Marc Ferro (Dir.), Le Livre Noir Du
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Marc Ferro (dir.), Le Livre Noir du E, alias, na introdu¢o do Livre Noir,
Colonialisme - XVJe-XXJe siecle: de la que Ferro fomece e explora uma serie de
extermination a la repentance, Paris, premissas que a um tempo condicionam e
Editions Robert Laffont, 2003, 1124 p. alargam o tratamento destas quest6es.
A primeira das quais prende-se com a
1. Historiador multiforme, autor de estu- natureza dos "livros negros". De facto,
dos sobre Nicolau II da Russia, o Mare- nao apenas o historiador afirma que a sua
chal Petain, a Grande Guerra de 1914-1918 obra e o Livro Negro do Comunism/
e a globaliza¢o dos nossos dias, Marc constituem um diptico - se levarmos em
Ferro tern dedicado uma especial atern;ao linha de conta tambem o nazismo,
ao cinema, enquanto fonte privilegiada teremos mesmo um triptico sabre a
para as suas indagac;6es, bem como a ideologia totalitaria -, como, no caso real
Historia Russa recente. Ja a problematica do colonialismo, Ferro indica que a feitura
do colonialismo surgiu em duas obras de um "livro negro" precedeu a de um
que, por assim dizer, se complementam: "livro branco" (p. 11). Refere-se o autor a
Histoire des colonisations e Livre Noir du Brevfssima RelaffiO da Destrnifao das
Colonialisme. Ambas conheceram uma edic;ao fndias, da lavra de Bartolome de las Casas,
em Lingua Portuguesa, muito embora o dominicano espanhol do seculo XVI que
livro aqui passado em revista apenas tenha pugnou pelos direitos dos i'.ndios sul-
1
sido traduzido e depois publicado no Brasil • americanos, antecipando identicos
A Histoire des colonisations e uma obra esforc;os de Antonio Vieira.
de sintese, trac;ando uma perspectiva da Assim, nao e despiciendo relembrar
genese, evoluc;ao, derrocada e poss{veis que, numa famosa antologia de textos
3
sobrevivencias dos impenos coloniais anticoloniais datada de 1969 e que com-
aparecidps nos seculos XV e XVI. Neste preende "tres seculos de pensamento
ambito, tambem o J apao e a Russia sao anticolonialista", os escritos do domini-
abordados, nomeadamente 0 singular cano espanhol tenham sido apresentados
movimento expansionista encetado por como pioneiros na critica ao expansio-
Moscovo rumo ao Caucaso e a estepe nismo ultramarino europeu. E, decerto,
siberiana, naquilo que pode ser entendido nao e menos oportuno (e curioso) registar
como um colonialismo diferente - porque que o mesmo livro, pelo menos na versao
nao ultramarino - ou mesmo uma dilata- original francesa, somente tenha retido o
c;ao territorial nao colonial, ainda que esta texto de um nome portugues pretensa-
ideia envolva uma grande dose de ideolo- mente ligado ao anticolonialismo: o de
gia. Para tal, basta recordar os termos Cam6es, atraves da figura do Velho do
atraves dos quais todos os cokmialismos Restelo. Estranha associac;ao de ideias, e
procuraram justificar a sua existencia e preciso dizer, pelo que, em face disto, o
que Marc Ferro exp6e na introduc;ao do responsavel pela traduc;ao portuguesa
Livre Noir: "essencia da sua historia" (Russia); julgou por bem incluir outros nomes, tais
"manifesta<f:io de grandeza" (Espanha); "auda- como Diogo do Couto, Antonio Vieira,
cia" e "cria¢o de uma rac;a nova" (Portugal); Femao Mendes Pinto e Ribeiro Sanches.
"senhorio dos mares" e presenc;a dos cidadaos Vale a pena perguntar se a escolha do
britanicos por todo o mundo (Inglaterra); tradutor luso tera seguido as pisadas da
disseminac;ao dos ideais iluminista e versfo original, isto e, ate que ponto OS
revolucionario (Franc;a) (p. 22-25). escritos de todos esses vultos pautaram
390
pela condenac;3.o do colonialismo enquanto Neste sentido, Ferro argumenta que os
sistema econ6mico de "explora¢o do homem colonos, quer continuando a cultivar ate
pelo homem" ou se, pelo contrario, se limi- muito tarde as raz6es da "civilizac;ao" e do
taram a tecer reparos a corrupcfeo e aos "fardo do homem branco", quer recu-
desmandos das administrac;6es coloniais, sando a autenticidade nacionalista dos
num registo ainda e sempre de apoio aos movimentos de independencia, onde
objectivos da metr6pole? Em tiltima entreviam sempre a sombra de Moscovo
an:ilise: poderao ser considerados pec;as ou de Washington, pareciam habitar num
literarias anticolonialistas, pelo menos no outro planeta (p. 38). Mas, convencidas
sentido contemporaneo atribuido ao da pretensa incapacidade dos aut6ctones
termo? em abrac;ar a modernidade, acreditariam
De resto, esse e um aspecto que per- realmente as administrac;6es coloniais
passa outras colectaneas similares. Dir-se- estarem a criar um mundo nova? A tal
ia que o genera do "livro negro antol6- pergunta:, o autor procura responder com
gico", pretendendo desvelar realidades os numerosos estere6tipos construidos em
crueis e ocultas, par vezes incorre no torno do Outro ao longo de seculos, OS
pecado do anacronismo, na medida em quais favoreceram a incompreensao: desde
que confunde critica a colonizac;ao com a suposta inferioridade fisica (taxionomias
crfrica ao colonialismo. raciais, desprezo pela mestic;agem) e cultu-
2. Reunindo uma pleiade de autores con- ral (nao-cultura) ate a crenc;a de que 0
sagrados, oriundos dos campos historio- meio ambiente ultramarino seria respon-
grafico, sociol6gico, etnografico e etnol6- savel pelo depauperamento das "virtudes"
gico, o Livre Noir abre com uma longa e europeia5 dos colonos ai residentes (p. 37).
importante introduc;ao do seu coordena- No entanto, reduzir a questao colonial
dor. Com efeito, Marc Ferro comec;a par a ideologia e incorrer em sirnplisrno.
destacar a actualidade do objecto de Disso rnesmo nos previne Ferro e dai a
estudo, evocando - discutivelmente, e pertinencia de um livro negro que inven-
certo - o 11 de Setembro de 2001. tarie, descreva e reconte o processo desde
Depois, distinguindo coloniza<;3.o de os prim6rdios do expansionismo iberico.
colonialismo, detem-se noutras palavras Como veremos, a t6nica e posta no quase
deste lexico, julgando "descolonizac;ao" exterminio de algumas populac;6es, na
um termo demasiado eurocentrico e "neo- violencia corn a qual o recem-chegado
colonialismo" um conceito nem sempre quebrou as cadeias sociais e econ6micas
devidamente explicitado. montadas, alterando os modos de vida
Uma serie de problematizac;oes per- pre-existentes, e no estabelecimento de
corre 0 texto, coma que trazendo a luz do sociedades fundadas na injustic;a.
dia todas as diflculdades, dicotomias e 3. 0 Livre Nair du Colonialisme compreende
desencontros suscitados par uma reflexao 5 panes: I - "L'Extermination"; II - "La
mais atenta. Como nao poderia deixar de T raite et l'Esdavage"; III - "Dominations et
suceder, a principal linha de pensamento Resistances"; N - "Le Sort des Femmes";
relaciona-se com a divergencia existente - V - "Representations et Discours".
melhor seria dizer discrepancia - entre Ao inves do Livro Negro do Comu-
colonos e colonizados, entre palavra e nismo, que husca descrever os crimes de
acc;ao de uns e de outros, entre raz6es (quase) todos os regimes de matriz rnar-
profundas, ideologia e propaganda. xista, o volume coordenado par Marc
391
Ferro apenas cobre uma parcela, ainda A segunda parte, "La Traite et
que muito significativa, do fen6meno l'Esdavage", indui do is ensaios e um
colonial. Nao restam duvidas que tal anexo. 0 primeiro, da autoria de Marc
op<;ao ted. que ser confrontada com o Ferro, procura inventariar o valor total
facto de as experiencias comunistas con- dos efectivos humanos transaccionados
temporaneas - excep<;ao feita a Comuna par este ign6bil comercio, apresentando
de Paris - se confinarem ao seculo XX, relevantes documentos sabre revoltas de
para alem de que o colonialismo europeu escravos, caso daquela encabec;ada par
chegou a ocupar areas ainda mais vastas e Toussaint Louverture, no Haiti, em finais
culturalmente diferenciadas do que os do seculo XVIII. De similar in teresse se
seguidores de Marx e Lenine. Assim reveste o ensaio seguinte, "Les esdaves du
sendo, ensaiar abarcar, num umco sud des Etats-Unis", com o anexo final a
volume, um manancial de informac;io propor uma cronologia sabre as etapas da
"total" comparavel ao Livro Negro do abolic;io da escravatura no mundo.
Comunismo, converter-se-ia numa tenta- A terceira parte, intitulada "Domina-
tiva demasiado ambiciosa, senao irrealiza- tions et Resistances", ocupa 636 paginas
vel. Como quer que seja, deve surpreender num total de 1124, ou seja, perfaz 57%
a originalidade das materias afloradas, do volume. Tres grandes subdivis6es
que, ao perderem em amplitude, ganham "Le Nouveau Monde", "L'Asie" e
em riqueza de analise. L'Afrique" - enquadram, par sua vez,
Na impossibilidade, entao, de caracte- artigos e anexos versando os tres conti-
rizar todos os colonialismos, desde a sua nentes. No que respeita a America, ap6s
entrada em cena ate ao cair do pano, os um artigo de Carmen Bernand, que presta
autores do Livre Noir du Colonialisme valiosa informac;ao acerca dos prim6rdios
decidiram antes concentrar-se nas grandes dos "imperialismos" ibericos, e lanc;ado
linhas, apesar de muitas vezes focarem um olhar mais atento sabre as especifici-
tematicas deveras espedficas, coma resulta dades da coloniza<;ao espanhola da Ame-
a incursao no universo feminino ou a rica. Assinado par Jacques Poloni-Simard,
leitura empreendida a partir da musica e director de redacc;io da revista Annales, o
do cinema. E assim que a primeira parte, estudo detem-se na estruturac;io da socie-
"L'Extermination", se centra nos alvores dade colonial e na complexidade das suas
do expansionismo ultramarino europeu, "castas", cujos fundamentos giraram em
enumerando os crimes cometidos em tres torno das proporc;6es de "sangue" espa-
teatros geograficos: America Central, nhol, indiano e negro, aparentemente
America do Norte e Australia. 0 fio con- presentes em cada individuo (p. 257). De
dutor e a "catistrofe demogrifica" levada mencionar, tambem, dais ensaios que se
a cabo durante os processos de con- debruc;am sabre a Guiana Francesa e o
quista/ocupac;ao (p. 69). No caso concreto Haiti. De resto, o caso haitiano e diluci-
dos indios norte-americanos e dos abori- dado ao pormenor, com Leslie Manigat,
genes, os estudos sabre si vao mesmo mais amigo docente da Universidade de Paris-
longe do que a contabilizac;ao das perdas VIII e ex-Presidente da Republica do
humanas e o relato das depredac;Oes, tocando Haiti, a falar da transi<;ao en tre o domi'.nio
a actualidade e o modo coma o problema frances e a influencia norte-americana.
e vista pelos contempor:lneos (descendentes Nesta terceira parte, o continente
dos colonos e aut6ctones). asiatico ocupa um total de 41 % das 636
392
pagmas e, aproximadamente, 23% cl.a negra e mestis:a, com destaque para a
globalidade do Livre Noir. E, pois, um imprensa surgida na segunda decada da
parcial nao negligenciavel, que da conta cenruria passada, pertinaz defensora da
da importancia dispensada a alguns dos igualdade entre colonizador e colonizado.
pafses que foram, cada um a seu modo, Prefiguras:3.o de nacionalismo, pode-se
paradigmas da praxis colonial: a Riissia e o perguntar? Decerto, ainda que nao em
seu ja mencionado peculiar expansio- ruptura completa com o projecto dese-
nismo (Claire Mouradian, "Les Russes au nhado pela metr6pole, o qual, apesar de
Caucase"); o subcontinente indiano e a todas as metamorfoses, nunca se desviou
colonizas:ao britanica (Jacques Pouchepa- de uma premissa nuclear: permanecer.
dass, "L'Inde: le premier siecle colonial" e Cabe, tambem, assinalar "La decoloni-
Marie Fourcade, "Les Britanniques en sation de l'Afrique Frarn;aise (1943-
Inde (1858-1947); e o colonialismo japo- -1962)", do jornalista Yves Benot, amplo
nes, cujo titulo do artigo correspondente retrato do crepiisculo de um imperio, cuja
tao bem expressa a sua originalidade "j6ia da coroa" era a Argelia, rerrit6rio,
(Piere-Frans:ois Souyri, "La colonisation alias, trabalhado em dois artigos do Livre
japonaise: un colonialisme moderne mais Noir. Um estudo de Catherine Coquery-
non occidental"). De sublinhar, ainda, Vidrovitch, professora emerita cl.a Univer-
dois escritos que abordam 0 seculo xx sidade de Paris-VII-Denis-Diderot e con-
vietnamita, seculo esse percorrido pela sagrada africanista, fecha esta secs:3.o,
presen~ dos franceses e depois dos norte- avans:ando dados sabre a evolus:3.o demo-
americanos. Por seu lado, um anexo alude grafica durante os tempos coloniais. Divi-
a longa-metragem Les Visiteurs, de Elia dindo este per.i'.odo em tres fases, a pri-
Kazan, a qual, sem integrar o lote das mais meira das quais, fruto do comercio
famosas alguma vez filmadas sabre o esclavagista, se caracterizou pelo massivo
Vietname - recorde-se a celebre pelicula despovoamento de Afri2a, a aurora indica
de Francis Ford Copolla, Apocalypse Now que a ultima dessas etapas - ainda em
-, ilusrra, como nenhuma outra, a visao curso em certos pafses - configura a
retorcida do anticomunismo herdada dos rendencia oposta, com o continente a
tempos do McCarthismo, parecendo ate conhecer uma explosao demografica sem
justificar a viola~ao - caso unico nas lides precedentes. Sobre este espas:o, sempre em
do mundo cinematografico (p. 519). imprevisfvel muta<fio populacional, Catherine
No que concerne a Africa, os artigos Coquery-Vidrovitch conclui: "la,_. coloni-
repartem-se entre a colonizas;ao da Arge- sation a eu des effets tres contrastes sur
lia, o Apartheid e o processo descoloniza- l'histoire de la demographic" (p. 743).
dor das col6nias francesas. De real~ Bern mais sucinta, a quarta parte, "Le
"Afrique Central: le temps des massacres", Sort des Femmes", con tern apenas um
da lavra de Elikia M'Bokolo, cuidadosa estudo, "Femmes et colonialisme", de Arlette
enumeras:3.o dos crimes cometidos em Gautier, especialista em demografia 0 enfuque
finais do seculo XIX e inicios do seculo e posto na mulher enquanto elo (ainda)
XX, perfodo no qual as potencias euro- mais fraco cl.a rela<fio colonizador/colonizado,
peias conclufram mais pela espada, mas afirmando a aurora que; do total de seres
tambem pela pen; a ocupas:3.o do conci- humanos trans-portados rumo ao Novo
nente africano. Ai, 0 caso angolano e visto Mundo, a fim de conhecerem a escravatura,
a partir da produ~ao escrita das suas elites cerca de um ters:o pertenciam ao sexo
393
feminino. Outro aspecto a real<;ar e a repara<;6es materiais. De qualquer modo,
erosao da influencia politica das no que se refere as indemniza<;6es, as
mulheres" (p. 805), uma vez que os propostas mais interessantes apresentadas
colonizadores, fundados nos estereotipos em Durban vieram de paises lusofonos.
misoginos ocidentais, bebidos na tradis:J:o Enquanto Pedro Pires, Presidente de
~rista, quebraram a estrutura de certas Cabo Verde, sugeriu uma efectiva ajuda
sociedades de cunho matriarcal. _Ao ao desenvolvimento do continente
mesmo tempo, Arlette Gautier alerta para africano, ja Pascoal Mocubi, Primeiro-
a necessidade de fomentar a elaboras:J:o de Ministro moc;ambicano, mostrou-se
escudos nesta area, tanto ma1s que favoravel a anulac;ao da dfvida tida COffi OS
tarnbem o" papel das mulheres (enquanto paises mais desenvolvidos (p. 1035). Claro
colonas) tern vindo a ser reequacionado que, em Ultima instancia e ainda segundo
nos ultimas anos. a aurora, a aceitas;ao do passado e o
A quinta e ultima parte, "Representa- reconhecimento do erro sao os primeiros
tions et Discours", como o proprio dtulo passos para melhor encarar o futuro neste
deixa antever, constitui a secs;ao que mais planeta cada vez mais globalizado e, por
sistematicamente se disp6e a. desmontar os isso mesmo, cada vez mais (ou menos?)
mecanismos ideologicos do (anti)colonia- proximo.
lismo. Fa-lo de duas formas: quer indo ao 4. A terminar, cumpre frisar o quanta este
fundo da questao - Marcel Merle, Livre Noir exp6e, o mais critica e fria-
"L' anticolonialisme"; Catherine Coquery- mente possivel, os crimes dos colonialis-
Vidrovitch, "Le postulat de la superiorite mos ocidentais e aqueloutros levados a
blanche et l'inferiorite noir"; e Mariella cabo pelos japoneses e pelos arabes no
Villasante Cervello, "La Negritude: une Zanzibar. Sendo certo que algumas tema-
forme de racisme heritee de la colonisa- ticas (como o colonialismo frances) rece-
tion franc;aise? Reflexions sur l'ideologie bem um tratamento privilegiado, dei-
negro-africaine", - quer analisando OS seus xando outras quase na sombra (como o
mais significativos canais (re)transmissores colonialismo portugues), nao e menos
- .Alain Ruscio, "Chantons sous les tropi- verdade que o trabalho atingiu o seu fim
ques... OU le colonialisme a travers la ultimo: a denuncia desapaixonada de um
chanson franc;aise"; e Sylvie Dallet, "Filmer dos mais polemicos temas da arena histo-
les colonies, filtrer le colonialisme". riogrifica (e nao so). Fonte de revisionis-
Finalmente, um epilogo de Nadja mos, mas, sobretudo, causa de inquieta-
Vuckovic corod: esta vasta obra, colocando ¢es para muitos dos pa{ses que safram da
a sempre diflcil questao das reparac;6es. "era colonial" cheios de esperanc;as e con-
0 ponto de partida e a Conferencia tinuam a enfrentar os efeitos perversos de
Mundial contra o Racismo, que teve um sistema por natureza arbitrario, eis o
lugar, entre 31 de Agosto e 7 de Setembro colonialismo cabalmente desvendado.
de 2001, em Durban, evento em que a
escravatura e o comercio que a alimentava 1
Ferro, Marc - Histoire des .colonisa-
foram inscritos no rol dos crimes tions. Des conquetes aux independances
perpetrados contra a humanidade. Apos XJJJe-xxe siecle. Paris, Editions du Seuil,
delimitar este conceito e discorrer acerca 1994, (traducrao portuguesa: Historia das
das suas origens, Nadja Vuckovic examina ColonimfOeS. Das conquistas as independencim -
os efeitos psicologicos do mea culpa e das
394
secs. XIII-XX, Lisboa, Editorial Estampa, Signatario que fui de um documento
1996); Le Livre Noir du Colonialisme, legitimamente critico do formato do
(tradrn;ao portuguesa: 0 Livro Negro do referido programa televisivo, que JNP
Colonialismo, Rio de Janeiro, Ediouro, considera ser expressao ridfcula de reac<;fo
2004). a Os Grandes Portugueses, «um abaixo-
2
Courtois, Stephane et al. - Le Livre
assinado - escreve -, de historiadores
Noir du Communisme. Paris, Editions
"preocupados"», entendo que seria lasti-
Robert Laffont, 1997 (tradrn;ao portu-
mavel deixar passar 0 rriomento da divul-
guesa: 0 Livro Negro do Comunismo,
ga<;ao do livro sem que sobre ele, sobre o
Lisboa, Quetzal Editores, 1998).
3 retrato de Salazar pintado por JNP, se
Merle, Marcel - L'Anticolonisme de Las
comentasse nada. Merece-o a obra e o
CastlS a Karl Matx. Paris, Librairie Armand
autor, mesmo que o registo seja critico,
Colin, 1969. 0 Anticolonismo Europeu. Tres
como o que se segue essencialmente e.
Seculos de Pensamento Anticolonialism. Lisboa,
Importara antes de mais clarificar que
Iniciativas Editoriais, 1975.
as observa<;6es, notas, interpela<;6es que
nos foram sugeridas pela leitura de
Sergio Neto
0 Dutro Retrato ultrapassam o ambito
Colaborador do CEIS20
limitado da presente recensao, ficando
registadas tao s6 as que nos pareceram
mais relevantes, todas se inserindo no
dominio estrito do conhecimento historio- ·
Jaime Nogueira Pinto, Antonio de gr:ifico. E que, se JNP tern todo o direito
Oliveira Salazar, 0 Dutro Retrato, de escrever sobre Oliveira Salazar o que
Revisao e indices de Ines Pinto Basto, bem emender, de pintar a personalidade
A Esfera dos Livros, 1.a edic;ao, 2007 do amigo Presidente do Conselho com as
264 p. + 32 de extratexto. cores que se lhe afiguram · quadrarem mais
adequadamente a sua visao do. homem e
0 Dutro Retrato ou a Subversao da do politico, ja nos parece criticavel que
Historia? essa visao assente, em aspectos essenciais,
numa revisao ou subversao da verdade
Entrado na 3.a edi<;ao, Antonio de Oli- historica.
veira Salazar, 0 Dutro Retrato, da autoria Temos presente que JNP nao ilude o
de Jaime Nogueira Pinto (JNP) justifica leitor e logo lhe prop6e uma «visao alter-
aten<;ao. nativa», nao s6 do homem, mas do seu
0 autor confirmara ja talentos por tempo, «Um relato escrito, uma narrativa
ocasiao das alega<;6es orais que apresentou breve, corrida, mais de sinteses alternativas
na qualidade de defensor de Oliveira do que de problemaricas suspensas» (pag. 15).
Salazar no programa de entretenimento A proposta de JNP aparentando resol-
do canal de servi<;o publico de televisao, ver um problema, asemelhan<;a do que ha
Os Grandes Portugueses. As alega<;6es muitos anos atras fizera Jesus Pabon na
1
escritas foram deixadas por JNP para o sua La Revolucion Portuguesa , verdadeira-
Dutro Retrato, que a Esfera dos Livros mente cria o problema de 0 Dutro
publicou com sentido de oportunidade Retrato.
editorial. Ao contrario de se libertar duma
16gica maniqueista em que a primeira
395