Financiamento Da Educação e Gestão Educacional O NOVO FUNDEB E O DEVER DE PROGRESSIVIDADE NA CONCRETIZAÇÃO
Financiamento Da Educação e Gestão Educacional O NOVO FUNDEB E O DEVER DE PROGRESSIVIDADE NA CONCRETIZAÇÃO
Financiamento Da Educação e Gestão Educacional O NOVO FUNDEB E O DEVER DE PROGRESSIVIDADE NA CONCRETIZAÇÃO
Abstract: The research presents the New FUNDEB, instituted by the Constitutional
Amendment 108/2020, as an instrument to materialize the right to basic education. Its purpose
is to evaluate, based on the concept of progressivity set forth in the ICESCR, whether there
have been advances in relation to the predecessors of this funding fund, namely FUNDEF and
FUNDEB (in its first edition). It uses the deductive method and, as procedure methods, the
historical and comparative, to conclude that the New FUNDEB presents aspects that reveal its
progressivity in relation to previous funds.
1 INTRODUÇÃO
O financiamento da educação básica pública é tema que está na ordem do dia dos
debates sobre a concretização do direito fundamental social à educação no Brasil,
principalmente em face da aprovação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
*
Doutorando em Direito (Unisinos). Mestre e Bacharel em Direito (UFPel). Licenciado em Letras (UFPel).
Auditor-geral no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul).
introduzidos pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil. É a esse fenômeno que Sarlet
(2018) se refere como a abertura do catálogo de direitos fundamentais.
Um desses instrumentos de direito internacional que veicula conteúdos fundamentais
é o PIDESC, que aponta o dever de progressividade dos direitos sociais como uma das
obrigações genéricas dos Estados signatários, além da obrigação de adoção de medidas
imediatas e de assegurar níveis essenciais desses direitos (ABRAMOVICH; COURTIS,
2011). O Pacto, no artigo 2.1, estabelece o compromisso dos Estados signatários de promover
medidas progressivas, até o limite dos recursos disponíveis, para garantir o pleno exercício
dos direitos nele previstos, inclusive mediante a adoção de medidas legislativas. Dessa
implementação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais, é possível extrair dois
sentidos: a melhoria contínua do gozo dos direitos por parte dos indivíduos e a vedação, ao
Estado, de adotar medidas deliberadamente regressivas (SEPÚLVEDA, 2006).
O primeiro sentido refere-se à gradualidade, que pressupõe que tais direitos não
podem ser alcançados em curto período de tempo, em razão das dificuldades naturais
enfrentadas pelos Estados na sua implementação, motivo pelo qual é um mecanismo sensível.
O outro é o do progresso, que exige dos Estados providências destinadas a assegurar as
condições de exercício e gozo desses direitos tão rapidamente quanto possível (COURTIS,
2006; ABRAMOVICH; COURTIS, 2011).
O reverso da obrigação de implantação progressiva dos direitos econômicos, sociais
e culturais, assegurada no PIDESC, é o dever de não regressividade (KARNOPP, 2020),
tendo em vista que a obrigação dos Estados é sempre ampliativa e, por consequência, a
derrogação ou diminuição dos direitos vigentes afronta o compromisso internacional
assumido. Esse dever de não regressividade, no entendimento de Abramovich e Courtis
(2011, p. 117-118), pode ser revisto judicialmente em caso de descumprimento:
De acuerdo com el artículo 2, los Estados que [?] hayan garantizado legislativamente
o a través de medidas de otro carácter el ejercicio de los derechos estabelecidos en la
Convención, tienen el deber de hacerlo. Pero esto implica, a su vez, la prohibición
de medidas que deroguen o eliminen la legislación u otras disposiciones necesarias
para el ejercicio de los derechos reconocidos en ese instrumento. Esto significa la
consagración de la prohibición de regresividad normativa, al menos en la medida em
que esa regresión afecte las normas y disposiciones necesarias para el ejercicio de
los derechos de la Convención.
A atuação do legislador remete a uma das obrigações genéricas impostas aos Estados
pelo PIDESC, qual seja a obrigação de adequação do marco legal (ABRAMOVICH;
COURTIS, 2011). Logo, a atuação legislativa estatal deve estar pautada no dever de
progressividade sinalado pelo PIDESC e voltada à concretização dos direitos fundamentais
sociais.
Além da necessidade de ampliação para toda educação básica e vigência até o ano
de 2006, alguns problemas foram observados ao longo dos, aproximados, 10 anos de
Fundef, por exemplo, expansão extraordinária e descontrolada de matrículas
ignorando idade (CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS, GASTÃO VIEIRA,
2005); problemas de fiscalização dos recursos, com estruturas de poder social com
instituições aparelhadas por prefeito local, não existindo “controle social verdadeiro,
e sim uma cumplicidade política” (CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS,
TARSO GENRO, 2005, p. 12); fraudes no censo escolar, com informações de
matrículas de alunos inexistentes no ensino fundamental no intuito de receber mais
recursos do Fundo.
Além da atuação do grupo de trabalho criado para essa finalidade, houve mobilização
da sociedade civil e de entidades como o Conselho Nacional de Secretários de Educação
(CONSED) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), o que
permitiu um amplo diálogo sobre a instituição do fundo sucessor. A sociedade civil, por meio
da Campanha Nacional do Direito à Educação, coordenou o movimento Fundeb pra valer –
Direito à educação começa no berço e é pra toda vida, o qual defendia a inclusão das creches
no financiamento a ser promovido pelo próximo fundo (NUNES, 2016).
Gonzaga (2017) recorda que a campanha política que levou o Presidente Lula à
Presidência da República abarcava um programa de governo que estimulava a ampliação
progressiva de investimentos em educação, da creche à pós-graduação. Esse programa
Nota-se que a cesta de recursos é mais abrangente que a do FUNDEF, que era
composta por parcelas do ICMS, FPM e FPE (CF, artigos 155, inciso II; 158, inciso
IV; e 159, inciso I, alíneas a e b; e inciso II). Por força dessa mudança, enquanto o
FUNDEF tinha encerrado 2006 com R$ 35,5 bilhões de recursos previstos, o
FUNDEB poderia alcançar o montante de R$ 43,1 bilhões em seu primeiro ano de
vigência. O aumento de recursos estava, assim, intrinsecamente ligado à abrangência
do novo Fundo, que abarcava todo o ensino básico, desde as creches até o ensino
para jovens e adultos (NUNES, 2016, p. 29).
O texto introduzido no ADCT pela Emenda Constitucional n. 53/2006 foi mais claro
em relação aos aportes da União no FUNDEB, estabelecendo que, no âmbito de cada Estado
em que a arrecadação não fosse suficiente para alcançar o valor mínimo de aluno por ano,
haverá a destinação de recursos federais a título de complementação.
Além disso, o texto constitucional passou a estabelecer aportes mínimos pela União
no FUNDEB, os quais correspondem a 2 bilhões de reais no primeiro ano de vigência dos
Fundos, 3 bilhões de reais no segundo ano e 4,5 bilhões de reais no terceiro ano (todos
atualizados anualmente) e, a partir do quarto ano de vigência, 10% do total de recursos
aportados por Estados e Municípios.
O FUNDEB teve implementação gradativa não somente em relação às verbas
referentes à complementação federal, mas também quanto aos demais recursos aportados
pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. O seguinte quadro, transcrito de Gonzaga (2017,
A distribuição dos recursos do FUNDEB, assim como ocorria com o FUNDEF, foi
estabelecida com base no Censo Escolar, realizado anualmente pelo INEP. No caso do novo
Fundo, foram criados fatores de ponderação, definidos anualmente, de acordo com os
seguintes desdobramentos da educação básica: (a) creche pública em tempo integral; (b)
creche pública em tempo parcial; (c) creche conveniada em tempo integral; (d) creche
conveniada em tempo parcial; (e) pré-escola em tempo integral; (f) pré-escola em tempo
parcial; (g) anos iniciais do ensino fundamental urbano; (h) anos iniciais do ensino
fundamental no campo; (i) anos finais do ensino fundamental urbano; (j) anos finais do ensino
fundamental no campo; (k) ensino fundamental em tempo integral; (l) ensino médio urbano;
(m) ensino médio no campo; (n) ensino médio em tempo integral; (o) ensino médio integrado
à educação profissional; (p) educação especial; (q) educação indígena e quilombola; (r)
educação de jovens e adultos com avaliação no processo; e (s) educação de jovens e adultos
integrada à educação profissional de nível médio, com avaliação no processo (BRASIL,
2007).
No tocante à utilização dos recursos, assim como ocorria com o FUNDEF, o ADCT
exige a aplicação de no mínimo 60% (de cada Fundo, em âmbito estadual) para a
remuneração de profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício. A Lei n.
11.494/2007 considera como profissionais do magistério os docentes e demais profissionais
que oferecem suporte pedagógico direto às atividades de docência e como de efetivo exercício
aqueles que atuem efetivamente em tais atividades, por vinculação contratual, temporária ou
estatutária, com o ente governamental que os remunera. A Lei, por outro lado, nada diz a
respeito sobre o emprego do FUNDEB na remuneração de inativos.
Numa comparação entre a estrutura normativa do FUNDEF e do FUNDEB,
consideradas as disposições constitucionais e infraconstitucionais, é possível observar a
progressividade havida na transição do primeiro para o segundo fundo. Nesse ponto, cabe
destacar dois aspectos que assinalam para essa conclusão: a ampliação do atendimento do
ensino fundamental para toda a educação básica e a garantia de maior participação da União
na composição do Fundo.
O primeiro aspecto harmoniza as políticas públicas educacionais brasileiras com as
disposições do PIDESC sobre o direito à educação, as quais dão ênfase à generalização da
educação secundária, para torná-la acessível a todos (BRASIL, 1992). Afora isso, a
Constituição Federal assegura a progressiva universalização do ensino médio e a educação
infantil para crianças com até cinco anos de idade, ofertada em creches e pré-escolas.
Expandir o Fundo para o custeio desses níveis de ensino é coerente, portanto, com as
disposições do direito internacional e doméstico, que prevê mais do que a garantia do ensino
fundamental.
Outro aspecto que revela a progressividade do segundo Fundo em relação ao
primeiro, como se disse, foi a maior participação da União no aporte financeiro para o
FUNDEB. Ao passo que no FUNDEF esse ente apenas complementava os recursos em caso
de não atingimento da média mínima nacional, a legislação do FUNDEB obrigou o aporte de
recursos federais, inclusive mediante a fixação de valores e percentuais.
Quanto à remuneração dos profissionais da educação, embora não tenha havido
progressividade no percentual destinado pela norma, mantendo-se, no FUNDEB, os mesmos
60% destinados pelo FUNDEF, ao menos não houve diminuição. É possível afirmar que
consignar essa parcela de recursos em ambos os Fundos é condizente com o princípio da
valorização dos profissionais do magistério, inscrito tanto na Constituição Federal quanto na
LDBEN, razão pela qual apresenta-se como relevante para uma adequada prestação do direito
fundamental social à educação pelas escolas públicas.
federal, definindo que seus reajustes deverão se dar pela inflação, notadamente pelo Índice
Geral de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), durante vinte exercícios financeiros, a partir
de 2017.
Para as despesas com educação (e com saúde), essa forma de cálculo passou a viger a
partir de 2018, nos termos da referida Emenda Constitucional. Assim, para a confecção da lei
orçamentária anual, o parâmetro deixa de ser o percentual estabelecido pelo artigo 212 da
Constituição Federal, isto é, os 18% da receita de impostos para a União, e passa a ser o mero
reajuste inflacionário, independentemente de ter havido evolução na arrecadação. Isto,
aparentemente, induz à suspensão da eficácia desse dispositivo constitucional, como sugere
Karnopp (2020, p. 117) em seu estudo:
Por esse ângulo, um dos pontos mais discutidos no tocante ao Novo Regime Fiscal
se refere aos efeitos do estabelecimento de limites máximos de gastos com políticas
de saúde e educação. A Emenda Constitucional reserva o artigo 110 para tratar do
tema, quando estabelece os mesmos critérios de correção (pelos índices da inflação),
a partir de 2018 [...]. Conforme afirmamos, essa regra suspendeu as anteriormente
vigentes, tanto a que trata do custeio da saúde (artigo 198, parágrafo 2º, I, da
Constituição Federal) quanto a que se refere ao custeio da educação (artigo 212,
caput, da Constituição Federal), obrigando, no entanto, a União a aplicar os mesmos
valores dos anos anteriores, apenas corrigidos pela variação da inflação, destinando-
se o excedente arrecadado ao pagamento da dívida pública.
1
Entende-se que a fixação de novos percentuais, ainda que genericamente prevista sua possibilidade, não poderá
ser estabelecida por outra via que não a alteração constitucional, tendo em vista que se encontram estabelecidos
na Constituição Federal.
5 CONCLUSÃO
6 REFERÊNCIAS
KARNOPP, Laerte Radtke. Nem um passo atrás: o direito fundamental social à educação no
âmbito da União Federal frente ao Novo Regime Fiscal instituído pela Emenda Constitucional
n. 95/2016. Orientadora: Maria das Graças Pinto de Britto. 2020. 177 f. Dissertação
NUNES, Alynne Nayara Ferreira. FUNDEB no Congresso: exame das propostas para um
fundo a vencer em breve. In: Anais do XXIV Encontro Nacional do CONPEDI. Grupo de
Trabalho Metas e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da ONU. Florianópolis:
CONPEDI, 2015. p. 73-93. Disponível em:
http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/c178h0tg/091ud5at/46vBj8av45skzCvy.pdf. Acesso
em: 20 abr. 2020.
NUNES, Alynne Nayara Ferreira. O FUNDEB na prática: uma análise jurídica dos desafios
para a implementação de políticas públicas no Brasil. 2016. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2016. Disponível em:
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalh
oConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=3608830. Acesso em: 19 abr. 2020.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 13. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2018. 515 p.