Recurso Especial #1.255.179 - RJ

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.255.179 - RJ (2011/0114437-8)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se


de recurso especial interposto por BANCO VOLKSWAGEN S.A., com fundamento no art. 105,
inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro.
Noticiam os autos que, em novembro de 2007, o ora recorrido - FRANCISCO DAS
CHAGAS MARTINS BEZERRA - ajuizou ação indenizatória contra a instituição financeira ora
recorrente por danos morais e materiais que afirmou ter sofrido em decorrência do cumprimento
de medida liminar deferida em favor desta nos autos de ação de busca e apreensão de veículo
automotor objeto de contrato de alienação fiduciária pelo inadimplemento da 13ª (décima
terceira) de suas 24 (vinte e quatro) parcelas avençadas.
O juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido inicial, condenando o autor
ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, estes
fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa. Valeu-se, para tanto, dos
seguintes fundamentos:

"(...) No mérito, o ponto nodal na controvérsia contida na presente


demanda pode ser resumido na seguinte indagação: com as provas produzidas,
encontram-se presentes no fato narrado pelas partes os requisitos
caracterizadores da responsabilidade civil, capaz de ensejar a pretendida
reparação por danos morais?
A resposta afirmativa é a que pretende o autor. Sem embargo, não
lhe assiste razão.
É certo que, na inicial daquela ação de busca e apreensão
proposta pelo banco réu em face do autor (fls. 56/58), há imprecisão e
contradição no dimensionamento do débito motivador da mesma. Não obstante,
nem naquela demanda, nem na presente, trouxe o autor quaisquer elementos
capazes de evidenciar que tenha sido outro, e não exclusivamente ele, o
causador do conflito e do problema.
É, o autor, empresário. Perfeitamente capaz, portanto, de entender
o contrato de financiamento com alienação fiduciária que firmou com o réu (fls.
15/16), cuja cláusula 6ª é clara e expressa no que respeita aos encargos devidos
em caso de 'atraso de pagamento' das prestações.
Tornou-se, o autor, confessadamente inadimplente do pagamento
a
da 13 parcela daquele contrato, vencida em 07/05/2004. Afirma e documenta o
requerente, conforme fls. 31/33, que em seguida - 28/05/2004 - procurou o banco
réu para pagar seu débito.
Diz ainda que, nesta ocasião, não foi atendido, pretendendo
comprovar com a peça de fls. 33 a negativa do réu em receber a prestação
atrasada, quando tal peça não se presta a tal comprovação, mas apenas a lhe
informar onde e com quem deveria tratar de tal pagamento.
Prossegue o autor narrando que continuou pagando as parcelas
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subsequentes, retornando mais uma vez para pagar aquela 13ª parcela
pendente, pretendendo comprová-lo com as peças de fls. 34/36, que não apenas
não se prestam ao que pretende, senão que evidenciam, por sua própria
narrativa, que só voltou a intentá-lo, isto é, a saldar o seu reconhecido débito, em
15/03/2005, ou seja, quase dez meses depois da primeira tentativa e mais de dez
meses após o vencimento do mesmo.
Diz ainda o autor que recebeu carta de cobrança daquela parcela
em maio de 2006 - quando lhe teria sido cobrado valor exorbitante não
comprovado - e que em setembro de 2006 foi surpreendido com a busca e
apreensão do veículo, ocultando, no entanto, que desde junho de 2004 havia sido
notificado extrajudicialmente de seu débito e das conseqüências de seu
inadimplemento, conforme se verifica às fls. 110/111.
Não traz o autor - e, dito seja de passo, nem teria como trazê-lo -
prova alguma da impossibilidade de consignar judicialmente o valor que entendia
devido com a simples aplicação daqueles encargos previstos na cláusula sexta do
contrato celebrado com o réu, ou ainda de consignar apenas o valor original da
parcela devida, quando então seria o banco réu instado judicialmente a
manifestar-se, resolvendo-se, assim, a pendência.
Não. Ao invés disso, pretende o autor beneficiar-se de seu próprio
atraso e inadimplemento, de um débito que só pagou quando demandado
judicialmente, aproveitando-se de imprecisão e contradição contida na inicial da
ação proposta pelo credor para receber seu crédito, esforçando-se em construir
a narrativa quase teatral a respeito de sua aflição, vexame e transtornos capazes
de dimensionar em não menos do que 100 salários mínimos o valor do dano
moral que pretende haver sofrido.
Cem salários mínimos, ressalte-se, equivale a quase o dobro do
valor total do veículo adquirido pelo autor com financiamento prestado pelo réu,
por contrato em que, segundo a própria narrativa do requerente, cumpriu o réu
sua parte, deixando de fazê-lo ninguém menos do que o próprio autor.
Não tem assim como prosperar a pretensão autoral, eis que
desprovida de qualquer amparo fático, contratual e legal" (e-STJ fls. 166/169).

Inconformado, o autor da demanda, ora recorrido, interpôs recurso de apelação


(e-STJ fls. 178/181).
A Corte de origem, por unanimidade de votos dos integrantes de sua Nona
Câmara Cível, deu parcial provimento ao apelo "a fim de reformar a sentença guerreada e julgar
procedente o pedido contido na inicial, condenando a ré ao pagamento da verba indenizatória
de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)" (e-STJ fl. 205). O aresto na oportunidade exarado, que
também concluiu pela inversão dos ônus sucumbenciais, recebeu a seguinte ementa:

"Apelação Cível. Indenização. Alegando que foi interposto pelo réu em outro
Juízo Ação de Busca e Apreensão do veículo do autor. Teve seu automóvel
apreendido indevidamente, uma vez que estava inadimplente em apenas uma
única prestação, o que lhe causou prejuízos materiais e morais. Sentença de
improcedência. Recurso da parte autora pretendendo a reforma do julgado.
Aplicação da Teoria do adimplemento substancial. Decisão do credor que fere o
princípio da boa-fé objetiva. Desproporcionalidade da medida. Existência de
outras formas admitidas na legislação em vigor para que se possa efetivar a
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satisfação do crédito. Dano moral configurado. Precedentes jurisprudências deste
Tribunal de Justiça e do STJ. Recurso conhecido e parcialmente provido, fixando
indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de correção monetária a
partir deste julgamento e juros de mora de 1% ao mês, desde a citação na forma
do art.405, do CC, invertendo-se os ônus sucumbenciais" (e-STJ fl. 200).

Os embargos de declaração opostos (e-STJ fls. 212/214) foram rejeitados (e-STJ


fls. 216/221), o que ensejou a interposição do recurso especial em apreço.
Em suas razões recursais (e-STJ fls. 226/238), o banco recorrente aponta
violação dos arts. 2º, § 2º, e 3º do Decreto-Lei nº 911/1969 e 186 e 927 do Código Civil.
Sustenta, em síntese, que, ao contrário do que decidido pela Corte estadual,
restando expressamente reconhecido pelo próprio autor da demanda indenizatória o
inadimplemento parcial da obrigação por ele assumida, ainda que relativamente a apenas 1 das
24 parcelas de pagamento pactuadas, a execução de medida liminar de busca e apreensão de
bem alienado fiduciariamente não constitui ato ilícito ensejador de dano moral indenizável, haja
vista tratar-se de medida posta à disposição do credor fiduciário pela própria legislação vigente.
Assevera, ainda, ser indevida a aplicação da teoria do adimplemento substancial
do contrato na hipótese vertente, destacando que a eventual ilegitimidade da propositura da
ação de busca e apreensão do veículo por tal fundamento deveria ter sido arguida naquela
demanda, o que não se verificou.
Requer, ao final, que seja restabelecida integralmente a sentença primeva.
Apresentadas contrarrazões ao especial (e-STJ fls. 251/255), o recurso foi
inadmitido na origem em exame de prelibação (e-STJ fls. 257/259), ascendendo a esta Corte
Superior por força do provimento do Agravo de Instrumento nº 1.282.665/RJ (e-STJ fl. 275).
É o relatório.

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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Estando


prequestionada a matéria federal inserta nos dispositivos legais apontados pelo recorrente
como malferidos bem como preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade recursal,
impõe-se o conhecimento do recurso especial.
Cinge-se a controvérsia a definir se, tal e qual o decidido pela Corte de origem, é
ilícita e, além disso, ensejadora de dano moral indenizável a conduta do credor fiduciário que,
diante do inadimplemento parcial da obrigação assumida pelo devedor fiduciante (consistente
no não pagamento de uma das 24 - vinte e quatro - parcelas avençadas), promove ação de
busca e apreensão do automóvel objeto do contrato.
Impõe-se examinar, ainda, se a eventual aplicação da chamada teoria do
adimplemento substancial da obrigação, em virtude do pagamento da quase totalidade da
dívida assumida pelo fiduciante, ora recorrido, teria o condão de tornar ilícita a cobrança pelo
credor fiduciário, ora recorrente, dos valores relativos à única parcela em mora.
No caso dos autos, o recorrido, autor da presente demanda indenizatória,
celebrou com o banco ora recorrente, no ano de 2003, contrato de financiamento, com cláusula
de alienação fiduciária em garantia, de veículo automotor, no qual ficou estipulado que o
pagamento da dívida se daria em 24 parcelas mensais e sucessivas no valor de R$ 777,98
(setecentos e setenta e sete reais e noventa e oito centavos).
Por motivos que escapam aos limites da presente demanda, o devedor deixou de
promover o pagamento apenas da 13ª (décima terceira) parcela contratada, vencida em
7/5/2004. Honrou, no mais, todas as suas anteriores e posteriores obrigações contratuais.
Com isso, o banco credor, em junho de 2004, promoveu a notificação extrajudicial
do fiduciante, informando-o da existência do débito bem como das eventuais consequências
resultantes de seu inadimplemento. Encaminhou-lhe, ainda, em 29/5/2006, carta de cobrança e,
diante da insistência do devedor no não pagamento do valor devido, requereu e teve
liminarmente concedida a busca e apreensão do veículo com esteio no art. 3º do Decreto-Lei nº
911/1969, que se efetivou em 6/9/2006.
Diante da apreensão judicial do veículo, o ora recorrido promoveu a quitação do
numerário relativo à parcela remanescente, o que ensejou a consequente liberação do
automóvel e a extinção daquele feito sem resolução de mérito (e-STJ fl. 160).
Em virtude desses fatos é que o ora recorrido, conforme o já relatado, ajuizou a

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ação indenizatória em exame objetivando reparação por danos morais e materiais que afirma ter
suportado em virtude do comportamento da instituição financeira ora recorrente.
O pedido inicial foi julgado improcedente pelo juízo de primeiro grau.
A Corte de origem, entendendo que a hipótese narrada reclamava a aplicação da
teoria do adimplemento substancial do contrato, vislumbrou o dever do recorrente indenizar o
recorrido apenas pelo dano moral advindo da "privação injusta da posse do veículo, bem como
pelo vexame de ter um oficial de justiça a sua porta apreendendo um veículo por falta de
pagamento" (e-STJ fl. 203). Considerou, nesse particular, que a pretensão do banco revestiu-se
de caráter desproporcional, haja vista que "a busca e apreensão do bem à custa de um valor
tão ínfimo em relação ao seu preço" atentaria contra o princípio da boa-fé (e-STJ fl. 203).
Contra esse acórdão, que concluiu pelo provimento parcial do apelo, com a
condenação do banco credor ao pagamento de verba indenizatória arbitrada no patamar de R$
5.000,00 (cinco mil reais), é que se insurge o recorrente, apontando ofensa aos arts. 2º, § 2º, e
3º do Decreto-Lei nº 911/1969 e 186 e 927 do Código Civil.
Da breve narrativa acima exposta, resulta evidente que a irresignação recursal
merece prosperar.
Como consabido, o dever de indenizar exsurge da existência de uma conduta
ilícita (voluntária ou decorrente de negligência ou imprudência do agente), da qual resulte um
dano, ainda que exclusivamente moral, que àquela se encontre vinculada por um nexo de
causalidade.
Ocorre que, por expressa disposição do art. 188, inciso I, do Código Civil vigente,
não constituem atos ilícitos aqueles praticados no exercício regular de um direito
reconhecido.
Desse modo, não há espaço para se impor ao banco ora recorrente o dever de
indenizar o autor da demanda pelos danos imateriais que afirma ter suportado em virtude do
cumprimento de ordem judicial de busca e apreensão de veículo por ele dado em garantia em
contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária.
Afinal, sendo incontroverso que o ora recorrido, quando da propositura em seu
desfavor da referida ação de busca e apreensão, encontrava-se, de fato, em situação de
inadimplência parcial (por não ter quitado a 13ª parcela do contrato), estava autorizado o banco
credor a fazer uso da referida medida judicial, visto que assim estabeleciam os arts. 2º, § 2º, e
3º do Decreto-Lei nº 911/1969:

"(...) Art 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações


contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou
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credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta
pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo
disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço
da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar
ao devedor o saldo apurado, se houver.
(...).
§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para
pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada expedida por
intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a
critério do credor.
(...).
Art 3º O Proprietário Fiduciário ou credor, poderá requerer
contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado
fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada
a mora ou o inadimplemento do devedor" (grifou-se).

Impende destacar que a alteração textual dos dispositivos retromencionados,


promovida pela Lei nº 13.043/2014, manteve ao alcance do credor a medida de busca e
apreensão do bem alienado fiduciariamente, visto que aqueles passaram a ostentar, a partir de
então, a seguinte redação:

"(...) Art. 2º No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações


contratuais garantidas mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou
credor poderá vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta
pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo
disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço
da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar
ao devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas.
(...).
§ 2º A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para
pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de
recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a
do próprio destinatário.
Art. 3º O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que
comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2º do art. 2º, ou o
inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão
do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente,
podendo ser apreciada em plantão judiciário" (grifou-se).

Sobreleva anotar também que o Decreto-Lei nº 911/1969 não faz nenhuma


restrição à utilização da medida em virtude da extensão da mora ou da proporção do
inadimplemento contratual, sendo perfeitamente possível ao credor pretender a busca e a
apreensão do veículo objeto do contrato quando comprovada a mora ou o inadimplemento, seja
da totalidade ou de apenas uma fração da dívida, como no caso.
Daí porque não merece prosperar a orientação esposada pelo Tribunal local,

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quando concluiu por ser ilícita a conduta do banco recorrente pelo simples de fato de existirem,
em tese, outras formas de buscar a satisfação de seu crédito e que seriam, ao entender
daquela Corte, mais condizentes com a boa-fé.
O meio utilizado pelo recorrente para obter do devedor a quitação do débito, além
de ser o legalmente autorizado, revelou-se adequado e eficaz, não havendo razão lógica para
se falar em desproporção da medida, abuso de direito, e, menos ainda, em má-fé de sua parte,
que, como consabido, não pode ser presumida.
Nesse aspecto, basta destacar que o débito em questão teve origem com o
vencimento da 13ª (décima terceira) parcela do contrato ainda em 7/5/2004, e que o banco
credor, no mês de junho daquele mesmo ano, teve a cautela de promover a notificação
extrajudicial do fiduciante, informando-o da existência do débito bem como das eventuais
consequências resultantes de seu inadimplemento. Encaminhou-lhe, em 29/5/2006, carta de
cobrança e somente diante da insistência do devedor no não pagamento do valor devido é que
requereu e teve liminarmente concedida a busca e apreensão do veículo com esteio no art. 3º
do Decreto-Lei nº 911/1969, que se efetivou em 6/9/2006 e acabou por se revelar meio capaz
de pôr termo ao contrato, já que imediatamente após a ela é que o ora recorrido promoveu a
quitação do valor devido.
Também não se pode impor ao banco recorrente (que agiu, como até aqui
demonstrado, no exercício regular de um direito seu) o dever de indenizar o recorrido sob o
inusitado fundamento de que, em tese, naquela ação de busca e apreensão, poderia ter sido
aventada pelo devedor e eventualmente aplicada a chamada "teoria do adimplemento
substancial da obrigação".
Com efeito, a aplicação da referida teoria - que não encontra disciplina expressa
em texto legal - tem ganhado força, tanto no âmbito jurisprudencial quanto doutrinário, como
alternativa para situações em que, em virtude do significativo de parcela substancialmente
relevante da obrigação principal, não se revele razoável a pura e simples resolução do contrato.
Para os defensores da referida teoria, portanto, não se deve acolher a pretensão
do credor de extinguir o negócio em razão de inadimplemento que se refira a parcela de menos
importância do conjunto de obrigações assumidas e já adimplidas pelo devedor. A aplicação do
referido instituto, porém, não tem o condão de fazer desaparecer a dívida não paga, pelo que
permanece possibilitado ao credor promover sua cobrança pelos meios em direito admitidos.
Nesse sentido, a lição de Flávio Tartuce, segundo a qual, pela aplicação da teoria
do adimplemento substancial, "em hipóteses em que o contrato tiver sido quase todo cumprido,
não caberá a sua extinção, mas apenas os outros efeitos jurídicos, visando sempre a

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manutenção da avença" (Direito Civil, vol. 3, Rio de Janeiro, Editora Método, pág. 51 -
grifou-se).
De igual maneira ensina Clóvis Couto e Silva, para quem o adimplemento
substancial
"(...) constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em
vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão
somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira
pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)". (O Princípio da Boa-Fé no
Direito Brasileiro e Português. Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São
Paulo, Revista dos Editora Tribunais, pág. 56 - grifou-se)

O crédito remanescente, assim, ainda que considerado de menor importância


quando comparado à parcela já adimplida da obrigação contratual, pode ser perseguido
pelo credor a partir da utilização dos meios admitidos pelo ordenamento jurídico
brasileiro, dentre os quais se encontram, por exemplo, a própria ação de busca e
apreensão de que trata o Decreto-Lei nº 911/1969, que, por razões óbvias, não pode ser
confundida com ação de rescisão contratual - essa, sim, potencialmente indevida em virtude do
substancial adimplemento da obrigação.
Daí porque, analisado o caso dos autos também por esse prisma, não há falar em
ilicitude na conduta do banco recorrente.
Nesse particular, impõe-se rememorar que, diante da própria natureza do
contrato de financiamento de automóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia, a
medida de busca e apreensão do veículo em virtude da mora ou inadimplemento do devedor
não tem por finalidade a extinção do contrato. Traduz-se, em verdade, em meio posto à
disposição do credor fiduciário para possibilitar a satisfação do seu crédito independentemente
de ato voluntário do devedor.
Desse modo, ausente qualquer ilicitude no comportamento do banco ora
recorrente, condená-lo, como fez o acórdão recorrido, a reparar o devedor por supostos danos
morais resultantes do cumprimento de medida liminar regularmente deferida pelo juízo
competente nos autos de ação de busca e apreensão constituiria verdadeira inversão de
valores, com a promoção do enriquecimento sem causa daquele que foi o único responsável, de
fato, por eventuais transtornos daí resultantes: o devedor inadimplente, ora recorrido.
Em vista do exposto, dou provimento ao recurso especial para, restabelecendo a
sentença de primeiro grau em sua totalidade, julgar improcedente o pedido formulado na inicial.
É o voto.

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