Stálin No Imaginário Dos Comunistas Brasileiros

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Aedos no 13 vol.

5 - Ago/Dez 2013

Quando Ouvi Falar De Stálin Pela Primeira Vez, Pensei Que Fosse Um Conto De

Fadas: Stálin No Imaginário Dos Comunistas Brasileiros

Tiago João José Alves1

Resumo: O artigo pretende apresentar e problematizar o imaginário comunista brasileiro a respeito de Josef Stálin,
dirigente da URSS. O recorte temporal está localizado no alvorecer da Guerra Fria, de 1946 a 1953, período con-
vencionado por Fred Halliday, como a Primeira Guerra Fria. As fontes escolhidas foram os jornais Voz Operária e
A Classe Operária, órgãos do Partido Comunista do Brasil. No contexto da Guerra Fria, o mundo viveu disputas
e tensões entre e em torno das duas maiores potências do globo: EUA e URSS. O PCB, por meio de identificação,
recepção e assimilação do universo soviético, constituiu a sua visão da Pátria Socialista. Esse imaginário buscou
fazer propaganda de supostas virtudes da URSS. A União Soviética se tornou uma vitrine para os comunistas, e
Stálin, o arquiteto dessa utopia. Por meio de símbolos, mitos, histórias e rituais, os comunistas brasileiros busca-
ram fortalecer e delinear seu imaginário. Nos jornais do PCB, o culto à personalidade e a exagerada valorização da
URSS são evidentes. Transformados em imagens invioláveis e puríssimas, os símbolos e personagens do universo
soviético serviam como “escudo e espada” nos embates da Guerra Fria. Quer dizer, tanto serviam para fortalecer
a defesa das ideias comunistas quanto para promover o avanço de suas posições.

Palavras-Chave: PCB; Imaginário; Stalinismo; Guerra Fria.

Abstract: This article aims to elucidate and problematize the Brazilian communist imaginary regarding Josef
Stalin, the URSS leader. This article’s chosen timeline is the dawning of the Cold War, between 1946 and 1953,
period defined by Fred Halliday as the first Cold War. The chosen sources of information were the newspapers
Voz Operária and A Classe Operária, both organs of the Brazilian Communist Party. During the Cold War, the
world experienced disputes and tensions in and between the two strongest world potencies: USA and the URSS.
The BCP, through identification, reception and assimilation of the soviet universe, built its own view of the Social-
ist Nation. This imaginary sought to make widespread propaganda of supposed URSS virtues. The Soviet Union
became a showcase to the communists, and Stalin, the architect of this utopia. Through symbols, myths, histories
and rituals, the Brazilian communists sought to strengthen and outline their imaginary. the cult of personality and
exaggerated valuation of the USSR are evident. Turned into inviolable and extremely pure imagines, the soviet
universe’s symbols and characters served as “shield and sword” during the Cold War clashes. In other words, they
served both as a means to strengthen the communist ideas’ defenses as a way to promote the advance of their posi-
tions.

Keywords: BCP; Imaginary; Stalinism; Cold War.

No ano de 1949, o Jornal Voz Operária, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), recebia um
caloroso texto de Maria Benedita da Cruz, vencedora do Concurso2 sobre Stálin. Maria Benedita não
tinha conhecimento das atrocidades e do autoritarismo3 de seu líder. Em 1949, convencida e feliz, ela
enviara seu artigo à redação do Jornal, relatando como foi ter visto Stálin pela primeira vez. Ao vivo?
Não, através de um relato de seu pai. O texto de Maria Benedita transcendia as fronteiras da política, sob
o título “Quando ouvi falar de Stálin pela primeira vez, pensei que fosse um conto de fadas”, a leitora
descrevia esse primeiro contato:

Lembro-me de que, uma tarde, chegando meu pai de volta do trabalho com um exem-
plar do ‘Estado de São Paulo’, vinha tão contente como se tivesse tirado a sorte grande
na loteria. [...]

– Hoje sim, dizia ele. Estou contente. E sabem por que esta minha alegria? É porque
na Rússia os operários derrubaram o governo e o entregaram ao filho de um sapateiro.
Agora sim, esses ricos vão ver o quanto vale o braço de um trabalhador. O homem

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que dirige uma casa tambem pode dirigir uma nação (Voz Operária, 17 de dezembro
de 19494).

Para Maria Benedita, Stálin se comparava a um personagem de conto de fadas, porém, ele era
real:

ele é um fato, existe, e é o grande amigo dos povos oprimidos e de todos antifascistas e
democratas e o maior inimigo dos fabricantes de bombas atômicas e dos instigadores
de guerra (Voz Operária, 17 de dezembro de 1949).

Entretanto, não era apenas Maria Benedita que exaltava seu líder, comunistas no mundo inteiro
faziam o mesmo. Isso aconteceu pelo fato de que o comunismo no século XX esteve associado à expe-
riência de construção do poder soviético. Já o stalinismo, corrente que demarcou nuances definidoras a
esse poder, se transformou no principal modelo para os comunistas do mundo (GROPPO, 2008, p.116).
As relações entre e os Partidos Comunistas com o poder soviético eram umbilicais:

A ligação que se instaurou entre os partidos comunistas e a URSS não era simples-
mente de dependência política, mas também de dependência material. Muitos desses
partidos recebiam do Estado soviético, de forma direta ou indireta, financiamentos e
diversos tipos de ajuda, mais ou menos consistentes, dos quais dependia, em parte, a
capacidade deles de desenvolver uma atividade política (GROPPO, 2008, p.131-132).

No Brasil, o Partido Comunista do Brasil (PCB) também seguiu esses caminhos. Portanto, o
objetivo do presente artigo surge desse debate: a intenção é apresentar e problematizar o imaginário que
o PCB construiu a respeito de Josef Stálin, principal líder da União das Repúblicas Socialistas Soviéti-
cas (URSS) de 1928 a 1953, na esteira do “culto à personalidade” e da exaltação do Estado soviético. O
contexto escolhido é o alvorecer da Guerra Fria, de 1946 a 1953. Esse período é denominado de Primeira
Guerra Fria, iniciado com as tensões entre as duas grandes potências mundiais e concluído com a morte
de Stálin (HALLIDAY, 1989).

Na Guerra Fria, EUA e URSS lançaram seus esforços na disputa da hegemonia mundial. Os
EUA saíram da II Guerra Mundial com o controle hegemônico da nova ordem internacional que se
desenhava, a Pax Americana. A URSS, apesar de ter saído mais fragilizada, obteve prestígio com a
sua participação decisiva no conflito, garantindo a presença de suas forças armadas na Europa Oriental
(VISENTINI, 2011, p. 212).

As ambições políticas dos EUA buscavam combater o risco de expansão do projeto soviético
e, ainda, barrar a disseminação das ideias comunistas (MUNHOZ, 2011, p. 168). Os soviéticos, basi-
camente, buscaram estabelecer um círculo homocêntrico (interno e externo) de defesa e valorização da
URSS.

No Brasil, durante o Governo de Eurico Gaspar Dutra, o movimento dos trabalhadores viveu um

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interessante momento de reorganização. O PCB atuou nesse processo, sendo que os resultados de sua in-
tervenção proporcionaram crescimento quantitativo e qualitativo ao Partido (BRANDÃO, 1997, p. 89).

Externamente, o PCB foi favorecido com a consagração da URSS. A vitória sobre o Nazismo,
os Planos Quinquenais e a expansão pelo Leste Europeu deram à URSS, na década de 1940, o seu má-
ximo esplendor nos meios comunistas. Stálin estava no máximo da popularidade, pois se transformara
num personagem mundial. Os comunistas cresciam mundo afora, a própria propaganda anticomunista
lhes dava matéria-prima para o culto dos comunistas ao suposto êxito da URSS. Esse período, surgido
por meio do terror, do progresso e da mobilidade social (FIGES, 2010, p. 174), significou o auge da
influência da URSS e de Stálin.

Nesse contexto, o PCB estabeleceu duas estratégias: estabelecer no Brasil um “governo popular,
democrático e progressista” e reconhecer a URSS como a fortaleza do socialismo no globo e a utopia
realizável. A dualidade de projetos envolvidas na Guerra Fria serviu para o PCB intensificar a propagan-
da em prol da URSS. Para enfrentar o imaginário anticomunista, o PCB seguia a linha de raciocínio: a
URSS representava o paraíso e os EUA, o martírio.

Convictos e abnegados, os comunistas doavam sua vida, suas finanças, seus esforços e desejos
em prol da causa. Esses homens e mulheres compartilhavam de um projeto que lhes dava sentido à exis-
tência e refletia a sua identidade. Lançaram-se na tarefa de salvar o Brasil da fome, das injustiças e de
livrar o mundo das guerras e desigualdades.

Em seu seio, os comunistas do PCB passaram por exílios, prisões, torturas e privações em nome
do comunismo. Resolutos na defesa do projeto soviético, criavam vínculos de solidariedade, apoiando
e buscando mais adeptos.

O interesse aqui está em resgatar esse conjunto de valores, conceitos e imagens de que comun-
gavam os comunistas a respeito de Stálin, no marco de uma relação de confiança e devoção. Para o PCB,
Stálin se tornou um “grande guia, protetor, e salvador, dotado de qualidades e poderes sobre-humanos,
encarnando ao mesmo tempo a ortodoxia e o mito e, a partir daí, o sentido da história” (BACZKO, 1985,
p.330). Stálin foi eleito o chefe da vitrine e do modelo que o PCB construiu a respeito da URSS, com-
pletando o sentido da história para os comunistas. Esse sistema de imagens e símbolos visava garantir
a homogeneidade partidária.

Dialogando com Bronislaw Baczko, esse conjunto de imagens e símbolos pode ser entendido
como imaginário social. Na sociedade, construído pelos indivíduos, ele tem o intuito de regular a vida
coletiva, seja de um grupo ou de uma família. O imaginário se torna “uma peça efetiva e eficaz do dis-
positivo de controle da vida coletiva e, em especial, do exercício da autoridade e do poder” (BACZKO,
1985, p.310).

O PCB, instrumentalizando seu imaginário, estabelecia as aspirações, as inseguranças e as es-


peranças dos comunistas. O Partido se utilizava de símbolos, mitos, histórias e rituais para fortalecer
seus membros.

A imprensa do PCB, após a apresentação desse panorama, é vista como um lugar exemplar de
reverberação do imaginário do PCB a respeito de Stálin. As doutrinas e as ideias do PCB, explícitas

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em seus canais de diálogo, contribuem para comprovar o seu nível de encantamento e de veneração em
torno da sociedade soviética. Num primeiro plano, os símbolos, as instituições, os líderes, as estatísticas,
as vitórias e a superioridade, tudo era catalogado nos paradigmas do Partido. Os dirigentes cumpriam
um rol decisivo nessa absorção. Posteriormente, aquilo que havia sido nutrido pela direção se codificava
nas crenças e paixões dos militantes. Por fim, o objetivo final dos comunistas era angariar novos adeptos
e simpatizantes.

Essa catalisação não foi autônoma, ela sofreu os impulsos e os efeitos da empolgante propagan-
da feita pelos corpos conectados ao mundo soviético. Adaptada aos comunistas no Brasil, essa absorção
ganhava uma arrancada com contornos nacionais. Na direção do conjunto desses organismos soviéticos,
vitais para o imaginário do PCB, estava Josef Stálin.

Stálin exerceu uma liderança decisiva, ajudando no embasamento e na consolidação dos códi-
gos, condutas e paradigmas do comunismo. A teoria da construção do socialismo num único país so-
bressaía e se consagrava como o escudo do Estado soviético, motivando a adesão e o fascínio em torno
da URSS.

Como o centro mundial comunista, a URSS sempre estava acima de todas as outras nações,
inclusive das comunistas. Mesmo com métodos baseados no terror, na perseguição e no expurgo, para
consagrar as suas posições, o stalinismo cativou adeptos pelo mundo. De forma autoritária e truculenta,
o líder tinha a garantia plena de efetivar o seu projeto para o Estado soviético. O poder de Stálin se con-
sagrou por meio de processos, calúnias, exílios, prisões e assassinatos dos inimigos. Já no fim de 1938,
os principais personagens que colocavam em risco esse poder não representavam mais nenhum risco: a
oposição estava derrotada.

Os oposicionistas sofriam a acusação de heresia contra o Estado soviético. Por serem da opo-
sição, recebiam as denominações de “inimigos do povo”, “traidores” e “contrarrevolucionários”, logo,
precisavam ser banidos.

Após a eleição dos perigosos inimigos, o banco dos réus e a navalha stalinista davam os golpes
derradeiros. Os dados em torno do Grande Terror cunhado pelo stalinismo são impactantes, e os “inimi-
gos do povo” não foram poucos. O historiador Orlando Figes elencou as estatísticas do Terror, sem levar
em conta as mortes vitimadas pela guerra e pela fome:

Estimativas conservadoras mostram que cerca de 25 milhões de pessoas foram repri-


midas pelo regime soviético entre 1928, quanto Stálin assumiu o controle da liderança
do partido, e 1953, quando o ditador morreu e seu reino de horror, se não o sistema
que desenvolvera em um quarto de século, chegou ao fim. Esses 25 milhões – pes-
soas mortas por esquadrões de execuções, prisioneiros do Gulag, kulaks enviados
para ‘assentamentos especiais’, trabalhadores escravos de vários tipos e membros de
nacionalidades deportadas – representam cerca de um oitavo da população soviética,
que em 1941 era de aproximadamente 200 milhões, ou, em média, uma pessoa para
cada 1,5 mil família na União Soviética (2010, p. 25).

Os dados mostram a fúria e implacabilidade do regime soviético, gerando uma “população si-
lenciosa e conformista” (idem, p. 25). No cerco da onda de terror, uma posição de autoridade na URSS
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poderia gerar a suspeita de ser um “inimigo do povo”. Ser dirigente comunista, compor o Exército Ver-
melho, ter vínculos com a Igreja, ser diplomata ou comissário do povo poderiam dar indícios de suspei-
ta; mas as pessoas comuns, do mesmo modo, poderiam significar perigo para o regime.

Em relação ao poderio de Stálin, esse mérito não foi individual: o ditador contou com base so-
cial e suporte intelectual para estruturar o que se chama de stalinismo. Agregando apoio, por intimidação
ou convencimento, Stálin conseguiu dar textura a um imaginário que ajudou a fortalecer seu governo e
seu regime. Por meio do terror, do clima conspirativo e da forte propaganda, ele construiu uma atmosfe-
ra de defesa intransigente da URSS. Talvez o risco das prisões, dos expurgos e dos assassinatos ajudasse
no recrutamento de pessoas favoráveis ao líder.

Para fortalecer ainda mais o “culto à personalidade5” de Stálin, após a morte de Lênin, a figura
do velho bolchevique passou a ser evocada e associada aos êxitos da Revolução desempenhada pelo seu
sucessor “natural”. Associar Stálin a Lênin foi uma forma segura de sufocar as desconfianças em torno
das políticas e teorias preconizadas pelo stalinismo. Foi um jeito de manter entrelaçada a história da
Revolução Russa, uma espécie de subterfúgio e porto seguro do Marechal, que via garantida a aplicação
e a justificação de seu projeto. O PCB demarcou esse “parentesco” revolucionário entre os dois bolche-
viques, e dessa forma ajudava a evitar possíveis crises dos militantes desconfiados dos ditames de Stálin.

Para o Partido e para os comunistas em geral, Stálin era apresentado como o discípulo mais fiel
de Lênin. O próprio Stálin reconhecia essa ligação, como ainda reconhecia a sua missão inalienável após
a morte de Lênin. Sob juramento, Stálin ratificou esse compromisso: “ao deixar-nos, o camarada Lênin
nos legou o dever de reforçar e estender a União das Repúblicas Soviéticas. Nós te juramos, camarada
Lênin, que executaremos com honra também este mandato” (A Classe Operária, 6 de Novembro de
1948, p.4).

Em um artigo intitulado “O Lênin de nossos dias”, o PCB reconstruía a história da relação entre
os dois dirigentes. A argumentação do artigo tinha como objetivo demonstrar uma profícua e intensa
amizade entre Lênin e Stálin. O artigo informava que a afeição entre os líderes vinha de longe, antes
mesmo da Revolução:

Iria conhecê-lo pessoalmente dois anos mais tarde [1905], na conferencia de Tam-
mersfors, na Finlandia. Daí principiou uma amizade que se tornaria cada vez mais
sólida, á medida que se comprovava a identidade dos dois homens na sua dedicação
ao Partido, á causa da revolução proletária. Foi o exemplo de Lênin, acima de tudo,
que inspirou a formação revolucionária de Stálin (Voz Operária, 17 de dezembro de
1949, p.18).

Lênin e Stálin apareciam no mesmo patamar. O Partido dizia que eram extremamente parecidos,
tanto no campo profissional quanto no pessoal. Os dois dirigentes não diferiam em praticamente nada:

Possuíam em comum não poucas qualidades. O mesmo senso instantâneo da ligação


entre a teoria e a pratica, a mesma firmeza, a mesma confiança inflexível na classe
operária que foi, neste século, a características dos bolcheviques russos. E também
outras qualidades mais singelamente humanas. Eram ambos criaturas que sabiam rir

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(A Classe Operária, 6 de Novembro de 1948, p.4).

O raciocínio dos comunistas se tornava evidente: Stálin é o verdadeiro representante da Revolu-


ção Russa, do bolchevismo e do leninismo. Para o PCB, Trotsky, um dos principais inimigos de Stálin,
reunia em suas ações e ideias o estigma de ser a mais completa e perfeita antítese de Lênin: “Enquanto
Trotsky, carcomido pelo germe da traição [...] Stálin participa desde o início ao lado do mestre na luta
contra o menchevismo (Voz Operária, 17 de dezembro de 1949, p.11)”. Jorge Ferreira (2002, p. 162)
comentou que o PCB chegou a “proibir qualquer contato, inclusive de amizade, de seus militantes com
os seguidores de Trotsky”. Ou seja, as outras variantes do marxismo eram perniciosas e poderiam pôr
em risco a integridade do stalinismo.

As manifestações de louvor e reconhecimento a Stálin são extensas e explícitas, o PCB não


escondia as suas verdadeiras opiniões a respeito do líder bolchevique. É muito interessante notar que as
notas que fazem referência a Stálin foram mais numerosas que as produzidas sobre a URSS. Os artigos,
notícias, entrevistas e comemorações em torno de sua figura eram dos mais numerosos na imprensa par-
tidária. Para dar maior estrutura à figura do líder, ele sempre era associado ao Estado. Não que ele fosse
mais importante que a URSS, na verdade ele aparecia como o símbolo, a personalização do Estado. Nas
páginas dos periódicos do PCB se desdobram um forte reconhecimento de seu papel: o líder tinha pres-
tígio, carinho, valor, indicando que sem ele a URSS perderia muito.

No marco dessa veneração, o artigo selecionou algumas dessas situações de louvor e devoção
às qualidades do líder soviético. Esses casos estão ramificados em diversas esferas que buscam valorizar
os méritos e virtudes do Marechal. O líder tinha harmonia, não cometia exageros nem histerias, não va-
cilava, mantinha a firmeza e a sobriedade, um verdadeiro marxista e chefe de Estado. O guia dos povos
não fazia rodeios, possuía convicção em tudo o que pensava e fazia. Como retorno, exigia o mesmo das
outras pessoas. Não permitia falsidade, pedantismo, arrogância, qualidades burguesas e nada revolucio-
nárias.

Stálin foi visto como um verdadeiro guerreiro, um homem que travou e venceu inúmeras bata-
lhas. Orgulhoso, o PCB enumerava essas conquistas: a tomada do poder na Rússia; a fundação do Estado
Socialista; a luta contra os oportunistas; a batalha contra os inimigos internos e externos; as ações contra
o atraso econômico e cultural da Rússia; a guerra contra o nazismo e o fascismo; a elevação da indústria
e da agricultura soviética. Segundo o PCB, para ganhar essas árduas e longas batalhas Stálin elaborou e
praticou inúmeras atividades: fundou jornais legais e ilegais; foi preso; dirigiu greves e manifestações;
preparou ações de guerra; resolveu problemas de Estado e do Partido.

Como prêmio e coroação de sua existência, Stálin havia construído e efetivado o socialismo na
URSS. Uma das concretas garantias dessa realização, para o PCB, estava na promulgação da Consti-
tuição de 1936, carta que teria consolidado o socialismo no país e havia dado garantias para a transição
ao comunismo, a última etapa da humanidade (A Classe Operária, 25 de dezembro de 1948, p.6-12).

O mais interessante, é que esses acontecimentos estão associados unicamente à figura de Stálin.
O Partido argumentava­­ que esses processos só foram vitoriosos porque tiveram Stálin na direção, e só
num segundo plano entraria o PCUS e demais dirigentes.

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Para o PCB, um homem dessa magnitude só surgira e vivera por ter sido o produto mais genuíno
que a Revolução fabricou. Nesse período, Stálin havia se tornado o principal individuo da história co-
munista, segundo os stalinistas. Por outro lado, como era um gênio, foi odiado pela minoria, mas amado
pela maioria.

Quando o PCB completou 30 anos de existência, mais uma vez aproveitou para declarar sua
gratidão a Stálin, com uma reverência descomedida e ilimitada:

No 30º aniversário do nosso Partido, reafirmamos nosso amor, nossa gratidão, nossa
dedicação e fidelidade ilimitados ao camarada Stálin, ao glorioso Partido Bolchevique
e à doutrina do Marxismo-Lêninismo-Stálinismo. Estudemos Stálin, aprendamos com
Stálin, imitemos Stálin, agradeçamos a Stálin o que ele tem feito pelo nosso povo, e
assim estaremos glorificando os 30 anos de lutas do nosso querido e amado Partido
Comunista do Brasil (A Classe Operária, 5 de Abril de 1952, p.4).

Aos feitos e às batalhas vencidas, à humildade e à simplicidade, Stálin ainda agregava as mais
diversas qualidades revolucionárias. Para os comunistas, ele era um excelente general, disciplinado mi-
litante, excepcional orador, brilhante escritor; evocava as qualidades de um marxista de corpo e alma, na
teoria e na prática. Como congregava as máximas qualidades de um revolucionário, o PCB via nele, a
“expressão mais perfeita, nos nossos dias, do chefe, do teórico e do militante comunista” (Voz Operária,
17 de dezembro de 1949, p.3).

Sobre a militância do líder soviético, a nota de Armênio Guedes afirmava que “em Stálin, o
chefe e o teórico têm o caráter de militância, de uma militância que se poderia chamar de tipo superior”
(Voz Operária, 17 de dezembro de 1949, p.6). Stálin se tornava o exemplo de militante, o modelo, o pa-
drão a ser seguido por aqueles que desejassem mergulhar efetivamente na luta comunista. Suas virtudes
ganhavam contornos inatos, existentes desde os seus primeiros passos na militância política.

Para se tornar um líder bolchevique, um grande dirigente comunista internacional, Stálin havia
exercitado as mais diversas modalidades da prática revolucionária. Sua grandeza provinha de sua expe-
riência e de seu contato com o povo, como apontava o PCB. Na mesma lógica, essa experiência política
e esse estreito contato com o povo lhe davam destreza para elaborar e escrever os encaminhamentos do
movimento comunista. Isso mesmo, Stálin ainda tinha habilidade única para escrever, era um verdadeiro
guia.

Carlos Marighella, em um artigo sobre os 10 anos de aniversário do livro “A História do PC


da URSS”, reconhecia que a obra de Stálin havia alcançado a consagração. Sustentava que o livro havia
sido publicado em quase uma centena de idiomas e tinha chegado ao número de 35 milhões de exempla-
res. No Brasil, Marighella informou que o livro foi bem trabalhado nos círculos comunistas, chegando
a mais de 10 mil exemplares publicados.

Junto com a comemoração, a advertência: os militantes ainda estavam subestimando a geniali-


dade e a obra-prima de Stálin. O número de publicações estava muito insignificante, em se tratando de
uma obra de tamanha estatura.

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Jacob Gorender, em outro artigo, ainda afirmava que o livro havia se tornado “a obra mais di-
vulgada e lida da literatura marxista, [que nenhum] outro livro, no mundo inteiro, incluindo a literatura
de ficção, conheceu, neste último decênio tão extraordinário volume de edições” (Voz Operária, 17 de
Dezembro de 1949, p.10).

O reconhecimento do PCB em relação às “obras” de Stálin gerou a aprovação de uma resolução


no Comitê Nacional do Partido. A resolução reconhecia que seus textos se tornavam vitais para a eleva-
ção do nível ideológico e político do conjunto dos militantes do Partido. O documento dava o seguinte
encaminhamento

O Comitê Nacional, ao considerar a importância da educação teórica dos quadros nos


princípios do marxismo-Lêninismo, como centro e essência da luta pela construção
do Partido, decide tomar a seu cargo a publicação das obras completas de J. Stálin (A
Classe Operária, 10 de abril de 1951, p.6).

A justificativa que o PCB apresentava se embasava no reconhecimento de que Stálin reunia


qualidades de mestre, sua consciência irradiava marxismo. Lênin, Marx e Engels até recebiam atenção
no receituário do PCB. No entanto, os textos de Stálin sempre precisavam ocupar a cabeceira de um
verdadeiro marxista. Nas “obras” de Stálin, o conhecimento marxista já estava compilado, sintetizado.

Os militantes precisavam de concentração e empenho no estudo das “obras” de Stálin, devendo


seguir seu exemplo, um verdadeiro obcecado por leitura. Com a dedicação pontual e profunda a seus
estudos, a genialidade de Stálin chegava à sua síntese. Além de ser um provado e dedicado militante,
agitador e propagandista, chefe de Estado e dirigente comunista, Stálin perdia horas e horas com um
livro em suas mãos.

Em uma nota, o PCB afirmava que “desde muito jovem [Stálin] era sempre visto com um livro
na mão, não o deixando sequer às refeições, no seminário em que estudou sofreu inúmeras punições,
sendo afinal expulso porque estudava ‘livros proibidos’[...]” (A Classe Operária, 1 de janeiro de 1952,
p.4).

O Partido, vangloriado, contava um fato que enaltecia ainda mais o esforço individual de Stálin
em estudar:

Savchenko, um oficial soviético, conta-nos que ao manifestar espanto diante da enor-


me quantidade de livros existentes no gabinete de Stálin recebeu deste como resposta
que diariamente repassava 500 páginas; esta era sua “ração” diária (A Classe Operá-
ria, 1 de janeiro de 1952, p.4).

Os encaminhamentos do PCB a respeito do trabalho com os livros de Stálin passavam por duas
tarefas: 1) todo militante devia ler e estudar essas obras; 2) depois do cumprimento dessa primeira tarefa,
o militante deveria levar aos trabalhadores essas leituras.

O povo soviético - afirmava um artigo de Floriano Gonçalves - antes dos êxitos de Stálin, vivia
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na mais “sombria, pesada e milenar ignorância [após a Revolução promovida por Stálin] passaram a ler,
estudar, interessar-se pelas coisas do conhecimento humano, pela arte, pela ciência, pela técnica” (Voz
Operária, 17 de dezembro de 1949, p.2).

No Brasil, o mesmo deveria ser feito: retirar o povo da ignorância, afastá-lo da escuridão e
aproximá-lo da luz, do conhecimento. O feixe de luz para clarear essa escuridão estava na leitura mar-
xista de Stálin, único meio de acabar com a ignorância.

Na consciência dos comunistas, os intelectuais, antes de Stálin, estavam espremidos, isolados,


praticando um academicismo individualista, inútil e distante da realidade do povo; depois, esse panora-
ma se transformou. No mesmo artigo, Floriano esclarece essas transformações:

A obra de Stálin representa para o intelectual, a possibilidade de libertar-se da con-


dição de mirrado indivíduo, dependente materialmente das minorias dominantes e
transigindo com os mesquinhos interesses dominantes. A obra de Stálin desenrola à
sua frente o imenso oceano de homens, trabalhadores, camponeses que lêem, estu-
dam, admiram a obra de arte, criticam-na, oferecem-lhe a própria tradição popular
para enriquecê-la. A obra de Stálin proporciona este oceano de almas ao artista e ao
intelectual, dá-lhes forças para virarem as costas aos mesquinhos interesses dos donos
da vida e mergulhar amplamente, profundamente no seio do povo (Voz Operária, 17
de dezembro de 1949, p.2).

O PCB ainda congregava mais dois importantes atributos ao líder: Stálin havia se tornado um
exímio chefe militar, o porta-bandeira da paz. No campo militar, o generalíssimo havia vivido três pe-
ríodos vitais na história militar da Revolução: “o insurrecional, o da guerra civil e o da grande guerra
patriótica da União Soviética”1 (Voz Operária, 17 de dezembro de 1949, p.7). Nos três acontecimentos
militares, Stálin teria demonstrado clareza, destreza e habilidade em solucionar impasses de tamanha
magnitude.

Stálin era chamado nos meios comunistas de Campeão e Porta-Bandeira da Paz:

Isto se dá porque a política Stálinista é fundamentalmente uma política de paz, de luta


incessante pelo entendimento entre os povos, pelo desarmamento progressivo e pela
abolição total e imediata das armas atômicas, como armas de terror e de assassínio em
massa (A Classe Operária, 1 de janeiro de 1952, p.1).

Como um verdadeiro embaixador e proclamador da Paz entre os povos, Stálin era visto como
o guia mundial do proletariado, o homem que reivindicava a libertação e a igualdade entre os povos.
Não importava etnia, nacionalidade e gênero, Stálin congregava o papel de representar os camponeses
e os operários mundialmente. Ele promovia o socialismo e a paz mundial, tendo como ponto de partida
a União Soviética.

1 O PCB e os comunistas denominavam que a Segunda Guerra Mundial havia sido uma
Guerra Patriótica para a
União Soviética, pois a existência da Pátria Socialista teria estado em jogo.
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Dono de qualidades imensuráveis, o grande líder recebia monumentos, presentes, mensagens,


poesias, cantos e pinturas em sua homenagem. O pagamento mínimo deveria passar pela recordação,
pelo culto incessante ao dirigente.

Para se ter noção da devoção, algumas notas demonstram as provas de devoção e idolatria ao
comunista. Um exemplo esteve na inauguração de um monumento ao grande chefe na Ucrânia: “os
trabalhadores da Ucrânia assistiram a 7 de novembro à inauguração de um monumento ao inspirador
e organizador das grandes vitórias socialistas, o Camarada Stálin” (Voz Operária, 18 de novembro de
1950, p.4).

Notícias como essa eram recorrentes. O PCB divulgava esses nobres acontecimentos em diver-
sos países da Europa e do mundo. Na URSS, inclusive, transbordavam estátuas e símbolos em alusão à
figura de Stálin e seus méritos, garantia o PCB.

Em uma espécie de relação entre astro e fã, Stálin foi elevado ao posto de ídolo. Os indícios são
as eufóricas ações dos comunistas de todo o mundo enviando presentes e lembranças ao mestre. Em uma
breve nota, euforicamente o Partido informava a gratidão dos povos do mundo à Stálin:

Foram recolhidos só no Museu da Revolução, em Moscou, os milhões de presentes


enviados de todas as partes do mundo ao grande Stálin, pelo transcurso do seu 70º ani-
versário. Esses presentes foram feitos por crianças, trabalhadores das fazendas cole-
tivas, operários, fundidores, engenheiros e homens de ciência, caçadores, astrônomos
e fundidores de aço, colhedores de algodão e operários de fábricas de vidro, famosos
artistas e soldados do Exército Soviético.

Milhares e milhares de outros presentes chegaram de passes estrangeiros em teste-


munho da enorme estima e gratidão dos povos do mundo inteiro a Stálin, por seus
grandiosos méritos perante a humanidade (Voz Operária, 21 de Janeiro de 1950, p.9).

Os brasileiros não ficavam fora da peregrinação simbólica levantada para Stálin: enviavam
igualmente presentes e lembranças que refletiam a devoção e o carinho dos brasileiros pelo marechal.
Entusiasmado, Pedro Motta Lima descreveu os “mimos” que ele mesmo chegou a levar à URSS para
serem entregues ao brilhante chefe do Estado soviético:

Levava comigo apenas uma parte das três remessas de mimos ofertados por mãos bra-
sileiras ao construtor do mundo novo. Era uma grande bagagem. Peças várias saídas
de Volta Redonda e outras fundições, miniaturas de truques fabricados nas oficinas
de nossas grandes estradas de ferro, bolsas de casco de tatu, a nota típica do sertão
nordestino ou das coxilhas do sal em trabalhos de couro, cortes de preciosas fazendas,
tecidos com desvelado amor pela grande família dos têxteis cariocas, paulistas e mi-
neiros, lembranças dos portuários e marítimos, livros e poemas, quadros a óleo, músi-
cas de compositores populares, prendas de labor doméstico, bordados, representando
centenas de dias de tarefa de moças do interior, debruçadas ao tear com o pensamento
mais carinhoso posto naquele a quem dedicavam a maravilha de sua habilidade e pa-
ciência, como a um noivo distante (Voz Operária, 21 de Dezembro de 1950).

Nas aduanas, Pedro Motta Lima ficava maravilhado com o susto, mas, ao mesmo tempo, tam-

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bém com a simpatia que irradiavam os semblantes dos funcionários. Era uma mistura de surpresa e en-
canto em torno de tamanha devoção dos brasileiros para com o dirigente. Ele afirma que os funcionários
deixavam livre a passagem dos presentes, até mesmo nos países capitalistas.

Em pleno período da Guerra Fria, um contexto permeado pela tensão, algum tipo de constran-
gimento ou eventualidade no translado desses presentes poderia acontecer, mas não acontecia. Lima
elencou os motivos:

Essa solidariedade, essa identidade de sentimentos era o que podíamos ler no olhar
amigo e no sorriso de simpatia com que os funcionários das alfândegas de tantos paí-
ses marshalizados fechavam a valive dos presentes a Stálin, pondo o sinal de giz ou o
carimbo de livre trânsito (Voz Operária, 21 de dezembro de 1950, idem).

Outros presentes também se encaminhavam à URSS. A direção do PCB, por exemplo, enviou
um aparelho de café com xícaras de madeiras de lei e colheres de prata. Velhos militantes do movimento
operário enviaram uma pasta de couro de jacaré.

Foram ainda ofertados presentes regionais: cuia de chimarrão, caixa de jacarandá para fumo,
jangada em miniatura, arreios, saco de café, flechas e adornos indígenas, coleção de discos de música
popular brasileira, figuras de cerâmicas, rede de fibras de palmeira buriti, estatueta de bronze (Voz Ope-
rária, 21 de dezembro de 1950).

O PCB argumentava que homenagear Stálin havia se tornado uma obrigação militante, uma
tarefa a ser cumprida por todo verdadeiro comunista. Homenageando o construtor do socialismo, se
contribuía para valorizar ainda mais a URSS no seio do povo brasileiro.

O Partido sempre indicava os encaminhamentos que os comunistas deveriam tomar para home-
nagear Stálin. Seja nas ruas, seja no local de trabalho, seja nas páginas dos jornais comunistas, as ações
deveriam acontecer. Comemorar o aniversário de Stálin, assim como referendá-lo, significava tonificar
as ações titânicas e heroicas do dirigente. Reconhecendo-se o líder, festejava-se a própria Revolução.

Stálin subia ao patamar de construtor e edificador do socialismo. Em um artigo de Mauricio


Grabois, esse dirigente elencava algumas atividades práticas que precisavam ser tomadas para valorizá-
-lo:

O proletariado em suas fábricas há de paralisar o serviço por um dia, uma hora ou


um minuto, conforme as condições do momento, em homenagem ao seu dirigente
máximo. E assim farão também os camponeses em seus sítios, os intelectuais progres-
sistas, através das mais variadas manifestações artísticas, os funcionários, em seus
escritórios, as mães no recesso de seus lares, e as massas em geral, na praça pública
ou em recintos fechados, em qualquer parte hão de festejar o aniversário de Stálin, o
campeão da paz (Voz Operária, 12 de Novembro de 1949, p.3).

O PCB não tinha dúvida de que Stálin representava os trabalhadores. Na condição de dirigidos,
não lhes restava alternativa: cabia-lhes homenagear e felicitá-lo.
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Grabois continuava, elencando as ações que deveriam ser desempenhadas por intelectuais, cro-
nistas e poetas:

Essa data é tema não somente para folhetos e volantes que poderão ser distribuídos
narrando as lutas de Stálin, o que ele significa para todos os povos oprimidos como o
nosso povo, mas também para os cronistas e os poetas que poderão exaltar e cantar a
figura do revolucionário, do estadista, do sábio, da figura humanista do maior inimigo
vivo de todos os exploradores e opressores. Enviando-lhes cartas e telegramas, cujas
cópias devem ser remetidas à imprensa democrática, o povo terá assim um outro meio
de manifestar sua simpatia e seu aplauso pela firme política de paz que ele conduz
(Voz Operária, 12 de novembro de 1949, p.3).

Para as massas, Grabois dividia algumas atividades práticas, como por exemplo, as pichações:

Já as massas vêm gravando nos muros das principais cidades brasileiras suas felici-
tações a Stálin, dando “Viva Stálin” e “Viva a Paz” ao mesmo tempo, porque todos
compreendem e sentem em primeiro lugar que o nome Stálin e a palavra paz andam
sempre juntos nos lábios das mães e das jovens que não desejam ver seus filhos e
noivos transformados em carne de canhão [...] (Voz Operária, 12 de novembro de
1949, p.3).

Uma situação interessante e curiosa no marco dessas ações foi o chamado caso “Morro Stálin”,
narrado por Mauricio Vinhas de Queiroz.

No Pico dos Dois Irmãos, centenas de metros acima do nível do mar, localizado no Rio de Janei-
ro, encontrava-se uma grande pedra. Na pedra, “anônimos” alpinistas, narra Maurício Vinhaz, fizeram
uma enorme inscrição com a palavra Stálin. Impressionados e atônitos - continua - os operários das
favelas do Pinto e do Cantagalo, do Parque Proletário da Gávea, ao acordarem para o trabalho, deram-se
conta daquela imensa palavra.

O mesmo teria acontecido nas elegantes e formosas ruas de Ipanema e Leblon: grupos de pes-
soas se formavam e olhavam atentas para cima, em seguida comentavam o fato. Alguns se irritavam,
outros se assustavam, mas não negavam a admiração.

A nota continua, mostrando o esforço das autoridades para apagar a inscrição supostamente
mobilizadora das atenções cariocas:

Durante uma semana a polícia, os Bombeiros, a Prefeitura e até o Exército se mo-


bilizaram para apagar a inscrição. Esta tinha uns quarenta metros de um extremo ao
outro; cada letra, dez metros de altura. Imaginai agora o esforço dos que no escuro de
noite galgaram a montanha e, seguros nas anfratuosidades da rocha, dependurados em
longas cordas, realizaram a proeza (Voz Operária, 21 de Dezembro de 1950).

As tentativas das autoridades para destruir a inscrição foram inúteis. Nem a chuva, nem os ven-

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tos, nem as forças conservadoras conseguiam apagar o nome de Stálin - afirmava o PCB. Chamado de
Pico dos Dois Irmãos, após a ação direta desses abnegados passou a se chamar “Morro Stálin”.

No intuito de incitar ainda mais a realização de iniciativas e atividades de festejo em torno da


figura de Stálin, Diógenes Arruda, outro dirigente da organização, exemplificou atitudes de algumas
personalidades para com Stálin:

Você sabe que Portinari, Graciano e Scliar estão pintando quadros para enviar a Stálin
no dia 21? Que Aidano do Couto Ferraz, Oswaldino Marques, Carrera Guerra, Aluisio
Medeiros e Ary de Andrade já compuseram poemas glorificando Stálin? Que Dalcídio
Jurandir, um dos nossos melhores romancistas, fez um folheto em linguagem simples
para explicar a vida de Stálin aos camponeses brasileiros? (Voz Operária, 10 de de-
zembro de 1949, p.1).

Iniciativas como essas eram tarefas de honra de todo militante, e seria inaceitável violar esse
dever, seja por preguiça, seja por falta de ânimo ou descrença. Os presentes não precisavam ser caros, já
que a classe trabalhadora amargava a realidade de minguados salários, Horácio de Oliveira ressalta isso:

Será que vamos nos envergonhar por não lhe podermos mandar um presente caro?
Não camaradas, lhes daremos as coisas mais simples deste mundo, mas capazes de
expressar o nosso carinho pelo mestre e amado guia (Voz Operária, 7 de Janeiro de
1950, p.14).

As festas de comemoração do aniversário de Stálin faziam parte do itinerário comunista e se


tornaram uma obrigação sagrada e inviolável, uma verdadeira festa. Osvaldo Peralva, também dirigente
do PCB, assim descreveu o caráter dessas comemorações:

Será uma festa democrática de todos os povos, a consagração popular e universal do


herói e do sábio, do revolucionário e do ideólogo do marxismo, do estadista e do diri-
gente político, do libertador de povos, do construtor do primeiro Estado Socialista, da
primeira sociedade sem classes antagônicas, do homem que descortinou aos nossos
olhos o luminoso mundo comunista, do grande chefe de todo o campo democrático,
do campeão mundial da luta pela paz (Voz Operária, 19 de Novembro de 1949).

Nas celebrações do 71º Aniversário de Stálin, o PCB agregava elogios, afirmando que o líder ha-
via tido “a mais bela vida de nosso tempo”. Além de suas proezas, por meio de suas palavras o dirigente
compusera “capítulos da Bíblia da nova humanidade” (Voz Operária, 16 de dezembro de 1950, p.5).

O PCB acabava ritualizando a política comunista, mesclando conteúdos e categorias religiosas


para exaltar a URSS e Stálin. Empolgado em descrevê-lo, sua devoção beirava o fanatismo.

Essa mitificação e esse encantamento em torno do líder desaguavam em uma extensa quantidade
de adjetivos enaltecedores, fortes e profundos. Eis alguns deles: Mestre, Chefe, Guia, Camarada, Pai,
Querido, Amigo, Líder, Amante da Paz, Amigo das Crianças.

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Esses adjetivos constituíam um imaginário paternalista, cego e incondicional na consciência


dos que acreditavam na odisseia stalinista. Com um dirigente dessa estatura - acreditavam os comunistas
- o risco de desorientação estava descartado.

Divergindo dessa imagem positiva de Stálin, alguns historiadores do Tempo Presente, tanto do
campo da esquerda quanto do campo da direita, explicitaram as suas opiniões.

Para Hobsbawm (2002, p. 371), “Stálin, que presidiu a resultante era de ferro da URSS, era um
autocrata de ferocidade, crueldade e falta de escrúpulos excepcionais, alguns poderiam dizer únicas”.

Na perspectiva de Gaddis, Stálin:

era na verdade um velho solitário, desiludido e amedrontado, viciado em ares de


infalibilidade mal informada sobre genética, economia, filosofia e linguística, em lon-
gos jantares com bebedeira ao lado de auxiliares atemorizados e, estranhamente, em
filmes americanos (2006, p. 100).

Para os comunistas stalinistas, obviamente essa imagem negativa não veio à tona. Stálin, incan-
savelmente, trabalhava e estudava. O líder se preocupava com o povo soviético e os trabalhadores do
mundo.

A relação entre os comunistas e Stálin tinha o caráter de um pacto sagrado. Mais do que a se-
melhança de posicionamentos e ideias, a relação era uma união que precisava ser cumprida e respeitada,
por isso os comunistas juravam devoção ao líder.

Nos jornais, as homenagens apareciam sob a forma de textos e poesias, feitos cuidadosamente
pelos próprios leitores e militantes do Partido. As poesias geralmente faziam parte de concursos, já os
textos eram cartas dos leitores.

Em 19 de novembro de 1949 o Jornal Voz Operária lançou um concurso popular sobre Stálin,
com o objetivo de premiar os melhores trabalhos sobre ele enviados pelos leitores. Esse concurso fazia
parte das comemorações do seu aniversário. Os premiados receberiam livros sobre a vida do líder, além
de desenhos e fotografias.

Um dos primeiros trabalhos premiados foi o texto do camponês Sebastião Dinart dos Santos, da
cidade de Tanabi, São Paulo. O PCB justificava que a vitória aconteceu, pois o camponês soube expres-
sar sua “fé inquebrantável” na luta pelo socialismo, pela libertação nacional e pela paz (Voz Operária,
10 de dezembro de 1949, p.8). O artigo premiado levava o seguinte título: “Sua Vida Será Eterna Porque
Faz parte da Classe Operária”.

O texto do camponês venerava Stálin:

Ó batalhador incansável, vida do progresso, da justiça, do mundo novo e de meus


filhos, eu te percebo em toda parte, no crescer de uma planta, no progresso da medici-
na, na ciência, no roncar dos tratores amanhando a terra para dar vida a tantas vidas;
Eu te vejo aqui, ali, em toda parte, até no meu casebre, guardado numa trincheira

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intransponível, aberta nos corações dos camponeses, dos operários, dos jornalistas,
dos escritores, das viúvas, dos mutilados de guerra e de todos os comunistas (Voz
Operária, 10 de dezembro de 1949, p.8).

No balanço de encerramento dessa iniciativa, o PCB reconheceu que a atividade tinha obtido
um saldo positivo. O concurso teria ajudado na educação de seus militantes, que se esforçaram por
pesquisar mais sobre a vida e os aportes do dirigente: “Numa comovente demonstração do carinho dos
trabalhadores e dos povos brasileiros pelo incomparável dirigente do campo da Paz e do Socialismo,
nossos leitores e amigos atenderam com excepcional entusiasmo ao concurso” (Voz Operária, 24 de
dezembro de 1949).

Nos espaços destinados aos leitores, que tinham a permissão de discorrer sobre o líder, várias
notas enaltecendo Stálin seriam publicadas, algumas das quais serão apresentadas a seguir. Quando não
ocorriam demonstrações expressas em palavras escritas, elas ocorriam de boca em boca, por exemplo:
‘saúda Stálin em nosso nome, diz-lhe do nosso amor com as mais belas palavras, conta-lhe que aqui
também lutamos pela paz’, “dizia um artigo de saudação do Brasil a Stálin” (Voz Operária, 17 de de-
zembro de 1949).

Manifestações de apoio a Stálin enviadas aos jornais do PCB provinham de trabalhadores de


várias cidades brasileiras. Em 17 de dezembro de 1949 o Partido publicou uma carta de trabalhadores de
Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano:

Companheiro Stálin: ao completares 70 anos de idade, nós, operários de Santo André,


São Bernardo e São Caetano, Estado de São Paulo, Brasil, te saudamos, saudando
em ti os trabalhadores da invencível União Soviética [...] Stálin, nosso mestre, nosso
guia e nosso companheiro! Te saudamos com profunda gratidão e entusiasmo pela
ajuda política que já deste a centenas de milhões de homens, mulheres e crianças,
para serem vitoriosos na luta contra a opressão e a exploração (Voz Operária, 17 de
Dezembro de 1949, idem).

De Londrina, o PCB noticiou saudações dos paranaenses a Stálin:

Nós, abaixo-assinados, democratas de Londrina, Estado do Paraná, congratulam-se


com esse glorioso jornal do povo e com todos os brasileiros amantes da Paz e da De-
mocracia, pela passagem do 70º aniversário do generalíssimo Stálin, o grande líder
dos povos livres.

(aa) Manoel Jacinto Correia, Helena F. Pereira, Milriades Pereira da Silva, Ernesto G.
Mendes, Sebastião Albes, Ana Correia, José Gomes de Almeida, Luciano de Almeida,
João Dias Moreira, Newton Camara (Voz Operária, 31 de dezembro de 1949).

Em “Stálin, querido dos Humildes”, Antonio de Souza Lima, da cidade de Barretos, São Paulo,
deixou explícita sua opinião sobre o líder “Eles [os capitalistas] odeiam Stálin, porque inegavelmente,
ele é o líder dos povos, é a grande bandeira de lutas pela Paz e o querido dos humildes” (Voz Operária,
31 de dezembro de 1949, idem).

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As crianças, vistas como as donas da mais pura sinceridade, honestidade e bondade, demonstra-
vam de forma sublime um puro carinho pelo dirigente soviético. Esse suposto carinho está disponível na
transcrição da cartinha enviada por Rolando Arual de Freitas, de 10 anos de idade, de São Paulo:

Stálin:

Nunca te vi. Só te conheço pelos retratos dos jornais. Quando olho para você é o meu
avô, que você é o vovô de todas as crianças do mundo.

Gosto de você Stálin, porque você é um grande capitão que não quer que as crianças
do mundo morram numa guerra.

Parabéns, Stálin, pelo seu aniversário. Recebe um beijo do Rolando (Voz Operária, 31
de Dezembro, de 1949, idem).

Além de Avô, Stálin ganhava outros adjetivos familiares. Na carta de Saturnino Campos, é pos-
sível verificar essa tentativa de deixar transparecer uma imagem acolhedora, bondosa, íntima e familiar
do dirigente:

Quem conhece a vida e as obras de Stálin, sente que esse grande homem está perto de
nós, apesar dos oceanos que nos separam. Sente-se que estamos diante de um amigo,
de um camarada, de um irmão e pai. Só aqueles que estão cegos pelo ódio, não podem
ver a grandiosidade da obra realizada por Stálin (Voz Operária, 3 de Junho de 1949,
idem).

Sob o caráter de fé, manifestações tomavam esse contorno. José Marçal de Oliveira, do Mato
Grosso, um pobre camponês, lamentou sua vida dura, mas esperançosa:

Sou alfaiate de profissão, mas presentemente me acho no sertão brasileiro, rigorosa-


mente trabalhando de baixo de sol e chuva, produzindo mais para os latifundiários do
que para o sustento dos meus cinco filhos menores, que ainda não pude enviar, um
sequer à escola.

Mas não perca a fé. Sei que um dia virá em que as ideias do generalíssimo Stálin
penetrarão em nosso solo, e os oprimidos se libertarão (Voz Operária, 21 de Janeiro
de 1949, idem).

Outra manifestação que dialogava com contornos religiosos era a declaração de Benedito Her-
mínio Camargo, de Rio Claro, São Paulo, que muito se assemelhava com uma oração:

BENDITO SEJA Joseph Stálin. Benditos Sejam todos os seus discípulos. Benditos
sejam todos os comunistas que dão uma expressão nova as palavras: ‘Amai-vos uns
aos outros, porque a árvore que não der bons frutos será ceifada e deitada no fogo’
(Voz Operária, 27 de maio de 1949, idem).

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Assim como a fé e a bendição, juramentos apareciam como formas de devoção. Como exemplo,
temos a declaração de Francisca, que escreveu em “Salve Stálin” os seus sacrifícios em nome do chefe
do Kremlin. Não se pode afirmar se a leitora apenas simpatizava ou militava organicamente, mas chega
a pôr em sacrifício a sua vida para honrar o nome de Stálin:

Como brasileira que preza sua pátria e quer o bem de toda a humanidade, eu jurei
fazer tambem alguma coisa bôa, como contribuição á tua grandiosa obra. Jurei lutar
com todas as minhas forças, para que no mundo reine a Paz!

Se para tato for preciso o sacrifício da minha vida, disponha dela, é sua, outros já a
deram também (Voz Operária, 28 de Janeiro de 1950, p.14).

Essa gratidão às lideranças comunistas não se restringia a Stálin. A personalidade de Luiz Carlos
Prestes, importante dirigente do PCB, igualmente foi cultuada pelos comunistas brasileiros. A fórmula
desenvolvida para o líder brasileiro e o líder soviético se desenhava assim: Prestes no Partido, Stálin no
Poder.

O “Cavaleiro da Esperança”, como era chamado, sempre tinha a garantia de ter seu nome nas
páginas dos jornais do PCB. Prestes gozava de prestígio e respeito nos meios comunistas. Infelizmente
o trabalho não permite aprofundar esse debate, porém transcreveremos uma carta de um casal de leitores
que demonstra a afetividade dos militantes para com a figura de Prestes.

O casal, devoto incondicional de Prestes, homenageou o dirigente comunista brasileiro colocan-


do seu nome no filho que tivera:

Sr. Redator:

Levo ao seu conhecimento que em homenagem ao mais querido líder das Américas
– o nosso camarada Luiz Carlos Prestes – o maior e mais consequente lutador anti-
fascista brasileiro, demos ao nosso filho nascido em Valença, Estado da Baia, no dia
21 de maio de 1949, o nome de Luiz Carlos. Eu e minha esposa estamos certos que
o nosso filho pertencerá a esta nova juventude que desponta em um novo mundo de
prosperidade e felicidade para todos os povos.

As. – Valter Caldas e Maria de Lourdes A. Caldas (Voz Operária, 24 de Dezembro de


1949l).

Os comunistas buscavam, assim, aplicar o modelo de “culto à personalidade” dedicado a Stálin,


só que agregando a figura de Prestes, numa verdadeira adequação de um modelo político criado pelo
stalinismo. Não obstante, mesmo com toda a magnífica importância de Prestes na vida do PCB, Stálin
mantinha o posto de “mestre dos mestres”, o verdadeiro guia do proletariado mundial. Prestes ocupava
o posto de condutor dos propósitos de Stálin.

Stálin alçou a posição de gênio, capaz de prever o futuro da humanidade, o alvorecer do socialis-
mo e a destruição do capitalismo. Somente ele seria capaz de impulsionar a humanidade para o seu mais
sadio e verdadeiro triunfo. O líder conquistou a posição de construtor e impulsionador do socialismo.

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Em algumas vezes, os periódicos do PCB publicaram artigos justificando que o Partido assumia
a bandeira do stalinismo e que não tinha vergonha disso, mas orgulho. Segundo uma nota de Diógenes
Arruda, o debate foi um contraponto à campanha da reação, da polícia, dos trotskistas e demais rene-
gados que construíam uma imagem perversa e monstruosa daqueles que assumiam o stalinismo como
projeto.

Diógenes Arruda invertia o debate. Em vez de ser uma horrorosa acusação e uma ofensa, Arruda
afirmou que essa crítica deveria ser motivo de honra pata os militantes, quadros e dirigentes do PCB.
Afirmava que ser stalinista não era para qualquer um, pois era uma tarefa árdua.

Os stalinistas eram mais astutos, inteligentes, abnegados, convencidos, dedicados; guardavam


uma têmpera especial, capaz de dar a energia necessária para a transformação do mundo, garantia Ar-
ruda.

No entanto, no dia 5 de março de 1953 o mundo caiu para os comunistas: Stálin, aos 74 anos de
idade, havia morrido. Com a morte de Stálin, o desespero, a dor e o sofrimento ganharam corpo na vida
dos comunistas de todo o mundo. No Brasil, não foi diferente: os comunistas se abalaram, sentiram uma
profunda perda, um sentimento de dor e ausência que se assemelhava à morte de um ente querido, de
um familiar, de um grande amigo. O brilho, o fulgor, o grande símbolo da União Soviética se apagava.

Não obstante, mesmo desolados e tristes, os comunistas criariam um imaginário de perda, mas
ao mesmo tempo de recompensa, pois Stálin teria deixado um legado que garantiria a invencibilidade
dos comunistas. Lamentando profundamente a morte de Stálin, o PCB publicou uma carta sobre o seu
falecimento, na qual são explicitados os elogios e as demonstrações de amor, carinho e afeto:

Perdemos nosso pai querido, nosso mestre amado, o maior amigo de nosso povo, o
venerado camarada Stálin.

O coração generoso que sempre pulou pelos trabalhadores e pelos povos oprimidos
deixou de bater para sempre. O cérebro genial que durante mais de três décadas ilumi-
nou o caminho da libertação dos povos deixou de trabalhar.

Perdemos o grande comandante, o sábio e provado mestre na arte de dirigir e conquis-


tar vitórias para o povo. Perdemos o porta-estandarte da paz. Perdemos o guia e chefe
da luta pela liberdade e independência dos povos oprimidos.

Perdemos o maior gênio que a humanidade produziu (A Classe Operária, 15 de março


de 1953, p.1).

Nada foi capaz de envergar a grandeza do “maior gênio que a humanidade produziu”. Nem as
prisões, nem as torturas, nem a clandestinidade, nem o terror do czarismo e da burguesia, nada distorceu
os princípios do mestre.

Mesmo na dor e no sofrimento, o PCB determinou vários encaminhamentos para os militantes


comunistas. Para o Partido, Stálin havia se tornado imortal, por isso se tornava preciso honrar o nome do
imortal dirigente. Jacob Gorender afirmava a opinião dos comunistas a respeito dos impactos da morte
de Stálin. Em sua opinião, Stálin jamais seria esquecido: “o teu nome brilhará como radioso diariamente

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enquanto memória tiver a espécie humana” (A Classe Operária, 15 de março de 1953, p.4).

De início, a sua morte não levantou nenhuma suspeita a respeito de sua liderança, de seus cri-
mes, perseguições, assassinatos, expurgos. Nem mesmo, se toda a realidade na URSS, descrita pelos
comunistas, era realmente verdadeira. Somente em 1956, no XX Congresso do PCUS, é que as cortinas
do stalinismo começaram a ser erguidas para os stalinistas. Foi o momento em que o então líder de
Estado, Nikita Kruschev, que dirigiu a Nação de 1953 a 1964, apresentou algumas denúncias sobre as
ações de Stálin. No final do Congresso, Kruschev iniciou a leitura do chamado “Relatório Secreto”, que
denunciava os crimes e as violações cometidas por Stálin.

Ângelo Segrillo (2006, p. 53.) afirma que o debate sobre o “Relatório” provocou divisão e dis-
sensões nos PCs de todo o mundo. Sintomas de desespero, preocupação e desconfiança começaram a
ganhar força nos meios comunistas.

O choque provocado pelo “Relatório Secreto” de Kruschev foi impactante nos comunistas bra-
sileiros, porém o debate interno foi suprimido por um longo período. Inicialmente, os comunistas bra-
sileiros alegavam que as noticias sobre o Relatório não passavam de provocações imperialistas; mas
quando se confirmou a existência do documento, o imaginário comunista a respeito de Stálin se abalou.
Os debates internos provocaram um doloroso processo de amargura, perplexidade e constrangimento.
Os comunistas não podiam acreditar que seu gênio poderia ter cometido tamanhas atrocidades.

Confirmada a veracidade do documento de Kruschev, a direção do PCB decidiu iniciar o temido


debate. Mesmo com outras vertentes (no próprio seio do marxismo) criticando a situação da URSS e a
direção de Stálin, o imaginário do PCB resguardava fidelidade ao projeto stalinista. A crença foi tão forte
e segura, que Jorge Ferreira (2002) nos diz que para os militantes tudo se tornava sensato e coerente. A
apropriação do imaginário, mesmo com desinformação ou possíveis desconfianças, era incontornável.
Essa adesão foi consciente e se baseou em uma relação de confiança e de crença.

Em suma, ao problematizarmos o imaginário do PCB a respeito de Stálin, percebe-se que o


“culto à personalidade” e a exagerada valorização da URSS, sem críticas ou ressalvas, são evidentes.
Somado a isso, se tornaram a tônica da construção partidária durante o período estudado. A União Sovi-
ética se tornou referência para os comunistas, e Stálin, o principal arquiteto desse projeto. O PCB, sem
medir, avaliar ou refletir, elevou Stálin ao mais alto degrau da hierarquia comunista. A missão de todo
comunista, ao visualizar a figura de Stálin, passava por escutar seus conselhos, estudar as suas lições e
praticar seu exemplo.

Por meio de símbolos, mitos, histórias e rituais, os comunistas brasileiros buscaram fortalecer
e delinear seu imaginário. Contemplando e oficializando o stalinismo, a organização transformou os
ícones, símbolos e personagens do universo soviético em imagens invioláveis, puríssimas, intocáveis e
inquestionáveis. Sob esses filtros, o suposto “herói” de Maria Benedita não era um conto de fadas, para
os comunistas, ele realmente existia!

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1 Mestre em História Social pela Universidade Estadual de Maringá, Doutorando em História Cultural pela Uni-
versidade Federal de Santa Catarina

2 Além das poesias e concursos, que contavam com as participações dos leitores, havia uma seção chamada “Stálin
Visto Pelo Povo”, espaço dirigido ao leitor que se interessava em expor as suas opiniões e visões a respeito do líder.

3 A URSS do terror, do silêncio, das privações, dos expurgos, das falsificações, não passava em revista para o PCB.

4 As referências sem numeração de página se devem ao fato de que em alguns jornais não foi possível visualizar
o número da página.

5 No Brasil, o PCB tentou fazer o mesmo com seu principal líder, Luiz Carlos Prestes. Do outro lado, o antico-
munismo buscou desconstruir a imagem positiva edificada pelos comunistas a respeito de Prestes, transformando
essa disputa numa verdadeira batalha (MOTTA, 2004, p.111).

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