THIBAUD, Jean-Paul - A Ambiência, Trilhando Caminho - em Direção A Uma Perspectiva Internacional

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A ambiência : trilhando caminho para uma perspectiva

internacional
Jean-Paul Thibaud

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Jean-Paul Thibaud. A ambiência : trilhando caminho para uma perspectiva internacional. RUA
(Campinas, Brésil), 2008, 1 (14), pp.1-5. �hal-00980743�

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abroad, or from public or private research centers. publics ou privés.
A ambiência, trilhando caminho
para uma perspectiva internacional

Jean-Paul Thibaud1

In RUA [online]. 2008, n°14, Volume 1, ISSN 1413-2109

O campo das ambiências arquiteturais e urbanas não cessa de desenvolver-se na


França há mais de uma quinzena de anos. Longe de estar fechado em si mesmo,
totalmente definido e delimitado, ele está pelo contrário atravessado por numerosas
abordagens e múltiplas contribuições que fazem sua riqueza. Mas em que direções tal
campo de pesquisa se orienta atualmente e o que podemos esperar dele? Evidentemente,
não se trata aqui de antecipar as problemáticas e resultados dos trabalhos por vir, mas de
apontar uma virada que está se operando no domínio das ambiências. Digamo-lo à guisa
de introdução: a pesquisa em matéria de ambiências arquiteturais e urbanas orienta-se
cada vez mais para uma perspectiva internacional. Tal proposição não significa que os
intercâmbios e colaborações com equipes estrangeiras fossem até então inexistentes.
Muito pelo contrário, sua intensificação progressiva conduz agora a organizar e
desdobrar esse campo de pesquisa numa escala maior.

A ambiência em vias de constituir-se


Para termos uma medida dessa virada, delineemos a grandes traços os caminhos
que levam à noção de ambiência e os movimentos que acompanham sua evolução. Dois
gestos complementares podem ser brevemente esboçados.
O primeiro gesto o da determinação consiste em esclarecer e explicitar a
noção de ambiência. Sua abordagem se torna mais complexa ao longo de tempo e dá
lugar a um certo número de reformulações. Assim, à visão clássica do domínio das
ambiências que caracterizam um ambiente construído do ponto de vista puramente
físico substitui-se uma concepção mais interdisciplinar, restituindo direito de cidade à
percepção sensível e à experiência estética. As ciências humanas e sociais encontram
seu lugar e articulam-se então às ciências para a concepção do espaço (arquitetura e
urbanismo) e à engenharia. Dito rapidamente, a ambiência apresenta-se como um
espaço-tempo qualificado do ponto de vista sensível. Mais qualitativo e aberto, este

1
Sociólogo, pesquisador CNRS do Laboratório CRESSON - Centre de Recherche sur l'Espace Sonore et
l'Environnement Urbain, UMR1563 Ambiances Architecturales et Urbaines, da École Nationale
Supérieure d’Architecture de Grenoble.
novo modelo de inteligibilidade da noção de ambiência se precisa progressivamente
desenvolvendo suas próprias categorias de análise (efeitos sonoros, objetos ambientes,
configurações sensíveis,...), métodos de pesquisa in situ (percursos comentados,
observação recorrente, reativação sonora, etnografia sensível,...) e instrumentos de
modelização (modelização declarativa, modelos morfodinâmicos, simulação inversa,...).
O segundo gesto o da diferenciação consiste em propor uma alternativa a
outras abordagens do ambiente sensível urbano. É assim que a ambiência se distingue
tanto das problemáticas da dificuldade, do conforto ou da paisagem. Ao proceder desse
modo, ela tenta emancipar-se das perspectivas demasiado normativas em matéria de
ambiente, fazer valer a atividade do sujeito da percepção e o papel das práticas sociais
na concepção sensível do espaço construído, advoga em favor de abordagens
plurissensoriais e torna possível uma atenção às situações ordinárias da vida urbana.
Através dessas diversas contribuições, a ambiência marca sua distância em relação aos
campos do conhecimento vizinhos e chega a formular um conjunto de questões que a
caracterizam propriamente.
Nesse duplo gesto de determinação e diferenciação, a ambiência constitui-se
como domínio de pesquisa autônomo e começa a difundir-se no seio da comunidade
científica internacional.

Lição de um dispositivo experimental


Uma pesquisa recente2 pode sem dúvida ajudar-nos a compreender a
importância das colaborações internacionais. Nessa experimentação, tratava-se de
submeter a noção de ambiência ao crivo de equipes estrangeiras oriundas de campos
disciplinares diferentes. Os trabalhos empíricos realizados por cada equipe trataram da

2
Refiro-me aqui a uma pesquisa intitulada Processus et modalités d’émergence des ambiances urbaines
(Processos e Modalidades de Emergência das Ambiências Urbanas), desenvolvida sob minha
coordenação. Levada no âmbito do programa Action Concertée Incitative “Terrains, Techniques,
Théories. Travail interdisciplinaire en sciences humaine et sociales” (Ação Concertada Incitativa
“Terrenos, Técnicas, Teorias. Trabalho Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais), do Ministério da
Pesquisa da França, esse trabalho mobilizou a colaboração de cerca de vinte pesquisadores vinculados a
equipes francesas (laboratórios CRESSON, da Ecole Normale Supérieure d’Architecture de Grenoble, e
TERRITOIRE), alemã (Instituto de Geografia, Universidade de Bonn), polonesa (Departamento de
Psicologia, Universidade de Varsóvia), brasileiras (LABEURB – Laboratório de Estudos Urbanos/Nudecri,
Universidade Estadual de Campinas; Departamento de Saúde Pública e LAPSI – Laboratório de Psicologia
Sócio-ambiental e Intervenção, Universidade de São Paulo) e tunisiana (Unidade Conceptions et Usages
de l’espace urbain, da Ecole Nationale d’Architecture et d’Urbanisme de Tunis). Diversas disciplinas
estiveram representadas nesse grupo de pesquisa: geografia, psicologia, arquitetura, urbanismo,
lingüística, sociologia, saúde pública.

2
ambiência de certos espaços públicos urbanos, sejam daqueles de Bonn, Varsóvia, São
Paulo, Tunis ou Paris3.
Uma lição que podemos tirar dessa cooperação é que ela abriu novas questões e
perspectivas ao domínio das ambiências. Ela não se limitou a reconduzi-lo de modo
idêntico, a transferir tal qual um corpo de saber existente ou a aplicar mera e
simplesmente metodologias de campo já constituídas. Esta colaboração internacional só
foi possível ao preço de um verdadeiro gesto de conversão. Nós queremos dizer com
isso que a fim de tornar-se pertinente e operatória para cada uma das equipes, a noção
de ambiência foi objeto de um certo número de reformulações e deslocamentos. Essas
transformações operaram-se em três níveis principais.
No nível lingüístico. Era preciso traduzir a palavra “ambiência” nas outras
línguas: em polonês (nastrój), português (ambiência mais do que ambiente), árabe (jaw)
e alemão (Atmosphäre mais do que Stimmung, Ambiente ou Klima). Na busca da melhor
versão, abria-se a cada vez um novo campo semântico, aparecia uma nova maneira de
recortar o real, sendo preciso esclarecer o máximo possível as acepções do termo
“ambiência” e revelando precisamente através disso as potencialidades e limites da
palavra em francês. Em soma, a passagem pela tradução era um meio de desconstruir
essa noção (em que difere da noção de ambiente? como coloca em causa a oposição
entre objeto e sujeito?), de pôr em evidência o que ela contém de implícito (ela tem
necessariamente uma conotação positiva? em que convoca o que envolve e o que
perdura no tempo?) e de abrir sua área de significação (como passar de um uso corrente
a um uso científico? como operacionalizá-la para pensar em processos e não somente
em estados?).
No nível disciplinar. Ao mobilizar perspectivas tão diferentes como as da
geografia humana ou do urbanismo, da psicologia ambiental ou da arquitetura, da
análise do discurso, da sociologia urbana ou da saúde pública, tratava-se de medir o
alcance interdisciplinar e testar o valor operatório da noção de ambiência. Esse
cruzamento de olhares permitiu explorar a rede conceptual das ambiências (quais são as
noções que podem ser relacionadas a ela?), de redesenhar os contornos dessa noção (até
3
Cada equipe ocupou-se do estudo de uma praça pública e de uma linha de transporte em comum
(metrô ou bonde) em seu país de origem. O objetivo comum foi evidenciar os processos e modalidades de
emergência das ambiências urbanas. Em relação às praças públicas, cada equipe desenvolveu livremente
sua própria metodologia, enquanto que para as linhas de transporte em comum, uma mesma abordagem
(escuta reativada) foi coordenada pela equipe CRESSON. Esse dispositivo de pesquisa consistiu em fazer
variar os ângulos de abordagem das ambiências e a interessar-se não somente nos resultados obtidos (quid
das dinâmicas de ambiências?), mas também nos caminhos tomados para chegar a elas (quid das
metodologias?).

3
onde pode ser estendida sem perder sua coerência interna?), de propor novos modos de
compreendê-la (quid das idéias de “gerador de ambiência”, de “ambiência-tipo”, de
“perfil de ambiência”?), de aprofundar certas questões (como restituir uma ambiência?
em que escalas podemos apreendê-la? quais a eficácia e a incidência práticas dessa
noção?), etc.
No nível empírico. Os trabalhos de campo desempenharam um papel central no
dispositivo de pesquisa. Eles permitiram dar um conteúdo concreto à noção de
ambiência e ajudaram a esclarecer a concepção que cada equipe tinha dela. Mais ainda,
os resultados obtidos mostraram o quanto as ambiências humanas variam de um país
para o outro e dizem respeito a questões científicas e práticas extremamente diferentes.
Desse ponto de vista, a noção de ambiência não funciona somente como um revelador
das diversas maneiras de habitar o espaço público (instrumento de compreensão); ela
pode também ser utilizada para fins de transformação da realidade existente
(instrumento de intervenção). Podemos dizer o mesmo do próprio estatuto que essa
noção assume, do papel que é suscetível de desempenhar e das conseqüências concretas
que pode ter a partir do momento em que é confrontada a realidades urbanas, sociais,
culturais, históricas, econômicas e políticas particularmente contrastadas.
Para resumir, o estabelecimento de colaborações internacionais incide sobre a
maneira de conceber e de desenvolver o domínio das ambiências. Essas colaborações
dão lugar a um gesto de conversão que diversifica os usos que podemos ter desse
domínio, reconfigura o estado das questões e abre novas pistas na matéria.

Para uma rede internacional em matéria de ambiência


Uma rede internacional em matéria de ambiência está constituindo-se. A versão
“fraca” dessa rede consistiria a fazer dela um simples instrumento de comunicação e de
informação. Se essa função se revela como sendo de suma importância e deve sem
dúvida ser desenvolvida, ela não constitui senão um dos aspectos de uma versão “forte”
da rede tal como poderia desdobrar-se nos anos por vir. A fim de torná-la o mais
dinâmica possível, tal rede internacional poderia apoiar-se em três argumentos de base:
1. O domínio das ambiências pode ser implementado para fins muito diferentes e
segundo uma grande diversidade de pontos de vista. Também, mais do que filiar a
ambiência a um só problema ou modelo, tratar-se-ia de cultivar o pluralismo, seja de
ordem teórica, disciplinar, cultural ou profissional. A própria idéia de rede assumiria
assim todo seu sentido.

4
2. Se é importante que o domínio das ambiências conserve uma certa coerência
interna, é do mesmo modo crucial que ele continue a evoluir e a transformar-se. Sem
prever o modo de funcionamento da rede, esta consistiria em pôr em movimento as
maneiras de conceber a ambiência. Ela deveria ser vista como um operador da
ambiência em vias de constituir-se.
3. O domínio das ambiências inscreve-se ao mesmo tempo nos campos do
conhecimento científico e da prática profissional. Mais do que confrontar essas duas
vertentes, conviria implicá-las numa mesma dinâmica. Nos dois casos, tratar-se-ia de
tirar as conseqüências de trabalhos sobre a matéria pondo em evidência seu valor
heurístico e operatório.

Tradução: Carolina Rodríguez-Alcalá

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