BNCC - Rafaela Cristina Johan
BNCC - Rafaela Cristina Johan
BNCC - Rafaela Cristina Johan
Apresentação
A homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental deu-se no ano de
2017. Sucessivamente, em 2018, após a aprovação da Reforma do
Ensino Médio, legitimada a partir da Lei nº 13.415, a BNCC para essa
etapa também foi aprovada.
A criação da base justifica-se pela necessidade de se levar a todas
as instituições escolares os direitos e os objetivos de aprendizagem que
devem ser ofertados aos alunos da Educação Básica. O documento
aprovado adota para a reformulação dos currículos escolares em nível
nacional uma concepção pautada em competências e habilidades para
consolidar interesses.
Em linhas gerais, é importante destacar que a BNCC contou com
a participação assídua da rede privada no seu processo de elaboração.
Desde então, o setor privatista, fundações, movimentos empresariais e
demais setores do ramo econômico esforçam-se para tornar esse
documento uma realidade dentro das escolas e dos processos
formativos, principalmente voltados à educação pública.
Para tecer considerações, é oportuno destacar a disputa de poder
existente no âmbito político. À luz desse quadro, Moreira (2018, p. 201)
assevera que as políticas “[...] não são apenas as ações que emanam do
Estado, mas devem ser entendidas como um processo político que en-
volve negociações na arena de lutas de classes antagônicas, exigindo con-
*
DOI – 10.29388/978-65-81417-72-7-0-f.45-70
1
Mestre em Ensino pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, professora
de educação infantil pela Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu, membro do Grupo de Estudos
e Pesquisas em História, Sociedade e Educação no Brasil – GT da região Oeste do Paraná – HIS -
TEDOPR na UNIOESTE. E-mail: [email protected].
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testação e disputa entre grupos com interesses adversos.”. Sendo a políti-
ca a esfera que consolida esses embates, consideramos ser necessária, ao
mesmo tempo em que se discutem suas especificidades, a compressão do
contexto de lutas de classes existentes ao longo da história.
Neste sentido, anunciamos que o texto a seguir tem o intuito de
provocar a reflexão sobre as bases conceituais de uma BNCC alicerçada
nos preceitos privatistas, exemplificando algumas medidas que
contribuem para o avanço de princípios e projetos hegemônicos
pensados para a formação das futuras gerações. Nesta direção, para além
de uma pesquisa bibliográfica e documental, recorremos a alguns sites
jornalísticos e analisamos algumas reportagens e escritos para dialogar e
apresentar a visão de demais especialistas sobre os temas a serem
discutidos nesta produção.
Atentos aos ditames hegemônicos, propomo-nos nesta produção
– respaldados na pedagogia histórico-crítica, que está fidedignamente
sustentada no materialismo histórico-dialético – a nos contrapormos a
essas perspectivas dominantes, promovendo o debate sobre a resistência
a ser feita aos mecanismos alienantes que preveem o controle e a
degradação da formação da classe trabalhadora.
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sociais firmados em normas e valores. Do ponto de vista curricular, a
pedagogia das competências advoga pela redução dos conteúdos para dar
ênfase aos elementos aprisionados ao cotidiano, fortalecendo projetos
que desqualificam o desenvolvimento do pensamento crítico. Nesse
cenário, encaminha-se o sujeito a uma jornada acadêmica que prima
pelo exercício do treino, atendendo à demanda do sistema produtivo.
Em estudo anterior, ao analisar os pressupostos das pedagogias
das competências, verificamos a aproximação da sua base conceitual aos
interesses do capital. A agenda neoliberal tem se esforçado para fazer va-
ler as políticas de desmonte que precarizam a formação integral dos tra-
balhadores, reservando a eles o conhecimento em doses mínimas e frag-
mentadas. Tal esforço consiste em dispor, principalmente para a educa-
ção pública, apenas o necessário para que se possa formar sujeitos mera-
mente adaptáveis aos mecanismos do sistema capitalista (JOHANN,
2021).
Atentos ao que indica a BNCC e aos trajetos que promoveram a
sua homologação, cumpre expor que o documento que hoje está sendo
implementado em todo o Brasil movimenta-se mais pelo empenho do
sistema privado do que pelo próprio Ministério da Educação (MEC).
Nesse cenário, destacamos que o índice de procura por vagas em escolas
públicas tem aumentado consideravelmente nos últimos anos,
abrangendo uma grande “clientela” para essas instituições e aumentando
a arrecadação do setor privado na venda de materiais didáticos, kits
pedagógicos e cursos de capacitação, entre outros produtos vendidos ao
Estado e que geram lucro aos empresários. Na atualidade, o aumento
dessa demanda deu-se como resultado das consequências da pandemia 2.
Em consulta ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), Souza e Evangelista destacam que:
Esse avanço vem sendo programado há muito tempo, mas só agora
encontrou as condições objetivas para ser apontado como grande
solução e, principalmente, universalizado nas redes públicas e privadas
de ensino que comportam, nada mais nada menos, que 47,9 milhões de
2
Em 2019 foi emitido alerta mundial que acusava a existência de um vírus com alto poder de
contaminação. Sua propagação foi célere e interrompeu a vida de milhões de pessoas pelo mundo
todo. No Brasil, a Covid 19 matou mais de 600 milhões de pessoas; muitas dessas mortes poderi -
am ter sido evitadas se o governo brasileiro estivesse realmente comprometido com a causa e
com o bem da sua população. Retrocessos e negacionismos foram a pauta do governo Bolsonaro,
promovendo a acentuação da crise econômica, sanitária, social e educacional.
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matrículas e 2,2 milhões de docentes em 180,6 mil escolas. (SOUZA;
EVANGELISTA, 2020, n.p.).
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nomeado The Changing Nature of Work, é possível visualizar a referência a
um grupo de competências consideradas indispensáveis na formação dos
trabalhadores, sendo elas: perseverança, colaboração, empatia, trabalho
em equipe, adaptação, gerenciamento de emoções, capacidade de
resolução de conflitos, força de vontade, coragem para correr riscos e
comprometimento com o trabalho (WORLD BANK, 2019, apud
ACCIOLY; LAMOSA, 2021). Nos termos indicados, entende-se que a
ponta de lança das competências na BNCC são as chamadas
competências socioemocionais, que, de modo oportuno, servem para
monitorar a personalidade humana.
O Instituto Ayrton Senna (IAS) tem colaborado efetivamente
para a propagação das competências socioemocionais. A partir de suas
convicções, o instituto destaca o conjunto de competências como sendo
a “[...] capacidade de mobilizar, articular e colocar em prática
conhecimentos, valores, atitudes e habilidades para se relacionar com os
outros e consigo mesmo, assim como estabelecer e atingir objetivos,
tomar decisões e enfrentar situações adversas ou novas.” (INSTITUTO
AYRTON SENNA, s.d., p. 4).
Advogando pela tese de que tais competências assumem papel
fundamental no desenvolvimento integral dos estudantes, o IAS entende
que o trabalho voltado a tal proposição deve superar o conteudismo
predominante nos currículos escolares. Com efeito, o instituto elenca
cinco áreas de domínio das competências socioemocionais, também
entendidas como cinco macrocompetências, sendo elas: amabilidade,
abertura ao novo, autogestão, engajamento com os outros e resiliência
emocional. Vale ressaltar que essas áreas são utilizadas pelo IAS,
inclusive, para fundamentar documentos construídos com sua parceria,
como é o caso do Plano Estratégico 2019-2022 – São Paulo (SEDUC,
2019).
Para além dessa referência, o instituto propõe essa abordagem
para integrar os currículos a partir de uma “[...] matriz de competências
para o século 21 que combina aspectos socioemocionais e cognitivos de
modo a explicitar qual a visão de estudante que se pretende desenvol-
ver.” (INSTITUTO AYRTON SENNA, s.d., p. 9). De acordo com o
texto publicado pelo instituto, os componentes curriculares passarão a
priorizar as seguintes competências: pensamento crítico; criatividade; au-
toconhecimento; colaboração; comunicação; responsabilidade; abertura
para o novo e resolução de problemas.
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A Revista Nova Escola também tem trabalhado efetivamente
para contribuir com o processo de implementação da BNCC e o faz por
meio da elaboração e da divulgação de matérias e propostas voltadas ao
público docente. Em uma de suas publicações a respeito das
competências socioemocionais, a revista resgata a participação de Pamela
Bruening na Bett Educar3, a qual afirma que “Se as crianças aprendem
habilidades socioemocionais, elas vão ter consciência de quem são, quais
são seus pontos fortes, como se desenvolver e trabalhar nessas áreas. Se
queremos alunos mais engajados, é o que temos de fazer.” (YOSHIDA,
2018, n.p.).
Diante disto, indica-se que a escola deve considerar a necessidade
de articulação entre a família e a comunidade na programação de ativida-
des que envolvem a aprendizagem dos alunos a tais competências, com
destaque para o desenvolvimento da autoconsciência, o autogerencia-
mento, a consciência social, as habilidades de relacionamento e a tomada
de decisão responsável (YOSHIDA, 2018).
Em uma perspectiva nutrida pela defesa do protagonismo do
aluno e o seu futuro no mercado de trabalho, é feita a alusão aos avanços
dos níveis acadêmicos dos estudantes a partir do trabalho fundamentado
nas abordagens socioemocionais, que vão desde a sala de aula/escola,
família, até a comunidade.
Sem embargo, o periódico faz a afirmação de que a instituição
escolar deve contemplar essas cinco grandes competências e deve, ainda,
garantir que os professores saibam lidar com tais abordagens:
3
Evento de Educação e Tecnologia da América Latina.
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das matérias publicadas a favor do documento. Cumpre assinalar que,
em maio de 2021, a revista lança um projeto de planos de aula, cuja
iniciativa é descrita como sendo:
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Somando a esta discussão, em junho de 2021, o MPB apresenta,
por meio do seu observatório, os Embaixadores da BNCC, “[...] um
grupo formado por técnicos municipais e estaduais de todo o Brasil
mobilizados pela mesma causa que acreditamos: a implementação da
BNCC como caminho para garantir uma educação de qualidade e com
mais equidade para todos os estudantes do Brasil.” (MPB, 2021, n. p).
Trata-se de um conjunto de representantes espalhados por
diversas regiões do país, cuja seleção deu-se a partir do rendimento e do
comprometimento de tais agentes sob as boas práticas de implementação
da BNCC – e que, diante disso, são indicados para o trabalho de
orientação dos professores. Cumpre assinalar que essa proposta é
organizada a partir de cursos de formação para que os profissionais
atuem assumindo os princípios das competências e habilidades.
Os embaixadores seriam, portanto, “influenciadores” dedicados
a convencer professores e demais profissionais da educação a consumir a
BNCC e a se apropriar, em função dessa, da pedagogia das
competências.
Chaves e Evangelista (2021) afirmam que há dois princípios
essenciais nessa estratégia: a conversão e o engajamento. A conversão
dos professores seria voltada à aceitação e ao uso das propostas
estabelecidas na base, sendo engendradas em dispositivos publicitários,
visando, principalmente, a conformar os profissionais da educação no
sentido de promover um consumo fiel das proposições delineadas na
BNCC a partir de suas ações. Já o engajamento é descrito como sendo:
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com a sociedade vigente “[...] sempre associada à capacidade de o sujeito
desempenhar-se satisfatoriamente em reais situações de trabalho, mobili-
zando os recursos cognitivos e sócio-afetivos, além de conhecimentos
específicos.” (RAMOS, 2006, p. 285).
Tendo em vista que estamos inseridos em uma sociedade
capitalista, cumpre assinalar que a formação que se pretende estabelecer
a partir dessa concepção é posta a partir de uma formação técnica e
instrumental, pautada na ação, produzindo trabalhadores eficientes e
participativos para atender às demandas da contemporaneidade.
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Essa roupagem mercantilista leva-nos a pensar com preocupação
sobre o cenário educacional, uma vez que, sem a intervenção do Estado
e com o abrir das portas para o mercado, a educação pública fica
subordinada à ameaça do controle empresarial, cujo objetivo concentra-
se na obtenção de lucros e vantagens aos seus representantes
majoritários. Nessa conjuntura, a educação escolar passa a ser terreno
fértil para o planejamento e a execução de ações voltadas para as
camadas populares, salvaguardando, sempre, os interesses das elites.
O projeto de repasse de verbas para os setores privados vem
sendo consolidado com maior intensidade desde de 2016, após o golpe
que colocou à frente da presidência da República Michel Temer, que
nomeou, ao MEC e às demais pastas, representantes alinhados aos
grupos privados. Contudo, sendo coerente com os acontecimentos que
marcam a nossa atualidade, no governo de Jair Bolsonaro, o que
vivenciamos é uma onda gigantesca de retrocessos que deterioram não
somente os serviços educacionais, mas, também, a própria economia, a
saúde, a acessibilidade social, a segurança pública e os demais serviços
básicos que deveriam atender às demandas daqueles que necessitam e
fazem uso desses serviços.
A forma fetichizada nos discursos é estruturada com a intenção
de convencer a opinião pública sobre determinados projetos. Na
educação, as investidas para o convencimento dos pais e da comunidade
escolar são uma estratégia para dar luz às possibilidades de criação de
determinadas propostas que tendem a favorecer os privatistas.
Freitas (2021) atenta para a existência de um esquema voltado à
ampliação de oferta de vouchers – principalmente na educação infantil.
Esse dispositivo indica uma forma orquestrada de promover vantagens
aos donos de escolas particulares do país e dos grupos privados
envolvidos nesse processo, isto porque os recursos destinados à escola
pública passam a ser direcionados, como resultado de tal proposta, às
escolas privada, comprometendo a manutenção e precarizando cada vez
mais a escola pública e o processo de educação escolar dos trabalhadores
e seus dependentes.
Referente aos vouchers, recentemente, o governo aprovou o
Decreto nº 10.852, de 8 de novembro de 2021, que regulamenta o
Programa Auxílio Brasil – instituído a partir da Medida Provisória nº
1.061, de 9 de agosto de 2021 –, e planeja fazer avançar, a passos largos,
os interesses dos privatistas. Conforme o art. 1º da referida MP, o
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programa social, em substituição ao Bolsa Família, pretende estabelecer
ações voltadas:
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matéria publicada no site G1 Educação:
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Os neoliberais – adoradores de vouchers – querem com eles criar
mercado educacional, pois confiam sempre que isso gera qualidade –
mesmo que isso não ocorra de fato – é crença e não ciência. Os
conservadores aprovam a ideia por outro motivo: eles esperam, com
isso, acessar diretamente recursos públicos e fazer crescer o parque de
escolas ligadas a entidades religiosas que em sua proposta ideológica tem
a função de proteger os valores da “grande tradição”. (FREITAS, 2021,
n. p).
57
das escolas charter são classificadas como D ou F. (RAVITCH, 2021, n.
p, grifo da autora).
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Figura 1 - A lógica mercantilista na Educação
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No território escolar, para além do anseio pela formação de
trabalhadores adaptáveis e conformados, engendra-se a ideia de que a
escola deve dar conta de atingir metas que superem as posições em
rankings por meio das avaliações padronizadas. Sendo assim, os
defensores dessas proposições sentem a necessidade de padronizar os
currículos com aquilo que compõe essas avaliações em termos de
conteúdo, que, por vezes, são rasos e sem uma fundamentação rica em
possibilidades de desenvolvimento integral do ser.
Por fim, colocamos em destaque a meritocracia que se fortalece,
na atualidade, na educação da classe trabalhadora com a guinada
neoliberal e neoconservadora, cobrando de alunos e profissionais da
educação um bom rendimento para fazer jus a um rótulo que os
qualificam enquanto sujeitos de sucesso. Nessa propositura, a condição
de vida dos indivíduos, o seu acesso a uma educação de qualidade, a
disposição de recursos, o investimento, o atendimento a toda a demanda
de estudantes, enfim, todos esses e outros fatores fundamentais não são
considerados, encaminhando esses sujeitos ao fracasso e culpabilizando-
os disso.
Na sociedade de classes a conquista por uma posição no mercado
de trabalho é a régua que mede a conquista do ser humano. Neste
sentido, a formação dos alunos para competir no mercado de trabalho
ganha forma e faz com que seja colocada em segundo plano a
necessidade de formar indivíduos politizados e emancipados. Destarte,
consideramos que não é à toa que esses projetos têm ganhado forma na
atualidade e têm precarizado cada vez mais a formação dos sujeitos em
prol das demandas econômicas.
Sem embargo, apresentamos, a seguir, algumas proposições
advogadas pela pedagogia histórico-crítica que nos levam a pensar nas
possibilidades e na importância de estabelecer e fortalecer a resistência às
medidas impositivas planeadas pelos representantes do capital e seus
seguidores.
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em debate o tema da desmoralização da educação, provoca-nos a pensar
em formas de resistência sobre determinadas proposições.
Não por acaso, as medidas que acolhem concepções hegemôni-
cas de domínio atuam em espaços voltados ao desenvolvimento de polí-
ticas pensadas para a formação dos futuros trabalhadores, logo, em sua
grande maioria, são elaboradas para favorecer a classe dominante.
Buscando refletir sobre formas de frear os processos exploratóri-
os de uma classe sobre a outra, Saviani, em entrevista a Newton Duarte
(2019), reforça a necessidade de firmar a resistência coletiva e propositiva
aos ditames que desencadeiam os modos mais perversos de existência ao
grande conjunto humano. Diante disso:
Cabe, pois, advogar a resistência ativa que implica dois requisitos: a) que
seja coletiva, pois as resistências individuais não tem força para se
contrapor ao poder dominante exercido pelo governo ilegítimo,
antipopular e antinacional; b) que seja propositiva, isto é, que seja capaz de
apresentar alternativas às medidas do governo e de seus asseclas. Essa
forma de resistência é indispensável como estratégia de luta por uma
escola pública livre das ingerências privadas balizadas pelos interesses do
mercado. (SAVIANI, 2020, p. 16-17, grifo nosso).
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o que os dominantes dominam é condição de libertação.”.
Cumpre assinalar que tal intervenção precisa ser previamente
planejada para que haja a composição coletiva, como indica a pedagogia
histórico-crítica. Para tanto, o desenvolvimento da consciência social da
classe trabalhadora faz-se indispensável para a promoção de uma
resistência ativa.
Neste sentido, a pedagogia histórico-crítica mantém-se atenta aos
princípios reformistas, às demandas privatistas e às proposições curricu-
lares alinhadas a uma concepção pedagógica hegemônica. Portanto, além
de ser uma teoria pedagógica de cunho marxista, a pedagogia histórico-
crítica reflete uma concepção de mundo que é comprometida com os in-
teresses e os direitos da classe trabalhadora. Assim sendo, coloca-se
como oposição às medidas impositivas que deterioram a formação dos
sujeitos e subalternizam a classe trabalhadora.
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No âmbito das políticas educacionais é relevante pontuar que a
forma como vêm sendo orquestrados os direcionamentos e objetivos le-
gais dificilmente resultará em escolas eficazes. O recrutamento de nomes
alinhados aos setores empresariais e privatistas para a ocupação em car-
gos que estipulam os trajetos da educação tendem a fragilizar e a com-
prometer os avanços até então conquistados.
A educação, diante da sociedade de classes, é um ato político
(SAVIANI, 2020). Tal proposição precisa ser acolhida nas discussões
que assumem uma posição contra-hegemônica, para que não se corra o
risco de entregarmos a educação da classe trabalhadora de bandeja aos
dominantes. Deste modo, é oportuno resgatar de Saviani (2020, p. 16)
que “[...] o povo, para se transformar de súditos a cidadãos, isto é, para
ser capaz de governar ou de eleger e controlar quem governa, deve ser
educado. Para esse fim é que foi instituída a escola pública universal,
obrigatória, gratuita e laica.”.
Posto isto, Saviani (2020) não deixa de mencionar a necessidade
das articulações dos fóruns municipais, estaduais e nacional com o corpo
docente e com os sindicatos e movimentos sociais que também estão
sob ataque. É preciso, pois, que a classe trabalhadora em geral esteja
atenta e resistente, tendo consciência de que o mercado não é capaz de
fornecer uma educação pública de qualidade, tampouco uma educação
emancipadora.
4. Conclusões
No espaço desta produção procuramos apresentar algumas
provocações que nos levam a refletir sobre os projetos que estão sendo
formulados para a educação na atualidade. A BNCC tem servido de
suporte para fazer avançar propostas de formação acrítica e adaptativa e,
neste cenário, são abertas as possibilidades de atuação dos privatistas em
prol dos seus interesses.
O desmonte da educação pública vem sendo engendrado por
agentes e representantes de setores econômicos porque sabem da
grandeza em formar sujeitos emancipados e com condições de organizar
o pensamento a partir de uma leitura fidedigna do mundo que os cerca.
É certo, com isso, que tal formação coloca em risco os planos de
perpetuação de uma determinada classe, que busca explorar os
trabalhadores para consolidar seus projetos de domínio.
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Convém destacar que, ao abordarmos a BNCC e seu marco
conceitual, precisamos nos atentar ao modelo de ser humano que se
pretende formar a partir dos princípios advogados por esse documento.
Paralelo a isso, além de ser uma base que manifesta o tecnicismo
e o pragmatismo, é preciso atentar-se, também, ao fato das empresas,
fundações e institutos que estimam a BNCC estarem se esforçando para
a disseminação das competências socioemocionais, com vistas a formar
o sujeito adaptável, resiliente, harmonioso, prestativo, eficiente, entre
outros atributos que contribuem para conformar os sujeitos de que o
capitalismo é a única alternativa para os avanços. A partir desses
princípios, são rejeitados quaisquer tipos de formação que priorizem o
desenvolvimento de uma concepção de mundo materialista histórica-
dialética que busque a superação deste modelo de sociedade.
Posto isto, discutir BNCC, a intensa valorização das
competências socioemocionais e os programas de vouchers e de Escolas
Charters nunca foi tão necessário como é na atualidade. A educação está
sob ataque, com vistas a atender às demandas do capital, que cobra dos
professores bons desempenhos, prima pelo desenvolvimento de
competências que contribuam para a formação de sujeitos adaptáveis e
que, em grande medida, interfere no direcionamento de recursos que já
são restritos e que não deixam de ser necessários para as camadas
populares.
Aos professores que se recusam a ser meramente técnicos e
treinadores, o comprometimento contra as demandas privatistas faz-se
urgente, rejeitando projetos meritocráticos, de Escolas Chaters, de
vouchers e de propostas que esvaziam a educação escolar pública do
acesso aos conhecimentos sistematizados – como apresentado na
BNCC.
A escola não deve tornar-se uma empresa privada. A educação
pública de gestão pública não deve ser submetida às condições
mercadológicas e neoliberais. É preciso resistir!
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