Uma breve
caracterização das aividades turísicas regionais
do Algarve - incluindo uma análise dos objeivos
estratégicos previstos para o desenvolvimento do
turismo e adotados pelas autoridades regionais - será
apresentada na seção 2. Na seção 3, a aividade turísica
será enquadrada no contexto mais amplo da estrutura
económica regional, a im de analisar os impactos
setoriais sofridos por cada setor da economia regional.

2. TURISMO, ECONOMIA REGIONAL E OS


EFEITOS DA CRISE ECONÓMICA INTERNACIONAL
A importância do turismo para a economia
regional do Algarve está releida no papel assumido
por este sector nos planos de desenvolvimento regional
elaborados ao longo dos úlimos 20 anos (1994-1999;
2000-2006; e 2007-2013). As estratégias regionais
deinem diretrizes para o desenvolvimento do turismo na
região e analisam também os impactos esperados sobre
os outros setores da economia regional. A Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve
(CCDR-Algarve) é a insituição pública responsável pela
elaboração dos documentos deinidores das estratégias
regionais estabelecidas para aqueles períodos.
270 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

A estratégia de desenvolvimento regional para


1994-1999 (CCR-Algarve, 1994) deiniu três objeivos
gerais: 1) contrariar a tendência para que o turismo se
tornasse o pólo exclusivo de apoio à economia regional;
2) reforçar o potencial de exportação da agricultura e das
pescas; e 3) contribuir para o surgimento de outros dois
pólos no seio da economia regional, relacionados com os
produtos industriais de alto valor acrescentado e com os
serviços especíicos avançados. Esta formulação expressa
uma clara preocupação, reconhece o domínio das
aividades de turismo na relação com os outros setores
económicos no Algarve e teve como objeivo aumentar a
diversiicação sectorial da economia regional.
Os eixos prioritários de intervenção deinidos
para esse período revelaram, por isso, objeivos de
diversiicação da economia regional: requaliicação
do turismo; desenvolvimento de serviços de turismo
avançados; recuperação de setores tradicionais da
economia regional; fomento de aividades industriais
com elevado valor acrescentado e orientadas para a
exportação; desenvolvimento de serviços avançados;
reforço da compeiividade urbana no contexto nacional
e ibérico; mobilização de recursos endógenos para
o desenvolvimento local; qualiicação dos recursos
humanos; modernização de infraestruturas; promoção da
qualidade de vida e melhoria das condições ambientais.
Esta perspeiva, orientada para um desenvolvimento
equilibrado baseado noutros setores económicos,
diferentes do turismo, foi alterada de forma signiicaiva
na Estratégia de Desenvolvimento para a Região do
Algarve 2000-2007 (CCR-Algarve, 2000). Neste caso, as
aividades de turismo e lazer foram ideniicadas como
alavancas capazes de dinamizar as aividades tradicionais
relacionadas com a agricultura, pescas e indústrias, e
outras aividades inovadoras conexas, antevendo-se
que poderiam contribuir para ampliar o alcance de suas
cadeias de valor. Por conseguinte, a economia regional
deveria centrar-se num processo de especialização
em turismo, encarando este setor como um conjunto
complexo de aividades, mas permiindo reforçar as
ligações com outros sectores (agroalimentar, construção,
equipamento domésico, comércio a retalho, logísica,
serviços de saúde, lazer, cultura e animação).
Embora o documento não forneça esimaivas
quanitaivas para os impactos provocados pelo
desenvolvimento do turismo noutras aividades, ele
especiica, contudo, que os seguintes setores deveriam
poder beneiciar do desenvolvimento do turismo na
JOÃO ROMÃO I JOÃO GUERREIRO I PAULO M. M. RODRIGUES O TURISMO COMO FATOR DE CRESCIMENTO REGIONAL: a noção de “BeachDisease” 271

região: agricultura, pesca e processamento de alimentos;


construção; aividades de apoio (markeing, qualidade,
design, gestão ou manutenção de infraestruturas e
espaços públicos; serviços de proximidade; comércio
especializado; património e cultura).
O papel central do turismo como motor de
desenvolvimento regional, com impactos importantes
sobre outros setores, também foi assumido na Estratégia
de Desenvolvimento do Algarve 2007-2013 (CCDR-
Algarve, 2006). O primeiro eixo estratégico proposto
pretendia «diversiicar e qualiicar o cluster de turismo-
lazer”, assumindo que essas aividades deveriam
estar na base da estratégia de desenvolvimento
regional, admiindo que este sector geraria dinâmicas
intersectoriais simultâneas, com elevada expressão
económica. Novamente, não houve então quaniicação
dos impactos esperados, mas a estratégia admiia que
outros setores poderiam beneiciar do desenvolvimento
do turismo.
O documento de estratégia para este úlimo período
airmava também que «a ligação entre a agricultura
e o turismo era essencial para alcançar ganhos de
produividade em ambos os sectores» e deine algumas
das principais orientações para o desenvolvimento do
turismo com o objeivo de reforçar as suas ligações
com outras aividades: diversiicação dos produtos
turísicos; criação de novos produtos para evitar a
sazonalidade; desenvolvimento de produtos inovadores
para o inverno, como o golfe e outros relacionados com
cuidados de saúde; diversiicação temáica e territorial,
incluindo as aividades tradicionais em áreas não-
costeiras; reforço da atraividade dos recursos naturais;
criação de uma imagem amiga do ambiente e reforço do
turismo náuico ligado à qualiicação urbana.
Apesar destes objeivos estratégicos, o turismo no
Algarve mantém-se concentrado no período de Verão
(75% das dormidas em 2012 foram registadas entre abril
e setembro e 60% entre junho e setembro), o que sugere
que a diversiicação esperada não terá ocorrido. Por outro
lado, maniveram-se também os principais mercados
emissores: a Alemanha (1,37 milhões), os Países Baixos
(1,43 milhões), o Reino Unido (4,53 milhões) e Portugal
(3,52 milhões) foram os responsáveis por 75,5% das
dormidas na região, em hotéis e estabelecimentos
similares. Na verdade, estes têm sido os principais
mercados emissores ao longo da úlima década e já
representavam 73,8% das dormidas em 2004.
272 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

3. METODOLOGIA
A análise realizada recorreu às informações
existentes (1995-2012) sobre o emprego e o valor
acrescentado bruto (VAB) regionais, variáveis que, para
simpliicar a análise, foram sectorialmente agregadas
em quatro sectores económicos:
Sector A correspondente à maioria dos produtos
transacionáveis, incluindo a agricultura, pesca,
indústrias extraivas e transformadoras;
Setor B correspondente à construção;
Setor C representando as aividades relacionadas
ao turismo e lazer, incluindo o alojamento, restauração,
transportes e comércio a retalho;
Setor D inclui os outros serviços não transacionáveis,
designadamente as aividades imobiliárias, tecnologias
de informação e comunicação, design, educação, artes,
cultura ou administração pública.
A análise da evolução do VAB regional permite
airmar que, na estrutura económica do Algarve, os
setores C e D eram já dominantes em 1995. Contudo,
a importância destes dois setores foi aumentando até
2012, a que correspondeu a uma diminuição signiicaiva
da importância do setor de bens transacionáveis (A).
Em termos de emprego, os sectores C e D também são
claramente dominantes, mas sua importância manteve-
se estável durante o período em análise. Na verdade,
admite-se que a construção (setor B) foi o setor que
absorveu os trabalhadores do setor A.
As informações relacionadas com a variação
regional do valor acrescentado bruto (VAB) entre 1995 e
2012, e do emprego entre 1995 e 2011 foram uilizadas
para esimar dois modelos Bayesianos de Auto-regressão
Vetorial (BVAR) a im de ideniicar os impactos cruzados
de cada setor económico nos outros2. Combinando os
resultados obidos em ambos os modelos é possível
ideniicar alguns impactos relevantes. Os dados
disponíveis (série anual desde 1995) impõem alguns
limites para o modelo que se aplicou, pelo que se optou
por reduzir os setores em análise a quatro grandes
áreas de aividade. Para garanir a validade dos modelos
esimados, estes foram sujeitos a vários testes de
diagnósico (de autocorrelação e heterocedasicidade)
para validação dos seus resultados.

2
A metodologia, a explicação do modelo e o desenvolvimento da análise estão
disponíveis em: Romão, J.; Guerreiro, J.; Rodrigues, P. (2015) “Tourism growth and
regional resilience: the ‘BeachDisease’ and the consequences of the global crisis of
2007” (em publicação).
JOÃO ROMÃO I JOÃO GUERREIRO I PAULO M. M. RODRIGUES O TURISMO COMO FATOR DE CRESCIMENTO REGIONAL: a noção de “BeachDisease” 273

4. RESULTADOS
Os resultados relevantes, esimados pelo modelo
BVAR, com base no emprego regional, são signiicaivos.
Considerando igualmente os resultados obidos por Capó
et al (2007b), é plausível esperar um impacto posiivo
do turismo (C) sobre os serviços não transacionáveis (D)
e um impacto posiivo desse setor sobre as aividades
de construção (B). Os resultados da análise realizada
sobre o Algarve conirmam essas expectaivas: é
possível observar que as aividades relacionadas com
o turismo (C) iveram realmente um grande impacto
posiivo sobre o emprego gerado pelas aividades de
construção (B) e, em menor medida, nos serviços não
transacionáveis (D). Além disso, este úlimo sector (D)
parece ter um forte impacto no sector da construção
(B) e também no turismo (C). Finalmente, o sector da
construção (B) tem impactos posiivos relevantes sobre
o turismo (C) e os serviços não transacionáveis (D).
Estes resultados revelam a existência de
mecanismos de reforço mútuo entre os três sectores
(construção, turismo e serviços não transacionáveis),
jusiicando a importância que, em termos de emprego
regional, eles adquiriram ao longo dos úlimos 20 anos,
em paralelo com o crescimento das aividades de
turismo. Os resultados também mostram que o setor
de bens transacionáveis (A) é completamente excluído
deste processo, não recebendo qualquer impacto
posiivo do desenvolvimento dos outros sectores da
economia regional e levando até a uma deterioração
do emprego na agricultura, na pesca e na produção
industrial.
Os resultados do modelo BVAR foram igualmente
trabalhados para o valor acrescentado bruto (VAB) da
região do Algarve. Detetou-se uma estrutura muito
semelhante com os impactos sofridos no emprego. Os
resultados mostram que as aividades relacionadas com
o turismo (sector C) têm um impacto posiivo sobre
o VAB criado pelo serviços não transacionáveis (D),
enquanto que os impactos sobre a construção não são
estaisicamente relevantes. No entanto, é mais uma
vez claro que o setor dos serviços não-transacionáveis
(D) gerou impactos posiivos sobre a construção (B) e
turismo (C), enquanto a construção (B) gerou impactos
posiivos sobre o turismo (C) e nos serviços não
transacionáveis (D).
Assim, é possível concluir que os mecanismos de
reforço mútuo entre a construção, o turismo e os serviços
não transacionáveis, anteriormente ideniicados para
274 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

o emprego regional, estão também presentes quando


se analisa o VAB regional, conirmando que o sector
dos bens transacionáveis (A) é excluído das dinâmicas
sectoriais regionais, não beneiciando dos impactos do
desenvolvimento registado nas outras aividades.
Estes impactos mostram o isolamento do sector
dos bens transacionáveis em relação à dinâmica
dos outros sectores. A dinâmica regional resulta
fundamentalmente dos mecanismos de reforço mútuo
que se estabelecem entre construção, do turismo e
os serviços não transacionáveis, que são claramente
expressas tanto em termos de emprego como de valor
acrescentado bruto (com exceção dos impactos do
turismo sobre a construção, que só são relevantes em
termos de valor acrescentado).

5. CONCLUSÃO
Estes resultados revelam uma distorção importante
da economia regional do Algarve, decorrente da
importância do turismo e dos seus impactos, com
consequências negaivas na estrutura económica,
agravada após o choque externo negaivo (neste caso, a
crise internacional que ocorreu após 2007). Na verdade,
o crescimento conínuo do turismo registrado nas duas
décadas em análise não teve efeitos signiicaivos sobre
a produção de bens transacionáveis na região (incluindo
neste grupo a agricultura, a pesca, o processamento
de alimentos e outras aividades industriais, como a
construção naval) setores que iveram, no passado, uma
signiicaiva expressão na região e que registam, ainda,
um elevado potencial (recursos, conhecimento).
Os referidos resultados sugerem que as
preocupações expressas pelo Capó (2007b) para o
futuro desenvolvimento das regiões espanholas das
Canárias e Baleares (altamente especializada em
aividades de turismo) podem ser ideniicados na
situação atual da região do Algarve. Na verdade, a
concentração dos efeitos posiivos do turismo sobre
o emprego dos serviços não transacionáveis e das
aividades de construção está ligada a um processo
dinâmico de evolução da economia regional em que
estes três setores se foram alimentando uns aos outros
ao longo dos úlimos 20 anos. De uma forma muito
semelhante, estes efeitos são também observados
quando analisamos o VAB regional.
Como resultado, o setor da construção assumiu
uma importância crescente na estrutura de emprego
regional durante estas duas décadas, reconhecendo-se
JOÃO ROMÃO I JOÃO GUERREIRO I PAULO M. M. RODRIGUES O TURISMO COMO FATOR DE CRESCIMENTO REGIONAL: a noção de “BeachDisease” 275

contudo que o seu contributo para o valor acrescentado


regional não aumentou numa proporção similar. O
emprego neste sector diminuiu drasicamente depois de
2008 e não foi absorvido pelos outros setores, levando
a um aumento dramáico na taxa de desemprego
regional e revelando uma ausência de resiliência
regional contra um choque externo negaivo. Estes
resultados conirmam as tendências ideniicadas pela
Milio (2014), ou seja, que as regiões que são altamente
especializadas em turismo ou no setor da construção
tendem a ser menos resilientes em relação à sua
capacidade de recuperação após o choque externo da
crise internacional em 2007.
Esta análise mostra que o que se poderá
designar como “BeachDisease”, por analogia com
a “DutchDisease”,deverá caracterizar a região de
Algarve no período em análise. De facto, o setor
de bens transacionáveis não beneiciou com a
dinâmica dos outros setores da economia regional,
sofrendo, pelo contrário, uma signiicaiva diminuição
da sua importância ao longo das duas úlimas
décadas. Por outro lado, o reforço do processo de
concentração da economia regional em três setores
estreitamente relacionados (turismo, construção e não-
transacionáveis) aumentou a vulnerabilidade da região
em relação a um eventual choque externo negaivo e
reduziu a sua capacidade de resiliência (Neke, 2009).
Também é possível concluir que o papel expectável
do turismo como o “motor” do crescimento regional,
por via dos seus potenciais impactos nos outros setores,
não ocorreu como se inha admiido nos planos de
desenvolvimento regional deinidos para 2000-2006
e para 2007-2013. A integração setorial exigiria a
promoção de uma estratégia cruzada de áreas de
negócio e a irme adoção de políicas públicas capazes
de incenivar melhores relações e fortes ligações entre
todas as aividades, evitando um padrão de crescimento
segmentado e arquipelágico.
O facto destes objeivos estratégicos, atribuíveis
ao desenvolvimento regional, não terem sido
alcançados sugere que não é suiciente admiir que
elevadas taxas de crescimento no setor do turismo
poderão, por si só, gerar impactos posiivos sobre a
economia regional. Pelo contrário, são necessárias
ações mais especíicas, nomeadamente concebendo
políicas públicas regionais mais intervencionistas, que
garantam que outras aividades regionais (incluindo
produção agrária e algumas produções industriais)
276 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

beneiciem efeivamente com o desenvolvimento do


turismo (Romão et al, 2013). Estes resultados mostram
também que uma sobre-especialização em aividades
relacionadas com o turismo e com os sectores não
transacionáveis não são, por si só, um contributo
sustentável para a coesão social regional, sugerindo-se
que outros setores necessitem igualmente de políicas
e ações especíicas, independentemente do que ocorre
no setor de turismo.
Seguindo a abordagem ecológica da resiliência,
o processo de recuperação não vai, provavelmente,
conduzir a região a um estado de equilíbrio
semelhante à situação existente antes deste percurso
de especialização. Na verdade, está claramente
demonstrado que o desenvolvimento do turismo foi
responsável inequívoco pela criação de riqueza e de
emprego, mas também contribuiu para gerar uma
distorção na estrutura da economia regional, que
adotou uma dinâmica diferente da que era defendida
nas metas do desenvolvimento regional, deinidas
nos planos estratégicos. Os resultados reletem uma
falta de resiliência regional e sugerem que o processo
de recuperação implica uma reorganização do
sistema económico regional («resiliência adaptaiva»,
como deinido por Marin, 2012), a im de alcançar
um equilíbrio diferente do que exisia no início do
período considerado. Este novo equilíbrio depende da
capacidade da região para explorar novas oportunidades
de desenvolvimento, mobilizando seus recursos
para aividades inovadoras que podem transformar
os padrões regionais de especialização e absorver a
força de trabalho desempregada (jovens, em grande
medida). Depende igualmente da deinição de políicas
públicas regionais que, sem deixar de atuar no apoio
aos setores mais dinâmicos, possam conceber linhas
de intervenção e de suporte a aividades inovadoras,
recuperando nichos tradicionais ou instalando novos
segmentos produivos, de preferência explorando redes
de inluência e de negócio cruzadas com os setores
predominantes.
JOÃO ROMÃO I JOÃO GUERREIRO I PAULO M. M. RODRIGUES O TURISMO COMO FATOR DE CRESCIMENTO REGIONAL: a noção de “BeachDisease” 277

BIBLIOGRAFIA

Agradecimentos:
Este texto beneiciou de inanciamento proporcionado pela Fundação para a Ciência e para a
Tecnologia no âmbito do projeto UID/SOC/04020/2013.

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NOTAS SOBRE OS AUTORES
A few notes about the authors
VÍTOR JOSÉ CABRITA NETO
[email protected]
Passou a infância em S. Bartolomeu de Messines Spent his childhood in São Bartolomeu
e, em 1953, foi para Faro coninuar os estudos liceais. de Messines and, in 1953, coninued
secondary studies in Faro. In 1961 he entered
Em 1961 ingressou no Insituto Superior Técnico, em the Insituto Superior Técnico in Lisbon, having
Lisboa, tendo assisido e paricipado nas manifestações paricipated in student manifestaions at the
estudanis da época. Viveu 11 anos em Itália, onde se ime. He lived for 11 years in Italy, where he
matriculou na Universidade de Génova. Regressou enrolled at the Universidade de Génova. He
returned to Portugal ater the April 25, 1974.
a Portugal após o 25 de Abril de 1974. É desde 1989, Since 1989, he is the Chairman of the Board
presidente do Conselho de Administração do grupo of Directors of the business group “TEÓFILO
empresarial “TEÓFILO FONTAINHAS NETO” (Algarve) FONTAINHAS NETO” (Algarve)-agro-industrial
- sectores agro-industrial, distribuição, imobiliária e sectors, distribuion, real estate and
tourism. In November 1997, he was invited
turismo. Em Novembro de 1997, foi convidado para to Secretary of State for tourism, a post he
Secretário de Estado do Turismo, cargo que ocupou até held unil April 2002, in the thirteenth and
Abril de 2002, nos XIII e XIV Governos Consitucionais. Fourteenth Consituional Governments.
Foi Deputado na IX Legislatura, pelo círculo eleitoral He was a Deputy in the 9th parliamentary
assembly, elected for the circle of Faro. In
de Faro. Foi disinguido, em 2005, pelo Presidente da 2005, he was awarded by the President of
República com a Ordem do Infante D. Henrique, grau the Republic with the order of Infante d.
Grande Oicial. É Presidente da NERA (Associação Henrique, Grand Oicer degree. Nowadays,
Empresarial da Região do Algarve) e da Comissão he is President of NERA (Business Associaion
of the Algarve) and vice-president of the
Organizadora da Bolsa de Turismo de Lisboa e Vice- Industrial Portuguese Associaion. He is the
presidente da Associação Industrial Portuguesa. É ainda Italian Honorary Councillor at Faro.
cônsul honorário de Itália em Faro.

ALEXANDRA RODRIGUES GONÇALVES


[email protected]
Atual Diretora Regional de Cultura do Algarve. Is the actual Regional Director of
Doutorada em Turismo, pela Universidade de Évora, Culture of the Algarve. In 2013 obtained the
PhD in Tourism at the Universidade de Évora.
em 2013, conta ainda, na sua formação académica, com a Graduated in Markeing at the Universidade do
licenciatura em Markeing, pela Universidade do Algarve e Algarve and obtained the Master of Sciences
o grau de mestre, em Gestão Cultural, com especialização and Arts degree in Cultural Management, with
em Gestão e Administração do Património Cultural, obido experise in administraion and management
of Cultural Heritage, retrieved from the
também pela Universidade do Algarve, em colaboração com Universidade do Algarve, in collaboraion with
a Universidade de Paris-8, da Sorbonne. Foi vereadora da the Universidade de Paris-8, Sorbonne. Was
Câmara Municipal de Faro de 2009 a 2013, em diferentes deputy Mayor of Faro from 2009 to 2013, in
pelouros, entre os quais o da Cultura, Turismo e Ação Social. diferent areas, including culture, tourism and
social area. Between 2004/2005 was assistant
Entre 2004/2005 foi assessora do Secretário de Estado of the Adjoint Secretary of State of the Minister
Adjunto do Ministro do Turismo. of Tourism. Since 1997, has been lecturer at
É docente da Escola Superior de Gestão, Hotelaria the School of Management, Hospitality and
e Turismo, da Universidade do Algarve, desde 1997, onde Tourism, of the Universidade do Algarve,
where she held posiions of Director of Tourism
já exerceu cargos de direção e onde leciona disciplinas de Superior Degree and where she teaches
Interpretação do Património e Gestão do Património e Heritage Interpretaion and Management and
Turismo. É invesigadora do CIEO da Universidade do Algarve Tourism. She is researcher at the Universidade
e tem invesigação e arigos publicados nas áreas do turismo do Algarve at the CIEO center and has several
research and aricles published about cultural
cultural e criaivo, da gestão do património, dos museus e da and creaive tourism, heritage management,
experiência turísica. museums and tourist experience.
282 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

JOSÉ GAMEIRO
[email protected]
Is the Museu de Porimão´s Scieniic Director Cieníico do Museu de Porimão.
Director. Has a Masters Degree in “Gestão Mestre em “Gestão e Administração do Património
e Administração do Património Cultural” by
the Universidade do Algarve and a Degree in Cultural” pela Universidade do Algarve e Licenciado
Artes-Plásicas by the Faculdade de Belas-Artes em Artes-Plásicas pela Faculdade de Belas-Artes, da
- Universidade de Lisboa. Universidade de Lisboa.
Founding member of the Rede Membro fundador da Rede Portuguesa de Museus
Portuguesa de Museus (RPM) and Rede de
Museus do Algarve (RMA) and part of the (RPM) e da Rede de Museus do Algarve (RMA), pertence
ICOM-Portugal Board of Directors. à Direcção do ICOM-Portugal (2014 / 2017)
Member of the Secção de Museus, É membro da Secção dos Museus, da Conservação
da Conservação e Restauro e do Património e Restauro e do Património Imaterial (SMUCRI), do
Imaterial (SMUCRI),of the Conselho Nacional
de Cultura. Conselho Nacional de Cultura
President of the Jury of the Prémio Presidente do Júri do Prémio Museu Europeu do
Museu Europeu do Ano and Museu Conselho Ano e Museu Conselho da Europa (EMYA / EMF).
da Europa (EMYA/EMF). Tem exercido as funções de museólogo, formador
Has been working as museologist,
museology and industrial heritage area teacher, e professor nas áreas da museologia e do património
responsible for the exhibiions coordinaion industrial, sendo responsável pela coordenação e
and organizaion, as well as other projects and programação das exposições, projectos e parcerias do
partnerships of the Museu de Porimão. Museu de Porimão.

ANA RAMOS
[email protected]
Has a Degree in Antropology by the Licenciada em Antropologia pela Faculdade de
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
of the Universidade Nova de Lisboa and
Postgraduated in ‘Heritage and Ideniies’ Lisboa e Pós-Graduada no Mestrado “Patrimónios e
from the Insituto de Ciências do Trabalho e Identidades” no Instituto de Ciências do Trabalho e da
da Empresa (ISCTE). Empresa (ISCTE).
Antropologist in the Museu de Técnica Superior de Antropologia do Museu de
Porimão since 2000, developing invesigaion
works in several local themes, especially on Portimão, desde o ano 2000, onde tem desenvolvido
the coastal and industrial regional aspect, in trabalho de investigação em várias temáticas locais,
ariculaion with the museological area and com incidência especial para a vertente marítima e
the museum´s educaional service. industrial do concelho e em articulação com a área
Member of the Grupo de Trabalho do
Património Cultural Imaterial, of the Rede de museográfica e o serviço educativo do museu.
Museus do Algarve (RMA-PCI). É membro do Grupo de Trabalho do Património
Cultural Imaterial, da Rede de Museus do Algarve
(RMA-PCI).

JOÃO PEDRO BERNARDES


[email protected]
Has a PhD in Archaeology from the É doutorado em Arqueologia pela Universidade
Universidade de Coimbra. He is associate de Coimbra. É professor associado com agregação da
professor with the rank of “agregado” at
theUniversidade do Algarve and principal Universidade do Algarve e invesigador principal do
researcher at the “Centre for Archaeology, “Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências
Arts and Heritage Sciences Studies”. He has do Património”. Tem paricipado e liderado projetos
283

de invesigação de âmbito nacional e internacional, paricipated and led naional and internaional
versando temas de Arqueologia romana e de valorização research projects on Roman archaeology
and Cultural Heritage enhancement. He has
do Património Cultural. Tem cerca de setenta ítulos around 70 itles published, including books
publicados, entre livros, colaborações em obras and collaboraions in collecive works and
coleivas e revistas cieníicas do país e do estrangeiro. scieniic journals in Portugal and abroad.

ANTÓNIO FAUSTINO CARVALHO


[email protected]
Natural de Cascais, nascido a 2 de outubro de 1967, Was born in Cascais on the 2nd
é Licenciado e Mestre em Arqueologia pela Universidade of October 1967, has Bachelor’s and
Master’s Degrees in Archaeology from the
de Lisboa e Doutor pela Universidade do Algarve. Universidade de Lisboa, and holds a PhD
Integrou a equipa que criou o Parque Arqueológico do from the Universidade do Algarve. He was
Vale do Côa (1995-2000) antes de ingressar em 2001 part of the team that created the Côa Valley
na Universidade do Algarve, onde leciona na área Archaeological Park (1995-2000) before
joining the Universidade do Algarve in 2001
da arqueologia e do património cultural. Dirigiu até where he teaches in the ields of archaeology
ao momento 12 projetos de invesigação, dedicados and cultural heritage. Up to date, he has led
sobretudo ao estudo das primeiras sociedades agro- 12 research projects, mostly on the study
pastoris da bacia do Mediterrâneo, de que resultaram of the early farming com- muniies in the
Mediterranean Basin, which has resulted in
135 publicações. 135 publicaions.

ARTUR BARRACOSA MENDONÇA


[email protected]
Licenciado em História pela FLUC (1990-1994), Has a degree in History by the FLUC
via ensino. Frequentou o Mestrado em História (1990-1994), Pedagogic career. Has a
Master’s Degree in Contemporary History
Contemporânea na mesma Faculdade. Invesigador from the same University. Regional and
de História Regional e Local do Algarve publicou, Local Algarve History researcher, published
entre outros, os seguintes trabalhos: “O 28 de Maio among others, the following works “O 28 de
na imprensa algarvia”, no vol. XXXVII dos Anais do Maio na imprensa algarvia”, on the volume
XXXII of the Anais do Município de Faro;
Município de Faro; foi o responsável por diversas was responsible for several Entries on the
Entradas no Dicionário de História Empresarial: Dicionário de História Empresarial: Bancos e
Bancos e Seguradoras (Sécs. XIX-XX), vol. I, Insituições Seguradoras (Sécs. XIX-XX), vol I, Insituições
Bancárias, coord. José Amado Mendes e Miguel Figueira Bancárias, with coordinaion of José Amado
Mendes and Miguel Figueira de Faria, 2013;
de Faria, 2013; elaborou ainda diversas Entradas no elaborated several other entries on the
Dicionário de História Empresarial (Sécs. XIX-XX): vol. Dicionário de História Empresarial (Sécs.
II, Insituições Seguradoras, 2014. Fez, entre outras, XIX-XX): vol. II, Insituições Seguradoras,
as seguintes conferências: “As Associações Operárias 2014. Paricipated in several conferences
such as “As Associações Operárias do Algarve
do Algarve na I República”, I Congresso República e na I República”, I Congresso Republica e
Republicanismo, Coimbra, 2013; “Notas para a História Republicanismo, Coimbra, 2013; “Notas
do Movimento Operário e Associaivo no Algarve (1870- para a História do Movimento Operário
1910)”, in 1º Congresso de História do Movimento e Associaivo no Algarve (1870-1910), in
1º Congresso de História do Movimento
Operário e dos Movimentos Sociais em Portugal, 2013, Operário e dos Movimentos Sociais em
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Portugal, 2013, Faculdade de Ciências Sociais
Nova de Lisboa, cujo texto aguarda publicação. e Humanas- Universidade Nova de Lisboa,
which text is awaiing publicaion.
284 PROMONTORIA MONOGRÁFICA HISTÓRIA DO ALGARVE 02

LUÍS GUERREIRO
[email protected]
Has a degree in Civil Engineering by Licenciado em Engenharia Civil pelo Insituto
the Insituto Superior Técnico. Works in the Superior Técnico. É quadro superior da Câmara
Câmara Municipal de Loulé as Coordinator
of the Gabinete de Eventos, Comunicação Municipal de Loulé, desempenhando actualmente
e Imagem, and is responsible for the as funções de Coordenador do Gabinete de Eventos,
organizaion of the Carnaval de Loulé. Up Comunicação e Imagem, responsável pela organização
unil the end of 2013 was Chief of the Divisão do Carnaval de Loulé. Até ao inal de 2013 foi Chefe de
de Cultura e Turismo. Board of Directors
Chairman of the Fundação Manuel Viegas Divisão de Cultura e Turismo. Presidente do Conselho de
Guerreiro. President of the General Meeing Administração da Fundação Manuel Viegas Guerreiro.
of the CEUPA- Cooperaiva Proprietária of Presidente da Assembleia Geral da CEUPA – cooperaiva
INUAF- Insituto Universitário D. Afonso III. proprietária do INUAF- Insituto Universitário D. Afonso
Has several professional courses related with
his public acivity. Paricipated in various III. Possui vários Cursos de formação proissional
Meeings and Congresses. Cooperates relacionados com a sua acividade pública. Tem
regularly with local and regional press. Has paricipado em vários Encontros e Congressos. Colabora
several invesigaion works published. Is an regularmente na imprensa local e regional. Tem alguns
algarve related book bibliophile, with one of
the biggest private document collecions. trabalhos de invesigação publicados. É biblióilo acerca
da região do Algarve, possuindo um dos maiores acervos
documentais privados.

MIGUEL ÂNGELO MENDES GODINHO


[email protected]
Graduated in Cultural Heritage in 2005 Licenciou-se em Património Cultural pela Universi-
and specialized in Algarve History; both by dade do Algarve/FCHS em 2005 e é pós-graduado em
the Universidade do Algarve.
Works as a Cultural Heritage technician História do Algarve pela mesma Universidade.
in the Câmara Municipal de Vila Real de Trabalha como Técnico Superior de Património
Santo António, since 2006. Researcher in the Cultural na Câmara Municipal de Vila Real de Santo
Universidade do Algarve (Centro de Estudos António, desde 2006. É Invesigador na Universidade do
em Património, Paisagem e Construção
da Universidade do Algarve). Assistant Algarve (Centro de Estudos em Património, Paisagem e
archaeologist at Geoparque - Consultores na Construção da Universidade do Algarve). Arqueólogo
Área do Património Cultural, Lda. Auxiliar na Geoarque – Consultores na Área do
Miguel Godinho is also author and Património Cultural, Lda. É autor e co-autor de vários
co-author of several invesigaion works, in
books, catalogue aricles, proceeding books trabalhos de invesigação publicados sob a forma de
and posters. livro ou arigos em catálogo e livros de actas ou, ainda,
em posters.

CRISTINA FÉ SANTOS
[email protected]
Bachelor´s degree in Occupaional Tem o curso de Terapia Ocupacional, da Escola
Therapy from Escola Superior de Saúde do Superior de Saúde do Alcoitão. Posteriormente,
Alcoitão. Later graduated in Cultural Heritage
and did a Master´s degree in Portuguese Art licenciou-se em Património Cultural e fez o Mestrado
History from the Universidade do Algarve. em História da Arte Portuguesa, pela Universidade
Author of a book about the Sanatorium do Algarve. Foi responsável por uma obra sobre o
of São Brás de Alportel, published by D. Sanatório de São Brás de Alportel, publicada pela D.
285

Quixote. Foi da sua lavra a invesigação e o catálogo Quixote. Was also responsible for there
da Exposição permanente do Laboratório Regional de search and the catalogue of the permanent
exhibiion of the Laboratório Regional
Saúde Pública do Algarve Dra. Laura Ayres, assim como de Saúde Pública Dra. Laura Ayres in the
colaborou na exposição “Espaço-Memória” sobre o Algarve, as well as collaborated on the
Ex-Sanatório Carlos Vasconcelos Porto em São Brás de “Space-Memory” exhibiion, on the former
Alportel, localizada no CMRSul. Integrou a Comissão Sanatorium Carlos Vasconcelos Porto in São
Brás de Alportel and located in CMRSul.
Coordenadora da Promontoria Monográica – História Paricipated in the Coordinator Comission
do Algarve, dedicada à História da Saúde no Algarve, of the magazine Promontoria Monográica
onde também publicou dois arigos. Foi coordenadora e – História do Algarve, dedicated to the
co-autora do livro Pousada de São Brás: 1944-2014. Tem Algarve ´s Health History, with 2 aricles
published. Coordinator and co-author of the
colaborado com diversas insituições em acividades book Pousada de São Brás: 1944-2014. She
ligadas à área do património. Actualmente, trabalha no has collaborated with several insituions in
Hospital de Faro, como técnica superior no Gabinete de heritage related aciviies. Currently works
Recursos Humanos. in Hospital de Faro in the Human Resources
Department.

ANA MARIA LOURENÇO PINTO


[email protected]
Licenciou-se em História da Arte na Faculdade Has a degree in Art History by the
de Letras da Universidade de Lisboa, em 2008, tendo Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, since 2008, and has dedicated her
dedicado o seu percurso académico ao património academic course to Monchique’s historical-
histórico-arísico do concelho de Monchique (Algarve), arisic heritage, origin place of her mother’s
localidade de origem da sua família materna. family.
Nesta sequência, concluiu na mesma insituição In addicion, has inished in 2014, in
the same insituion her Art, Cultural Heritage
o Mestrado em Arte, Património e Teoria do Restauro, and Restoraion Theory Masters degree, with
em 2014, com a dissertação Realizações e Utopias: o the essay ‘Realizações e Utopias: o património
património arquitectónico e arísico das Caldas de arquitectónico e arísico das Caldas de
Monchique na cenograia da paisagem termal. Monchique na cenograia da paisagem
termal’. Has professional experience in the
Com experiência proissional no sector da animação tourisic animaion (Cultural and Landscape
turísica (Touring Cultural e Paisagísico), paricipou em Touring), paricipated in religious heritage
acções de inventário de património religioso (Diocese inventories, received training in the Museu
de Bragança-Miranda), estágio no departamento de do Oriente (Lisbon) Exposições e Reservas
Museológicas department and produced,
Exposições e Reservas Museológicas do Museu do amongst others, several exhibiions in
Oriente (Lisboa), produção de exposições em Monchique, Monchique.
entre outras. Nowadays works as an invesigator in
Trabalha actualmente como invesigadora na área the Art History area, in a Project related to
the Companhia União Fabril´s architectural
de História da Arte num projecto sobre o património and arisic heritage in her home land,
arquitectónico e arísico da Companhia União Fabril na Barreiro.
sua cidade-natal, Barreiro.

ALBERTO STRAZZERA
[email protected]
Nascido em 1942, com formação académica em Was born in 1942, with academic
Línguas e Literaturas Modernas, ingressou no mundo training in Literature and Modern Languages.
He entered the world of tourism in 1966,
do turismo em 1966, depois de frequentar o primeiro ater atending the irst course of the Hotel
School of the Algarve. Acquired professional curso da Escola de Hotelaria do Algarve. Adquiriu
experience in diferent 4 and 5 star hotels in experiência proissional em diferentes hotéis de 4 e 5
Portugal, England and France, and lived for
several years in Germany, Italy and Spain. estrelas em Portugal, Inglaterra e França, vivendo ainda
He returned to Portugal to take over the na Alemanha, Itália e Espanha. Regressa a Portugal
direcion of a four star hotel in the Algarve. para assumir a direcção de um hotel de quatro estrelas
In 1980, he changed from Hospitality to no Algarve. Em 1980 troca a hotelaria pelas agências
the Travel Agencies sector as sales director,
acing mainly on contracing with foreign de viagens na função de director comercial, actuando
tour operators. In 1983 he was registered in principalmente na contratação com tour operadores
the Naional Board of Tourism of Portugal as estrangeiros. Registado na Direcção Geral de Turismo
Director of Hotel and as Technical Director of de Portugal como Director de Hotel, em 1983 e como
Travel Agencies since 1988, paricipated in
various courses, seminars and internaional Director Técnico de Agência de Viagens desde 1988,
congresses. He was invited to teach irst at paricipa em vários cursos, seminários e congressos
the Hotel School of the Algarve since 1980 internacionais. Convidado para leccionar primeiro na
and ater on E.S.G.H.T of Algarve’s University Escola de Hotelaria do Algarve desde 1980 e depois na
on a part-ime basis since 1993. From 2000
on he dedicated exclusively to academic E.S.G.H.T da Universidade do Algarve a tempo parcial
teaching, having concluded the Master at the desde 1993, acaba, a parir de 2000, por se dedicar
University of Huelva about “The European exclusivamente ao ensino académico, tendo ainda
Tour Operators. Origins, Development and concluído um Mestrado na Universidade de Málaga
Inluence among Tourist Desinaions.”
sobre “Los Tour Operadores Europeos. Surgimiento,
Desarollo e Inluencia en los Desinos Turísicos”.

PATRÍCIA SANTOS BATISTA


[email protected]
Works in the Câmara Municipal de Técnica superior na Câmara Municipal de Albufeira
Albufeira since 2005. Has a degree in History desde 2005. É licenciada em História, pela Universidade
by the Universidade de Coimbra, specialized
in Archaeology and Heritage, Museum and de Coimbra, tem uma pós-graduação em Arqueologia
Educaions areas, also has a Master degree e Património, pela Universidade Nova de Lisboa,
in Museology by the Universidade de Évora. especialização em Museus e Educação e Mestrado em
Lately became a researcher in local and Museologia pela Universidade de Évora.
regional history, mainly in the Algarve tourism
history and also in the heritage educaion. Nos úlimos anos tem desenvolvido invesigação
no âmbito da história local e regional, nomeadamente,
sobre a história do turismo no Algarve e na área da
educação patrimonial.

AURÉLIO NUNO DOS SANTOS CABRITA


[email protected]
Is from São Bartolomeu de Messines, Natural de São Bartolomeu de Messines, nasceu
he was born on the 14th August 1978. He a 14 de agosto de 1978. Licenciado em Engenharia do
has a degree in Environmental Engineering
from the Universidade do Algarve. At the Ambiente, na Universidade do Algarve e atualmente
moment he is doing his Master Degree in mestrando em História do Algarve, na mesma insituição.
History of the Algarve at the same University. Dos vários trabalhos publicados destacam-se: A igreja
His published works include: A igreja matriz matriz de São Bartolomeu de Messines; O comboio
de São Bartolomeu de Messines; O comboio
no Algarve: festejos e inaugurações; A no Algarve: festejos e inaugurações; A proclamação
da República no Algarve. É colunista no mensário do proclamação da República no Algarve.
concelho de Silves Terra Ruiva e no jornal digital Sul He writes for the Silves newspaper Terra
Ruiva and for the Sul Informação. He has
Informação. Tem colaborado com diferentes enidades collaborated with several regional eniies
regionais na organização de exposições temáicas sobre in the organizaion of exhibiions about
personalidades ou acontecimentos históricos de relevo personaliies and historical landmarks of the
para o Algarve. Algarve.

JOSÉ GONÇALO NOBRE DUARTE DA SILVA


[email protected]
É licenciado em Património Cultural e Mestre em Has a degree in Cultural Heritage and
História da Arte pela Universidade do Algarve com a a Master degree in Art History from the
Universidade do Algarve, with the thesis A
tese A igreja matriz de Monchique. igreja matriz de Monchique.
Co-fundador da Associação Cultural O Co-founder of the Cultural Associaion
Monchiqueiro e director do Jornal de Monchique. O Monchiqueiro and director of the local
Invesigador e autor de trabalhos sobre património newspaper Jornal de Monchique.
Researcher and author of papers
cultural, com diversas comunicações apresentadas about cultural heritage, he presented
em Congressos, Jornadas e Seminários. Colaborador several reports in Congresses, Conferences
com diferentes insituições, com estudantes do ensino and Seminars. Collaborator with several
superior e com invesigadores em temáicas relacionadas insituions, university students and
researchers about topics within his ields of
com as suas áreas de estudo e conhecimento. study and knowledge.
Membro organizador das várias Jornadas de Organizing member of several
Monchique, integrando a Comissão Instaladora do Monchique’s Congresses, he integrates the
Museu local. local Museum Seing-up Commitee.
Co-author of the script Uma caminhada
Co-autor do roteiro Uma caminhada por por Monchique, within the religious heritage
Monchique, no âmbito do património religioso. topic.
Autor de um arigo publicado na revista Author of an aricle enitled A primeira
Promontoria Monográica-História do Algarve, das obras temporais e a Misericórdia de
Monchique, published in the magazine
da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Promontoria Monográica – História do
Universidade do Algarve, initulado A primeira das obras Algarve, from the Faculdade de Ciências
temporais e a Misericórdia de Monchique e de uma Humanas e Sociais da Universidade do
comunicação com o ítulo Hospital da Misericórdia de Algarve. Author of a report with the itle
Hospital da Misericórdia de Monchique -
Monchique-Duas construções três séculos no Colóquio Duas construções três séculos, presented
Internacional Arquitetura assistencial luso-brasileira da in the Colóquio Internacional Arquitetura
Idade Moderna à contemporaneidade da Faculdade de assistencial luso-brasileira da Idade Moderna
Letras da Universidade de Lisboa. à contemporaneidade promoted by the
Faculdade de Letras from the Universidade
Tem no prelo Dando “logar” a Monchique, trabalho de Lisboa. Author of the unpublished aricle
de seminário da licenciatura em Património Cultural. Dando “logar” a Monchique, a seminar paper
within the degree in Cultural Heritage.

ANTÓNIO CORREIA MENDES

Anigo Diretor do Aeroporto de Faro 2002-2015 Former Faro Airport Director 2002-
2015
JOÃO ROMÃO
[email protected]
Professor at Universidade Lusíada Professor Auxiliar da Universidade Lusíada (Lisboa).
(Lisboa). Researcher at CIEO (Universidade Invesigador do CIEO (Universidade do Algarve).
do Algarve). Consultant in Tourism, Regional
Development, Urban Planning and Project Consultor nas áreas do turismo, desenvolvimento
development. PhD in Tourism (Universidade regional, planeamento urbano e desenvolvimento de
do Algarve) and Master in Economics and projetos. Doutor em Turismo (Universidade do Algarve)
Science and Technology Management e Mestre Economia e Gestão da Ciência e Tecnologia
(Universidade de Lisboa). Fellow Researcher
at the Department of Spaial Economy (VU (Universidade de Lisboa). Invesigador visitante no
Amsterdam, Netherlands), the Hokkaido Departamento de Economia Espacial (VU Amsterdam,
University (Japan) and the Yale University Netherlands), na Hokkaido University (Japan) e na Yale
(U.S.A.). University (USA).

JOÃO GUERREIRO
[email protected]
Full Professor at the University of Professor Catedráico da Universidade do Algarve
Algarve. Researcher at CIEO and Scieniic (Faro). Invesigador do CIEO e Assessor Cieniico do
Adviser for the CRIA (Universidade do
Algarve). PhD in Economics and Master CRIA (Universidade do Algarve). Doutor em Ciências
in Rural Planning (CIHEAM, Paris). Former Económicas (Economia Agrária) e Mestre em Ordena-
Rector of the Universidade do Algarve (2006- mento Rural em função do Ambiente (CIHEAM, Paris).
2013). Ex-Reitor da Universidade do Algarve (2006-2013).

PAULO M. M. RODRIGUES
[email protected]
Senior Economist at the Department Economista Sénior do Gabinete de Estudos Econó-
of Economics Studies, Bank of Portugal. Pro- micos do Banco de Portugal. Professor de Econometria
fessor of Econometrics at the Nova School of
Business and Economics (Universidade Nova da Nova School of Business and Economics (Universi-
de Lisboa, Lisboa). Was awarded a Jean Mon- dade Nova de Lisboa, Lisboa). Obteve uma bolsa Jean
net Scholarship from the European Insitute Monnet do Insituto Europeu de Florença. Invesigador
of Florence. Fellow Researcher at the Insi- visitante no Insituto de Estudos Avançados (Vienna,
tute of Advanced Studies (Vienna, Austria),
at the Briish Columbia University (Vancou- Austria), na University of Briish Columbia (Vancouver,
ver, Canada) and at the Navarra University Canada) e na Universidad de Navarra (Espanha).
(Spain).
Com o apoio de:

Com o Alto Patrocínio da Direcção Regional


de Cultura do Algarve

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