A Responsabilidade Por Dívidas No Domínio Total

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Colecção Estudos

N.° 5

INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB

A INDEMNIZA ÇÃ O PELO SACRIFÍCIO


( SEU SENTIDO E ALCANCE)
António Augusto Neves do Esp í rito Santo Costa

DA SEGURAN Ç A SOCIAL A FINANCEIRIZAÇÃ O


DAS PENSÕ ES DE REFORMA
Marta Raquel Gouveia Coimbra

A APLICA Ç AO DA " EXCEPTIO DOLI"


NA GARANTIA AUTÓ NOMA
"A PRIMEIRA SOLICITA ÇÃO "
Catarina Lu ísa Gomes Santos

A RESPONSABILIDADE POR D ÍVIDAS


NO DOMÍNIO TOTAL
Tiago Daniel Mendes Pl á cido

m
ALMEDINA
ABREU
ADVOGADOS
INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB PR ÉMIO IAB 2015
Colecgã o Estudos
Instituto do Conhecimento AB
N. Q 5

2016

Ant ó nio Augusto Neves do Espírito Santo Costa


Marta Raquel Gouveia Coimbra
Catarina Luísa Gomes Santos
Tiago Daniel Mendes Pl á cido

ALMEDINA
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INSTITUTO DO CONHECIMENTO AB PR ÉMIO IAB 2015
A responsabilidade por dívidas no domínio total

TIAGO DANIEL MENDES PLÁCIDO


Aprovada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Ciências Jurídico - Forenses),
Novembro de 2013
Orientador: Professor Doutor Filipe Cassiano dos Santos

Nota Prévia

O presente texto corresponde, no essencial, à Disserta ção de Mestrado em


Ciê ncias Jur ídico-Forenses apresentada , discutida e aprovada , em 2013, na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , perante um Jú ri com-
posto pelo Senhor Professor Doutor Filipe Cassiano dos Santos (orientador),
o Senhor Professor Doutor Manuel Nogueira Serens e o Senhor Professor
Doutor Pedro Maia . No entanto, n ã o deixou de se aproveitar o ensejo para
desenvolver e clarear alguns pontos, bem como fazer uma revisão destinada
a englobar, quer alguma bibliografia relevante entretanto publicada , quer
alterações legislativas que entraram em vigor. Manteve-se a escrita de acordo
com o anterior acordo ortográfico.
O meu primeiro agradecimento é destinado, como nã o poderia deixar de
ser, à minha Fam í lia, especialmente aos meus Pais e Namorada . São eles o
amparo e incentivo na minha vida e percurso académico. Por isso, por tudo,
este escrito é para eles.

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TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

Depois, uma palavra especial de agradecimento para o Senhor Professor


Doutor Filipe Cassiano dos Santos, por amavelmente ter aceitado ser o meu
orientador na realiza ção deste exigente trabalho.
També m não poderia esquecer a Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra , por t ã o decisivamente ter contribu ído para a minha formação
jur ídica e enquanto Homem .
Exprimo igualmente um agradecimento sincero à Sociedade Manuel José
Guerreiro e Associados e a todos os que com ela colaboram , em especial, ao
Senhor Dr. Manuel José Guerreiro, meu Ilustre Patrono do Estágio de Advo-
cacia, à Senhora Dra. Raquel Ferreira e à Senhora Dra. Sónia Santos pelo apoio
pessoal e forma ção prá tica ao longo do Est ágio.
Faço igualmente quest ão de aqui expressar o meu obrigado a todos aqueles
que, de uma forma ou de outra, ainda que porventura sem terem consciência
disso, contribu í ram para a concretização deste estudo.
Por ú ltimo, mas n ã o de somenos import â ncia, cabe saudar e reconhecer
a Sociedade Abreu Advogados e o seu Instituto do Conhecimento pela not á-
vel iniciativa de responsabilidade social que é o Pré mio IAB, assim como a
inerente oportunidade concedida aos participantes galardoados de poderem
publicar as suas investigações académicas no â mbito do Direito.

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A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

Abreviaturas

A Ano
AAFDL Associa çã o Acad é mica da Faculdade de Direito de Lisboa
Ac ./Acs. Acó rd ão/Acó rd ã os
AG Assembleia Geral
AktG Akticngcscllschaft Gesctz (lei alem ã sobre as Sociedades An ónimas
e em Comandita por Acções, de 6 de Setembro de 1965)
al ./als. al í nea /al í neas
/
anot. anots. anota çã o/anotações
art./arts. artigo/artigos
BFDUC Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Cap. Capítulo
CC Código Civil
Cf. (cf.) Confira (confira)/Conferir (conferir)/Confrontar (confrontar)
CIRE Código da Insolvê ncia e da Recupera ção de Empresas
CIRC Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
cit. citado (a)
CJ Colect â nea de Jurisprud ê ncia
CMVM Comissão de Mercado de Valores Mobiliá rios
Coord. Coordena çã o de
CPC Código de Processo Civil
CRCom Código do Registo Comercial
CRP Constituição da Rep ú blica Portuguesa
CSC Código das Sociedades Comerciais
CVM Código dos Valores Mobiliá rios
CT Código do Trabalho
DL Decreto-Lei
DSR Direito das Sociedades em Revista
ed . ediçã o(ões)
Ed . Editora
EPE Entidade (s) P ú blica(s) Empresarial (ais)
etc . et cetera
FBB Fundação Bissaya Barreto
FDUC Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

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TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

IDET Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho ( FDUC)


i .e . isto é
n ./nn . nota/ notas
NPDC Novas Perspectivas do Direito Comercial
p./ pp. p ágina/ páginas
P. ex. ( p. ex.) Por exemplo ( por exemplo)
PDS Problemas do Direito das Sociedades
pgf- par ágrafo
Proc . ( proc.) Processo ( processo)
pt. Ponto
RB Revista da Banca
RDS Revista de Direito das Sociedades
RLJ Revista de Legisla çã o e Jurisprud ê ncia
ROA Revista da Ordem dos Advogados
SA Sociedade (s) Anónima (s)
SAU Sociedade (s) An ónima (s) Unipessoal (ais)
SCA Sociedade (s) em Comandita por Acções
Sep. Separata
SGPS Sociedade (s) Gestora (s) de Participa ções Sociais
SQ Sociedade (s) por Quotas
s./ss. (e) seguinte/(e) seguintes
STJ Supremo Tribunal de Justiç a
SQU Sociedade (s) por Quotas Unipessoal(ais)
t. tomo
Tb. (tb.) També m (també m)
TRC Tribunal da Rela ção de Coimbra
TRL Tribunal da Relaçã o de Lisboa
TUE Tratado da União Europeia
UC Universidade de Coimbra
UCP Universidade Cat ólica Portuguesa
V. (v.) Veja (veja)/ Veja-se (veja-se)/ Ver (ver)
-- -
V g (v g ) Verbigratia (yerbigratia )
Vol . (vol .) Volume (volume)

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A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

Introdução

O art. 501.2 do CSC1 conté m a responsabilidade da sociedade directora de


um grupo formado por contrato de subordina çã o (arts. 493.g ss.) perante os
credores da sociedade subordinada. O seu â mbito de aplica ção encontra-se
alargado aos grupos constitu ídos por dom í nio total (arts. 488.Q ss.), gerando-
-se, ex vi legis 491.-, a responsabiliza çã o da sociedade totalmente dominante
pelas obrigações da sua dominada.
Os dois grupos acabados de referir constam do â mbito do regime das
Sociedades Coligadas, que surgiu na sequê ncia do que se pode apelidar de
reconhecimento jur ídico do fenómeno económico dos grupos de socieda-
des. Apontados os traços gerais do nosso regime dos grupos, voltar-nos-emos
para a rela ção de grupo que mais nos interessa: o dom í nio total .
Esta relaçã o assume duas modalidades: uma origin á ria (art. 488.9) e outra
superveniente (art. 489.Q). Qualquer uma delas comporta duas manifestações
essenciais de controlo, derivadas, por um lado, da situa ção de unipessoalidade
que o dom í nio total representa e, por outro, da possibilidade de exercício de
um poder de direcçã o unit á ria , que é específico dos grupos.
Este poder concretiza-se juridicamente através da emissã o de instruções
vinculantes da sociedade dominante à sua dominada, instruções essas (sobre-
tudo as desvantajosas) que serão o principal fundamento da responsabili-
dade objectiva do art. 501.Q.
Nesta responsabilidade destacam-se algumas caracter ísticas. Por um lado,
ela é imperativa e ilimitada, pondo em causa alguns princípios gerais e societ á-
rios; por outro lado, é també m acessória e subsidiária . Estas duas ú ltimas terã o
um papel fundamental na qualifica çã o da natureza jurí dica da responsabi-
lidade e repercutir-se-ã o transversalmente na interpretação e aplica ção do
seu regime jur í dico.
Entrando no â mbito desse regime, constatar-se-á , de uma banda , que para
o art . 501.® poder ser activado terã o de estar preenchidos vários pressupostos,
a começar pela existê ncia de uma rela çã o de grupo. Embora esta norma seja

1
Em princí pio, todas as normas a que nos referirmos sem menção do diploma respectivo
referem-se ao CSC ( DL n.- 262/86, de 2/12). Sempre que uma norma não pertencente ao CSC
seja citada sem referê ncia ao particular diploma a que respeita , resultará claro e manifesto
do texto, bem como da sua sequê ncia , qual o diploma legislativo em que a mesma se insere.

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TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

aparentemente aplicada de forma equiparada ao contrato de subordina çã o e


ao dom í nio total, estas duas modalidades de grupos nã o revestem a mesma
situação jurídica, a come çar pelo momento da sua formação. Por isso, o regime
jur ídico da responsabilidade , na situa çã o de dom í nio total ( maxime, superve-
niente), requererá uma cuidadosa interpreta çã o, para que a responsabiliza-
ção da sociedade dominante n ão se traduza em situações de injusti ça para a
pró pria e respectivos sócios e credores. Interpreta ção, essa, que també m se
.
estenderá ao objecto da responsabilidade (i e., às obrigações da dominada que
sã o suscept íveis de ser cumpridas pela sua dominante) e ao prazo que tem de
decorrer para ela poder ser accionada.
De outra banda , todos os pressupostos ter ã o de estar verificados a partir de
um momento específico, só a í ser á permitido ao credor da sociedade dominada
exigir o cumprimento da obrigação à sociedade dominante. Com ele, d á-se a
realiza ção prá tica da responsabilidade , pelo que afloraremos, in fine, algumas
breves questões sobre esse cumprimento.

Capí tulo I - Os Grupos de Sociedades e o Domí nio Total

A. Os Grupos de Sociedades em geral

1. Do iní cio do fenómeno concentracionista aos grupos de sociedades

O advento da Revolu ção Industrial 2, nos séculos XVIII/ XIX, impulsionou


uma era de acelerado crescimento económico e acumulação de capital que
se repercutiria no aumento da dimensão e expansão da empresa moderna.
As empresas (essencialmente a sociedade comercial, sobretudo no tipo de
sociedade anónima3) iniciam uma estratégia de expansão interna , adquirindo

: Vide a revolu çã o industrial enquanto factor da concentra çã o empresarial em MEDINA CAR-


REIRA , Concentração de Empresas e Grupos de Sociedades, ASA , 1992, pp. 7-17.
3
Refere MANUEL NOGUEIRA SERENS, A Monopolização da Concorrência e a ( Re)- Emergência
da Tutela da Marca , Almedina , 2007, p. 135, que as sociedades anó nimas têm a vantagem
de se apresentarem mais apetrechadas financeiramente do que as pessoas humanas, o que

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A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

novas unidades empresariais com vista à sua fusão, tanto de ambas as unida-
des numa terceira e nova unidade, como por intermédio da icorpora ção da
adquirida na adquirente.4 Tal estratégia conduziu àquilo que é apelidado
doutrinalmente de “gigantismo empresarial ”5 e pode-se considerar como o
marco da alteração de paradigma económico-empresarial, que de “atom ís-
tico e concorrencial ”6, assente na empresa individual, se foi transformando
num fenómeno de concentração empresarial.
Este modelo econó mico de concentração na unidade 7 manter-se-ia como
dominante até meados do século XX, altura em que, acabada a 2- Guerra
Mundial, o impulso reconstrutor e a revolu çã o tecnológica abriram novas
perspectivas de negócios, tendo a economia entrado numa fase de forte cres-
cimento, que fez prosperar, expandir e aumentar de dimensão in ú meras uni-
dades empresariais. Em muitos casos, as empresas adquiriram dimensão e
expansão tal que a concentra ção na unidade (da qual a fusão societ á ria é o
maior expoente) deixou de responder satisfatoriamente à gest ão e organiza-
ção internas, bem como aos objectivos de diversifica çã o de actividades e de
internacionaliza ção que elas passaram a ter8, em grande parte impulsionadas
pela pujante sociedade de consumo e pela crescente globalização. Abriram -
-se, assim, as portas à expansão empresarial pela via externa9, nomeadamente,
através da mera colaboração empresarial (y.g., os agrupamentos complementa-
res de empresas, a “ joint venture”, as simples rela ções de participação entre
sociedades) e do controlo inter-empresarial, maxime o controlo inter-societário,

permite a realiza çã o de melhores e maiores investimentos. Acresce a isto a possibilidade da


sociedade an ónima participar no capital de outras sociedades do mesmo tipo, o que potê ncia
quer o surgimento de empresas de maior dimensã o quando comparadas com aquelas que
seriam constitu ídas unicamente por capital de pessoas humanas, quer o aparecimento de
sociedades-accionistas com um crescente poder, mas uma responsabilidade n ão agravada
em id êntica intensidade.
4
Cf. MARIA PALMA RAMALHO, Grupos Empresariais e Societários. Incidências Laborais, Alme-
dina , 2008, p. 81.
g MEDINA CARREIRA , cit., p. 16.
5 V. ,
6
Assim , J. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos de Sociedades, Almedina, 2002, p. 47.
V.G RAUL VENTURA “Grupos de Sociedades - Uma introdu ção comparativa a propósito de
um Projecto Preliminar de Directiva da C.E.E .”, ROA , A 41, 1 e II (1981), p. 24.
8
Cf. M. HENRIQUE MESQUITA, OS Grupos de Sociedades”, Colóquio Os Quinze Anos de Vigê ncia
do Código das Sociedades Comerciais, FBB, Coimbra, 2001, p. 234.
9
M ARI A PALM A RA MALHO, cit ., p. 83.

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TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

o qual tem a sua manifestaçã o mais evidente nos grupos de sociedades, enquanto
modelo de concentração empresarial (societária) na pluralidade10.
Portanto, “a expansã o da sociedade anónima e a emergê ncia dos grupos de
sociedades são, a partir dos fins do século XIX, a expressão institucional das
novas tend ê ncias” 11, e, essencialmente após a d écada de 50 do século passado,
tais grupos passaram mesmo a desempenhar “o papel principal no quadro do
movimento geral da concentra çã o de empresas” 12 . Sobretudo porque, contra-
riamente à rigidez da fusão societ á ria , no grupo, as sociedades que o formam
mantê m a sua autonomia jurídica (manuten çã o das personalidades jur ídicas),
ao mesmo tempo que passam a ser submetidas a uma direcção económica uni-
tária 17,. Neste sentido, esta unidade económica acompanhada da manutençã o
da pluralidade jur ídica permitem uma maior coordena ção e flexibiliza ção
de actividades, de gestã o e de organiza ção das sociedades do grupo, já que a
produção se diversifica , passando a estar repartida por unidades societ á rias
distintas e geograficamente dispersas, o que favorece a descentraliza ção e,
consequentemente , passa a facilitar a gestã o empresarial e a implanta çã o do
grupo nos mercados estrangeiros através das empresas multinacionais e das
sociedades transnacionais14.

10
V.g., RAUL VENTURA , “Grupos...”, cit., p. 24. Pensamos que as diferen ças, n ã o apenas ter-
minol ógicas, entre empresa e sociedade e, consequentemente, entre grupos de empresas e
grupos de sociedades, são sintetizadas na perfei çã o por esta breve passagem da autoria de
MARIA DA GRAç A TRIGO, “ Grupos de Sociedades”, O Direito, Ano 123°, Tomo 1, 1991, p. 44,
pelo que, por isso, tomamos a liberdade de a citar: “Sendo a sociedade t ã o-só uma das técnicas
da organização da empresa , o fenó meno do agrupamento de empresas é bem mais amplo do que
o do agrupamento de sociedades. Mas sem dúvida que a té cnica mais adequada e utilizada para
a organizaçã o da empresa , especialmente da grande empresa , é a sociedade e em particular a
figura da sociedade anónima , pelo que efectivamente o estudo do agrupamento de sociedades
permite cobrir o estudo do agrupamento das unidades econó micas que são as empresas, ainda
que n ã o na totalidade ” (it á lico nosso).
11
Cf. F. CASSIANO DOS SANTOS, Estrutura Associativa e Participação Societária Capitalística ,
Coimbra Ed., 2006, p. 27.
12 CLAUDE CIIAMPAUD
apud ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 51.
13
Cf. idem , pp. 113 s.. A direcçã o econó mica unitá ria corresponde, no essencial , à presença
para o conjunto das sociedades agrupadas de uma pol ítica econ ó mico-empresarial geral e
comum ( corporate planning process ou Konzernpolitik ).
14
Cf. REN é RODI è RE , Droit Commercial - Grouppements Commerciaux , Dalloz, Paris, 1980,
p. 423 s..

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A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

2. O reconhecimento jurí dico dos grupos de sociedades

A import â ncia económica dos grupos de sociedades antecedeu , claramente,


a sua relevâ ncia jur ídica. Como disse HENRIQUE MESQUITA , “os grupos de
sociedades não são uma criação do legislador, surgiram na vida prática, como
esquemas organizatórios ao serviço de um projecto empresarial comum a
vá rias pessoas e o legislador limitou -se a reconhecê-los”15 (it á lico nosso). Efecti-
vamente , o direito (nomeadamente o direito comercial, assente em grande
medida no direito das sociedades comerciais, e, este, na “sociedade pratica-
mente como entidade isolada e independente doutras sociedades”16) esteve
durante muito tempo desatento em rela çã o a um fenómeno económico-social
de tanto relevo.
Contudo, a partir de determinado momento, houve a percepção de que,
com os regimes societ á rios gerais voltados para a sociedade individual , estava
a ocorrer uma externalização dos riscos decorrentes da exploração empresarial
na forma de grupo. De facto, com a direcção económica unitária de vá rias socie-
dades, a sociedade-m ãe de um grupo conseguia tirar partido de maiores van-
tagens económico-empresariais (incluindo maiores lucros), mas, no plano do
direito, devido à pluralidadejur í dica existente (conserva ção das personalidades
colectivas), as sociedades que inteiravam os grupos limitavam as responsabili-
dades aos seus patrim ónios sociais, pelo que mesmo existindo perdas sociais,
dé bitos ou insolvê ncia imput áveis a uma sociedade do grupo, sabia-se que as
outras sociedades que o integravam (fundamentalmente, a sociedade-m ã e)
n ã o responderiam pelas obriga ções daquela perante os seus sócios ou tercei-
ros (rnaxime, credores sociais), precisamente porque existia aquela autonomia
jur ídica entre elas.17
Por isso, para fazer face a estes problemas, alguns ordenamentos jur ídicos
começaram a reconhecer juridicamente o fenómeno dos grupos de sociedades.18

15 HENRIQUE MESQUITA, OS Grupos...” cit., p. 246.


16
Cf. J. OLIVEIRA ASCENSãO, Direito Comercial, IV, Sociedades Comerciais - Parte Geral, Lisboa,
2000, p. 571.
17
Neste sentido, ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 68.
18
Sobre a necessidade de um específico direito dos grupos, v., p. ex., J. M. COUTINHO DE
ABREU, Da Empresarialidade - As Empresas no Direito, Almedina , 1996, pp. 272-279, e MARIA
DA GRA ç A TRIGO, “Grupos de Sociedades”, O Direito , A 123- , 1.1, 1991, pp. 42- 47.

459
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

Estamos a falar de pa íses como a Alemanha , o Brasil e Portugal19, que pre-


viram para os grupos de sociedades regula ções espec í ficas e desviantes das
regras gerais do direito societ á rio20, e que se revelaram perpassadas por um
sentido geral em que, embora o poder de direcção unitária j á existente na realidade
tenha sido legitimado juridicamente, acabou por ser “temperado” com a protecção
das sociedades-jilhas agrupadas e respectivos sócios e credores sociais21 .

2.1. O reconhecimento jur í dico dos grupos societá rios em Portugal:


o regime das “Sociedades Coligadas” do CSC

O nosso CSC cont é m um t ítulo dedicado à mat é ria dos grupos de sociedades
(Título VI - arts. 481.9 a 508.Q-F), sob a denominação de “Sociedades Coliga-
das”. O articulado deste t ítulo teve como principais fontes22 a lei das socie-
dades anónimas alemãs (§§ 15-22 e §§ 291-328 do “Aktiengesetz ” de 1965)
e a “Lei das Sociedades Anónimas” brasileira de 1976 (arts. 2439-247Q), bem
como alguns projectos legislativos que não chegaram a entrar em vigor: no
â mbito do direito comunit á rio, a “ Proposta de Regulamento de Estatutos de
uma Sociedade Anónima Europeia ” (versã o de 1975) e o “ Projecto de uma
9 - Directiva Comunitá ria sobre Coligações entre Empresas e os Grupos de
Sociedades” (versã o de 1984); e, no direito francês, a “ Proposition de Loi sur
les Groupes de Sociétés et la Protection des Actionnaires, du Personnel et des
Tiers” (versão de 1978), conhecida como “ Proposition Cousté ”.23/ 24

19
Diz-nos ENGR áCI A ANTUNES ( OS Grupos..., cit ., p. 168) que, entretanto, outros países optaram
pela regulação específica: p. ex., a Croácia , a Eslovénia, a R ú ssia e a Repú blica Checa . Contudo,
a maioria dos sistemas jur ídicos (v.g., o italiano, o austr íaco, o espanhol , o francês, o inglês e o
norte -americano) ainda trata o fen ó meno dos grupos societá rios de forma fragment á ria - v.
MARIA PALMA RAMALHO, cit., pp. 102-104, n . 171.
20
MARIA PALMA RAMALHO, cit., p. 100 s..
21
E a chamada perspectiva “ de baixo para cima ”. Desde meados dos anos 70, no entanto, uma
outra perspectiva passou a deter o enfoque, n ã o sobre a base, mas sobre a c ú pula grupai , ou
seja , sobre a sociedade- m ãe e os sujeitos que giram à sua volta , nomeadamente os seus sócios e
credores - é a chamada perspectiva de “cima para baixo”. V. ENGR áCIA ANTUNES, OS Poderes
nos Grupos de Sociedades ”, PDS , IDET, Almedina, 2008, pp. 155-159.
22 V
. o pt. 33. do Preâ mbulo do CSC .
23
Cf. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 272 s..
24
Para uma an á lise destes diplomas, v. RAUL VENTURA , “Grupos...”, cit.

460
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

Constata-se que o nosso legislador optou por n ã o designar esse Título VI


como ‘ grupo de sociedades”, o que nos faz crer que talvez tenha pretendido
englobar no â mbito das “sociedades coligadas”, sem no entanto expressa-
mente o referir, o conceito amplo de grupo de sociedades, ou seja , o fen ómeno geral
de coligação que vai desde a mera colaboração entre sociedades ao verdadeiro
controlo inter-societ á rio levado até à s suas ú ltimas consequê ncias de subor-
dina çã o, uma vez que só este conceito de grupo consegue abarcar todas as
rela ções de coliga ção societ á ria do nosso Código.25
A propósito destas rela ções, temos que a nossa lei societ á ria, no Cap. I (“ Dis-
posições Gerais”) previu, entre sociedades (n ão entre todas, apenas entre os tipos
societ á rios referidos no art . 481.-/1 - sociedades por quotas, sociedades anónimas e
sociedades em comandita por acções - e que tenham , nos termos do proémio do
n .Q 2 do mesmo artigo, a sua sede em Portugal), quatro tipos de relações de coliga-
ção26, que decidiu elencar taxativamente, e por referê ncia a um numerus clausus,
no art. 482.°, o qual é manifestação do princípio da tipicidade, a saber:

a) a relação de simples participação (arts. 483.Q e 484.Q);


b) a relação de participa ções rec íprocas (art. 485.Q);
c) a relação de dom í nio (arts. 486 ° e 487°);
d) a relação de grupo (arts. 488.°-508.Q).

Estas quatro rela ções vão ser divididas por dois capítulos diferentes, cons-
tando do Cap. II as três primeiras rela ções (também denominadas de sociedades
em relação de participação27) e do Cap. Ill apenas a ú ltima (“sociedades em relação de
grupo”), o que, por si, é demonstrativo da demarcação que o legislador quis fazer.
25
Vide ENGR á CIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 278, n . 578: “(...) “grupo de sociedades ”
(“ Konzern ”, “Gruppo di Societ à , “Groupe de Societés, “Corporate Group” ) tem constitu ído
o termo doutrinal gen é rico utilizado na literatura especializada , para designar, “ lato sensu ”,
o fenó meno geral da coliga ção e controlo entre sociedades (...) ”.
26
Ambas as sociedades integrantes da rela çã o (sujeito passivo e sujeito activo) terão de cum -
prir estes requisitos subjectivos do tipo e do estatuto pessoal . Caso contrá rio, ficam sujeitas,
n ão ao regime especial disposto nos arts. 481.® ss., mas ao regime societ á rio geral.
27
Em termos gerais, o regime das sociedades em rela çã o de participa ção implica a sujeição
a um conjunto de deveres e restrições, nomeadamente, deveres de comunica ção/informa ção
- cfr., v.g , arts. 484.®, 485.®/5, 486.®/3 - e proibiçã o de aquisiçã o de participações - cfr., v.g.,
arts. 485Q/ 2, 3, 487Q). Assim , p. ex., PAULO OLAVO CUNHA , Direito das Sociedades Comerciais,
Almedina, 2012, pp. 958-9.

461
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

A relação de simples participação ocorre na circunst â ncia de uma das socieda-


des deter 10%, ou mais, do capital social de outra sociedade e n ão ter com ela
qualquer outra relação de coligação societ á ria - cf. n.91 do art. 483.9. Havendo
uma rela çã o de simples participa ção, a sociedade participante tem o dever de
comunicar à sociedade participada a aquisição ou aliena ção da participação,
nos termos do art . 484.9.
Já a relação de participações recíprocas sucede a partir do momento em que
duas sociedades são reciprocamente sócias, detendo cada uma 10% (ou mais)
do capital da outra - cf. n.91 do art. 485.9. Verificando-se este cruzamento de
participa ções, as sociedades ficam sujeitas aos deveres e restrições consigna-
dos nos n .9s 2 a 5 do art. 485.9.
A relação de domínio, por sua vez , verifica-se quando uma das sociedades,
dita “ dominante ”, exerce directa ou indirectamente, nos termos do n .9 2 do
art. 483.9, uma influê ncia dominante sobre a outra , dita “ dependente ” ou domi-
nada (cf. n.91 do art. 486.9). Esta “ influê ncia dominante ” é um conceito inde-
terminado que terá de ser analisado casuisticamente: “a influê ncia deve ser
determinante sobre a condução da actividade das demais sociedades ou da
outra sociedade ” 28. Contudo, o n .9 2 do art. 486.9 fornece um auxí lio ao esta-
belecer três presunções (ilid íveis e não cumulativas) de dom í nio29, das quais
resulta uma ideia muito forte de controlo (que est á necessariamente associada
à de dom í nio), mas que, evidentemente, n ã o esgotam o conceito de influê n -
cia dominante. Em todo o caso, sabe-se que, para ser dominante, a influê ncia
nã o pode ser conjuntural ou transit ória , tem de existir uma influê ncia ins-
titucionalizada, ou seja , “estrutural, e por isso est ável, não dependendo de
,
circunst â ncias fortuitas ou variáveis ’r u. Sendo a rela çã o entre sociedades de
dom í nio, para alé m do dever de comunica çã o previsto no art. 484.9 da socie-
dade dominante à sociedade dominada , constitui-se ainda a proibição da
segunda adquirir participações na primeira , nos termos do art. 487.9.

28
PAULO OLAVO CUNHA , Direito das Sociedades..., cit., pp. 958 s..
29
Sã o elas: a detenção pela sociedade dominante de uma participação maiorit á ria no capital
da sociedade dependente (cf. al. a)) , a disposiçã o por parte da sociedade dominante de mais
de metade dos votos da sociedade dependente (cf. al . b)) , ou a possibilidade de a sociedade
dominante designar mais de metade dos membros do ó rgã o de administra ção ou do ó rgão
de fiscalização da sociedade dependente (cf al. cj).
30
PAULO LOPES MARCELO, A Blindagem da Empresa Plurissocietária , Almedina , 2002, p. 36.

462
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

Por ú ltimo, a relação de grupo foi, como se disse, consagrada num capítulo
autónomo do Título VI do nosso Código (Cap. Ill), o qual se decompôs em
três secções:

Secçã o I: grupos constitu ídos por dom í nio total (arts. 488.9 a 491.9);
Secçã o II: contrato de grupo parit á rio (art . 492.-);
Secçã o III: contrato de subordina çã o (arts. 493.- a 508 9).

O contrato de grupo paritário é uma manifesta ção, no nosso direito, dos gru-
pos de coordenação ou horizontais porque as sociedades que os integram
encontram-se colocadas num mesmo plano, n ã o havendo depend ê ncia ou
subordina ção entre elas, pese embora estarem todas submetidas a uma direc-
ção económica unit á ria . '1
Por sua vez, o domínio total (arts. 488.9, 489.9 e 491.Q) e o contrato de subordi-
nação* 2 (arts. 493.9 ss.) são duas previsões expressas no nosso CSC dos chama-
dos grupos de subordinação ou verticais (mais concretamente, o primeiro
tem sido considerado um grupo vertical de base n ã o contratual ou de facto -
.
tendo em conta o critério do facto constitutivo, i e., a detenção de 100% do capital
social '' -, enquanto o segundo é um grupo vertical de base contratual ) em que
existe uma direcção económica unitária entre todas as sociedades que integram
a rela ção de grupo à qual se junta uma situa çã o de dependência ou subordina-
ção hierárquica de uma ou vá rias sociedades-filhas a uma sociedade-m ãe, que,
para alé m de estar no topo da hierarquia, é quem determina aquela direcção
comum (sobretudo através da possibilidade de emissã o de instruções vincu-
lantes, mesmo desvantajosas - cf. art. 503.9).34

31
Veja-se a noção legislativa determinada pelo n .Q 1 do art. 492.9 para “contrato de grupo
parit á rio”: “ duas ou mais sociedades que não sejam dependentes nem entre si nem de outras
sociedades podem constituir um grupo de sociedades, mediante contrato pelo qual aceitem
submeter-se a uma direcção unitária e comum" (it á lico nosso).
32
Cf. a noção apresentada pelo art . 493.Q para o contrato de subordina ção: “ uma sociedade
pode, por contrato, subordinar a gest ão da sua pró pria actividade à direcçã o de uma outra
sociedade , quer seja sua dominante, quer n ã o” (cf. n .e 1).
33
Mas já n ã o se atendermos ao crité rio da regula çã o jur ídica , pois, segundo este, o dom í nio
total não ser á um grupo de facto, antes um grupo de direito: v. n . 35.
34
Cf. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA , C ódigo das Sociedades Comerciais Anotado, Coord.
MENEZES CORDEIRO, 2009, p. 1125, anot . 10.

463
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

As três relações de grupo elencadas são consideradas situa ções represen-


tativas dos apelidados grupos de direito* 5 , por se encontrarem expressamente

35
Segundo o critério da expressa regulação jurídica , tem -se feito a distin ção entre grupos de di -
reito e grupos de facto - cfr., v.£., A. PERESTRELO OLIVEIRA, CSC Anotado, cit., p. 1125, anot. 9.
Nos grupos de direito a direcçã o econ ómica unit á ria resulta de um instrumento expres-
samente previsto na lei (o també m chamado “ modelo contratual ” de regula ção dos grupos
societ á rios, que tem origem germ â nica - para uma sinopse dos grupos societ á rios alem ães, v.
HANS- GEORG KOPPENSTEINER , OS Grupos no Direito Societá rio Alem ã o”, Miscelâ neasIDET,
N 9 4, Almedina, 2006), como acontece, ali ás, com o nosso regime das sociedades coligadas
que prevê, para que duas ou mais sociedades possam constituir um grupo em sentido estrito,
a possibilidade de escolha de um dos três instrumentos que referimos: o contrato de grupo
parit á rio, o contrato de subordina çã o ou o dom í nio total. Com efeito, segundo PEDRO PAIS
VASCONCELOS, “Constitui çã o de Grupo por Dom í nio Total Superveniente - o Tempo e o
Modo”, pp. 35-49, DSR , A 4, vol. 8, Almedina , 2012, p. 36, “ nenhumgrupo prescinde també m ,
pelo menos na sua constituição e extin çã o, da autonomia privada” (it á lico nosso), ou seja , da
possibilidade de se escolher o instrumento legal de constituiçã o do grupo. Resulta mani -
festo que a autonomia da vontade est á presente aquando da celebra çã o entre sociedades de
um contrato de subordinação ou de um contrato de grupo parit á rio, pois ao celebrarem um
destes contratos, as sociedades envolvidas sabem e aceitam que est ã o a constituir um grupo
por contrato de subordinação ou um grupo parit á rio. No entanto, nos grupos por dom í nio
total a autonomia da vontade nem sempre é absoluta , podendo existir situações de sujeição.
E o que sucede, p. ex., no dom í nio total inicial, em que a vontade de constituição da sociedade
originariamente dominada recai, obviamente, exclusivamente sobre a sociedade dominante.
J á no dom í nio total superveniente, se a detenção de 100% do capital advier de um processo
de negocia ção da participaçã o totalit á ria entre a futura sociedade dominada (rectius, os seus
sócios) e a futura dominante, pode-se dizer que a autonomia privada (a vontade) na consti-
tuiçã o do grupo est á dos dois lados; mas nem sempre nesta modalidade de grupo a autonomia
crivada é bilateral , podendo, v.g , surgir situações em que a vontade dos sócios da sociedade
n ão totalmcntc] dominada se sujeita à vontade da sociedade dominante (cf. art. 490.9/3) ou
vice-versa (cf. art. 4909/5).
A primeira modalidade de grupos (grupos de direito) contrapõem -se os grupos de facto,
nos quais aquela direcçã o unit á ria n ã o resulta de um instrumento tipificado na lei mas antes
da mera constata çã o fá ctica de que ela existe, n ã o relevando, por isso, a sua origem (esta
situa çã o tem sido doutrinalmente identificada com o “ modelo orgâ nico”, do qual o Projecto
da 9 - Dircctiva Comunit á ria é apontado como o exemplo paradigmá tico).
As nossas rela ções de simples dom í nio (art. 486.9) podem traduzir-se em grupos de fac-
to qualificado, quando uma sociedade , para alé m de exercer influ ê ncia dominante sobre
outra (s), opere uma verdadeira instrumentalizaçã o sobre ela (s) - p. ex., através de instru ções
vinculantes ilicitamente emanadas, transferê ncias de activos inter-societ á rias que originam
confus ã o de patrim ónios sociais, etc. pelo que a direcção unitária , ainda que il ícita, acaba
por existir facticamente e ser de semelhante intensidade (qualifica çã o) à que ocorre nos
grupos de direito (sobretudo, verticais). No entanto, para estas situa ções, diferentemente
do que sucede nos nossos grupos de direito verticais, n ã o est á expressamente prevista a

464
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

reguladas na lei, sendo a consagração expressa no direito societ á rio nacional


do fenómeno dos grupos de sociedades em sentido estrito, que, segundo ENGRáCIA
ANTUNES, corresponde àquela ‘ particular forma de organiza çã o empresarial
através da qual um conjunto de sociedades juridicamente independentes (conser-
vando as personalidades jur ídicas) são subordinadas a uma direcção económica
unitária ou comum ”36 (sublinhados e par ê nteses nossos), ou seja , trata-se do
verdadeiro fen ómeno do controlo inter-societário a que j á nos referimos supra.
No entanto, o nosso regime dos grupos de sociedades não tem tido grande
acolhimento prático: não se sabe da celebra çã o de qualquer contrato de subor-
dinação^7, nem de qualquer contrato de grupo paritário38, e as consequê ncias

aplicação do regime previsto nos arts. 501 "- 504.9, aplicando-se o regime societ á rio geral.
Por isso - i.e.y por n ã o estar criado um regime legal de tutela (y.g., para os credores da socie-
dade dominada) nas situa ções em que existe um dom í nio (simples) nos termos da lei (art.
486.Q), mas materialmente o que se verifica é antes um grupo de facto qualificado -, a dou -
trina tem avan çado com solu ções excepcionalmente tuteladoras dos interesses dos credores
da sociedade dominada: a aplicação analógica do art . 501.9 (y.g., J. CALVãO DA SILVA , Banca ,
Bolsa e Seguros, t . I , Almedina , 2012, p. 88); a aplicaçã o desta norma por maioria de raz ã o
(v. O. VOGLER GUIN é, “A Responsabiliza çã o Solidá ria nas Rela ções de Dom í nio Qualificado”,
ROA , A 66, 1, 2006, pp. 295-325); a desconsideraçã o da personalidade colectiva do ente dominado
(y.g., DIOGO PEREI RA DUARTE , Aspectos do Levantamento da Personalidade Colectiva nas Sociedades
em Relação de Domínio, Almedina, 2007, pp. 345 ss.); o levantamento desta personalidade com
recurso à figura geral do abuso de direito (v. A. MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade
da sociedade com dom í nio total (501-/1, do CSC) e o seu â mbito”, RDS , A III , Vol . I , 2011,
pp. 112-114); e a responsabilidade da sociedade dominante enquanto administradora de facto
(v. J. M. COUTINHO DE ABREU, “ Responsabilidade Civil nas Sociedades em Relaçã o de Do-
m í nio ”, Scientia luridica - t . LXI, nQ 329, 2012, pp. 239-241). Independentemente de qual o
“ melhor ” crité rio a aplicar, uma coisa parece certa: a necessidade concreta de protecçã o dos
credores sociais da sociedade dominada ter á de ser sempre casuisticamente avaliada , e só em
situa ções limite se justificará .
36
ENGR á CIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 278, n. 578.
37
Cf., v.g., MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade da sociedade..., cit., p. 101, e ANA PE-
RESTRELO OLIVEIRA , Grupos de Sociedades e Deveres de Lealdade - Por um Critério Unit ário de
Solução do liConjlito do Grupo’', Almedina , 2012, p. 35. De acordo com as palavras de PEDRO PAIS
VASCONCELOS, Contratos Atípicos, Almedina, 2009, o contrato de subordinação é “ um contrato
que est á tipificado na lei embora n ã o exista tipificado na vida ”. Ora, se atendermos que foi a í
que o legislador desenvolveu o regime dos nossos grupos em sentido estrito - basta cf. que o
regime estende-se desde o art . 493.9 ao art . 508.9, englobando 16 das 21 normas dedicadas às
“sociedades em relaçã o de grupo”, sendo que os arts. 501.9-504.9 ainda se aplicam , por remissão
do art . 491.9, ao dominio total - não deixa, no m ínimo, de ser estranho.
38
Referem isto, p. ex., ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit, p. 278, e MARIA PALMA RAMA-
LHO, cit., p. 134.

465
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

gravosas reservadas para o dom í nio total (em especial, as responsabilidades pre-
vistas no art. 501 ® e 502.® exvi do art. 491 °) tê m claramente propiciado a “ fuga”
para o simples dom í nio39, situações que são assim reveladoras da desadequa ção
do nosso regime dos grupos de sociedades, o qual carecerá de uma reforma40.

B. O Domí nio Total

1. O dom í nio total e as suas modalidades. Breve referência

Tendo em conta o objecto do nosso estudo, interessa-nos particularmente


uma das rela ções de grupo: o dom í nio total. Pois bem , o dom í nio total é um
grupo vertical e de direito (o ú nico com alguma expressão pr á tica) que se tra-
duz numa situa ção de controlo inter-societ á rio colocada numa posição inter-
média entre o grupo constitu ído por contrato de subordina çã o (cf. art. 493.Q)
e a fusã o (cf. art. 97. ). Com efeito, no grupo constitu ído por dom í nio total o
-

controlo é exercido por uma sociedade (totalmente dominante) sobre outra


sociedade (totalmente dominada) por intermédio da detenção da totalidade

39
De acordo com o “ Relató rio Anual [da CMVM] sobre o Governo das Sociedades Cotadas
em Portugal (2012)” p. 18, grá fico 2 (2), (dispon ível para consulta no seguinte link: http://
_ _ __ _ _
// w ww.cgov.pt / images/stories/ ficheiros/ relatrio anual sobre o governo das socieda-
_ _ _ _
des cotadas pt cmvm 2012.pdf ), a m édia do capital do accionista dominante - sendo que
50% das empresas cotadas tinham accionista dominante - situava-se nos 66,4%, i e., dentro.
dos valores que conferem uma [simples] rela çã o de dom í nio. Ainda que o Relatório analise
somente dados relativos às sociedades an ónimas cotadas em Bolsa , tal n ão deixa de ser um
indicador de que as rela ções de simples dom í nio são mais expressivas do que as de dom í nio
total. De facto, como refere MARIA PALMA RAMALHO, cit., p. 96, “as outras situações de do-
m í nio societá rio de facto que n ã o o dom í nio total ” sã o as “situações que correspondem, na
prá tica , à grande maioria das empresas plurissociet á rias”.
40
.
V g , MENEZES CORDEIRO, Direito Europeu das Sociedades, Almedina, 2005, pp. 784 s., segundo
o qual se podem encontrar 3 dados que revelam a desadequa çã o do nosso regime dos grupos
de sociedades: (1) o facto de a regulamenta ção jurídica sobre os grupos ser, essencialmente, de
importaçã o alemã , sem que a realidade social e econó mica portuguesa seja paralela à alem ã ao
ponto de estar provado que se justifique tal regula ção no nosso pa ís; (2) depois, o facto do nosso
regime dos grupos apenas se aplicar a sociedades com sede em Portugal , o que faz com que as
sociedades estrangeiras tenham um regime mais favorável ; (3) por ú ltimo, o facto de o grosso
da relação assentar no contrato de subordina çã o, instrumento sem tradições em Portugal .

466
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

das suas participações sociais (acções ou quotas), o que representa uma inte-
gração económico-empresarial mais intensa do que a do contrato de subor-
dinação ( porquanto, como melhor veremos infra, alia à direcção económica
unit á ria a situa çã o de unipessoalidade, i.e., a existê ncia de apenas um sócio),
mas n ão t ão intensa assim como a existente na opera ção de fusão-absorção
(cf. al. a) do n .9 4 do art . 97.Q), pois contrariamente ao que sucede com a socie-
dade incorporada , que juridicamente se extingue com a transferê ncia global
do seu património para a sociedade incorporante, no dom í nio total a socie-
dade-filha dominada mantém a sua personalidade jur ídica e continua patri-
monial e organizativamente separada (pelo menos, em termos jur ídicos) da
sociedade-m ã e dominante.41
O CSC previu duas modalidades distintas de dom í nio total atendendo ao
momento da deten çã o da participação totalit á ria. Se essa deten çã o for origi-
nária estaremos perante uma situa ção de dom í nio total inicial (art. 488.9),
em que uma sociedade decide constituir ab initio uma sociedade unipessoal,
subscrevendo nessa constituição a integralidade das acções 42 (ou quotas, por
interpreta ção extensiva) 43 desta ú ltima - unipessoalidade originária. A unipes-
soalidade pode também ser derivada, ou seja, nos termos do art. 489.9, trata-se
de um domí nio total superveniente, que se traduz , basicamente, no grupo
que se forma depois de uma sociedade adquirir directa ou indirectamente a
titularidade de 100% do capital social de outra sociedade que já existia , i.e.,
tinha outro(s) sócio (s) anteriormente à forma ção do grupo - unipessoalidade
superveniente duradoura*4 ou mantida45,.

41
Neste sentido, v.g., J . ENGR áCIA ANTUNES, A Aquisição Tendente ao Domínio Total - Da sua
Constitucionalidade, Coimbra Editora , 2001, p. 15 s..
42
Para RICARDO COSTA , “ Unipessoalidade Societ á ria ”, Miscelâ neasIDET, NQ 1, Almedina ,
2003, pp. 80-83, o dom í nio total inicial é uma “ unipessoalidade origin á ria condicionada
no tipo an ó nimo”, ou seja , apenas a constituição de uma SAU (n ão uma SQU), por parte de
uma das sociedades referidas no art . 481 °, implica a forma çã o de uma rela çã o de grupo por
dom í nio total inicial e a aplica ção dos inerentes efeitos jur ídicos.
43
Embora o texto da lei (art . 488.-) n ã o o preveja expressamente, n ão deixa de se discutir se
à constituiçã o de uma SQU, por qualquer um dos sujeitos previstos no art . 4819, se aplicam
-
as normas do grupo por dom í nio total (arts. 488.9, 491.®, 501.9 504.y) ou o regime dos arts
270.Q-A-270.Q-G - cf. infra , Cap. IV, A., 1.1.1.
44
Assim , PEDRO MAIA/A. PINTO MONTEIRO, “Sociedades anó nimas unipessoais e a Reforma
de 2006”, RLJ , A 139, 2010, p. 144 s..
45
Deste modo, RICARDO COSTA , “ Unipessoalidade...”, cit ., pp. 96-101.

467
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

2. Os pressupostos do nascimento da relação de grupo por domínio total


- remissão CAP. IV, A., 1.

3. As manifestações de controlo do domí nio total e os seus contrapesos

Acabá mos de ver que um dos elementos-chave do dom í nio total é a existê n-
cia de apenas um sócio, pelo que, por causa dessa unipessoalidade46, poder á a
sociedade totalmente dominante exercer uma “ influência dominante” inilidível47
sobre a sua totalmente dominada, i.e., controla totalmente a assembleia geral da
sociedade dependente, e, por esta via , pode também alcançar o controlo da gerên-
cia ou da administração desta, uma vez que sendo sua sócia ú nica poder á des-
tituir os seus gerentes ou administradores sem quaisquer condicionamentos (cf. arts.
257.s/ l, 403.-/1, 430.Q/1 - tb. exvi 478.Q (470.Q/1, 2 - parte)), para além de tam-
bé m poder designar aqueles que bem entender.48 Temos ent ão esta caracte-
r ística da unipessoalidade como conferidora de amplos poderes de controlo
à sociedade dominante que é espec ífica do dom í nio total quando comparado
com as outras rela ções de grupo.
Ent ão e o controlo da sociedade dominante sobre a sua dominada resumir-
-se-á àquele que deriva directamente da unipessoalidade societá ria? Como
vimos, a possibilidade de destituiçã o sem limites pairaria sempre sobre as
cabeças dos gerentes ou dos administradores da sociedade dominada, os quais,

46
Mas veremos infra (n . 134) que a unipessoalidade pode, cm rigor, nem sempre existir.
47
Cf. art. 486.-, aplicável, juntamente com o art . 4879, à s situações de dom í nio simples e, por
maioria de raz ã o, ao dom í nio total (salvo no que toca à s presun ções ilid í veis).
48
Em virtude da existê ncia desta situaçã o de unipessoalidade , quando em causa estiverem
assuntos da competê ncia da AG da sociedade totalmente dominada , as regras gerais sobre
convoca çã o, reuni ã o e funcionamento dessa AG (fundamentadas pela exist ê ncia de uma
pluralidade de sócios) obviamente que n ã o se aplicarã o - p. ex., n ã o existirão os condiciona -
mentos de qu ó rum deliberativo à livre destituição e designação de gerentes e administradores pela
AG das sociedades por quotas ou an ónimas pluripessoais (cf. os arts. 257.9/ 2, 252.9/ 2, 392.9 e
391.-/ 2). Isto torna o procedimento de realiza çã o da AG da sociedade totalmcntc dominada
mais célere , passando as suas competê ncias próprias a ser exercidas pelo ó rgão executivo da
sociedade totalmente dominante, o que faz com que os gerentes ou administradores titulares
desse órgã o deliberem sobre os assuntos da compet ê ncia da AG da totalmente dominada de
uma maneira que se aproximará das assembleias universais ou totalit á rias (art. 543) - neste
sentido, v. ENGRáCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 890 s..

468
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

por isso, tenderiam a respeitar as ‘ orientações” da sua sócia ú nica, mas, assim
sendo, eles ficariam numa posiçã o delicada, pois, por um lado, continuariam
a ter de observar, no interesse da sociedade que gerem ou administram, uma
conduta pautada pelo respeito dos deveres de lealdade para com esta socie-
dade (cf. art . 64.9/ l , al. bj)49 , mas, por outro lado, se n ão administrassem a
sociedade dominada no interesse da sociedade-m ãe ou do grupo como um
todo, arriscar-se-iam a ser destitu ídos. Assim , o órgã o de administra çã o do
sujeito passivo da rela çã o de dom í nio total ver-se-ia colocado perante uma
encruzilhada . Contudo, o legislador acabou por lhe facilitar a tarefa de esco-
lha do caminho a seguir, uma vez que permitiu à sociedade dominante o
exercício de um poder de direcção unitária ou comum sobre a sua dominada, como,
ali ás, também o possibilitou às sociedades-mães nas outras relações de grupo
(cf. arts. 492.-/1 e 493.-/1). Ora , é precisamente no â mbito duma destas rela-
ções (o contrato de subordina çã o), que o legislador previu a mais importante
das manifestações jur ídicas do poder de direcção unit á ria do grupo. Falamos
da faculdade, prevista no art. 503.Q, de emissão de instruções vinculantes, mesmo
com teor desvantajoso (n.9 2), da sociedade directora à administra çã o da socie-
dade subordinada.
Chegados a este ponto, cabe-nos referir a norma remissiva do art. 491 ®, em
que o legislador decidiu aplicar ao dom ínio total alguns dos mesmos efeitos
jur ídicos que foram expressamente previstos na Secçã o dedicada ao contrato
de subordinação, nomeadamente, os artigos 501.9 a 504950. Deste modo, sendo
o artigo 503Q relativo à manifesta çã o do poder de direcçã o unit á ria através do
direito de dar instruções, constatamos que a possibilidade da administra ção
da sociedade dominante emitir instruções vinculantes (inclusivamente preju-
diciais) à administração da sua dominada 51 é possibilitada por aquela remissão

4V
V. RICARDO COSTA , « Deveres gerais dos administradores e “gestor criterioso e ordenado ”»,
I Congresso DSR , Almcdina, 2011, pp. 178-185.
50
Tendo em conta o art. 491.s a contrario, são inaplicáveis ao dom í nio total os arts. 493.Q a 500.Q
e 505.- a 508.°, ou seja , todas as regras do contrato de subordinação que dependam da existência
de uma pluralidade de sócios ( yg., as que pretendem proteger a posiçã o dos sócios minorit á-
rios) ou que se prendam com a prepara ção, celebração, modifica çã o e termo desse contrato.
51
De facto, a tarefa de emissão de instru ções vinculantes à administra çã o da sociedade-filha
-
(cf. art. 503.-/1) cabe à sua sociedade mãe, em princ í pio, pela via do órgão de administração da
sociedade totalmente dominante, e n ã o pela via da assembleia geral da sociedade total mente
dominada (mesmo quando o sócio possa intervir nalgumas maté rias de gest ã o, situa çã o mais

469
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

legal para este artigo.52 Assim , com esta remissã o, temos um acréscimo na
legitimação jur ídica do controlo inter-societ á rio levado a cabo pela sociedade-
-mãe da relação de grupo por dom í nio total: ao controlo que, como vimos
supra, deriva da unipessoalidade societ á ria, teremos agora de somar o que
provém (em exclusivo nas relações de grupo, portanto, também no dom í nio
total) do poder de direcção unit á ria manifestado nas instruções vinculantes
permitidas pelo art. 503.9, sendo que, com elas, aparecer á igualmente legiti-
mado o dever da administraçã o da sociedade dominada seguir com prima-
zia o interesse da sociedade dominante ou do grupo visto como um todo55
(art. 503.Q/2, l3 parte), o que representa um desvio ao interesse societ á rio indi-
vidual que, doutro modo, administradores ou gerentes de entes societá rios
com autonomia jur ídica teriam de seguir. Por isso, com ENGR áCIA ANTUNES,
diremos que, assim, se procedeu ao “ reconhecimento jurídico da constituição
e organiza çã o do grupo”54, no caso, por dom í nio total.
A este reconhecimento jur ídico extremamente favorável aos interesses da
sociedade-m ãe ( maxime, por causa dele) contrapõem-se, de outra banda , meca-
nismos especiais deprotecção dassociedades-filhas e dos seus credores sociais. Refer imo-
-nos à responsabilização da sociedade dominante, por um lado, pelas perdas
sociais da sociedade dominada 55 (art. 502.956: mecanismo de protecçã o directa

-
plausível quando a sociedade filha for uma sociedade por quotas, atento ao confronto dos
-
arts. 246.9 e 259.9 com os arts. 373.9/3, 405.9 e 406.9 estes três ú ltimos tb. aplicá veis exvi art.
4789), uma vez que é aquele ó rgã o de administra çã o quem acaba por dirigir unitariamente
todas as sociedades do grupo, sendo que aquelas instru ções são uma manifesta çã o do poder
de direcção unit á ria e este é exclusivo dos grupos de sociedades, n ã o da unipessoalidade.
52
V. ENGR áCIA ANTUNES, O Grupos..., cit., p. 890 s..
53
Por isso, os administradores da sociedade dominada serã o irresponsáveis relativamente
aos actos ou omissões que praticam na sequê ncia de instru ções l ícitas recebidas (art. 504.9/3),
sendo esta responsabilidade transferida para a administra çã o da sociedade dominante (art.
504.9/ l/ 2), que é quem conduz a administração da sociedade dominada e do próprio grupo. V.,
desenvolvidamente, A. PERESTRELO DE OLIVEIRA , A Responsabilidade Civil dos Administradores
nas Sociedades em Relação de Grupo, Aimedina, 2007.
54
ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 288.
55 V., desenvolvidamente , esta
responsabilidade em ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit.,
pp. 820-842 e 897, n. 1772.
56
Nos termos desta norma , as perdas sociais da sociedade-filha apuram -se em termos de
contabiliza ção ( balan ço) anual , sendo que a sua compensaçã o só se torna exig í vel, por um
lado, se n ã o tiverem j á sido compensadas por reservas anuais e, por outro, somente após
o termo da rela çã o de grupo - a n ã o ser que haja insolvê ncia da sociedade-filha duran -

470
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

das sociedades-filhas mas que, indirectamente, também vai tutelar os credores


sociais destas57) e, por outro lado, pelas obrigações desta (art. 501.2: mecanismo
de protecçã o directa dos credores da sociedade-filha).

Capí tulo II - Os Fundamentos da Responsabilidade

1. Os Fundamentos (Fontes) Históricos(as)

No â mbito dos diplomas que, como vimos, serviram de fonte ao nosso regime
das Sociedades Coligadas, as fontes inspiradoras da responsabilidade pre-
vista no nosso art. 501.2 são o art. 29.9 do Projecto da 9- Directiva Comuni-
t á ria 55 - que constitui, essencialmente, a sua base -, bem como o § 322 do
AktG59 - que, por sua vez , já tinha sido o grande inspirador do próprio artigo

te a vigê ncia do grupo, situa ção que pode tornar exig ível a responsabilidade prevista no
art . 502 y ainda durante esta rela ção.
57
Pois, uma vez compensadas as perdas sociais, é o pró prio patrim ó nio social , enquanto
garantia geral dos credores, que se vê reforçado.
58
Esta norma projectava aplicar-se no caso de celebra çã o de um “contrato de subordinaçã o
para a constituição de um grupo ” (muito semelhante ao nosso contrato de subordina çã o) e
també m , por força do art. 35.- do Projecto, à “ declaraçã o unilateral para a constituiçã o de
um grupo subordinado” - cf. A . PERESTRELO OLIVEIRA , CSC Anotado, cit., p. 1204, anot . 3. A
“ declaração unilateral para a constituição de um grupo subordinado” (arts. 33.y ss. do Projecto)
é, em comparação com o nosso direito, um instrumento h í brido: um “ misto” de aquisição ten -
dente ao dom í nio total e de dom í nio total superveniente. Em termos do conte ú do do próprio
instrumento em si, a “ declara çã o unilateral para a constituição de um grupo subordinado”
é um instrumento an á logo à “aquisição tendente ao dom ínio total ” (art . 490.°, sobretudo no
que respeita ao seu n .y 3), estabelecendo, igualmente , um regime de aquisição potestativa
de acções e de protecção dos sócios minorit á rios. Mas, com a detenção de 90%, ou mais, do
capital de outra sociedade, a sociedade controladora acabaria , naturalmente, por exercer
uma interferê ncia quase total junto da sociedade controlada , da í que n ão seja de estranhar
que o Projecto da 9- Directiva - que, ademais, se baseia num modelo orgâ nico dos grupos -
pretendesse aplicar à “ declaraçã o unilateral para a constituição de um grupo subordinado ”
efeitos jur ídicos bastante semelhantes aos que o nosso direito positivo veio a prever para os
grupos por dom í nio total (cf. os arts. 24.y a 30 y, ex vi do art. 35.y, todos do Projecto, os quais
estã o próximos dos nossos arts. 501.9 a 504.9, ex vi do art . 491.y).
59
Na lei alemã , diferentemente do que sucede na lei portuguesa para o dom í nio total, a deten-
çã o de uma participação totalitá ria não constitui um grupo de direito, antes um instrumento
de dom í nio que se traduz num grupo de facto. Só quando existir “ integra çã o ” (Eingliederung)

471
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

do Projecto. Estas duas normas podem ser importantes para nos auxiliarem
na interpreta çã o do art. 501 ®, podendo ser convocadas a t ítulo de elemento
histórico. Vejamos, por isso, o seu conte ú do:

Art. 29.- do Projecto da 9- Directiva Comunitária:


1 - A outra parte no contrato responde pelas dívidas da sociedade surgidas
antes da conclusão do contrato e durante a sua vigência. Ela só pode, todavia
ser demandada depois de os credores terem interpelado a sociedade, por escrito,
pondo-a em mora.
2 - A outra parte no contrato pode liberar-se dessa responsabilidade demons-
trando que a incapacidade da sociedade para cumprir deriva de circunstâ ncias
que foram provocadas por uma influência por esta exercida ou omitida.
3 - A responsabilidade prevista no nú mero 1 pode ser feita valer a partir do
momento da publicitação referida no artigo 20.- ou , quando a outra parte no
contrato esteja igualmente obrigada à publicitação segundo o artigo 21 °, a par-
tir da publicitação ocorrida em último lugar.

§ 322 do AktG de 196560:


(1) A partir da englobação, a sociedade principal responde pelas obrigaçõescons-
tituídas a partir desse momento perante os credores da sociedade englobada,
como devedor conjunto.
(2) Quando a sociedade principal seja demandada por uma obrigação assumida
pela englobada , pode ela usar dos meios de defesa que não tenham a ver com a
sua pessoa, e apenas na medida em que pudessem ser usadas pela englobada.
(3) A sociedade principal pode recusar a satisfação dos credores, enquanto cou-
ber à sociedade englobada o direito de impugnar o negócio jurídico subjacente

de uma sociedade noutra, nos termos do § 319, é que serã o aplicáveis as regras dos §§ 319 a 327,
no â mbito das quais se encontra previsto, no § 322, a responsabiliza ção da socicdadc-m ãc pelas
d ívidas da sua filha a partir da “ integração ”. Algumas incid ê ncias do regime da Eingliederung
aproximam- na da nossa “aquisiçã o tendente ao dom í nio total ”, pois, p. ex., a “ incorpora çã o”
c feita quando a sociedade integrante detém 95% das aeções da sociedade integrada , havendo,
por um lado, o direito de a sociedade dominante adquirir potestivamente as restantes ae ções
(5%) que perfa çam a totalidade do capital social e, concomitantemente, por outro lado, sendo
previstas disposições protectoras (compensat ó rias) dos [5% de] accionistas minoritá rios.
Cf. A . PERESTRELO OLIVEIRA , CSC Anotado, cit., pp. 1205 (anot. 6), 1163 (anot. 5) e 1156, n . 4.
60
Tradu çã o a partir de MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade..., cit., p. 95.

472
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

à obrigação. O mesmo poder cabe à sociedade principal enquanto ela se puder


liberar dos credores através da compensação com um crédito vencido da socie-
dade englobada.
(4) Com base num t ítulo executivo obtido contra a sociedade englobada não
pode ter lugar uma execução contra a sociedade principal.

Assim , face ao conte ú do das duas normas acabadas de citar, n ã o sur-


preende que a responsabilidade do nosso art. 501.9 (“ responsabilidade [da
sociedade directora de um grupo por contrato de subordinaçã o] para com
os credores da sociedade subordinada ’) se tenha exprimido legislativamente
nos termos que a seguir se citam:

1 - A sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada,


constituídas antes ou depois da nascimento da celebração do contrato de subor-
dinação, até ao termo deste.
2 - A responsabilidade da sociedade directora n ão pode ser exigida antes de decor-
ridos 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade subordinada.
3 - Não pode mover-se execução contra a sociedade directora com base em t ítulo
exequível contra a sociedade totalmente dominada.

Quando aplicado, exvi legis art. 491Q, aos grupos constitu ídos por dom í nio
total , o art. 501Q deverá ler-se, mutatis mutandis, nos seguintes termos:

1 - A sociedade totalmente dominante é responsável pelas obrigações da sociedade


totalmente dominada, constituídas antes ou depois do nascimento da relação
de grupo por domínio total, até ao termo desta.
2 - A responsabilidade da sociedade totalmente dominante n ão pode ser exigida
antes de decorridos 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade total-
mente dominada.
3 - Não pode mover-se execução contra a sociedade totalmente dominante com base
em título exequível contra a sociedade totalmente dominada.

473
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

2. A ratio legis

2.1. A protecção dos credores da sociedade totalmente dominada fun-


dada no risco de diminui ção do património social

O motivo-fim que esteve na origem da cria çã o desta norma foi a protecção dos
credores da sociedade dominada, sendo esta a sua ratio legis. É ent ã o esta teleolo-
gia que fundamenta a previsão da responsabilidade. Mas se ficá ssemos por
aqui pouco esclarecidos ficar íamos, dado que esse facto induz-se da epígrafe
do próprio artigo 5019. Aprofundemos, ent ão, a ratio legis.
O art. 501 °, ao estabelecer que a sociedade dominante responde pelas obri-
gações da sua dominada , não pretendeu operar uma substituição do sujeito
respons á vel , mas antes reforçar o cumprimento dessas obrigações, uma vez que,
nã o obstante este cumprimento continuar a recair sobre esta ú ltima socie-
dade (de facto, as obrigações continuam a ser “ da ” sociedade dominada), o
que acontece é que, por efeito desta norma, ambas as sociedades passam a
responder por aquelas obrigações.
Ora, se o legislador pretendeu um reforço do cumprimento das obriga-
ções, é porque previu que a devedora inicial (sociedade dominada), sozinha ,
nã o conseguiria satisfazer os interesses dos credores61. Quais ser ã o estes inte-
resses? Podemos afirmar que eles se prender ão, em ú ltima inst â ncia , com a
própria satisfa ção dos seus créditos, sendo que a garantia geral para essa satis-
fa ção será o patrimó nio do devedor (art. 601 ° CC).62 Neste sentido, o legis-
lador pensou que esse património, por alguma razão, poderia sair afectado,
sendo que, tratando-se de uma responsabilidade para tentar reforçar o cum -
primento de obriga ções, decerto que não seria uma afecta çã o favorável , ou

, V., v.g., em MANUEL


( [
JANUá RIO COSTA GOMES, Assunção Fidejussória de Dívida , Almedina,
2000, pp. 5 ss., a garantia como mecanismo dirigido à satisfação do credor. Considera o Autor,
a p. 7, “com parte significativa da doutrina ”, que “a obrigaçã o - o v ínculo obrigacional - é
norteada, desde a sua constituição, pelo fim da satisfação do interesse do credor ”.
62
Com efeito, refere- nos, v.g., JANUá RIO GOMES, Assunção, cit., p. 37, que “qualquer que seja
o relevo do recurso a formas em princ í pio mais capazes de tutelar o cr é dito, o facto de o
patrim ónio do devedor poder ser executado pelo credor - o facto da responsabilidade patrimo-
nial - “ fen ó meno” designado am í ude por garantia patrimonial , aparece, a um tempo, como o
primeiro e o ú ltimo meio de segurança do credor ”.

474
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

seja, só a possibilidade de diminuição do património da sociedade dominada63 pode -


ria ter sido, neste seguimento, a razã o para o legislador intervir com a esta-
tuição de tal preceito.
Então, mas se a razão foi garantir a satisfa çã o dos credores, porquê criar uma
norma que rompe com princípios gerais e societ á rios (cf. infra, Cap. Ill , 2.),
se , nos termos do art . 6.Q/3, se torna possível que, p. ex., a sociedade-m ãe
preste garantias reais ou pessoais a d ívidas da sociedade-filha64? De facto,
com tal possibilidade o pró prio cumprimento de obriga ções també m sairia
reforçado. Não obstante, tudo leva a crer que a responsabilidade do art. 501.2
terá tido como destinatá rios principais aqueles credores que nã o poderiam
impor condições negociais ao devedor, nomeadamente, exigir-lhe garantias
pessoais ou reais bastantes. Portanto, falamos de uma responsabilidade essen-
cialmente voltada para a protecção dos credores débeis ou involuntários65 (y.g , con -
sumidores, pequenas empresas fornecedoras). No entanto, ela não deixa , no
nosso entender, de aproveitar ao credor forte e voluntário66, nomeadamente às
instituições financeiras, que, concedendo financiamento (crédito) à socie-
dade dominada, para alé m de conseguirem exigir garantias suplementares
ao abrigo do art. 6.9/3, se vêem tuteladas pelo regime da responsabilidade
do art. 501.Q, que, alargando o â mbito subjectivo e patrimonial da responsa-
bilidade, vai reforçar o cumprimento das obrigações do devedor (sociedade
dominada). Deste modo, podemos colocar o art. 501.9 em linha com o inte-
resse comercial da tutela do crédito67, uma vez que facilita à sociedade-filha
a sua obtençã o com a protecçã o daquele que lho concede.

63
Tb. assim: ANA RITA ANDRADE , A Responsabilidade da Sociedade Totalmente Dominante,
Almedina , 2009, pp. 64-66.
64
A esse propósito, v. PEDRO DE ALBUQUERQUE , “ Da Prestação de Garantias por Sociedades
a D ívidas de Outras Entidades”, ROA, A 57, 1, 1997, pp. 136-143.
65
Cf. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit ., pp. 140-142.
66
Ibidem.
67
Vide F. CASSIANO DOS SANTOS, Direito Comercial Português, Vol. I , Coimbra Ed ., 2007,
p. 45 s..

475
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

2.1.1.0 fundamento da diminuição patrimonial: o poder de direcção uni -


tária e comum ( através de instruções vinculantes desvantajosas)

No dom í nio total existe o direito da administraçã o da sociedade dominante


emitir instruções vinculantes68 à administra çã o da sua dominada (art. 503.ô/ l,
ex vi 491 °). Esta é a principal manifesta ção jur ídica do poder de direcção uni-
tária (sen ã o mesmo a ú nica69) nesta rela çã o de grupo. Contudo, a direcção
unit á ria e comum n ã o é exclusiva dos grupos verticais ou de subordina-
çã o, também foi reconhecida no contrato de grupo parit á rio (cf. art. 492.9/ l,
“ in fine ” ), e, embora o legislador nã o tenha expressamente previsto para este
grupo a aplica çã o do art. 503.g relativo às instruções vinculantes, parece-nos,
ainda assim, que estas devem ser permitidas70 (sobretudo, quando tiver sido
constitu ído um orgã o comum de direcção ou coordena çã o - cf. art . 492.Q/4,
2 parte), sob pena de, sem elas, se desprover o contrato de grupo parit á rio
-

de qualquer sentido, dado que haveria impossibilidade de efectivar, para o

68
Englobam -se no conceito de instruções vinculantes todos os actos da sociedade domi-
nante (independentemente da sua forma) que tenham como objectivo influenciar a gest ã o
da sociedade dominada , impondo a esta ú ltima a adopçã o de um comportamento activo
ou passivo (y.g., ordens directas, directrizes gen é ricas), desde que esses actos transportem
(expressa ou tacitamente) uma pretensã o de vinculatividade do órgã o de administra ção da
primeira sociedade (dominante), e cuja interpreta çã o por parte do ó rgã o de administração da
sociedade dependente seja neste sentido [de vinculatividade]. Cf. A. PERESTRELO OLIVEIRA,
CSC Anotado, cit., p. 1214, anot . 11.
69
V. idem., p. 1215, anot. 15. Trata-se da questã o controvertida da admissão de outros meios para
assegurar uma direcçã o comum e unitá ria , nomeadamente as interconexões de pessoal e os
administradores comuns: v. o Ac. do TRC de 12-09-06 ( Hélder Roque), proc. 69/04.9TBACN.
Cl, nos termos do qual se decidiu que a “a lei n ã o impede que um administrador de certa
sociedade seja designado administrador de outra sociedade que com aquela se encontre em
rela ção de dom í nio ou de grupo, ou seja , o exercício simult â neo de funções de administra -
dor, em ambos os tipos de sociedade ”. Segundo A. PERESTRELO OLIVEIRA , CSC Anotado, cit.,
p. 1215, anot. 15, c ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 730, n . 1418, a admissibilidade dc
administradores comuns nas sociedades que integrem o grupo acaba por ser um ‘'equivalente
funcional das instruções vinculantes ”, dado que na actua çã o do administrador da sociedade
m ãe designado para a administra ção da sociedade filha acabam por se manifestar as instru ções
gerais daquela sociedade.
70
Neste sentido, v.g., A. PERESTRELO OLIVEIRA , CSC Anotado, cit., p. 1176 (anot. 25); ENGR áCIA
ANTUNES, OS Grupos..., cit., pp. 926-928; L. BRITO CORREIA , “Grupos de Sociedades ”, NPDC ,
Almedina , 1988, p. 398 s.. Contra, v.g , L. LIMA PINHEIRO, Contrato de Empreendimento Comum
(Joint Venture) em Direito Internacional Privado, Almedina , 2003, p. 377.

476
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

conjunto das sociedades agrupadas paritariamente, essa pró pria direcçã o, ou


-
seja, pôr em prá tica uma política económico-empresarial (e até financeira) 1
geral e comum.
Todavia, ao reconhecermos o direito da exist ê ncia de instruções vincu -
lantes nesta modalidade de grupo, não significa que estejamos a defender a
aplicação do art . 503.Q para ele. De facto, este artigo é bem mais abrangente
do que o reconhecimento de um simples direito de dar instru ções vincu -
lantes. Permite - e isso faz toda a diferença - que essas instruções possam
ser desvantajosas, se assim servirem os interesses da sociedade dominante ou
de outras sociedades do mesmo grupo. E este tipo particular de instruções
j á nã o nos parece que possa ter aplica çã o no contrato de grupo parit á rio72.
Nem tanto pelo facto de se tratar dum grupo de coordena ção, mas antes por
o legislador nã o ter previsto um regime protector dos sócios, das sociedades
e dos seus credores73. Por isso, se, propositadamente, n ã o o previu é porque
deve ter pensado que os riscos para estes (nomeadamente, para os credores)
n ã o seriam t ão evidentes como nas outras duas relações de grupo. E, no nosso
entender, só não o seriam por uma raz ão: a impossibilidade de emissão de
instru ções vinculantes desvantajosas nos grupos parit á rios.

71
Para uma an á lise do conteú do m í nimo de uma direcção unit á ria , v. ENGR áCIA ANTUNES,
Os Grupos..., cit ., pp. 120-122.
2
Sã o tb. contra (ou , pelo menos, formulam reservas): v.g , ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos...,
cit ., p. 928; BRITO CORREIA, cit., p. 399. Em sentido contrá rio, i.e., favoravelmente à emissão
de instru ções vinculantes desvantajosas no â mbito de uma rela ção de grupo parit á ria, v.g , A.
PERESTRELO OLIVEIRA , Grupos de sociedades..., cit., p. 158.
73
Apontando a mesma raz ão: ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 928. Com efeito, n ã o
nos parece que fosse a tentativa de o legislador evitar qualquer tipo de dependê ncia entre
as sociedades envolvidas no grupo de coordena ção a raz ão para n ã o se admitir as instru ções
vinculantes desvantajosas, pois, embora a direcção unitá ria seja consensual e horizontal entre
as sociedades que celebraram o contrato, o facto é que podendo funcionar um ó rgão comum
de direcção, será ele que vai acabar por determin á-la, pelo que haverá necessidade de dar um
m í nimo de instruções vinculantes (como, aliá s, menciona A . PERESTRELO OLIVEIRA , Grupos
de sociedades..., cit., pp. 157-159, «os grupos horizontais n ão sã o cm absoluto, afinal, “grupos sem
controlo”»), as quais, n ão obstante, poderiam perfeitamente ser prejudiciais (desde que as
sociedades envolvidas em pé de igualdade concordassem nesse sentido), n ão fosse a inexistência
de um regime protector dos sócios, das sociedades e dos seus credores para poder servir de contrapeso.
É que podendo os arts. 501.- e 502.Q ser consideradas normas excepcionais, n ão admitir ão
aplica ção analógica aos grupos parit á rios, nos termos do art . II .9 do CC.

477
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

Nesta sequê ncia, n ão serão, ent ão, as instruções [apenas] vinculantes o prin-
cipal fundamento para a consagraçã o do art. 501 °, mas antes aquelas que cons-
tituam os administradores ou gestores da sociedade dominada no dever de praticarem (ou
omitirem) actos lícitos (cf. art. 503 °/2, 2- parte) que, por um lado, se revelem desvan-
tajosos ou prejudiciais para esta sociedade (nomeadamente, para o seu património)74 os
quais de outro modo, nã o respeitariam o dever de cuidado dos administrado-
res para com a sociedade, presente no art. 64 °/ l, al. a), designadamente “a dili-
gê ncia de um gestor criterioso e ordenado”75 - e, por outro, sejam vantajosos para
a sociedade dominante ou outra sociedade do grupo. Mas, não se requer a verificaçã o
da concreta instrução desvantajosa, bastará a existê ncia abstracta do direito
de instruir vinculativa e prejudicialmente, ou seja , a mera possibilidade (o poder
potencial) das instru ções desfavoráveis serem emanadas, porque basta isto para
se verificar um risco de diminuiçã o do património social da sociedade-filha.
Destarte, com a emissã o de instru ções vinculantes desvantajosas, a socie-
dade dominante pode operar uma verdadeira instrumentalização da sociedade
dominada (y.g , através de transferências de activos e de capitais da sociedade domi-
nada para a sociedade- mãe ou outra sociedade do mesmo grupo76 - desde que essas
transferências se traduzam numa vantagem para a sociedade-mãe ou essa qual-
quer outra sociedade do grupo - cf. art. 503.Q/ 277), gerando-se uma permeabi-

~4
P. ex., a sociedade dominante pode instruir a sua dominada a encarregar-se de sectores do
mercado não rent á veis, a emprestar-lhe dinheiro gratuitamente, a fornecer-lhe bens a preços
inferiores aos do mercado, etc. V. estes exs. e outros em : COUTINHO DE ABREU , Grupos de
Sociedades e Direito do Trabalho, Coimbra , 1990, p. 9; e MEDINA CARREIRA, cit., p. 73.
75 V. RICARDO COSTA , “ Deveres
gerais..., cit., pp. 165-178 e 185-187.
76
També m poderão existir transferê ncias de lucros , mas no caso destas, sendo a sociedade
totalmente dominante sócia ú nica da sua totalmente dominada , obviamente que terá direito
à totalidade dos lucros distribu í veis desta ú ltima, n ã o havendo necessidade de emissã o de
qualquer instru çã o vinculante para que a transferê ncia se opere. A quest ão, contudo, põe-
-se em saber se, no dom í nio total , a transferê ncia de lucros se pode dar, pela via de instru -
ções vinculantes desvantajosas, da sociedade-filha para outra sociedade do grupo que n ão
a sua sociedade-m ãe totalmente dominante. N ã o se aplicando o art. 508- ao dom í nio total
e inexistindo no direito societ á rio um regime especial aplicá vel a convenções isoladas de
transferê ncias de lucros, deve-se responder negativamente à quest ão - neste sentido, p. ex.,
A. PERESTRELO OLIVEIRA, CSC Anotado, cit., p. 1231 (anot. 6 a 10).
Embora o art . 503.Q/4 pareça, à primeira vista, poder impossibilitar a transferê ncia de bens
do activo da sociedade totalmente dominada para a sua sociedade m ã e (ou outras sociedades
que integrem o mesmo grupo) sem que ocorra “ justa contrapartida”, o certo é que, interligan -
do esta norma com o art . 503.9/ 2, pode-se considerar que tal contrapartida pode ser a mesma

478
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

lização, flutuação ou confusão entre patrimónios das sociedades do grupo, que poderá
desprover de qualquer significado a garantia comum dos credores, uma vez
que o(s) património(s) da (s) sociedade (s) dominada (s), devido a essas conse-
quê ncias, pode(m) vir a tornar-se insuficiente (s) para satisfazer os créditos
dos credores desta (s) sociedade (s).7H
Perante tudo isto, para o risco inerente à explora ção empresarial na forma
de grupo por dom í nio total n ã o recair exclusivamente sobre os credores da
sociedade-filha, mas antes sobre o ente que com esta exploração consegue
retirar maiores proveitos ( maxime, maiores lucros) - a sociedade-m ãe -, o legis-
lador, pensamos que de acordo com o brocardo latino “ ubi comoda , ibi inco-
moda ”, consagrou uma norma que protege os interesses daqueles através da
responsabilização da sociedade totalmente dominante, que é quem tem o
poder de gest ão e por isso quem pode pôr em causa esses interesses através
da emissão de instruções vinculantes desvantajosas - responsabilidade objec-
tiva assente na distribuição do risco na empresa plurissociet á ria79.

Capí tulo III - A natureza jurí dica e as principais caracterí sticas da res-
ponsabilidade

1. Responsabilidade acessória e subsidiária. A natureza jurí dica

A doutrina dominante80 e a [ pouca] jurisprud ê ncia81, com mais ou menos par-


ticularidades, consideram que a responsabilidade prevista no art. 501.Q reveste

coisa que a vantagem , impl ícita na primeira norma (“servirem os interesses” ), que tem de
estar associada a uma instru çã o desfavorá vel. Assim , o n.9 4 é perfeitamente desnecessá rio,
sendo que, para alé m disso, a ressalva que faz na parte final para o art. 502.9 deve ser objecto
de corrccção, uma vez que o legislador certamente se queria antes ter referido ao art . 508.9
(assim , RAú L VENTURA, NOVOS Estudos sobre Sociedades An ó nimas e Sociedades em Nome
Colectivo”, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 1994, p. 116-117).
78
V. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., pp. 796-798.
9
Neste sentido, v.g., ELISEU FIGUEIRA, “ Disciplina Jur ídica dos Grupos de Sociedades”, C ),
XV, 1990, p. 51; CALVãO DA SILVA, cit., p. 86.
80
V.g., RAUL VENTURA, “ Contrato de Subordina ção entre Sociedades ”, RB , n9 25, 1993, p.
123; ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., pp. 798-801; MARIA DE FáTIMA RIBEIRO, A Tutela
dos Credores da Sociedade por Quotas e a “ Desconsideração da Personalidade Jurídica ”, Almedina ,

479
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

a natureza jur ídica de uma situa çã o de solidariedade passiva (i.e., as obrigações


da dominada ser ão solid á rias porque pela prestação integral respondem ambas
as sociedades, dominada e dominante, e o cumprimento efectuado por qual-
quer uma delas liberar á a outra perante o credor: arts. 512.9 e 519.9 CC), com
a especificidade de ter que decorrer um per íodo de tempo de 30 dias, contado
a partir da constituiçã o em mora da sociedade dominada - cf. art. 501.9/2 -,
para que o credor possa exigir o cumprimento da sociedade dominante.
Contudo, JANUá RIO GOMES configura-a antes como uma responsabili-
dade acessória82 e subsidiá ria83. Cremos que tem razão84. Vejamos cada uma
das caracter ísticas em separado.

a) A acessoriedade

Como o AUTOR bem explica 85, quando a obriga ção se constitui, domi -
nada e dominante n ão são co-obrigadas, a obriga ção recai somente sobre a
primeira, que j á podia mesmo estar vinculada no momento em que se come-
çam a produzir os efeitos do dom í nio total. A dominante só se virá a vincu-
lar posteriormente, quando e por o grupo começar a produzir os seus efeitos.
Em rela ção às obriga ções constitu ídas durante a vigê ncia do grupo, as fontes
continuam a ser diversas: a dominada obriga-se porque constitui a obrigação;
a dominante porque a dominada a constituiu. No entanto, o facto de ambas
estarem vinculadas em termos de fontes e momentos diversos n ã o impedi-
ria, por si só, que a obriga ção fosse considerada solid á ria, atendendo ao que
postula o art. 512.9/2 CC.
Só que a quest ão é que existe uma devedora inicial (sociedade dominada)
e uma devedora secundária (sociedade dominante), sendo a obrigaçã o da pri-
meira que vai determinar os termos em que a segunda se vincula. A obriga-

2009, p. 417; M . GRAç A TRIGO, c/ f., p. 93; F. PEREIRA COELHO, “Grupos de Sociedades”,
Sep. Vol. LXIVBFDUC, 1988, p. 32 s..
81
V.g., o Ac. do STJ de 31-05-05 (Fernandes Magalh ã es), proc. 05A1413 e o Ac. do TRL de
19-06-08 (Manuela Gomes), proc. 260/ 2007-6.
82
MANUEL JANUá RIO DA COSTA GOMES, “A sociedade com dom í nio total como garante.
Breves notas”, RDS , A I , N 9 4, Almedina , 2009.
83
JANUá RIO GOMES, Assunção..., cit., p. 968.
84
Tal como MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit., pp. 105-107.
85
JANUá RIO GOMES, “A sociedade...”, cit., pp. 874-881.
480
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

çã o da dominada é pressuposto da existê ncia da obrigação da dominante, sendo


aquela a devedora principal - “na solidariedade nã o há um devedor principal e
um secund á rio (...) a posiçã o e obrigaçã o de um n ã o é moldada pela posiçã o e
obriga ção do outro”86. A dominante aparece, em segunda linha , como garante
da satisfa ção do direito de crédito que o credor tem perante a dominada -
pelas razões que expusemos no Cap. II, 2.1. -, ficando pessoalmente obrigada
perante este. A pró pria lei (art. 501.-/1, ex vi 491.9) parece clara nesse sentido
quando diz que as obrigações são “da" dominada mas a dominante é “respon-
sável" por elas.
Por isto tudo, parece evidente que falta autonomia à obriga ção da deve -
dora secund á ria (caracter ística que existiria se duma obriga çã o solid á ria se
tratasse), pelo que a obriga çã o da dominante só poderá ser acessória da obri-
gação da dominada. Haver á , assim , similitude com a fian ça estipulada na lei
civil (cf. art. 627.9 CC). Deste modo - como também evidencia o art . 637.9/ l
CC -, para alé m da sociedade dominante poder usar os meios de defesa que lhe são
exclusivos8~, pode também usar os meios de defesa próprios da sociedade dominada88
desde que - tal como acontece no art. 637.9/ l CC, “ in fine ” - não sejam incompa-
tíveis com a posição de garante da sociedade dominante* .
(
)

A possibilidade de invocação destes meios de defesa próprios da dominada


afigura-se, assim, bem mais condizente com a caracter ística da acessoriedade
da obrigação da dominante, do que se se desse, em sua substituição, a pos-

86
Cf. Idem , p. 881.
8
V.g., o n ã o preenchimento de todos os pressupostos do nascimento da rela çã o de grupo;
a exist ê ncia de um cr é dito sobre um credor da dominada que lhe permitisse alegar uma
compensa çã o total ou parcial entre as duas d ívidas; a não verifica ção de pressupostos di-
rectos de imputa çã o objectiva da responsabilidade do devedor prim á rio, p. ex., alegando o
n ã o decurso do per íodo de 30 dias de mora exigido pelo art . 501.s/ 2. Cf. JANUá RIO GOMES,
“A sociedade...”, cit., p. 876 s..
88
V.g., a n ã o verifica ção dos pressupostos da responsabilidade civil para a dominada se con -
siderar obrigada perante o credor - p. ex., o facto de n ão existir mora ou incumprimento; a
nulidade ou anulabilidade do negócio; a excepção de prescrição ou de nã o existê ncia do crédi-
to; a excepçã o de n ão cumprimento do contrato; a impossibilidade do cumprimento por facto
n ão imput ável à sociedade dominada . Cf. JANUá RIO GOMES, “A sociedade...”, cit ., pp. 877-881.
89
P. ex., a sociedade dominante n ã o pode alegar que o incumprimento da dominada n ã o lhe
é imput ável ou que fez uso das instruções vinculantes para obrigar a dominada a pagar mas
sem sucesso - cf. JANUá RIO GOMES, “A sociedade...” cit., p. 877. De facto, a responsabilidade
é objectiva ( i.e., independente de qualquer culpa da dominante) , assente na distribuição do
risco da explora ção empresarial plurissocietá ria , conforme se referiu no Cap. II , 2.1.1., supra.

481
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

sibilidade de alega ção de meios de defesa comuns caracter ísticos do regime


das obrigações solid á rias, porque estes ú ltimos servem para permitir a defesa
relativamente a obrigações que, sendo independentes, nã o sã o afectadas pelas
vicissitudes umas das outras90 ( p. ex., a possibilidade de alega ção da invali-
dade da obrigação da dominada é um meio de defesa pró prio desta , e nã o
um meio de defesa comum de ambas as sociedades - e muito menos pró prio
da dominante -, pelo que, numa lógica de solidariedade, nunca poderia ser
aproveitado como meio de defesa pela dominante, a quem não restaria alter-
nativa sen ã o responder por um negócio invá lido). Aliás, a pró pria ausê ncia
de autonomia entre as obrigações de dominada e dominante impede que se
fale em meios de defesa comuns, os exemplos que alguns autores91 d ã o des-
tes meios são, afinal, verdadeiros meios de defesa pró prios da dominada, “que
numa l ógica de acessoriedade aproveitam també m à sociedade dominante,
podendo assim ser invocados por esta ”92.
Com o exposto, podemos dizer que a responsabilidade do art. 501.Q assume
uma natureza jur í dica de tipo fidejussório 93, podendo o seu regime jur í-
dico, com as devidas adapta ções reclamadas pelas especificidades do dom í nio
total, ser “orientado” pelo regime da fiança (arts. 627.Q ss. CC), que é, aliás,
onde a lei melhor desenvolve um tipo de responsabilidade que [também] se
assume como secund á ria e acessória94.

b) A subsidiariedade

O mesmo AUTOR, em escrito anterior ao que temos citado95, considera que,


alé m de uma subsidiariedade forte que exige que não restem bens ao devedor
principal para o credor poder agir contra o devedor secund á rio ( benefício da
excussã o - p. ex., a responsabilidade do sócio da sociedade em nome colec-
tivo pelas d ívidas da sociedade: art. 175.Q), pode també m existir subsidiariedade
- ainda que fraca - quando o devedor garante só possa ser responsabilizado

90
Cf. A . PERESTRELO OLIVEIRA , Grupos de Sociedades..., cit., Almedina, 2012, p. 602.
91
V.g., ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 813 s..
92
JANUá RIO GOMES, “A sociedade...” cit., p. 878.
93
Assim , idem , p. 869.
94
Cf. idem, p. 882 s..
95
Cf. idem , Assunção..., cit., p. 968.

482
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

após uma diligência ou vicissitude prévia (y.g., após incumprimento do deve-


dor primá rio ou após infrut ífera intima çã o deste - ou uma ordem de outro
tipo). Entre estes dois n í veis de subsidiariedade fica um amplo espaço para
a actuaçã o daquilo que ele apelida de subsidiariedade média, apresentando o
art. 501.-/ 2 como um dos exemplos desta96, pelo facto de, para alé m do incum-
primento (mora) da devedora principal (sociedade dominada), se exigir um
requisito adicional para o credor poder accionar a responsabilidade da domi-
nante: o decurso de um prazo de 30 dias.
Esta manifesta çã o de subsidiariedade da responsabilidade do art. 501. 97 Q

n ã o é uma decorrê ncia da sua acessoriedade - nem sequer na fiança assim


o e498 -, mas n ã o deixa de constituir um “ plus”09 de que beneficia o devedor
garante (sociedade dominante), uma vez que no momento em que a socie-
dade dominada se constitui em mora (depois de ser interpelada pelo credor
- art. 805.9/ l CC - ou mesmo quando a interpelação se dispense - art. 805.g/2
CC), a presta ção só ainda pode ser exigida a esta última100. Ter á de decorrer
um per íodo de 30 dias sobre o momento em que se d á esta falta de cumpri-
mento (em sentido amplo) para que o credor também possa exigir a obriga ção
à dominante (art . 501 °/2). Assim , só depois deste per íodo se pode dizer que
o credor tem libera electiom , i.e., pode optar por accionar uma ou outra socie-
dade (ou ambas) pela totalidade da d ívida. Mas, ainda assim - refira-se -, não
poder á mover execução contra a sociedade dominante com base em t ítulo
exequ ível contra a sociedade dominada (art. 501.Q/3)102.

96
Ibidem . Em sentido idê ntico: MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit., p. 106 s..
A . PERESTRELO OLIVEIRA (Grupos de Sociedades..., cit., p. 601) considera que apenas existe
subsidiariedade fraca.
97
També m falam em responsabilidade subsidi á ria: MARIA AUGUSTA FRANç A, A Estrutura das
Sociedades Anónimas em Relação de Grupo , AAFDL, 1990, p. 67; PAULO OLAVO CUNHA, Direito
das Sociedades..., cit., p. 967.
98
JANUá RIO GOMES, Assunção..., cit., p. 994.
99
Idem, p. 995.
100
Se o credor intimar a sociedade dominante antes de decorrido o termo [m í nimo] de 30
dias, esta poder-lhe-á opor a excepçã o de inexigibilidade do crédito.
101
JANUá RIO GOMES, “A sociedade...” cit., p. 871.
102
CALVãO DA SILVA, cit., p. 86, alude ao art . 501-/3 para qualificar a responsabilidade como
subsidi á ria .

483
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

2. Responsabilidade patrimonial ilimitada: a desconsideração da persona-


lidade colectiva e dos princ í pios societários da responsabilidade limi -
tada e da separação patrimonial

A responsabilidade da sociedade com dom í nio total é materialmente excep-


cional, rompe com as regras da personalidade colectiva: pelas obrigações do devedor
respondem apenas os seus bens (art. 601.Q CC) e, com o art. 501 °, passam não
somente a responder os bens do devedor (sociedade dominada) como tam -
bé m podem vir a responder os bens da sociedade dominante. A desconside -
ra çã o desta regra geral est á associada à derrogação de dois princípios societários
fundamentais (embora não absolutos).
Por um lado, sendo o devedor secund á rio o sócio integral da sociedade
dependente, podemos considerar que se trata de uma responsabilidade der-
rogadora do princípio da responsabilidade limitada do sócio quotista ou accionista103
- se o princ ípio n ã o fosse derrogado, o sócio [ú nico] dominante responderia
[apenas] pela sua “entrada’’ no capital social da sociedade dominada, que,
nã o obstante , seria a totalidade do valor das quotas ou acções subscritas ou
adquiridas.
E , por outro lado, tal derroga ção faz sobressair uma outra: a derroga çã o
do princípio da separação [ patrimonial] entre o património da sociedade e o do
sócio104. Assim , é a própria sociedade-sócio dominante quem passa a responder

103
Encontramos manifesta ções deste princí pio, para as SQ, no art . 197.9/3: só o patrim ó nio
social responde para com os credores pelas d ívidas da sociedade (e n ã o o patrim ó nio pessoal
dos sócios) - mas cf. art. 198 ; para as SA , no art. 271.9: a responsabilidade dos accionistas
-

encontra -se limitada ao valor das acções que subscreveram , n ã o respondendo també m pelas
d ívidas da sociedade; e para as SCA , no art . 465.s/ l : os sócios comandit ários respondem ape-
nas pela sua entrada ; e os sócios comanditados respondem pelas d ívidas sociais nos mesmos
termos que os sócios da sociedade em nome colectivo: art. 175.9.
104
Esse património c formado por bens que, nos termos do art 6019 do CC, respondem pelas
d ívidas da sociedade, pelo que, atendendo ao princ í pio da separa ção patrimonial, “apenas o
patrim ónio social responderia pelas d ívidas das sociedades” (cf. ALEXANDRE SOVERAL MAR-
TINS, “ Da personalidade e capacidade jur í dicas das sociedades comerciais ”, Estudos de Direito
das Sociedades, 2010, pp. 98 e 99). Por outras palavras, os credores sociais não têm, por regra,
o direito de agir contra os accionistas, rectius, sobre o seu patrim ó nio - para se ressarcirem
do que lhes seja devido pela sociedade. També m assim para os sócios das SQ, se o contrato
de sociedade n ã o estipular, nos termos do art. 198.9, a responsabilidade directa dos sócios
para com os credores sociais.

484
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

ilimitadamente105 (com todo o seu património, e, portanto, não somente com as


participa ções sociais detidas na sociedade-filha) pelas obriga ções imputadas
à esfera jur ídica de outro sujeito: a sociedade dominada106.

íos
Contudo, a responsabilidade ilimitada tb. se pode verificar numa situaçã o de unipessoa-
lidade comum (cf. arts. 84.- e 270.e-F/4). V.g , v. PEDRO PIDWELL, A Tutela dos Credores da
Sociedade por Quotas Unipessoal e a Responsabilidade do Sócio Ú nico ”, DSR , A 4, Vol. 7,
Almedina, 2012, pp. 208-222 e 223-232. Para a distinção entre a responsabilidade do art. 501.e
e a do art . 84.Q, v. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., pp. 897-899.
106
MANUEL NOGUEIRA SERENS, A Monopolização da Concorrência ..., cit., p. 136, é, no entanto,
da opini ão que só muito excepcionalmente se pode afirmar a exist ê ncia da responsabilidade
ilimitada da sociedade dominante (do seu patrim ó nio) por d ívidas da sociedade dominada.
Pelo que o rem édio adequado para fazer face à ruptura com o princípio de associar a m á xima
liberdade das sociedades à sua irrestrita responsabilidade, será para o Autor, a desconsideração
da personalidade colectiva . Alguns autores associam mesmo o art . 501.Q a uma manifesta çã o
ou concretiza çã o legal da desconsidera çã o da personalidade colectiva - v., v.g., BRITO COR-
REIA , “Grupos de Sociedades”, cit., p. 395, OLIVEIRA ASCEN çã O, Direito Comercial , cit ., p. 612,
MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit., p. 81 s., A. PERESTRELO OLIVEIRA, Grupos
de Sociedades..., cit., p. 600 s.. No entanto, somos da opiniã o, na esteira de J .M . COUTINIIO
DE ABREU , C ódigo das Sociedades Comerciais em Comentário , Volume VII ( Artigos 481.- a 545. ),
Q

Coord . J.M. COUTINHO DE ABREU, Almedina , 2014, p. 270, bem como de ENGR áCIA ANTUNES,
Os Grupos..., cit., p. 799, n . 1566, que tal associa ção n ã o parece acertada , dado que a respon -
sabilizaçã o pela via da desconsideração da personalidade colectiva pressupõe sempre uma
actuação ilícita da parte dos sócios, nomeadamente, a subcapitalização material , a “ mistura
de patrimó nios”, o controlo da sociedade por um sócio, a “ descapitaliza çã o” volunt á ria da
empresa societ á ria , ou seja , como nos diz MARIA DE FáTIMA RIBEIRO, “ Desconsideração da
Personalidade Jur ídica e Tutela de Credores ”, Questões de Direito Societ ário em Portugal e no
Brasil , Almedina , 2012, p. 515, “tipicamente , para aqueles casos em que se entende que os
sócios agiram [ilicitamente] em preju í zo do ente societá rio e, reflexamente, dos seus credores ”.
Em todos estes casos se entende que o comportamento il ícito dos sócios deve corresponder
à perda do benefício da limitação da responsabilidade, defendendo-se a ’’desconsidera ção da
personalidade jur ídica” da sociedade com o objectivo de permitir aos credores a possibilidade
de exigirem a satisfa çã o dos seus créditos aos sócios da sociedade “ desconsiderada ”. Ora, a
responsabilidade da sociedade dominante prevista no art. 501.e ocorre independentemente
de facto il ícito, basta verificar-se uma rela çã o de grupo por dom í nio total (acompanhada
dos restantes pressupostos que analisaremos infra ) , pelo que n ã o poder á , assim, esta res-
ponsabilidade ser uma manifesta ção jur ídica expressa da desconsidera çã o da personalidade
colectiva.

485
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

3. Responsabilidade imperativa?

Estando em causa direitos de terceiros (credores), a sociedade-m ãe e a socie-


dade-filha nã o poderiam dispor deles por intermédio de um acordo celebrado
entre elas (ou através da delibera çã o social do art. 489.9/ 2, cj) que exclu ísse
a aplica ção do art. 501.9. Se isso acontecesse estar íamos perante um negócio
contr á rio à lei e, portanto, nulo (art. 281.9/1 CC).107
No entanto, parece de admitir que um credor possa celebrar um acordo
com a sociedade dominada 108 ou com a sociedade dominante109 com vista à
exclusão da responsabilidade. Mas pensamos que esse acordo deve incluir
apenas créditos j á existentes, n ão podendo abranger, antecipadamente , os
que possam vir a constituir-se. Só assim haveria uma ren ú ncia concreta de
direito(s) dispon ível (eis), n ão se incluindo, portanto, no â mbito da proibi çã o
de ren ú ncia antecipada presente no art . 809.9 do CC.
Assim, pode-se dizer que a responsabilidade110 é imperativa quanto à impos-
sibilidade dos responsáveis (devedora principal e garante) a afastarem por
acordo, ou por vontade concertada com o credor quando este esteja a renun-
ciar antecipadamente a toda e qualquer possibilidade de recurso ao art. 501.9.
Quanto ao resto, i.e., à possibilidade do próprio credor renunciar casuistica-
mente à activa çã o do art. 501.9, a responsabilidade111 será dispositiva.

Capí tulo IV - O regime jur í dico da responsabilidade: pressupostos,


momento da sua verificação e cumprimento

A. Os pressupostos da responsabilidade

Para o credor da sociedade dominada poder activar a responsabilidade da


sociedade dominante têm de estar verificados os seguintes requisitos:

107
Neste sentido, MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit., p. 110 s..
108
Idem, p. 111.
loy
ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 813, n. 1593.
no Rectius, a norma (art . 501.Q).
111
Idem .

486
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

a) A existê ncia de uma relação de grupo por dom í nio total;


b) Ter a sociedade dominada constitu ído d í vidas antes ou depois da for-
ma çã o do grupo (mas só até ao termo deste);
c) A sociedade dominada estar constitu ída em mora;
d ) E o decurso de um prazo de 30 dias sobre essa mora.

1. A existência de uma relação de grupo por domí nio total: pressupostos


da sua formação

1.1. Os sujeitos relevantes

1.1.1. O tipo dos sujeitos

No dom í nio total inicial , o sujeito activo (sociedade dominante) poder á


revestir qualquer um dos tipos societ á rios previstos no art. 481.Q/1, i.e., SQ
(arts. 197.9 ss.), SA (arts. 271.® ss.) ou SCA (arts. 465.9-473.9 e 478.9-480.9),
podendo qualquer uma das duas primeiras sociedades (SQou SA) ser pluri-
pessoal ou unipessoal112 (atento ao seu regime, a SCA será por definição pluri-
pessoal 113). Já o sujeito passivo (sociedade dominada) poderá , seguramente, ser
uma SAU (cf. art. 488.9/ l), discutindo-se, no entanto, na doutrina se à cons-
tituição de uma SQU por qualquer um dos sujeitos activos referidos se apli-
cam as normas do grupo por dom í nio total 114 (arts. 488.9, 491.9, 501.Q-504.9)

112
Neste sentido, RICARDO COSTA , Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume VII
(Artigos 481r a 545.-), Coord. J. M. COUTINHO DE ABREU, Almedina, 2014, p. 110 s..
113
Cfr, sobretudo, o n .9 1 do art. 465.9 e o art. 479.9. Ainda que se admitisse que a SCA se
pudesse constituir ou manter duradouramente com apenas 1 sócio comanditá rio - e tal n ã o
nos parece, dado que o art. 479.9 n ão estabelece nenhuma excepçã o para a sociedade poder
ser constitu ída por n ú mero inferior a 5 sócios comandit á rios, contrariamente à ressalva que
a parte final do n.91 do art . 273.9 faz para as SA) o certo é que ainda assim teria de integrar
um sócio comanditado, nos termos do art . 465.9. Assim , a SCA será pluripessoal por definição
do seu especí fico regime.
114
Neste sentido, v.g., ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., pp. 850-852; F. CASSIANO DOS
SANTOS, “Sociedades unipessoais por quotas, exercício individual e reorganiza ções empre-
sariais - reflexões a propósito do regime legal ”, DSR , A 1, Vol. 1, Almedina , 2009, p. 126;
A Sociedade Unipessoal por Quotas, Coimbra Ed ., 2009, pp. 74 s. e 85 ss.; COUTINHO DE ABREU,
“ Responsabilidade Civil nas Sociedades...”, cit., pp. 228 s..

487
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

ou o regime das “sociedades unipessoais por quotas ” (arts. 270.9-A


a 270.9-G)115.116
Sem nos determos sobre os extensos argumentos mobilizados, quer por
uma parte da doutrina , quer por outra , parece-nos ainda assim que , em
raz ã o da fá cil contornabilidade prá tica à proibiçã o estabelecida no n .9 2 do
art. 270.9- C - j á que a SQU que directamente se visse impedida de consti-
tuir uma SQU, poderia constituir uma SAU origin á ria, a qual , por sua vez,
poderia constituir outra SQU, passando ent ão a primeira SQU a constituir
o vé rtice de um grupo por dom í nio total directo (na rela çã o entre SQU m ãe
e SAU constitu ída originariamente) e indirecto (na rela ção entre SQU mãe
e SQU constitu ída pela SAU origin á ria) -, deve permitir-se que uma SQU
constitua de forma origin á ria uma SQ, na qual subscreva todas as partici-
pações sociais ( portanto, outra SQU), mediante interpretação extensiva da
regra excepcional do n.91 do art . 488.9 (cf. art. II .9 do CC). Se assim é, ent ão,
por maioria de razã o (ou , pelo menos, por igualdade de razão), também por
interpreta çã o extensiva dessa norma , se deverá admitir a constituiçã o origi-
ná ria de uma SQU por parte de uma das restantes sociedades que caibam no
â mbito das referidas no n.9 1 do art. 481.9 (/.£., al é m do sujeito activo poder
ser uma SQU, como referido, també m poder á ser uma SQpluripessoal; bem
como uma SA , pluripessoal ou unipessoal; e ainda uma SCA , necessaria-
mente pluripessoal ). Tal constituição origin á ria de uma SQU implica assim
a formaçã o de um grupo por dom í nio total inicial, com a aplica çã o, nã o dos
arts. 270.9-A-270.9-G previstos para a “sociedade unipessoal por quotas”, mas
do regime e dos efeitos pró prios dos grupos constitu ídos por dom í nio total
(y.g., os n.9s 4, 5 e 6 do art. 489.9, ex vi do n .9 3 do art . 488.9, bem como os arts.
501.9 a 504.9, exvi do art. 491.9).

115
Assim , v.g., RICARDO COSTA, “ Unipessoalidade...”, cit., pp. 94 ss., Idem , CSC em Comentário,
Volume VII (Artigos 48l.ç a 545.Q), cit., pp. 113-119; PEDRO MAIA/A. PINTO MONTEIRO, cit ., p. 147,
n . 26 (estes ú ltimos Autores, embora n ão adoptando expressamente esse sentido, dizem que
o regime dos grupos est á voltado para a an ó nima unipessoal).
116
Relacionada com esta quest ã o surge a questão do relevo da proibição do art . 270.9-C/ 2 , i.e.,
de saber se em face da proibição a í estabelecida uma SQU poderá ou nã o ter como sócio ú nico outra
SQU. F. CASSIANO DOS SANTOS, A Sociedade Unipessoal..., cit., pp. 88 s., ao defender a extensã o
teleológica do art . 488y/ l , e a sua integra ção à luz dos arts. 270 y -A ss., conclui que uma SQU
pode constituir outra SQU, a qual « n ão é uma sociedade unipessoal por quotas no sentido
dos arts. 270.y-A ss., mas antes uma sociedade por quotas unipessoal de grupo [ por domínio

488
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

Relativamente ao dom í nio total superveniente , dir-se-á , em termos


gerais, que quer o sujeito activo, quer o passivo ter ã o de revestir um dos tipos
societ á rios mencionados no art . 481.2/ 1.117. No entanto, importa fazer algumas
observações. Com efeito, o sujeito activo (sociedade dominante) poder á ser
uma SA ( pluripessoal ou unipessoal), uma SQ ( pluripessoal ou unipessoal)
ou uma SCA (necessariamente pluripessoal).118 Já o sujeito passivo (sociedade
dominada supervenientemente) evidentemente que poderá ser uma SAU ou
uma SQU - em rigor, até se pode dar o caso de uma dessas sociedades vir a
deixar de ser unipessoal: cf. n. 134 -, mas já não poder á ser uma SCA, dado
que o regime desta é incompat ível com uma situaçã o de unipessoalidade
(cf. n. 113)119.

Depois de analisados os tipos de sujeitos relevantes para a constituição de


uma rela çã o de grupo, quer por dom í nio total inicial , quer por dom í nio total
superveniente , cabem , no entanto, algumas notas. Antes de tudo, a opçã o do
legislador de definir determinados sujeitos como relevantes, excluindo outros,
afigura-se-nos criticável porque os riscos que o regime das sociedades coli-
gadas, em geral, e o dom í nio total, em particular, visam acautelar verificam-

total inicial ] (como uma an ónima pode ser...) » (cf. p. 89), estando sujeita ao regime da res-
ponsabilidade ilimitada (501-) dos grupos, pelo que , assim , n ã o seria posta em causa a ratio
do art . 2709-C/ 2, que é a de «evitar o encadeamento de responsabilidades limitadas de um
sujeito ú nico, que o regime dos grupos també m acautela, e é evitar assim a fuga ao regime dos
grupos » (cf. p. 85). Por sua vez , RICARDO COSTA, sendo da opinião que o sujeito passivo de
uma rela çã o de dom í nio total inicial n ão pode ser uma SQU (apenas uma SAU), em virtude
da proibição estabelecida no n .9 2 do art . 270.9-C e não só - cf. CSC em Comentário, Volume VII
( Artigos 481.9 a 545 °), cit., pp. 113-119 -, defende ainda que essa proibição tem relevo quando
uma SQ ( pluripessoal ), que seja sócia ú nica de uma SQU, se tornar supervenientemente numa
SQU. Para o Autor, ocorrendo essa situaçã o, apenas n ão funcionará a proibição do n .Q 2 do
art. 270.9-C e a consequente dissolu ção nos termos do n .9 3 do mesmo preceito normativo
se a SQderivadamente unipessoal - titular da SQU - evoluir para uma situa ção de dom ínio
total superveniente, através da tomada, no prazo de 6 meses, da deliberação prevista na al.
c) do n.9 2 do art . 489.9 - cfr. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume IV (Artigos
2469 a 270 Q- G), Coord . J . M. COUTINHO DE ABREU, Almcdina , 2012, p. 308.
1,7
Cf. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 858: « No silê ncio do legislador, sã o aqui de
considerar como inteiramente aplicá veis os requisitos subjectivos gerais de aplicabilidade das
normas em matéria de sociedades coligadas, previstos nos n9s 1 e 2 do art . 4819 (...) ».
118
Cf. COUTINHO DE ABREU, CSC em Comentário, VII (Artigos 481.9 a 545.Q), cit., p. 127.
119
També m assim , v.g , A . PERESTRELO OLIVEIRA, CSC Anotado, cit., p. 1157.

489
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

-se independentemente do tipo societ á rio - bem , em nosso entender, andou


o legislador alemão, para o qual a forma do sujeito activo n ã o relevou para
efeitos de aplica ção do regime especial do “AktG ”, podendo esse sujeito ser,
amplamente, qualquer “empresa”.
Depois, deve considerar-se que também as sociedades civis sobre a forma
comercial que adoptem um dos tipos societ á rios referidos no art. 481.Q/1 pode-
rã o ser abrangidas por, v.g , rela ções de dom í nio total (cf. art. l .9/4).120
Em terceiro lugar, já foi admitido em ju ízo que o regime das sociedades
coligadas també m se deve aplicar a empresas p ú blicas (actuais EPE)121.
Em quarto lugar, uma SGPS, que, tendo como ú nico objecto a gest ã o de
participa ções sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercí-
cio de actividades económicas - n ã o podendo exercer directamente activi-
dades comerciais ou industriais (art. 1.-/1 do DL n ° 495/88, de 30/12) -, pode
ser sociedade totalmente dominante de outra (s) sociedade (s)122, de acordo,
aliás, com o art. ll.Q/ l do DL, e isso é justamente o que se passa , na prá tica,
nos grupos de maior dimensão que, por norma , t ê m na sua c ú pula uma SA ou
uma SQ (art. 2.Q/1 do DL) com o objecto de uma SGPS (ou sociedade holding),
que comanda ou supervisiona todas a sociedades que integram o grupo123.
Por ú ltimo, diga-se, contudo, que o objecto social dos sujeitos do dom í nio
total n ão é irrelevante, pois, p. ex., uma sociedade constitu ída para o exercí-
cio da actividade bancá ria , por um lado, n ã o pode, em virtude das obriga ções
e responsabilidades que isso acarreta , ser uma sociedade totalmente domi-
nante de outra com objecto social diferente e, por outro lado, devido às regras
especiais da sua administra ção, també m não poder á ser o sujeito passivo de
uma rela ção de dom í nio total.124

120
Assim , ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 296, n . 607
121
O problema verificou-se no Ac. do TRL de 26-04-90. Cf. DIOGO PEREIRA DUARTE , cit.,
p. 233.
122
V. ANA RITA ANDRADE , cit ., pp. 127-130. Igualmente neste sentido, v. RAUL VENTURA,
Contrato de Subordinação, cit .,p. 42. Por seu turno, PAULO OLAVO CUNHA , Direito das Sociedades...,
cit., pp. 972 s., ao apresentar vá rios aspectos que permitem a diferencia çã o entre SGPS c grupo
de sociedades, parece apontar em sentido contrá rio.
123
Cf HENRIQUE MESQUITA , OS Grupos...”, cit., p. 235.
124
Neste sentido, RAUL VENTURA , “Contrato de Subordina çã o...”, cit., p. 42. Sobre os grupos
bancá rios , v. CATARINA SILVA , OS Grupos Bancá rios no Regime Geral das Instituiçõ es de
Crédito e Sociedades Financeiras”, ROA , A 57, III , 1997.

490
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

1.1.2. O estatuto pessoal dos sujeitos

A regra quanto ao estatuto pessoal dos sujeitos vem estabelecida no proé mio do
art. 481.ô/2: “o presente t ítulo [“Sociedades Coligadas”] aplica se apenas a -
sociedades com sedeus em Portugal”.
Antes de mais, cabe precisar um ponto: qual é a “sede ” social relevante
para a aplica ção deste regime, a sede principal e efectiva ou a sede estatutária126 ?
Pois bem , o art. 3.Q/1 conté m uma regra de conflitos para determinação
da lei pessoal da sociedade. Na 1- parte da norma , o elemento de conexão
relevante é a lei do pa ís onde se situa o centro da sua administra ção e deci-
sã o, i.e., a sua “sede principal e efectiva ” Contudo, nos termos da 2 - parte da
norma, a lei da sede estatut á ria , quando esta sede se situar em Portugal e a
sede efectiva no estrangeiro, n ão pode ser oposta a terceiros - princípio da ino-
ponibilidade a terceiros da lei do pa ís onde se situa a sede efectiva da sociedade,
se a sede estatut á ria desta sociedade tiver sido estabelecida em Portugal 127.
Ora , tendo em conta a norma conflitual do art. 3.Q/1, independentemente
da sede estatutá ria se situar ou n ão em Portugal, se a sede principal e efec-
tiva das sociedades intervenientes no dom í nio total se situar em terras lusi-
tanas, o regime aplica-se sem qualquer d ú vida. De outro modo, se esta sede
se situar fora do nosso pa ís, assim como a sede estatut á ria , també m n ão pare-
cem restar d ú vidas de que, sem qualquer conexão espacial ao nosso território,
nã o poderá ser aplicado o regime das sociedades coligadas. Resta-nos, ent ã o,
a possibilidade da sede efectiva se situar fora do território nacional e a sede
estatut á ria se situar dentro do mesmo. Ser á que devemos atribuir relevâ ncia
a esta sede para aplicação das regras relativas, v.g , ao dom í nio total?
Em primeiro lugar, a norma material espacialmente autolimitada do
art. 481.Q/ 2 n ão parece introduzir um conceito de excepçã o relativamente ao
conceito relevante de sede presente no art. 3.s/ l. Ali ás, a determina ção do que
se deve entender por sede para o primeiro artigo só será mesmo conseguida
mobilizando-se o segundo artigo.

125
A lei nã o esclarece, contudo, se a “sede“ relevante é a sede principal e efectiva ou a sede esta-
tutária. V. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 308 s., n . 634.
126
V. a quest ão em ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., pp. 308-309, n . 634.
127
Cf., p. ex., Rui PEREIRA DIAS, Código das Sociedades Comerciaisem Comentário,Volume I (Artigos Is
a 84 ç), Coord . J. M. COUTINIIO DE ABREU, Almedina , 2010, p. 74 (coment á rio ao art. 3.Q).

491
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

Em segundo lugar, existe uma presunção (pelo menos, parece que os tri-
bunais têm tido esse entendimento) de que se aplica à sociedade a lei onde
ela se constituiu e se fixou a sua sede estatut á ria128 (a não ser que o contrato
de sociedade tenha posteriormente sido alterado na parte relativa à localiza-
ção da sede estatut á ria) .
Para além disso, parece dever ser atend ível a relevâ ncia que a 2- parte do
art . 3.Q/1 atribui à sede estatut á ria situada em Portugal por sociedade que
também tem a sua sede efectiva noutro pa ís. No contexto das rela ções exter-
nas, seguramente ( p. ex., perante credores, o que permitiria a aplicação do
nosso art. 501Q), ainda que se possa aceitar, em face da formula çã o literal do
preceito (mas já n ã o em termos de justiça), que nas rela ções internas funcio-
naria apenas a sede efectiva.
Assim sendo, independentemente da sede efectiva se situar fora de Portu-
gal quando a sociedade tiver a sua sede estatut á ria no nosso pa ís, pensamos
,
que as regras estabelecidas para as sociedades coligadas (logo, també m para
o dom í nio total) devem ser aplicadas à concreta sociedade, ainda que só nas
relações externas. Embora a sociedade passe a ter o centro efectivo da sua
administra ção e decisã o fora de Portugal , o facto de n ão ter decidido alterar
o seu estatuto na cl á usula relativa à sua sede estatut á ria (continuando a ser
mantida em Portugal ), pode evidenciar que a sociedade continua a ter cone-
xã o (interesses) com o nosso pa ís, de modo que faz sentido, por razões de
justiça e igualdade, que se lhe continuem a aplicar não só os inconvenientes
(y.g., art. 501.e) mas també m as vantagens ( p. ex. o art. 503.Q) que a lei portu-
guesa lhe possa reservar.
Feita esta incursão inicial para determinar qual o conceito de sede que est á
subjacente ao n.Q 2 do art. 481.8, passemos agora a analisar em termos mate-
riais o estatuto pessoal propriamente dito dos sujeitos: a necessidade das SA ,
SQ ou SC A (ambas as sociedades, i.e., tanto o sujeito activo da rela çã o como
o passivo) terem a sua sede em Portugal.
No dom í nio total superveniente, tendo em conta a letra da regra supra
enunciada , parece-nos que o legislador ter á querido que, quer o sujeito pas-
sivo da relação, quer o sujeito activo tivessem a sua sede em Portugal, n ã o obs-

128
Assim , Lu ís LIMA PINHEIRO, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coord. ANTó NIO
MENEZES CORDEIRO, Almedina , 2009, p. 76 (anot. 12) e p. 68 (anots. 16 e 17).

492
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

tante alguns autores129 dizerem que tal opçã o pode representar uma viola ção
do princí pio da igualdade consagrado no art. 13.9 da CRP (e at é mesmo do
art. 81r/ f ) também da CRP), assim como dos arts. 499/ 2, 2 - parte, 54.9, 55.9 e
18.9 do TUE, que proí bem que um Estado-Membro crie regimes diversos em
função da nacionalidade para os agentes económicos.
Por sua vez, quanto ao dom í nio total inicial, foi introduzida , com o DL
n .9 76-A / 2006, de 29 de Março, a al í nea d ) do n 9 2 do art. 481.Q, que consti-
tui uma ressalva em rela ção ao proé mio da norma e que, nos termos do art.
488.9/ l/ 2, vem permitir a constituição de uma sociedade anónima unipes-
soal (que terá a sua sede em Portugal ), por uma sociedade cuja sede nã o se
situe no nosso pa ís - vindo legitimar juridicamente uma prá tica que, mesmo
sem essa al í nea , ía sendo aceite por alguns not á rios. No entanto, a lei nã o nos
garante que com esta constituição se forma uma rela ção de grupo. PEDRO
MAIA e PINTO MONTEIRO130 são da opini ã o que esta rela çã o n ã o surgirá entre
a sociedade estrangeira e a sua sociedade unipessoal portuguesa , essencial-
mente, devido a dois argumentos.
O primeiro, parte da letra do art. 489.9/4, a) - que n ã o foi alterada pelo
legislador de 2006 -, que refere claramente que o grupo termina quando a
sociedade dominante deixa de ter a sua sede em Portugal , pelo que, assim
sendo, o art. 481.-/ 2, d ) nã o poder á ser considerado como uma verdadeira
excepçã o à norma espacialmente autolimitada ( proé mio do art . 481.9/ 2),
o que o fará somente abranger a constituição da referida sociedade anónima
com sócio ú nico estrangeiro (art. 488.9/ l e 2), sem que, com isso, estejamos
perante uma rela çã o de grupo por dom í nio total inicial (logo, n ã o se aplica-
rã o os seus efeitos, v.£., os arts. 501.9 e 503.9).
O segundo argumento - e, a nosso ver, o mais importante - liga-se à ratio
do proé mio do art. 4819/2 - pelo que também vale para a situa ção de dom í-
nio total superveniente -, que, paradoxalmente, acaba por ter uma finalidade
tuteladora dos credores da sociedade dominada. Efectivamente, embora , por
um lado, o facto de nã o se estar perante uma rela ção de grupo n ã o permita

129 V.g , L . CARVALHO FERNANDES/ JOã O LABAREDA , “A situa ção dos accionistas perante
d ívidas da sociedade an ónima no Direito portugu ês ”, DSR , A 2, Vol . 4, 2010, pp. 40-42; e
Rui PEREIRA DIAS, Responsabilidade por exercício de influência sobre a administração de sociedades
anónimas, Almedina, 2007, pp. 269 ss..
130
Cf. PEDRO MAIA /A. PINTO MONTEIRO, cit., pp. 140-144.

493
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

que estes credores façam uso da responsabilidade contida no art. 501.g - mas,
mesmo que o legislador tivesse optado por consagrar uma rela çã o de grupo,
sendo ent ão esta responsabilidade aplicá vel, os credores deparar-se-iam com
dificuldades vá rias, v.g., de ordem económico-financeira , log ística e jur ídica ,
para poderem exercer os seus créditos, o que n ão é difícil de perceber, dado
que teriam de pôr em marcha uma responsabilidade num ordenamento jur í-
dico de um outro pa ís mais ou menos longí nquo -, por outro lado, a sociedade
controladora estrangeira també m não poderá emitir instruções vinculantes
(art. 503 °), nomeadamente desvantajosas, à sociedade controlada , o que, segu-
ramente, evitar á a diminuição da garantia dos seus créditos (cf. Cap. II, 2.1.1.),
acabando por lhe conferir uma protecçã o superior à quela que o art. 501 ° con-
seguiria alcançar, em rela ção aos credores da sociedade dependente. E que,
pode até parecer outro paradoxo, mas mesmo estes credores n ão serão sempre
protegidos com o art. 501.-, bastando para isso pensar-se que a sociedade-m ãe
se pode livrar de qualquer patrim ónio, transferindo-o para uma sociedade-
-irm ã , que, por isso, n ão responderá perante os credores da sociedade-filha-
-devedora (sua irm ã)131. De facto, a responsabilidade por d ívidas do art. 501.Q
apenas é imputada à sociedade dominante, não ao grupo (que n ão tem per-
sonalidade jur ídica132, o que se justifica , porque seria praticamente o mesmo
que perder a autonomia jur ídica dos entes societ á rios que o compõem , auto-
nomia essa , que, como vimos, é a caracter ística de distin çã o dos grupos e a
que os impulsiona), nem às sociedades-irm ã s da devedora 133 que o integrem .
E é precisamente aquela situa çã o, i.e., o facto de sobre a sociedade
estrangeira n ã o recair a responsabilidade, mas també m não poder exerci-
tar o controlo por interm édio das instru ções vinculantes, que nos faz con-
siderar - também em linha com os Autores mencionados -, que, no caso do
art. 481.Q/ 2, n ão se estar á perante uma viola ção das normas da CRP e do TUE
supra referidas, uma vez que o princípio da igualdade - que, amplamente, é
o que acaba por estar subjacente a todos aqueles preceitos -, só estaria em

131
Assim , M . AUGUSTA FRANç A , cit ., p. 67 s.; M. DE FáTIMA RIBEIRO, cit., p. 418 s., n . 97.
132
Cf. JUSTINO DOMINGUEZ, “ Recientes Desarrollos del Derecho de los Grupos de Sociedades
en el Derecho Espanol ”, BFDUC , Coimbra Ed ., 2000, p. 83.
133
A. PERESTRELO OLIVEIRA ( Grupos de Sociedades..., cit., p. 664) considera , no entanto, que
a responsabilidade das sociedades-irm ã s (responsabilidade horizontal ) poder á acontecer
quando se verifiquem situa ções excepcionais extremas.

494
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

causa se a sociedade com sede no estrangeiro beneficiasse do poder de direc-


ção mas nã o lhe fosse aplicado o reverso da medalha , ou seja , o art. 501 °, pois,
de outro modo - como é o caso - a sociedade estrangeira que seja sócia ú nica
de uma sociedade portuguesa não est á realmente no mesmo plano de seme -
lhança das sociedades que estejam em relação de grupo por dom í nio total,
onde controlo e contrapesos, benef ícios e desvantagens se verificam , abstrac-
tamente, em simult â neo.

1.2. A detenção de uma participação totalitária

A deten ção por parte da sociedade dominante de 100% do capital social da


sociedade dominada é condiçã o necessária para que se possa formar um grupo
por dom í nio total inicial ou superveniente1"4.
Para se apurar esta percentagem, há que ter em conta que o que interessa
é o valor do capital social nominal ou estatutário da sociedade dependente -
cf. arts. 9 °/ l,/) eg) e 14.Q; 199r/ a) e 201.9, quanto às SQ; e arts. 272r/ a) e 276.Q,
quanto à s SA 135 - tendo a sociedade dominante que subscrever (na rela çã o
de dom í nio inicial ) ou adquirir, volunt á ria ou forçadamente - cf , p. ex., art.
490.9/5 - (na rela çã o superveniente) as participa ções sociais (tomadas pelo

134
Contudo, em rigor, já n ã o se pode dizer que a titularidade total das participações sociais
seja uma condição necessá ria para a manutenção desta relaçã o de grupo. De facto, a socieda-
de dominante pode, posteriormente à formaçã o do dom í nio total, fazer uma venda parcial
de participações (ate 10 % do capital ) , sem que o dom í nio perca a qualificaçã o de “ total ”
nos termos da lei, mantendo-se, por isso, todos os efeitos jur ídicos que lhe est ã o associados
(cf. arts. 489.Q/4, c) e 488.Q/3). Até porque, sobrevindo posteriormente à constituição da si -
tuaçã o de unipessoalidade outro (s) sócio (s) que detenha (m) essa tal percentagem do capital
social até 10% da sua totalidade , em face do art. 490.Q (aquisição tendente ao dom í nio total ),
esse(s) outro(s) sócio(s) pode (m) ver-se forçado (s) a ficar sem as suas participações por ini-
ciativa da sociedade dominante (cf. n9 3) ou cle (s) pró prio(s) exigirem que esta as adquira
(cf. n .9 5 e n.9 6), pelo que, assim , a sociedade dominante, que tinha ficado momentaneamente
com uma percentagem de capital da dominada entre 90% e 99,99%, pode voltar, a prazo, por
força do art . 490.9, a adquirir a totalidade do mesmo. Para PAULO OLAVO CUNHA , Direito das
Sociedades..., cit., p. 960 s., qualquer percentagem situada entre esses dois valores faz surgir uma
rela ção de grupo por dom í nio total , pelo que o Autor nem sequer vê a participa ção totalit á ria
como uma condiçã o necessá ria para a forma çã o desta rela çã o.
135
Quanto às SCA , dado que sã o pluripessoais por definição, j á vimos que n ão podem ser
sujeito passivo de uma rela ção de dom í nio total: cf., supra , pt. 1.1.1.

495
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

seu valor nominal) que correspondam à totalidade do valor nominal daquele


capital social , sem que, por um lado, releve o poder de voto que esteja asso-
ciado a essa participaçã o totalitá ria 1*6 e, por outro lado, sem que se deva ter
em conta os eventuais circunstancialismos jur ídico-negociais que onerem as
participações (y.g , usufruto, penhor - cf. art. 23.-).137
No que ao domí nio total superveniente exclusivamente diz respeito, refiram-
-se duas notas: a primeira , para dizer que nem sempre será possível a aquisi-
ção de participações sociais, podendo existir impedimentos legais ( yg , normas
de direito da concorrê ncia) e estatutários (y.g , arts. 229P/ 1 e 328.9/ 2)138 aA cons-
tituição do grupo por essa via.139
A segunda prende-se com a titularidade da participa çã o totalitá ria , que
pode ser directa ou indirecta (cf. arts. 489.9/ l e 483.9/ 2). Efectivamente, a socie-
dade-mãe pode ela mesma fazer a aquisição derivada e directa da totalidade
das participações numa sociedade (situa ção em que ser á a propriet á ria for-
mal de todas as participações sociais da sociedade dependente). Ou ent ão,
mesmo sem o fazer, releva, por efeito do art. 483.9/ 2, a totalidade do capital
social detido numa sociedade por uma sociedade que seja sua (da primeira)
dependente directa ou indirecta (cf. art. 486.9) ou que esteja com ela numa
relação de grupo (cf. arts. 488.Q ss., 492.9 e 493.Q ss.); ou ainda, o detido por
interposta pessoa ( ‘ pessoa” - singular ou colectiva - “que seja titular da tota-
^
lidade das acções - ou das quotas, por interpreta ção extensiva - por conta ”
de outra sociedade nos termos do art. 483.Q/ 2, i.e., por conta directa da primeira
sociedade (sociedade-m ãe) ou por conta indirecta desta , o que significa , neste
ú ltimo caso, que essa pessoa tem de ter uma detençã o por conta directa de uma
sociedade que seja dependente directa ou indirecta dessa primeira (socie-
dade-mãe) ou esteja com ela em rela ção de grupo). Ou seja, são equiparadas
às participa ções directas as participações meramente indirectas no capital social
de outra sociedade. Acontece, assim , a forma çã o de um grupo vertical por

136
Contrariamente ao que se passa , p. ex., para se dar uma aquisição [ potestativa] tendente
ao dom í nio total de sociedade aberta no mercado de capitais, em que tem de haver uma de-
ten çã o de 90% dos direitos de voto correspondentes ao capital social (cf. art . 194.- do CVM ).
137
Cf. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 338 s. e 861 s..
138
Para desenvolvimentos sobre estes eventuais impedimentos estatutá rios, v. A . SOVERAL
MARTINS, Cláusulas do Contrato de Sociedade que Limitam a Transmissibilidade das Acções, Alme-
dina , 2006.
139
Cf. PAULO OLAVO CUNHA , cit., p. 957.

496
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

dom í nio total entre uma primeira sociedade (dominante material indirecta) e
uma outra (dominada material indirecta) - contanto que, quer o sujeito activo
material, quer o sujeito passivo material, sejam uma das sociedades referidas
no art. 481 ° -, cuja totalidade da participa ção social da segunda é detida for-
mal e directamente por qualquer um dos sujeitos referidos no art. 483.9/ 2 e,
por isso, torna-se indirecta e materialmente detida pela primeira sociedade ,
ú ltima benefici á ria económica da participaçã o.140
Para alé m de ser uma condiçã o necessá ria , resta saber se a detenção tota-
lit á ria ser á condição suficiente - estando já cumpridos os pressupostos relativos
aos sujeitos - para que o dom í nio total nasça. Veja-se o que segue.

1.3. 0 momento da formação do grupo

A determina ção do momento em que a rela ção de dom í nio total nasce é fun-
damental para a aplicação dos efeitos que lhe estão associados, como é o caso
da responsabilidade contida no art. 501.-.141
No domí nio total inicial , observados todos os requisitos da constituição
da sociedade unipessoal dominada142, pode-se considerar que o grupo nasce
com o registo definitivo do contrato que prevê essa constituiçã o143 (cf. art . 5.9
CSC e arts. 3.9/ l/ a), 15.9/1 e 70.9/ l / a) CRCom). O registo deste contrato tem ,
assim, efeitos constitutivos da rela çã o de grupo por dom í nio total inicial.144

140
Vg, a sociedade por quotas A domina totalmente a sociedade an ó nima D, n ão por deter
directamente a totalidade do capital social desta , mas porque existe um terceiro (C), por
exemplo, uma pessoa singular com um mandato sem representação (porque se houver repre-
sentaçã o n ão se trata j á de uma verdadeira interposiçã o de pessoa) que adquiriu a totalidade
das acções da sociedade D por conta de outra sociedade ( B), que, por sua vez, está subordinada
à primeira sociedade (A) por força de uma rela çã o de grupo por contrato de subordina çã o.
Assim , embora à primeira vista n ão parecesse existir qualquer relaçã o de grupo por dom í nio
total entre A e D, esta acaba por existir indirecta e sequencialmente por interm édio de uma
sociedade em rela ção de grupo seguida de uma interposta pessoa.
141
Cf. MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...” cit., p. 103.
142
Veja -os em ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 854.
143
Assim , MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit ., p. 103.
144
Assim , v.g., MARIA ELISABETE RAMOS, “Constituição das Sociedades Comerciais”, Estudos
de Direito das Sociedades (Coord. J. M. Coutinho de Abreu), Almedina , 2010, p. 69.

497
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

Em rela çã o ao dom í nio total superveniente, atente-se ao art. 489.9.


A 1- parte do n.9 1 (até “salvo” ), aparentemente, evidencia que o grupo será
formado ope legis (“ por força da lei ” ), quando a sociedade dominante tenha a
detenção directa ou indirecta da totalidade das participações sociais da socie-
dade dominada ( passando esta a “ não [ter] outros sócios” para alé m da pri-
meira sociedade: situa çã o de unipessoalidade). Aparentemente, reforça esta
tese o n .9 3, també m do art . 489.9, o qual, ao dispor que mesmo“enquanto não for
tomada alguma deliberação - das três previstas no n .9 2 que podem ser tomadas
em alternativa - a sociedade dependente considera -se em relação de grupo com a
sociedade dominante ”, tal significaria que esta rela ção já se teria constitu ído
antes dos sócios da ú ltima sociedade se pronunciarem. Alegadamente, nos
termos da 1- parte do n .9 1, o dom í nio total ter-se-á formado, ope legis, com a
circunst â ncia fá ctica de a dominante deter 100 % do capital da dependente,
sendo que, por isso, a deliberação alternativa dos sócios teria um efeito mera-
mente ratificativo (al. c) do n .9 2) ou extintivo (ais. a) e b) do n .9 2) desta rela-
ção de grupo. É assim, fundamentalmente nestes termos, que se reconduz a
apelidada tese do domínio instantâ neol45.
Contudo, que valor atribuir à parte final do n.91 do art. 489.9 (de “salvo” em
diante)? Parece que o texto da norma quer introduzir uma ressalva à forma ção
do grupo, i.e., o dom í nio total nasce “ por força da lei ”, a n ão ser que (“salvo”)
a sociedade dominante, nos 6 meses seguintes à quela deten ção, delibere em
AG sobre a dissolu çã o da sociedade dominada (cf. arts. 489.9/ 2, a) e 489.9/4,
b){ 46) ou sobre a alienaçã o de quotas ou acções desta em percentagem supe-
rior a 10% do seu capital (cf. arts. 489.9/ 2, b) e 489.9/4, c)). Deste modo, perante
a conjuga çã o do n.91 e do n.9 2 do art. 489.9, a relaçã o de dom í nio total só se
formaria se a sociedade dominante, para além de ter a titularidade directa ou
indirecta de 100% do capital social da sociedade dependente, n ão decidisse

145
Privilegiam este entendimento, v.g., ENGR áCIA ANTUNES, Os Direitos dos Sócios da Sociedade-
-M ãe na Formação eDirecção dos Grupos Societários, UCP Ed ., Porto, 1994, p. 62; RICARDO COSTA,
“ Unipessoalidade...”, cit., pp. 97 e 99 s.; CASSIANO DOS SANTOS, A Sociedade Unipessoal..., cit.,
p. 73; A. PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades Comerciais - Valores Mobiliáriose Mercados, Coimbra
Ed ., 2011, p. 629.
146
Esta ú ltima norma refere-se apenas à dissoluçã o da sociedade dominante, mas, extensiva-
mente, por um argumento de igualdade de raz ã o, també m se dever á considerar que a rela çã o
de grupo se extingue quando a sociedade dependente se dissolver. Assim : ENGR áCIA ANTUNES,
Os Grupos..., cit ., pp. 904 e 711-713.

498
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

tomar na sua AG, ou a deliberação da al. a), ou a da al. b). E , não optar por
nenhuma destas delibera ções, significaria que os sócios tomaram a delibera-
ção de “ manutenção da situa çã o existente ” (al. c) do n.Q 2), ou seja, optaram
por que a sociedade dominante continuasse a ter uma detenção totalit á ria
(ou , pelo menos, não inferior a 90%, nos termos do art. 489.9/4, c) a contrario -
v. n. 134) no capital social da sua dominada . São estes, no essencial , os prin-
cipais argumentos literais mobilizados pelos defensores da tese do domínio
diferido 147.
Verificamos, assim, que, à primeira vista , existe uma incompatibilidade inter-
pretativa relativamente aos n.os 1, 2 e 3 do art . 489.Q, os quais permitem que a
doutrina defenda duas teses diversas e contradit órias entre si. Ora, atendendo
ao art. 9.Q/3 do CC, vejamos se é poss í vel a compatibiliza çã o normativa e a
consequente determina çã o do momento em que grupo começa a produzir
os seus efeitos jur ídicos (em especial , no art. 501.9).

I . A condição legal do art . 489.ç/ l , “infine”

Ser á que a ressalva feita no n.9 1 “ in fine ” pretende apenas mostrar que o
grupo já formado termina quando for tomada a deliberação da al. a) ou da
al. b), ambas do n .Q 2? O legislador previu, no art. 489.Q/4, eventos extintivos
(não taxativos148) da relação de dom í nio total , nomeadamente, a dissolução
da sociedade dominante ou da sociedade dependente (v. n . 146) - al. b) - e a
circunstâ ncia de a sociedade dominante, directa ou indirectamente, passar a
ter uma participa ção inferior a 90% do capital social da sua dominada - al. c)
-, tornando-se notório que a primeira causa extintiva engloba a tomada de
deliberaçã o do art. 4899/ 2, a), e o segundo evento extintivo, por seu turno,
pode ser ocasionado com a tomada de deliberação do art. 489.9/ 2, c), ou melhor,
esta ú ltima deliberaçã o só extingue a rela çã o de grupo se for conjugada com
o art. 489.9/4, c), pois, de outro modo, se existisse uma alienação de partici-

14~
Desenvolvem esta tese, v.g., M . AUGUSTA FRANç A , cit., pp. 138-146 e PEDRO PAIS VASCON-
CELOS, “Constituiçã o de Grupo...”, cit. pp. 35 s.; COUTINHO DE ABREU, CSC em Comentá rio,
Volume VII (Artigos 481 ° a 545.g), cit., pp. 129 ss..
148
Cf. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., pp. 902 e 908. Apresentando o autor como
outros eventos extintivos a altera ção da personalidade de uma das sociedades (fusã o e cisão)
e a alteração do tipo social (transformaçã o).

499
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

pações que configurasse um valor até 10% do capital da dominada , a rela çã o


de dom í nio total não terminaria, faria apenas entrar em cena a situa ção de
(re)aquisição tendente ao dom í nio total (art. 490.Q) - v. n . 134. Por isso, nesta
sequ ência , não precisaria o legislador, antes do n.9 4, de ter preceituado, com
a ressalva do n .9 1, que a tomada dessas duas deliberações seriam duas cau-
sas extintivas da rela çã o de grupo formada nos termos da l â parte do n .9 1,
uma vez que acabá mos de ver que elas sê-lo-iam sempre por intermédio do
art. 489.9/4, mesmo que o legislador n ã o tivesse previsto a 2- parte do n.91.149
Assim sendo, cremos que a opçã o que o legislador transpareceu com a
redacção expressa desta ressalva tem um outro entendimento. Desde logo, o
n 91 do art. 489 9 parece claro em excepcionar a forma çã o do grupo quando se
verifique qualquer uma das duas deliberações do n 9 2 a í referidas. No entanto,
n ã o nos parece que o “salvo” seja uma verdadeira excepçã o, sen ã o: o grupo
forma-se ope legis e depois, atendendo à ressalva , se for tomada qualquer uma
dessas deliberações j á não se vem a formar? Uma vez formado, a rela ção est á ,
a nosso ver, constitu ída . Outra coisa será a de saber se após esta constituição
já se produzem ou n ã o efeitos jur ídicos.
Por isso, a ressalva da 2ij parte do n .9 1, permite dizer que a lei sujeita
o grupo formado ope legis ( pela detençã o fáctica da participa çã o totalitá ria)
a um acontecimento (a tomada de uma deliberaçã o) futuro (a ocorrer em AG
da dominante, no prazo de 6 meses) e incerto (pode ser tomada qualquer uma
das três delibera ções que se põem em alternativa nas ais. do n.9 2, mas, mais
do que isso, o grupo pode vir a extinguir-se se os sócios optarem pela deli-
bera ção da al. a) ou da al. b) ou a ser mantido se deliberarem no sentido da
al. cj). Ou seja, o grupo por dom í nio total parece-nos estar submetido a uma
condição legal, que é uma figura de condiçã o impró pria, que se caracteriza, tal
como a condiçã o verdadeira e própria ( p. ex. a condição suspensiva ou reso-
lutiva do art. 270.9 do CC), pela subordina çã o da eficá cia do negócio, rectius
do facto jur ídico (detenção da participa ção totalit á ria originadora do grupo)
a um evento futuro com car á cter incerto, mas distingue-se desta ú ltima no
que toca à fonte de subordinação, que resulta, não da vontade das partes, mas

149
M. AUGUSTA FRANç A, cit., p. 139, parece chegar a conclusão semelhante à nossa . Recen -
temente ,igualmente neste sentido, COUTINHO DE ABREU, CSC em Comentário, VII , ( Artigos
481.Qa 545.ç), cit , p. 130.

500
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

directamente ex legelS 0. Nas palavras de CARLOS MOTA PINTO151, ela traduzir-


-se-á em “circunst â ncias posteriores a um negócio, que a lei exige (...) como
requisito da eficá cia do mesmo negócio”. Assim , regra geral, a conditio juris ou
tácita será uma condiçã o suspensiva ou inicial, uma vez que ususpende a eficá-
cia do negócio, por maneira que ele só produzirá os seus efeitos se vier a realizar-se
o acontecimento visado” ] S 2.
Ora , é certo que a rela çã o de grupo nã o é um mero negócio jurídico153,
mas n ã o cremos que isso, só por si, seja impeditivo de podermos falar numa
conditio juris do dom í nio total, uma vez que ele configura, ainda assim , em
nosso entender, uma relação jurídica complexa, onde conseguimos encontrar
“ um conjunto de direitos subjectivos e deveres ou sujeições jur ídicas [uma
sé rie de relações jur ídicas singulares] estabelecidos alternadamente entre os
mesmos sujeitos unificados por um factor específico”154: a detenção fáctica de
uma participa ção totalit á ria (à qual, para ter relevâ ncia do ponto de vista da
aplicação do respectivo instituto jur ídico - as normas que regulam a relação
de grupo por dom í nio total -, terã o de ser somados os outros pressupostos
deste pt . 1.), que é o facto jurídico que vem a originar esse conjunto de direitos
e deveres, esse conjunto de relações. Efectivamente, desta relação de grupo
decorrem direitos subjectivos propriamente ditos e os seus correspectivos deve-
res jurídicos para qualquer uma das partes (1vg., , o direito de, nos termos do art.
503.9, a sociedade dominante emanar instru ções vinculantes lícitas à socie-
dade dependente e o dever desta as acatar; o direito de a sociedade depen -
dente exigir, de acordo com o art. 502.9, a compensa ção das perdas sociais
à sua dominante e o dever desta as compensar efectivamente), mas també m
conseguimos encontrar direitos potestativos e as suas sujeições jurídicas (y.g , o
poder de a sociedade dominante, só de per si, pôr termo à relação de grupo em
qualquer momento com a venda de um montante de participações da domi-
nada superior a 10% do capital desta ou com uma deliberaçã o que decrete

150
Cf. CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil , Coimbra Ed., 2005, p . 562. V. tb.
o Ac . do STJ dc 10 -12- 09 (Moreira Alves), proc. 312-C/ 2000.C 1-A . S 1 .
151
CARLOS MOTA PINTO, cit ., p. 562.
152
MANUEL DE ANDRADE apud M . HENRIQUE MESQUITA , “Anotação ao Ac órd ã o de 17
de Junho de 1999”, RLJ , N. 3908 e 3909, p. 342.
OS

153
V. o conceito em CARLOS MOTA PINTO, cit ., p. 379.
154
R . CAPELO DE SOUSA , Teoria Geral do Direito Civil , vol . 1 , Coimbra Ed ., 2003, p. 173.

501
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

a dissolu çã o desta ú ltima - cf. art. 489.9/4, b) [e tb. n. 146] e c) - e a sujeiçã o


da sociedade dominada , que tem de suportar inelutavelmente na sua esfera
jur ídica as consequê ncias extintivas do exercício daquele direito potestativo),
ónus jur ídicos ( p. ex., para que a sociedade dominante possa dar instru ções
vinculantes desvantajosas à sociedade dominada, essas instruções terã o de
servir os interesses da primeira ou os do grupo no seu todo - cf. art. 503 °/ 2),
entre outras decorrê ncias (como a responsabilidade da dominante perante
os credores da dominada: art. 501 °).155
Deste modo, quando o legislador se referiu , no n.9 2 do art. 489 °, “ à ocor-
rê ncia dos pressupostos acima referidos” (/.£., aos previstos no n ° 1) está, a nosso
ver, a incluir a condiçã o legal presente na 2- parte do n.Q 1. Na realidade, na
nossa opinião, o n.91 inclui dois pressupostos, um de constituição do grupo e
outro da sua efic á cia: o grupo encontra-se constitu ído no momento da deten-
çã o fá ctica da participa çã o totalit á ria (os pressupostos da constituição do
grupo est ã o verificados nesse momento) mas este ainda n ão produz efeitos,
só os produzindo se se verificar um pressuposto legal de eficá cia (o preenchi-
mento da condição legal): se n ã o for tomada a delibera çã o da al. a) ou da al. b)
do n .9 2, ou seja, se os sócios optarem pela da al. c), a qual define a continuação
do grupo. Analisemos, mais ao pormenor, os argumentos que consideramos
poderem ser mobilizados para a defesa da nossa posição.

a) Da perspectiva da letra da lei

Antes de mais, para se tratar de uma condição suspensiva, o dom í nio total
nã o pode produzir os seus efeitos essenciais enquanto não se verificar o acon-
tecimento condicionante, i.e., a relação de grupo só se tornaria perfeita se não
fosse tomada a deliberação da al. a) ou da al. b) do n ° 2 do art. 489 °, ou , se pre-
ferirmos, sefosse tomada a delibera ção da al. c) - de facto, interpretando o n °
1 “ in fine ” a contrario, é como se a í estivesse a ser dito: “ forma um grupo, por
força da lei , na condição de não ser tomada a delibera ção da al. a) ou da al . t í)”,
ou, recorrendo ao elemento sistem á tico: “ forma um grupo, por força da lei,
na condição de ser tomada a delibera ção da al. cf\

155
Quanto à estrutura da rela çã o jur ídica, v. CARLOS MOTA PINTO, cit., pp. 178-189.

502
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

Depois, o facto de o n.Q 1 dizer que o grupo se forma porforça da lei ( i.e., com
a verifica ção dos pressupostos da 1- parte do n.9 1), de o n.9 2, al. c), se referir à
‘ manutençã o da situação existente ’ e de o n.2 3 estipular que “enquanto não for
tomada alguma deliberação ” há já uma relação de grupo, por um lado, não obs-
tante evidenciar, com clareza, que o grupo j á est á constitu ído antes da AG ,
por outro lado, tal pode n ão querer necessariamente significar que a rela ção
de grupo j á começou a produzir os seus efeitos. Usando um raciocí nio ana-
lógico, é o que se passa com um negócio jur ídico que contenha uma condi-
ção suspensiva (cf. art. 270.2 CC), que n ã o deixa de ser previamente celebrado
(constitu ído) pelas partes e cujos elementos essenciais (y.g , a capacidade e
legitimidade das partes, a forma e perfeiçã o da declaraçã o negociai, os requi-
sitos do objecto) tê m de estar já presentes no momento dessa celebração, o
que acontece é que o negócio n ão começa a produzir os efeitos a que as par-
tes tendem com a sua celebra çã o, antes da condiçã o (elemento acidental do
negócio) hipoteticamente se verificar. Do mesmo modo, “ não se trata [na con-
dição legal] de um elemento constitutivo do pr óprio negócio (factualidade
negociai) e portanto de um requisito da sua existê ncia ou da sua validade.
Trata-se de algo exterior ao negócio, posto apenas como requisito da sua efi-
cácia . Os efeitos do negócio tê m como causa determinante o negócio mesmo.
A condi çã o legal será como a volunt á ria, simples condição tornada indispen-
sável para eles se produzirem ” 136.
Para al é m disso, o facto de o n .9 3 dizer o que acabá mos de mencionar
(“enquanto não for tomada alguma deliberação... ”), no nosso entendimento, tal
não se dirige à pró pria constituiçã o da rela ção de grupo, pois a isso já faz refe -
rê ncia o n.91, de modo que, sob pena de redund â ncia, se o grupo se forma
por força da lei, é óbvio que, enquanto não se realizar a AG para ser tomada
qualquer uma das deliberações, já haver á uma relação de grupo, se bem que
condicionada . De facto, o n .9 3 diz mais: “enquanto n ã o for tomada alguma
delibera ção, a sociedade dependente considera-se em rela ção de grupo com
a sociedade dominante e n ão se dissolve, ainda que tenha apenas um sócio \ Esta-
remos, a í, no per íodo de tempo em que o dom í nio total existe facticamente
mas está condicionado à tomada de posição dos sócios pela sua continuidade
(ou seja, estamos na pendência da condição), sendo que, enquanto não se rea-

156
MANUEL DE ANDRADE , Teoria Geral..., cit., p. 359 s., n . 2.

503
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

lizar a AG , obviamente que não se saber á qual ir á ser a sua vontade (se pela
manutençã o ou pela extin çã o do grupo), da í que o legislador pode [apenas]
ter querido acautelar possíveis pedidos de dissolu çã o. Com efeito, embora a
unipessoalidade (irregular) só possa determinar a dissolu ção se se verificar
por período superior a 1 ano - cf. art. 142.-/1, à) -, na prá tica pode-se verificar
que a AG prevista no art. 489.Q/ 2, não obstante dever ser convocada num prazo
de 6 meses157, já seja realizada passado 1 ano, pelo que, não fosse a excepçã o
do n.Q 3 do art. 489.9, e aplicar-se-ia a al. a) do n.Q 1 do art. 142.Q, motivando a
dissolução da sociedade dominada. Assim , é este o efeito ú til da norma: é por
se considerar em relação de grupo (duradoura/mantida - no caso da delibera-
çã o da al . c) do n .9 2 já ter sido tomada - ou sob condiçã o - enquanto n ã o for
tomada qualquer delibera çã o) com a sua dominante que a sociedade depen-
dente não se pode dissolver, dado que n ã o lhe será aplicável o regime geral
da unipessoalidade, o qual , podendo originar a sua dissolu ção, inviabilizaria
a continua çã o do grupo158.
Acresce que, se a sociedade dominante tivesse adquirido a participaçã o
totalit á ria de uma sociedade que já era unipessoal h á 4, 5 meses ou mais (sem
se tratar de uma situação anterior de grupo por dom í nio total ou de outra
forma de unipessoalidade duradoura, mas antes de unipessoalidade superve-
niente transitória , irregular), tal poderia, se n ão fosse o disposto no art. 489.9/3,
fazer com que a sociedade dominada fosse dissolvida enquanto n ã o fosse
realizada a AG do art. 489.Q/ 2 (o que inviabilizaria a continua çã o do grupo
constitu ído facticamente, nos termos do 489.9/ l), uma vez que estar íamos
numa situa çã o de unipessoalidade por per íodo superior a um ano, o que, por
isso, permitiria o pedido de dissolu çã o administrativa nos termos do referido
art. 142.9/1, al . a). Assim , a estipula çã o do art. 489.9/3 permite afastar uma das
consequências do regime geral da unipessoalidade, constituindo uma espe-
cialidade relativamente ao mesmo, i.e., prevalecendo sobre ele.
Assim, para se retirar um sentido ú til do art. 489.9/3, ele deverá ser lido
na sua globalidade: “ tomada a deliberaçã o prevista na al í nea c) do n ú mero

157
Note-se que a lei manda a sociedade dominante “convocar ” (e n ã o “ realizar ” ) a AG nos 6
meses seguintes à verifica çã o da situação de unipessoalidade. Assim , a realiza ção desta pode
acontecer para l á desse prazo.
158
Com conclusã o semelhante a esta (embora n ão nos fundamentos), M . AUGUSTA FRAN ç A,
cit., p. 144.

504
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

anterior ou enquanto n ã o for tomada alguma delibera ção, a sociedade depen-


dente considera-se em relação de grupo com a sociedade dominante e não se dissolve,
ainda que tenha apenas um sócio”. Ou seja, é por se considerar em relaçã o de
grupo (quer entre a detenção da participa ção totalit á ria e a realiza ção da AG ,
quer após a tomada da deliberação da al. cj) que a sociedade dependente não
se poderá dissolver, uainda que’’ tenha apenas como sócio ú nico a sociedade
dominante. Com efeito, mesmo tomada a delibera çã o da al. c), nada impede
que a sociedade dominante tenha alienado participações da dependente até
um montante de 10% do seu capital (v. art. 4899/4, c), a contrario; e n. 134),
continuando a existir uma rela çã o de grupo, uainda que ’ n ão exista uma situa-
ção de unipessoalidade. Por isso, n ã o existindo um sócio ú nico nessas situa ções,
obviamente que o art. 142.-/1, a) não poderia ser aplicado, logo a sociedade
dependente também n ão se dissolveria. Por isso, para n ão correr o risco de
ser redundante ( i.e., para n ã o estipular uma situa ção que à partida j á seria um
dado adquirido), bem vistas as coisas, o que a norma (o art. 489.9/3) nos parece
querer dizer é o seguinte: quando tenha apenas um sócio a sociedade depen-
dente considera-se em rela ção de grupo e [ por isso] n ão se [ pode] dissolve[r],
porque, efectivamente, como vimos, a sociedade dependente nem sempre terá
apenas um sócio, mas quando o tiver, ent ão estará protegida da dissolu ção
causada pela unipessoalidade, justamente, porque se considera em rela ção
de grupo, o que, segundo a norma, impede essa dissolu çã o.
Ademais, n ão nos parece que a parte do n.9 3, que dispõe que com a “tomada
a deliberação prevista na alínea c)...” existe uma rela ção de grupo, vise fundamen-
talmente elucidar sobre o momento da forma ção do grupo, pois o pró prio n.91
j á nos parece claro na defesa desta posição. Contudo, a função desta parte do
preceito pode claramente ser a de aduzir ao momento da verificação da condição
suspensiva: a tomada da deliberação de manutenção do dom í nio total (que é
o mesmo que os sócios n ã o terem optado por qualquer uma das outras duas:
al. a) ou al. bj). Por isso, no momento da verificação do evento condicional , os
efeitos do dom í nio total que estavam suspensos tornam-se efectivos ipso iure159.
PEDRO PAIS DE VASCONCELOS160, embora adoptando uma interpreta çã o
do art. 489.9 que não se reconduz a uma condição legal, acaba por defender

159
Cf. CARLOS MOTA PINTO, cit., p. 574.
160
PEDRO PAIS VASCONCELOS, “Constituição dc Grupo...”, cit. pp. 35 ss..

505
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

que o grupo apenas se constitui com a tomada da deliberação da al. c) do


n.Q 2 ou a nã o tomada de nenhuma delibera çã o no prazo de 6 meses, sendo que,
para o Autor, o sentido ú til do art. 489.9/3 é o de dizer que “o grupo constitui-
-se desde a data da concentração na sociedade dominante da totalidade das
quotas ou ações da sociedade dependente, retroativamente ”, pelo que “esta
retroatividade faz recuar a data de referê ncia da constituição do grupo por
dom í nio total superveniente à data da tomada da participação totalit á ria ”161.
Ora, conforme nos ensina MANUEL DE ANDRADE a propósito da condiçã o
legal, “ podemos especificar que a condição legal é imposta pela lei em obe-
diê ncia à pró pria natureza do negócio, por se tratar de um pressuposto ou ante-
cedente lógico (embora cronologicamente funcione como posterius e n ã o como
prius) , ou mediante determinação especial. Claro que no primeiro caso fica desde
logo exclu ída a retroactividade da condição”162. Ora, será que a condição legal
que temos vindo a analisar, isto é, a tomada da delibera çã o da al. c) do n .9 2
do art. 489.9 é um pressuposto (ou antecedente lógico) da própria rela ção de
grupo? A pron ú ncia dos sócios relativamente à formação da empresa pluris-
societ á ria deveria acontecer idealmente antes de o pró prio grupo se consti-
tuir. Assim acontece em todas as formas de grupo (e, inclusive, na fusã o), à
excepção do dom í nio total superveniente. No entanto, há situações em que
a pré via reunião duma AG possa ser impossí vel ou desaconselh á vel: pode
nã o ser conveniente revelar previamente o projecto que vise controlar total-
mente outra sociedade, o que pode n ã o se compatibilizar com a publicidade
inerente à convocat ória da AG; o controlo pode ser tomado de fornia confli-
tual; entre outras163. Ademais, a aquisição de participações sociais (ainda que
totalit á rias) é, em princípio uma maté ria de gest ão pelo CSC, logo aos sócios
est á em princ ípio, e à partida , vedada qualquer pronú ncia prévia obrigatória
à aquisição da participação totalit á ria. Vemos, assim que a deliberação dos
sócios sobre os destinos do grupo, qualquer que ela seja , justifica-se que seja
tomada depois da forma ção fá ctica do grupo, da í que a deliberação sobre a
continuidade do grupo (que permite o preenchimento da condição) seja um
“ pressuposto ou antencedente lógico [de eficácia do domínio total], embora crono-

161
Idem, p. 45.
162
MANUEL DE ANDRADE , Teoria Geral ..., cit., p. 359, nota 2.
163
Cfr., v.g., PEDRO PAIS VASCONCELOS, “Constitui ção de Grupo...”, cit . pp. 43-44.

506
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

logicamente funcione como posterius e não como prius) ”, conforme referiu


MANUEL DE ANDRADE. Por assim ser, diremos com este Autor: “fica desde
logo exclu ída a retroactividade da condição'’ ao momento da detenção fác-
tica da participa ção totalit á ria .
Para além de tudo o exposto, n ão parece haver fundamento, nos termos do
regime jur ídico do grupo, para se defender a retroactividade dos efeitos do
grupo por dom í nio total superveniente ao momento da concentra ção fáctica
da totalidade do capital . Efectivamente , não conseguimos encontrar razões
de justiça para existir essa retroactividade. Em primeiro lugar, mesmo retroa-
gindo os efeitos do grupo ao momento da detenção da participação totalitá ria,
os credores nunca poderiam activar a responsabilidade do art. 501.- antes da
deliberação de continua çã o do grupo ser tomada, uma vez que, antes dela, o
grupo ainda n ão tinha começado a produzir os seus efeitos, sendo que, um
deles, é justamente essa responsabilidade. A ú nica vantagem que encontrá-
mos seria o facto de , ao haver retroactividade, ocorrer logo no momento em
que havia a unipessoalidade o marco entre as obriga ções anteriores e pos-
teriores; mas tal seria pouco relevante, uma vez que a sociedade dominante
responde de forma id ê ntica pelas obrigações surgidas antes da vigê ncia do
grupo ou durante essa vigê ncia , pelo que, independentemente do momento
em que o grupo começasse a produzir os seu efeitos, a sociedade dominante
acabaria sempre por ter de responder pelas obrigações constitu ídas antes
desse momento. Em segundo lugar, tal poderia permitir que a contabiliza-
çã o das eventuais perdas da sociedade dominada começasse a acontecer logo
a partir do momento em que a sociedade dominante det é m a totalidade do
capital da dominada (art. 502 ° - e a quest ão desta responsabilidade ser uti-
lizada na pend ê ncia da condiçã o nem sequer se põe, porque, para alé m do
dom í nio total ainda não produzir efeitos nessa pendê ncia , ela só poderia ser
activada depois do grupo terminar). Mas, em face do art. 503 °/ l, parte inicial
(“ex vi ” art. 491.Q), as instruções vinculantes n ão podem ser emanadas antes
de ser publicada a delibera ção do art. 489.Q/ 2, c) (art . 489.Q/6), pelo que, em
princ í pio, as eventuais perdas que se verificassem entre a verifica çã o da uni-
pessoalidade e a publicação da delibera ção não teriam forma de ser provoca-
das pela sociedade dominante. Embora seja certo que o art. 502.Q/1 refira que
essas perdas podem ser “ por qualquer razão”, cremos que tal n ão se justifica
nesta situaçã o, uma vez que nos parece que esta previsão do legislador teve

507
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

como objectivo evitar que se dificultasse o apuramento das perdas, dificul-


dade que seguramente existiria se se tivesse de fazer o apuramento de todas
as instruções que a dominante emanou, e, entre estas, determinar quais as
que tinham efectivamente determinado perdas - o que, por si, já era dif ícil,
e, se nos relembrarmos que as instru ções podem obedecer a qualquer forma ,
quase impossível se tornaria. Assim , o legislador optou quase por uma pre-
sun çã o inilid ível: se existem perdas e estas se verificaram durante o dom í nio
total, é bem prová vel que elas tenham advindo do poder de direcção unit á ria;
ora, inexistindo a possibilidade da sociedade efectivar esse poder de direcçã o
unit á ria durante a pend ê ncia da condiçã o suspensiva essa “ presunçã o” perde
o seu sentido. Conclui-se, assim , pela não retroactividade da condição no caso de
se verificar o evento condicionante previsto na al. c) do do n.Q 2 do art. 489.9, em
conjuga ção com o sentido que demos supra, quer ao n .91, quer ao n .9 3.
Claro que, se o evento condicionante não se verificou (n ão foi tomada a delibe-
ra çã o da al. c), antes uma das outras duas), os efeitos definitivos da rela çã o de
.
grupo não se produzirão (y.g , os arts. 501.9 e 503.9). Assim , não haverá efei-
tos para destruir, pela simples razã o de que ainda n ã o se tinham produzido
efeitos164 até ao momento em que a condição se não verificou, e se tornou certo
que não se pode verificar. Cremos que esta ú ltima situação só se tornará certa
se os sócios já tiverem tomado posi ção por qualquer uma das delibera ções
extintivas (al. a) ou al. bf ). Realmente, se passou o per íodo de 6 meses sem
quem a AG fosse convocada pelos administradores da sociedade dominante
(o que os poderia fazer cair em responsabilidades: arts. 72.9 ss., 515.9), os pró-
prios sócios poderiam requerer a convoca çã o da dita AG (y g , art . 375.9/ 2 e ..
248.9/ l/ 2), pelo que não se poderia assim falar na certeza de que a condiçã o
deixou de se poder verificar. A n ã o verificar-se esta AG num prazo razoá-
vel pela situa ção imprová vel de nem os próprios sócios a convocarem , ent ão,
pensamos que quem tivesse interesse na resolução da situa ção ( p. ex., um ou
vá rios accionistas que n ã o cumpram os requisitos do art. 37S.-/ 2; um credor
da dominada) poderia requerer ao tribunal a sua convoca ção, nos termos do
art. 1057.9 do CPC, para os sócios se pronunciarem e terminarem de vez com

164
Quanto à s instru ções vinculantes, tal parece mesmo decorrer da pró pria lei que [só]
possibilita que a dominante as emane à sua dominada “a partir da publica çã o do registo
da delibera ção do art. 489.-/ 2/, c)” - art. 503.e/ l , parte inicial , ex vi 491.Q. Assim , ENGR áCIA
ANTUNES, OS Direitos..., cit., p. 64.

508
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

a situa çã o de “ limbo ” em que o grupo estaria colocado pela pend ê ncia “ad
eternum ” da condiçã o.
Destarte, sem efeitos, n ã o haver á qualquer retroactividade dos mesmos.
Mas, quanto à delibera ção que provoca a extinção do dom í nio total, já se pode
dizer que ela retroage ao momento em que o grupo se constituiu por força da
lei165: ao fazer com que os efeitos jur ídicos definitivos n ão se cheguem a pro-
duzir, o pró prio grupo formado de facto n ão se chega a converter num grupo
de direito ( para efeitos de aplica ção do regime jur ídico dos grupos por dom í-
nio total: arts. 501.Q a 504.9), extinguindo-se antes de alguma vez o ter sido.
Na realidade, entre o per íodo de detençã o de 100% do capital e a tomada
de qualquer uma das delibera ções extintivas do grupo, o dom í nio total
nunca chegou a ser mais do que uma situaçã o de unipessoalidade superve-
niente transitória166 especial ( porque a sociedade com sócio ú nico n ão pode-
ria ser dissolvida durante o per íodo da pend ê ncia da condiçã o, nos termos do
art. 489.9/3, o qual prevalece sobre o art. 142.9/1, al. a), e poderia ter-se conver-
tido em duradoura caso se verificasse a condiçã o), da í pensarmos que, como
forma de tutela dos credores da sociedade controlada durante esse per íodo,
poderia ser aplicada a responsabilidade do sócio ú nico no caso de insolvên -
cia desta sociedade (art . 84.Q) após a n ã o verifica ção do evento condicional
(verificando-se os pressupostos dessa norma167, claro).
Realmente, o art. 84.9 parece uma forma de tutela razoável , dado que
a unipessoalidade, com a nã o verifica çã o da condiçã o, n ã o se prolonga no
tempo, extinguindo-se passados 6 meses (ou pouco mais), situa çã o que n ã o
exigiria que acrescesse um regime espec í fico de tutela para os credores ( p. ex.,
o art. 501.9), os quais, n ão obstante pudessem ser prejudicados pela influ ê ncia

165
Sem se referir a uma condiçã o legal mas invocando a retroactividade da deliberação da
AG : F. PEREIRA COELHO, cit., p. 43 s., n . 105.
160 V
. uma breve descri çã o sobre a unipessoalidade transitó ria em PEDRO MAIA/A . PINTO
MONTEIRO, cit., p. 144 s..
167
Embora durante o per íodo mencionado no texto a sociedade dominante ainda n ã o pudesse,
juridicamente, emanar instru ções vinculantes à sua dominada (v. n . 164), nada impede que,
na prá tica , elas tenham sido dadas e acatadas, pelo que, v.g., o patrim ó nio da dominada pode
ter sido fragilizado ou ter havido uma confusão patrimonial sociedade-sócio, situa ções aptas
a ter desencadeado a insolvência da dominada, permitindo a aplica çã o da responsabilidade do
art. 84 " por, durante aquele per íodo , não serem observados os preceitos da lei que estabele -
cem a afecta çã o do patrim ó nio desta sociedade ao cumprimento das respectivas obriga ções
perante os seus credores.

509
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

dominante, pela direcçã o unit á ria n ã o o poderiam ser, dado que as instru-
ções vinculantes apenas podem ser dadas após a publica ção da delibera ção
da al. c) do n9 2 do art. 489.9 (art. 503.9/ l, parte inicial, ex vi 491.9). Para alé m
disso, o art. 481.9/ 2, al. c) acaba por defender uma situação semelhante para
uma hipótese que tem algumas analogias com o que tratamos: à sociedade
com sede no estrangeiro que seja considerada dominante de uma sociedade
Portuguesa também se aplica o art . 84.9. Contudo, no caso de se verificar uma
situa çã o de grupo de facto qualificado pendente condicione, sempre se poderá
admitir o recurso a soluções excepcionalmente tuteladoras dos credores da
sociedade dominada durante aquele per íodo (v. n . 35).
Perante os fundamentos legais apresentados, propendemos, em conclu-
são, para um nascimento ope legis condicionado da relação de grupo por
dom í nio total superveniente , no qual teriam de se verificar, no â mbito de
um processo de formação com efeitos jurídicos diferidos, sequencialmente , duas
fases: 1.-) a deten ção (directa ou indirecta) de uma participa ção social tota-
lit á ria (cumpridos os restantes requisitos relativos aos sujeitos); 2.-) os sócios
da sociedade dominante tomarem em AG a delibera ção da al. c) do n .9 2 do
art. 489.9. Na l - fase, estariam já verificados todos os pressupostos para o grupo
estar constitu ído. No entanto, os seus efeitos estariam suspensos até que se
verificasse a 2.- fase ( i.e., se preenchesse a condição, pressuposto legal de efi-
cácia), momento a partir do qual o grupo passaria a produzir os seus efeitos.

b) Da perspectiva da “ratio legis ”

A pretensa congru ê ncia entre o que é disposto nos diversos nú meros do


art. 4899 justifica-se, sobretudo, se ela permitir resolver os diversos proble-
mas que, de outro modo, se colocam se se optar por uma interpretaçã o do
preceito que conduza à considera çã o de que os efeitos do grupo se começam
a produzir, incondicionalmente, desde a data em que a sociedade dominante
tem a titularidade de 100% do capital social da sua dominada 168. Assim , com
a interpreta ção do art. 489.9 que perfilhá mos:

168
ENGR áCIA ANTUNES ( OsDireitos..., cit.) embora, por um lado, aponte neste sentido ( p. 62),
por outro, considera que o art . 489.9/3 deve ser interpretado restritivamente , para se adequar
à sua ratio legis ( pp. 63-68).

510
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

i) Em primeiro lugar, operar-se-á uma redução da sobreposição dos poderes dos


administradores aos poderes dos sócios da sociedade- mãe no que toca à cons-
tituição do grupo 169, reduzindo as repercussões desvantajosas que tal
sobreposição pode originar no património desta sociedade, bem como,
indirectamente, nos interesses dos seus sócios ( maxime, no seu direito
ao lucro).

De facto, se a aplica çã o dos efeitos do dom í nio total (y.g , arts. 501.Q, 502.Q)
se desse logo após a constituiçã o ope legis ào grupo, tal poderia traduzir-se, no
limite, na assunção de pesados encargos financeiros para a sociedade domi-
nante ( basta pensar-se que esta [também] responde pelas obriga ções anterio-
res ao grupo, sem ter oportunidade de previamente as conhecer, pelo que se
tivesse adquirido a participação totalit á ria de uma sociedade altamente endi -
vidada, tal poderia vir a traduzir-se num risco de insolvê ncia para a pró pria
dominante, e se esta já integrar um grupo, igualmente para este no seu todo170)
e que não se extinguiriam mesmo que os sócios desta viessem a decidir pelo
termo do grupo na AG do art. 489.9/ 2. Portanto, mesmo que ainda n ã o tives-
sem nada a ver com a forma çã o do grupo, os sócios da sociedade dominante
j á poderiam começar a ver os seus dividendos diminu ídos, os quais seriam
mediatamente influenciados pelas consequ ê ncias nefastas que esses encar-
gos provocariam no património da sociedade onde eram sócios: a sociedade
dominante. E tê m estas consequê ncias sem sequer terem dado - em princí-
pio - o seu assentimento a uma transforma ção t ão importante na actividade
e funcionamento da sociedade de que são sócios (com repercussões inevit á-
veis para eles mesmos), como seja a passagem de uma empresa individual a
uma empresa plurissocietá ria. Efectivamente, quem decide sobre a forma ção
do grupo171 é o colégio de administradores da sociedade dominante (SA ou
SCA) e n ã o os seus sócios, uma vez que a aquisição de participa ções sociais

169
Mas a sobreposição ainda se manteria quanto ao seu funcionamento: v. ENGR áCIA ANTU-
NES, Os Grupos ..., cit., pp. 148-150.
170
Insolvê ncia, essa , que, atendendo ao “efeito pirâ mide ” do capital social da sociedade-
-mãe - com o mesmo capital a ser utilizado de forma artificial como garantia de crédito, e n ã o
só, para as vá rias sociedades do grupo, o que necessariamente dilui o seu valor de garantia
para os credores -, pode n ã o ser assim t ã o dif ícil de acontecer. Cf. ENGR áCIA ANTUNES,
Os Grupos..., pp. 151-154.
171
Cf. n . 35, na parte atinente à autonomia da vontade na constituiçã o dos grupos.

511
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

noutra sociedade (mesmo da totalidade) configura uma maté ria de gest ão,
sendo que estas mat é rias, nos termos do proé mio do art. 406.9, conjugado
com os arts. 405.9/ l e 373.2/3 - para as SCA , ex vi 478.9 -, competem ao con-
selho de administra ção.172
Pelo contrá rio, como mediante a constituição ope legis condicionada do
grupo por dom í nio total superveniente os efeitos deste ( maxime, o art. 501 °
e o art. 503.9) só se produzem com o preenchimento da condi çã o legal pre-
sente no n.91, “ in fine”, do art. 489.9 (em conjuga ção com os seus n.9s 2 e 3,
de acordo com a interpreta çã o perfilhada supra), tal permite uma minimi-
zação das consequê ncias nefastas que poderiam derivar da sobreposição dos
poderes dos administradores sobre os dos sócios, no sentido em que passam
a ser os sócios a ter a ú ltima palavra sobre a manutenção ou nã o do grupo que
se formou condicionalmente com a aquisi ção da titularidade da participação
totalit á ria, aquisi ção essa determinada (em princípio) pela vontade do órgã o
de administração.
Os sócios da sociedade dominante tê m que ter direito a decidir de forma
ponderada sobre o destino a dar ao grupo que se formou de forma condi-
cionada , o que só poder á acontecer se o grupo ainda n ão tiver produzido
os seus efeitos (só assim poder ão ter todas as informa ções que reputem por
convenientes para poder avaliar as consequ ê ncias e as vantagens da conti-
nua ção ou n ão do grupo). De facto, se no momento em que a AG prevista no
n.9 2 do art. 489.9 se realizasse os efeitos do grupo j á se tivessem começado
a produzir, de que serviria a lei expressamente exigir a convocaçã o de uma
AG para os sócios decidirem sobre os destinos a dar ao grupo (manutençã o
ou extinção) se podiam tomar tal decisão quando o entendessem, no â mbito
de uma AG ordiná ria ou extraordiná ria , nos termos gerais? Daí que a previ-
são legal expressa de uma AG com uma ordem de trabalhos espec í fica , para
tomar uma das três delibera ções previstas nas al í neas do n .9 2, configura uma

172
Dissemos acima “em princí pio” porque quando a sociedade- m ãe seja uma SQisto já n ã o
ser á t ão l íquido, uma vez que, se os estatutos da sociedade n ã o dispuserem diversamente, a
aquisição de participa ções sociais noutras sociedades é uma das competê ncias supletivas da
AG (art . 246.9/ 2, d )). Mas esta ú ltima situaçã o trata-se da excepçã o e n ã o da regra, pois no
caso das SA e SCA j á n ão ser á assim e , para alé m disso, mesmo nas SQ, a competê ncia para
adquirir participações pode n ão deixar de recair sobre os gerentes, desde que o contrato de
sociedade assim o disponha (cf. arts. 259.9 e 246.Q/ 2, d) a contrario).

512
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

manifesta ção inequ ívoca de um direito pertencente aos sócios da sociedade


dominante. Destarte , e contrariamente a PEDRO PAIS DE VASCONCELOS13,
defendemos que a omissão da tomada de qualquer deliberação, no prazo de
6 meses, n ão pode, como uma espécie de ficção legal, ter a mesma relevâ n-
cia do que a tomada da delibera çã o da al. c), que ocorre numa AG , com todas
as suas formalidades e possibilidades de exerc ício do direito à informa çã o
dos sócios. Efectivamente , e se a administraçã o da sociedade dominante, em
viola ção do dever de convoca ção (e realização) da AG, previsto no n.9 2 do
art. 489.9 decidisse nada fazer, i.e., nã o convocar a AG no prazo de 6 meses?
Deveria , pela inacçã o dos administradores, ser a sociedade dominante, e os
seus sujeitos jur ídicos envolventes, nomeadamente os seus sócios e credores,
a sofrer as consequê ncias (responsabilidades previstas nos arts. 501.9 e 502.9)
do regime dos grupos? Não nos parece.
Mas mais do que um direito dos sócios, a pron ú ncia dos sócios naquela
AG é um dever legal: depois de existir a concentra çã o fáctica derivada da
totalidade do capital social de outra sociedade, a administração da sociedade
dominante “ deve convocar ” (cf. n.9 2 do art. 489.9) a AG para eles tomarem
uma delibera çã o, sendo que vá rios são os n ú meros do art. 489.9 que d ão por
adquirida a tomada de uma das três deliberações previstas nas al íneas do n.9
2 ( p. ex., no n .91, “ in fine ”, e no n.9 3 fala-se, respectivamente, em “... tomar
algumas das deliberações...” e “ tomada a deliberação...”).
Por outro lado, em respeito pela natureza simult â nea de direito e dever
da AG do art. 489.9/ 2, só se houver uma forma de os pressupostos do grupo
se manterem at é ela ser realizada , nomeadamente a deten ção da participa-
çã o totalit á ria, é que esse direito potestativo pode ser concretizado. Assim
sendo, cremos que enquanto n ã o for realizada a AG, os pressupostos que
deram origem ao grupo nã o podem cessar por iniciativa voluntária da socie-
dade dominante174, v.g., n ã o poderá mudar a sua sede para o estrangeiro (n ão
funcionar á durante esse per íodo a causa de extinçã o do grupo prevista na
al. a) do n .9 4 do art. 489.9), nã o poder á vender as participações sociais (não
poderia o grupo extinguir-se pendente conditione pela al. c) do n.9 4), pelo que,
durante a pendê ncia da condição, existiria uma limita ção legal à transmissi-

1 '
PEDRO PAIS VASCONCELOS, “Constituição de Grupo...”, c/í., pp. 44-45.
174
Em sentido contrá rio: PEDRO PAIS VASCONCELOS, “Constituição de Grupo...”, c/í., p. 47.

513
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

bilidade/cessão da participa ção totalit á ria detida pela sociedade dominante


(cf., v.g., art. 328.Q/1, “ in fine ” ), com fundamento no dever legal de realização
da AG e em deveres de boa-fé para com os sócios da sociedade dominante.

ii) Em segundo lugar, alcançar-se-á um maior equilíbrio entre a tutela da socie-


dade-filha (e dos credores que giram à sua volta) e a tutela da sociedade- mãe
(e os respectivos sujeitos envolventes: sócios e credores) no caso de os sócios
virem a extinguir o grupo por constatarem que o risco seria muito
superior à rentabilidade da sua manutençã o.

No caso de o art. 501.Q se aplicar logo após a constituiçã o ope legis do


grupo, nem sequer a sociedade dominante poderia tirar proveitos durante
esse per íodo com o exercício da direcção económica unit á ria , uma vez que
as instru ções vinculantes só podem ser dadas após a publica çã o do registo
da delibera ção social da al. c) do art. 489.Q/ 2 (em virtude da parte inicial do
art. 503.9/ l, exvi 491.Q)175.
Portanto, reverter-se -ia o acto de gestã o dos administradores (a aquisi-
çã o de 100% do capital social de outra sociedade) apenas em preju ízos para a
sociedade dominante, os seus sócios (como vimos) e credores - que, contraria-
mente aos credores da sociedade-filha , n ão se ver ão tutelados por um meca-
nismo como o do art. 501 °, pelo que, no caso limite da insolvê ncia de uma ou
vá rias sociedades-filhas que arrastem para a insolvê ncia a própria sociedade-
-mãe e o grupo no seu todo, os credores desta ú ltima poderão não conseguir
ver satisfeitos os seus créditos -, ao passo que a sociedade dominada e os seus
credores teriam j á protecção entre a forma ção do grupo e a ocorrê ncia da AG:
a sociedade dominada , embora se arriscasse a ser dissolvida com a deliberação
do art. 489.Q/ 2, a)> poderia activar, depois da AG que determinasse o fim do
grupo, o art. 502.Q, para compensa ção de perdas que “ por qualquer raz ão” se
tivessem verificado, sendo que essas perdas, na impossibilidade de emissão de
instru ções vinculantes, nunca se poderiam ter devido à sociedade dominante.
Os credores da dominada , por seu turno, ver-se-iam numa posiçã o garan-
tisticamente excessiva: passariam a ter um novo patrim ónio para garantir os
seus créditos (o da sociedade dominante), sem deixarem de ter o da socie-

l 7S
Assim , ENGR á CI A ANTUNES, OS Direitos..., cit., p. 64.

514
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

dade dominada , a não ser que a dominante optasse pela dissolução daquela ,
podendo, ainda assim , continuar a ser pagos à custa do património liqui-
dat á rio que tivesse activo social suficiente (cf. arts. 146.9/1 e 154.9/1 - mas
art. 153.9/1). Isto tudo sem que houvesse raz ã o para tal, dado que o risco de
diminuição patrimonial da sociedade dominada que é produzido com a ema-
na çã o de instruções vinculantes desvantajosas, com a ausê ncia destas, nunca
chegou a existir, pelo que os credores nem sequer poderiam ter visto a garan-
tia geral dos seus créditos amea çada (cf. Cap. II, 2.1.1.).
Ao invés, de acordo com a forma çã o ope legis condicionada do grupo por
dom í nio total superveniente, a sociedade-filha e os seus credores não alcan-
çar ã o protecçã o por intermédio do art . 501.Q na pend ê ncia da condiçã o legal
(enquanto não for deliberada a manutenção do grupo) porque, em bom rigor,
como vimos, n ã o a necessitam , uma vez que inexiste durante esse per íodo o
fundamento da responsabilidade contida nesse normativo: as instruções vin -
culantes emitidas pela sociedade dominante à sociedade dominada, particu-
larmente as desvantajosas ou prejudiciais. Consequentemente, a sociedade
dominante e os sujeitos envolventes (em especial, os seus credores) estarão
protegidos pela não aplicação do art. 501.9, i.e., pelo facto desta sociedade não
responder com o seu património perante os credores da sociedade dominada.

iii) Em terceiro lugar, a formação dosgrupos por domínio total passa a estar mais
aproximada do regime de constituição dos grupos por contrato de subordinação
(e mesmo da fusão)'76 .

No grupo por contrato de subordina ção, os sócios, após terem um con-


junto de elementos informativos, nomeadamente um projecto de contrato
(art. 495.9), podem, primeiro, sopesar os riscos e as vantagens da formação
do grupo (y.g , avaliando a condi çã o patrimonial da potencial sociedade -
-filha), e só depois deliberar - nos termos dos arts. 103.9/1, 85.9/ 2, 248.-/1,
265.9/ l , 383.9/ 2, 386.9/3 ( ex vi 496.9/ l) - no sentido da celebra çã o do con-
trato de subordina çã o, come çando, ent ã o, a rela çã o de grupo [somente]
a produzir os seus efeitos, nuns casos, após a celebra ção do contrato (y.g ,

176
Idem , Os Direitos..., cit., p. 65 s..

515
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

art. 501.Q/1), noutros, após a publica ção do registo por depósito desse contrato
(cf. art. 498.Q e 503.s l, parte inicial).
/
Sendo aplicável ao dom í nio total e ao contrato de subordina çã o pratica-
-
mente o mesmo regime jur ídico (arts. 501.Q 504.Q - v. n . 50), convimos que
quanto mais aproximado for o momento em que esse regime começa a pro -
duzir os seus efeitos melhor, se mais razões n ão houvesse, por uma quest ão de
igualdade em si (i.e., pelo facto dos regimes, como o legislador o demonstrou
com a norma remissiva do art. 491.Q, deverem ter uma aplicação nos mesmos
termos), mas h á outras razões, como j á vimos acima , e é sobretudo por essas
que se pode dizer que a aproxima ção, no que toca ao momento do in ício dos
efeitos dos dois grupos, configurará uma quest ã o de Justiça: só assim se con-
seguirão evitar eventuais preju í zos calamitosos para a sociedade dominante
e, indirectamente , para os seus sócios e credores.
De outra banda , para os sócios da sociedade dominante poderem fazer
uma melhor avalia çã o sobre os riscos da explora çã o empresarial na forma
de grupo, deverão ser dotados na AG , no â mbito do direito à informação (cf.
arts. 214.Q, 288.Q ss., 478.Q), de todos os elementos informativos necessá rios
(y.g., através de relat ório que indique a situa çã o patrimonial da sociedade
totalmente dominada , o seu passivo social , posição de mercado, etc.)17", no
fundo, algo que se aproxime dos elementos que constam de um projecto de
contrato de subordina çã o (art. 495.9 - cujos elementos presentes nas al í neas
dessa norma n ã o sã o taxativos: cf. proémio do artigo), para que viessem a
tomar uma decisão ponderada sobre os destinos do grupo formado factica-
mente. E , n ã o obstante os receios que possam ser fundamentados nos efeitos
desvantajosos que ocorrem com uma relação de grupo (maxime, os arts. 501.Q
e 502.Q) - que podem desencadear mais frequentemente a delibera çã o de
venda de participações em montante suficiente para terminar o grupo, mas,
ainda assim (quando o endividamento da dominada nã o for preocupante e a
ligação a esta seja expectavelmente proveitosa para a dominante), manter um
n ú mero de participações que permita a existê ncia de uma rela çã o de simples
dom í nio (art. 486 °), onde esses efeitos n ão se aplicam -, uma boa informa-
ção sobre as potencialidades do grupo pode, inclusivamente, fazer os sócios
ter uma opçã o pela sua manutençã o, uma vez que a possibilidade de emissã o

177
Cf. Idem , Os Grupos..., cit., p. 865 s., n. 1702.

516
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

de instruções vinculantes pode-se traduzir numa grande vantagem (que só


pode existir nos grupos), a qual , por isso, merece ser devidamente realçada
e - por que n ã o, atrevemo-nos a dizer - aproveitada para potenciar o cres-
cimento económico-empresarial, com repercussões favor áveis na economia
do nosso país.
Por ú ltimo, n ã o determinando a lei um regime aplicável à delibera ção que
tem de acontecer nos termos do art. 489.-/ 2, talvez se possa defender a apli-
ca çã o analógica do regime que vigora no caso da delibera ção da sociedade
directora : arts. 103.s/l, 85.9/2, 248 «/1, 265 ®/l, 383.9/ 2, 386.9/3 (** v / 496.a/l).178

II. O momento em que o domínio total superveniente começa a produzir


os seus efeitos no caso da responsabilidade do art . SOL 9

Como no contrato de subordina ção a responsabilidade se torna efectiva


com a celebração do contrato (cf. art. 501.°/1), aplicando-se a mesma norma ao
dom í nio total ex vi 49L9, parece-nos que se pode dizer que ser á no momento
em que o grupo começa a produzir os seus efeitos, ou seja , com a tomada
da deliberação de manutenção da situação de domínio total (n ão com a publicação
do registo da mesma) que a responsabilidade da sociedade dominante pode
começar a ser activada pelos credores (desde que cumpridos os demais requi-
sitos, claro), o que també m acaba por estar de acordo com as normas regis-
trais aplicáveis, sen ã o veja-se.
Em primeiro lugar, como o art. 489.Q/6 obriga a administra ção da sociedade
dominada a pedir o registo da delibera ção do art. 489.9/ 2, será que se pode
dizer, nos termos do art. 168.9/1, que os credores se poderiam prevalecer da
situa çã o existente anteriormente ao registo e publicação dessa deliberaçã o,
e activar a responsabilidade do art. 501 9 entre a forma çã o do grupo e a deli-
bera çã o (na pend ê ncia da condi çã o)? A resposta ser á forçosamente negativa ,
pois, na pendê ncia da condição, nem sequer estar íamos perante um dos “actos
cujo registo e publicação n ão tenham sido efectuados” (cf. art . 168.-/1), para
se admitir que os terceiros (credores) se pudessem prevalecer deles, uma vez
que esse acto seria a deliberação (e não a formação do grupo) e esta ainda não
tinha sido tomada, logo ainda não poderia ser alvo de qualquer prevalê ncia.

178
Assim, Idem , Os Grupos..., cit., p. 864.

517
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

Todavia , mesmo que fosse a constituição do grupo a ter que ser registada -
mas n ã o é é um facto que o art. 168.Q/1 confere, na 1- parte, a possibilidade
de prevalê ncia por parte de terceiros quanto a actos que tenham registo e
publica ção obrigatórios, mas depois ressalva essa possibilidade no caso de “a
lei privar esses actos de todos os efeitos”, sendo que já vimos que o dom í nio
total n ão produz os seus efeitos entre a forma ção do grupo e a verifica ção da
condi çã o legal , e um dos seus efeitos é a responsabilidade do art. 501 °, pelo
que, por isso, esta não poderá ser activada durante esse per íodo.
Resta-nos, ent ã o - em segundo lugar -, averiguar da possibilidade dos
credores poderem activar a responsabilidade após a tomada da deliberação
mas antes dela ser registada e publicada . Antes de mais, embora o legislador,
no art . 489.-/Ó, diga apenas que é a delibera ção da al. c) do n.9 2, bem como o
termo da rela çã o de grupo que estão sujeitos a registo obrigatório (nos termos
dos arts. 3 °/ l , u), 15.-/1 e 70.-/1, a) do CRCom), como as deliberações das ais.
a) e b) do n 9 2, conjugadas, respectivamente, com as ais. b) e c) do n .9 4, pro-
vocam o termo da rela ção de grupo, as mesmas (essas delibera ções) acabam
por constituir factos que conduzem ao termo do dom í nio total, pelo que, por
isso, terã o de ser registados (esses factos, essas delibera ções) na sequ ê ncia do
termo do grupo por essas vias. Portanto, a poderem os credores prevalecer-se
da responsabilidade do art. 501 °, n ão seria relevante a concreta delibera çã o
que tivesse sido tomada , pois qualquer uma das três acabaria por ter de vir a
ser registada , directa ou indirectamente. No entanto, se não verificada a condi-
ção legal ( i.e., se tomada a delibera çã o da al. a) ou da al. b) ) , a rela ção de grupo
nã o chegará a produzir efeitos, logo os eventuais credores da sociedade dominada
não podem fazer-se valer da responsabilidade do art. 501 ° se esta nunca chegou
a nascer.
Por outro lado, contrariamente ao dom í nio total inicial, em que o registo
do contrato de que fal á mos supra tem efeitos constitutivos da pró pria rela-
çã o de grupo, no dom í nio total superveniente, o registo da delibera çã o de
“manutenção da situa çã o existente” tomada na AG que o art. 489.9/ 2 manda
convocar, acaba por não ter efeitos constitutivos desta rela çã o de grupo, pelo
que de acordo com o art. 168 °/ l, 1- parte, já citado, os credores da sociedade
dominada podem prevalecer-se da responsabilidade prevista no art. 5019 após
o momento em que a deliberação da al. c) do n .9 2 do art. 489.9 seja tomada,
ou seja, mesmo antes da publicaçã o do registo desta.

518
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

Pelo menos, isto é o que vai de encontro à teoria da publicidade (ínegativa), em


que os actos sujeitos a registo já est ão perfeitos, só que enquanto não estive-
rem inscritos no registo, de modo a serem dotados de fé p ú blica, são consi-
derados inexistentes.170 Assim , o acto sujeito a registo é opon ível erga omnes,
mas a lei , devido à eficá cia da aparê ncia na vertente de publicidade negativa180,
permite a tutela dos terceiros em dois aspectos: primeiro, a preval ê ncia, nos
termos do art. 168.-/1, que o terceiro pode ou n ã o exercer; depois, o terceiro
de boa fé que, sem culpa , ignore esse acto merece também tutela jur ídica nos
termos dos arts. 168.9/ 2 do CSC e 14.9/ 2 do CRCom .
Destarte, sendo a delibera çã o da al. c) do n.9 2 do art. 489.2 do CSC
( “ o acto” sujeito a registo) opon ível erga omnes, tal significa que o terceiro
pode lançar mão da responsabilidade do art. 501 ° a partir do momento em
que aquela deliberação é tomada pelos sócios da sociedade dominante ( pre-
valecendo-se, ent ão, deste concreto acto sujeito a registo).
Deste modo, ainda que com a nossa interpreta ção do art . 489.9 se apro-
ximem os momentos em que o grupo inicia os seus efeitos, continua a exis-
tir algum desfasamento, pois já vimos que, no contrato de subordinaçã o, em
virtude do art. 503.9/ l , parte inicial, as instruções vinculantes apenas podem
começar a ser emanadas depois da publicaçã o desse contrato, pelo que, apli-
cando-se essa norma ex vi 491 ° ao dom í nio total , as mesmas só poderão ser
emitidas nesta ú ltima rela ção de grupo após a publicação do registo da delibe-
ração social do art. 489 °/ 2, c) - cf. arts. 489.9/6 CSC e 3 °/l, u), 15.9/1 e 70 °/ l, a)
CRCom. Vejamos mais ao pormenor.
No grupo por contrato de subordina ção, o facto de as instru ções vinculan-
tes só poderem ser emanadas após a publica ção do contrato de subordina çã o
pode ter-se devido, pura e simplesmente, à razão de o legislador não querer
contrariar as regras registrais. Ora, segundo o art. 168.9/ 2 “a sociedade não
pode opor a terceiros actos cuja publica ção seja obrigató ria sem que esta esteja
efectuada” e o art. 14.9/ 2 CRCom consegue ser ainda mais expl ícito quando

179
Cf. SOFIA HENRIQUES, C ódigo das Sociedades Comerciais Anotado, Coord . MENEZES CORDEI -
RO, Almedina, 2009, pp. 502-504. À teoria da publicidade (negativa) contrapõe-se a teoria
da compleitude, nos termos da qual os actos sujeitos a registo sã o actos de produ çã o sucessiva
complexa, estando incompletos enquanto n ão forem registados (nã o estando o acto completo,
n ão poderia produzir efeitos em face a terceiros enquanto n ão fosse feito o registo).
180
Cf. SOFIA HENRIQUES, CSC Anotado, cit., p. 504.

519
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

diz que “os factos sujeitos a registo e publicação obrigatória nos termos do
n.9 2 do art . 70.9 do CRCom só produzem efeitos contra terceiros depois da
data da publicaçã o”. O contrato de subordinação est á sujeito a registo e publi-
ca ção obrigatórios, nos termos dos arts. 3.Q/ l/v), 15.-/1 e 70.9/ l, a) do CRCom ,
pelo que os efeitos decorrentes deste contrato (nomeadamente, as instruções
vinculantes) n ão podem produzir efeitos contra terceiros enquanto n ão for
efectuado o seu registo. Só que, à primeira vista , poder íamos pensar que no
caso do direito de emissão de instruções vinculantes não se est á perante uma
situa ção de oponibilidade de efeitos a terceiros, dado que as instru ções cons-
tituem uma rela ção bilateral entre o ente que as emite (directora) e o que as
recebe (subordinada) e, de acordo com a citada teoria da publicidade (negativa), o
acto sujeito a registo é opon ível erga omnes, entre as partes (art. 13.-/1 CRCom).
Só que a quest ão é que a emissão das instru ções vinculantes n ão afecta ape-
nas a sociedade subordinada, ali ás, os principais afectados com essa emissão
(sobretudo se forem desvantajosas) serão terceiros: os credores da sociedade
subordinada que podem ver o património social garante dos seus créditos
diminu ído, justamente, devido a essas instruções. Deste modo, como as ins-
tru ções vinculantes produzem efeitos contra terceiros, afectando-os desfavo-
ravelmente, justifica-se, tendo em conta as regras registrais apresentadas, que
apenas possam começar a ser dadas pela directora à sua subordinada após a
publicação do registo do contrato de subordinação.
No grupo por dom í nio total superveniente, a deliberação social da al. c)
do n.9 2 do art. 489.9, a qual determinou a continua ção do grupo e fez com
que os seus efeitos se produzissem - entre os quais, as instruções vinculantes,
que são um dos efeitos do grupo, pelo que nunca poderiam ser dadas ante -
riormente ao momento em que essa delibera ção é tomada , ou seja, em que
se verifica o pressuposto legal de eficácia do grupo -, també m est á sujeita a
registo e publica ção obrigatórios, de acordo com os arts. 489.9/6 do CSC e os
arts. 3.-/1/ u), 15.9/1 e 70.9/ l , a) do CRCom , pelo que os argumentos acabados
de expor relativamente ao contrato de subordina ção també m valem , “ muta-
tis mutandis”, para a relaçã o de grupo por dom í nio total, da í que igualmente
seja defensável que a sociedade dominante só possa emitir instruções vincu-
lantes à sua dominada após a publicação do registo da deliberação social de manu-
tenção do grupo (art. 4899/2, al. a)), portanto, “mutatis mutandis”, nos termos
do art. 503.9/ l, parte inicial, exvi do art. 491.9.

520
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

No entanto, a emissã o de instruções vinculantes somente após a publica-


çã o do registo da delibera çã o social de manutençã o do grupo (art. 489.Q/ 2,
al. ç)), embora em conson â ncia com as normas registrais em vigor, talvez n ão
tenha sido a melhor opção do legislador, dado que os credores podem come-
çar a lançar m ão da responsabilidade do art . 501.- após a tomada dessa deli-
beração, de acordo, aliás, com o art. 168.-/1, sem que se verifique o principal
fundamento da responsabilidade: a possibilidade de emissão de instruções
vinculantes, nomeadamente desvantajosas, que se traduzam numa diminui-
ção da garantia dos credores da sociedade dominada (cf. Cap. II, 2.). Por isso,
de legeferenda, talvez fosse aconselh ável que o nosso legislador expressamente
definisse um momento iinico e coerente a partir do qual todos os efeitos pró-
prios do grupo por dom í nio total superveniente se começariam a produzir,
momento esse que, a nosso ver, deveria ser o registo da delibera çã o social de
manuten ção do dom í nio total.
No entanto, actualmente, em face do direito constitu ído, n ã o nos parece
restar alternativa sen ão sujeitarmo-nos a estes “efeitos esquizofré nicos”181
os quais, sendo contradições pró prias do nosso regime jur ídico dos grupos
(desenvolvido no â mbito do contrato de subordinação), apenas por intermé-
dio de uma reforma desse regime poder ão ser ultrapassados.

2.0 objecto da responsabilidade: as obrigações da sociedade totalmente


dominada susceptí veis de serem cumpridas pela sua dominante

2.1. Obrigações relativas a prestações fungí veis (dí vidas)

Embora a lei se refira a “obrigações” (cf. art. 501 "/1), apenas de uma respon-
sabilidade por dívidas se tratar á182. Efectivamente, a sociedade dominante ape-
,
nas cumprir á prestações fungíveis 8\ normalmente traduzidas em dinheiro.184

181 V. ENGR áCIA ANTUNES, 05 Grupos, cit., pp. 689-692.


182
Neste sentido, v.g., MENEZES CORDEIRO, O Levantamento... cit., p. 81; JANU á RIO GOMES,
“A sociedade...” cit., p. 879; CALVãO DA SILVA, cit., p. 86.
m Quanto a estas, v. ANTUNES VARELA, Das Obriga ções em Geral, I , Almedina , 2008, pp. 97 ss..
184
MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...” cit., cit., pp. 101 s., n . 47.

521
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

Contudo, a fungibilidade nã o caracteriza apenas as obriga ções pecuniá rias185,


sendo hoje pacífico que outras presta ções de dare, bem como as prestações
de facere també m possam ser fungíveis186. Ainda assim, no caso da respon-
sabilidade da sociedade dominante , n ão nos parece que ela possa cumprir
presta ções técnicas de dare (nã o pecuni á rias) ou de facere, que só a sociedade
dominada pudesse executar187, v.g , por causa da diversidade de objecto social
existente entre as duas sociedades. Mas, mesmo que em teoria a dominante
conseguisse cumprir, parece evidente, por tudo o que já foi dito quanto à
natureza jur ídica da responsabilidade, que ela n ã o assume, na rela çã o com o
credor, a posição jur ídica da devedora principal, que continua a ser ocupada
pela dominada 188, continuando o cumprimento desse tipo de presta ções a
caber a esta ú ltima.
Ent ão e se a presta ção que a dominada esteja obrigada a efectuar for fun -
gí mas n ão pecuniá ria ou for uma prestação infungível, a responsabilidade
vel
da dominante será pura e simplesmente exclu ída? Não cremos. Caso a deve-
dora principal (dominada) n ão cumpra a obriga ção que apenas ela poderia
cumprir, nada parece obstar a que a garante (dominante) venha a cumprir a
obrigação secund á ria de ressarcimento dos danos - tal como acontece com
a fiança189. Com a conversã o da presta çã o inicial numa indemniza ção, passa
a existir uma presta ção suscept ível de ser efectuada pela dominante (desde
que a indemnização determinada ou determin ável seja em dinheiro e não em
reconstitui çã o natural), podendo o credor, a partir da í, exercer a sua libera
electio na activa çã o da responsabilidade.
Quest ã o diferente da natureza da obrigação é a de saber se a fonte da
d ívida é relevante para a responsabilidade. Consideramos que a sociedade
dominante responde independentemente do facto que tenha originado a
d ívida190, contanto que ela vincule a própria dominada, que, v.g , pode opor a

185
V. ANTUNES VARELA, Das Obriga ções..., I, cit., pp. 845 ss..
186
Cf. JANUá RIO GOMES, Assunção..., cit., p. 292 s..
187
Cf. MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit., p. 102, n . 47.
188
També m assim , JANUá RIO GOMES, “A sociedade...” cit., p. 879.
189
Liem , Assunção..., cit., p. 295.
190
També m neste sentido: v.g., MENEZES CORDEIRO, O Levantamento..., cit., p. 81; “A respon -
sabilidade...”, cit., p. 103; ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 802. Ora, é irrelevante que
a d ívida derive de responsabilidade civil contratual ou extra - contratual. A d í vida també m
.
n ã o tem de ser forçosamente do dom í nio civil /comercial , poderá , v.g , tratar-se de uma d ívida

522
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

terceiros a limita ção do seu objecto social 191 (arts. 260 °/ 2 e 409.9/2, 478.Q), e
assim n ã o ficar vinculada 192; mas, a í, estaremos perante uma quest ão de ale-
gação de meios de defesa, neste caso, pró prios da sociedade dominada (que
já vimos poderem aproveitar à dominante) e n ão de irresponsabilidade em
virtude da fonte da obrigação.
No entanto, talvez seja de excluir a responsabiliza ção da sociedade domi-
nante, [apenas] ao abrigo do art. 501 °, por multas ou coimas que tenham sido
cominadas à sociedade dominada, respectivamente, no â mbito de responsa-
bilidade penal ou responsabilidade contra-ordenacional 193, uma vez que, de
acordo com os princípios dos respectivos dom í nios jur ídicos, qualquer uma
destas responsabilidades assume uma natureza pessoal e intransmissível194.

2.2. 0 momento da constituição das obrigações

Antes de tudo, a sociedade dominante apenas responde pelas obriga ções


que tenham sido constitu ídas posteriormente à entrada em vigor do CSC195.
Mas, feita esta nota , diz-nos o art. 501 °/ l (exvi 491 °) que a sociedade domi-
nante responde pelas obriga ções que a dominada tenha constituído (cons-
tituiçã o essa que, evidentemente, pode variar, v.g., em fun çã o da fonte da
obrigação), quer antes da formação do grupo, quer durante a sua vigência .

tributá ria ou laborai (contudo, no dom í nio do direito fiscal e do direito do trabalho, existem
já normas especí ficas responsabilizantes: cf. arts. 115.- do CIRC e 334.° e 101.-/1 e 3 do CT
(v., sucintamente, em ANA RITA ANDRADE , A Responsabilidade da Sociedade Totalmente Domi-
nante, cit., pp. 25-29, uma abordagem sobre as normas destes dois outros dom í nios jur ídicos.
Sobre os arts, do CT, embora com numera çã o do Código entretanto revogado, vide MARIA
RAMALHO, Grupos Empresariais..., cit , pp. 621-644).
191
Sobre os actos que nã o respeitam o objecto social , v. A. SOVERAL MARTINS, OS Poderes
de Representaçã o dos Administradores de Sociedades An ó nimas”, BFDUC , Coimbra Ed.,
1998, pp. 281 ss..
192
Assim , CARVALHO FERNANDES/JOãO LABAREDA, cit., p. 27 s., n . 21.
193
Ibidem.
194
Cf., embora noutro â mbito, o Ac. do TRL de 21-11-12 (José Sapateiro), proc. 670/11.4TTALM.
Ll 4. -
195
Cf o Ac. do STJ de 23- 01-96 (Lopes Pinto), proc. 087747.

523
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

2.2.1. As obrigações constituídas antes do nascimento do grupo

À primeira vista, pode parecer estranho que a sociedade dominante responda


por d ívidas que a dominada tenha contraído em momentos em que a primeira
nã o tenha tido (nem podido ter) nada a ver com elas. No entanto, constat á mos
(no Cap. II ) que o principal motivo subjacente à previsão da responsabilidade
é o risco de diminui çã o do património da sociedade dominada potenciado
pela possibilidade de emissão de instruções vinculantes desvantajosas. Assim
sendo, esse risco, produzido ao longo da vigê ncia do grupo, també m poderá
prejudicar a satisfação das d ívidas nascidas e vencidas antes do dom í nio total,
e das d ívidas nascidas anteriormente a este mas que só se venham a vencer
durante a relaçã o de grupo.196 Façamos a distinçã o entre o dom í nio total ini-
cial e superveniente.
Tratando-se de uma situação de domínio total inicial (art .9 488.9), dir-se-á
que a sociedade-m ãe só responde pelas obrigações constitu ídas depois do
nascimento dessa rela çã o de grupo197, visto que, sendo a sociedade unipes-
soal constitu ída ab novo, nã o existirão obrigações anteriores para lhe serem
imputadas.
Contudo, atendendo ao art. 19.9/3, a sociedade originariamente dominada
pode ter assumido negócios celebrados anteriormente ao registo da sua constituição -
que já vimos ser o momento em que o dom í nio total inicial se forma -, pelo
que destes podem derivar obrigações que, com essa assunção, passam a ser
“da" dominada e se podem considerar “constituídas antes ” (cf. art. 501.Q/1) do
nascimento da rela çã o de grupo por dom í nio total inicial.
Ainda assim, ser á no domínio total superveniente que a responsabilidade
pelas obrigações anteriores poder á , à primeira vista , causar maior perplexi-
dade. O art. 501.-, na sua aplicação directa à relação de grupo por contrato
de subordina çã o, faz a sociedade directora responder, indiferenciadamente,
por todas as d ívidas da sua subordinada , constitu ídas antes do in ício do con -
trato de subordina çã o ou durante a sua vigê ncia. E esta abrangê ncia , embora
se possa discutir, nã o nos parece muito dif ícil de aceitar. Efectivamente, em
face dos m ú ltiplos elementos que podem integrar um projecto de contrato de

196
Cf. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 804.
197
Assim , CARVALHO FERNANDES/ JOã O LABAREDA , cit., p. 23.

524
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

subordina ção (art. 495.9), não nos parece que as contas e, em geral, a situa ção
obrigacional e patrimonial da subordinada não fossem um deles, da í que a
directora - antes de o ser -, dispôs, em princípio, de todos os elementos que
tenha achado convenientes para poder efectuar uma cuidadosa aná lise dos
efeitos do grupo antes de firmar o contrato de subordinação. Por isso, se teve
conhecimento das d ívidas anteriores da sua subordinada e, mesmo assim ,
aceitou celebrar o contrato de subordinaçã o, pode-se dizer que est á a “assu-
mir ” os riscos que isso envolve, sendo que já sabia, de antem ã o, que um deles
seria a responsabilidade por essas d ívidas. Ainda assim , se algum v ício escon-
dido (que nã o lhe fosse exigível conhecer) lhe escapou , poderá sempre pedir
a anula çã o do contrato de subordina çã o nos termos gerais, o que ter á efeitos
retroactivos e, por isso, fará cessar a responsabilidade.198
Ora , no caso do dom í nio total superveniente, se se considerasse que o
grupo começa a produzir efeitos logo no momento em que a sociedade domi-
nante concentra a totalidade do capital social da sociedade dominada , em
princípio, nenhuma possibilidade haveria da primeira ter conhecimento sobre
as d ívidas (da segunda) que a esperariam (y.g., a n ã o ser que a dominada , antes
de o ser, a tivesse informado sobre a sua real situa ção), da í que, por compara-
ção com o contrato de subordinação, seja injusta a aplica çã o de uma respon-
sabilidade t ão abrangente - v., supra, 1.3., I , b).
MENEZES CORDEIRO, embora considerando que a letra do art. 489.-/ S
aponta nesse sentido199, reconhece a situa çã o de injusti ça que da í advé m 200,
pelo que chega a pô r a hipótese de uma redução teleológica parcial desse
preceito no sentido de a sociedade dominante n ã o responder pelas obriga-
ções anteriores da sua dominada, quando, de boa fé , nã o as conhecesse (nem
pudesse conhecer) 201. Contudo, perante o valor de segurança subjacente ao
art. 501.Q (que se sobrepõe às concepções de justiça), acaba por preferir que
essa situa çã o apenas possa acontecer em sede ú ltima de abuso de direito202.

198
Tb. assim, MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit., p. 107.
199
Idem , p. 103.
200
Idem, p. 108.
201
Ibidem.
202
Ibidem. Até porque para o Autor - como veremos infra (3. e B.) - a sociedade dominante
tem sempre a ú ltima escapató ria de desfazer o grupo nos 30 dias seguintes à sua forma çã o
fáctica e, assim , n ão responder pelas obrigações anteriores por faltar um dos pressupostos
de activação da responsabilidade - v. Idem, pp. 108-110.

525
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

Contudo, de acordo com a interpreta ção do art. 489.9 que propusemos


acima (cf. 1.3., I , aj ) , a constituiçã o da situaçã o de dom í nio total aproxima-
-se do grupo por contrato de subordinação, passando os sócios da sociedade
dominante a ter conhecimento das condições e riscos do grupo - onde se
inserem as obriga ções anteriores da dominada - e , assim sendo, també m j á
n ã o choca, mesmo do ponto de vista da justi ça , que a sociedade dominante
responda pelas obriga ções anteriores.

2.2.2. As obrigações constituí das durante a vigência do grupo

Em rela ção às obriga ções posteriores ao nascimento do grupo, depois de tudo


o aquilo que já expusemos relativamente aos fundamentos da responsabili-
dade do art. 5019 e ao exercício do controlo da dominante sobre a dominada
durante a rela ção de grupo, n ão é dif ícil de aceitar que elas sejam relevan-
tes para efeitos de aplicaçã o dessa responsabilidade. Justamente, em face da
possibilidade de emissão de instruções vinculantes (rnaxime, desvantajosas),
para além do risco de diminuição do patrim ónio social da dominada que isso
acarreta , pode-se considerar até que, muitas vezes, em virtude do exerc ício da
direcção unit á ria, o autor material das obrigações é mesmo a pró pria domi-
nante (aproximando-se a dominada a uma filial ou secção da dominante), da í
que, n ão obstante a derrogação de princí pios gerais e societ á rios, n ão choca,
do ponto vista da justi ça, que a sociedade-mãe responda por elas.
Contudo, como parece claro, a sociedade dominante só será responsável
pelas d í vidas que a sua dominada tenha contra ído enquanto existira relação de
grupo (é o próprio art. 501.-/1, “in fine ”, que o refere). Ainda assim , em face
da regra registrai da inoponibilidade a terceiros dos factos cujo registo e publicação
sejam obrigatórios (art. 168.9/ 2 CSC e art. 14.9/2 CRCom), e podendo um des-
ses factos ser o termo da rela çã o de grupo por dom í nio total (cf. arts. 489.9/6
CSC e 3.9/ l, u), 15.9/1 e 70.9/ l, a) do CRCom), poder á a sociedade dominante
ter que responder por d ívidas contra ídas entre os factos que originam esse
termo (cf. art 489.9/4 e nn . 146 e 148) e a publica çã o do registo dessa situação,
sem preju ízo dela poder alegar que o terceiro est á de má-fé, i.e., que j á teria
conhecimento do termo do dom í nio total (art. 168.9/ 2, “ in fine ”).203

203
Cf. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 804 s., n . 1573.

526
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

2.3. A irrelevância das instruções vinculantes para a fonte das obrigações

ENGR áCIA ANTUNES204 sugere, de “ iure condendo”, a aplicaçã o da responsa-


bilidade do art. 501.9 exclusivamente às obrigações que tiveram como fonte
actos que tinham surgido por causa das instru ções emanadas (sugerindo, em
virtude da evidente dificuldade probatória que da í adviria, uma correspon-
dente inversã o do ónus de prova), excluindo as que tenham surgido indepen-
dentemente e apesar do exercício do poder de direcção.
No entanto, pensamos que não deve existir um nexo de causalidade entre a
fonte das obrigações e as instruções emanadas.205 Basta pensar que a respon-
sabilidade também pode recair sobre obrigações anteriores ao próprio grupo
e a í, com é óbvio, não poderia ter existido qualquer instruçã o. Mas, mesmo
que só versasse sobre as obrigações posteriores, o tr áfico jur ídico-comer-
cial ver-se-ia condicionado, uma vez que os credores teriam de avaliar se as
rela ções que tinham estabelecido com a sociedade-filha tinham tido origem
numa instruçã o da parte da sociedade-m ãe. Para além disso, como já referimos
(Cap. II , 2.1.1.), o grande fundamento da responsabilidade é a mera possibili-
dade das instruções vinculantes desfavor áveis serem emanadas, isto bastando
para se verificar um risco de diminuição no património da sociedade-filha.
E esse risco produz -se, abstractamente, em rela ção a todos os credores da
sociedade dominada, independentemente ou apesar dos seus créditos terem
ou nã o derivado do exercício do concreto poder de direcçã o unit á ria .

3. O decurso de um prazo de 30 dias sobre a constituição da sociedade


totalmente dominada em mora

Para que a responsabilidade da sociedade dominante possa ser efectivada


ficam a faltar dois requisitos:

204
Idem , Os Grupos..., cit., p. 803.
205 Tb. assim: M . Fá TIMA RIBEIRO, cit., p. 417 s., n . 97.

527
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

a sociedade dominada n ão ter cumprido - em sentido amplo: mora ,


[e também] incumprimento definitivo e cumprimento defeituoso206
- a obriga ção;
e o decurso de um prazo de 30 dias sobre a data em que ela se constituiu 207
em mora (art. 501.Q/2).

Ora, j á vimos que estes pressupostos evidenciam aquilo que pode ser ape-
lidado de subsidiariedade média: ao incumprimento do devedor inicial (domi-
nada) é acrescido o requisito do decurso de um prazo, o qual, só depois de
esgotado, faz com que a d ívida possa ser exigida ao devedor secund á rio: a
sociedade dominante.
Para MENEZES CORDEIRO208, este prazo de 30 dias não se pode verificar
apenas para as d ívidas constitu ídas durante o dom í nio total , sob pena de: i)
a responsabilidade pelas d ívidas anteriores correr o risco de ser imediata e
nã o subsidi á ria; ii) para alé m de que esse per íodo tem claramente a intenção
de permitir que a devedora principal - dominada - pague a d ívida ao credor,
da í que, se não se aplicasse à s obrigações anteriores, tal já não seria possibi-
litado. Deste modo, mesmo que a sociedade dominada já tenha atingido ou
ultrapassado os 30 dias de mora em relação a d ívidas anteriores, para o cre-
dor poder activar a responsabilidade do art . 501.Q relativamente a essas d ívi-
das, ter á de aguardar que se tenha esgotado um [novo] lapso temporal de 30
dias - sem preju í zo de, durante o mesmo, se continuarem a contar os juros
de mora e outros encargos209.
Como a interpreta ção do art. 489.° que apresent á mos supra aproxima o
dom í nio total do contrato de subordina ção - nomeadamente em relação ao
conhecimento das d ívidas anteriores -, a tese do AUTOR não terá, para nós,

206
V. ENGRáCIA ANTUNES, Os Grupos..., cit., p. 811. Atendendo que o que tem de ser cumprido
pela dominante será um d ébito fung ível (d ívida), as mais das vezes estaremos perante uma
situa çã o de mora (uma vez que o pagamento da d í vida , em princ í pio, ainda continua pos-
sível : cf. art. 804.s/ 2 CC), mas n ão é de descurar o incumprimento definitivo (cm vitude do
art. 808.8/ l, 2- parte) e mesmo o cumprimento defeituoso (desde que se considere que , v.g.,
o pagamento parcial da d ívida é uma forma defeituosa de cumprimento).
207
Sobre a constituiçã o cm mora, v. Idem , Os Grupos..., cit., p. 809 s..
208
MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...” cit., p. 107 s..
209
Ibidem.

528
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

o cariz de “expediente de salva çã o” da responsabilidade210, mas pensamos


que os argumentos que propõe para a sua defesa são compat íveis com aquela
interpretaçã o, até porque també m t ê m aplica çã o no grupo por contrato de
subordina ção211.
Destarte, propendemos para que o referido prazo apenas se comece a con-
tabilizar a partir do momento em que o grupo inicia os seus efeitos ( para nós,
com a tomada da delibera çã o do art. 489.Q/2, c))> por forma a n ã o se introdu-
zir uma desigualdade no regime da responsabilidade em funçã o das d ívidas
serem anteriores ou posteriores à quele momento. Especifiquemos o â mbito
de tal prazo: tratando-se de d ívidas anteriores ( já vencidas), independente-
mente do tempo de mora no momento em que o grupo come ça a produzir
efeitos, o credor ter á de aguardar que passem 30 dias sobre esse momento
para poder activar a responsabilidade junto da sociedade dominante; relati -
vamente à s d ívidas posteriores (ou anteriores que se ven çam após a eficá cia
do grupo e enquanto ele vigorar), o prazo de 30 dias contar-se-á , em rela ção
a cada d ívida concreta , a partir do momento em que a sociedade dominada
se constituir em mora.
Neste sentido, só depois deste prazo se esgotar poder á o credor, verifica-
dos todos os pressupostos, activar a responsabilidade, da í que se lhe possa
atribuir a designação de um requisito com efeitos suspensivos sobre a própria acti-
vação da responsabilidade212.

210
Cf. n . 202.
211
Cf. MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit., p. 107.
212
Assim , ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 807, n . 1578. Em rigor, estamos perante um
termo impró prio ( legal ) , suspensivo e certo sobre a activação da responsabilidade: a lei (art. 501.-/ 2)
estipulou um momento a partir do qual o credor passa a poder exercitar a responsabilidade:
o decurso de um prazo de , pelo menos, 30 dias sobre a constituição em mora da sociedade
dominada (e de acordo com o que defendemos no texto, igualmente 30 dias sobre o momento
em que o grupo começa a produzir os seus efeitos, se a d ívida for anterior a esse momento).
Portanto, é certo que, se não decorrerem , pelo menos, estes 30 dias estipulados no interesse
da sociedade totalmente dominante, a responsabilidade não poderá ser activada, i.e., os seus
efeitos estarã o suspensos , sendo que n ão chegarão a produzir-se, de todo (a responsabilidade
n ão chegar á a nascer), caso, antes desse prazo (termo) se esgotar, se verificar que algum dos
outros pressupostos de que depende a activa çã o da responsabilidade deixou de existir, no-
meadamente a rela ção de grupo por dom í nio total terminar ( p. ex., pelo art . 4899/4) e/ou a
d ívida que a dominada constituiu e sobre a qual j á estava cm mora , por alguma raz ã o ( p. ex., o
sucesso de um meio de defesa peremptó rio extintivo) , tenha desaparecido. V. as modalidades
do termo em CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral..., cit ., pp. 578-580.

529
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

B . O momento da verificação dos pressupostos213

Enquanto não estiver preenchido o pressuposto do decurso dos 30 dias sobre o ini -
cio da eficácia do grupo ou sobre a mora (nos termos que acabá mos de expor em
A., 3.), mesmo que já estejam verificados todos os outros pressupostos, n ão
pode o credor exigir o cumprimento da d ívida à sociedade dominante. Se,
entretanto, antes de decorridos os 30 dias , qualquer um dos outros pressu-
postos cessar, a conclusã o só pode ser uma: a responsabilidade n ã o pode ser
activada. Veja-se:
Em primeiro lugar, como é compreensível , se a mora cessar antes dos 30 dias
se esgotarem (y.g., a dominada cumpriu ou extinguiu a d ívida pelos demais
meios possíveis; invocou a exceptio non adiplenti contractus; provou que a mora
adveio de facto superveniente que n ão lhe era imput ável; etc.), falha um dos
requisitos e, portanto, a responsabilidade (não se tendo, sequer, constitu ído)
nã o se poderá dar; pelo menos, enquanto - no caso de cessar a mora mas n ã o
se ter extinguido a d ívida - não começar a decorrer novo prazo que atinja, no
m í nimo, 30 dias e, desde que, nesse momento se verifiquem todos os demais
requisitos.
Em segundo lugar, é a pró pria dívida que se pode extinguir durante o decurso
dos 30 dias (y.g., pela excepção de não existê ncia de crédito; pela excepçã o
de prescrição; pelo cumprimento ou outra causa de extinçã o al ém dele; etc.).
Aqui, faltando o próprio objecto da responsabilidade, ainda será mais evidente
a impossibilidade da sua activa çã o. Assim també m se passa com a fiança (cf.
art. 651.9 CC).
Perante isto, constatamos já que o art. 501.9 n ã o é nenhum “ remédio
absoluto” 214, ele pretende que a resolução da situa ção seja feita primordial-
mente entre a dominada (devedora principal ) e o credor - mesmo que para
tal seja necessá rio um “empurr ão” da dominante por interm édio de instru-
ções vinculantes à dominada nesse sentido (obviamente que a norma n ão
o diz , mas, pelo menos, é-nos legítimo pensar que tal possibilidade h á-de
ter passado pela mente do legislador) -, em linha , ali á s, com a dose sufi-

213
Acompanharemos de perto o pensamento de MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”,
cit ., p. 109 s..
214
Cf. Idem, p. 110.

530
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

ciente de acessoriedade e subsidiariedade que o regime da responsabilidade


comporta .
Em terceiro lugar, se a relação de grupo por domínio total terminar (cf. art.
489 °/4 e n . 148) durante o per íodo de 30 dias, e só se podendo considerar a
responsabilidade constitu ída depois desse lapso temporal estar esgotado, tam-
bé m não parece oferecer grandes d ú vidas o facto de não ser possível ao cre-
dor activá-la. De facto, não chegam a estar preenchidos todos os pressupostos
da responsabilidade: no momento em que o grupo [ainda] existia , o requisito
do decurso de 30 dias ainda nã o estava verificado, e quando se poderia con-
siderar verificado já o grupo não existia - mas, em face das regras registrais
j á invocadas215, para a sociedade dominante n ã o ter que se sujeitar à respon-
sabilidade pelas d ívidas (vencidas) que a sua dominada j á tivesse constitu ído
antes do dom í nio total iniciar os seus efeitos, deverá o registo do termo do
grupo ter que ser promovido antes de ser ultrapassado o prazo de 30 dias
sobre o momento em que o grupo começa a produzir os seus efeitos, sob pena
.
de a dominante ter que provar a m á fé do credor (i.e , que este teve conhe -
cimento do termo do grupo) que tivesse activado a responsabilidade depois
desse prazo estar esgotado (e de tal ter sucedido após o termo do grupo), mas
antes de ser publicado o registo da extin çã o do dom í nio total.
A propósito da impossibilidade do credor poder exercer o direito que o
art 501.9 lhe confere depois do grupo terminar antes de terem decorrido os
,
30 dias, MENEZES CORDEIRO diz o seguinte: “ Trata-se de um direito potes-
tativo que n ã o origina responsabilidade se n ã o for exercido ou enquanto o
não seja. No momento em que seja exercido, devem consubstanciar-se os seus
requisitos. É um princípio básico (ou seria como exigir coabita ção depois do
divórcio!) que nenhuma jurisprudência do coração pode afastar 216: salvo abuso
de direito, como é natural ” 217. Claro que, se o grupo terminar no prazo de 30
dias, e se verificar que a dominante emite instruções vinculantes desvanta-
josas para arruinar o património da dominada , impedindo, assim , a satisfa-
çã o dos credores que nã o tinham podido activar o art. 501 °, haver á condições
para chamar à cola ção a ultima ratio do abuso de direito (art. 334.° CC) por

215
Cf. pt. 2.2.2. deste Capítulo.
2 lf> Todavia , n ão foi este o entendimento no Ac. do STJ de 31-05-05 - cf n . 81.
2I~
MENEZES CORDEIRO, “A responsabilidade...”, cit., p. 110.

531
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

viola ção da boa fé e da confiança e, portanto, possibilitar a responsabilidade


em relação a esses credores.218
Este entendimento far á com que, no caso de o grupo terminar, as d ívidas
contraídas (antes ou depois do dom í nio total iniciar os seus efeitos) e venci-
das durante a vigê ncia do dom í nio total (ou , atendendo às regras registrais,
as constitu ídas entre o momento em que se d á o termo do grupo e a publica-
çã o do seu registo), sobre as quais a dominada , no momento desse termo (ou
da publica ção do seu registo), ainda n ão estivesse em mora há , pelo menos,
30 dias, deixem de vir a ser cumpridas pela dominante.219 Se estas nã o o vã o
ser, muito menos o serão aquelas que sejam constitu ídas durante a vigê ncia -
e até antes - do grupo (ou entre o termo deste e a publica çã o do seu registo)
mas que apenas se ven çam depois do seu termo (ou depois da publicação do
registo deste). Com efeito, n ão chegam a estar preenchidos todos os pressu-
postos da responsabilidade, conforme já referido.
A primeira vista, até pode parecer injusto - mas quando efectivamente o
seja, haverá sempre a possibilidade de recorrer ao abuso de direito, como enun-
ciado -, no entanto, as mais das vezes, ser á o contr á rio, i.e., quase um impe-
rativo de justiça, pois a sociedade dominante, embora j á tivesse deixado de o
ser, e, portanto, já nã o podendo constituir qualquer risco para o património
da sua antiga dominada n ão dissolvida 220, continuaria a responder como se o
constitu ísse e, no limite, poderia ser confrontada com uma responsabilidade
ad eternum ( pense-se em eventuais d ívidas duradouras que podem ter sido
constitu ídas durante a vigê ncia do grupo e mesmo antes deste).
Fica a faltar dizer o que acontece quando, no momento do termo do grupo ( ou
- tendo em conta as normas registrais - da publicação do seu registo), estejam
verificados, em relação a determinadas d ívidas, todos os pressupostos para pode-
rem ser cumpridas pela dominante, mas sem que o credor tenha activado a
responsabilidade até àquele(s) momento(s). Nestas condições, poder á o cre-
dor exercer o direito que lhe é conferido pelo art. 501.9 para l á da cessa ção

218
Cf. ibidem.
219
Contra , novamente, o Ac. do STJ de 31-05-05 - cf. n. 81.
220
E o facto de ter sido dissolvida , n ão é impeditivo dos credores satisfazerem os seus créditos
com o património liquidatá rio da antiga dominada que tenha activo social suficiente (cf. arts.
146.Q/1 e 154.Q/1) . Mas não o tendo, e se isso se dever a instru ções ruinosas da dominante, ent ão,
mais uma vez , poderia o credor usar a vá lvula de seguran ça do abuso de direito.

532
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

do grupo (ou do registo deste facto)? Cremos que sim. Aqui a situa ção é bem
diferente: o preenchimento do lapso temporal de 30 dias, acompanhado da
verifica ção dos demais pressupostos, faz nascer a responsabilidade, com ple-
nos efeitos. Parece-nos que, nestas condições, a conjuga ção do n.9 1 e do n .9 2,
ambos do art. 501.9, nã o nega a possibilidade de activa ção da responsabilidade
após a extinçã o do grupo, contrariamente ao que se passa em rela ção à ces-
sa çã o de qualquer um dos pressupostos antes de se esgotar o per íodo de 30
dias; a lei é clara: verificados os pressupostos, a sociedade dominante e res-
U !

ponsá vel... pelas obrigações constituídas... até ao termo" do grupo, mas “a respon -
sabilidade não pode ser exigida antes de decorridos 30 dias”, pelo que podemos
dizer que, estando cumpridos todos os outros requisitos, só se esse prazo n ão
se verificar é que a sociedade não chega a ser “ responsável ”.
Se assim n ã o fosse , bastaria à sociedade cessar o grupo, em qualquer
momento, para se livrar de praticamente todas as responsabilidades (apenas
se sujeitaria aos cumprimentos que já tivessem sido pedidos).
Para além disso, o termo do grupo est á na disponibilidade da sociedade
dominante (que pode determinar o seu se e quando, da í que não seria justo
fazer recair essa incerteza sobre os credores), ao passo que o efeito suspen-
sivo do per íodo de 30 dias é do conhecimento geral dos credores, que sabem
que enquanto (e se) esse prazo n ão se esgotar n ão lhes adianta intimar a socie-
dade dominante a cumprir.
Concluindo: entendemos que o credor - atendendo às normas materiais
- só poder á activar a responsabilidade durante a vigê ncia do grupo se, esgotado
o prazo a que alude o art. 501.9/ 2, se verificarem todos os pressupostos no
momento da activa ção. Para poder activar a responsabilidade para lá do termo do
grupo tem, no específico momento deste termo, de estar igualmente esgotado
aquele prazo e verificados os restantes pressupostos, com a condição adicio-
nal de, no momento em que a activa çã o for feita , embora já n ão se verifique a
relação de grupo, terem de continuar a verificar-se todos os outros requisitos,
nomeadamente o ainda não cumprimento da d ívida. Se relevarem as regras
registais, estando preenchidos todos os pressupostos entre o momento do
termo do grupo e o da publicação do seu registo, poder á o credor ( provando-
-se que desconhece o termo ou não se provando que o conhece) ainda activar
a responsabilidade neste per íodo e, inclusivamente, mesmo após essa publi-
ca ção (caso todos os seus pressupostos estivessem verificados no momento

533
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

em que a publicaçã o se d ê e se continuem a verificar - à excepção da pró pria


rela ção de grupo - aquando da activa ção da responsabilidade).

C. Breves Questões sobre o Cumprimento da Responsabilidade

Verificados todos os pressupostos, poder á o credor exigir 221 à sociedade


dominante a totalidade da d ívida e as eventuais consequ ê ncias legais que
derivem da falta de cumprimento da dominada (y.g, juros morató rios, danos
resultantes do incumprimento, etc.) - objecto do cumprimento 222 . E poderá fazê-
-lo de duas formas: extra- judicial ou judicialmente.
Se a via for extra -judicial, pensamos que, após o esgotamento do prazo de
30 dias sobre o incumprimento (em sentido amplo) da dominada, se dis-
pensa que o credor [també m] interpele a sociedade dominante no sentido de
a constituir em mora 223. Em face do carácter acessório da responsabilidade
da dominante, basta a mora da devedora principal (dominada) - que pode
mesmo ter surgido sem interpela çã o (cf. art . 805.9 CC) - para que aquela
passe a responder pelos juros moratórios, em especial, e pelos danos mora-
tórios, em geral 224. Mas isto n ão significa que o credor n ã o tenha de lhe exigir
tal facto - o pró prio art . 501.e/ 2 parece apontar neste sentido, quando refere
que “a responsabilidade (...) n ão pode ser exigida (...) ” -, i.e., de efectuar uma
intimação (diferente da interpela çã o) para que a sociedade dominante possa
cumprir a d ívida. Nã o nos podemos esquecer que dominada e dominante con-
tinuam a manter personalidades jurídicas distintas, e de que o conhecimento
que a ú ltima pode ter das obriga ções da primeira - sobretudo das anterio-
res à vigê ncia do grupo - nem sequer se aproximar á daquele que um fiador
terá quando constitui uma fian ça - que resulta de um acordo22* , ao contr á rio
da responsabilidade, surgida ex lege 501.9 - ou das garantias que a dominante
preste à sua dominada ao abrigo do art. 6.9/3, que permitem conhecer desde

221
E tal exigê ncia da responsabilidade pode ser feita independentemente de prazo de pres-
cri çã o relativamente à activaçã o desta responsabilidade , relevando os prazos de prescriçã o
de cada uma das d ívidas da sociedade dominada pelas quais a sociedade dominante subsi-
diariamente poderá responder.
222
Cf. ENGR áCIA ANTUNES, OS Grupos..., cit., p. 811 s..
223
Diversamente, CARVALHO FERNANDES/ JOãO LABAREDA, cit., p. 25, n . 19.
224
Assim, ANTUNES VARELA , Das Obriga çõesem Geral, Volume II , Almedina , 1997, p. 488, n . 1.
225
Cf. Idem, p. 486 s..

534
A RESPONSABILIDADE POR D Í VIDAS N O DOM Í NIO TOTAL

o in ício as “ regras do jogo”. Talvez també m por isso se possa defender que
a intima çã o seja um ónus para o credor, i.e., após o prazo de 30 dias (depois
do in ício do grupo ou da mora - cf. A., 3), enquanto ele não exercesse a res-
ponsabilidade junto da sociedade dominante, n ã o continuaria a beneficiar
do avolumar dos encargos decorrentes da falta de cumprimento da d ívida;
pois, de outro modo, os juros e danos morat órios poderiam prolongar-se no
tempo por inacçã o do credor que, com o intuito de aumentar o valor total a
receber, poderia atrasar a exigê ncia do cumprimento da d ívida à dominante.
No entanto, nada impede que a intima çã o seja judicial, funcionando como
cita çã o para a acção judicial credit ícia 226. Se, citada, a dominante n ã o vier a
cumprir a d ívida voluntariamente, a acçã o segue com vista a exigir o seu cum-
primento a final (art. 817.9 CC). Quest ão que se pode colocar é se o credor pode
demandar conjuntamente a sociedade dominada e a sociedade dominante.
Em face da já constatada proximidade da responsabilidade com a fian ça , cre-
mos poder aqui mobilizar o art. 64LS CC (com as devidas adapta ções recla-
madas pelo dom í nio total), que permite a demanda conjunta. Aliás, mesmo
que o credor opte por demandar apenas a dominante, nada parece impedir
esta ú ltima de chamar a dominada à demanda , nomeadamente para facilitar
a sua defesa na alegaçã o dos meios de defesa que são próprios da dominada mas
que, numa lógica de acessoriedade, aproveitam à dominante (cf. Cap. Ill , L).
Se, entretanto, após a exigê ncia extra- judicial, ou durante a acção de cum -
primento (ou mesmo depois de ter havido condena ção nesta), a sociedade
dominante satisfizer o credor ( por cumprimento, pagando a d ívida, ou por
qualquer outra causa de extinção além dele: arts. 837 ° ss. CC), tal terá efeito
extintivo em rela çã o à d ívida da dominada e em rela ção à responsabilidade
da dominante perante o credor quanto à concreta d ívida (cf. art. 651.2 CC).
Por outro lado, se o credor dispuser de t ítulo executivo (rectius, “exequ í-
vel ) contra a sociedade dominante (art. 501.Q/3) 22 - v.g., o do art. 703.9/ l, a)

226
Deste modo, CARVALHO FERNANDES/ JOãO LABAREDA , cit., pp. 25 (n . 19) e 62 s..
227
A questã o do t ítulo executivo n ã o deixa , contudo, de suscitar perplexidade na doutrina.
JANUá RIO GOMES (“A sociedade...” cit., p. 869 s.) considera que o legislador “acaba por retirar
com a “m ão processual ” do art. 501.8/3 o que dera com a “ m ã o substantiva ” do art. 501.9/1",
pelo que, segundo o Autor, seria preferível a solu ção de permitir a execuçã o contra a domi-
nante com base em t ítulo executivo contra a dominada , mas apenas em rela çã o à s d ívidas
constitu ídas durante a vigê ncia do dom í nio total .

535
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

do CPC, na sequê ncia de uma condena ção no â mbito da acção de cumpri-


mento contra a dominante poderá intentar acção executiva contra esta.
Em caso de insolvê ncia da sociedade-filha (não acompanhada da insolvê n-
cia da sociedade-m ãe), os credores desta sociedade, para alé m de concorrerem
ao património da mesma, podem ter direito a ver os respectivos créditos satis-
feitos pela sociedade-mãe: tal sucede, mais uma vez, na hipótese do artigo 501 °
do CSC. N ã o surgem dificuldades de relevo nesta hipótese, cabendo apenas
notar que, nos termos da al. c) do n .Q 2 o art. 82.e do CIRE, durante a pendê n-
cia do processo de insolvê ncia , o administrador da insolvê ncia tem exclusiva
legitimidade para propor e fazer seguir as acções contra os responsáveis legais
pelas d ívidas da insolvente, as quais correm por apenso, nos termos do n .Q 5.
Nas hipóteses em que se verifique a insolvê ncia , quer da sociedade-filha , quer
da sociedade-m ãe rege o artigo 86.- do CIRE (“Apensaçã o de processos de
insolvê ncia ” ): a requerimento do administrador da insolvê ncia são apensados
aos autos de insolvê ncia da sociedade devedora os processos em que haja sido
declarada a insolvê ncia de sociedades que nos termos do CSC ela domine ou
com ela se encontrem em rela ção de grupo.228
Finalizamos com a questão de saber se, depois de ter cumprido a obriga-
ção (de forma voluntá ria ou coerciva), a dominante poderá, a t ítulo de sub-
- rogação nos direitos do credor (art. 644.Q CC), exigir que a dominada lhe pague
tudo quanto aquela tinha desembolsado. Embora o direito de sub-rogação
seja admitido229, n ã o é pac í fico que possa ser exercido, pelo menos, com a sua
amplitude total 230 (i.e.,de reembolso da totalidade de tudo quanto a dominante
haja pago), porque - convém não esquecer - muitas das d ívidas da sociedade
dominada , constitu ídas no â mbito da vigê ncia do grupo, ter ão a “ m ão” da
sociedade dominante por intermédio do poder de direcção unit á ria em geral

228
Veja o tema da insolvê ncia dos grupos de sociedades de forma desenvolvida em: ANA
PERESTRELO DE OLIVEIRA , “A insolvê ncia nos grupos de sociedades: notas sobre a consoli-
daçã o patrimonial e a subordinação de créditos intragrupo, R D S I (2009), 4, pp. 995 e ss.,
e CARVALHO FF.RNANDES/JOã O LABAREDA, “ De volta à tem ática da apensa çã o de processos
de insolvê ncia (em especial , a situação das sociedades em rela çã o de dom í nio ou de grupo),
DSR , A 4, vol. 7, Almedina, 2012, pp. 133 ss..
22«;
Cf. A . PERESTRELO OLIVEIRA, Grupos de Sociedades..., cit. p. 602.
f

230
JANUá RIO GOMES, “A sociedade...”, cit., p. 882, n. 48, tem a opiniã o de que, nas relações
internas entre dominante e dominada após o termo do grupo, a poss ível recondu çã o ao regi-
me da fian ç a (e em particular ao direito de sub-roga çã o) requer uma cuidadosa pondera ção.

536
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

(quanto a estratégias, planos económicos, etc.) e da sua mais importante con-


cretiza çã o jur ídica: as instru ções vinculantes, que vimos poderem ser utiliza-
das para a dominada contrair d ívidas em benef ício da dominante ou de todo
o grupo. Por isso, o direito de sub-roga çã o, quanto a estas d ívidas, requererá
uma pondera ção cuidadosa e sempre casu ística. No que toca às d ívidas que
a dominada tenha constitu ído antes do in ício do grupo, parece-nos aceit ável
que, em princípio, esse direito possa ser exercido na sua totalidade depois do
termo do dom í nio total.

Conclusão

A direcçã o unit á ria e a pluralidade jur ídica das sociedades agrupadas torna-
ram a empresa plurissociet á ria - surgida com a expansã o concentracionista
- na alternativa mais lucrativa para a explora çã o da actividade econ ó mica,
só que, em contrapartida , externalizaram os riscos desta. Para os atenuar,
alguns legisladores reconheceram o fenómeno dos grupos societ á rios, como
o nosso, que previu as “Sociedades Coligadas”, regime dedicado à colabora-
ção e ao controlo entre [algumas] sociedades. Nele, destacam-se as normas
sobre os grupos stricto sensu , maxime o regime do contrato de subordina ção,
cujos efeitos mais relevantes (arts. 501.9-504.9) també m se aplicam ao dom í-
nio total, exvi 491.9.
Esta ú ltima rela çã o de grupo traduz duas situa ções de unipessoalidade:
uma origin á ria (art . 488.9) e outra superveniente (art . 489.9). Em ambas
manifestam-se duas formas de controlo: de um lado, o controlo que a socie-
dade dominante, por ser sócia ú nica , pode exercer sobre a AG da dominada ;
do outro, a direcção unit á ria que a administra ção da dominante põe em pr á-
tica ao dar instruções vinculantes (art. 503.9) à administração da dominada.
Da í que este amplo controlo tenha sido contrapesado com a tutela dos sujei-
tos que, à primeira vista, seriam os principais afectados pelo seu exercício.
De facto, com a possibilidade de emissão de instru ções vinculantes desvan-
tajosas à sociedade-filha, a sociedades-m ã e pot ê ncia a diminuiçã o patrimo-
nial daquela e, consequentemente, fragiliza a garantia geral dos seus credores.
Por isso, para proteger os interesses destes, reforçou-se o cumprimento das
obriga ções da dominada através da previsão do art . 501.9, que conté m uma

537
TIAGO DANIEL MENDES PL Á CIDO

responsabilidade objectiva , imperativa , patrimonial e ilimitada que, embora


rompa com princí pios gerais e societ á rios, é legítima , já que faz recair o risco
da explora çã o empresarial plurissociet á ria sobre quem o cria: a sociedade
dominante.
Esta sociedade assume a posiçã o de garante do cumprimento da obri-
ga ção da dominada (devedora prim á ria ou principal ), sendo esta obriga ção
que vai moldar a da devedora secund á ria (dominante). Faltando autonomia
à posiçã o da dominante e à sua obriga ção, n ã o estaremos perante uma res-
ponsabilidade solidá ria, mas acessória , de natureza fidejussória , podendo o
regime da fiança , com adaptações reclamadas pelo dom í nio total, servir de
“orienta çã o” ao regime da responsabilidade, que, à acessoriedade, ainda vê
acrescida a caracter ística da subsidiariedade média.
Quanto à aná lise desse regime jur ídico, começá mos por enunciar os pres-
supostos da responsabilidade. O primeiro deles é a exist ê ncia de uma rela ção
de grupo por dom í nio total, que tem requisitos relativos ao tipo e estatuto
pessoal dos sujeitos e à participação totalit á ria. Vistos estes, cabia determinar
o momento do in ício do grupo e que permitiria a efectivaçã o da responsabi-
lidade. No dom í nio total inicial , este momento ocorre com o registo defini-
tivo do contrato que constitui a sociedade unipessoal. Na outra modalidade
do dom í nio total , fruto - cremos - de uma condição legal presente na parte
final do n.Q 1 do art. 489.Q, em conjuga çã o com os n .-s 2 e 3 do mesmo pre-
ceito, os efeitos da rela çã o de grupo formada facticamente com a deten çã o
da participa ção totalitá ria estão suspensos enquanto os sócios da dominante
n ã o tomarem a delibera çã o social que decida pela continuidade do grupo
- nascimento ope legis condicionado da rela çã o de grupo por dom í nio total
superveniente. Quando (e se) esta for tomada, a rela çã o de grupo poder á,
ent ã o, começar a produzir os seus efeitos, o que est á de acordo com a ratio
legis, pois aproxima o regime do dom í nio total ao do contrato de subordi-
na çã o, que é o mesmo, mas que, com a produ çã o autom á tica dos efeitos do
dom í nio total com a detenção da integralidade do capital social , seria para-
doxalmente diferente (maxime, quanto ao momento do in ício dos efeitos
pr óprios destes grupos e, concomitantemente, ao conhecimento das d ívi-
das anteriores), com possíveis consequê ncias calamitosas para a sociedade
dominante, seus sócios e credores.

538
A RESPONSABILIDADE POR DIVIDAS NO DOM Í NIO TOTAL

Para alé m da rela çã o de grupo, outros pressupostos têm de estar presentes


para a responsabilidade poder ser activada . Desde logo, a obriga ção da domi-
nada tem de ser uma d í vida (independentemente da sua fonte, de advir ou
n ã o de uma instru çã o vinculante e de ter sido constitu ída antes ou durante a
vigê ncia do grupo); depois, a dominada tem de estar constitu ída em mora; e,
por ú ltimo, já deverá ter decorrido um per íodo m í nimo (30 dias) sobre esta .
E nestes dois ú ltimos requisitos que se evidencia a subsidiariedade m édia: ao
incumprimento da devedora inicial é acrescido o requisito do decurso de um
prazo, o qual, só depois de esgotado, faz com que a d ívida possa ser exigida à
devedora secund á ria. Este prazo, no entanto, só deve começar a correr quando
o grupo inicia os seus efeitos, sob pena de a responsabilidade, em rela çã o à s
d ívidas anteriores ( já vencidas), ser imediata (e não subsidiá ria) e de elas não
serem preferencialmente pagas pela devedora principal.
Por outro lado, se antes de se esgotar o prazo de 30 dias sobre o in ício
(dos efeitos) do grupo ou sobre a mora algum dos pressupostos cessar, a res-
ponsabilidade já não poderá ser activada, porque estava suspensa e nunca
chegou a nascer. Por isso, só quando esse prazo se esgotar o credor poder á
intimar ( judicial ou extra- judicialmente) a dominante a cumprir, desde que,
no momento dessa intima çã o, se encontrem reunidos todos os pressupostos.
Se, porventura, o grupo terminar, entendemos que o credor pode continuar
a lan çar mã o da responsabilidade para l á desse termo, desde que, aquando da
extin çã o do grupo (ou da publica çã o do registo deste facto), os pressupostos
se encontrem todos verificados, e se continuem a verificar no momento em
que a activação se dê (à excepção, claro, da própria rela ção de grupo).
Constatou -se, assim , que a interpretação e aplica ção do regime da res-
ponsabilidade exige um esforço penhorado e cuidadoso que evite a manifes-
taçã o de uma responsabilidade de cariz absoluto e que esteja em harmonia
com uma acessoriedade e uma subsidiariedade específicas, caracter ísticas
que també m influenciar ão o cumprimento (e tudo o que com ele se relacione)
da responsabilidade, desde os meios de defesa que a dominante pode opor
ao credor (que podem mesmo ser os que sã o próprios da dominada mas que,
numa lógica de acessoriedade - n ão de solidariedade -, aproveitam àquela)
at é ao eventual direito de sub-rogação que pode exercer contra a sua domi-
nada após satisfazer o direito de cr édito.

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