Avalaiação de Cotas Societarias No Inventário - Mazzei e Fernanda

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Doutrina

O Balanço do Estabelecimento e a
Apuração de Haveres no Inventário
Causa Mortis: Necessidade de Adequada
Interpretação do Art. 620, § 1º, do CPC1

Rodrigo Mazzei
Doutor (FADISP) e Mestre (PUC-SP), com pós-
Doutoramento (UFES); Líder do Núcleo de Estudos em
Processo e Tratamento de Conflitos (NEAPI – UFES);
Professor da UFES (Graduação e PPGDir); Advogado e
Consultor Jurídico; e-mail: [email protected].

Fernanda Bissoli Pinho


MBA em Direito Empresarial e em Direito Societário; (FGV-
RJ); Advogada; e-mail: [email protected].

RESUMO: O presente artigo tem por escopo avaliar os efeitos da sucessão


causa mortis no âmbito da atividade empresarial, abordando os desdobramentos
legais e, especialmente, sistematizando os procedimentos cabíveis. Para tanto,
demonstrar-se-ão os pontos de contato e, principalmente, as diferenças exis-
tentes no tratamento entre o falecimento do empresário individual e daquele
que exerce a atividade empresária como sócio de sociedade contratual. Em um
segundo plano, debruçar-se-á exaustivamente na análise dos dispositivos legais
concernentes – especialmente do art. 620, § 1º, do Código de Processo Civil
–, emprestando-lhe uma visão dinâmica e em compatibilidade com o direito
societário hodierno. Ao fim, devidamente abordadas as nuances mais relevantes
do tema, será proposto o procedimental cabível para a apuração valorativa da
participação societária enquanto herança, o qual assim permita a escorreita e
equilibrada aplicação das normas processuais e societárias.

PALAVRAS-CHAVE: Sucessão Causa Mortis. Atividade Empresarial. Empresário


Individual. Empresário Quotista. Sociedades Contratuais. Liquidação de Quotas.
Expressão Econômica. Apuração de Haveres. Procedimento.

1 O estudo é também resultado do grupo de pesquisa “Núcleo de Estudos em Processo e Tratamento de Conflitos” –
NEAPI, vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), cadastrado no Diretório Nacional de Grupos
de Pesquisa do CNPq, respectivamente nos endereços: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7007047907532311
#identificacao. O grupo é membro fundador da “ProcNet – Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e
Processo contemporâneo” (http://laprocon.ufes.br/rede-de-pesquisa).
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 – Doutrina
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SUMÁRIO: Introdução. 1 O Falecido como Empresário Individual ou Sócio.


2 O Autor da Herança como Empresário Individual. 3 O Autor da Herança
como Titular de “Quota Societária”; 3.1 A Apuração da Expressão Econômica
das Quotas Sociais: Procedimento e Metodologia; 3.1.1 Apuração Interna ou
Remessa às “Vias Ordinárias”; 3.1.2 A Fase de Transição: Interpretação Adequada
do Art. 1.027 do Código Civil. Considerações Finais. Referências.

Introdução
Cada dia mais, seja por conveniência fiscal, ou mesmo por estratégia
de organização societária e/ou planejamento sucessório, percebe-se uma
tendência de que as pessoas naturais deixem de titularizar as relações jurídico-
econômicas, passando a desenvolver suas atividades produtivas por meio da
estrutura das sociedades empresárias. Em suma, há o fenômeno da pejotização,
que é a criação de pessoas jurídicas, com a cobertura de áreas de atividades
profissionais e, não raro, de titulação patrimonial.
O cenário propicia o surgimento de novas e distintas relações jurídicas
e estas, por sua vez, trazem consigo uma complexidade no arcabouço de atos
e fatos jurídicos, especialmente no momento da sucessão causa mortis. Isso,
porque quando ocorre o falecimento do empresário individual (pessoa natu-
ral), seus bens se transmitem diretamente para seus herdeiros ou legatários,
na forma da lei, ao passo que, quando da morte de um sócio de sociedade
empresária, diferentes e numerosos são os desdobramentos possíveis, a de-
pender, especialmente, das normas prestigiadas no bojo do contrato social.
Naturalmente, cada uma dessas situações enseja procedimento próprio
e, não obstante a relevância e recorrência do tema, a legislação não é exaustiva e
detalhada ao deles tratar, sendo assim necessário debruçar-se sobre as nuances
societárias concernentes à sucessão causa mortis do empresário, especialmente
para avaliar o alcance e dimensão da exegese legal do art. 620, § 1º, do CPC
– o que é, exatamente, o propósito deste trabalho.

1 O Falecido como Empresário Individual ou Sócio


Prevê a atual codificação processual que, já na apresentação das primeiras
declarações – um dos atos iniciais do processo de inventário –, o juiz deve de-
terminar que se proceda “ao balanço do estabelecimento, se o autor da herança
era empresário individual” (art. 620, § 1º, I) e “à apuração de haveres, se o
autor da herança era sócio de sociedade que não anônima” (art. 620, § 1º, II)2.

2 “Art. 620. Dentro de 20 (vinte) dias contados da data em que prestou o compromisso, o inventariante fará as primeiras
declarações, das quais se lavrará termo circunstanciado, assinado pelo juiz, pelo escrivão e pelo inventariante, no
qual serão exarados: (...) § 1º O juiz determinará que se proceda: I – ao balanço do estabelecimento, se o autor da
herança era empresário individual; II – à apuração de haveres, se o autor da herança era sócio de sociedade que não
anônima.”
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Antes de tudo, é imperioso afirmar que o citado art. 620, em seu § 1º,
é um dispositivo ligado à avaliação, pois já se presume que o inventariante fez
a arrecadação respectiva aos assuntos ali tratados, a saber: (a) estabelecimento
de que o autor da herança é titular exclusivo (na qualidade de empresário
individual) – inciso I; (b) quotas societárias (que não seja sociedade anôni-
ma) – inciso II.
Em segundo lugar, a partir da divisão efetuada, é capital que se compre-
enda que os incisos I e II do art. 620, § 1º, trabalham com duas situações bem
distintas e que, por isso, possuem desdobramentos próprios. Em exemplo mais
flagrante, no caso de empresa individual, a avaliação irá refletir apenas para os
protagonistas do inventário, enquanto que, no caso de titularidade de quotas
de sociedade, a estimação reflete nos sócios remanescentes (que nem sempre
serão seus herdeiros), pois a avaliação não se faz setorizada à participação do
falecido, senão da própria sociedade e, a partir de tal, se projeta a participação
societária do autor da herança.
O panorama justifica que os temas sejam separados, não só para que
peculiaridades possam ser enaltecidas, mas para se evitar junções de interpre-
tações acerca de questões sem ponto de contato.

2 O Autor da Herança como Empresário Individual


O inciso I do art. 620, § 1º, faz alusão ao “empresário individual”,
diferenciando-se do texto revogado (art. 993, parágrafo único, inciso I, do
CPC/733) que fazia menção ao “comerciante em nome individual” e se valia
da antiga concepção de “firma individual”. O que interessa, de fato, para
análise do dispositivo é compreender que o “empresário individual” é uma
espécie de empreendedor (pessoa natural), que atua como titular único da sua
empresa, não possuindo, assim, qualquer tipo de sócio. As responsabilidades
do empresário individual não são limitadas, exceto se optar pela constituição
em forma de EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada),
cuja previsão básica está no art. 980-A do Código Civil4-5.

3 Assim dispunha o CPC/73: “Art. 993. Dentro de vinte (20) dias, contados da data em que prestou o compromisso,
fará o inventariante as primeiras declarações, das quais se lavrará auto circunstanciado. No auto, assinado pelo juiz,
escrivão e inventariante, serão exarados: (...) Parágrafo único. O juiz determinará que se proceda: I – ao balanço do
estabelecimento, se o autor da herança era comerciante em nome individual”.
4 “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da tota-
lidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo
vigente no País.”
5 No tema, confira-se: DELGADO, Mário Luiz. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 665-668.
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Diante da natureza singular da “empresa individual”, é natural que, com


a morte do seu titular (exclusivo), ocorra a respectiva extinção6-7. Assim sendo,
com olhos no inventário causa mortis, será feita a sua liquidação, procedimento
geral aplicável em qualquer hipótese de extinção empresarial, mas que, para
fins sucessórios, propiciará a avaliação do patrimônio que foi deixado pelo
falecido atrelado à empresa individual.
A referida liquidação se opera internamente ao inventário causa mortis8,
sendo necessária a exigência de balanço, a fim de que se apure não só seu
patrimônio físico (= bens em nome da empresa), mas também as suas “obri-
gações ativas e passivas”. Dessa forma, far-se-á balanço contábil que será usado
não apenas para efeito do inventário, mas para a adoção de todas as medidas
formais exigidas (mormente em caso de extinção).
Efetuada a liquidação, havendo resultado positivo, os bens remanes-
centes são enviados para a própria herança. Dessa forma, caso já se tenha ar-
recadado outros bens, haverá a aglutinação do patrimônio que está nominado
na pessoa natural do falecido com aqueles que estão titulados em nome da
empresa individual, agora liquidada. Em caso de empresa individual consti-
tuída com responsabilidade ilimitada – na hipótese da liquidação apurar que
as dívidas superam seu patrimônio –, haverá a possibilidade de que os bens
que estavam no nome da pessoa natural respondam pelos débitos da empresa.
Desnudando-se o texto do inciso I do art. 620, § 1º, tem-se que o traba-
lho de avaliação deve ser desenvolvido por expert, pois o levantamento, em for-
ma de balanço, se faz por meio de profissional habilitado à missão (contador).
Não consta no dispositivo a exigência de que o balanço deverá ser elaborado
por pessoa designada pelo juízo sucessório, até porque em funcionamento
normal a empresa individual terá contador contratado, profissional este que
já possui conhecimento da realidade empresarial e acesso à documentação
respectiva. Por tal passo, é admissível (e comum) que o balanço seja produzido
e subscrito pelo contador já vinculado à empresa individual, o fazendo com
especial projeção ao inventário causa mortis. O balanço será apresentado aos
autos e se submeterá ao contraditório, ouvindo-se as partes e o inventariante,
sendo facultado a estes pedidos de esclarecimentos.

6 Sem prejuízo de continuidade, que não é o ato natural esperado. No sentido, vide o disposto no art. 974, parte final,
do Código Civil: Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes
exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança.
7 Ademais, poderá a empresa individual ser objeto de disposição testamentária. No ponto, confira-se: COUTO E
SILVA, Clóvis do. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1977. v. XI. t. I. p. 311.
8 No sentido: FISCHMANN, Gerson. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000. v. 14. p. 142; e
BARROS, Hamilton de Moraes. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 946-1.102. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1988. v. IX. p. 233-240.
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Por fim, considerando que a liquidação poderá demandar tempo ra-


zoável, especialmente quando há obrigações passivas da empresa individual
e relações com terceiros, pode ocorrer a necessidade de credenciamento de
pessoa para gerir a empresa individual. O inventariante se coloca em posição
natural no sentido, mas nada obsta que seja designada pessoa para que execute
a empreitada. A nomeação deve recair acerca de pessoa com capacidade técnica
para missão, devendo, o quanto possível, resultar do consenso dos interessados
na sucessão, isto é, as partes impactadas pelo inventário sucessório em tal qua-
lidade (legitimação atrelada, portanto, ao rol permeável do art. 626 do CPC).

3 O Autor da Herança como Titular de “Quota Societária”


O inciso II do § 1º do art. 620 trata de outra hipótese, pois o foco do
dispositivo está na “apuração de haveres”, aferição esta de natureza quantita-
tiva, isto é, a expressão econômica9 atrelada à participação do autor da herança em
“sociedade que não anônima”. O pormenor é importante, pois no caso de
“empresa individual” o objetivo é aferir o saldo patrimonial desta, identificando
os próprios bens, a fim de que se faça, quando possível, o transbordo destes
para a herança. De modo diverso, o que interessa na apuração de haveres é a
quantificação – em moeda corrente – do valor da participação societária do falecido.
Nota-se, a princípio, que o dispositivo em comento faz alusão geral à
“sociedade que não anônima”, o que permite delimitar o alcance do estudo ora
proposto, estabelecendo, como corte metodológico, o âmbito das sociedades
ditas contratuais, notadamente as sociedades limitadas.
Excluem-se do objeto deste estudo, portanto, as sociedades anônimas,
de natureza institucional, assim também as sociedades por quotas de res-
ponsabilidade limitada quando regidas supletivamente, por força de cláusula
convencional, pela Lei nº 6.404/76, por possuírem, nesse caso, regulamenta-
ção própria – sem perder de vista, por evidente, que há sociedades edificadas
sob a plataforma de “SA” que adotam o sistema de “capital fechado” (muitas
erigidas sob núcleos familiares), cujas ações não possuem cotação em bolsa
ou listagem pública que permita avaliação imediata. O detalhe faz com que
seja aplicável do inciso II do § 1º do art. 620 nas sociedades anônimas com tal
perfil (capital fechado), não havendo óbice que se determine que seja deflagrada
prova pericial para estimar o valor real das ações da empresa10.

9 Em suma, a arrecadação terá como fim “o conteúdo econômico das quotas sociais da sociedade” (STJ, REsp 1.531.288/
RS, 3ª Turma, DJe 17.12.2015).
10 Vale conferir o voto relator do seguinte julgado: STJ, AR 810/RS, 2ª Seção, DJe 16.06.2011.
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Nessa toada, convém pontuar que, nas sociedades limitadas contratuais,


o liame que se estabelece entre seus sócios é de cunho pessoal (caráter intuito
personae), sendo determinante para o vínculo entre eles a affectio societatis.
Assim sendo, pela própria natureza de contratualidade, impõe-se o
entendimento de que a condição de sócio não é transmissível por sucessão,
afinal, é inconcebível, na perspectiva dos princípios da autonomia da vontade
e da relatividade dos efeitos dos contratos, que um terceiro estranho à relação
contratual possa dela tomar parte, sem que haja prévio consentimento de todos
os partícipes em relação a tal. Dessa maneira, ao falecer, o sócio transmite, por
meio das quotas de capital social, sua participação societária aos seus sucessores,
mas isso não legitima tais sucessores a integrarem-se à rotina social, fiscaliza-
rem os negócios, deliberarem sobre as matérias de interesse da sociedade ou,
de qualquer forma, imiscuírem-se na gestão da atividade empresarial.
O que se transmite, em regra, portanto, são os direitos patrimoniais
das quotas societárias, assegurando aos beneficiários o direito de recebimento
de dividendos e, sobretudo, de recebimento dos haveres. Os herdeiros, nesse
desiderato, são simplesmente credores dos haveres frente à sociedade e não
seus sócios11.
Esse é, em suma, o entendimento que se extrai da exegese dos arts.
1.027 e 1.02813 do Código Civil, com a ressalva de que este último dispositivo
12

contempla ainda, em seus incisos, circunstâncias que autorizam desfechos di-


versos, podendo, caso haja prévia estipulação do contrato social, acordo entre
as partes ou consenso dos sócios remanescentes, dissolver-se por completo
a sociedade ou autorizar-se o ingresso dos herdeiros (ou de algum deles) no
negócio14.
Para o que importa ao escopo do presente trabalho, no entanto, registra-
se que, em regra, a sucessão do sócio se faz por meio da transmissão dos
efeitos patrimoniais de suas quotas de participação, cabendo aos sucessores
ou herdeiros liquidar tais quotas.

11 No mesmo sentido, Alfredo de Assis Gonçalves Neto: “Ao contrário do que se passa nas sociedades de capital, mais
precisamente, nas sociedades por ações, nas sociedades de pessoas, como é o caso da sociedade simples, ninguém
pode tornar-se sócio em razão de relações externas ao pacto societário, ainda quando ocorra a transmissão de direitos
relativos à quota de participação do sócio. Para que um ajuste externo possa valer entre os sócios, é preciso que estes
dele participem diretamente ou com ele concordem, em momento anterior ou após sua celebração. (...) Sucessores
ou herdeiros não são sócios, mas credores de haveres” (Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do
Código Civil. 8. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 250).
12 “Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir
desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide
a sociedade.”
13 “Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I – se o contrato dispuser diferentemente; II
– se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se
a substituição do sócio falecido.”
14 No tema, confira-se: DELGADO, Mário Luiz. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 708-714.
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Nesse ponto, é imperioso diferenciar a liquidação da quota social da li-


quidação da sociedade, haja vista que essa era a consequência que a lei imputava,
no Código Comercial (ex vi do seu art. 335, n. 415), ao falecimento do sócio,
dissolvendo por completo a sociedade empresária. No entanto, de modo diverso
e diferentemente do rumo assumido em relação ao falecimento do empresário
individual, a codificação atual, em prestígio ao princípio da continuidade da
empresa, apresenta como solução aos herdeiros a liquidação tão somente da
quota social – interpretação restritiva do art. 599, inciso III, que se conecta
com a exegese do inciso II do § 1º do art. 620 –, o que significa a capitalização
da participação societária, ou seja, o procedimento avaliativo para converter
um direito societário em efetiva prestação pecuniária, mantendo-se hígida a
sociedade, procedendo-se à redução do capital correspondente, salvo se os
demais sócios suprirem o valor da quota (art. 1.031, § 1º, do Código Civil16).
Tem-se, assim, que “a liquidação da quota é o átrio da apuração de
haveres”17, consistindo este, por sua vez, em um procedimento contábil que
tem por objetivo mensurar e quantificar em moeda corrente a participação
do sócio na empresa, considerando a situação patrimonial em data fixada (em
regra, o momento da resolução parcial da sociedade).

3.1 A Apuração da Expressão Econômica das Quotas Sociais:


Procedimento e Metodologia
A ação para liquidação judicial da quota nada mais é que a “ação de
dissolução parcial da sociedade”, cuja previsão no CPC/2015 está pousada
nos arts. 599-609. No ponto, merece destacar que os incisos do art. 59918
da codificação processual permitem possam ser feitos pedidos cumulados
ou apartados de resolução societária em relação a determinado sócio e/ou à
apuração de haveres.
Dessa forma, o CPC atual optou por tratar dentro do bojo da “ação de
dissolução parcial” as regras específicas para a “apuração de haveres”, ainda

15 O Código Comercial de 1850 previa: “Art. 335. As sociedades reputam-se dissolvidas: (...) 4. Pela morte de um dos
sócios, salvo convenção em contrário a respeito dos que sobreviverem”.
16 “Art. 1.031. (...) § 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor
da quota.”
17 Tratando com minúcia do assunto, Alfredo de Assis Gonçalves Neto traz sutil e interessante distinção entre os termos,
asseverando que “liquidação de quota é termo mais abrangente que a apuração de haveres: enquanto esta se limita
à determinação do valor da participação, a liquidação tem por fim transformar os direitos patrimoniais abstratos de
sócio em prestação pecuniária exigível” (Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 8.
ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 321).
18 “Art. 599. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto: I – a resolução da sociedade empresária
contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e II – a
apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou III – somente
a resolução ou a apuração de haveres.”
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que esta seja o único (objetivo) e pedido lançado pela parte interessada (art.
599, inciso III19)20. Trata-se, como se percebe, de opção diversa da que estava
consagrada no art. 668 do CPC/193921, que vinculava a apuração de haveres
ao “pagamento pelo modo estabelecido no contrato social, ou pelo conven-
cionado, ou, ainda, pelo determinado na sentença”, não se acenando qualquer
possibilidade de autonomia no procedimento.
A interpretação do art. 599, inciso III, deve ser aplicada em consonância
com a dimensão das primeiras declarações, pois o inciso II do § 1º do art.
620, como visto, está vinculado a tal atividade do inventariante (elaboração
do esboço inicial). Com tal bússola, a apuração de haveres é tão somente a
arrecadação das quotas para sucessão, a fim de que estas sejam avaliadas, pro-
cedimento necessário para que se possa aquilatar as forças da herança. Dessa
forma, o inciso II do § 1º do art. 620 deve ser interpretado como plataforma
que permite a estimação da “expressão econômica” das quotas societárias.
Fixadas as premissas acima, a apuração de haveres na forma proposta
pelo II do § 1º do art. 620 se releva como um espelho interno do que está
fixado no art. 599, inciso III, isto é, apenas a estimação patrimonial da parti-
cipação societária de um dos partícipes da empresa22. O detalhe posto indica,
em coerência ao que já foi aduzido, que a apuração de haveres promovida no
bojo do inventário importará técnicas que constam do trecho dos arts. 599-609
do CPC23, em que se destaca a necessidade de convocação, para participarem
da quantificação das quotas, transportando, no sentido, a legitimação passiva
que está fixada no art. 60124.

19 “Art. 599. A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter por objeto: (...) III – somente a resolução ou a apuração
de haveres.”
20 A propósito, a doutrina societária lança ferrenhas críticas à opção do legislador, destacando Erasmo Valladão Azevedo
e Novaes França e Marcelo Vieira von Adamek que a ação de dissolução parcial cujo pedido não constitua na dis-
solução parcial configura-se em “contradictio in terminis positivada” (FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes;
ADAMEK, Marcelo Vieira von. Da ação de dissolução parcial da sociedade: comentários breves ao CPC/2015. São Paulo:
Malheiros, 2016. p. 23).
21 Dispositivo com vigência até a entrada em vigor do CPC/2015 (por força do art. 1.218 do CPC/73).
22 Em relação ao sócio falecido, o único propósito da ação será, de fato, o de apuração de seus haveres, sendo prescindível
o pleito de rescisão do vínculo societário, o qual já se encerrou com o evento morte. Nesse sentido, Erasmo Valladão
Azevedo e Novaes França e Marcelo Vieira von Adamek: “O sócio falecido, que exerceu o direito de recesso ou que
foi excluído, sócio não mais é: a extinção do vínculo contratual que o unia à sociedade dá-se pela só ocorrência do fato
jurídico (morte) ou por efeito do exercício do direito potestativo de autodesvinculação (retirada) ou heterodesvinculação
(exclusão). Por isso, é descabido cogitar-se de dissolução em relação a quem nada tem a ser dissolvido (...) faltaria para
isso, inclusive, interesse de agir” (FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes; ADAMEK, Marcelo Vieira von. Da
ação de dissolução parcial da sociedade: comentários breves ao CPC/2015. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 27).
23 Sobre importação e transporte de técnicas, confira-se: MAZZEI, Rodrigo; GONÇALVES, Tiago Figueiredo. Ensaio
sobre o processo de execução e o cumprimento da sentença como bases de importação e exportação no transporte de
técnicas processuais. In: ASSIS, Araken de; BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Processo de execução e cumprimento
da sentença: temas atuais e controvertidos. São Paulo: RT, 2020. p. 19-36; e DIDIER Jr., Fredie; CABRAL, Antonio do
Passo; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Por sua nova teoria dos procedimentos especiais: dos procedimentos às técnicas.
Salvador: Juspodivm, 2018. p. 84-88.
24 “Art. 601. Os sócios e a sociedade serão citados para, no prazo de 15 (quinze) dias, concordar com o pedido ou apre-
sentar contestação. Parágrafo único. A sociedade não será citada se todos os seus sócios o forem, mas ficará sujeita
aos efeitos da decisão e à coisa julgada.”
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 13

É bem verdade que a redação do citado dispositivo – art. 601 – está a


receber duras críticas por parte da doutrina societária, sobretudo por conside-
rar desnecessária a inclusão dos sócios remanescentes na relação processual,
haja vista que, por evidente, a sociedade é a única responsável por arcar com
o pagamento dos haveres do sócio em relação ao qual se dissolve o vínculo
social25. Todavia, encontra-se lídima e jurídica justificativa para tal proceder,
especialmente na perspectiva do inventário causa mortis, na medida em que é
inaceitável imaginar que será feita a estimação de bem comum (a empresa) e
os demais cotitulares (sócios) ficarão olvidados de participar da avaliação que
lhe poderá afetar26. Como em toda situação de “titularidade comum” (comu-
meiro27), é inviável que se avalie uma parcela do bem sem a estimação de seu
todo, em especial quando há repercussão para os demais cotitulares (situação
natural na avaliação patrimonial de empresas).
Não se diga, com todo respeito, que o procedimento do inventário
sucessório não comporta que sejam chamados os sócios remanescentes para
que participem da avaliação da “expressão econômica das quotas societárias”,
ao argumento de que estes não são “interessados” na sucessão, estando, pois,
fora do rol do art. 62628. Tal linha de pensar está desalinhada com a dimensão
policêntrica do inventário causa mortis, que permite a formação de centros autô-
nomos de interesses, cuja participação de atores, inclusive, pode ser variante
em decorrência da multipolaridade que também é inerente a tal procedimento
(verdadeiramente) especial29.
Não é ocasional que na fase de liquidação da herança é admissível que
os credores (pessoas que também não se enquadram no espectro do art. 626)
possam se habilitar no inventário (art. 642, caput30), passando a fazer parte deste

25 Nesse sentido, reporta-se às críticas tecidas por Alfredo de Assis Gonçalves Neto: “Não é o caso de adentrar na
análise dos tropeços que a norma incide ao extrapolar os limites subjetivos da coisa julgada. Não é o caso, também, de
enfatizar a distinção que há entre a pessoa jurídica da sociedade e a de cada qual de seus sócios demandados, quando
possuem responsabilidade limitada, podem livrar-se dos efeitos da sentença que, acolhendo a demanda, confere ao
autor um determinado crédito resultante da liquidação da quota. (...) Do ponto de vista prático, a exigência de citação
de todos os sócios em tais casos revela-se extremamente custosa e pode procrastinar indefinidamente a formação
da relação processual” (Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 8. ed. São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 326-327).
26 Há interessante julgado do STJ, em que foi decidido – por maioria – que a avaliação societária efetuada no bojo do
inventário sem a participação dos sócios remanescentes não tinha eficácia em relação a tais atores (REsp 5.780/SP,
3ª Turma, DJ 15.04.91).
27 Expressão usada por: MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 982-1.045. Rio de Janeiro:
Forense, 1977. v. XIV. p. 77.
28 “Art. 626. Feitas as primeiras declarações, o juiz mandará citar, para os termos do inventário e da partilha, o cônjuge,
o companheiro, os herdeiros e os legatários e intimar a Fazenda Pública, o Ministério Público, se houver herdeiro
incapaz ou ausente, e o testamenteiro, se houver testamento.”
29 No tema: MAZZEI, Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 610 a 673. José Roberto Ferreira Gouvêa,
Luis Guilherme Bondioli e José Francisco Naves da Fonseca (Coord.). São Paulo: Saraiva, no prelo. v. XXII.
30 “Art. 642. Antes da partilha, poderão os credores do espólio requerer ao juízo do inventário o pagamento das dívidas
vencidas e exigíveis.”
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 – Doutrina
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(ainda que etapa demarcada). O exemplo não é isolado, uma vez que no curso
do inventário poderá ocorrer a convocação do donatário para se manifestar
sobre as dívidas em caso de risco de redução das liberalidades (art. 642, § 5º31),
assim como do cônjuge/companheiro sobrevivente do herdeiro (no caso de
regime com comunhão de bens) caso o último exercite ato de liberalidade no
bojo do inventário (por exemplo, renúncia ou partilha desigual). As ilustrações
são indicativas de que o aparente óbice pode ser superado, permitindo-se a
afirmativa de que deverá ser feita a convocação dos sócios ao inventário. Aplica-
se, em seguida, o disposto nos arts. 604, inciso III32, e 60633 (parte primeira)
do CPC em vigor, aferindo o juízo sucessório a necessidade de nomeação
de perito para a apuração dos haveres, examinando-se, outrossim, em caso
positivo, como o trabalho deste se desenvolverá.
No particular, o texto do art. 606 (parte segunda) aponta no sentido
de que, havendo omissão no contrato, caberá ao juiz definir os critérios para
apuração de haveres, tendo como base o balanço de determinação, situação que
inevitavelmente levará à designação de perito (art. 604, inciso III), ainda que o
profissional seja escolhido pelas partes por convenção processual (art. 47134).
A cadência acima posta é fundamental, pois a partir da expressa per-
missão contida no art. 606, parte inicial, todos os sócios (o falecido e os re-
manescentes) poderão ter estipulado em cláusula específica do contrato social
todos os critérios para o cálculo dos haveres em caso de sucessão causa mortis,
em expressão típica de negócio jurídico processual.
Aliás, é possível que todo o processo de apuração de haveres – e não só
o método de cálculo – seja disciplinado pelo contrato social, sem que se fira
norma de ordem pública, desde que respeitado o direito ao devido processo
legal35.

31 “Art. 642 (...) § 5º Os donatários serão chamados a pronunciar-se sobre a aprovação das dívidas, sempre que haja
possibilidade de resultar delas a redução das liberalidades.”
32 “Art. 604. Para apuração dos haveres, o juiz: (...) III – nomeará o perito.”
33 “Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor pa-
trimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens
e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.”
34 “Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que:
I – sejam plenamente capazes; II – a causa possa ser resolvida por autocomposição. § 1º As partes, ao escolher o perito,
já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data
e local previamente anunciados. § 2º O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e
pareceres em prazo fixado pelo juiz. § 3º A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada
por perito nomeado pelo juiz”. Sobre a possibilidade de negócio jurídico processual no curso do inventário, com a
presença de incapaz, confira-se: ÁVILA, Raniel Fernandes de; MAZZEI, Rodrigo Reis. Direito sucessório e processo
civil: o art. 665 do CPC/15 como um negócio jurídico processual típico no rito do inventário e da partilha. Civilistica.
com. Rio de Janeiro, ano. 10, n. 1, 2021. Disponível em: http://civilistica.com/direito-sucessorio-e-processo-civil/.
Acesso em: 15 maio 2021.
35 Nesse sentido: ESTRELLA, Hernani. Apuração dos haveres de sócio, apud WALD, Arnoldo. Comentários ao novo
Código Civil: livro II – do direito de empresa. Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense,
2005. v. XIV. p. 241.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 15

Assim ocorrendo, a apuração estará guiada por aquilo que foi posto
como vontade das partes, desde que a autonomia tenha se operado sem
máculas e expressado em cláusula, imune de dúvidas, a sua aplicação causa
mortis e a vinculação aos sucessores36. Vale dizer, com tal norte, que dentro da
liberdade dos sócios não há obstáculo no sentido de que a apuração de haveres
possa ser prevista por solução objetiva, como, por exemplo, o arbitramento
em percentual sobre a média do faturamento dos últimos dois anos, a fim de
apurar valor que represente em expressão monetária a participação societária.
Na mesma cláusula, os sócios poderão deliberar como será feito o pagamento
do valor apurado, a fim de que os “haveres” sejam remetidos para a sucessão.
De toda sorte, a deliberação societária acerca do pagamento não é o foco do
juiz sucessório, pois o que interessa de fato para o inventário causa mortis, con-
soante bom diálogo do art. 599, inciso III, com o inciso II do § 1º do art. 620,
é a quantificação da expressão econômica das quotas societárias do falecido.
A ilustração acima indica que em alguns casos poderá a perícia ser até
desnecessária, na circunstância de que os dados sejam disponibilizados de
forma documentada e se verifique que o material trazido vincula o falecido
(por exemplo, todos os balanços usados estão assinados por este, sem nenhum
tipo de discordância37). De toda sorte, mesmo que seja hipótese de designação
de perito, o desenho bem feito no contrato social quanto aos critérios para a
apuração de haveres – mormente quando forem mais objetivos – diminuirá a
complexidade do trabalho do expert, de modo que a perícia será mais simples
(repercutindo até mesmo no seu custo).
Por outro giro, a falta de metodologia previamente modulada no con-
trato social, fará com que o juiz tenha que caminhar pela segunda parte do
art. 606, definindo os critérios de apuração, sendo que, em tal hipótese, a
perícia será inevitável e, muito provavelmente, mais complexa e conflituosa.
Nesse ponto, sem o risco de desviar-se do propósito deste trabalho, na
medida em que a quantificação dos haveres é ato primordial na apuração da
expressão econômica da herança, cabe traçar breves considerações acerca da
metodologia de cálculo, na hipótese em que sua determinação seja relegada
a ato judicial.
Consoante adrede mencionado, o citado art. 606 estabelece “como cri-
tério de apuração de haveres”, que o valor patrimonial seja apurado com base
em balanço de determinação – disposição esta que vai ao encontro da exegese

36 No ponto, vale conferir os comentários de: DELGADO, Mário Luiz. Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva,
2019. p. 711-714.
37 Vale lembrar que, segundo o entendimento sedimentado na Súmula nº 265 do STF: “Na apuração de haveres não
prevalece o balanço não aprovado pelo sócio falecido, excluído ou que se retirou”.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 – Doutrina
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do art. 1.031 do Código Civil38. No entanto, aferição um pouco mais técnica


nos permite inferir que a norma, embora pareça ter o propósito de dirimir a
controvérsia, não laborou com êxito nesse mister, na medida em que a con-
tabilidade nos ensina que balanço de determinação (ou o “balanço especial”,
que é o termo empregado pelo Código Civil) não é metodologia de cálculo,
mas, de forma diversa, é um instrumento de uma projeção, que simula como
seria a liquidação da sociedade, na hipótese de dissolução39.
Daí extrai-se que a norma legal, a despeito do que aparenta, não fixa a
criteriologia aplicável, não sendo suficiente, per se, na indicação de parâmetros
e referências necessárias para o cálculo do balanço especial de determinação.
A lacuna deixa margem para discussões que ecoam nos tribunais pátrios,
sendo que breve consulta demonstra a falta de tecnicidade no enfrentamento
da matéria, podendo-se colher, inclusive, no âmbito Superior Tribunal de
Justiça, decisões nos mais diversos sentidos. Embora se tenha, ainda que com
alguma dificuldade na homogeneização das decisões, a premissa de que deve
ser considerado o valor da universalidade do patrimônio, incluindo-se todos
os bens corpóreos e incorpóreos, ativos e passivos, a fim de que o quinhão do
sócio retirante represente, efetivamente, a participação que tinha na socieda-
de40, inclinam-se os tribunais, majoritariamente, pela adoção do critério do
Fluxo de Caixa Descontado41.
E, falando-se em jurisprudência vacilante, não se pode, nesse tema,
deixar de se abordar o posicionamento um tanto quanto questionável dos

38 “Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada
pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação
patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.”
39 “O BDP (Balanço Patrimonial de Determinação), em suma, é o instrumento de uma simulação, de uma projeção,
de uma estimativa. Ele estimula, projeta, estima como seria a liquidação da sociedade, caso se tratasse de dissolução
total, e não parcial. Na liquidação, todos os bens do ativo seriam vendidos e, após a cobrança de todos os devedores
da sociedade, seriam pagos os credores, partilhando-se, então, entre os sócios, o acervo remanescente. O BPD men-
sura quanto seria esse acervo remanescente (patrimônio líquido), caso acontecesse naquele momento, a dissolução
total da sociedade.” (COELHO, Fábio Ulhoa, apud ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção; TURANO, Allan
Nascimento. Resolução da sociedade limitada em relação a um sócio e a ação de dissolução parcial. Curitiba: Juruá, 2016. p.
86)
40 STJ, REsp 1.113.625/MG, 3ª Turma, DJ 03.09.2010.
41 Na linha: “A opção pelo método de Fluxo de Caixa Descontado é a mais justa para aferição do montante efetivo a que
tem direito o sócio retirante na dissolução parcial de uma sociedade limitada” (STJ, REsp 1.335.619/SP, 3ª Turma,
DJe 27.03.2015). Todavia, mais recentemente, o STJ proferiu a seguinte decisão: “(...) A metodologia do fluxo de
caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, utilizada comumente como ferramenta de
gestão para a tomada de decisões acerca de novos investimentos e negociações, por comportar relevante grau de
incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do
sócio dissidente. (...) A doutrina especializada, produzida já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, entende
que o critério legal (patrimonial) é o mais acertado e está mais afinado com o princípio da preservação da empresa,
ao passo que o econômico (do qual deflui a metodologia do fluxo de caixa descontado), além de inadequado para o
contexto da apuração de haveres, pode ensejar consequências perniciosas, tais como (i) desestímulo ao cumprimento
dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade
das empresas, e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado em detrimento daqueles que permanecem na
sociedade” (STJ, REsp 1.877.331/SP, 3ª Turma, DJe 14.05.2021).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 17

Tribunais Superiores a respeito da fixação de critérios para apuração de haveres.


Não obstante a questão pareça (e devesse ser) objetiva – isto é, existência ou
não de convenção contratual, para fins de se definir a metodologia aplicável –,
destaca-se a existência de uma terceira situação possível, criada pela jurispru-
dência, a partir de polêmico aresto do Superior Tribunal de Justiça42, segundo
o qual, não havendo acordo entre as partes interessadas quanto ao resultado
alcançado com a aplicação do critério contemplado no contrato social, este
não deve prevalecer, cedendo espaço para a discussão judicial, “a fim de que
seja determinada a melhor metodologia de liquidação, hipótese em que a
cláusula contratual somente será aplicada em relação ao modo de pagamento”.
Muito embora sejam louváveis os fundamentos que subsidiam a re-
ferida decisão, todos direcionados no sentido de assegurar ao sócio retirante
(no caso do presente estudo, aos herdeiros do sócio falecido) “a igualdade na
apuração de haveres, fazendo-se esta com a maior amplitude possível, com a
exata verificação, física e contábil, dos valores do ativo”, não se pode perder
de vista o atropelo aos princípios básicos e elementares que orientam a cons-
tituição e funcionamento das sociedades contratuais, que são a autonomia da
vontade e a força das suas estipulações, sendo impossível, assim, furtar-se da
crítica ao posicionamento dos Tribunais nesse particular43.
De todo modo, conquanto nos pareça inadequado conceber-se essa
terceira via, fica o registro acerca de sua existência, o que somente corrobora a
necessidade de que eventuais convenções contratuais se façam de forma muito
bem fundamentada, buscando evitar questionamentos futuros, para que se
possa tanto prestigiar a vontade dos sócios como desestimular desnecessários
e oportunistas desdobramentos processuais.

3.1.1 Apuração Interna ou Remessa às “Vias Ordinárias”


O quadro apresentado, além de revelar detalhes acerca da temática em
si, demonstra que a avaliação da participação societária nem sempre seguirá
o mesmo gabarito. Tal contexto faz como que seja necessário se examinar
no caso concreto a viabilidade (ou não) de que a apuração de haveres seja
desenvolvida dentro do inventário sucessório.
Fazendo um corte geral, afigura-se correto dizer que, se a questão
apenas envolve a análise de dados para que se alcance a expressão econômica
das quotas societárias, ainda que o exame pericial seja complexo, a apuração

42 Confira-se: “(...) na dissolução parcial de sociedade por quotas de responsabilidade limitada o critério previsto no
contrato social para a apuração dos haveres do sócio retirante somente prevalecerá se houver consenso entre as partes
quanto ao resultado alcançado” (STJ, REsp 1.335.619/SP, 3ª Turma, DJ 27.03.2015).
43 O tema será alvo de novo trabalho dos signatários do presente texto, com o seguinte título: Apuração de Haveres e a
Cláusula do “Faz de Conta”: Análise na Perspectiva do Direito Sucessório.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 – Doutrina
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deverá ser feita pelo juízo sucessório. De outra banda, quando o tema envolve
contexto de aguda litigiosidade, notadamente entre os sucessores do falecido
e os sócios remanescentes, com debates que extrapolam a própria apuração
dos haveres, a questão deverá ser definida em “ação autônoma”, a ser proposta
perante o juízo competente para enfrentamento da questão societária.
Infelizmente, a jurisprudência não firmou posicionamento claro sobre
o tema e, por vezes, confunde a previsão do inciso II do § 1º do art. 620 com
a própria ação de dissolução parcial de sociedade, projetando a concepção de
que o juízo sucessório – no bojo do inventário causa mortis – deliberará sobre
a resolução da sociedade. Na verdade, como já alertado, a interpretação do
dispositivo em destaque está vinculada ao papel das primeiras declarações
(arrecadação e avaliação de bens) e, no ponto, a comunicação exegética com o
art. 599, inciso III, aponta que a “apuração de haveres”, no particular, significa
a estimação da participação societária do falecido, providência necessária para
que as forças da herança sejam dimensionadas e, em sequência, se faça a sua
liquidação, com vistas à partilha (em caso de desfecho positivo).
Outro ponto que merece destaque está na redação do art. 612 do
CPC/201544, que necessita ser aplicada na sua extensão, pois o dispositivo
não pode ser visto como uma simples reprodução do art. 984 do CPC/7345.
Diferente do texto anterior, a técnica de remessa está mais restrita, somente
se aplicando se a questão envolver prova que não a documentada, diferente
da codificação revogada que permitia o envio para as “vias ordinárias” no caso
de o juízo sucessório enfrentar questão de “alta indagação”.
Ocorre que não se admite, a priori, a técnica de remessa em relação ao
inciso II do § 1º do art. 620, pois o dispositivo [semelhante ao que ocorre
com os arts. 63046 (avaliação por perito) e 62347 (livre prova no incidente de
remoção)] é uma exceção ao âmbito de aplicação do art. 612, pois o legislador
expressamente determinou a prova pericial para apurar a “expressão econômica
das quotas societárias”48. A se considerar essa perícia, pela simples natureza
da prova, como incompatível com o espectro cognitivo do inventário, estar-

44 “Art. 612. O juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento,
só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas.”
45 Assim previa o CPC/73: “Art. 984. O juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando
este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou
dependerem de outras provas”.
46 “Art. 630. Findo o prazo previsto no art. 627 sem impugnação ou decidida a impugnação que houver sido oposta, o
juiz nomeará, se for o caso, perito para avaliar os bens do espólio, se não houver na comarca avaliador judicial.”
47 “Art. 623. Requerida a remoção com fundamento em qualquer dos incisos do art. 622, será intimado o inventariante
para, no prazo de 15 (quinze) dias, defender-se e produzir provas.”
48 Parecendo concordar: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. Salvador:
Juspodivm, 2017. p. 1.064.
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 19

se-ia a ignorar toda a sistematização da matéria trazida pelo próprio legislador


processual, tornando-a letra morta.
Certamente, quando a pretensão dos interessados na herança transborde
a estimação valorativa das quotas societárias, pretendendo também que se ope-
rem os efeitos da resolução, o inventário sucessório não será o palco adequado.
No particular, merece realçar – mais uma vez – o fatiamento efetuado no art.
599, inciso III, do CPC em vigor, diferentemente do que estava disposto no
art. 668 do CPC/193949, permite que seja feita a apuração dos haveres sem
que se opere a resolução, cujos efeitos concretos ficarão reservados para outro
debate. Há de ser empregada, repita-se, interpretação adequada do inciso II
do § 1º do art. 620 com o art. 599, inciso III, em encaixe com a natureza das
primeiras declarações. Não se pode, contudo, simplesmente negar a presença
do art. 599, inciso III, ou lhe emprestar exegese rígida, destoando-se da essência
da codificação atual (que trabalha com atipicidade e flexibilidade de técnicas).
Sem rebuços, ocorrerão casos em que a avaliação das quotas societárias
poderá concretamente atrapalhar o ritmo do inventário causa mortis ou o seu
desfecho eminente, justificando o uso da técnica de remessa. Todavia, é fun-
damental entender que se trata de exceção e que o envio “às vias ordinárias”
não possuirá esteio no art. 612 do CPC/2015, mas na aferição de que o tema
merece ser levado para “sobrepartilha”, de modo que a justificativa restará
mais encaixada no texto do art. 2.021 do Código Civil50, no sentido de que
há uma “disputa sobre bem litigioso”.
O fato que ocasionará a remessa não é a necessidade de prova outra
que não a documentada, mas que há “pendência” sobre arrecadação de bem
(avaliação) que não se findou (ou que anuncia concretamente como bastante
morosa), razão pela qual deve o tema ser enviado excepcionalmente (e não como
regra) para debate externo, a fim de que a apuração não prejudique a cadência
do inventário causa mortis. O detalhe é importante, pois não se fará a remessa
externa quando ficar demonstrado que o atraso ao ritmo do inventário foi
causado por fator diverso da avaliação das quotas societárias (por exemplo,
complexo incidente de colação coacta – art. 641 do CPC51).

49 Assim previa o CPC/39: “Art. 668. Se a morte ou a retirada de qualquer dos sócios não causar a dissolução da socie-
dade, serão apurados exclusivamente os seus haveres, fazendo-se o pagamento pelo modo estabelecido no contrato
social, ou pelo convencionado, ou, ainda, pelo determinado na sentença”.
50 “Art. 2.021. Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do inventário, litigiosos, ou de liquidação
morosa ou difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos outros, reservando-se aqueles para uma ou mais
sobrepartilhas, sob a guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante, e consentimento da maioria dos
herdeiros.”
51 “Art. 641. Se o herdeiro negar o recebimento dos bens ou a obrigação de os conferir, o juiz, ouvidas as partes no
prazo comum de 15 (quinze) dias, decidirá à vista das alegações e das provas produzidas.”
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Como toda decisão que aplica a remessa externa, não poderá o juízo
sucessório decidir sobre a questão sem a prévia oitiva das partes interessadas,
pois estas poderão opinar acerca da melhor solução. A convocação judicial
das partes no sentido poderá estimular, inclusive, que seja construído negócio
jurídico processual envolvendo a temática. No ponto e dentro da dimensão
adequada de “vias ordinárias”, não se deve descartar a possibilidade de que
as partes possam convencionar que a apuração da “expressão econômica das
quotas societárias” se opere fora do inventário sucessório, o fazendo, por
exemplo, através de ação autônoma de provas (inclusive no juízo arbitral).

3.1.2 A Fase de Transição: Interpretação Adequada do Art. 1.027


do Código Civil
Por fim, enquanto não for feita a liquidação ou a partilha das quotas
deixadas pelo falecido, a sociedade empresarial estará vinculada com o espólio,
devendo repassar a divisão periódica dos lucros, consoante se extraí da parte
final do art. 1.027 do CC/0252.
Há de se observar, neste ponto, que o CPC/2015 deve ser interpretado
em consonância com o disposto no Código Civil, já que há aparente conflito
com o art. 1.027 da codificação de direito material. Isso, porque a legislação
codificada de 2002 prevê no citado dispositivo que “Os herdeiros do cônjuge
de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir
desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão
periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade”. A simbiose das regras
indica que os herdeiros terão (seja no ambiente do inventário ou após a par-
tilha, observando a titularidade respectiva) o direito a concorrerem à divisão
periódica dos lucros até a dissolução da pessoa jurídica, mas tal fato, a toda
evidência, não afasta o direito deles de postularem a apuração de haveres, para
efeito de dissolução parcial da sociedade em relação às quotas do sócio falecido.
E nem poderia, afinal, não seria razoável impor aos herdeiros, para
efetivo exercício dos direitos patrimoniais inerentes às quotas (notadamente,
a percepção de haveres), que aguardem a liquidação da sociedade, mas limitá-
los em relação à adoção das medidas necessárias para se alcançar tal resultado.
Seria como “postergar indefinidamente o exercício de um direito”53.

52 “Art. 1.027. Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir
desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide
a sociedade.”
53 No sentido, Paulo R. Colombo Arnoldi afirmou, por exemplo, que mesmo diante do art. 1.027 do Código Civil,
“se a sociedade não estiver auferindo lucro e persistir tal situação, poderá ser solicitada a sua liquidação parcial, para
a apuração de haveres, haja vista que, de outra forma, estaria a lei postergando indefinidamente o exercício de um
direito” (MACHADO, Costa; CHINELLATO, Silmara Juny [Org.]. Código Civil interpretado. São Paulo: Manole,
2008. p. 729).
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 21

Em suma, o disposto no art. 1.027 do Código Civil deve ser lido de


forma restritiva, no sentido de que os herdeiros não podem adjudicar as quotas
para exercer, em substituição, a posição do sócio falecido, pois tal procedimen-
to, como já demonstrado, é contrário à noção de affectio societatis. Todavia, não
se deve efetuar interpretação que vede que os herdeiros postulem a apuração
de haveres, visando à dissolução parcial, sob pena de esvaziar – ao menos em
grande monta – o poder de disposição acerca das quotas sociais54.
Caberá ao inventariante diligenciar no sentido, sendo intuitiva também
que a administração transitória sobre as quotas fique concentrada na sua esfera
de atuação55. Nada obsta, contudo, que as partes possam deliberar e – por
consenso – nomeiem representante outro que não o inventariante para gerir
as quotas societárias, representação esta que alcança a participação efetiva na
empresa até que se opere a liquidação ou a partilha das quotas.

Considerações Finais
O falecimento do empresário é fato que grande repercussão gera em sua
respectiva atividade empresarial, seja quando a desenvolve individualmente,
como único titular de sua empresa, quando se procederá, em regra, à extinção
da atividade negocial e a estimação de seu patrimônio por meio de balanço,
passando o saldo a compor a herança do de cujus e, nessa toada, transmitindo-
se aos seus herdeiros e/ou legatários; seja quando o faz por meio de socie-
dade organizada, na qualidade de sócio, quando, salvo disposição diversa no
contrato social, preserva-se a empresa e transmitem-se a seus herdeiros os
efeitos patrimoniais das quotas, sendo necessário procedimento próprio para
apuração da expressão econômica de sua participação societária.
Fato é que a matéria, embora de extrema relevância e recorrência, não
encontra um tratamento legislativo exaustivo, sendo necessário, sobretudo
diante de jurisprudência por vezes vacilante, lançar foco sobre a exegese do
art. 620, § 1º, do CPC, para que, a partir de um esforço interpretativo sistêmi-
co, se possa identificar todas as nuances que permitam uma boa aplicação da
exegese legal, em perfeito equilíbrio entre as normas processuais pertinentes
ao inventário e àquelas próprias do procedimento societário.

54 No tema, confira-se: MAZZEI, Rodrigo; GONÇALVES, Tiago Figueiredo. A dissolução parcial da sociedade no
Código de Processo Civil de 2015: pretensões veiculáveis, sociedades alcançadas e legitimidade. In: LUCON, Paulo
Henrique dos Santos et al. (Org.). Processo civil contemporâneo: homenagem aos 80 anos do professor Humberto
Theodoro Júnior. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 518-519.
55 No sentido: STJ, REsp 1.422.934/RJ, 3ª Turma, DJe 25.11.2014; REsp 274.607/SP, 3ª Turma, DJ 14.03.05; AgRg no
Ag 65.398/RJ, 3ª Turma, DJ 05.02.96.
Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 – Doutrina
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Em breves conclusões, as posições que se afiguram como mais adequa-


das ao § 1º do art. 620 são as seguintes:
(a) As hipóteses dos incisos I e II do dispositivo em foco não se con-
fundem, pois a primeira badeja trata do “autor da herança” como “empresário
individual”, ao passo que a segunda gaveta trabalha com a dimensão do falecido
como “sócio de sociedade” (sentido amplo).
(b) Quando o falecido era “empresário individual”, providenciado o
balanço do estabelecimento e apurando-se resultado patrimonial positivo, os
bens correspondentes serão enviados para a própria herança.
(c) Em se tratando de autor da herança que era “sócio de sociedade”, a
regra será a quantificação econômica da sua participação societária. No ponto,
é necessária a comunicação do art. 620, § 1º, inciso II, com o art. 599, inciso
III, de modo que internamente ao inventário causa mortis deverá ser feita a
avaliação da expressão econômica das quotas da sociedade.
(d) É irrelevante que a avaliação seja complexa, ensejando prova pe-
ricial no sentido, pois o art. 620, § 1º, do CPC é uma exceção ao art. 612 do
CPC/2015.
(e) Se, no curso da estimação do valor patrimonial das quotas, surjam
conflitos que fujam ao foco da apuração técnica (por exemplo, arguição de
nulidade da cláusula que fixou os critérios por vício de vontade do falecido),
o caminho adequado será a análise do tema nas “vias ordinárias”.
(f) As controvérsias que transbordem a avaliação (por exemplo, disso-
lução da sociedade ou permanência compulsória dos sucessores na sociedade)
não possuem ambiência interna para debate inventário causa mortis.
(g) Em caso de consenso geral, os efeitos da retirada do falecido da
“sociedade não anônima” (em sua correta exegese) poderão ser efetuados no
inventário causa mortis (por exemplo, o pagamento poderá ser feito no bojo
do processo sucessório).
(h) Toda e qualquer decisão judicial que determine a remessa externa
deverá ser precedida de oitiva das partes, admitindo-se convenções processuais
acerca do envio “às vias ordinárias”.
Ainda, em arremate, exsurge do presente artigo não só um esboço de
sistematização do procedimento de apuração da expressão econômica da he-
rança, mas também, em espectro mais amplo, a relevância da compreensão das
normas jurídicas em mote, assim como, principalmente, de prévia e orientada
organização e planejamento sucessório e empresarial de qualidade, para con-
templar regras específicas já desde a constituição da sociedade, visando blindar
Doutrina – Revista Nacional de Direito de Família e Sucessões Nº 42 – Maio-Jun/2021 23

o negócio de possíveis incertezas e discussões decorrentes do evento morte,


assim como, por outro lado, proteger os interesses dos herdeiros daquele que,
enquanto em vida, dedicou-se à prosperidade do negócio.

TITLE: The establishment balance and the determination of assets in the causa mortis inventory: need for
adequate interpretation of article 620, § 1, of the Code of Civil Procedure.

ABSTRACT: The present article has the purpose of evaluate the effects of the right of survivorship at
the business activity point of view, approaching the legal developments and categorizing the procedures
to achieve this objective. It will be shown the contact points and differences between the treatment of
the passing of an individual business man from whom performs activity as a contractual society partner.
Following, the legal norm (especially the article 620, paragraph 1st, of the Code of Civil Procedure) will
be analyzed on a dynamic view and compatibility with a business law nowadays. Finally, properly ad-
dressed the most relevant points of the theme, it will be proposed the appropriate procedure for the value
calculation of the equity interest as inheritance, which thus allows the correct and balanced application
of procedural and corporate rules.

KEYWORDS: Probate Process. Business Activity. Individual Business Man. Partner. Contractual Society
Partnership. Equity. Economic Expression. Determination of Assets. Procedure.

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Recebido em: 07.06.2021


Aprovado em: 25.06.2021

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