Aranha Marcio Iorio Manual de Direito Regulatorio Fundamentos de Direito Regulatorio 2014 Create

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MARCIO IORIO ARANHA

Manual de Direito Regulatório


(Fundamentos de Direito Regulatório)

2ª edição ampliada e atualizada

Laccademia Publishing
2014
Copyright © 2014 Marcio Iorio Aranha
All rights reserved.

Publicado por Laccademia Publishing Limited


Suite 12 New Dunn Business Park, GL 16 8JD
Coleford, Gloucestershire, United Kingdom

1ª edição (2013)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Aranha, Marcio Iorio, 1974-


A662m Manual de Direito Regulatório: Fundamentos de Direito Regulatório / Márcio Iorio Aranha. 2. ed. rev. ampl. – Coleford, UK: Laccademia Publishing, 2014.
viii, 152 p. ; 22 cm.

ISBN 978-14-947-0383-7

1. Direito regulatório 2. Manual de direito regulatório. 3. Fundamentos. I. Título.

CDD: 341.3782

CDU: 346.5:65

Índice para catálogo sistemático:

Brasil : Direito Regulatório 341.3782

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio.

Impresso nos Estados Unidos/Printed in the United States


Dedicatória
O interesse pelo estudo do Direito Regulatório nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
brotou a partir de semeadura de projetos de pesquisa e de ensino implementados em iniciativas conjuntas com o saudoso professor Carlos Eduardo
Vieira de Carvalho. Passada uma década de tais iniciativas, dedico este estudo à memória do Professor que tão profundamente marcou a cátedra de
Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e que dá nome ao Núcleo de Direito Setorial e Regulatório que hoje
coordeno.
Agradecimentos

Aos alunos e professores dos cursos de pós-graduação em regulação de telecomunicações, integrantes do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias
das Comunicações da Universidade de Brasília (CCOM/UnB), onde surgiu o interesse pelo aprofundamento da temática de direito regulatório.

Aos integrantes da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, que incentivaram o aprofundamento da pesquisa em Direito Regulatório, mediante
institucionalização da disciplina de graduação de Direito Administrativo 3 e da disciplina de Mestrado e Doutorado em Direito, Estado e Constituição
intitulada Estado e Regulação.

Aos professores e alunos do Centro de Estudos em Regulação de Mercados da Universidade de Brasília (CERME/UnB), que propiciaram o espaço
institucional de desenvolvimento e teorização do Direito Regulatório frente a um público especializado em diversos setores regulados
OBRAS DO AUTOR
Livros e capítulos de livros selecionados:
1. Direito das Telecomunicações: Histórico Normativo e Conceitos Fundamentais. 2ª ed., Coleford, UK: Laccademia Publishing, 2014.
2. Comentários aos artigos 221 a 224 da Constituição Federal brasileira de 1988: CANOTILHO, J. J. Gomes [et al.] (org.). Comentários à Constituição do Brasil. Coimbra/São
Paulo: Almedina/Saraiva, 2013, p. 2051-2077.
3. Coletânea de Normas e Julgados de Telecomunicações. Brasília: Getel/UnB, 2006 a 2013. (http://www.getel.org/GETELcbdt.html)
4. Glossário Brasileiro de Direito das Telecomunicações. Brasília: Getel/UnB, 2006 a 2013
5. Temas de Telecomunicações Referenciados. Brasília: Getel/UnB, 2011 a 2013.
6. Normas e Julgados do Setor de Telecomunicações. Brasília: Getel/UnB, 2011 a 2013.
7. Direito das Telecomunicações: estrutura institucional regulatório e infraestrutura de telecomunicações no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 2005.
8. Política de Patentes em Saúde Humana. São Paulo: Atlas, 2001.
9. Interpretação constitucional e as garantias institucionais dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1999 e 2000. (3ª edição de 2014).

Artigos selecionados:
1. The Institutional Indicator of Federalism from the Perspective of the TLICS Model: Juridical Variables for the ICT Comparative Studies. Comparative Law eJournal, Vol. 12,
No. 52, June 25, 2012, p. 1-13, ISSN 1556-5068.
2. Telecommunications Law Indicators for Comparative Studies (TLICS) Model: A Hermeneutical Approach. Americas Information and Communications Network Conference
2011, p. 283-294.
3. Diálogos Políticos-Jurídicos na Comparação de Modelos Regulatórios de Comunicação. RBPC 1, 2011.
4. Restricted mobility and fixed-mobile convergence in Brazil. Info (Cambridge. Print) 13:32-42, 2011.
5. Direito, Estado e Telecomunicações: a força gravitacional da banda larga. RDET 3(1): 1-42, 2011.
6. Digital TV in Brazil and its Interactive Possibilities through Mobile Networks. Cátedra Europa 2009. Ediciones Uninorte, 2009, p. 185-194.
7. Direito, Estado e Telecomunicações: o ano em que o espectro novamente encolheu. RDET 2(1): 1-44, 2010.
8. Direito, Estado e Telecomunicações: dos primórdios ao novo modelo regulatório. RDET 1(1): 1-76, 2009.
9. Democracia participativa e a agência reguladora de telecomunicações brasileira. In: Anais do I Seminário Internacional de Regulação de Serviços Públicos: Direito Comparado
da Energia Elétrica e das Telecomunicações. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008.
10. Renovação dos contratos de concessão da Telefonia Fixa no Brasil. Notícia do Direito Brasileiro 13:225-238, 2006.
11. Mundialización informativa, informacional y cultural. Política y Cultura 26:71-91, 2006.
12. Ambiente normativo brasileiro de prestação de serviços em setores regulados: o caso da desestatização do Sistema Telebrás como arquétipo do direito administrativo de
conjuntura. Revista Notícia do Direito Brasileiro 12: 103-128, 2006.
13. Poder normativo do Executivo e teoria da regulação. Revista Notícia do Direito Brasileiro 9: 135-154, 2002.
14. Conteúdo essencial das cláusulas pétreas. Revista Notícia do Direito Brasileiro 7: 389-402, 2000.
15. As dimensões objetivas dos direitos e sua posição de relevo na interpretação constitucional como conquista contemporânea da democracia substancial. Revista de Informação
Legislativa 35: 217-230, 1998.
16. Jurisdição constitucional e política: interpretativismo, não-interpretativismo e suas alternativas políticas e jurídicas - Teoria estética - Estudo da obra “Contemporary
constitutional lawmaking” de Lief H. Carter. Revista de Informação Legislativa 33(132): 297-311, 199.
17. O método apropriado à interpretação da parte dogmática das constituições. Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios 5: 143-
155, 1997.
18. Intervencionismo social e neoliberalismo, ou liberalismo construtor: a precisão de seus conceitos mediante a análise da gradação do controle estatal e de sua política de
prioridades. Revista de Informação Legislativa 135(34): 237-251, 1997.
19. Segurança jurídica stricto sensu e legalidade dos atos administrativos: convalidação do ato nulo pela imputação do valor de segurança jurídica em concreto à junção da boa-fé e
do lapso temporal. Revista de Informação Legislativa 134: 59-73, 1997.
SUMÁRIO

Introdução ao Direito Regulatório


Estado, Poder e Direito público
Pressupostos teóricos do Estado Regulador
2.1. Cerne da regulação: o mercado de direito
2.2 Direitos fundamentais objetivados e Estado Regulador
2.3 O Estado Administrativo e a separação de poderes
2.4 Legitimidade no Estado Regulador
2.5 Poder regulamentar na tradição francesa
2.6 Situando o conceito de Estado Subsidiário
2.7 O fenômeno da regulação e seu significado
Teoria jurídica da regulação
3.1 Public Choice theory versus teoria processual administrativa da
regulação
3.2 Situação jurídica do cidadão co-partícipe no Estado Regulador

Ordenamento jurídico dinâmico


4.1 Velocidade da inovação tecnológica, linguagem setorial e
especialização regulatória
4.2 Globalização, conhecimento e política pública setorial
Modernização do direito administrativo
5.1 Regimes jurídicos de prestação de serviços
5.2 Regimes jurídicos de prestação de serviços regulados: divisão
constitucional de titularidade
5.2 Autorização de serviços

Fundamentos de Direito Regulatório


Direito Regulatório e Estado regulador
Regulação: objeto de estudo do direito regulatório
2.1 Formas de regulação
2.2 Efeitos das opções regulatórias
2.3 Função normativa conjuntural do Executivo
2.4 Conceito de regulação
2.5 Regulação versus desregulação
Regulação no brasil
3.1 Fases da regulação no Brasil
3.2 Espécies de regulação
3.3 Estruturas de Regulação Setorial
Bibliografia
Parte I
INTRODUÇÃO AO
DIREITO REGULATÓRIO
ESTADO, PODER E DIREITO PÚBLICO

Pressuposto à compreensão do direito regulatório, o conceito de


direito público e sua posição relativa frente aos de Estado e poder político
permitem situar didaticamente o direito regulatório como ramo partícipe da
tradição de direito público, embora tributária dos ramos de direito setorial.
Afora a discussão histórica sobre a relação entre Direito e
Estado, partindo-se de um dualismo que visualizava no Estado uma força
política primordial distinta do seu sistema jurídico, seguido por uma teoria
[1]
pura do direito que identificava Estado e sistema jurídico , para finalmente
repousar nas teorias constitucionalistas de mediação entre Estado e
[2]
Sociedade , o Estado, sob o enfoque jurídico, nada mais é do que um centro
de imputação normativa dotado do especial qualificativo do exercício de
[3]
poder político como uma relação de autoridade.
Em termos jurídicos, poder significa a possibilidade de
[4]
interferência unilateral na esfera jurídica alheia. O Estado, enquanto
produto constitucional, encarna as medidas de poder – competências –
delegadas pelo documento constitucional nos limites das finalidades para as
quais foram criadas – funções. Desse batimento entre suas competências e
funções, têm-se sua identidade jurídica: o Estado é um centro de atributos
jurídicos qualificado pela intensa incidência do direito público via
manifestação de aspectos sobreviventes da soberania, tais como a
possibilidade jurídica do uso da força física e sua exclusividade, bem como
a não-oponibilidade interna e externa para afirmação do ordenamento
jurídico vigente.
Como tal, ao Estado é reservada a definição de pessoa jurídica de
direito público, que se apresenta como uma unidade, no direito
internacional público, mas como um conjunto de pessoas jurídicas de
direito público para o direito interno – União, Estados-membros,
Municípios e suas autarquias. O Estado, portanto, é definido a partir do
direito público; não o inverso.
Elevado à categoria de elemento distintivo do Estado, embora não
restrito a ele, o direito público depende da categoria de poder político para
ser aquilatado. Como tal, o direito público é o regramento jurídico do poder
político entendido como uma posição diferenciada no ordenamento jurídico,
segundo a qual um centro de imputação normativa encontra-se em posição
de interferir unilateralmente na esfera jurídica de outrem. Em termos mais
analíticos, o direito público é o regramento jurídico do poder político
caracterizado pela estruturação do poder, pela conformação dos direitos,
pelo estudo das relações envolvendo o Estado e seus delegatários e pela
autolimitação do poder.
Em outras palavras, ao direito público cabe a função não só de
disciplinar a estrutura de poder como a de expressar a dimensão jurídica de
influência sobre esferas jurídicas alheias. A regulação de atividades
relevantes é manifestação preponderantemente pública, embora não
exclusivamente pública. Daí dizer-se que o direito regulatório manifesta-se
como um ramo de direito público, em especial quando os aspectos de
interferência unilateral em determinado campo de atividades socialmente
relevantes tomam a forma de órgãos ou entidades estatais com poderes
específicos de redirecionamento de tais atividades. O direito regulatório,
portanto, é um ramo de direito público.
Ao se concluir pelo posicionamento didático do direito
regulatório como ramo de direito público, entretanto, não se quer dizer que
o estudo jurídico da regulação se resuma à disciplina de estruturas
regulatórias e comandos regulatórios. Em grande medida, as disciplinas
jurídicas setoriais abarcam a disciplina regulatória, ampliando o escopo de
análise para tratar de toda a disciplina regulatória a partir de um recorte
transversal. Ou seja, o direito das telecomunicações, dos recursos naturais,
da saúde, do desporto, dos portos, aeroportos e fronteiras, dos transportes,
dos recursos hídricos, dentre outros, afiguram-se como disciplinas jurídicas
que mesclam ramos tradicionais de conhecimento jurídico – direito
constitucional, administrativo, tributário, civil, comercial, consumidor,
ambiental, dentre outros – com a disciplina jurídica regulatória específica
de cada setor, compondo um quadro mais completo do regramento jurídico
incidente sobre um setor de atividades reguladas.
O diferencial do direito regulatório, enquanto direito de caráter
amplo abrangente de diversos setores de atividades relevantes encontra-se
fora das atividades mesmas que regula. Este livro preocupa-se com o que
é onipresente às abordagens regulatórias. As disciplinas de direito setorial,
por outro lado, trazem outro recorte didático ao aglutinarem características
próprias de cada setor relevante da economia – saúde, educação, energia,
telecomunicações, petróleo, águas, transportes –, a partir de um poutporri
de abordagens interdisciplinares – exemplificativamente do direito
constitutional, administrativo, civil, comercial, do consumidor, ambiental e
ainda do direito regulatório. Assim, a identidade do direito regulatório
repousa sobre pressupostos indiferentes às peculiaridades de cada setor de
atividades reguladas, tais como sobre os conceitos de direitos fundamentais
objetivados, Estado Regulador, Estado Administrativo, legitimidade
regulatória, poder regulamentar e regulação, que serão analisados no
próximo capítulo.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DO ESTADO
REGULADOR

2.1. CERNE DA REGULAÇÃO: O MERCADO DE DIREITO


A objetivação dos direitos a partir da categoria dos dirietos
sociais do século XX explica a preocupação com a concretização de
direitos, mas não responde à questão básica do porquê da regulação, ou
seja, por que dita concretização necessitaria advir de um método especial de
intervenção estatal capaz de se readequar conjunturalmente de acordo com
as respostas originadas do sistema controlado.
Dentre os fundamentos da regulação, encontram-se, de fato, a
natureza objetiva dos direitos, os conceitos de Estado Administrativo,
separação de poderes, Estado Regulador, poder regulamentar, Estado
Subsidiário, que serão tratados em seguida, mas todos eles são pressupostos
insuficientes para justificarem por si sós o atual quadro regulatório.
O fundamento da regulação e, por consequência, do direito
regulatório, encontra-se na necessidade de proteção de um determinado
objeto errático. Não se pode negar que a competição tem sido identificada
como tal objeto e opera um efeito decisivo no modelo regulatório atual. Ela
é, portanto, um dos fundamentos da regulação, todavia, não se apresenta
como seu fundamento central. O cerne da regulação reside em outra seara
qualificadora do mercado: o direito à igualdade.
Trata-se do mesmo direito que, segundo leituras históricas mais
[5]
aprofundadas , teria dado origem à Revolução Americana, quando os
protestos dos colonos em Boston em 1773 dirigiam-se menos à tributação
do chá holandês em benefício do inglês então transportado pela Companhia
das Índias Orientais, do que à isenção tributária do chá inglês em flagrante
benefício anti-isonômico ao monopólio exercido por dita empresa. A
igualdade entre os atores econômicos foi a razão pela qual as corporações
empresariais foram vistas com muitas ressalvas após a independência dos
Estados Unidos da América. Elas somente podiam ser constituídas para
[6]
propósito específico e por duração em geral limitada a vinte anos. Somente
mais tarde, via jurisprudência da Suprema Corte estadunidense, é que a
personalidade jurídica das corporações empresariais passou a ser
reconhecida para fins de exercício de direitos à igualdade de exação obtida
quando da negativa de oitiva do caso Santa Clara County v. Southern
Pacific Railroad (118 U.S. 394), de 1886, e, recentemente, a afirmação da
igualdade de pessoas jurídicas e físicas para fins de direitos políticos de
financiamento de campanhas no caso Citizens United v. Federal Election
Commission (558 U.S. 310), de 2010.
Por detrás das limitações à atuação das corporações empresariais
encontrava-se a compreensão de que a progressiva atribuição de
personalidade jurídica a elas desequilibraria o esquema de forças dos atores
econômicos em prol de pessoas jurídicas com vantagens competitivas não
usufruíveis por seres humanos, por definição finitos no tempo e com
capacidade de investimento limitada.
Assim, o controle regulatório sobre pessoas jurídicas não surgiu,
em sua origem, por razões de preservação do mercado, dos preços, ou
mesmo para defesa dos consumidores, mas por um fundamento inerente à
igualdade, pois a mera existência das pessoas jurídicas empresariais
constitui um fator desequalizador das relações econômicas ao introduzirem
seres desumanizados em um ambiente de acumulação de capital e técnica
impossível de ser alcançado por suas contrapartes humanas, dotadas de
tempo finito de vida e fadados à responsabilização pessoal por seus atos.
O mercado existe como instituição protegida nos dias de hoje
desde que referido por elementos constitutivos básicos, dentre eles, a
concepção de se afigurar como espaço regrado de atores econômicos em
igualdade de condições. O mercado é um bem jurídico a ser protegido
porque decorre do direito à igualdade, mas o inverso – o de se proteger a
igualdade em virtude do mercado – não é verdadeiro. O original dessa
relação repousa no lado do direito à igualdade enquanto declaração
constitucional inaugural da vida política em um Estado de Direito. Nessa
relação, o mercado é um produto derivado do direito.
Assim, é inquestionável que o mercado deva ser protegido, mas
ao se dizer isso permanece oculto o verdadeiro protagonista do cenário
regulatório: o direito à igualdade de condições concorrenciais. Quando da
simplificação do significado da regulação, o direito à igualdade foi
encoberto pelas areias do tempo, sobrevivendo somente seu corolário: a
competição e sua personificação, o mercado. Por isso, a regulação não é um
método de alcance da competição onde ela não exista, mas uma demanda
inafastável derivada da constatação de que o próprio Direito criou seres
imortais que desequilibram as relações humanas de acumulação de capital,
técnica e vantagens competitivas, exigindo, portanto, a regulação por
princípio; não por consequência de deficiência do meio concorrencial.
Deficiente ele já o é por sua natureza.
Para além dessa constatação de centralidade do direito à
igualdade para a regulação, o ser humano somente será livre para o
exercício de sua criatividade e uso de atributos de relacionamento humano
quando o meio de campo inicialmente desvirtuado – ou instrumentalizado
pela própria existência das regras jurídicas – for conjunturalmente ajustado
perante a mutação normativa natural à qualquer sociedade política. Sem o
acompanhamento conjuntural da realidade operado pelo direito regulatório,
o Direito trasnforma-se em uma instituição indomada capaz de servir a fins
não previstos em sua conformação teleológica: a sua finalidade de processo
de preservação da convivência social.
A regulação moderna, que será definida mais adiante, é o
elemento de civilização da instituição jurídica na disciplina das condições
do jogo dos atores econômicos, quando dita instituição jurídica passou a ser
dirigida por forças germinadas na placa de Petri do próprio mundo jurídico:
a empresa; a corporação; a associação; a fundação, enfim, a pessoa jurídica
com pretensão de atuação econômica. A regulação é o acompanhamento do
crescimento das culturas lá germinadas. Nessa placa de Petri, que fornece o
ambiente artificial de incubação de novos seres imortais, as regras
competitivas são definidas por fronteiras que necessitam da dinâmica
regulatória para que não estrangulem os seres que justificarem as novas
criaturas: seus criadores, os titulares dos direitos fundamentais humanos,
que continuam figurando como norte valorativo de todo o sistema jurídico-
político. A regulação é uma necessidade decorrente do sistema jurídico
moderno para preservação de sua finalidade: o criador – o ser humano; e
somente mediatamente sua criatura – o ser jurídico e o mercado.

2.2 DIREITOS FUNDAMENTAIS OBJETIVADOS E ESTADO


REGULADOR
O século XX significou a afirmação dos direitos individuais como
instituições jurídicas dependentes do contexto socioeconômico; significou,
em outras palavras, a tentativa de solução do conflito entre a percepção dos
direitos, de um lado, como entidades ideais e impalpáveis – liberdades
abstratas – e, de outro lado, como configurações tangíveis resultantes de
atuação direta estatal conformadora dos direitos – liberdades concretas. O
século XX representou o momento teórico de afirmação das garantias
constitucionais dos direitos fundamentais, desde que se vulgarizou o
entendimento da insuficiência de enumeração de direitos para proteção dos
[7]
seus titulares por intermédio da teoria das garantias institucionais. Fala-se,
portanto, do século de apresentação do Estado como um componente
essencial na definição do conteúdo dos direitos fundamentais mediante
enraizamento do conceito de serviço público e da ampliação concreta do rol
de direitos dos cidadãos.
Em que medida tais conjecturas se relacionam com o conceito de
regulação? Na medida em que o Estado Regulador se apropria, como seu
pressuposto, da ideia de que o papel interventor estatal, inscrito na
regulação de setores assumidos como de interesse público, legitima-se por
sua essencialidade (do Estado) na concretização dos direitos a eles
relacionados (aos setores regulados); apropria-se da indissociabilidade entre
o enunciado abstrato de um direito subjetivo e o contexto socioeconômico e
político, enfim, cultural, de sua fruição. O pressuposto do Estado
Regulador, portanto, é a compreensão da intervenção estatal como
garantia de preservação das prestações materiais essenciais à fruição
dos direitos fundamentais, sejam elas prestações de serviços públicos ou
privados, sobre as quais se aplica a insígnia da regulação, ou sejam elas
outros tipos de atividades, tais como o exercício do poder de polícia,
atividades de fomento e prestações positivas tradicionais de índole concreta
e normativa.
O direito subjetivo somente pode ser compreendido atualmente se
encarado em comunhão com sua faceta objetiva, que repousa na
determinação de conteúdo a partir da dinâmica do ordenamento jurídico em
meio às potencialidades concretas criadas por políticas públicas, por ordens
normativas, por investimento empresarial, enfim, por acompanhamento
conjuntural do desenvolvimento de um setor de atividades de interesse
público como, por exemplo, os setores de saúde, educação, recursos
hídricos, energia, telecomunicações e transporte. A plena fruição do direito
à saúde em suas diversas dimensões de devido diagnóstico, prognóstico e
tratamento médico encontra-se intrinsecamente relacionada com as
disposições concretas de financiamento da educação universitária médica e
de áreas afins, de financiamento das pesquisas universitárias relativas ao
desenvolvimento de equipamentos e métodos laboratoriais, de construção
de uma rede de energia elétrica confiável para preservação dos
equipamentos auxiliares, de edificação de redes nacionais e internacionais
de banda larga para telemedicina, do devido equacionamento e
acompanhamento da liquidez de sistemas de saúde suplementar, enfim, de
uma lista abrangente de atuação estatal e não-estatal concertada segundo
uma batuta unificada na figura interventora, mesmo que indireta, do Estado
(não do governo) como espaço público de construção de soluções.
A complexidade alcançada na determinação de conteúdo jurídico
dos direitos fundamentais revela que a precisão de dito conteúdo exige a
análise do dispositivo normativo, como cristalização cultural que é,
associado aos influxos de transformações das ideias legislativas,
jurisprudenciais, sociais, enfim, da realidade cultural circundante. A
determinação de sentido normativo deixou de ser remetida ao ambiente
[8]
puramente estrutural do fenômeno jurídico ; deixou de procurar extrair de
um dispositivo escrito ou doutro elemento cultural cristalizado –
jurisprudência, doutrina, costumes – todo o significado regrador da
realidade; deixou de crer na possibilidade de alcance de um único
significado estático frente a uma realidade dinâmica e multifacetada. Em
outras palavras, o conteúdo normativo encontra-se claramente remetido a
decisões de normatização secundária, significando que o adensamento do
conteúdo dos direitos fundamentais depende, hoje, em grande medida,
de decisões estatais influentes sobre os setores tidos como essenciais ao
desenvolvimento socioeconômico do país e o fenômeno da regulação
ocupa posição privilegiada em tal espaço decisório.

2.3 O ESTADO ADMINISTRATIVO E A SEPARAÇÃO DE


PODERES

Mas não basta referir-se à causa que justificou o Estado


Regulador, pois ela poderia ter resultado em diversas consequências, que
não a de valorização da regulação, mediante reforço, por exemplo, da
atividade jurisdicional, ao invés de se enfatizar a normatização e
administração conjuntural de atividades de relevância social. Daí decorre
que outro pressuposto do Estado Regulador encontra-se na identificação
mesma do Estado Administrativo, em que as noções de profissionalismo e
expertise tradicionalmente aplicadas aos negócios privados são adaptadas
ao conceito de expertise na atividade de governar com a conotação de
permanência, treinamento e especialização de funções.
O início do século XX, mais precisamente a partir da Primeira
Guerra Mundial, presenciou a transformação da Administração Pública em
um substantivo, deixando de ser percebida como uma atividade periférica
para se apresentar como uma ciência que combina e se utiliza de muitas
especialidades, apresentando-se como o “negócio mestre de todos os
[9]
outros” ao subsumir e sintetizar os demais.
A teoria da separação de poderes constituiu terra fértil à formação
da teoria do Estado Administrativo. Inicialmente assentada em afirmações
que rechaçavam o poder absoluto do monarca, mediante a ideia de uma
[10]
“monarquia limitada” e funcional, no sentido de que “reis são feitos para
[11]
o reino, não reinos para o rei” , a ideia da separação, desde os escritos de
Bolingbroke de 1748, vem amenizada na literatura clássica pela referência
ao equilíbrio de poderes – equilibrium of powers, reciprocal restrictions,
reciprocal control, reciprocal delay and detention –, exigindo, com isso, a
interpenetração entre os poderes. Nem mesmo é necessário remeter-se a
clássicos da literatura utópica – A República, de Platão; Utopia, de Thomas
Morus; Oceana, de James Harrington – para que se afirme a interpenetração
de funções na divisão dos poderes. A própria classificação de Montesquieu
das atividades conjunturais como próprias ao Poder Executivo demonstra
como a divisão tripartite de poderes e funções não conseguia abranger toda
[12]
as dimensões de atividades estatais. Igualmente perplexo pela
insuficiência da referência aos três poderes como abrangentes de todas as
atividades estatais, mas preocupado com a manifestação jurídica da
[13]
normatização infralegal, Eros Grau diferencia normas primárias e
secundárias, procurando enquadrar em um conceito mais amplo de
[14]
atividade normativa as atividades conjunturais de administração das leis.
A noção de Estado Administrativo nasce em meio à constatação
de insuficiência do modelo tripartite de separação de poderes para afirmar
que a Administração Pública, aí incluída a jurisdição sob o viés tradicional
de separação de poderes, situa-se em um espaço de íntima relação e
harmonia entre a administração e a política; uma teoria que se nutre da
assertiva já de Montesquieu de que os poderes contêm várias funções para
que se impeça o domínio de uns pelos outros. Da mesma forma que a
atividade executiva, nos idos da institucionalização da separação de poderes
pelos framers da Constituição dos Estados Unidos da América, era vista
como inscrita tanto no Executivo quanto no Judiciário, quando se esperava
[15]
que os juízes servissem como “brotos nascidos do terreno executivo” ,
formando uma aliança defensiva com o Executivo contra o Congresso e
[16]
participando ativamente da execução das leis , a teoria administrativista do
século XX voltou seus olhos para inscrever ao lado da jurisdição uma
atividade essencialmente distinta da atividade executiva: a atividade de
administração das leis, que teve sua aparição institucional a partir de 1883,
nos Estados Unidos da América, com o surgimento das agências
independentes – independent establishments – e, no Brasil, tanto com a
absorção da concepção autárquica de origem italiana da primeira metade do
século XX, quanto pelo movimento mais visível de criação dos órgãos
reguladores da segunda metade da década de 1990. É bem verdade que a
concepção do Estado Administrativo foi fomentada em meio ao movimento
reformista estadunidense de fortalecimento do Poder Executivo em
detrimento da então considerada invasão das atividades administrativas por
parte do Legislativo e do Judiciário, mas isso não afasta a consideração de
que o Estado Administrativo consistiu em um movimento crítico quanto à
imprecisão institucional da administração das leis.
Sob o enfoque do Estado Administrativo, a percepção de
alastramento das funções entre os poderes estatais implica também a
compreensão da função administrativa como uma realidade equidistante das
clássicas funções estatais. Trata-se, portanto, da progressiva
institucionalização da administração como algo ligeiramente distinto das
funções executivas, legislativas e jurisdicionais. A grande novidade da
teoria administrativista do século XX está justamente na identificação da
administração estatal como algo distinto das funções executivas
presidenciais de comando supremo das forças armadas e aplicação das leis.
O Estado Administrativo expressa uma função separada das demais – a
administração das leis – como uma atividade intermediária entre as funções
clássicas executivas, legislativas e jurisdicionais: um “reino de expertise”
[17]
imune à influência política direta.
A identidade da atividade propriamente administrativa como
distinta da executiva, judicial e legislativa explica, por exemplo, a presença
inafastável dos termos “poderes quase legislativos e quase jurisdicionais”
(quasi-legislative e quasi-judicial power) na literatura estadunidense sobre
as agências reguladoras, bem como a institucionalização das agências como
órgãos independentes do Executivo e a consideração da administração
como espécie da atividade de execução da vontade do Estado, ao lado da
atividade executiva e da jurisdicional, mas em oposição à atividade de
decisão da política – a legislativa. As agências reguladoras encarnam, na
tradição do Estado Administrativo estadunidense, a afirmação de uma
estrutura estatal responsável pela administração das leis como algo
essencialmente distinto da formulação das leis e, por isso, definida por
exclusão, ou seja, trata-se da regulação entendida como a administração
das leis que não se confunde com a formulação da política pública
correspondente, o que não significa dizer que a administração das leis seria
despida de conteúdo normativo.
A teoria administrativista que cunhou o conceito de Estado
Administrativo, no entanto, não vê uma diferença essencial entre política e
administração. Pelo contrário, são fases de um mesmo processo
administrativo, que define um Estado em que a separação entre política e
administração obedece a uma finalidade utilitária de preservação de espaço
para a especialização funcional. O Estado Administrativo é assim definido
como um Estado dotado de um processo administrativo único, que permeia
todas as funções governamentais, abarcando a política e a administração
propriamente dita. Trata-se, portanto, de um Estado que encarna como
função primeira o planejamento mestre de toda a economia, presentes
duas funções primordiais: a de planejamento e execução administrativa, de
[18]
um lado; e a de veto político, de outro. Não é difícil de se ver a íntima
conexão dessa concepção de Estado com a valorização dos órgãos
reguladores de hoje, quando, em virtude da amplitude, dimensão e
importância do poder regulamentar das agências reguladoras, estas são
percebidas como um quarto poder, que sintetiza o governo moderno como
[19]
um governo administrativo.
2.4 LEGITIMIDADE NO ESTADO REGULADOR

O Estado burocrático, planejador, eminentemente administrativo,


enquanto subversão da clássica separação dos poderes, embora sofra com a
indignação política produto do aparente menosprezo da função legislativa,
detém muito maior aderência à realidade de produção do poder regulatório
do que o ideal de separação tripartite de poderes, que é útil enquanto
permite a preservação de uma estrutura representativa de índole formal.
Teóricos do direito constitucional e administrativo têm se debatido com o
tema e com a diferenciação entre política pública e regulação.
Dito Estado Administrativo – mais precisamente, sua teoria – não
se restringe, todavia, ao questionamento das bases filosóficas da estrutura
do poder instituído, ou seja, à reestruturação dos poderes em duas funções,
em que a função administrativa resta agigantada; ele também questiona as
bases filosóficas da legitimidade do poder, ou seja, como ocorre a interação
entre a estrutura burocrática estatal e sua justificação democrática perante o
titular do poder político. Nesse aspecto, já não opera efeitos ter-se em conta
a aderência entre a prática do poder político e sua teoria embasadora, pois a
questão do fundamento de legitimidade precede à institucionalização do
poder político no Estado. Pode-se sustentar, portanto, o Estado
Administrativo como um Estado estruturado em duas funções primordiais
de planejamento/execução administrativa e delimitação política, e, ao
mesmo tempo, questioná-lo quanto ao seu pressuposto de exaltação da
figura do administrador como seu cerne de legitimidade política.
Assim, outro pressuposto do Estado Regulador está na questão do
modus operandi de manifestação da legitimidade política. É certo que o
Estado Regulador, ao beber da estruturação administrativa do Estado
Administrativo, do engrandecimento da figura burocrática, da expertise
técnica e da concentração da funções estatais na etapa de planejamento e
execução das leis, amesquinha a antes dominante função legislativa de
canalização da legitimidade política e, com isso, lança a questão
fundamental sobre como a agora predominante função administrativa do
Estado, indiferenciada da função política – ou, sob outro enfoque, tendo
avançado sobre ela –, angaria legitimidade política.
A resposta a essa questão foi alvo de preocupação dos clássicos e
se alastra por toda a história das ideias políticas inscrita na questão de quem
[20] [21]
deve governar. Se para Bakunin e Kropotkin , a resposta a essa pergunta
é a de que ninguém deve governar, para uma tradição muito mais
abrangente e recorrente na filosofia política, os governantes legítimos são
os mais variados: para Platão, são os guardiães dotados de inteligência,
[22] [23]
capacidade e prestatividade ; para Francis Bacon, são os filósofos ; para
[24]
Augusto Comte, são os homens de ciência ; para Bossuet, são os monarcas
[25]
dotados de autoridade hereditária, sagrada e absoluta ; para Filmer, são os
[26]
monarcas, cujo poder é justificado por seus direitos patriarcais ; para
Locke, são aqueles responsáveis pela proteção dos direitos naturais à vida –
inclusive à saúde –, liberdade e propriedade, mediante o alcance da paz e
prosperidade via supremacia de um poder legislativo limitado pelo bem
[27]
comum da sociedade ; para Burke, são aqueles cujo juízo e indústria estão
[28]
dedicados à discussão política ; para Maquiavel, são aqueles que
conseguem ascender ao poder e reformar as instituições para
[29] [30]
engrandecimento do poder estatal ; para Marx, o proletariado ; para
[31]
Schmitt, a figura institucional da unidade simbólica do povo ; para Kelsen,
a Corte de Constitucionalidade é a responsável pela parcela de decisão
política sobre o significado das decisões fundamentais inscritas na
[32]
constituição de um país ; para os teóricos da democracia representativa
[33]
liberal, é o parlamento ; para Hannah Arendt, é o homem criativo livre das
[34]
necessidades da vida, mas preso à necessidade de ação política .
Os teóricos do Estado Administrativo também têm sua fórmula: a
[35]
legitimidade de governar recai sobre o administrador. Nesse aspecto,
os caminhos do Estado Administrativo e do Estado Regulador se bifurcam,
à medida que se pode cogitar do Estado Regulador com base nas mais
diversas explicações de legitimidade, muito embora o reforço da relação
entre legitimidade e expertise técnica seja bem-vinda a pensadores daquela
tradição do Estado Administrativo. Não é incomum, entretanto, relacionar-
se o Estado Regulador às tradições de participação política da virtude
[36] [37]
política e do republicanismo em um movimento de despersonalização da
legitimidade, que deixa de ser referida ao guardião, ao filósofoso, ao
estrategista, ao cientista, ao monarca, ao proletariado, ao Führer, para ser
referida à institucionalização da dimensão política do ser.
Assim, os pressupostos do Estado Regulador gravitam entre as
percepções da regulação como o reino da expertise, passando pela
concepção do administrador como síntese de legitimidade de uma
distribuição de poderes estatais dividida entre a administração das leis e o
poder de veto político e, finalmente, a compreensão da regulação como
espaço público ou como institucionalização de virtude política e
republicanismo.

2.5 PODER REGULAMENTAR NA TRADIÇÃO FRANCESA

O agigantamento da função administrativa não foi, todavia, um


acontecimento isolado da tradição anglo-americana; ele granjeou espaço
significativo na doutrina administrativista francesa, que tanto
influenciou o direito administrativo brasileiro. Foram dois os momentos de
afirmação do direito administrativo francês como um direito especial da
administração pública: a afirmação da justiça administrativa como uma
jurisdição com peculiaridades tais de celeridade e amplitude que exigiam
dela não só um método próprio, como também que se situasse no ceio da
própria administração como algo distinto da justiça comum; e a ampliação
do poder regulamentar.
O primeiro momento de afirmação do direito administrativo
clássico na França concentrou-se na identidade institucional da justiça
administrativa, que dominou a Restauração francesa, em especial após a
Carta Constitucional de 1814 e que se apoiava nos fundadores do direito
[38] [39] [40]
administrativo clássico francês – Gérando , Macarel e Cormenin . A
diferença entre o sistema então inaugurado do contencioso administrativo
na França em oposição à opção brasileira pelo sistema de jurisdição una
impede, em grande medida, que as distinções doutrinárias e jurisprudenciais
de então operem efeitos na prática jurídica brasileira. Influentes foram,
nesse período, as considerações doutrinárias que não dissessem respeito à
divisão de poderes.
O segundo momento pode ser didaticamente situado, embora não
restrito à instauração do 2º Império, com Napoleão III, no bojo da
Constituição francesa de 1852, que implicou o declínio do primado da
teoria da separação dos poderes, questionando-se a onipotência do
[41]
Legislativo, mediante exaltação da autoridade do Executivo. Ambientada
na Constituição de 1852 e na criação do Tribunal de Conflitos, em 1849,
para julgamento de conflitos de competência entre a justiça administrativa e
a comum, a doutrina administrativista passou a evidenciar a expansão de
fato do poder regulamentar tanto devido a mandatos constitucionais, quanto
em virtude de delegação legislativa, impondo o reconhecimento de que as
disposições regulamentares decorreriam da mesma fonte das disposições
legislativas, ambas apoiadas no poder regulador da sociedade, fazendo-se
dos “regulamentos administrativos (...) em essência assemelhados às obras
[42]
legislativas” .
No final do século XIX e início do XX, parcela da doutrina
administrativista francesa reconhecia a inafastável constatação de que,
mesmo com a crescente disciplina constitucional limitadora do poder
regulamentar, este, na prática, bebia do mesmo material das leis formais.
[43]
Confrontado-se com essa constatação, Laferrière dividiu o poder
regulamentar entre regulamentos destinados à execução das leis –
executórios –, de um lado, e regulamentos de administração pública, de
outro, estes últimos voltados ao exercício de mandato entregue
expressamente pelo Legislativo ao Executivo para, mediante o uso do poder
regulamentar, complementar e desenvolver disposições pertinentes a
determinadas matérias.
Os regulamentos em número crescente na prática institucional
francesa e independentemente da forma de governo, fosse ela o império, a
monarquia ou a república, seriam manifestações cada vez menos
enquadráveis na definição de meras execuções de leis. Divergindo de
[44]
Hauriou , que diferenciava materialmente leis e regulamentos, Duguit
entendia que tais regulamentos com força de lei obrigam, com a mesma
[45]
força das leis formais, “os particulares, os administradores e os juízes” ,
concluindo que os fatos são mais fortes que as constituições. Contra a
concepção de que as leis formais trariam princípios gerais a serem
detalhados pelos regulamentos, Moreau define os regulamentos como
[46]
regras, só que “impostas por uma autoridade distinta do Legislativo” .
Tais concepções ampliativas do poder regulamentar sofreram
críticas de autores que aderiam a uma separação rígida entre leis e
[47]
regulamentos, como Jèze , Barthélemy e o já citado Hauriou, mas o corpo
de doutrina favorável ao reconhecimento do poder regulamentar como algo
mais do que a simples execução e detalhamento de leis tinha a seu favor a
prática institucional francesa: o argumento de que a prática institucional do
poder regulamentar nunca teria, de fato, respeitado uma pretensa separação
entre a lei e o regulamento.
É nessa linha de avaliação das condições concretas de
normatização que parcela da doutrina administrativista brasileira questiona
a viabilidade do Legislativo exercer o gerenciamento normativo da
realidade apoiada na insuficiência de um modelo tradicional de separação
de poderes. A partir dessa nova visão muito influenciada por demandas
políticas concretas de reestruturação do Estado brasileiro, nutrindo-se e
nutrindo consultorias internacionais de privatizações setoriais da segunda
metade da década de 1990, um novo direito administrativo passou a encarar
de frente a realidade de maior intervencionismo estatal sob a forma de
planejamento e gerenciamento, mediante “contínua edição e substituição
[48]
de normas” decorrente não só do direito, quanto das condições concretas
do setor regulado: foi-se o tempo das sínteses de direito administrativo
descoladas da realidade setorial.

2.6 SITUANDO O CONCEITO DE ESTADO SUBSIDIÁRIO

Até o momento, foram identificados os principais pressupostos do


Estado Regulador inscritos, agora de trás para frente, na afirmação de um
Estado eminentemente interventor sobre realidades setoriais complexas, de
um Estado em que a administração das leis, como planejamento e
gerenciamento contínuo, engrandece a função administrativa, de um Estado
cuja expressão de legitimidade se desloca para a figura do administrador ou,
alternativamente, para o processo ou para o espaço público regulador, de
um Estado cujo conteúdo normativo dos direitos depende de sua
conformação objetiva em ambientes regulados, de um Estado que
internaliza o mercado em sua apresentação como produto do direito
fundamental à igualdade de condições competitivas.
Dado esse cenário teórico, onde se situa a noção de Estado
Subsidiário?
Entendido o Estado Subsidiário como uma opção societária sobre
o nível de interferência estatal na esfera privada, ele se apresenta resumido
na máxima: o governo deve fazer pelos cidadãos somente aquilo que eles
não puderem fazer por si próprios, e nada mais. Trata-se, portanto, de noção
que engloba ditames de orientação política de predomínio da iniciativa
privada sobre a pública, de consequente limitação da atuação estatal, mas,
ao mesmo tempo, de atribuição ao Estado da função de fomento,
coordenação e fiscalização da iniciativa privada para potencialização dos
negócios dos particulares, ou mesmo o incremento de parcerias público-
[49]
privadas para o fim de subsídio à iniciativa privada .
Enquanto mera orientação política de dosagem cuidadosa do nível
de interferência estatal na economia, o princípio da subsidiariedade não
afirma, nem infirma o Estado Regulador. Dito princípio pode reger o
discurso de um chefe de governo com pretensões de expansão da regulação
estatal, sem que isso afete o nível de interferência na economia, desde que
dita interferência se justifique para o fim de preservação das regras
equânimes de interação negocial privada em determinado setor regulado, ou
seja, desde que se justifique para o fim de preservação do ambiente
mercadológico pertinente.
A desconexão entre o princípio da subsidiariedade e o Estado
Regulador exsurge, contudo, quando ao conceito de Estado Subsidiário
agrega-se a ideia de que os direitos fundamentais individuais são melhor
garantidos pela ausência do Estado, o que contraria o pressuposto regulador
de que a atuação estatal reguladora é essencial à conexão entre os riscos da
atividade econômica e a sociedade política, que pretende ter sua voz
presente na constante reorientação política para preservação dos direitos
fundamentais de todos os envolvidos ameaçados por distorções produzidas
por um mercado livre. Assim, quando o Estado Subsidiário deixa de servir
como guia político de dosagem da interferência estatal, mediante o
princípio da subsidiariedade, para se apresentar com formatos totalizantes
de ideal de eliminação da atuação estatal, somente aí dito Estado
Subsidiário deixa de contribuir para a noção de Estado Regulador e passa a
miná-la.
Assim entendido o princípio da subsidiariedade, pode-se
acrescentá-lo à listagem de pressupostos do Estado Regulador, que
sinteticamente são: a) o Estado garante da igualdade de condições
competitivas; b) o Estado interventor; c) o Estado Administrativo, por sua
apresentação de agigantamento da função de planejamento e gerenciamento
das leis; d) o Estado legitimado na figura do administrador, do processo de
gerenciamento normativo da realidade ou do espaço público regulador; e) o
Estado de direitos dependentes de sua conformação objetiva em ambientes
regulados; f) o Estado Subsidiário, em sua apresentação de potencialização
da iniciativa privada via funções de fomento, coordenação e fiscalização de
setores relevantes.

2.7 O FENÔMENO DA REGULAÇÃO E SEU SIGNIFICADO

A maior dificuldade na definição de pressupostos ao Estado


Regulador encontra-se na definição do seu qualificativo central: a
[50]
regulação. Afinal, se a regulação, em sua acepção mais fundamental ,
significa um processo de realimentação contínua da decisão pelos efeitos
dessa decisão, reconformando a atitude do regulador em uma cadeia infinita
caracterizada pelo planejamento e gerenciamento conjuntural da realidade,
há diversos elementos conceituais da regulação que especificam essa noção
fundamental. São eles: a) a manifestação da atuação reguladora como uma
atuação de poder político, caracterizando-a como um projeto de direito
público; b) a consciência de que se regula algo que tem suas próprias leis, e
que, portanto, a regulação potencializa as forças da iniciativa privada em
um ambiente parcialmente preexistente e parcialmente criado pela própria
atividade reguladora; c) a finalidade da regulação como o alcance de um
equilíbrio dinâmico das interações dos atores setoriais em conformidade
com um objetivo de interesse geral e não o de mera potencialização de um
mercado regulado pretensamente indiferente ao contexto dos direitos
políticos e sociais circundantes.
A regulação, portanto, é uma força de coerência sistêmica – de
resgate da ordem – quando as contradições internas em determinado
sistema social revelam uma disfuncionalidade. Em ciências sociais, todavia,
a referência ao resgate de um estado de coisas do passado é frágil à medida
que a história da vida social apresenta-se como um fenômeno sempre
inédito, mas o aspecto da regulação enquanto força de coerência sistêmica
frente a movimentos de estruturação social considerados disfuncionais em
determinado momento histórico não deixa de ser um conceito tentador.
A definição da regulação como um resultado da disfuncionalidade
[51]
de um sistema explica o fenômeno de auto-proclamação do caráter
regulador de órgãos e entes estatais e paraestatais. Ela também explica o
alastramento do uso do termo regulação sobre diversas realidades que, há
pouco tempo atrás, sequer se cogitaria qualificá-las como regulatórias.
Hoje, fala-se em regulação para cada vez mais temas antes alheios à
[52]
terminologia regulatória , tais como pesticidas agrícolas, pesquisas com
embriões, mercado financeiro, ordenamento territorial, uso do espectro,
posições orbitais, profissões, comercialização de hemoderivados,
exploração petrolífera, infraestrutura aeroportuária, comércio eletrônico,
enfim, de uma miríade de tópicos que se apropriam da linguagem
regulatória para o exercício de uma função que se justifica no paradigma do
Estado Regulador.
A regulação de mercados como uma “forma jurídica de
[53]
engenharia social” não é novidade como lembra Ogus ao analisar o
período Tudor e Stuart na Inglaterra, bem como na alegação de Geoffrey
[54]
Elton, em seu clássico livro de 1953 , de que Thomas Cromwell (séc. XVI)
teria sido o inaugurador do governo burocrático moderno. Na mesma linha
de pensamento, o uso de contratos, termos, planejamento e
acompanhamento administrativo remonta, na tradição brasileira, à
valorização do serviço público dos clássicos do serviço público francês. O
norte de planejamento e gerenciamento, contudo, assim encarado como
característica central da atuação de poder, é o que faz da regulação, hoje,
um termo onipresente. A regulação não se contenta com o governo pelas
leis; ela exige o compromisso público pela administração das leis pari
passu. O diferencial da regulação de hoje está nos seus pressupostos, que
ampliaram sua amplitude, alcançando mais do que os comandos jurídicos
destinados a evidenciar quando uma atividade regulada tornou-se
disfuncional – a metáfora da regulação como um sinal vermelho – para
encarnar o conjunto interdisciplinar de planejamento e gerenciamento
conjuntural de atividades de interesse geral – o poder público como
partícipe do setor regulado – ambientadas nos pressupostos do Estado
Regulador, ou seja, na era do Estado Regulador.
É bem verdade que os conceitos muitas vezes se misturam,
quando, por exemplo, a crítica ao Estado Dirigista, Socialista ou
proprietário dos meios de produção toma o termo ‘planejamento’ como
próprio desse formato estatal em que a resposta às demandas sociais adquire
o formato da estatização. Essa identificação entre planejamento econômico
e estatização dos meios de produção foi ambientada na memória ainda
recente dos anos 1990, que identificava a planificação econômica com o
regime comunista do bloco soviético e resultou na percepção maniqueista
entre Estado e mercado, em que o mercado passava a ser visto como uma
[55]
entidade desligada do Estado, ao invés de um seu produto. Estudos
inaugurais do Estado Regulador com esse viés de identificação do
qualificativo do ‘planejamento’ com aquele Estado apoiado na estatização
[56]
dos setores produtivos não são incomuns. Afora a apropriação indevida do
conceito de planejamento ao de Estado Socialista, algo negado pela extensa
literatura do Estado Social e Democrático de Direito, o qualificativo
‘planejador’ é hoje inafastável do Estado Regulador.
A regulação assimila a qualidade do ‘planejamento’ estatal não
como ideologia, mas como método, ou melhor ainda, como tecnologia;
como forma de expressão humana criativa oriunda da relação do ser
[57]
humano com a natureza. Enquanto tecnologia, a regulação é uma forma
de produção da existência social dependente de um projeto humano de
acompanhamento conjuntural dos sistemas sociais. Assim entendida, a
regulação seria melhor definida como uma tecnologia social de sanção
aflitiva ou premial orientadora de setores relevantes via atividade
contratual, ordenadora, gerencial ou fomentadora.
A literatura apontada como inauguradora do olhar estatal
[58]
regulador é vasta e multifacetada. Em seu núcleo de significado, a
regulação não exige, nem dispensa a ideia de agências reguladoras e menos
ainda a de agências reguladoras independentes. A identidade entre a
regulação e tais estruturas estatais das agências reguladoras ocorreu
mediante a interdependência construída pela literatura do século XX e
início do século XXI entre regulação e Estado Regulador, em que foi
acoplado à definição de regulação o meio ou veículo de mediação entre o
[59]
ser político e o setor regulado inaugurado pela prática institucional
estadunidense. A íntima relação entre a construção conceitual da regulação
e a história institucional do Estado Regulador dos modelos estadunidense e
europeu permite falar-se de momentos regulatórios.
Em síntese, o termo regulação, inaugurado como um processo de
administração de sistemas sociais mediante retroalimentação contínua, foi
transparecido, incialmente, em comandos estatais de controle sobre a
conformação e os resultados da iniciativa privada para, a partir do processo
de desregulação das décadas de 1970 a 1990, expressar, hoje, modos de
regulação mais efetivos, mediante instrumentos de planejamento racional da
atividade reguladora por vários canais, tais como a aplicação de métodos de
controle menos restritivos e baseados em incentivos, a aplicação de
administração de riscos às questões regulatórias, a aplicação de técnicas de
análise de custo-benefício e de impacto regulatório, ou mesmo a aplicação
de uma perspectiva minimalista de auditagem de controles regulatórios
internos às empresas, de auto-regulação ou mesmo de exclusiva
homenagem a incentivos de mercado.
A regulação, portanto, parte de sua configuração original de ideia
programática inscrita em um sistema automático de retroalimentação e
controle para se apresentar hoje como uma tecnologia de governo de
sistemas sociais, que pode estar sediada em órgãos estatais – a regulação
por excelência do Estado Regulador –, em mecanismos internos de controle
empresarial – a meta-regulação, em que o Estado audita os regimes de
controle interno das empresas –, em mecanismos institucionais privados –
auto-regulação –, no vencedor do jogo político entre os atores setoriais – o
livre mercado – ou, finalmente, em uma composição de tais opções.
TEORIA JURÍDICA DA REGULAÇÃO

3.1 PUBLIC CHOICE THEORY VERSUS TEORIA PROCESSUAL


ADMINISTRATIVA DA REGULAÇÃO

O fenômeno regulatório detém diversas faces visíveis ou


invisíveis segundo a teoria que procure explicá-lo. A ciência econômica,
embora não tenha sido a primeira a se debruçar sobre aspectos da regulação,
desenvolveu todo um ramo de estudos dedicados exclusivamente à
regulação e à sua precisão conceitual, enquanto a análise jurídica,
precedendo em mais de um século as novas análises regulatórias
econômicas, tratou da regulação como um subproduto de uma disciplina
maior da teoria do serviço público. Não se trata aqui de se estabelecer
precedência ou grau de importância entre as abordagens econômicas e
jurídicas, mas de se identificar a teoria jurídica da regulação para além de
olhos leigos como uma teoria muito mais influente e fundamental para a
compreensão do fenômeno regulatório.
Desnecessário frisar que há teorias jurídicas da regulação, à
medida que o direito lida diretamente com uma manifestação proeminente
da regulação, ou seja, a regulamentação normativa. Sob o enfoque geral de
que regular significa, para a ciência jurídica, regulamentar por intermédio
de preceitos normativos, todas as teorias jurídicas destinadas à disciplina da
técnica legislativa, da técnica regulamentar e da estrutura administrativa e
seus limites constitucionais explicam a regulação, como de fato o fazem
para fins de definição do que pode ou não ser disciplinado pelo poder
regulamentar, de como os poderes instituídos devem se manifestar sobre
determinada matéria regulada, de quais são os limites desses mesmos
poderes frente às garantias constitucionais dos direitos fundamentais, de
quais são as áreas e serviços passíveis de regulação, enfim, de uma miríade
de temas que são tratados pela ciência jurídica desde que se cogita do
regramento normativo de condutas humanas.
A regulação moderna, ao ser elevada ao patamar de categoria
conceitual definidora do ethos estatal, não se contenta, todavia, com tais
abordagens gerais que a encaram apenas como um subproduto jurídico.
Imersa no meio regulatório, a ciência jurídica reagiu antes de envidar
esforços no sentido de destacar a categoria regulatória de seus estudos
tradicionais, mas ao fim e ao cabo, encontrou o caminho de tratamento
científico da regulação via direito administrativo especial de cunho setorial:
o direito setorial e regulatório.
Ao contrário do preceituado pelos expoentes da teoria econômica
da public choice, a teoria jurídico-institucional da regulação vê na estrutura
regulatória uma consequência necessária da divisão funcional de poderes e
uma garantia institucional da preservação do interesse público em setores
regulados: trata-se, portanto, da preeminência dos controles substantivos e
procedimentais de legitimidade da instituição reguladora. A teoria
[60]
processual administrativa da regulação afasta os pressupostos da teoria da
public choice, de que haveria inafastáveis incentivos à cooptação dos
reguladores rumo a uma regulação de grupos de interesse ou special interest
[61]
regulation. Aquela teoria jurídica, pelo contrário, revela a dimensão
jurídico-processual da regulação como uma regulação de interesse público
ou public-interest regulation. Em outras palavras, a teoria jurídica da
regulação enfoca um aspecto pouco aprofundado pela teoria econômica: o
processo jurídico-institucional de preservação da dicção funcional do
direito.
Ao se opor, de um lado, a regulação de grupos de interesse e, de
outro, a regulação de interesse público, o que se quer dizer com isso é que,
de um lado – do lado da regulação de grupos de interesse –, os benefícios
regulatórios são atribuídos a parcelas da sociedade em detrimento
desproporcional a toda a sociedade, ou seja, o custo dos benefícios de
poucos excedem o retorno eficiente e competitivo usufruído pelos
beneficiários. Pelo contrário, a regulação de interesse público é visível
quando os benefícios regulatórios à sociedade como um todo excedem o, ou
empatam com os benefícios alcançados por poucos na linha do critério
econômico da curva de eficiência de Kaldor-Hicks. A tradução jurídica
desse critério econômico apoiado na eficiência de Pareto encontra-se
inscrita em princípios constitucionais da eficiência administrativa, da
preeminência do interesse público e da proporcionalidade de medidas
restritivas de direitos. Ambos os enfoques – econômico e jurídico –
portanto detêm categorias conceituais para aquilatarem a regulação como
prejudicial à sociedade em benefício de grupos de interesse, ou como
virtuosa ao interesse público. A seguir, são identificadas as principais
características dessas duas teorias representativas das análises econômicas e
jurídicas.
A teoria econômica da public choice afirma, em síntese apertada,
que o processo decisório da regulação é um produto necessário da troca de
vantagens políticas entre representantes eleitos, grupos de interesse e
agências reguladoras. Para tanto, ela parte de estudos econômicos sobre a
democracia e decisão política, concluindo pela ínsita inadequação da
regulação ou intervenção estatal sobre a economia como meio de alcance do
[62]
interesse público.
Por outro lado, a teoria jurídico-institucional da regulação parte
da própria natureza e razão de ser do processo decisório das agências
reguladoras ou órgãos reguladores: trata-se, portanto, do estudo processual
da manifestação do poder administrativo, algo, aliás central para a análise
do fenômeno regulatório. Daí poder-se dizer que se trata de uma teoria
processual administrativa da regulação ou teoria do processo
administrativo regulatório. Ela se preocupa com a dimensão processual do
fenômeno regulatório em sua justificativa funcional de autonomia do
processo de tomada de decisões regulatórias. Exatamente ao defender a
consequência jurídica de autonomia decisória das estruturas regulatórias via
disciplina jurídica do processo administrativo pertinente, a teoria processual
administrativa da regulação nega o fundamento básico da teoria da public
choice, qual seja, a dependência da tríade congressistas - grupos de
interesse - regulador.
As categorias conceituais que compõem a base da teoria
processual administrativa da regulação são, sinteticamente, as seguintes: a)
procedimento administrativo; b) neutralidade do processo administrativo; c)
ambiente jurídico-institucional administrativo. Cada um desses elementos
fornece um conjunto de pressupostos tradicionais à teoria geral do direito
público, que dirigem, constrangem ou afastam os incentivos que fariam do
regulador uma peça inerte no jogo de trocas políticas.
Exemplificativamente, a neutralidade do processo administrativo
apoia-se na natureza jurídico-funcional da decisão administrativa, enquanto
a exteriorização do processo via procedimento administrativo apoia-se na
transparência, visibilidade, obtenção de apoio social, melhoria do conteúdo
de regulamentações propostas, antecipação de críticas dos atores setoriais e
oportunidades de ajuste da proposta. Finalmente, no que diz respeito ao
ambiente institucional regulatório, este abre espaço à construção de
propostas regulatórios via estabilidade profissional do regulador, via
contatos perenes com comitês acadêmico-científicos, via incentivos à
defesa do interesse público por parte do servidor-regulador, via apoio de
outras estruturas de poder à preservação da competência das agências
reguladoras, ou mesmo via controle externo e interno da atividade
reguladora.
Não é por acaso que a literatura do novo direito administrativo
dedique tanto tempo e esforço ao desenvolvimento de conceitos de
autonomia dos órgãos reguladores, independência administrativa,
[63]
transparência processual, e processo decisório administrativo. Esses temas
se apresentam invariavelmente como os temas inaugurais da teoria jurídica
da regulação via especialização do direito administrativo e são
indispensáveis à compreensão da autonomia do fenômeno regulatório.
Da mesma forma que a teoria processual da regulação reage à
concepção da regulação como um produto da composição de interesses dos
atores regulados, enfatizando o aspecto processual da formação de decisão
regulatória, outra vertente de análise jurídica da regulação reage àquela
concepção ao considerar a regulação como um fenômeno jurídico-
institucional de proteção de bens jurídicos maiores externos à estrita relação
entre os atores regulados e seus interesses. Fala-se aqui da corrente
representada por dois expoentes da análise jurídica da regulação,
nomeadamente dois publicistas: Stewart e Sunstein. Ela é conhecida como a
teoria social da regulação, em oposição à teoria econômica da regulação.
A teoria social da regulação foi ambientada na crise do Estado
Regulador estadunidense da década de 1960, em que as pretensões
regulatórias deixaram de se circunscrever ao bom funcionamento de um
setor específico da economia para atingir atividades que se alastram por
diversos setores, tais como defesa do consumidor, meio ambiente e saúde
do trabalhador. A regulação social acrescentou preocupações de direitos
sociais às decisões regulatórias, qualificando, na literatura estadunidense, o
[64]
chamado Estado Social Regulador. Segundo Stewart , esse tipo estatal se
caracteriza pela apresentação da regulação não mais como uma solução
pontual de conflitos entre os atores econômicos, mas como produção de
estratégias jurídicas de comando de setores regulados. Em outras palavras,
Stewart defende a compreensão da regulação como a juridicização dos
conflitos setoriais econômicos. Sunstein parte do mesmo princípio de que a
regulação dos anos 1960 e 1970 nos Estados Unidos sofreu mudanças
profundas ao deixar de se preocupar exclusivamente com a estabilização da
economia ou com controle de preços e de entrada no mercado regulado para
passar a representar a defesa da saúde e segurança pública contra riscos,
bem como para compensar, apoiada em enunciados de direitos
fundamentais, a “subordinação social de grupos em posição de
[65]
desvantagem” . A diferença de fundo entre a teoria processual
administrativa da regulação e a teoria social da regulação está em que,
embora ambas advoguem a insuficiência da análise econômica centrada na
potencialização dos interesses dos atores privados envolvidos em um
mercado regulado, a primeira delas preocupa-se com a dimensão processual
de tomada de decisão regulatória, afirmando a possibilidade de decisões
regulatórias em prol do interesse público via constrições procedimentais,
enquanto a segunda delas concentra-se na dimensão substantiva da
regulação, ou seja, no conteúdo da disciplina regulatória voltada à
concretização de direitos.
Tais correntes de pensamento são representativas das dimensões
jurídicas processual e substantiva da regulação, mas não esgotam as
descrições e explicações jurídicas da regulação. Nem todas as teorias
jurídicas de regulação são facilmente enquadráveis como exclusivamente
substantivas ou processuais, mas elas são identificáveis por suas
características prevalecentes.
Um expoente da criminologia, John Braithwaite, ao analisar
crimes de colarinho branco, crimes corporativos e justiça restaurativa, por
exemplo, propõe que a regulação seja compreendida como um esforço de
[66]
criação de incentivos morais para o cumprimento da lei. Na tentativa de
ultrapassar o debate entre regular e desregular, Braithwaite propõe a
[67]
chamada regulação responsiva (responsive regulation) , segundo a qual a
efetividade da regulação depende da criação de regras que incentivem o
regulado a voluntariamente cumpri-las, mediante um ambiente regulatório
de constante diálogo entre regulador e regulado. A regulação, para
Braithwaite, consiste em um conjunto de atividades distribuídas em uma
pirâmide em que, na base, encontram-se atividades persuasivas da conduta
do regulado, enquanto, no topo, um conjunto de penas draconianas de
condutas indesejadas. Portanto, à primeira vista, trata-se de uma análise
processual da regulação em que o autor propõe a constante interação entre
regulador e regulado na construção do ótimo regulatório de incentivos os
mais efetivos para persuasão dos regulados via reavaliação de sucessos e
fracassos da políticas regulatórias implementadas sem definir, a priori,
quais seriam os elementos substantivos que guiariam a atuação regulatória.
Ocorre, todavia, que a análise mais detida da proposta de Braithwaite pode
divisar uma dimensão substantiva da regulação quando se identifica como
objetivo da regulação o alcance da persuasão do regulado, apelando para o
valor da responsividade como norte e razão da regulação.
Outro exemplo de estratégia regulatória processual que tenta se
afastar de abordagens ordenadoras de comando e controle (command and
control) encontra-se na proposta de uma regulação inteligente (smart
[68]
regulation) de Gunningham , segundo o qual o momento de se abandonar
a regulação ordenadora em prol de métodos regulatórios mais sutis estaria
na detecção de uma ‘comunidade de destino partilhado’ (community of
shared fate), quando a performance negativa de um de seus membros
prejudica a todos, o que promoveria um incentivo processual a que todos os
atores setoriais, inclusive competidores, se apoiassem para evitarem efeitos
perniciosos do mau desempenho de um sobre todos
Os exemplos de propostas de abordagem regulatória apoiadas em
concepções jurídicas processuais ou substantivas são inúmeros,
restringindo-se aqui a enumerar os mais significativos. Cumpre finalmente
ressaltar que os dois exemplos enumerados se enquadram em uma tradição
jurídico-filosófica que caminha nos passos dados por Habermas e Luhmann
e sintetizados em Gunther Teubner de tentativa de solução da compreensão
[69]
do direito como sistema autopoiético , fechado em si mesmo, ampliando
[70]
seus horizontes via processo reflexivo com o meio regulado.
Em síntese, a análise jurídica da regulação contempla duas
vertentes. Enquanto a regulação social afirma o conteúdo substantivo da
regulação em direitos sociais, as teorias processuais de regulação, em sua
variedade de abordagens, apresenta técnicas de regulação voltadas ao
alcance do interesse público via regulação reflexiva, responsiva, ou
simplesmente de direito público administrativo.
3.2 SITUAÇÃO JURÍDICA DO CIDADÃO CO-PARTÍCIPE NO
ESTADO REGULADOR

Um dos efeitos da análise jurídica da regulação está na


compreensão do Estado Regulador a partir da situação jurídica do particular
frente à produção de poder estatal. Enquanto no Estado-Polícia, ao
particular é reservada a função jurídica de súdito; no Estado Liberal, a de
bourgeois dotado de atributos oponíveis ao Estado; no Estado Social, a
função de beneficiário utente de serviços públicos estatais definidores da
esfera concreta dos direitos fundamentais; no Estado Regulador, o particular
é um ator do ambiente regulador, partilhando com o Estado a
responsabilidade pelo alcance do interesse público.
O cidadão do Estado Regulador é uma engrenagem essencial e
uma força motriz necessária à implementação do interesse público,
mediante co-participação na prestação de atividades socialmente relevantes.

3.2.1 ARBITRAMENTO E ARBITRAGEM NA REGULAÇÃO

No paradigma do Estado Regulador, as fronteiras de atributos de


direito público e privado continuam bem definidas, mas sua atribuição não
se encontra reservada ao poder público. Pelo contrário, é na figura do
Estado Regulador que se avolumam as manifestações jurídicas de entidades
[71]
privadas com poderes públicos.
Também encontra-se inserido na principiologia jurídica do Estado
Regulador o ambiente propício à expansão de mecanismos
autocompositivos e heterecompositivos de conflitos por meio de
compromissos vinculantes privados, que têm sido absorvidos à prática
regulatória setorial como instrumentos de partilhamento de
responsabilidades na condução do interesse público. Trata-se aqui, em
especial, da arbitragem e de sua distinção conceitual do arbitramento
administrativo.
A arbitragem se configura em um método alternativo de resolução
de disputas de caráter heterocompositivo voltado à abertura de alternativas
de decisão para além dos jogos de soma zero da teoria dos jogos, em que o
sucesso de uma parte implica, necessariamente, a derrota da outra parte. O
âmbito de aplicação da arbitragem resume-se a litígios relativos a direitos
patrimoniais disponíveis (art. 1º, da Lei 9.307/96), podendo, segundo
entendimento doutrinário, decorrer de acordo entre partes ou de imposição
[72]
regulatória ou legal.
De outra parte, o arbitramento comum na prática regulatória é um
processo administrativo de resolução de disputas, que, enquanto tal,
caracteriza-se como o modo normal de atuação estatal via manifestação
processual administrativa no uso de competência administrativa expressa
em lei, constituindo-se em requisito à produção de atos administrativos
pertinentes à solução de litígios perante a Administração Pública.
Enquanto o arbitramento administrativo admite, como regra,
pedido de reconsideração administrativa e, em qualquer caso, recurso amplo
ao Judiciário sobre forma e mérito do ato administrativo, que deve respeitar
o contraditório e a ampla defesa devido a seu enquadramento na hipótese de
situações de litígio do art. 5º, LV da Constituição Federal de 1988, a
arbitragem está apoiada em características próprias, umas mais ou menos
distantes dos requisitos funcionais de um processo administrativo de
resolução de disputas, quais sejam: a) ampla participação das partes no
procedimento arbitral; b) maior autonomia na definição do procedimento do
juízo arbitral; c) exigência de prévia aquiescência das partes para
constituição de cláusula compromissória; d) definição dos árbitros por
indicação das partes, exceto no caso de compromisso arbitral fixado por
sentença judicial; e) sigilo das informações trazidas ao juízo arbitral; f)
limitação da matéria passível de arbitragem a direitos patrimoniais
disponíveis; g) imposição de tentativa de conciliação prévia; e finalmente h)
o caráter mais distintivo de todos, a inadmissibilidade de recurso revisional
de mérito à esfera administrativa ou judicial.
Fartas são as hipóteses de arbitramento administrativo na prática
regulatória. Basta citar, por exemplo, o caso de arbitramento inter-setorial
decorrente de normatização conjunta da ANATEL, ANEEL e ANP. O
Regulamento Conjunto de Resolução de Conflitos das Agências
Reguladoras dos Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo,
aprovado pela Resolução Conjunta nº 2, de 27 de março de 2001, prevê a
criação de Comissão Permanente de Resolução de Conflitos das Agências
Reguladoras, disciplinando o processo de resolução administrativa de
conflitos sobre compartilhamento de infraestrutura dos setores envolvidos.
A distinção entre o processo administrativo de resolução de disputas e a
arbitragem foi expressamente fixada na terminologia utilizada quando da
consulta pública referente ao Regulamento em questão, que se utilizou da
distinção entre arbitragem civil e processo administrativo de resolução de
disputas para especificar o escopo da regulamentação submetida à consulta
pública, qual seja, exclusivamente o processo administrativo, excluída a
arbitragem civil. Um exemplo internacional serve para esclarecer que a
distinção não se restrinje ao direito brasileiro. A diretiva europeia
2002/21/EC, no seu art. 20, parágrafo 2º, define que o dever das
autoridades reguladoras de redes e serviços de comunicação eletrônica de
decidirem sobre disputas do setor via arbitramento administrativo pode ser
afastado pela normatização dos Estados-partes se for detectada a
possibilidade de arbitragem ou mediação da questão ao alcance das partes.
Se, todavia, a mediação ou arbitragem não solucionarem a disputa em até
quatro meses, a autoridade reguladora local deve se comprometer a decidir
a questão, fazendo uso de seu poder de arbitramento administrativo.
Não tão fartas na regulamentação, embora presentes em nível de
cláusulas de contratos de concessões de diversos setores, estão as previsões
de instalação de juízos arbitrais em dois formatos bem distintos: a) o juízo
arbitral em que o poder público figura como árbitro, por meio do órgão
regulador correspondente; b) o juízo arbitral em que o poder público figura
como parte, por meio do compromisso arbitral firmado entre órgão
regulador e entidade regulada.
A previsão normativa de incorporação de agência reguladora na
função de árbitra não é incomum e visa, basicamente, introduzir um método
de resolução de disputas mais aberto e participativo para questões até então
exclusivamente definidas pelo método tradicional de processo
administrativo de solução de disputas entre prestadores de serviços
regulados ou entre eles e os usuários dos serviços.
Muito mais delicada é, entretanto, a inserção de um órgão
regulador como parte em juízo arbitral envolvendo disputas entre o próprio
órgão regulador e prestadores de serviços por ele regulados. De imediato, os
princípios de direito público de indisponibilidade do interesse público,
irrenunciabilidade de competência administrativa (art. 11, da Lei 9.784/99)
e indelegabilidade de edição de atos de caráter normativo, de decisão de
recursos administrativos e de matérias de competência exclusiva do órgão
ou autoridade (art. 13, da Lei 9.784/99), surgem como obstáculos à
definição da matéria que pode ser atingida por cláusula compromissória
arbitral.
Não obstante tais limitações de ponto de partida, tanto a prática
de cláusulas compromissórias em contratos de concessão, quanto a
avialiação doutrinária e jurisprudencial favorável à arbitragem dentro de
certos limites é inquestionável na experiência jurídica brasileira. Para
justificar a presença de cláusulas compromissórias arbitrais em contratos de
concessão para prestação de serviços públicos, parte-se da distinção do
direito administrativo clássico entre atividades administrativas de
autoridade versus atividades administrativas de gestão patrimonial.
Enquanto para as atividades de autoridade na prestação de serviços públicos
não cabe qualquer tipo de negociação para composição de conflitos via
juízo arbitral, para as consequências ou repercussões patrimoniais dos atos
administrativos manifestantes do poder de autoridade estatal, o juízo
arbitral tem sido aceito. Assim, o primeiro requisito para a introdução de
cláusula compromissória arbitral em contratos de concessão está na
delimitação de seu escopo para repercussões patrimoniais abarcadas pelas
cláusulas econômico-financeiras do contrato. Há quem, inclusive,
argumente pela exigência de cláusula compromissória arbitral em contratos
[73]
de concessão , mediante aplicação do art. 25, XV, da Lei 8.987/95, que
prevê, dentre as cláusulas essenciais do contrato de concessão, o foro e
modo amigável de solução das divergências contratuais.
O entendimento jurisprudencial em tribunais recursais estaduais
de validade das cláusulas compromissórias e compromissos arbitrais em
contratos de concessão, tendo como parte, o órgão regulador titular do
poder concedente, não é recente, mas somente em 2011, o STJ, por sua 3ª
Turma, decidiu, para além de reconhecer a legalidade de cláusula
compromissória arbitral em contratos de concessão para disputas entre o
concessionário e o próprio poder concedente, também firmar o
entendimento de que a ausência de previsão de arbitragem no edital de
licitação ou no contrato de concessão consequente não invalida
compromisso arbitral posteriormente firmado entre a concessionária e o
[74]
poder concedente.
Pinçando-se um exemplo do setor de telecomunicações que
evidencia a aderência entre a normatização setorial e a possibilidade
jurídica de arbitragem entre concessionária e órgão regulador, a Resolução
ANATEL nº 341/2003, que aprova modelos de contrato de concessão do
Serviço Telefônico Fixo Comutado, criou capítulos próprios à arbitragem,
detalhando os limites materiais e formais de sua aplicação. No modelo de
contrato de concessão do STFC na modalidade local, a Cláusula 16.2, IV,
dispõe sobre o direito da concessionária de solicitar a instauração de
procedimento de arbitragem em hipóteses do Capítulo XXXIII do contrato.
A Cláusula 16.12, parágrafo único, por sua vez, possibilita lançar-se mão de
pedido de arbitragem para cumprimento de dever de interconexão da rede
da concessionária por parte de serviço de interesse coletivo. Finalmente, o
Capítulo XXXIII do contrato detalha o requisito de que tenha havido prévia
decisão em processo administrativo próprio com a qual a concessionária
quedou inconformada. O mesmo capítulo impõe a instalação de Tribunal
Arbitral, exceto se comprovado não se tratar de matéria autorizada para esse
fim, ou seja (Cláusula 33.1): violação do direito da concessionária à
proteção de sua situação econômica; revisão das tarifas; ou indenizações
devidas quando da extinção do contrato de concessão, inclusive quanto aos
bens revertidos. Ainda, o Capítulo XXXIII, em sua Cláusula 33.3, define a
composição do Tribunal Arbitral com dois membros efetivos e suplentes
indicados pelo Conselho Diretor da ANATEL, desde que não pertencentes
aos quadros da Agência, dois membros efetivos e suplentes indicados pela
concessionária dentre pessoas não empregadas por ela e um membro efetivo
e suplente indicado pelos próprios membros acima. Finalmente, a Cláusula
XXXIII, em diversos momentos, refere-se, expressamente, à aplicação da
Lei 9.307/96, a Lei da Arbitragem.
Com isso, mesmo no campo tradicional da decisão administrativa,
parcela das questões antes exclusivamente tratadas em processo
administrativo de resolução de disputas, têm colhido a contribuição dos
próprios interessados na composição do litígio ou concordância na sua
heterocomposição via arbitragem.
ORDENAMENTO JURÍDICO DINÂMICO

4.1 VELOCIDADE DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, LINGUAGEM


SETORIAL E ESPECIALIZAÇÃO REGULATÓRIA

O componente inovador de transformação constante do sentido


das disposições normativas para atualização do sistema jurídico à realidade
existencial foi sobremaneira incrementado nas últimas décadas em razão do
fator velocidade. A transformação, antes tida como antípoda do regramento,
passou a compor sua essência. Há cada vez menos espaço para a cogitação
de regramentos estanques, quando se trata de normatizar setores complexos
de atividades ou subsistemas jurídicos, cuja característica central é a
constante atualização dos fatores influentes sobre os rumos do setor, dentre
eles, o tecnológico.
A velocidade de transformação tecnológica é um dos fatores de
desestabilização do sistema normativo. Não se quer dizer, com isso, que se
exija do regramento respostas às necessidades dos atores setoriais –
governo, empresas, usuários/consumidores – para facilitar-lhes a
consecução de seus objetivos. O ordenamento jurídico, pelo contrário,
traduz em preceitos a política pública setorial segundo filtros normativos
[75]
de nível constitucional e infraconstitucional, direcionando , portanto, a
realidade.
Dada a especificidade de cada setor regulado, a eficácia da
influência pretendida pelos preceitos normativos é diretamente proporcional
a sua sintonia com a linguagem falada no setor, ou seja, com a conformação
e dinâmica setorial. A indução de comportamento na direção do interesse
público em um complexo setor de atividades depende de visão abrangente
sobre o passado do setor e sobre a sua forma específica de ser, algo somente
possível de se exercitar por estruturas especializadas e estruturadas para a
função de acompanhamento pari passu das alterações conjunturais.
A política pública setorial depende, portanto, do
conhecimento setorial para produzir regramentos viáveis. Ela depende
de acompanhamento do desenvolvimento tecnológico para orientar
eventuais desígnios utilitaristas de mercado (ou dos atores do mercado) na
direção do interesse público.

4.2 GLOBALIZAÇÃO, CONHECIMENTO E POLÍTICA PÚBLICA


SETORIAL

Não é somente o desenvolvimento tecnológico que impõe


valorização da perspectiva dinâmica do ordenamento jurídico. O termo
[76]
globalização, por intermédio de seus inúmeros significados , exige a
adaptação do ordenamento jurídico mediante uniformização internacional,
cujo efeito intensificador da superação das fronteiras nacionais gera a
[77]
cogitação de um direito global .
[78]
Em poucas palavras, a globalização é um processo , que se
apresenta com significados complementares nos ramos do conhecimento
científico. Comumente, aponta-se a liberdade de mercado internacional
como a síntese econômica da globalização orientada por discursos de
[79]
deificação das economias modernas. Aliás, a terminologia adotada para
designar o processo de aproximação mundial denota a posição central do
[80]
aspecto econômico de abertura comercial. Para sua instrumentalização,
idealizou-se a uniformização normativa, a estandardização social em
padrões culturais e a padronização técnica, reflexo tecnológico do
movimento de globalização. Neste último item, evidencia-se melhor a
importância da linguagem setorial. Ao lado dessas características,
costumam-se enumerar também outros fatores como a crescente influência
das multinacionais, da tecnologia da informação, do consumismo, da
integração regional, da internacionalização dos direitos humanos, das
[81]
redes temáticas de pessoas . A rede de influência social sobre a política
pública ampliou-se em complexidade e extensão, gerando novas exigências
de estruturação do Estado e da sociedade. Com a aproximação dos
interesses internacionais das fronteiras estatais, o foro de discussão da
legislação setorial foi, em parte, deslocado para organismos internacionais e
acordos bilaterais. Os países periféricos deixaram de deter as rédeas de
opção política e passaram a ter de negociar suas legislações nacionais,
[82]
gerando o fenômeno do realinhamento constitucional .
A partir de então, o conhecimento detém peso decisivo na
determinação da política pública setorial, pois dele depende o
convencimento dos demais partícipes da comunidade internacional quanto à
necessidade ou irrelevância de cada opção política interna. Somente o
conhecimento setorial habilita os países a fazerem frente à crítica de
[83]
mera recepção dos padrões internacionais . Isso ocorre porque a
globalização carrega consigo a uniformização jurídica. As políticas
públicas nacionais não mais podem destacar-se das ponderações
internacionais. Ampliado o rol de partícipes na formulação da política
pública, também foi potencializada a inovação. No plano privado, a
[84]
referência à tecnoestrutura de Galbraith esclarece o movimento de
transformação do mercado, que deixa de ser o mecanismo de alocação
[85]
eficiente de recursos viabilizado pelo Estado , e passa a ser dirigido pela
inteligência organizada da empresa e, portanto, pelo investimento na
criação de necessidades por via de estratégias de marketing.
Disso tudo resulta a constatação de valorização do momento
dinâmico presente na implementação das políticas públicas. Não é mais
suficiente tratar a realidade com previsões abstratas petrificadas em
instrumentos normativos perenes, que teoricamente absorveriam a
maior parte da carga de litigiosidade. Hoje, é necessário que o Estado
trabalhe com a realidade mediante estabelecimento de metas variáveis de
[86]
acordo com as situações que se põem. A política pública encontra-se
espelhada na evolução de cada setor de atividades relevantes, constituindo
um dos elementos necessários para qualificação de tais atividades em
direção à produção de bem-estar.
Tais considerações situam-se no âmbito do chamado governo por
políticas (government by policies) como qualificativo representativo do
século XX. Como consequência, a intervenção estatal nos setores relevantes
de atividades é um pressuposto para se relacionar a evolução setorial com o
adensamento dos direitos fundamentais em sua dimensão concreta. Por tudo
isso o conhecimento é tão relevante: conhecimento setorial para
ponderação das fronteiras de regulação no gerenciamento normativo da
[87]
realidade voltado à otimização da eficiência dos setores
representativos da economia nacional dentro de patamares éticos de
desenvolvimento. A introdução de entes de direito público tematicamente
especializados – as agências reguladoras –, principalmente a partir da
segunda metade da década de 1990, no Brasil, responde, em parte, à
referida demanda por um conhecimento setorial capaz de produzir
regulação em ambientes complexos e em constate transformação.
MODERNIZAÇÃO DO DIREITO
ADMINISTRATIVO

5.1 REGIMES JURÍDICOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Alterada a perspectiva no tratamento da política pública setorial,


velhos temas de direito administrativo, que passaram despercebidos
enquanto o estudo jurídico não se via ameaçado por novas demandas de
[88]
otimização e de dinamização , exigiram maior aprofundamento.
[89]
O fenômeno da publicatio , predominante na história
administrativa brasileira dos três primeiros quartéis do século XX e de
nítida tradição francesa, evidenciou tratamentos jurídicos estanques entre o
serviço considerado público e o privado. Esgotadas as forças de divisão
precisa entre papel estatal e liberdade individual, o serviço reservado ao
Estado deixou de carregar o caráter de exclusividade ao mesmo tempo que
a atividade privada passou a comportar interferências públicas, ambos
cedendo espaço para a apropriação de um conceito anglo-saxão mais
[90]
abrangente: o de atividade regulamentada.
No campo do tratamento jurídico dos direitos fundamentais, a
passagem do Estado Liberal para o Estado Social produziu claras
transformações de pontos de vista, que obrigaram o mundo jurídico a
contemplar a face objetiva de concretização dos direitos ao lado da face
subjetiva de sua pura titularidade. Enquanto isso, no que diz respeito à
postura estatal frente aos setores da economia, o efeito do mesmo período
histórico foi exatamente o inverso, na medida em que ocorreu o
fortalecimento do movimento liberal de separação entre o público e
privado, agora sob o enfoque da prestação estatal de serviços. O diferencial
do Estado Social nesse particular não foi, portanto, o de se alterar a
percepção jurídica de segmentação entre prestações públicas e privadas,
mas o de ampliar, consideravelmente, o rol de atividades reservadas ao
Estado, como ocorreu com as inversões estatais dos setores de energia e
telecomunicações de meados do século XX no Brasil como forma de
arrogar a si as necessidades da coletividade para promoção de bem-estar.
O fenômeno de prestação de serviços e sua normatização não foi
enfraquecido pelo pensamento social como ocorreu com a visão
individualista dos direitos fundamentais. Nestes, a evolução concreta das
tensões sociais da segunda metade do século XIX exigiu participação ativa
estatal para reequilibrar as situações jurídicas individuais, facultando a
todos usufruírem das previsões abstratas de direitos mediante fornecimento,
pelo Estado, das condições concretas de acesso aos direitos de liberdade. Os
direitos à vida, à propriedade, à liberdade e à igualdade formal, dentre
outros, foram melhor concretizados com o incremento de direitos a
prestações positivas estatais, tais como a previdência social, a tutela do
hipossuficiente no direito do trabalho, a atividade de fomento a juros baixos
para aquisição da casa própria, o acesso gratuito ao Judiciário, dentre
outros. Para consecução desses objetivos, embasado na tradição francesa de
segregação dos serviços, o Estado assumiu setores de atividades
econômicas, buscando compensar o déficit de acesso da população a
serviços básicos ou mesmo viabilizar a padronização de atividades
produzidas em larga escala.
A tradição liberal de separação entre Estado e sociedade deu
origem à segregação entre serviços públicos e privados como
compartimentos estanques do sistema normativo brasileiro. Não se quer
dizer, com isso, que a distinção entre serviços públicos e privados esteja em
decadência, pois o que caracteriza o direito brasileiro é exatamente a
submissão da Administração a um direito especial destacado do direito
[91]
comum , mas a compreensão de que a característica pública ou privada não
está eternamente amarrada a um determinado serviço, que pode perder sua
essencialidade com o tempo ou mesmo ganhá-la. Além disso, a
compreensão de que um mesmo rol de serviços pode conter âmbitos de
prestação em regime público, convivendo com formas de prestação em
regime privado revela a complexidade da dinâmica regulatória. Um
fenômeno muito próximo se fez presente na história jurídico-constitucional
[92]
brasileira desde a Constituição Federal de 1934 , em que os chamados
doutrinariamente de serviços sociais submeteram-se, e se submetem até
hoje, a regimes jurídicos público ou privado conforme a pessoa que os
presta.
Enquanto os serviços forem definidos, a priori e ad eternum,
como públicos ou privados, a realidade de aplicação do direito continuará
destoando muito da previsão normativa. Para fugir da decisão casuística e
não-programada, mas pressionada pela realidade, o Direito brasileiro
absorveu a maleabilidade na percepção da realidade de um serviço, ou
seja, na percepção de seu caráter concreto de essencialidade. Os
serviços mudam e as necessidades da coletividade também. De que adianta
fincar-se a bandeira do serviço público em serviços que sofrem defasagem
de interesse social em curto espaço de tempo. É o direito tramando contra
sua própria função de orientador de condutas. Um serviço hoje tido por
essencial – portanto público –, como a telefonia fixa, pode perder seu status
ou ombrear com outros serviços mais abrangentes, como promete o
fenômeno da convergência tecnológica no âmbito das telecomunicações. O
ordenamento jurídico petrificado ostentaria um serviço morto como palavra
de ordem publicista e o restante dos serviços restaria abandonado a sua
própria fortuna pelo simples fato de que a imprecisão terminológica entre
serviços públicos e privados decorre exatamente da procura exagerada por
uma definição eterna e universal do que é público, acorrentando-o em
[93]
dispositivos exclusivistas. Atente-se, por fim, para o fato de que não se
está aqui defendendo a extinção da distinção entre regimes público e
privado, mas a simples possibilidade de que seus objetos – serviços
públicos e privados – sejam melhor ponderados e atualizados às
transformações ínsitas à regulação setorial e que não se rendam a definições
[94]
simplistas , que substituem a maleabilidade jurídica pela imprecisão
terminológica apta às negociações privadas do interesse público.
O que se apresenta hoje é mais uma etapa de reaproximação, que
demanda correspondência no ordenamento jurídico mediante modernização
do direito administrativo. Se por um lado, a prestação exclusiva dos
serviços públicos pelas mãos do Estado sofreu críticas de eficiência,
universalização e modicidade de tarifas, por outro lado, a complexidade dos
setores de atividades e suas inter-relações levaram o Estado a repensar o
benefício do sistema exclusivista e segregado entre serviços públicos e
privados. A partir daí, a transformação do modelo dispôs-se à coexistência
de regimes jurídicos no mesmo rol de serviços para congregar a dinâmica,
eficiência e concorrência de preços (não necessariamente a livre
[95]
concorrência e a livre iniciativa ) com o desígnio público de
universalização e continuidade. A etapa atual da regulação foi o caminho
aberto para compatibilizar dois sistemas, cuja convivência parecia
inaceitável no modelo anterior de absoluto antagonismo entre público e
[96]
privado. A partir de então, à sociedade, por suas instituições, foram
abertos espaços de atuação no desenvolvimento setorial, principalmente por
meio das figuras da audiência pública e da consulta pública. Presente,
diretamente, na prestação dos serviços, o Estado não pôde, isolado da
sociedade, responder às demandas de rápida evolução social. A
modernização do direito administrativo desloca o Estado para o
intervencionismo indireto, resultando na entrega de maior poder
normativo as instituições reguladoras coerentemente com o novo
modelo de prestação de serviços públicos.

5.2 REGIMES JURÍDICOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS


REGULADOS: DIVISÃO CONSTITUCIONAL DE TITULARIDADE

As mudanças introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro


rumo à modernização do direito administrativo, entretanto, precisam ser
justificadas em meio às críticas de carência de sintonia entre as mudanças
idealizadas e as assimiladas pelo direito, que remontam à discussão de
fundo sobre a natureza e o regime jurídico de prestação de um serviço
regulado.
As emendas constitucionais setoriais de 1995 enfatizaram a
imperfeição da tradicional classificação de direito administrativo, que
gravava um rol de atividades, em seu conjunto, pelo caráter público ou
privado. A pergunta aprofundada após as emendas setoriais encontra-se na
cogitação do regime jurídico aplicável aos serviços regulados. Estariam
eles, agora, submetidos, ao regime público ou ao privado? Tais serviços
regulados, enfim, estariam submetidos, integralmente ao regime público ou
a um duplo regime, público e privado?
Para compreensão destas indagações, dois conceitos devem ser
esclarecidos: regime jurídico; e titularidade constitucional das atividades
econômicas em sentido amplo.
Regime é o sistema de uma disciplina jurídica. Assim, é o
conjunto de regras jurídicas integradas para consecução de uma finalidade
comum. Quando esta finalidade é de interesse público em meio a uma
[97]
relação vertical caracterizada pela manifestação de poder extroverso
estatal, chama-se dito sistema de regime público. Poder extroverso, por sua
vez, é a possibilidade de imposição de deveres ao outro sujeito da relação
jurídica sem sua concordância. Decorre do poder público, da prevalência do
interesse público e da possibilidade do uso da força física e sua
exclusividade pelo Estado. Trata-se da manifestação do poder político assim
entendido quando um centro de imputação normativa interfere
unilateralmente na esfera jurídica de outrem. Poder extroverso é, portanto, a
possibilidade de obrigar unilateralmente a terceiros. Opõe-se, portanto, ao
chamado poder interno, que é o poder próprio das relações privadas
consubstanciado na possibilidade do sujeito de direitos constranger sua
própria esfera jurídica.
Um dos elementos fundamentais para determinação do regime a
ser aplicado a uma relação jurídica qualquer é a natureza da atividade em
jogo. Se a atividade for considerada exclusiva do Estado, ou mesmo
privativa do Estado, o regime jurídico aplicável será o público, em maior ou
menor extensão conforme o caso. Se a atividade for considerada um serviço
social, o regime variará conforme a pessoa prestadora. Finalmente, se a
atividade estiver caracterizada como atividade econômica, o regime a ela
aplicável será, em regra, o privado, à exceção de atividade monopolista.
Embora a distinção acima apresentada seja relativamente clara, a
definição da natureza das atividades não o é. O índice mais seguro para se
estabelecer a distinção provém do texto constitucional, embora ele não seja
uma fonte autoexplicativa e didática. É dele, portanto, que se extrai a
titularidade das atividades em geral.
Há atividades que são atribuídas ao Estado de forma exclusiva,
tais como as atividades de trato soberano, como jurisdição, normatização,
poder de polícia, tributação e orçamento. São de titularidade do Estado e
são impassíveis de transferência aos particulares.
Próximas às atividades exclusivas encontram-se as atividades
privativas do Estado. Elas são de titularidade estatal, mas a própria
constituição permite a transferência de sua prestação ao particular. Como a
prestação de ditas atividades somente pode ser transferida aos particulares
por intermédio de contratos administrativos de concessão ou de permissão
(art.175 da Constituição Federal de 1988), o Estado continua responsável
subsidiariamente por sua prestação.
Dentre as atividades privativas, encontra-se a parcela de serviços
regulados essenciais à sociedade em seu conjunto e que abrangem, a
depender do autor, todos ou parcela dos serviços de telecomunicações,
energia elétrica, mineração, transportes, dentre outros.
Há uma categoria especial de serviços, que são de titularidade
integralmente tanto do Estado como dos particulares, como os serviços de
saúde e de educação. Quando prestados pelo Estado diretamente, ou por
intermédio de terceiros, submetem-se a regime público. Se, entretanto,
forem prestados por conta e risco dos particulares, submetem-se a regime
privado.
Finalmente, o campo das atividades econômicas é residual.
Enquadram-se nessa categoria todas as atividades não expressamente
definidas como atividades exclusivas, privativas ou sociais pela
Constituição Federal de 1988.
O conceito de serviço público surge assim como um elemento
aglutinador das atividades de titularidade do Estado, e por consequência,
tidas como essenciais à sociedade.
Tradicionalmente, os serviços regulados, no Brasil, foram
considerados serviços públicos e, portanto, submetidos, via de regra, a
regime especial administrativo (regime público). Com a modificação
implementada pelas emendas setoriais de 1995, o tratamento dos serviços
exprimiu uma cisão dos setores em atividades submetidas a regime público
e atividades submetidas a regime privado, mediante a expurgação do termo
serviço público do texto correspondente a cada setor e a introdução de
competência da União para autorização de serviços regulados. Ao lado,
portanto, dos contratos administrativos de concessão e de permissão de
serviços públicos regulados, surgiu a possibilidade de mera liberação de
amarras administrativas ao exercício de atividades econômicas reguladas. É
sobre essa novidade constitucional que se apoia o modelo brasileiro atual de
regulação de atividades essenciais.
Em resposta à questão formulada mais acima sobre que regime
jurídico deveria ser aplicado aos setores regulados, a prática das instituições
reguladoras tomou a frente dos administrativistas brasileiros para revelar o
que já se praticava em diversos setores muito antes de ditas emendas
constitucionais: a atribuição de regime jurídico público ou privado, não
a um setor em seu conjunto, mas a segmentos de atuação concreta
intestinos a um setor essencial de atividades. O serviço universal
obrigatório passou a se dirigir a um subconjunto de atividades de um setor
[98]
regulado : à cobertura de determinadas linhas regulares, no setor de
transportes; ao serviço postal de cartas, nos correios; ao atendimento
médico patrocinado pelo Estado, no setor de saúde; aos serviços básicos de
telefonia, a um serviço universal de TV por assinatura, e à eventual
extensão à banda larga, nas telecomunicações; ao gerador em regime de
serviço público, no setor elétrico.

5.2 AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇOS

A discussão existente na doutrina brasileira sobre o conceito de


autorização de serviços na Constituição Federal de 1988 decorre de
acusada incongruência constitucional no emprego do termo. Enquanto o art.
175 trata da prestação dos serviços públicos por concessão ou permissão, os
arts. 21, XI e XII e 223 prevêem serviços inscritos na competência da
União, mas passíveis de prestação indireta mediante concessão, permissão
ou autorização.
As hipóteses interpretativas podem ser resumidas em duas: (i) a
autorização prevista nas emendas setoriais de 1995 nada mais seria do que
uma terceira forma de delegação da prestação de serviços públicos e,
portanto, o art. 175 teria estabelecido requisitos específicos para prestação
de serviços públicos em regimes de concessão e de permissão, remetendo,
implicitamente, o tratamento dos serviços públicos prestados por meio de
autorização às regras gerais do regime público; (ii) a autorização prevista
nas emendas setoriais de 1995, por outro lado, indicaria o reconhecimento
constitucional de que subconjuntos dos serviços regulados são, na verdade,
atividades econômicas em sentido estrito, dependentes do cumprimento de
normas administrativas para seu exercício por particulares, resultando na
compreensão da coexistência entre serviços públicos (concessão e
permissão) e atividades econômicas stricto sensu (autorização) no mesmo
[99]
rol de serviços regulados .
A par dessas considerações, há ainda a crítica à aplicação prática
do instituto da autorização, que, embora qualificado pela doutrina
tradicional como ato unilateral, discricionário e precário, apresenta, por
exemplo, na Lei Geral de Telecomunicações brasileira (Lei nº 9.472/97),
[100]
característica de vinculação, que seria própria da licença.
Não se deve esquecer, todavia, que a base argumentativa contra o
uso do instituto da autorização para atividades econômicas stricto sensu
assenta-se na defesa da discricionariedade como elemento essencial de sua
definição e na insistência de que aquele instituto teria significado unívoco.
Ou seja, o fundamento teórico que vem sendo utilizado por parcela da
doutrina administrativista brasileira para justificar a exclusividade de
serviços públicos no rol de atividades reguladas decorre de uma posição
intransigente sobre o conceito jurídico de autorização. Essa intransigência
não tem sido confirmada, em quase duas décadas de vigência do atual
modelo regulatório brasileiro, pelas agências reguladoras, pela legislação
[101]
setorial ou mesmo pelo Poder Judiciário. A Constituição não esgota o
sentido, nem limita de forma apriorística e precisa, a autorização. Ela
dificilmente dará a solução didática e unívoca para satisfação do intérprete.
Ela muito menos se arvora na condição de carrasco da evolução do direito.
Isso não quer dizer que a norma infraconstitucional esteja livre para criar,
mas não se pode utilizar da Constituição para embasamento de argumentos
totalizantes, que retirem da discussão jurídica o ensaio de soluções
melhoradas e desviem a atenção dos aplicadores do direito.
A autorização, portanto, tem sido aceita, na prática brasileira,
embora questionada em teoria, como instrumento de reconhecimento
administrativo do cumprimento dos requisitos impostos aos administrados
para exercício de atividades já previamente inscritas em sua esfera jurídica
privada.
Parte II
FUNDAMENTOS DE
DIREITO REGULATÓRIO
DIREITO REGULATÓRIO E ESTADO
REGULADOR

O posicionamento jurisprudencial e doutrinário que vem se


cristalizando no ordenamento jurídico brasileiro acerca de novas formas de
tratamento jurídico-administrativo de setores de atividades relevantes
transparece especialização suficiente para a cogitação de um ramo de
estudos direcionado às especificidades da regulação, à semelhança do
ocorrido, em outros tempos, com o direito do trabalho, o direito financeiro,
o direito tributário, o direito do consumidor, o direito ambiental.
Em busca de elementos comuns que viabilizem uma visão mais
ampla e construtiva do fenômeno setorial, o direito da regulação, ou direito
regulatório, encontra-se nesse estágio já vivenciado por outras disciplinas e
caracterizado pela sedimentação de índices distintivos de seu estudo, cujo
ponto de partida é o de formulação de princípios intersetoriais comuns
aptos a retratarem um ramo de conhecimento útil à compreensão e solução
[102]
de questões alinhadas à regulação.
[103]
Algumas considerações já podem ser encontradas sobre o tema.
Enumera-se, como princípio intersetorial do modelo brasileiro atual de
[104]
regulação a desintegração vertical entre infraestruturas de uso comum e
serviços singularizados, viabilizando a chamada transparência informativa,
veículo necessário ao controle das subvenções cruzadas. A este, pode-se
acrescentar a conexão de infraestruturas, como determinação normativa de
manutenção ou edificação de uma infraestrutura essencial para um
determinado setor de atividades, e a compatibilização de regimes jurídicos,
em que, a partir da tradicional distinção entre os serviços públicos (ou
serviços submetidos ao regime público) – essenciais, universais, contínuos e
subsidiados por fundos – e os serviços privados (ou serviços submetidos ao
[105]
regime privado) sujeitos a efetivos dissabores de riscos de mercado ,
inserem-se, nos arcabouços normativos setoriais, disposições que
viabilizem a convivência de serviços prestados nos dois regimes jurídicos.
Revela-se mais adequado, todavia, assentar-se o direito
regulatório na procura por princípios ou instituições verdadeiramente gerais
norteadores da regulação como um todo, ou ainda, distintivos da regulação
enquanto tal frente a conceitos próximos, como o de intervenção, de
controle e de poder de polícia, e que não pactuem com ideologias
ocasionais de escolha do melhor direcionamento econômico da atividade,
pois, se se quisesse detalhar o rol de princípios intersetoriais enunciados no
parágrafo anterior, dever-se-ia começar pela própria orientação à
concorrência como requisito do modelo atual de regulação inscrito na
compatibilização de regimes jurídicos, algo que não se afigura essencial
para a cogitação da regulação.
O esforço de identificação desses índices de regulação setorial
dos nossos tempos em detrimento de índices gerais é, certamente, meritório
para o desenvolvimento do pensamento setorial, mas não pode macular a
regulação com o estigma – certo ou errado segundo cada ideologia que o
analisa – da competição e orientação pelo mercado. As instituições de
regulação são neutras quanto à aplicação isenta das estações de humor
político, embora conscientes de sua presença no jogo político e de seus
reflexos no ordenamento jurídico. Em outras palavras, dizer que a
‘convivência de regimes jurídicos em um mesmo rol de atividades’ ou a
‘desagregação vertical’ são instituições intersetoriais hoje predominantes
não significa dizer que a regulação somente seja objeto de estudo do direito
regulatório se qualificada por tais índices. Esses índices – desagregação
vertical, compatibilização de regimes jurídicos, conexão de
infraestruturas – são qualificativos específicos da regulação, mas não
são características inerentes a ela, pois orientações regulatórias distintas
podem exigir, por exemplo, ordens normativas que privilegiem a duplicação
de infraestruturas ao invés do trânsito de serviços por uma infraestrutura
única, bem como a horizontalização de uma cadeia produtiva, ou mesmo a
segmentação de serviços em determinado setor de atividades em silos
isolados de regimes públicos e privados.
No Brasil, a conformação regulatória predominante na segunda
metade da década de 1990 até os dias de hoje revela a opção por uma forma
de regulação com características específicas. Ela não resume o significado
da regulação enquanto objeto de estudo de um direito regulatório que
pretenda transcender as configurações presentes no ordenamento jurídico
nacional, em que sequer há a previsão de órgãos reguladores para todos os
setores regulados. Embora, sob o ponto de vista estritamente constitucional,
somente exista a previsão de estruturas reguladoras especializadas para dois
setores (serviços de telecomunicações, no art. 21, XI, e pesquisa, lavra,
refinação, importação, exportação e transporte de petróleo, gás natural e
outros hidrocarbonetos fluidos e seus derivados, no art. 177, §2º, III), pode-
se afirmar que arcabouço normativo infraconstitucional expandiu
consideravelmente esse modelo de regulação assentado em órgãos
reguladores para o conjunto dos setores regulados, como se verá mais a
frente, com o detalhamento das estruturas regulatórias brasileiras. Apenas a
título exemplificativo, no país tido como fonte do modelo regulatório das
agências independentes, vale dizer, nos Estados Unidos da América, não há
previsão constitucional de nenhuma autoridade administrativa
[106]
independente. O importante, assim, é ter-se em mente que a presença de
tais estruturas se insere dentre as formas teóricas possíveis de regulação,
quais sejam: a regulação pelo mercado, em que se confia na densidade da
concorrência para corrigir distorções; a regulação por órgãos reguladores,
em que se criam superestruturas estatais técnicas para acompanhamento
setorial; a regulação endógena, alcançada via estatização dos prestadores
[107]
dos serviços regulados ; a regulação por contrato, que se satisfaz com
regras contratuais acordadas caso a caso e, portanto, em termos jurídico-
administrativos, resume-se às normas firmadas em contratos
administrativos (concessão e permissão). Segundo essa classificação, o
modelo regulatório brasileiro pré-1995 pode ser perfeitamente
compreendido como um modelo misto de regulação tradicional via
contratos administrativos e de regulação endógena via estatização da
prestação dos serviços. Assim, a opção por um modelo de regulação
[108]
dependerá das peculiaridades de cada modelo regulatório , dentro das
[109]
possibilidades abertas pelo texto constitucional e, por isso, o conceito
geral de direito da regulação não se restringe ao modelo regulatório
brasileiro vigente, muito embora suas instituições – desagregação vertical,
conexão e compartilhamento de infraestruturas, compatibilização de
regimes jurídicos, competição – sejam importantes objetos de estudo.
Nenhum deles, entretanto, se apresenta como característica intrínseca à
regulação em si mesma.
Deve-se, portanto, entender a regulação por suas instituições
básicas para, a partir deste núcleo de significado, expandir o conhecimento
geral, regional ou setorial a princípios comuns, como os dirigidos à
regulação setorial vigente.
Assim, a identidade do direito regulatório depende do enunciado
do significado da regulação propriamente dita.
Em uma primeira abordagem do significado de regulação, é
esclarecedor que se faça um exercício comparativo que, embora
simplificador de momentos históricos, divisa o aspecto regulador de outras
opções de atuação estatal. Como oposição à opção histórica de
proeminência da função reguladora estatal, tem-se, de um lado, o papel
empreendedor ou prestador de serviços do Estado, ou também chamado
Estado provedor de bem-estar, interventor direto e executor. Trata-se, em
outras palavras, do papel complementar ou substitutivo do Estado ao
mercado como Estado concentrado na atuação social e empresarial, sem que
isso signifique inexistência de regulação. Esse tipo estatal é representado
pelos termos Estado do Bem-Estar Social (welfare state), Estado
[110]
Providência (État-providence) ou Estado Desenvolvimentista.
Inteiramente distinto do Estado Providência, mas ainda oposto à
proeminência da função reguladora estatal, tem-se, de outro lado, a
centralidade do mercado como mecanismo de alocação eficiente de
recursos por excelência. Em tal configuração estatal, ao mercado é dado o
papel de coordenador das atividades econômicas e ao Estado, o papel de
garantidor unicamente da propriedade e dos contratos essenciais ao bom
funcionamento do mercado excluídas funções de intervenção no plano
econômico e social. Fala-se, nesse último caso, do Estado mínimo ou
abstencionista, cujas funções reguladoras também presentes se ocupam da
preservação da fronteira entre a atuação estatal e as atividades econômicas.
Como diferencial dos dois modelos ideais de Estado liberal e de
Estado social, encontra-se o chamado Estado regulador, que se define pela
proeminência não da interferência direta para promoção do
desenvolvimento econômico social, nem mesmo da não-intervenção para
dinamização do mercado, mas pelo papel de coordenação, de
[111]
gerenciamento, de controle, de intervenção indireta , ou sinteticamente, de
regulação estatal, entendendo-se esta última como resultado da
compreensão do Estado e do mercado não mais como entes estanques ou
antípodas, mas como fenômenos interdependentes e essenciais à
consolidação dos direitos fundamentais.
Assim, a regulação não é, em si mesma, uma característica
diferencial do modelo atual de Estado regulador, pois a presença de
[112]
competências regulatórias no Estado brasileiro não é recente. O
diferencial moderno inscrito no significado de Estado regulador está na
proeminência de uma espécie de regulação estatal presente na conformação
atual dada ao Estado. Da mesma forma, o Estado regulador não se
consubstanciou em oposição somente a um Estado Social-Burocrático
empregador de prestadores de serviços essenciais à sociedade, mas também
como opositor a um Estado caracterizado pela inexistência ou aversão à
interferência no âmbito econômico e social, ou seja, à crença no mercado
autorregulado. O Estado regulador, portanto, não é um Estado
intervencionista, nem mesmo abstencionista, no sentido que se costuma
atribuir às expressões, mas um Estado que, embora não promova
diretamente o desenvolvimento econômico e social (Estado do Bem-Estar
Social) nem opte pela entrega dessa função a um terceiro mediante
desregulação do mercado (Estado mínimo), atua como “regulador e
[113]
facilitador ou financiador a fundo perdido desse desenvolvimento” . O
Estado regulador, portanto, é definido pelo caráter dirigente e gerencial de
que se reveste a Administração Pública para conformação das atividades
essenciais segundo ordens de promoção dos direitos fundamentais delas
dependentes.
Fala-se, no Estado regulador, de uma Administração Pública
gerencial no lugar de uma Administração Pública burocrática. Enquanto,
na Administração Pública burocrática, a garantia dos direitos sociais é
remetida à contratação direta de servidores públicos atuantes nos diversos
ramos das atividades econômicas, na Administração Pública gerencial, o
mercado é tomado como instrumento para consecução dos direitos
fundamentais mediante acompanhamento conjuntural e ponderado de
custos, infraestrutura, serviços, bens públicos, tarifas, áreas de cobertura,
dentre outros componentes das opções de investimento de um setor
regulado. Em outras palavras, no Estado regulador, há um acompanhamento
gerencial da concretização dos direitos fundamentais mediante opções
regulatórias de encaminhamento do setor. Nesse sentido, o Estado regulador
é um fenômeno recente caracterizado por transcender a visão maniqueísta
de oposição entre Estado e mercado, ou entre Estado e sociedade, de
conflito entre forças ilusórias que, ao final de contas, são um único
substrato utilizado para consecução dos direitos fundamentais. O Estado
regulador é um Estado reconciliado com o mercado, entendendo-o não
como um ser autônomo e independente, mas como produto de regulação
estatal. Da mesma forma, a inserção do mercado na equação regulatória não
se presta à extinção da equação em prol da atuação autônoma do mercado.
O mercado se justifica enquanto dirigido pela regulação rumo ao interesse
público. O pressuposto do Estado regulador é a persistência de ambos.
O Estado regulador, portanto, é um modelo estatal assentado na
atuação concertada de intervenção estatal frente aos reflexos verificados
pari passu no setor regulado. Por isso, dizer-se que o Estado regulador
envolve atuação administrativa conjuntural, pois dependente de
acompanhamento pari passu do desenvolvimento de um setor de atividades
essenciais. Assim, tanto o mercado, quanto a intervenção estatal, são
colocados, para o Estado regulador, como variáveis, cujo comportamento
interfere nos rumos tomados por uma Administração Pública gerencial em
prol da consecução dos direitos fundamentais.
No Estado regulador, há a substituição da parcela de
desenvolvimento econômico e social antes absorvida na estrutura
burocrática estatal do Estado Social por um controle indireto regulatório
sobre os mercados. A posição do Estado regulador como meio termo entre
dois modelos ideais ideologicamente bem definidos – Estado Liberal e
Estado Social – explica o porquê do surgimento dessa figura de Estado
regulador em conjunto com propostas de desregulação ou
desregulamentação, assim entendidas como a diminuição do papel estatal
[114]
regulamentador das atividades econômicas. Dita desregulação nunca foi,
entretanto, projetada como uma ode contra a regulação. Pelo contrário, o
alvo da desregulação dirigiu-se aos excessos da regulação. Exemplo
esclarecedor dessa postura está no fato de que a atividade reguladora foi
reforçada pelo inaugurador das privatizações européias, o Reino Unido,
onde “os monopólios naturais privatizados exigiam agora redobrada
[115]
regulação” .
Não é difícil, em meio a todas essas considerações, confundir-se
Estado regulador com a regulação que lhe é peculiar, já que esse tipo de
Estado se preocupou em encastelar a regulação em sua própria designação.
A regulação, em si mesma, não foi erigida como bastião do Estado
regulador brasileiro, mas o foi uma forma de regulação: a regulação por
intervenção estatal indireta de atividades essenciais e presumivelmente
[116]
competitivas.
REGULAÇÃO: OBJETO DE ESTUDO DO
DIREITO REGULATÓRIO

Tendo em vista o posicionamento teórico do Estado regulador, já


se pode antecipar a conclusão de que o Estado regulador não é o objeto de
estudo do direito regulatório, mesmo porque, se assim o fosse, a disciplina
jurídica dependeria de um fenômeno político-jurídico situado e datado no
tempo e, portanto, fadado a ser superado. O ramo de estudo de direito
preocupado com a regulação certamente não se presta ao estudo de um
momento histórico somente, mas de um fenômeno jurídico que teve uma de
suas manifestações – a intervenção estatal indireta sobre a atividade
econômica em sentido amplo – erigida a qualificativo identificador do
Estado contemporâneo: a regulação propriamente dita.
O objeto de estudo do Direito regulatório é, portanto, a regulação
em si mesma, que detém diversas dimensões. É, portanto, relevante, para o
entendimento do objeto do direito regulatório, o estudo das espécies de
regulação. Por esse meio, restará mais claro o fato da regulação, enquanto
fenômeno abrangente, transitar entre tipos distintos de intervenção,
resguardando-se a concepção mais ampla de regulação como
acompanhamento do destino de atividades essenciais à sociedade.

2.1 FORMAS DE REGULAÇÃO

O grau de centralização regulatória de serviços transparece a


maior ou menor confiança do Estado no alcance do interesse público,
[117]
mediante outorga de sua prestação à iniciativa privada. Há dois conceitos
que evidenciam como a regulação dos serviços públicos opera ao longo da
[118]
história: controle pela descentralização e controle pela centralização.
Controle pela descentralização implica a aceitação, pelo Estado, de que
suas finalidades possam ser plenamente alcançadas pela ação dos
[119]
particulares. Fala-se, então, em “regulação desconcentrada” como
sinônimo de desregulamentação, esta comumente utilizada em diversos
significados. Por outro lado, o controle pela centralização denota falta de
confiança na iniciativa privada para o alcance espontâneo dos fins
patrocinados pelo Estado independentemente de sua intromissão. Fala-se
[120]
então em “regulação concentrada” , ou impropriamente, em
regulamentação.
A par dos conceitos de centralização regulatória ou
descentralização regulatória, existe o esforço de distinção quanto às formas
de manifestação da regulação, apresentando-se basicamente como:
regulação operacional; e regulação normativa.
Regulação operacional ou diz respeito a afetar atividades à
iniciativa privada ou ao Estado. É a referência ao plano físico-estrutural da
regulação dos serviços. Pergunta-se: quem irá exercê-los? Responde-se pela
opção quanto à regulação operacional dos serviços. Regulação operacional,
portanto, é a intensidade com que o Estado avoca a si e a suas entidades a
[121]
tarefa de desempenhar certas atividades.
Por outro lado, a regulação normativa diz respeito à ampliação ou
[122]
à restrição das atividades alcançadas por regramento estatal direto.
Tal distinção entre regulação operacional e regulação normativa
permite analisar com maior precisão a forma de concentração regulatória
dos serviços públicos e das atividades econômicas. A concentração
regulatória pode ocorrer somente no âmbito operacional ou somente no
[123]
âmbito normativo. A tendência mais recente é a de regulação
descentralizada operacionalmente e de normatividade complexa, ou seja, de
regulação normativa centralizada, mas remetida a autoridades
administrativas.

2.2 EFEITOS DAS OPÇÕES REGULATÓRIAS

Em síntese, de um lado tem-se a pergunta sobre quem prestará o


serviço e então se trata de falar em regulação operacional centralizada –
[124]
intervencionismo direto – ou descentralizada. Por outro lado, questiona-
se se há regramento específico da atividade, remetendo-se agora aos
conceitos de regulação normativa centralizada – intervencionismo indireto
– ou descentralizada.
A regulação normativa centralizada permite que sejam
identificadas, no Estado, atividades de fomento, regulamentação,
monitoramento, mediação, fiscalização, planejamento e ordenação da
[125]
economia sem que ele assuma a prestação direta dos serviços. Assim, a
opção pela regulação operacional descentralizada não esgota as opções
estatais regulatórias. O fato do Estado não mais intervir sob o ponto de
vista operacional – de não mais prestar diretamente uma utilidade à
população – não significa que ele esteja intervindo menos. Tanto é assim,
que o que caracteriza o conceito de agência reguladora, analisado mais a
frente, é a estrutura normativa de maior intervencionismo estatal, pois a
política de baixo intervencionismo estatal é abraçada pela forma tradicional
de regramento jurídico geral, abstrato e totalizante, que transfere ao
Judiciário a solução das peculiaridades geradas pela dinâmica social; é a
crença de que a mão invisível do mercado solucionará percentual elevado
de transgressões normativas e que o Poder Judiciário lidará com o ilícito
[126]
remanescente . Na regulação operacional descentralizada, para a qual o
Brasil tem se inclinado, o Estado continua detendo uma margem de
manobra normativa, que não se resume a simples opção entre exarar ou não
regramento sobre o serviço. Ao optar pela regulação normativa
centralizada, o Estado, agora, enfrenta outra questão, tão antiga quanto o
conceito de interesse público: a de se definir a forma de controle da
prestação dos serviços pelos particulares; a de se saber para onde estará
orientada a política estatal de regulação dos serviços descentralizados;
enfim, a de se escolher a corrente de pensamento que orientará a regulação.
Duas correntes clássicas de pensamento se opõem, sabendo-se
que a divisão é didática e imprecisa, comportando diversas subdivisões:
uma delas voltada a colocar em primeiro plano a remuneração do capital
empregado no serviço para atração de investimentos estrangeiros; a outra,
voltada a valorizar os conceitos de interesse público, de adequação do
serviço e do bem-estar do consumidor, condicionando o retorno do
[127]
investimento aos níveis de satisfação e à continuidade do serviço.

2.3 FUNÇÃO NORMATIVA CONJUNTURAL DO EXECUTIVO


A função regulamentar representa a parte normativa da regulação
que cabe ao Executivo, sem, todavia, esgotá-la, pois ela é uma
normatividade condicionada à legalidade da medida e, portanto, submissa
às diretivas de políticas públicas de regulação exaradas pelo Legislativo. A
prescrição de comportamentos para orientação de condutas por intermédio
de previsões de situações de fato, ao lado das determinações de diretrizes e
metas de desempenho, representam uma margem de manobra normativa em
um modelo que exige a coexistência de regimes distintos no mesmo rol de
atividades, gerando, com isso uma normatividade complexa.
Exatamente no que diz respeito à citada margem de manobra
normativa é que dito modelo de normatividade complexa encontra críticas.
Elas estão centradas na alegação de que o Executivo estaria invadindo
prerrogativas legislativas ao se utilizar da regulamentação de setores para
implementação de políticas públicas. O fenômeno se avolumou com a
descentralização operacional dos serviços públicos, desviando o foco de
preocupação do Estado Social, que era definido pela intervenção direta,
para o incremento da produção normativa. O Estado deixou de prestar ele
mesmo o serviço, passando-o às mãos dos particulares, mas, para tanto,
ultimou um projeto normativo mais elaborado voltado às especificidades de
cada setor econômico. Este projeto evidencia mais nitidamente o papel do
Poder Legislativo como formulador de políticas públicas gerais e de
estruturação dos setores de interesse público, enquanto o Poder Executivo
assume, com clareza, a função normativa conjuntural destinada a
acompanhar o setor no seu dinamismo, mas dentro da legalidade.
A substituição que o Estado Social determinou na política pública
liberal do government by law pela política pública social do government by
policies perpetuou-se como exigência de acompanhamento da realidade por
produção normativa voltada à política de orientação da conjuntura
econômica não mais sob a forma de intervenção direta, mas mediante
regulação normativa centralizada em entes estatais autônomos. A questão
que surge, neste ponto, está em saber se, de fato, o ocorrido evidenciaria
migração de funções do Poder Legislativo para o Poder Executivo, por
intermédio das agências criadas para o fim de produção normativa
complementar ou se refletiria um aclaramento da sempre existente
[128]
especialização funcional dos poderes.
2.3.1 ATIVIDADE NORMATIVA DO EXECUTIVO E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

A hipótese de que teria havido transferência de poderes


normativos do Legislativo para o Executivo, ferindo, assim, a cláusula
pétrea constitucional brasileira da separação de poderes despreza a evolução
[129]
de seu sentido histórico sintetizada em Montesquieu e fundamentada nas
[130] [131] [132]
abordagens dadas por Aristóteles , Bolingbroke e Locke .
Dentre as atividades entregues ao Executivo por Montesquieu,
[133]
estão as ações momentâneas ou instantâneas , que são, portanto,
conjunturais, dinâmicas, instáveis. A capacidade normativa de conjuntura
[134]
de que fala Eros Roberto Grau está inserida no contexto de produção
normativa por órgãos e entes da Administração para o fim de
acompanhamento setorial, exercendo, com isso, função própria – não
delegada –, pois inerente à condição dinâmica e flexível do Poder
Executivo. Assim, o Executivo exerce função normativa, que difere da
função legislativa. Esta última é definida a partir de critério subjetivo –
orgânico ou institucional –, em que vale mais para sua definição o conjunto
[135]
dos atores do Poder Legislativo que propriamente sua função . Já a função
normativa é divisada não a partir dos Poderes estatais – Legislativo,
Executivo, Judiciário –, mas das matérias neles inseridas sem caráter de
exclusividade. Tanto é assim, que a Constituição Federal de 1988 enuncia,
em diversos dispositivos, os atos normativos dos três poderes (CF/88: art.
49, V; art. 97, caput; art. 102, I, a; art. 102, §2o; art. 103, §3o; art. 125, §2o;
art. 169, §4o). Não se olvida o fato de que as ações abstratas de análise da
constitucionalidade de atos normativos não podem ser suscitadas contra
[136]
regulamentos em geral do Poder Executivo , mas a razão deste
posicionamento do STF está na questão estrutural em jogo: o juízo destas
ações é de constitucionalidade, enquanto a análise dos regulamentos é de
legalidade. Dessa forma, o termo ato normativo dos artigos correspondentes
ao controle abstrato de constitucionalidade inscritos na Constituição Federal
de 1988 não exclui os regulamentos por não serem prescrições normativas,
[137]
mas em razão do requisito do juízo de constitucionalidade da medida.
Além disso, se há atos normativos com força de lei para os fins de
[138]
questionamento de constitucionalidade e de competência do STF , é
porque há ato normativo sem força de lei no sistema jurídico brasileiro. Não
há, portanto, delegação de poderes, em sentido próprio, mas utilização de
função normativa originariamente atribuída ao Executivo. Isso não significa
que ele possa exercê-la quando quiser e independentemente de prévia
atuação legislativa. O sistema constitucional brasileiro, em razão das
vinculações estruturais da separação de poderes, impõe que o espaço
normativo do Executivo esteja previamente aberto por dispositivo de lei e
[139]
daí a característica de fonte secundária a seguir esmiuçada. Esse
raciocínio evita a perplexidade comumente verificada na análise da
jurisprudência norte-americana ao constatar que o princípio básico de
proibição de delegação funcional entre os poderes (non-delegation)
[140]
somente é aplicado em casos extremos. São extremos porque
excepcionais, já que os demais casos tidos como de aplicação tímida do
princípio, na verdade são de utilização de competência própria do
Executivo.
A função normativa está assentada na primariedade do enunciado
normativo: ela se impõe por força própria, podendo existir em decorrência
do exercício de poder originário – Legislativo (em sentido subjetivo) – ou
[141]
em decorrência de poder derivado – Executivo (em sentido subjetivo). O
conceito de função normativa, portanto, abarca a função legislativa, a
[142]
função regulamentar e a função regimental. Estas funções não se
confundem com a possibilidade de controle dos demais poderes pelo
[143]
Legislativo, que Montesquieu chamou de poder regulador.
O art. 25, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da
Constituição Federal de 1988, suscita certas considerações que,
aparentemente, indicariam a proibição constitucional da presença de atos
normativos do Executivo no novo ordenamento jurídico instaurado.
Segundo o dispositivo:

Constituição Federal brasileira de 1988


Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da
promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei,
todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do
Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao
Congresso Nacional, especialmente no que tange a:
I - ação normativa;
II - alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie.
Da leitura do art. 25 do ADCT, poder-se-ia extrair a conclusão de
que a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, não
poderia mais existir lei que atribuísse competência legislativa ao Executivo
exceto em caso de sua prorrogação mediante decisão do próprio
Legislativo, que, por ser exceção, não se poderia estender ao infinito. É
exatamente isso que o dispositivo diz e deve ser precisamente isso o
aplicado. O desejo do constituinte de extirpar do ordenamento jurídico
dispositivos legais que ferissem o princípio da não-delegação de poderes
está evidente no art. 25 do ADCT. Ele significa a proibição de delegação de
poder legislativo por lei ao Executivo à exceção, é claro, da previsão
expressa constitucional de lei delegada, com as respectivas limitações
contidas no art. 68 da Constituição Federal de 1988. Não há nada a ser
reparado no enunciado constitucional. Ele não diz respeito ao tema ora
analisado do exercício de poder normativo próprio do Executivo mediante
abertura legal exigida pela separação de poderes vista sob o enfoque
estrutural. Não há delegação de poder normativo, mas reconhecimento e
autorização de seu exercício dentro da sistemática de distribuição de
funções normativas para o Executivo. Ele – Poder Executivo – não pode
exercer competências normativas reservadas ao Congresso Nacional nem
que estas lhe sejam entregues por lei, mas não se pode furtar, e portanto
deve exercer suas competências normativas abertas por dispositivos legais
que definam parâmetros de atuação normativa regulamentar.

2.3.2 ATIVIDADE NORMATIVA DO EXECUTIVO E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

No contexto da regulação, o respeito à legalidade apresenta dois


sentidos: a) submissão do órgão ou ente da Administração responsável pela
emissão de regulamentos setoriais à correspondente lei definidora de
competências; b) respeito aos dispositivos emanados de normas legais ou
regulamentares. Este último entendimento ameniza a enraizada polêmica da
existência de conflito entre a legalidade e o poder regulamentar,
viabilizando o modelo atual de escala industrial de produção de
regulamentos por órgãos reguladores.
Note-se que não há aqui apologia à produção em escala de
regulamentos, mas justificação do modelo de regulação instaurado no Brasil
[144]
perante o art. 5o, II, da Constituição Federal de 1988 : “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
O termo lei aqui referido não pode ser compreendido no seu sentido mais
estrito e isso não é nenhuma novidade ou argumentação puramente
doutrinária: é a própria prática do sistema constitucional brasileiro aplicada
pelo Supremo Tribunal Federal. É cediço que um dos argumentos
proibitivos de tratamento de matéria penal substantiva por medida
provisória é o de que o art.5o, XXXIX, da Constituição Federal de 1988, ao
prescrever que “não há crime sem lei anterior que o defina” exprimiu lei em
[145]
seu sentido “exclusivamente formal” . Por isso, mesmo a medida
provisória – ato normativo com força de lei – não pode tratar de disposições
que definam crimes e cominem penas. Se o termo lei do art.5o, XXXIX, da
Constituição Federal de 1988 é tão restrito a ponto de inviabilizar o uso da
medida provisória, mesmo antes das limitações expressas advindas da
Emenda Constitucional n. 32, de 2001 (art. 62, §1º, I, b da CF/88), isso
significa que a previsão de lei do art.5o, II, da Constituição Federal de 1988
é, no mínimo, menos restritiva, pois não se pode sustentar que ele não se
refira a disposições veiculadas por medidas provisórias. Se assim o é, o
argumento comumente utilizado contra a existência de poder normativo do
Executivo de que o termo lei do art.5o, II, ou do restante da Constituição
Federal de 1988, deve ser interpretado restritivamente é falho, pois, ao
menos há níveis de sua extensão: lei estritamente formal do Legislativo; lei,
como instrumento normativo com força de lei formal; e – porque não – lei
como ato normativo.
Ainda, poder-se-ia acenar com argumentos periféricos, como o
que se assenta na redação do art. 5o, II, da Constituição Federal de 1988, que
proíbe o constrangimento de direitos exceto em virtude de lei. Segundo este
argumento, o texto constitucional não resumiria o condicionamento de
direitos a comando legal. Toda limitação decorrente de prévia abertura
legal, inclusive por ato normativo da Administração, seria, assim,
condizente com o texto constitucional, desde que não ultrapassasse o
âmbito de atuação permitido por lei. Mas este argumento não se sustenta se
não estiver clara a questão da delegação inconstitucional de funções
legislativas, ou seja, da distinção entre função legislativa e função
[146]
normativa.
Sob o ponto de vista estrutural, a legalidade exige lei que
[147] [148]
atribua competência executiva secundária , pois pressupõe prévia
abertura legal, e não simplesmente subordinada, para produção de
regulamentos setoriais. A mesma legalidade também justifica a vinculação
dos atores setoriais (prestadoras e usuários/consumidores) à orientação
emanada da função normativa conjuntural do Executivo (em geral, por meio
de superestruturas administrativas autônomas) pela produção de disposições
regulamentares – parte da função normativa que foi distribuída entre os
poderes estatais no diploma constitucional. A regulamentação emanada do
Executivo, neste caso, não desrespeitará a hierarquia normativa, pois
mesmo que seja independente de atribuição explícita e pontual de função
normativa, afigura-se como atribuição implícita decorrente da destinação
de competências de certos setores ao Executivo. A lei em sentido formal –
decorrente de processo legislativo – é, portanto, o único caminho
constitucionalmente autorizado a abrir espaço à interferência do Executivo
na precisão dos direitos, como historicamente ocorre em questões como as
[149]
de posturas urbanas e regras de trânsito.
O reconhecimento da existência destes regulamentos
problematiza a questão, que deixa de ser analisada e discutida quando
simplesmente se nega constitucionalidade aos inúmeros atos normativos do
[150]
Executivo, que, por serem indesejados, não são menos reais. Não menos
real também é a constatação da presença de função administrativa no
Legislativo quando da implementação de políticas concretas de governo por
via de leis formais no auge do Estado Social, resultando nas chamadas leis-
medida (Massnahmegesetze). A distinção existente entre lei e regulamento,
submetendo este àquela não significa eliminar a função normativa do
[151]
Executivo, mas parametrizá-la segundo uma hierarquia prevista no
sistema constitucional sem olvidar a divisão material dos conteúdos
normativos entre os poderes estruturais do Estado.
Superados os obstáculos à possibilidade de atividade normativa
regulamentar – função normativa do Executivo –, enfatiza-se a
compreensão de que o Poder Executivo desvia a finalidade desta atividade
se substitui manifestações propriamente legislativas.

2.3.3 ATIVIDADE NORMATIVA DO EXECUTIVO E ENTES ADMINISTRATIVOS AUTÔNOMOS

A discussão sobre a plausibilidade jurídica da regulação como ela


se apresenta hoje no ordenamento jurídico brasileiro não se esgota na
discussão da plausibilidade jurídica da produção normativa do executivo.
Há uma questão subsequente: como aceitar a presença de entes
administrativos ditos independentes para o desempenho desta função
normativa natural ao Executivo se a Constituição Federal de 1988 atribuiu
competência exclusiva ao Chefe do Executivo para expedir decretos e
regulamentos para fiel execução da lei (art. 84, IV e parágrafo único) e para
a direção superior da Administração Pública (art. 84, II)?
A primeira parte da questão é dirigida aos chamados
regulamentos executivos, que tiveram seu significado restrito
doutrinariamente à orientação de atuação da Administração Pública, com
fundamento no poder hierárquico do Chefe do Executivo, para
instrumentalizá-la ao cumprimento das disposições legais. O enunciado
constitucional de competência exclusiva do Chefe do Executivo para
expedição de decretos e regulamentos para fiel execução de lei não esgota,
portanto, o sentido da função normativa do Executivo. Esta se apresenta
incólume no âmbito de preenchimento normativo do ordenamento jurídico
que não se resuma a ordens estruturadoras da Administração para
viabilização da lei. Persiste a possibilidade de utilização da função
normativa do Executivo para regulamentar atividades expressamente
atribuídas por lei, em que implicitamente se destina função normativa ao
órgão ou ente competente para fazer funcionar o setor mediante
preenchimento regulamentar submisso à legalidade, esta sim, fonte
definidora da política pública setorial. O art.84, IV, da Constituição Federal
de 1988, explicita a condição infralegal, mas não despida de normatividade,
do Chefe do Executivo quando da orientação estrutural da Administração
Pública a partir da hierarquia inerente ao Poder Executivo.
Não há, portanto, proibição ao exercício de função regulamentar
por intermédio de entes administrativos com competência atribuída à gestão
de um conjunto de atividades, muito embora isto não signifique alienação
do Executivo frente à lei em sentido formal. Esse raciocínio evita a
perplexidade que se apresenta nas exposições doutrinárias brasileiras sobre
o tema, que, cientes da realidade constitucional do país, vêem-se obrigadas
a encerrar sua argumentação com o reconhecimento do fracasso histórico do
esforço de efetividade das disposições constitucionais do art.84, IV, e
parágrafo único, apontando para a “antiga, difundida e tolerada (...) prática
[152]
de que órgãos autárquicos regulamentem as leis” . O que falta, portanto, é
o aprofundamento dogmático da questão para que fique bem definida a
fronteira além da qual o poder normativo do Executivo deixa de ser
secundário, transformando-se em inconstitucional. A acusação de
inconstitucionalidade total e apriorística de qualquer normatização de entes
autárquicos do Executivo levou à ridicularização do argumento jurídico
frente à imposição prática da natureza das relações funcionais do Estado.
A análise do art. 84, II, da Constituição Federal de 1988, assenta-
se em argumentos semelhantes. Ao se dizer que o Chefe do Executivo
desempenha a direção superior da Administração Pública, isso não significa
subserviência de consciência, nem muito menos disponibilidade de cargos
segundo a vontade do Presidente soberano da República: a maior parte da
carreira administrativa está fora do alcance do juízo de oportunidade do
Chefe do Executivo, pois garantida pela burocracia que a protege. Logo,
não há nada de excepcional em permitir-se a presença de conselheiros ou
diretores de entes da Administração indireta que não estejam envergados ao
gosto e desgosto do Chefe do Executivo. Aspecto inteiramente distinto
encontra-se na consideração dificilmente encontrada nos críticos do modelo
regulatório atual e pertinente à impossibilidade de análise final de decisão
da Administração por ausência de recursos administrativos que cheguem ao
Chefe do Executivo, tolhendo o juízo final de oportunidade que lhe teria
sido outorgado pelo art. 84, II, da Constituição Federal de 1988. Essa
argumentação poderia levar a certa perplexidade se já não se convivesse
com modelos de tribunais administrativos afastados da revisão de suas
decisões pelo Ministério a que estão vinculados, pois, de fato, o que o
art.84, II, diz é que a estrutura da Administração Pública encontra-se
submetida às orientações hierarquicamente superiores do Chefe do
Executivo. Contudo, o dispositivo constitucional não torna a matéria
normativa exclusiva do último escalão da estrutura administrativa,
remetendo esta consideração à produção legislativa, de cujo processo, não
se deve esquecer, o Chefe do Executivo faz parte.
Tais considerações não desconhecem a possibilidade de superação
da discussão sobre a constitucionalidade de entidades administrativas
regulatórias mediante a referência à previsão constitucional de dois dos
[153]
atuais órgãos reguladores – ANATEL e ANP . Previstos na Constituição
Federal de 1988, eles encarnariam exceções aos dispositivos de
competência reservada ao Chefe do Executivo (art. 84, II e IV, da
Constituição Federal de 1988). Esse ponto de vista, que apoia a
constitucionalidade de regulamentação infralegal de atividades essenciais
na presença de referência expressa a órgãos reguladores revela, contudo,
dois problemas: a) somente duas das atuais agências reguladoras seriam
regulares e estariam aptas a cumprir suas funções regulamentares; b)
mesmo estas duas agências poderiam ter sua autonomia questionada por
violação da separação dos poderes por via transversa ao implementarem
exceção a incisos do art. 84, que funciona como divisor de águas entre o
Legislativo e o Executivo. Desta forma, a explicação da autonomia
regulatória das agências por meio de normas constitucionais excepcionais
peca por privilegiar soluções pontuais, quando a presença de tais entidades
já decorre naturalmente da harmonia preconizada entre os poderes por meio
de distribuição não exclusiva de funções. O argumento da previsão
constitucional ‘excepcionadora’ obedece ao pressuposto, acima
questionado, de exclusividade de tratamento normativo pelo Poder
Legislativo e que não condiz com a complexidade institucional atual.
E qual seria, portanto, o efeito jurídico da previsão constitucional
de ditos órgãos reguladores? Como não existem termos inúteis no
ordenamento jurídico, as previsões concernentes à regulação do petróleo e
das telecomunicações devem operar algum efeito. Este efeito está na
distinção entre poder normativo secundário e subordinado explicitada linhas
acima. Por estarem expressamente previstos na Constituição Federal de
1988 como órgãos reguladores, eles não tem somente a tradicional
competência secundária, mas também subordinada, pois a dicção
constitucional exige que o tratamento legal de tais órgãos lhes defina com
os elementos característicos da regulação setorial.

2.3.4 ATIVIDADE NORMATIVA DO EXECUTIVO E REVISÃO JUDICIAL

Finalmente, a atividade normativa do Executivo, no âmbito da


regulação de atividades essenciais, suscita também questões referentes à
extensão de sua revisão pelo Poder Judiciário. Sob o enfoque estritamente
jurídico-formal, a Constituição Federal de 1988 estipula expressamente a
inafastabilidade da jurisdição quanto a qualquer lesão ou ameaça a direito
(art. 5o, XXXV). Entretanto, não se pode furtar à discussão do grau de
atuação jurisdicional daí decorrente. Em outras palavras, até onde irá, de
fato, a revisão, pelo Judiciário, da produção normativa conjuntural do
Executivo, que é, por natureza, técnica e, às vezes, fundada em
prognósticos da Administração sobre a evolução futura de um setor de
atividades?
O termo comumente utilizado para descrever o fenômeno de
abertura de opções administrativas por meio da definição técnica como
argumento de autoridade é o da discricionariedade técnica da
Administração Pública. Esse termo transparece a afirmação de que certas
decisões, por sua elevada complexidade de ordem técnica, somente
poderiam ser tomadas por quem nelas é especializado, deixando ao
Judiciário a possibilidade de se pronunciar somente quanto aos erros
manifestos.
O próprio conceito de discricionariedade técnica é atacado como
uma contradição em si, pois reuniria em sua postulação termos que se
anulariam, já que a discricionariedade pressupõe espaço decisório aberto
por lei, enquanto a tecnicidade carregaria, em si, uma determinação precisa
de critérios a serem seguidos, estrangulando aquele espaço que se pretendia
previsto na lei, transformando, assim, o ato cogitado em ato vinculado, ou
seja, em ato no qual não há margem de opções possíveis a serem tomadas,
mas somente um comportamento previamente estabelecido a ser
implementado pela Administração Pública.
Para compreensão da questão da discricionariedade técnica, é
necessário primar por precisão terminológica. Há um grande salto entre os
conceitos de discricionariedade externa e discricionariedade interna.
A discricionariedade externa, impropriamente inserida em casos
de discricionariedade técnica, significa a margem de opções possíveis do
administrador prevista em formulação jurídica que contém, dentre outros,
dados técnicos. Neste caso, o administrador deve partir dos elementos
técnicos já esclarecidos na fundamentação de sua decisão e lançar mão da
clássica discricionariedade administrativa aberta expressamente pelo texto
legal. Seria o caso de uma norma que estabelecesse opções para o
administrador destruir ou apreender uma substância tóxica. A determinação
da natureza da substância é um juízo técnico prévio à opção do
administrador entre destruir ou apreender o produto. Logo, a
discricionariedade externa pressupõe a solução do significado dos dados
técnicos contidos na previsão normativa.
Já a discricionariedade interna revela a verdadeira temática da
discricionariedade técnica e se define pela cogitação de um espaço
discricionário aberto pela dificuldade de se determinar o sentido do termo
técnico inscrito na lei. A discricionariedade técnica está na entranha dos
[154]
juízos técnicos.
Quem conhece tecnicamente, é verdade, tem condições de decidir
[155]
melhor sobre o significado objetivo de um termo técnico, mas não
necessariamente de forma mais adequada ao ordenamento jurídico, que
agrega caráter teleológico aos dados técnicos, vinculando-os a uma
finalidade específica normativa, cuja prerrogativa de proteção última situa-
se no Poder Judiciário. A tecnicidade do tema afasta, na prática, a
ponderação científica do juiz sobre os prós e contras da opção por uma ou
outra tecnologia (esta é uma constatação fática); ela reserva a órgãos
formados por especialistas de cada área a definição da extensão de certos
conceitos, como os de substância tóxica, de margem de segurança, de
medicamento, de bioequivalência, de interferência prejudicial
eletromagnética, mas não inviabiliza – antes indica em face da presença de
[156]
standards precisos –, a necessidade de, a partir de laudos técnicos,
verificar a pertinência da decisão tomada frente às determinações legais.
Finalmente, deve-se levantar a questão de que tais standards precisos não
são assim entendidos por serem predeterminados, mas por estarem
remetidos à motivação da decisão administrativa, analisada no controle
judicial do ato, que confirmará ou não a determinação concreta dos
parâmetros técnicos razoáveis frente ao contato da norma com o plano
[157]
fático. Ditos parâmetros técnicos são esculpidos na motivação da decisão
administrativa, o que gera a possibilidade e exigência de revisão judicial
dos critérios técnicos utilizados para tomada de posição do administrador.
O juízo de legalidade é prerrogativa inafastável do Poder
Judiciário, que, por outro lado, deve cingir-se, quanto ao juízo de
oportunidade do administrador, à verificação da proporcionalidade da
medida. Neste caso, as valorações do administrador, desde que legais,
vinculam a atuação estatal mesmo que em detrimento da melhor solução
segundo novos parâmetros de quem enxerga, do futuro, o fenômeno
completo, muito embora se possa exigir a melhor solução possível segundo
o nível de dados disponíveis e assimiláveis no momento da decisão. A par
do juízo de oportunidade do administrador, há a opção por critérios
técnicos, que carregam consigo certo grau de hermetismo. Por isso, exige-se
consciência setorial do julgador para compreensão das implicações menos
óbvias das opções do administrador, bem como se exige ampla motivação
da decisão administrativa para permitir o controle judicial. O conhecimento,
por parte do julgador, dos meandros técnicos dos setores de atividades
relevantes para o Estado é condição para o necessário controle judicial da
assim chamada discricionariedade técnica. Em outras palavras, a
tecnicidade pode encobrir, no juízo de oportunidade, o juízo de legalidade;
pode tomar decisões, no juízo de oportunidade do especialista, que
diminuam as opções de legalidade do julgador sem que ele perceba tais
decisões, fechando as soluções antes abertas pela legislação. Tais
características afloradas no modelo regulatório estatal evidenciam a
necessidade do Judiciário, bem como das estruturas postulatórias perante o
Judiciário, de se empenharem em tomar consciência das perspectivas
abertas pela tecnicidade das questões setoriais, que obscurece a nitidez das
fronteiras limitadoras dos juízos de oportunidade, que, por natureza estão
vinculados aos parâmetros dos juízos de legalidade.
Além da ampla discussão gerada pela discricionariedade técnica,
a atividade normativa do Executivo depara-se com a influência de políticas
orientadoras de decisões setoriais. O modelo de regulação desloca para
órgãos e entes administrativos específicos decisões de intenso caráter
prognóstico carregadas de orientações políticas de planificação
administrativa. Essa é, por exemplo, a opção pela forma de se implementar
a competição em determinado setor. Os casos de implementação de
orientações planificadas na esfera do Executivo, ao contrário do que ocorre
com a discricionariedade técnica, não se submetem à interferência do
Judiciário no cerne das opções políticas, pois disso resultaria restrição, por
parte do Judiciário, das funções naturais ao Executivo. Não é, no entanto, o
Executivo somente que delimita o cerne de seu poder de orientação política
por planificação administrativa. Cabe ao Legislativo estabelecer os
standards dentro dos quais o Executivo produz suas políticas próprias, tanto
[158]
no tocante à sua estruturação , quanto para normatização de setores
relevantes de atividades. A pertinência entre os prognósticos legislativos e
executivos inscritos em suas correspondentes produções normativas, por
óbvio, encontra-se no campo do juízo jurisdicional.
2.4 CONCEITO DE REGULAÇÃO

Ao se tratar da produção normativa do Poder Executivo, abordou-


se apenas uma manifestação regulatória, que é parte do seu significado e,
embora seja um dos significados mais característicos da regulação, não a
representa em sua integralidade. A regulação é um fenômeno mais
abrangente de interferência estatal na atividade econômica em sentido
amplo, envolvendo os serviços públicos e as atividades econômicas em
sentido estrito. Mas a definição de regulação como um fenômeno fático é
insuficiente ao estudo do direito. O objeto de estudo do direito
regulatório, por princípio, é algo jurídico e, portanto, para os fins do
direito regulatório, a regulação, como objeto de estudo, encontra-se
vertida no termo regime jurídico regulatório.
O uso do termo regime jurídico regulatório responde à busca de
um significado mais palpável à imprecisão terminológica trazida pelo
enunciado da regulação.
Como explica Sueli Dallari, a regulação foi definida, no século
XVIII, como um mecanismo técnico voltado à preservação de uma
constante em meio a perturbações exteriores para alcance de estabilidade,
por exemplo, um termostato. No século XIX, foi definida como um
conjunto de ajustamentos biológicos capazes de preservar o equilíbrio
dinâmico de um corpo. O século XX trouxe para o termo o significado de
mecanismo promotor de correções da atuação de um sistema qualquer por
intermédio da avaliação dinâmica das informações recebidas do ambiente
regulado. Como teoria dos sistemas, introduziu-se na economia, na
[159]
sociologia, na ciência política e no direito.
Na economia, o conceito de regulação tomou matiz próprio ao
encobrir a característica sistêmica propriamente reguladora sob o
significado projetado a partir do final do século XIX de atividade estatal
[160]
voltada a suprir as falhas de mercado. Já, na tradição anglo-saxã, o
significado de regulação foi apropriado como o conjunto de atos de
controle e direção, assim entendidos como normas legais e outras medidas
[161]
de comando e controle de intervenção pública sobre o mercado. Em
âmbito internacional, o Bando Mundial assimilou esse último significado da
regulação como controles impostos pelo governo sobre aspectos de
negócios, distinguindo-os da propriedade estatal dos meios de produção e
[162]
da atividade de fomento por incentivos fiscais. A regulação, portanto,
internaliza em seus enunciados jurídico-administrativos, direta ou
indiretamente, a característica de atuação gerencial da administração, que se
torna visível no direcionamento do setor por interferências estatais
ponderadas pari passu e por constante reavaliação da pertinência entre o
caminho seguido pelo ambiente regulado e os direitos afetados. O mercado
e os seus senhores jurídicos – a livre iniciativa e a livre concorrência –
podem ser itens diretores de parcela da atuação regulatória, mas não se
apresentam como princípios jurídicos exigíveis para o conjunto das
[163]
atividades reguladas.
A regulação, portanto, enquanto regime jurídico regulatório,
apresenta-se como um conjunto de disposições normativas e administrativas
[164]
caracterizadas por seu caráter conjuntural de influência ou controle sobre
o ambiente regulado mediante batimento entre resultados esperados e
resultados efetivamente alcançados. O mecanismo regulador presente na
origem terminológica da regulação apresenta-se como um diferencial do
regime jurídico regulatório, revelando-o como um conjunto de atuações
normativas e administrativas capazes de interagir pari passu com os rumos
efetivamente detectados no ambiente regulado para redirecioná-lo aos
deveres normativos de concretização dos direitos fundamentais.
O regime jurídico regulatório transparece, portanto, o conjunto de
[165]
produções não só normativas , mas administrativas de diuturna
reconfiguração do ambiente regulado, como também do formato estatal de
ataque aos problemas nele detectados, entendida a indispensabilidade de
atuação estatal no que se refere à preservação dos princípios do serviço
público, mediante políticas regulatórias ínsitas aos princípios jurídicos
[166]
inscritos na ideologia constitucionalmente adotada. Dita diuturna
reconfiguração é voltado tanto para o ambiente regulado quanto para a
própria conformação estatal interventora, na medida em que a projeção da
atuação estatal regulatória parte do pressuposto de atuação dinâmica e
proativa governamental, ou seja, da consciência, por parte do governo de
plantão, de que sua atuação é necessária à concretização dos direitos
fundamentais. O depoimento de George Soros sobre a crise financeira
iniciada em 2007 e resultante do déficit regulatório do sistema financeiro
norte-americano dirige-se ao cerne da questão ao defender a necessidade de
[167]
um governo que acredite no governo , vale dizer, de um governo que
acredite no seu papel decisivo e imprescindível para aperfeiçoamento do
sistema democrático e das relações econômicas a ele subjacentes. Em outras
palavras, a regulação integra o modo de ser da liberdade democrática ao
representar a convicção de que não existe uma região de atividades
econômicas livre de leis; não há um setor desregulado no sentido preciso da
palavra. Uma sociedade pautada na liberdade não significa uma sociedade
avessa à regulação. Mesmo Friedrich Hayek confirma a onipresença da
[168]
regulação em qualquer modelo estatal.
Dentre as categorias de atuação estatal reveladas no estudo do
regime jurídico regulatório, encontram-se: fomento, regulamentação,
[169]
monitoramento, mediação, fiscalização, planejamento e ordenação da
[170] [171]
economia; gerenciamento normativo de conflitos; regulamentação de
[172]
atividades inseridas em âmbito de competência estatal; ordenação da
[173] [174]
atividade econômica , inclusive da atividade monopolista ; outorga de
serviços e autorização de uso de meios para universalização ou expansão
geográfica, enfim, atividades de índole normativa e administrativa úteis,
sob o ponto de vista individual, e necessárias, se vistas em conjunto, ao
acompanhamento e redirecionamento de atividades econômicas em sentido
amplo. A composição das funções normativa e administrativa em um
ambiente de acompanhamento e controle é, em síntese, o diferencial de
autonomia do ramo de estudos do direito regulatório.
A regulação, em síntese, é a presença de regras e atuação
[175]
administrativa (law and government) de caráter conjuntural
pautadas no pressuposto de diuturna reconfiguração das normas de
conduta e dos atos administrativos pertinentes para a finalidade de
redirecionamento constante do comportamento das atividades
submetidas a escrutínio, tendo-se por norte orientador parâmetros
regulatórios definidos a partir dos enunciados de atos normativos e
administrativos de garantia dos direitos fundamentais.
Traduzindo-se o enunciado da regulação em termos práticos, a
regulação, por exemplo, do Serviço Telefônico Fixo Comutado – atividade
submetida a exame e acompanhamento estatal minucioso – faz-se por
intermédio de disciplina normativa infralegal da Agência Nacional de
Telecomunicações (resoluções), e por atos administrativos pertinentes, tais
como autorizações, concessões, atos de fiscalização, monitoramento e
mediação de disputas, segundo parâmetros de comportamento das
atividades reguladas derivados do enunciado constitucional dos direitos
fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
minudenciados nas políticas públicas setoriais emanadas da normatização
secundária do Ministério das Comunicações (portarias ministeriais) e da
Presidência da República (decretos presidenciais), em prol do objetivo de
maior aproximação possível entre a prestação efetiva do serviço e a
prestação do serviço esperada da integral aplicação de regras e princípios
jurídicos. A regulação apresenta-se como o rol de atividades de reorientação
diuturna dos atores setoriais – governo, empresas, usuários/consumidores,
cidadãos e estrutura regulatória – rumo à maior sintonia possível entre o
modelo ideal de funcionamento do ambiente regulado ordenado pelo
Direito e o efetivo comportamento das atividades reguladas. Regulação é a
reconfiguração conjuntural do ambiente regulado voltada à consecução
de um modelo ideal de funcionamento do sistema e dirigida por regras
e princípios inscritos e espelhados nos direitos fundamentais.
No presente contexto regulatório brasileiro inaugurado em
meados da década de 1990, o rol de instituições jurídicas características da
regulação resume-se aos conceitos de gerenciamento normativo da
realidade, outorgas de serviços, controle de meios, assimetria regulatória e
fiscalização. Todos eles são compatíveis com a dinâmica vislumbrada na
evolução do direito administrativo para o acompanhamento cotidiano das
transformações nas atividades de interesse público. Eles, todavia, não
esgotam o substrato de estudo do direito regulatório, que se projeta para
além de atividades de intervenção indireta no mercado e alcança, como se
viu, atividades de fomento, de planejamento, de intervenção direta, enfim, a
interferência estatal em atividades econômicas lato sensu. Regulação,
enfim, é intenção de direcionamento conjuntural da atividade econômica
no Estado.
Tais instituições regulatórias – regulamentação, monitoramento,
fiscalização, planejamento, ordenação, fomento, outorgas, alocação de
meios – abrem espaço para políticas públicas que não estejam integralmente
entregues, por exemplo, ao ideal de otimização funcional por intermédio da
concorrência. Uma teoria jurídica de caráter generalizante não serviria a
seus propósitos se inviabilizasse sua adequação a tipos de regulação
fundados em pressupostos de política pública distintos. Em outras palavras,
não se pode propor uma teoria jurídica da regulação que esteja
comprometida com ideais, sejam eles de competição ou de monopólio, de
mercado ou de planificação estatal, mas como instrumento de reunião dos
sucessos e fracassos das políticas públicas de fontes ideológicas distintas. A
teoria jurídica da regulação serve como seara de discussão e de orientação a
quem não se rende a argumentos unificadores e destruidores da diversidade
de pontos de vista, que é característica do estudo científico.
Para compreensão dos princípios e das instituições regulatórias, é
essencial a pesquisa sobre o histórico regulatório brasileiro em geral.

2.5 REGULAÇÃO VERSUS DESREGULAÇÃO

O estudo da regulação nos obriga a cogitar dos nossos


pressupostos jurídicos. Enquanto juristas, temos a consciência de que o
esquema de forças sociopolíticas detém um componente normativo
subjacente, ou seja, de que a realidade de forças sociais, como a vemos
hoje, assenta-se em pressupostos de convivência social e em pressupostos
estritamente jurídicos, como os conceitos de propriedade, de igualdade, de
liberdade.
Quando a regulação é lançada para discussão como a presença
organizada do Estado em setores relevantes, há o natural questionamento
originado de concepções de eficiência econômica, de que a interferência
estatal deveria se restringir ao mínimo necessário para preservação da
esfera de atuação livre do particular no mercado. A vulgarização dessa
concepção econômica leva, indevidamente, à conclusão de que uma opção
de política pública setorial poderia ser a desregulação do setor para que o
mercado caminhe livre, mas essa não é uma proposta que se sustente
quando se parte do pressuposto de que o que se considera como mercado,
hoje, não passa de um produto normativo, protegido por direitos de
propriedade, de igualdade, de liberdade. Em outras palavras, o substrato dos
modelos de negócio, da eficiência e da possibilidade de sucesso do próprio
mercado, é um conjunto complexo de disposições normativas que garantem,
às expensas dos tributos de toda a sociedade, a lucratividade e a própria
viabilidade de um setor de atividades.
No setor de atividades mais festejado como a forma de
organização social do século XXI – a chamada sociedade da informação, do
[176]
conhecimento ou de rede – é ainda mais evidente que a lucratividade dos
negócios do setor depende primordiamente dos pilares jurídicos de proteção
dos direitos de propriedade afirmados na normatização setorial e garantidos
por caras estruturas executivas e judiciárias de fiscalização e aplicação do
direito.
A desregulação eventualmente proposta em um determinado setor
de atividades relevantes significa, portanto, não a extinção da regulação,
mas a diminuição de apenas uma dimensão da regulação estatal, que é a que
procura dirigir o mercado ou impor compensações pelos benefícios
garantidos pelo Estado para quem nele opera negócios. O primeiro
pressuposto, portanto, quando se trata de discutir a regulação é o de que ao
se propor a desregulação de um setor, o argumento por detrás da
desregulação nunca poderá ser o de que o setor funcionaria melhor sem
intervenção estatal. O fundamento para a chamada desregulação resulta,
pelo contrário, de uma ponderação sobre os ganhos sociais oriundos da
atitude de diminuição da regulação estatal voltada à compensação social ou
à orientação do mercado. O afastamento do Estado dessas espécies de
regulação somente se justifica se comprovada que a abstenção estatal no
direcionamento do setor regulado rumo à compensação social e à eficiência
do mercado resultaria em maior eficácia dos direitos fundamentais
envolvidos. Não faz parte, portanto, do discurso jurídico, a cogitação da
desregulação como um fenômeno apoiado no argumento de que um setor de
atividades relevantes tem seu valor e eficiência diminuídos pela simples
existência da regulação: um setor de atividades relevantes é um produto da
regulação jurídica.
O exemplo da internet é marcante quando se trata de evidenciar a
insuficiência da afirmação do mercado como um ente vivo inteligente e
eficiente, ao invés de entendê-lo como um produto da atuação regulatória,
ou seja, de atuação concertada e inteligente do ambiente político-jurídico
capaz de formatá-lo em benefício dos direitos fundamentais. Se não fosse
uma atuação governamental ativa, o mercado teria enterrado o projeto que
[177]
deu vida à internet, deixando o mundo preso na idade do papel. Por
diversas vezes, o governo norte-americano e um centro de pesquisa europeu
tentaram convencer a iniciativa privada a encampar o projeto da rede
mundial de computadores, mas a resposta foi unânime de que, na década de
1970, o projeto não diria respeito aos negócios de interesse de uma grande
empresa de telecomunicações, a AT&T, e, mais tarde, na década de 1980, já
com a World Wide Web, seria um sistema “muito complicado”. Em outras
palavras, a lógica da iniciativa privada expressou sua visão da internet
como um negócio não correlato ao das telecomunicações. Se não fosse o
investimento governamental em estudos universitários e a necessidade de
uma rede eletrônica de informações para o desenvolvimento de tais estudos,
o mundo não teria a feição marcante da idade da internet e do seu substrato
econômico: a sociedade-rede.
REGULAÇÃO NO BRASIL

3.1 FASES DA REGULAÇÃO NO BRASIL

Uma visão histórica das fases de regulação dos serviços públicos


[178]
no Brasil sofre estudo aprofundado e responsável em Aguillar e compõe
passo fundamental à compreensão do período atual de conformação da
regulação operacional e normativa brasileira.
Do Brasil Colônia ao Primeiro Império, vigorou um modelo
regulador de serviços públicos comprometido com a concepção
patrimonialista de Estado. Daí se identificar com a fase da regulação
patrimonialista, “sinônimo de apropriação do Estado por seus
[179]
governantes” , cuja legitimidade esteve apoiada na probabilidade de
[180]
reconhecimento de uma estrutura de autoridade representada, no Brasil,
pelo caráter tradicional de legitimidade advinda da pessoa do governante
assentada na devoção aos costumes. Isso tudo transparecia, nessa fase, um
momento em que se entendia o próprio Estado como propriedade privada
do soberano e, portanto, remetia a extensão da regulação à vontade
subjetiva do detentor do poder político. A prestação dos serviços públicos,
nessa fase, é pequena e sua evolução aponta para a correlação entre o
fenômeno da prestação de serviços públicos e o da urbanização do país:
construção de edifícios públicos civis e militares; medidas de saneamento
básico; serviço de iluminação pública; serviço de correios e telégrafos;
serviços bancários, com o Banco do Brasil, em 1808. Em grande parte, as
atividades eram puramente controladas por regulação normativa sem
intervenção direta estatal portuguesa. A única atividade oficial era a
chamada feitoria, que visava exploração da madeira para a indústria têxtil
européia. O pau-brasil estava submetido a regime de monopólio português,
utilizando-se dos mecanismos jurídicos da concessão e do arrendamento
para a sua exploração. O Brasil Colônia, portanto, é caracterizado como
período de regulação por descentralização operacional – prestação de
serviços afastada do Estado – e por centralização normativa – concentração
de normatização sobre atividades reguladas –, reforçando-se a idéia de
privilégio e monopólio estatal de todas as atividades relevantes. A
manifestação de descentralização da regulação operacional somente se
justificava, então, pelo desinteresse do governo português em viabilizar,
[181]
com recursos próprios, a colonização do Brasil.
A fase de regulação desconcentrada sucedeu a de regulação
patrimonialista e está situada do Segundo Império até os anos 30 do século
XX. O liberalismo econômico desempenhou seu papel, imprimindo a idéia
de regulação normativa descentralizada, ou, em outras palavras, de
[182]
desregulamentação da atividade econômica . Da mesma forma, esse
movimento também surtiu efeitos na regulação operacional, que passou a
ser descentralizada com intensa participação de capital estrangeiro. A idéia
do liberalismo econômico extremado de que tudo que o Estado faz, faz mal,
e mesmo que fizesse bem, mal faz, serviu de fator de contenção da
interferência estatal tanto normativa quanto operacional à exceção das
[183]
ferrovias e da infraestrutura portuária.
Da década de 30 ao final da década de 80 do século XX, o
advento progressivo do Estado Social legitimou o controle estatal dos
serviços de interesse público em face da derrocada do modelo de economia
de mercado abstencionista e abriu espaço para a fase de regulação
concentrada, cujos postulados também estavam afinados com a irrupção
do nacionalismo, que, por sua vez, desempenhou relevante papel na
concentração de setores como o de energia elétrica e o de telecomunicações.
Em termos jurídico-positivos, foi a primeira referência constitucional ao
regime das concessões expressa no art. 137 da Constituição Federal
[184]
brasileira de 1934 . A legislação federal genérica sobre o regime jurídico
da concessão, no entanto, teve de aguardar a Lei 8.987, de 1995, muito
embora regulamentações específicas já fossem implementadas desde então.
Na década de 30, o regime da concessão foi transformado, tolhendo-se a
garantia de juros mínimos ao concessionário mediante o art. 142 da
[185]
Constituição Federal brasileira de 1934 . Outras referências históricas
evidenciam a mudança de perspectiva regulatória como evidencia a edição
do Código das Águas (Decreto 24.643/34) e a criação das primeiras
‘agências’ estatais no Período Vargas, como órgãos de implementação de
planejamento e fiscalização das políticas setoriais: Conselho Nacional do
Petróleo; Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica; Departamento
Nacional da Produção Mineral; Departamento Administrativo do Serviço
Público; Coordenação de Mobilização Econômica; Departamento Nacional
de Estradas de Rodagem; Departamento Nacional dos Portos; Comissão
Administrativa de Defesa Econômica, embrião remoto do atual Conselho
Administrativo de Defesa Econômica; Inspetoria de Obras Contra as Secas.
A fase de regulação concentrada, enfim, foi caracterizada como de
regulação centralizada operacional e normativa. Já com a volta de Getúlio
Vargas, em 1951, ocorreu o que se convencionou chamar de inversões
estatais em energia elétrica com a paulatina estatização do setor mediante a
[186]
criação da Eletrobrás. Os setores de telecomunicações , energia,
transportes, correios e saneamento básico foram intensamente regulados já
durante o Governo Militar tanto normativa como operacionalmente.
A fase seguinte é a do Estado Regulador, em que as posturas
clássicas do Estado Mínimo (liberal) e do Estado Provedor
[187]
(intervencionista) abrem espaço para o ideal contemporâneo de menor
intervencionismo direto e maior intervencionismo indireto, ou, em outras
palavras, regulação operacional descentralizada e regulação normativa
centralizada e qualificada pela delegação de poderes ao ente regulador,
[188]
separando-se as figuras do controlador e do prestador.
Nesta fase, tomou força o princípio da subsidiariedade, gerando
outro termo designador daquele momento histórico: o Estado Subsidiário,
cujas diretrizes apontam para a revalorização da autonomia individual em
detrimento do controle social, para a abertura de espaços nas instituições
públicas de participação direta da sociedade, para fomento e
regulamentação das atividades privadas, visando otimizar seu sucesso, e
para a promoção de parcerias entre o público e o privado como auxílio à
[189]
viabilização de atividades antes fora do alcance deste último.
O marco normativo dessa transição para o Estado Regulador
[190]
encontra-se no início do processo descentralizador , no Programa
Nacional de Desburocratização do final da década de 1970, objetivando
dinamizar e simplificar o funcionamento da Administração Pública
[191]
Federal . Na década seguinte, o Decreto 95.886, de 29 de março de 1988,
deu novo impulso, transferindo “para a iniciativa privada determinadas
[192]
atividades econômicas exploradas pelo Poder Público” . O preceito ditado
pelo art. 173, da Constituição Federal de 1988, de limitação da interferência
do Estado na atividade econômica, exceto se presentes imperativos de
segurança nacional ou relevante interesse coletivo, forneceu o arcabouço
normativo para a introdução do Programa Nacional de Desestatização por
intermédio da Medida Provisória 155/90 convertida na Lei 8.031, de 12 de
abril de 1990. As forças políticas favoráveis ao novo modelo de política de
descentralização encontraram ambiente favorável para aprovação das
Emendas Constitucionais números 6, 8 e 9, de 1995, que possibilitaram a
abertura dos setores de petróleo e telecomunicações ao capital estrangeiro e
à iniciativa privada nacional mediante privatização de empresas estatais
[193]
com a venda dos ativos públicos em telecomunicações.
A partir de então, a assimetria regulatória foi eleita a palavra de
ordem para viabilizar a convivência dos conceitos de competição (ou mais
[194]
propriamente, ambiente concorrencial ) e da universalização. Tal
assimetria, em termos gerais, significa a distinção de tratamento regulatório
entre os participantes operacionais dos serviços públicos e das atividades a
eles conexas. De um lado encontram-se os prestadores de serviços públicos
sujeitos ao regime de direito público e, por isso, carregando ônus maiores
para implementação dos seus objetivos; de outro lado, os prestadores de
serviços em regime privado. Na relação entre eles, a assimetria regulatória
desenha um parâmetro de competição, que exige diferença de tratamento
normativo para possibilitar isonomia entre prestadores de serviços em
regime público e privado. Essa nova estrutura regulatória ampliou a
viabilidade do controle social da prestação de serviços públicos em virtude
da abertura inserida nas estruturas das atuais agências reguladoras. Todas
estas modificações na concepção de prestação de serviços e controle de
atividades ainda foram acrescidas das inovações da Emenda Constitucional
nº 19, de 4 de junho de 1998 – a conhecida Reforma Administrativa –, em
que os conceitos de eficiência, produtividade, participação popular e
autonomia viabilizaram novas formas de relação do Estado com órgãos,
com entidades da administração direta e indireta, ou mesmo, com pessoas
de direito privado, mediante contratos de gestão e fixação de metas de
desempenho.

3.2 ESPÉCIES DE REGULAÇÃO


A regulação, assim entendida como atuação normativa e
administrativa diuturna para reconfiguração do ambiente regulado, pode se
apresentar em três categorias, a depender do critério de segmentação do que
se pretende regular. Fala-se, assim, em regulação regional, geral ou setorial.
Entende-se como regulação regional aquela voltada ao controle
de atividades econômicas lato sensu, tendo em conta a divisão espacial
federativa de poder político. Dita regulação regional pode ser identificada,
[195]
no sistema brasileiro, nos regimes especiais de tributação. Neles, a
intervenção por indução reflete uma regulação que leva em conta a
[196]
disposição espacial de poder político. Trata-se também de regulação
regional o chamado federalismo fiscal direcionado às regiões menos
desenvolvidas com base na distribuição de percentuais do valor de certos
[197]
impostos a fundos de desenvolvimento dessas regiões.
Já, a regulação geral destina-se a implementar o controle estatal
sobre a totalidade da economia independentemente da consideração de
[198]
regiões ou setores . A regulação geral está desconectada de setores da
economia, desligando-se de um rol de prestações setoriais específicas,
devendo, portanto, ser encarada como regulação de áreas de interesse
estatal, como é o caso das opções políticas geradoras do regime jurídico do
consumidor, da concorrência e do meio ambiente. Podem ser visualizadas,
[199]
no Brasil: em certos entes reguladores estaduais e municipais ; nos
mecanismos de controle da concorrência direcionados a todos os setores da
[200]
economia ; nos mecanismos de proteção do consumidor; nas propostas
[201]
sobre agência reguladora do meio ambiente ; e nos demais instrumentos
[202]
fixadores de pautas em subsistemas jurídicos .
Finalmente, a regulação setorial diferencia-se das demais por
operar em determinados segmentos de atividades definidas
convencionalmente como afins. Temas como educação, saúde,
telecomunicações, energia, petróleo, transportes, recursos hídricos, sistema
financeiro, dentre outros, justificam a referência setorial. A regulação
setorial é, sem dúvida, a mais representativa dos estudos de direito
regulatório muito em virtude da coincidência de sua projeção em
conjunto com as reformas estruturais do Estado brasileiro de meados
da década de 1990.
Exemplos históricos de entes estatais voltados à regulação de
setores, ou à regulação de atividades específicas de setores, todos de
interesse público, demonstram que este tipo de regulação não é recente no
Brasil: Comissariado de Alimentação Pública, criado em 1918, de funções
emergenciais voltadas a racionalizar as dificuldades de abastecimento
advindas da primeira guerra mundial; Instituto de Defesa Permanente do
Café, criado em 1923 e sucedido primeiramente pelo Conselho Nacional do
Café, de 1931, e em seguida, pelo Departamento Nacional do Café, de
[203]
1933, até o aparecimento da autarquia de regulação econômica
[204]
denominada Instituto Brasileiro do Café – IBC, em 1952 ; Instituto do
Açúcar e do Álcool – IAA, também uma autarquia de regulação econômica,
[205]
criada em 1933 ; Instituto Nacional do Mate, de 1938; Instituto Nacional
do Sal, de 1940; Instituto Nacional do Pinho, de 1941; Departamento
[206]
Nacional de Energia Elétrica – DNAEE, de 1968 , cujas funções foram
[207]
assimiladas pela ANEEL; Conselho Nacional do Petróleo – CNP . A eles,
[208] [209]
são acrescidas as atuais agências reguladoras federais : AEB ;
[210] [211] [212] [213] [214] [215] [216]
ANATEL ; ANEEL ; ANP ; ANVISA ; ANS ; ANA ; ANTT ;
[217] [218]
ANTAQ ; ANCINE . O modelo brasileiro tem semelhança com modelos
de regulação setorial implantados em outros países. No Reino Unido:
[219] [220] [221]
OFWAT ; OFCOM ; OFGEM . Nos Estados Unidos da América:
[222] [223] [224] [225]
ICC ; FCC ; FERC . Na Alemanha: Bundesnetzagentur ; entre vários
outros. O modelo também encontra sintonia no ambiente internacional:
[226] [227] [228] [229] [230] [231]
UIT ; OMS ; FAO ; UNESCO ; UPU ; IAEA , e está apoiado na
divisão funcional ligada a conjuntos de temas unidos por um conhecimento
técnico-científico específico.
Das espécies de regulação anteriormente apresentadas, a que
maior presença institucional obteve na década de 1990, em âmbito federal,
no Brasil, foi a setorial, revelando a preocupação de reestruturação estatal e
investimento em instituições capazes de promover o preenchimento
normativo de diretrizes regulatórias atualizáveis no ritmo de alteração da
própria atividade regulada, ou seja, em instituições capazes de promover à
regulação, atuando retroalimentada pelas reconfigurações diuturnas do
setor. Visualizado o campo de atividades que demanda intromissão estatal,
[232]
seja pela natureza da atividade, seja pela finitude do meio de sua
manifestação, ou mesmo pelo dever estatal de otimização do potencial uso
de um bem público, as instituições reguladoras passaram a desempenhar
papel nuclear na dinâmica organizacional daquelas atividades.
Por força da novidade terminológica das agências reguladoras, o
resgate de estruturas administrativas do passado revelará aspectos mais
precisos do formato de regulação setorial adotada no Brasil.

3.3 ESTRUTURAS DE REGULAÇÃO SETORIAL

3.3.1 CONSELHOS ECONÔMICOS

A partir da década de 1930, surgiram, no Brasil, os assim


chamados conselhos econômicos resultantes da ampliação e da
[233]
especialização das atividades estatais. A origem da preocupação de
criação de conselhos consultivos para fornecimento de bagagem técnica às
decisões políticas foi evidenciada na Constituição Federal brasileira de
1934, que facultou a criação, por lei ordinária, de Conselhos Technicos e
Conselhos Geraes para assistirem os Ministérios, chegando mesmo a
[234]
vincular a deliberação do Ministro de Estado correspondente. Embora a
Constituição de 1934 previsse expressamente o Conselho Superior de
Segurança Nacional (art. 159) e o Conselho Nacional de Educação (art.
152), a repercussão prática da novidade foi tímida, resumindo-se à criação
do Conselho Nacional de Educação pela Lei 174, de 1936, e à previsão, na
Constituição de 1937 (arts. 57 a 63) do Conselho da Economia Nacional,
que não se repetiu nas constituições de 1946 (art. 148, caput) e 1967 (art.
57, VI), inclusive Emenda Constitucional n.1, de 1969 (art. 160, V).
Da imprecisão semântica dos conselhos, podem-se extrair,
todavia, certos elementos conceituais como o da colegialidade de funções,
cuja definição weberiana se dá por sua oposição à autoridade
[235]
monocrática . O plural, o corpo, o coletivo, a reunião, enfim, a assembléia
decisória fazem parte do significado histórico dos conselhos. Tais
características incrementam o caráter institucional de convencimento e
discussão, chegando, no direito espanhol, a ser erigido à condição de
[236]
princípio definidor da natureza dos órgãos consultivos . A colegialidade
permite, assim, maior profundidade das decisões, que é obtida às custas de
[237]
maior grau de imprecisão e morosidade. Ela divide a responsabilidade da
[238]
decisão, atomizando-a em manifestações parciais.
Pode-se dizer, portanto, que isenção, profundidade e morosidade
identificam a forma colegial de decisão. Entretanto, não depõem, a priori,
contra ou a favor do modelo de decisão colegial, mas indicam os limites
para sua manifestação. A presença dos conselhos pode ser vista como uma
resposta estatal ao desequilíbrio gerado pela especialização do ambiente
privado sobre determinados setores tidos por relevantes para o Estado. O
conhecimento especial superior dos interessados atores de um determinado
setor da economia, que, por serem partes, são naturalmente facciosos,
somente pode ser contrastado mediante a presença de conselhos
econômicos no ambiente estrutural do Estado para nortearem a regulação
estatal. A existência dos conselhos segue uma constatação de Max Weber,
de que o conhecimento técnico dos privados é superior ao da burocracia
pública. Daí a importância de uma estrutura poderosa, especializada e
independente para o exercício da atividade regulatória, que tenha acesso ao
conhecimento técnico produzido em nível dos conselhos, ou mesmo, em
[239]
nível acadêmico-institucional.
Opõe-se a tal constatação de imprescindibilidade dos conselhos,
sua imprecisão terminológica e consequente aplicação casuísta.
No que tange à imprecisão terminológica, tem-se a divisão entre
conselhos de especialização, conselhos consultivos e instâncias colegiais
controladoras. De um lado, há as corporações de especialização, que são
formadas dentro da estrutura burocrática estatal por técnicos habilitados em
razão de seus conhecimentos especiais. Ditas corporações ombreiam com as
corporações consultivas, que, na classificação de Weber, são formadas por
interessados privados no setor em pauta. Por outro lado, as instâncias
colegiais controladoras estão presentes nas conformações burocráticas da
[240]
economia privada, como o conselho fiscal de uma empresa.
Dita classificação, no entanto, não foi absorvida pela prática
institucional brasileira, o que não impede a conclusão de que há ao menos
duas formas essencialmente distintas de manifestação dos conselhos: os de
produção de massa crítica para outros atores do processo decisório estatal; e
os de influência no processo decisório por parte do diálogo estabelecido
entre o Estado e o setor regulado, diálogo este inserido na instituição estatal
dos conselhos, ou seja, na possibilidade da interferência dos interessados na
escolha dos temas e na solução dos problemas referentes ao setor de
atividades visado. Seguindo esta classificação, os conselhos integrantes da
estrutura estatal diferenciam-se das instâncias colegiais controladoras
presentes na economia privada pelo critério da força das decisões. Os
conselhos presentes na economia privada fornecem a própria deliberação
perseguida, enquanto os da esfera estatal refletem funções basicamente
técnicas e opinativas.
Emerge destas constatações, que o conceito de conselho, embora
tenha hoje perdido sua dimensão inicial, tem sua contribuição de conceito
geral do qual derivaram outros atualmente festejados, como o de comissão e
o de agência. Antes, os conselhos exerciam função meramente consultiva,
mas, com o tempo, alguns deles foram além em face de sua especialização e
[241]
de sua condição de complexos perenes frente a autoridades efêmeras.
A abertura conceitual do termo conselho gerou o surgimento de
outros termos que denotam vinculação decisória para se contraporem ao
aspecto consultivo agregado aos conselhos hoje existentes. Isso não quer
dizer que todos os conselhos do Estado brasileiro estejam maculados com a
[242]
função meramente consultiva , mas esta é, sem dúvida, a característica
[243]
mais difundida.
O aspecto consultivo dos conselhos inseriu neles a demanda de
[244]
composição plural para formação de consenso. A participação de diversas
tendências e interesses erigiu-os a colaboradores e principais
enriquecedores da discussão implementada em outras instituições
decisórias. Isso é melhor visualizado na recente criação de conselhos no
[245]
âmbito das agências administrativas reguladoras.

3.3.2 CONSELHOS VERSUS AGÊNCIAS

A procura por índices de diferenciação entre os conselhos e as


agências esbarra na consciência de que os critérios daí extraídos são muito
mais apanhados de aspectos formais reincidentes do que propriamente
distinções de essência entre as duas instituições. Não se pode esquecer a
paulatina evolução conceitual dos conselhos, desembocando na imprecisão
dos termos que hoje designam as instituições estatais de controle. Mas esta
constatação não chega ao ponto de desmerecer divisões didáticas, que
existem para possibilitar a melhor visualização do contexto conceitual de
conselhos e agências.
Desse modo, no tocante ao seu funcionamento, os conselhos estão
voltados à solução de questões específicas em razão das quais houver sido
suscitada sua reunião, enquanto as agências possuem um quadro
permanente destinado a funcionamento ostensivo. Por isso, em geral, os
membros de conselhos não se afastam de outras funções na esfera pública
ou privada, ao passo que se exige, dos membros de agências, especial
[246]
dedicação à atividade que lá desempenham. A personalidade jurídica de
direito público interno é da essência das agências administrativas, enquanto
os conselhos, em geral, consubstanciam-se em órgãos, portanto, centros de
competências despersonalizados do Estado. Enfim, a agência, enquanto
terminologia, surgiu, no Brasil, na década de 1990, respondendo a uma
demanda de precisão terminológica das colegialidades funcionais de caráter
regulatório, que eram relegadas a adotarem os conceitos de conselhos ou
comitês e que, assim, não transpareciam, de imediato, suas referidas
[247]
peculiaridades, sofrendo, como sofriam, ingerência política acentuada. O
caso do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) é exemplo de
conselho criado com características autônomas de comissão
[248]
interministerial , ou mesmo, de órgão similar à Federal Communications
[249]
Commission (FCC) norte-americana , que foi sendo progressivamente
esvaziado e suplantado pela Administração direta do Estado.
Com isso, pode-se definir agência administrativa como uma
[250]
autarquia especial identificada como instituição estatal de regulação
operacional ou normativa, que passou a integrar os aspectos estruturais e
organizacionais do Estado para fins de especialização, celeridade e maior
autonomia decisória. Tais características das agências administrativas vêm
mensuradas para que sua atuação, embora protegida da influência variável
da política de governo, permaneça vinculada à política de Estado, pois os
aspectos de segregação da agência frente ao Estado somente se justificam
para o alcance da finalidade de sua existência, qual seja, a desobstrução do
[251]
formalismo burocratizante de seus procedimentos , desde que
instrumental ao cumprimento dos fins públicos que qualificam uma
autarquia.
As agências administrativas dividem-se em duas modalidades no
Brasil: agências executivas; e agências reguladoras. Destas, as agências
reguladoras alcançaram status evidente na organização (aspecto dinâmico) e
estruturação (aspecto estático) do Estado brasileiro de finais do século XX.
3.3.3 AGÊNCIAS EXECUTIVAS VERSUS AGÊNCIAS REGULADORAS

[252]
Previstas na segunda metade da década de 1990 , as agências
executivas significam um signo, sinal, insígnia, rótulo, enfim, um símbolo
identificador da regulação operacional descentralizada. O nome ‘executiva’
indica que suas atribuições não são normativas, mas operacionais. Sua
criação busca administrar políticas públicas em matéria de serviços
públicos, diferenciando-as das agências reguladoras, que se preocupam
também com o preenchimento normativo secundário a partir das políticas
públicas oriundas do processo legislativo primário. O foco das agências
reguladoras, portanto, é a regulação normativa. A diferença entre agências
executivas e reguladoras é, portanto, funcional.
Agências executivas são autarquias e fundações públicas
[253]
federais que se candidatam a receber a insígnia de agência executiva,
mediante submissão a um contrato de gestão, onde se estabelecem metas a
serem alcançadas mediante apresentação de um plano estratégico de
reestruturação e desenvolvimento e níveis de qualidade na prestação de
serviços a usuários. A formação da agência executiva implica processo
[254]
interno de autonomia . O rótulo de agência executiva, no entanto, não
transforma a natureza da pessoa jurídica de direito público interno, que
[255]
continua como autarquia ou fundação pública . O que ocorre é que estas
autarquias ou fundações públicas com status de agências executivas são
destinatárias de mais um rol de normas que estabelecem prerrogativas
especiais derivadas da lei e que não derrogam o regime público – e nem
poderiam –, mas amenizam as limitações intestinas à própria estrutura
hierárquica da Administração Pública, refletindo-se, por exemplo, na maior
autonomia para abrir concursos, desde que haja vagas e recursos
disponíveis, podendo editar regras próprias de avaliação dos servidores para
progressão funcional, além da impossibilidade, por parte do Executivo, de
contingenciamento de recursos. Em troca desses benefícios, surgem deveres
específicos da autarquia para com o poder central, deveres estes derivados
do contrato de gestão firmado. Por isso, a agência executiva, em si mesma,
não é exceção ao regime público, desde que compreendida a extensão do
[256]
que pode vir a ser tratado no contrato de gestão. As críticas dirigidas às
agências executivas, portanto, não revelam incoerência de concepção, mas
evidenciam o risco da utilização de seu conceito para ultrapassagem de
fronteiras impostas pelo regime público.
A novidade no sistema das agências executivas está na sua íntima
conexão com as propostas recentes de compromisso da própria entidade da
administração indireta com o poder central e de aferição de resultados
[257]
como requisito de sua sobrevivência , algo caro à proposta, cuja
tramitação se iniciou no Congresso Nacional em 2004, para aplicação do
contrato de gestão também a todas as agências reguladoras brasileiras. A
criação de uma agência executiva, enfim, por se tratar tão-somente de signo
aposto a uma entidade de direito público preexistente, depende de Decreto
do Presidente da República, após o processo previsto na Lei 9.649/98, cuja
primeira concretização ocorreu na qualificação do Instituto Nacional de
Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (INMETRO) como
agência executiva, por meio do Decreto sem número de 29 de julho de
1998.
Por outro lado, como instituições de regulação, em regra, setorial,
as agências reguladoras ou agências reguladoras e fiscalizadoras
[258]
brasileiras surgiram como mecanismos reguladores normativos, que
[259]
operam com poderes de supervisão, fiscalização e normatização de
atividades, sendo dotadas de maior agilidade na implementação de políticas
públicas em razão de sua estrutura especializada. Foram um novo passo no
[260]
processo descentralizador da Administração Pública, que se diferenciou
dos anteriores pela visível postura de maior desvinculação de suas decisões
frente a pressões políticas, como também à tentativa de redirecionamento da
política regulatória para os interesses dos usuários dos serviços concedidos,
permitidos ou simplesmente fiscalizados.
A inserção dos serviços em um regime especial, que partilha a
competição com os desígnios sociais, fez com que as agências reguladoras
brasileiras desempenhassem três tipos de regulação: regulação dos serviços
públicos, que são de titularidade do Estado; regulação das atividades
econômicas stricto sensu, que são de titularidade dos particulares; e
regulação social, mediante vinculação do setor ao dever de generalidade
dos serviços, de cumprimento da função social da propriedade afeta ao
serviço, ou mesmo, de potencialização do uso de bens públicos essenciais
ao serviço regulado. Como se pode notar, as categorias regulatórias variam,
mormente segundo critérios de escopo da atividade reguladora: regional,
geral, setorial, sobre serviços públicos, sobre atividades econômicas em
sentido estrito, rumo à princípios de regulação social, dentre outros.
A singularidade das agências reguladoras na estrutura
administrativa do Estado brasileiro não está isolada como política pública,
mas inserida no flanco de um movimento de objetivos mais abrangentes,
cuja compreensão é exigida para formação de visão multifacetada sobre
este fenômeno estatal.
Por detrás da criação das agências reguladoras, há política pública
voltada à consecução de medidas que aumentem a atratividade do mercado
brasileiro para o financiamento de infraestrutura. Em outras palavras, a
introdução do modelo de agências reguladoras na Administração Pública
brasileira resultou da identificação de um déficit de regulamentação
[261]
traduzido nos seguintes aspectos , cuja concretização persegue: política
tarifária definida e estável; marcos regulatórios mais claros, que detalhem
as relações entre os diversos atores de cada setor, seus direitos e obrigações;
mecanismo ágil e eficiente para a solução de divergências e conflitos entre
o poder concedente e a concessionária; garantias contra os riscos
econômicos e políticos dos investimentos em setores econômicos. Ditos
aspectos contribuíram para a criação de entes reguladores setoriais dotados
de atributos de especialidade, imparcialidade e autonomia decisória. As
novas características de maior autonomia e promoção dos interesses dos
usuários são, portanto, comumente esclarecidos por sua motivação de
aproximação ao mercado e de incentivo à competição, argumentos estes que
[262]
fugiriam à tradição jurídico-institucional brasileira.
O modelo adotado na década de 1990, no Brasil, entretanto, não
se rende a dita simplificação. Nem mesmo a afirmação de semelhança entre
[263] [264]
dito modelo e o praticado nas commissions norte-americanas ,
[265]
inicialmente esboçadas nas chamadas railroad commissions , é
convincente, já que o pressuposto existente no modelo brasileiro de
titularidade de grande gama de atividades prestacionais pelo próprio Estado
não encontra, segundo uma abordagem jurídico-formal, similar no modelo
norte-americano.
Pode-se, entretanto, afirmar que as agências reguladoras servem
como modelo regulador alternativo à regulação pelo próprio mercado ou à
regulação por intermédio de contratos administrativos. As agências
reguladoras vieram nesse contexto de satisfação da demanda por prestação
de serviços públicos e fiscalização de serviços privados mediante regulação.
Enfim, o modelo brasileiro de agências reguladoras assimila, em uma
mesma estrutura administrativa, duas formas de regulação de setores, quais
sejam: controle de andamento das atividades setoriais pelas agências;
transferência da prestação dos serviços públicos de um determinado setor
para empresas privadas e sua consequente regulação por intermédio de
contratos administrativos acompanhados pari passu por estruturas dotadas
de conhecimento técnico.
O ano de 1995 foi decisivo para introdução do modelo de
agências reguladoras no Brasil e a Lei Geral de Concessões e Permissões
(Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995) foi um marco fundamental, que,
coerente com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado proposto
pelo Executivo em 1995, determinou, no seu art.29, I, ser incumbência do
poder concedente regular e fiscalizar o serviço concedido e, no art.30,
previu que a fiscalização do serviço seria feita por órgão técnico do poder
concedente ou por entidade com ele conveniada e, periodicamente, por
comissão composta por representantes do poder concedente, da
concessionária e dos usuários. Um parêntese para retomada do tema das
comissões, que em nada se aproximam das commissions norte-americanas,
para que se evidencie que, no Brasil, elas têm caráter de ajuste periódico
dos interesses em jogo, possibilitando um ambiente interativo de construção
de soluções e de levantamento de problemas. Afiguram-se, portanto, em
meio de sensibilização da agência reguladora para questões relevantes na
óptica dos partícipes do processo, como também em meio para alcance de
consenso na diversidade.
Não foi somente a Lei Geral de Concessões e Permissões que
marcou o ano de 1995. As modificações constitucionais foram decisivas e
transpareceram, basicamente, não-discriminação entre capital nacional e
internacional aliado à abertura para o controle privado de atividades antes
reservadas ao Estado, como a possibilidade de concessão dos serviços
locais de gás canalizado (Emenda Constitucional n. 5, de 15/08/95), a
extinção do tratamento diferenciado dado às antes consideradas empresas
brasileiras de capital nacional (Emenda Constitucional n. 6, de 15/08/95), a
retirada da referência constitucional à predominância de armadores
nacionais e navios de bandeira e registros brasileiros e à reserva da
navegação de cabotagem e da navegação interior às embarcações nacionais
(Emenda Constitucional n. 7, de 15/08/95), a possibilidade de concessão,
permissão e autorização de serviços de telecomunicações não mais taxados,
a priori, de públicos, juntamente com a previsão de criação de um órgão
regulador do setor (Emenda Constitucional n. 8, de 15/08/95) e a retirada da
proibição dirigida à União de conceder qualquer tipo de participação na
exploração de jazidas de petróleo ou gás natural simultaneamente à
introdução da previsão de órgão regulador do monopólio de pesquisa e
lavra de jazidas de petróleo e gás natural, de refinação do petróleo, sua
importação, exportação e transporte (Emenda Constitucional n. 9, de
09/11/95).
Todas essas modificações implementadas pela política pública
setorial fizeram com que o sistema brasileiro de regulação migrasse do
modelo de estruturas integrantes dos respectivos Ministérios ou da
Presidência da República, com dependência orçamentária e decisória, para
um modelo pautado progressivamente na titularidade de instrumentos de
regulação e fiscalização setorial por parte de autarquias especiais, com
[266]
orçamentos próprios e relativa autonomia financeira do Poder Executivo.
Dessas considerações preliminares resulta a identificação das
agências reguladoras brasileiras como formas de regulação setorial com
personalidade de direito público interno, e função normativa secundária,
que excepcionalmente exteriorizam caráter operacional, como no caso do
mecanismo da intervenção, revelando a finalidade de fiscalização da
prestação dos serviços públicos concedidos ou permitidos, dos bens
escassos correspondentes e das atividades privadas afins.
As agências reguladoras brasileiras passaram por um processo de
[267]
especialização. Elas transpareceram a especialização funcional exigida
por seu objeto de análise e, assim, compõem a equação de edificação do
[268]
correspondente subsistema jurídico.
Existem, no Brasil, agências federais, estaduais ou municipais, de
acordo com a competência político-administrativa do poder concedente.
Visualizando-as a partir da especialização funcional, as agências federais
apresentam-se, hoje, como setoriais, remetendo-se aos setores de
telecomunicações, energia elétrica, petróleo e gás natural, vigilância
sanitária, saúde suplementar, recursos hídricos, transportes terrestres,
transportes aquaviários, dentre outros. No campo estadual e municipal,
inaugurou-se uma maior presença de agências de regulação geral, como a
[269] [270]
ADM , embora convivendo com agências setoriais, como a AMSS e a
[271] [272] [273] [274]
CSPE , ou mesmo, multissetoriais , tais como ASEP , AGERGS ,
[275] [276] [277] [278]
ARCE , ARCON , ARSEP e AGERBA . O modelo estadual tende a
formar núcleos de competência setorial específicas em razão de sua
potencial relação de fomento com a União, já que, no modelo brasileiro, a
atividade reguladora vinculada à gestão dos serviços públicos pode ser
transferida da União para os Estados-Membros da Federação por intermédio
[279]
de convênio , em face no disposto no art. 241 da Constituição Federal
brasileira de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº19/98,
que autoriza a gestão associada de serviços públicos, bem como a
transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens
essenciais à continuidade dos serviços transferidos. A possibilidade de
convênio, no entanto, depende da existência de lei, autorizando a gestão
associada dos serviços pretendidos, como ocorre com o setor de energia
[280]
elétrica, em que a lei regente permite a execução das atividades
complementares de regulação, controle e fiscalização dos serviços e
instalações de energia elétrica pelos Estados e pelo Distrito Federal,
mediante convênio de cooperação. O convênio, por sua natureza, não
transfere a titularidade do serviço do ente regulador, que pode retomá-lo a
qualquer momento, exigíveis as devidas compensações.
A partir do momento em que foram introduzidas no modelo
regulatório brasileiro, as agências reguladoras fizeram aflorar o conceito de
otimização funcional, que vem exigir dois requisitos para sua
[281]
implementação : autonomia da agência reguladora; e escolha de
instrumentos que incentivem a eficiência produtiva e alocativa. Fala-se
muito em independência da agência reguladora, cuja origem tem como
referência natural a distinção da doutrina norte-americana entre as regular
[282]
ou oldline agencies e as independent agencies , mas para maior precisão
terminológica, o ideal seria a utilização do conceito de autonomia, mais
[283]
condizente com a necessária interpenetração estrutural do Estado. Tal
autonomia não deve ser entendida como arbítrio do colegiado decisório –
autonomia sem vínculo finalístico. Ela é exatamente definida pelo seu fim
de promoção do interesse público visualizado preponderantemente, quanto
aos serviços, no interesse do usuário e da sociedade e, quanto à política
industrial, de um lado, na eficiência da atividade regulada e de outro, na
vinculação da atividade ao fim de incremento do espaço público. Estes
fatores, sob um ponto de vista jurídico, prevalecem sobre outros objetivos
de maximização do lucro e concentração de empresas em setores mais
rentáveis do mercado, do ponto de vista das prestadoras, e maximização das
[284]
receitas fiscais, do ponto de vista do Estado.
A autonomia característica das agências reguladoras não se
restringe à idéia abstrata de menor vinculação política. Ela demanda
conformações estruturais e organizações concretas, que se manifestam na
personalidade de direito público interno, na autonomia de objetivos, de
instrumentos, orçamentária, financeira e na autonomia decisória, que
engloba o processo de indicação e inamovibilidade de seus membros e
irrecorribilidade das suas decisões.
O primeiro passo para visualização de um grau de independência
das agências está na sua natureza jurídica de pessoa de direito público
interno, revelando, assim, seu destaque da Administração direta como
autarquia federal, estadual ou municipal, conforme o ente político – União,
Estados-Membros, Distrito Federal ou Municípios – a que estiver ligada.
Argumentos como o descrédito do dirigismo estatal absoluto, a
ineficiência e comprometimento político das atividades desempenhadas
pelas empresas estatais e as pressões internacionais de abertura dos setores
econômicos são carregados de preconcepções de mundo que valorizam um
dos inúmeros aspectos exaltados no momento histórico da opção pela
introdução das agências reguladoras na década de 1990 no Brasil. Eles
teriam feito com que uma das características apontadas ou desejadas para as
agências reguladoras fosse a sua autonomia do poder público central.
Pode-se enunciar, ainda, como outra causa da autonomia das
agências frente ao poder público central, a busca por um espaço público,
cuja presença somente pode ser sentida quando este não se confunde com
os interesses de governo. Ao controlar o órgão regulador, a Administração
Direta do Estado faz prevalecer o interesse político sobre a eficiência e
qualidade da prestação do serviço, sobre o próprio interesse público de
modicidade das tarifas e sobre o interesse público no equilíbrio da relação.
Apesar da fluidez das análises esboçadas, sob quaisquer dos pontos de vista
citados, a questão da autonomia de gestão da agência reguladora apresenta-
se como a pedra de toque do modelo idealizado no Brasil.
Independentemente do acerto ou equívoco das afirmações
anteriores, o fato é que a estrutura desenhada para regulação setorial, no
Brasil, permitiu a fixação de um esquema de forças quadripartite: a)
produtor da utilidade pública; b) usuário/consumidor; c) Poder Público
detentor da rede essencial à prestação do serviço ou titular do monopólio de
exploração e, finalmente; d) o próprio ente regulador. O modelo brasileiro
posicionou a agência reguladora em local equidistante dos outros três atores
do esquema de relativa autonomia. O ente regulador pode sobrevalorizar
um dos outros três componentes, mas o fará sob pena de perder sua
condição de espaço público de discussão e contato entre os atores setoriais
e, portanto, em detrimento da credibilidade perante os demais atores
preteridos. O próprio esquema de forças vem simplificado ao extremo, pois
não contempla a distinção intestina de interesses, por exemplo, aos próprios
usuários/consumidores, já que há usuários e consumidores efetivos e
potenciais; há usuários e consumidores assinantes e eventuais. Por exemplo,
os usuários e consumidores efetivos detêm o interesse natural de
diminuição tarifária, que poderá levar a diminuir o ritmo de expansão do
serviço para aqueles que ainda não o alcançaram, contrastando, assim, com
[285]
o interesse dos usuários e consumidores potenciais.
A complexidade do esquema de forças e, em certos setores, como
o de telecomunicações, energia, petróleo e saúde, do expressivo peso do
poder econômico, aumenta a preocupação com o conhecido risco de
captura da agência pelo setor regulado. O esforço em se evitar que as
agências passassem a fazer às vezes de meras promotoras do sucesso
econômico do setor regulado em detrimento dos valores públicos que as
justificaram não necessariamente resultou na conformação dos mecanismos
de controle social visualizados nas agências da década de 1990, mas serve
como aceno de composição do modelo de regulação setorial para um viés
[286]
de publicização das discussões. Aqui, a valorização do controle social
[287]
previsto nas estruturas centrais de decisão das agências reguladoras.

3.3.4 AUTONOMIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

No tocante à relação entre a agência reguladora e o poder público,


existem aspectos reveladores do seu grau de autonomia, que auxiliam na
compreensão do modelo regulador brasileiro. São eles: o processo de
indicação dos membros da agência e de seu afastamento; autonomia
orçamentária e financeira; garantia de inamovibilidade de seus membros;
irrecorribilidade das decisões de sua competência na esfera administrativa;
reserva de poderes normativos suficientes à adequação das metas setoriais à
dinâmica de cada atividade.
Iniciando por esse último índice de autonomia, o poder normativo
das agências reguladoras tratado acima costuma ser acusado de usurpar
função reservada ao Poder Legislativo. Poder normativo da Administração
Pública somente pode existir sob a égide da submissão das atividades das
agências reguladoras à lei, ou seja, à normatização primária. Assim, o poder
normativo da agência reguladora não pode ser convertido em criação
normativa independente da norma primária sobre a qual se apoia. Por outro
lado, a constitucionalidade da lei atributiva de poder normativo à agência
reguladora correspondente dependerá da previsão simultânea de “standards
suficientes” capazes de afastarem a acusação de “delegação pura e simples
[288]
de função legislativa” .
Ao lado da reserva de poderes normativos suficientes à
otimização dos interesses envolvidos na regulação setorial, existem outros
índices úteis a evitar que a agência seja sufocada pela exiguidade de espaço
para promoção de estratégias setoriais.
Os títulos de independência de uma agência reguladora que a
qualificam como tal são: independência decisória, independência de
objetivos, independência de instrumentos e independência financeira.
Destacando-se das nuanças cotidianas das políticas de governo, o Estado
implementa políticas públicas por intermédio das agências, mas estas não se
[289]
podem tornar instrumentos do jogo político em particular.
A independência decisória consiste em dar condições para que a
agência reguladora resista às pressões de grupos de interesse, mediante
procedimento compartilhado de nomeação dos dirigentes com participação
necessária do Executivo e Legislativo e fixação de mandatos de longo prazo
escalonados e não coincidentes com o período eleitoral. Associado a isso,
encontram-se regras legais definidoras das formas de perda dos cargos de
direção da agência, visando afastá-la, ao máximo, de interferências
[290]
indesejáveis por parte do governo ou da indústria regulada. Esse quadro
de proteção expressa dos cargos decisórios das agências reguladoras podia
ser visto na legislação de telecomunicações, em que, para proteção do
mandato de seus dirigentes, estipulava, até sua alteração pela Lei 9.986, de
18 de julho de 2000, que somente podiam perdê-lo em razão de renúncia,
condenação judicial transitada em julgado ou processo administrativo
[291]
disciplinar.
A decisão colegiada produz, em tese, os efeitos já mencionados
da colegialidade de funções, atomizando a responsabilidade e impondo
maior discussão e oportunidade de participação dos interessados na questão
mediante mecanismos de consulta pública. As decisões do colegiado não
estão sujeitas à revisão na esfera administrativa, submetendo-se, entretanto,
à cláusula pétrea brasileira de inafastabilidade da jurisdição.
Para o fechamento do modelo, as regras de preenchimento dos
cargos de direção das agências prevêem mecanismos de isenção dos seus
ocupantes frente aos interesses privados tutelados, tais como regras
proibitivas de vínculos dos diretores das agências com os setores
[292]
regulados e regras de incompatibilidades de mandatos, que imponham
[293]
exclusividade na função dirigente da agência . Um dos mecanismos de
proteção das agências reguladoras contra a confusão entre interesses
privados e os desígnios públicos reguladores encontra-se na quarentena,
que visa impedir o recrutamento imediato de dirigentes das agências pelo
setor regulado mediante custeio indenizatório do período em que os ex-
dirigentes das agências permanecem tolhidos do pleno desempenho de suas
[294]
atividades.
Quanto à possibilidade de exoneração dos diretores das agências
reguladoras, o Supremo Tribunal Federal brasileiro pronunciou-se
liminarmente sobre a questão, posicionando-se pela impossibilidade de
interferência unilateral legislativa na exoneração de dirigentes de agência
[295]
reguladora , exigindo-se, no entanto, justo motivo para afastamento de
dirigente de agência pelo Chefe do Executivo em virtude da fixação de
mandato por lei e da forma complexa de nomeação com participação dos
poderes Executivo e Legislativo.
Independência de objetivos significa a determinação das
finalidades da agência em lei, afastando-a da hierarquia administrativa
quanto à identificação de pautas de conduta. Eventualmente, essa
[296]
autonomia pode vir a ser ampliada mediante um contrato de gestão.
Ainda, a independência de instrumentos implica o fornecimento
de um rol de meios para que a agência reguladora possa dosar a aplicação
de sanções com os objetivos perseguidos. A presença da hipótese de fixação
de multas, de tarifas, extinção da concessão, permissão ou autorização e
intervenção na prestadora de serviço público evidencia a preocupação
normativa com a disponibilidade de instrumentos eficazes para atuação
direcionada às peculiaridades de cada caso.
Finalmente, a independência financeira manifesta-se na presença
de recursos materiais e humanos compatíveis com as finalidades a serem
atingidas pela agência reguladora. Ela é alcançada, em geral, com a fixação
de taxas de fiscalização, preços de utilização de bens escassos e percentuais
de tarifas para formação de fundos geridos pelas agências. Mesmo presentes
tais entradas de recursos, tem-se verificado a fragilidade de tal
independência, tendo-se em vista que, na dinâmica brasileira de orçamento
indicativo, há possibilidade de contingenciamento de recursos pelo
Executivo.
Há, ainda, dois conceitos que devem ser levados em conta para
análise da progressiva autonomia das agências reguladoras e seus limites.
Diferencia-se doutrinariamente autonomia de autorregulação. A
autorregulação é caracterizada pela gestão de uma atividade pelos próprios
[297]
regulados. Dar autonomia a um ente de direito público interno autárquico
para que regule um âmbito de atividades de sua competência é
sensivelmente diferente de se prever a gestão de atividades pelos próprios
regulados. No Brasil, o setor de comunicação de massa e o setor postal
resistem à regulação normativa centralizada acenando com os benefícios da
autorregulação. A substituição da exorregulação – regulação pelo Estado –
pela autorregulação sofre críticas doutrinárias por levarem à
[298]
“institucionalização de autênticas corporações de ofício” , o que afastaria
das instituições de autorregulação o aspecto de espaços públicos.
O limite da autonomia de setores regulados apresenta-se no
conceito de autorregulação, que não condiz com o poder de polícia exercido
[299]
pelas agências reguladoras.
[300]
Estas exercem regulação de caráter público , mas inseridas em
ambiente autônomo.
O fato de um ente público ter autonomia não desvirtua seu caráter
público, pelo contrário, o enfatiza mediante sua isenção de interesses
políticos momentâneos em nome de interesses políticos permanentes
plasmados no texto constitucional e reproduzidos na legislação
infraconstitucional. A crítica à progressiva autonomia das agências
reguladoras seria pertinente se a independência fosse total. Por isso, embora
a legislação setorial brasileira, em geral, fale em independência, o termo
jurídico mais apropriado será sempre autonomia regulatória.
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zum Staatsrecht des französischen Revolution. Tübingen: J. C. B.
Mohr/Paul Siebeck, 1909.
SOBRE O AUTOR
Marcio Iorio Aranha é professor efetivo de Direito Constitucional e Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília e Visiting Fellow na Annenberg Research
Network on International Communication da University of Southern California (ARNIC/USC). Ele é vice-presidente da Americas Information and Communications Research
Network (ACORN-REDECOM), diretor do Núcleo de Direito Setorial e Regulatório (www.ndsr.org) e coordenador de área jurídica do Centro de Políticas, Direito, Economia e
Tecnologias das Comunicações da Universidade de Brasília, onde edita a Revista de Direito, Estado e Telecomunicações (http://www.getel.org/GETELSEER/index.php/rdet). Email:
[email protected]. Personal website: www.marcioaranha.com.

ABOUT THE AUTHOR


Marcio Iorio Aranha is tenured Professor of Constitutional and Administrative Law in the School of Law at the University of Brasilia and Visiting Fellow at the Annenberg Research
Network on International Communication at the University of Southern California (ARNIC/USC). He is vice-president of the Americas Information and Communications Research
Network (ACORN-REDECOM). He coordinates the Center for Sectorial and Regulatory Law (www.ndsr.org) and is the principal law researcher at the Center for Communication
Policy, Law, Economics, and Technology (CCOM/UnB), where he is the editor of Law, State and Telecommunications Review (http://www.getel.org/GETELSEER/index.php/rdet).
Email: [email protected]. Personal website: www.marcioaranha.com.
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[1]
Vide KELSEN, Hans. Reine Rechtslehre. Einleitung in die
rechtswissenschaftliche Problematik. Viena: Franz Deuticke, 1934.
[2]
Evidenciando o conceito de poder constituinte francês como aquele que
introduzira o Estado como fenômeno da ordem jurídica, vide: ZWEIG,
Egon. Die Lehre vom “Pouvoir Constituant”: Ein Beitrag zum
Staatsrecht des französischen Revolution. Tübingen: J. C. B. Mohr/Paul
Siebeck, 1909. Sob o enfoque institucionalista, entendendo o Estado como
ente ou instituição jurídica, vide: ROMANO, Santi. Princípios de direito
constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1977, p. 61. No âmbito da teoria da constituição, afirmando que
o Estado só se concebe hoje como Estado Constitucional, vide:
CANOTILHO, J. J. Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da
constituição. 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 92.
[3]
“O poder no sentido social ou político implica autoridade e uma relação
entre o superior e o inferior (...) O poder do Estado é o poder organizado
pelo direito positivo – é o poder da lei, ou seja, a eficácia do direito
positivo.” (KELSEN, Hans. General Theory of Law and State. Trad.
Anders Wedberg. Cambridge: Harvard University Press, 1945, p. 190).
[4]
Vide OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Delegação administrativa. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 17.
[5]
Vide LABAREE, Benjamin Woods. The Boston Tea Party. Boston:
Northeastern Classics, 1979.
[6]
Vide JONHSTON, David Cay. The Fine Print. New York: Penguin, 2012, p. 23.
[7]
Vide ARANHA, M. I. Interpretação constitucional e as garantias
institucionais dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 1999.
[8]
O direito não mais se restringe a ordenar situações estruturais, voltando
sua atenção para a “regulação de situações conjunturais, o que impõe sejam
as normas dotadas de flexibilidade e estejam sujeitas a contínua
revisibilidade” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito
pressuposto. 3a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 23. Conferir também: p.
86; 88-89; 136-139).
[9]
WALDO, Dwight. The Administrative State: A Study of the Political
Theory of American Public Administration. New Brunswick (USA):
Transaction Publishers, 2007, p. 93.
[10]
BOLINGBROKE, Henry St John, Visconde de. The Idea of a Patriot
King. p. 381. In: The Works of Lord Bolingbroke. Philadelphia: Carey and
Hart, 1841, p. 372-429.
[11]
Idem, p. 380.
[12]
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O
espírito das leis. 2a ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.
[13]
Vide GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3ª
ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
[14]
A noção de expressão primária e secundária da função política fora
aprofundada por Goodnow, em 1900, quando ele identificou a presença da
função política em dois graus: o primário, de decisão sobre a vontade do
Estado; e secundário, de execução da vontade do Estado. Vide:
GOODNOW, F. J. Politics and Administration. New York: The Macmillan
Co., 1900.
[15]
MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. The Federalist
Papers. New York: New American Library, 1961 (1787-1788, Federalist nº
47), p. 303.
[16]
Vide SCIGLIANO, Robert. The Two Executives: The President and the
Supreme Court. p. 277-293. In: LAWLER, Peter A.; SCHAEFER, Robert
M. (org.). The American Experiment: Essays on the Theory and Practice
of Liberty. Lanham, MD: Rowman and Littlefield, 1994, p. 285-286.
[17]
Vide SCIGLIANO, Robert. The Two Executives: The President and the
Supreme Court. p. 277-293. In: LAWLER, Peter A.; SCHAEFER, Robert
M. (org.). The American Experiment: Essays on the Theory and Practice
of Liberty. Lanham, MD: Rowman and Littlefield, 1994, p. 111-117.
[18]
Vide GULICK, Luther; LYNDALL, Urwick (coord.). Papers on the
Science of Administration. New York: Institute of Public Administration,
1937.
[19]
Vide CROLEY, Steven P. Regulation and Public Interests: The
Possibility of Good Regulatory Government. Princeton: Princeton
University Press, 2008, p. 14.
[20]
Vide BAKUNIN, Mikhail Aleksandrovich. Statism and Anarchy. Trad.
Marshall Sharon Shatz, Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
[21]
Vide KROPOTKIN, Peter Alekseevich. Anarchism: a collection of
revolutionary writings. Mineola (N.Y.): Dover Publications, 2002.
[22]
“Devemos selecionar dentre aqueles homens [guardiães e auxiliares] uns
poucos para serem governantes (...)” (GROTE, George (org.). Plato and the
other companions of Socrates. Vol. III, London: John Murray, 1865, p.
56).
[23]
Vide ANDERSON, Fulton H. (org.). Francis Bacon: The New Organon
and Related Writings. Indianapolis: The Boobs-Merrill Company, 1960.
[24]
“(...) o poder arbitrário, sendo exercido pela própria sociedade, geraria as
maiores inconveniências (...) [A lei suprema da razão] exclui igualmente a
arbitrariedade da teologia, os direitos divinos dos reis, a arbitrariedade da
metafísica e a soberania do povo.” (LENZER, Gertrud (org.). Auguste
Comte and Positivism: The Essential Writings. 5ª ed., New Brunswick
(N.J.): Transaction, 2009, p. 49-50).
[25]
Vide RILEY, Patrick (org.). Bossuet: Politics Drawn from Holy
Scripture. Cambridge: University of Cambridge Press, 1999.
[26]
Vide SOMMERVILLE, Jóhann P. (org.). Filmer: Patriarcha and Other
Writings. Cambridge: University of Cambridge Press, 2000.
[27]
Vide LOCKE, John. Two Treatises of Government. London: Whitmore
and Fenn, 1821.
[28]
Vide BROWNE, Stephen H. Speech to the Electors of Bristol: The Space
of Rethorical Virtue, p. 67-81. In: Edmund Burke and the Discourse of
Virtue. Tuscaloosa: The University of Alabama Press, 1993.
[29]
MACHIAVELLI, Niccolò. Comentários sobre a primeira década de
Tito Lívio: Discorsi. Trad. Sérgio Bath, 3ª ed., Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1994.
[30]
O uso da expressão Estado Trabalhador – workers’ state – é significativa
para a presente análise, quando Marx responde à crítica de Bakunin a um
governo do proletariado: “Ele [Bakunin] deveria ter se perguntado: que
forma podem assumir as funções administrativas em um Estado trabalhador,
se lhe agrada chamá-lo assim?” (McLELLAN, David. Karl Marx: Selected
Writings. Oxford: Oxford University Press, 1982, p. 563).
[31]
Vide SCHMITT, Carl. Sobre el parlamentarismo. Trad. Thies Nelsson e
Rosa Grueso, 2ª ed., Madrid: Editorial TECNOS, 1996.
[32]
Vide KELSEN, Hans. ¿Quién debe ser el defensor de la Constitución?
Trad. Roberto J. Brie, 2ª ed., Madrid: Editorial TECNOS, 1999.
[33]
Vide GUIZOT, M. Histoire des origines de gouvernement représentatif
en Europe. Tomo I. Bruxelles: Wouters, 1851.
[34]
Vide ARENDT, Hannah. Sobre a Revolução. Lisboa: Relógio D’Água
Editores, 2001.
[35]
Vide WALDO, Dwight. Op. cit., p. 89-103.
[36]
Vide ARANHA, M. I. Políticas públicas comparadas de
telecomunicações (Brasil-EUA). Tese de Doutorado: CEPPAC (UnB),
2005.
[37]
Vide OLIVEIRA, Artur Coimbra de. Republicanismo, instituições e a
ingestão de normas internacionais por setores regulados brasileiros.
Dissertação de Mestrado: Faculdade de Direito (UnB), 2011.
[38]
Vide GÉRANDO, Joseph-Marie de. Institutions de Droit Administratif.
Paris: Librairie de la Cour de Cassation, 1829.
[39]
Vide MACAREL, Louis Antoine. Éléments de Droit Politique. Paris:
Librairie de la Cour de Cassation, 1833.
[40]
Vide CORMENIN, Barão de. Questions de Droit Administratif. Paris:
Chez M. Ridler, 1822.
[41]
Vide CASTRO, Marcus Faro de. Violência, medo e confiança: do governo
misto à separação dos poderes. In: Revista Forense 382: 157-180,
novembro/dezembro de 2005.
[42]
TEIXEIRA, Victor Cravo. A trajetória do poder regulamentar no
pensamento político francês e seus reflexos no Brasil: um olhar para
além dos manuais jurídicos. Dissertação de Mestrado: Faculdade de
Direito (UnB), 2012, p. 102.
[43]
Vide LAFERRIÈRE, Édouard. Traité de la Jurisdiction Administrative et
des Recours Contentieux. Tomo I. Paris: Berger-Levrault et Cie, 1896.
[44]
Vide HAURIOU, Maurice. Précis de Droit Administratif et de Droit
Public Général. Paris: L. Larose, 1900.
[45]
DUGUIT, Léon. Les transformations du Droit Public. Paris: Librairie
Armand Colin, 1913, p. 88.
[46]
MOREAU, Félix. Le Règlement Administratif. Étude Théorique et
Pratique de Droit Public Français. Paris: Albert Fontemoing, 1902, p. 2.
[47]
Vide JÈZE, Gaston. Le Réglement Administratif. In: Revue Générale
d’Administration, p. 6-22, maio de 1902.
[48]
SUNDFELD, Carlos Ari. Serviços públicos e regulação estatal, p. 17-38.
In: Idem (org.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 30.
[49]
Vide DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração
Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas.
3ª ed., São Paulo: Atlas, p. 25.
[50]
Sueli Dallari sintetiza os usos do termo a partir do século XVIII: “O
conceito de regulação, no século XVIII, está ligado à técnica, expressando
um sistema de comando destinado a manter constante o valor de uma
grandeza, quaisquer que sejam as perturbações que a possam fazer variar,
como, por exemplo, o termostato. No século XIX, ele se difunde pela
fisiologia, significando os equilíbrios dinâmicos do corpo, e, assim,
definem-se seus traços essenciais: ‘manter um ambiente equilibrado; apesar
das perturbações exteriores, graças a um conjunto de ajustamentos’. Seu
uso só se dissemina nas ciências sociais, entretanto, durante o século XX,
sob influência do desenvolvimento da cibernética, que implica sempre um
mecanismo de auto-regulação, permitindo aos sistemas organizados corrigir
suas ações por meio das informações sobre seus resultados recebidas do
ambiente. É, então, a teoria dos sistemas que irá se introduzir na teoria das
organizações, na economia, na sociologia, na ciência política e no direito.”
(DALLARI, Sueli. Direito Sanitário. p. 57-58. In: ARANHA, M. I. (org.).
Direito Sanitário e Saúde Pública. Vol. I, Brasília: Ministério da Saúde,
2003, p. 39-64).
[51]
Vide AUTIN, J. L. Refléxions sur l’usage de la régulation en droit
publique. In: MIAILLE, M. La régulation entre droit et politique. Paris:
L’Harmattan, 1995.
[52]
Afirmando que “a linguagem e a prática da regulação têm ingressado, nas
últimas três décadas [1980, 1990 e 2000], na linguagem da política pública,
do direito e da economia” (BALDWIN, Robert; CAVE, Martin; LODGE,
Martin. (org.). Regulation: The Field and the Developing Area, p. 3-16. In:
The Oxford Handbook of Regulation. Oxford: Oxford University Press,
2010, p. 4).
[53]
OGUS, Anthony I. Regulatory Law: Some Lessons from the Past. In:
Legal Studies (London) 12(1): 1-19, 1983, p. 1.
[54]
Vide ELTON, Geoffrey Rudolph. The Tudor Revolution in Government:
Administrative Changes in the Reign of Henry VIII. Cambridge:
Cambridge University Press, 1953.
[55]
Vide BEVIR, Mark; TRENTMANN, Frank (org.). Markets in Historical
Contexts: Ideas and Politics in the Modern World. Cambridge: Cambridge
University Press, 2004.
[56]
A afirmação transcrita a seguir é um exemplo desse uso indevido do
termo ‘planejamento’ como sinômino de um formato estatal superado pelo
Estado Regulador: “Privatization and deregulation have created the
conditions for the rise of the regulatory state to replace the dirigiste state of
the past. Reliance on regulation – rather than public ownership, planning
or centralized administration – characterises the methods of the regulatory
state.” (MAJONE, Giandomenico. The Rise of the Regulatory State in
Europe. In: West European Politics 17(3): 77-101, Julho de 1994, p. 77.)
[57]
Vide PINTO, Álvaro Vieira. O conceito de tecnologia. Vol. I, Rio de
Janeiro: Contraponto Editora, 2005.
[58]
Moran elenca os principais autores e obras inaugurais do Estado
Regulador que utilizam o linguajar da ciência política. Em seu estudo, a
regulação, em sua dimensão de história institucional, é definida como uma
“tecnologia administrativa de controle de negócios por intermédio de
agências especializadas e apoiadas em leis específicas em oposição ao
controle via técnica de propriedade estatal” (MORAN, Michael. Review
Article: Understanding the Regulatory State. In: British Journal of
Political Science 32: 391-413, 2002, p. 392).
[59]
As agências são um “bem de produção de ordem superior”, na
terminologia de Vieira Pinto (PINTO, A. V., op. cit., p. 112). Elas
produzem bens de produção de ordem elementar de controle e incentivo de
setores da economia. Ao se identificar a agência reguladora como um bem
vital a setores da economia, opta-se, na lógica regulatória, por uma das
manifestações da libertação humana à medida que o processo histórico de
constituição das agências reguladoras lhes imprime com o esforço material
e mental necessário à sua institucionalização. As agências são mediações
entre o ser humano e sua contradição natural para alteração da realidade via
esse engenho humano. Assim, as agências são essenciais para a regulação
moderna pois se constituem na configuração histórico-institucional de
como, no Estado Regulador, a sociedade optou por mediar sua relação com
setores da economia.
[60]
Vide CROLEY, Steven P. Regulation and Public Interests: The
Possibility of Good Regulatory Government. Princeton: Princeton
University Press, 2008.
[61]
De acordo com a teoria da public choice, grupos de interesse competiriam
por bens regulatórios, ou mais friamente, pela compra de legislação de
políticos e burocratas, bem como outras medidas regulatórias para o
benefício de seus interesses privados.
[62]
Sobre os clássicos da teoria da public choice, vide: BLACK, Duncan. The
Theory of Committees and Elections. Cambridge: Cambridge University
Press, 1958; DOWNS, Anthony. Uma Teoria Econômica da Democracia.
Trad. Sandra Guardini Teixeira Vasconcelos, São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1999 (Original de 1957); OLSON, Mancur. The
Logic of Collective Action: Public Goods and the Theory of Groups.
Harvard, 2002 (Original de 1965); ARROW, Kenneth J. Social Choice and
Individual Values. 2ª ed., New Haven: Yale University Press, 1963;
BUCHANAN, James M.; TULLOCK, Gordon. The Calculus of Consent:
Logical Foundations of Constitutional Democracy. Ann Arbor: University
of Michigan Press, 1965.
[63]
Vide ROSE-ACKERMAN, Susan; LINDSETH, Peter L. (org.).
Comparative Administrative Law. Cheltenham, UK: Edward Elgar, 2010.
[64]
Vide STEWART, Richard B. Regulation and the Crisis of Legalisation in
the United States. In: DAINTITH, Terence (org.). Law as an Instrument of
Economic Policy: Comparative and Critical Approaches. Berlin: Gruyter,
1988, p. 97-133; STEWART, Richard B. Regulation in a Liberal State: The
Role of Non-Commodity Values. In: Yale Law Journal 92 (1983), 1537-
1590.
[65]
SUNSTEIN, Cass R. After the Rights Revolution: Reconceiving the
Regulatory State. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1990, p. 13.
[66]
Vide BRAITHWAITE, John. Crime, Shame and Reintegration.
Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
[67]
Vide AYRES, Ian; BRAITHWAITE, John. Responsive Regulation:
Transcending the Deregulation Debate. Oxford: Oxford University Press,
1992.
[68]
GUNNINGHAM, Neil; GRABOSKY, Peter. Smart Regulation:
Designing Environmental Policy. Oxford: Clarendon Press, 1998.
[69]
Vide TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Trad.
José Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989.
[70]
Sobre o significado de modernização reflexiva, vide: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp,
1995.
[71]
Vide GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos.
Coimbra: Almedina, 2005.
[72]
Vide COIMBRA, Artur. O papel do órgão regulador na resolução de
disputas entre operadoras de telecomunicações: a arbitragem e a mediação
à luz das experiências japonesa, inglesa e americana. In: Revista de
Direito, Estado e Telecomunicações 1(1): 111-159, 2009.
[73]
Vide LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem na Concessão de
Serviços Públicos – Arbitrabilidade Objetiva. Confidencialidade ou
Publicidade Processual? RDM 134: 148-163, abr./jun., 2004.
[74]
BRASIL. STJ. Resp 904.813/PR. Relatora Min. Nancy Andrighi. 3ª
Turma. Julgado em 20/10/2011. DJe 28/02/2012.
[75]
Não se fala em direção no sentido absoluto de crença moderna no devir
em detrimento do ser, mas exatamente na constatação de que o estudo da
normatização de condutas é um processo próprio ao ser social e não
simplesmente de predefinição de condutas individuais capazes de, por si só,
esgotarem a realidade. A propósito da persistência do ser, no século
inaugurador moderno (séc. XVII), como categoria maior do pensamento a
conviver com a proposta racionalista do devir, vide: BAUMER, Franklin Le
Van. O pensamento europeu moderno: séculos XVII e XVIII. Vol. I,
Lisboa: Edições 70, 1990, p. 47. Não se pode fugir, aqui, entretanto, à
crítica de subserviência ao pensamento moderno de substituição da meta
contemplativa dos Antigos (de estabilidade) por um fim utilitário e ativista
(de movimento) dos Modernos, embora temperado, nesta exposição, pela
compreensão de que a previsibilidade não é o único fundamento para o
esforço de se influenciar a realidade.
[76]
Vide BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo,
respostas da globalização. Trad. André Carone, São Paulo: Paz e Terra,
1999.
[77]
Sundfeld define o ‘direito global’ como o que se opõe ao direito
doméstico. “O direito global extrapola largamente as fronteiras do Estado
Nacional para buscar suas fontes também fora dele [mas] a simples
existência de órgãos e de fontes normativas internacionais nem constitui
novidade nem basta para caracterizar uma “nova era”. Esta é derivada,
portanto, não do surgimento, mas da intensificação do fenômeno”
(SUNDFELD, Carlos Ari. A Administração Pública na era do direito
global. p. 157-158. In: SUNDFELD, Carlos Ari e VIEIRA, Oscar Vilhena.
Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 157-168).
[78]
A globalização não é um acontecimento estanque, é uma “onda que traduz
uma nova cultura (...) é o produto inevitável do chamado ‘efeito
demonstração’ derivado dos extraordinários avanços da tecnologia”
(CHACEL, Julian (org.). A globalização em debate. p. 5. In: Carta Mensal,
Rio de Janeiro, v. 46, n. 546, p. 3-14, set. de 2000). Pode-se identificar a
globalização como “um processo e não como um fato consumado”
(CALDAS, Ricardo W. O Brasil e o mito da globalização. São Paulo:
Celso Bastos Editor, 1999, p. 18).
[79]
O comentário de Eros Roberto Grau é revelador: “Modernas são a
economia japonesa e os regimes de protecionismo econômico interno norte-
americano e europeu, que não fazem nenhum exemplo de mercado livre. De
modo que ser moderno, hoje, é no mínimo já ter consciência de que o
mercado é impossível sem uma legislação que o proteja e uma
vigorosamente racional intervenção, destinada a assegurar sua existência e
preservação” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito
pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 92). Ser
verdadeiramente moderno é intervir com vigor, força, conhecimento,
prospecção, enfim, é desenhar e implementar política pública.
[80]
“O termo de origem francesa ‘mundialização’ (mondialisation) encontrou
dificuldades para se impor, não apenas em organizações internacionais,
mesmo que supostamente bilíngues, como a OCDE, mas também no
discurso econômico e político francês. Isso se deve (...) ao fato de que o
termo ‘mundialização’ tem o defeito de diminuir, pelo menos um pouco, a
falta de nitidez conceitual dos termos ‘global’ e ‘globalização’.”
(CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã
Editora, 1996, p. 24 – Original: La mondialisation du capital. Paris: Syros,
1994).
[81]
A mundialização significa “que as decisões já não são nacionais ou locais,
pertencendo a alguma congregação supranacional de caráter mundial. Mas
para a Comissão Internacional de Juristas, o sentido talvez mais importante
[da globalização] é que ela evoca as novas redes que os cidadãos estão
formando e as relações cada vez mais estreitas, que matêm o movimento de
direitos humanos” (CLAPHAM, Andrew. La mundialización y el imperio
del Derecho. p. 17. In: La Revista de la Comisión Internacional de
Juristas – mundialización, derechos humanos e imperio del derecho. n.
61, 1999, p. 17-37).
[82]
O termo ‘realinhamento constitucional’ é utilizado por Oscar Vieira para
designar a influência dos fatores de pressão internacionais sobre os sistemas
constitucionais nacionais. Conferir: VIEIRA, Oscar Vilhena.
Realinhamento constitucional. In: SUNDFELD, Carlos Ari e VIEIRA,
Oscar Vilhena (coord.). Direito global. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.
15-48.
[83]
Ao analisar a globalização sob o tríplice enfoque de regionalização,
direitos humanos e economia, Oscar Vieira identifica um realinhamento
bidirecional nos movimentos de regionalização (VIERIA, Oscar. op.cit., p.
28) e direitos humanos (VIERIA, Oscar. op.cit., p. 29). Haveria, nestes,
uma influência recíproca entre os movimentos citados e as posições
políticas dos países da comunidade internacional. Já no que diz respeito à
globalização econômica como “liberdade total ao capital internacional”
(VIERIA, Oscar. op.cit., p. 17), o autor não consegue identificar o
movimento de influência dos países neste fenômeno uniformizador:
“Diferentemente dos demais fenômenos da globalização, não temos neste
caso [da globalização econômica] a já mencionada via de duas mãos. Há
apenas uma assimilação dos padrões internacionais, sob a perspectiva de
que são essenciais para se participar do processo de globalização”
(VIERIA, Oscar. op.cit., p. 46-47).
[84]
Vide GALBRAITH, John Kenneth. O novo Estado Industrial. São
Paulo: Editora Nova Cultural, 1997. Para Galbraith, a substituição do
sistema de mercado pelo sistema de planejamento teria modificado a
estrutura de poder nas empresas e na sociedade em razão do aumento da
escala de produção, do avanço da tecnologia e do conhecimento
interdisciplinar, que exigem elevado tempo de maturação dos
empreendimentos cada vez mais complexos. A decisão teria migrado da
propriedade do capital para sua gestão. O controle, agora, estaria nas mãos
do administrador qualificado pelo conjunto de informações necessárias à
gestão do negócio mediante a criação de novas necessidades moldadas pelo
aparato propagandístico, derrubando por terra a soberania do consumidor.
Tal inteligência organizada da empresa constituiria sua tecnoestrutura,
cujas decisões técnicas e impessoais – tecnocracia – acabariam por
suplantar a liberdade individual de direcionar o desenvolvimento.
[85]
Bresser Pereira, ao definir o mercado como o mecanismo de alocação
eficiente de recursos por excelência, afirma a precedência do Estado
moderno ao mercado capitalista na medida em que é o Estado que garante
os direitos de propriedade e a execução dos contratos. Vide PEREIRA, Luiz
Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos
de controle. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do
Estado, 1997, p. 9-10.
[86]
“Não basta editar uma lei abstrata, genérica e distante, dizendo que
nenhuma exploração da atividade industrial pode ultrapassar certo limite de
poluição, causando dano à saúde do vizinho. É preciso que o Estado vá
trabalhando com a realidade todo o tempo, para definir, nas situações que se
põem, o que é ou não uma emissão de poluentes aceitável; assim obter-se-á
a paulatina diminuição da emissão de poluentes. É preciso impor graus
crescentes de restrições à emissão de poluentes, e para isso a lei é
insuficiente. Ninguém imagina que o legislador vá cuidar de regular o nível
de emissão de poluentes do bairro do Maracanã no ano de 1998; e, em
janeiro de 99, editar outra lei para estabelecer que já é hora de diminuir
ainda mais o nível de emissão de poluentes; e, no meio do ano,
considerando que aquele nível eleito foi otimista demais, editar nova lei
para voltar atrás. Alguém imagina que o legislador possa fazer isso,
dedicando-se, ele próprio, a um verdadeiro gerenciamento normativo da
realidade?” (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos
valores e conflitos. p. 1293-1294. In: Anais da XVII Conferência
Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de
Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).
[87]
Eficiência esta que foi elevada à categoria constitucional com a Emenda
Constitucional nº 19/98, que alterou o art.37, caput da Constituição Federal
brasileira de 1988.
[88]
O direito administrativo sempre sofreu os influxos da evolução
tecnológica, como bem demonstram as regulamentações municipais do
direito de construir, que acompanham a evolução das técnicas de construção
e do crescimento correspondente dos riscos. A novidade de hoje está na
ampliação sensível deste fenômeno de regulamentação conjuntural para
setores da economia, no Brasil, submetidos a escassa regulamentação
estatal direta devido à suficiência da autorregulamentação das então
empresas estatais.
[89]
O termo publicatio é utilizado para denotar a transferência da titularidade
de atividades das mãos privadas para o Estado.
[90]
Vide GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e
sua transformação, p. 64. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71.
[91]
Sobre as características e distinções entre o Direito Administrativo anglo-
americano e o Direito Administrativo de matriz francesa, vide: PESSOA,
Robertônio. Curso de direito administrativo. Brasília: Editora Consulex,
2000, p. 51-58.
[92]
O art.149 da Constituição Federal de 1934 estabelecia o dever do Estado e
da família de prestar educação. O anteprojeto da Carta Constitucional de
1934 era mais claro, pois previa, no título XI (Da Cultura e do Ensino), no
art.112: “O ensino será público ou particular, cabendo àquele,
concorrentemente à União, aos Estados e aos Municípios. O regime do
ensino, porém, obedecerá a um plano geral traçado pela União, que
estabelecerá os princípios normativos da organização escolar e fiscalizará,
por funcionários técnicos privativos, a sua execução”. A Constituição
Federal de 1937 foi mais clara: “Art.129. À infância e à juventude, a que
faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é
dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de
instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de
receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências
vocacionais”. A Constituição de 1946, por sua vez, assim disciplinou:
“Art.167. O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos podêres
públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem”.
A Constituição Federal de 1967 e Emenda nº1 de 1969 seguiram a mesma
linha: “Art.168. (...) §2o Respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à
iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos
Podêres Públicos, inclusive bôlsas de estudo”. Finalmente, a Constituição
Federal de 1988 disciplina: “Art.205. A educação, direito de todos e dever
do Estado (...); Art.209. O ensino é livre à iniciativa privada (...)”.
Históricos normativos semelhantes podem ser desenhados para os setores
de saúde, abastecimento alimentar e sistema financeiro.
[93]
“A frustação com estas categorias ubíquas [de público e privado] surge
parcialmente porque elas são posicionadas para descreverem oposições em
nosso pensamento. No cerne de muitas de suas aplicações aparecem as duas
idéias de que o público está para o privado tal como aberto está para
fechado e como o todo está para a parte.” – tradução livre do original
(STARR, Paul. The meaning of privatization. p. 16. In: KAMERMAN,
Sheila B. & KAHN, Alfred J. Privatization and the Welfare State.
Princeton: Princeton University Press, 1989).
[94]
O conceito de serviço público como o “serviço disponível ao público”
serviu à justificação da provisão privada de serviços públicos sob a óptica
econômica de estratégias de fomento do mercado, mas não se adequa nem
satisfaz as exigências jurídicas de orientação da prestação de serviços
públicos e privados. Conferir: ROTH, Gabriel. The private provision of
public services in developing countries. Washington: Economic
Development Institute, 1987, p. 1.
[95]
Argumentando pela caracterização do modelo regulatório, segundo a
ideologia constitucionalmente adotada pela Constituição Federal de 1988
no Brasil, como afeto um ambiente concorrencial, mas avesso ao jogo dos
mercados, assim entendido aquele caracterizado pela livre iniciativa e a
livre concorrência, vide: CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de.
Regulação de Serviços Públicos na Perspectiva da Constituição
Econômica Brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
[96]
Daí a afirmação de Eros Roberto Grau de que “a privatização dos serviços
públicos instala um autêntico caos em suas teorizações [do direito
administrativo], abalando a própria noção de serviço público, que lhe tem
servido de sustentáculo” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito
pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 125).
[97]
Diz-se da relação em que o Estado detém uma posição privilegiada,
gerando efeitos de subordinação. Conferir: SUNDFELD, Carlos Ari.
Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros Editores, 1992, p.
68.
[98]
Vide GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e
sua transformação, p. 63-64. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71.
[99]
Autorização seria, neste caso, o “ato do Poder Público que libera o
desempenho de atividade econômica, a qual continua sujeita ao seu regime
próprio, de direito privado” (NETO, Benedicto Porto. Concessão de
serviço público no regime da Lei n. 8.987/95: conceitos e princípios. São
Paulo: Malheiros, 1998, p. 140). Os arts.126 e 131 da Lei Geral de
Telecomunicações são exemplos característicos desta concepção: “Art.126.
A exploração de serviço de telecomunicações no regime privado será
baseada nos princípios constitucionais da atividade econômica”. “Art.131.
A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia autorização
da Agência, que acarretará direito de uso das radiofrequências necessárias”.
[100]
Vide DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração
Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3a
ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 122-129.
[101]
Em sede da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº
1668, julgada em 20 de agosto de 1998, e referente a diversos dispositivos
da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), o Supremo Tribunal
Federal pronunciou-se pela constitucionalidade do disposto no art. 65, III e
§2º, que trata expressamente da concomitância de prestação dos serviços de
telecomunicações em regime público e privado. No âmbito dos transportes,
o Recurso Extraordinário nº 220.999-7 resultou no posicionamento da Corte
no sentido de não se considerar como serviço público a atividade de
transporte aquaviário exclusivamente de mercadorias de empresas privadas.
[102]
Vide ORTIZ, Gaspar Ariño; MARTINEZ, J. M. De La Cuétera; LÓPEZ-
MUNIZ, J.L. El nuevo servicio público. Madri: Marcial Pons, 1997.
[103]
Vide GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos serviços públicos e
sua transformação, p. 62. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 39-71.
[104]
Exemplo esclarecedor da desintegração vertical consta em Grotti: “É o
que já ocorre, no Brasil, com os serviços de navegação aérea ou de
transporte rodoviário: os aeroportos e rodovias são objeto de monopólio
natural, atividade não-competitiva de infraestrutura; essa infraestrutura é
utilizada, com liberdade e igualdade de acesso, pelos inúmeros prestadores
de serviço individuais” (GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Teoria dos
serviços públicos e sua transformação, p. 63. In: SUNDFELD, Carlos Ari
(coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 39-71).
[105]
Fala-se, aqui, em riscos do serviço privado em si: se o serviço deixar de
ser prestado, o Estado não intervem para prestá-lo ele próprio. Não se está
comentando o risco dirigido ao prestador do serviço, pois, neste caso,
mesmo o prestador de serviços públicos está sujeito ao risco natural do
negócio. A propósito, as definições de concessão e permissão na Lei Geral
de Concessões determinam que o concessionário e permissionário de
serviços públicos os prestarão por “sua conta e risco” (art. 2o, II, III e IV da
Lei 8.987/95).
[106]
Vide BURNHAM, William. Introduction to the Law and Legal System
of the United States. 4ª ed., St. Paul: Thomson/West, 2006.
[107]
Em revisão da literatura sobre política regulatória, estudo da Revista
Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais salienta a
insuficiência da tradicional divisão binomial entre dois tipos de regulação
pública: regulação por agência regulatória; e regulação pela estatização.
Conferir: MELO, Marcus André. Política regulatória: uma revisão da
literatura. p. 8-9. In: Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais, nº 50, 2o semestre de 2000, p. 7-43. A distinção
tradicional entre regulação via propriedade pública e via agência ou
comissão independente é imprecisa sob o enfoque jurídico, pois pressupõe
que a existência de bens públicos afasta a técnica de regulação via agência,
o que, de fato, pode ser verdade nos modelos de tradição anglo-americana,
mas não no modelo brasileiro, que comporta um rol mais elaborado de
espécies de regulação.
[108]
Vide STRAUBHAAR, Joseph. Tendências mundiais, p. 47. In:
SIQUEIRA, Ethevaldo (et al.). Telecomunicações: privatização ou caos.
São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 42-47. Relatando as esperadas
diferenças entre modelos regulatórios no mundo, cita, em 1993, a
experiência da Jamaica, que optara por contratos detalhados ao invés da
criação de órgãos reguladores.
[109]
Vide CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços
Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007.
[110]
Vide ROSANVALLON, Pierre. A crise do Estado-providência. Trad.
Joel Pimentel de Ulhôa, Goiânia: Editora Universidade Federal de Goiás e
Editora da Universidade de Brasília, 1997.
[111]
Costuma-se apontar a alteração de postura de intervenção direta para a de
intervenção indireta como resultado da crise fiscal do Estado dos anos 80 e
90. Conferir: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos
anos 90: lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da
Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 11-13.
[112]
Vide SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da Atividade Econômica:
Princípios e Fundamentos Jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001.
[113]
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90:
lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 17.
[114]
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90:
lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 32 e seguintes.
[115]
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90:
lógica e mecanismos de controle. Brasília: Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado, 1997, p. 33. “Para a agenda liberal tornava-
se, agora, necessário, ao mesmo tempo desregular e regular: desregular para
reduzir a intervenção do Estado; regular, para viabilizar a privatização”.
[116]
Há proposta de terminologia específica para os serviços submetidos ao
tratamento dito competitivo, em que coexistem regimes jurídicos distintos
na prestação da mesma atividade, como ocorre com as telecomunicações,
energia elétrica, vigilância sanitária dentre outros. A proposta de Sundfeld
segue orientação européia, que passou a chamá-los serviços de interesse
econômico geral. Conferir, a respeito: SUNDFELD, Carlos Ari. A
Administração Pública na era do direito global. p. 161: nota 6. In:
SUNDFELD, Carlos Ari & VIEIRA, Oscar Vilhena. Direito global. São
Paulo: Max Limonad, 1999, p. 157-168. Persiste, todavia, a questão de se
saber se a adoção desta terminologia esclarecerá ou confundirá ainda mais o
esforço de divisão do regime aplicado a cada tipo de serviço relativo a
setores econômicos.
[117]
Vide AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços
públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p.164.
[118]
Preferiu-se a utilização do conceito de centralização e descentralização
por revelar, na sua ancianidade, a ligação de subordinação à Administração
Pública, que é o sentido visado na diferenciação entre controle pela
centralização e controle pela descentralização. Para uma análise da
centralização como subordinação, vide: URUGUAI, Paulino José Soares de
Souza, Visconde de. Ensaio sobre o direito administrativo. Fac-símile da
edição de 1960, Brasília: Imprensa Nacional, 1997, p. 346. Para uma
análise da centralização como unidade, vide: DEBBASCH, Charles. Droit
administratif. Paris: Éditions Cujas, 1972, p. 87-88. Themistocles
Cavalcanti, por sua vez, deriva a descentralização da necessidade de
especialização em face da complexidade funcional do Estado:
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito
administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964,
p. 83-84. Finalmente, esmiuçando a evolução dos significados dos termos
centralização e descentralização (descentralização política versus
administrativa; descentralização da decisão versus da gestão; territorial
versus por serviços ou institucional – p. 17 e seguintes) e criticando a
concepção unívoca de descentralização como transferência de competências
a pessoas jurídicas (p. 59), ressaltando a independência como essencial ao
conceito de descentralização (p. 69), vide: ORTIZ, Gaspar Ariño.
Descentralización y planificación. Madri: Instituto de Estudios de
Administracion Local, 1972. (Colección Estudios de Administración
Local).
[119]
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos.
São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 165 e seguintes; 181 e seguintes.
“Observamos que a preferência pela expressão “regulação desconcentrada”
em detrimento da expressão consagrada “desregulamentação” se prende a
que entendemos que a ausência de regulamentação é uma forma de
regulação imposta pelo Estado” (p. 165). Aguillar defende a adoção da
primeira nomenclatura, pois entende que a liberdade desfrutada pela
iniciativa privada nas atividades econômicas desregulamentadas é
“consequência de uma política regulatória estatal, uma política de
regulação pela desconcentração” (p. 211). O autor não utiliza o termo
desconcentração no sentido técnico-jurídico de oposição à descentralização
– diferença já sedimentada na doutrina de direito administrativo. Conferir:
DEBBASCH, Charles. Droit administratif. Paris: Éditions Cujas, 1972, p.
88-89; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São
Paulo: Atlas; GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. São Paulo:
Saraiva; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São
Paulo: Revista dos Tribunais; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso
de direito administrativo. São Paulo: Malheiros; MUKAI, Toshio. Direito
administrativo. São Paulo: Saraiva.
[120]
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos.
São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 191 e seguintes.
[121]
Vide AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços
públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 212. A regulação operacional
“é manifestada pela preferência outorgada à iniciativa privada ou às
empresas e órgãos estatais para o desempenho de certas atividades de
interesse público” (p. 164).
[122]
A regulação normativa “diz respeito ao poder de regulamentar
efetivamente o setor que interessa ao Estado” (AGUILLAR, Fernando
Herren. op.cit., p. 164).
[123]
Fala-se em tendência, pois a opção regulatória estatal não está entre dois
pólos, mas em um continuum de centralização e descentralização, como
ressalta um pequeno estudo dirigido à Administração Pública Federal:
MARCELINO, Gileno Fernandes. Descentralização: um modelo
conceitual. Brasília: Fundação Centro de Formação do Servidor Público –
FUNCEP, 1988, p. 28.
[124]
A terminologia intervencionismo direto e intervencionismo indireto
também é utilizada, mas não permite todas as combinações possíveis como
ocorre com os termos regulação operacional e normativa, centralizada e
descentralizada. Adotando os conceitos de intervencionismo direto e
indireto, vide: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação
estatal e as agências independentes. p. 74. In: SUNDFELD, Carlos Ari
(coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 72-98.
[125]
Para Floriano Marques, o intervencionismo indireto é caracterizado pela
concreta atuação do Estado “no fomento, na regulamentação, no
monitoramento, na mediação, na fiscalização, no planejamento, na
ordenação da economia” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova
regulação estatal e as agências independentes. p. 74. In: SUNDFELD,
Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo:
Malheiros, 2000, p. 72-98).
[126]
“O Estado tem que se organizar para fazer mais do que editar uma lei
geral para vigorar por tempo indeterminado e depois cuidar dos conflitos
individuais. E, para isso ele tem de intervir mais. Aqui está a questão. O
modelo que conhecemos – a separação de poderes tradicional e as funções
que competiam aos Poderes Judiciário e Legislativo – era perfeitamente
coerente com o baixo intervencionismo estatal. Se o Estado não está muito
preocupado em gerenciar a realidade ambiental de modo a ir apertando
paulatinamente as exigências para melhorar o meio ambiente; se quer
deixar os membros da sociedade acertarem suas diferenças
independentemente da ordem jurídica, aí pode realmente editar uma norma
geral que vigore por sessenta ou mais anos, como o Código Civil, e depois
solucionar os conflitos pelo Poder Judiciário. Mas, se o Estado quer
perseguir concretamente o valor ambiental, vair ter que intervir mais,
editando normas seguidamente, dando-lhes conteúdos cada vez menos
gerais, tratando de temas cada vez mais particulares. Assim, poderá realizar
o gerenciamento normativo dos conflitos (...) Como o Estado é obrigado a
intervir [normativamente, em princípio], ele criou as agências reguladoras”
– grifos nossos (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos
valores e conflitos, p. 1294 e 1296. In: Anais da XVII Conferência
Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de
Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297). Tal
gerenciamento normativo dos conflitos somente pode ser alcançado por
mecanismos institucionais de organização dinâmica e de contato direto
setorial, como as agências reguladoras. Planejar e replanejar
constantemente: estes são os conceitos basilares da política regulatória
normativa centralizada.
[127]
Themistocles Cavalcanti posiciona-se nitidamente a favor da segunda
corrente: “No primeiro grupo encontram-se as empresas, alguns
contabilistas incapazes de adaptarem os seus conhecimentos ao problema
mais geral, e finalmente alguns economistas e financistas clássicos,
temerosos de uma intervenção do Estado, no pressuposto de sua
incapacidade para administrar (....). Do segundo grupo, são os que se
colocam na posição de equilíbrio entre os interesses das empresas e dos
consumidores, mas consideram, em primeiro plano, os interesses desses
últimos para quem os serviços foram criados e a cujos interesses, portanto,
devem atender precipuamente” (CAVALCANTI, Themistocles Brandão.
Tratado de direito administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos, 1964, p. 500-501).
[128]
Analisando a posição institucional dos poderes políticos adotada pela
Constituição Federal de 1988 do Brasil, vide: FERRAZ, Anna Cândida da
Cunha. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos
normativos do Poder Executivo. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1994.
[129]
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et de. O
espírito das leis. 2aed., Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995, p.
118-119.
[130]
Aristóteles divide em três partes as que devem compor as formas de
constituição encarregadas de: deliberação sobre assuntos públicos; funções
públicas (executivas); e do poder judiciário. Conferir: ARISTÓTELES.
Política. Trad. Mário da Gama Kury, 3aed., Brasília: Editora Universidade
de Brasília, 1997, p. 151-160.
[131]
Apontado como o inaugurador da doutrina teorético-constitucional do
equilíbrio dos poderes, Bolingbroke a enunciou em escritos exparsos.
Conferir: SCHMITT, Carl. Teoría de la constitución. Trad. Francisco
Ayala, Madri: Alianza Editorial, 1992, p. 187.
[132]
Locke ultima a divisão de funções em divisão de poderes legislativo de
um lado e executivo e federativo de outro. Conferir: LOCKE, John.
Segundo tratado sobre o governo. Trad. E. Jacy Monteiro, São Paulo:
Instituto Brasileiro de Difusão Cultural, 1963, p. 91-93 (Coleção Clássicos
da Democracia 11).
[133]
Vide MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et
de. O espírito das leis. 2a ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1995, p. 121.
[134]
Quando o direito passou a funcionar como instrumento de implementação
de políticas públicas (regulação não exclusivamente de situações estruturais
mas conjunturais), “o direito torna-se contingente e variável. A ‘lei’, texto
normativo produzido pelo Legislativo, não pode mais ser tomada como
categoria absoluta: é necessário, mais do que nunca, distinguir entre lei em
sentido formal e lei em sentido material. Interpenetram-se os campos de
atuação do Executivo e do Legislativo: aquele a exercitar, amplamente,
função normativa; este, a produzir leis-medida. A leitura tradicionalmente
desenvolvida da ‘separação dos poderes’ perde todo o seu sentido” (GRAU,
Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3a ed., São Paulo:
Malheiros, p. 136). E continua em outro capítulo: “a instabilidade de
determinadas situações e estados econômicos, sujeitos a permanentes
flutuações – flutuações que definem o seu caráter conjuntural –, impõe
sejam extremamente flexíveis e dinâmicos os instrumentos normativos de
que deve lançar mão o Estado para dar correção a desvios ocorridos no
desenrolar do processo econômico e no curso das políticas públicas que
esteja a implementar. Aí, precisamente, o emergir da capacidade normativa
de conjuntura, via da qual se pretende conferir respota à exigência de
produção imediata de textos normativos, que as flutuações da conjuntura
econômica estão a todo o tempo, a impor (...) [Dita capacidade normativa]
somente estará ungida de legalidade quando e se ativada nos quadrantes da
lei (...) O exercício da capacidade normativa de conjuntura estaria, desde a
visualização superficial dos arautos da “separação” de poderes, atribuído ao
Poder Legislativo, não ao Poder Executivo. A doutrina brasileira tradicional
do direito administrativo, isolando-se da realidade, olimpicamente ignora
que um conjunto de elementos de índole técnica, aliado a motivações de
premência e celeridade na conformação do regime a que se subordina a
atividade de intermediação financeira, tornam o procedimento legislativo,
com seus prazos e debates prolongados, inadequado à ordenação de
matérias essencialmente conjunturais. Por isso não estão habilitados, os
seus adeptos, a compreender o particular regime de direito a que se submete
[um] segmento da atividade econômica” (GRAU, Eros Roberto. op.cit., p.
172-173). Não se pode olvidar, no entanto, que essa argumentação implica
o reposicionamento do Legislativo à semelhança da desregulamentação
exigida na proposta neoliberal: “substituição de regras rígidas, dotadas de
sanção jurídica, por regras flexíveis, meramente indutoras de
comportamentos”, gerando “ampliação do conteúdo dos regulamentos (atos
do Poder Executivo em geral), instalando uma nova contradição” (GRAU,
Eros Roberto. op.cit., p. 98).
[135]
“A classificação das funções estatais em legislativa, executiva e
jurisdicional é corolário da consideração do poder estatal desde o seu
aspecto subjetivo: desde tal consideração, identificamos, nele, centros ativos
que são titulares, precipuamente, de determinadas funções. Estas são assim
classificadas em razão das finalidades a que se voltam seus agentes – isto é,
finalidades legislativas, executivas e jurisdicionais. Tal classificação, como
vimos, tem caráter orgânico ou institucional.” (GRAU, Eros Roberto. O
direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p.
176).
[136]
Vide CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da
constitucionalidade no direito brasileiro. 2a ed., São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2000, p. 211.
[137]
Críticas são levantadas contra a ausência de um controle efetivo de
constitucionalidade dos atos normativos do Executivo, propondo-se, até
mesmo, a criação de uma ação direta de ilegalidade. Conferir: A
fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2a ed.,
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 215. No entanto, a
discussão deveria, primeiramente, internalizar a compreensão da submissão
estrutural do Executivo à lei ao lado da inovação normativa funcional que
lhe é própria.
[138]
Tratando da Medida Provisória como ato normativo com força de lei e
extraindo desta característica a impossibilidade de sua retirada do
Congresso Nacional, pelo Executivo, conferir: Ação Direta de
Inconstitucionalidade 221/DF, relatoria do Ministro Moreira Alves,
j.29.03.1990, DJ 22.10.1993, p. 22.251 e RTJ 151/331-355.
[139]
Vide texto correspondente à nota 148, p. 24 deste estudo.
[140]
Vide MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della
pubblica amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 117-123. In:
CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti
di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il
Mulino, 1991, p. 111-140.
[141]
“Entende-se como função normativa a de emanar estatuições primárias,
seja em decorrência do exercício do poder originário para tanto, seja em
decorrência de poder derivado, contendo preceitos abstratos e genéricos”
(GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 180).
[142]
Partindo de definição de Alessi de que os regulamentos são estatuições
primárias impostas por força própria, mas emanadas de poder derivado,
“em uma tentativa de conciliação de critérios, teremos que a função
normativa (material) compreende a função legislativa e a função
regulamentar (institucionais) – mais a função regimental, se considerarmos
a normatividade emanada do Poder Judiciário” (GRAU, Eros Roberto. O
direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p.
181). Assim, “quando o Executivo expede regulamentos – ou, o Judiciário,
regimentos –, não o faz no exercício de delegação legislativa (...) Logo,
quando o Executivo e o Judiciário emanam atos normativos de caráter não
legislativo – regulamentos e regimentos, respectivamente –, não o fazem no
exercício de função legislativa, mas sim no desenvolvimento de função
normativa.” (GRAU, Eros Roberto. op.cit., p. 184).
[143]
Vide MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de la Brède et
de. O espírito das leis. 2a ed., Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1995, p. 121.
[144]
Para a exposição completa deste argumento com fundamentação
exaustiva, conferir: GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito
pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 182-189.
[145]
Ação Direta de Inconstitucionalidade 221/DF, Relator Min. Moreira
Alves, j.29.03.1990, DJ 22.10.1993, p.22.251 e RTJ 151/331-355.
[146]
O trecho a seguir, que parece propositalmente inconclusivo, representa
bem a inutilidade do argumento gramatical em face da questão maior de
proibição de delegação de funções constitucionais: “Poder-se-ia
argumentar, em contrário, que o art. 5o, II, da Constituição não exige tanto
[tamanha restrição à atividade normativa da Administração]. Não dispõe ele
que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão por
comando legal; quer apenas que ninguém seja constrangido senão em
virtude de lei. Bastaria assim a lei conferir genericamente o poder ao
administrador, para que as normas que este viesse a editar encontrassem
conforto constitucional. Mas o problema se reconduz aqui ao da
impossibilidade de delegação de funções entre Legislativo e Executivo. Em
outras palavras, a interpretação do art. 5o, II, requer necessariamente a
consideração do limite a partir do qual se incidiria em inconstitucionalidade
por delegação indevida do poder de legislar.” (SUNDFELD, Carlos Ari.
Direito administrativo ordenador. 1aed., 2atir., São Paulo: Malheiros,
1997, p. 35).
[147]
Sobre os regulamentos de atribuição, vide: DELPÉRÉE, Francis. Le fonti
normative secondarie nel diritto belga. p. 51-52. In: CARETTI, Paolo &
SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione
dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991,
p. 47-67.
[148]
Norma secundária é considerada a “norma cujo titular não possa nunca
agir de iniciativa própria ou autonomamente”. Subordinadas são as normas
que “encontram seu fundamento na própria Constituição” – tradução livre
do original: DELPÉRÉE, Francis. Le fonti normative secondarie nel diritto
belga. p. 49-50. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere
regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili
comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 47-67. A competência
subordinada existiria se se aceitasse, no Brasil, a presença de poderes
implícitos (inherent powers) no Executivo para produzir normas
regulamentares em espaços não atingidos por dispositivos legais: sua
competência seria subordinada, pois restringível por lei, mas não
secundária, pois não necessitaria de prévia abertura legal. A característica
subordinada da competência do Executivo brasileiro depende, no Brasil,
segundo a teoria hoje predominante, de prévia abertura legal: deve ser,
portanto, secundária. A jurisprudência norte-americana se afina com a
doutrina brasileira neste ponto: “a atribuição de poder à burocracia, tal
como ao Presidente, deve ter fundamento normativo em uma lei”
(MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica
amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 138. In: CARETTI, Paolo &
SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione
dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p.
111-140: tradução livre do italiano).
[149]
Ao analisar o conceito de administração ordenadora como sucedâneo do
termo poder de polícia, Sundfeld salienta seu caráter derivado (secundário)
capaz de interferir nos contornos da vida privada: “Cada vez mais a lei se
ocupa em disciplinar diretamente as variadas facetas da vida privada. A lei
pode prever ou não a interferência do Executivo em sua aplicação. Em caso
positivo, estaremos diante de normas de direito administrativo (ex.: leis
municipais sobre construções urbanas, regras de trânsito, disciplina dos
preços na economia). (...) A administração ordenadora surge apenas na
primeira hipótese. Assim, inexiste setor que lhe pertença, por natureza. Só
existirá administração ordenadora se, quando, como e na medida em que o
legislador, ao regulamentar a vida dos indivíduos, houver cominado à
Administração um papel ativo em seu cumprimento.” (SUNDFELD, Carlos
Ari. Direito administrativo ordenador. 1a ed., 2a tir., São Paulo: Malheiros,
1997, p. 21).
[150]
“Evidentemente não estou a propor a liberação do Executivo para
“legislar”. Pelo contrário, reconhecer o desenho correto do princípio, tal
como contemplado pelo direito brasileiro, significa possibilitarmos o
controle do exercício da função regulamentar pelo Executivo, ao que se
recusam nossos publicistas, sob o argumento de que os regulamentos são
inconstitucionais...” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito
pressuposto. 3a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 189).
[151]
A característica hierárquica atribuída à distinção entre lei e regulamento é
“de tipo orgânico” como ocorre no relato de Delpérée sobre o poder
regulamentar na Bélgica, em que os poderes legislativo e executivo estão
inseridos em uma relação “entre poder soberano e poder subordinado”
(DELPÉRÉE, Francis. Le fonti normative secondarie nel diritto belga. p.
47-48. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e
strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici.
Bolonha: Il Mulino, 1991, p. 47-67).
[152]
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das
agências reguladoras e fiscalizadoras. p. 256. In: Fórum Administrativo,
ano 1, nº 3, maio de 2001, p. 253-257. Continua, na mesma página:
“igualmente se pode dizer que a prática é antiga, difundida e tolerada.
Todos têm presente as circulares e portarias de que certos órgãos da
Administração Pública usam e abusam, fazendo “leis” que não raro mais
interferem na vida do cidadão que as leis propriamente ditas.”
[153]
Floriano Marques divide o problema de acordo com o tipo de órgão
regulador: a) órgãos reguladores de natureza constitucional (ANATEL e
ANP); b)órgãos reguladores criados exclusivamente por lei (ANEEL,
ANVS, Câmara de Saúde Suplementar); c)órgãos reguladores de natureza
constitucional imprópria, que encontram referência no texto constitucional
só que sem designação expressa da sua constituição como órgão regulador
em sentido próprio (Banco Central – art.192, IV e Superintendência de
Seguros Privados – art.192, II da CF/88). Conferir, a respeito: MARQUES
NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as agências
independentes. p. 93-94: nota 49. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.).
Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.
[154]
Salaverría esclarece a distinção entre discricionariedade interna e
externa: “há que se furtar ao perigo de se confundirem duas maneiras
distintas em que comparece esta mistura de ‘técnica’ e ‘discricionariedade’
(pois somente a uma delas cabe conceber como genuína ‘discricionariedade
técnica’). Com efeito, uma coisa é entregar-se ao exercício da
discricionariedade sobre a base de – entre outros – dados técnicos
(econômicos, demográficos etc), e outra coisa distinta é que o espaço
discricional irrompa na entranha dos juízos técnicos mesmos”
(SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad técnica, motivación y
control jurisdicional. Madri: Editorial Civitas, 1998, p. 26).
[155]
A própria objetividade dos dados técnicos é questionável. A “realidade
ensina que a técnica não é sempre e necessariamente fonte de regras
objetivamente válidas” (SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad
técnica, motivación y control jurisdicional. Madri: Editorial Civitas, 1998,
p. 27).
[156]
Esta postura é criticável em face da já comentada ausência de
objetividade nos critérios técnicos, no entanto, é adotada por juristas de
peso. “Se a decisão é técnica, evidentemente há standards, e muito
precisos, a serem estrita e rigorosamente atendidos por quem toma a
decisão!” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto.
3a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 159).
[157]
Vide SALAVERRÍA, Juan Igartua. Discrecionalidad técnica, motivación
y control jurisdicional. Madri: Editorial Civitas, 1998, p. 13. O pensamento
do autor pode ser resumido assim: a determinação da discricionariedade
somente é evidenciada definitivamente in concreto (p. 38) e frente a uma
decisão razoável do administrador, que assim afastaria a crítica do arbítrio,
cuja garantia para controle está na motivação essencial à ponderação da
discricionariedade (p. 44 e seguintes).
[158]
Vide MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della
pubblica amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 119. In: CARETTI,
Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di
direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il
Mulino, 1991, p. 111-140.
[159]
Vide DALLARI, Sueli Gandolfi. Direito Sanitário. p. 55 e seguintes. In:
ARANHA, Márcio Iorio (org.). Direito sanitário e saúde pública:
coletânea de textos. Vol. I, Brasília: Ministério da Saúde, 2003. (Série E.
Legislação de Saúde)
[160]
JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das agências reguladoras
independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 31.
[161]
Vide PROSSER, Tony. Law and the Regulators. Oxford: Claredon Press,
1997.
[162]
“Regulation means government-imposed controls on particular aspects of
business activity. Note: This does not mean that each and every business
decision requires prior government approval. Instead, control will usually
be exercised through a mix of prior approvals (for example, a request for a
tariff increase) or after-the-fact reviews of performance (for example,
connection of a specified number of new customers). Regulation is only one
form of government control. Governments can also control enterprises
through ownership and fiscal incentives).” (BROWN, Ashley C.; STERN,
Jon; TENENBAUM, Bernard. World Bank Handbook for Evaluating
Infrastructure Regulatory Systems. Washington: World Bank, 2006, p. 16).
[163]
Vide CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços
Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007.
[164]
Definindo regulação como forma de controle estatal, vide: GARNER,
Bryan A. (org.). Black’s Law dictionary. 8ª ed., St. Paul: West Publishing
Co., 2004, p. 1311.
[165]
“Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o
desempenho de competências normativas, seu conteúdo [da regulação] é
mais amplo e variado (...) a regulação contempla uma gama mais ampla de
atribuições, relacionadas ao desempenho de atividades econômicas e à
prestação de serviços públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização,
composição de conflitos e aplicação eventual de sanções” (MOREIRA
NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório: a alternativa
participativa flexível para a administração pública de relações setoriais
complexas no Estado Democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 45).
[166]
Vide CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços
Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007.
[167]
Entrevista dada por George Soros na CNN, Fareed Zakaria GPS, em 12
de outubro de 2008.
[168]
“In no system that could be rationally defended would the state just do
nothing” (HAYEK, Friedrich. The Road to Serfdom. Chicago: University
of Chicago Press, 1944, p. 38-39).
[169]
As funções de fiscalização, incentivo e planejamento constam das raras
passagens constitucionais (art. 174, caput da Constituição Federal de 1988)
expressamente atinentes à atividade reguladora do Estado.
[170]
Vide MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e
as agências independentes. p. 74. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.).
Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98).
[171]
Para uma concepção de regulação como gerenciamento normativo de
conflitos, vide: SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos
valores e conflitos, p. 1294. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos
Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos
Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297. “O que é regular? É fazer este
‘gerenciamento’ que referi. Não limitar-se à distante edição de normas
abstratas capazes de cuidar da sociedade durante oitenta anos sem
transformação mais profunda (...)” (SUNDFELD, Carlos Ari. op. cit., p.
1295).
[172]
Observe-se que, aqui, regulamentação está sendo tratada como meio de
regulação estatal. Outra concepção dos termos regulação e regulamentação,
guardando sintonia com a terminologia – deregulation x regulation – e a
preocupação atual norte-americana de oposição entre regulação estatal
(exo-regulação) e regulação social (auto-regulação), encontra-se em:
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3a ed., São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 93.
[173]
Eros Grau define a regulação como a atividade de “dar ordenação à
atividade econômica” e a regulamentação como uma sua espécie voltada a
dar ordenação à atividade econômica “através de preceitos de autoridade,
ou seja, jurídicos” (GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito
pressuposto. 3a ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 96).
[174]
A relação da regulação com monopólios da União vem inscrita no art.
177, §2º, III, da Constituição Federal de 1988, referente ao petróleo, gás
natural e outros hidrocarbonetos fluidos.
[175]
Cass Sunstein utiliza, indiferentemente, os termos regulation, law and
government, government regulation e legal regulation, no sentido de
intervenção em atividades de interesse público. Conferir: SUNSTEIN, Cass
R. Republic.com 2.0. Princeton and Oxford: Princeton University Press,
2007.
[176]
Sobre o conceito de sociedade-rede, vide: CASTELLS, Manuel. The
Network Society: From Knowledge to Policy. In CASTELLS, Manuel;
CARDOSO, Gustavo. The Network Society: From Knowledge to Policy.
Washington: Johns Hopkins Center for Transatlantic Relations, 2006, p. 3-
21.
[177]
“We are used to hearing tales of the unintended bad consequences of
government action. The Internet is an unintended good consequence of
government action, by the Department of Defense no less.” (SUNSTEIN,
Cass R. Republic.com 2.0. Princeton and Oxford: Princeton University
Press, 2007, p. 157).
[178]
Vide AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços
públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 163-209.
[179]
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos.
São Paulo: Max Limonad, 1999, p.165.
[180]
Vide WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1991, p. 140.
[181]
Vide AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços
públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 165-181.
[182]
Verificou-se a tendência de passagem do “poder de gerir a coisa pública
das mãos privadas do Imperador para inúmeros novos centros de poder”
(AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São
Paulo: Max Limonad, 1999, p.181).
[183]
Este fenômeno não foi uniforme, como nada na história o é. Daí Aguillar
ressaltar uma manifestação de regulação normativa concentrada nas
concessões de construção e exploração de ferrovias a partir da primeira
metade do século XIX e na regulamentação da infraestrutura portuária.
Conferir: AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços
públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 184.
[184]
Art.137.A lei federal regulará a fiscalização e a revisão das tarifas dos
serviços explorados por concessão, ou delegação, para que, no interesse
collectivo, os lucros dos concessionarios, ou delegados, não excedam a
justa retribuição do capital, que lhes permitta attender normalmente ás
necessidades publicas de expansão e melhoramento desses serviços.
(CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições
do Brasil. 13ªed., São Paulo: Atlas, 1999. p. 722) – mantida a redação
original da época.
[185]
O art. 142 da CF/34 proibiu a garantia de juros aos concessionários.
Constituição Federal brasileira de 1934: “Art. 142. A União, os Estados e os
Municípios não poderão dar garantia de juros a empresas concessionarias
de serviços publicos”.
[186]
Esse período presenciou a criação do Conselho Nacional de
Telecomunicações com o Decreto 50.666/61 e a instituição do Código
Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) revogado em sua maior
parte pela Lei 9.472/97.
[187]
Um dos objetivos fundamentais da Reforma Estrutural do Setor de
Telecomunicações proposta e já implementada pelo Governo brasileiro
desde 1995 foi “fortalecer o papel regulador do Estado e eliminar seu papel
de empresário” mediante a privatização e a criação do órgão regulador.
Conferir: BRASIL, Ministério das Comunicações. Diretrizes Gerais para
a Abertura do Mercado de Telecomunicações. Título II (Os fundamentos
da proposta), Capítulo 2 (Os objetivos da reforma), Figura 6. Esclarecedora
a posição exarada pelo Banco Mundial na Americas Telecom 2000,
realizada entre 10 e 15 de abril de 2000, no Rio de Janeiro, quando seu
representante, Carlos Braga, foi questionado pelo Governo de Porto Rico
sobre a ausência de linhas de crédito para empresas estatais prestadoras de
serviços de telecomunicações. A resposta revelou a decisão do Banco
Mundial em somente fomentar o desenvolvimento de empresas privadas de
telecomunicações em mercados livres, pois partiu do pressuposto de que a
concentração do serviço de telecomunicações nas mãos do Estado não
satisfaria as exigências de tecnologia e dinamização em um mundo
globalizado.
[188]
As transformações implementadas ocorreram porque o controle da
regulação pelo próprio gestor do serviço (DNAEE, DNER, TELEBRÁS,
ELETROBRÁS) fazia prevalecer o interesse da burocracia (interesse
secundário) sobre o interesse do consumidor (interesse primário). Conferir:
MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e as
agências independentes. p. 77. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.).
Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.
[189]
Esmiuçando o conceito de Estado Subsidiário, vide: DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Parceriais na Administração Pública: concessão,
permissão, franquia, terceirização e outras formas. 3a ed., São Paulo:
Atlas, 1999, p. 24-31.
[190]
Vide TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal,
Rio de Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p. 34.
[191]
O Decreto 83.740/79 estebeleceu um Ministro Extraordinário do
Programa Nacional de Desburocratização. Dentre os objetivos do
Programa, estava o de “impedir o crescimento desnecessário da máquina
administrativa federal, mediante o estímulo à execução indireta, utilizando-
se, sempre que praticável, o contrato com empresas privadas capacitadas e o
convênio com órgãos estaduais e municipais” (art.3o, g, do Decreto
83.740/79). Visava, também, o incentivo de uma “política de contenção da
criação indiscriminada de empresas públicas, promovendo o
equacionamento dos casos em que for possível e recomendável a
transferência do controle para o setor privado” (art.3o, h, do Decreto
83.740/79).
[192]
Art.1o, I do Decreto 95.886, de 29 de março de 1988.
[193]
Para a análise do histórico dos dispositivos normativos da desestatização
no Brasil, vide: MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5a
ed., São Paulo: RT, 2001, p. 106 e seguintes.
[194]
Vide CARVALHO, Carlos Eduardo Vieira de. Regulação de Serviços
Públicos na Perspectiva da Constituição Econômica Brasileira. Belo
Horizonte: Del Rey, 2007.
[195]
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.151, I.
[196]
Da mesma forma, as chamadas sanções premiais são intervenção por
indução, mas não se caracterizam como regulação regional e sim geral ou
setorial dependendo do caso. Incentivos fiscais à indústria, em geral, para
investimento em meio ambiente não se configuram regulação regional, mas
geral sobre o subsistema ordenamental ambiental. Se tais incentivos fiscais
fossem dirigidos à determinado setor, eles se apresentariam também
gravados do caráter de regulação setorial.
[197]
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.159, I, c.
[198]
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos.
São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 214.
[199]
Como exemplo, vide, mais adiante, nota 269.
[200]
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). No
Reino Unido, a Monopolies and Merger Commission (MMC). Nos EUA, a
Federal Trade Commission (FTC).
[201]
Proposta de Carlos Ari Sundfeld na XVII Conferência Nacional da
Ordem dos Advogados do Brasil. “Talvez já seja a hora de pensar, também,
na criação de agências reguladoras do meio ambiente independentes em
relação ao Poder Executivo, para substituir os atuais órgãos incumbidos do
assunto” (SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 1291).
[202]
É o caso do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil.
[203]
À época de criação destas autarquias, costumava-se distinguir, por
inspiração do direito italiano, entre autarquias econômicas, voltadas a
regular a produção e o comércio, autarquias industriais, autarquias de
crédito, autarquias de previdência, autarquias corporativas, autarquias
educacionais. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado:
o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras. p. 254. In: Fórum
Administrativo, ano 1, nº 3, maio de 2001, p. 253-257.
[204]
O Instituto Brasileiro do Café (IBC) apresentava-se como entidade
autárquica criada pela Lei 1.779, de 22 de dezembro de 1952. O art.1o, I, e
da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990, autorizou o Poder Executivo a
extinguir o IBC, o que se concretizou com o Decreto 99.240, de 7 de maio
de 1990. Atualmente, o Departamento do Café (DECAF) é responsável pelo
planejamento, coordenação e supervisão das políticas públicas concernentes
ao setor cafeeiro e integra a Secretaria de Produção e Comercialização na
estrutura do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.
[205]
O Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) foi criado pelo Decreto 22.789,
de 1o de junho de 1933. O art.1o, I, d da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990
autorizou o Poder Executivo a extinguir o IAA, o que se concretizou com o
art.1o, I, d do Decreto 99.240, de 7 de maio de 1990. O Decreto 99.288, de 6
de junho de 1990, transferiu as atribuições do extinto IAA para a Secretaria
de Desenvolvimento Regional da Presidência da República (SDR/PR), que
foi transformada em Secretaria do Ministério da Integração Regional (MIR)
pela Lei 8.490, de 19 de novembro de 1992. Com a Medida Provisória 987,
de 28 de abril de 1995, o Ministério da Indústria, do Comércio e do
Turismo (MICT) assumiu os encargos do MIR. Em 22 de dezembro de
1995, o art.2o, III, b do Anexo I do Decreto 1.757 criou o Departamento de
Açúcar e do Álcool integrante da estrutura do então MICT. Finalmente, a
Medida Provisória 1.911-8, de 29 de julho de 1999 transferiu para o
Ministério da Agricultura e do Abastecimento a competência sobre a
matéria de política sucroalcooleira, onde funciona o Departamento do
Açúcar e do Álcool integrante da Secretaria de Produção e Comercialização
na estrutura do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Atualmente,
a política pública sucroalcooleira concentra-se no Programa de Equalização
de Custos de Produção nos Estados do Nordeste em detrimento de
programas de incentivo específico de plantadores de cana. Tal programa foi
instituído pela Resolução nº 5, de 10/12/1998, do Conselho Interministerial
do Açúcar e do Álcool (CIMA), criado pelo Decreto sem número de
21/08/1997 revogado pelo Decreto atual de regência do CIMA: Decreto
3.546, de 17/07/2000.
[206]
O DNAEE originou-se da Divisão de Águas (criada pelo Decreto 6.402,
de 28/10/1940) do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM –
(criado na Reforma Juarez Távora, em agosto de 1934) então pertencente ao
Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Com a criação do
Ministério das Minas e Energia, em 1961, o DNPM foi vinculado a este
ministério. Sua Divisão de Águas foi transformada no Departamento
Nacional de Águas e Energia – DNAE (Lei 4.904, de 17/12/1965) e teve
sua denominação alterada para Departamento Nacional de Águas e Energia
Elétrica – DNAEE pelo Decreto 63.951, de 31/12/1968.
[207]
O Conselho Nacional do Petróleo (CNP) foi criado pelo Decreto
nº395/38 e teve suas atribuições definidas pela Lei 2.004, de 03 de outubro
de 1953.
[208]
Deste rol de agências reguladoras está excluída a Agência Brasileira de
Inteligência (ABIN), que assimilou a terminologia aplicada às autarquias
autônomas de regulação setorial, mas não detém suas características
distintivas. A ABIN não tem personalidade jurídica própria. É um órgão
integrante do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (art. 2o do
Decreto 3.448/2000), criado no âmbito do Sistema Brasileiro de
Inteligência (SISBIN) da Presidência da República (arts. 1o e 3o da Lei
9.883/99), sob supervisão interna da Câmara de Relações Exteriores e
Defesa Nacional do Conselho de Governo (art. 5o da Lei 9.883/99) e sob
controle externo do Congresso Nacional (art. 6o da Lei 9.883/99). Está sob a
direção monocrática de um Diretor-Geral (art. 8o da Lei 9.883/99), ao
contrário do modelo das agências reguladoras pautado em colegiados.
Assemelha-se, contudo, às agências reguladoras no procedimento de
nomeação de seu Diretor-Geral, mediante indicação e nomeação pelo
Presidente da República após sabatina no Senado Federal (art. 11, parágrafo
único da Lei 9.883/99). O Conselho Especial do Subsistema de Inteligência
de Segurança Pública, sob administração da ABIN, é vinculado ao Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência da República (art. 3o do Decreto
3.448/2000) e tem o seu Regimento Interno aprovado pelo Chefe do
Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que é a
via de interação da Agência com os interessados no exercício de seu direito
a autodeterminação das informações pessoais.
[209]
Agência Espacial Brasileira (AEB) foi instituída pela Lei 8.854, de 10 de
fevereiro de 1994, com competência, dentre outras, de estabelecer normas e
expedir licenças e autorizações relativas às atividades espaciais (art.3º,XIII)
bem como aplicar as normas de qualidade e produtividade em tais
atividades (art.3º,XIV).
[210]
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) foi instituída pela
Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, regulamentada pelo Decreto 2.338, de 7
de outubro de 1997, com função de disciplinamento e fiscalização da
execução, comercialização e uso dos serviços de telecomunicações e da
implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da
utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências. Tem fundo
próprio submetido a sua exclusiva administração (Fundo de Fiscalização
das Telecomunicações – FISTEL), criado pela Lei 5.070, de 7 de julho de
1966.
[211]
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi instituída pela Lei
9.427, de 26 de dezembro de 1996 com a finalidade de regular e fiscalizar a
produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica,
em conformidade com diretrizes do Governo Federal e com poderes
regulamentados pelo Decreto 2.335, de 6 de outubro de 1997. Sucedeu ao
Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). Tem
atribuição de celebrar e gerir contratos de concessão e de permissão no
setor e de dirimir, no âmbito administrativo, divergências entre
concessionárias e consumidores.
[212]
Agência Nacional do Petróleo (ANP), instituída pela Lei 9.478, de 6 de
agosto de 1997, teve suas atividades regulamentadas pelo Decreto 2.455, de
14 de janeiro de 1998. Como autarquia reguladora da indústria do petróleo,
tem funções de normatização, contratação e fiscalização das atividades
econômicas integrantes da indústria do petróleo.
[213]
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi instituída pela
Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999 e teve suas atividades regulamentadas
pelo Decreto 3.029, de 16 de abril de 1999. Sua sigla foi mudada de ANVS
para ANVISA pela Medida Provisória 2.134-25, de 28/12/2000, produto de
modificação das prorrogações da Medida Provisória originária de número
1.814, de 26/02/1999. Autarquia especial vinculada ao Ministério da Saúde,
tem por objetivos, dentre outros, promover a proteção da saúde da
população, por intermédio do controle sanitário da produção e da
comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária,
inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a
eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de
fronteiras.
[214]
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi criada pela Lei 9.961,
de 28 de janeiro de 2000, também vinculada ao Ministério da Saúde e com
a finalidade de promover a defesa do interesse público na assistência
suplementar à saúde, normatizando a atuação das operadoras setoriais,
inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores,
contribuindo para o desenvolvimento de ações em âmbito nacional.
[215]
Agência Nacional das Águas (ANA) foi instituída pela Lei 9.984, de 17
de julho de 2000, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, integrante do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recurso Hídricos.
[216]
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), instituída pela Lei
10.233, de 5 de junho de 2001, autarquia especial supervisionada pelo
Ministério dos Transportes com independência administrativa, autonomia
financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes (art.21,§2º) e
competência para regulação do transporte ferroviário de passageiros e
cargas ao longo do Sistema Nacional de Viação (art.22,I), de exploração da
infraestrutura ferroviária e arrendamento dos ativos operacionais
correspondentes (art.22,II), do transporte rodoviário interestadual e
internacional de passageiros (art.22,III), do transporte rodoviário de cargas
(art.22,IV), da exploração da infraestrutura rodoviária federal (art.22,V), do
transporte multimodal (art.22,VI) e do transporte da cargas especiais e
perigosas em rodovias e ferrovias (art.22,VII).
[217]
Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), instituída pela
Lei 10.233, de 5 de junho de 2001, autarquia especial supervisionada pelo
Ministério dos Transportes com independência administrativa, autonomia
financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes (art.21,§2º) e
competência para regular a navegação fluvial, lacustre, de travessia, de
apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem, de longo curso (art.23,I),
os portos organizados (art.23,II), os terminais portuários privativos
(art.23,III), o transporte aquaviário de cargas especiais e perigosas
(art.23,IV) e a exploração da infraestrutura aquaviária federal (art.23,V).
[218]
Agência Nacional do Cinema (ANCINE), instituída pela Medida
Provisória 2.228, de 6 de setembro de 2001, autarquia especial
supervisionada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior com autonomia administrativa e financeira (art.5º,caput) e mandato
fixo de seus dirigentes (art.8º,caput) e competência para regular as
atividades cinematográficas e videofonográficas (art.7º), com detalhamento
do audiovisual advindo da Lei 12.485, de 12 de setembro de 2011.
[219]
Office of Water Services (OFWAT), cujo Diretor (Director General of
Water Services) vem definido como o regulador econômico da indústria de
água e esgoto da Inglaterra e do País de Gales na Parte I, Artigo 1º,
Parágrafo 1º, do Water Industry Act 1991 (WIA91), fixando preços pelos
serviços de fornecimento de água e de esgoto, fiscalizando a qualidade dos
serviços, fiscalizando a saúde das empresas do setor, incentivando a
eficiência e a competição.
[220]
Precedida pela OFTEL (Office of Telecommunications), que fora criada
pelo Telecommunications Act de 1984, a Office of Communications
(OFCOM), com formato definido pelo Communications Act de 2003,
assimilou, dentre outras, as competências da OFTEL e hoje se apresenta
como reguladora da indústria de comunicações do Reino Unido,
envolvendo serviços de televisão, rádio, telecomunicação e comunicação
sem fio.
[221]
The Office of Gas and Electricity Markets (OFGEM) surgiu da reunião
do OFFER (Office of Electricity Regulation) com o OFGAS (Office of Gas
Suply), cujas bases normativas remontam ao Gas Act de 1986. Trata-se do
regulador da indústria britânica de gás e eletricidade.
[222]
Interstate Commerce Commission (ICC), festejada como a primeira
agência reguladora federal norte-americana, foi instituída pelo Interstate
Commerce Act de 1887 destinada a regular transportes em geral, à exceção
do transporte aéreo, tendo sido extinta em 1995.
[223]
Federal Communications Commission (FCC), instituída pelo
Communications Act de 1934 e qualificada como agência independente,
responde pela regulação da comunicação interestadual e internacional por
rádio, televisão, par de cobre, satélite ou cabo.
[224]
Federal Energy Regulatory Commission (FERC), foi a sucessora da
antiga Federal Power Commission (FPC), que, embora existente desde
1920, adquiriu as características de uma agência governamental
independente a partir de 1930. Criada em 1977, a FERC é citada
oficialmente como agência governamental independente que regula a
transmissão interestadual de gás natural, petróleo e eletricidade dos Estados
Unidos da América.
[225]
Regulierungsbehörde für Telekommunikation und Post (RegTP), trata-se
da Autoridade Reguladora para Telecomunicações e Correios da Alemanha,
entidade reguladora dos setores de telecomunicações e correios instituída a
partir de 1996 com a correspondente Lei Geral de Telecomunicações
(Regelungen des Telekommunikationsgesetzes – TKG). Em 13 de julho de
2005, foi renomeada para Bundesnetzagentur. Conferir: FARIA, Patrick. A
Agência Federal de Redes na República Federal da Alemanha. In: Anais
do I Seminário de Regulação de Serviços Públicos - Direito Comparado
da Energia Elétrica e das Telecomunicações. Brasília, 2007.
[226]
União Internacional de Telecomunicações (International
Telecommunication Union – ITU).
[227]
World Health Organization (WHO) – Organização Mundial da Saúde
(OMS).
[228]
Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO).
[229]
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
(UNESCO).
[230]
Universal Postal Union International (UPU).
[231]
International Atomic Energy Agency (IAEA) – Organismo Internacional
de Energia Atômica (OIEA).
[232]
No setor de telecomunicações, o espectro de radiofrequência e os
recursos de órbita são exemplos de bens finitos ou escassos.
[233]
Já na primeira metade do século XIX, os conselhos administrativos eram
tidos como auxiliares dos agentes políticos “para que a deliberação e a ação
que [deles] resulta seja ilustrada e acertada; para que esta melhor possa ser
fiscalizada; para que a responsabilidade seja mais patente e justa”
(URUGUAI, Paulino José Soares de Souza, Visconde de. Ensaio sobre o
direito administrativo. Fac-símile da edição de 1960, Brasília: Imprensa
Nacional, 1997, p. 126).
[234]
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1934: “Art. 103. Cada
Ministerio será assistido por um ou mais Conselhos Technicos,
coordenados, segundo a natureza dos seus trabalhos, em Conselhos Geraes,
como órgãos consultivos da Camara dos Deputados e do Senado Federal.
§1o A lei ordinaria regulará a composição, o funccionamento e a
competencia dos Conselhos Technicos e dos Conselhos Geraes. §2o Metade,
pelo menos, de cada Conselho será composta de pessoas especializadas,
estranhas aos quadros do funccionalismo do respectivo Ministerio. §3o Os
membros dos Conselhos Technicos não perceberão vencimentos pelo
desempenho do cargo, podendo, porém, vencer uma diaria pelas sessões, a
que comparecerem. §4o É vedado a qualquer Ministro tomar deliberação, em
materia da sua competencia exclusiva, contra o parecer unanime do
respectivo Conselho.” (CAMPANHOLE, Hilton Lobo; CAMPANHOLE,
Adriano. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 712).
[235]
Max Weber utiliza o conceito de colegialidade como meio específico de
mitigação da dominação. A colegialidade de funções diferencia-se, no
pensamento de Weber, da colegialidade de cassação. Nesta última, persiste
a decisão monocrática em meio a outras instâncias monocráticas de
adiamento ou cassação da decisão. Na colegialidade de funções, a
autoridade monocrática é substituída pela autoridade institucional, em que
a vontade de um é substituída pela cooperação de alguns. Conferir, a
respeito: WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol.I, Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1991, p. 178-188.
[236]
Sobre o princípio da colegialidade, García-Trevijano Fos esclarece que
“constitui (....) o último dos que integram as bases fundamentais de toda
organização administrativa. Dividíamos os órgãos em ativos, deliberantes,
consultivos e de controle. Teoricamente, todos eles podem ser unipessoais
ou colegiados com uma única exceção: a dos órgãos consultivos, que têm
sempre natureza colegial (....). Os órgãos ativos costumam ser – na
administração geral do Estado – unipessoais. Os de controle costumam ser,
ao contrário, colegiados.” – tradução livre do original: FOS, Jose Antonio
Garcia-Trevijano. Tratado de derecho administrativo. Tomo II, Vol. I,
2ªed., Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1971, p. 480.
[237]
Ao analisar os progressos do princípio burocrático monocrático, Weber
aponta defeitos e virtudes da forma colegial de decisão: “O trabalho
organizado em forma colegial (...) condiciona atritos e retardações,
compromissos entre opiniões e interesses contraditórios, realizando-se,
portanto, com menos precisão e menos dependência de autoridades
superiores e, por isso, de maneira menos uniforme e mais lenta” (WEBER,
Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1999, p. 212).
[238]
Vide WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. I, Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1991, p. 183.
[239]
“Superior ao conhecimento especial da burocracia é apenas o
conhecimento especial dos interessados da economia privada, na área
‘econômica’. Isto porque, para eles, o conhecimento exato dos fatos de sua
área é diretamente uma questão de sua existência econômica: erros numa
estatística oficial não trazem consequências diretamente econômicas para o
funcionário responsável, mas erros nos cálculos de uma empresa capitalista
causam-lhe perdas, ameaçando, talvez, sua existência. E também o
‘segredo’, como meio de poder, está mais seguramente guardado no livro
comercial de um empresário do que na documentação das autoridades. Já
por isso, a influência oficial sobre a vida econômica, na era capitalista, tem
limites muito estreitos, e as medidas do Estado nesta área desembocam tão
frequentemente em caminhos imprevistos e despropositados ou tornam-se
ilusórias devido ao conhecimento especial superior dos interessados”
(WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília. Editora
Universidade de Brasília, 1999, p. 227).
[240]
Vide WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília. Editora
Universidade de Brasília, 1999, p. 228-229.
[241]
O trecho a seguir é esclarecedor da abertura conceitual sofrida pelo
conceito de conselho: “Enquanto o conhecimento especial em assuntos
administrativos era exclusivamente produto de longa prática empírica e as
normas administrativas não eram regulamentos, mas componentes da
tradição, o conselho dos anciãos, muitas vezes com participação dos
sacerdotes, dos “velhos estadistas” e dos honoratiores, era tipicamente a
forma adequada de tais instâncias, que inicialmente apenas aconselhavam o
senhor, porém, mais tarde, por serem complexos perenes diante dos
soberanos alternantes, frequentemente usurpavam o poder efetivo. Assim, o
senado romano e o conselho veneziano, bem como o areópago ateniense até
sua derrubada em favor do domínio dos ‘demagogos’.” (WEBER, Max.
Economia e sociedade. Vol. II, Brasília. Editora Universidade de Brasília,
1999, p. 228).
[242]
São exemplos conhecidos de “conselhos” com função decisória, no
Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e os
Conselhos de Contribuintes. O Conselho Nacional de Desestatização –
CND, criado pela Lei 8.031/90 e integrado por cinco ministros de estado
tem amplos poderes sobre todo o processo de privatização, desde a escolha
das atividades ou empresas a serem privatizadas até a forma de privatização
e o destino dos recursos. Eventualmente deliberam nas sessões, o presidente
do Banco Central e outros ministros de Estado. O presidente do Conselho é
o Ministro do Planejamento e Orçamento. Mesmo o Conselho Nacional de
Política Energética (CNPE), com atribuição de propor medidas relativas aos
recursos energéticos ao Presidente da República (art.2o da Lei 9.478/97),
transpareceu vinculação das suas emanações por força do Decreto 2.455/98,
que, ao estabelecer as finalidades da Agência Nacional do Petróleo,
vinculou-a às diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Política
Energética (art.2o do Decreto 2.455/98), que foge à característica
meramente consultiva em razão de seu funcionamento periódico e função
específica de propostas políticas energéticas. Não se quer dizer com isso
que suas decisões vinculam sem a necessária aprovação do Presidente da
República.
[243]
A presença, na Constituição Federal brasileira de 1988, do Conselho da
República e do Conselho de Defesa Nacional como órgãos meramente
opinativos é significativa.
[244]
Nem todos os exemplos são tão lúcidos assim. O Conselho Monetário
Nacional (CMN) tem sua composição restrita a 3 membros do Executivo
exclusivamente, quais sejam: Ministro de Estado da Fazenda; Ministro de
Estado do Planejamento e Orçamento; Presidente do Banco Central.
Funcionam junto ao Conselho Monetário Nacional comissões consultivas
estritamente técnicas (Normas e Organização do Sistema Financeiro,
Mercado de Valores Mobiliários e de Futuros, Crédito Rural, Crédito
Industrial, dentre outros).
[245]
Como exemplo, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL)
comporta um Conselho Consultivo definido como órgão de “participação
institucionalizada da sociedade na Agência” (art.33 da Lei 9.472/97).
[246]
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos.
São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 226.
[247]
Sobre os conselhos, “continuava a operar, de direito ou de fato, o controle
político, pela via de supervisão ministerial e a competência do Congresso,
definindo metas e a atribuição de recursos” (TÁCITO, Caio. Novas
agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529): 33-
44, abril 1999, p. 36).
[248]
Considerando o CONTEL como comissão interministerial, vide:
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Mandado de Segurança n.
19.227/DF, relator Min. Themístocles Cavalcanti, Tribunal Pleno, unânime,
j. 09/04/1969.
[249]
Murilo César Ramos analisa a semelhança entre o CONTEL brasileiro e a
FCC norte-americana e atesta o processo de centralização ministerial como
o fator de extinção do órgão regulador das telecomunicações no Brasil ao
falar do “órgão colegiado criado pelo Código Brasileiro de
Telecomunicações, emulado, ainda que frouxamente, na Federal
Communications Commission (FCC) norte-americana. CONTEL que iria
ser esvaziado progressivamente até sua extinção total nos anos 70,
substituído de fato e de direito por um Ministério altamente centralizador e
concentrador de poder.” (RAMOS, Murilo César. Saúde, novas tecnologias
e políticas públicas de comunicações. In: PITTA, Áurea Maria da Rocha
(org). Saúde & Comunicação: visibilidades e silêncios. São Paulo:
Hucitec, 1995. p. 69-70).
[250]
Expressão originária do italiano autarchia. O termo “foi usado pela
primeira vez pelo publicista italiano Santi Romano, em 1897, para
identificar a situação de entes territoriais e institucionais do Estado unitário
italiano” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5a ed.,
São Paulo: RT, 2001, p. 77). O conceito basilar de autarquia está na
personalidade jurídica dotada de auto-administração e autosuficiência,
conforme enuncia a doutrina italiana em face de sua etimologia: “A palavra
italiana ‘autarquia’ traduz duas expressões gregas distintas e tem dois
significados em virtude desta origem distinta: em um primeiro significado,
indica a condição de um sujeito que é capaz de bastar a si próprio, de prover
suas próprias necessidades (autosuficiência); no segundo, serve para indicar
a posição de um ente a quem é reconhecida a capacidade de se governar, de
administrar os próprios interesses (auto-administração)” (ZANOBINI,
Guido. Corso di diritto amministrativo. Vol. I, 8ª ed., Milão: Dott. A.
Giuffrè Editore, 1958, p. 124). Tradução livre do original: “La parola
italiana ‘autarchia’ traduce due diverse parole greche e ha due significati,
secondo che deriva dall’una o dall’altra di esse: in um primo significato,
indica la condizione di un soggetto che è capace di bastare a se stesso, di
provvedere da sè ai propri bisogni (autosufficienza); nel secondo, vale a
indicare la posizione di un ente cui è riconosciuta la capacità di governarsi
da sè, di amministrare da sè i propri interessi (autoamministrazione)”.
[251]
TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio
de Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p. 37.
[252]
Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, produto da Medida Provisória 1.549-
28, regulada pelos Decretos 2.487 e 2.488, ambos de 2 de fevereiro de
1998.
[253]
Fala-se em autarquias e fundações públicas federais, pois a lei criadora
das agências executivas é federal. Isso não impede a criação de agências
executivas semelhantes às federais no âmbito estadual e municipal, desde
que existam leis destes entes para embasarem o ato da Administração.
[254]
TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio
de Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p. 36.
[255]
Em razão de sua natureza jurídica de direito público interno, a ela se
aplica o rol de características publicistas, tais como: responsabilidade
objetiva do poder; controle dos atos estatais; fundamentação dos atos do
poder; discricionariedade; publicidade; transparência; supremacia do
interesse público; legalidade estrita; processo de produção de atos do poder;
dever de prestar contas; licitação etc. A respeito da caracterização do
regime de direito público, conferir a obra precisa, embora sintética e
introdutória: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público.
São Paulo: Malheiros, 1992.
[256]
Quanto aos efeitos do decreto, qualificando autarquias ou fundações
como agências executivas, Di Pietro defende que “dificilmente se poderá
ampliar a autonomia dessas entidades, por meio de decreto ou de contrato
de gestão [embora deixando em aberto à lei prevista no art.37, §8o da CF/88
a possibilidade de ampliação de dita autonomia], porque esbarrarão os
mesmos em normas legais e constitucionais” (DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Direito administrativo. 11a ed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 388).
[257]
Nas agências executivas, predomina “o sentido de prévio compromisso e
a aferição de resultados como requisito de sobrevivência” (TÁCITO, Caio.
Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529):
33-44, abril 1999, p. 39).
[258]
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das
agências reguladoras e fiscalizadoras. In: Fórum Administrativo, ano 1,
nº 3, maio de 2001, p. 253-257.
[259]
No Brasil, as agências reguladoras manifestam-se por diversos atos
(súmula, aresto, ato, portaria, consulta, resolução). Destes, somente a
resolução tem propriamente caráter normativo qualificado como um poder
não-delegado e “temperado” (CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras
e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001, 142) ou mesmo como
uma espécie de alargamento do poder normativo do Executivo por
intermédio de lei-quadro (loi-cadre) correspondente (BRUNA, Sérgio
Varella. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública e
revisão judicial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 73).
Nos EUA, têm-se como exemplos da diversidade de atos produzidos no
âmbito das agencies norte-americanas dotadas de poder normativo: rules,
adjudicatory orders, licenses, policy statements, manuals, circulars,
memoranda, advisory opinions, waivers, recommendations, regulations
(MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica
amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 117. In: CARETTI, Paolo &
SIERVO, Ugo de. Potere regolamentare e strumenti di direzione
dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il Mulino, 1991, p.
111-140).
[260]
TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio
de Janeiro 45(529): 33-44, abril 1999, p. 34.
[261]
MORAES, Luiza Rangel de. A reestruturação dos setores de infra-
estrutura e a definição dos marcos regulatórios. In: PAULA, Tomás
Bruginski de; REZENDE, Fernando (coordenadores). Infra-estrutura:
perspectivas de reorganização (Caderno de Regulação). Brasília:
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 1997, p. 12.
[262]
Fala-se, então, da dificuldade de assimilação do novo modelo de
“instituições independentes e com grande autonomia de ação” (Ibid., p. 5).
[263]
Parker assimila o conceito de commission ao de independent agency.
Também registra a qualificação de quarto poder atribuída às independent
agencies norte-americanas pelos órgãos de cúpula dos poderes Legislativo e
Executivo. Conferir: PARKER, Reginald. Administrative Law.
Indianápolis: The Bobbs-Merrill Company, 1952, p. 94: nota 62.
[264]
Deve-se atentar para a consideração de Caio Tácito sobre a
impropriedade da aproximação exagerada entre os conceitos de agências
reguladoras do Brasil e as commissions dos EUA, pois ela seria “antes
terminológica do que real” (TÁCITO, Caio. Novas agências
administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529): 33-44, abril
1999, p. 37). Há, entretanto, aproximações úteis à compreensão das
agências reguladoras: a) o interesse no estudo do conceito de public utility
commission regulation está na discussão e fixação do grau de interferência
do Poder Judiciário nas suas decisões. A análise dos limites dos clássicos
cases envolvendo as commissions norte-americanas pode ser conferida em:
CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito
administrativo. Vol. II, 5ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos,
1964, p. 496-499. Desta discussão surge a extensão do poder revisório
judicial frente à discricionariedade do ato administrativo regulatório estatal;
b) a origem da cogitação das commissions aproxima-se muito do objetivo
das agências reguladoras brasileiras, pois aquelas foram introduzidas com
intuito de otimizar o controle das atividades estatais delegadas, outorgando-
se poderes de regular e de controlar de forma contínua as concessões
públicas por órgãos com conhecimento técnico necessário ao
direcionamento de determinados setores de atividade econômica; c) as
commissions também partilharam o momento histórico de retirada do
Estado da interferência operacional na economia, remetendo à função
legislativa a definição de standards, cuja regulamentação ficaria a cargo de
órgão técnico especializado.
[265]
Estas primeiras comissões estaduais norte-americanas ainda não detinham
caráter imperativo, mas simplesmente de estudos e consultas. Tais
comissões podiam ser vistas nos estados de Rhode Island (1836), New
Hampshire (1844), Connecticut (1853), Vermont (1855) e Maine (1858).
Comissões de caráter mandatório foram inauguradas em 1855, no estado de
Minnesota e Massachussets. Somente em 1871, o estado de Illinois instituiu
a primeira comissão com poderes de fixação de preços de serviços.
Conferir, a respeito: MELO, José Luis de Anhaia. Problemas de
urbanismo: o problema econômico dos serviços de utilidade pública.
São Paulo: s/e, 1940, p. 101.
[266]
Caio Tácito enumera as características comuns às agências reguladoras:
“constituídas como autarquias especiais, destacam-se da estrutura
hierárquica dos Ministérios e da direta influência da conduta política do
governo; gozam de autonomia financeira, administrativa e especialmente de
poderes normativos complementares à legislação; dotados de poderes
amplos de fiscalização, operam como instância administrativa final em
litígios sobre matéria de sua competência; e respondem, fundamentalmente,
pelo cumprimento de metas fixadas e pelo desempenho das atividades dos
prestadores de serviço, segundo as diretrizes do Governo e em defesa do
interesse da comunidade” (TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 42).
[267]
Sobre o fenômeno de especialização das agências reguladoras, conferir:
MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In:
Revista de Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171,
janeiro/março 1999, p. 151.
[268]
O subsistema jurídico apresenta-se como um “conjunto de regras,
normas, princípios, finalidades e pressupostos adstritos a um dado setor da
vida humana” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação
estatal e as agências independentes. p. 84. In: SUNDFELD, Carlos Ari
(coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 72-98).
[269]
Agência Municipal de Desenvolvimento, criada pela Lei Municipal nº
1.565, de 30/12/1996, de Niterói, com o intuito de formulação de políticas
de desenvolvimento econômico-social do Município.
[270]
Agência Municipal de Serviços de Saneamento de Cuiabá (AMSS),
criada pela Lei Complementar nº41, de 23/12/1997. Embora tivesse caráter
operacional, por ter reassumido os serviços de água e esgoto de Cuiabá
antes exercidos pela Companhia de Saneamento do Estado, o fim que
motivou sua criação como agência, substituindo a anterior Secretaria de
Saneamento, foi o de regular e controlar as delegações para prestação dos
serviços públicos de saneamento no município de Cuiabá.
[271]
Comissão de Serviços Públicos de Energia, criada pela Lei
Complementar nº 833, de 17 de outubro de 1997, do Estado de São Paulo, e
inaugurada em 14 de abril de 1998 para exercer funções de regulação dos
serviços concedidos pelo poder concedente estadual com funções delegadas
da Agência Nacional do Petróleo ou da Agência Nacional de Energia
Elétrica, mediante convênios.
[272]
Para uma exposição sobre as vantagens do modelo multissetorial das
agências estaduais, vide: CONFORTO, Gloria. Descentralização e
regulação de gestão dos serviços públicos. Revista de Administração
Pública. Rio de Janeiro, FGV, 32(1):27-40, jan/fev 1998.
[273]
Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio
de Janeiro (ASEP-RJ), criada pela Lei Estadual nº 2.686, de 12/02/1997,
cabendo-lhe o exercício do Poder Regulador sobre as concessões e
permissões de serviços públicos nas quais o Estado do Rio de Janeiro
figure, por disposição legal ou pactual, como Poder Concedente ou
Permitente.
[274]
Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio
Grande do Sul (Agergs), criada pela Lei Estadual nº 10.931, de 09/01/1997,
alterada pela Lei 11.292, de 23/12/1998, onde consta expressa comunicação
à Assembléia Legislativa do teor de audiência pública sobre avaliação dos
indicadores de qualidade dos serviços e de pesquisa de opinião (art.14, §1o).
[275]
Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará
(ARCE), criada pela Lei nº 12.786, de 30/12/1997, destina-se à direção,
regulação e fiscalização dos serviços públicos delegados no Estado (art. 3o
da Lei estadual nº12.786).
[276]
Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos
(ARCON), criada pela Lei estadual nº 6.099, de 30/12/1997, cuja função é
de regular e controlar a prestação dos serviços públicos cuja exploração
tenha sido delegada a terceiros (art. 1o da Lei 6.099/97).
[277]
Agência Reguladora de Serviços Públicos do Rio Grande do Norte
(ARSEP), criada pela Lei estadual nº 7.758, de 09/12/1999, mediante
transformação da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do
Rio Grande do Norte (ASEP-RN), criada pela Lei nº 7.463, de 02/03/1999,
com finalidade de regular, controlar e fiscalizar os serviços públicos
delegados (art. 2o da Lei 7.758/99).
[278]
Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia,
Transporte e Comunicações da Bahia (AGERBA), criada pela Lei estadual
nº 7.314, de 19/05/1998.
[279]
Os convênios são acordos entre entes públicos ou entre estes e privados
para consecução de objetivos comuns dentro de competências institucionais
comuns para o alcance de resultado comum em um ambiente de mútua
colaboração entre os partícipes. Conferir: DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Parcerias na Administração Pública. Concessão, permissão,
franquia, terceirização e outras formas. 3a ed., São Paulo: Atlas, 1999, p.
177-179. Assim, os convênios diferenciam-se dos contratos pelos aspectos:
a)estrutural, que se refere ao conteúdo da vontade expressa pelas partes.
Nos contratos, as partes visam a objetivo diverso, no acordo, ambas
pretende alcançar o mesmo fim; b) funcional, pois ligado ao interesse que
se pretende satisfazer. No contrato, as partes compõem seus interesses; no
acordo, elas os unificam por serem comuns; c) teleológico, que diz respeito
à satisfação específica do interesse público. O contrato é finalístico. A
Administração Pública é uma das partes, que obtém a satisfação do
interesse público mediante a prestação da outra parte. O acordo é
instrumental, pois o atingimento do interesse público se dá pela via da
cooperação entre entidades públicas; d) patrimonial, referente à
transferência econômica, que está presente nos contratos e é estranha ao
acordo de natureza pública. Nestes últimos, os recursos continuam afetados
ao interesse público que os motivou.
[280]
Lei 9.427, de 26/12/1996, art. 20, caput. O mesmo ocorre com o setor do
petróleo, em que a Lei 9.478, de 06/08/1997 prevê, no seu art. 8o, VII e XV
a possibilidade de fiscalização das atividades integrantes e a aplicação de
sanções por Estados ou pelo Distrito Federal mediante convênio. De fato, a
Comissão de Serviços Públicos de Energia – CSPE, criada pela Lei
Complementar 833/97, no Estado de São Paulo, tem competências no setor
de eletricidade, por delegação da ANEEL, no setor de petróleo e gás, por
delegação da ANP, e no setor de gás canalizado, como longa manus
estadual, que é o poder concedente deste serviço (art. 25, §2o da CF/88). A
lei brasileira de telecomunicações não abre tal possibilidade.
[281]
MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In:
Revista de Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171,
janeiro/março 1999, p. 145.
[282]
PARKER, Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The Bobbs-
Merrill Company, 1952, p. 95.
[283]
“Independência é uma expressão certamente exagerada. No mundo
jurídico, preferimos falar em autonomia. Mas garantir a independência é
fazer uma afirmação retórica com o objetivo de acumular o desejo de que a
agência seja ente autônomo em relação à Administração Pública, que atue
de maneira imparcial e não flutue sua orientação de acordo com as
oscilações próprias do Poder Executivo, por força até do sistema
democrático.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos
valores e conflitos, p. 1296. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos
Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos
Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).
[284]
MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In:
Revista de Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171,
janeiro/março 1999, p. 146.
[285]
Prezando pela modicidade das tarifas como a necessária ponderação entre
todos os interesses em jogo, inclusive o dos consumidores potenciais na
ampliação da área de prestação do serviço e contra o que chama de
populismo regulatório, vide: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova
regulação estatal e as agências independentes. p. 86: nota 38. In:
SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São
Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.
[286]
A radicalização da transparência e da publicidade da atividade
regulatória é a forma existente de fazer frente à tendência de captura da
agência pelos regulados. Vide: Ibid., p. 89.
[287]
Entendendo a estrutura organizacional das agências como fortes
indicadores da autonomia do órgão regulador, vide: PECI, Alketa;
CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a autonomia do órgão
regulador: análise das agências reguladoras estaduais. p. 106. In: Revista de
Administração Pública, vol. 34, nº 5, set/out de 2000, p. 99-118.
[288]
“Quando reconheço ser constitucionalmente viável que elas [as agências
reguladoras] desfrutem de um tal poder [poder normativo], de modo algum
estou sugerindo que elas produzam “regulamentos autônomos” ou coisa
parecida, pois todas as suas competências devem ter base legal – mesmo
porque só a lei pode criá-las, conferindo-lhes (ou não) poder normativo [§]
A constitucionalidade da lei atributiva depende de o legislador haver
estabelecido standards suficientes, pois do contrário haveria delegação pura
e simples de função legislativa” (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às
agências reguladoras, p. 27. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-38).
[289]
A independência proposta “deve servir para que o órgão regulador seja
um instrumento de política governamental, e não um instrumento de
política de um governo” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p.
87).
[290]
MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In:
Revista de Informação Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171,
janeiro/março 1999, p. 146.
[291]
A previsão expressa da referida proteção estava contida no art. 26, caput,
da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), mas foi revogado pela
Lei 9.986, de 18 de julho de 2000. Para o caso da ANEEL, a Lei 9.427/96
prevê a nomeação compartilhada dos diretores para mandatos não
coincidentes, não os protejendo expressamente da demissão ad nutum.
Sobre a fragilidade, no Brasil, da proteção do mandato com base em
decisões do Supremo Tribunal Federal, vide: SILVA, Fernando Quadros da.
Agências reguladoras: a sua independência e o princípio do Estado
Democrático de Direito. Curitiba: Juruá, 2003, p. 130-134.
[292]
A Lei Geral de Telecomunicações proíbe, no seu art.29, que o conselheiro
tenha interesse significativo, direto ou indireto, em empresa relacionada
com telecomunicações. Além disso, o conselheiro da ANATEL não pode
representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agência no prazo de um
ano após ter ocupado o cargo (art.30).
[293]
Os diretores das agências não devem ocupar outras funções públicas ou
privadas. O caso da Asep (Agência Reguladora dos Serviços Públicos
Concedidos) do Rio de Janeiro exemplifica o comprometimento que o
modelo de autonomia das agências procura evitar. Cf. PECI, Alketa;
CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a autonomia do órgão
regulador: análise das agências reguladoras estaduais. p. 112. In: Revista
de Administração Pública, vol.34, nº.5, set/out de 2000, p. 99-118.
[294]
Defendendo a tese de pagamento aos ex-dirigentes das agências por
período mínimo de 12 meses após o fim do mandato para indenizá-los da
restrição do direito individual de trabalhar, vide: MARQUES NETO,
Floriano Azevedo. Op. cit., p. 85-86: nota 37.
[295]
ADIn1949-0/RS, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno,
por maioria suspendeu liminarmente a eficácia do art.8o, da Lei 10.931, de
09/01/1997: “Art. 8o O Conselheiro só poderá ser destituído, no curso do
seu mandato, por decisão da Assembléia Legislativa”.
[296]
A independência de objetivos da ANEEL é ampliada mediante um
contrato de gestão negociado e celebrado entre a Diretoria e o Poder
Executivo, como instrumento de controle e avaliação de desempenho. (art.
7o, da Lei 9.427/96). Tal previsão não existe para o setor de
telecomunicações brasileiro.
[297]
O Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária é um exemplo vivo de
auto-regulação. Apresenta-se como organização não-governamental –
sociedade civil sem fins lucrativos –, fundada em 5 de maio de 1980,
constituída por entidades representativas das agências de publicidade, dos
veículos de comunicação, de anunciantes e de todas as demais entidades
que aderirem ao Código Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária e
se comprometerem a seguir as decisões do Conselho de Ética e do
Conselho Superior do Conar (art.9o do Estatuto Social do Conar), tendo por
objetivos sociais, dentre outros, zelar pela comunicação comercial,
promover a liberdade de expressão publicitária e a defesa das
prerrogativas constitucionais da propaganda comercial (art. 5º, I e VI do
Estatuto Social do Conar). O desrespeito de suas recomendações dá ensejo
a advertências, censuras públicas, suspensão ou eliminação do quadro
social (art.15 do Estatuto Social do Conar).
[298]
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed.,
São Paulo: Malheiros, 2000, p. 95.
[299]
A escassa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro sobre o
tema aponta a exigência de natureza jurídica de direito público para o
exercício de poder de polícia. A Representação nº 1.169/DF – relator Min.
Soares Muñoz, j.08/08/1984 (RTJ 111/87) – apresenta os conselhos federais
de fiscalização de profissionais liberais como autarquias corporativas. O
Mandado de Segurança nº 22.643-9/SC – relator Min. Moreira Alves, DJ
04.12.1998, Ementário nº1934-01 – determina a submissão dos Conselhos
Regionais de Medicina, como autarquias, à prestação de contas ao TCU.
[300]
Floriano Marques utiliza o termo regulação de caráter público para
diferenciar da autorregulação. Conferir: MARQUES NETO, Floriano
Azevedo. Op. cit., p. 83.
Table of Contents
Dedicatória
Agradecimentos
OBRAS DO AUTOR
Parte I Introdução ao Direito Regulatório
1 Estado, Poder e Direito público
2 Pressupostos teóricos do Estado Regulador
3 Teoria jurídica da regulação
4 Ordenamento jurídico dinâmico
5 Modernização do direito administrativo
Parte II Fundamentos de Direito Regulatório
1 Direito Regulatório e Estado regulador
2 Regulação: objeto de estudo do direito regulatório
3 Regulação no brasil
Bibliografia
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