Textos Diversos Rotina
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É um casal de relógios de parede. Dos que sempre foram feios. Pela manhã, haja o que houver, à mesma hora,
passa ele por esta rua para o escritório. Vai almoçar ao meio-dia. Volta à uma. E às seis em ponto sai outra vez.
Nem vale a pena dizer-lhe o nome. É só mais um dos milhões iguais que há por este mundo, que o quotidiano
determina, como o sol dos girassóis. Não sei, é certo, o que se passa lá por dentro, onde às vezes os hábitos e a monotonia
doem muito. É possível que tenha um sonho, que tenha um drama, que tenha consciência desta agonia universal de que ele
próprio, queira ou não queira, compartilha. Mas possível também que não saiba nada disto, que não sinta nada disto, que a sua
vida interior seja um ir às nove para o escritório e um sair às seis do escritório.
Há tempos apareceu casado. Mas viu-se logo que o casamento lhe acontecera, como lhe acontece às vezes
apanhar uma carga de água a caminho do emprego. A mulher é uma pessoa baixa, pálida, com sobrancelhas muito carregadas.
Uma pura máquina de cozinha que acende o lume às dez, lava a loiça à uma e um quarto, limpa o fogão depois, esfrega a seguir,
e acende novamente o lume às cinco e meia. Não namoraram. Ele lembrou-se dela no intervalo do escritório, ela já sabia que
com alguém havia de ser, e um dia, sem saberem como, aí estavam de casa e pucarinho, a comer o almoço. Uma vizinha, a
princípio, ainda tentou meter um bocadinho de graça naquilo. Mas terra assim não dá mais. O escritório às nove, o lume aceso
às dez, e, fora disto, um vazio que seca tudo. Nem sequer uma cria!
– Filhos, para quê?!
Dizem isto, e nenhum deles estremece. Tudo quanto a vida consegue exprimir ali, em beleza, graça e perfume,
que se veja, está resumido num cravo enigmático e viçoso que usa perpetuamente na lapela do casaco.
Miguel Torga, Diário
O escritor apresenta o seu ponto de vista em relação A. aos relógios de parede do escritório.
B. a um casal que cumpre, pontualmente, a mesma rotina. C. a dois objetos que considera feios.
D. às pessoas que habitualmente passam na sua rua.
A. Não se justifica referir o nome da pessoa de quem fala, por ser representativa de seres que vivem como autómatos.
B. Não identifica a pessoa de quem fala, porque nada há para dizer acerca dela.
C. Não é necessário identificar a pessoa de quem fala, pois apenas está a apresentar hipóteses sobre a vida dela.
D. Não diz o nome da pessoa de quem fala, pois apenas a conhece de a ver passar todos os dias pela rua.
O que é que o autor quer dizer acerca do facto de a pessoa sobre quem escreve se ter casado? A. O casamento deixou-o feliz.
A que é que o autor pretende dar destaque, na descrição da mulher e da vida do casal?
A. criticar os casais que optam por não ter filhos devido à falta de tempo.
B. demonstrar que há casais que se esquecem de si e por isso não têm filhos.
C. ilustrar o modo de vida do casal, obcecado em cumprir horários, o que o satisfaz plenamente.
D. mostrar como eles não têm capacidade para ter e cuidar dos filhos.