Sociedade e Contemporaneidade

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SOCIEDADE E CONTEMPORANEIDADE

Conselho Editorial EAD


André Cezar (Coordenador)
Dóris Cristina Gedrat
Thomas Heimman
Mara Salazar Machado
Andréa de Azevedo Eick
Astomiro Romais

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.


Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a
emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por
qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora
da ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº .610/98
e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S678 Sociedade e contemporaneidade / Ana Regina Falkembach Simão... [et al.]. -


Canoas: Ed. ULBRA, 2013.
146p.

1. Sociedade. 2. Contemporaneidade. 3. Era digital. I. Simão, Ana Regina


Falkembach. II. Arruda, Arlete Aparecida de. III. Santos, Everton Rodrigo.
IV. Almeida Neto, Honor de. V. Desaulniers, Julieta Beatriz Ramos. VI. Moura,
Paulo Gabriel Martins de. VII. Nery, Maria Clara Ramos.

CDU: 304

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas

ISBN 978-85-7528-483-4
Editoração: Roseli Menzen
Supervisão de Impressão Gráfica: Edison Wolf
Gráfica da ULBRA

Dados técnicos do livro


Fontes: Palatino Linotype, Franklin Gothic Demi Cond
Papel: offset 75g (miolo) e supremo 240g (capa)
Medidas: 15x22cm
APRESENTAÇÃO

No Brasil, quem decide ser um profissional ou empreendedor com formação em


nível superior revela diversas expectativas. Quer que seu currículo seja considerado
diferenciado em meio a inúmeros outros currículos profissionais. Quer ter maior
satisfação em seu trabalho ou empreendimento. Quer ganhar mais, seja como
assalariado, seja como empresário. Quer pautar seu exercício profissional por
maior qualificação em termos de conhecimento e prática, tornando-se com isso
um agente de transformação social, política, econômica e cultural. Quer tornar-se
um formador de opinião. Sem dúvida alguma, é muito provável que estas e outras
expectativas sejam alcançadas. De modo sistemático, estudos e análises revelam que
profissionais com formação em nível superior têm grandes vantagens e destaque
na sociedade, no ambiente empreendedor e no mercado de trabalho no Brasil.
Os cursos de graduação da ULBRA são projetados tendo por referência tais
expectativas e querem acompanhar os estudantes que neles ingressam para que elas
sejam alcançadas. São quatro as diretrizes fundamentais propostas pelos cursos:
1) Intermediar conhecimento atualizado, pertinente à área profissional e pautado
permanentemente por inovação;
2) Mover os estudantes a cultivarem de modo intensivo sua formação pessoal
(valores, princípios, caráter, hábitos e referências éticas);
3) Avaliar incessantemente seus conteúdos, práticas e formas sob o critério da
empregabilidade de seus egressos;
4) Valorizar o empreendedorismo, ou seja, estabelecer em todos os âmbitos do
curso e da universidade as condições para que os acadêmicos estejam imersos
em uma cultura empreendedora e desenvolvam ou aperfeiçoem sua consciência
empreendedora.
A disciplina Sociedade e Contemporaneidade está entre as que de forma
mais direta interpelam estudantes e professores em relação a essas diretrizes
fundamentais. Independente do curso de graduação em questão, é essencial que
todos os envolvidos – estudantes, docentes e equipes administrativas de suporte
ao ensino – estejam referenciados em dois trilhos que correm paralelamente de
modo indissociado, orientando o processo de formação como um todo: o projeto
pedagógico do curso, com sua matriz curricular e todos os demais elementos que
o compõem e a carreira profissional a ser construída. Nesta disciplina, abre-se
concretamente a possibilidade de compreender, no contexto social, seja no mais
próximo ou naquele mais amplo, levando em conta suas múltiplas facetas, as
consequências e possibilidades para quem decidiu fazer um curso superior e
construir uma carreira profissional diferenciada no mercado de trabalho e no
ambiente empresarial.
Os conteúdos a seguir, cuidadosamente redigidos e sistematizados por professores
de alta qualificação e experiência, serão, por vezes, considerados desafiadores e
complexos quanto à sua compreensão.
O foco permanente na carreira que se está desenvolvendo, justamente por isso,
será um grande auxílio a iluminar os passos de cada estudante em seu progresso
e descobertas.

Prof. Dr. Ricardo Willy Rieth


Pró-reitor de Graduação
Universidade Luterana do Brasil
SOBRE OS AUTORES

Ana Regina Falkembach Simão

É graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul


(PUCRS) (1986), mestrado em História pela PUCRS (1993), com ênfase em Brasil, e
doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
(2005), com pesquisa na área de Integração Regional (MERCOSUL). É professora
adjunta do curso de Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda
e Marketing (ESPM-SUL) e na Universidade Luterana do Brasil. É pesquisadora
do Observatório Internacional de Cidades da Periferia (ULBRA) e do Núcleo de
Estudo e Pesquisa em Relações Internacionais da ESPM-SUL (NEPRI). Desenvolve
pesquisa na área de Política Externa Brasileira e Teoria das Relações Internacionais.
É editora da Século XXI, Revista de Relações Internacionais – ESPM/SUL.

Arlete Aparecida de Arruda

É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do


Planalto Catarinense (Uniplac) (1975), mestrado em Antropologia, Política e
Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (1983) e
doutorado em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (Unisinos) (2010). Atualmente, é professora/pesquisadora da Universidade
Luterana do Brasil (ULBRA/Canoas), atuando principalmente nos seguintes temas:
prevenção coletiva, riscos socioambientais, riscos urbanos, gestão pública urbana,
pensamento político brasileiro, política latino-americana, desastres naturais,
planejamento urbano, participação política e projetos em políticas públicas.

Everton Rodrigo Santos

É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do


Rio dos Sinos (UNISINOS) (1992), mestre (1996) doutor (2005) e pós-doutor (2012-
2013) em Ciência Política pela UFRGS. É consultor e avaliador da Capes, professor
e pesquisador da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e da Universidade
6

Feevale, atuando na graduação e pós-graduação stricto sensu. Como pesquisador é


ULBRA – Educação a Distância

vinculado ao Grupo de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Sustentável na


América Latina da UFRGS, ao Grupo Metropolização e Desenvolvimento Regional
da Feevale e ao Grupo Sociedade Informacional, Individualidades, Políticas Sociais
da ULBRA. Também integra a Associação Latino-Americana de Ciência Política
(Alacip) e a International Political Science Association (IPSA). Trabalha na área das
Ciências Sociais e interdisciplinar, tendo publicado inúmeros artigos, capítulos de
livros e livros. Tem como suas principais preocupações a temática da democracia,
da cultura política, do capital social e das políticas públicas.

Honor de Almeida Neto

É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais e bacharelado pela PUCRS


(1995), tem mestrado (1999) e doutorado em Serviço Social pela PUCRS (2004).
Atualmente, é coordenador do curso de Ciência Política presencial e do CST
em Gestão Pública na modalidade EAD da Universidade Luterana do Brasil
(ULBRA/Canoas). É professor titular no curso de graduação em Ciência Política
e Gestão Pública EAD, e em cursos de especialização na modalidade presencial e
em EAD. Orienta monografias de graduação e pós-graduação. Pesquisador com
experiência na área das Ciências Humanas com ênfase na análise de processos de
formação da Criança e do Adolescente e do impacto das NTIC na qualidade das
relações humanas e sociais. Integra o Grupo de Pesquisa Sociedade Informacional,
Individualidades, Políticas Sociais da ULBRA e o Grupo de Pesquisa Educação
Social e Transversalidade. Participa do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho
Infantil (RS) e atua na defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes.

Julieta Beatriz Ramos Desaulniers

É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Unisinos (1973). Mestre


em Sociologia pela UFRGS (1984) e doutora em Ciências Humanas – Educação, pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Sorbonne/Paris (bolsa-sanduíche de
um (01) ano). Publicou dezenas de artigos em periódicos especializados e trabalhos
científicos em Anais, assim como livros e inúmeros capítulos em coletâneas. Quanto
à sua produção técnica, constam mais de 150 itens. Procura realizar estágios de
curta duração associados à participação em eventos na sua área de trabalho e,
assim, reforçar intercâmbios já existentes com pesquisadores de/em vários países
(Canadá, França, Espanha, Costa Rica, Portugal, Holanda, Alemanha, Bélgica,
Venezuela, Colômbia, Chile, Itália). Suas pesquisas concentram-se em Ciências
Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, que se constroem especialmente através
de orientações de projetos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de
curso, dissertações e teses. Nos últimos anos, coordenou inúmeros Projetos de
7

Pesquisa, interagindo com múltiplos pesquisadores, com uma produção científica

ULBRA – Educação a Distância


importante em coautoria. Desde 2006, integra o Banco de Avaliadores – de cursos,
de IES e de EAD –, vinculado ao Instituto Nacional de Ensino Superior (Inep). No
âmbito de assessoria e consultoria, atua em organizações sociais, privilegiando
a perspectiva transdisciplinar, independentemente de processo (diagnóstico,
monitoramento e avaliação), temática e\ou área do conhecimento (gestão
estratégica de competências, formação de individualidades, tecnologias relacionais
(TRs), inteligência coletiva, responsabilidade social, sustentabilidade, etc.), a serem
desenvolvidos e/ou implantados.

Paulo Gabriel Martins de Moura

É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais (1992), mestre em Ciência


Política pela UFRGS (1998); doutor em Comunicação Social pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (2004) e especialista em
Educação à Distância pelo Senac/RS (2009). Atualmente, é diretor-presidente
da PGM Editora e Consultoria em Comunicação e Análise Política e professor
Adjunto com Doutorado da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Na
ULBRA ministra as disciplinas de Ciência Política; Marketing Político e Pesquisa
de Opinião. Atua na área de Ciência Política com ênfase em Estudos Eleitorais e
Partidos Políticos e na Área de Comunicação Política e Marketing Político. Possui
vários livros publicados, além de artigos acadêmicos e na imprensa. Edita o blog
ProfessorPaulomoura.blogspot.com.br. Em seu currículo lattes os termos mais
freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-
cultural são: Análise Política, Comportamento Político, Eleições, Marketing Político,
Corrupção, Comunicação Política e Política Econômica. Em maio de 2009, assumiu
a coordenação do curso de Ciências Sociais EAD da Ulbra.

Maria Clara Ramos Nery

É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do


Rio dos Sinos (Unisinos) (1987), bacharelado em Ciências Sociais pela Unisinos (1987);
especialização em Educação Popular, pela Unisinos; mestrado em Sociologia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2002) e doutorado em Ciências
Sociais pela Unisinos (2011). Atualmente, é professora da ULBRA. Tem experiência na
área de Sociologia, envolvendo também Sociologia da Religião; é membro do grupo
de pesquisa de Ciências da Religião, cadastrado no CNPQ, da ULBRA; foi membro
do grupo de pesquisa Religião e Sociedade da Unisinos; foi membro do NER (Núcleo
de Estudos da Religião), do Programa de Pós-Graduação de Antropologia Social da
UFRGS; foi professora substituta na área de Sociologia da Universidade Federal das
Ciências da Saúde e tem experiência docente na área de Sociologia, atuando atualmente
nos cursos de Pedagogia e Ciências Sociais, da ULBRA.
SUMÁRIO

1 PILARES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ..............................................................11


1.1 Sociedade pós-industrial ...................................................................................12
1.2 A questão do consumo .......................................................................................13
1.3 A informação e a comunicação ...........................................................................14
1.4 A globalização ...................................................................................................14
1.5 O ambiente cultural – o sujeito contemporâneo ...................................................15
1.6 A sociedade de consumo – indústria do entretenimento .......................................16
1.7 O Estado na contemporaneidade .......................................................................20
2 REDES SOCIAIS NA ERA DIGITAL...............................................................................23
2.1 A tecnologia mudando a vida de cada um e de todos ............................................24
2.2 Trabalho e consumo na sociedade-rede...............................................................26
2.3 Comportamento social na sociedade-rede ..........................................................26
2.4 O poder do conhecimento na sociedade-rede ......................................................27
2.5 Mudança cultural e mudança social da sociedade-rede .......................................29
2.6 Mudança política na sociedade-rede ..................................................................30
2.7 Poder simbólico na sociedade-rede ....................................................................30
3 NOVAS IDENTIDADES EM UMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO ..............................37
3.1 Indivíduo, individualidades, individualização .......................................................38
3.2 Identidades: uma categoria, várias abordagens ..................................................41
4 JOGO DE ESPELHOS: A CRISE DAS IDENTIDADES SOCIAIS NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA ...................................................................................................45
4.1 De que cultura estamos falando? .......................................................................45
4.2 O que se entende por “crise das identidades sociais contemporâneas ..................47
4.3 Sujeitos sociais modernos e contemporâneos .....................................................47
4.4 A crise das identidades nacionais .......................................................................50
4.5 Avanços ou retrocessos?....................................................................................51
4.6 As três tendências .............................................................................................52
5 EDUCAÇÃO NA ERA DIGITAL .....................................................................................55
5.1 Era digital: pressupostos e possibilidades ..........................................................56
5.2 Sistema educativo e novas mediações ................................................................58
5.3 Impacto das novas mediações ao campo educativo .............................................60
6 FRONTEIRAS DA TOLERÂNCIA: ETNICIDADE, GÊNERO E RELIGIÃO ..............................65
6.1 Fronteiras da tolerância étnica...........................................................................66
6.2 Fronteiras da tolerância de gênero ....................................................................70
6.3 Fronteiras da tolerância religiosa .......................................................................75
7 TRABALHO E EMPREGO NO MUNDO DAS NOVAS TECNOLOGIAS ..................................81
7.1 A economia do conhecimento .............................................................................82
7.2 Empregabilidade na era da economia do conhecimento .......................................87
7.3 Planejamento e gestão de carreira – o profissional do século XXI ..........................92
8 OS NOVOS POLOS DE PODER E A ORDEM MUNDIAL CONTEMPORÂNEA .....................101
8.1 O que mudou? Sobre blocos e agrupamentos.....................................................102
9 ORGANIZAÇÕES E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL NO MUNDO
CONTEMPORÂNEO.................................................................................................117
9.1 O poder nas sociedades antigas .......................................................................118
9.2 O poder na sociedade moderna ........................................................................118
9.3 A lógica do sistema..........................................................................................120
9.4 A crise das instituições da era moderna ............................................................123
9.5 A emergência de um novo sistema ....................................................................124
10 MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE...................................................................129
10.1 Justiça socioambiental X O precificar a natureza ............................................131
10.2 Os principais impactos trazidos pela sustentabilidade .....................................133
10.3 Economia verde: mais inclusão social, menos impacto ambiental .....................134
10.4 O preço da preservação..................................................................................136
10.5 Rousseau e o futuro que queremos .................................................................137
10.6 Que ações serão desenvolvidas como prioritárias, após a Rio+20? ...................138
10.7 As políticas e as leis ambientais .....................................................................142
1
PILARES DA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA

Maria Clara Ramos Nery

Introdução
O presente capítulo abordará os pilares da sociedade contemporânea, envolvendo
os aspectos que são característicos das transformações ocorridas em nossa realidade
histórica, na medida em que estas transformações instauraram novas estruturas
e influenciaram drasticamente a vida do homem no mundo. Não podemos
pensar a vida contemporânea alijada dos pilares que constituíram, demarcaram
e reconfiguram a realidade social, econômica, política e cultural do homem
contemporâneo. Para tanto, nosso primeiro enfoque recai sobre a sociedade pós-
industrial, em uma visão retrospectiva, para que possamos compreender a própria
dimensão do conceito “pós-industrial”. O segundo enfoque recai sobre a questão
do consumo, na medida em que este se configura como consequência da sociedade
pós-industrial, não somente o consumo em si mesmo, mas o elevado consumo a
dirigir a vida de indivíduos e grupos.
O terceiro enfoque recai sobre a informação e a comunicação, porque, partindo
destas, podemos compreender o que se denomina de “espírito de época”, pois
cada contexto histórico constitui formas específicas de manejo da informação e
da comunicação. O quarto enfoque recai sobre a globalização, na medida em que
na contemporaneidade estamos convivendo com as consequências mesmas do
processo de globalização ocorrido a partir do século passado (século XX). No quinto
enfoque trabalhamos com o ambiente cultural no sentido de demonstrarmos as
novas sociabilidades que surgem a partir dos contextos social, histórico, econômico
e cultural. No sexto enfoque trabalhamos a sociedade de consumo, através da
indústria do entretenimento e da influência da publicidade na busca de manutenção
de elevando consumo por parte de indivíduos e grupos na atualidade e, por fim,
12

trabalhamos a questão do Estado na contemporaneidade, na medida em que não


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podemos mais compreender esta instituição centralizadora das relações de poder


presentes nas sociedades da mesma forma que a compreendíamos no século
passado. Buscamos sinalizar algumas de suas mudanças básicas.

1.1 Sociedade pós-industrial


Refletirmos acerca dos pilares da sociedade contemporânea envolve fazermos uma
breve retrospectiva sobre o conceito de sociedade pós-industrial. Este conceito
surgirá na década de 60 e no início dos anos 70, quando vários sociólogos buscaram
refletir sobre a sociedade pós-industrial e formularam uma interpretação acerca
deste período. A partir das constatações dos sociólogos dos períodos citados houve
a busca de desenvolver uma teoria da sociedade pós-industrial. Por que podemos
dizer pós-industrial? Devemos considerar que o período do industrialismo estava
pleno de dificuldades e apresentando inúmeras contradições que originaram novas
concepções do que se pode compreender por sociedade industrial. O industrialismo,
pelo que estava a apresentar, não poderia mais responder aos determinantes
da sociedade capitalista em seu desenvolvimento no processo das relações
de produção. Estavam a ocorrer inúmeras mudanças no que se compreendia
anteriormente por fase industrial.
Estas mudanças são atinentes à concentração de massas, ao predomínio dos
trabalhadores na indústria, às descobertas de caráter científico em favor do processo
produtivo, à intensa divisão social do trabalho, que estava a requerer cada vez
mais trabalhadores especializados, também a própria separação entre o lugar
em que se vive e o lugar de trabalho, onde cada vez mais foram sendo criadas
as chamadas “cidades-dormitório”. Com o aumento significativo da produção
em massa e consequente exacerbação do consumo, a mulher cada vez mais se
destacando no mercado de trabalho e, por consequência, no contexto social, a
intensificação da tecnologia como forma de dirimir a fadiga física do trabalhador
e um processo que se pode denominar de “deteriorização intelectual”. A lógica
da produção mecanizada e intensificada pela tecnologia favorece também a busca
da informação fácil e imediata que começa a se delinear pela intensificação da
mídia, enquanto forma de estabelecer as demonstrações dos produtos e favorecer
o consumo imediato de bens de consumo materiais e simbólicos.
A sociedade industrial, que sucedeu a sociedade rural, é agora, num processo
de transformação histórica, superada pela sociedade pós-industrial. Devemos
considerar que as transformações ocorridas no sistema informacional que
envolveu novas tecnologias, notadamente no campo da comunicação, colocaram
o industrialismo em pleno declínio, surgindo então a sociedade pós-industrial.
Esta se caracteriza por ser a sociedade da informação, para a qual o conhecimento
significa a grande riqueza a ser conquistada, na medida em que se constitui agora
13

enquanto valor, valor de uso e valor de troca. Esta é uma transformação marcante no

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contexto da sociedade da informação, no contexto mesmo do que podemos conceber
enquanto o império da informação e, repetimos, do conhecimento enquanto valor.
Como sinal dos novos tempos, Bauman (2001), em sua obra Modernidade líquida,
afirma que o capital é um viajante leve que possui apenas uma bagagem de mão,
que envolve uma pasta, um telefone celular e um computador portátil. Dessa
forma, podemos compreender a dimensão da sociedade da informação, ou seja,
seu campo de abrangência.
Devemos considerar o fato de que no âmbito da sociedade capitalista, que tem
na oferta e na procura o seu pilar, no âmbito da sociedade da informação que se
instaura. Há a intensificação deste binômio, no sentido de seu predomínio, para
a fluidez das relações de produção da sociedade capitalista, agora alicerçado na
informação de caráter midiático e tecnológico, considerando-se o surgimento da
internet, marcando-se também o surgimento do mundo virtual.
Uma característica marcante da sociedade pós-industrial se encontra no fato da
descentralização, da pulverização de centros, estabelecendo-se novas formas de
sociabilidade, na medida mesma em que não há mais a prevalência de um sujeito
antagônico privilegiado. Porque não possuímos mais os indivíduos nos lugares por
eles ocupados no contexto das relações de produção, mas em termos das relações
de gênero, da concepção de natureza, da concepção acerca do mundo e do homem,
por exemplo. Novas sociabilidades estas que se instauraram a partir do predomínio
da internet, do avanço exacerbado dos dispositivos de comunicação móvel, que
reconfigurou até mesmo nossa concepção anterior de privacidade.

1.2 A questão do consumo


Devemos também considerar, no âmbito da sociedade pós-industrial, a questão
do consumo, melhor dizendo, da intensificação do consumo, pois a mercadoria
torna-se agora o essencial centro das práticas cotidianas. Invade o cotidiano através
das estratégias de mídia levando à intensificação do consumo de bens materiais
e simbólicos como elemento constituinte da vida do homem contemporâneo,
tornando indivíduos e grupos aderentes às regras do consumo. Neste sentido, há
também a intensificação da lógica atinente ao capitalismo de que todo o produto
é vendável e visa ser efetivamente consumido. Ora, esta lógica atinente ao modo
capitalista de produção, no contexto da contemporaneidade, envolve a satisfação
de desejos que devem ser devidamente satisfeitos.
Neste sentido, o que podemos dizer é que o valor a ser pago depende diretamente
da confiabilidade da promessa de satisfação e intensidade dos desejos. Quando há
o desejo, há consequentemente o objeto de desejo, como traço estrutural marcante
da relação entre consumidores e objetos de consumo. Este fato altera drasticamente
14

o mundo produtivo. Essa alteração do mundo produtivo transforma a sociedade


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contemporânea na sociedade da informação, que por sua vez caracteriza a


sociedade atual como a sociedade da comunicação e também do que na atualidade
se denomina de mundo virtual.

1.3 A informação e a comunicação


A informação e a comunicação consistem, em nossa compreensão, nos fundamentais
pilares da sociedade contemporânea, na medida em que estabelecem alterações
profundas no que concerne às sociabilidades em seus diversos campos e matizes.
Há novas formas de sociabilidades que se instauram a partir do predomínio da
informação e da comunicação. Mas convém destacar que esta nova forma de ser
coletiva surge a partir de profundas alterações nas estruturas sociais, políticas,
econômicas e culturais, pois as estruturas transformadas transformam realidades
individuais e coletivas e estabelecem específicos repertórios de ações individuais
e coletivas, que marcam e demarcam o que podemos denominar de “espírito de
época”, no qual se encontram novos paradigmas sociais.

1.4 A globalização
Torna-se também significativo, dentro dos limites do presente capítulo, compreender
a influência da globalização nesta nova configuração social e produtiva que
experienciamos na contemporaneidade. A globalização envolveu a constituição
desta sociedade da informação, da comunicação, na medida em que a partir dela
encontraram-se eliminados os centros, as fronteiras entre países e reconfigurada
a concepção de identidade nacional, na medida em que esta se torna desintegrada
enquanto resultado do processo de homogeneização cultural do “pós-moderno”
global (HALL, 1998).
Deve-se também destacar que estamos vivenciando a resistência à globalização
pelo reforço de identidades locais, bem como o surgimento de novas identidades
híbridas, que estão paulatinamente tomando o lugar das anteriores identidades
nacionais. Segundo Canclini (2001), as identidades estruturam-se pela lógica
dos mercados, estruturam-se pela produção industrial da cultura, pela sua
comunicação tecnológica e pelo consumo diferido e segmentação de bens,
pois devemos compreender que o que temos na contemporaneidade são
expressões transterritoriais e multilinguísticas que são perpassadas pelo aspecto
comunicacional.
Neste sentido, segundo Esperândio (2007), a globalização na contemporaneidade
envolve a ideia de abertura, mesmo que assimétrica de territórios/espaços, bem
como tem a ver com a não separação de mundos, com o processo de expansão
da produção e circulação do conhecimento, o processo de abertura de territórios
15

nacionais e subjetivos. Envolve ainda o que a autora denomina de não separação

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dos tempos: de trabalho e de não trabalho, no sentido de vida retribuída e vida
não retribuída.
A globalização envolve o aberto enquanto modo de vida, pois tudo se encontra
publicado na rede, onde encontramos um ambiente não definido. Segundo Bauman
(2001), o que passa a ocorrer é uma redefinição da esfera pública, enquanto
palco de um grande teatro em que dramas privados se encontram encenados,
publicamente expostos e também publicamente assistidos. Para Bauman (2001),
há uma ressignificação da definição de “interesse público”, que é promovida
pela mídia e amplamente aceita pela sociedade em todos os seus setores, sendo
o dever de encenar tais dramas particulares em público e o direito do público
de efetivamente assistir à encenação. Ora, sendo assim, o que percebemos como
questões públicas, são ressignificadas na atualidade enquanto problemas privados
de figuras públicas.

1.5 O ambiente cultural – o sujeito contemporâneo


Não há no contexto das sociedades contemporâneas, por parte de indivíduos e
grupos, a crença nas metanarrativas, essencialmente no contexto do ambiente
cultural, com a formação de leis de caráter universal, mas sim há agora a presença
da articulação de propostas que conjuntamente passam a constituir um modelo
de trabalho adequado a uma situação empiricamente verificável (GADEA, 2007).
Podemos perguntar: há um certo retorno a uma concepção mais pragmática
do mundo, alicerçada nas necessidades mais urgentes de indivíduos e grupos?
Devemos compreender que na contemporaneidade o processo de constituição
das subjetividades estabelece uma redefinição crítica do que foi a sociedade do
século passado, século XX, e nunca um retorno nostálgico (GADEA, 2007), mas,
se consideramos os próprios determinantes de um consumo imediato, pode se
constituir enquanto uma concepção mais pragmática do mundo e do homem,
pois se origina uma nova forma de construção das identidades, destinada ao
atendimento de impasses de caráter pessoal e não social, coletivo.
As referências de que dispunham os sujeitos no contexto das sociedades modernas,
através da racionalidade que acompanhava a modernidade, caíram por terra, e
agora o sujeito da sociedade contemporânea encontra-se entregue a si mesmo.
Sem os aportes necessários ao desenvolvimento de uma concepção de homem e de
mundo que se paute pelo coletivo, mas por uma busca individualista pela resolução
de problemas urgentes da vida pessoal. Daí também o processo de privatização das
instituições, das crenças e dos valores que marcam nossa sociedade. Pois a realidade
cotidiana atravessa o processo de individualização, ainda mais quando estamos
falando, e devemos falar, de uma sociedade que se pauta pelo elevado consumo e
16

pela fugacidade da informação, originando uma “subjetividade flexível”, da qual


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nos falará Esperândio (2007).


Há uma nova forma de encarar o afetivo, o emocional, que gera por parte de
indivíduos e grupos nova forma de concepção do contexto social vivenciado,
com suas instituições, normas, regras e relações de poder, estabelecendo-se, como
não poderia deixar de ser, um espaço de tensão entre os determinantes sociais
institucionais e o império das vontades.
A busca pelo sentido de existência no âmbito das sociedades contemporâneas,
calcado na individualização, na privatização do público, envolve outro aspecto
que consideramos significativo abordar, enquanto traço estrutural marcante
destas sociedades, que é a deserção social. Este processo marca a desmobilização
e também a despolitização de indivíduos e grupos, na medida em que este pode
ser considerado como um traço característico típico do neoindividualismo que
estamos a experienciar em nossa contemporaneidade. Evidentemente, este
processo se instaura pela ausência de uma ideologia clara a “ditar” os caminhos
para indivíduos e grupos, mas ideologias claras não pertencem à estrutura das
sociedades contemporâneas.
Há e não há fronteiras em termos políticos, em termos de uma geopolítica, na
medida em que se constitui a autoconsciência na ausência dos limites dos contornos
culturais e sociais, uma vez que todo o processo envolve a vida nas sociedades
atuais no contexto da impermanência das coisas (VATTIMO, 2007). Este mesmo
processo de impermanência que se encontra presente nos leva para longe do
controle e do autodomínio, porque nos encontramos submersos num campo de
ação que desenvolve subjetividades de massas, as quais, por sua vez, possuem como
alicerce a fragmentação do eu (MAFESSOLI, 2004). Fronteiras e não fronteiras se
misturam diante do processo de fragmentação do eu, e todo esse processo origina-
se enquanto característica típica do sujeito contemporâneo.

1.6 A sociedade de consumo – indústria do entretenimento


Neste momento, consideramos necessário trabalharmos alguns elementos da
sociedade de consumo. Na contemporaneidade, podemos dizer, sociedade de
elevado consumo. A sociedade de consumo é um traço estrutural marcante do que
se usou denominar de Indústria do Entretenimento, que efetivamente é explorada
pelos meios de comunicação. Estes meios têm na divulgação indiscriminada sua
principal característica, onde as mensagens são essencialmente diretas, fazendo
com que a divulgação seja para todos, sem discriminações.
Cabe destacar um aspecto histórico. A sociedade de consumo surge com a Revolução
Industrial do século XIX e encontra-se diretamente relacionada com a efetiva
consolidação do modo capitalista de produção e o processo de mercantilização do
17

trabalho e maximização do lucro, instituindo a lógica do consumo e a supremacia

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deste acima de todas as coisas. No contexto da sociedade de consumo há a
centralização da obtenção de determinados produtos por indivíduos e grupos,
sendo que estes produtos a serem adquiridos não são somente mercadorias, mas
mercadorias, práticas discursivas, estilos de vida, identidades grupais, ideias, signos
e símbolos e assim por diante, que recebem conotação de caráter subjetivo. Para
que possamos compreender este caráter subjetivo, devemos refletir acerca do valor
simbólico que dado produto recebe pela mídia, como sinal essencialmente de status
social. Ora, este valor subjetivo na maior parte das vezes transcende aos valores de
limite de seu uso, ou seja, valor de seu uso funcional. O que vale em essência é o
valor simbólico do objeto, seja sua marca, seja a sua conotação de status social.
Os indivíduos e grupos no contexto da sociedade de consumo, adquirindo dado
produto, parece que se situam na sociedade, pois nesta sociedade o homem
passa a também se personificar através da aquisição de objetos e signos, e neste
sentido o indivíduo consome para se situar e se sentir pertencendo à coletividade,
ao mundo e ao sistema cultural, buscando obter assim na dimensão dos signos
e significação do objeto adquirido um lugar na sociedade. Considerando este
aspecto atinente à sociedade de consumo, devemos perceber que há no âmbito
dos meios de comunicação, notadamente nos meios de comunicação de massa e
também nas redes sociais digitais, um processo no qual se estabelecem padrões, se
dirigem condutas e comportamentos que contribuem inclusive para o gerar ações
de consumo sem crítica e reflexão, favorecendo desta forma o desenvolvimento
do lucro, atinente a uma economia de mercado.
Há um ponto a ser considerado aqui. Se pensarmos o indivíduo consumindo sem
crítica e reflexão para sentir-se pertencendo à sociedade, estamos de certa forma
refletindo no indivíduo enquanto ainda cidadão. Na sociedade contemporânea,
podemos perceber que esta relação de um mínimo de cidadania através do
consumo se encontra inexistente, pois na contemporaneidade a categoria de
cidadão encontra-se completamente obstaculizada pela categoria de consumidor.
O consumismo presente não atende mais as especificidades das necessidades, mas
essencialmente atende ao desejo, que é volátil e efêmero e não referencial, na medida
em que tem a si mesmo como objeto constante. Cabe destacar que os consumidores
guiados pelo desejo devem ser constantemente produzidos (BAUMAN, 2001).
Agora, o que podemos constatar é o fato de o indivíduo ser exatamente relacionado
com o seu ter. O ser cede lugar ao ter. “Eu tenho, logo, sou.”
O século XXI é marcado pelo elevado consumo, em que o homem é essencialmente
o que pode comprar. Configura-se assim um novo processo potencializado pelas
redes sociais digitais. Não é demais destacar que se constroem novas formas de
sociabilidade que se marcam e se pautam por dissoluções e descontinuidades.
Segundo Gadea (2007), na contemporaneidade constitui-se uma sociabilidade
emergente que se pauta pela negação da produtividade e do utilitarismo. Este
18

aspecto acarreta um mundo social que apresenta incapacidades diversas na


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esfera da convivência, ausência de afetividade e perda de atitudes mínimas de


solidariedade, que tende a se marcar pela intolerância e pela violência.
As tecnologias da informação e da comunicação eletrônica permitem a compressão
(ou supressão) da relação tempo-espaço e a ruptura com a concepção moderna
de relação linear com o tempo. Sendo assim, a contemporaneidade pauta-se pela
contingência, pela eventualidade, pela imediaticidade do aqui e do agora, que
parece ser sem passado e sem futuro, pois a orientação temporal das condutas de
indivíduos e grupos dirige-se ao presente determinado pela realidade cotidiana,
que parece ter no elevado consumo de bens materiais e simbólicos seu próprio
sentido.
Deve-se destacar o fato de ser a sociedade contemporânea alicerçada na competição
de mercados e, como dissemos anteriormente, no processo de aumento do
consumo por parte de indivíduos e grupos. Para tanto se faz necessário algumas
considerações acerca da significação da mídia na sociedade contemporânea,
pois a mídia necessita “informar” e “dirigir” aos consumidores os produtos que
devem ocupar lugares em seus desejos e em suas mentes, enquanto estratégia de
comunicação, que objetiva o efetivo consumo de produtos que estão no mercado
para serem adquiridos, dentro mesmo da lógica mercadológica da sociedade
contemporânea. Mas que mídia? A mídia do rádio, do jornal, da televisão, da
revista? Na sociedade contemporânea, vamos para além das mídias conhecidas,
pois estamos no campo da multimídia, como forma mais eficiente de publicidade
dos produtos a serem consumidos.
Os recursos multimídia proporcionam maior visibilidade dos produtos, na medida
em que este recurso de comunicação é mais abrangente em termos do consumidor-
alvo. Coloca-o em relação direta com a imagem do produto, fazendo com que a
visibilidade deste seja mais rápida e eficiente em sua técnica, ou que recursos
técnicos possibilitem ao consumidor maior atratividade do produto.
Os recursos multimídia permitem uma maior eficiência da publicidade em suas
estratégias comunicacionais, que, podemos dizer, influem diretamente no próprio
desejo do consumidor, gerando maiores possibilidades de consumo na medida
em que atingem a um grupo maior de indivíduos aptos a consumir os produtos
anunciados. O uso em simultaneidade de vários meios de divulgação gera com relação
ao consumidor maior índice de afinidade ou não com o produto a ser consumido. Este
fato, por sua abrangência, envolve também a não seleção mais refletida por parte do
consumidor, influindo no desejo e na mente dos indivíduos, pois há procedimentos
mais imediatistas com relação à aquisição do produto anunciado.
Devemos considerar que os recursos multimídia da publicidade na sociedade
contemporânea efetivamente criam a moda, ou seja, o que se pode denominar o
produto do momento. Criando a moda, criam efetivamente ações de consumo que
19

dirigem o comportamento do consumidor em potencial. A moda origina efetivas

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práticas de consumo que se encontram diretamente relacionadas com a busca da
sensação de pertencimento ao social, ao espaço social, pois iguala indivíduos e
grupos a partir do produto consumido. Envolve a ausência de consequências.
A moda estabelece padrões de comportamento a partir do status gerado pelo
produto consumido. Isso se expressa enquanto significativo no contexto da
sociedade contemporânea, uma vez que, sendo a sociedade de consumidores, a
ênfase dos recursos multimídia utilizado pela publicidade abrange significativos
segmentos sociais que tudo irão fazer para encontrar-se inseridos nas próprias
relações de mercado que se estabelecem, uma vez que há a ligação do consumo a
uma forma de autoexpressão, pois o indivíduo passa a expressar a si mesmo através
de suas posses (BAUMAN, 2001). A influência da moda, criada pelos recursos
multimídia aplicados pelas estratégias da publicidade, transformam as identidades
em voláteis e instáveis, pois se determinam pela capacidade de “ir às compras”,
no que Bauman (2001) denomina de supermercado das identidades.
Os recursos multimídia adotados pela publicidade na contemporaneidade
envolvem pensarmos acerca do fato de que na sociedade de consumidores há a
presença do traço característico típico de ser esta a sociedade de não produtores.
Segundo Bauman (2001), a vida que se organiza a partir do consumo se constitui
enquanto uma vida sem normas, pois se orienta pela sedução, criada pela moda
das ações publicitárias multimídia, fomentando desejos, gerindo-se não mais por
uma regulação normativa.
A publicidade alicerçada nos recursos multimídia envolve a vida contemporânea e
do sujeito contemporâneo, na mediação das imagens eletrônicas. A não regulação
de todas as imagens do mundo, ou jogos de linguagem, a partir das pessoas
“multifuncionais” e das palavras “polissêmicas”, alicerçadas na legitimação das
imagens do mundo, leva ao surgimento do que podemos denominar de fim das
metanarrativas. A polissemia das palavras, o pluralismo e a fragmentação são então
configurados, como forma de uma realidade fragmentada, em que a universalidade,
enquanto forma de consenso, não mais existe. Podemos então perceber que este
processo no campo comunicacional instaura uma nova forma de ser diante da
realidade, pela diversificação dos contextos sociais e históricos, determinados pelo
consumo, pela sociedade da informação, pelo advento da mídia de massa em sua
dimensão multimídia, que são determinantes de padrões comportamentais de
consumo no contexto do cotidiano do homem contemporâneo.
Devemos compreender que a vida no século XXI é mediada por imagens eletrônicas
que não nos permitem o não responder aos outros, como “se suas ações e as nossas,
estivessem sendo gravadas e transmitidas simultaneamente para uma audiência
escondida, ou guardadas para serem assistidas mais tarde” (BAUMAN, 2001,
p.99). Este aspecto envolve diretamente as relações multimídia, presentes em nossa
20

realidade, bem como envolve a vida na telinha, pois as imagens eletrônicas acabam
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por permitir um certo grau de “liberdade”, para não vivermos a vida vivida, na
medida em que esta parece aproximar-se do irreal, como um videotape, que se
constitui no apagável, sempre pronta para a substituição das velhas gravações
pelas novas (BAUMAN, 2001). Este processo de “apagamento do real” é fomentado
e potencializado pelas relações multimídia no campo efetivo da publicidade e
consequentes relações de mercado. Consideramos significativas as palavras de
Jeremy Seabrook, citado por Bauman, quando aponta que:

O capitalismo não entregou os bens às pessoas; as pessoas foram crescentemente entregues


aos bens; o que quer dizer que o próprio caráter e sensibilidade das pessoas foi reelaborado,
reformulado, de tal forma que elas se agrupam aproximadamente... com as mercadorias,
experiências e sensações... cuja venda é o que dá forma e significado às suas vidas.
(SEABROOK, apud BAUMAN, 2001, p.100)

Podemos então perceber a influência da publicidade multimídia presente em


nossa realidade. Esta influência envolve diretamente as identidades individuais e
coletivas. Há maior mobilidade e flexibilidade da identificação que caracterizam
a vida determinada pelo “ir às compras” (BAUMAN, 2001) no atendimento aos
desejos criados pela instauração da moda através dos meios de comunicação em
suas múltiplas dimensões, essencialmente em sua dimensão multimídia. Mas
enquanto consequência deste processo, o que se constata é que as tarefas que
deveriam ser compartilhadas por todos, agora no contexto mesmo da sociedade
de elevado consumo, devem ser realizadas por cada um, e este aspecto acaba
por dividir as situações humanas e induz a uma competição mais voraz, não
unificando a condição humana, antes inclinada a gerar cooperação e solidariedade
(BAUMAN, 2001). Neste sentido, a vida humana no mundo contemporâneo reveste-
se de competitividade, em que cada um é responsável por si mesmo, no universo
fragmentado das relações multimídia como forma determinante das identidades
individuais e coletivas.

1.7 O Estado na contemporaneidade


Algumas breves palavras sobre a questão do Estado, no contexto da
contemporaneidade. Há a predominância do enfoque em termos dos direitos
coletivos, que conhecemos enquanto os direitos sociais, que são classificados como
direitos difusos ou também direitos de terceira geração. A instituição do Estado é,
no contexto atual, um ente de direitos e deveres, direitos e deveres esses que muitas
vezes pode também se confrontar com os interesses dos segmentos subalternos da
população e também dos segmentos dominantes.
21

O Estado assistencialista entrou em conflito com os próprios determinantes do

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capitalismo, na medida em que, para que este mesmo capitalismo flua, se tornou
necessária a acentuação da demanda de produtos. Neste mesmo sentido, o Estado
contemporâneo, no âmbito de suas políticas, se rege pela proteção da “regra”
capitalista da oferta e da procura, que se constitui enquanto os fundamentais
pilares do capitalismo. Este aspecto permite que possamos perceber que a nação,
que anteriormente era a “outra face” do Estado e o principal instrumento de
luta pela soberania considerando-se o território e sua população, encontra-se na
contemporaneidade divorciada deste mesmo Estado, pois há um processo de
distanciamento entre nação e Estado. Segundo Bauman (2001), o Estado não é mais
a ponte segura a recorrer. A liberdade da política, das relações de poder do Estado,
encontra-se de certa forma implodida por novos poderes de caráter global, pois se
torna cada vez mais difícil resgatar os serviços de certeza, segurança e garantias
proporcionados pela instituição do Estado (BAUMAN, 2001).
A instituição do Estado, na contemporaneidade, não encontra mais o potencial
mobilizador da nação, na medida em que dele necessita cada vez menos, pois o que
se apresenta em nossa realidade atual é a substituição pelas “unidades high-tech
elitistas, secas e profissionais, enquanto a riqueza do país é medida, não tanto pela
qualidade, quantidade e moral de sua força de trabalho, quanto pela atração que
o país exerce sobre as forças friamente mercenárias do capital global” (BAUMAN,
2001, p.212). Esta afirmação de Bauman nos permite compreender a reconfiguração
da instituição do Estado no contexto mesmo de uma sociedade globalizada, ou seja,
não mais o Estado provedor dos benefícios sociais, mas alicerçado nos ditames do
capital financeiro internacional, em termos de novos poderes globais.
Pode-se perceber que no âmbito das sociedades contemporâneas houve profundas
alterações em seus modos de existência como efeito mesmo da nova configuração
do modo capitalista de produção, do capitalismo planetário, do avanço tecnológico
e da necessidade de expansão dos mercados. Neste contexto, originam-se novas
subjetividades para dar conta das próprias exigências que foram impostas pela
rearticulação do modo capitalista de produção, pois a vida passa a ser comercializada
a partir deste novo modelo do capitalismo (ESPERÂNDIO, 2007).
Aludimos, no presente capítulo, aos pilares da sociedade contemporânea. Buscamos
deixar claras as transformações históricas ocorridas, que delinearam a configuração
das sociedades hoje, bem como delinearam o homem de hoje na constituição
principalmente de novas sociabilidades. Tomamos este caminho para também
deixar claro o fato de que o homem não se encontra alheio às transformações
estruturais de seu mundo, pois há uma relação intrínseca entre indivíduo e contexto,
indivíduo e estrutura, pois não compreendermos a influência das estruturas na
própria constituição dos sujeitos é não compreendermos nossa realidade individual
e coletiva. É não compreendermos o fato de que “as estruturas são estruturantes”
de toda a conduta humana no mundo.
22

PILARES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


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1) MUDANÇAS DRÁSTICAS DA FASE INDUSTRIAL

2) GLOBALIZAÇÃO

3) SOCIEDADE DE CONSUMO

4) A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – CONHECIMENTO = VALOR

5) CONSUMISMO – enquanto diversidade de produtos, de ofertas

6) INTENSIFICAÇÃO DOS RECURSOS MULTIMÍDIA + PUBLICIDADE

7) RECONFIGURAÇÃO DO PÚBLICO E DO PRIVADO

8) NOVAS FORMAS DE SOCIABILIDADE

9) INTENSIFICAÇÃO DE MODISMOS PARA MAIOR CONSUMO

10) RECONFIGURAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO

Referências
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 5.
ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001.
ESPERÂNDIO, Mary R. G. Para entender pós-modernidade. São Leopoldo: Sinodal, 2007.
GADEA, Carlos A. Paisagens da pós-modernidade. Cultura, política e sociabilidade na América
Latina. Itajaí: Univali Editora, 2007.
HALL, Stuart. Identidades e pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
VATTIMO, G. O fim da modernidade. Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.
2
REDES SOCIAIS
NA ERA DIGITAL

Paulo G. M. de Moura

Introdução
O período atual da história é dos mais complexos já experimentados pela sociedade
humana.
Vivemos um tempo nervoso; tenso. Somos cotidianamente pressionados para
sermos mais produtivos no trabalho, para contribuirmos com a redução de custos
das nossas empresas e para trabalharmos cada vez mais e mais rapidamente.
Recebemos cargas de informação multimídia o tempo todo e por diversos veículos
e canais simultâneos.
Nossa vida está cercada de aparatos tecnológicos que requerem conhecimento para
serem operados. Através deles interagimos com pessoas de quaisquer lugares do
mundo. Cada vez precisamos estudar mais, nos atualizarmos e, mesmo assim,
percebemos que o que aprendemos se torna obsoleto muito rapidamente, exigindo-
nos mais e mais esforços se quisermos preservar ou galgar posições no mercado
global e competitivo dos dias atuais.
Crises de todo tipo povoam os noticiários, deixando-nos com a impressão de que
o fim do mundo é iminente. Pessoas enlouquecem; ficam estressadas, buscam na
religião e no misticismo o amparo de que precisam para se equilibrar nesse mundo
de constantes, rápidas e complexas transformações.
Cada um escolhe seus caminhos. A construção do futuro está em nossas mãos, seja
como indivíduos, seja como sociedade.
Precisamos compreender a sociedade em transformação, de modo que possamos
melhor nos situar dentro dela, e escolher caminhos de forma mais consistente,
amparada em informações confiáveis e não apenas no senso comum, no
24

conhecimento difuso, não sistematizado e cheio de preconceitos e desinformação,


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que nos chega aos ouvidos na rua ou nos meios de comunicação a todo o momento,
por vezes nos induzindo ao erro; a nos movermos por instinto e não pela razão.
Nunca antes foi tão importante compreender o ambiente em que estamos
para nele sobrevivermos, projetarmos o futuro e construirmos o caminho que
queremos trilhar, em direção às metas que nos são impostas ou que escolhemos
perseguir.
Muitas vezes, aqueles de nós que escolhemos profissões técnicas desdenhamos a
importância das Ciências Sociais. Achamos que não é necessário entender o social
para sobrevivermos num mercado de trabalho que nos demanda, cada vez mais,
a hiperespecialização técnica.
Tal como maus motoristas numa estrada escura; esquecemos de ligar o farol alto,
e dirigimos olhando apenas para o espaço imediatamente à frente, iluminado
pela luz abrangente, mas de curto alcance, que nos proporciona o farol baixo. O
farol baixo é o conhecimento técnico, aplicado e muito útil para a sobrevivência
no dia a dia. O farol alto é a cultura geral e o conhecimento teórico, que nos são
imprescindíveis para enxergarmos mais longe; para escolhermos caminhos. Os
dois tipos de conhecimentos são úteis e necessários. Mas, hoje em dia, quanto mais
técnica e especializada a atividade que exercemos, maior o risco que corremos de
que novas descobertas científicas e tecnológicas tornem obsoleto o conhecimento
que temos, levando consigo nossos postos de trabalho, nossa profissão até.
Por isso, agora como nunca, é preciso buscar a cultura geral e o conhecimento teórico
sobre a realidade complexa que nos cerca, para que possamos transformar o período
de intensas e rápidas mudanças pelo qual estamos passando, em oportunidades
para nosso crescimento, e não em ameaças à nossa sobrevivência, em função da
nossa incompreensão sobre o que se passa à nossa volta, e de nossa incapacidade,
daí decorrente, para perceber as oportunidades e tomar as decisões certas.

2.1 A tecnologia mudando a vida de cada um e de todos


As mudanças tecnológicas, ao longo da história, antecederam grandes mudanças
econômicas, sociais, políticas e culturais. As tecnologias interferem diretamente na
forma com nós produzimos aquilo de que necessitamos para viver em sociedade.
Sempre que desenvolvemos novas tecnologias para tornar mais eficiente a forma
de produzir bens e realizar serviços ou melhorar nossas vidas, somos levados
a reorganizar nossa maneira de trabalhar, e, com isso, terminamos mudando,
também, nosso modo de vida.
O desenvolvimento da tecnologia digital e a fusão da informática com as
telecomunicações, associadas às tecnologias de automação que vêm sendo
25

implantadas no mundo do trabalho e na vida cotidiana dos cidadãos contemporâneos

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está proporcionando o surgimento de uma realidade nova, infinitamente mais
complexa do que a vigente na sociedade até então.
O uso em escala comercial e em âmbito mundial de sistemas de transporte de
grandes quantidades de mercadorias e passageiros, permitindo deslocamentos
rápidos de um lado para outro do planeta, agrega-se a esse processo de
transformação, introduzindo mais complexidade às mudanças que estão ocorrendo
nas relações sociais a partir do impacto dessa nova realidade sobre a vida individual
e coletiva na sociedade contemporânea.
O paradigma estruturador desse novo sistema é o das relações-rede. Desde que
nos entendemos como sociedade desenvolvemos redes de relacionamento social.
Temos redes de contatos profissionais, redes de amigos, redes de consumidores
de certos produtos e serviços. Essas redes de relacionamento, portanto, já existiam
antes do surgimento da base tecnológica da sociedade atual. Mas esse fenômeno
foi ampliado em sua abrangência a partir do uso em escala das redes digitais de
comunicação. Por relações-rede entendem-se relações sociais entre indivíduos e/ou
grupos e organizações, estabelecidas tal como acontece nas redes de computadores
e na internet.
A ampliação da abrangência e do impacto das relações-rede pelo uso das redes
de comunicação baseadas em tecnologia digital ocorre devido às características
intrínsecas a essa tecnologia.
O meio digital possibilita a ampliação em larga escala da quantidade de canais
disponibilizados a usuários de perfis diversos. Permite, também, o uso do
mesmo suporte para veiculação de informações em linguagem multimídia, isto
é, através de arranjos múltiplos, combinando mensagens com dados, imagens,
som e texto. Torna-se possível ainda, com a tecnologia digital, a interatividade e a
multidirecionalidade da comunicação entre emissores e receptores; a intervenção
do receptor sobre a mensagem recebida e sua reelaboração conforme a livre
interpretação do receptor, que, assim, se converte em emissor.
A rede digital cria, então, uma dimensão virtual de relacionamentos sociais e
comunicacionais de novo tipo, pois, em função dessas características da tecnologia
digital, estabelecem-se relações multidimensionais entre emissores-receptores e
receptores-emissores no espaço intangível que vem sendo chamado de realidade
virtual, ou de nuvem, como se define esse espaço virtual no qual se armazenam
ou por onde transitam as informações que jogamos para dentro das redes de
computadores. Essa combinação de fatores, por sua vez, levou à multiplicação, em
escala exponencial, das relações interativas entre indivíduos direta ou indiretamente
conectados por esse sistema, influenciando, inclusive, o surgimento de novas
relações-rede entre indivíduos.
26

O conceito de relação-rede pressupõe que essas relações sociais de novo tipo,


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isto é, estabelecidas sob o impacto direto e indireto da tecnologia digital, vão,


gradativamente, se sobrepondo ao paradigma das relações analógicas, sincrônicas,
lineares, unidirecionais, unidimensionais e verticais, típicas da matriz sistêmica
da sociedade urbana e industrial.

2.2 Trabalho e consumo na sociedade-rede


Todas as sociedades desenvolvem matrizes organizacionais que as caracterizam.
As estruturas sociais, de produção ou de poder, possuem relação com a matriz
tecnológica de cada sociedade. Dessa forma, quando a humanidade produzia de
forma artesanal e predominava a agricultura, nossos valores culturais e formas
de organização eram diferentes daqueles que estabelecemos como sociedade após
o surgimento das fábricas, dos equipamentos mecânicos e das cidades. A matriz
sistêmica da sociedade contemporânea é tecnológica e fortemente marcada pela
presença das redes digitais.
Numa sociedade cuja matriz sistêmica é baseada nas relações-rede, articuladas em
escala mundial, a riqueza também circula nessa teia, na velocidade do pensamento.
As relações-rede revolucionaram os sistemas de comunicação e, simultaneamente,
os métodos de gestão da produção. A sincronização e a massificação das mercadorias
padronizadas pelo método da especialização do trabalho na linha de montagem,
típicas da produção industrial, foram convertidas em assincronia, aleatoriedade e
segmentação da produção e do consumo da produção automatizada e seus métodos
revolucionários de gestão.
Do mundo do trabalho e do consumo, essas relações influenciaram as relações
sociais propriamente ditas, alterando comportamentos, atitudes, a visão de mundo,
os valores e as formas de convívio entre pessoas e grupos sociais, em escala local
e global, especialmente a partir da conexão digital entre usuários domésticos
através da televisão e da internet. Em seguida, a mobilidade da telefonia celular e
dos computadores portáteis possibilitou a conexão 24 horas que registra taxas de
crescimento impressionantes no mundo todo.

2.3 Comportamento social na sociedade-rede


O impacto da comunicação estabelecida através desses meios, em escala global,
muda o comportamento social dos milhões de usuários dessas tecnologias;
influenciando as relações sociais, políticas, econômicas e culturais individuais e
coletivas; substituindo em velocidade e abrangência impressionantes a comunicação
e o comportamento de massas, típico da matriz industrial, que se baseava na oferta
de enormes quantidades de produtos iguais para consumo de massas. No mundo
das comunicações, a lógica era a da emissão de uma só mensagem-mercadoria de
27

cada vez, para milhões de pessoas, através de canais padronizados e unidirecionais

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de comunicação e distribuição. Os canais de televisão aberta transmitindo a mesma
programação, ao mesmo tempo, para milhões de pessoas em todo o País, são o
exemplo típico dessa lógica.
Inicialmente, os analistas que estudavam a globalização das comunicações em
redes imaginavam que disso resultaria a homogeneização da cultura mundial e o
desaparecimento das diferenças pela padronização do consumo de produtos das
marcas globais. O erro dessas análises estava na aplicação da ótica da massificação
industrial do passado à análise de uma sociedade e de uma economia que não é
mais industrial, mas, sim, pós-industrial.
Esses estudiosos ignoravam o efeito da compressão – ou supressão – da relação
tempo-espaço sobre os processos sociais; da interatividade, da multidirecionalidade
e da multidimensionalidade das relações que se estabelecem entre os indivíduos
conectados em rede. Essas tecnologias induziram à desmassificação da produção, à
segmentação do consumo e do comportamento dos consumidores e do tecido social,
e o surgimento da economia simbólica provocada pela desmaterialização da riqueza.
A desmaterialização decorre da produção e/ou agregação de valor aos produtos
pela imagem que dele fazem os consumidores em função do valor simbólico das
marcas midiatizadas. Os produtos e as mensagens, hoje, são segmentados, quase
personalizados. A produção se dirige para grupos de consumidores e receptores
de mensagens cada vez mais diversos e específicos.
Dessa forma, a ampliação em escala das relações-rede para além do comportamento
de consumo transborda para as novas formas de conexão entre indivíduos, grupos,
organizações, empresas, setores ou regiões do mundo, convertendo-se em nova
matriz social sistêmica.

2.4 O poder do conhecimento na sociedade-rede


A lógica desse novo sistema social, por sua vez, requer novas teorias e sistemas
conceituais que os expliquem, pois não é possível compreender a natureza e o
sentido dessas mudanças a partir das teorias do passado. O uso dessas tecnologias
requer usuários dotados de conhecimento, capacidade criativa e inteligência,
características que, em tese, estão disponíveis a quaisquer indivíduos. Através da
educação e da pesquisa científica, torna-se possível a qualquer indivíduo, empresa
ou nação a obtenção dos mesmos conhecimentos que seus competidores têm numa
economia aberta e numa sociedade livre.
A riqueza e o poder, nessa sociedade, “procurarão” àqueles que souberem enxergar
as oportunidades e se anteciparem aos seus concorrentes na disputa pela ponta
da produção de novos conhecimentos. O conhecimento é a fonte-chave da riqueza
e do poder nessa nova sociedade, portanto. Em função disso, as tecnologias de
28

produção, o acesso às redes de comunicação digital e de transporte intermodal, a


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disponibilidade de fontes renováveis de energia e o posicionamento geográfico em


relação aos mercados de consumo do planeta tornaram-se estratégicos para que
produtos e serviços cheguem mais rápido aos compradores e fornecedores.
Nesse novo mercado da competição global aberta, um grupo limitado de
corporações transnacionais concentra a liderança dos mercados de computação, de
telecomunicações, de biotecnologia e da química fina, e outras do gênero, todas elas
áreas que requerem altos investimentos em pesquisa e produção de conhecimentos
novos, mas geram valor agregado e muita riqueza.
A velocidade das empresas da ponta mais avançada desse sistema impõe seu
ritmo aos seus fornecedores, e, como consequência, à economia mundial como um
todo. Agilidade, flexibilidade, inteligência, criatividade, credibilidade, iniciativa e
autonomia são imprescindíveis num sistema com essas características (TOFFLER,
1990, p.421).
Na competição econômica, a riqueza se desloca rapidamente para os bolsos
dos fornecedores que conseguem atender seus clientes no momento e da forma
demandadas.
A capacidade de pesquisar, selecionar, classificar, analisar e interpretar informações
e convertê-las em conhecimento tornou-se um produto-serviço de alto valor
agregado nesse sistema. O sistema, por sua vez, é alimentado e realimentado por
usuários que injetam na rede o capital simbólico; intangível, resultante de suas
inteligências e capacidades criativas interagentes, num processo que cresce em
velocidade e volume exponenciais, movimentando uma gigantesca rede de relações
sociais, políticas, econômicas e culturais.
Volumes incomensuráveis de mensagens-mercadorias, em formatos multimídia,
trafegam pelo planeta na velocidade do pensamento e são absorvidas, em geral de
forma não percebida, por bilhões de pessoas. Muitas dessas pessoas se convertem
em reprodutores ou mesmo criadores de mais riqueza através da transformação
dessas mercadorias-mensagens em novas fontes de riqueza intangível.
Nesse processo, influenciam-se a percepção do mundo e os sentidos absorvem,
processam e decodificam esses estímulos, convertendo-os em atitudes,
comportamentos e novas relações-rede que realimentam o processo numa espiral
sem fim.
Indivíduos, empresas, regiões e nações, mais ou menos integrados ao novo sistema,
veem-se imersos numa cadeia de transformações microeconômicas e micropolíticas;
macroeconômicas e macropolíticas, deslocando das suas posições de poder político
e econômico, aqueles que compuseram a elite remanescente do sistema social
anterior. A revolução nos métodos de gestão das empresas; o desmoronamento
do império soviético; o abalo nas estruturas do Estado-nação moderno; as crises
29

financeiras globais e as transformações nas estruturas familiares, dentre outras

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mudanças dessa magnitude, são parte inseparável desse mesmo processo.
As novas pesquisas sociais sobre o impacto desses fenômenos revelam que o
bombardeio das mensagens desse complexo sistema de comunicações transforma o
psiquismo de indivíduos e comunidades; na medida em que são interligadas como
polos situados em pontos distantes uns dos outros. Sem a conexão em rede em
escala global, esses indivíduos sequer tomariam conhecimento da existência desse
“outro”. Mudanças profundas nas identidades sociais e individuais dos receptores
das mensagens multimídia em circulação no sistema estão sendo constatadas em
todos os cantos do planeta, para muito além das primeiras leituras desse processo,
que viam apenas massificação e padronização global das identidades culturais e
individuais.

2.5 Mudança cultural e mudança social da sociedade-rede


A comunicação on-line em tempo real comprime o tempo-espaço, alterando a
percepção que as pessoas têm da realidade. Sociedades situadas em extremos
distantes do mundo, com histórias e culturas distintas; tempos, estágios e ritmos
diferentes de desenvolvimento sofrem o impacto das informações que circulam em
alta velocidade pelos canais que transportam, de um lado para outro do planeta,
o novo capital simbólico. Mudam modos de vida, percepções e expectativas que
os indivíduos e comunidades alimentam sobre o futuro. O tecido cultural e social
tradicional é permanentemente trespassado por essas informações, fazendo
com que o local não tenha mais identidade “objetiva” fora de sua relação com o
global.
Sob essas circunstâncias, desestabilizam-se as estruturas e a lógica de funcionamento
do sistema social, gerando crises e conflitos sociais, políticos e econômicos nunca
antes observados com a forma e a escala com que se apresentam.
Assumimos a condição de civilização humana a partir do momento em que
abandonamos o uso da violência bruta para resolver conflitos e criamos
organizações e regras de convivência não violenta. O espaço das funções de
mediação social – antes exclusivamente exercidas por instituições, organizações
e leis – está sendo invadido pelas novas relações de mediação simbólica, geradas
a partir do sistema de comunicações em redes digitais, que influenciam o
comportamento, a percepção do mundo e as relações sociais de novo tipo que
emergem e se impõem na mesma proporção em que cresce o acesso da população
mundial aos novos meios de comunicação-relação rede. As mensagens lançadas às
redes de comunicação influenciam comportamento, reproduzem valores; moldam
nossos modos de vida.
30

2.6 Mudança política na sociedade-rede


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Nesse contexto de crise do sistema de regras e instituições em descompasso com a


dinâmica das mudanças, a disputa pelo poder e pela influência sobre consumidores
e cidadãos-eleitores também é invadida pelas relações-rede, desestruturando
partidos políticos e organizações sociais e políticas tradicionais.
A relação entre líderes e liderados, governantes e governados, vendedores e
consumidores, não é mais apenas direta, mas, sim, cada vez mais mediada pelos
sistemas de comunicação digital em rede. A ferramenta estratégica desse novo
mercado é a produção e a veiculação de mensagens em todos os meios, seja
na mídia de massas (TV, rádio, imprensa), remanescente, mas que incorpora a
interatividade digital, seja na mídia segmentada dos novos canais-rede (internet,
computação e telefonia móveis).
Essa nova realidade, que acontece em escala mundial e conecta todas as regiões e
indivíduos do planeta através de redes digitais, abala as estruturas do poder e suas
instituições, exigindo um novo tipo de Estado, que incorpore a lógica das redes: o
“Estado-rede”, em experimentação e crise na Europa unificada de hoje.
As relações-rede, como já dito, são aleatórias, assincrônicas, multidirecionais,
interativas, não lineares, fragmentadas e sugerem níveis de complexidades que
sequer se podem imaginar hoje quando essa realidade ainda é muito recente.

2.7 Poder simbólico na sociedade-rede


Nesse novo sistema social, a produção e a veiculação de mensagens envolvem
relações de poder. O uso estratégico das redes de comunicação por agentes
sociais, econômicos e políticos, visando influenciar condutas e atitudes políticas,
sociais e/ou de consumo, tornou-se parte do novo jogo do poder econômico e
político no mudo. Antes se falava em sindicatos poderosos, partidos poderosos,
empresas poderosas. Hoje se fala em polos de poder distribuídos pelo tecido
social, envolvendo ONGs, movimentos sociais, religiões, mídia, dentre outras
forças em operação na cena do poder nacional e internacional. Entender como
funcionam esses polos de poder e como se estabelecem as relações de poder
numa sociedade que se articula em redes é condição para enxergar e aproveitar
oportunidades e escapar da condição de vítima ingênua do jogo de interesses
alheios.
Autores que estudam essa problemáticaa desenvolveram um modelo sistêmico para
explicar de forma esquemática e sintética o que chamam de circuitos culturais, que

a Richard Johnson, Paul du Gay e Stewart Hall.


31

descreve a forma como circulam as trocas simbólicas no ambiente das relações-

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rede. O diagrama abaixo contém cinco pontos que representam momentos do
processo circulação dos símbolos no circuito. São eles: a produção (ou reprodução);
o consumo; a regulação; a representação e a identidade.
A produção decorre de ações de conversão de algo, material ou não, num produto
simbólico distinto daquilo do que lhe deu origem. Isto é capital simbólico, ou,
produção de riqueza de novo tipo. O consumo desse “produto” acontece quando
ele é gasto ou usado; isto é, quando o produto simbólico influencia atitudes e ou
expectativas e vontades dos receptores como reação ao estímulo induzido pelo
impacto do bem simbólico sobre seus sentidos.
Esse bem simbólico, ao ser veiculado e absorvido pelos receptores, converte-se
em regulador das relações sociais, ao estimular comportamentos e a criação de
valores materiais e simbólicos.
O momento da representação nesse processo de circulação é resultado da
associação dos sentidos e da percepção do receptor ao bem simbólico. Os
artefatos simbólicos resultam de imagens ou representações projetadas pelos seus
produtores-emissores do bem-mensagem, com o objetivo de captar a identificação
dos receptores, e, com isso, estimular o consumo, o apoio político, ou a formação
de comunidades reais ou virtuais, quando ocorrem por geração espontânea de
usuários movidos por relações não pragmáticas, como as produzidas por agentes
políticos ou de mercado.
Os receptores, ao seu tempo, identificam-se ou não com a representação contida
na mensagem, interpretam os códigos simbólicos que recebem e os leem de formas
aleatórias e imprevisíveis, recriando-as e repondo-as em circulação; conferindo-
lhes novas “embalagens”. A identificação – ou identidade – corresponde à forma
como os sujeitos se posicionam em relação às representações em circulação no
mercado de bens simbólicos. Assim, os produtores-emissores tentam captar a
identificação dos receptores com suas mensagens, conforme sua capacidade de
seduzir o público com suas mensagens.
Os pontos-momento do processo se relacionam em quaisquer sentidos e
direções, sem obediência a qualquer lógica ou rotina, estabelecendo relações
de interdependência e influência recíprocas. Cada ponto, no entanto, difere
dos demais pela forma como se liga aos outros. Qualquer lugar pode servir de
entrada e saída do circuito.
32
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Representação tridimensional do circuito da cultura.b

A malha desse circuito envolve os indivíduos numa tempestade de signos


permanente e intensa. O sujeito social contemporâneo assimila os significados
produzidos pelas representações lançadas na rede e atribui sentidos às suas
percepções e experiências.
O indivíduo se localiza no espaço-tempo através das referências que o cercam e
sente-se psicologicamente seguro ao construir um conjunto de referências simbólicas
que lhe garantem estabilidade emocional, na medida em que se identifica com as
representações correspondentes às suas expectativas e desejos. Suas expectativas
e desejos, no entanto, também nascem sob influência dos estímulos recebidos pelo
bombardeio de símbolos a que esse indivíduo é submetido por estar exposto ao
ambiente social simbólico que o diagrama representa graficamente.
Para que esse processo seja eficaz, é necessário que os bens simbólicos em circulação
encaixem-se no universo representado assumindo as características de um ambiente
que simula, como se fosse real, algo que está no imaginário do destinatário da
comunicação.
A eficácia dos bens simbólicos como mensagens indutoras de comportamentos
pode ser medida por sua capacidade de influenciar indivíduos pela identificação
com os significados e as representações construídos.
Vejamos um exemplo desse mecanismo operando na área do marketing viral.
No ano de 2012, a Coca-Cola lançou uma campanha publicitária a partir das
redes sociais. O nome da campanha era “Descubra sua Coca-Cola”. A campanha
consistia de disponibilizar aos usuários do Facebook, por exemplo, a possibilidade

b A representação gráfica do circuito da cultura, tal como exposta na Figura 1, é criação do designer
gráfico Manoel Petry e foi originalmente publicada no livro O gauchismo no marketing de Olívio Dutra,
a partir de briefing deste autor.
33

de substituir a marca Coca-Cola Zero na latinha de refrigerante pelo seu nome

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ou pelo nome de outra pessoa. Entrando na página da campanha no Facebook,
o usuário clicava num aplicativo que substituía a marca por seu nome. Após
executar essa operação, o aplicativo publicava na rede social um banner da latinha
com seu nome impresso no lugar da marca. O slogan da campanha era “Quanto
mais Coca Cola, melhor”. Esse slogan, portanto, passava a conter nome impresso
na lata em substituição. Em consequência, se o nome do usuário fosse João, o
slogan se convertia em “Quanto mais João melhor”. Demais elementos gráficos
e visuais da latinha e do anúncio permaneciam idênticos no banner, de modo a
conectar a mensagem pessoal do usuário com a identidade visual da Coca Cola.
Amigos do usuário que se identificou com a brincadeira passavam a curtir e
compartilhar a latinha-banner e, em seguida, faziam a sua, criando uma teia viral
de difusão gratuita da marca Coca-Cola no Facebook.
Não tardaram a surgir iniciativas paralelas de usuários da internet, satirizando a
campanha e publicando banners análogos com mensagens tais como: “Quanto mais
água, melhor”, impresso numa latinha sem rótulo sob, fundo branco. Ou, “Quanto
mais Skol, melhor”, impresso sobre a latinha de cerveja. Outra mensagem que
circulou na rede ironizava a campanha com um banner contendo um “X” sobre a
latinha e contendo o slogan “Quanto menos marketing viral no Facebook, melhor”.
Inúmeras outras iniciativas similares se reproduziram pela rede e, não obstante o
recado crítico, todas induziam o usuário que visse esses banners em suas páginas,
a se lembrar da campanha da Coca-Cola.
A etapa seguinte da campanha consistiu em lançar às prateleiras dos
supermercados os produtos Coca Cola com nomes de pessoas impressos no
lugar da marca no rótulo da embalagem do refrigerante. Ao deparar-se com
a gôndola de refrigerantes no supermercado, os consumidores passavam a
procurar embalagens com o seu nome, alavancando as vendas. Das redes
sociais a campanha invadiu as telas da televisão, massificando-a e ampliando
a busca pela página da Coca-Cola no Facebook, por consumidores ávidos para
carimbar seu nome na latinha virtual.
Esse exemplo é emblemático de um processo que ocorre em profusão na sociedade
simbólica em que vivemos, envolvendo indivíduos nas suas relações sociais reais e
virtuais. Trata-se de uma campanha de marketing comercial. Mas o fenômeno não se
limita às campanhas de marketing concebidas e produzidas por empresas sofisticadas.
Em escalas distintas, esse processo se reproduz e multiplica em dimensões
exponenciais, o tempo todo, no mundo todo. A aceitação e a conversão das mensagens
recebidas em atitudes por parte dos receptores é da livre escolha de quem opta por
aderir às representações postas em circulação no sistema pelos construtores-emissores
de mensagens. As posições de jogo assumidas pelos indivíduos traduzem-se em
34

identidades individuais ou grupais, e, em escala coletiva, podem ser assumidas por


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grupos sociais, comunidades regionais ou nacionais.


A percepção da realidade pelos indivíduos contemporâneos confere centralidade
aos mecanismos produção de representação e construção de identificações, pois
os criadores de significados e representações, dessa forma, assumem a posição de
jogo de “protagonistas” da história numa sociedade supersimbólica. O sistema
cultural, e, dentro dele a comunicação, numa sociedade com essas características,
adquire a função de motor fundamental das dinâmicas sociais.
O sociólogo alemão Max Weber, premonitório, anteviu a influência dos fatores
subjetivos sobre a ação social humana muito antes da invenção da televisão. Na
obra A ética protestante e o espírito do capitalismoc, Weber mostra que o protestantismo
– representação simbólica de natureza religiosa – teria exercido função importante
na formação do espírito empreendedor dos empresários alemães.
Na sociedade simbólica das relações-rede, o poder igualmente assume contornos
simbólicos, pois as disputas políticas também são travadas através das relações
de mediação social no contexto dos circuitos da cultura. A disputa pelo poder
econômico e político, portanto, também é uma guerra simbólica. Suas armas, dentre
outras, são as tecnologias do marketing e da comunicação multimídia.

Referências
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GAXIE, D. Le cens caché. Inégalités culturelles et ségreation politique. Paris: Du Soleil, 1978; e
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 1999.
HALL, Stuart. Identidade cultural e diáspora. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico
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Modernity and its futures. Cambridge: Polity Press/Open University Press, 1992.
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Social Movements”. In: LACLAU, Ernesto (org.). The Making of Political Identities. London
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TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. São Paulo: Record, 1980.

c WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1987.
35

______. Powershit. As mudanças no poder. São Paulo: Record, 1990.

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WALLERSTEIN, I. The Capitalist Economy. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.
WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.).
Identidade e diferença – a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
XAUSA, L.; FERRAZ, F. As eleições de 1966 no RS, RBEP, 23 e 24/7/1967, 1/1/1968.
3
NOVAS IDENTIDADES
EM UMA SOCIEDADE
EM TRANSFORMAÇÃO

Julieta Beatriz Ramos Desaulniers

Introdução
Sabemos, por experiência própria, que o ritmo de mudanças em relação a tudo que
nos rodeia parece intensificar-se a cada dia. E, para quem ainda não se deu conta
disso, na prática, basta apenas lembrar um aspecto que é indicador por excelência
da passagem do tempo – data de validade: seja de acontecimentos, artefatos, alimentos
ou idade de seres vivos (humanos ou não). Refletir sobre o quanto isso mobiliza
as pessoas na contemporaneidade parece suficiente para nos flagrarmos de que
estamos passando por profundas transformações.
Esse fenômeno intensifica-se com a última revolução tecnológica, a partir da segunda
metade do século XX, quando se instauram novas formas de comunicação, que se
estendem rapidamente por todo o tecido social, gerando profundas mudanças nas
relações que fundamentam a produção da sociedade. Tais tecnologias sintetizam
o conjunto de saberes acumulados pelas iniciativas e ações desenvolvidas pela
humanidade, constituindo novos suportes à interação social.
Nesse contexto, a todo e qualquer processo impõe-se mais velocidade, independente
de área ou campo em que ele se situe no espaço social, já que agora os eventos
disseminam-se ao mesmo tempo e para todos os lugares. Assim, rompe-se o
paradigma que se sustenta na especialização associado à visão linear e fragmentada,
passando a predominar a perspectiva da complexidade, que se apoia em princípios
vinculados à digitalidade. Instaura, igualmente, a “incerteza como forma social”
(KOKOREFF & RODRIGUES, 2005, p.6), tanto que as “leis da física quântica
exprimem possibilidades e não mais certezas” (PRIGOGINE, 1996, p.13). Ou seja,
as ciências antes tidas e classificadas como exatas, na prática, não apontam certezas
e sim probabilidades.
38

3.1 Indivíduo, individualidades, individualização*


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Afinal, do que se está falando?


Trata-se da era digital, na contemporaneidade, que se constitui pelo conjunto
de transformações provocadas pela introdução de novas tecnologias de
informação e comunicação (NTIC). Esse processo impõe uma reflexão em busca
de uma explicação para a singularidade dos seres que lhe facultam / concedem
/ outorgam a sua crescente autonomia. Desse ponto de vista, a questão do
indivíduo parece igualmente assumir sentido de desafio à análise no campo
das ciências humanas e sociais, e, por isso, os debates são ainda mais intensos
(MOLÉNAT, 2006, p.38).
Indaga-se, então: tal fenômeno pode ser considerado como produto de um processo
de evolução histórica ou liberado das tradições? Reflexivo ou pressionado pela
urgência? Identidade(s), individualidade(s) e/ou indivíduo – como categorias de
análise –, estão para se tornar o tema predileto de análises de cientistas sociais?

• Indivíduo*
Pode-se dizer que “vivemos em uma sociedade onde o indivíduo ganhou em
liberdade, mas perdeu em certezas”. De um lado, o indivíduo se emancipa por
dispor de meios para realizar e cumprir o que se apresenta como seu destino
pessoal (no consumo, em comunicação e mobilidade, etc.). Mas, de outro lado,
evolui também num universo em que as regras se tornam mais frouxas ou instáveis
(KOKOREFF & RODRIGUES, 2005).
É consenso entre pensadores que o conjunto de mutações que colocam em jogo
posições e tomadas de posição dos agentes sociais “navega para longe (...) para além do
alcance do controle dos cidadãos, para a extraterritorialidade das redes eletrônicas”
(BAUMAN, 2001, p.50). Quando falamos em extraterritorialidade, estamos nos
referindo à ideia de que, com a internet, os territórios hoje são redefinidos, não são
mais limitados ao espaço físico, demarcado, delimitado. Na era digital, o espaço
é desterritorializado, e o tempo, atemporal. Por isso vivemos todos hoje em uma
aldeia global, interligada, conectada, em rede. Em outros termos, parece decisivo o
papel que as NTIC assumem nesse processo, como principal mediação nas relações
desencadeadas pelos indivíduos na construção do social em tempos líquidos.
Afinal, “numa sociedade de indivíduos cada um deve ser um indivíduo” e, “ser
um indivíduo significa ser diferente de todos os outros” (BAUMAN, 2007, p.25-
26). E ser um indivíduo é aceitar uma responsabilidade inalienável pela direção

* Mais detalhes referentes a esse item, consultar DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ramos. Formação e
cidadania em tempos líquidos: desafios e possibilidades. Trabalho apresentado no ISA, 2/2008.
39

e pelas consequências da interação. E “A livre escolha pode ser uma ficção, mas a

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presunção do direito de escolher livremente transforma essa ficção numa realidade”
(BAUMAN, 2007). Ficção, no sentido de que somos induzidos a escolher, dentre
opções predeterminadas e, não só fogem necessariamente do nosso controle, como
não nos trazem garantia nenhuma de sucesso.
É certo que, para ser um indivíduo “numa sociedade de indivíduos custa dinheiro,
muito dinheiro” (p.37), mas “render-se às pressões da globalização, nos dias de hoje,
tende a ser uma reivindicação em nome da autonomia individual e da liberdade
de autoafirmação” (BAUMAN, 2007, p.53).
Por isso, a autonomia do indivíduo é uma exigência, colocando-o muitas vezes em
uma situação de ansiedade, já que cada ser não dispõe dos mesmos recursos para
enfrentar possíveis mudanças com as quais venha a se deparar. Nessa perspectiva,
a produção do social tende a se apoiar cada vez mais no potencial do indivíduo
que, por sua vez, passa a depender de suas possibilidades para interagir e, assim,
construir sua(s) identidade(s), visando fortalecer a sua individualidade.
Vale observar que tal processo é permeado por mobilidade, desejos voláteis,
flexibilidade, capacidade para assumir riscos, responsabilidade por si, atuação
em rede, identidade construída de valores ‘líquidos’, tensão entre escolhas
(contraditórias), desejo de errância (BAUMAN, 2000).
Hoje, quando se ouve a palavra indivíduo, dificilmente se pensa em indivisibilidade,
se é que se chega a pensar nisso. “Pelo contrário, indivíduo (tal como o átomo da
física química) se refere a uma estrutura complexa e heterogênea com elementos
notoriamente separáveis mantidos juntos numa unidade precária” (BAUMAN,
2007). E, ainda, “bastante frágil por uma combinação de gravitação e repulsão de
forças centrípetas e centrífugas num equilíbrio dinâmico, mutável e continuamente
vulnerável” (BAUMAN, 2007).
Enfim, nesses tempos, conforme Bauman, “tudo corre agora por conta do indivíduo”.
Cabe a ele descobrir o que é capaz de fazer, (...) “esticar essa capacidade ao máximo
e escolher os fins a que essa capacidade poderia melhor servir” (2001). Pois, “numa
sociedade de consumo, compartilhar a dependência de consumidor – a dependência
universal das compras – é a condição sine qua non de toda liberdade individual; acima
de tudo da liberdade de ser diferente, de ter identidade” (BAUMAN, 2001, p.98).

• Individualidade*
Autores apontam para o seguinte paradoxo: ao contrário da sociedade industrial,
que produzia produtos e indivíduos, “a sociedade de consumo revela-se incapaz de
produzir indivíduos que sirvam a ela e de servir-se dos indivíduos que ela produz”.
Por isso, “não há, simplesmente, sociedade o bastante para que os indivíduos
40

possam definir-se pela maneira pela qual servem a ela”. Então, “no lugar de servir,
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trata-se agora de produzi-la” (GORZ, 2004, p.77). Por isso, “devemos nos emancipar,
‘libertar-nos da sociedade’, mesmo se (...) poucas pessoas desejam ser libertadas”
(BAUMAN, 2001). Ou seja, não há opção.
Nessa perspectiva “a individualidade é uma fatalidade, não uma escolha” (2001,
p.43) e a “liberdade louvada pelos libertários não é, ao contrário do que eles dizem,
uma garantia de felicidade. Vai trazer mais tristeza que alegria” (BAUMAN, 2001).
Ou seja, em outras palavras, enquanto indivíduo eu sou aquilo que eu posso
ser, e não há modelo pronto de como eu deva ser. Por exemplo, as organizações
procuram empreendedores, procuram pessoas que empreendam, mas não há um
modelo de como ser e não será você, mesmo que seja um empreendedor de sucesso,
um modelo aos outros. O ritmo de mudanças e a complexidade dos fatores que
incidem em uma determinada realidade é muito grande e crescente. Em outras
palavras, individualidade... “significa em primeiro lugar a autonomia da pessoa, a
qual, por sua vez, é percebida simultaneamente como direito e dever” (BAUMAN,
2007). Ou seja, “antes de qualquer outra coisa, a afirmação ‘eu sou um indivíduo’
significa que sou responsável por meus méritos e meus fracassos e que é minha
tarefa cultivar os méritos e reparar os fracassos” (BAUMAN, 2007). É preciso
apropriar-se de si mesmo.
Em mais detalhes, significa dizer que a “responsabilidade em resolver os dilemas
gerados por circunstâncias voláteis e constantemente instáveis é jogada sobre os
ombros dos indivíduos”, assim como “a virtude que se proclama servir melhor
aos interesses do indivíduo não é a conformidade às regras, mas a flexibilidade:
a prontidão em mudar repentinamente de táticas e de estilos, abandonar
compromissos e lealdades sem arrependimento – e buscar oportunidades mais
de acordo com sua disponibilidade atual do que com as próprias preferências”
(BAUMAN, 2007b, p.10).
Tudo isso porque “a força da sociedade e o seu poder sobre os indivíduos agora se
baseiam no fato de ela ser ‘não localizável’ em sua atitude evasiva, versátil e volátil,
assim como na imprevisibilidade desorientadora de seus movimentos” (BAUMAN,
2005, p.58-59). Exemplo disso é o efeito que as eleições norte-americanas podem
desencadear na vida do cidadão brasileiro, na relação com o Estado brasileiro e
sua enorme carga tributária, com os serviços básicos, com a bolsa de valores e com
a própria natureza. Estamos interligados e inter-relacionados com tudo e com
todos, interdependentes.

• Individualização*
Tal processo consiste em “transformar a identidade humana de um ‘dado’ em uma
‘tarefa’” (2001, p.40), já que “numa sociedade líquido-moderna, as realizações
41

individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um

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piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em
incapacidades” (BAUMAN, 2007, p.7). Daí que vida em tempos líquidos “significa
constante autoexame, autocrítica e autocensura”, que “alimenta a insatisfação do
eu consigo mesmo” (BAUMAN, 2007, p.19).
Bauman observa que a “sociedade de consumo líquido-moderna despreza os ideais
de longo prazo e da totalidade” (2001, p.63) e, do mesmo modo, se engana quem
“espera encontrar um lugar, um futuro balizado, uma segurança, uma utilidade na
sociedade – a sociedade do trabalho –, pois ela está morta”. Por isso, “é preciso que as
mentalidades mudem para que a economia e a sociedade possam mudar” (GORZ,
2004, p.69-71). A ideia de totalidade reporta-nos a um estágio do desenvolvimento
capitalista que hoje está superado. Reporta-nos à sociedade industrial, que não
existe mais, na qual a sociedade estruturava o indivíduo.

3.2 Identidades: uma categoria, várias abordagens


Identidades assumem novas configurações, visto que passam a ganhar “livre curso,
e agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-las em pleno voo, usando
seus próprios recursos e ferramentas. O anseio por identidade vem do desejo de
segurança, ele próprio um sentimento ambíguo” (BAUMAN, 2005, p.35).
Concebe-se identidade como algo que nos é revelado somente através de um
processo de invenção; “como alvo de um esforço, ‘um objetivo’; como uma coisa
que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então
lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais” (2005, p.21-22).
Provavelmente, “fiquemos divididos entre o desejo de uma identidade de nosso
gosto e a escolha e o temor de que, uma vez assumida essa identidade, possamos
descobrir, como se não existisse uma ‘ponte se tivéssemos que bater em retirada’”
(2005, p.105), pois identidade é uma ideia inescapavelmente ambígua, uma faca
de dois gumes (BAUMAN, 2005, p.82). Além disso, “mudar de identidade pode
ser uma questão privada, mas sempre inclui a ruptura de certos vínculos e o
cancelamento de certas obrigações. E, ainda, “os que estão do lado que sofrem
nunca são consultados, e menos ainda têm chance de exercitar sua liberdade de
escolha” (BAUMAN, 2001). É essencial, nesse sentido, tomar conta de sua vida e
suas escolhas.
Igualmente, de acordo com a abordagem de Stuart Hall, o sujeito pós-moderno
“não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente”, já que está em processo
constante de formação. Afirma que, embora a noção de identidade esteja
relacionada a “pessoas que se parecem”, “sentem a mesma coisa” ou “chamam
a si mesmas pelo nome”, estes elementos são referenciais insuficientes, pois não
42

satisfazem aos pressupostos necessários à compreensão adequada do fenômeno


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da identidade (HALL, 1998, p.45).


Como um processo, assim como uma narrativa ou como um discurso, “a
identidade é sempre vista da perspectiva do outro” (HALL, 1998, p.45). Essa é
uma formulação fundamental, porque nos leva a considerar que identidades
só podem ser vislumbradas no que têm a dizer – sobre si e sobre o seu outro, na
relação com o outro.
Hall argumenta que a formação de nossas identidades se dá culturalmente, ou
seja, passa por uma escolha pessoal, mas fundamentalmente passa pela mediação
de aspectos objetivos, presentes em normas, instituições, e atividades, enfim, nas
ações e estruturas sociais contextualizadas em um determinado tempo e lugar.
Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades
modernas no final do século XX. Isso fragmenta as paisagens culturais de classe,
gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, forneciam a
todos sólidas localizações como indivíduos sociais. Essas transformações estão
também mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós
próprios como sujeitos integrados à sociedade.
Para Hall, um processo irreversível de fluidez das culturas vem desenvolvendo
o estreitamento das nações, pondo em evidência o vínculo do homem com as
sociedades, testando-os como seres que se localizam em meio a um campo social e
cultural indefinido. Nesse sentido, alerta sobre o papel da tecnologia para o cerco
perante as identidades tácitas, nos mostrando como o impacto da globalização
está mudando as identidades culturais nacionais, raça, gênero, etnia, na medida
em que os avanços da globalização vêm fragmentando as regulações culturais das
identidades a ponto do surgimento de uma “crise de identidade”.
Tal perda de um “sentido de si” estável é chamada, algumas vezes, de deslocamento
ou descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento – descentração dos indivíduos
tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma
“crise de identidade” para o indivíduo. Como observa o crítico cultural Kobena
Mercer, “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando
algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da
dúvida e da incerteza” (MERCER, 1990, p.43).
Esses processos de mudança, tomados em conjunto, representam um processo de
transformação tão fundamental e abrangente que somos compelidos a perguntar se
não é a própria modernidade que está sendo transformada (HALL, 1997, p.07-22).
Vale destacar a influência da última fase da globalização sobre as identidades no que
tange aos sistemas de representação, pois, ao acelerar processos de tal forma que
se sente que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, faz com que os eventos
em um determinado lugar tenham impacto imediato sobre pessoas e lugares
43

situados a uma grande distância. Isso produziu a “compressão espaço-tempo”,

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pois “o espaço se encolhe para se tornar uma aldeia ‘global’ de telecomunicações
e uma ‘espaçonave planetária’ de interdependências econômicas e ecológicas”
(HARVEY, 1989).
Mais recentemente, Canclini também considera a mobilidade identitária tendo
muito a ver com as possibilidades de conexão e desconexão das comunicações, ou
das redes de informação, entretenimento e participação social ou uma combinação
dessas modalidades (CANCLINI, 2005).
Antony Giddens igualmente observa que o processo migratório de culturas passou
a testar a estabilidade da identidade, possibilitada principalmente a partir da
diminuição da relação tempo/espaço (GIDDENS, 2002). Assim, verificam-se formas
de classificação de como as identidades se constroem nesse processo.
Pesquisas têm relacionado identidade e diferença, enfatizando que a migração
produz identidades plurais, mas também identidades contestadas, em um processo
que é caracterizado por grandes desigualdades. As tendências das culturas se
aproximarem diminuindo a disparidade entre tempo e espaço, se inicia a partir
da flexibilização das relações sociais, bem como de uma “modernização das
instituições”, abordada por Giddens (2002).
Dentre as perspectivas até aqui expostas, oportuno é considerar as ideias de
Canevacci, em especial, quando se refere a “um novo sentido de identidade: uma
identidade móvel, fluída, que incorporou os muitos fragmentos que – no espaço
temporário de suas relações possíveis com o seu eu ou com o outro – se ‘veste’
ou se ‘traveste’ de acordo com as circunstâncias”. Daí, “a chamada personalidade
narcisista emergente, que, em nossa sociedade, expressaria uma estrutura de caráter
que perdeu interesse pelo futuro...” (CANEVACCI, 2005, p.34).
Nesse contexto, alonga-se a fase mais móvel e criativa do sentir-se jovem – tornar-
se um jovem interminável. Assim, “os jovens são atemporais no sentido de que
ninguém pode sentir-se como excluído desse horizonte geracional” (CANEVACCI,
2005, p.35-6).
Ao finalizar, mencionam-se argumentos que, em vez de identidades, herdadas ou
adquiridas, defendem a utilização da categoria de análise identificação por estar mais
próxima da realidade do mundo globalizado. É concebida como uma atividade
que nunca termina, sempre incompleta, na qual todos nós, por necessidade ou
escolha, estamos engajados. Há pouca chance de que as tensões, os confrontos e
os conflitos que essa atividade gera irão subsistir. A busca frenética por identidade
não parece ser um resíduo dos tempos pré-globalização que ainda não foram
totalmente extirpados, que tendem a se tornar extintos conforme a globalização
avança. Pelo contrário. Essa guerra de identificação está em plena marcha na
contemporaneidade.
44

Referências
ULBRA – Educação a Distância

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4
JOGO DE ESPELHOS: A CRISE DAS
IDENTIDADES SOCIAIS NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA

Paulo G. M. de Moura

Introdução
A sociedade contemporânea apresenta um alto grau de complexidade, e a
compreensão das transformações por que ela passa requer um olhar igualmente
complexo e multidimensional. Isto é, precisamos analisar os acontecimentos e
fenômenos sociais por diversos ângulos e recorrendo a diversos instrumentos teóricos
para podermos compreender o que se passa em todas as suas dimensões.
Uma dimensão muito importante das transformações em curso na sociedade
atual diz respeito à chamada “crise das identidades culturais”. O conceito de
identidade diz respeito à forma como nos percebemos ou somos percebidos em
sociedade. Formamos nossas identidades por reflexo em relação às pessoas e meios
sociais nos quais vivemos. O ambiente social contemporâneo é constantemente
bombardeado pelos estímulos da mídia. Consequentemente, nossas identidades
sociais experimentam profundas transformações. Entender esse processo é
fundamental para compreender a sociedade em que vivemos.

4.1 De que cultura estamos falando?


Ao consultarmos o verbete “identidade” no Dicionário Aurélio Século XXId, dentre
as possíveis definições encontram-se as seguintes: “Conjunto de caracteres
próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, defeitos

d FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio eletrônico século XXI versão 3.0. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1CD ROM. Produzido por Lexikon Informática.
46

físicos, impressões digitais, etc.; ou, ainda, aspecto coletivo de um conjunto de


ULBRA – Educação a Distância

características pelas quais algo é definitivamente reconhecível, ou conhecido”.


Já o verbete “cultura”, na mesma fonte, nos revela uma quantidade bem maior de
possíveis definições, dentre as quais se destacam: “O conjunto de características
humanas que não são inatas e que se criam e se preservam ou aprimoram através da
comunicação e da cooperação entre indivíduos em sociedade [Nas ciências humanas,
opõe-se por vezes à ideia de natureza, ou de constituição biológica, e está associada
a uma capacidade de simbolização considerada própria da vida coletiva e que é
a base das interações sociais.]; a parte ou o aspecto da vida coletiva, relacionados
à produção e transmissão de conhecimentos, à criação intelectual e artística, etc.;
o processo ou estado de desenvolvimento social de um grupo, um povo, uma
nação, que resulta do aprimoramento de seus valores, instituições, criações, etc.;
civilização, progresso; atividade e desenvolvimento intelectuais de um indivíduo;
saber, ilustração, instrução; refinamento de hábitos, modos ou gostos; apuro, esmero,
elegância; Antropologia. o conjunto complexo dos códigos e padrões que regulam
a ação humana individual e coletiva, tal como se desenvolvem em uma sociedade
ou grupo específico, e que se manifestam em praticamente todos os aspectos da
vida: modos de sobrevivência, normas de comportamento, crenças, instituições,
valores espirituais, criações materiais, etc. [Como conceito das ciências humanas,
esp. da antropologia, cultura pode ser tomada abstratamente, como manifestação
de um atributo geral da humanidade (cf. acepç. 5), ou, mais concretamente, como
patrimônio próprio e distintivo de um grupo ou sociedade específica (cf. acepç. 6).];
Filos. Categoria dialética de análise do processo pelo qual o homem, por meio de
sua atividade concreta (espiritual e material), ao mesmo tempo em que modifica a
natureza, cria a si mesmo como sujeito social da história.”
Se procedermos à conversão do verbete “identidade” à condição de “conceito
sociológico”, isto é, de ferramenta para a compreensão científica de um determinado
fenômeno social, podemos dizer, então, que esse conceito define a forma como
indivíduos e coletividades se veem ou são percebidas socialmente.
O mesmo procedimento aplicado ao verbete “cultura” revela-nos dois tipos
de definições para o termo; um que se refere à cultura como atividade elitista
relacionada à atividade artística ou à erudição de indivíduos ou grupos sociais
com acesso à educação e ao conhecimento artístico e de atividades do gênero, e
outro, que se refere a uma interpretação mais geral do termo, e que se relaciona
a dimensões mais amplas da atividade humana em sociedade, envolvendo
hábitos, costumes, valores e práticas sociais generalizadas e acessíveis a quaisquer
indivíduos ou grupos sociais, independentemente do acesso que tenham à formação
educacional ou ao conhecimento erudito do mundo das artes.
Essa segunda definição do verbete é a que se aplica à conversão em conceito sociológico
para fins de estudo da crise das identidades culturais na sociedade contemporânea.
47

4.2 O que se entende por “crise das identidades sociais

ULBRA – Educação a Distância


contemporâneas
Um dos autores de maior destaque no estudo desse assunto é o cientista social
jamaicano radicado na Inglaterra, Stuart Hall, que, num artigo sobre o temae,
argumenta que “as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo
social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o
indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado”. Para Hall, a “crise de
identidade” individual e coletiva tem origem no impacto das mudanças decorrentes
do processo de globalização em curso, que estaria “deslocando estruturas e
processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência
que forneciam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social”.
A globalização é comumente analisada pelo viés econômico. No entanto, ela é,
também, um processo complexo e inseparável de suas dimensões de integração
social, política e cultural, que decorre da interconexão de todas as regiões e
comunidades do planeta Terra por sistemas de comunicação on-line em tempo
real. Segundo Hall, esse processo de integração estaria fragmentando as “paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade”, que forneciam
“sólidas localizações aos indivíduos sociais” aos indivíduos e coletividades no período
antecedente da história.
Identidades individuais contemporâneas estariam recebendo o impacto dessas
mudanças. Nesse contexto, desestrutura-se a percepção que os indivíduos
contemporâneos têm de si mesmos. Antes nos percebíamos como sujeitos integrados,
unos e harmônicos. Já não é mais assim. Segundo estudos contemporâneos, estaria em
curso uma desestruturação das identidades dos indivíduos a partir de seu lugar no
mundo social e cultural e dos indivíduos propriamente ditos. Esse processo deu origem
aos estudos contemporâneos sobre a “crise das identidades culturais”. (HALL, 1999)

4.3 Sujeitos sociais modernos e contemporâneos


Stuart Hall nos mostra, em seu estudo, que a maneira como a condição de sujeito
social é percebida na sociedade moderna evoluiu com o passar do tempo, passando
por três diferentes definições:
a) sujeito do Iluminismo;
b) sujeito sociológico;
c) sujeito pós-moderno.

e HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 1999.


48

Para Hall, o sujeito do Iluminismo partia de uma concepção de indivíduo


ULBRA – Educação a Distância

autocentrado, segundo a qual a pessoa humana seria totalmente unidimensional,


racional e absolutamente consciente de suas ações, orientadas a partir de num
núcleo que emergia de seu interior a partir do nascimento, e desenvolvia-se ao
longo de sua vida, permanecendo, em essência, inalterada.
A noção posterior, de sujeito sociológico, partia da compreensão de a identidade dos
sujeitos sociais decorrer de um processo de construção interativa da personalidade
dos indivíduos, e refletia a complexidade do mundo moderno emergente. Ou seja,
a evolução da sociedade moderna levou à compreensão de que aquele “núcleo
interior” do sujeito Iluminista não possuía a suposta autonomia e autossuficiência,
sendo formado na interação com os indivíduos com quem se convive socialmente,
estabelecendo-se, assim, relações de mediação social, a partir das quais se constroem
os valores, sentidos e símbolos sociais; isto é, a cultura que envolve a vida dos
indivíduos em sociedade.
Os sujeitos sociais modernos, então, não perderiam sua “essência interior”, mas
agregariam a ela novos ingredientes através da interação com o mundo exterior e
as identidades que a que ele se expõe ao longo da vida. Estabelece-se, dessa forma,
uma conexão entre os processos psíquicos individuais e os processo político-sociais
e culturais nos quais o indivíduo se insere. A identidade, portanto, articula sujeito
e estrutura, e “estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles
habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis”. (HALL,
1999, p.12)
Para Stuart Hall, o impacto da globalização sobre a vida dos indivíduos e das
coletividades da sociedade contemporânea estaria transformando essa concepção
de identidade do sujeito moderno, levada à crise em função das mudanças
estruturais e institucionais do mundo em processo de globalização cultural.
O sujeito da sociedade pós-moderna, então, deveria ser compreendido com alguém
que não tem identidade fixa, nem essência una, estável e imutável. O sujeito
pós-moderno, dessa forma, se comporia de múltiplas identidades fragmentadas,
por vezes até contraditórias ou mesmo não completamente autodefinidas pelo
indivíduo.
Imerso num oceano de referências externas, composto de infinitas combinações de
imagens, sons, informações e indivíduos multifacetados e globalmente inseridos,
real ou virtualmente, em seus círculos de convivência, o indivíduo da sociedade
contemporânea estaria assistindo seus sistemas de classificação e construção de
significados e representações culturais se multiplicarem e assumirem um grau de
complexidade nunca antes experimentado. Dessa forma, o sujeito contemporâneo
teria sua identidade lapidada em contextos historicamente circunstanciados,
e assumiria, em diferentes momentos e ambientes, identidades múltiplas,
49

não necessariamente ancoradas em suportes individuais, coerentes, estáveis e

ULBRA – Educação a Distância


autodefinidos a partir do seu nascimento e preservado até sua morte.
Para o sociólogo Émile Durkheim (1954/1912), é a organização e a ordenação das
coisas através de sistemas classificatórios que leva à construção de significados, pois
nas relações sociais as formas de diferenciação simbólica e social (nós/eles; sagrado/
profano; brasileiros/não brasileiros) estabelecem-se, em parte, através deles.
Para a cientista social Katherine Woodward, as formas pelas quais a cultura
estabelece limites e distinções são fundamentais para compreendermos como
se constroem as identidades sociais e individuais, pois: “cada cultura tem suas
próprias e distintivas formas de classificar o mundo. É pela construção de sistemas
de classificação que a cultura propicia os meios pelos quais podemos dar sentido
ao mundo social e construir significados. Há, entre os membros de uma sociedade,
certo grau de consenso sobre como classificar as coisas a fim de manter uma ordem
social. Esses sistemas partilhados de classificação são, na verdade, o que se entende
por cultura” (WOODWARD, 2000, p.40).
Já, segundo o sociólogo Anthony Giddens, na sociedade moderna, ao contrário
do que ocorre nas sociedades tradicionais, o processo de transformação social se
processa de forma constante, rápida e permanente. Para ele: “(...) nas sociedades
tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e
perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e
o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade
do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas
sociais recorrentes”.f E mais, segundo Giddens, “à medida que áreas diferentes do
globo são postas em interconexão umas com as outras, ondas de transformação
social atingem virtualmente toda a superfície da terra”g e a natureza das instituições
contemporâneas.
As sociedades que passaram por processos de desenvolvimento urbano e industrial
tardio se comparadas aos países ditos “desenvolvidos”, são trespassadas por
múltiplas divisões e antagonismos que geram uma variedade expressiva de
identidades individuais e coletivas. Para o autor Ernesto Laclau, seria a capacidade
de articular de forma conjunta esses diferentes elementos de identidade que
possibilitaria evitar a desintegração dessas sociedades, ainda que esse poder de
articulação seja apenas parcial, o que, para esse autor, permite explicarmos a
dinâmica evolutiva da históriah.
Para melhor compreender sobre o que estamos falando, vamos nos concentrar na
análise da questão das “identidades nacionais”.

f GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press, 1990, p.37-8.


g Ibid., 1990, p.6.
h LACLAU, E. New Reflections on the Resolution of our Time. Londres: Verso, 1990.
50

4.4 A crise das identidades nacionais


ULBRA – Educação a Distância

O Estado-nação, juridicamente definido como unidade constituída pelo agregado


povo-território-governo, é resultado de uma construção histórica e cultural
resultante do processo de transição da sociedade feudal para a sociedade
urbano-industrial. No mundo moderno, então, as identidades nacionais, isto é,
o conjunto de elementos que compõem a forma como determinadas sociedades
nacionais se diferenciam das demais, constitui-se numa das principais âncoras da
identidade cultural dos sujeitos modernos. Assim, os indivíduos tendem a definir-
se e a apresentar-se publicamente perante o mundo que os cerca, a partir de sua
identidade nacional, percebida como parte imanente de suas naturezas essenciais
e como elemento estabilizador de seu psiquismo individual e social.
O filósofo Roger Scruton, por exemplo, aborda essa mesma questão afirmando
que: “A condição de homem (sic) exige que o indivíduo, embora exista e aja como
ser autônomo, faça isso somente porque ele pode primeiramente identificar a si
mesmo como algo mais amplo – como um membro de uma sociedade, grupo,
classe, estado ou nação, de algum arranjo, ao qual ele pode até não dar um nome,
mas que ele reconhece instintivamente como seu lar.”i
Para Stuart Hall, “as identidades nacionais não são coisas como as quais nós
nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação. (...)
a nação não é apenas uma entidade política mas algo que produz sentidos – um
sistema de representação cultural”. (HALL, 1999, p.48-49) As identidades culturais
nacionais, portanto, seriam construções sociais modernas, e os sentimentos de
“lealdade e identificação que numa era pré-moderna ou em sociedades mais
tradicionais eram dados à tribo, ao povo, à religião e à região (grifo nosso), foram
transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais, à cultura nacional” (HALL,
1990, p.49).
Dessa forma as diferenças regionais e étnicas, características culturais das
sociedades antigas, foram gradualmente sendo reconstruídas e redefinidas a
partir da demarcação dos contornos da formação política nova e emergente com
a sociedade moderna: o estado nacional. O Estado-nação, então, se converteu na
nova e poderosa fonte de significados para as identidades culturais modernas.
Para Stuart Hall, símbolos e representações compõem as culturas nacionais tanto
quanto as instituições culturais. Uma cultura nacional é um discurso um modo de
construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto à concepção
que temos de nós mesmos (HALL, 1990, p.50-51). As culturas nacionais, nesse
contexto, seriam representações construídas ao longo da história, que conferem

i SCRUTON, R. Authority and allegiance. In: DONALD, J.; HALL, S. (orgs.). Politics and Ideology. Milton
Keynes: Open University Press, 1986.
51

sentidos à percepção que os indivíduos têm em relação à nação com a qual se

ULBRA – Educação a Distância


identificam.
No contexto das transformações em curso na sociedade contemporânea, a
globalização, entendida como processo multidimensional, estaria pressionado
as estruturas do estado moderno e provocando seu redimensionamento tanto no
sentido vertical (político, jurídico, institucional e administrativo) como horizontal
(geográfico), o que estaria provocando mudanças que explicam boa parte das crises
sociais contemporâneas.
Assim, assistimos simultaneamente à desestruturação e reestruturação das
fronteiras físicas e imaginárias dos Estados-nação, tal como se pode constara pelas
transformações em curso na comunidade europeia. Ocorre, de forma concomitante,
o deslocamento do poder antes soberano e monopolista do estado nacional para
instâncias regionais e locais de poder, dando origem a movimentos separatistas,
políticas públicas de descentralização administrativa, ou ainda, manifestações de
xenofobia, ódio racial e fanatismo religioso, impulsionados por forças sociais em
busca dos novos poderes da sociedade em transformação.
A unificação dos mercados nacionais no processo de formação dos estados nacionais
e da sociedade urbana e industrial moderna originou as estruturas jurídicas e
políticas do estado moderno, e, consequentemente, de seu sistema de crenças e
valores, de representação e identidade cultural. A globalização em suas diversas
dimensões, fortemente influenciada pelo processo de transnacionalização do capital,
em muitos casos está levando ao ressurgimento e a reconstrução de identidades
culturais tradicionais que foram deslocadas de suas funções de identificação social
no período de ascensão do estado nacional moderno.
Quando esse processo começou a revelar contornos mais claros, alguns autores
imaginaram que o efeito desses processos levaria ao enfraquecimento ou destruição
das formas nacionais de identidade cultural. O processo, no entanto, parece mais
complexo do que puderam perceber esses autores. As transformações ocorrem em
vários sentidos e produzem resultados diversos, nem todos conforme as primeiras
impressões sugeriram. Influenciadas pela dinâmica da globalização, então, as
identidades nacionais, estriam sofrendo pressões no sentido de sua readequação
a essa nova realidade.

4.5 Avanços ou retrocessos?


Segundo Hall, o discurso da identidade nacional seria uma representação
construída pelas estórias, mitos, crenças e valores das sociedades, “(...) se equilibra
entre a tentação de retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais
em direção à modernidade. As culturas nacionais são tentadas, algumas vezes, a
se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele ‘tempo perdido’,
52

quando a nação era ‘grande’; são tentadas a restaurar as identidades passadas”


ULBRA – Educação a Distância

(HALL, 1999, p.56).


A crise em curso na Europa da virada da primeira para a segunda década do século
passado parece comprovar as análises do autor, que aponta nesses comportamentos
o “elemento regressivo, anacrônico, da estória da cultura nacional.” Segundo Hall,
em geral movimentos sociais amparados nesses sentimentos nostálgicos ocultariam
lutas por poder que buscam mobilizar a sociedade com discursos de combate às
supostas ameaças que viriam de fora e ameaçariam a “pureza” da identidade
nacional “ameaçada”, com vistas a influenciar o destino das coletividades em
direção ao futuro. (HALL, 1999, p.56)
Dessa forma, sustentadas pelas memórias do passado; no desejo por viver em conjunto;
no impulso pela perpetuação da herança, as identidades culturais nacionais não
devem ser interpretadas como limitados pontos de lealdade, união e identificação
simbólica, mas também, como estruturas de poder cultural. Para Hall, então,
as identidades culturais nacionais devem ser pensadas como “constituindo um
dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade.
(...) sendo ‘unificadas’ apenas através do exercício de diferentes formas de poder
cultural” (HALL, 1999, p.62).
Para esse autor, então, as culturas nacionais galvanizaram socialmente aquilo que
se entende por “modernidade”, e as identidades nacionais se sobrepuseram a
outras fontes de identificação social tais como a noção que os indivíduos tinham
com relação à classe social, ideologias, formas partidárias, origens étnicas, dentre
outras.
No contexto das transformações decorrentes do processo de globalização, então,
esses elementos que compunham a identidade individual e social do sujeito
moderno estariam deslocando o poder que identidades culturais nacionais tinham
como elementos organizadores da sociedade urbana e industrial.

4.6 As três tendências


Ao aprofundar seus estudos sobre a questão das identidades culturais em
transformação, Hall constata pelo menos três possíveis desdobramentos desse
processo. Para ele:

a) as identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da


homogeneização cultural do “pós-moderno” global; b) as identidades nacionais e outras
identidades “locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à globalização;
e c) as identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas – estão
tomando seu lugar. (HALL, 1999, p.69)
53

O racismo protagonizado por grupos étnicos predominantes em certas sociedades,

ULBRA – Educação a Distância


e que se sentem ameaçados pela presença em “seus” territórios, de contingentes
populacionais migrantes num mundo em que o sistema de comunicação e
transportes democratizou o acesso à informação e a mobilidade de segmentos
sociais que, no passado tenderiam a se manter fixos em seus territórios de origem,
é apenas uma das dimensões desse processo. A “invasão” da Europa Ocidental e
dos EUA por contingentes de migrantes vindos da África, da América do Sul ou
da Ásia, então, está na raiz de muitas das manifestações de racismo, xenofobia e
intolerância cultural que vemos no noticiário com frequência hoje em dia.
Para Stuart Hall, o ressurgimento do nacionalismo na Europa Oriental, assim
como o crescimento de grupos fundamentalistas em diversas correntes religiosas,
talvez seja mais bem compreendido se vistos como tentativas para reconstituir
identidades supostamente “puras” de quem se sente ameaçado pelas mudanças e
busca restaurar seus poderes e a coesão dos grupos sociais que se veem contagiados
pelo hibridismo resultante da mistura de múltiplas e mútuas influências culturais,
em contato no mundo globalizado em função das novas tecnologias de comunicação
e transportes.

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5 EDUCAÇÃO NA ERA DIGITAL

Julieta Beatriz Ramos Desaulniers

Honor de Almeida Neto

Introdução
As tecnologias digitais têm apresentado uma intensa evolução, desde o
surgimento da microinformática, do computador pessoal (PC), até o presente,
a era da hiperconexão planetária, possibilitada pela internet e os dispositivos
móveis de comunicação. Seremos profundamente diferentes daqui a alguns anos,
considerando as transformações que vêm ocorrendo em nosso comportamento,
produzidas por tais mediações. Nossa mobilidade física e informacional aumenta
a cada dia. Redes sociais conectam a todos, mídias de massa perdem espaço para
internet, pessoas ficam viciadas em tecnologia e games, crianças aprendem a ler
em tablets e músicos ficam famosos sem o intermédio de gravadoras.
Estamos chegando, efetivamente, na condição cyborg – organismo cibernético
formado por natureza e artifício –, em que o corpo funde-se com objetos da técnica,
tornando-se, portanto, um híbrido. Há vários exemplos de cyborgs. Dentre os
denominados cyborgs protéticos, há os mais radicais, tais como o famoso físico
inglês Stephen Hawking, que vive numa cadeira de rodas motorizada e sua voz
é gerada por circuitos digitais. E o cyber-artista australiano Sterlac, que utiliza o
corpo como palco para experiências, transformando-o em uma espécie de novo
corpo; metade carne, metade ciberespaço.
A maioria dos casos são menos evidentes, mas um olhar mais atento denuncia a
sua condição cyborg. Como exemplo, temos as pessoas que utilizam próteses em
seus corpos: silicones, dentes postiços, marca-passos, lentes e outros artifícios em
que se associa o biológico ao tecnológico, natureza e artifício (LEMOS, 2008).
56

É incontornável, de acordo com estudiosos, que esse processo remodela em ritmo


ULBRA – Educação a Distância

acelerado, os fundamentos materiais da sociedade (CASTELLS, 1998). E, ao longo


de toda a evolução da espécie humana, no decorrer da História, nunca houve
mutações tão profundas e rápidas (ASSMANN, 1998). Nesse sentido, é oportuno
assinalar que, como afirma Lévy:

...se medirmos simultaneamente o surgimento de uma nova temporalidade, o salto para dentro
da acumulação e processamento das informações, a reformulação dos saberes e do saber-fazer, a
mudança dos hábitos, da sensibilidade e da inteligência, e, por fim, a universalidade envolvida
pela cultura informática, então não parece absurdo fazer a comparação com a passagem da pré-
história. Estamos, entrando, na era pós-história. Uma forma cultural inédita está emergindo
da indefinida recursão de um tipo novo de comunicação e processamento simbólico. (LÉVY,
1998, p.37)

Sabido é que “cada ser, principalmente o vivo, para existir, para viver, tem que
se flexibilizar, adaptar-se, reestruturar-se, interagir, criar e coevoluir. Tem que se
fazer um ser aprendente. Caso contrário, morre” (ASSMANN, 1998). Essas são as
condições vitais a todo ser humano e, por extensão, às organizações em que ele
atua. São, igualmente, o caso daquelas entidades e/ou iniciativas que se dedicam
e estão inseridas no campo educativo.

5.1 Era digital: pressupostos e possibilidades


Digital, digitalidade, vida digital... Tais fenômenos são desencadeados por uma
revolução tecnológica e cultural sem precedentes, a partir da transformação de
átomos em bits (NEGROPONTE, 1996). A codificação digital envolve o caráter
plástico, fluido, hipertextual, interativo e tratável em tempo real do conteúdo da
mensagem. Transitar do ambiente analógico para o digital permitiu a criação e
estruturação de elementos de informação, simulações e formatações evolutivas
para os ambientes on-line de informação e comunicação que permitem criar, gerir,
organizar, fazer movimentar uma documentação completa com base em textos,
imagens e sons.
Importa salientar que digital significa

...uma nova materialidade das imagens, sons e textos que, na memória do computador, são
definidos matematicamente e processados por algoritmos, que são conjuntos de comandos
com disposição para múltiplas formatações-intervenções - navegações operacionalizadas pelo
computador. Uma vez que a imagem, o som e o texto, em sua forma digital, não têm existência
material, podem ser entendidos como campos de possibilidades para a autoria dos interagentes.
Isto é, por não terem materialidade fixa, podem ser manipulados infinitamente, dependendo
apenas de decisões que cada interagente toma ao lidar com seus periféricos de interação como
mouse, tela tátil, joystick, teclado. (SILVA, 2010, p.210)
57

Esse intenso processo de mudanças na contemporaneidade, que envolve o

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indivíduo como o principal protagonista das práticas sociais e, por consequência,
das práticas pedagógicas em seu conjunto, conta com um poderoso vetor – as
novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC). São mediações que
se caracterizam pelo ritmo acelerado ao produzirem as relações sociais, nas quais
se formam as individualidades, bem como pela sua velocidade na implantação
desses processos estimulando a inovação.
Nesse contexto, rompe-se com o paradigma que se sustenta na especialização
associado à visão linear e fragmentada, passando a predominar a perspectiva
da complexidade, que se apoia em princípios vinculados à digitalidade. E, assim, os
processos educativos dispõem de um conjunto de possíveis para se constituírem
como “emergentes, abertos, contínuos, em fluxos, não lineares, que podem se
reorganizar conforme os objetivos ou contextos, onde cada um ocupa uma posição
singular e evolutiva” (LÉVY, 1998, p.1 e 2).
Conforme Lévy, é o advento do ciberespaço que:

...dissolve a pragmática da comunicação que, desde a invenção da escrita, havia reunido o


universal e a totalidade. Ele nos leva, de fato, à situação existente antes da escrita – mas em
outra escala e em outra órbita –, na medida em que a interconexão e o dinamismo, em tempo
real, das memórias on-line tornam novamente possível para os parceiros da comunicação,
compartilhar o mesmo contexto, o mesmo imenso hipertexto vivo. (LÉVY, 1998, p.118)

Assim, esse contexto compartilhado é um imenso hipertexto. Mas, o leitor mantém


sua autonomia, desde o ponto em que ele entra no hipertexto tomando uma
decisão em meio a muitas opções. Como o hipertexto não é lido sequencialmente,
é possível construir vínculos automáticos entre diferentes partes do texto e realizar
anotações de diferentes tipos. Com a digitalização do texto, ele pode ser composto
também por sons e imagens animadas, além de ser estruturado em rede. Como
diz Levy: “O hipertexto digital seria, portanto, definido como uma coleção de
informações multimodais disposta em rede para a navegação rápida e intuitiva”
(LÉVY, 1996).
Dessa forma, só é possível alguma compreensão se o leitor entrar no mundo
do autor (através do hipertexto) e recriar, mental e emocionalmente, os sentidos
dispostos através das informações, imagens, sons. Mas, ao mesmo tempo, ele
reescreve o texto, já que tece uma teia diferente da original, ligando pontos remotos
a partir da sua experiência com texto, e percorrendo de uma forma diferente,
estabelece uma compreensão única.
Em outros termos, no ciberespaço ou hipertexto mundial interativo, cada um pode
adicionar, retirar e modificar partes da estrutura telemática, como um texto vivo,
constituindo um organismo auto-organizante. É, igualmente, um ambiente que
58

tende a promover competências múltiplas, reforçá-las e/ou até substituí-las, assim


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como gerar laços comunitários e instaurar a inteligência coletiva (LEMOS, 2002).


Por isso, Lévy afirma que “toda e qualquer reflexão séria sobre o devir dos sistemas
educativos na cibercultura, que se fundamentam nas NTIC, prescindem de uma
análise prévia sobre a mutação contemporânea da relação com o saber”. Assinala
que, “pela primeira vez na história da humanidade, a maioria das competências
adquiridas por uma pessoa no começo do seu percurso profissional serão obsoletas
no fim de sua carreira”. Como o conhecimento não para de crescer, “trabalhar
equivale cada vez mais a aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos”.
O trabalho não possui mais a conotação de gerar bens duráveis, embora ao gerá-los,
eles são decorrência natural da produção de conhecimento (LÉVY, 1998, p.1 e 2).
É o que Bauman também diz, quando se refere à sociedade líquido- moderna, onde...
“as realizações individuais não podem se solidificar em posses permanentes porque,
em um piscar de olhos, os ativos transformam-se em passivos, e as capacidades em
incapacidades. E ainda refere o autor que “as condições de ação e as estratégias
de reação envelhecem rapidamente e se tornam obsoletas antes de os atores terem
uma chance de aprendê-las efetivamente” (BAUMAN, 2007, p.7).
Destaca-se que as NTIC, na condição de mediações que distinguem a sociedade
informacional, como toda mediação, vêm despertando sentimentos (e mesmo
práticas) paradoxais no cotidiano dos indivíduos. Em outros termos, a nova era
dispõe ao mesmo tempo de possibilidades inéditas, tanto para um novo salto à
hominização quanto para provocar dependência e liberdade, violência e autonomia,
medo e segurança. Isso vai depender do tipo de decisões de quem for utilizá-las
(ASSMANN, 2002; MATURANA, 2000; LÉVY, 2001).

5.2 Sistema educativo e novas mediações


Experimentamos, hoje, um salto qualitativo em relação ao tipo de comunicação
de massa que prevaleceu até o final do século XX. Verifica-se um deslocamento da
lógica unívoca da mídia de massa, pautada na recepção passiva, para o modo de
comunicação interativa. Afinal, vivemos a cada dia mais intensamente, o predomínio
da modalidade comunicacional que caracteriza a cibercultura, fundamentada na
interatividade, que se distingue por uma comunicação entendida como cocriação
da mensagem, produto de emissão e recepção (SILVA, 2010, p.262-3).
Em outros termos, os sistemas educativos nessa era da cibercultura são desafiados a
se engajarem na dinâmica comunicacional, entendida como colaboração todos-todos
e como faça você mesmo operativo. Nessa lógica, a mensagem não é mais emitida, não
é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, é um mundo
aberto em rede, modificável na medida em que responde às solicitações daquele
59

que a consulta. O receptor, agora, é convidado à livre criação, e a mensagem ganha

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sentido sob sua intervenção.
Nesse contexto, a interatividade manifesta-se em práticas, tais como: e-mails, listas,
blogs, videologs, jornalismo on-line, Wikipédia, YouTube, MSN Messenger, MP3,
Facebook e novos empreendimentos que aglutinam grupos de interesse como
cibercidades, games, softwares livres, ciberativismo, webarte, música eletrônica, etc....
No ciberespaço, cada sujeito pode adicionar, retirar e modificar conteúdos dessa
estrutura; pode disparar informações e não somente receber, uma vez que o polo da
emissão está liberado; pode alimentar laços comunitários de troca de competências,
de coletivização dos saberes, de construção colaborativa de conhecimento e de
sociabilidade (LEMOS, 2002).
Obviamente, o computador on-line não é um meio de transmissão de informação
como a televisão, mas um espaço de adentramento e manipulação em janelas
móveis, plásticas e abertas a múltiplas conexões entre conteúdos e interagentes
geograficamente dispersos. Para além das interferências, manipulações e
modificações nos conteúdos presentes na tela do computador off-line, os
interagentes podem interagir realizando compartilhamentos e encontros de
colaboração síncronos e assíncronos (SILVA, 2010, p.269).
Por isso, a aprendizagem digital e on-line é exigência da cibercultura, isto é, do novo
ambiente comunicacional que surge com a interconexão mundial de computadores em
forte expansão no início do século XXI; novo espaço de comunicação, de sociabilidade,
de organização, de informação, de conhecimento e de educação. A aprendizagem digital
e on-line é demanda do novo contexto socioeconômico-tecnológico engendrado a partir
do início da década de 1980, cuja característica geral não está mais na centralidade da
produção fabril ou da mídia de massa, mas na informação digitalizada em rede como
nova infraestrutura básica, como novo modo de produção.
Devido às profundas transformações instauradas nos meios de comunicação,
informação e transmissão (NTIC), fundadas nos códigos da digitalidade, novas
demandas se impõem a toda organização, em especial à organização escolar,
que tem no fazer pedagógico o processo de produção que lhe distingue como
campo educativo frente aos demais campos que constituem o espaço social. Nessa
perspectiva, são inúmeras as mediações disponíveis para incrementar os processos
educativos, comentados a seguir.

• Internet
A internet configura-se como a mídia de convergência, oferecendo recursos
fundamentais para a aplicação de estratégias de comunicação, em que emissor e
receptor deixam de ser compreendidos como polos estáticos e hibridizam-se em suas
funções. Como um sistema essencialmente aberto, a web (World Wide Web – www)
60

possibilita a busca de informações em toda a rede, num fluxo constante, aumentando


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a força de uma comunicação interativa, individualizada e, ao mesmo tempo, coletiva.


Saad acredita que os diferenciais da World Wide Web são: interatividade, conectividade,
flexibilidade, formação de comunidades e arquitetura informacional (SAAD, 2003).
Essa grande rede composta por vários sistemas – a web –, caracteriza-se por um
conjunto de servidores que suportam documentos formatados em linguagem
HTML (HyperText Markup Language). Suportam links para outros documentos,
gráficos, áudio e arquivos de vídeo. Possibilita ao usuário “passar de um documento
para outro simplesmente clicando em links”. Outros servidores da internet não
fazem parte da World Wide Web e, dentre os mais populares, destacam-se o Netscape
Navigator e o Microsoft Internet Explorer (STASIAK & BARICHELLO, 2010, p.18).
Vale considerar os avanços significativos nas gerações da web. A atual, web 3.0,
apresenta um sistema que inclui desde redes sociais, serviços empresariais on-line
até sistemas GPS e televisão móvel, assim como etiquetas inteligentes, que permitem
lidar com a informação de forma mais acessível. Cientistas destacam como principal
característica da web 3.0, a questão da convivência on-line, como acontece com os
avatares em jogos virtuais, por exemplo (STASIAK & BARICHELLO, 2010, p.19).
Indiscutivelmente, a web torna-se cada vez mais uma realidade em nossas vidas.
O aumento do número de usuários é constante. De acordo com pesquisa do Ibope,
em parceria com a Nielsen Online, no primeiro trimestre de 2012, o número de
pessoas com acesso à internet no Brasil chegou a 82,4 milhões.

5.3 Impacto das novas mediações ao campo educativo


Investigações têm demonstrado o enorme potencial cognitivo das novas
tecnologias, destacando as possibilidades de desenvolvimento de competências
bastante sofisticadas (metacognitivas, afetivas, sociais, etc.), desde que o contexto
humano lhes sejam favoráveis. Alias, tal contexto “...é essencial, pois dependem
de sua qualidade e pertinência, os benefícios que se pode obter de um ambiente
informatizado”. Vale também observar que “...uma mesma tecnologia resultará em
efeitos cognitivos diversos, dependendo do contexto humano em que for utilizado”
(DEPOVER, KARSENTI, KOMIS, 2007, p.4).
De acordo com Silva, processos educativos na era digital dispõem da “infotecnologia
em rede, favorável à proposição do conhecimento à maneira do hipertexto”, em
que não há mais a prevalência da distribuição de informação para recepção
solitária e em massa. Computadores, laptops, celulares, palmtops, tablets, iPhones
conectados em rede mundial favorecem e intensificam a mediação, instaurando
uma produção complexa do conhecimento, com participação colaborativa dos
participantes envolvidos na aprendizagem, em redes que conectam textos, áudios,
vídeos, gráficos e imagens em links na tela tátil (SILVA, 2005).
61

É fundamental perceber a nova ambiência comunicacional, que emerge com

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a cibercultura, e as possibilidades de interatividade e de criação coletiva nela
disponíveis ao mundo educativo. Isso supõe colocar-se “a par da atualidade
sociotécnica informacional e comunicacional definida pela codificação digital
(bits), a digitalização que garante o caráter plástico, hipertextual, interativo e
tratável do conteúdo”, em tempo real. Desse modo, processos educativos passam
a contemplar “atitudes cognitivas e modos de pensamento” em sintonia com a
contemporaneidade. Ou seja, contempla o novo espectador, a geração digital e,
consequentemente, a qualidade em educação efetiva, que supõe participação,
compartilhamento e colaboração (SILVA, 2005).

5.3.1 Geração Internet


Há uma geração denominada de digital ou geração internet, que se constitui a partir
do deslocamento da tela da TV (de massa) para a tela do computador on-line,
passando a requer novas disposições comunicacionais do conjunto de agentes que
atuam no âmbito do sistema educativo.
Perfil e características dessa geração foram detalhados em obra publicada por
Tapscott, onde destaca suas posturas quanto a: liberdade; integridade; colaboração;
entretenimento; velocidade; inovação (TAPSCOTT, 1999, p.92). Nesse sentido,
constam abaixo algumas afirmações por ele emitidas em A hora da geração digital:

– ...Eles estão buscando liberdade... (p.93); ...insistem na liberdade de escolha. Trata-se de


uma característica básica da mídia que consomem (p.95);

– ...usam a tecnologia para fugir do escritório e do expediente tradicionais; e que integram a vida
doméstica e social à vida profissional (...) vejo sinais de uma tendência geracional (p.93);

– Eles preferem um horário flexível e uma remuneração baseada em seu desempenho e valor
de mercado – e não no tempo em que ficam no escritório (p.93);

– ...Eles parecem ter uma forte consciência do mundo à sua volta e querem saber mais sobre
o que está acontecendo (p.99);

– A geração Internet se importa com a integridade...; ...e esperam que as outras pessoas
também tenham integridade (p.105), que significa, sobretudo, dizer a verdade e cumprir
seus compromissos (p.106);

– ...são colaboradores naturais e, em todas as esferas da vida (p.112);

– Essa é a geração do relacionamento (p.110);

– Por terem crescido em um ambiente digital, eles contam com a velocidade. Estão acostumados
a respostas instantâneas, 24 horas por dia, sete dias por semana (p.115);
62

– Essa geração foi criada em uma cultura de invenção. A inovação acontece em


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tempo real (p.117).


A dinâmica que vem possibilitando a construção de uma geração digital, a qual
se distingue radicalmente das gerações de todos os tempos, até aqui, desencadeia
também transformações na educação. De acordo com Tapscott, a geração internet
“...tem na ponta dos dedos, acesso a boa parte do conhecimento do mundo. Para
eles, o aprendizado deve acontecer onde e quando quiserem” (TAPSCOTT, 1999,
p.95-96). Neste sentido também rompe-se com a educação tradicional pois

...ir a uma aula expositiva de um professor medíocre em um lugar e horário específicos,


em uma sala na qual eles são receptores passivos, parece estranhamente antiquado, ou até
totalmente inapropriado. O mesmo vale para a política. Será que um modelo de democracia
que oferece apenas duas opções e os obriga a ouvir durante quatro anos, entre uma eleição e
outra, políticos que repetem infinitamente os mesmos discursos vai realmente satisfazer as
suas necessidades? (TAPSCOTT, 1999, p.95-96)

Por fim, parece mesmo que a educação necessita reinventar-se para dar conta dos
anseios e demandas de formação da geração digital.

NOTAS
- Parte de nosso mundo se tornou ciberpunk:
(http://www.momentumsaga.com/2012/09/o-que-e-cyberpunk.html /).
- O termo cyberpunk aparece para designar um movimento literário no gênero da ficção
científica, nos Estados Unidos, unindo altas tecnologias e caos urbano, sendo considerado
como uma narrativa tipicamente pós-moderna. O termo passou a ser usado também para
designar os ciber-rebeldes, o underground da informática, com os hackers, crackers,
cyberpunks, ctakus, zippies. Esses seriam os cyberpunks reais. Assim, o termo cyberpunk
é, ao mesmo tempo, emblema de uma corrente da ficção científica e marca dos personagens
do submundo da informática.
(http://www.academia.edu/1771479/Ficcao_cientifica_cyberpunk_o_imaginario_
da_cibercultura).

Referências bibliográficas
ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. RJ: Editora Zahar, 2007.
______. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. RJ: Jorge Zahar, 2003.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
63

DEPOVER, Christian; KARSENTI, Thierry; KOMIS, Vassilis. Enseigner avec les tecnologies –

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favoriser les apprentissages, developper des competences. Quebec: Presses de Univ. du Québec,
2007.
HALL, S. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
LEMOS, A. Cultura das redes: ciberensaios para o século XXI. Salvador: EDUFBA, 2002.
NEGROPONTE, N. A vida digital. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
TAPSCOTT, Don. A hora da geração digital. Rio de Janeiro: Agir Neg, 1999.

Referências digitais
SILVA, Marco. Educação na cibercultura: o desafio comunicacional do professor presencial e
on-line. In Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v.12, n.20, p.261-271,
jul./dez., 2003.
(htp://www.uneb.br/revistadafaeeba/files/2011/05/numero20.pdf)
______. O desafio comunicacional da cibercultura à educação via internet. In:
STASIAK, Daiana; BARICHELLO, Eugenia M. da R. Estratégias comunicacionais em portais
institucionais: apontamentos sobre as práticas de relações públicas na internet brasileira. In:
STASIAK, Daiana; SANTI, Vilso Junior (orgs.). Estratégias e identidades midiáticas: matizes
da comunicação contemporânea. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011 (htp://www.pucrs.br/
orgaos).
htp://www.paraentender.com/internet/rede-social (site com glossário)
TRIVINHO, Eugênio; DOS REIS, Angela Pintor; Equipe do Cencib/PUCSP. A cibercultura em
transformação: poder, liberdade e sociabilidade em tempos de compartilhamento, nomadismo
e mutação de direitos. São Paulo: ABCiber; Instituto Itaú Cultural, 2010 (htp://www.abciber.
org/publicacoes/livro2).
6
FRONTEIRAS DA TOLERÂNCIA:
ETNICIDADE, GÊNERO E RELIGIÃO

Maria Clara Ramos Nery

Introdução
No presente capítulo, trabalharemos a temática: Fronteiras da Tolerância:
etnicidade, gênero, religião e acessibilidade. Estas temáticas se fazem necessárias,
pois na contemporaneidade encontramo-nos numa linha de fronteira entre a
tolerância e a intolerância acerca de determinantes étnicos, de gênero, religioso
e acessibilidade. Refletirmos sobre estes aspectos envolve compreendermos os
aspectos sociais e culturais que determinam ações de indivíduos e grupos quanto
às relações étnicas, de gênero e religiosas, pois há em nossa realidade diversidades
que demarcam ações que influem diretamente nos nestes aspectos que não
se coadunam com os pressupostos da liberdade, igualdade e da fraternidade,
instaurados desde a Revolução Francesa de 1789, tão caros ao que podemos
considerar enquanto um convívio social que se paute pela efetiva tolerância e
compreensão das diferenças.
Há uma linha de fronteira de tolerância quanto aos aspectos anteriormente citados.
Linha de fronteira esta que envolvem a obstaculização de ações que podem se
pautar pela compreensão das diferenças ou não compreensão destas, fazendo
com que aspectos discriminatórios encontrem-se presentes em nossa realidade
contemporânea ocidental. Se verificarmos as notícias veiculadas pelos meios de
comunicação de massa, podemos compreender exatamente a presença desta linha
de fronteiras, que denotam muitas vezes nossa dificuldade contemporânea de
lidarmos com as diferenças, notadamente em relação com as questões étnicas, de
gênero, religiosas e de acessibilidade.
66

Abordaremos neste capítulo, cada uma das categorias, para que possamos
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compreender de melhor forma a linha de fronteira existente. Primeiramente


trabalharemos as questões étnicas, depois as questões de gênero, de religião e por
fim as questões relativas à acessibilidade, para que se tornem claros os próprios
determinantes desta linha de fronteiras entre a aceitação e a rejeição por parte de
indivíduos e grupos de seus semelhantes. Esta aceitação ou rejeição encontram-se
presentes na cultura e sendo assim demarcam nossa contemporaneidade, alicerçada
na diversidade cultural, por consequência mesma das transformações de caráter
social, político, econômico e no caso aqui, cultural, advindas da globalização,
que não pode ser compreendida apenas em sua face econômica, mas também
em sua face cultural, porque também houve o que Renato Ortiz denomina de
mundialização da cultura, originando diversidades e marcando diferenças que se
tornaram também transnacionais. Neste sentido, devemos compreender que na
contemporaneidade não possuímos mais linhas de fronteiras demasiado claras
até mesmo entre os Estados.
O processo de globalização levou a intensificação da interculturalidade, marcada
pela troca de elementos culturais que se expressa no processo de imigração e do
turismo. Este processo tende a colaborar com a diminuição do traço característico
típico das fronteiras e das tradições locais. Neste sentido os aspectos culturais não
se constituem mais enquanto efetivamente locais, gerando por consequência uma
forma de conviver no mundo marcada pela indeterminação cultural, onde os traços
característicos típicos de cada cultura se tornam como que “nublados”, mesclados
de traços de outras culturas. Por esta razão a contemporaneidade é caracterizada
pelo hibridismo cultural, que gera por consequência novas identidades híbridas
que estão tomando o lugar das identidades nacionais (HALL, 1998).

6.1 Fronteiras da tolerância étnica


Primeiramente, o que podemos compreender como etnicidade? Podemos
compreender a etnicidade em seu sentido amplo, a partir do fato de termos o
mesmo idioma, estarmos vivendo num mesmo ambiente, possuirmos as mesmas
tradições, os mesmos ritos, mitos, símbolos e crenças, demarcados pelo território,
que denotam o modo característico de vida de uma dada população. Estes aspectos
caracterizam os traços étnicos que originam interesses de dimensão coletiva e
vínculos sociais de solidariedade e comunitários. Cabe salientar também que as
sociedades são constituídas pela união de grupos étnicos e que podemos investigar,
interpretar e analisar os determinantes sociais a partir da análise dos grupos étnicos
que se encontram, formando uma unidade que podemos denominar de universo
social. Pensarmos a etnia envolve compreendermos as diferenças socioculturais
que são apreendidas por indivíduos e grupos.
67

Na contemporaneidade, em termos de uma visão culturalista, o conceito de raça não

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está mais sendo utilizado para demarcar as diferenças entre os grupos sociais, mas
sim o conceito de etnia que envolve os pressupostos socioculturais, pois se manifesta
como de maior abrangência para a compreensão das diferenças presentes em nossa
realidade. Neste sentido, entra em descrédito o aporte científico do conceito de
raça, envolvendo agora o deslocamento para o eixo cultural (LIMA, 2008).
A etnicidade envolve o que é relativo ao relacionamento entre grupos que se
percebem como distintos de outros grupos em termos culturais e sociais. Há com
relação a este aspecto grupos étnicos percebidos como diferentes pelos demais
grupos ou por eles mesmos. As diferenças percebidas entre grupos podem também
ser incorporadas por outro grupo. Cabe salientar que as diferenças étnicas são
determinadas historicamente, socialmente e politicamente. Este fato, origina por si
mesmo o que se denomina de identidade étnica, que envolve sempre um processo
de autoidentificação. Este processo de autoidentificação envolve o perceber-se
enquanto pertencente a um determinado grupo, resgatando ou fazendo frente
a sensação de não pertencimento presente na contemporaneidade a partir da
constituição de identidades híbridas.
Cada grupo étnico a partir de sua historicidade e perspectivas elabora uma prática
discursiva que o caracteriza, pratica esta sempre relacional, pois envolve um
discurso que se orienta e se realiza para o outro. Neste sentido há na questão da
etnicidade um determinante sempre relacional. Pois a identificação ou diferença
envolve o outro que passa a ser sempre significante na constituição da identidade
individual e de grupo. Portanto, desenvolve-se uma prática discursiva que expressa
toda uma concepção do outro para que o grupo étnico possa inclusive manter sua
identidade. Há aqui, diferenciação e identificação, demarcada essencialmente pelo
discurso em relação, este discurso é determinado pela historicidade de cada um
dos grupos em relação de interação.
A prática discursiva relacional, característica dos grupos étnicos envolve um
processo de redefinição do próprio ser étnico. Este processo não é estático, mas
profundamente dinâmico determinado pelo contexto social envolvente. Neste
sentido, devemos compreender que a apreensão de uma etnia, de uma característica
grupal étnica ocorre na medida em que há em função dos determinantes sociais o
perigo da perda da identidade.
Podemos verificar na contemporaneidade que estão se constituindo grupos étnicos
dos mais variados matizes, justamente em função deste perigo de perda de identidade,
pelo processo de interculturalidade presente em nossa realidade. Pois estamos
vivenciando um processo de homogeneização cultural em termos globais. Sendo
assim, como forma de resistência a este processo e enquanto busca de identidade,
estão se constituindo grupos étnicos que reforçam a identidade individual e grupal
68

e, neste sentido é que podemos falar na constituição de identidades híbridas, como


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forma de enfrentamento da homogeneização cultural global.


Refletirmos acerca da etnicidade é refletirmos essencialmente acerca da comunicação
cultural, que envolve a ideia mesma de diferença. O universo das diferenças étnicas
na contemporaneidade origina uma forma de resistência, que mencionamos
anteriormente. Resistência a uma forma específica de homogeneização que
desintegra identidades. Neste sentido, considerando a questão relacional que
envolve a etnicidade, devemos compreender que esta é constituída a partir da
relação com o outro, o que envolve a alteridade. Neste sentido, as diferenças entre
os grupos étnicos são também fatores de afirmação das características próprias
de cada grupo. É a partir do outro que consigo ver a mim mesmo. Este aspecto é
que permite que compreendamos a etnicidade enquanto comunicação relacional
cultural, pois são elementos culturais e históricos que estão no processo de
identificação, diferenciação e autodefinição.
Percebendo-se as especificidades que compõem a etnicidade, como podemos
refletir acerca das fronteiras étnicas presentes na contemporaneidade? É muito
tênue a linha de fronteira da tolerância no âmbito das diferenças étnicas. A par das
práticas discursivas de respeito às diferenças, vivenciamos na contemporaneidade,
justamente pela centralização da questão em nível cultural, considerando-se a
etnicidade, uma nova forma de exercício de racismo, que se denomina xenofobia
(Lima, 2008). Desenvolve-se uma prática discursiva reelaborada do racismo, pois a
xenofobia, se manifesta enquanto reelaboração do discurso racista existente até então.
A xenofobia envolve uma forma de rejeição ao que é estrangeiro, ao que é estranho
à cultura de um dado país, notadamente no contexto dos países europeus, que
elaboram políticas as quais obstaculizam a imigração, principalmente com relação
a africanos e árabes, justamente para evitar a concorrência no mercado de trabalho,
bem como evitar ameaças a integridade cultural e identidade europeias (LIMA, 2008).
A adoção por parte dos países europeus de medidas que se podem dizer
contrárias a imigração, envolvem a prática discursiva do direito de não misturar-
se culturalmente com o contingente de imigrantes, em nome do próprio respeito
às diferenças, propicia formas reconfiguradas de racismo, de caráter xenofóbico,
em nome mesmo da diversidade étnica e cultural. Neste sentido, segundo Lima
(2008), a tolerância envolve-se de um sentido marcadamente excludente e também
separatista. Neste contexto, na dimensão clara da linha de fronteira existente,
a própria defesa da diversidade étnica assume contornos claros de exclusão e
separação dos diferentes em termos culturais. Este é o aspecto que se faz novo em
termos do racismo presente na contemporaneidade, que se manifesta nos países
europeus, que discrimina, segrega, exclui e marginaliza em nome da concorrência
no mercado de trabalho, mas convém salientar que é sempre o estrangeiro africano
ou árabe que na sociedade europeia fará o serviço que os brancos nativos não
irão fazer, ou seja, os trabalhos de menor significação e status social, marcado
69

por marginalizações e preconceitos, ou seja, funções cuja visibilidade social é

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praticamente nenhuma, como, por exemplo, garis, pedreiros, e assim por diante.
O processo de exclusão se manifesta pela invisibilidade social a que estão
submetidos indivíduos e grupos marcados por pressupostos racistas, xenofóbicos,
na contemporaneidade, denotando intolerância ao diferente. Assim constitui-
se uma forma toda particular de lidar com as diferenças étnicas, que ferem
dramaticamente os direitos humanos de igualdade. Igualdade esta que se pauta
pela existência de condições materiais de vida e respeito por parte de indivíduos
e grupos. Neste sentido, encontramo-nos diante de uma forma toda particular
de intolerância, intolerância de caráter camuflado por uma prática discursiva de
respeito às diferenças, mas que no campo das ações nada mais faz do que submeter
o diferente culturalmente, etnicamente.
Necessário se torna trabalharmos neste momento alguns aspectos presentes nas
relações étnicas no contexto da sociedade brasileira. Nossa sociedade se pauta pela
presença em sua estrutura social da desigualdade. Esta, evidentemente, traz consigo
o processo de marginalização de indivíduos e grupos. A sociedade brasileira em
seu sentido cultural é sincrética e por assim ser envolve a junção de culturas, de
traços culturais dos grupos étnicos aqui presentes. Mas neste contexto, devemos
considerar que se encontram fortalecidos os estudos étnico-raciais, com enfoque
nos conceitos de afrodescendência, etnia e identidade negra, sem deixar-se de
considerar a categoria de raça, que se encontra historicamente relacionada com a
afrodescendência da população brasileira e consequentemente do racismo enquanto
forma de desigualdade nos diversos setores e espaços da sociedade (LIMA, 2008).
Historicamente o negro foi marginalizado no contexto da sociedade brasileira. Há
aqui a presença de um preconceito de caráter subliminar, que em função mesma da
Constituição de 1988, não pode se manifestar claramente. Mas ele existe, ele segrega,
marginaliza e exclui. Como em nossa sociedade temos a cultura da mediação o
racismo brasileiro é pleno de paradoxos, na medida mesma em que há a tendência
de considerar-se o negro enquanto minoria étnica, quando é justamente o contrário
em termos reais, concretos de nossa sociedade. Afirma Lima, o seguinte: “As etnias
negras no contexto brasileiro são demarcadas pelas raízes históricas socioculturais e
políticas que marcam a formação populacional brasileira no contexto do escravismo
e pelas relações estabelecidas tanto nas suas ancestralidades distantes como nas
vivências contemporâneas” (LIMA, 2008, p.38).
A ambiguidade ou os paradoxos com relação ao racismo brasileiro partem
historicamente de uma ideologia racial com aparente conotação científica, elaborada
pelas elites econômicas, intelectuais e políticas. Segundo Lima (2008), cabe salientar
o fato de que o racismo brasileiro é pleno de ambiguidades, porque circula entre
culturas, folclore, grupos culturais, cor da pele, fenótipos, status e função social.
Menciona a autora que é um comportamento que tem como característica típica o
70

resultado de atitudes, ideias e discursos paradoxais. Estes paradoxos se manifestam


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por comportamentos apoiados pelos meios de comunicação de massa, praticados


nos espaços públicos e privados. A autora referida também salienta para o aspecto
da oralidade, a qual podemos considerar aqui práticas discursivas reprodutoras
do racismo.
No contexto da hierarquia social, quanto mais alto ou quanto mais baixo se está com
maior facilidade se utiliza de práticas discursivas garantidoras da impunidade do
agressor, como forma de descrédito de quem se diz vítima do racismo. O racismo
brasileiro é irresponsável, na medida em que é a própria negação dos direitos
humanos que se encontra institucionalizada e em comportamentos sociais de todos
os grupos (inclusive a vítima) (LIMA, 2008).
Destaque-se, como destaca Maria Batista Lima (2008), que na contemporaneidade
pode-se mencionar a existência de um racismo institucional, que envolve operações
anônimas de discriminação em organizações, profissões ou em sociedades inteiras,
pois o racismo subliminarmente permeia toda a sociedade, na medida em que
destrói a motivação de indivíduos e grupos relegados à condição de subclasse, é
camuflado, pois suas causas não são detectáveis, mas suas consequências sim. O
racismo institucional, mantém sua forma discriminatória afetando as instituições
por muito tempo. O conceito de racismo institucional, estabelecido por Lima (2008),
põe em relevo o próprio papel das ações afirmativas, como forma de erradicar a
discriminação racial.
Nos limites do presente capítulo, convém destacar que na sociedade brasileira no
processo vivenciado de desmistificação da pratica discursiva da democracia racial e
da ideologia do branqueamento contribuiu para avanços políticos que melhor nos
permitem compreender as identidades. As problematizações acerca das identidades
se articulam com lutas políticas que objetivam a redução das desigualdades sociais
para indivíduos e grupos negros, fomentando também no contexto da sociedade
políticas de ação afirmativa que consideram a historia e a cultura africana, sendo
este um processo de avanço, mas que não determina o fim mesmo do racismo
brasileiro. Há ainda muito a avançar, até chegarmos ao reconhecimento dos direitos
de igualdade dos negros na sociedade brasileira, pois ainda são muito tênues as
fronteiras da tolerância que se pautam pela etnicidade, e ainda há em suas múltiplas
faces formas subliminares do exercício do preconceito.

6.2 Fronteiras da tolerância de gênero


Refletirmos sobre a questão do gênero é termos como referência Joan Scott, a qual
assinalou que a categoria de gênero envolve a compreensão das mulheres e dos
homens, das interações entre homens e mulheres, das desigualdades existentes
entre estes e das hierarquias sociais. O conceito de gênero se confronta com o
71

determinismo biológico das relações entre os sexos, envolvendo, portanto, um caráter

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marcadamente social. A abrangência do conceito ou categoria de gênero envolve
homens e mulheres definidos em reciprocidade e nunca separadamente.
Joan Scott define gênero enquanto um elemento constitutivo de relações sociais,
que se fundaram a partir das diferenças percebidas entre os sexos, neste sentido o
gênero constitui-se numa primeira forma de dar significado as próprias relações
de poder que perpassam a relação homem e mulher e a forma como este mesmo
poder é articulado. As relações de gênero originam-se de símbolos culturalmente
disponíveis no contexto das sociedades, que envolvem representações simbólicas
e mitos acerca mesmo dos papeis sociais de homens e mulheres. Estes símbolos
e mitos que circundam as relações de gênero têm sua origem em doutrinas
religiosas, educativas, políticas e/ou jurídicas, que demarcam os limites que se
tornam estabelecidos no próprio exercício dos papéis sociais de homens e mulheres,
presentes nas sociedades. A categoria de gênero rompe também com a visão binária
das concepções de masculino e feminino.
Joan Scott, em sua concepção de gênero permite compreender as formas pelas quais
as identidades de gênero são construídas e relacioná-las com as representações
sociais historicamente situadas se faz necessário. Em muitos aspectos de nossa
vida cotidiana podemos detectar a demarcação das relações de gênero. Segundo
Torrão Filho (2005), os objetos, as moradias, a organização espacial das cidades
modernas, a rotina doméstica e o que ela envolve, refletem e constituem as relações
de gênero na contemporaneidade.
A partir da concepção de gênero se podem perceber também os processos de
organização concreta e simbólica da vida social e as inter-relações de poder nas
relações entre homem e mulher. Neste sentido a partir do gênero podemos chegar
a uma melhor forma de compreender a complexidade das relações existentes entre
diversas formas de interação humana (TORRÃO FILHO, 2005). Pensarmos homem
e mulher a partir da categoria de gênero é buscarmos compreender também os
aspectos relacionais circundados pelas relações de poder originadas do exercício
dos papéis sociais desempenhados, que possuem seu aporte nos determinantes
culturais da percepção do homem e da mulher e da relação entre estes, no âmbito
das sociedades.
Se pensamos a diferença entre os sexos, considerando a categoria de gênero, deve-
se perceber a definição do que são características identidárias do masculino e do
feminino e isso é essencialmente sociocultural, pois as mulheres aprendem a ser
femininas e submissas e os homens aprendem a manutenção de sua masculinidade.
Há, portanto, uma divisão sexual de papéis que se modifica historicamente de acordo
com as transformações estruturais de caráter econômico, político, cultural e social.
Se nos reportamos à história das sociedades ocidentais, verificaremos que houve
a supremacia do masculino sobre o feminino, relegando à mulher um papel
72

secundário na vida política, econômica e cultural das sociedades. Até o advento do


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feminismo, movimento social que objetivou romper com a supremacia masculina,


isso estava determinado como algo que não poderia ser alterado, na medida em que
as próprias representações sociais acerca da mulher e de seu papel na sociedade
legitimavam este nível de diferenciação.
Notadamente, no século XX, e em meados deste, com o advento do movimento
feminista, impõe-se uma questão, que envolve não apenas compreender o que faz
com que os homens e mulheres sejam vistos como fundamentalmente diferentes,
mas o porquê desta diferença estabelece uma hierarquização em que o masculino
é imposto enquanto superior ao feminino (TORRÃO FILHO, 2005). Consideramos
este o aspecto essencial, que a categoria de gênero nos permite aos poucos clarificar
– o processo de hierarquização na relação homem-mulher, onde o homem tem
prevalência social sobre a mulher.
A prevalência social do homem sobre a mulher, essa hierarquização, gera formas
de opressão, que envolvem uma realidade de caráter objetivo que atinge um
contingente expressivo de mulheres, que deve ser entendida a partir dos contextos
sociais, históricos e culturais, envolvendo um movimento complexo e também
contraditório entre sociabilidade e individualidade, no contexto das relações de
gênero e a própria totalidade da vida social. (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).
O surgimento da propriedade privada levou a que tivéssemos uma reconfiguração
dos espaços familiares, nas relações de trabalho e também no contexto da
organização social, prevalecendo nova forma de organização social que irá influir
nas relações entre homens e mulheres. As mulheres tiveram que assumir novas
tarefas, que ficaram restritas às atividades domésticas, enquanto que para o homem
o trabalho fora do campo doméstico encontrava-se devidamente destinado. Neste
sentido, a mulher socializada para o espaço doméstico tinha as atribuições de
cuidadora e responsável pela manutenção da ordem no contexto da casa.
Estas atribuições acabam por também refletir-se em suas atribuições no espaço
público. Ora, esta é uma divisão social do trabalho de caráter sexuado, que contribui
drasticamente para a inferiorização da mulher no campo das relações de trabalho,
na medida mesma em que se instaura uma divisão sexuada do trabalho, na relação
entre homem e mulher, ficando para estas atividades que reproduzem o cuidar,
professora, assistente social, enfermeiras, por exemplo, que quer queiramos ou
não, possuem menor visibilidade no contexto do espaço público (SANTOS e
OLIVEIRA, 2010).
No âmbito das condições objetivas e subjetivas dos papéis sociais que ocupam
homem e mulher socialmente e da desigualdade que envolve estas relações,
constata-se que a mulher não possui acesso igualitário ao trabalho, aos salários,
às organizações públicas, de forma geral. Há uma prática objetiva e discursiva que
fomenta a reprodução do machismo, com maior liberdade ao homem do que à
73

mulher. Dentro deste aspecto, deve-se considerar a forte influência religiosa-cultural

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judaico-cristã, que transmite uma visão da mulher como cuidadora e do homem
como o provedor-chefe, que tem poder sobre a mãe e os filhos. Este é um processo
de construção social, que tem relação direta com o patriarcalismo, que estabelece
ainda na contemporaneidade a dominação masculina, no âmbito mesmo da vida
social (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).
No contexto da sociedade brasileira, esta relação com o patriarcalismo se mantém,
pelos seguintes aspectos enumerados por Saffioti, citado por Santos e Oliveira (2010):
a) não se trata de uma relação privada, mas de uma relação civil;
b) dá direitos aos homens sobre as mulheres, praticamente sem restrição;
c) configura um espaço hierárquico de relação, que invade todos os espaços da
sociedade;
d) tem uma base material;
e) corporifica-se;
f) representa uma estrutura de poder, que tem por base a ideologia e a
violência.
Considerando-se estes aspectos, podemos verificar que as formas de opressão e de
violação de direitos que são vivenciadas pelas mulheres envolvem também o campo
afetivo-sexual, na medida em que são diversificadas as formas de violência que
se desenvolvem no âmbito da vida privada, ferindo drasticamente aos direitos de
igualdade entre homens e mulheres. Por parte do Estado, percebe-se também um
processo de dominação, na medida em que há regras que estabelecem o controle
da sexualidade feminina e capacidade reprodutiva. Verifique-se a proibição do
aborto no contexto da sociedade brasileira, que é regida pelo Estado, com fortes
aportes religiosos.
Na contemporaneidade pode-se verificar o fato de que as relações de gênero
compõem-se da relação também entre o patriarcado e o capitalismo, sendo que
este se apropria das estruturas simbólicas e das condições objetivas do patriarcado,
que envolvem as relações de gênero. Neste sentido, o processo de opressão e de
violação de direitos vivenciadas pelas mulheres se tornam efetivas também no
campo afetivo-sexual. Não se pode negar que são várias as faces da violência
contra a mulher, desenvolvidas no contexto da vida privada, bem como não se
pode negar os problemas que se tornam decorrentes da violação pelo Estado
dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, essencialmente no âmbito da
sociedade brasileira (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).
As relações desiguais de gênero se configuram enquanto uma forma de objetivação
atualizada do patriarcado, como sistema que domina e ainda oprime as mulheres
74

no contexto das sociedades. O patriarcado que é essencialmente um sistema de


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dominação, se estrutura a partir dos seguintes aspectos: a) a utilização da violência


como forma de subjugar; b) o controle sobre o corpo; c) a manutenção das mulheres
enquanto dependentes economicamente; d) interdição à participação política das
mulheres (SANTOS e OLIVEIRA, 2010).
As relações de gênero envolvem uma linha de fronteira, também muito tênue, na
medida em que ainda permanece a concepção patriarcalista na relação homem-
mulher e, sendo assim um processo de dominação, cuja violência existe como forma
de submeter ao outro-feminino e “colocá-lo no seu lugar”. A violência doméstica
encontra-se em plena expansão, principalmente no contexto da sociedade brasileira,
sociedade esta patriarcal, que é ideologicamente legitimado pela concepção
judaico-cristã, que atribui à mulher um papel sempre secundário, no contexto da
sociedade envolvente.
Constatando-se estes aspectos, em termos de uma determinação social, ainda
torna-se necessária uma luta para com que as mulheres, notadamente, no contexto
da sociedade brasileira, conquistem a igualdade entre os gêneros. As contradições
presentes no sistema dominante, capitalismo, podem abrir caminho para a busca
de transformações que objetivam uma nova ordem social, que obtenha maior
igualdade nas relações de gênero, ultrapassando os determinantes também
religiosos, que envolvem uma representação social e simbólica de sacralização da
família, sendo a mulher a eterna cuidadora constituindo-se em termos de seu papel
social ocupado, sua capacidade de sujeito político que pode atuar em igualdade
no contexto das relações presentes na sociedade.

6.3 Fronteiras da tolerância religiosa


A religião possui dupla função: social e psicológica. A social dá-se como força
constituinte da coesão e do ordenamento social, enquanto que a psicológica está
relacionada com as carências emocionais e idealizações de indivíduos e grupos.
Quando nos referimos à função social, queremos significar que é vivenciada
coletivamente, através de crenças expressas, ritos visíveis, culto exterior, cerimônias
públicas. Ou seja, é construção humana que se manifesta coletivamente. É parte
integrante da sociedade que a influencia e é influenciada por ela.
A sociedade é fruto das relações que se estabelecem entre os grupos humanos, que
buscam sobreviver em seu sentido imediato e histórico. É a partir da necessidade
de sobrevivência imediata e histórica que cerca a todos os seres humanos, que se
constituem universos de representações coletivas:

[...] uma espécie de realidade em segundo nível que interpreta a realidade material, a relação
do homem com a natureza e as relações sociais, dando-lhes um sentido. É este sentido que
forma a base para os sistemas e práticas que possibilitam a reprodução das relações, oferecendo
75

assim, um modelo, ou quadro de comportamento para os indivíduos ou grupos. (HOUTART,

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1982, p.11)

Houtart (1982), ao trabalhar o fenômeno religioso como uma “realidade em


segundo nível que interpreta a realidade material”, permite verificar a significação
do religioso, presente também na abordagem de Berger (1985), que é oferecer um
modelo, ou quadro de comportamento para a análise dos indivíduos e grupos. É
necessário que todo o indivíduo possua um referencial no qual possa se apoiar e
estabelecer a lógica de seus procedimentos e agir dentro dos espaços de interlocução
que lhe são facultados no interior do contexto por ele vivenciado. Neste sentido ele
necessita de um discurso que uma vez internalizado lhe permita a construção do
referencial que para ele funcionará como guia e possibilitará a que possa situar-se
dentro dos parâmetros aceitos pela sociedade.
Os valores morais, éticos, culturais, as regras e as normas presentes no universo
social possuem esta função, que permite aos indivíduos interagir e organizar
seus padrões comportamentais dentro do estabelecido, do permitido, do aceito
e não aceito, demonstrando também este aspecto a característica normativa do
fenômeno religioso em sua função social. A religião também é um instrumento que
vem atender a esta necessidade humana de circular nos espaços de interlocução
e estabelecer a conversação segundo Berger (1985). É esta conversação que se
instaura das mais diversas formas, rituais, culturais, simbólicas, etc., que permite
o contato com a realidade exterior, no sentido da construção de uma estrutura
plausível de mundo. Existe, também, a outra face do humano: a interioridade, que,
no dizer de Houtart (1982), é a realidade sendo positivada a partir do processo
de internalização.
O fenômeno religioso constitui-se como condicionado e condicionante da sociedade
em sua dimensão supraestrutural. Condicionado por ser originário das relações
sociais e condicionante, na medida em que as representações religiosas, entendidas
como o conjunto de imagens, esquemas simbólicos e ideais veiculados, produzem
repertórios de ações coletivas que determinam padrões comportamentais, os quais
influirão no contexto social envolvente, uma vez que são os sistemas de símbolos
culturais que integram a sociedade, porque são como um “elo”, que estabelece
vínculos e padrões que permitem o existir no mundo objetiva e subjetivamente. Elo
este que percebido por Norbert Elias (1994) o fez afirmar: “o que une os indivíduos
não é cimento”.
A qualidade sagrada das crenças, rituais e objetos da religião efetiva-se enquanto
tal, através da reação coletiva de um determinado grupo social. As concepções
religiosas constituintes de um universo de representações simbólicas surgem
de um contexto social e histórico que determina formas de organização social
da produção de bens materiais e simbólicos, que condicionam a ação de toda e
qualquer religião que nele nasça; e, por outro lado, vão influir na sociedade na
76

medida em que internalizadas, ou interiorizadas por indivíduos e grupos, criam


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uma prática social determinada, também constituinte de subjetividades.


É o social em suas dimensões econômica, política e cultural que imprime na religião
um “marco de fronteiras”. Mas também há que se considerar, pela complexidade
cada vez maior da realidade originária dos novos fenômenos religiosos que o social,
embora sempre relevante, não responde por si só ao “porque” e ao “como”, indivíduos
e grupos aderem cegamente a mensagens religiosas frágeis de conteúdo.
Deve-se compreender que a esfera sociocultural é marcada pela retroalimentação
das disparidades sociais originárias e fortalecida pelas esferas sociopolítica e
socioeconômica. São variados os campos em que esta retroalimentação se patenteia,
mas consideramos de significativa importância o concernente aos preconceitos
sociais. Na contemporaneidade estamos vivenciando condutas de caráter radicais.
Radicalismo este que se consubstancia enquanto expressão de preconceitos, na
interação entre concepções religiosas de mundo. Este preconceito, reproduzido
no religioso, envolve ações de caráter fundamentalista, na medida em que este se
pauta por uma conduta de demonização do que é diferente.
A força antagônica das legitimações religiosas é a negação plena da ordem, o caos,
representado pela realidade do demônio, ou seja, a qualidade positiva da ordem é
Deus, a qualidade negativa desta mesma ordem é o demônio. O fundamentalismo
reaviva no contexto dos campos religiosos contemporâneos a demonização do
mundo. A demonização expressa-se como um recurso estratégico, diante de um
confronto belicoso (ORO, 1997) para a reversão de forças que são antagônicas ao
próprio fundamentalismo religioso, neste sentido, tendo-se por base Berger (1985),
pode-se entender que, de certa forma, esta estratégia encontra-se intimamente
relacionada com a instauração da anomia (ausência ou flexibilização das normas
sociais), no contexto das sociedades contemporâneas.
No campo religioso brasileiro o neopentecostalismo é uma prática religiosa que
se consolida na contemporaneidade, mas que, trabalhando em seu universo de
representações simbólico-religiosas com a demonização e a prática do exorcismo,
traz para dentro de sua prática discursiva e não discursiva elementos claros do
pré-moderno, relacionados à magia, como forma de angariar a adesão à sua
denominação. Ora, neste processo de intercalar pós-moderno e pré-moderno
consolida-se a presença de uma religiosidade flutuante e essa mesma forma de
religiosidade envolve também pensarmos em termos de uma religião fragmentada,
que incorpora o que podemos denominar um mosaico de mensagens que
consubstanciam a busca pelo crente e que, uma vez conquistados estabelecem-
se narrativas que internalizadas levam a uma conduta de um fechar-se para
outras formas de religiosidade, tomando-se inclusive uma conduta bélica para
com outras denominações religiosas. Daí se compreende também o seu caráter
fundamentalista.
77

Quando a significação aceitável do mundo é rompida, encontramo-nos diante da

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anomia, ou seja, da separação radical do mundo social. Os laços emocionais se
desintegram, bem como o indivíduo perde a sua orientação na experiência. Não
consegue manter a relação dialógica com o mundo e, por conseguinte, não realiza a
conversação. O êxtase religioso, a explosão emocional, a catarse coletiva, funcionam
como uma alternativa possível e necessária.
A agudização das contradições presentes na sociedade contemporânea, pela própria
reconfiguração do modo capitalista de produção acabou por requerer um elemento
simbólico julgado eficaz como forma de explicação da realidade e, a magia, através
de uma prática discursiva de demonização que perpassa os campos religiosos
contemporâneos, retorna. Este retorno também pode inserir-se no contexto
da ausência de reciprocidade, ou seja, de condições igualitárias de existência.
Esta ausência no espaço do real fomenta o encontro de formas alternativas que
possam expressar o encontro de condições mais igualitárias, ou incrementar
o individualismo como condição alternativa para a igualdade imaginada por
indivíduos e grupos adeptos de uma dada denominação religiosa.
As práticas religiosas e expressões de religiosidade, na contemporaneidade,
circulam entre elementos objetivos e elementos subjetivos que atendem às
necessidades ou à propostas de uma dada denominação religiosa na qual em suas
práticas discursivas e não discursivas unifica-os. Constrói-se, assim, uma mensagem
que o adepto internalizará. Da mesma forma, deve-se considerar como elementos
subjetivos, aqueles que atendem às necessidades dos adeptos, objetivando encontrar
a plausibilidade do mundo, uma ordem no mundo da vida, diante da ausência de
certezas presente na contemporaneidade.
A vida na contemporaneidade gera nos indivíduos e grupos a sensação de incerteza,
desordem, desconforto e angústia, que exige pela opacidade da ausência de
respostas adequadas ao existir humano no mundo a construção de repertórios de
ações individuais e coletivas que permitam o reencontro com a ordem do mundo
da vida perdida, a qual se expressará pelo processo de reencantamento do mundo
através das expressões de religiosidade.
São os seguintes os elementos objetivos das denominações religiosas na
contemporaneidade: 1) cura, exorcismo e prosperidade – os produtos oferecidos no
mercado religioso; 2) utilização dos meios de comunicação de massa; 3) utilização
e divulgação do padrão american way of life em sua forma de apresentar a fé cristã,
mantendo o crente e/ou o adepto na condição de leigo; 4) doutrina “flutuante”; 5)
desafio para com Deus; 6) prática discursiva de obtenção imediata de bens materiais
e simbólicos; 7) sacralização do profano; 8) utilização de uma lógica departamental
– lógica do consumo; 9) utilização da contrapropaganda.
São os seguintes os elementos subjetivos dos adeptos das denominações religiosas
na contemporaneidade: 1) encontro de uma estrutura plausível de mundo
78

enquanto ordenadora da desordem existencial; 2) oportunidade do encontro da


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vivência da experiência máxima, a partir da intensificação da emoção no espaço


das “reuniões”; 3) sensação da realização do deslocamento da exclusão para a
inclusão (desenraizamento-antes/pertencimento-depois) a partir da adesão à igreja;
4) melhora da autoestima; 5) libertação dos males; 6) o aqui e o agora estabelecendo
a imediaticidade possível e imaginária das conquistas; 7) contato direto com o
comunicador, de personalidade carismática; 8) relação diferenciada com a morte –
amortecimento do impacto da consciência da mortalidade. Os elementos objetivos
e subjetivos parecem influenciar na construção de um repertório ético-religioso
de concepções de mundo e de ações, que permite uma nova leitura da realidade
cotidiana e consequente construção de padrões comportamentais, que passam a
influir no contexto social envolvente.
As igrejas tradicionais e históricas mantendo sacerdotes ou pastores como
detentores do poder sagrado, intermediários da relação homem-Deus, são
questionadas por uma nova prática e expressões de religiosidade, na qual
indivíduos e grupos, cumpridores de seus deveres religiosos, podem ser
possuídos pelas bênçãos de Deus, ou pelo demônio se não cumpridores dos
referidos deveres. Neste sentido, desloca-se para a esfera estritamente individual
enquanto responsabilização e culpabilização dos indivíduos os benefícios e males
de suas vidas. Berger (1985) deixará claros aspectos da privatização das tradições
religiosas, como característica típica das sociedades contemporâneas, alicerçada
na individualização.
Em termos de Brasil, consideramos que os segmentos subalternos da população
brasileira estão encontrando no pentecostalismo e no neopentecostalismo elementos
que, determinados pelo processo de desigualdade social, permitem-lhes fazer
frente às frustrações vivenciadas na realidade através de uma forma específica
de apresentar e vivenciar a fé cristã e que, por sua vez, funciona como força
motivacional para a mudança de seus padrões comportamentais, uma vez que é
sempre necessário ao ser humano adaptar-se às mudanças presentes na realidade
objetiva.
Da mesma forma, referenciando-nos em Bauman (1999), os poderes terrenos não
podem erradicar a desigualdade presente e, sendo assim ela religião se insere no
espaço do privado, ou seja, torna-se uma questão pessoal. Pode-se perceber, então
que, o pentecostalismo e o neopentecostalismo, expressões de religiosidade que
se pautam essencialmente por uma liderança carismática e vínculos doutrinários
flexíveis, em suas relações com seus adeptos constitui-se no serviço fornecido
socialmente, na sustentação artificial diante do peso das contradições presentes
na realidade, pois as igrejas, possibilitando uma “reeducação dentro de uma
moral”, estabelecem o caminho a ser seguido, a sinalização confiável que favorece
a existência de um mínimo de segurança.
79

E, no contexto sociocultural brasileiro contemporâneo, as formas de religiosidade

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que se apresentam, demonstram as transformações ocorridas no imaginário
popular, a partir das determinações da realidade objetiva, mesmo que de retorno
a uma religiosidade primitiva (OLIVA, 1997), advindas de um universo social
eminentemente urbano, com suas complexidades, impossibilitando a ordem e,
destituindo os antigos donos do sagrado de seus poderes – as igrejas tradicionais
e históricas.
O campo religioso brasileiro na contemporaneidade, em termos de perspectivas,
do avanço das igrejas evangélicas pentecostais e neopentecostais, é marcado pela
queda de instituições religiosas que se pautam por um compromisso paroquial e
com princípios doutrinários fortes, presentes nas igrejas tradicionais e históricas.
O que se anuncia é o crescimento de denominações religiosas que consideram
e priorizam a emocionalidade, a busca da vivência da experiência máxima, a
elevação da autoestima, o imediatismo das soluções dos problemas objetivos e
subjetivos.
Se consideramos André Droogers, em sua proposta da Religiosidade Mínima
Brasileira, verificamos que esta é uma religiosidade que se rege por manifestar-
se publicamente em contextos seculares, veiculada pelos meios de comunicação
de massa e pela linguagem cotidiana. É integrante da cultura brasileira. Essa
religiosidade, não carece de mediadores entre o sagrado e o profano. Ela, por ser
constituinte da linguagem cotidiana, realiza por si mesma essa intermediação,
garantindo uma postura religiosa mínima, alicerçada principalmente no binômio
Deus e fé. Sendo assim, diferentes visões de um mesmo mundo podem conviver
lado a lado.
O passado convive com o presente, o presente convive com o futuro ou de uma
forma geral, radicalmente considerando, não há o futuro, pois neste processo
abre-se sempre o espaço para o retorno do tradicional, em termos religiosos ou do
universo de representações simbólico-religiosas. Consideramos estes como traços
marcantes presentes no campo religioso brasileiro que obstaculizam o espírito do
tempo, o espírito de época, marcando a religiosidade brasileira de traços que se
coadunam com posturas e concepções mais atinentes a um período histórico já
transcorrido que, em muitos pontos, não acompanham o processo evolutivo da
sociedade, ficando sempre o traço da tradição a reger as sociabilidades e até mesmo
as novas formas de perceber-se e agir no religioso. São significativas as palavras
de Aubrée e Laplantine acerca da cultura da mediação brasileira:

[...] No Brasil, não há o branco e o negro, mas o branco, o negro e o índio. Não há o humano
e o divino, mas o humano, o divino e os intermediários, que são os santos. Não há o passado
e o presente, mas o passado, o presente e a famosa saudade, que é a permanência do passado
no presente. Não há um sim absoluto nem um não definitivo, mas, entre sim e o não, um
muito frequentemente mais ou menos. Não há a terra e o céu, mas a terra, o céu e o céu que
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desce a terra. Não há os mortos e os vivos, mas os mortos, os vivos e os espíritos dos mortos
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que reencarnam. Não há, enfim, a alma e o corpo, mas a alma, o corpo e o médium que tenta
reuni-los [...] (AUBRÉE e LAPLANTINE, 2009, p.225-226)

Os homens do novo milênio, em função de suas incertezas, ansiedades e


angústias ambicionam a posse do sagrado sem intermediações para atenderem
imediatamente às suas inquietações. Neste sentido, a religião assume papel
significativo na esfera privada em detrimento da esfera pública, embora seja coletiva
no contexto dos cultos, missas e reuniões, cujo processo de contágio abastece às
individualidades.

Referências
AUBRÉE, Marion; LAPLANTINE, François. A mesa, o livro e os espíritos. Gênese, evolução e
atualidade do movimento social espírita entre França e Brasil. Maceió/AL: EdUFAL, 2009.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
BERGER, P. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo:
Edições Paulinas, 1985.
DROOGERS, André. A religiosidade mínima brasileira. In: Religião e Sociedade. Rio de Janeiro:
14/2, ISER/CER.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
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7
TRABALHO E EMPREGO NO MUNDO
DAS NOVAS TECNOLOGIAS

Everton Santos

Introdução
O Brasil vem despontando no cenário internacional como a sétima economia
mundial aliada a um relativo declínio das desigualdades sociais a partir de
seu crescimento econômico e da redução dos juros de nossa economia. Esta
oportunidade, singular na história recente do país, abriu-se justamente num
contexto novo, do fim da rivalidade entre o capitalismo e o comunismo e ao
mesmo tempo do declínio dos EUA como superpotência hegemônica, dando
vazão as ditas “potências emergentes”, entre elas o Brasil.

Para o País isto tem significado oportunidades de emprego e renda, diminuição


da pobreza e o aumento da chamada “classe média”, que tem na sua obtenção de
título de curso superior sua principal realização profissional. Neste sentido, cumpre
ressaltar os fluxos migratórios tradicionais de brasileiros, a procura de emprego
para os países ditos desenvolvidos diminuíram significativamente, havendo, em
alguns casos, um efeito reverso, não só com a fixação de cidadãos no País, mas a
existência de imigração de norte-americanos e europeus (a despeito da crise da
economia norte-americana e da Europa) para países como o Brasil, vindo ocupar
postos de trabalho que demandam boa qualificação profissional. É sintomático este
efeito, uma vez que os dados divulgados pelos órgãos oficiais do próprio governo
têm apontado para uma discrepância entre o crescimento de nosso PIB (Produto
Interno Bruto) e o parco investimento em pesquisa e ensino para acompanhar
devidamente nosso desenvolvimento nacional. Há, portanto, um hiato entre um
82

país que “parece querer emergir”, uma economia que clama por mão de obra
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qualificada e as possibilidades deste desenvolvimento ameaçado justamente pela


falta desta “mão de obra”.

Assim, este capítulo “Trabalho e emprego no mundo das novas tecnologias” tem
por objetivo apresentar as novas condições de empregabilidade neste mundo de
novas tecnologias que está se descortinando, portanto, de novas oportunidades
e ameaças para o Brasil e os brasileiros, num contexto novo da economia do
conhecimento. Então, a pergunta provocativa para abrir nosso capítulo é: como se
caracteriza este novo cenário da economia do conhecimento? Quais as condições de
empregabilidade nesta nova economia num mundo de novas tecnologias? Quais
são as competências necessárias, as qualidades imprescindíveis para o profissional
do século XXI conectar-se neste país, neste mundo?

Para responder a estas questões, dividimos este capítulo em três partes


interdependentes. Na primeira parte, “Economia do conhecimento”, vamos
caracterizar o contexto em que vivemos como um momento novo de uma sociedade
pós-industrial deste início de século, que não é mais a economia de exploração do
início de nossa colonização, nem mesmo a economia agroexportadora da primeira
metade do século passado ou mesmo a economia industrial recente, mas uma
economia que tem no conhecimento e no avanço tecnológico extraordinário sua
principal mola propulsora para o desenvolvimento. Na segunda parte, tendo como
base esta compreensão, discutiremos a “Empregabilidade na era da economia
do conhecimento”, ou seja, a empregabilidade passará necessariamente pela
redefinição das carreiras, passando-se das “carreiras organizacionais” tradicionais
às “carreiras sem fronteiras”.

Num terceiro momento, “Planejamento e gestão de carreira – o profissional do


século XXI”, discutiremos a necessária gestão e planejamento de sua carreira,
a necessidade de autonomia no planejamento profissional, dando-se ênfase na
responsabilidade individual, propondo ao final do capítulo uma metodologia
mínima para o começo do seu planejamento.

7.1 A economia do conhecimento


O Brasil, como sabemos, foi uma colônia portuguesa que desde o século XV, com a
chegada dos primeiros europeus, teve seu processo de colonização marcado pela
exploração de seus recursos naturais nos primeiros séculos de sua história. Este
processo foi fruto da política mercantilista europeia colonialista que impulsionou
as grandes navegações na procura de novas terras e riquezas na expansão
ultramarítima.
83

As extrações do pau-brasil nas costas litorâneas com a utilização da mão de obra

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indígena, num primeiro momento, abasteceram a coroa portuguesa com recursos
naturais que caracterizaram uma economia de exploração (RIBEIRO, 2000), em
que as riquezas do País eram transladadas da colônia para a Europa. Tal economia
significava o enriquecimento da metrópole portuguesa em prejuízo da colônia e
de seus habitantes autóctones.
Posteriormente, na sequência histórica e dado o início da colonização propriamente
dito, a partir de 1530, os ciclos da cana-de-açúcar e do ouro (nos séculos XVI,
XVII, XVIII) com a utilização da mão de obra escrava africana, e, a partir do
início do século XIX, o ciclo do café com a ajuda da mão de obra de imigrantes
alemães e italianos, caracterizariam uma economia de produtos primários para a
exportação.
Alguns estudiosos argumentavam que o Brasil exportava produtos primários para
os países centrais e em troca importava produtos industrializados no final do século
XIX e início do XX justamente porque a Europa já havia se constituído em uma
importante região industrializada nesta época. Dada esta divisão internacional
do trabalho, com o Brasil exportando produtos primários e importando produtos
industrializados, nós teríamos “vantagens comparativas” em relação a eles, pois
nossos produtos agrícolas seriam vendidos mais caro em comparação com a
importação dos produtos industrializados deles (países centrais) mais baratos, pois
o uso de novos maquinários industriais tenderia a baratear os preços dos produtos
industrializados importados em comparação com o não uso destes maquinários
nos produtos primários. Assim, exportar produtos primários e importar produtos
industrializados davam “vantagens comparativas” para o Brasil, pois venderíamos
caro e importaríamos barato.
Todavia, uma forte crítica dos estudos da Cepal (Comissão Econômica para a
América Latina) demonstrou que este raciocínio estava equivocado, pois as
exportações de produtos primários teriam um limite, “as pessoas não podem comer
mais do que a sua barriga suporta”, mas os produtos industrializados podem ser
comprados de maneira abundante (MANTEGA, 1990). Ou seja, a demanda por
produtos industrializados tende a ser maior do que a demanda por produtos
primários, e assim teríamos uma alta no preço dos produtos industrializados
europeu-americanos e uma queda nos produtos primários exportados (a lei da
oferta e da procura). Um mau negócio para nós!
Dada esta constatação, o Brasil passa a investir pesadamente numa política para
a industrialização do País, principalmente a partir dos anos 1930, buscando
recuperar este “gap” com a criação de um parque industrial brasileiro capitaneado
pelo Estado.
O Brasil passou, ao longo do século XX, consolidando-se como um país de economia
industrial. Com um êxodo rural expressivo de agricultores para os centros urbanos,
84

a expansão da mão de obra assalariada, a criação do salário mínimo, da carteira de


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trabalho e toda legislação trabalhista moderna edificada a partir da Era Vargas, o


processo de industrialização brasileiro se tornou irreversível já nos anos 1940 e 1950.
Quando o Brasil se consolida como uma nação industrial, os países centrais, que até
então eram países industriais, passam paulatinamente a exportar suas indústrias
para os países ditos “periféricos”, de “terceiro mundo”, como os países latino-
americanos, não só porque encontram uma mão de obra barata, uma legislação
flexível, tributos menores, mas, também, a inexistência de uma legislação ambiental
que puna indústrias poluentes. Todavia, estes países centrais passam a concentrar-
se cada vez mais na produção do conhecimento.
Na verdade, a nova divisão internacional do trabalho, principalmente na segunda
metade do século XX, passa a dividir-se entre aqueles países que produzem o
conhecimento, tecnologia e inovação, e aqueles que são os consumidores deste
conhecimento e destas tecnologias.
Neste caso, tanto os EUA quanto a Europa e posteriormente alguns países asiáticos
foram os grandes produtores de conhecimento, não só pelos investimentos e
o acúmulo de capital que realizaram em priscas eras, como pelo acúmulo de
conhecimento através do desenvolvimento de pesquisas e inovações tecnológicas
no pós-guerra.
Este padrão de consumidores de tecnologia e pesquisa, pelos países “periféricos”,
“emergentes”, ficou mais ou menos estável até o final dos anos 1980, quando a
divisão do mundo entre capitalistas pró Estados Unidos e o comunistas pró União
Soviética era vigente.
Contudo, três grandes impactos de proporções tectônicas mudaram a ordem das
coisas, mudaram a ordem política, a ordem econômica e a ordem tecnológica,
alterando o panorama internacional de maneira significativamente profunda,
segundo ZaKaria (2008).
O fim da União Soviética e a queda do muro de Berlim simbolizaram a mudança
da ordem política, com o colapso de um modelo de sociedade dita “comunista”,
que tinha no partido único e na economia centralizada e planificada seu mote
central, alterando a ordem mundial no qual a rivalidade entre o mundo capitalista
e o mundo comunista passa a dar lugar à liberalização dos regimes autoritários,
a difusão da democracia liberal, tornando-se ponto de pauta principal na agenda
internacional de países que até então viviam sob os auspícios da União Soviética,
entre eles os países do leste europeu.
Na ordem econômica, intensificou-se a livre movimentação do capital e do
dinheiro, agora não mais restrito aos países capitalistas, mas a todos aqueles que
se aventurarem a ingressar nesta ordem “por livre e espontânea pressão”, dadas
as novas circunstâncias econômicas, que não deixavam margem para o isolamento.
85

Neste sentido, houve a difusão de bancos centrais independestes em diferentes

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países e um forte controle da inflação em países da América Latina como o Brasil e
a Argentina, por exemplo, que enfrentavam altos índices inflacionários. Certamente,
o controle desta inflação possibilitou equilibrar estas economias, estabilizando-
as politicamente. A Índia e a China, neste sentido, foram duas grandes nações,
dignas de nota na contribuição para a contenção da inflação mundial produzindo
produtos de custo barato para o mundo ocidental de maneira abundante. Hoje,
não se consegue mais comprar uma “lembrancinha” de nenhum país no mundo
que não tenha um made in China. Até a loja oficial dos Beatles na Baker Street em
Londres é made in China.
Junto a estas mudanças de ordem econômica e política, também a mudança
tecnológica tornou este mundo mais conectado, interligado como uma “aldeia
global”, como diz Friedman (2000), “o mundo é plano”. Desde as grandes
navegações, temos uma intensificação destes processos de interconexão entre os
povos sob a face da Terra. O desenvolvimento tecnológico das comunicações, com
o acesso aos telefones móveis, a banda larga dando acesso à rede internacional de
computadores (internet), a TV digital, as viagens intercontinentais mais rápidas,
mais baratas e acessíveis certamente tornaram este mundo muito menor, “muito
frequentado”.
Estas três ordens de mudanças deixaram o mundo mais aberto, é verdade,
mais conectado e, portanto, mais exigente, na medida em que permitiram pela
instantaneidade e visibilidade dos acontecimentos mundiais a comparação entre
países, regiões, pessoas e empresas, abrindo a competição internacional para muitos
países, inclusive os ditos “países emergentes” como nós.
É verdade, também, que esta conexão internacional alargou os mercados,
diversificou os produtos, aumentou os concorrentes, levando à destruição de muitos
empregos, inclusive redesenhando-os numa nova era econômica, que chamaremos
aqui de “economia do conhecimento”, cujas fontes de riqueza não são mais os
recursos naturais ou o trabalho físico dos séculos pretéritos, mas o conhecimento
e a comunicação (STEWART, 1998). Nesta nova economia, a disputa agora é pela
posse, produção e distribuição do conhecimento em escala global.
Este, evidentemente, sempre foi um componente importante na história da evolução
da humanidade. Desde a pré-história, na passagem do período da pedra lascada
ao período da pedra polida, no domínio manual de determinadas técnicas para
o fabrico de instrumentos, avançando-se à revolução industrial inglesa, com
a mecanização do trabalho, lá estava o conhecimento como mola propulsora
dos avanços científicos e tecnológicos. Contudo, nunca anteriormente visto, o
conhecimento tomaria a centralidade que tem na contemporaneidade, por esta
razão a denominação de economia do conhecimento.
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Do acúmulo de ferramentas, máquinas, capital econômico, passamos à busca de


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acúmulo de conhecimento, de “capital intelectual” j. Como argumenta Stewart


(1998), a Volkswagen havia declarado nos anos 1990 que precisavam de dois
terços de seus funcionários para manter sua produtividade, e os empregos nos
EUA na indústria caíram de 34% da força de trabalho em 1950 para 16% em 1996
e atualmente chegam a 12%.
É lugar-comum constatar que cada vez mais as empresas têm investido em
tecnologias de ponta, substituindo trabalhadores, operários das linhas de
montagens por robôs, computadores e equipamentos mais sofisticados. Se, por
um lado, este fenômeno destruiu vários empregos, por outro, criou uma série de
oportunidades para gerentes, projetistas, comerciantes e operadores. As empresas
passaram a depender cada vez mais da produção do conhecimento, de patentes e
pesquisas. Indústrias que transportam informações estão crescendo mais rápido
do que aquelas que transportam mercadorias, o tráfego internacional de telefone
vem aumentando 16% ao ano e 30% do tráfego da internet (STEWART, 1998).
Dentro desta perspectiva, há o surgimento das chamadas “indústrias culturais”,
“indústrias criativas” que têm na exploração da criatividade e do talento
individuais capacidade para a criação de riqueza e trabalho. Entretanto, esta
exploração econômica diferencia-se daquela meramente industrial, porque passa
obrigatoriamente pela devida apropriação dos direitos de propriedade intelectual.
Assim, um filme, um livro, um CD, um software podem ser agregadores expressivos
de valores tanto quanto produtos clássicos como carros ou eletrodomésticos de
um país ou região. Tudo isso num mundo em que as pessoas estão menos pobres
e mais propensas ao consumo de massa.
A despeito das oportunidades que se abriram neste início de século, o professor
Zakaria (2008), da Universidade de Harvard, tem apontado que a proporção de
pessoas que vivem apenas com 1 dólar ou menos por dia no mundo despencou
de 40% em 1981 para 18% em 2004, e estima-se que cairá a patamares de 15% de
2015 em diante. O fato é que a miséria está diminuindo em países que abrigam 80%
da população mundial. Em 142 países, que incluem a China, Índia, Brasil, Rússia,
Indonésia, Turquia, Quênia e África do Sul, as populações pobres estão sendo
absorvidas por economias produtivas e crescentes. Este fenômeno está criando
uma situação em que os países que outrora eram apenas observadores no cenário
internacional passam a ser agora atores protagonistas. Assim, complementa o autor,
há evidências destas oportunidades quando verificamos que o edifício mais alto
do mundo fica em Dubai e não em Nova York, o homem mais rico do mundo é um
mexicano, o maior avião do mundo está sendo fabricado na Ucrânia e na Rússia,

j Veremos no item seguinte a definição de “capital intelectual”.


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a maior indústria cinematográfica do mundo (dentro da perspectiva da indústria

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criativa) não é Hollywood nos EUA, mas Bollywood na Índia.
Então, sinteticamente, para fecharmos este ponto, podemos dizer que, passada a
fase da economia de exploração no Brasil, com a exploração de nossos recursos
naturais, tivemos uma relação de dependência com os produtos industrializados
das nações centrais pela exportação de nossos produtos primários, constituindo-
nos como uma economia agroexportadora. Posteriormente, com o processo
de industrialização no Brasil, ou seja, quando o Brasil consegue tornar-se uma
economia industrializada, passamos a ser dependentes do conhecimento dos
países centrais capitalistas. Na contemporaneidade, com as principais economias
do mundo constituindo-se como economia do conhecimento, a disputa passa a
ser agora pela produção e distribuição deste conhecimento.
Nós vivemos um delay no Brasil em relação a estas economias, mas precisamos e
devemos nas próximas décadas recuperar esta distância, a fim de podermos avançar.

7.2 Empregabilidade na era da economia do conhecimento


Se estamos vivendo um processo de mudança para uma nova era da economia do
conhecimento, evidentemente que precisaremos repensar também o emprego nesta
nova ordem das coisas. Os especialistas têm provocado o debate dizendo que hoje
não podemos mais falar em “mão de obra do trabalhador”, mas em “cérebro de
obra do trabalhador”, pois o mercado passa a exigir cada vez mais trabalhadores
qualificados que usam, por sua vez, cada vez mais o cérebro e menos as mãos.
Há um aumento nos empregos que pagam bem os trabalhadores do conhecimento,
como cargos executivos, administrativos, gerenciais e consultorias, ou seja, aqueles
cargos que criam e agregam valor. Por outro lado, há uma queda no número de
cargos de apoio administrativo, burocrático, aqueles cargos que não criam valor
e que podem ser facilmente substituídos por um bom software (STEWART, 1998).
De fato, o “capital intelectual” passa a ser uma propriedade central nesta nova
economia para aqueles que desejam ingressar, permanecer ou ascender neste novo
ambiente. Mas o que é o capital intelectual? O capital intelectual aqui, não é o capital
como usualmente conhecemos, o capital material, capital financeiro.
Quando nós compramos uma empresa, por exemplo, de remédios, não estamos
comprando propriamente o seu capital físico, seus pavilhões, escritórios,
ferramentas, laboratórios, mas, sobretudo, estamos comprando seus talentos,
capacidades e habilidades em produzir e fabricar remédios, segundo Stewart
(1998). Dessa forma, o capital intelectual é o conhecimento existente em uma
organização que pode ser usado para obter uma vantagem competitiva, o
chamado conhecimento útil, a inteligência aplicada como um ativo para criar
ou agregar valor.
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Se analisarmos a economia doméstica de uma pessoa de ensino superior completo,


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com um emprego estável para dar outro exemplo, veremos que provavelmente o
grande percentual de capital que esta pessoa possui não é o capital econômico dela,
seu carro (às vezes financiado) ou mesmo sua casa própria, mas possivelmente
seu capital intelectual. Seis meses ou um ano de desemprego podem solapar o
patrimônio de uma vida. Claro, este trabalhador gera ao mês quantias significativas
de valor através de seu salário. O maior patrimônio que alguém pode ter nesta
nova economia é o seu capital intelectual, sua formação, é ele que gera valor e que,
portanto, deve ser cuidado, fomentado, estimulado, ele se constitui em um ativo,
em outras palavras, ele é um investimento, pois é gerador de renda e receita, ao
contrário de uma casa ou carro, que, aliás, de maneira geral, são passivos, criadores
de despesask.
Se em vez de o sujeito trocar de carro resolvesse investir em um curso de pós-
graduação, a sua empregabilidade não só aumentaria, como seu salário, de
acordo com pesquisas recentes divulgadas pelos órgãos oficiais, aumentaria em
cerca de 101%. Com o salário dobrado, aí sim ele poderia desfrutar da compra
de um carro melhor. Mas como o investimento não foi feito, o salário não vai
dobrar e suas receitas tenderão a minguar, pois suas perspectivas de futuro serão,
previsivelmente, aumento de despesas e diminuição de receitas.
Na era da economia do conhecimento, portanto, a empregabilidade vai passar
necessariamente por investimentos em “ativos intelectuais”, cursos de graduação,
cursos de extensão, pós-graduação, aprendizado de línguas, etc.
Todavia, dada a história recente do Brasil, que se constituiu ao longo do século
passado em um país de base industrial, principalmente a partir da década 1970, com
um crescimento econômico expressivo, podemos constatar que os investimentos
em formação não eram o mote principal daqueles trabalhadores, via de regra a
mão de obra tinha baixa qualificação. O emprego passava tão somente pela ideia
de treinamento, e a empregabilidade em uma organização era para toda a vida.
Na década de 1980, foi a chamada “década perdida”, marcada pela estagnação
da economia, planos econômicos e inflação galopante. O emprego dentro de uma
empresa seguia a sequência de cargos. Temos, assim, as chamadas “carreiras
organizacionais”. Segundo este conceito, estas carreiras seriam ligadas às grandes
organizações, grandes empresas concebidas para revelar um único cenário de

k É muito comum as pessoas acharem que casa e carro são investimentos, que são ativos. Ledo engano,
não são. Eles só poderiam ser um ativo, ou seja, geradores de renda e receita, se a casa fosse de aluguel
e o carro fosse um táxi, por exemplo. De fato, a casa para moradia e o carro da família são passivos,
são geradores de despesas. Inclusive, a classe média no mundo é uma classe que adora, via de regra,
quando recebe um aumento de salário, aumentar as suas despesas comprando um carro novo,
comprando uma casa maior, quando não uma casa na praia, aumentando suas despesas, diminuindo
ainda mais suas receitas e comprometendo seu futuro.
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emprego, cujas características, segundo Veloso (2012), sintetizando autores

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especializados, seriam:
• ambiente estável e dinâmico;
• a economia é subordinada as grandes firmas que geram oportunidades de
emprego;
• mudanças nas firmas geram mudanças de carreiras;
• há interdependência entre empresa e pessoa;
• as empresas oferecem carreiras para toda a vida;
• o empreendimento é uma opção e não um elemento necessário;
• os empregados são parte da organização;
• a carreira é predeterminada pela empresa e não pelo indivíduo.
Nos anos 1990, o avanço tecnológico, a necessidade de competitividade, a
redução dos postos de trabalho e as privatizações mudaram este panorama. A
reengenharia, a terceirização, o downsizingl, fizeram com que o emprego passasse
a ser representado por novas possibilidades e empregabilidade (VELOSO, 2012).
Nos anos 2000, com a intensificação da globalização, um ambiente marcado por
fusões, aquisições, responsabilidade social e ambiental busca-se o alinhamento
entre vida pessoal e profissional.
Nos anos 2010, tivemos um crescimento econômico no País que foi capaz de
proporcionar uma relativa queda no desemprego e na desigualdade social no
País, aliados a um aumento do crédito pessoal e imobiliário, o crescimento de
pequenas e médias empresas, jogaram água no moinho das novas “carreiras sem
fronteiras”. Que carreira é essa? Carreiras que vêm se constituindo a partir dos
anos 1990 em diante. Segundo Veloso (2012), são carreiras que não têm a fronteira
da organização como parâmetro, ou seja, o desenvolvimento profissional não está
ligado a somente uma organização, como era antes, portanto trabalhar pode não
significar ter um emprego fixo em uma empresa estruturada. Elas surgem não
somente porque os trabalhadores mudaram, mas porque as próprias organizações
passaram a necessitar de quadros profissionais mais flexíveis. Portanto, a história
de uma pessoa que passa a maior parte da sua vida em uma única empresa vai ser
cada vez mais rara na contemporaneidade, segundo a autora. Sintetizando autores
consagrados, as características destas carreiras são:
• ter a pessoa como principal responsável pela carreira;
• apresentar condições de mobilidade por meio de fronteiras organizacionais e
valor do trabalho independente do empregador;

l É a racionalização da estrutura organizacional que implica a diminuição de níveis hierárquicos e


custos nas empresas.
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• ser subsidiada por informações sobre o mercado de trabalho e redes de


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relacionamento (networks, capital social);


• reconhecer formas de progressão e de continuidade independente da hierarquia
organizacional, bem como ser permeada pela conciliação entre necessidades
profissionais, pessoais e familiares;
• ter condições de se organizar por meio do indivíduo e não somente mediante
possibilidades oferecidas pela organização;
• reconhecer possibilidades de atuação em pequenos projetos;
• considerar a aprendizagem como fator para o desenvolvimento profissional
e para a continuidade da carreira;
• ter a ação e participação não contratual como elementos essenciais ao seu
desenvolvimento.
Como podemos ver nesta carreira, a ideia de estabilidade no emprego é substituída
pela ideia de empregabilidade, em outras palavras, a pessoa perde a segurança
de que vai estar empregada amanhã naquela empresa, porém ganha com a
possibilidade, não somente de estar empregada em duas ou mais organizações,
mas também de ser facilmente empregada em outra organização porque é ela
mesma quem faz a gestão de sua carreira. Não se monitora mais o seu cargo
hierárquico dentro da empresa (sua função), mas o grau de sua colaboração para
levar adiante os projetos da organização. Nesta ordem das coisas, perde-se a ideia
do salário, daquele ganho único e certo de uma determinada organização. Agora,
as pessoas passam a ter renda, que se constitui na composição de ganhos, quer
seja com consultoria, palestras, empregos por determinadas horas, semanas ou
meses sazonais ou até mesmo a aposentadoria pública ou privada que se soma a
esta renda (dada a ampliação da expectativa de vida).
Neste tipo de carreira, torna-se imperativo a pessoa ser um empreendedor de sua
própria vida profissional. Neste sentido, devemos atentar para os ganhos que
podem ter as pessoas e as organizações, segundo Veloso (2012).
O que pode ganhar uma pessoa com esta modalidade de carreira:
• autonomia e auto-organização na composição de seus horários e dias de
trabalho;
• conhecimento acumulado em diferentes organizações;
• ganhos maiores na composição da renda final;
• tolerância, adaptabilidade, flexibilidade;
• status e respeitabilidade profissional são ampliadas;
• relacionamentos mais horizontalizados dentro das próprias organizações.
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O que pode ganhar uma organização com esta carreira:

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• quadros mais qualificados, com experiências diversificadas;
• quadros mais motivados devido aos ganhos maiores;
• conhecimento, pois, quando o indivíduo deixar a organização, parte do seu
conhecimento ficará;
• experiência, pois, ao se mover entre organizações, o indivíduo leva o benefício
de sua experiência para outro cenário;
• economia na qualificação de quadros que muitas vezes já entram na organização
altamente capitalizados.
Portanto, como podemos constatar, as “carreiras sem fronteiras” vieram como
uma tendência tímida nos anos 1990, mas vêm se consolidando no contexto dessa
nova economia do conhecimento. As perspectivas para 2020 são bastante otimistas,
especialistas têm apontado que o mercado consumidor brasileiro irá quase dobrar
de tamanho, passando dos atuais 2,2 trilhões para 3,5 trilhões de reais até o final da
década, chegando o consumo no Brasil a 65% do PIB, numa clara expansão de renda
do brasileiro, das regiões metropolitanas em direção para o interior. Parte desta
expansão pode ser explicada pelo fato de que o número de pessoas inativas (crianças
e idosos) tende a diminuir gradativamente, chegando em 2022 ao auge do chamado
“bônus demográfico”, quando, de cada 10 pessoas, 6 estarão no mercado de trabalho
produzindo e consumindom. A classe média brasileira, que em 2002 correspondia
a 38% da população, hoje está em 53% e deve chegar a patamares em cerca de
60% até 2022. Junto destas mudanças um aumento dos anos de escolarização, de
8 para 12 anos de estudo, passando-se da escolarização de ensino fundamental
completo para o ensino superior incompleto desta nova classe média, segunda
a dados da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), bem como o aumento na
intensificação das viagens nacionais e internacionais. Assim, ao que tudo indica,
haverá uma tendência no aprofundamento das “carreiras sem fronteiras”, em que
os indivíduos passam a primar, agora com maior renda e escolarização, pela sua
autorrealização e o sucesso psicológico e não mais meramente o sucesso externo,
da “carreira pela carreira”n. Neste sentido, as “carreiras sem fronteiras” tenderão
também a ultrapassar de forma mais visível as fronteiras não só organizacionais,
mas também nacionais, da empregabilidade continental e intercontinental.

m Ver Revista Exame. Edição 1.022. Ano 46, n. 16, 22/8/2012.


n Semelhante à “carreira sem fronteiras” é também a “carreira proteana”, que pressupõe também a
autonomia das pessoas em relação à organização, a busca por empregabilidade e não estabilidade
no trabalho e também desenvolvimento psicológico.
92

7.3 Planejamento e gestão de carreira – o profissional do século XXI


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De posse da compreensão das características da economia do conhecimento, bem


como das condições que dão empregabilidade às pessoas neste novo contexto,
passemos agora para o planejamento e a gestão propriamente ditos da sua carreira
profissional.
Partindo do pressuposto da “carreira sem fronteiras” de que a responsabilidade
com a sua gestão e o planejamento são das pessoas e não mais das organizações,
teremos uma tarefa nova e dificultosa diante da tradição brasileira de ver as carreiras
gestadas e planejadas somente pelas empresas.
Hoje é falsa a ideia de que há uma escolha em encontrar um bom emprego com
uma carreira segura e linear ou trabalhar por conta própria tendo mais autonomia
e liberdade para empreender. Na economia do conhecimento todos trabalhamos
por “conta própria” de forma autônoma e empreendedorao. Em outras palavras,
o ato de empreender está intrinsecamente ligado às profissões do presente e vão
estar no futuro próximo. O empreendedor aqui não é aquele dos anos 1980, em
que o sujeito resolve abrir seu próprio negócio e ele resolve abre uma pousada
na “Praia do Rosa” para ganhar dinheiro nos verões com os turistas. Não, o
empreendedorismo de que estamos falando aqui é aquele que mobiliza recursos
externos para crescer e alcançar seus objetivos, na esteira de Drucker, porém
voltados para sua carreira e não necessariamente para “abrir uma empresa”.
Imaginem que um profissional na área da saúde, como enfermeiros, médicos,
odontólogos, fisioterapeutas, que não tiverem nenhum traço empreendedor, não
investirem em equipamentos, livros, revistas especializadas para se atualizar
ao longo de sua carreira, vão ter de esperar que o Hospital, a Empresa, a
Universidade, a Organização o faça? Não! A carreira é sua, não da empresa,
lembram, “carreira sem fronteiras”?! Um turismólogo, um arquiteto, um urbanista
vai ter de viajar por algumas das cidades mais importantes do mundo em virtude
de sua formação e atualização. Viajar para eles é um investimento. Quem pagará a
viagem deles(as) a Paris, a Barcelona, a Buenos Aires? A empresa? Você confiaria
o planejamento de sua viagem a um profissional da área do turismo que nunca
viajou ali na esquina? É preciso planejar e investir na sua carreira, é preciso ter
uma estratégia de carreira.

o A não ser que você faça um concurso público em carreiras altamente estruturadas. Todavia, mesmo
assim, é comum, nesta opção profissional de carreira, as pessoas estrategicamente optarem por fazer
vários concursos até chegar naquele desejado, havendo assim espaços bem claros de autonomia. Não é
raro pessoas provenientes das forças policiais que se aposentam cedo, constituindo-se em consultores
na área de segurança, ou mesmo pilotos das forças armadas passando para a iniciativa privada após
a aposentadoria.
93

7.3.1 Estratégia de carreira

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Primeiramente, é preciso dizer que escolher um curso de nível superior não é
necessariamente escolher uma carreira. Certo?! Há especialistas na área de RH
que afirmam que a ordem correta seria escolher primeiro a carreira e só depois
o curso. Por exemplo, eu posso escolher fazer uma carreira como corretor de
imóveis e fazer um curso de direito, ou mesmo fazer a carreira como gestor numa
empresa de calçados ou metal mecânica e ter feito engenharia, administração,
contabilidade, etc. Posso escolher fazer uma carreira no setor público e fazer
uma graduação em gestão pública, mas também em medicina ou engenharia de
trânsito. O curso escolhido não necessariamente me coloca na carreira. Qual é
a sua carreira?
Qualquer que seja a carreira escolhida será preciso que você saiba de antemão
que o mercado de trabalho precisa e vai precisar cada vez mais de pessoas
“qualificadas e inteligentes”! Sim, mas vamos substituir estes dois clichês pelo
conceito de competência. Em outras palavras, o mercado de trabalho precisa de
pessoas competentes, pessoas capazes de serem “CHA”. Primeiro que tenham
Conhecimento, ou seja, que tenham “saber” apreendido na escolarização formal
e informal, mas não necessariamente posto em prática. Segundo, que tenham
Habilidade, que “saibam fazer”, que tenham experiência, que saibam sobretudo
colocar em prática o conhecimento e terceiro é a Atitude, é o “querer fazer”,
a disposição que articula o conhecimento e a habilidade. Portanto a “era do
Coeficiente de Inteligência elevado”, da inteligência cognitiva, por si só hoje não
diz absolutamente mais nada.
Feito esta primeira e importante observação é necessário traçarmos um plano
de ação para nossa carreira, uma estratégia. A estratégia aqui é entendida como
um conjunto de decisões, e escolha de caminhos por meio dos quais as pessoas
buscarão atingir seus objetivos, fundamentalmente a estratégia é tomar decisões
pensadas (ROSA, 2011), é o seu plano. É a partir dela que será possível ampliar as
possibilidades de seu êxito profissional.

7.3.2 Formulando sua estratégia

7.3.2.1 Objetivos
Primeiramente, a pessoa deve considerar o que quer. O objetivo de fazer a gestão
da sua carreira é que você consiga sua realização pessoal, sua felicidade no que isso
significa na sociedade contemporânea, implicadas aqui as realizações de ordem
material e imaterial.
94

7.3.2.2 Potencial – forças e fraquezas


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Definido a etapa dos objetivos, o indivíduo deve avaliar suas potencialidades, isto
são suas forças e fraquezas. Segundo Rosa (2011), a ideia de que todos podem é falsa,
algumas pessoas terão uma enorme dificuldade para atuar em uma determinada
área e outras mais facilidades. Assim, olhe-se com seus próprios olhos, conheça
seus defeitos, suas qualidades, seus limites de talento, “inteligência” e motivações.
Olhe-se com os olhos dos outros, veja o que eles pensam de você, qual é a imagem
que você transmite, quais qualidades provocam admiração e quais causam rejeição?
O senso comum diz, não me interessam o que os outros pensam de mim, interessa
o que eu sou. Ledo engano, do ponto de vista social, “você é o que a sociedade diz
que você é. A sociedade é Deus” dizia um grande sociólogo francês.
Quais são as suas forças? Você é disciplinado, estudioso, conciliador, articulado,
“educado”?
Quais são suas fraquezas? Você tem gostos inadequados, gosta de fazer piadas,
faz comentários deselegantes sobre o comportamento dos outros ou tem explosões
de raiva?
Independente de quem quer que você seja, peça sempre a opinião dos de “fora”
sobre você, pare para refletir, faça terapia para se conhecer melhor.

7.3.2.3 Ambiente – oportunidades e ameaças


Segundo Rosa (2011), o mundo traz para cada pessoa um conjunto específico
de oportunidades e ameaças. Nesse sentido, a pessoa deve identificar os fatores
positivos e negativos que estão à sua volta, dede as transformações no mundo do
emprego e da tecnologia às demandas sociais. Assim, é preciso atentar-se para as
forças econômicas que podem aumentar ou diminuir a renda de determinadas
classes sociais, abrindo-se oportunidades de novos empregos ou mesmo ameaçando
os já existentes, mudanças tecnológicas que podem melhorar o desempenho no
trabalho ou levar a obsolescência de determinada profissão. Também cumpre
lembrar que é preciso atentar para o mercado específico que determinada categoria
se refere, digamos o campo de atuação e as alterações deste.
Uma profissão importante hoje pode não ser amanhã. Um arquiteto que esteja
numa área de mercado saturada por exemplo deverá procurar uma outra região,
estado ou mesmo buscar alternativas de profissão no limite.
Uma empresa onde você trabalha ou quer trabalhar, tem futuro, vai crescer, há
boas condições de ambiente de trabalho? Funções dentro das empresas podem
ser tornar mais ou menos importantes dependendo do macroambiente, finanças,
marketing, produção ou mesmo se extinguir (ROSA, 2011).
95

Como está a sua rede social (social network, seu capital social) a rede de pessoas com

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quem você se relaciona. De nada adianta aquele facebook, blog, twitter, que você
despende horas atualizando com fotos, frases e mensagens, se de nada ajudarão
na hora de achar um emprego, ter indicação para alguma oportunidade, pois a
“qualidade” das pessoas que você adiciona, que “te seguem”, não tem nenhum
impacto sobre sua vida profissional, pode até ter para sua vida pessoal. Cuidado
com o desperdício de seu tempo e talento.
Abaixo, observe o Quadro Swot Pessoal para realizar a análise de potencial e análise
ambiental, conforme Rosa (2011).

Quadro Swot Pessoal

Forças (Strengths) Fraquezas (Weaknesses)

Análise do Próprio Características e situações Características e situações


Potencial pessoais que facilitarão a pessoais que dificultarão a
realização dos objetivos de realização dos objetivos de
carreira. carreira.

Oportunidades Ameaças (Threats)


(Opportunities)
Análise do Situações ou eventos do
Ambiente. Situação Situações ou eventos do ambiente (mercado) que
atual e Tendências ambiente (mercado) que dificultarão a realização
facilitarão a realização dos dos objetivos de carreira.
objetivos de carreira.

Este quadro proporciona um exercício bem prático para o início da formulação de


sua estratégia. Uma vez feito este exercício, passemos agora as dicas, observações
e os retoques que ajudarão no desenho de sua carreira profissional.

7.3.3 Inteligência emocional e etiqueta profissional


Foram abundantemente divulgado nos últimos anos os conceitos do psicólogo
americano Daniel Goleman que diferencia a inteligência congnitiva, aquela
inteligência baseada no saber de conteúdos, teorias, resolução de equações,
daquela inteligência emocional ou social que está ligada a capacidade das
pessoas saberem conviver com os outros, administrarem seus conflitos.
Pesquisas organizacionais destacaram que esta inteligência emocional teria
mais peso para definir o sucesso profissional de um indivíduo do que a outra.
Como dizem os especialistas em administração e psicologia, um funcionário
pode ser treinado, ensinado congnitivamente, mas não com tanta facilidade
consegue-se mudar comportamentos sociais, como um desvio de conduta
por exemplo.
96

Hoje torna-se extremamente importante saber administar as emoções, aquele


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profissional que quer ampliar seu potencial de crescimento na carreira terá


necessariamente que se qualificar emocional e socialmente. Neste sentido, segundo
Rosa (2011), há algumas emoções que derrubam e outras que promovem as pessoas
nas organizações:

Emoções que promovem Emoções que derrubam

Amor Ódio
Alegria Tristeza
Felicidade Infelicidade
Admiração Inveja
Coragem Medo
Autoestima Autorrejeição
Crença(em si mesmo, nas possibilidades) Descrença
Otimismo Pessimismo
Confiança (nas pessoas) Desconfiança
Tranquilidade Ansiedade
Bom Humor Mal Humor

De posse deste quadro você pode fazer também o exercício de mapear quais
detas emoções (checando com você mesmo ou com a ajuda de pessoas próximas)
são predominantes em sua atuação profissional. Uma vez identificadas podem
ser melhor trabalhadas para seu aperfeiçoamento emocional. Juntamente com
a inteligência emocional está também a etiqueta profissional. Etiqueta? Sim,
aqui entendida como “um conjunto de regras criadas a fim de que a interação
entre os seres humanos aconteça dentro de princípios que prazem o respeito
mútuo”(LEÃO, 2005). Vamos lá?!

• Cumprimentos
Cumprimente todas as pessoas que passar pelo seu caminho no trabalho, do
segurança ao presidente da empresa. O cumprimento sempre deve partir da
pessoa que tem a primazia. Mulher estende a mão para o homem, os mais velhos
estendem a mão para os jovens, o superior hierárquico na empresa estende a mão
para aquele mais baixo na hierarquia. Homens sempre se levantam para apertar
a mão, mulheres podem ficar sentadas, bem como pessoas idosas.Mulheres só
levantam para cumprimentar idosos ou autoridades(LEÃO, 2005). Beijos não
existem em ambientes profissionais formais.
97

• Conversação

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Segundo Leão (2005), saber ouvir é a virtude das pessoas elegantes e inteligentes,
fale, mas dê chance para os outros também falarem, pergunte sobre a pessoa,
assim se sentirão incluídos e com interesse em você. Evite palavrões, gírias,
fofocas, cuidado com piadas sobre etnias, religião, time de futebol, a chance de
um escorregão são sempre iminentes, bem como o tom e o volume de sua fala. Se
tiver de atender a um chamado no celular peça licença para seu interlocutor, mas
dê a preferência a quem está fisicamente com você.
Seus problemas pessoais, são pessoais, não profissionais! Jamais perca a noção
exata da distância que deve haver entre seus superiores e você, em ambiente
profissional temos colegas, não necessariamente amigos. Isso vale para o ambiente
acadêmico. Uma relação mais fraterna e menos formal sempre deve partir do
superior hieráquico.

• Convites
Todas as vezes que você receber um convite de alguém ou de uma organização
agradeça, se for pedida a confirmação o faça o mais breve possível. Se não puder
comparecer não hesite em negar. Pior do que não ir é confirmar a presença e depois
não comparecer. Se for seu líder, chefe, então...
A retribuição de um convite se faz com outro convite. Sempre que for convidado a
ir a casa de alguém pela primeira vez leve um presente, é absolutamente elegante.
Quando convidar alguém para sair a regra é: “quem convida dá banquete”, pague a
conta!A não ser que combinamos ir junto ao local ou estamos em horário de almoço
na empresa. Nestas circunstâncias, pagar a conta de um colega, por exemplo, de
trabalho, pode parecer presunsoso.

• Roupas
O ambiente, bem como a atividade que vamos desenvolver sempre é determinante
das roupas que vamos usar. Evidentemente se você trabalha numa loja como uma
SurfShop sua roupa será completamente diferente daquela se você trabalhasse
em uma loja clássica que vende roupas masculinas formais, quer seja o gerente
ou vendedor. Observe o seu ambiente de trabalho, observe como seus colegas se
vestem. Cuidado para não usar a roupa para expressar-se, por mais difícil que
seja, isso pode ser feito nas horas vagas, no ambiente de trabalho o que conta é
a discrição e adequação (ROSA, 2011). Por quê? Porque você está representando
muitas vezes a organização, seus colegas e não a você mesmo.
98

• Facebook, Twitter, e-mails, blogs, etc.(Redes Sociais)


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Atualmente, com as novas tecnologias, há um nível de exposição dos indivíduos


jamais visto na história recente da humanidade. Vivemos uma perda de privacidade,
ao mesmo tempo em que somos chamados e compelidos a refletirmos eticamente
sobre nossos comportamentos que se tornaram cada vez mais públicos por sua
vez. Assim, sua imagem está diretamente relacionada com aquilo que você posta,
tecla, fotografa, segue, etc. Ao colocar em seu currículo acadêmico, em sua netaula
uma foto sua na praia em trajes de banho tomando uma cerveja com amigos, você
está querendo comunicar exatamente o quê? Que imagem? De um estudante
disciplinado, organizado de matemática, de marketing, engenharia de trânsito,
tecnologia da informação? A foto não está indicando isso. Certas fotos devem ser
guardadas para a intimidade.
Se tiver um Facebook, ele deve ser construído de tal maneira que sua mãe, sua
mulher, seu marido e ou mesmo seu superior hierárquico possam olhá-lo a qualquer
momento e não cause espanto algum. Hoje, as empresas antes da contratação de
qualquer pessoa vasculham sempre as redes sociais. Seus e-mails em ambientes
acadêmicos e profissionais devem conter assinatura, credenciais e cuidados com o
português. Sempre iniciando com Caro, Prezado(a), Senhor, Senhora, Estimado(a),
pode ser finalizado com Atenciosamente, Cordialmente, Obrigado, Abraço, etc.
Não encha a caixa de e-mail dos seus colegas com “corretes da sorte”, poesias de
duvidoso gosto com Power Points que saltam na tela com musiquinhas de igual
teor. Quando você precisar realmente de uma ajuda ou da solidariedade destes
colegas, não vai ser levado a sério. Inclusive, a partir de certo momento, as pessoas
começam deletar você, sem sequer abrir seu e-mail.
Para finalizar este capítulo, mas não esta discussão do “Trabalho e Emprego no
Mundo das Novas Tecnologias”, queremos salientar que este capítulo teve tão
somente a ideia de provocá-lo para entrar nesta interessante e imprescindível
discussão sobre você e seu futuro profissional!

Referências
FRIEDMAN, Thomas. O mundo é plano. Uma breve História do século XXI. 3. ed. Lisboa:
Actual 2006.
MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Petrópolis/RJ: Vozes, 1990.
PINSKY, Jaime (org.). Cultura e elegância. São Paulo: Contexto, 2005. 236 p.
REVISTA EXAME. Edição 1.022. Ano 46, n.16, 22/8/2012.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia. das
Letras, 2005.
99

ROSA, José Antonio. Carreira: planejamento e gestão. São Paulo: Editora Série Profissional. 144 p.

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STEWART, Thomas A. Capital intelectual. A nova vantagem competitiva das empresas. São
Paulo: Campus, 1998. 237 p.
VELOSO, Elza Fátima Rosa. Carreiras sem fronteiras e transição profissional no Brasil. São Paulo:
Atlas, 2012. 145 p.
ZAKARIA, Fareed. O mundo pós-americano. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 307 p.
8
OS NOVOS POLOS DE PODER
E A ORDEM MUNDIAL
CONTEMPORÂNEA

Ana Regina Falkembach Simão

Introdução
Desde o início do século XXI, o mundo tem assistido a mudanças significavas
nas esferas econômicas e políticas. Os Estados que formam o chamado “bloco
dos países emergentes” têm se tornado atores pró-ativos no desenvolvimento de
projetos políticos e econômicos tanto em nível regional como global. Na esteira
deste novo cenário, países como Brasil, Índia e África do Sul, que compõem o IBASp,
além de China, Rússia, Coreia do Sul e México, entre outros, aprofundam uma
agenda política que passa a priorizar questões específicas dos países do Sul. Se no
passado próximo, a política terceiro-mundista propunha o desenvolvimento de
projetos restritos às questões relacionadas ao comércio internacional – sobretudo,
porque os países do Sul tinham a marca da heterogeneidade, da dependência e
da subordinação às grandes nações –, hoje a relação entre países ex-integrantes
do Terceiro Mundo é fortemente marcada não apenas pelo mercado econômico
mundial como pela própria implementação de projetos políticos comuns.
O novo mapa político e econômico do século XXI, de fato, uniu diferentes nações
sob o conceito de “potências emergentes”q, colocando as mesmas o desafio de, além
de aprofundar as relações no plano comercial, avançar na construção de projetos
comuns no âmbito político e diplomático. Diante deste cenário, o presente artigo

p O Fórum de diálogo Índia-Brasil-África do Sul, criado em junho de 2003, se configura num “mecanismo
de coordenação entre três países emergentes, três democracias multiétnicas e multiculturais, que estão
determinados a contribuir para a construção de uma nova arquitetura internacional, a unir voz em
temas globais e a aprofundar seu relacionamento mútuo em diferentes áreas” (MRE).
q Também denominadas de Potências Médias, Intermediários, Potências Regionais, Países Recém-
Industrializados.
102

visa analisar as mudanças no poder mundial no início do século XXI, observando


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em que medida os países que compunham o “velho” e dependente Terceiro Mundo


se tornaram importantes atores no tabuleiro político internacional, alterando
significativamente a distribuição do poder no novo milênio.

8.1 O que mudou? Sobre blocos e agrupamentos


O século passado foi fortemente marcado pelas relações de poder vinculadas
ao conhecido conflito denominado de Guerra Friar. Durante praticamente toda
a segunda metade do século XX, os Estados Unidos mantiveram a hegemonia
política e econômica do mundo capitalista – a chamada Pax Americanas. No plano
financeiro e comercial, o dólar se impôs como moeda padrão a partir da Conferência
de Bretton-Woods (1944)t. Logo em seguida, foram criados o Fundo Monetário
Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas (ONU).
Cabe ressaltar que estas Instituições foram importantes para a manutenção e
aprofundamento do poder de Washington. Também no plano político-militar, os
Estados Unidos alcançaram uma posição que nenhum outro país havia conquistado,
dominaram os mares e os continentes, na condição de donos de uma aviação
estratégica e de um exército atuante internacionalmente, para além do domínio
da tecnologia nuclear e de um arsenal de bombas atômicas capazes de destruir o
planeta dezenas de vezes.
Mas com o fim da Guerra Friau e, sobretudo, com o súbito desmantelamento da
União Soviética, em 1991, se inicia uma nova geografia do poder mundial, cujos
contornos ainda não estão completamente definidos, ainda que o surgimento de
novos polos regionais de poder indiquem a ocorrência de mudanças significativas
na ordem internacional. Ocorre que o final da Guerra Fria “dissolveu os elementos
aglutinadores que eram a base de hegemonia americana e dos mecanismos de
controle sobre seus aliados, que hoje buscam seus próprios caminhos, no quadro de
uma competição renovada”, como bem destacaram Visentini e Pereira (2008, p.223).
Assim, no contexto de transformação nas relações econômicas e políticas no mundo
pós-Guerra Fria, o poder estadunidense efetivamente se mostra fragilizado.

r Por Guerra Fria entende-se o conflito entre Estados Unidos e União Soviética, que marcou o mundo
pós-Segunda Guerra Mundial. Como observa o historiador Paulo Visentini (2004, p.19), a Guerra Fria
“constituiu uma estratégia político-militar norte-americana visando, num plano internacional, conter
as forças esquerdistas, nacionalistas e anticoloniais emergentes da Guerra Mundial”.
s Pax Americana significa a hegemonia dos Estados Unidos, estruturando uma nova ordem internacional
pós-1945 a partir dos moldes estadunidenses.
t Com a Conferência de Bretton Woods se estabeleceu o padrão dólar-ouro, que moldou a economia
mundial pós-1944 até 1971, quando o presidente norte-americano Nixon acabou com o regime de
Bretton Woods. O objetivo de Nixon era desvalorizar o dólar como forma de conter a crise dos Estados
Unidos, no momento de Guerra do Vietnã.
u A queda do muro de Berlim, ocorrida em novembro de 1989, que se tornou o símbolo da Guerra Fria.
103

Conforme chegou a apontar acidamente o historiador francês Emmannuel Todd

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(2003, p.9), “os Estados Unidos estão se tornando um problema para o mundo.
Estávamos acostumados a ver neles uma solução”. De guardiões da liberdade
política e da ordem econômica durante meio século, os EUA hoje, segundo o
historiador, são promotores de incertezas e sempre que confrontados promovem
guerras teatrais com países frágeis, a exemplo do Afeganistão e do Iraque. Como
lembra Todd (2003, p.9) essa é uma forma encontrada pelos Estados Unidos de
demonstrar a “onipotência estratégica” a baixo custo, pois os países muçulmanos
escolhidos como alvo não dispõe de meios materiais e humanos para resistirem
às investidas da Casa Branca.
Frente a este contexto, desde o início do século XXI, analistas e a mídia internacional
dedicaram-se a projetar dois cenários distintos para o mundo: um deles prospectou
uma nova hegemonia dos Estados Unidos, como a que já ocorreu na segunda
metade do século XX, cuja articulação passaria pela ofensiva político-militar do
governo Bush. O outro cenário apontado e que ganhou status acadêmico - através
da obra de Samuel Huntington, intitulada Choque de Civilizaçõesv -, vislumbrou
um mundo mais perigoso, mergulhado em conflitos religiosos e civilizacionais que
podem eclodir em diferentes partes do planeta. No entanto, em que pese o impacto
destas projeções, é digno de nota que nenhum dos cenários apontados pode ficar
indiferente à clara mudança do poder mundial, no qual novos atores, tais como a
Rússia/CEI, China, Índia/Saarc, Irã, África do Sul/SADC e Brasil/Mercosul/Unasul,
assim como o Japão/Tigres Asiáticos e a União Europeia, reagem de formas distintas
à construção de um sistema internacional unipolar sob a égide dos Estados Unidos.
Para Todd, “não haverá império americano. O mundo é demasiado vasto, diverso
e dinâmico para aceitar a predominância de uma única potência. [...] Ele se tornará
um grande potência entre outras” (TODD, 2003).
Fica claro, portanto, que os blocos regionais, principal resultado do processo de
globalização, se configuram também em blocos político-econômicos, fragmentando
o poder mundial. Esse é o componente novo num quadro em que a competitividade
do capitalismo contemporâneo, a intensificação do capital financeiro, o dinamismo
das empresas transnacionais, a nova revolução tecnológica e com isso a formação de
uma sociedade pós-industrial pulverizam o poder no mundo, estabelecendo novos
padrões de integração, que se afirmam para além da força do Estado-nação.
Transcendendo a questão dos blocos econômicos, hoje a mídia internacional tem
registrado constantemente o surgimento de siglas, de acrônimos, apontando para
novos espaços de crescimento econômico. Um dos mais notórios exemplos deste
fenômeno aconteceu em 2001, quando o Banco Goldman Sachs criou e midiatizou

v Samuel Huntington, na obra Choque de civilizações, argumenta que após o encerramento da Guerra
Fria a ordem internacional ficaria marcada por rivalidades entre civilizações, como o Ocidente, o Islã
e a Ásia de tradição confucionista.
104

a expressão BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), que em 2011 incluiria a África do
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Sul, tornando-se BRICS. Esse novo player ganhou consistência e alterou o equilíbrio
do poder mundial, na medida em que o conceito passou a ser incorporado pelas
políticas externas dos países que compõem o agrupamento.
A força econômica dos BRICS é significativa. Cabe ressaltar que este agrupamento
detém “26% do território, 42% da população e 14,5% do PIB mundiais, além
de terem contribuído desde 2005 a 2010, com mais de 50% do aumento do PIB
mundial” (VISENTINI, 2001, p.156). A estes dados eloquentes, deve-se somar um
outro aspecto: a convergência nas posições políticas que este grupo tem mostrado
nos organismos internacionais, sobretudo quanto a necessidade de reformas como,
por exemplo, nos casos do FMI e da ONU.
Conjuntamente aos BRICS, hoje a “bola da vez” é o MIST – México, Indonésia,
Coreia do Sul e Turquia. Este agrupamento de países, ainda que não tenha nenhuma
coesão política assim como qualquer forma de institucionalização, ostenta quase
500 milhões de habitantes, praticamente 45% a mais do que a população da zona do
Euro. A esse dado demográfico corresponde um PIB de US$ 4 trilhões de dólares,
com projeções reais de crescimento (Folha de São Paulo, 13/8/2012).

Das regionalizações aos novos polos de poder


No que tange as regionalizações é importante ressaltar que, diante da nova
configuração do poder mundial, os Estados Unidos – maior e mais importante país
do capitalismo internacional, de cuja segurança político-militar grande parte do
mundo dependeu e/ou ainda depende –, também recorreu à formação de blocos
econômicos, ao se confrontar com a integração europeia.
O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) – Estados Unidos,
Canadá e México – criado em janeiro de 1994w, “permitiu aos Estados Unidos a
articulação de sua economia, num quadro de dificuldades para o livre-comércio
no plano mundial e da articulação de outros blocos rivais”, destacaram Visentini
e Pereira (2008, p.226). De fato, para os Estados Unidos, a integração regional
se constituiu numa forma pragmática de reencontrar espaço num mundo em
transformação. Segundo dados do Banco Mundial (2009)x, o NAFTA conta com
uma população de 418 milhões de habitantes, um PIB de US$10,3 trilhões uma
Renda per Capita de US$ 25.341, o que dá ao bloco uma importância econômica

w Cabe lembrar que neste mesmo ano (1994), na província de Chiapas, uma das regiões mais pobres do
país, ao sul do México, começou o “levante de Chiapas” (Zapatista), que contestava a adesão mexicana ao
capitalismo norte-americano. O exército Zapatista de Libertação Nacional era um movimento de esquerda,
que denunciava as péssimas condições de vida das populações camponesa e indígena da região.
x http://www.worldbank.org/pt
105

significativa e uma maneira consistente de inserção internacional num sistema

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marcado pela crescente regionalização.
Ainda em relação ao continente americano, cabe ressaltar a América do Sul, em
especial o Mercosul, que conta com uma população de 311 milhões de habitantes
e um PIB de US$ 2 trilhões (Banco Mundial, 2009). Para o Brasil, desde o final
do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), fortalecer o Mercosul e
aprofundar a integração sul-americana passou a ser questão prioritária. O Brasil,
um gigante com “pés de barro”, entra no século XXI, junto com os Estados Unidos
e China, fazendo parte de um grupo seleto de países que tem a maior população,
PIB e território. O Brasil ostenta uma “economia completa, do agrobusiness moderno
à industrialização de informática”, mas, paradoxalmente, apresentando uma das
estruturas sociais mais desiguais do mundo (VISENTINI, 2006, p.212). Segundo
dados do Banco Mundial, o Brasil é um dos piores países em distribuição de renda
no planeta: por incrível que possa parecer, a maior potência industrial sul-americana
só ficaria atrás de Serra Leoa (NASSF, 2002, p.73).
A partir do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), alguns temas que
definem a agenda global norteariam a política externa do Brasil, que passou –
de maneira pró-ativa – a “contribuir para a construção de um sistema mundial
multipolar, [...] nos temas econômicos, o reforço dos organismos multilaterais e
as alianças de geometria variável, como o G22, empregado na reunião da OMC
em Cancun, e o G3 ou IBAS, grupo de cooperação com Índia e África do Sul”
(VISENTINI, 2006, p.223). Isso equivale a dizer que o país não apenas reforçaria o
seu papel de líder regional na América do Sul, passando a figurar como um ator
de grande relevância na nova configuração do poder mundial.
O quadro complexo das relações de poder naturalmente não se completa sem
um olhar para os focos mais clássicos desta equação, o que nos leva para uma
análise do Velho Mundo. União Europeia (EU), criada pelo Tratado de Maastrich
de dezembro de 1992 e herdeira dos avanços econômicos conquistados pela
Comunidade Econômica Europeia (CEE), se constitui no bloco mais autônomo. Em
que pese os diversos problemas e incertezas econômicas enfrentadas pelo bloco,
o modelo de integração supranacional da UE tem sido exemplo para o mundo.
Conforme aponta Todd, a União Europeia promove um jogo de forças econômicas
que “faz com que a Europa esteja igualmente fadada a anexar a suas margens
novos espaços, por efeitos de contiguidade ou difusão” (TODD, 2003, p.14). Para
o autor, a ascendência econômica do continente europeu enquanto bloco integrado
traz duas consequências diretas para os Estados Unidos: primeira, se observa uma
posição cada vez mais marginal de Washington na economia europeia e também
na Eurásia. Em segundo, ocorre uma fragilização progressiva do poder político e
militar dos Estados Unidos no continente europeu.
106

Quanto a isto, cabe examinar a denominada Carta de Bruxelas, escrita pelo


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bloco europeu ao futuro presidente dos Estados Unidos e apresentada na


Universidade de Harvard, em setembro de 2008, por João Manuel Durão
Barroso, presidente da Comissão Europeia. O documento revela os traços de
uma nova agenda que está se construindo entre polos de poder formados pelas
duas grandes potências:

[...] Nestes tempos de incertezas, a EU precisa dos EUA e, sim, os EUA precisam da EU mais
do nunca [...]. O impacto estratégico de nossa parceria, tão positivo no passado, começará a se
dissipar caso não tenhamos sucesso em contemplá-la com novas políticas de engajamento que
atraiam o mundo produto em busca de renovadas parcerias estratégicas e multilaterais efetivas
[...] Em minha visão chegou a hora de se começar a pensar em uma “Agenda Atlântica” para
a globalização (apud PECEQUILO, 2009, p.99).

Ainda quanto à nova configuração das potências, torna-se fundamental uma análise
mais detida sobre o caso russo. Pertencente geograficamente a dois continentes –
Europa e Ásia – encontra-se a Rússia, herdeira da URSS, cujo modelo socialista foi,
durante décadas, o maior desafio para o capitalismo ocidental. É verdade que após
o colapso soviético, a Rússia enfrentou uma forte crise e fragmentação econômica,
social e política. Seu forte e rápido declínio, logo após a desintegração da União
Soviética, fez com que analistas e politólogos mais apressados chegassem a vaticinar
o “fim da Rússia”. No entanto, em que pese a profundidade e a consistência dos
dados apresentados no fim da Guerra Fria, esse fim não se concretizou. Desde o
início do século XXI a economia russa vem apresentando consideráveis índices
de crescimento. Em 1998, o produto nacional bruto se encontrava em - 4,9%. No
entanto, já em 1999, culminando com a chegada de Vladimir Putin ao poder, o índice
foi para 5,4% e em 2000 houve um aumento de 8,3% (TODD, 2003, p.178). Segundo
previsão de pesquisadores, o crescimento estável da economia russa poderá levar
o país a superar o Reino Unido e a Alemanha por volta de 2028.
O mais importante nesta questão é que este crescimento não deu em função da
exportação de petróleo e gás natural para a Europa, pontos fortes de sua economia,
mas sim do singular crescimento da indústria mecânica, química, petroquímica e
do papel. O crescimento desta indústria de 1999 a 2000 foi de 11-12%. Já no início
do século XXI, o orçamento da Rússia experimentava um superávit de 2,3% do
Produto Nacional Bruto (TODD, 2003). Conforme alguns analistas, “Vladimir
Putin herdou um país fraco, corrupto e paralisado, no limiar da desintegração”,
mas consciente de uma tarefa: “O objetivo estratégico de Putin era colocar o país
de pé” (MACFARLANE, 2009, p.84). Após uma década do início do seu governo,
essa meta se concretizaria: a Rússia não apenas está em pé como recuperou um
lugar de prestígio incontestável no quadro de poder mundial. Se considerarmos
as taxas de aumento real do PIB como sendo uma dimensão importante para
107

indicar crescimento e desenvolvimento, a Rússia, após 2000, conquista tal posição,

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conforme se observa na tabela abaixo:
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Rússia -4,1 -3,6 1.4 -6,9 6.4 10.0 5.1 4.7 7.3 7.2 6.4 6.7
Fonte: LIMA, 2008, p.97.

Além do rápido crescimento econômico, é importante que se destaque, finalmente,


que a Rússia é formada por uma sociedade totalmente alfabetizada, o que dá ao
país condições de competir no mundo do conhecimento e da alta tecnologia. É
verdade que, se por um lado os aspectos positivos se impõem nas análises, por
outro, o país convive com uma “democracia imperfeita”: a manipulação, a não
transparência e o alto grau de imprevisibilidade marcam a política russa. A estes
problemas estariam atribuídos, inclusive, os altos índices de pobreza e violência
exibidos pelo país. No entanto, mesmo considerando as persistentes dificuldades
sociais e políticas, a Rússia efetivamente se apresenta como importante polo de
poder na nova configuração do poder mundial (TODD, 2003; ZHEBIT, 2006).
Já no que diz respeito à Ásia, cabe ressaltar que estamos diante de uma região
absolutamente heterogênea, conflituosa, de singular importância geopolítica e,
sobretudo, de grande crescimento econômico. Dentro da economia capitalista
mundial, a Bacia do Pacífico é uma referência e também o polo econômico que cresce
no mudo, especialmente pelo fato de contar com as dinâmicas economias do Japão,
da China e dos Tigres Asiáticos. É digno de nota observar que, desde a década de
1970, a Ásia se apresenta como um importante polo de poder internacional e, neste
contexto, vale lembrar a condição do Japão, primeiro país asiático que surgiu com o
título de potência internacional. A partir da segunda revolução industrial japonesa,
ocorrida no início da década de 1970, o Japão acabaria delegando parte de sua
indústria menos tecnológica e competitiva aos Tigres Asiáticosy, potencializando
e dinamizando a Bacia do Pacífico (VISENTINI, 2011).
Tal fenômeno adquiriu contornos mais marcantes na medida em que convergia
com a revolução científica-tecnológica em curso. Então, “a China iniciava reformas
econômicas com a abertura ao mercado mundial e os Tigres adotavam o perfil
de Estados desenvolvimentistas, superando a posição de meras plataformas de
produtos de exportação de produtos de baixo valor agregado.” (PECIQUILO, 2009,
p.228). Eis o cenário que mudaria a relação de forças entre os países asiáticos e
marcaria a primeira crise japonesa: A China começaria a concretizar o seu processo
de reunificação, iniciado com a devolução de Hong Kong, em 1997, enquanto os
Tigres tentavam consolidar seu desenvolvimento em moldes autônomos. Se, no
início dos anos 1990, o Japão era classificado como o motor do desenvolvimento
asiático e mundial, a China era percebida pelo Ocidente apenas como um país do

y Compõem os Tigres Asiáticos: Coreia do Sul, Tailândia, Hong Kong, Cingapura.


108

Terceiro Mundo com sinais significativos de crescimento econômico. Logo, o mundo


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teria a oportunidade de reavaliar a verdadeira dimensão de tal crescimento.


O Dragão Chinês ganhou força internacional, sobretudo, considerando sua média
de crescimento anual, de 8 a 10%, ao longo da última década. Além do crescimento
econômico, a China tem preservado uma posição autônoma na definição de suas
políticas econômicas. Outro ponto a ser destacado é o fato de a China se consolidar
como a “maior vendedora de produtos ao mercado norte-americano, responsável
por parte significativa de seu déficit comercial e uma das maiores financiadoras da
dívida externa dos EUA”, conforme destaca o estudo de Peciquilo (2009, p.135).
Ainda na Ásia, mas observando especificamente a Bacia do Oceano Índico, destaca-
se o protagonismo da Índia, um país que não apenas apresenta altos índices de
crescimento e modernização, como também se configura enquanto uma importante
liderança para a integração da Ásia Meridional. Cabe ressaltar que em 1985 deu-se
a criação da chamada SAARC, Associação Sul-Asiática para Cooperação Regional,
que envolve Índia, Paquistão, Bangladesh, Maldivas, Sri Lanka, Butão, Nepal e que,
desde 2007, acolhe o Afeganistão. Este fórum político e de cooperação econômica
tem se concretizado cada vez mais, configurando-se como mais um espaço de
poder no mundo pós-Guerra Fria.
De fato, a SAARC, possui um “PIB de mais de 1 trilhão de dólares e uma população
de aproximadamente 1,4 bilhão de habitantes, ligeiramente superior a da China”
(VISENTINI, 2011, p.101). Também vale ressaltar que, desde a década de 1980,
quando teve início as reformas liberalizantes nesta região, a Índia passou a
apresentar um rápido crescimento em áreas sofisticadas, a exemplo da informática.
Desde então a região e, sobretudo, a Índia – país com mais poder econômico,
tecnológico e militar – apresenta-se ao mundo como uma das mais concretas
alternativas de desenvolvimento econômico de mundo, na medida em que defende
internacionalmente uma agenda de interesses Sul-Sul.
Alguns dados finais contribuem para ilustrar o consistente crescimento econômico
da Ásia. Vejamos o crescimento do PIB de quatro importantes players asiáticos, a
saber: China, Coreia do Sul, Índia e Japão. Os dados sugerem três importantes
cenários: o ritmo intenso de crescimento da China e da Índia; as taxas significativas
da Coreia do Sul, embora sentindo os efeitos das crises econômicas de 1997 e de
2003, mas já apresentando sinais concretos de emergência e; por fim, a estagnação
do Japão, que desde os anos 1990 vêm demonstrando claros sinais de fragilidade,
tal como os demais países que compõe o velho “primeiro mundo”, a também
conhecida a Tríade. (LIMA, 2008).
109

Tabela: Taxa de crescimento Real do PIB

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

China 10.9 10.0 9.3 7.8 7.6 8.4 8.3 9.1 10.0 10.1 10.4 10.7

Coreia 9.2 7.0 4.7 7.8 9.5 8.5 3.8 7.0 3.1 4.7 4.0 5.2

Índia 7.3 7.8 4.8 -5.3 6.1 4.4 5.8 8.3 8.5 7.5 9.0 9.2

Japão 2.0 2.7 1.6 6.5 -0.1 2.9 0.2 0.3 1.4 2.7 1.9 2.2

Fonte: LIMA, 2008, p.97.

Mas as novidades na configuração dos novos polos de poder não se encerram com
um olhar sobre a Ásia. Como bem lembrou a obra de Philippe Hugon, intitulada
“Geopolítica da África”, o continente africano é uma terra de intensos contrastes:
local da origem do homem, gigantesca em suas dimensões – 30 milhões de
quilômetros quadrados – e marcada por tradições ancestrais que remontam aos
primórdios da humanidade, sendo paradoxalmente, “jovem pela idade de sua
população ou pela data de nascimento de seus Estados” (HUGON, 2009, p.27).
Tais contrastes, dos pontos de vista geográfico, histórico, sociopolítico, econômico
e cultural são acentuados “por haver pouca integração pela língua, pela moeda
e o mercado, pelo Estado ou pelas religiões monoteístas”. Nesse continente, que
durante décadas foi chamada de África Negra (expressão determinada por uma
inevitável “geopolítica da linguagem”), cinco grandes regiões expressam sua
imensidão e pluralidade: a África ocidental, a central, a oriental, a meridional e as
ilhas do Oceano Índico.
O autor de “Geopolítica da África” também chama a atenção para os principais tipos
de configurações regionais. Em primeiro lugar, enumera as sociedades em guerra, os
Estados falidos ou frágeis, países em guerra ou marcados por conflitos violentos (o
que afeta mais de 20% da população africana); depois os chamados países menos
adiantados (PMA) marcados por problemas de baixa renda, fraco capital humano
e vulnerabilidade econômica, que atingiriam 35 Estados africanos; as sociedades
mineiras e petroleiras, cujos conglomerados, não raro em situação de concorrência
oligopolista, situam-se no centro dos jogos de poder político e, eventualmente, dos
conflitos; as sociedades agroexportadoras, que constituem um setor industrial moderno
e dinâmico, todavia em crise e, finalmente, as sociedades agroindustriais abertas.
Ocorre que a África é também o continente de potências regionais, como a África do
Sul, Nigéria e Etiópia, Estados cruciais para as grandes potências – com destaque
para os Estados Unidos – e que se configuram como polos hegemônicos regionais
potenciais ou reais (no caso, a África do Sul), participando da pax africana.
110

“As Áfricas constroem sua própria modernidade combinando seus tempos


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históricos próprios e o tempo da globalização”, afirma Hugon (2009, p.145). Três


cenários geopolíticos despontam ao final de sua obra: a) uma África dessincronizada
do tempo mundial, no qual as mais pessimistas visões desenham um continente
politicamente dilacerado e economicamente fracassado; b) uma África positivamente
integrada na globalização, tornando-se competitiva, produtiva e democrática; 3) o
cenário de Áfricas diferenciadas em torno de polos regionais, no qual surgiriam
grandes potências regionais, como a África do Sul ou Nigéria.

Da possibilidade da democracia
Conjuntamente com o consistente crescimento econômico que diferentes países
e regiões do então chamado Terceiro Mundo têm ostentado internacionalmente,
encontra-se a dimensão política e, especificamente, a questão da democracia. Em
que pese as avaliações que apontam para um mundo mais inseguro, complexo
e com fragilidades graves no campo social e político, a busca e consolidação da
democracia tem sido uma das dimensões que também demonstram ascensão.
Emmanuel Todd mostra através de dados demográficos, como a da queda
significativa na fecundidade, e também a partir de números relativos à alfabetização,
que o mundo está melhorando consideravelmente desde o final do século XX. De
fato, os altos índices de fecundidade mundial no início da década de 1980 (3,7
filhos por mulher) sugeriam a manutenção de um quadro de rápida expansão
da população do planeta combinado à hipótese de um subdesenvolvimento
persistente, o que era particularmente dramático na separação entre os mundos
desenvolvido e subdesenvolvido. Na contramão deste cenário sombrio, o autor
sustenta a tese de que a melhoria nos índices demográficos desde a década de
1990 tem contribuído significativamente para a universalização da democracia na
primeira década do século XXI.
Todd identifica os índices de fecundidade avaliando dois anos -1981 e 2001. Neste
período, a evolução nos números de dezenas de países, com destaque para aqueles
então considerados mais críticos em termos de subdesenvolvimento, permitem
uma projeção otimista. Vejamos os dados.
111

Tabela: A fecundidade no mundo

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1981 2001 1981 2001

Estados Unidos 1,8 2,1 Índia 5,3 3,2

Canadá 1,8 1,4 Sri Lanka 3,4 2,1

Reino Unido 1,9 1,7 Argentina 2,9 2,6

França 1,9 1,9 México 4,8 2,8

Alemanha 1,3 1,3 Bolívia 6,8 4,2

Itália 1,7 1,3 Peru 5,3 2,9

Espanha 2,5 1,2 Brasil 4,4 2,4

Colômbia 3,9 2,6

Romênia 2,5 1,3 Venezuela 4,9 2,9

Polônia 2,3 1,4

Rússia 2,0 1,2 África do Sul 5,1 2,9

Ucrânia 1,9 1,1 Ruanda 6,9 5,8

Zâmbia 6,9 6,1

Japão 1,8 1,3 Zimbábue 6,6 4,0

China 2.3 1,8 Quênia 8,1 4,4

Formosa 2,7 1,7 Tanzânia 6,5 5,6

Coreia do Sul 3,2 1,5 Etiópia 6,7 5,9

Coreia do Norte 4,5 2,3 Zaire 6,1 7,0

Vietnã 5,8 2,3 Costa do Marfim 6,7 5,2

Tailândia 3.7 1,8 Serra Leoa 6,4 6,3

Filipinas 5,0 3,5 Libéria 6,7 6,6

Fonte: TODD, 2003, p.41.


112

Tabela: A fecundidade nos Países Islâmicos


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1981 2001 1981 2001

Azerbaijão 3,1 2,0 Líbia 7,4 3,9

Turcomenistão 4,8 2,2 Qatar 7,2 3,9

Quirguistão 4,1 2,1 Síria 7,2 4,1

Tadjiquistão 5,6 2,4 Sudão 6,6 4,9

Líbano 4,7 2,5 Iraque 7,0 5,3

Turquia 4,3 2,5 Paquistão 6,3 5,6

Irã 5,3 2,6 Arábia Saudita 7,2 5,7

Indonésia 4,1 2,7 Senegal 6,5 5,7

Uzbequistão 4,8 2,7 Nigéria 6,9 5,8

Bahrein 7,4 2,8 Palestina 6,9 5,9

Argélia 7,3 3,1 Afeganistão 6,9 6,0

Malásia 4,4 3,2 Mauritânia 6.9 6,0

Bangladesh 6,3 3,3 Omã 7,2 6,1

Marrocos 6,9 3,4 Mali 6,7 7,0

Egito 5,3 3,5 Iêmen 7,0 7,2

Emirados Árabes Unidos 7,2 3,5 Somália 6,1 7,3

Jordânia 4,3 3,6 Níger 7,1 7,5

Fonte: TODD, 2003, p.43.

Os índices acima, como ressaltou Todd (2003), mostram dois aspectos alentadores
para o que chama de “revolução demográfica”. A primeira tabela revela que os
países mais populosos ou mais significativos do mundo viram decair seus índices
de fecundidade, o que leva a conclusão de que alguns países até pouco tempo atrás
considerados subdesenvolvidos estão ostentando índices de fecundidade iguais
aos de países ocidentais. Por outro lado, embora com taxas ainda altas de número
de filhos por mulher, parte do mundo muçulmano e a maioria da África começam
a mostrar um movimento de queda nos níveis de fecundidade. Essa transição
demográfica aliada a um quadro – estimado – de alfabetização generalizada até
2020, segundo Todd permitiriam prever um futuro, talvez para 2050, com uma
perspectiva otimista: uma população estacionária num mundo em equilíbrio.
113

Outra leitura singular e que aponta para mudanças importantes no sistema

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internacional, vem do politólogo Immanuel Wallerstein que, ao responder a
pergunta, “que futuro para o mundo?”, destaca a existência de três clivagens
geopolíticasz possíveis para as próximas décadas do século XXI. Ao contrário do
que sugere a maior parte das análises contemporâneas, que buscam apontar para
as clássicas disputas que marcam os conflitos entre Norte e Sul, Wallerstein (2004)
prefere concentrar seu foco na luta entre o espírito de Davos e o espírito de Porto
Alegre, quando da realização do Fórum Social Mundial para explicitar um tipo
de sistema-mundo passível de ser sonhado e construído.
Esta última clivagem, Davos-Porto Alegre, abordada por Wallerstein, coloca em
cena dois grupos, movimentos e/ou estratos que se encontram espalhados por
todo o planeta. Justamente por isso, segundo o autor, é a mais importante, por ser
aquela que se relaciona com o futuro do mundo para os próximos 500 anos. São
espíritos em contraposição direta, mas ambos são “movimentos de transformação”,
fóruns ou arenas públicas que esperam ser observadas publicamente e persuadir
publicamente. Se “outro mundo é possível”, este será sempre em oposição àquele
imaginado – e, aliás, implementado – por Davos.
Falar de espírito de Davos e de Porto Alegre não significa falar de espaços
geográficos definidos, mas de encontros onde os conflitos podem ser expostos,
debatidos e atenuados. Davos “é um local onde o norte pode prosseguir seus
objetivos, possivelmente com a cooperação de alguns lideres políticos, econômicos
e intelectuais localizados no sul”, como bem notou Wallerstein (2004, p.295). Por
outro lado, quando se fala de Fórum Social Mundialaa, se aponta para “reunir
movimentos de todo tipo – transnacionais, regionais, nacionais e locais mas,
mais importante do que isso, tanto do sul como do norte. Procura reestruturar o
sistema-mundo” (ibidem).

z A obra Declínio do Poder Americano, de Immanuel Wallerstein, aponta para três clivagens possíveis nos
próximos 25 a 50 anos. A primeira é a Tríade, marcada pela competição e pelos arranjos políticos entre as
três potências mundiais – Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão. A segunda clivagem é Norte-Sul,
conhecida pela clássica dependência dos países do Sul (em desenvolvimento ou subdesenvolvidos) e
os do norte (Tríade), mas também pela existência de movimentos de alteridade radical – tendo como
exemplo a ação do aiatolá Khomeini, que destronou um dos maiores aliados do norte, o Xá Reza
Pahlevi, em 1979, quando iniciou a revolução islâmica no Irã – e pelos confrontos diretos dos países
do Sul com os países do Norte. A terceira e última clivagem, Davos-Porto Alegre, é considerada a
mais fundamental das três, pois se relaciona com o futuro do mundo.
aa Porto Alegre responderia aos problemas do mundo com a reunião de mais de mil movimentos sociais
da “maior variedade”, enquanto Davos marca o encontro “dos poderosos e aspirantes a poderosos
do mundo”. Para o autor, o que torna o Fórum singular é tratar-se de “um espaço de reunião aberto,
onde diferentes pessoas, culturas, grupos sociais e movimentos da sociedade civil” se empenham na
construção de uma “sociedade planetária centrada na pessoa humana”, se juntam para prosseguir o
seu pensamento e debater ideias democraticamente, de modo a “formular propostas, partilhar livre-
mente suas experiências e organizar-se para uma ação efetiva” (WALLERSTEIN, 2004, p.294-295).
114

Diante dos possíveis cenários, cabe a pergunta acerca das possibilidades e do


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futuro da democracia. A clivagem Davos-Porto Alegre, naturalmente é uma boa


imagem para simbolizar a complexidade e dimensão desta pergunta. Trata-se
de uma alegoria adequada por afinal, reunir dois cenários e dois momentos nos
quais um único e mesmo interesse une tamanhos protagonistas (tão opostos, num
primeiro momento). O fato é que em ambos os fóruns, agendas múltiplas estavam
sendo propostas e discutidas, reunindo as sociedades e demandando sua intensa
participação e comprometimento.
Tais agendas, ainda que colocadas em pauta por distintos atores e grupos
de interesses, entre nações ricas e pobres, governos e entidades civis, ONGs,
Organizações Internacionais, grupos econômicos e políticos organizados, em última
instância estão intrinsecamente correlacionadas: agendas múltiplas que poderiam
ser abarcadas com uma única e vital questão concernente a todos os seus inúmeros
protagonistas, a saber: a possibilidade de realização da democracia. Esta é uma
das perguntas fundamentais que Immanuel Wallerstein coloca em sua obra sobre
“O Declínio do Poder Americano” (2004). Se a democracia não está realizada no
mundo contemporâneo, será realizável? Diante das duas respostas possíveis – sim
e não – o autor defende uma tese que se equilibra entre extremos: “Mesmo que
nunca possamos ter um sistema perfeitamente democrático, acredito que é possível
ter um sistema largamente democrático. Não acredito que o tenhamos hoje. Mas
poderemos tê-lo” (WALLERSTEIN, 2004, p.174). Sobre a democracia, finalmente,
o autor relembra uma pergunta feita a Mahatma Gandhi acerca do que pensava
sobre a civilização ocidental. O líder indiano responderia simplesmente: “Acho
que seria uma boa ideia” (Gandhi apud Wallerstein, 2004, p.175).

O poder, a sociedade e as redes virtuais


Paralelamente à construção do novo mapa político e econômico, no início do
século XXI, no qual as potências emergentes e diversas organizações internacionais
tornaram-se significativos atores na edificação de uma nova agenda mundial,
as redes virtuais, que hoje atingem praticamente dois bilhões de pessoas, se
constituem também num outro “polo” de poder contemporâneo. A internet com
sua alta capacidade de fluidez, flexibilidade e penetração paradoxalmente vem
ao encontro das exigências econômicas, transformando-se num instrumento vital
para a produção, ao passo que guarda um gigantesco potencial para a expressão
dos direitos cidadãos (DUPAS, 2005).
Conforme observa Castells (2009, p.50-51) uma sociedade em rede é aquela cuja
estrutura está composta por ativas redes de tecnologia digital, pela comunicação
e pela informação baseada na microeletrônica. Para o autor, as redes digitais são
globais e por sua capacidade para a autorreconfiguração, transcendem os limites
territoriais e institucionais do Estado.
115

É lugar comum nas análises acerca da globalização observar que este processo tem

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sua origem nas dimensões econômicas, políticos e culturais do próprio sistema
capitalista. Mas cabe notar que a força que impulsionou o processo de globalização
se relaciona diretamente a capacidade de conexão em rede global, proporcionada
pelas tecnologias digitais de comunicação e pelos sistemas de informação.
Conforme observa Castells (2009), deste processo deriva uma sociedade que é global
e que está em rede. Evidentemente, isso não significa inferir que todas as pessoas
participem da rede; ao contrário. Sabe-se que a maioria dos habitantes do mundo
não está participando desta sociedade digital e virtualmente conectada. Mas, por
outro lado, o que ocorre é que todo o mundo se vê afetado pelos processos que têm
lugar nas redes globais, proporcionado a construção de novas formas de poder e de
participação das sociedades, dos Estados e das instituições no mundo contemporâneo.
Conforme observa Gilberto Dupas (2009, p.199), esta nova realidade mundial
marcada pela tecnologia e pelas redes virtuais sugere um grande debate, que pode
ser expresso em dois questionamentos pontuais: existe de fato a possibilidade da
tecnologia digital vir a favorecer um grande processo de inclusão social por parte
de segmentos da sociedade que se encontram à margem da mundialização da
produção? Ou estes segmentos sociais formarão uma espécie de “fosso digital”,
tendo “como referência a qualidade de inserção dos indivíduos e dos países na rede?”
De fato, estes questionamentos envolvem diretamente todas as nações e as
sociedades mundiais, que se preocupam em ampliar e democratizar a tecnologia
digital. No Encontro Mundial sobre a Sociedade da Informação, ocorrido em
Genebra, em 2005, as grandes potências e os países emergentes foram colocados
em lados opostos. Neste encontro, Brasil, Índia, China e África do Sul pressionaram
internacionalmente para retirar a Internet das mãos de uma entidade privada
norte-americana com sede nos Estados Unidos (Internet Corporation for Assigned
Names and Numbers – ACANN) e transferi-la para um grupo intergovernamental
sediado na ONU (DUPAS, 2009).
O próprio Castells (2003) não deixou de observar que, embora o mundo acadêmico
tenha dado início ao conhecimento e as pesquisas para o desenvolvimento das
redes virtuais, a explosão do uso da internet se deu pelas mãos das corporações
globais, as quais transformaram radicalmente as práticas de produção e
negociação internacional. Por sua parte, Gilberto Dupas (2009, p.206) reconhece
uma particularidade positiva em relação à tecnologia da informação que ele vê,
em geral, de forma crítica: devido ao fato de estar em constante desenvolvimento,
“[...] o inventor não detém o monopólio da criação, podendo os usuários assumir
seu controle”.
Outro aspecto citado por Dupas (2009) diz respeito ao fato de que, na mesma
medida em que a tecnologia da informação é fortemente utilizada nos processos
produtivos e no gigantesco mundo financeiro, acelerando o desenvolvimento
116

de bens e serviços, também possibilita, potencialmente, o desenvolvimento de


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atividades individuais e de grupos sociais. Para o autor, esta característica têm


permitido a “quebra do monopólio do conhecimento e o desenvolvimento de novos
produtos”, possibilitando consequentemente “que eles sejam utilizados para outros
fins que não aqueles que para os quais foram inicialmente elaborados” (DUPAS,
2009, p.206-207). Assim, a tecnologia da informação – enfatizando o papel das
redes – permitiria aos indivíduos e às instituições, bem como as próprias nações,
o desenvolvimento de projetos de seus próprios interesses, contribuindo para o
empoderamento da sociedade e das instituições. Restaria saber quais destas duas
vocações ou usos terão mais peso e eficácia nas novas configurações de poder do
mundo contemporâneo.

Referências
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Jorge Zahar, 2003.
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imperativos de legitimação. São Paulo: Unesp, 2005.
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HUNTINGTON, Samuel. O choque de civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de
Janeiro: Objetiva, 1997.
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FHC: um balanço. São Paulo: Cultura Editores Associados, 2002.
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Política Externa e Política Internacional – III CNPEPI – O Brasil no mundo que vai aí. Fundação
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Neohegemonia americana ou multipolaridade? Polos de poder e sistema internacional. Porto
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WALLERSTEIN, Immanuel. O declínio do poder americano. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004.
9
ORGANIZAÇÕES E PARTICIPAÇÃO
POLÍTICA E SOCIAL NO MUNDO
CONTEMPORÂNEO

Paulo G. M. de Moura

“É óbvio que ‘as elites organizadas existentes em todas as sociedades humanas


desde o princípio da história” sempre tentaram se apropriar de todos os recursos
para “conquistar e/ou preservar o poder. Dizer isso é o mesmo que dizer que em
todas as sociedades humanas (excetuando-se o breve intervalo dos gregos ou, mais
propriamente, dos atenienses dos séculos sexto e quinto antes da Era Comum e, em
parte, algumas sociedades dos últimos dois séculos) tivemos regimes autocráticos
e não democráticos. Todo o tempo histórico (considerando como início da chamada
história o surgimento do primeiro sistema autocrático estável, com o advento do
Estado sumeriano, provavelmente em Kish, na antiga Mesopotâmia, há cerca
de seis milênios) foi, praticamente, tempo de autocracia; não de democracia. Se
pudéssemos contar o tempo histórico (das chamadas civilizações) como um dia de
24 horas, tivemos democracia (ou melhor, experiências localizadas de democracia),
apenas por 96 minutos (e olhe lá!).” Augusto de Francoab

Introdução
O exercício da liderança é uma marca das sociedades humanas. Na pré-história,
quando a humanidade vivia em bandos nômades, a hierarquia de poder e a
estratificação social eram extremamente simples. Cada sociedade cria o seu
subsistema político. Tal como acontece entre lobos e leões havia um líder sobre o
bando de liderados e vigorava a lei do mais forte. Na medida em que a humanidade
foi caminhando em direção à civilização, foi também, gradativamente, sofisticando

ab www.diegocasagrande.com.br, coluna de Augusto de Franco acessada em 4/5/2007.


118

as estruturas dos sistemas sociais e políticos; desenvolvendo formas específicas de


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organização e de exercício do poder.


A liderança social e o poder político ao longo da história, sempre estiveram
associados às formas de organização social e ao nível de distribuição do direito de
participação da sociedade nas decisões coletivas que lhe dizem respeito. Se o poder
se encontra mais concentrado nas mãos de um indivíduo, de grupos oligárquicos,
ou do Estado do que distribuído na que na sociedade, o sistema político pode ser
considerado autoritário, ou, autocrático, e vice e versa, se mais distribuídos para
um grande número ou para a maioria dos membros dessa sociedade, seu sistema
político é considerado democrático.
Assim como acontece nas esferas econômica, social e cultura, também a esfera
política da sociedade contemporânea passa por profundas transformações.
Entender o que se passa nessa dimensão da nossa vida em sociedade também
é importante para sabermos nos situar nesse mundo em constante e acelerada
mudança.

9.1 O poder nas sociedades antigas


Nas sociedades antigas, excetuados os casos referidos por Augusto de Franco na
citação acima, predominava o exercício do poder despótico ou oligárquico, exercido
com predomínio do uso da força. Os governantes eram vistos como deuses ou
intermediários da relação entre o povo e os deuses, e, como consequência, o povo
não participava das tomadas de decisões sobre seu destino, já que a justificativa
para o poder dos governantes era de origem religiosa. Isto é, entendia-se que o
direito ao poder era desígnio divino. Religião e poder caminharam juntos ao longo
de séculos. Na sociedade ocidental a separação entre o Estado e a Igreja somente
aconteceu no final da Idade Média, quando teve início a Era Moderna.
Na Idade Média o sistema social organizava-se a partir da propriedade da terra, e
os senhores feudais, seus proprietários, deliberavam os assuntos políticos (guerra,
impostos, punição de crimes, etc.), por sua livre vontade, mas sempre aconselhados
por membros da hierarquia da Igreja, que, com eles compartilhava o exercício
do poder e se constituía na única organização hierarquizada e presente em todo
o território europeu e parte das regiões antes integrantes do Império Romano,
das quais os europeus não haviam sido expulsos pelos antigos povos bárbaros,
civilizados por gregos e romanos nos séculos anteriores.

9.2 O poder na sociedade moderna


Com a irrupção da Era Moderna, o ressurgimento do fenômeno urbano na esteira
das revoluções comercial e industrial, as formas de organização dos sistemas social,
119

econômico, político e cultural, típicos da sociedade Antiga, de base econômica

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agrícola e artesanal, foram desestruturadas pelas mudanças provocadas pelas
revoluções Comercial e Industrial.
O sistema de produção industrial; baseado na especialização do trabalho, na
produção através de linhas de montagem e no uso intensivo de máquinas, então,
substituiu o modo de produção feudal, desencadeando o surgimento do modo
de produção capitalista, e depois do socialista. Estes dois sistemas econômicos e
seus respectivos regimes políticos, embora ideologicamente diferentes do pondo
de vista da relação do Estado com a economia e a sociedade, tinham seus sistemas
econômicos baseados na produção fabril. O surgimento e a expansão do comércio,
a mecanização da agricultura e o surgimento das fábricas deslocaram o meio de
sobrevivência do povo para as cidades. Em pouco tempo, a população, que antes
era pouco numerosa e vivia isolada e fragmentada nas propriedades feudais,
migrou para as cidades, concentrando-se no entorno dos palácios e catedrais, sedes
do poder. Tornou-se, então, necessário criar formas de organização e participação
dessas pessoas nas decisões sobre o seu destino coletivo das sociedades urbanas.
As sociedades capitalista e socialista desenvolveram, então, organizações sociais e
sistemas de participação do povo nas decisões coletivas, cuja essência baseava-se na
legitimação pelo apoio da maioria. Surgiu, dessa maneira, a chamada democracia
representativa. Essa forma de participação política baseia-se na realização de
eleições periódicas, às quais concorrem candidatos inscritos em partidos políticos,
na busca de votos para receberem o aval do povo ao seu acesso ao exercício do poder
nos parlamentos, tribunais e governos. Nos regimes socialistas, os mecanismos
de votação e delegação de representação são um pouco diferentes. Enquanto
nos regimes de tipo liberal-democrático a votação é direta, secreta e universal,
nos regimes socialistas as votações e escolhas de representantes ocorrem em
assembleias, e os representantes, originalmente, eram eleitos como delegados de
seu local de trabalho, ou moradia. Além dessas diferenças, sob o socialismo existe
apenas um partido e há restrições às liberdades democráticas, o que não acontece
nas democracias liberais.
Para viabilizar o funcionamento desse sofisticado sistema, criou-se um enorme
aparato burocrático encarregado da administração. Aos representantes eleitos
caberia a função de legislar, estabelecer diretrizes políticas e administrativas
e tomar decisões, e ao quadro de funcionários permanentes caberia a
responsabilidade de garantir a continuidade do funcionamento dos serviços
públicos, independentemente dos representantes eleitos periodicamente para
definir os rumos políticos dos governos.
Nos regimes socialistas, varia a forma como essas peças se encaixam como
engrenagens do sistema, pois, não havendo alternância de partidos no poder,
devido à existência de um partido tido como detentor do conhecimento sobre os
120

rumos que a sociedade deve tomar, em geral os representantes eleitos se convertem


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em homologadores das decisões do partido. Essa distorção, inicialmente mais


evidente nos regimes socialistas, no entanto, se instalou também nas democracias
liberais, com a intromissão cada vez maior dos governos sobre as funções dos
legisladores, através de artifícios normativos e políticos.
A finalidade desse aparato, na teoria, tanto num caso com noutro, seria a de
redistribuição dos recursos públicos arredados como impostos ou como resultado
das empresas do Estado. Nas democracias liberais esses recursos são disputados
pelas forças sociais organizadas em sindicatos, grupos de pressão e partidos, dentre
outras formas de associação. Nos regimes socialistas os planejadores da economia
à testa do Estado são os tomadores de decisões sobre o destino dos investimentos
e do gasto público.
A origem dessas estruturas de gestão política e administrativa da sociedade moderna
é o modelo de estrutura administrativa que surgiu nas fábricas, no momento em
que as empresas foram crescendo a necessitando cada vez mais de especialistas
em administração para dar conta da crescente complexidade provocada pela
proliferação do trabalho especializado e a decorrente compartimentalização das
estruturas de produção. Aos administradores, portanto, caberia a função de integrar
e intermediar as relações entre os tomadores e executores das decisões, separados
por tarefas, atividades e departamentos responsáveis pelas diferentes funções na
cadeia produtiva ou burocrática.
O sociólogo alemão Max Weber foi quem primeiro percebeu que esse tipo de
sistema, que foi criado para tornar as organizações modernas mais eficientes e
produtivas, apresentava distorções que tenderiam a produzir o resultado oposto
ao esperado por quem o inventou e desenvolveu. Com o tempo, todas as estruturas
administrativas das organizações modernas foram assumindo esse modelo.

9.3 A lógica do sistema


A radiografia da estrutura é a de um organograma com uma cabeça no topo, onde
se situa o comando central da organização, que no passado se compunha, em geral,
pelos donos do negócio nas empresas privadas. Dessa cúpula parte o fluxo de
comandos. O sentido das informações partidas desse núcleo decisor era vertical,
unidirecional e descendente.
No miolo do organograma, isto é, nas estruturas intermediárias situadas no espaço
entre quem decide e quem faz, as ordens disparadas pela cúpula caem num
labirinto de departamentos especializados, que, em tese deveriam torná-la mais
nítida, adequada e exequível, do ponto de vista do objetivo de quem deu origem ao
comando. No entanto, tal como acontece na brincadeira de “telefone sem fio”, no
qual crianças sentam-se uma ao lado da outra em sequência, e a primeira conta uma
121

pequena história que dever recontada para o amigo sentado logo ao lado, e assim

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por diante, até que o último da fila, depois de ouvir a história que lhe é repassada
pelo penúltimo, expõe a todos o que ouviu. Como, diz o ditado popular, “quem
conta um conto aumenta um ponto”, a história contada no fim da fila raramente
coincide com as informações que lhe deram origem no outro extremo da linha.
Dessa forma, ao percorrerem os labirintos dos departamentos administrativos
das organizações modernas, as decisões e comandos que deveriam gerar um
determinado resultado executado pelos integrantes da base do organograma,
raramente se traduziram naquilo que o emissor esperava ao emitir o comando,
pois as informações contidas nas ordens são diluídas e distorcidas em seu conteúdo
estratégico no trâmite da mensagem da cúpula que a produz ou reproduz para a
base que deve obedecer aos comandos superiores.
Os indivíduos da base do organograma devem exercer suas funções como
engrenagens de uma esteira mecânica sem precisar saber quais os motivos que
originaram o comando, o contexto e os objetivos gerais que sua tarefa, articulada
com as demais tarefas sincronizadas das outras engrenagens, deve gerar como
resultado final. As peças inferiores dessa esteira são alimentadas com informações
parciais e elementares, apenas suficientes para a execução repetitiva de ações
sincronizadas com outros integrantes de seu nível na estrutura hierárquica do
organograma. As atividades das engrenagens da base do organograma devem ser
padronizadas nos movimentos e sincronizadas no tempo de execução, tornando-
se, praticamente, uma extensão da máquina.
O tráfego das informações entre a cúpula e a base do organograma percorre
caminhos tortuosos de um intrincado sistema cujo fim seria planejar, gerenciar,
controlar e supervisionar o funcionamento eficiente da estrutura. Mas, com o
tempo, a burocracia que se desenvolveu no espaço entre a base e a cúpula das
organizações modernas foi sofrendo atrofias e distorções.
Os diferentes departamentos burocráticos dessas estruturas passaram a disputar
entre si o poder de acesso e controle de cada vez mais funções, recursos e
informações, com o objetivo de adquirir poder, importância estratégica e vantagens
funcionais. Com isso, os diferentes escaninhos do organograma burocrático
passaram a filtrar, politizar e distorcer informações e ordens, visando valorizar
sua posição estratégica na estrutura das organizações, e, assim, a tentar prejudicar
seus adversários internos que lutam pelos mesmos fins, com os mesmos métodos.
Controlando recursos e informações os burocratas, na prática, usurpam o poder
de fato da cúpula do organograma.
O efeito de acumulação das disfunções das engrenagens e do sistema como
um todo, introduziu irracionalidade no funcionamento das organizações e no
fluxo de informações que deveria fazer com que se produzissem os resultados
previstos por seu objetivo. Dessa maneira, as soluções propostas pelos burocratas,
122

invariavelmente levam à necessidade de ampliação das estruturas burocráticas.


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Mais e mais burocratas são contratados, levando à criação de mais departamentos


com a suposta atribuição de resolver os problemas que proliferam justamente
devido ao excesso de burocracia.
O gigantismo tornou-se, então, um problema adicional às demais distorções,
criando um círculo vicioso entrópico e autofágico. A burocracia resiste às mudanças
e inovações, pois essas são percebidas como ameaças às suas posições de poder
nas estruturas; perde-se nas atividades meio em prejuízo da missão precípua da
organização a que pertence, e apresenta resistência e rigidez diante de situações que
requerem soluções não previstas em regras, mesmo que não ilegais. Desperdício,
lentidão, ineficiência e corrupção tornam-se consequências inevitáveis dessas
disfunções sistêmicas.
Ainda que competindo internamente com os demais setores burocráticos, o
comportamento coletivo dos integrantes dessas estruturas é corporativo. Isto é, os
interesses de todos na preservação da estrutura que lhes garante a sobrevivência
coincidem nos conflitos com agentes externos, formando uma teia invisível em
defesa do sistema, aí sim de forma ágil e eficaz.
Essas distorções ocorrem em organizações públicas e privadas. No entanto, nas
empresas privadas o imperativo do lucro e a competição no mercado, assim
como a presença de um proprietário no controle da organização, contribui para
minimizar as distorções. No setor público não há concorrência e nem “dono
negócio” ao alcance dos olhos dos funcionários burocráticos. A rotatividade dos
administradores políticos e a propriedade pública dificultam os controles, tornam
a organização mais sucetível às presões e impõem maiores obstáculo às correções.
Dada o caráter aparentemente “gratuito” dos serviços públicos, e a natureza
política e, teoricamente, democrática da função do Estado, além da constante
permanência dos funcionários junto aos gestores eleitos, e a permeabilidade
dos políticos à pressão dos interesses corporativos, somam-se para agravar as
distorções, tornando-as um problema mais grave do que aqueles que afetam as
organizações privadas.
Max Weber constatou que essa lógica se apresenta em todas as organizações
complexas nascidas com a sociedade moderna. Todas elas, conforme a Sociologia
da Burocracia de Weber requerem lideranças administrativas especializadas. O
autor descreve a burocratização como uma mudança da organização baseada na
autoridade tradicional para outra voltada para metas e ações racionais e legais.
No caso da Alemanha, conforme constatou em seu estudo, a burocracia prussiana
assumiu o comando político da nação, dando origem a um sistema de dominação
política de tipo burocrático que ele caracterizou como patrimonialista.
123

9.4 A crise das instituições da era moderna

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As organizações criadas pela sociedade ao longo da era moderna tornaram-se
ineficientes, lentas, grandes e excessivamente burocráticas. A falência financeira e a
corrupção são os sintomas mais visíveis de muitas delas. O descrédito da população
nos políticos está nas primeiras páginas dos jornais na maior parte dos países do
mundo. Como consequência, as instituições encarregadas da tomada de decisões
coletivas criadas pela sociedade moderna, tais como os partidos, os parlamentos,
governos, tribunais e demais órgãos estatais sofrem crises causadas pela ineficiência,
que leva à falta de legitimidade e credibilidade perante a sociedade.
A crise das instituições políticas encarregadas de processar as decisões coletivas
na sociedade atual, é, ao mesmo tempo, causa e efeito dos deslocamentos de
poder provocados pelo impacto das novas tecnologias e das transformações por
elas geradas. Sob circunstâncias normais, as deliberações políticas dos governos e
suas instituições cumprem suas atividades fim. Hoje, essas estruturas políticas não
cumprir suas funções. O dinheiro público se perde na burocracia e na corrupção.
Cada vez mais impostos são cobrados da sociedade, que e não vê o retorno em
serviços públicos de segurança, educação, saúde e infraestrutura. As vítimas, em
geral, são aqueles que mais necessitam desses serviços e que menos condições têm
de obtê-los pelos próprios meios.
O tipo de liderança baseada no poder burocrático, impessoal e abstrato, que
decide sobre muitos assuntos, tornou-se inadequado à nova realidade. A execução
das decisões depende de órgãos executores que não executam. A autoridade é
constrangida leis superadas e fiscalizada por organismos corrompidos e ineficientes
A legitimidade da liderança precisa se legitimar pelo voto da maioria, mas a
população se abstém de participar.
O novo sistema econômico que emerge com a sociedade contemporânea compõe um
sistema social cujo nível de diversidade e complexidade é infinitamente maior do
que o existente do período anterior. As decisões políticas e administrativas, agora,
dependam de corpos técnicos sofisticados que abastecem o líder de informações
sobre áreas que esse desconhece se não estudá-las e não se preparar para não errar.
A alta especialização do conhecimento, a complexidade, o volume e a velocidade
das informações que envolvem a tomada de decisões, limitam o poder da liderança
nas organizações da sociedade contemporânea, tornando-a mais temporária,
flexível, colegiada e consensual.
As estruturas estatais da sociedade moderna foram construídas na época em que
o principal meio de transporte e troca de mensagens à distância era o cavalo. Os
estados nacionais estavam recém se formando nessa época. As diferentes regiões
do mundo eram isoladas umas das outras e as economias eram mais protegidas
por leis vigentes dentro das fronteiras nacionais. As decisões a serem tomadas
124

por governantes num contexto como esse, envolviam um volume muito menor de
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variáveis, que demandavam mais tempo de quem precisava decidir. As decisões


tomadas, de forma relativamente isoladas pela distância geográfica e pela lentidão
dos sistemas de comunicação e transportes, pouca ou nenhuma consequência
causavam além das fronteiras territoriais de cada Estado nacional.
As instituições políticas remanescentes da sociedade moderna (governos,
parlamentos, tribunais) também refletem uma forma obsoleta de lidar com o
conhecimento. Este tipo de estrutura anacrônica produz intermináveis problemas
jurídicos, disputas interburocráticas e o consequente aumento dos custos do
Estado. A ineficiência do Estado, por sua vez, leva à geração de efeitos secundários
adversos, às vezes piores do que a tentativa inicial de solucionar um determinado
problema na sua origem. A centralização do poder não funciona. Os governos e as
instituições jurídicas e políticas da sociedade moderna foram pensados para tomar
decisões num ambiente em que uma informação poderia levar dias para atingir
círculos mais amplos da sociedade. As reações eventualmente adversas eram mais
raras e mais fáceis de contornar.

9.5 A emergência de um novo sistema


Assim como acontece com o sistema econômico interligado por redes de
comunicação em tempo real, o sistema político também reflete a aceleração
generalizada das mudanças, intensificando o colapso das estruturas burocráticas.
A velocidade com que as informações circulam é maior do que o poder de resposta
das estruturas burocráticas. Mais inteligência e criatividade e menos burocracia
é a nova regra.
O sistema econômico da sociedade moderna criou a produção e o consumo
de massas. Enormes quantidades de produtos seriados, jogados ao mercado
consumidor, influenciaram o surgimento do comportamento social de massas.
O comportamento das audiências dos canais de televisão abertos, que recebem a
mesma programação transmitida para milhões de telespectadores simultaneamente
induz ao comportamento de massas. Essa característica surgiu também no sistema
político da sociedade moderna, dando origem a organizações de massas, tais como
os partidos e os sindicatos e seus líderes de massas (Hitler, Stalin, Mussolini) com
suas ideologias de massas.
As tecnologias contemporâneas estão criando um sistema oposto, no qual a regra
é a segmentação da produção e do consumo. Os produtos cada vez são feitos para
segmentos específicos de consumidores com demandas específicas. A os meios
digitais de comunicação em rede produzem conteúdos segmentados. A indústria
da mídia produz estilos musicais diversos, que influenciam e são influenciados
por estilos de vida grupal também diversos no jeito de vestir, de agir socialmente,
125

de comportar-se nos grupos de convivência. Como consequência, o sistema social

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está se fragmentando ao refletir essa tendência da produção e do consumo.
O ambiente político é parte do sistema social e foi, em seguida, contagiado pelo
impacto dessas transformações. Novas organizações minoritárias, que agem em
âmbito local, embora articuladas em redes que geram influência para além das
fronteiras nacionais surgem no mundo todo. Ambientalistas, pacifistas, gays,
feministas, e outros, com formas inovadoras de manifestação de suas insatisfações
e reivindicações, invadiram o palco antes monopolizado pelos sindicatos e pelos
partidos.
A velocidade e abrangência dos novos sistemas de comunicação em rede e a
diversidade desses grupos e organizações de novo tipo estão dando origem à
criação de um sistema político de contornos ainda indefinidos. A desmassificação
das organizações políticas reflete as tendências tecnológicas da produção simbólica,
das comunicações em rede e da cultura tribal, devastando a capacidade dos políticos
tradicionais tomarem decisões com base na mentalidade e nos paradigmas do
passado.
A formação de maiorias estáveis, necessárias para a legitimação do poder dos
governos ao longo da história da sociedade moderna está cada vez mais difícil e
sujeita às instabilidades. Por vezes, formar maiorias estáveis é impraticável. As
circunstâncias podem ser diferentes de país a país, mas a crise das organizações
modernas é transversal a todos os que não conseguem acompanhar a velocidade
das mudanças, e a se adaptar à nova realidade supercomplexa.
As novas maiorias, quando se tornam possíveis, cada vez se articulam com uma
colcha de retalhos de grupos minoritários, que se conectam e se desconectam em
torno de causas pontuais em curtos espaços de tempo. A diversidade social é tão
grande que a lógica da representação de massas não consegue gerar consensos em
nome de uma suposta “vontade geral”, na qual se baseia a ideia de “democracia
representativa” inventada pela sociedade moderna. A própria democracia
representativa está em crise.
As novas e velozes tecnologias da informação geraram uma correspondente
sofisticação e diversificação dos problemas sobre os quais os governantes precisam
decidir. Um sistema político eficiente precisa operar na escala correspondente aos
problemas sobre os quais decide, integrando diretrizes díspares, decidindo no
momento certo e refletindo a diversidade da sociedade que lhe dá sustentação.
O ativismo de minorias reflete as demandas de um novo sistema econômico que
requer, para sua existência, um sistema social mais diversificado do que qualquer
outro que já existiu. A capacidade de negociação e articulação entre os grupos
minoritários de interesses diversos precisa ser incorporada ao sistema normativo e
ao formato das instituições para permitir a construção de uma nova democracia.
126

Hoje, grupos de pressão bem organizados têm mais poder sobre as decisões
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governamentais do que as amplas maiorias do passado. Controlar o poder de


influência das tecnocracias superespecializadas sobre os gestores públicos é outro
cuidado fundamental. Por isso, talvez seja o caso de deslocarem-se algumas decisões
hoje nas mãos dos “representantes”, para o eleitorado, rompendo os círculos
tecnocráticos de decisão e recorrendo às novas tecnologias de comunicação como
forma de consultar à população, criando-se assim, novas formas de processar
decisões coletivas que contemplem os interesses das pessoas diretamente atingidas
pelas das decisões em questão. Plebiscitos e referendos são cada vez mais usados
para legitimar decisões controvertidas com apoio social amplo.
Deslocar o poder de decisão para instituições mais próximas das causas de cada
problema pode ser uma alternativa viável já que há problemas que não podem ser
resolvidos no nível local e outros que não podem ser resolvidos no nível nacional,
além de outros que requerem respostas em diversos níveis. Fazem-se necessárias
novas instituições mundiais capazes de gerenciar soluções para problemas
mundiais que não mais podem ser resolvidos por governos nacionais de forma
isolada, sem causar consequências sobre a população de outros países.
As grandes catástrofes ambientais, os problemas com o clima do planeta, o combate
ao terrorismo e ao crime organizado; a administração das crises do mercado
financeiro internacional, dentre outros, são exemplos desse tipo de problema
global que requer soluções globais. A descentralização das estruturas de decisão e
gestão econômica pode dar origem a novas unidades econômicas regionais livres
da configuração interna dos mapas nacionais. Movimentos de pressão inversa pela
integração do mundo em bloco, seguidos de crises e tendências protecionistas e de
“fechamento de fronteiras” estão transformando os sistemas econômicos, políticos
e sociais e requerendo flexibilidade e criatividade na criação de novos arranjos
institucionais dos agentes políticos mundiais. As decisões econômicas isoladas,
eventualmente tomadas por governos nacionais em benefício de uma região podem
gerar impactos negativos sobre outras, no contexto da interdependência de um
sistema econômico e social articulado em rede.
Na sociedade contemporânea as de decisões precisaram ser compartilhadas através
de novos sistemas de participação democrática e representação por organismos
colegiados. O novo sistema político não poderá funcionar sem democracia, mas
precisará de uma nova democracia sustentada em valores e ideias adequadas às
novas instituições políticas.
A lógica que rege o funcionamento das redes sociais, potencializadas pelo uso em
escala da tecnologia digital, é radicalmente diferente das estruturas burocráticas
das organizações do passado industrial. O caráter democrático do conhecimento
faz com que a riqueza simbólica do novo sistema econômico circule em alta
velocidade nas redes digitais de comunicação, impondo a criatividade, a agilidade
127

e a flexibilidade como requisitos imprescindíveis à sobrevivência no novo ambiente

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competitivo. Para isso, a descentralização das decisões e ações e a eliminação de
estruturas intermediárias entre os que executam e os que decidem; a assincronia
e a aleatoriedade das relações entre os componentes dos sistemas-rede são
fundamentais.
Esses princípios foram assimilados rapidamente pelas organizações empresariais,
que criaram novos métodos de gestão da produção e novas formas de organização
do trabalho. Corporações transnacionais incorporaram técnicas gerenciais
adaptadas à lógica da economia que se articula em rede, dentro e fora das
organizações. Milhões colaboradores diretos e indiretos dessas organizações se
conectam ao novo sistema por imposição do novo mundo do trabalho.
As empresas-rede conectam-se com consumidores-rede através de técnicas de
marketing de rede. As redes invadiram também o mundo do entretenimento e das
diversões do indivíduo contemporâneo no momento em que as tecnologias de
comunicação digital invadiram os lares dos cidadãos comuns. A telefonia celular,
a Internet, a TV a Cabo, os computadores portáteis interligam e outros aparatos
tecnológicos interligam cada vez mais indivíduos na malha digital.
Sob a ótica desse novo sistema a diversidade cultural é consequência inevitável. A
permanente fragmentação do tecido social e a produção de diversidade respondem
à nova lógica da criação e da circulação do capital simbólico que converte ideias
em valor ao lançá-las à rede de trocas midiáticas em escala global.
A matriz sistêmica e os sistemas de participação democrática dos cidadãos nas
decisões coletivas sobre o destino da sociedade em que vivem devem se adaptar
a essas mudanças. Só seremos capazes de criar soluções inovadoras para esses e
outros problemas que estão surgindo se soubermos entendê-los.

Referências
CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2005.
TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. São Paulo: Record, 1980.
______. Powershit – as mudanças no poder. São Paulo: Record, 1990.
WEBER, M. A objetividade do conhecimento nas ciências sociais. In: COHN, G. (org.). Max
Weber. 4. ed. São Paulo: Ática, 1991, p.79-127.
______. Conceptos sociológicos fundamentales. In: ______. Economía y sociedad: esbozo de
sociología comprensiva. México: Fondo de Cultura Económica, 1996ª, p.5-45.
______. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução de A. F. Bastos e L. Leitão. 4. ed.
Lisboa: Editorial Presença, 1996b.
10
MEIO AMBIENTE
E SUSTENTABILIDADE

Arlete Aparecida Hildebrando de Arruda

Águas que movem moinhos


São as mesmas águas
Que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Terra! Planeta Água.
(Guilherme Arantes)

Introdução
Qual a possível relação existente entre o restaurante Noma (o melhor do mundo)
e a Conferência de Copenhague (COP.15) sobre mudanças climáticas?
Para tecer a resposta à indagação inicial, transcreve-se a fala do genial chef de
cozinha René Redzepi (2012): “O pensamento dos dinamarqueses foi expandido quando
passamos a utilizar produtos locais em receitas já existentes, mas antes preparadas com
ingredientes de outras culturas”.
Essa postura de escolher produtos locais para
seus fabulosos pratos está de acordo com
as proposições de que só haverá um freio
no aquecimento global se forem reduzidos
os transportes de mercadorias e houver um
aproveitamento dos recursos locais. Observa-
se aqui um dos princípios do desenvolvimento
sustentável aplicado a um negócio.
130

A disposição de agir no local também está dentro de outro movimento global, trata-
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se da preocupação com a diversidade biológica. Se há consumo e apreço somente


para certos produtos e animais no mundo, muitas espécies de seres vivos, plantas,
animais, insetos, flores são desprezados e logo, são consentidas sua extinção.
Reconhecer a biodiversidade de cada localidade ou região faz parte também dos
princípios da sustentabilidade.
A ONU sofreu pressões de cientistas e movimentos ambientalistas mundiais e
por isso, decretou para valorizar os diversos biomas no período 2011/2020 como
a Década da Biodiversidade.
Para que esses objetivos sejam alcançados até 2020, já em 2010, na cidade Nagoya,
no Japão, chegou-se por consenso a um Plano estratégico de Conservação da
Biodiversidade (CDB), os países signatários adotarão medidas para preservação
de ambientes terrestres, aquáticos e marinhos.
Retomando a indagação inicial, pode-se dizer que há uma relação sim, entre os
lucros do restaurante NOMA (e a fama trazida para a Dinamarca), e a questão
ambiental. A identidade nacional e regional tem um dos seus pilares a gastronomia
– a comida (italiana, japonesa, tailandesa, etc.). Ela se expressa pela variedade de
produtos. Isso se chama biodiversidade (ou diversidade da natureza viva). A perda
da biodiversidade, aliada às mudanças climáticas são preocupações não só dos
cientistas, ambientalistas, mas dos empresários, economistas, engenheiros, médicos,
sociólogos, publicitários, comunicadores, religiosos, que pressionam e gestionam
junto aos governos, parlamentos e instituições públicas e privadas, por mudanças
nos planos de intervenção e na regulamentação de ações que afetam ao meio
ambiente local, regional, nacional ou planetário. Por isso, nas pautas de noticiários,
programas e reportagens, os temas como economia verde, responsabilidade
ambiental, novo Código Florestal, degelo do ártico, sustentabilidade nas empresas,
bancos verdes, ecovilas, cidades sustentáveis estão cada dia com maior frequência
presentes nas mídias. E em tempo, convém lembrar que o Brasil tem 25% da
biodiversidade mundial.
A ONU recebe pressões para realizar convenções e conferências que levem à
assinatura de documentos e protocolos sobre temas que preocupam segmentos
importantes das sociedades. Essas conferências têm uma enorme influência sobre as
nações, porque o que é protocolado passa a ser exigência internacional e repercute
no comércio mundial. Nos países tornam-se leis e regulamentos.
As conferências que trataram do meio ambiente buscaram garantir a qualidade de
vida no planeta e a sustentabilidade da terra. Conhecer as principais conferências e
os conceitos que aí foram estabelecidos é da maior importância para compreender o
tempo atual. Uma forma clássica de organizar as convenções, fóruns e conferências
da ONU é a apresentação de documentos e sobre eles se ajustam os termos para
131

que os chefes de Estado os assinem após debates e chegada ao consenso dos

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signatários.
Inicialmente esses documentos são rascunhos (já acertados entre os diplomatas
e os técnicos dos altos escalões dos governos dos países envolvidos. Em
cada documento há um slogan que o resume. Nosso futuro comum foi o da
conferência de 1972 e o futuro que queremos em 2012. em cada documento há
posicionamentos que se expressam em conceitos, que levam a disputas para
qual conceito deverá predominar. Em 1972 os países desenvolvidos defendiam
um “desenvolvimento zero” e os países chamados na época subdesenvolvidos,
defendiam “o desenvolvimento a qualquer custo”. Preparando a Rio92, o debate
era entre Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sustentável. E vinte anos após,
os documentos trouxeram novas disputas. Os conceitos foram: desenvolvimento
sustentável e economia verde ou justiça ambiental e economia verde.
O texto que veremos a seguir esclarecerá as razões dessas disputas conceituais.
A importância desses documentos tem a ver tanto com a vida cotidiana como a
produção, comercialização, consumo, descarte, reciclagem, tipo de emprego que
teremos, ar que respiramos, qualidade da vida urbana e opções de alimentos e do
tipo de saúde que nos reserva o meio ambiente. O slogan da Agenda 21 “Pense
globalmente e aja localmente”, convida a todos e a cada um em particular a calcular
o que pessoalmente estamos “gastando do planeta” com o cálculo da pegada
ecológica, e por outro lado estimula a participar e “formar uma aliança global para
cuidar da terra e um dos outros ou arriscar a nossa destruição e a diversidade da
vida” (Carta da Terra).

10.1 Justiça socioambiental X O precificar a natureza


A polêmica na conferência chamada Rio+20, no ano de 2012 teve grande repercussão
na mídia. As indagações nas manchetes dos jornais eram: economia verde ou
desenvolvimento sustentável; ambientalismo de mercado ou justiça ambiental?
Para entendermos esses posicionamentos, o marco é o momento atual do sistema
capitalista mundial. Nos países emergentes grandes empreendimentos estão sendo
construídos, visando alcançar o chamado crescimento econômico. A reação por
parte dos movimentos pela justiça ambiental, segundo Henri Acselrad (2011) é
de que tais projetos são responsáveis pelo deslocamento compulsório de grandes
contingentes populacionais, pelo aniquilamento de grupos indígenas e por
impactos irreversíveis dos ecossistemas nos quais vivem e se reproduzem uma
ampla diversidade de grupos e formações socioculturais. Para os países chamados
desenvolvidos que vivem uma crise econômica desde 2008, a forma de voltar o
sistema capitalista de obter crescimento será da financeirização e a colocação de
preços a todos os serviços e produtos ambientais, com isso voltando a movimentar
bilhões e lançando novas formas de mercados, como já aconteceu anteriormente
132

com o mercado de carbono. Partem do princípio de que a toxicidade e a poluição


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atingem a todos, indistintamente. Para os movimentos da justiça ambiental, a


exposição de grupos sociais aos riscos ambientais não é equitativa. São desiguais as
condições de acesso dos diferentes setores da população à proteção ambiental.
Posicionam-se contra o discurso científico de que a “poluição é democrática”. E
que a sociedade atual, também chamada de “sociedade de riscos” afeta a todos,
não importando de que maneira ou onde as pessoas vivem. Guidens (2000) e Beck
(2004).
Por justiça ambiental entende-se:

A condição de existência social em que se verifica igual proteção aos distintos grupos sociais com
relação aos danos ambientais, por intermédio de leis e regulações democraticamente concebidas,
que impeçam ao mercado impor decisões discriminatórias com base em raça, cor, nacionalidade
ou status socioeconômico. Ela resulta de um tratamento justo e de um envolvimento efetivo de
todos os grupos sociais, no desenvolvimento, implementação e respeito a leis, normas e políticas
ambientais. Por tratamento justo, define-se que nenhum grupo de pessoas, seja ele definido
por raça, etnia ou classe socioeconômica, deve arcar de forma concentrada e desigualmente
distribuída com as consequências ambientais negativas resultantes de operações industriais,
agrícolas, comerciais, de obras de infraestrutura ou da implementação de programas e políticas
federais, estaduais, municipais e locais. (ACSELRAD, 2011, p.45)

A ideia de que o bem-estar social depende do crescimento econômico e de que


as empresas somente se envolvem com a questão ambiental se ela movimentar o
mercado. Desde os anos 90,para controlar a poluição atmosférica, surgiu o mercado de
carbono e agora a nova proposta que veio no Relatório é a da Economia verde (REV).
Está definida como uma economia que resulta do bem estar da humanidade e
da qualidade social, ao mesmo tempo em que reduz, significativamente, riscos
ambientais e escassez ecológica. O desenvolvimento deve manter, aprimorar e
reconstruir bens naturais, vendo-os como um bem econômico.
A natureza para a economia verde é fragmentada em bens e serviços ambientais.
O rio, o córrego, bioma, a paisagem podem ter preços diferentes e valorização
distinta no mercado e deverão esses os ganhos econômicos para gerarem empregos
chamados verdes.
Distinta e a posição para os que veem a natureza, isto é, mesmo rio, a floresta, a
paisagem, como bens comuns. Para Bollier os bens comuns se referem a

Recursos compartilhados que uma comunidade constrói e mantém (biblioteca, parque, rua), os
recursos nacionais que pertencem a todos (lagos, florestas, vida silvestre, espaço radioelétrico
e os recursos mundiais dos quais os seres vivos necessitam para poder sobreviver (atmosfera,
água, biodiversidade). (BOLLIER 2008:38)
133

Para Leroy (2011:4):

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Estamos tão envolvidos na sociedade capitalista, dominada por noções como propriedade
privada, consumo e mercado, e tão saturados pela informação e pela publicidade dominantes,
que não percebemos espontaneamente que há ainda uma porção grande da nossa realidade e
do planeta que está situada fora dos circuitos mercantis. Paradoxalmente, é a fome voraz do
mercado, na busca da apropriação privada e da mercantilização do que ainda lhe escapa, que
contribui para dar maior atenção e valorizar a reflexão sobre os bens comuns. Entretanto, se
de fato o mercado se interessa e avança sobre todos os ecossistemas e recursos mencionados,
em contrapartida devemos reconhecer e afirmar que a humanidade atual e futura precisa e
precisará desses bens e que, nesse sentido, eles não são a nossa propriedade particular, com
os quais podemos fazer o que queremos. São bens comuns da humanidade, tanto no sentido
espacial, superando fronteiras (por exemplo, é importante lembrar que a Amazônia exerce
um papel no clima continental e, provavelmente, mundial e que as sementes que são a base
da segurança alimentar mundial, cruzaram os oceanos), quanto temporal, para as gerações
futuras. (LEROY, 2011)

Para os defensores da economia verde, o patrimônio ambiental precisa ser


contabilizado. Cada bem natural ser avaliado e dado um preço. Pela precificação
dos bens ambientais se poderia dar maior valor ao patrimônio natural do país e
provocar uma mudança nos hábitos de consumo, evitando o desperdício. Para
essa visão, se a sociedade é mercantil e se temos hoje uma economia qualificada de
marrom – a “economia marrom” (baseada no petróleo e gás ou economia fóssil),
esta deverá ser transmutada via uma transição tecnológica e financeira para a
“economia verde”.
No Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou um documento
no dia 14/06/2012 para uma plateia de 800 representantes da indústria nacional,
informando à sociedade o desempenho sustentável dos seus filiados. Segundo o
presidente da CNI, Sr. Robson Braga de Andrade, que representa 27 federações de
indústrias nos estados e no Distrito Federal, são mais de 1.000 sindicatos patronais
associados e 196 mil estabelecimentos industriais, a sustentabilidade passou a
fazer parte da agenda estratégica das empresas. Disse ele em entrevista ao Jornal
O Globo, em 20/06/2012: “hoje, as indústrias brasileiras não tratam da sustentabilidade
como manifestação de boas intenções. Elas incorporam seus princípios nos planos de
negócios. Para a CNI a economia verde já é uma realidade nacional.

10.2 Os principais impactos trazidos pela sustentabilidade


Os principais impactos, desde a ECO-92 ocorreram na redução das emissões
de gases de efeito estufa, graças à reciclagem, uso de insumos renováveis
reaproveitamento da água.
134

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez uma pesquisa inédita com 60


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executivos de grandes empresas do país, a qual aponta que, para a maioria deles,
ser sustentável tem impacto positivo na competitividade. E, por outro lado, não
aderir a essa postura, para 39%, coloca em risco a sobrevivência da empresa no
mercado. Outros 18% temem imagem negativa da corporação.
Principais resultados da pesquisa sobre sustentabilidade empresarial: 70% dizem
que ser sustentável representa custo adicional para a empresa. Geralmente, gera
custos e reduz rentabilidade no curto prazo, mas compensa em médio e longo prazo
(Custo, nesse caso, deve ser visto como investimento em consultorias especializadas,
P&D e inovação e capacitação e treinamento, entre outros).
93% consideram alto o impacto da sustentabilidade nas políticas de inovação da
empresa – como a procura por soluções de eficiência para o menor uso de recursos
naturais e para o atendimento de demanda dos consumidores.
83% relacionam sustentabilidade à economia verde ou aos três pilares do conceito
de sustentabilidade (ambiental, econômico e social) – o que demonstra visão mais
contemporânea e consciente em relação ao tema, em que já se superou a dicotomia
crescimento econômico X preservação do meio ambiente.
86% das empresas ouvidas monitoram suas ações de sustentabilidade. Muitas
utilizam ferramentas sofisticadas – seja por sistemas próprios ou se submetem às
regras rígidas de programas internacionais (como Global Reporting Initiative).
Há consenso de que o papel do governo é importantíssimo nesse processo, em
particular na criação de instrumentos formais que possam garantir condições de
competitividade às empresas que abraçam a lógica da sustentabilidade.

10.3 Economia verde: mais inclusão social, menos impacto


ambiental
Para os executivos entrevistados pela CNI, a economia verde, de forma simplificada,
significa: produzir mais, para atender às demandas da humanidade, dos mercados
emergentes, dos mais excluídos, com mais inteligência e menos impacto.
E, principalmente, deve-se desenvolver ações em três frentes: políticas de inovação
e de incentivo para a adoção de novos padrões de produção e mudança cultural,
em especial no que diz respeito ao comportamento de consumo.
135

As principais correntes econômicas que defendem a Economia verde são:

10.3.1 Em economia não existe almoço grátis ULBRA – Educação a Distância

O Relatório Economia Verde da ONU, que tenta apontar alguns caminhos para
uma nova abordagem da economia e da questão ambiental não escapou às críticas.
Considera possível conciliar crescimento econômico, sustentabilidade e inclusão
social, embora não apresente estimativas para os custos da inclusão social. Para
Mário Ramos Ribeiro, pesquisador e professor da Universidade Federal do Pará
(UFPA),

o Relatório começa a ficar assustador quando se debruça sobre a agricultura e defende a


retirada imediata de todos os subsídios fiscais concedidos à energia de combustível fóssil do
setor pesqueiro e diversos subsetores da agricultura. Um período de transição e de adaptação,
nem pensar [...] Em economia não existe almoço grátis. Alguém sempre está pagando. É um
equívoco cruel pretender convencer os países emergentes de que não existem elevados custos
de transição e que sem transferência de recursos financeiros e tecnologias, o “desemprego
verde virá. (O artigo foi publicado no sítio ECO Agência, 7/2/2012.)
136

O debate ambiental quase nunca é imune a divergências pontuais, dentre elas


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destacam-se as que afirmam a geração de empregos relacionados à sustentabilidade,


em contrapartida há os que temem que aumentará a fome no mundo, porque ela é
uma tragédia que a cada seis segundos mata uma criança por causa da desnutrição.
Num cenário de escassez de alimentos, devido à mudança climática, redução da
água potável, preços dos bens naturais e falta de proteção aos ecossistemas, a
fome vai aumentar.
Para pensar em vivenciar a sustentabilidade, temos que ir além de fechar a torneira
ou usar uma sacola de pano. Para ser sustentável a exigência é de repensar padrões
éticos e sobretudo hábitos de consumo.

10.4 O preço da preservação


As políticas voltadas para a preservação do ambiente amarradas a uma lógica de
mercadores nos Fóruns multilaterais, especialmente nas reuniões voltadas para o
clima. O mais importante acordo climático multilateral foi assinado na cidade de
Kyoto, no Japão. O pacto trouxe limites e volume determinado para as emissões
de gases de efeito estufa (GEES) feitos pelos países desenvolvidos. Caso o limite
seja ultrapassado, abre-se a possibilidade de compra de créditos de carbono nos
países em desenvolvimento, num sistema em que sujar o planeta compensa as más
práticas pagando para que outros façam a faxina atmosférica, no dizer de Verena
Glass para a revista Desafios do Desenvolvimento/IPEA (2012).
Mercado de carbono é o termo genérico utilizado para denominar os sistemas de
negociação de certificados de redução de emissões de GEES: um crédito de carbono
equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser produzida.
Para a Jutta Kill (2012), líder da entidade que monitora as políticas europeias para
florestas, a ONG Fern, a economia verde tem um lado B. Afirma que o mecanismo
para o desenvolvimento limpo (MDL) com a crise econômica, os créditos de carbono
ficaram mais baratos nos países em desenvolvimento do que a permissão. Assim
diz ela: “poluir se torna uma ação mais vantajosa do que investir em tecnologias que
reduzam as emissões de GEES” (2012:31).
Para o grupo de pesquisa em Ecologia política do Conselho Latino-Americano
de Ciências Sociais (CLACSO), “uma tônica crescente no discurso da sociedade
civil vem sendo a denúncia, em vários espaços internacionais, da captura corporativa
da crise ambiental e climática, causada pelo modelo vigente de produção e consumo,
e sua cooptação pelas corporações, com vistas a maquiar de verde uma nova etapa de
acumulação e apropriação dos bens comuns”, falou a representante do GT, Camila
Moreno (2012).
137

10.5 Rousseau e o futuro que queremos

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Neste ano de 2012 há muitas profecias e também muitas comemorações. Tratar
sobre as profecias que tem como foco esse ano não cabe neste artigo. Embora
o fundador da sociologia Auguste COMTE (1798-1857) afirmava que usando o
método sociológico, podiam-se fazer previsões, resumindo neste slogan: “Ver
para prever. Prever para Prover”. Mas, aqui se quer enfatizar é a concepção de
igualdade, fraternidade, conceitos fixados no livro: “Contrato Social”, de Rousseau,
bem antes da revolução francesa.
Dentre as comemorações de 2012 que se quer enfatizar, destaca-se a do tricentenário
do nascimento do pensador Jean-Jacques Rousseau. Essa data passou a ser uma
inspiração para um movimento que quer refletir um jeito diferente de os seres
humanos se relacionarem tanto entre si, como com a natureza e especialmente com
instituições, denominado o movimento “DAY AFTER”, ou Rio+20+um dia. Tem
como princípios a solidariedade com os seres vivos, o oposto do individualismo
atual, em que cada um puxa para si os benefícios e vantagens, mesmo de questões
que deveriam ser de todas as pessoas, países e do planeta.
Jean Jacques Rousseau servirá como âncora, porque, já no século XVIII, ele não só
falava de solidariedade, como também chamava a atenção para uma nova relação do
homem com a natureza e por conseguinte com a educação e com a economia. Para
o famoso escritor e ecossocioeconomista polonês Ignacy Sachs (um dos primeiros
organizadores das conferências sobre meio ambiente) diz: “Daqui para frente
poderemos dar forma a um novo Contrato Social do século XXI e ter um mega
contrato social em nível internacional”. (2012), considerando as cinco (5) dimensões
do eco-desenvolvimento: social, econômica, ecológica, espacial e cultural.
Associa a obra de Rousseau os compromissos coletivos, porque o contrato social
repousa sobre o princípio da mutualidade. “Os compromissos que nos ligam ao
corpo social não são obrigatórios, senão porque são mútuos, e sua natureza é tal,
que ao cumpri-los não se pode trabalhar para outro sem trabalhar também para
si” (Contrato Social, livro II, cap.IV).
“O estabelecimento do contrato social é um pacto de espécie particular, por ele
cada qual se compromete com todos, de onde resulta o compromisso recíproco de
todos para com cada um, que é o objeto imediato da união” (Cartas escritas desde
a montanha, parte I, carta VI).
E para educar-se para o convívio com a pluralidade de crenças, de valores, de ideias
dentro da democracia, enfim aprender a tolerância, propõe um tratado de educação,
cujo personagem é Emílio, o qual deve ser educado junto à natureza.
“É dentro do coração do homem que o espetáculo da natureza existe; para vê-lo,
é preciso senti-lo” (Rousseau).
138

O documento que a Assembleia da ONU, sobre desenvolvimento sustentável


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tem como título: “O futuro que queremos”, e foi aprovado por 188 delegações
dos Estados Membros na Rio+20, no dia 22/06/2012, após decisão consensual
em assembleia, como resultado dos esforços multilaterais. “Hoje é tempo de
multilateralismo, que se constroem consensos históricos, o consenso possível. Não
há método único. Tenho que respeitar quem pensa diferente de mim” (Presidente
Dilma Rousseff).

10.6 Que ações serão desenvolvidas como prioritárias, após a


Rio+20?
Primeiramente foram definidas as áreas temáticas e as questões transversais,
que são elas: a erradicação da pobreza, a segurança alimentar, a nutrição/
agricultura sustentável, a água e o saneamento, energia, o turismo sustentável,
o transporte sustentável, cidades sustentáveis e assentamentos humanos, saúde
e população, promoção do emprego pleno e produtivo, do trabalho digno para
todos, e das proteções sociais, oceanos e mares, pequenos Estados insulares em
desenvolvimento (SIDS), países menos desenvolvidos, países em desenvolvimento
sem litoral, África, os esforços regionais, redução do risco de desastres naturais, as
mudanças climáticas, florestas, biodiversidade, desertificação, degradação do solo e
seca, montanhas, produtos químicos e resíduos, consumo e produção sustentáveis,
mineração, Educação, a igualdade de gênero e empoderamento das mulheres.
Os temas acima estão descritos no documento, assim como são definidos os meios
de implementação, formas de financiamentos para se alcançar as metas propostas
até o ano de 2015. O documento aprovado é bastante esclarecedor da situação
mundial em face de como se encontra cada um dos conceitos e temas alocados
acima. Vale a pena conferir o documento “O Futuro que queremos” completo e
em português tem 55 páginas e está nos site: www.rets.org.br/sites/default/files/
ofuturoquequeremos

10.6.1 Cúpula dos povos: venha reinventar o mundo


O slogan acima foi o chamado à participação da sociedade civil Movimento paralelo,
contrapondo-se ao que estaria sendo debatido na Rio+20, com os representantes
dos países e dos chefes de Estado.
Já em 1992, para pressionar o que estaria sendo decidido para a Agenda 21, formou-
se o Fórum Global, que em 45 tendas instaladas no Aterro do Flamengo debateram
e geraram Tratados entre ONGs e movimentos sociais, independentes dos
governantes, mas articuladas lutas e agendas socioambientais que questionaram
o modelo de desenvolvimento em curso.
139

Já naquela época, vozes do Fórum Global denunciavam: “Recusamos energicamente

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que o conceito de Desenvolvimento Sustentável seja transformado em mera
categoria econômica, restrita às novas tecnologias e subordinada a cada novo
produto no mercado” (Declaração do Rio de Janeiro, Fórum Global, ECO 92).
Para as mesmas ONGs da época, o termo Desenvolvimento Sustentável foi tão
amplamente utilizado para encobrir violações de direitos e injustiças ambientais
que hoje não quer dizer mais nada.
Para Fátima Mello, do Núcleo de Justiça Ambiental e Direitos, FASE: “De novo
nós, a Cúpula dos Povos, afirmamos que a economia verde é mais uma tentativa
das corporações legitimarem a supressão de direitos e a apropriação privada da
natureza para manterem suas taxas de lucro” (2012:10).
Esses movimentos mostram que há semelhanças entre o que ocorreu há vinte (20)
anos atrás. Também consideram as dinâmicas que diferenciam a lógica do Fórum
Global 92 e a Cúpula dos Povos de 2012.
Destacam-se que atualmente há solidez nas práticas que respeitam as pessoas e o
ambiente, como a produção de alimentos saudáveis na agroecologia. Na Cúpula
essas práticas, vivências e experiências foram apresentadas nas tendas e esse
espaço chamou-se Territórios do Futuro, porque aconteceram em territórios de
resistência.
Nas plenárias, debates, assembleias na Cúpula dos Povos, buscou-se a aproximação
de visões comuns e uma forma de juntar forças para agirem no plano político.
A principal afirmação para que se possa Reinventar o mundo é que a humanidade
precisa ser regida sob o signo dos bens comuns, dos direitos, da justiça social e
ambiental.

10.6.2 Da ação do ambientalista Lutzemberger à criação do MMA


No ano de 2012 homenageia-se a memória e o legado do ambientalista José
Lutzemberger, que faleceu no dia 14/5/2002.
Tivemos no Brasil e em vários estados a atuação de grandes conservacionistas,
preservacionistas, mas com uma visão da ação sobre o modelo capitalista o mais
ousado foi Lutzemberger. Formado em agronomia, fluente em cinco (5) idiomas,
possuía grande capacidade de comunicação, executivo da BASF, empresa de
defensivos agrícolas, por mais de 10 anos. Ao conhecer os trabalhos de Rachel
Carson sobre os efeitos dos produtos químicos no planeta, pede demissão e torna-
se consultor, empresário e pesquisador de alternativas para a produção saudável
de alimentos. Funda, com outros pesquisadores e estudiosos, uma ONG para
divulgar e pressionar os governos, local, regional e posteriormente o nacional, para
140

a criação de reservas e/ou a proibição de produtos cancerígenos na alimentação


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humana ou de animais.
Recebeu inúmeros prêmios e ao ser convidado para assumir a Secretaria Especial
do Meio Ambiente, em 1990, conseguiu trazer para o Brasil, para o Rio de Janeiro,
a 1ª grande Conferência Mundial, chamada ECO 92 ou Rio 92. A partir dessa data,
o governo federal começa a institucionalizar a questão ambiental, com a criação
do Ministério do Meio Ambiente, diretorias e Fundações. A missão do Ministério
é: promover a adoção de princípios e estratégias para o conhecimento, a proteção
e a recuperação do meio ambiente, o uso sustentável dos recursos naturais, a
valorização dos serviços ambientais e a inserção do desenvolvimento sustentável
na formulação e na implementação de políticas públicas, de forma transversal e
compartilhada, participativa e democrática, em todos os níveis e instâncias de
governo e sociedade
No organograma do Ministério do Meio Ambiente podem-se ver as várias funções
e as obrigações que pretende desempenhar junto à nação brasileira.
141
ULBRA – Educação a Distância
142

A partir desta data, organiza-se nos estados e municípios as secretarias de meio


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ambiente, as fundações, como a Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental)


no RS, Fatma (Fundação do Meio Ambiente) em SC, a Cetesb (Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo) e outros.
Em cada estado e município existem as Comissões de Meio Ambiente, e nelas são
representados os órgãos públicos e entidades, universidades e ONGs locais ou
estaduais.
“Lutzemberger falava que gostaria de voltar de tanto em tanto tempo, pois tinha
curiosidade para ver como estaria o planeta” (Lilian Dreyer, biógrafa do ecologista,
C.P., 14/2/2012).
Caso isso fosse possível, Lutz veria que há muitos movimentos que convergem
para o princípio do cuidado, da convivência e do compartilhamento de todos os
seres vivos no planeta chamado GAIAac, pelos antigos.

10.7 As políticas e as leis ambientais


As conferências mundiais, os movimentos ambientais, as organizações de
consumidores, todos pressionam poderes executivo, legislativo, judiciário para
apresentação e o desenvolvimento de políticas ambientais. O ministério do
meio ambiente, cumprindo a Agenda 21, realizou conferências consultivas e
participativas nos estados brasileiros.
A partir dessa foram apresentados planos, programas e ações que se expressam
nas políticas e setores no organograma do Ministério do MMA.
Destacamos abaixo as principais políticas e as respectivas leis:
− Política Nacional do Meio Ambiente
LEI Nº 6.938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981
− Política Nacional de Educação Ambiental
LEI No 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999
− Política Nacional de Resíduos sólidos
LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010.

ac Divindade Grega – Gaia, Geia, Gea ou Gê era a deusa da Terra, a Mãe Terra, como elemento primordial
e latente de uma potencialidade geradora quase absurda. Segundo Hesíodo, no princípio surge o Caos,
e do Caos nascem Gaia, Tártaro, Eros (o amor), Érebo e Nix (a noite). (Wikipédia, a enciclopédia livre)
143

− Política Nacional de Mudanças climáticas

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LEI Nº 12.187, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2009
− Código Florestal - Lei 12651 de 2012.
No momento em que todos os países, todos os setores da economia, da cultura,
dos governos falam em sustentabilidade, responsabilidade socioambiental,
consumo consciente, mercado ético, conservação ambiental, impactos ambientais,
bens comuns e tantos outros conceitos associados a estes e a outros que exigem
cumprimentos de políticas, de leis, e de regulamentações nacionais e globais a
demanda por profissionais que compreendam a contemporaneidade. Vemos que
nos negócios, os clientes, os consumidores, as instituições financeiras exigem
práticas de corresponsabilidade no desenvolvimento social e na preservação do
meio ambiente.
Para a Revista Época Negócios (2009:126) diz: “diante de uma agenda de negócios
que foi invadida por temas antes periféricos, como meio ambiente e relações com
a sociedade, o desafio agora é encontrar pessoas para a área da sustentabilidade”.
O mesmo artigo continua dizendo: “o profissional tem de ter uma visão de toda a
cadeia produtiva, ter a competência de compreender o negócio de forma holística,
mostrar resultados concretos, e saber se relacionar com os novos atores da cena
dos negócios. Dar atenção às ONGs, às comunidades afetadas pela localização e
pelo negócio e a atuação da mídia”.
Para a cientista política Carla Duprat, diretora de sustentabilidade do grupo
Camargo Correia, “é preciso uma capacidade enorme de organização e
comunicação, além de buscar soluções dentro e fora da empresa e valorizar o
conhecimento existente” (2009:126). A tarefa dessa executiva e de sua equipe, a
qual são chamados de “guardiões da sustentabilidade”, é disseminar o conceito e
colocar mudanças em prática nas doze empresas do grupo, cujos negócios vão da
engenharia e construção civil à fabricação das sandálias havaianas.
Assim, as possibilidades e as potencialidades de trabalho na área da sustentabilidade,
de avaliação ambiental são enormes. No entanto, a sociedade é uma rede e um
intercruzamento de interesses, de visões, de crenças, de poderes que se manifestam
em contradições, tensões, conflitos, que não se resolvem com soluções tecnicistas,
legalistas e que desconhecem as desigualdades sociais, as injustiças ambientais
e autoritarismos herdados de um passado colonial, tirânico, patrimonialista e
paternalista.
Assim, com a constituição de 1988, incluíram as questões de participação pública,
institucional e política. As audiências públicas vieram para serem considerados
os efeitos sociais, culturais, econômicos, ambientais e institucionais, vivenciados
pelos grupos atingidos, de qualquer atividade pública ou privada que altere de
maneira indesejada a forma como as pessoas moram, trabalham, se relacionam
144

umas com as outras, elaboram sua expressão coletiva e seus modos próprios de
ULBRA – Educação a Distância

subjetivação.
Para Henri Acselrad “a dimensão ambiental não pode ser avaliada de modo
separado da dimensão social e cultural”.

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RELATÓRIO SÍNTESE. Projeto Avaliação de Equidade Ambiental como instrumento de

ULBRA – Educação a Distância


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