IHU Online - A Ciência em Ação de Bruno Latour

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12/8/22, 10:58 AM IHU Online - A ciência em ação de Bruno Latour

EDIÇÃO 416 | 29 ABRIL 2013

A ciência em ação de Bruno


Latour

Ricardo Machado

A antropóloga e pesquisadora Leticia de Luna Freire fará


palestra na Unisinos na quinta-feira, 02, integrando o I
Seminário do XIV Simpósio Internacional IHU

“Latour não está interessado na Ciência com ‘C’ maiúsculo,


que seria a ciência pronta e acabada, mas na ciência com ‘c’
minúsculo, ou seja, na ciência em construção”, explica Leticia
de Luna Freire em entrevista por e-mail à IHU On-Line. A
palestra da professora Leticia, que ocorre na quinta-feira, às
19h30, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no IHU,
integra o ciclo de debates que antecede ao XIV Simpósio
Internacional IHU – Revoluções Tecnocientíficas, Culturas,
Indivíduos e Sociedades.

Leticia de Luna Freire é antropóloga, pesquisadora do


Laboratório de Etnografia Metropolitana – LeMetro/IFCS-
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UFRJ, do Instituto Nacional de Estudos em Administração


Institucional de Conflitos – InEAC-UFF e do Grupo de
Pesquisa Entre-Redes – UERJ. Além disso, é pós-doutoranda
do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal Fluminense – PPGA-UFF.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que é ciência em Bruno Latour ?

Leticia de Luna Freire – Como coloca claramente,


sobretudo no livro A ciência em ação (São Paulo: UNESP,
2000. 438 páginas) Latour não está interessado na Ciência
com “C” maiúsculo, que seria a ciência pronta e acabada, mas
na ciência com “c” minúsculo, ou seja, na ciência em
construção. Sua proposta é investigar como se dá, na prática, o
processo de construção dos fatos científicos, em seus mínimos
detalhes, em cada gesto dos cientistas, dentro e fora dos seus
laboratórios, com o mesmo estranhamento e observação
dedicada com que os antropólogos estudavam os chamados
povos “selvagens”. Com sua “antropologia das ciências”,
Latour busca estudar a produção de verdade nas sociedades
contemporâneas, e a ciência, ao lado de outras esferas como o
direito, por exemplo, é, nesse sentido, crucial. Afinal, quem
hoje questiona o formato de dupla hélice do DNA, a eficácia da
penicilina, a existência da camada de ozônio ou mesmo a
existência do inconsciente?

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IHU On-Line – Os trabalhos de Bruno Latour buscam


compreender as ciências como consequência da
sociedade e vice-versa. Como explicar o trabalho do
autor e da pesquisa nesse sentido?

Leticia de Luna Freire – Diante do que foi dito cima,


Latour vai se interessar justamente pelas controvérsias e
disputas que ocorreram antes desses enunciados científicos se
legitimarem como “fatos”, tornando-se, para nós,
inquestionáveis, pelo menos até que um novo argumento surja
colocando-os novamente em xeque. Utilizando uma metáfora
do próprio Latour, esta é uma abordagem que se volta para os
objetos enquanto eles ainda estão “quentes”, cabendo ao
pesquisador seguir os atores em ação, sejam eles cientistas,
políticos, moléculas, vegetais ou qualquer outra coisa que
produza efeito, diferença. Parte-se do princípio de que há uma
permeabilidade entre o lado de “dentro” e o lado de “fora” do
laboratório, ou seja, que há uma relação direta entre o que um
cientista faz em seus experimentos e o que ele faz
politicamente, atuando junto às agências de fomento à
pesquisa, às instituições acadêmicas, às instâncias reguladoras
governamentais, etc., e todo esse coletivo faz parte da ciência,
que passa a ser aqui entendida como uma rede de atores. O
que o pesquisador buscaria alcançar, ao final, não é uma
interpretação, enquadrando tudo numa moldura teórica ou
aludindo a um “contexto social”, como fazem os velhos
estudos de sociologia das ciências, mas sim uma descrição – a
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mais digna  associações 
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empiricamente. Do ponto de vista metodológico, esta seria a


única maneira de compreender a realidade dos estudos
científicos, já que a ciência é fundada sobre uma prática, e não
sobre ideias. A esse projeto, Latour, junto com outros
pesquisadores, deu o nome de Teoria do Ator-Rede, cuja sigla
em inglês (ANT – Actor-Network Theory) alude à palavra
“formiga”, evocando o trabalho longo, detalhista e de farejador
de trilhas de quem se engaja nessa tarefa. 

IHU On-Line – Quem é o cientista nas obras de


Latour?

Leticia de Luna Freire – Na leitura que faço dos seus


trabalhos, o cientista seria nada mais que um ator entre
outros, produto de uma associação híbrida de elementos. Na
análise que Latour faz das controvérsias em torno das
“descobertas” de Louis Pasteur  no século XIX, ele mostra
como o sucesso do cientista não foi fruto de suas ações
solitariamente, mas da combinação de seu talento com forças
que incluíam desde o movimento higienista aos interesses
coloniais, passando pela disputa com outros cientistas que
também estudavam a relação entre doenças e micróbios.
Nessa concepção de que os homens nunca efetuam sozinhos
suas ações, Latour nos faz ainda questionar se foi mesmo
Pasteur que produziu o ácido láctico ou se foi o ácido láctico
que produziu Pasteur como esse grande cientista que hoje
reconhecemos! Assim como o objeto de sua “descoberta”, o
cientista também seria efeito de uma associação de elementos
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heterogêneos, humanos e não humanos, produzida sob


determinadas condições.

IHU On-Line – Quando Latour menciona que os


estudos sobre as ciências deveriam partir desde antes
das caixas-pretas terem sido fechadas, o que ele está
colocando em debate?

Leticia de Luna Freire – Ele está colocando justamente o


que seria o objetivo de sua proposta de estudo da ciência, ou
seja, da prática científica em vias de se fazer. Latour fala de
objetos “quentes” e “frios” para se referir, respectivamente,
àqueles que ainda são alvo de controvérsias, e àqueles cujo
debate já se estabilizou (ou esfriou), com uma versão tida
como vencedora sobre as demais. Como exemplo do primeiro
tipo, podemos citar, a respeito de várias sociedades, a questão
do aborto ou do casamento homossexual, alvo de intensos
debates em diversas instâncias (medicina, direito, religião,
etc.). Como exemplo do segundo tipo, podemos citar os efeitos
nocivos da ingestão de álcool sobre a direção de um veículo,
reconhecidos pela medicina e regulados pelo direito através,
dentre outros, do que aqui chamamos de Lei Seca, ou, ainda,
no âmbito mais geral da sociologia como ciência, a vitória da
perspectiva de Émile Durkheim sobre a de Gabriel Tarde . Em
sua abordagem, Latour está mais interessado nos objetos do
primeiro tipo, dando um tratamento simétrico tanto para os
que se tornarão vencedores quanto para os que se tornarão
vencidos na história da ciência; tanto para o enunciado que
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vingará como “verdade” quanto para aquele que passará a


figurar, de modo negativo, como “crendice”. Ele toma de
empréstimo o termo “caixa-preta” da cibernética justamente
para designar aquilo que, a despeito de toda a complexidade e
controvérsia que o constituiu, se estabilizou como verdadeiro e
indubitável. É isso que acontece quando nos referimos ao
buraco na camada de ozônio decorrente da poluição de
determinados gases ou quando nos referimos às influências do
social sobre o comportamento de uma criança, parecendo
existir um entendimento consensual sobre o que se diz, ainda
que ninguém possa ver e apontar propriamente o “buraco” ou
o “social”. Latour, por sua vez, quer estudar o processo
anterior à constituição das caixas-pretas, isto é, quando as
controvérsias ainda estão em aberto. Como ele diz, sua
entrada no mundo da ciência não é pela entrada mais
grandiosa da Ciência, mas pela porta dos fundos.

IHU On-Line – Tendo em vista a perspectiva de


Latour, de que maneira se articulam as questões
científicas e políticas no discurso dos pesquisadores?

Leticia de Luna Freire – Para Latour, ciência e política,


assim como natureza e cultura, não estão situadas em polos
opostos, mas estão em constante interação, sendo impossível
pensá-las de maneira dissociada. Se tomarmos como exemplo
a recente Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente, realizada no Rio de Janeiro no ano passado,
veremos que o que está em jogo nas discussões, unindo
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especialistas e chefes de estado (cientistas e políticos), não são


as florestas, a atmosfera, os oceanos enquanto “puro” objeto
das ciências naturais, mas os elementos da natureza também
como objetos políticos. Fenômenos como a contaminação das
águas e o efeito estufa redefinem ali as relações entre ciência e
política. Essa conferência da ONU seria um bom exemplo de
análise daquilo que Latour denomina “política da natureza”.

IHU On-Line – Como Latour lida com a questão da


autonomia do autor quando ele é utilizado como
referência? 

Leticia de Luna Freire – Não me recordo de ter visto


Latour preocupado diretamente com esta questão. Mas,
dependendo do entendimento que se faz da noção de
autonomia, e a tomo aqui como sinônimo de independência,
diria, a partir de sua perspectiva, que o autor não é, de modo
algum, independente. Na verdade, ele só se torna uma
“referência” sobre determinado assunto ou objeto, tornando-
se mais forte que outros no campo científico, quanto mais
conectado estiver a outros atores, quanto mais for capaz de
produzir associações. Por exemplo, um cientista que produziu
determinado medicamento e visa colocá-lo no mercado só terá
o necessário reconhecimento quanto mais sua experiência for
citada em artigos científicos e quanto mais alianças fizer, seja
com instituições acadêmicas, associações profissionais,
indústria farmacêutica e grande mídia, reproduzindo e
reforçando a sua autoria do feito. O mesmo ocorre com um
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texto científico, que ganhará mais força quanto mais for


citado, debatido ou criticado. Curiosamente, como chamam a
atenção os professores Iara Souza e Dário Júnior na
introdução do último livro de Latour publicado no Brasil, ele
está entre os dez autores mais citados na área de ciências
humanas, segundo a lista divulgada pela Thompson Reuters ,
em 2009, o que mostra que, apesar de polêmico, Latour é um
ótimo cientista.

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