Jesus 100% Homem e 100% Deus
Jesus 100% Homem e 100% Deus
Jesus 100% Homem e 100% Deus
Em janeiro de 2007, a edição 22 da revista Reposta Fiel (CPAD) trouxe como artigo de capa um texto de
minha lavra evocando uma velha máxima da ortodoxia bíblica e do cristianismo histórico: “Jesus é 100%
homem e 100% Deus”. Trata-se de uma afirmação repetida por cristãos ortodoxos há séculos, fundamentada
na verdade apresentada pela Bíblia sobre a humanidade e a divindade de Cristo em Sua encarnação, e que
procura reverberar fielmente o texto final do Concílio de Calcedônia, realizado em 451 d.C., justamente
porque a decisão desse Concílio foi fiel ao ensino bíblico sobre o paradoxo que é a encarnação de Cristo.
Aliás, o texto de Calcedônia é aceito por todos os ramos do Cristianismo até hoje: católicos, protestantes
(não-pentecostais e pentecostais) e ortodoxos, justamente por ter sido fiel ao máximo às Escrituras. Só não
aceitam o texto de Calcedônia as seitas Testemunhas de Jeová e Mórmons, e seis pequenas dissidências da
Igreja Ortodoxa: a Igreja Apostólica Armênia, a Igreja Ortodoxa Síria, a Igreja Ortodoxa Copta, a Igreja
Ortodoxa Etíope, a Igreja Ortodoxa Indiana e a Igreja Ortodoxa de Eritréia. Todos os demais ramos do
cristianismo no mundo aceitam a afirmação de que Jesus é 100% homem e 100% Deus, posto que reconhecem
que é assim que as Escrituras ensinam sobre a divindade e a humanidade de Cristo, por mais paradoxal que
essa afirmação seja para a mente humana.
Paulo chama a encarnação de “mistério” (1Tm 3.16) exatamente por causa desse paradoxo. Para a razão
humana, não há como entender que Jesus de Nazaré era 100% homem e 100% Deus. Da mesma forma que a
Trindade é uma realidade bíblica que está além da nossa compreensão humana, mas aceitamos por fé, assim
é o ensino bíblico sobre a encarnação de Cristo.
Portanto, é absolutamente estranho que haja crentes que vejam a expressão “100% homem e 100% Deus”
como uma tentativa de explicar ou resolver o mistério da encarnação, quando ela é exatamente o oposto: A
apresentação do paradoxo da encarnação! A encarnação é um mistério exatamente porque a Bíblia mostra
que Jesus continuava sendo 100% Deus mesmo sendo 100% homem e vice-versa. Muitas são as passagens
bíblicas que ressaltam que Jesus era, ao mesmo tempo, plenamente humano e plenamente divino.
Quando teólogos como Norman Geisler, Stanley Horton, William Menzies, Bruce Milne, Hank Hanegraaff, Ron
Rhodes e James Packer repetem em seus escritos exatamente a antiga expressão “Jesus é 100% homem e
100% Deus”, estão reconhecendo bíblica e humildemente o mistério da encarnação. O mesmo faz o pastor e
teólogo Eurico Bergstén, quando afirma que “Jesus era verdadeiro Deus, mas também era verdadeiro
homem”; ou o pastor e teólogo Severino Pedro, quando afirma que Jesus era “plenamente homem e
plenamente Deus”; ou os teólogos pentecostais David Demchuk, Roger Stronstad e French Arrington, quando
afirmam que Jesus era “completamente Deus e completamente humano”. A lista de exemplos é imensa. Ela
abarca homens de Deus que deram suas vidas pela ortodoxia bíblica nos últimos 15 séculos.
Dizer que Jesus é 100% homem nada mais é do que dizer que Jesus é plenamente homem, completamente
homem, verdadeiro homem. Assim como dizer que Jesus é 100% Deus nada mais é do que dizer que Jesus é
plenamente Deus, completamente Deus, verdadeiro Deus. Foi o que fez com propriedade o Concílio de
Calcedônia:
“Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo
Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, perfeito na divindade, perfeito na humanidade, verdadeiro Deus e
verdadeiro homem; (...) consubstancial ao Pai, segundo a divindade, e consubstancial a nós, segundo a
humanidade; em todas as coisas semelhante a nós, excetuando o pecado; (...) em duas naturezas
inconfundíveis e imutáveis, indivisíveis e inseparáveis; a distinção das naturezas de modo algum é anulada
pela união, mas, pelo contrário, as propriedades de cada natureza permanecem intactas, concorrendo para
formar uma só pessoa e subsistência; não dividido ou separado em duas pessoas, mas um só e mesmo Filho
Unigênito, Deus Verbo, Jesus Cristo Senhor...”.
Algumas observações:
4) O Concílio considerou, com razão, o assunto muito sério porque a Bíblia diz que negarmos tanto a plena
divindade (como os liberais o fazem) quanto a plena humanidade (como os gnósticos, monofisistas, docetistas
etc o fazem) de Cristo é grave (Cl 2.8,9; 1Jo 4.2; 1Co 11.4).
As Sagradas Escrituras afirmam ainda que Jesus esteve sujeito a todas as limitações físicas próprias da
humanidade: teve sede (Mt 11.29), fome (Mt 21.18) e cansaço (Jo 4.6); e sentiu alegria (Lc 10.21), tristeza
(Mt 26.37), amor (Jo 11.5), compaixão (Mt 9.36), surpresa (Lc 7.9) e ira (Mc 3.5).
O teólogo britânico Bruce Milne, em sua obra Conheça a Verdade (ABU Editora, 1987), destaca que a
tradução literal das passagens de Lucas 19.41, Mateus 27.46 e João 2.17 aponta para um Jesus que viveu
intensamente as emoções humanas. Em Lucas, lê-se no original grego que “tomado de tristeza incontrolável,
chorou”. Na passagem de Mateus, lê-se que Jesus teve “uma consternação que se assemelha ao desalento”.
Já no Evangelho de João, o apóstolo descreve o Mestre com uma “indignação violenta que o consome como
fogo”.
(I) Sua vida religiosa prova sua plena humanidade. Mesmo sendo Deus, Jesus, como homem, precisava
estudar. Ele precisou aprender Sua língua, como qualquer outra criança (Lc 2.52). Jesus estudou as Escrituras
e meditou nelas para poder explicá-las (Lc 2.46,52). E quando explicou-as, o fez com uma percepção singular
(Mt 22.29; 26.54,56; Lc 4.21; 24.27,44). Como homem, Jesus também precisava orar e jejuar (Mt 12.28; Lc
4.18 e At 10.38). Para isso, Jesus orava constantemente, e algumas vezes a noite inteira (Lc 6.12).
(II) As tentações que Jesus sofreu são também uma prova eloqüente de sua plena humanidade. Ele foi
“tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15). Mas, alguém pode dizer:
“Será que essas tentações foram mesmo tentações para Ele, uma vez que Jesus não nasceu com natureza
pecaminosa?”. O fato de as tentações que Cristo sofreu não terem contado com apoio interno, com uma
natureza pecaminosa lutando dentro dEle a favor da tentação, como ocorre conosco quando somos tentados,
não significa que Jesus não sofreu pressões quando tentado. Lembremos de Adão antes da Queda. Ele é um
caso de natureza humana sem pecado, mas sujeita a uma tentação real (Gn 3). Além disso, o “filtro” da
proteção divina na hora da tentação não estava sobre Jesus. Como assim?
1Coríntios 10.13 diz que Deus faz com que nunca sejamos tentados “além das nossas forças”. Ou seja, a
tentação que encontramos é filtrada por Deus. Porém, no caso de Jesus, esse “filtro” foi removido. Não é à
toa que Cristo chegou a suar sangue em meio à tensão para fazer a vontade do Pai (Lc 22.44). Assim, Jesus
não participou do pecado original e permaneceu sem pecado, mas, como verdadeiro homem, Ele suportou o
peso e o poder da tentação a um ponto que jamais iremos experimentar. As tentações sobre Jesus foram
reais, Ele foi tentado em tudo, e fortemente, mas venceu porque é Deus. Nenhum outro ser, dotado apenas
da natureza humana, suportaria o que Jesus suportou por nós.
Dizer que o aperfeiçoamento de Jesus não foi real é negar a Sua inteira humanidade; e se Jesus não era 100%
homem, Sua morte na cruz seria em vão, já que o substituto da humanidade, aquele para morrer em nosso
lugar, tinha que ser um de nós de verdade (Abordarei esse tema mais adiante).
Jesus, como Deus, não precisava realmente passar por um aperfeiçoamento. Mas, como homem, sim. A
humanidade de Jesus precisava ser aperfeiçoada. E aperfeiçoamento, em Hebreus 2.10, claro que não
significa purificação de algum pecado ou fraqueza moral, pois a Bíblia enfatiza a impecabilidade de Jesus (Jo
8.46; 2Co 5.21; 1Pe 1.19;2.22), inclusive o próprio escritor de Hebreus (Hb 4.15; 7.26).
Jesus, como homem, precisava crescer, como cresceu, em graça, sabedoria e em qualidades morais positivas
que já manifestava desde Seu nascimento (Lc 2.40,52). Além disso, como deixa claro o escritor de Hebreus,
Jesus foi, como homem, aperfeiçoado em Sua missão remidora. Tudo o que era necessário para Sua missão
foi forjado nEle pelo sofrimento, incluindo aí, acima de tudo, o Getsêmani e a Sua morte e ressurreição.
Vejamos agora mais alguns pontos importantíssimos sobre a plena humanidade de Cristo à luz da Bíblia.
Paulo, escrevendo aos Romanos, afirma que Jesus era “um homem” assim como Adão (Rm 8.15,19); e em sua
carta aos crentes em Corinto, ele é mais direto ainda, ao se referir a Jesus como sendo o “segundo homem”
em relação a Adão e também o “último Adão” (1Co 15.45,47). Ora, se Paulo diz que Jesus era o segundo
homem depois de Adão e que Ele também era “o último Adão”, e não um “novo Adão”, isso significa dizer
que:
(II) Adão e Jesus compartilhavam de uma singularidade como seres humanos em relação a todos os demais
seres humanos;
(III) E ambos são cabeça dos seres humanos: Adão, o cabeça da nossa mortalidade e Jesus, o cabeça da nossa
imortalidade. Por isso que Paulo ressalta que Adão era apenas um ser vivente, enquanto Jesus, o “espírito
que dá vida” ou “espírito vivificante”. Ou seja, de Adão, herdamos a mortalidade; de Cristo, a imortalidade
(1Co 15.22). Esse é o tema preponderante em 1 Coríntios 15: Como Cristo ressuscitou e teve Seu corpo -
composto de carne, sangue e ossos (Lc 24.39) - glorificado, assim também ressuscitaremos e teremos o nosso
corpo glorificado, que será semelhante ao dEle glorificado (Fp 3.20,21).
Bem, mas no que Adão e Jesus eram singulares como humanos em relação a todos os demais seres humanos
de todos os tempos (além, claro, do fato de serem Cabeças da humanidade na mortalidade e na imortalidade
respectivamente)?
Jesus e Adão eram humanos como eu e você, exceto num aspecto, explicitado pelas Escrituras: Jesus não
tinha uma natureza pecaminosa (2Co 5.21; Hb 4.15), assim como Adão também não tinha antes da Queda,
porquanto fora criado diretamente à imagem e semelhança de Deus (Gn 1.27), o que significa dizer que foi
criado originalmente como um ser sem pecado, sem tendência pecaminosa, e, claro, auto-consciente,
racional, dotado de senso moral e detentor de livre agência ou livre-escolha, o que são outras características
dessa “imagem e semelhança” que herdamos de Adão. A Palavra de Deus diz que Adão e Eva sequer
conheciam o mal, o que passaram a conhecer após pecarem (Gn 1.17; 3.22).
Disse Davi: “Eu nasci em iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Trata-se de uma
referência clara à natureza caída, ao pecado original que herdamos de Adão após a sua Queda, como Paulo
ensina em Romanos 5.12, e que é reafirmado por ele ainda em passagens clássicas como Romanos 3.23 e
Efésios 2.3. Adão ganhou uma natureza pecaminosa depois da Queda, e que nos foi passada
hereditariamente. É por isso que essa natureza pecaminosa é denominada ainda de “velho Adão” e “velha
natureza” ou “velho homem” (Ef 4.22).
Cristo foi gerado como qualquer descendente de Adão, mas sem herdar a sua natureza pecaminosa. Como
afirmam as Escrituras, Jesus é o segundo Adão que, diferentemente do primeiro, “não teve por usurpação ser
igual a Deus” (Fp 2.6). A expressão de Filipenses 2.6 é uma referência direta à diferença de atitude do
segundo Adão em relação ao primeiro, que quis ser “igual a Deus”, como prometeu-lhe falsamente a
serpente no Jardim do Éden (Gn 3.5). Adão não tinha direito nem condições de ser igual a Deus, mas quis ser
igual a Deus. Já Jesus, mesmo sendo Deus, não quis, aqui na Terra, explorar os seus poderes e privilégios
naturais como Deus, que Ele poderia usar a qualquer momento, se quisesse, por direito (Mt 26.53). Ele “não
teve por usurpação ser igual a Deus”.
Agora, resta fazer uma pergunta: Uma pessoa que não peca pode ser considerada realmente humana? À luz
das Sagradas Escrituras, sim. Como já vimos, a Bíblia nos mostra que o pecado nunca fez parte da essência
da natureza humana em sua forma original, antes da Queda. Nós, descendentes de Adão, somos versões
adulteradas, corrompidas, da humanidade original, corrompida pós-Queda. Por isso que se é dito
teologicamente que trazemos as "relíquias da imagem de Deus em nós", e que Cristo veio para restaurar isso.
Nas palavras do teólogo Millard Erickson: "Se dissermos que uma pessoa que não peca não é realmente
humana, estamos sustentado que o pecado faz parte da essência da natureza humana. Tal concepção deve
ser considerada uma heresia por qualquer pessoa que creia que a humanidade foi criada por Deus, já que
Deus seria então a causa do pecado, o criador de uma natureza essencialmente má. (...) O tipo de natureza
humana que cada um de nós possui não é a natureza humana pura. A verdadeira humanidade criada por Deus
foi, no nosso caso, corrompida e danificada. No fim, só houve três seres humanos puros: Adão e Eva antes da
Queda, e Jesus. (...) Jesus não é apenas tão humano como nós; Ele é mais humano [E não menos humano!].
Nossa humanidade não é um padrão pelo qual possamos medir a dEle. Sua humanidade, verdadeira e não
adulterada, é o padrão pelo qual nós seremos medidos" (Introdução à Teologia Sistemática, Vida Nova).
2) Paulo não afirma que o corpo de Jesus era diferente do corpo de Adão
Quando Paulo diz que o primeiro Adão é terreno e o segundo Adão é celestial (1Co 15.47), ele não está
dizendo que a natureza humana de Jesus era diferente da natureza humana de Adão antes deste cair, mas se
refere à procedência do primeiro Adão ser diferente da procedência do segundo Adão. Ou seja, Paulo não
alude à diferença de natureza humana entre o primeiro e o segundo Adão, mas à diferença relativa a de onde
viera o primeiro Adão e de onde viera o segundo Adão. Um veio da Terra, o outro veio do Céu, mas Este era,
como ser humano, igual em tudo ao que veio da Terra; ou seja, Sua natureza humana era igual à de Adão.
Tanto que, voltamos a lembrar, Jesus é chamado no contexto da referida passagem de “segundo homem
[Adão]” e “último Adão”, o que se refere claramente à igualdade de natureza entre eles. Se o apóstolo Paulo
quisesse se referir a Cristo como tendo algum tipo de natureza humana distinta da de Adão antes deste cair,
teria usado a expressão “novo Adão” e não “segundo homem [Adão]” e “último Adão”. Essas expressões
trazem naturalmente as ideias de continuidade e igualdade, e não de descontinuidade. Ademais, há muitas
passagens bíblicas que se referem à natureza humana de Jesus como sendo plenamente humana, como
veremos mais à frente.
Historicamente, quem usava exatamente o texto de 1 Coríntios 15.47 de forma distorcida para ensinar que o
corpo de Jesus era diferente do de Adão e dos demais seres humanos, dizendo que Cristo não era tão humano
como nós ou Adão, eram os gnósticos, seita combatida por Paulo, Pedro, João, os Pais da Igreja e, enfim, por
toda a Igreja em seus primeiros séculos.
Perorando, as duas únicas diferenças entre o primeiro e o segundo Adão dizem respeito à procedência de
cada um e ao fato de que o primeiro Adão tinha só uma natureza humana, enquanto o segundo tinha não só
uma natureza humana idêntica à de Adão e descendida dele, mas também uma natureza divina, como Deus
que Ele era e é desde antes da fundação do mundo, desde toda a eternidade (Jo 1.1-3).
Isso está claro para quem lê atentamente 1 Coríntios 15.47-49 em qualquer tradução que temos hoje das
Sagradas Escrituras, mas, para que fique mais claro ainda, vejamos essa passagem na Bíblia na Linguagem de
Hoje:
“47 O primeiro homem foi feito do pó da terra; o segundo veio do céu [Ou seja, Jesus não foi feito direto do
solo, como o primeiro Adão. A Bíblia diz que o segundo Adão veio ao mundo assim como eu e você:
concebidos no ventre; sendo que, no caso do Cristo, essa concepção se deu por obra e graça do Espírito Santo
(Mt 1.20). É nesse sentido que Paulo diz que o segundo Adão é “celestial”, e não no sentido de que sua
natureza humana não é humana como a de Adão antes deste cair]".
“48 Os que pertencem à terra são como aquele que foi feito do pó da terra. Os que pertencem ao céu [ Aqui,
Paulo se refere aos crentes nascidos de novo em Cristo Jesus, que têm gerada neles uma nova natureza, de
ordem espiritual] são como aquele que veio do céu.”
“49 Assim como somos parecidos com o homem feito do pó da terra, assim também seremos parecidos com o
homem do céu [Ou seja, se Cristo veio do Céu e para lá retornou, nós, que nos identificamos com Ele em Sua
morte e ressurreição, iremos ao Céu de onde veio e onde Ele está, se formos fiéis. E assim como Cristo, em
Sua ressurreição, teve seu corpo físico glorificado, teremos também nossos corpos glorificados]”.
Lembrando ainda que a expressão bíblica “corpo espiritual” não se refere a um corpo falso, fictício, que na
verdade seria puro espírito, invisível, mas a um corpo de fato, como o de Cristo ressurreto; um corpo de
fato, mas que corresponda às necessidades da vida espiritual, assim como a expressão “corpo natural”
refere-se a um corpo de fato, mas que é adaptado apenas às necessidades da vida neste mundo. O que Paulo
diz é que, quando os mortos em Cristo ressuscitarem, será em seus próprios corpos, só que glorificados,
revestidos de imortalidade (1Co 15.52-57). Então, seremos plenamente e eternamente conforme a imagem
de Cristo ressurreto (1Co 15.49).
E para que não restasse dúvida do que havia falado até o versículo 49, Paulo explicaria ainda no versículo
seguinte: “Meus irmãos, o que eu quero dizer é isto: o que é feito de carne e de sangue não pode ter parte
no Reino de Deus, e o que é mortal não pode ter a imortalidade” (v50, NTLH). Ou seja, nossa alma já é
imortal (inclusive, aquele que morre em Cristo hoje já vai para o Paraíso – Lc 23.43), só que, para vivermos
eternamente também com nossos corpos no Céu, para que esse nosso corpo, feito de carne e sangue, não se
deteriore (não se corrompa) como hoje acontece, é preciso que ele se revista de imortalidade. Isso é o que
Paulo chama de “redenção do nosso corpo” (Rm 8.23). Esse corpo é glorificado, ganhando poderes,
capacitações e privilégios que hoje não tem, sendo, assim, finalmente redimido para que possamos viver
eternamente com Deus no Céu absolutamente completos – não mais almas desencarnadas no Paraíso, mas
almas com seus respectivos corpos glorificados.
3) O corpo de Jesus não foi uma criação à parte no ventre de Maria; o homem Jesus descendia
fisicamente, geneticamente, de Adão, por Maria
Já vimos, no tópico 2, que Jesus não era um novo Adão, mas um segundo e último Adão, o que fala
claramente de igualdade de naturezas entre Cristo e Adão no que diz respeito à humanidade de Cristo.
Agora, é preciso ainda enfatizar que essa igualdade de naturezas não significa que Jesus tinha uma natureza
humana coincidente a de Adão, mas sem descender geneticamente de Adão. Não. Jesus não só era igual a
Adão como homem; Ele também, como homem, descendia diretamente de Adão. Assim afirmam claramente
as Escrituras.
Essa visão de que o corpo de Jesus foi criado no ventre de Maria à parte nunca foi a visão ortodoxa sobre a
encarnação de Cristo, e nem poderia à luz do texto bíblico. Foi o falecido teólogo norte-americano Henry
Morris (1918-2006) quem a esposou e popularizou em um folheto publicado em 30 de dezembro de 1975 nos
Estados Unidos, intitulado “A Criação e o Nascimento Virginal”. Nele, Morris, que até então sempre fora
ortodoxo biblicamente, de repente passou a ensinar uma visão heterodoxa da encarnação. Dizia ele que “A
concepção virginal de Cristo no útero não foi uma fertilização sobrenatural do óvulo de Maria, mas, sim, uma
criação direta da parte de Deus-Pai. Logo, o corpo de Jesus não estava geneticamente ligado ao de Adão”.
Explicava ainda Morris que “O corpo de Jesus não foi formado nem pela semente do homem, nem pelo óvulo
da mulher, mas cresceu a partir de uma semente única plantada no corpo da mulher pelo próprio Deus.
Assim, o corpo de Cristo foi preparado pelo magnífico Criador, sem a necessidade de matérias primas. (...)
Ou seja, Deus formou diretamente um corpo para o segundo Adão, tal qual fez com o primeiro Adão (Gn 2.7).
Isto não foi nada mais que um milagre de criação, que somente poderia ter sido realizado pelo próprio
Criador”.
Morris defendia sua posição basicamente evocando os seguintes textos bíblicos: Primeiro, Hebreus 10.5, que
fala que Deus preparou o corpo de Jesus; e segundo, os textos bíblicos que falam que Jesus nasceu sem
pecado, ao que argumentava que sua tese da criação no ventre era a única forma de explicar porque Jesus
não herdou a natureza pecaminosa de Adão. O problema do argumento de Morris é que Hebreus 10.5 não fala
de “criar”, mas de “preparar”; não é criação ex nihilo, mas “preparação”; e a própria Bíblia também deixa
claro que Jesus não herdou a natureza pecaminosa de Adão pós-queda por causa da Sua natureza divina. O
anjo Gabriel disse a Maria que a concepção se daria quando o Espírito Santo descesse sobre ela e o poder do
Altíssimo a envolvesse, e que “por isso” Jesus não seria apenas homem mas “também” seria “ente santo”,
pois era “Filho de Deus”, isto é, Deus (Lc 1.35).
Jesus não poderia pecar porque Ele não era só homem, mas também Deus. A impecabilidade de Cristo como
ser humano se devia exatamente à ligação essencial entre as naturezas humana e divina na encarnação.
Explicado isso, vejamos agora várias passagens bíblicas que denotam que Jesus descendia geneticamente de
Adão. Se não, vejamos.
a) Lucas 3.23,38 afirma que Jesus descende geneticamente de Adão: “Jesus (...) filho de Adão”. Enquanto
Mateus, que escreve seu evangelho originalmente a judeus, se preocupa mais em mostrar o parentesco de
Jesus com o rei Davi e Abraão, o médico Lucas, que escreveu seu evangelho a gentios, preocupa-se mais em
mostrar a ligação de Cristo com Adão e, assim, com toda a humanidade. Por isso, a árvore genealógica de
Jesus é traçada por Lucas até Adão. Era Lucas asseverando que, tal qual cada pessoa citada naquela lista,
Jesus descendia de Adão.
Porém, alguém pode perguntar: “Mas, pastor Silas, as duas genealogias de Jesus são traçadas a partir de seu
pai putativo, José, e não a partir de Maria? Logo, a genealogia de Lucas só serviria como argumento se fosse
traçada a partir de Maria”.
Não, a genealogia de Jesus em Mateus é traçada a partir de José, mas a de Lucas é a partir de Maria.
“Como assim?”
Heli era pai de Maria (Lc 3.23). O pai de José chamava-se Jacó (Mt 1.16). O que acontece é que, no grego
daquela época, não existia uma palavra para “genro”.
Eram chamados todos de “filhos”, por serem assim considerados pelos seus sogros. Por isso José é chamado
de “filho de Heli” em Lucas 3.23, quando o pai dele era, na verdade, Jacó, como lemos em Mateus 1.16.
Tanto a genealogia de Mateus quanto a de Lucas mostram Jesus como herdeiro legítimo de Davi, seja pelo
pai legal, seja pela mãe legítima. José era descendente de Davi pelo seu filho Salomão (Mt 1.6), enquanto
Maria era descendente de Davi pelo seu filho Natã (Lc 3.31). Natã e Salomão eram filhos de Bate-Seba com
Davi (1Cr 3.5).
b) Gálatas 4.4 afirma que o corpo humano de Jesus foi “nascido de mulher”. O vocábulo grego traduzido ali
como “nascer” é ginomai, que significa literalmente “gerar”. Ou seja, Jesus não veio simplesmente à luz por
meio de uma mulher, mas foi gerado de uma mulher. Não houve uma criação separada em seu ventre, como
se Maria não tivesse participado geneticamente da geração do menino em seu ventre. Jesus foi gerado por
Deus e de sua mãe terrena no ventre dela. A Bíblia tanto diz que Cristo foi gerado sem intercurso sexual no
ventre de Maria por obra e graça do Espírito Santo como também que Ele foi gerado dela. Logo, Jesus
compartilhava da natureza humana de Maria, descendente de Adão, como todos os descendentes físicos
compartilham da natureza de seus genitores. Jesus tanto herdou as características genéticas de sua mãe que
foi identificado naturalmente como judeu em seus dias, sem que precisasse se apresentar (Jo 4.9).
c) A promessa direta de Deus referente a Jesus em Gênesis 3.15 define o Messias como sendo “semente da
mulher”, expressão que implica ligação genética entre Cristo e sua mãe, e conseqüentemente com Adão e a
humanidade como um todo.
d) A Bíblia diz que Jesus é nosso parente consangüíneo, pois Ele participou da nossa carne e sangue (Hb
2.14).
e) A Bíblia afirma ainda expressamente que Jesus é “descendente de Abraão” (Gl 3.16; no original grego, a
palavra traduzida aqui por “descendente” é sperma, que é usada para descrever descendência natural) e
também de “semente” de Abraão (Hb 2.14-17). As Escrituras afirmam também que Ele veio dos “lombos” de
Davi (1Rs 8.19) e é a “raiz” de Jessé (Is 11.10). Isso fala de ligação genética de Jesus com Abraão, Davi e
Jessé, e, portanto, com Adão. Aliás, se Jesus não fosse descendente físico de Abraão e Davi, as promessas
divinas a estes homens relativas à descendência deles - e a se cumprir claramente em Jesus, como a
descendência deles - não poderiam se cumprir literalmente.
A Bíblia afirma que Jesus é o perfeito mediador dos descendentes de Adão justamente porque, em Sua
encarnação, se tornou, de fato, um deles. Se não, vejamos.
a) Além de Romanos 5, que fala de Jesus como o segundo Adão, Paulo, para ressaltar a perfeição de Cristo
como mediador, escreve em 1 Timóteo 2.5 que o mediador dos descendentes de Adão diante de Deus é um
homem como eles: “Há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem”.
Hebreus 2.14 ressalta essa mesma verdade: “Visto como os filhos participam da carne e do sangue, também
ele [ou seja, da mesma forma que nós, assim como nós] participou das mesmas coisas [da carne e do sangue,
igualmente a nós], para que, pela morte, aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo”.
Hebreus 2.17 ressalta o mesmo: “Pelo que convinha que, em tudo [Note: “em tudo”, e não em parte], fosse
semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os
pecados do povo”.
A expressão “semelhante”, usada nas versões ARA e ARC de Hebreus 2.17, não quer dizer um mero “parecer
com”, como se Jesus apenas “parecesse” ser totalmente humano, o que já fica claro nessas mesmas versões
a partir do uso da expressão “em tudo” ao lado de “semelhante”, que demonstra que o escritor aos Hebreus
não está se referindo originalmente a um mero “parecer”, mas a ser mesmo “identificado com”, como
sugere o texto grego (homoiosis). Além disso, o versículo 17 à luz da afirmação do versículo 14 deixa claro
que não trata-se de um mero “parecer”, mas de compartilhamento total da natureza humana, exceto no que
diz respeito ao pecado (Hb 4.15). Por isso, algumas versões da Bíblia não usam aqui a expressão “em tudo
semelhante” ou “em todas as coisas semelhante”, mas “igual em tudo” ou “feito em tudo como”, por ser
ainda mais exata em relação ao que o texto grego sugere. É o caso das versões King James, American
Standard Version, Tradução Inglesa de Darby, Noah Webster Bible, World English Bible e a Tradução Literal
de Young, e aqui, no Brasil, a NVI e a Bíblia na Linguagem de Hoje.
b) João destaca em seu Evangelho a encarnação de Cristo como a razão de Sua mediação perfeita (Jo 1.12-
14,18,29), e quando João diz que “o Verbo se fez carne” – no original, sarx egeneto –, a expressão traduzida
por “carne” no original grego (sarx) denota que Cristo foi plenamente humano em Sua encarnação. Jesus não
se fez meramente soma (um corpo), mas sarx (carne como nós). Não tratava-se de um Cristo dotado de uma
humanidade aparente ou de um Cristo não plenamente humano. Jesus se fez sarx como nós, participando da
nossa carne e sangue (Hb 2.14), e não meramente soma.
c) Em Romanos 8.3, Paulo diz que Cristo foi a propiciação perfeita pelos nossos pecados porquanto “Deus
enviou seu Filho em semelhança de carne pecaminosa, e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou
Deus, na carne, o pecado” por nós. Isso fala da completa identificação de Cristo conosco em Sua
humanidade, só não compartilhando com o nosso pecado, mas sofrendo o castigo do pecado por nós.
Curiosidade: A expressão “no tocante ao pecado” é como a Septuaginta traduzia a expressão “oferta para o
pecado”. São uma e a mesma coisa.
5) Filipenses 2.7 fala que Cristo se esvaziou de Sua glória em Sua encarnação, e não de seus atributos
A Teoria de Kenosis, Teologia Kenótica ou Kenoticismo trata-se de uma antiga e equivocada interpretação
sobre Filipenses 2.7 que ensina que Jesus, quando estava aqui na Terra, esvaziou-se de seus atributos
naturais, tais como onisciência e onipotência.
A Teoria de Kenosis, como foi batizada por seus proponentes no século 19 (Foi o bispo Gore, da Inglaterra,
quem a criou no século retrasado), baseia-se exclusivamente em uma frágil interpretação de uma expressão
usada na passagem de Filipenses 2.7. É quando Paulo diz que Jesus “esvaziou-se” ou “aniquilou-se a si
mesmo”. No original grego, o termo usado nessa passagem de Filipenses é ekenosen, daí o nome dado a essa
teoria. Essa teoria não erra ao afirmar que houve ekenosen, mas erra ao tentar definir o que teria sido
a ekenosen. Ou seja, ekenosen ou kenosis (forma aportuguesada) aconteceu, mas não como afirma a teoria
que leva o seu nome.
A Teologia Kenótica é tremendamente frágil, pois já nasce apoiada em uma miragem, em uma base que não
existe. O próprio versículo usado para, sobre ele, ser erigida essa teoria simplesmente desaprova-a.
Filipenses 2.7 não está dizendo que Jesus esvaziou-se de seus poderes divinos, mas sim da sua glória, isto é,
da sua dignidade divina. Nesse sentido, Jesus “tornou-se a si mesmo insignificante”. Jesus se esvaziou de sua
glória celeste (Jo 17.5), não de Seus atributos. Jesus não pode ter se esvaziado dos Seus atributos porque,
primeiro, esse texto, como veremos a seguir, não diz isso; e segundo, porque são os atributos de uma coisa
ou ser que fazem ele ser o que é. Exemplo: Um atributo básico da luz é iluminar. Se ela não mais ilumina,
não é mais luz. Se Jesus esvaziou-se de Seus atributos em Sua encarnação, Ele não era mais Deus. Os
atributos de Jesus continuavam com Ele em Sua encarnação.
Aliás, o contexto dessa passagem mostra Paulo falando da necessidade dos crentes serem humildes (Fp 2.3,4)
e, para exemplificar o que estava ensinado, evocou o exemplo de Cristo, que, mesmo sendo Deus, tomou "a
forma de servo" (Fp 2.5-8). Por isso que ekenosen também é traduzido nessa passagem com “humilhou-se”,
porque a alusão que Paulo faz aqui é à humildade de Cristo, a um auto-esvaziamento de Sua dignidade, a se
submeter como servo em vez de usar naquele período aqui na Terra Seus privilégios de Deus que era, é e
sempre será. Em 2 Coríntios 8.9, Paulo deixa isso ainda mais claro ao dizer que Jesus, “sendo rico, por amor
de vós se fez pobre” em Sua encarnação.
Se Jesus tivesse vindo esvaziado de Seus atributos, isso significaria a perda, mesmo que momentânea, de sua
divindade, o que não tem base na Bíblia (Jo 20.31). E sobre a relação entre a humanidade de Cristo e Seus
atributos divinos em Sua encarnação, o que alguns textos bíblicos mostram, na verdade, é Jesus limitando o
exercício de alguns de Seus atributos, e não limitando os Seus atributos (o que O tornaria "menos" Deus em
Sua encarnação). Lembrando ainda que a construção gramatical de Filipenses 2.6,7 relaciona a expressão
"forma de servo" com a expressão "igual a Deus" (no original, "igualmente a Deus") e não com a expressão
"forma de Deus". Logo, o esvaziamento de Cristo não diz respeito à perda ou diminuição de Sua forma
(natureza ou essência) divina, mas ao abrir mão de Seus privilégios como Deus, ao não se aferrar à Sua
dignidade divina; ao não reivindicar Seu direito de manifestar-se em glória, com os privilégios que tinha
como Deus (Jo 17.5); enfim, refere-se a ser subordinado funcionalmente ao Pai em Sua missão, padecendo
como homem. Por isso, Cristo é o nosso maior exemplo de humildade.
Como a Igreja Cristã sempre asseverou à luz da Bíblia desde os tempos apostólicos até hoje, reverberamos
em nossos dias: Jesus é plenamente, completamente, verdadeiramente, perfeitamente Deus e plenamente,
completamente, verdadeiramente, perfeitamente homem. É 100% Deus e 100% homem.