Letras Ao Mar: o Litoral Cearense Na Literatura

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LETRAS AO MAR: O LITORAL CEARENSE NA LITERATURA

Tiago Vieira Cavalcante


Universidade Federal do Ceará
E-mail:: [email protected]

Yago de Mesquita Falcão


Universidade Federal do Ceará
E-mail:: [email protected]

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, busca por meio de uma abordagem humanista em Geografia


explorar o litoral cearense, por nós enveredada em uma apreensão literária das paisagens e
dos lugares recortados e que dialogam na construção da imagem costeira do Ceará do
presente e do passado. A literatura concebe a relação entre o real, o imaginário e parte das
experiências provenientes do contato entre os escritores e os espaços abordados em suas
obras, sendo capaz de nos revelar outras concepções em torno de um mesmo am
ambiente.

[…] a geografia literária é um conceito que compreende uma pluralidade de


relações entre geografia e literatura naquilo que essas podem revelar das
espacialidades […] mas também das geograficidades […]
(CAVALCANTE, 2019, p. 26, grifo do autor).

Uma das nossas


ssas motivações parte dos livros de Moreira (1989) e Diegues (1998),
estudiosos que afirmam que na literatura brasileira é diminuta a presença de tramas que têm
como paisagem central o litoral, diferente daquela que se volta para o continente, os sertões.
Isso nos fez pensar mais especificamente na literatura cearense, literatura marcadamente
sertaneja, mas que certamente possui ilustrativos exemplos da geografia de seu litoral.
Temos, não obstante, no Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras,
em seu quarto volume, Costa Brasileira (2021), um importante exemplo de como a geografia
e a literatura pode dialogar revelando esse recorte específico do país, o litoral. Nele,
geografia, história e literatura se entrelaçam na busca de uma ccompreensão
ompreensão simbólica desse

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recorte do Brasil, pois todo país também é conformado por sua escrita literária, desde sempre
produtora de imagens e do imaginário dos territórios e lugares.
Todavia, no citado volume, a costa do Ceará não é revelada por sua lit
literatura,
motivo pelo qual reforçamos a importância de nossa abordagem, tendo em vista a riqueza da
literatura cearense na apreensão da dinâmica litorânea. Ao realizar esse trabalho
demonstramos que há uma literatura geográfica presente em torno desse recorte, ao contrário
do que foii cartografado pelo IBGE (2021) e do que afirmado por Moreira (1989) e Diegues
(1998).
O nosso “recorte físico” é composto por praias, dunas móveis e fixas, lagoas,
manguezais, falésias e de fauna e flora típicas, além de es
estar
tar em constante mudança, tendo em
vista as relações econômicas e culturais estabelecidas no decorrer do tempo nesse espaço
(SILVA et al, 2004; DANTAS, 2011). São sob esses aspectos que o litoral cearense se
consagra, compondo para nós as paisagens descrit
descritas
as em obras e pelas vivências dos autores.
Para isso, antes vale destacarmos um pouco mais das características desse litoral.

Geograficamente a região costeira do Ceará é delimitada pela ocorrência dos


afloramentos da Formação Barreiras. Geralmente é conhecida
conh pela feição
dos tabuleiros costeiros e se limita com o oceano Atlântico ao norte, com a
Chapada do Apodi a leste, com a Serra da Ibiapaba a sudoeste e com a
Depressão Sertaneja ao sul. (MORO, 2015, p. 724).

O nosso “recorte humano” é a vida e a obra (em prosa e em verso) de escritores


(conhecidos e desconhecidos do grande público), buscando pelas linhas que direta ou
indiretamente nos revelam aspectos da geografia de nosso litoral, sua dinâmica natural e
social, no âmbito das materialidades e ima
imaterialidades.
terialidades. Já para este trabalho, o nosso “recorte
literário” abordará acerca da coleta de dados realizada, e colocando em relevo os conceitos e
temas geográficos presentes nas obras eencontradas e em seus escritores,, afinal:

A escrita é uma forma de espacialização do sujeito, que tem a necessidade


de se ex-primir,
primir, de se projetar no espaço: o da página e o da paisagem. Ela
postula também uma certa continuidade entre a experiência do espaço e a
linguagem […] (COLLOT, 2012, p. 28).

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O nosso caminho teóri
teórico-metodológico
metodológico adentra a geografia literária, maneira de por
meio da literatura, da imaginação geográfica que a caracteriza, apreender as espacialidades (a
maneira como são organizados os objetos espaciais em sua lógica e processo de formação) e
geograficidades
idades (os laços de cumplicidade que as pessoas estabelecem com o seu ambiente)
presentes nas obras (MARANDOLA JR e OLIVEIRA, 2009).
Apreensão que não escapa à pesquisa bibliográfica e ao trabalho de campo em
bibliotecas públicas e comunitárias, sebos, li
livrarias,
vrarias, academias de letras, associações
trabalhistas, entre outros espaços em todo o Ceará, para coleta e organização de acervo sobre
o assunto, além de posterior leitura e análise geográfica do que foi coletado para assim
compormos a pesquisa. Nesse sen
sentido, compomos os nossos campos nos mais diversos
espaços, construindo assim a tessitura das pontes geográficas na literatura regional.
O trajeto considera, portanto, as terras incógnitas passíveis de serem exploradas por
geógrafos na elaboração de novos m
mapas
apas do mundo, cartografias reais e imaginárias
(WRIGHT, 2014), o que possibilita que apreendamos as espacialidades e as geograficidades
inscritas nos mais diversos escritos, afinal, se pensarmos no litoral e em tudo que o envolve,
naquilo que ele significaa no imaginário das pessoas (CORBIN, 1989) e, particularmente, na
imaginação criadora dos escritores, certamente uma diversa geografia do litoral cearen
cearense
pode ser pensada e elaborada;; é o que podemos pensar a partir de John K. Wright:

Atualmente, os geógrafos
rafos raramente ou nunca têm a oportunidade de entrar
em alguma das terrae incognitae literais – um território totalmente
inexplorado – e em um primeiro vislumbre pode parecer artificial comparar
o encanto de tais desconhecidos com a atração que nos levam às regiões e
aos problemas com os quais devemos efetivamente nos preocupar
(WRIGHT, 2014, p. 6).

Em contento a isso, devemos considerar que “os escritores criam personalidades


fictícias; eles mesmos são personalidades com opiniões que sobressaem acima do discurso
livresco de suas sociedades” (TUAN, 2012, p. 78). Em seus escritos, eles exploram o que há
de desconhecido através da imaginação
imaginação,, rompendo com a lógica imediatista de uma mera
descrição da realidade, sendo a literatura um elo que tece a ponte ent
entre
re a Geografia e a Arte

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na construção de narrativas, estabelecendo a geograficidade de matriz dardeliana pelo vinculo
entre o ser e o espaço que o cerca.

Em face desses pontos, é possível notar que o conhecimento geográfico que


privilegiamos está fundado no cotidiano das pessoas em suas mais diversas
atividades. Entre essas atividades, a literatura, por intermédio da
imaginação, está comprometida com as mais variadas relações que os
homens estabelecem com a Terra, aspirando compreender a experiência
humana que funda e significa o mundo (CAVALCANTE, 2019, p. 146).146

Salientamos,, portanto, a nossa proposta de diálogo na interface entre os campos da


Geografia e da Literatura (MARANDOLA JR e OLIVEIRA, 2009), sendo a costa cearense,
utilizada como campo experiencial, espaço vivido composto por paisagens significativas e
palco das grafias dos mais
ais diversos literatos. Nesse sentido, surgem as letras ao mar que
nomeiam a nossa pesquisa, proporcionando a correlação entre áreas e outro olhar em torno de
um litoral literário (terra incógnita) para nós.

OBJETIVOS

O objetivo do trabalho é o de dar os primeiros passos na elaboração de uma geografia


literária do litoral cearense a partir de obras, em verso e em prosa, de escritores diversos,
conhecidos e desconhecidos, do passado e do presente. Para isso, inicialmente
inicialmente, estamos
organizando um acervo, físico e virtual, com obras de escritores cearenses que tenham a
paisagem litorânea do estado como referência. Como exemplo para este trabalho, trazemos
obras que fazem parte da nossa pesquisa, para assim, delinear alguns aapontamentos
pontamentos sobre o
litoral cearense de outrora e nos tempos atuais.

METODOLOGIA

Nosso caminho teórico


teórico-metodológico
metodológico é o da geografia literária, mas este tem como
base os pressupostos da geografia humanista, abordagem que considera as experiências
geográficas
icas dos seres humanos na apreensão das paisagens e lugares. Temos também

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realizado uma revisão bibliográfica (MOREIRA, 1989; COLLOT, 2012; TUAN, 2012;
CAVALCANTE, 2019) de modo a compor acervo de obras literárias, virtuais e físicas, que
tenham o litoral cearense como mapa de suas tramas.
A partir do levantamento realizado para este trabalho, abordaremos algumas das
obras coletadas para o nosso acervo, pondo em relevo conceitos e temas de interesse da
geografia, circunscritos pela literatura.

RESULTADOS

A geografia literária faz parte de nossas pesquisas tem algum tempo, sendo aos
poucos ampliada com o estudo de bibliotecas comunitárias, de cidades literárias, como
Fortaleza, com a confecção de roteiros literários até então relacionados a obras de Olive
Oliveira
Paiva (A Afilhada) (SILVA, CAVALCANTE, SOUZA, 2021) e Adolfo Caminha (A
Normalista) (GUERRA, CAVALCANTE, 2021) e, mais recentemente, no desvelamento de
temas (indústria) e espaços (litorâneos) variados, ampliando as possibilidades relacionais
entre geografia e literatura.

Vê-se
se assim, uma significativa convergência entre as duas disciplinas: os
geógrafos encontram na literatura a melhor expressão da relação concreta,
afetiva e simbólica a unir o homem aos lugares, e os escritores se mostram,
do seu lado,
o, cada vez mais atentos ao espaço em que se desenvolve a escrita
(COLLOT, 2012, p. 19).

Um exemplo de trabalho diretamente relacionado ao tema e que em verdade serviu


de pontapé inicial para o mesmo pode ser lido no Boletim Goiano de Geografia, em
Geografia do Litoral em Praias e Várzeas de Gustavo Barroso (CAVALCANTE; DANTAS,
2020), em que abordamos alguns temas caros ao conhecimento geográfico, como paisagem,
lugar, geograficidade, imaginação, urbanização e modernização. Com efeito, o escrito cita
citado
anteriormente, transpõe um dos possíveis olhares acerca da costa cearense, marcando o
referido espaço na consideração realizada por meio das experiências e o imagético geográfico
do autor.

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O sertão e o litoral, portanto, são os espaços vividos de Gustavo Barroso.
[…] É do sertão que retira os elementos indispensáveis para a escritura de
seu consagrado livro de estreia, Terra de Sol,, publicado em 1912. Mas o
litoral também não deixaria de ser para ele uma de suas opções de fuga e
inspiração. Com Praias e Várzeas,, seu segundo livro, publicado em 1915, o
escritor, que quando menino sonhava em ser marinheiro, se reconcilia com o
mar (CAVALCANTE e DANTAS, 2020, p. 09).

Nosso propósito, portanto, é multiplicar análises como a citada, abrangendo


diferentes recortes do litoral cearense, do passado e do presente, de maneira que possamos
construir uma interpretação geográfico
geográfico-literária
literária do referido litoral. Ainda assim, propor uma
abordagem para além da perspectiva turística e da urbanização em direção à costa, não
excluindo essas categorias, mas agregando outros elementos presentes no referido espaço,
percebendo como também na escala temporal a concepção literária passa por transformações,
quer seja pelas
as interpretações, quer seja pelas nuances espaço-temporais e as suas influências
nas áreas litorâneas.
Para tanto, em princípio apresentamos um quadro inicial (Quadro 1),
1) que nos aponta
os avanços da coleta realizada e as obras literárias que poderão nos ajudar na caracterização
do litoral cearense e seus mais variados recortes, servindo de caminho para a discussão das
geografias presentes em autores e obras, além de perceber as mudanças e os desafios de cada
tempo. São
ão pelas inquietações e imag
imaginações desses
ses escritores que uma geografia literária do
litoral ganha vida, tecendo as espacialidades e geograficidades em direção a um novo
vislumbre da paisagem litorânea cearense.

Quadro 1: Obras até então encontradas em pesquisas bibliográficas (2022).


GÊNERO / SINOPSE DA GEOGRAFIAS DA/NA REFERÊNCIAS PARA
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Encaixe, 1996.
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do mar. Fortaleza: Book
Editora, 2006.
Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

O quadro acima transpõe a riqueza de grafias a serem exploradas na abordagem da


Geografia Literária, trazendo diversos gêneros textuais, autores, paisagens e lugares que
compõem o litoral cearense.. Sendo assim, a literatura possibilita entender a percepção do
mundo dos sujeitos, o que cada vez mais nos leva a conhecer novas informações sobre os
espaços e o sentido dos lugares (TUAN, 2012).
Ao tratarmos de obras escritas em épocas diferentes,, contrapomos diversas visões de
mundo, um exemplo disso é nos voltarmos para o clássico livro Iracema (1865), do escritor
José de Alencar, que nos oferece o olhar romântico para o litoral do século XIX (indigenista)
e compará-lo a obra Memórias da Travessia (2021),, da escritora Melka Barros, que elucida a
temática
tica em uma perspectiva contemporânea, trazendo elementos mais atuais que interpelam
no sentido de relatar as mudanças no morar no litoral.

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São complexidades que contribuem para uma diversidade literária, mas também
geográfica, pois, contribuem para pensar e interpretar os lugares e as paisagens para além do
conceitual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido faz parte de um movimento em torno do litoral cearense,


que por nós começa a ser desenvolvido sob uma abordagem de cunho humanista, buscando
elementos literários que nos ajudem a caracterizar a costa do estado do Ceará, segundo o
olhar daqueles (escritores e escritoras) que nele tiveram a sua máxima de interação,
constituindo relações afetivas, como também no campo experiencial do espa
espaço vivido.
Por fim, esperamos que a soma de esforços que aqui se iniciam, possibilitem o
reconhecimento do nosso litoral literariamente,, o que nos instiga a correlacionar a Geografia
e a Literatura como campos que se distinguem, mas que dialogam na represe
representação do
espaço, da paisagem, motivando nossas ações futuras em torno da temática e no desvelar as
belezas e geografias em nossas terras incógnitas (WRIGHT, 2014).

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