Educação Ecológica para A Conservação Das Plantas Carnívoras
Educação Ecológica para A Conservação Das Plantas Carnívoras
Educação Ecológica para A Conservação Das Plantas Carnívoras
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Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA), Universidade Federal da Paraíba, Centro
de Ciências Exatas e da Natureza, Departamento de Sistemática e Ecologia, Laboratório de Ecologia
Terrestre. E-mail: [email protected]
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Docente da Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Exatas e da Natureza, Departamento de
Sistemática e Ecologia, Laboratório de Ecologia Terrestre. E-mail: [email protected]
Artigo recebido em 24 fevereiro 2014; aceito para publicação em 14 outubro 2014; publicado 23 dezembro 2014
Resumo
Plantas carnívoras constituem um grupo de organismos que detém exigências e tolerâncias ambientais bem definidas,
reconhecidas como bioindicadores de qualidade ambiental e importantes agentes no controle biológico de pequenos
animais. Suas características lhe conferem potencial valor didático direcionado pela curiosidade do aluno, facilitando
a construção da sensibilidade e do saber ambiental. O objetivo deste trabalho foi utilizar plantas carnívoras como
instrumentos didáticos para o desenvolvimento da sensibilidade, do saber e da ação ambiental dos alunos através da
Educação Ambiental na escola. Para tal, foram desenvolvidas palestras, oficinas, questionários, discussões e aulas
práticas com alunos do ensino médio regular da educação pública de uma escola na Paraíba. Baseado nas atividades
desenvolvidas, concluiu-se que as plantas carnívoras podem ser utilizadas como instrumento didático facilitador para
a assimilação de informações relacionadas aos ecossistemas locais, evidenciando a importância do conhecimento
popular e científico, caracterizando e valorando hábitats e espécies regionais, incentivando a pesquisa e dinamizando
o processo ensino aprendizagem.
Palavras-chave: Ecologia. Educação Ambiental. Estratégia didática. Paraíba. Plantas carnívoras.
Abstract
Ecologic Education for the carnivorous plants conservation. Carnivorous plants is a group of organisms that has
well-defined requirements and environmental tolerances, recognized as bio-indicators of environmental quality and as
an important agents of biological control of small animals. Their features give a potential educational value driven by
the curiosity of the students, facilitating the construction of sensitivity and environmental knowledge. The aim of this
study was to use carnivorous plants as educational instrument for the development of sensitivity, knowledge and
environmental action of the students through environmental education in school. To this end, lectures, workshops,
questionnaires, discussions and practical classes involving students from a regular public high school in Paraíba State
were developed. Based on the developed activities, it was concluded that the carnivorous plants can be used as a
faciliting didactic instrument for the assimilation of information related to the local ecosystem, highlighting the
importance of popular and scientific knowledge, characterizing and valuing regional habitats and species, encouraging
research and dynamizing the teaching and learning process.
Keywords: Carnivorous plants. Environmental Education. Didactic strategy. Ecology. Paraíba.
Introdução
modelo de educação seja transdisciplinar, educação que pouco são trabalhadas em sala
remetendo aos temas que se encontram de aula (SCHNEUWLY 2000). O
entre, através e além da disciplinaridade, entendimento da complexa relação ser-
tendo como objetivo a unidade do humano/natureza, e mais, a prática integral
conhecimento para a compreensão do meio, do saber ambiental racional, depende de um
sem a formação de “espaços” na construção direcionamento didático sólido e estruturado
do saber ambiental para que este seja sólido sobre um contexto lúdico. Para Morin
e integrado ao cotidiano do indivíduo (1998), essa complexidade pode ser
281 (BARROS et al. 2002). Esta forma de saber compreendida como uma reforma do modo
é, segundo Leff (2004), extremamente rica do indivíduo pensar, refletindo num
em interesses, sentidos existenciais, desafiador diálogo entre os diferentes. Esta
significados culturais de sujeitos históricos e dinâmica da construção do saber, entretanto,
subjetividade em sua produção de depende de estratégias educacionais
conhecimento complexa, dinâmica e inovadoras que encarem o pensamento como
estratégica. O saber ambiental flui de forma “um terreno de práticas e um campo teórico
dinâmica e intermitente, envolvendo especialmente rico” (ARDOINO 2002), bem
aspectos científicos, sociais, políticos e como o natural como um meio livre de
econômicos, por meio de movimentos “gaiolas epistemológicas” (D’AMBRÓSIO
culturais e de práticas tradicionais de manejo 2004), onde a transdisciplinaridade
dos recursos naturais. Assim sendo, para simplesmente flui através de uma pedagogia
alcançar o desenvolvimento lúdico e ambiental capaz de gerar possibilidades de
significativo do saber discente, o professor enxergar a complexidade de fundo presente
deve rever constantemente suas formas de na natureza (NEFFA E RITTO 2010).
utilização de propostas didático- Nesse contexto, as plantas
pedagógicas (KISHIMOTO 2000), passando carnívoras podem ser utilizadas como
a adotar em suas práticas meios ou ferramenta para desenvolver a EA. Por suas
instrumentos didáticos que permitam a características, sensibilidade e exigências
realização da educação. ecológicas, aliadas ao mistério e
desconhecimento que rondam esse grupo,
As plantas carnívoras como essas plantas podem ser um subsídio extra
ferramentas didáticas para o despertar da curiosidade ingênua do
A ciência tende a utilizar uma estudante direcionado à preservação do
maneira de pensar e explicar o mundo meio, visto que o aprendizado lúdico
natural que é diferente do pensamento de evidencia o dinamismo do processo ensino-
senso comum, como é feito naturalmente aprendizagem, permitindo ao aluno o estudo
pelos alunos. Enquanto a ciência baseia-se de situações-problema relacionadas às
num conjunto de regras básicas que instruem questões socioambientais, com
ao agrupamento de regras empíricas possibilidades de melhorar a comunidade em
verificáveis e sistematizadas, o aluno, que vive.
normalmente, compreende o mundo São popularmente denominadas
primariamente através do senso comum e de plantas carnívoras aquelas que habitam
experiências atuais e de heranças de regiões de solo comumente pobre em
conhecimentos de algum grupo social, sem nutrientes e que obtêm seus minerais a partir
depender de uma investigação detalhada da captura e decomposição enzimática – por
para alcançar concepções/ideias mais vezes associada a bactérias – principalmente
profundas como as científicas (FEIMAN- de pequenos invertebrados (JUNIPER et al.
NEMSER E FLODEN 1986). 1989, SOUZA E LORENZI 2012). Essa
Diante dos fatos, faz-se necessário decomposição fornece às plantas proteínas e,
explorar a utilização do senso comum dos logo, nitrogênio, essenciais ao seu
alunos mediante instrumentos que metabolismo (PILIACKAS E BARBOSA
viabilizem a prática do conhecimento. 1989). Sendo o Brasil ocupador de uma
Importa-se utilizar instrumentos didáticos posição de destaque mundial em números de
que despertem a curiosidade, bem como o espécies de plantas desse grupo, bem como
prazer no aprender. Tais instrumentos são a Paraíba um berço ainda pouco explorado
fundamentais para a aplicação de formas de nessa área de estudo (SILVA 2013), a
com pós-graduação, e serviço técnico- (SOSSAI et al. 1997). Além disso, uma
pedagógico composto por um supervisor sondagem pretérita à pesquisa, realizada
escolar, dois coordenadores escolares e três pelo coordenador do projeto, evidenciou que
gestoras escolares. Estavam regularmente apenas um dos sete professores entrevistados
matriculados 660 alunos, distribuídos nos declarou já ter realizado alguma prática que
turnos da manhã, tarde e noite. tenha envolvido EA na escola. Por estes
Parte da pesquisa – a aula campo – motivos os questionários voltados aos
foi desenvolvida na Reserva Biológica docentes contemplaram apenas os
284 Guaribas (REBIO Guaribas), localizada nos profissionais responsáveis pelas
municípios de Mamanguape e Rio Tinto, no disciplinas de Ciências, Biologia e
litoral norte do Estado da Paraíba, a cerca de Geografia. Para cada professor (N=7) foi
70 km da capital, João Pessoa, e a 50 km de perguntado no questionário sobre sua idade,
Guarabira. Possui três áreas distintas com formação, tempo de serviço, metodologia e
variação das fisionomias vegetais: Área I, conhecimento sobre EA, Ecologia e plantas
localizada em Mamanguape, com superfície carnívoras.
de 616 ha, constituída por manchas de Após a aplicação dos
cerrado e remanescentes de mata atlântica; questionários aos docentes e direção
Área II, também em Mamanguape, com escolar, houve a aplicação de um
3.378 ha, onde a cobertura vegetal questionário pré-teste com o corpo
predominante é a Mata Atlântica, e Área III, discente (N = 43) para aferir o nível de
localizada em Rio Tinto, com superfície de conhecimento sobre as temáticas “meio
327 ha que, embora seja a menor área, ambiente”, “Educação Ambiental”,
apresenta trechos bem conservados da “Ecologia” e “plantas carnívoras” dos
floresta nativa e áreas de tabuleiros. A área alunos das turmas envolvidas no estudo.
visitada durante a aula foi a Área II. A Ao todo, foram realizados 15
escolha da Rebio deu-se pela necessidade de encontros envolvendo temas específicos,
reconhecimento de ecossistemas mas abrangendo entre si o eixo comum
ambientalmente bem conservados, “meio ambiente” (Tabela 1).
possibilitando a comparação destes com Cada encontro durou cerca de uma
outros ambientes antropizados. Além disso, hora. Envolveram, em sua maioria,
a Rebio detém a maior concentração de debates através de questões trabalhadas
plantas carnívoras do estado da Paraíba. que eram geralmente predefinidas –
contudo, questões formuladas pelos
Atividades desenvolvidas próprios alunos também foram
Para início das atividades, foram amplamente debatidas e incentivadas.
realizados questionários semiestruturados Para cada aluno foi entregue uma pasta
com a direção escolar e o corpo docente individual contendo o resumo do conteúdo
para registrar dados relacionados à trabalhado e algumas questões para serem
percepção ambiental dos professores, bem refletidas e respondidas durante a semana,
como à direção e estruturação da escola. ou até o próximo encontro. Essas questões
Sabe-se bem que, teoricamente, as constituíam o questionário de avaliação. A
questões relacionadas à EA são cada novo encontro, os primeiros minutos
transversais e devem abranger a matriz eram destinados à revisão do conteúdo
curricular de todas as disciplinas, em anterior e às questões que os alunos
todos os níveis do ensino básico (PCN). haviam levado para casa.
Contudo, é fato que as temáticas Este estudo buscou proporcionar
ambientais são trabalhadas uma abordagem de temas que costumam
prioritariamente pelos professores de ser pouco explorados no dia-a-dia da sala
Ciências, Biologia e, em menor de aula na escola. Os mesmos puderam,
proporção, Geografia, por estarem em sua maioria, ser trabalhados sob uma
subordinados aos conteúdos visão socioambiental, sistêmica e prática,
programáticos de livros que ignoram ou incluindo o ser humano como parte
menosprezam esta área do conhecimento integrante do ambiente como um todo
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Figura 1. Desenhos produzidos pelos alunos durante oficina (A); alunos participando
de atividade do projeto em sala de aula (B); planta carnívora (Utricularia gibba)
encontrada por aluno, durante o projeto, próximo à sua residência no município de
Guarabira-PB (C).
Tabela 2. Quadro comparativo das respostas dos alunos aos questionários pré e pós-teste sobre
diferentes temáticas ambientais.
Respostas mais frequentes dos alunos aos questionários (em %)
Pré-teste Pós-teste
“O meio ambiente é importante para os seres “O meio ambiente é uma fonte de recursos qual o
vivos” (76,74%) ser humano é parte” (91,66%)
“Ter Educação Ambiental é proteger a natureza” “A Educação Ambiental nos conscientiza sobre a
(27,9%) preservação do meio” (97,22%)
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“Não sei o que é Ecologia” (69,77%) “A Ecologia trata do estudo das relações entre os
seres e o meio” (91,66%)
“Não sei o que comentar sobre plantas “Plantas carnívoras habitam solos pobres, são
carnívoras” (62,79%) bioindicadores e importantes para o equilíbrio
ambiental” (86,11%)
“O desmatamento e a poluição dos rios “O desmatamento, a poluição e a destinação
prejudicam o meio e são causados pelo ser inapropriada do lixo, prejudicam o meio e são
humano” (97,67%) causados pelo ser humano” (100%)
“O ambiente onde vivo não está preservado” “O ambiente onde vivo é rico em biodiversidade e
(62,79%) possui características bem definidas” (86,11%)
“Não sei dizer o que é ecossistema” (76,74%) “Um ecossistema é formado por um conjunto de
interações entre seres e o meio” (91,66%)
“Não sei comentar nada a respeito dos “Característica dos ecossistemas locais:
ecossistemas locais” (100%) Caatinga” (100%), e/ou “Mata Atlântica”
(94,44%), e/ou “Tabuleiro” (77,77%)
Fonte: dados da pesquisa.
questionados sobre suas noções relativas à possível analisar que, ao término do projeto,
Educação Ambiental, a maioria dos alunos os alunos haviam desenvolvido novas
relatou que “ter educação ambiental é compreensões do meio, bem como uma
proteger a natureza”. Contudo, nenhum dos significativa valoração da consciência
alunos soube comentar algo sobre os ambiental contribuindo para a formação de
ecossistemas locais (Tabela 2). cidadãos críticos, responsáveis e
Após a aula campo foi aplicado o participantes às questões relacionadas ao
questionário pós-teste, através do qual foi ambiente.
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Figura 2. Alunos durante trilha ecológica na aula campo (A); planta carnívora (Drosera
sessilifolia) sendo fotografada por aluno e prensada durante aula campo (B-C); local
antropizado visitado pelos alunos durante a aula campo (D).