Arteterapia e Saúde Mental Psicopatologia Psicossomática

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SUMÁRIO

1 ARTETERAPIA: A ARTE COMO INSTRUMENTO NO TRABALHO DO


PSICÓLOGO. .............................................................................................................. 2

1.1 Pressupostos fundamentais na arteterapia .......................................... 5

1.2 Arteterapia psicanalítica ....................................................................... 8

1.3 Arteterapia junguiana ......................................................................... 11

1.4 Arteterapia gestáltica .......................................................................... 15

1.5 Uma concepção estética do humano ................................................. 18

2 A ARTE NO CONTEXTO DA SAÚDE MENTAL: RELATO DE UMA


INOVAÇÃO ............................................................................................................... 19

3 ARTETERAPIA COM IDOSOS ................................................................. 23

4 ARTE COMO TERAPIA ............................................................................ 24

4.1 Conceitualização ................................................................................ 30

4.2 Breve Histórico ................................................................................... 31

4.3 Psicanálise e a Psicossomatica ......................................................... 32

5 ARTETERAPIA NO NOVO PARADIGMA DE ATENÇÃO EM SAÚDE


MENTAL 35

6 HISTÓRIA DA ARTETERAPIA ................................................................. 39

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 45
1 ARTETERAPIA: A ARTE COMO INSTRUMENTO NO TRABALHO DO
PSICÓLOGO.

Fonte:www.euvejofloresemvoce.com.br

Arteterapia é uma área de atuação profissional que utiliza recursos artísticos


com finalidade terapêutica (Carvalho, 1995). Na definição da Associação Brasileira de
Arteterapia, é um modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como base da
comunicação cliente profissional. Sua essência é a criação estética e a elaboração
artística em prol da saúde. Conforme delimita a Associação, a arteterapia é uma
especialização destinada a profissionais com graduação na área da saúde, como
Psicologia, Enfermagem e Fisioterapia, embora se reconheça sua utilização por
pessoas formadas nas áreas das artes e da educação, desde que sem o enfoque
clínico. A arteterapia usa a atividade artística como instrumento de intervenção
profissional para a promoção da saúde e a qualidade de vida, abrangendo hoje as
mais diversas linguagens: plástica, sonora, literária, dramática e corporal, a partir de
técnicas expressivas como desenho, pintura, modelagem, música, poesia,
dramatização e dança. Tendo em vista a formação do profissional e o público com o
qual trabalha, a arteterapia encontra diferentes aplicações: na avaliação, prevenção,
tratamento e reabilitação voltados para a saúde, como instrumento pedagógico na
educação e como meio para o desenvolvimento (inter) pessoal através da criatividade
em contextos grupais. Desse modo, o campo de atuação da arteterapia tem se
ampliado, abrangendo além do contexto clínico também o educacional, o comunitário
e o organizacional. No entanto, o desenvolvimento da arteterapia como área
específica de trabalho deu-se na Psicologia, ligado primordialmente à questão da
saúde mental, como veremos adiante.
Hoje a arteterapia não está mais restrita aos consultórios, revelando-se um
valioso instrumento para intervenções também nas áreas da Psicologia social,
escolar, organizacional, da saúde e hospitalar. O que se quer mostrar aqui é que a
arte é um poderoso canal de expressão da subjetividade humana, que permite ao
psicólogo e a seu cliente, seja ele um indivíduo, seja um grupo, acessar conteúdos
emocionais e retrabalhá-los através da própria atividade artística. Uma grande
diversidade de temas, desde traumas e conflitos emocionais, aspectos das relações
interpessoais em um grupo, expectativas profissionais, gênero e sexualidade,
identidade pessoal e coletiva, entre outros, podem ser abordados pelo psicólogo
através da arte. Ela é uma ferramenta que amplia as possibilidades de expressão,
indo além da abordagem tradicional, que é baseada na linguagem verbal.
A mediação da arte na comunicação apresenta algumas vantagens, entre as
quais a expressão mais direta do universo emocional, pois não passa pelo crivo da
racionalização que acompanha o discurso verbal. Além disso, com a atividade
artística, facilitamos o contato do sujeito com suas questões por um viés criativo, e
não apenas dando forma a determinado conteúdo subjetivo, mas também podendo
reconfigurá-lo em novos sentidos. O modo como esse processo acontece encontra
diferentes explicações em função da perspectiva teórica considerada, como será
analisado adiante, mas a ideia central é essa: a atividade criadora como um
instrumento e a arte como um caminho de transformação subjetiva.
Como método de trabalho do psicólogo, a arteterapia poderá ser adaptada a
diferentes objetivos, bem como sustentada sobre diferentes abordagens teóricas,
cabendo ao psicólogo a escolha da linha com que mais se identifique. Neste artigo,
serão enfocadas as abordagens consideradas principais e que foram as primeiras a
marcar presença no desenvolvimento da arteterapia: psicanálise, junguiana, gestalt.
Embora cada uma delas tenha seu modo próprio de trabalhar com o fazer criativo,
todas reconhecem que a arte promove o autoconhecimento e potencializa a
criatividade, habilidades essenciais ao desenvolvimento, tanto de um indivíduo como
de um grupo com quem o psicólogo esteja trabalhando.
Arteterapia é uma área de atuação profissional que utiliza recursos artísticos
com finalidade terapêutica (Carvalho, 1995). Na definição da Associação Brasileira de
Arteterapia, é um modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como base da
comunicação cliente profissional. Sua essência é a criação estética e a elaboração
artística em prol da saúde. Conforme delimita a Associação, a arteterapia é uma
especialização destinada a profissionais com graduação na área da saúde, como
Psicologia, Enfermagem e Fisioterapia, embora se reconheça sua utilização por
pessoas formadas nas áreas das artes e da educação, desde que sem o enfoque
clínico. A arteterapia usa a atividade artística como instrumento de intervenção
profissional para a promoção da saúde e a qualidade de vida, abrangendo hoje as
mais diversas linguagens: plástica, sonora, literária, dramática e corporal, a partir de
técnicas expressivas como desenho, pintura, modelagem, música, poesia,
dramatização e dança. Tendo em vista a formação do profissional e o público com o
qual trabalha, a arteterapia encontra diferentes aplicações: na avaliação, prevenção,
tratamento e reabilitação voltados para a saúde, como instrumento pedagógico na
educação e como meio para o desenvolvimento (inter) pessoal através da criatividade
em contextos grupais. Desse modo, o campo de atuação da arteterapia tem se
ampliado, abrangendo além do contexto clínico também o educacional, o comunitário
e o organizacional. No entanto, o desenvolvimento da arteterapia como área
específica de trabalho deu-se na Psicologia, ligado primordialmente à questão da
saúde mental, como veremos adiante.
Hoje a arteterapia não está mais restrita aos consultórios, revelando-se um
valioso instrumento para intervenções também nas áreas da Psicologia social,
escolar, organizacional, da saúde e hospitalar. O que se quer mostrar aqui é que a
arte é um poderoso canal de expressão da subjetividade humana, que permite ao
psicólogo e a seu cliente, seja ele um indivíduo, seja um grupo, acessar conteúdos
emocionais e retrabalhá-los através da própria atividade artística. Uma grande
diversidade de temas, desde traumas e conflitos emocionais, aspectos das relações
interpessoais em um grupo, expectativas profissionais, gênero e sexualidade,
identidade pessoal e coletiva, entre outros, podem ser abordados pelo psicólogo
através da arte. Ela é uma ferramenta que amplia as possibilidades de expressão,
indo além da abordagem tradicional, que é baseada na linguagem verbal.
A mediação da arte na comunicação apresenta algumas vantagens, entre as
quais a expressão mais direta do universo emocional, pois não passa pelo crivo da
racionalização que acompanha o discurso verbal. Além disso, com a atividade
artística, facilitamos o contato do sujeito com suas questões por um viés criativo, e
não apenas dando forma a determinado conteúdo subjetivo, mas também podendo
reconfigurá-lo em novos sentidos. O modo como esse processo acontece encontra
diferentes explicações em função da perspectiva teórica considerada, como será
analisado adiante, mas a ideia central é essa: a atividade criadora como um
instrumento e a arte como um caminho de transformação subjetiva.
Como método de trabalho do psicólogo, a arteterapia poderá ser adaptada a
diferentes objetivos, bem como sustentada sobre diferentes abordagens teóricas,
cabendo ao psicólogo a escolha da linha com que mais se identifique. Neste artigo,
serão enfocadas as abordagens consideradas principais e que foram as primeiras a
marcar presença no desenvolvimento da arteterapia: psicanálise, junguiana, gestalt.
Embora cada uma delas tenha seu modo próprio de trabalhar com o fazer criativo,
todas reconhecem que a arte promove o autoconhecimento e potencializa a
criatividade, habilidades essenciais ao desenvolvimento, tanto de um indivíduo como
de um grupo com quem o psicólogo esteja trabalhando.

1.1 Pressupostos fundamentais na arteterapia

Fonte:www.namu.com.br

Embora possa ser desenvolvida a partir de diferentes referenciais teóricos, a


arteterapia se define em todos eles por um ponto em comum: o uso da arte como meio
à expressão da subjetividade. Sua noção central é que a linguagem artística reflete
(em muitos casos melhor do que a verbal) nossas experiências interiores,
proporcionando uma ampliação da consciência acerca dos fenômenos subjetivos
(Ciornai, 1995). Liomar Quinto Andrade, que é psicólogo clínico e autor do livro
Terapias Expressivas, publicação oriunda de sua tese de doutorado pela USP, define
que a expressividade ou a arte se torna um instrumento de trabalho quando
combinada a um objetivo educacional ou terapêutico, apresentando como
pressupostos fundamentais da arteterapia:
a) a expressão artística revela a interioridade do homem, fala do modo de ser
e visão de cada um e seu mundo. Esse ato revela um suposto sentido, e cada teoria
e método em arte- terapia e terapia expressiva se apodera desse ato diferentemente,
b) por intermédio desse fazer arte, expressar-se, o terapeuta pode estabelecer um
contato com o cliente possibilitando a este último o autoconhecimento, a resolução de
conflitos pessoais e de relacionamento e o desenvolvimento geral da personalidade
(Andrade, 2000, p.18).
Acredito que o autor utilize aspas quando remete à arte porque, no âmbito da
arteterapia, as atividades expressivas não têm uma finalidade estética, ou seja, a
produção artística não é realizada e analisada por seu valor estético como obra de
arte, ainda que muitas vezes seja posteriormente reconhecida como tal pelo público,
a exemplo do desenho seguinte:

Fonte:www.namu.com.br
O autor do trabalho, Raphael Domingues (1912-1979), foi um dos pacientes-
artistas de Engenho de Dentro que participaram de importantes exposições, dentre as
quais uma realizada em 1949, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, cuja
repercussão na imprensa e no meio artístico é examinada por Dionísio (2001). O autor
lembra que, nessa ocasião, o crítico de arte Mário Pedrosa cria o termo arte virgem
para designar os trabalhos dos nove participantes, então pacientes da Dra. Nise da
Silveira. Entre eles, Raphael e Emygdio de Barros (1895-1986) são hoje vistos como
grandes artistas esquizofrênicos.
À parte a discussão sobre a qualidade artística ou não dos trabalhos produzidos
em arteterapia, o importante para o psicólogo é que a atividade expressiva se torne
um instrumento à expressão e à reflexão dos sujeitos. Como atividade terapêutica, o
que aqui se pretende não é propriamente fazer arte, mas sim, exercitar a criatividade,
proporcionar que no fazer criativo se produzam outros modos de objetivação e de
subjetivação. Desse modo, ela pode ser utilizada como recurso no contexto da clínica,
da educação, da comunidade, da saúde pública, das empresas, em intervenções na
área de dificuldades físicas, cognitivas, emocionais e sociais junto a indivíduos,
famílias, grupos sociais e equipes de trabalho. Uma característica comum às terapias
com arte é que, por meio da vivência expressiva, o sujeito pode dar-se conta do que
de fato sente e, durante esse processo, pode verdadeiramente fazer algo que assim
o represente e a ele faça sentido (Andrade, 2000, p.33). Portanto, na arteterapia, o
fazer artístico se constitui como mediação no processo de autoconhecimento e de (re)
significação do sujeito acerca de si próprio e de sua relação com o mundo.
Outro ponto compartilhado entre as diferentes abordagens é o reconhecimento
da função terapêutica inerente à própria atividade artística e diretamente ligada à
criatividade. Para Ostrower, criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a
algo novo, é tanto estruturar quanto comunicar-se, é integrar significados e é transmiti-
los (2004, pp. 9,142). Assim, o sentido da arte como ferramenta para o psicólogo não
se restringe à sua função meramente expressiva, mas amplia-se pelo poder
transformador da arte como ação criadora. E aqui compreendo arte como um
processo de formatividade, ideia desenvolvida pelo filósofo italiano Luigi Pareyson
(1918-1991), que definiu a atividade artística como um formar, cujo resultado é um
ser, uma forma inteiramente nova, pois a arte é um tal fazer que, enquanto faz, inventa
o por fazer e o modo de fazer (1984, p.32).
Na perspectiva histórico-cultural em Psicologia, a atividade criadora é
compreendida como um processo no qual o sujeito reorganiza diversos elementos de
sua experiência, combinando-os de modo diferenciado e, com isso, produzindo o novo
(Vygotski, 1990). Nessa atividade, ele parte do que está dado, do que é conhecido,
reconfigurando em uma nova forma a partir da imaginação, o que culmina na
objetivação do produto da imaginação, a qual, ao materializar-se na realidade, traz
consigo uma nova força, que se distingue por seu poder transformador frente à
realidade da qual partiu (Zanella, Da Ros, Reis, & França, 2003, p.44). Vygostki, na
obra Psicologia da Arte (escrita entre 1924 e 1926), salienta a função transformadora
dessa atividade, que extrai da vida o seu material, produzindo algo acima desse
material, pois a arte está para a vida como o vinho para a uva (1998, p.307). Embora
esse não seja um autor de referência na arteterapia, a ideia de que o fazer criativo é
transformador perpassa esse campo.
Na visão de Ciornai, o propósito fundamental da arteterapia é resgatar a
criatividade na vida, ou seja, contribuir para que o sujeito aprenda a lidar criativamente
com os limites que a vida lhe impõe (1995, p.59), transformando-se assim em artista
da própria vida. Isso é possível porque a arte nos abre a uma realidade alternativa
(1995, p.61), na qual o homem pode perceber, figurar e reconfigurar suas relações
consigo, com os outros e com o mundo (1995, p.61). Portanto, no trabalho do
psicólogo mediado pelo fazer artístico, destaco como princípios fundamentais a
concepção da arte como atividade expressiva e criativa: não se trata apenas da
expressão da subjetividade, da objetivação de emoções, sentimentos e pensamentos
em uma forma artística (desenho, pintura, modelagem, etc.), mas especialmente da
sua transmutação pela arte, da sua reconfiguração em novas formas e em outros
sentidos, em um processo no qual, ao criar na arte, o sujeito se recria na vida.

1.2 Arteterapia psicanalítica

Margaret Naumburg foi a pioneira no trabalho com arteterapia em um viés


psicanalítico, desenvolvendo a arteterapia de orientação dinâmica. Sua aproximação
inicial com a arte, entretanto, deu-se na área da educação, juntamente à irmã Florence
Cane, que era artista e professora de arte (por muitos anos trabalharam juntas na
Walden School, fundada por Naumburg) e, enquanto Florence desenvolveu métodos
de ensino para liberar a expressão artística, tornando-se pioneira na arte-educação,
Margaret se baseou em suas conquistas para fazer da arte um instrumento terapêutico
(Andrade, 2000).
Na visão de Naumburg, a expressão artística é como um espelho, que reflete
diversas informações, estabelecendo uma ponte no diálogo entre consciente e
inconsciente (Andrade, 1995). Baseada na concepção freudiana do determinismo do
inconsciente, cujos pensamentos e sentimentos se expressariam mais em imagens
do que palavras, como comprovado por Freud na teoria dos sonhos, Naumburg
considera que a atividade pictórica favorece a projeção de conteúdos inconscientes,
favorecendo, por uma via simbólica, a comunicação entre paciente e terapeuta.
As imagens produzidas no fazer artístico são assim abordadas como em um
procedimento psicanalítico, podendo ser ligadas a conteúdos de sonhos, fantasias,
medos, memórias infantis e conflitos atuais vividos pelo sujeito. Uma vez que
geralmente as pessoas, ao iniciarem um processo psicoterapêutico, se encontram
com o próprio discurso muito bloqueado devido às resistências, a arte vem a ser um
canal que facilita a comunicação, pois, conforme Andrade, através do uso da
expressão gráfica ou plástica começam a desenvolver a verbalização ao explicar e
falar a respeito de suas produções artísticas (2000, p.73).
Naumburg trouxe como princípio básico da arteterapia psicanalítica o
reconhecimento de que todo indivíduo, independentemente de possuir ou não um
treinamento artístico, tem a capacidade de projetar seus conflitos interiores em formas
visuais. Nessa abordagem, a interpretação da expressão artística acontece sempre
na relação transferencial, na qual o sujeito é incentivado pelo terapeuta a descobrir
por si mesmo o significado de suas produções, estimulando-se o uso da livre
associação, a fim de que ele expresse em palavras os sentimentos e os pensamentos
projetados nas imagens pictóricas. Segundo Naumburg, a arteterapia pode auxiliar na
redução do tratamento e na diminuição da transferência negativa, pois as imagens
objetivadas atuam então como uma comunicação simbólica imediata que sobrepuja
as dificuldades inerentes na linguagem verbal (1991, p.389).
Na arteterapia psicanalítica, outro ponto fundamental é a concepção da arte
como uma forma de sublimação, tal como postulado por Freud. A sublimação designa
o processo no qual as pulsões são desviadas de seu objetivo original, de ordem
sexual, e utilizadas em atividades culturais, tais como a criação artística ou a
investigação intelectual, visando objetos socialmente valorizados (Laplanche &
Pontalis, 1998). A ideia de sublimação, aceita por Naumburg, é mais representativa
no trabalho de arteterapia de Edith Krammer, artista, professora de arte e psicanalista
nascida em Viena, Áustria, em 1916, e que emigrou para Nova York em 1938. A visão
de Krammer diferencia-se da de Naumburg, porque ela não praticava a interpretação,
dando prioridade ao processo de fazer arte sem a necessidade de verbalização
(Andrade, 1995, p.45).

Fonte:www.guiadaalma.com.br

A ênfase de Krammer estava no valor terapêutico do processo criativo e do


fazer artístico em si mesmo, que propõe a arte como terapia, em vez de uma
psicoterapia que utiliza a arte como ferramenta (Ciornai, 2004). O fundamento de seu
trabalho está no reconhecimento do papel da arte como sublimação, entendendo-se
por sublimação a transformação dos impulsos antissociais, agressivos e sexuais em
um ato socialmente produtivo, de modo que o prazer produzido pelo resultado desse
ato social substitui, pelo menos em parte, o prazer que a gratificação original teria
proporcionado (Andrade, 1995, p.45).
Na visão de Krammer, a criação artística é em si mesma terapêutica, porque
contribui para o equilíbrio psíquico e o fortalecimento do ego, mediante a resolução
do conflito entre forças contrárias (id x superego), que encontram, via sublimação,
uma possibilidade de síntese na atividade criadora. Ela definia o artista como alguém
que aprendeu a resolver, mediante a criação artística, os conflitos estabelecidos pela
oposição entre as demandas dos impulsos e as demandas do superego (Krammer,
1982, p.27). Nessa perspectiva, compreende-se que, na arte, se torna possível a
expressão de desejos, impulsos, sentimentos e pensamentos que, muitas vezes, são
inaceitáveis socialmente, sendo mais saudável encontrarem uma via de escape na
arte do que serem recalcados, retornando na forma de sintomas. Assim, para
Krammer, o papel do arteterapeuta, que deveria possuir também aptidões de artista e
professor, era tornar disponível às pessoas esse valioso recurso: O poder da arte de
contribuir para o desenvolvimento de uma organização psíquica capaz de funcionar
sob pressão sem fragmentar-se ou recorrer a medidas defensivas nefastas (Krammer,
1971 como citado em Ciornai, 2004, p.28).

1.3 Arteterapia junguiana

A arteterapia junguiana desenvolve-se no Brasil tendo como principais


referências o próprio Jung e o trabalho de Nise da Silveira. Nessa perspectiva, a
função da atividade artística é mediar a produção de símbolos do inconsciente. Para
Jung, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do
seu significado manifesto e imediato (1977, p.20), sendo que esse outro sentido
remete ao inconsciente. Contudo, enquanto para Freud o inconsciente é formado por
conteúdos reprimidos, relativos à história pessoal do indivíduo, Jung concebe, além
do inconsciente pessoal, a existência do inconsciente coletivo, formado pelos instintos
e pelos arquétipos. O autor o chama de coletivo, pois ele não é constituído de
conteúdos individuais, mas de conteúdos que são universais e aparecem
regularmente (2001, p.355).
Outra diferença é que, para Jung, além de memórias de um passado longínquo,
também pensamentos inteiramente novos e ideias criadoras podem surgir do
inconsciente (1977, p.38), já que lhe é inerente uma função criadora, que se manifesta
nas imagens dos sonhos, das fantasias, nos mitos e na expressão plástica. Conforme
salienta Silveira, tais produtos da função imaginativa do inconsciente são autorretratos
do que está acontecendo no espaço interno da psique, sem quaisquer disfarces ou
véus (2001, p.85), sendo uma característica própria da energia psíquica transformar-
se em imagem. Em decorrência disso, a abordagem junguiana em arteterapia não é
baseada na interpretação das imagens como representações veladas do inconsciente,
cujo sentido viria a posteriori, dependendo da verbalização do paciente. Ao contrário,
Silveira coloca que o importante ao indivíduo é dar forma, mesmo rudimentar, ao
inexprimível pela palavra: imagens carregadas de energia, desejos e impulsos (2001,
p.86), nas quais a libido poderá ser apreendida viva, e não esfiapada pelo
repuxamento das tentativas de interpretação racionais (2001, p.86).
Acerca da origem dessas imagens do inconsciente, que encontram uma via de
expressão no fazer artístico em arteterapia, a Psicologia analítica distingue dois tipos,
conforme descreve Silveira: a) imagens que representam emoções e experiências
vivenciadas pelo indivíduo, originando-se do inconsciente pessoal e b) imagens
arquetípicas, originadas do inconsciente coletivo, que são de caráter impessoal,
configurando-se a partir de disposições inatas, que formam a estrutura básica e as
camadas mais profundas da psique. Segundo a autora, as imagens arquetípicas
configuram vivências primordiais da humanidade, semelhantes nos seus traços
fundamentais (2001, p.86), exprimindo, de diferentes modos em função da época e
do lugar, os mesmos afetos e ideias básicos do ser humano.
Talvez o maior exemplo de imagens arquetípicas seja os mitos, cujo estudo por
Jung foi de suma importância para o desenvolvimento da própria noção de arquétipo,
a partir da sua constatação de que os mitos encerram temas bem definidos que
reaparecem sempre e por toda a parte (2001, p.352). Os temas míticos, forjados a
partir de imagens arquetípicas, expressam experiências fundamentais da humanidade
(Silveira, 2001). Além dos mitos e dos sonhos, as próprias ideias delirantes eram
vistas por Jung como representações arquetípicas. Seguindo essa linha, Silveira
compreendia a própria condição psicótica como uma inundação do consciente por
imagens arquetípicas, as quais ganhavam forma nas pinturas, nos desenhos e nas
esculturas de seus pacientes. Suas produções artísticas apareciam então como
símbolos do inconsciente, permitindo ao terapeuta uma visualização dos processos
psíquicos ao mesmo tempo em que, ao paciente, a (re) experiência, isto é, a
transformação desses processos.
Os símbolos são verdadeiros transformadores de energia psíquica, daí sua
importância na arteterapia; conforme Silveira, Jung compara os símbolos a dínamos
que transformam uma modalidade de energia psíquica em outra (2001, p.54). Assim,
os símbolos expressos na arte não são vistos como simples projeção de conteúdos
inconscientes, mas como mecanismos à sua transformação qualitativa, contribuindo
para o equilíbrio psíquico. Nessa perspectiva, entende-se que, ao externalizar no
papel o drama interior vivido de modo desordenado, o indivíduo não só dá forma a
suas emoções, mas através disso despotencializa figuras ameaçadoras (Silveira,
2001, p.18).
A autora traz diversos exemplos de casos clínicos nos quais analisa o
simbolismo presente em pinturas, desenhos ou esculturas produzidas por seus
pacientes, realizando uma leitura junguiana na qual as imagens são examinadas em
seus aspectos arquetípicos, reportadas a temas da mitologia, e compreendidas como
correlativas às metamorfoses do ser, vivenciadas no processo esquizofrênico.
Segundo Silveira, a metamorfose remete a mudança de forma, conservando-se a
essência do ser metamorfoseado, que é abundante como metáforas nas artes, mas
vivenciada como experiências reais nos delírios dos loucos. Um exemplo é o da
metamorfose vegetal, recorrente em diversas imagens nas quais pacientes se
retratavam na forma de árvore ou de flor.

Fonte:www.neyaraujo.blog.br

Para Silveira, essas imagens evocam o mito de Dafne, ninfa grega que foi
transformada em uma árvore para fugir ao assédio de Apolo. Ela entende que, na
linguagem mítica, própria do inconsciente, esse tema estaria vinculado ao temor da
mulher acerca da realização completa de seu ser feminino, representando, no caso
da autora da imagem acima ilustrada, a sua dificuldade em estruturar-se
subjetivamente como mulher.
Existem inúmeras técnicas que podem ser usadas pelo psicólogo em um
trabalho de arteterapia na linha junguiana, propondo-se atividades específicas ou
simplesmente disponibilizando ao indivíduo diferentes materiais à sua escolha
(papéis, giz pastel, tintas diversas, aquarela, argila, etc.). Embora Nise da Silveira
trabalhasse apenas com a expressão livre e espontânea dos pacientes, na arteterapia,
o psicólogo pode também estruturar as atividades expressivas a partir de alguns
objetivos ou temas pertinentes ao caso em questão, visando com isso a auxiliar a
pessoa em seu processo de individuação. Tal como postulado por Jung, a
individuação designa o processo no qual um ser se torna realmente uma unidade,
uma totalidade, pela integração consciente de seus vários aspectos inconscientes,
manifestando a sua unicidade: trata-se da realização de seu si mesmo, no que tem de
mais pessoal (2001, p.355). O processo de individuação é o crescimento psíquico, o
constante desenvolvimento da personalidade, no qual cada pessoa deve encontrar
seu modo único de se realizar (Von Franz, 1977). Na arteterapia junguiana, o
psicólogo acompanha a pessoa em seu caminho para a auto realização, dialogando
e procurando facilitar essa jornada através da arte.
Uma técnica muito utilizada na arteterapia junguiana é o desenho ou a pintura
de mandalas. O termo mandala vem do sânscrito e significa círculo mágico, e designa
figuras geométricas formadas a partir do centro de um círculo ou de um quadrado,
configurando um espaço sagrado (Raffaelli, 2009, p.47). Na teoria junguiana, a
mandala é um símbolo do self, isto é, do si mesmo, representando ao mesmo tempo
o centro e a totalidade psíquica (Jung, 2001).
A função terapêutica de desenhar mandalas está ligada à autodescoberta, pois
elas registram o estado psíquico do indivíduo em diferentes momentos,
representando, a partir de linhas, cores e formas, sua energia psíquica e a
organização de seu mundo interno. A partir daí, podem proporcionar insights
profundos, conduzindo a pessoa em sua jornada rumo ao self. Em seu livro
autobiográfico, Memórias, Sonhos e Reflexões, Jung relata a importância das
mandalas em sua própria vida profissional e pessoal:
Só quando comecei a pintar as mandalas vi que o caminho que seria necessário
percorrer e cada passo que deveria dar, tudo convergia para um dado ponto, o do
centro. Compreendi sempre mais claramente que a mandala exprime o centro e que
é a expressão de todos os caminhos: é o caminho que conduz ao centro, à
individuação (2001, p.174).
As mandalas podem auxiliar a restabelecer o equilíbrio interior perdido (Von
Franz, 1977, p. 212), uma vez que desenhá-las contribui para a (re) orientação da
energia psíquica em torno do centro ou self (circum-ambulação). Ao trabalharmos com
arteterapia na perspectiva junguiana, devemos evitar o uso da interpretação, por isso,
a melhor forma de fazer a leitura de uma mandala é pedindo à própria pessoa para
entrar em contato com o que desenhou, procurando perceber e integrar os sentidos
presentes naquela imagem.

1.4 Arteterapia gestáltica

A abordagem gestáltica em arteterapia foi desenvolvida por Janie Rhyne, que


sistematizou-a no livro The Gestalt Art Experience, escrito em 1973 e publicado no
Brasil com o título Arte e Gestalt: Padrões que Convergem (Rhyne, 2000). Nessa obra,
ela articula conceitos da Psicologia da Gestalt a diversas técnicas que utilizam
materiais artísticos, tanto no contexto psicoterapêutico quanto educacional, para
trabalhar com indivíduos ou grupos. Sendo a Psicologia da Gestalt originalmente uma
teoria da percepção, esse é um conceito central na arteterapia gestáltica, na qual a
vivência artística tem como finalidade ampliar a percepção do sujeito sobre si mesmo.
Gestalt é uma palavra alemã que significa forma, uma configuração, o modo
particular de organização particular das partes individuais que entram em sua
composição (Perls, 1988, p.19). Rhyne utiliza o termo para se referir à percepção de
uma configuração total, por exemplo, a pessoa perceber sua personalidade como um
todo, cujas diversas partes formam, em seu conjunto, a realidade daquilo que ela é,
lembrando que o todo é mais do que a simples soma de suas partes. Nessa
abordagem, a função terapêutica do fazer artístico é a aquisição de insights sobre
como percebemos, nas formas criadas, tanto o mundo como a nós mesmos. Trata-se
de um processo em que a arte promove awareness, termo chave na Gestalt-terapia,
para o qual não há uma tradução exata em português, mas cujo sentido seria dar-se
conta ou aperceber-se do que se passa consigo no momento vivido, levando a um
ganho de consciência. Conforme define Rhyne:

A experiência gestáltica de arte, então, é o seu eu pessoal complexo fazendo


formas de arte, envolvendo-se com as formas que você está criando como
fenômenos, observando o que você faz, e, possivelmente, espera,
percebendo por meio de suas produções gráficas não apenas como você é
agora, mas também modos alternativos que estão disponíveis para que você
possa se tornar a pessoa que gostaria de ser (2000, p.44)

Dessa forma, a vivência de criar arte promove a descoberta de sentimentos e


de qualidades pessoais, auxiliando no desenvolvimento do potencial único de cada
um, que no produto criado (desenho, pintura, escultura, poesia, etc.) pode reconhecer-
se, ou seja, pode ver-se e também rever-se, vendo-se de uma nova forma ao visualizar
possibilidades até então ignoradas. Por isso, Rhyne entende a atividade artística como
um modo consciente de integração entre fantasia e realidade, que se encontram de
maneira construtiva na obra criada. Esta constitui, então, uma ponte entre as
realidades interna e externa, pela qual se expressariam mensagens enviadas pela
pessoa para si própria. A compreensão de tais mensagens se baseia na percepção
de inter-relações entre a forma do objeto criado na atividade artística e os processos
subjetivos do criador, que assim toma conhecimento de aspectos seus até então
desconsiderados, e, conforme Andrade, tendo insights e integrando seu passado no
seu presente, desejo e realidade como um projeto de futuro (2000, p.129).
Uma categoria central na arteterapia gestáltica é a vivência, que significa
experienciar um evento, estando pessoal e emocionalmente envolvido nesse
acontecimento, ou seja, é estar aqui-e-agora, como protagonista e observador do
acontecimento em curso. Nesse sentido, a vivência de arte em Gestalt é um meio para
o contato do sujeito consigo mesmo, definindo-se no conjunto formado por:
a) fazer formas artísticas, b) estar emocionalmente envolvido nas formas que
estão sendo criadas como um evento pessoal, c) observar o que está sendo feito, e
d) perceber através das produções realizadas não somente como a pessoa está neste
momento, mas também maneiras alternativas possíveis para desenvolver-se
seguindo modelos mais desejados por ela mesma (Andrade, 2000, p.131).
Nessa linha, a vivência artística não somente permite ao sujeito desvelar-se
pelas formas criadas em modos de ser até então ignorados por ele mesmo, mas ainda
revelar-se, projetando-se por formas diversas em novos modos de ser-no-mundo.
Trago aqui como exemplos desse processo arterapêutico dois desenhos (abaixo),
extraídos de Rhyne. Eles foram feitos por Cyndy, uma assistente social, quando esta
participou de um grupo de experiência gestáltica de arte, coordenado por Janie Rhyne,
cujo tema central era ser mulher, que tinha como objetivo o contato das participantes
com sua essência feminina:

Fonte: www.apaeitapetininga.com.br

Segundo Rhyne, os desenhos de Cyndy refletem o processo universal de


desejar, crescer, esforçar-se e alcançar o sentido completo da identidade única de
cada um (2000, p.110). Mas, para cada um deles, Cyndy escreveu um registro
pessoal4 do modo como deu significado aos desenhos em função de seu processo
vivencial. Como coloca Rhyne, as imagens criadas não têm um significado particular
por si mesmas; o modo como as percebemos dá-lhes significado (2000, p.140). Assim,
um recurso que pode ser usado em arteterapia gestáltica é associar a expressão
escrita às atividades plásticas, como uma forma de dinamizar a awareness, pois os
sentidos da mensagem visual poderão tornar-se mais claros para o próprio sujeito por
meio da descrição que escreverá acerca de sua produção artística.
No método desenvolvido por Rhyne, a abordagem dos trabalhos de arte pelo
psicólogo deve respeitar em primeiro lugar os sentidos trazidos pela própria pessoa
sobre sua criação, valorizando a individualidade de cada ser humano. Do mesmo
modo, Ciornai coloca que o papel do arteterapeuta gestáltico é acompanhar e guiar a
busca do cliente, utilizando os processos artísticos para intensificar o contato do
sujeito consigo mesmo, com os outros e com o mundo, de modo que a arte seja para
ele uma fonte no aprendizado de si mesmo. E aprendendo uma nova forma de se
expressar dentro de uma atividade artística, o sujeito poderá encontrar também novos
caminhos em sua vida (Ciornai, 1995).

1.5 Uma concepção estética do humano

A partir da descrição da arteterapia em alguns de seus principais aspectos


históricos, teóricos e metodológicos, vimos como a arte tem se constituído como um
instrumento diferenciado de trabalho do psicólogo. Embora relativamente recente, é
já amplo o campo da arteterapia, e por isso o panorama aqui oferecido mostra dele
apenas um recorte possível, privilegiando as abordagens clássicas e, dentro delas,
alguns dos autores e suas principais ideias. Para além das diferenças entre as
vertentes aqui examinadas (psicanalítica, junguiana e gestáltica), constato que há
uma certa visão de homem como ser criativo, compartilhada pelas diferentes
vertentes, a qual estaria na base da arteterapia, perpassando por suas diversas
molduras. Trata-se, a meu ver, de uma concepção estética do humano, visto como
capaz de criar e de recriar-se, um ser em constante devir, sendo a arte um catalisador
nesse processo, pois possibilita ao homem experimentar formas diferentes de se
expressar e, em consequência, de ser no mundo.
Seja a atividade artística concebida como projeção do inconsciente na
psicanálise, seja expressão do self na Psicologia analítica ou como função de contato
na auto percepção dentro da gestalt-terapia, a arte se revela em todas elas como um
meio de objetivação da subjetividade. O produto da criação artística é sempre um
espelho que reflete e refrata de modo mais ou menos distorcido aquele que o criou,
pois nele ganham forma seus desejos, emoções, sentimentos e ideias. Esse produto,
como um objeto estético, pode ser compreendido como um quase sujeito, conceito
formulado por Dufrenne para se referir ao reenvio constante entre a objetividade da
obra e a subjetividade do autor, pois, quando o artista se coloca a criar, “é a si mesmo
que ele descobre no seu fazer” (2008, p.135). Entretanto, a função terapêutica do
fazer artístico apenas se inicia com essa autodescoberta, aprofundando-se à medida
que, na atividade criadora, o sujeito também se redescobre em novas formas,
podendo reinventar-se como outro.
Não seria essa reinvenção de si mesmo, ou seja, essa transformação pessoal,
o objetivo final de qualquer processo psicoterapêutico?
Ora, na atividade artística, o sujeito encontra uma possibilidade concreta de
expressar não só aquilo que ele é mas também o que ainda pode vir a ser, construindo
na arte outros modos de objetivação e subjetivação e, a partir daí, reconstruindo-se
na vida, a partir de um novo olhar sobre si mesmo e sobre o mundo. Isso ocorre porque
a vivência da arte traz sempre uma abertura do eu ao outro; de acordo com Reis, a
experiência estética proporciona ao sujeito o contato com a alteridade, com o
diferente, com o inesperado, com o novo, engajando o sujeito em uma forma de
percepção diferente da cotidiana, uma percepção sensível e criativa (2011, p.85).
Acredito que a noção da arte como uma ferramenta à reconstrução de si mesmo
atravesse as diferentes práticas em arteterapia, porque, sem isso, ela teria apenas
uma finalidade lúdica, e não terapêutica. Se A arte cura?, como questionado no título
do livro organizado por Carvalho, creio que essa cura não possa ser pensada
desvinculada da função criadora que qualquer atividade artística deveria ter, quando
apropriada como instrumento pela Psicologia. Independentemente do contexto
específico de atuação do psicólogo, entendo que ele tenha um compromisso ético no
sentido de contribuir para que os sujeitos se reconheçam como criadores, não só
como atores sociais mas também como autores que podem participar criativamente
na sociedade de que são parte. Na arteterapia, procuramos realizar isso na interface
entre a Psicologia e a arte, pautados em uma concepção estética do sujeito, cuja
própria vida pode ser transformada em uma obra de arte.

2 A ARTE NO CONTEXTO DA SAÚDE MENTAL: RELATO DE UMA INOVAÇÃO

A história da arteterapia no CAPS Geral SER III/ UFC teve início com a criação
dos primeiros grupos arteterapêuticos em junho de 2007. Houve a formação de dois
grupos, com encontros semanais nas manhãs e tardes de quintas-feiras. Cada sessão
tinha duração média de duas horas e meia. Atualmente, existem dez grupos em
funcionamento, utilizando-se das mais variadas linguagens artísticas, como pintura,
escultura, modelagem e música. Em janeiro de 2011, teve início o grupo de arteterapia
intitulado Arte & Amizade. O nome foi escolhido pelos próprios participantes e engloba
em seu significado a construção dos laços afetivos a partir do fazer artístico.
Inicialmente, o grupo teve composição de 15 membros, homens e mulheres com
idades de 20 a 35 anos.
O contrato terapêutico pactuado foi de seis meses. Cabe dizer que o período
estabelecido para a finalização das atividades do grupo foi ampliado, passando de
junho de 2011 para setembro do mesmo ano. A alteração no calendário se deu em
função de os resultados alcançados terem apresentado empiricamente um nível
satisfatório no que se refere à estabilidade psíquica dos usuários. Além disso, foi
considerada a necessidade de preparar e construir coletivamente no grupo a
aceitação das altas terapêuticas, uma vez que eles expressam apego especial a esse
tipo de terapia.
Salienta-se que, embora não tenha havido critérios rígidos para o ingresso
nesse grupo, procurou-se priorizar as pessoas que expressassem algum tipo de
interesse pela arte. Outro fator tido como prioritário ao acesso às atividades diz
respeito aos diagnósticos médicos dos usuários, em casos como esquizofrenia,
transtorno afetivo bipolar e alguns quadros de depressão. Usuários com esses
transtornos foram estimulados a fazer parte do grupo, desde que estivessem em
condições mínimas de frequentar as sessões (ausência de crises) e o mais
importante: manifestar o desejo de participar das atividades.
A prioridade dada às pessoas com interesse e afinidade com o fazer criativo e
a arte não se constitui necessariamente um critério para inclusão ou exclusão no
grupo, mas se apresenta como aspecto facilitador e norteador do processo. Isso
também não significa dar ênfase às técnicas e aos aspectos estéticos, ao contrário:
as nossas intenções vão ao encontro dos processos criativos e da livre expressão. A
arte é, então, vista como um instrumento de enriquecimento dos sujeitos, valorização
de expressão e descoberta de potencialidades singulares.
Fonte:www.jmisturinhas.blogspot.com.br

A experiência tem mostrado que o desejo e a admiração pelo fazer artístico


são fundamentais na inserção no grupo: há casos em que a pessoa, por mais que seja
estimulada, não demonstra interesse em participar desse tipo de atividades. Desse
modo, respeita-se o desejo do usuário naquele momento, para que em uma nova
ocasião possa ser feita outra abordagem.
O grupo Arte & Amizade tem encontros semanais, às segundas-feiras, das
13h30 às 16h, tendo como facilitadoras uma assistente social com formação em
arteterapia e uma psicóloga com experiência em expressão musical.
É um grupo do tipo semiaberto marcado pela rotatividade relativa, no qual os
participantes se ausentam por algum período e posteriormente retornam. Segundo os
relatos dos participantes, tais ausências decorrem de motivos diversos, como doença
na família, acúmulo de atividades domésticas e, em alguns casos menos frequentes,
novos episódios da doença mental (crises). Cabe notar a existência de uma espécie
de apego especial dos usuários a esse tipo de grupo, que a nosso ver poderia, em
alguma medida, justificar o retorno às sessões.
As atividades são realizadas em espaço destinado especificamente a esse fim,
a partir da adaptação de uma das salas do CAPS em ateliê. Nos encontros grupais,
frequentemente utilizamos equipamento de som, cadeiras, mesas e colchonetes,
sendo estes últimos dispostos em posição circular.
No ateliê de arteterapia, ficam disponíveis os diversos materiais utilizados nos
encontros: tintas, telas para pintura, papel, giz de cera, argila, pincéis, material
reciclável.
Os trabalhos realizados pelos participantes em cada sessão ficam expostos
para secagem, dando ao local um aspecto visual de efusão de cores. Posteriormente,
os criadores podem levar suas obras.
As primeiras sessões foram basicamente de apresentações e discussão das
expectativas do grupo, com a realização de várias experiências vivenciais distribuídas
ao longo dos encontros iniciais para integrar e, simultaneamente, quebrar resistências.
Geralmente, iniciamos as atividades com exercícios de relaxamento ao som de
músicas instrumentais seguidos de alongamentos. O objetivo é reduzir o nível de
tensão e angústia, permitindo que as emoções fluam com maior intensidade e a
sessão passe a ser um momento de profundo contato com os sentimentos.
O grupo Arte & Amizade já executou, até o momento, várias propostas,
trabalhos desde pintura em tela, técnicas de pinturas em tecido, monotipia (técnica de
impressão com uso de tinta), até criação de escultura em argila, pintura e colagem
sobre telha, técnicas de pintura sobre gesso. São produzidos objetos a partir de
material de sucata, como garrafa PET ou canos de papelão.
Importante salientar que, ao final de todo o fazer criativo, os participantes são
estimulados a observar seus trabalhos, fazendo reflexões sobre seus significados,
percebendo o processo desde o primeiro momento da representação artística. Um
exemplo é a utilização de sucata como expressão em arteterapia, que resgata a
edificação, a estruturação, a organização e a elaboração da matéria, estimulando a
pessoa a construir de modo pessoal e, simultaneamente, a criar uma consciência
socioambiental.
Ao término dos trabalhos, são levantadas questões sobre o que sentiram
durante o processo de criação, bem como as emoções vivenciadas. Estão aí implícitos
dois dos objetivos da arteterapia: proporcionar o aumento da consciência e o
autoconhecimento.
3 ARTETERAPIA COM IDOSOS

As produções artísticas são projeções internas e manifestações pessoais,


permitindo que o indivíduo se expresse de forma mais espontânea, originando um
novo sentido da sua própria vida. A arteterapia, ao trabalhar com o processo criativo,
pode ser um caminho revelador e inspirador que ajuda a entrar em contato com a
possibilidade de acreditar, desafiar, reconstruir, criar e expressar as emoções,
sentimentos e imagens.
A arteterapia pretende valorizar a singularidade do sujeito sem perder de vista
o coletivo, utilizando a arte, que é um caminho de expressão, de comunicação e
síntese da experiência pessoal da pessoa. Representando conteúdos inconscientes e
conscientes, integra aspectos afetivos e cognitivos de saúde e doença, sendo
benéfica para ampliar a compreensão do ser humano.
As atividades artísticas permitem que a pessoa simbolize as suas percepções
sobre o mundo, sobretudo quando não consegue expressar-se verbalmente ou
através da linguagem escrita. Através da arteterapia é possível trabalhar outras
linguagens não-verbais, como a sonora, a corporal e a plástica, estimulando também
a audição, a visão, as funções motoras e cognitivas.
A arteterapia pode ser um ótimo instrumento de trabalho com idosos, pois pelo
seu aspeto lúdico proporciona às pessoas que estão nesta fase da vida, expressar os
seus sentimentos, emoções, medos e angústias, em relação ao seu processo de
envelhecimento.
Através da arte, o idoso pode resgatar situações de vida que não foram
devidamente elaboradas, e a partir dos recursos artísticos e expressivos, pode
configurar tais situações e elaborá-las e integrá-las na sua consciência.
Fazer e vivenciar a arte promove relaxamento, redução do nível da ansiedade,
inquietude, impaciência e angústia - que é normal no indivíduo idoso. É uma
oportunidade de ser escutado, de receber atenção, que em muitos casos é o que
muitos idosos precisam. É também uma forma de lazer, onde o idoso preenche o
tempo de forma prazerosa. Recuperam a sua autoestima, pois são capazes de pintar,
desenhar, modelar.
Através da arteterapia, a produção plástica facilita a abertura de canais de
comunicação, de percepção e de sensibilidade, proporcionando ao idoso uma melhor
aceitação de si e da sua realidade.
4 ARTE COMO TERAPIA

Ao voltarmos no passado longínquo da história da humanidade, para os


primeiros registros de expressão artística, veremos que o homem sempre estabeleceu
um diálogo entre conteúdo internos e externos através de produções simbólicas,
pinturas rupestres, modelagem no barro, desenhos. A arte para o homem pré-histórico
teria um sentido mágico, se referia ao mundo invisível dos espíritos. Talvez o temor,
ou uma forma de controle da natureza fez o homem construir utensílios, moradias... A
arte foi associada à forma e função, o trabalho do homem como construção de sua
própria cultura. No mundo árabe, em hospitais destinados somente a loucos, por volta
do século XII, eram utilizadas manifestações artísticas como dança música, narrativas
de contos e espetáculos como forma de cura da alma (FOUCAULT, 1978).
Desde o século XVIII alguns artistas iam aos asilos e faziam desenhos de
observação dos loucos. Em vários destes desenhos há cenas representando o
cotidiano dos internos, em que estes desenhavam nas paredes das celas (BARBOSA,
1998). Percebe-se que estes alienados buscavam formas de expressão mesmo antes
de haverem propostas terapêuticas neste sentido.
Pode-se entender que, uma condição fundamental para a criação construtiva
em arte é estabelecer uma reflexão de sentido, talvez um centro interior avaliador.
Então a criação construtiva tornar-se-á terapêutica. Neste sentido, entende-se que as
oficinas de arte podem funcionar como terapia, pois, a viabilidade e importância das
oficinas como tratamento na área de saúde mental é uma prática que vem somar ao
acompanhamento medicamentoso e tratamento psicoterápico individual, propondo
uma ruptura das práticas psicológicas tradicionais. Esta importância é maior ainda
quando estas atividades são desenvolvidas por uma equipe de saúde mental. Estas
oficinas buscam promover o ser humano como um todo, aspectos psíquicos e sociais,
respeitando as suas individualidades. Assim, as oficinas terapêuticas são
fundamentais para o paciente restabelecer relações. Eles podem fazer trabalhos em
pintura, arte em papel e tecidos, entre outros, sempre considerando atividades
individuais e coletivas que trazem o conteúdo da sociedade para dentro dos grupos.
Fonte:mairinews.blogspot.com.br

Neste aspecto a arteterapia entra no processo deste descobrimento interior


através da produção artística nas oficinas.
Na teoria Junguiana, a arte propicia o encontro com materiais expressivos e
adequados para a criação que está presente na imaginação do indivíduo. E este
universo é traduzido em símbolos que retratam estruturas psíquicas internas do
inconsciente pessoal e coletivo. Na arteterapia, através da linha Junguiana, o
surgimento dos símbolos abre caminho para o trabalho do arteterapeuta
(VALLADARES, 2003). Através da psicologia analítica, pode-se entender que o artista
é um indivíduo que transita permeando consciente-inconsciente. Então os artistas
trazem à tona sua produção inconsciente através da sua arte. Para Jung, na arte,
produto da neurose, o artista busca inspiração em seu inconsciente pessoal e esta
inspiração pode se extinguir ao dissolverem-se os conflitos. Segundo Jung “A neurose
não cria arte. Ela é não criativa e inimiga da vida. Ela é o fracasso e a não realização”
(JUNG, 2001 p. 337). Desta afirmação pode-se deduzir o papel purgativo da arte na
neurose. A expressão da emoção e da sensação através da arte é a própria expressão
do inconsciente, pois ao produzir o indivíduo pode estabelecer uma linguagem com o
meio. Através da produção artística poderá haver uma reinvenção do cotidiano e a
aproximação do indivíduo doente ao mundo social (VALLADARES, A. C. A. (Org.)
2004).
No Brasil a Dra. Nise da Silveira usou a terapia ocupacional como proposta
terapêutica. O processo terapêutico só poderia se desenvolver se o paciente fosse
acolhido com afeto, afirmava Nise. Segundo Lima (2009), Nise utilizou o conceito de
afeto de Spinoza e o associou a ideia de um disparador do processo de cura, tomando
a noção de catalisador da química. Mesmo que Dra. Nise não abordasse o valor
estético dos trabalhos, criou-se uma atmosfera cultural em torno da sua aventura
teórico-prática, possibilitando a alguns artistas se desprenderem do rótulo de loucos.
Foi o caso de Emygdio que entrou no rol dos artistas brasileiros representando o Brasil
na Bienal de Veneza. Se o objetivo maior da Dra. Nise era buscar acesso ao mundo
interno do psicótico surpreendeu-se ao perceber que o próprio ato de pintar poderia
adquirir, por si mesmo, qualidades terapêuticas. Ela observou intensa criatividade e
uma pulsão configuradora de imagens:

As imagens do inconsciente, objetivadas na pintura, tornavam-se passíveis


de uma certa forma e trato, mesmo sem que houvesse nítida tomada de
consciência de suas significações profundas. Lidando com elas, plasmando-
as com suas próprias mãos, o doente as vias agora menos fortes e
desintegrantes cargas energéticas (SILVEIRA,s/d,p.32).

Dra. Nise percebeu grande harmonia nas imagens produzidas, sobre isto se
comunicou com Dr. Jung para discutir os significados. Jung esclareceu que algumas
imagens eram mandalas, estas buscavam compensar o caos interior sofrido pelo
paciente na tentativa de reconstruir a personalidade dividida. A partir da explicação do
Dr. Jung, pode-se entender a função terapêutica na produção artística do paciente.
Os símbolos, presentes nas criações plásticas, poderão estar presentes também nos
sonhos destes pacientes. A interpretação destes símbolos facilitará a compreensão
dos conflitos deste indivíduo por parte do arteterapeuta. O uso terapêutico da arte está
no fato de ser uma expressão simbólica da psique. Portanto, os símbolos são uma
forma de acessar o inconsciente e funciona como uma ponte para o consciente.
(JUNG, 1987).
Pode-se inferir a partir do exposto acima que, para facilitar o trabalho em
arteterapia é importante a utilização de materiais expressivos diversos, pois assim,
abrange muitas possibilidades e atende ao gosto de cada paciente. Esses materiais
podem servir para estimular a criatividade, e posteriormente desbloquear e trazer à
consciência informações guardadas na sombra. Este lado desconhecido da psique
humana ao se manifestar poderá contribuir para a expansão de toda a estrutura
psíquica. Através destes materiais, tintas, pincéis, dos materiais para colagens, da
modelagem, da dobradura, máscaras, de materiais naturais, como folhas, flores,
sementes, cascas de árvores ou da aproximação e experimentação com elementos
vitais como a água, o ar, a terra e o fogo e inúmeras outras possibilidades criativas,
talvez assim surjam os símbolos necessários, para que cada indivíduo entre em
contato com aspectos a serem compreendidos e transformados. As modalidades
expressivas podem ser tão variadas permitindo facilitar a melhor compreensão dos
símbolos. Ciornai (2005) nos conta que:

No trabalho de expressão corporal, muitas vezes emprego materiais panos,


tules, elásticos, bambu e bolinhas para facilitar o processo terapêutico. Cada
material sugere um movimento de repertórios e qualidades. Por exemplo, ao
trabalharmos com elásticos, além de ampliarmos a fluência, também
desenvolvemos a flexibilidade do corpo e comportamentos. Este tipo trabalho
pode culminar em uma dança, como desenvolver primeiro a relação
interpessoal, propiciando uma interação energética entre pessoas, para
depois culminar numa harmonia de movimentos (CIORNAI, 2005 p.126, 127).

Pode-se entender que os símbolos advindos da produção com esta diversidade


de materiais expressivos possibilitarão conhecer, compreender, recuperar,
rememorar; uma linguagem metafórica do inconsciente. A arte é uma agente de cura
quando permite que o indivíduo reencontre os seus símbolos. Para Ciornai (2004), a
utilização de linguagens artísticas em processos terapêuticos é como ver o velho com
um novo olhar, reconstruir de uma forma nova. Trabalhando a criação se torna uma
fonte de reflexão e autoconhecimento. A arteterapia facilita a pessoa a encontrar seu
eu, o fazer artístico não é pra ocupar o tempo e sim promover crescimento pessoal,
daí a diferença da terapia ocupacional. Para esta autora a arte pode ser terapêutica
no momento que possibilita uma fonte de reflexão para a pessoa que a cria. A autora
deixa evidente que a arte é uma necessidade humana, a capacidade de criar é inata,
quando crescemos automaticamente vamos reprimindo a criação livre como fazem as
crianças, retomar este processo é redescobrir a si próprio.
Na arteterapia não se tem uma preocupação estética, apenas em expressar
sentimentos. Esta cartasse pode proporcionar ao indivíduo possibilidades de se
reorganizar internamente, pois a atividade artística por si só é regeneradora. No
processo criativo poderíamos dizer que o inconsciente se liga a um arquétipo o
expressando numa atividade simbólica e assim somos forçados a nos confrontar com
as facetas de nosso íntimo. Percebe-se a partir do exposto que a arteterapia é a
utilização de recursos artísticos para fins terapêuticos.

A arteterapia auxilia neste processo, oferecendo inúmeros materiais para que


o indivíduo sinta-se livre na escolha daquele que mais lhe for apropriado. Isso
atende a sua singularidade, funciona como ferramenta para despertar e ativar
a criatividade e, também, para desbloquear e transmitir à consciência
instruções e informações oriundas do inconsciente. Essas informações
normalmente são ignoradas, contidas e disfarçadas, encobertas e
principalmente ocultas. Na psique humana, e, as informações colaboram para
o desenvolvimento de toda a dinâmica intrapsíquica, ao serem transportadas
à consciência por meio do processo arteterapêutico (VALLADARES, 2001).

É importante salientar as artes plásticas na arteterapia por sua materialidade


de conceder documentário perene e palpável as produções dos pacientes. Não que a
arteterapia não use a música, a dança, enfim. O trabalho com materiais diversos como
elástico, bolinhas, materiais usados pelo corpo como um todo, é muito produtivo.
Porém, uma produção plástica visual documentada, poderá ajudar na interpretação
dos conflitos sofridos pelos pacientes e fornecer ao terapeuta instrumentos que
auxiliem um diálogo. Também é importante lembrar que em casos muito graves o
paciente é incapaz de simbolizar, então a música, a dança, entram como facilitadoras,
pois se dirigem ao corpo do indivíduo.

A linguagem, os materiais e os instrumentos em muito vão estimular à


produção. É a relação do ser humano com essa matéria que a potencializa e
transforma. O homem e a matéria interagem e atuam em sua energia criativa,
e ambos se modificam nessa relação. Há um diálogo, às vezes uma "briga",
encontros e desencontros, em que o tempo e a dimensão espacial se
transformam. Entre embates e buscas, a criação se processa e o indivíduo
vai podendo ver na matéria o que vem de seu mundo subjetivo e de seu olhar
mais consciente, percebendo sua atuação em outros momentos da vida,
sentindo e se conscientizando do que aquelas imagens que se formam ali à
sua frente significam (CIORNAI, 2004, p. 72).

Portanto respeitar a singularidade de cada lugar com suas peculiaridades e


regionalidades bem como a individualidade do usuário é essencial. Vasconcelos
(2000) traz o termo empowerment para discutir a construção de suas práticas no
cotidiano no tratamento da saúde mental. Este termo significa a descentralização de
poderes pelos vários níveis hierárquicos do grupo, o que permite liberdade de
iniciativa. Cada usuário deverá ter o poder necessário e suficiente para controlar o seu
próprio trabalho. A viabilidade e importância das oficinas como tratamento na área de
saúde mental é uma prática que vem somar ao acompanhamento medicamentoso.
Propõe uma ruptura das práticas psicológicas tradicionais. Esta importância é maior
ainda quando estas atividades são desenvolvidas por uma equipe de saúde mental.
Isto porque o poder contratual desses usuários poderá ser transformado e ampliado
na relação que se estabelece entre eles e os membros da equipe de profissionais.
Desta forma contribui para o rompimento do modelo manicomial institucionalizado e
promove a qualidade de vida dos cidadãos.

Fonte:www.silvioalvarez.blogspot.com.br

Parece ser um consenso que as oficinas de arte são uma ferramenta importante
como dispositivo na reforma, possibilitando outros modos de expressão, então por que
muitas oficinas se transformam em meros encontros de ocupação de tempo?
Deve-se entender que o trabalho é terapêutico se é o reconhecimento de um
direito, onde o sujeito realiza sua possibilidade. E essa concepção se desfaz quando
é uma mera técnica de tratamento, onde a instituição decide o processo (ROTELLI,
LEONARDIS e MAURI. 2001.p, 34).
A arteterapia pode promover o ser humano como um todo, aspectos psíquicos
e sociais, respeitando as suas individualidades e os ajudando a restabelecer relações.
O eixo central é a interação organismo-meio e essa interação acontece através
de dois processos simultâneos: a organização interna e a adaptação ao meio. O
processo de criação provoca esta reorganização interna de sentimentos e
pensamentos e a partir deste ponto é possível estabelecer uma linguagem com o
externo, a realidade.

4.1 Conceitualização

A psicossomática é uma ciência interdisciplinar que integra diversas


especialidades da medicina e da psicologia para estudar os efeitos de fatores sociais
e psicológicos sobre processos orgânicos do corpo e sobre o bem-estar das pessoas.
A palavra psicossomática, na visão dos profissionais de saúde que compreendem o
ser humano de forma integral, não pode ser compreendida como um adjetivo para
alguns tipos de sintomas, pois tanto a medicina quanto a psicologia estão percebendo
que não existe separação ideal entre mente, corpo, alma e espírito. Então,
psicossomática é um termo que pode ser empregado para qualquer tipo de sintoma,
seja ele físico, emocional, psíquico, espiritual, profissional, relacional,
comportamental, social ou familiar.
Segundo Eksterman (1992), a Medicina Psicossomática é um estudo das
relações mente-corpo com ênfase na explicação psicológica dos sintomas corporais.
O termo também pode ser compreendido, tal como descreve Mello Filho (1992), como
uma ideologia sobre a saúde, o adoecer e sobre as práticas de saúde, é um campo
de pesquisas sobre estes fatos e, ao mesmo tempo, uma prática, a prática de uma
medicina integral.
A psicossomática é a ciência que estuda as doenças orgânicas com descarga
no corpo, isto é, uma lesão de órgão ou sistema provocado por alguma disfunção do
sistema nervoso. Na psicossomática, pensa-se a realidade na sua unidade,
considerando os aspetos biológicos e psicológicos. Interessa-se pelos aspetos de
interação causa/efeito, a pessoa como um todo na sua perspectiva biológica e
relacional, isto é, pensar a realidade na sua totalidade: a entidade biológica e a
entidade psicológica.
De acordo com Holmes (1997) há uma diferença entre os transtornos
somatoformes e transtornos psicossomáticos: nos dois tipos de transtornos as causas
são psicológicas, e os sintomas são físicos. A distinção entre eles é que nos distúrbios
somatoformes não há lesão física (ex., um indivíduo reclama de dor no estômago e
na verdade não há nada fisicamente errado com o órgão), enquanto com os distúrbios
psicossomáticos, há lesão física (ex., úlceras envolvem lesões no revestimento do
estômago) (MOURA, 2008).

4.2 Breve Histórico

Segundo Moura (2008) o termo “psicossomático” foi utilizado pela primeira vez
em 1818 por Heinroth, psiquiatra alemão, ao fazer referência a insônia e a influência
das paixões na tuberculose, epilepsia e cancro. No século seguinte as descobertas
de Freud permitiram uma melhor compreensão desses fenômenos. Em 1922 Deutsch
reintroduziu esse termo em Viena.
Antes da psicanálise, entendia-se que as doenças eram causadas por agentes
externos. Havia, é claro, muitas iniciativas em tentar compreender a relação corpo e
mente. O próprio surgimento do termo psicossomática em 1828 por Johann Heinroth
testemunha isto. Ele postula que paixões sexuais são importantes para a
manifestação de doenças como tuberculose, epilepsia e câncer, ressaltando a
importância dos aspectos físicos e psíquicos integrados nos processos de adoecer
(VOLICH, 2000, p. 43).
A psicossomática evoluiu das investigações psicanalíticas que contribuem para
o campo com informações acerca da origem inconsciente das doenças, e mais
especificamente dos estudos das paralisias e anestesias histéricas originados das
contribuições pré - psicanalíticas de Jean-Martin Charcot e Josef Breuer.
A expressão doença psicossomática foi utilizada inicialmente para referir-se
apenas a certas doenças como a úlcera péptica, asma brônquica, hipertensão arterial
e colite ulcerativa onde as correlações psicofísicas eram muito nítidas posteriormente
foi-se percebendo que tal concepção é potencialmente válida para todas as doenças
(MELLO FILHO, 2005).
Segundo Cardoso (2005), a história da psicossomática poderia ser dividida em
duas grandes correntes: de um lado, as correntes inspiradas nas teorias psicanalíticas
e com base no conceito de doença psicossomática; de outro lado, a inspiração
biológica, alicerçada no conceito de stress.
Já Mello Filho (1992) considera três fases distintas na evolução da
Psicossomática: a inicial ou psicanalítica, em que foi estudada, entre outros assuntos,
a origem inconsciente das doenças e o fenômeno de regressão; a intermédia ou
behaviorista, na qual houve uma tentativa para enquadrar os estudos feitos em
humanos e animais nas ciências exatas; e a atual ou multidisciplinar, em que é dada
importância às influências sociais e se considera a Psicossomática como atividade de
interação e integração de dados de diferentes áreas do saber.
Segundo Cardoso (1995), no fim do século XIX o campo da psicossomática
veio a estender por dois grandes ramos de investigação. O primeiro ramo da história
da psicossomática se refere à Escola Americana, representada por Franz Alexander
e Dunbar, cuja via de investigação tem como ponto de partida o modelo médico, onde
estes procuram correlacionar determinados tipos de personalidades com doenças
orgânicas específicas. As contribuições da Escola Psicossomática Americana,
especificamente Alexander e Dunbar, e as de Cannon e Selye foram fundamentais
para a consolidação do movimento psicossomático, assim como para a influência
sobre uma medicina integral e humanista.
O segundo grande ramo das investigações psicossomáticas foi formada pelos
integrantes da chamada Escola Psicossomática de Paris, composta entre outros por
Pierre Marty, de M’Uzan, David e Fain, tentaram elaborar uma teoria da economia
psicossomática atribuindo uma grande parte da etiologia a um determinismo
multifatorial com forte participação biológica. Para eles, falar de “doenças
psicossomáticas” é um equívoco, preferindo chamar de “pacientes psicossomáticos”
àqueles cuja manifestação sintomática preponderante aparece no plano orgânico e
não no psíquico. A falta de recurso psíquico para a elaboração dos conflitos decorreria
a sua característica preponderantemente “psicossomática” e o consequente
desequilíbrio psicossomático com a ocorrência de desorganizações orgânicas
progressivas (CARVALHO, s.d.).

4.3 Psicanálise e a Psicossomática

A psicanálise não só deu origem a psicossomática e criou as bases para a


terapia psicossomática, mas permanece sendo também para esta uma referência
permanente e essencial. Embora a Psicossomática e Psicanálise estejam
estreitamente ligadas, as duas ciências não se confundem (PRIMO, s.d).
Fonte:www.institutofenix.com

As indagações sobre as relações entre o psíquico e o somático percorrem toda


a obra de Freud. Os primeiros trabalhos sobre a histeria permitiram-lhe reconhecer a
influência do funcionamento psíquico nos sintomas somáticos, onde se evidencia a
relação entre histeria e sexualidade, apresentando-se também a noção de conversão,
através da qual o conflito psíquico seria transposto para o soma, carregando o sintoma
de significado simbólico. Freud partiu daqui para construir uma teoria metapsicológica
em que o corpo recebeu progressivamente lugar de destaque, podendo ser
simultaneamente fonte da pulsão e agente da sua satisfação (GANHÃO, 2009).
De acordo com Cardoso (1995), o maior legado de Freud para as investigações
psicossomáticas se deve ao conceito de conversão individual. Esse termo conversão
foi utilizado por Freud para explicar a transposição de um conflito psíquico na tentativa
de resolvê-lo em termos de sintomas somáticos, motores ou sensitivos. ”
Na obra de Freud, as formulações que mais se aproximam do que se conhece
atualmente como psicossomática estão em sua definição de neuroses atuais. Freud
mencionou um grupo de neuroses de transferência que se assemelham ás afecções
psicossomáticas denominando-as neurose atuais e classificando-as em neurastenia
e neurose de angústia. A neurastenia tinha origem na satisfação sexual realizada de
forma inadequada e nas neuroses de angústia, o sujeito não obtém uma descarga de
excitação sexual, produzindo angústia diante da relação sexual incompleta
(GERMANO 2010).
Germano (2010) salienta ainda que Freud, ao pensar sobre o corpo, acabou
por desenvolver o conceito de conversão somática, que seria uma junção do psíquico
e do físico remetendo a outra cena. Freud denominou conversão a uma manifestação
somática idêntica ao desejo em que está em jogo uma satisfação substitutiva de uma
fantasia de conteúdo sexual e onde esta outra cena fala do sujeito através de seu
corpo.
Na primeira tópica, com a introdução do conceito de Inconsciente, Freud pôs
em causa definitivamente a dicotomia clássica corpo-alma, revelando uma nova leitura
das relações entre soma e psique. Como afirma Lionço (2008): “o inconsciente seria
uma espécie de lugar de passagem, processo no qual se tornaria impossível distinguir
o corporal do psíquico, que estariam articulados numa espécie de curto-circuito”.
Na segunda tópica, Eksterman (1992), diz que: “quando o id se transforma em
ego é o ponto central da intersecção da Psicanálise com a Psicossomática”. Nas
palavras do autor: “se pudéssemos dissecar todos os componentes comprometidos
na transformação do id em ego, teríamos provavelmente respondido aos enigmas que
subsistem entre a mente e o corpo”. Ainda em Eksterman, ao falar sobre a origem da
mente, Freud afirmou que a atividade corporal origina o id e este, por sua vez,
diferencia uma camada mais superficial – o ego –, quando em contato com o mundo
exterior.
Aparentemente, Freud não se interessou pelas consequências efetivamente
psicossomáticas de suas descobertas, pelo ao menos no sentido de enveredar pela
medicina clínica e incluir na fisiologia das doenças físicas uma psicopatologia
psicodinâmica, em outros termos, questões psicológicas relativas ao balanço
consciente/ inconsciente presentes nas doenças do corpo. Foram seus discípulos
imediatos que perceberam essa relação com a Medicina em geral, notadamente Felix
Deutsch, Otto Fenichel, Georg Groddeck e finalmente um emigrante para os Estados
Unidos, também discípulo direto de Freud, Franz Alexander (EKSTERMAN, s.d).
Passados mais de cem anos do surgimento da psicanálise, atualmente há um
campo de conhecimento denominado hoje como psicossomática psicanalítica do qual
compartilham diversos autores e posicionamentos, em que há um acordo em se
considerar uma multiplicidade de causas para o adoecer relacionados com conflitos
inconscientes. (MELLO, 2009)
5 ARTETERAPIA NO NOVO PARADIGMA DE ATENÇÃO EM SAÚDE MENTAL

A Reforma Psiquiátrica no Brasil e no mundo trouxe e traz mudanças na


percepção e intervenção dos profissionais da saúde em relação à doença e ao doente
mental. A Reforma tem como base a reabilitação psicossocial da pessoa com
sofrimento mental, propondo práticas mais humanizadas que visam à reintegração
desse indivíduo à sociedade. A arteterapia e outras técnicas expressivas são
consideradas intervenções importantes dentro desse novo enfoque mais humano.
O livro "Arteterapia: no novo paradigma de atenção em saúde mental",
organizado por Ana Cláudia Afonso Valladares, tem a finalidade de mostrar ao leitor
a importância da arteterapia e de outras técnicas expressivas para a reabilitação
psicossocial da pessoa com sofrimento mental. Procurando contextualizar o leitor
tanto no que se refere à historicidade e às mudanças na área da doença mental,
quanto no que se relaciona às técnicas expressivas, em especial a arteterapia, o livro
é dividido em dez capítulos, cada qual escrito por autores diferentes, que contribuem
com seus saberes teóricos e práticos.
O primeiro capítulo, intitulado "O cuidado em saúde mental no contexto da
reforma psiquiátrica" escrito por Luciane Prado Kantorski, retoma os dados históricos
que desencadearam o atual contexto da área da saúde mental propiciados pela
Reforma Psiquiátrica. A autora também propõe uma reflexão sobre a reabilitação
psicossocial, argumentando que o sofrimento mental é mais um dado na história do
sujeito, de tal forma que faz-se necessário levar em consideração toda história de vida
que essa pessoa já construiu. O sofrimento mental tem que ser adaptado à essa
história que é composta de relações sociais.
O autor Thomas Josué Silva escreveu o capítulo dois, "Caleidoscópias
narrativas: a outra desinstitucionalização da loucura", narrando sua experiência de
trabalho com doentes mentais em um atelier de expressão, ou seja, expressões por
meio de desenhos, modelagem em argila, bordados, entre outras técnicas manuais.
O objetivo do capítulo é atentar para a importância dos trabalhos de reabilitação, como
o atelier de expressão, fora da institucionalização e também mostrar que essas
técnicas expressivas explicitam o diálogo entre a pessoa com sofrimento mental e
suas angústias, seu mundo social e sua biografia. No entanto, esse diálogo não deve
ser visto apenas como um diagnóstico clínico, pois ele é uma forma de compreender
a pessoa com sofrimento mental como um todo, ou seja, nas suas esferas biológicas,
psicológicas e sociais.
"Da vida sem arte à arte como promoção da vida: momentos da arte na
psiquiatria", é o título do capítulo três de Cláudia Mara de Melo Tavares que discorre
sobre três formas de perceber a arte como técnica de intervenção para o tratamento
do doente mental. A primeira, que a autora chama de arte hospitalizada, tem a função
de combater a ociosidade dos internados, até mesmo propondo atividades laborais
para a manutenção das instituições, ou seja, colocar esses internos para trabalhar em
serviços, como por exemplo a limpeza do hospital. O segundo tipo de concepção vem
em decorrência da Reforma Psiquiátrica nas oficinas dos Centros de Apoio
Psicossocial (CAPS), fora de hospitais, nas quais a arte é vista como um instrumento
de enriquecimento dos sujeitos, valorização de expressão e descobertas de potenciais
singulares. Já a terceira maneira de perceber a arte é usando-a para tornar esses
indivíduos com sofrimento mental ativos no mundo social, possibilitando ações e
reinvenção do cotidiano.

Fonte:www.andreaalves.blog.br

O quarto capítulo é de autoria de Denize Bouttelet Munari e chama-se "Arte,


arteiros e artistas: uma reflexão acerca da arte como instrumento de cuidado humano
em saúde mental". Embasada em suas práticas profissionais em hospitais
psiquiátricos, a autora discute sobre a função da arte, justificando que além de permitir
que os doentes se expressem livremente e de modo criativo, também possibilita uma
comunicação melhor entre paciente e profissional. Mas, para isso, o profissional
precisa perceber o paciente de maneira mais global (bio-psico-social), tendo um olhar
mais humano e menos acadêmico e não apenas rotulá-lo e diagnosticá-lo. Ainda para
a autora é imprescindível que haja profissionais capacitados para intervir com essas
técnicas expressivas, sendo elas têm como o propósito a aproximação do indivíduo
doente ao mundo social. A autora também ressalta que é preciso mudar o modo de
ver, sentir e agir com o sofrimento mental e que o profissional faz parte do processo
de reabilitação, não podendo atuar apenas como um mero observador.
Com vistas a responder sobre qual o papel das técnicas expressivas,
especialmente da arteterapia, nesse novo contexto de acesso, qualidade e
humanização de atenção à saúde mental. Ângela Philippine elaborou o capítulo
"Arteterapia e outras terapias expressivas no novo paradigma de atenção em saúde
mental". Fundamentada pela teoria Junguiana, a autora, que também é arteterapeuta,
pontua a importância da arteterapia para a compreensão e para o tratamento do
doente mental, apresentando também como o arteterapeuta deve agir nessas
intervenções.
O sexto capítulo, intitulado "A arteterapia e a reabilitação psicossocial das
pessoas em sofrimento psíquico" é de autoria de Ana Cláudia Afonso Valladares. O
manuscrito procura esclarecer e contextualizar o leitor, de forma breve e clara, sobre
o que é arteterapia, qual a trajetória dessa técnica expressiva, quais as modalidades
de arteterapia existentes, em quais contextos ela é utilizada, qual o público alvo da
arteterapia, e os princípios norteadores da arteterapia na reabilitação psicossocial.
"Arte por dentro e por fora: da implantação à consolidação do projeto
arteterapia" é o título do capítulo sete, elaborado por Carmem Lúcia Albuquerque de
Santana. A autora relata como surgiu o Projeto Arteterapia do Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O
projeto já existe há seis anos, com diversos tipos de atividades e pesquisas em
andamento, assim como há três anos é exibida anualmente uma exposição para a
comunidade dos trabalhos realizados no ateliê terapêutico pelos pacientes. A autora
relata que a implantação do projeto foi possível, pois se pode mostrar com dados
empíricos por meio de uma pesquisa realizada, também descrita no capítulo, a
melhora clínica dos pacientes que fazem arteterapia.
As dinâmicas das sessões de arteterapia também foram abordadas no livro. O
capítulo oito, intitulado "Saúde mental: uma vivência de arte e criatividade", escrito por
Flora Elisa de Carvalho Fussi, além de reforçar a ideia da necessidade de
compreender a pessoa com sofrimento mental como bio-psico-social e ter uma
relação horizontal com ele, ou seja, sem haver superioridade, também descreve
algumas dinâmicas ocorridas durante as sessões de arteterapia administradas por ela.
Nesses relatos das sessões, a autora mostra como ela conduz uma sessão mediante
as emoções que vão surgindo dos pacientas, assim como narra as modificações que
ocorrem nos sentimentos. O capítulo traz reflexões sobre a eficácia da arteterapia
para a reestruturação emocional desses indivíduos.
Sinval Avelino dos Santos escreveu o capítulo nove, "Atividade física:
viabilidades e parcerias no contexto da saúde mental". Nesse capítulo, a técnica
expressiva abordada é a atividade física, vista também como uma facilitadora do
processo de reabilitação do indivíduo com sofrimento mental, que está alicerçada na
visão do indivíduo como um todo (biopsicossocial). O autor faz um levantamento
bibliográfico argumentando e pontuando os benefícios ocasionados aos doentes
mentais em decorrência da atividade física. Como um dos exemplos, cita que
atividades aeróbicas agem como antidepressivos em indivíduos que estão na fase
inicial de um quadro depressivo. Posteriormente apresenta uma pesquisa que realizou
para compreender melhor essa técnica da atividade física como recurso terapêutico
ao paciente internado. Outro objetivo da pesquisa foi entender o que os profissionais
da saúde que trabalham com esse tipo de população pensam a respeito da atividade
física.
O décimo capítulo que fecha o livro é intitulado "Musicoterapia e saúde mental:
um longo percurso" de autoria de Cláudia Regina de Oliveira Zanini. Esse capítulo
trata especificamente da musicoterapia na saúde mental, também como uma técnica
expressiva facilitadora do processo de reabilitação psicossocial. Para procurar mostrar
a dimensão da importância dessa técnica, a autora retoma a historicidade da música
associada à sua função terapêutica e ressaltando que, apesar de advir de uma longa
história, a musicoterapia é uma ciência em emergência. A autora também relata a
formação, o papel e as áreas de atuação, principalmente em saúde mental, dos
musicoterapeutas.
Os dez capítulos do livro apresentam uma escrita de fácil compreensão,
procurando ressaltar o novo paradigma para a área saúde mental proposto na
Reforma Psiquiátrica, a qual enfatiza principalmente a humanização dessa área.
Dessa forma, o livro é indicado não apenas para profissionais que atuam na área da
saúde mental com técnicas expressivas. Qualquer pessoa que queira se inteirar
melhor sobre esse novo contexto da saúde mental encontrará informações e reflexões
interessantes sobre o assunto.

6 HISTÓRIA DA ARTETERAPIA

A partir da Reforma Psiquiátrica, notam-se mudanças relacionadas ao


tratamento das doenças mentais, surgindo uma nova concepção de cuidado com tais
doentes, visando uma melhor qualidade de vida para tais pessoas, bem como a sua
retirada do ambiente manicomial, proporcionando sua reinserção na sociedade.
Rissato et al (2008), aponta que nesse contexto extra-hospitalar, a arte passa
a ter um papel de grande importância, possibilitando a reabilitação e inclusão sócio
familiar dos doentes mentais, priorizando o tratamento do indivíduo como um todo.
Cabe ressaltar que, segundo Ciornai (2004), o uso terapêutico das artes
remonta às civilizações mais antigas. Contudo, só em meados do século XX a
Arteterapia se apresentou com um corpo próprio de conhecimento e atuação,
determinada pela crise da modernidade, em meio às mudanças que marcaram essa
época.
Tommasi (2005) destaca que a arte sempre esteve vinculada à existência
humana, como meio de diálogo, interação social, registro histórico, desenvolvimento
da estética, do belo e harmônico. A importância da arte, sobretudo do desenho e da
pintura, incide na relação do homem com o mundo, e de como os estímulos externos
agem no imaginário humano.
De acordo com Ciornai (2004), Margareth Naumburg – artista plástica,
educadora e psicóloga americana – foi quem primeiro interessou‐se pelo elo entre o
trabalho desenvolvido na sua escola, onde utilizava‐se o método Montessori e o
campo da psiquiatria e da psicoterapia. Naumburg, apesar de não ter sido a primeira
a empregar o termo arteterapia, ficou conhecida como “mãe” da técnica por ter sido a
primeira a diferenciá‐la claramente como um campo específico, estabelecendo os
fundamentos teóricos sólidos para seu desenvolvimento.
A referida autora afirma ainda que em suas palestras, livros e doutrinas,
Naumburg sempre deixou clara sua crença na seriedade da atividade criativa e
expressiva para o desenvolvimento pleno de cada ser humano e de cada comunidade
social. Muitos foram seus seguidores, culminando na fundação da Associação
Americana de Arteterapia (AATA) em 1969.
De acordo com Achterberg (2000), na década de 1980, a arteterapia chega ao
Brasil por Selma Ciornai, psicoterapeuta gestáltica com formação em Arteterapia em
Israel e nos Estados Unidos, que a apresentou a São Paulo, criando o primeiro curso
de Arteterapia do país, no Instituto Sedes Sapientiae.
A Associação Brasileira de Arteterapia (2009) define essa técnica como um
estilo de trabalhar empregando a linguagem artística como alicerce da comunicação
cliente profissional.
Seu cerne seria a criação estética e a elaboração artística a favor da saúde.
De acordo com Ferraz (1988), dois psiquiatras se destacaram por suas
contribuições na fundamentação teórica da arteterapia no Brasil: Osório César, em
1923, e Nise da Silveira, em 1946. Osório César trabalhou com arte no hospital do
Juquery, em São Paulo, sob a influência da Psicanálise.
Tommasi (2005) destaca que Osório Cesar trabalhou por 40 anos no Complexo
Hospitalar de Juquery. Em seu artigo intitulado A arte primitiva dos alienados(1925),
apresentou informações sobre a arte dos doentes mentais. Osório Cesar adquiriu
grande conhecimento por meio da observação, sem caráter científico, dos pacientes
trabalhando de forma espontânea. Averiguou que o material produzido tinha natureza
própria, com deformações e distorções figurativas, de caráter simbólico. A produção
artística dos pacientes incitou Osório Cesar a fundar a Escola Livre de Artes na década
de 50, que tinha como desígnio expor habilidades plásticas e musicais. A Escola Livre
de Artes funcionou por 20 anos. Durante este período foram realizadas várias
exposições, que acenderam polêmicas em torno dessa nova técnica terapêutica.
Em 2001, segundo Tommasi (2005), movida pela pesquisa de doutorado, Sonia
Maria Bufarah Tommasi ofereceu à Dra. Maria Tereza Gianerini Freire, diretora do
complexo Hospitalar de Juquery, uma proposta de montar um ateliê de arteterapia,
para atender pacientes graves. O material produzido no ateliê, em 2 anos de trabalho,
foi analisado por Sonia Maria que verificou que a participação dos pacientes nas
oficinas do ateliê lhes proporcionou que expressassem conteúdos de intensa relação
com as experiências pessoais de vida de cada um. Assim, a pesquisa comprovou a
hipótese de que as afinidades entre saúde mental e arte podem cooperar para a
melhoria dos serviços de saúde e para o incremento de tratamento mais humano aos
doentes mentais.
Outra figura que se destacou por sua contribuição no desenvolvimento da
arteterapia no Brasil foi Nise da Silveira. Segundo Silveira (1981), ela desenvolveu um
trabalho no Centro Psiquiátrico Dom Pedro II, no Rio de Janeiro sob a influência
junguiana, procurando compreender as imagens produzidas pelos pacientes.
Tommasi (2005) destaca que Dra. Nise era inteiramente contra os métodos de
tratamento exercidos na época, tais como eletro choque e lobotomia, fator este,
decisivo para sua luta em favor dos pacientes, possibilitando outras formas de
tratamento. Dra. Nise percebeu na linguagem não verbal instigada por intervenção
das expressões artísticas como desenho, pintura, modelagem e dança, a
possibilidade para penetrar no mundo psíquico dos pacientes. Os pacientes, no ateliê,
podiam expressar conteúdo internos, afirmando a si e aos outros, que mesmo estando
internamente desorganizados, apresentavam aspectos conservados e intactos em
sua estrutura psíquica.
De acordo com Silveira (1981), em 1952 foi criado o Museu do Inconsciente,
na cidade do Rio de Janeiro, por Dra. Nise, que reuniu trabalhos realizados pelos
pacientes do Centro Psiquiátrico Dom Pedro II. O Museu do Inconsciente é
considerado um acervo de grande estima nacional e internacional.
Em 1981, de acordo com Tommasi (2005), Dra. Nise escreveu o livro “Imagens
do Inconsciente”, expondo sua metodologia de trabalho, a sua análise, o respeito e
cuidado com o ser humano, reconhecendo que a doença e o doente mental estão
arraigados no contexto social, cultural e econômico.
Assim, percebemos a importância da utilização da arte como forma de
expressão para doentes mentais, uma vez que possibilita ao indivíduo a manifestação
de sentimentos inconscientes, bem como a organização de tais sentimentos que
podem ser expressos por desenhos, pintura, modelagem, entre outras formas de
aplicação de materiais em oficinas e ateliês de arteterapia.
É dentro dessa perspectiva que os CAPS vêm desenvolvendo um trabalho
articulado à arte na saúde mental, propondo-se a viabilizar e dinamizar os processos
em grupos terapêuticos, empregando as variadas expressões artísticas, sendo
executado por artistas, arteterapeutas, arte-educadores e profissionais de saúde
mental com formação em arteterapia.
Dessa forma, a arteterapia é inserida no CAPS como forma de tratamento. Há
várias formas de conceituá-la, mas para Philippini (2004), trata-se de um método
terapêutico que se utiliza de modalidades expressivas distintas, que servem a
materialização de símbolos. Essas criações simbólicas representam níveis profundos
e inconscientes da psique, possibilitando o confronto, no nível da consciência, destas
informações, propiciando insights e posterior transformação e expansão da estrutura
psíquica. Em outras palavras, trata-se de terapia através da Arte.
Segundo Carvalho (2001), a arteterapia é um meio de estimulação à expressão
artística, proporcionando que os pacientes possam se auto observar, gerando
reflexões sobre o desenvolvimento pessoal, aptidões, preocupações e conflitos.
Para Gehringer (2005) não se trata apenas da junção da arte com a psicologia,
mas de uma abordagem fundamentada num corpo teórico e metodológico próprios,
envolvendo conhecimentos em história da arte e dos pioneiros e contemporâneos de
maior proeminência na arteterapia; dos processos psicológicos gerados tanto no
decorrer da atividade artística como na observação dos trabalhos de arte; das
relações entre processos criativos, terapêuticos e de cura e das propriedades
terapêuticas dos diferentes materiais e técnicas.
O trabalho em Arteterapia pode ser desenvolvido individualmente ou com um
grupo de pessoas. Para Tommasi (2005) a tarefa do arteterapeuta incide em estimular
e auxiliar o paciente e/ou grupo a empregar técnicas expressivas, podendo ser verbais
ou não-verbais, por interferência do corpo, ou ainda, com materiais expressivos tais
como lápis coloridos, papel de variados tipos, tintas de várias cores, tela, massa de
modelar, argila. Todo o processo tem grande importância, desde a escolha do material
até o produto final. O resultado não habita na beleza do trabalho e sim no processo
como um todo. O paciente, ao desenhar, escrever e pintar, utiliza desses recursos
para travar um diálogo que o conduzirá ao autoconhecimento.
A arte está presente nos diversos CAPS do país, com a criação de grupos de
arteterapia e de acordo com diversos estudos (COQUEIRO, 2010; SILVA, 2011;
MARANHÃO, 2010) vêm apresentando excelentes resultados quanto à promoção do
ser humano como um todo, o que inclui aspectos psíquicos e sociais, respeitando as
suas individualidades e os ajudando a restabelecer relações. O eixo central é a
influência mútua organismo-meio e essa interação acontece por meio de dois
processos concomitantes: a organização interna e a adaptação ao meio. O processo
de criação provoca essa reorganização interna de sentimentos e pensamentos e a
partir desse ponto é possível estabelecer uma linguagem com o externo, a realidade.
Dessa forma, notamos a aplicabilidade da arteterapia no contexto do CAPS,
bem como a sua relevante contribuição para a melhora do quadro dos usuários, uma
vez que proporciona um desenvolvimento no autoconhecimento e enriquecimento na
expressão de sentimentos e emoções que podem contribuir com a saúde mental do
paciente.
A arteterapia vem ganhando espaço cada vez maior no campo da saúde
mental, apresentando-se como uma das ferramentas fundamentais para amenizar os
efeitos negativos da doença mental. É central a promoção do bem-estar da pessoa
com sofrimento psíquico, uma vez que a arteterapia propicia mudanças nos campos
afetivo, interpessoal e relacional, melhorando o equilíbrio emocional ao término de
cada sessão.
Avaliamos que, mediante a interpretação e a reflexão das experiências na
relação terapêutica, a pessoa vai se ajustando aos seus próprios conteúdos,
conhecendo a si mesma e se tornando sujeito ativo do processo terapêutico.
A partir dessa reflexão podemos perceber que a arte e a loucura sempre
estiveram juntas através da história, porém na atualidade é entendida com um novo
olhar.

Fonte:www.psicologado.com

Esse novo paradigma em Saúde Mental valoriza a multidisciplinaridade. Os


novos substitutivos em saúde mental somam-se numa sugestão de um projeto
terapêutico que respeita as individualidades e singularidades do sujeito. Portanto não
é prioridade o produto final de uma oficina, mas sim as trocas que se estabelecem e
o ganho oriundo disso, uma vez que a possibilidade de criação se dá na produção de
sentido para a vida e a sociabilidade. Esse novo protótipo responderá às perspectivas
da desinstitucionalização, se priorizar a possibilidade de o artista constituir laços com
o mundo.
Dessa forma, reforçamos a importância de um profissional habilitado para
trabalhar com arteterapia nos CAPS, dada a importância e relevância da técnica na
melhora do quadro de pacientes com transtornos mentais. Notamos ainda, um vasto
campo para profissionais em Saúde Mental, sobretudo psicólogos, que encontram
uma nova porta de entrada no mercado se especializando em arteterapia. Existem no
Brasil cursos de especialização em arteterapia, que proporcionam habilitação e
qualificação a estes profissionais. Ressaltamos que se trata de um trabalho
recompensador para o arteterapeuta, visto que possibilita aos pacientes ganhos de
suma importância na qualidade de vida.
Em suma, a arterapia vem ganhando espaço não só no campo da saúde mental,
como também em diversas áreas, uma vez que é uma técnica indicada para
crianças, adolescentes, adultos, portadores de necessidades especiais motoras ou
mentais, pessoas sadias e enfermas. Tratando-se especificamente do campo da
saúde mental, ressaltamos que a arteterapia apresenta um novo olhar e uma nova
forma de cuidar e proporciona uma evolução no quadro de doentes mentais.
BIBLIOGRAFIA

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