2022.2.práticas Pedagógicas de Letramento. Uma Análise Comparativa

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

Práticas pedagógicas de letramento: uma análise comparativa

Andréia Ruth Fortaleza Ramosi


Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

Resumo
O presente trabalho tem como objetivo investigar as mudanças presentes
nas concepções e práticas pedagógicas de leitura escrita de professores
atuantes nos anos iniciais do ensino fundamental em comparação com as
1 práticas e concepções realizadas na década de 80 e/ou 90. Para isso, foi
realizada uma análise comparativa por meio da análise de conteúdo de
Bardin (1977). Após serem analisados os dados, podemos apontar como
principais resultados, que apesar das práticas pedagógicas serem
diferentes quanto aos métodos, as concepções em sua essência parecem
as mesmas. Além disso, as duas práticas deixaram claras não buscarem
uma relação das atividades realizadas com as práticas sociais vivenciadas
pelas crianças. Desse modo, é possível concluirmos que ainda existem
práticas pedagógicas de leitura e escrita insuficientes para o contexto atual,
e que ainda temos como desafio romper com concepções ultrapassadas no
ensino da leitura e escrita.
Palavras-chave: Letramento. Leitura e escrita. Práticas pedagógicas.
Análise comparativa.

Pedagogical practices of literacy in the early years of elementary


school
Abstract
The present work aims to investigate the changes present in the
pedagogical conceptions and practices of written reading of teachers
working in the early years of elementary school in comparison with the
practices and conceptions carried out in the 80's and/or 90's. comparative
analysis through Bardin's content analysis (1977). After analyzing the data,
we can point out as main results, that despite the pedagogical practices
being different in terms of methods, the conceptions in their essence seem
the same. In addition, the two practices made it clear that they did not seek a
relationship between the activities carried out and the social practices
experienced by the children. In this way, it is possible to conclude that there
are still insufficient pedagogical practices of reading and writing for the
current context, and that we still have a challenge to break with outdated
conceptions in the teaching of reading and writing.
Keywords: Literacy. Reading and writing. Pedagogical practices.
Comparative analysis.

1 Introdução

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
Este estudo situa-se na área da educação e o ensino de língua materna, de
modo a debruçar-se sobre o trabalho com leitura e escrita nos anos iniciais do
ensino fundamental, e busca refletir sobre as concepções e práticas docentes
relacionadas ao termo letramento, considerando as práticas docentes presentes no
seu surgimento na década de 80, e as práticas presentes nos dias atuais.
Para isso, é importante compreendermos que o trabalho com leitura e escrita
na escola tem sido alvo de discussões acadêmicas e políticas, pois entende-se que
2 a apropriação da leitura e escrita pelo sujeito é um direito de todo cidadão, do qual
lhe permite participar de maneira consciente de uma vida em sociedade, como
também, ser capaz de transformar sua própria realidade, foi o que Paulo Freire
chamou de emancipação humana (2005).
Muito embora, nem sempre a apropriação da leitura e escrita foi vista como
um marcador importante nas práticas sociais exercidas pelos sujeitos, a
universalização da escrita, fez com que seu uso fosse ampliado nas diversas
situações sociais (SOARES; BATISTA, 2005), e com isso, passou-se a questionar a
qualidade da alfabetização que era realizada até então.
Isto é, no início da década de 80 Brian Street (1984) começou a questionar o
conceito de alfabetização existente, pois para ele a alfabetização era vista como
uma atividade cognitiva que envolvia apenas adquirir competência para lidar com o
texto escrito, o que não era mais suficiente, tendo em vista a complexidade das
práticas sociais que envolviam os mais diversos usos da leitura e da escrita.
A partir dessas discussões, o Brasil também começou a pensar sobre as
novas perspectivas na aprendizagem da leitura e escrita e questionar a
alfabetização que era realizada, pois por muito tempo formou-se analfabetos
funcionais, pessoas que tinham o domínio da leitura e escrita, mas que não sabiam
como utilizá-lo nos diversos contextos sociais.
A compreensão sobre alfabetização, até aquele momento, concebida como
dominar as capacidades de leitura e escrita, já não era mais suficiente, por isso, aqui
no Brasil foi utilizado o termo letramento para dar conta das demais exigências
quanto ao uso social da leitura e escrita (SOARES; BATISTA, 2005).

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
Nesse sentido, Soares e Batista (2005) defendem a articulação entre a
alfabetização e o letramento. Ou seja, que as práticas pedagógicas de leitura e
escrita continuem contemplando o processo de alfabetização, que é adquirir a
competência sobre a tecnologia da leitura e escrita, mais agora agregando outra
dimensão, que seria a integração ou articulação desse conhecimento sobre a escrita
alfabética com as práticas sociais em que se fazem uso da escrita.
A pergunta que nós fazemos hoje é: com uma nova concepção sobre a
3 aprendizagem da leitura e da escrita, o que mudou nas práticas pedagógicas quase
40 anos depois?
Por isso, o presente trabalho teve como objetivo investigar as mudanças
presentes nas concepções e práticas pedagógicas de leitura escrita de professores
atuantes nos anos iniciais do ensino fundamental em comparação com as práticas e
concepções realizadas na década de 80 e/ou 90.
Acreditamos que por meio dessa análise comparativa, foi possível iniciar
uma reflexão sobre o quanto avançamos em nossas práticas pedagógicas e quais
desafios ainda precisamos superar tanto nas práticas quanto nas concepções
docentes presentes nos diais atuais.

2 Metodologia

Compreendendo a complexidade do nosso estudo, que se debruçou sobre


questões subjetivas que estão envolvidas nas concepções e práticas pedagógicas
dos professores, nossa pesquisa fundamentou-se nos pressupostos da abordagem
qualitativa (MINAYO, 2007). Para tal, utilizamos como instrumento de construção e
coleta de dados a entrevista semiestruturada.
Os participantes da entrevista foram duas professoras dos anos iniciais do
ensino fundamental. Para critérios de análise de dados e também para não
divulgarmos a identidade das entrevistadas, chamaremos por Flor à professora que
atuou na década de 80 e 90 e Rosa a professora que está na sala de aula
atualmente.
Para a análise dos dados coletados, levamos em conta o nosso objetivo,
que foi investigar as mudanças presentes nas concepções e práticas pedagógicas

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
de leitura escrita de professores atuantes nos anos iniciais do ensino fundamental
em comparação com as concepções e práticas realizadas na década de 80 e/ou 90.
Por isso, realizamos uma análise comparativa, que se deu, por meio da
técnica de análise de conteúdo estabelecida por Bardin (1977), que consiste em
análise e descrição do conteúdo das comunicações, visando a obtenção de
indicadores qualitativos, que permitam a inferência de conhecimentos atrelados às
condições de produção e recepção das mensagens.
4 A partir dessa técnica, a análise foi realizada em três etapas, pré-análise,
descrição analítica e interpretação inferencial. A primeira buscou ter uma visão geral
sobre os dados para assim formular os objetivos gerais do estudo e as hipóteses
iniciais, foi realizado por meio da leitura flutuante para familiarizar-se como
conteúdo. No segundo momento, a descrição analítica foi realizada por meio da
codificação, classificação e categorização das unidades de significação encontradas
nos dos dados coletados. E na última etapa, interpretação inferencial, foi possível
realizar a análise comparativa das práticas pedagógicas estabelecendo relações e
ideias entre as mesmas por meio do referencial teórico.

3 Resultados e Discussões

Nessa seção, apresentamos os resultados e realizamos a análise


comparativa por meio das discussões baseadas em nosso referencial teórico. A
partir da descrição analítica, tivemos como resultados três categorias de análises,
foram elas: 1 - Objetivo da ação pedagógica; 2 - Práticas pedagógicas realizadas na
perspectiva da aquisição da leitura e da escrita e 3 - Relação entre as práticas
sociais vivenciadas pelas crianças e as atividades escolares.
Na 1° categoria, objetivos da ação pedagógica de ensino da leitura e escrita,
é possível perceber as concepções das professoras sobre esse aspecto por meio do
quadro 4.1.

Quadro 4.1 - Objetivo da ação pedagógica - unidades de significados (ideias, palavras ou


expressões) encontradas na descrição analítica

Professora Flor Professora Rosa


Categorias
(década de 80/90) (atualmente)

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
- Saber ler bem; - Conhecer a estrutura de um texto;
- Ter uma boa grafia; - Reconhecer letras, sílabas e
1. Objetivo da ação
- Conhecer as sílabas e as vogais; palavras dentro do texto;
pedagógica - Conhecer os encontros vocálicos. - Realizar a leitura de frases no
texto.
Fonte: Elaborado pelo autor.

Por meio das unidades de significados, é possível inferir que a professora


Flor, que atuou na década de 80 e 90, apresenta uma concepção de objetivos da
ação pedagógica de leitura e escrita, voltadas unicamente para a aprendizagem da
5 escrita alfabética e sua leitura. Além disso, traz uma concepção da linguagem escrita
como um código, do qual, para aprendê-lo é necessário dominá-lo por meio de
aspectos técnicos como ler bem, ter uma letra bonita e adquirir conhecimentos
elementares sobre esse código.
Essa concepção é criticada por alguns autores (MORAIS; ALBUQUERQUE;
LEAL, 2005), pois consideram que essa concepção não oportunizava o aluno a
refletir conscientemente sobre a escrita, e defende, que se pretendemos alfabetizar
letrando, é preciso ter outra concepção sobre o linguagem escrita. Esta precisa ser
vista como um sistema de representação complexo, do qual as crianças precisam
compreender como funciona e as suas convenções.
Já a professora Rosa, demonstra compreender que os objetivos do trabalho
com leitura e escrita estão relacionados com uma unidade de significado mais
ampla, que é o texto. E ao sinalizar para a importância de se conhecer a estrutura de
um texto, é possível relacionar com o conhecimento sobre a estrutura dos gêneros
textuais, que segundo Bakhtin (1992), são tipos relativamente estáveis de
enunciados.
Nesse sentido, as crianças deveriam reconhecer o gênero textual a partir da
sua estrutura, e além disso, conseguir identificar algumas unidades da língua escrita
contidas no texto, como letras, sílabas, palavras e frases.
Nesta categoria, ao comparar os objetivos da ação pedagógica de leitura
escrita mencionados pelas duas professoras, observamos que são diferentes, mas
nos restaram dúvidas quanto as concepções também serem diferentes.
Pois apesar de percebermos na professora Rosa uma busca pela relação
entre as unidades linguísticas menores, como reconhecer a letras e sílabas, com

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
uma unidade de significado mais ampla proporcionada pelo texto, não é mencionado
pela mesma a compreensão desse texto em um contexto mais amplo. O que foge da
concepção da leitura e escrita na sua função social, da qual nos serve como
linguagem para mediar os processos de interação e comunicação nas práticas
sociais.
Pois para Bakhtin (1992), os gênero surgem a partir das diversas esferas de
utilização da língua, e é resultado das interações humanas, considerando o objetivo
6 de quem produz, a quem essa produção quer alcançar e o contexto em que se
produz.
Ou seja, quando nos aprofundamos no estudo do texto sem considerar as
diversas situações sociais em que este pode circular, continuamos oferecendo as
nossas crianças conhecimentos rasos que pouco tem a oferecer na perspectiva de
um letramento que oportunize essas crianças a participar das práticas sociais que
envolvem a leitura e a escrita, de maneira consciente, crítica e criativa.
Na 2° categoria que trata sobre as práticas pedagógicas realizadas na
perspectiva da aquisição da leitura e da escrita, observamos diferenças nas ações.

Quadro 4.2 - Práticas pedagógicas realizadas na perspectiva da aquisição da leitura e da escrita -


unidades de significados (ideias, palavras ou expressões) encontradas na descrição analítica

Professora Flor Professora Rosa


Categorias
(década de 80/90) (atualmente)

- Treino ortográfico; - No primeiro semestre se trabalha


2. Práticas pedagógicas
- Juntar letras; com as frases e no segundo é que
realizadas na - Soletrar as famílias silábicas; se exploram os textos.
- Atividades para trabalhar a - Trabalho com textos;
perspectiva da
coordenação motora; - Exploração de sílabas, palavras, e
aquisição da leitura e - Audiência de leitura. frases contida nos textos.
da escrita
Fonte: Elaborado pelo autor.

Nessa categoria é possível perceber como as concepções são importantes


na construção de uma prática pedagógica, pois as atividades realizadas pelas
professoras estão intimamente relacionadas com os objetivos mencionados
anteriormente.

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
Na ação da professora Flor observamos atividades apenas técnicas, onde a
ação do sujeito era memorizar as letras e associá-las aos sons, de modo a dominar
as regras presentes na construção de sílabas e palavras, além de atividades
mecânicas que envolvem a leitura e a escrita.
Isto é, as audiências de leituras são atividades que se preocupam em medir
qual o nível de decodificação que a criança se encontra, sem levar em conta a
compreensão que se tem sobre o que se ler. E as atividades que trabalham a
7 coordenação motora demonstram compreender a escrita como um processo
manual, do qual as crianças fazem treino das letras, palavras e formas,
transformando a escrita em uma atividade de cópia e não como um sistema de
representações, como ela é de fato (MORAIS; ALBUQUERQUE; LEAL, 2005).
Já nas atividades propostas pela professora Rosa é possível perceber que
seu trabalho se organiza principalmente a partir de duas unidades de significados,
são elas, as frases e os textos. Segundo a professora, o trabalho com frases
acontece um semestre antes do trabalho com textos. E quanto ao trabalho com
texto, podemos compreender a partir da categoria anterior, que seriam atividades
que ajudam a criança a identificar os gêneros textuais.
Concluímos então, que as práticas pedagógicas realizadas pela professora
Rosa, demonstram uma ação fragmentada de significados, pois a frase em si pode
expressar uma ideia, mas não consegue construir significados reais, uma frase sem
texto e contexto perde seu significado. Ou seja, não há uma preocupação na ação
pedagógica em construir significados. Desse modo, tanto o trabalho com frases,
como o trabalho com texto torna-se apenas pretexto para se identificar sílabas e
palavras (SOARES, 2016), e no caso do texto, identificar tecnicamente o gênero.
Diante dessa ação, percebe-se um trabalho apenas técnico que não faz
relação com práticas sociais em que se fazem uso da leitura e da escrita. Sobre isso
Soares (2016, p. 350-351) defende:

[...] a criança se insere no mundo da escrita tal como ele é: aprende


a ler palavras com base em textos reais que lhe foram lidos, que
compreenderam e interpretaram (...) e aprende a escrever palavras
produzindo palavras e textos reais – não palavras isoladas,
descontextualizadas, ou frases artificiais apenas para prática das

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
relações fonema-grafema; e ao mesmo tempo vai ainda aprendendo
a identificar os usos sociais e culturais da leitura e da escrita,
vivenciando diferentes eventos de letramento e conhecendo vários
tipos e gêneros textuais, vários suportes de escrita.

Acreditamos por isso, que as práticas pedagógicas da professora Rosa nos


ajudaram a compreender melhor sua concepção sobre os objetivos do trabalho com
a leitura e a escrita. Ao que nos parece, essa ação está vinculada a uma concepção
de apenas buscar outro método para se trabalhar o domínio das técnicas de
8
decodificação e codificação das palavras, do qual continua a não se preocupar com
a construção de sentidos/interpretação pelas crianças. Ou seja, não ouve avanços
quanto às práticas e concepções anteriores, pois mudar o método de trabalho não
garante chegar a objetivos diferentes.
Na 3° categoria, Relação entre as práticas sociais vivenciadas pelas
crianças e as atividades escolares, é possível observar ideias diferentes, mas que
convergem para a mesma ação.

Quadro 4.3 - Relação entre as práticas sociais vivenciadas pelas crianças e as atividades escolares-
unidades de significados (ideias, palavras ou expressões) encontradas na descrição analítica

Categorias Professora Flor Professora Rosa


(década de 80/90) (atualmente)

3. Relação entre as - Não se considerava os - As crianças vivem em uma comunidade


práticas sociais interesses das crianças; muito perigosa;
vivenciadas pelas - Só se trabalhava as datas - Elas fazem parte de uma cultura muito
crianças e as comemorativas. marginalizada;
atividades - As crianças cantam e dançam funk, e isso
escolares não é apropriado.
- O espaço escolar deve ser uma fuga
dessa realidade difícil que as crianças
enfrentam;
- A realidade delas é muito cruel, é preciso
fantasiar e imaginar na escola;
Fonte: Elaborado pelo autor.

Na primeira ação, realizada pela professora Flor, fica claro que não há
nenhuma consideração sobre essa criança enquanto sujeito que está inserido em
uma realidade social,
Na ação da professora Rosa, observamos as crianças vistas como vítimas
dos contextos sociais as quais pertencem, do qual é muito cruel e inapropriado para

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
elas, assim a imaginação e a fantasia ajudam as crianças as fugirem dessa
realidade. Ou seja, a realidade das crianças é reconhecida pela professora, no
entanto é considerada inadequada para elas, de modo, a ser excluída do processo
educativo. O que nos faz entender, que mesmo que a professora faça referência a
alguma prática social, esta é estranha ou esvaziada de significado para as crianças,
pois não fazem parte de seu contexto e não há uma busca de articulação destas
práticas com as vivenciadas pelas crianças.
9 Portanto, as duas práticas pedagógicas, configuram-se como educação
bancária (FREIRE, 1987), seja por não ter interesse na realidade social das
crianças, ou por considerar que estes conhecimento ou práticas sociais não servem,
e por isso, as duas práticas depositam nas crianças os conhecimentos considerados
valorizados socialmente, e desse modo se distanciam da perspectiva do letramento.
A saber, essa perspectiva reconhece que as práticas sociais vivenciadas
pelos sujeitos são ponto de partida para se pensar sobre os usos da leitura e da
escrita, de maneira a ampliar o conhecimento das crianças sobre seus usos nas
mais diversificadas práticas exercidas socialmente (MORAIS; ALBUQUERQUE;
LEAL, 2005).

4 Considerações finais

Nossa pesquisa teve como objetivo investigar as mudanças presentes nas


concepções e práticas pedagógicas de leitura escrita de professores atuantes nos
anos iniciais do ensino fundamental em comparação com as práticas e concepções
realizadas na década de 80 e/ou 90. Este objetivo buscava responder a seguinte
pergunta: com uma nova concepção sobre a aprendizagem da leitura e da escrita, o
que mudou nas práticas pedagógicas quase 40 anos depois?
Assim, por meio de uma análise comparativa foi possível perceber que
apesar do crescimento das discussões sobre letramento e da difusão dessa palavra
amplamente no contexto escolar, ainda há muito a ser compreendido sobre o seu
verdadeiro sentido.
A análise comparativa nos mostrou, que apesar dos objetivos da ação
pedagógica e das atividades ou métodos serem diferentes, as concepções em sua

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
essência permanecem as mesmas. As duas não reconhecem a função social da
leitura e a escrita, e concebem a escrita como um código e não como sistema de
escrita, do qual é um sistema de representações que ganha significado nas diversas
práticas sociais em que se fazem uso da leitura e da escrita. Por isso, seus
métodos, apesar de serem diferentes continuam desenvolvendo atividades
mecânicas e de memorização. Além de ficar claro, que as duas ações não se
articulam com as práticas sociais de leitura e escrita vivenciada nos contextos dos
10 quais as crianças fazem parte.
Reconhecemos as limitações do método utilizado em nosso trabalho, que se
utilizou apenas da entrevista de 2 professora para realizarmos as análises, mas
reconhecemos que esse método nos permitiu uma análise mais detalhada sobre a
questão a qual pretendíamos investigar.
Desse modo, não buscamos fazer uma generalização sobre as práticas
pedagógicas de leitura e escrita desenvolvidas atualmente, mas consideramos que
esse estudo nos permite reconhecer que as amplas discussões e difusão do termo
letramento não têm sido suficientes para mudarmos de vez as concepções e
práticas pedagógicas. E que infelizmente ainda existem ações pedagógicas de
leitura e escrita que não dão conta de formar um leitor capaz de atuar
conscientemente e criticamente nas práticas sociais em que se fazem uso da leitura
e da escrita.

Referências

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal.


São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.261-306.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, 42.ª
edição.

MINAYO, Maria Cecília de Souza e DESLANDES, Suely Ferreira. Pesquisa Social:


teoria, método e criatividade. 26 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144
MORAIS, Artur Gomes; Albuquerque, Eliana Borges Correia de; Leal, Telma Ferraz.
Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte:
Autêntica, 2005.

STREET, Brian V. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no


desenvolvimento, na etnografia e na educação. São Paulo: Parábola.

SOARES, Magda Becker; Batista. Antônio Augusto Gomes. Alfabetização e


letramento: caderno do professor. Belo Horizonte: Ceale/FaE/UFMG, 2005.

SOARES, Magda Becker. Alfabetização: a questão dos métodos. São Paulo:


11 Contexto, 2016.

iAndréia Ruth Fortaleza Ramos, ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9006-8604


Universidade Federal do Ceará; Faculdade de Educação; Programa de Pós-Graduação em
Educação
Mestranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Possui graduação em
Pedagogia pela Universidade Estadual do Ceará (2013) e Especialização em Alfabetização e
Multiletramentos pela mesma universidade (2020).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6505650240026524
E-mail: [email protected]

Editora responsável: Karla Colares Vasconcelos

Como citar este artigo (ABNT):


RAMOS, Andréia Ruth Fortaleza. Práticas pedagógicas de letramento: uma análise
comparativa. Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, 2022.

Ensino em Perspectivas, Fortaleza, v. 3, n. 1, p. 1-11, 2022


https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/
ISSN: 2675-9144

Você também pode gostar