Brasileiros Herois Da Fe - Vol. - Manuel Altenfelder Silva

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M E.

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V I
M E. A S

B H F

V I
© Santa Cruz — Editora & Livraria, 2018.

S P ,4A 1927.
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V G

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou
transmitida de qualquer forma ou quaisquer meios, eletrônicos ou mecânicos, incluindo
fotocópia, gravação ou qualquer sistema de armazenamento e recuperação de informações,
sem permissão expressa do editor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M285
Silva, Manuel E. Altenfelder
Brasileiros Heróis da Fé — Volume I / Manoel E. Altenfelder — 1ª ed. — São Caetano
do Sul, SP : Santa Cruz — Editora e Livraria, 2018.

304 p.
ISBN 978-85-5932-026-8

1. Igreja Católica. 2. Biografia de Santos


I. Título
CDD: 922.22

S C —E L
Rua Oswaldo Cruz, 1160 — sala 04
09540-280 — São Caetano do Sul — SP
Tel.: (11) 3042-7885
www.stacruzartigoscatolicos.com.br
[email protected]
S

Declaração
Nossa Senhora da Conceição
A “Virgem de Anchieta”
Proêmio
Apóstolo do Brasil
Mártir da Castidade
Padre Domingos Garcia
Frei Manoel da Piedade
Mártires da Castidade
Padre André de Almeida
Frei Francisco de Santo Antônio
Madre Angela do Sacramento
Frei Bernardo da Conceição
Madre Vitória da Encarnação
Padre Belchior de Pontes
Padre João Alvares da Encarnação
Soror Maria da Soledade
Padre Caetano Lima
Padre Estanislau de Campos
Ermitão de Macaúbas
Anna de Jesus Maria
Padre Simão Coelho
Madre Margarida
Irmão Inácio da Rocha
Maria Fonseca
Joana de Jesus
Soror Jacinta de São José
Padre Paulo Teixeira
Frei Antônio do Rosário
Madre Helena
Madre Joana Angélica
Frei Galvão
Irmão Joaquim do Livramento
Padre José Gonçalves
Irmã Germana
Dom Vital
Padre Ibiapina
Outros Servos de Deus
Frei Rafael de São Boaventura
Frei Sebastião dos Mártires
Frei Crispim das Chagas
Menino Mártir
Padre Manoel Saraiva
Padre Baltazar Corrêa dos Reis
Frei João de Deus
Padre Manoel Corrêa Feyo
Padre Antônio Manoel Felix
Vicência e Helena de Castro
Padre Francisco Fialho
Paulo Leitão de Versoza
Padre Cristovão Fernandes
Padre Cipriano Pacheco
Frei Bernardo de Santa Clara
Padre Luis Corrêa
Madre Brites da Esperança
Madre Marta de Cristo
Manoel Alvares Corrêa
Frei Antônio do Sacramento
Padre Leandro Ferreira de Azevedo
Soror Maria de Jesus
Frei Antônio do Espirito Santo
Irmã Joana de Gusmão
Frei Lucas José da Purificação
A Padroeira do Brasil
D

Em obediência aos Decretos do Santo Padre Urbano VIII e seus


venerandos sucessores, declaramos que o nome de “santo” com
que qualificamos cada um dos Servos de Deus nos dados
biográficos que se vão ler, e a denominação de “milagres”, que
damos aos prodígios por eles operados, ou que se lhes atribuíram,
só merecem fé humana, enquanto sobre o assunto não se
manifestar a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a cujo juízo
infalível incondicionalmente submetemos este despretensioso
trabalho.

O Autor.
N S C

A “V A ”

A Nossa Senhora da Conceição,


Virgem-Mãe de Deus,
Rainha dos Anjos e dos Santos,
Refúgio dos pecadores,
Saúde dos enfermos,
Auxiliadora dos cristãos,
E Padroeira do Brasil,
oferece estas páginas,
como pequenina homenagem
de ardente amor e profunda gratidão,
o menor de seus filhos

Manoel E. Altenfelder Silva.

S. Paulo, 8 de dezembro de 1926.


P

Depois de compulsarmos diversas obras de autores fidedignos


e documentos inéditos de incontestável valor, escrevemos este
modesto livro, em cujas páginas singelas, o leitor encontrará traços
da vida de muitos Servos de Deus, em sua maioria pouco
conhecidos.
Somos o primeiro a reconhecer as falhas e deficiências deste
trabalho, que merecia, para sua composição, uma pena brilhante e
afeita às investigações históricas.[1]
O que nos move a publicar estas páginas é o devotamento à
memória dos santos brasileiros, que enchem de brilho as tradições
religiosas e cívicas da nossa Pátria.
Que o exemplo desses santos patrícios nos conduza ao amor
de Deus e ensine a trabalhar pelo engrandecimento do Brasil.
A B
“Pátria querida, pátria gloriosa!
Se meu berço não foi teu grêmio ilustre,
As primícias te dei da mocidade,
Os labores do estudo, as flores d’alma,
O sentimento e a vida!…”
(Fagundes Varella, “Anchieta ou Evangelho nas
Selvas”, Cant. X, VII).

Tencionávamos dispor os capítulos deste livrinho, colocando os


traços biográficos de cada Servo de Deus em ordem cronológica,
segundo a data de sua morte, que é comemorada pela Igreja como
a do seu natalício; é justo, porém, que abrindo uma exceção, falemos
primeiramente do nosso maior apóstolo, taumaturgo e “patriarca da
nossa nacionalidade”[2], o Padre José de Anchieta.
Ele é, incontestavelmente, a figura central da nossa história, tanto
religiosa, como civil. Ao venerável Anchieta, missionário e patriota,
devemos, com a pacificação dos tamoios, a base da unidade
territorial do Brasil.
Tirantes alguns dados que colhemos em autores, cujas obras e
nomes vão registrados em notas, os principais traços biográficos e
a narração dos milagres do nosso herói, extraímos do livro do
Padre Antônio Franco, S. J: Vida do admirável Padre José de
Anchieta, Taumaturgo do Novo Mundo (Edição do ano de 1898).
Nasceu José de Anchieta, em S. Cristóbal de La Laguna, na ilha
de Tenerife, a 19 de março de 1534, sendo batizado a 7 de abril do
mesmo ano. Seus pais, João de Anchieta e dona Mência Diaz de
Clavijo y Llarena[3], piedosos cristãos de nobre estirpe, cedo o
encaminharam à conquista de primorosa cultura intelectual. Dotado
de robusta inteligência, aliada aos mais puros costumes, tornou-se
Anchieta, em todas as escolas que frequentou um aluno modelo.
Terminados os estudos na terra natal, seus pais o enviaram a
Portugal, onde começou a cursar as aulas da Universidade de
Coimbra, então dirigida pelos Padres da Companhia de Jesus.
Certo dia, entrando Anchieta em uma igreja, prostrou-se ante a
imagem de Maria Santíssima, consagrando-lhe totalmente a sua
pessoa, com o voto de perpétua virgindade. Aumentando-lhe na
alma os santos anelos de deixar para sempre o mundo, com suas
pompas e loucas vaidades, resolveu definitivamente fazer-se
religioso, escolhendo a Companhia de Jesus.
Admitido no noviciado dessa congregação, a 1° de maio de 1551,
foi tal o fervor com que começou o santo jovem a cumprir os deveres
que lhe eram inerentes, que mais parecia um monge experimentado
na prática das virtudes e austeridades que um noviço de 17 anos.
Nesse tempo, uma das suas maiores devoções era ajudar seis ou
mais Missas por dia, e o fazia sempre de joelhos, só se levantando
nos momentos necessários.
O débil corpo do jovem noviço não pôde suportar tantos
excessos, e foi-se encurvando a espinha dorsal. Aconteceu cair-lhe
nas costas uma escada, que lhe produziu grave lesão, vendo-se o
santo jovem obrigado a descobrir o seu sofrimento. Chamados
médicos e cirurgiões, não puderam eles curar por completo a
enfermidade. Em vista de seu triste estado de saúde, temia o
Servo de Deus que o despedissem da Companhia, andava, por isso
atribulado.
Encontrando-o, certo dia, o provincial Pe. Simão Rodrigues,
assim lhe falou: “Filho José, deixa esse cuidado com que andas,
porque Deus vos não quer com mais saúde”. Vendo ele que Deus
manifestava seu interior ao Pe. Mestre Simão, ficou muito animado
e consolado, entendendo que assim se queria Deus servir dele.
Passavam-se os dias e continuava Anchieta adoentado. Opinaram
então os médicos que o mandassem ao Brasil, onde os ares lhe
seriam benéficos.
Eis que o Pe. Manuel da Nóbrega escreve, de S. Vicente,
pedindo ao provincial Simão Rodrigues lhe enviasse mais obreiros
para a esperançosa vinha do Senhor. Atendendo a esse pedido,
determinou Simão Rodrigues mandar para as missões da nossa
pátria, chefiados pelo Pe. Luís da Grã, os Padres Brás Lourenço,
Ambrósio Pires, os Irmãos João Gonçalves, Antônio Blasques,
Gregório Simões e o nosso Anchieta. Embarcaram em maio de
1553, chegaram à Bahia a 13 de julho.
A 24 de dezembro[4] do mesmo ano, após uma viagem cheia
de contratempos, em que Anchieta e seus companheiros escaparam
milagrosamente da morte, chegaram ao porto de S. Vicente.
Em janeiro de 1554, o Pe. Manuel da Nóbrega destacou treze
religiosos da comunidade de S. Vicente, sob a chefia do Pe.
Manoel de Paiva, para fundar o Colégio de Piratininga, contando-se
nesse número o Irmão José de Anchieta.
Grandes foram as privações que sofreram esses religiosos no
começo da nova fundação, como ele próprio nos conta:
“[…] Aqui se fez uma casinha pequena de palha, com uma
esteira de cana por porta, em que moraram por algum tempo bem
apertados os irmãos; mas este aperto era ajuda contra o frio, que
naquela terra (Piratininga) é grande, com muitas geadas. As camas
eram redes, que os índios costuram: os cobertores o fogo, para o
qual os irmãos comumente, acabada a lição à tarde, iam pôr lenha
no mato, e a traziam às costas, para passarem a noite. O vestido
era muito pouco e pobre, sem calça nem sapato, e o ordinário de
pano de algodão. Para a mesa usaram algum tempo de folhas
largas das árvores, em lugar de guardanapos; mas bem se
escusavam toalhas onde faltava o comer, o qual não tinham donde
lhes viesse, senão dos índios, que lhes davam alguma esmola de
farinha e algumas vezes (mas raramente) alguns peixinhos do rio, e
mais raramente alguma caça do mato: e assim muito tempo
passaram grande fome e frio; e contudo com muito fervor, lendo às
vezes a lição fora, ao frio, com o qual se haviam melhor que com o
fumo dentro de casa. A primeira Missa se celebrou dia da
conversão de S. Paulo, em um altarzinho que para isso se
aparelhou, por que não havia ainda igreja; e, por esta causa
dedicou àquela casa a São Paulo, e tem seu nome”.
Os primeiros alunos de Anchieta, em S. Paulo, foram os seus
companheiros de comunidade e alguns portugueses e mamelucos.
Como os livros não eram suficientes para todos, o Servo de Deus
dava-se ao trabalho de copiar em caderninhos as lições para cada
dia.
Muitas vezes, às caladas da noite, quando todos dormiam, velava
Anchieta. Curvado sobre um tosco móvel, de pena em punho, à luz
frouxa de um candeeiro, o santo mestre copiava as lições que as
lides do dia lhe não deixaram preparar.
De uma carta que ele dirigiu aos seus colegas de Coimbra, vamos
transcrever alguns trechos edificantes: “[…] nesta quero somente
dar-vos uma nova e é que — Virtus in infirmitate perfiscitur; a qual
foi para mim assaz nova todo o tempo que aí estive. Muito tendes
caríssimos irmãos, que dar graças ao Senhor, porque vos faz
participantes de seus trabalhos e enfermidades, nas quais motivou
o amor que nos tinha: razão será que sirvamos algum tempo,
tendo grande paciência nas enfermidades, e nestas aperfeiçoar
as virtudes.
A larga conversação que tive nessas enfermarias me faz não me
poder esquecer de meus caríssimos coenfermos, desejando vê-
los curar com outras mais fortes mezinhas [ 5 ] materiais que as que
lá se usam, porque sem dúvida, pelo que em mim experimentei vos
posso dizer que estas mezinhas materiais pouco fazem e
aproveitam.
Por outras cartas vos tenho já escrito de minha disposição, a qual
cada dia se renova, de maneira que nenhuma diferença há de mim
a um são, ainda que algumas vezes não deixo de ter algumas
relíquias das enfermidades passadas, porém não faço mais conta
delas que se não fossem.
Até agora sempre tenho estado em Piratininga, que é a primeira
aldeia de índios, que está dez léguas do mar, como em outras cartas
tenho escrito, na qual estarei por agora, porque é terra muito boa;
e porque não tinha purgas nem regalos de enfermarias, muitas
vezes era necessário comer folhas de mostarda cosidas com outros
legumes da terra e manjares que lá se podiam imaginar, junto com
entender em ensinar gramática em três classes diferentes; e às
vezes, estando dormindo, me vêm a desesperar para fazer-me
perguntas, e em tudo isto parece que saro; e assim é, porque em
fazendo conta que não estava enfermo, comecei a estar são; e
podeis ver minha disposição pelas cartas que escrevo, as quais
parecia impossível poder escrever estando lá. Toda a quaresma
comia carne, como sabeis, e agora jejuo toda.
Neste tempo que estive em Piratininga, servi de médico e
barbeiro, curando e sangrando muitos daqueles índios, de quem
não se esperava vida por serem mortos daquelas enfermidades.
Agora estou aqui em S. Vicente, que vim com o nosso Padre
Nóbrega, para despachar estas cartas. Demais disto tenho
aprendido um ofício, que me ensinou a necessidade, que é fazer
alpercartas; e sou já bom mestre, e tenho feito muitas aos irmãos;
porque não se pode andar de sapatos de couro pelos montes.
Isto tudo é pouco, para o que Nosso Senhor vos mostrará quando
cá vierdes. Quanto à língua eu estou adiantado, ainda que é
muito pouco para o que soubera, se não me ocupara em ler
gramática; todavia tenho corrigido toda a maneira dela por arte, e
para mim tenho entendido quase todo o seu modo; não o ponho em
arte porque não há cá a quem aproveite; só eu me aproveito dela e
aproveitar-se-ão os que de lá vierem e souberem gramática.
Finalmente caríssimos irmãos, sei dizer que, se o Padre Miram
quiser mandar-vos a todos os que andais opilados e meio doentes,
a terra é muito boa, e ficareis mais sãos. As medicinas são
trabalhos, e tanto melhores quanto mais conformes a Cristo.
Também vos digo que não basta com qualquer fervor sair de
Coimbra, senão que é necessário trazer alforge cheio de virtudes
adquiridas porque, de verdade, os trabalhos que a Companhia tem
nesta terra, são grandes, e acontece andar um irmão entre índios
infiéis, e sete meses no meio da maldade e seus ministros, sem ter
outro com quem conversar senão com eles; de onde convém ser
santo, para ser irmão da Companhia. Não vos digo mais, senão
que aparelheis grande fortaleza interior e grandes desejos de
padecer de maneira que, ainda que os trabalhos sejam muitos, vos
pareçam poucos.
Fazei um grande coração, porque não tereis lugar para estar
meditando em vosso recolhimento, senão in medio iniquitatis et
super flumina Babiloniae; e sem dúvida, porque em Babilônia: rogo-
vos omnes ut semper oretis pro paupere frate Joseph. A meus
caríssimos Padres e irmãos, em suas orações e particularmente a
meu caríssimo Padre Antônio Correa e aos Padres que foram e são
meus pais, rogo e peço se lembrem deste pobre que engendraram
em Cristo, e nutrierunt: opto vos omnes bene valere. Pauper et inutili
Joseph”.
Para maior incremento da catequese, instruiu Anchieta, de tal
maneira, aos filhos dos índios, que muitos dentre eles o ajudavam,
levando à casa de seus pais os ensinamentos da fé. E esses
pequeninos apóstolos não só doutrinavam os seus progenitores,
como também lhes ensinavam os belos cantos religiosos que o seu
santo mestre compusera na língua brasílica, para substituírem as
bárbaras cantigas de seu uso.
Há um período da vida do santo missionário, que não podemos
deixar de evocar: foram os cinco meses que ele passou entre os
tamoios de Yperoig. Dispostos a todos os sacrifícios para a
pacificação desses índios, Nóbrega e Anchieta partiram de S.
Vicente, chegando a 4 de maio de 1563, a Yperoig.
Bem acolhidos pelo chefe da tribo, trataram logo de improvisar
uma capela, onde a 9 do mesmo mês foi celebrada a primeira
Missa. Anchieta, já sabedor dos segredos da língua indígena, não
encontrou dificuldades para evangelizar aqueles filhos das selvas.
Os ferozes tamoios do Rio de Janeiro, aliados dos franceses,
cientes da vinda dos missionários, em numeroso grupo se dirigiram
para Yperoig, com intenção de os matar.
“[…] Quando se ajuntaram os principais a tratar das pazes, um,
que tinha vindo do Rio com dez canoas de guerra, disse com
resolução que, se queriam pazes, se lhe haviam de entregar três
índios seus inimigos, que estavam em S. Vicente. A isto, depois de
outras razões, disseram os Padres que o negócio se propusesse
aos do governo de S. Vicente. Vindo nisto os índios, quis ele
mesmo ir em suas canoas. Lá deram tão boas razões, e sobretudo
lhe fizeram tão bom acolhimento, que o bárbaro se amansou e voltou
muito mudado. Livres deste perigo, estiveram a ponto de serem
mortos junto da praia pelos índios, que vieram em uma canoa, com
intento de perturbarem o negócio das pazes. Deles era capitão um
filho do principal da aldeia em que estavam.
Vendo os Padres a canoa e suspeitando o que seria, se
retiraram, e tiveram nisto assaz de enfado, porque ao passar de um
rio, tomando o Padre José às costas ao santo velho Nóbrega, não
podendo com a carga, o deixou cair no meio da água, e com
grandíssimo trabalho se puderam recolher na aldeia, em casa do
capitão dela, que então estava ausente.
Logo se puseram de joelhos a rezar; após eles entrou o índio da
canoa, com intento de matar os Padres; mas tanto que deu com os
olhos neles, Deus lhe infundiu um tal respeito, que ficou suspenso.
Então, falando-lhe o Padre Anchieta, ficou tão mudado que,
confessando seus maus intentos, disse que tais pessoas não podiam
vir com engano. Depois vindo o pai, contou ao filho a bondade dos
Padres, com que se confirmou no conceito que deles fizera”.
Salvos desses perigos, continuaram Nóbrega e Anchieta o seu
árduo apostolado. Já havia dois meses que aí permaneciam,
quando receberam chamado de S. Vicente, onde se julgava
necessária sua presença.
Mas, como abandonar a obra já iniciada?
Resolveram que somente um deles partisse, ficando o outro
com os tamoios. Ouviu o Padre Nóbrega as razões de Anchieta, e
partiu, deixando-o com os selvagens. Para resguardar a sua pureza,
entre os mil perigos que o rodeavam, rogou Anchieta à Santíssima
Virgem que o protegesse, prometendo-lhe escrever a sua vida em
versos.
Diariamente, depois do serviço da catequese, ia o santo
missionário para a praia, e aí, ouvindo apenas o marulhar das
ondas, traçava na branca areia os lindos versos do imortal poema da
Virgem.
Enquanto ele escrevia, pasmavam os índios que o
contemplavam, vendo um pássaro de belíssimas cores pousar, ora
nas mãos, ora na cabeça e nos ombros do grande apóstolo.
Era uma demonstração que Deus lhe fazia, de quanto lhe
agradava essa homenagem prestada à sua Mãe Santíssima. Várias
vezes escapou de ser morto, só se livrando da sanha dos tamoios
por verdadeiros milagres.
Anchieta em Nossa Senhora confiava. Ela lhe prometera que
nenhum mal lhe fariam esses índios, em cujo meio deveria concluir
o seu poema. E assim aconteceu.
Mais três meses esteve Anchieta em Yperoig. “[…] Todo o tempo
que lhe sobejava do trato com Deus e com a Virgem, gastava em
explicar aos tamoios as verdades da fé… Teve a Senhora tanto
cuidado do seu devoto, que no meio de tanto fogo nem levemente
se tisnou sua pureza. Assim o confessou nos versos, e assim o
disse a um Padre amigo de aí a muitos anos. Queixou-se este das
tentações desonestas que o afligiam. Aconselhou-lhe o santo varão
que não pedisse a Deus que lhe tirasse, mas que lhe desse
vencimento nelas. E acrescentou: Porque eu sei de outro (é certo
que falava de si) que o pediu desta maneira e foi ouvido; porque
combatido largo tempo de semelhantes tentações, favorecido por
Deus, e de sua Mãe Santíssima, não só não caiu, mas recebeu
promessa segura de não cair jamais…”.
“Concluídas assim as pazes, tratou o Padre (Anchieta) de partir
para S. Vicente, tendo assistido alguns cinco meses entre aqueles
bárbaros. Tinham-lhe eles cobrado tanto amor e ele aos índios, que
houve muitas lágrimas de parte a parte: choravam por se haver de
apartar dele o seu pai maior, que lhes adivinhava os sucessos
futuros, que lhes ensinava coisas santas, que os curava e consolava
em suas doenças. Chorava o santo varão, por ver ficar ao
desamparo tantas almas tão bem-dispostas para o santo Batismo.
Também lhe fazia saudades o lugar em que Deus tanto o
consolava…”.
Quanto às suas virtudes, diremos que absolutamente ele as
praticou em grau heroico. Assim o afirmou a Igreja, pela boca do
Sumo Pontífice Clemente XII, na reunião da Congregação Geral
dos Ritos, realizada a 30 de julho de 1736, mandando que se
declarasse no processo instaurado para a beatificação do apóstolo
do Brasil, o seguinte: “Constar das virtudes do Venerável Servo de
Deus, José de Anchieta, em grau heróico, no caso e para o efeito de
que se trata, tanto das Virtudes teologais, a saber: fé, esperança e
caridade; como das cardeais; prudência, justiça, fortaleza e
temperança.”[6]
Quando Anchieta orava, era tal o seu fervor, que muitas vezes
ficou em êxtases, chegando a ser visto suspenso do solo alguns
palmos. Ao iniciar os trabalhos para construir a estrada de S.
Paulo a S. Vicente, a qual ficou conhecida com o nome de
caminho do Padre José, em dado momento afastou-se o Servo de
Deus do meio dos operários, embrenhando-se no mato. Daí a pouco
tempo desencadeia-se forte tempestade, e passada a tormenta,
saíram os operários em busca do Padre Anchieta.
Depois de procurar algum tempo, chamando-o em altas vozes,
foram encontrá-lo em baixo de uma arvore, todo absorto em Deus…
Certa vez percebeu o Pe. Amaro Gonçalves que da cela do
Servo de Deus saíram reflexos de luz. Estranhando o caso, para
lá se dirigiu, e, ao abrir a porta, deparou o Pe. Anchieta envolto
em resplendores…
Admiradíssimo, foi logo chamar a dois colegas que também
presenciaram o prodígio.
Visitando, certa vez, a aldeia de índios de Bertioga (Santos),
depois de agradecer a hospedagem que lhe ofereceu o principal da
povoação, disse-lhe que queria passar a noite na ermida de Nossa
Senhora.
Quando a noite ia alta, reparou a mulher do chefe indígena que
da capela saíram luzes e partiam vozes misteriosas, cantando…
“Despertou o marido, que viu e ouviu o mesmo. Quiseram ir ver o
que era, mas foram impedidos de um pasmo e tremor de membros,
que os retardou enlevados na suavidade da harmonia. No dia
seguinte, vendo-se o Padre descoberto, lhes mandou por
obediência por serem seus filhos de confissão, que tal coisa não
dissessem, enquanto ele vivesse. Assim o fizeram; mas depois de
morto (Anchieta) confirmaram o ocorrido”.
Já nos referimos a algumas mortificações do Servo de Deus, e
agora diremos que ninguém jamais o excedeu nos rigores com
que macerava seu corpo: jejuns amiudados, constante uso de
cilício, diárias disciplinas, repouso escasso, continuo viajar a pé,
sempre descalço, varando matas, atravessando despenhadeiros,
pousando ao relento…
Um dos maiores dons que Deus concedeu ao santo sacerdote, foi
o realizar milagres portentosos. Foi profeta e teve pleno
conhecimento dos corações humanos. Lia no futuro, como em um
grande livro perenemente aberto ante os seus olhos.
Curava enfermos e ressuscitava mortos. Foi notabilíssimo o seu
poder sobre os elementos da natureza. A uma só palavra, ou gesto
seu, o mar enfurecido se acalmava; se amansavam as ventanias e
cessavam as tempestades. Os pássaros e os peixes lhe atendiam;
as terríveis serpentes e animais ferozes vinham rastejar-se
submissos, a seus pés!
Vejamos alguns dos seus inúmeros milagres. Era noite de
Natal. Acabava Anchieta de celebrar a terceira Missa, numa igreja
da vila de Santos, quando lhe comunicou o sacristão não haver
mais vinho para o Santo Sacrifício. Disse-lhe, então, o taumaturgo:
— “Ide irmão, trazei o vinho que está na botija”. Respondeu-lhe o
irmão ter certeza absoluta de que a botija estava vazia. Insistiu
Anchieta: — “Ide, que eis de achar”.
Obedecendo, foi o irmão examinar a botija e encontrou-a cheia
de vinho.
Houve uma época em que faltou azeite na capitania de S.
Vicente. No colégio da Companhia existia apenas um barril, do
qual se iam valendo as casas em que os jesuítas tinham
jurisdição.
Certo dia, porém, esgotou-se o barril e o irmão dispenseiro
levou essa noticia ao Padre Anchieta.
Calmamente lhe disse o Servo de Deus: — “Irmão, nas
necessidades não deixeis de acudir ao vosso barril, que Deus é pai,
e fará que não falte azeite”. Fez-lhe ver o irmão que o barril estava
seco, podendo ser aproveitado para outro ofício. Insistiu o santo
religioso: — “Fazei o que vos digo”.
Imediatamente fez o dispenseiro o que lhe era ordenado, e, com
maior admiração, verificou que o barril continha azeite, do qual se
serviu não só nessa ocasião, mas cada vez que era preciso. Durou
esse milagre dois anos, até que chegou um navio, no qual se
mandava ao colégio, de esmola, uma pipa de azeite. Então cessou
o barril de gotejar.
O sertanista João de Souza Pereira havia dois anos que saíra de
S. Paulo, distanciando-se trezentas léguas. Correndo a notícia de sua
morte, foram celebrados sufrágios pela sua alma.
Quando a viúva estava prestes a seguir para S. Vicente, por
ordem de seu pai, para de novo casar, foi despedir-se do Servo de
Deus. Disse-lhe este que desistisse da viagem, pois seu marido
estava vivo, devendo regressar dentro de poucos dias, com
perfeita saúde e com cabedal. E tudo se realizou conforme a
profecia.
Indo o santo missionário a certa aldeia, encontrou um índio
encarcerado, prestes a ser morto e comido pelos inimigos, conforme
seu bárbaro costume. Ao avistar o apóstolo, disse-lhe o preso: —
“Oh! pai, se eu soubesse agora a língua dos cristãos, houvera de
pedir ao vosso Deus me livrasse do estado em que me vejo”.
Condoendo-se da triste condição do pobre selvagem,
respondeu-lhe Anchieta: — “Filho, pedi a Deus na vossa língua
porque Ele sabe todas. Eu vos ajudarei e rogarei por vós”.
Assim que anoiteceu, caíram milagrosamente as cordas que o
manietavam e fugiu, indo depois pedir o Batismo ao seu salvador.
Caminhava Anchieta, certo dia, pela praia de Itanhaém, quando,
inspirado por Deus entrou no mato, deparando-se, em baixo de uma
árvore um índio muito idoso, que foi logo dizendo, assim que o
avistou: — “Chega, chega com pressa, que há muito que aqui te
espero”.
Indagou-lhe o santo missionário, quem era, de que terra, e de
onde viera ter ali. Da resposta que obteve do selvagem, entendeu
Anchieta que ele não era do Brasil, “e que por virtude divina fora
ali trazido, e não por forças humanas, pois em tanta idade não as
tinha”.
Continuando o apóstolo a interrogar o índio, convenceu-se de que
ele nunca quebrara a lei natural, e sabia, embora confusamente, da
existência do Criador, que “julga do bem e do mal”.
Explicou o Servo de Deus ao catecúmeno os principais mistérios
da Religião e tudo quanto era necessário para que pudesse ser
batizado.
Em seguida, Anchieta “recolhendo água da chuva, que estava
nas folhas de uns cardos silvestres, por não haver ali outra, o
batizou, pondo lhe por nome Adão”. Dando o índio graças a Deus por
tão extraordinário favor recebido, expirou momentos depois. E nesse
mesmo lugar Anchieta o sepultou. Sendo já provincial, aconteceu
ficar enfermo e de cama. O enfermeiro levou-lhe um prato de
abóbora, que julgava ótimo alimento para quem estava de dieta.
Ao prová-lo, o Servo de Deus achou-o muito amargo, mas assim
mesmo o comeu, sem nada reclamar. Terminada a refeição,
perguntou Anchieta ao irmão se tinha de dar igual alimento a
outro enfermo.
Tendo resposta afirmativa, disse-lhe o taumaturgo: — “Pois
não lhe deis desta abobora, sem primeiro a provar”. Suspeitando o
enfermeiro que, por engano, lhe tivesse trazido abóbora venenosa,
provou o resto que ficara no prato, e, convencido da realidade,
gritou: — “Ai padre, que matei a Vossa Reverencia”.
Retrucou-lhe Anchieta: — “Não matastes, irmão; antes é o
Senhor servido de me querer dar saúde, por tomar esta semelhança
de fel, que Ele por mim e por vós provou na Cruz”. E pouco
depois, levantou-se curado da enfermidade que o detivera no leito.
Quando se construía a fortaleza que mais tarde se chamou de
“Santa Cruz”, na entrada da barra do Rio de Janeiro, disse o Padre
Anchieta que seria inútil esse trabalho, pois que, embora edificada
sobre a rocha, não resistiria ela aos embates das ondas…
Concluída a fortaleza, o mar a levou com artilharia e casas.
Em certo dia do ano de 1570, a fim de desempenhar
importantíssima missão, foi necessário ao servo de Deus ir a uma
aldeia de índios, que estavam em luta com os civilizados.
Embarcou-se, para esse fim, numa canoa com o Pe. Vicente
Rodrigues e alguns índios cristãos. Ia a viagem correndo sem
novidade, quando em dado momento, sem que os remadores
reparassem no perigo que os ameaçava, “cai a canoa de uma
cachoeira, faz-se em pedaços, todos se vão com ímpeto ao fundo”.
Sabendo nadar, o Pe. Rodrigues e os índios facilmente
alcançaram a margem. Dando todos pela falta do Pe. Anchieta,
puseram-se em sua procura. O índio Araguaçú mergulhou várias
vezes, sem proveito algum. Finalmente, depois de meia hora de
pesquisas inúteis, deu o mesmo índio outro mergulho, encontrando o
apóstolo sentado no fundo do rio, rezando o breviário…
Segurou-o o índio pela batina e o trouxe acima, bom e com o
seu breviário enxuto… Mais tarde, perguntando-lhe o Pe. Pedro
Leitão como sucedera esse prodígio, assim lho explicou o nosso
herói: — “Eu não reparei quando a canoa se virou, porque estava
rezando as horas de Nossa Senhora da Conceição, e assim
assentado, como estava me fui ao fundo, e continuei com a
mesma reza, sem que a água me fizesse mal”.
Em casa de Domingos Dias, “homem nobre” que residia na vila
de Santos, aconteceu adoecer e morrer um índio, que se
chamava Diogo. Quando se preparavam para levá-lo à sepultura,
eis que o morto, ressuscitando, pede que o livrem da mortalha e
que chamem o Pe. Anchieta para o batizar. Disseram-lhe que o
Servo de Deus se achava em S. Vicente. Diogo, porém, insistiu,
afirmando que Anchieta estava bem próximo da vila, junto a um
ribeirão, onde sua alma, por determinação divina, o fora encontrar
no corpo para receber o Batismo.
No lugar indicado pelo índio, Anchieta foi encontrado, e logo
que se acercou do silvícola, este lhe perguntou se trazia o
relicário que lhe mostrara em caminho.
Respondeu o missionário que sim, e lhe mostrou, com intensa
alegria do índio. Em seguida ordenou-lhe Anchieta que narrasse às
pessoas presentes, o “mistério da sua ressurreição”.
Assim falou o índio: — “Eu parti desta vida, e à primeira entrada
da outra ouvi uma voz, que me dizia que não caminhava para o céu
pelo caminho real e direito, porque não havia sido batizado. O que,
em verdade, assim era, porque quando vieram os portugueses à
minha terra, me ensinaram a fé e deram-me por nome Diogo, mas
não o Batismo, que eu, por erro, não cuidei ser necessário. Só
tratava de guardar os mandamentos, como os demais cristãos. Esta
foi a causa que tive para tornar ao corpo. Foi também ordenado
do Senhor, que encontrasse ao Padre José no caminho para me
batizar; a quem peço que pelo Batismo me receba na Igreja de
Deus, para entrar no céu”.
Depois de instruído, o índio foi batizado pelo Servo de Deus.
Fez Diogo algumas recomendações piedosas, pediu a benção de
Anchieta e de novo morreu.
Concluindo a narração de tão estupendos milagres, fazemos
nossa, estas palavras do Pe. Antônio Franco: “Coisas são estas
tantas e tão juntas, que mais parecem sonho que verdade; mas,
quem sabe que Deus tem em suas obras fins tão profundos, nem
as tem por ociosas, nem há porque se cuide ser fingimento, pois
foram à vista de tantas testemunhas e as escrevem homens de
grande virtude e verdade, e constam de processos autênticos, que
se fizeram em ordem à canonização deste santo Padre, ao qual
parecia ter Deus vinculado a sua onipotência, para com estes
prodígios confirmar na fé aquela primitiva Igreja do Brasil”.
Era domingo, 9 de junho de 1597. Tinha o Servo de Deus, já
completos, sessenta e três anos de idade. Havia quarenta e quatro
anos que habitava o Brasil, no preparo ininterrupto das almas. A sua
existência toda fora um prodígio de amor a Deus e ao próximo, de
desprendimento do mundo e de mortificação. Ia extinguir-se agora,
na paz do Senhor, essa mesma existência consagrada, desde a
juventude, ao serviço divino.
Com a fronte envelhecida, combatera o bom combate e lutara
muita vez:
O martírio, o deserto, o cardo, o espinho,
A pedra, a serpe do sertão maninho,
A fome, o frio, a dor;
Os insetos, os rios, as lianas;
Chuvas, miasmas, setas e savanas,
Horror e mais horror. [7]
Achava-se Anchieta em Riritigba, na capitania do Espírito Santo.
Ao pressentir que a morte era chegada, pediu o sagrado Viático e a
Extrema-Unção. Abraçado com as imagens de Jesus Crucificado e
Maria Imaculada, depois de piedosas jaculatórias, ouviu as orações
pelos agonizantes, calmo, paciente e resignado. Pouco depois
desprendeu-se do macerado corpo sua alma santa, indo gozar no
céu a eterna glória.
Depois de mais de quatorze léguas de caminho, sem que
ninguém sentisse nenhum cansaço, chegou finalmente à vila do
Espírito Santo, o cortejo fúnebre, que acompanhava os restos
mortais do santo missionário.
Saíram ao seu encontro, o capitão da terra Miguel Azevedo, o
prelado administrador Bartolomeu Simões, os Padres de S.
Francisco, os Irmãos da Misericórdia com esquife rico e todas as
confrarias. Chegou também João Soares, a quem o Padre
(Anchieta) tinha dito que o veria naquele ponto… então disse ao
administrador que, enquanto se dispunha a pompa, lhe mandasse
abrir a caixa e dar vista de seu amigo, em cumprimento da sua
profecia. Não se pôde negar tão justa petição; abrindo-se a caixa à
vista de João Soares e de muitos outros, em quem com a vista se
acenderam as saudades, e estas despertaram em todos, lágrimas.
Aqui se viu como, havendo quatro dias que (Anchieta) era
falecido, andando ao sol e sereno dois dias, estava incorrupto e sem
algum cheiro ruim, sendo assim que nenhum defensivo se tinha com
ele usado… Terminados os solenes funerais, a que assistiu,
consternada, toda a população da vila, foi o corpo sepultado na
capela de S. Tiago.
Em 1611, por ordem do geral Acquaviva, foram as relíquias do
Servo de Deus transportadas para a igreja do colégio da Bahia e,
anos depois, para Roma. A causa da sua beatificação vai adiantada,
continuando os fieis a receber graças por sua intercessão. Permita
Deus que, em breve, possamos venerar em nossas igrejas a
imagem do apóstolo e taumaturgo do Brasil – o santo José de
Anchieta.
M C

Era no tempo de Anchieta, o santo evangelizador dos nossos


aborígenes. Em S. Vicente, esperançoso reduto da catequese,
centro luminoso donde se irradiou o progresso espiritual e material
por toda a capitania, vivia uma piedosa cristã cujo nome não chegou
até nós.
Filha das selvas, ela deixou a taba dos seus maiores, quando
aí surgiu a preclara e austera figura do apóstolo. O Padre, ao
explicar-lhe toda a beleza da Religião, falou-lhe do amor infinito do
Criador para com a criatura a ponto de fazer-se Homem, padecer e
morrer para salvá-la, apontando-lhe o crucifixo que trazia sobre o
peito. Fitando-o, a índia experimentou um sentimento novo,
indefinível.
Outra cruz conhecia a virgem das florestas; cruz de ouro
encrustada de pedrarias faiscantes, que Deus plantou no céu da
nossa pátria, como uma carícia do seu amor, a guiar os nossos
destinos; cruz que ela divisava em todo o seu esplendor na
serenidade das nossas noites encantadoras… Mas esta, embora
deslumbrante, apenas lhe fascinava a vista; aquela, porém, pobre
cruz de madeira lhe empolgava a alma… Convertida, tendo
repudiado as práticas pagãs, recebeu o Batismo, e, com ele,
sentiu na alma as fulgurações da fé.[8]
Casara-se para ajudar o esposo a manter o lar, empregava o
tempo que lhe sobrava das lides caseiras no preparo de velas de
cera. Certo dia, separando duas velas, dentre as que tinha fabricado,
disse a sua irmã, que as reservava para si.
Perguntando-lhe esta porque assim procedia, respondeu a
piedosa cristã: — Reservo-as para o Padre José, a fim de que diga
Missa por mim quando eu for santa.
Depois levou as velas ao venerável Anchieta, manifestando-lhe
a sua intenção.
Um dia, a quietude de S. Vicente foi quebrada pela algazarra
infernal dos tamoios de Cabo Frio, em inesperado ataque… após
a luta, retirou-se o inimigo, levando como prisioneiros alguns
pacatos moradores do lugar.
A virtuosa mulher não pôde escapar à sanha feroz dos
assaltantes. Foi aprisionada com alguns dos seus conterrâneos e
seguiu para o exílio. Ia cumprir-se, em breve, a sua profecia…
Depois de uma penosa viagem de muitas léguas, eis que se
aproxima a hora em que muitos baqueiam, vítimas da fraqueza ou
pusilanimidade; hora suprema em que se vai decidir a sorte de uma
alma: ou sujeitar-se às imposições brutais do algoz, desonrando-
se e ofendendo gravemente a Deus, ou resistir… e morrer.
Antevendo os tormentos que lhe estavam reservados, lembrou-
se do seu Deus, morto na cruz, com o corpo coberto de chagas.
Lembrou-se dos conselhos do seu querido Pe. Anchieta, e nem
por um instante vacilou. Iria pagar com amor o infinito amor de
Jesus Cristo.
Revestida de fortaleza sobre humana, quando o chefe tamoio
apareceu para ultrajá-la, ela, com o rosto inflamado de pejo e de
santa indignação, fez ele recuar, bradando: — “Eu sou cristã e
casada; não atraiçoaria Deus e a meu marido. Podeis matar-me e
fazer de mim o que quiserdes!”
Enfurecendo-se o algoz, diante daquela débil criatura que
ousava resistir aos seus lúbricos desejos, com um golpe de tacape
esmigalhou-lhe o crânio.
“Estava Anchieta em S. Vicente, distante daquele lugar trinta
léguas, e contudo naquele mesmo dia, ilustrado do céu, acendeu
as duas velas que ela lhe dera, e com elas disse Missa de mártir,
com orações e lições que costuma dizer a Igreja, com o nome da
mesma índia nos lugares onde o ordena o cerimonial, na Missa
de uma Santa mártir”.
E perguntado por seu Superior Nóbrega, que santa era aquela,
por quem dissera Missa; respondeu: “Por fulana (nomeando a
índia, bem conhecida em S. Vicente) que este mesmo dia foi morta
a mãos de um tamoio bárbaro, por guarda fiel da lei de Deus e da
honestidade, e subiu logo ao céu. E veio depois notícia pública do
caso todo, como dissera, com todas as suas circunstâncias”.[9]
P D G [10]

Um dos maiores obreiros da vinha do Senhor, em nossa pátria,


foi sem dúvida o venerável jesuíta Pe. Domingos Garcia, natural
da então vila de São Paulo. Em Simão de Vasconcelos
encontramos algumas referências sobre esse santo varão.
Homem inteligentíssimo, aprofundou-se no estudo da língua
brasílica, que manejava com facilidade e elegância. Inúmeros
índios deveram a conversão a este insigne missionário, que
empregou toda a sua vida de religioso no serviço da catequese.
Às suas palavras cheias de unção dobravam-se os arrogantes
filhos das selvas, abraçando a fé católica.
Um fato prodigioso, ocorrido em 1597, bem demonstra quanto o
céu abençoava os trabalhos apostólicos do Pe. Domingos Gracia.
Sabedor o santo missionário de que, distante 400 ou 500 léguas do
Espírito Santo, existia uma tribo de índios na mais completa
barbaria, a sua alma de apóstolo alvoroçou-se nos mais santos
impulsos de caridade. Pudesse ele, e, como já tantas vezes havia
feito, empreenderia logo a longa e penosa jornada para trazer
esses infelizes ao amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Não permitindo, porém, motivos poderosos que nessa ocasião o
Servo de Deus se ausentasse da aldeia que dirigia, por uma
felicíssima inspiração encontrou o meio eficaz para a salvação
dessas almas.
Escolheu Pe. Domingos dois índios cristãos, seus filhos
espirituais, e encarregou-os de irem, como seus embaixadores, levar
um convite aos selvagens para que viessem à sua presença.
Instruídos e abençoados pelo apóstolo, partiram os embaixadores.
Vencida a exaustiva viagem, de alguns meses, chegaram por fim
à taba dos bárbaros.
Exposto ao chefe da tribo o fim da sua missão, foram os dois
emissários acolhidos com o maior carinho, e as suas palavras
caíram nas almas de todos os selvagens, como gotas de
celestial orvalho. Convidada pelo chefe, toda a tribo resolveu
imediatamente obedecer ao chamado do Padre Garcia.
Após seis meses de viagem, chegaram os selvagens a
Rerigtiba. Nesse dia os moradores da aldeia, com indescritível
júbilo, prepararam-se para recebê-los festivamente.
Foram esperar os selvagens, a três léguas da aldeia, o Pe.
Domingos Garcia e seu companheiro de missão, seguidos por 300
índios cristãos todos adornados com seus arcos, flechas,
instrumentos musicais, etc.
O cacique aproximou-se do Padre Domingos, prostrou-se a seus
pés, soluçando…
Levantou-o, por fim o Servo de Deus, e depois de dados os
parabéns da vinda, os foi guiando ao som de instrumentos até a
aldeia, e igreja dela, a cuja entrada ficaram os bárbaros espantados
da majestade do culto divino e modo dele. Fez-lhes o Padre aqui
uma prática com tal fervor e eloquência que o principal e todos
ficaram admirados e disseram uns para os outros: — “Se este
Padre correra todos os nossos sertões, não haveria ninguém que
ficasse neles”.
O Pe. Domingos Garcia faleceu e foi sepultado na aldeia de
Rerigtiba, deixando um vácuo imenso nos corações dos seus
queridos índios, que inconsoláveis, prantearam a sua morte como a
de um guia seguro, um mestre sábio e melhor dos pais.
F M P [ 11 ]

Vulto merecedor de especial destaque na história religiosa e civil


da nossa pátria, é incontestavelmente o do ilustre franciscano Frei
Manoel da Piedade. Religioso de aperfeiçoadas virtudes, possuidor
de vasta cultura, teólogo profundo, muito versado na língua
brasílica, notabilizou-se também este Servo de Deus como
patriota de escol.
Nascido em Olinda, no ano de 1581, teve por pais o capitão João
Tavares, primeiro conquistador, e que deu princípio a fundar a
povoação da Paraíba, e sua mulher Constança Dias.
No mesmo convento em que já se achava seu irmão mais velho, o
venerável Frei Bernardino das Neves, entrou o piedoso jovem como
noviço, professando a 13 de março de 1598, com 17 anos de idade.
Ordenado daí a alguns anos, foi várias vezes distinguido pelos
superiores da sua congregação com elevados cargos.
Quando o bravo capitão Jerônimo de Albuquerque partiu em
1614, para o Maranhão, a fim de expulsar os franceses que se
apoderaram dessa região, levou como capelães dois religiosos da
Ordem de S. Francisco: Frei Cosme de São Damião e o nosso Frei
Manoel.
Chegados ao termo da fatigante jornada, antes de começar a
peleja, discursou o Servo de Deus aos indígenas, fazendo-lhes
sentir não só a obrigação que tinham todos de combater com
bravura contra os audaciosos inimigos, como também as vantagens
espirituais e materiais que usufruiriam, uma vez expulsos do solo
pátrio tão perigosos aventureiros.
Travado o combate, não teve descanso o santo frade, que,
empunhando um crucifixo, ia de um a outro lado da luta, animando
os combatentes e socorrendo os que tombavam; pensando nas
feridas de uns e sacramentando a outros.
Que grandiosa figura a desse humilde filho de S. Francisco,
arriscando abnegadamente a vida, por Deus e pela pátria!
Terminado o combate com a vitória das nossas tropas, e feitas as
pazes provisórias, para que as forças invasoras se retirassem
definitivamente do Maranhão, pediu o general Revadier a valiosa
intervenção do Frei Manoel junto aos indígenas seus aliados a fim de
que estes se não revoltassem, supondo, talvez, que ficariam
escravos dos vencedores…
O Servo de Deus mais uma vez desempenhou perfeitamente a
sua missão de sacerdote patriota, pregando aos rebeldes e
convencendo-os da sinceridade de Jerônimo de Albuquerque.
Após a retirada das tropas de Revadier, reinando a paz no
Maranhão, ocuparam-se os dois veneráveis missionários na
conversão de numerosos franceses calvinistas, que ali ficaram
residindo com suas famílias. Convertidos muitos desses hereges, a
outra catequese se entregaram os Servos de Deus: a conversão dos
selvagens.
Passavam semanas a fio nas tabas, em pleno sertão, ensinando
aos abandonados filhos das nossas selvas a doutrina cristã; e,
convertidos os moradores de uma taba, logo eram encaminhados
para a capital do Maranhão onde recebiam solenemente o
Batismo.
Inúmeras foram as conversões dos selvagens durante os dois
anos da catequese dirigida pelos dois apóstolos.
No fim do ano de 1616, ou começo de 1617 já se achava Frei
Manoel em Pernambuco, todo entregue aos labores santificantes
do seu ministério, e a 15 de fevereiro de 1630, por ocasião do
cerco de Olinda pelas forças holandesas, inestimáveis serviços
prestou o santo religioso ao nosso exército.
Com a tomada de Olinda, foi o Servo de Deus obrigado a se
retirar durante a noite, juntamente com seus irmãos de hábito, para
o Recife, onde permaneceram apenas dois dias, seguindo depois
para o convento da Paraíba. Aí devia ele sofrer o martírio, por
Deus e pelo Brasil.
No assalto dos holandeses ao forte de Cabedelo, a 11 de
dezembro de 1631, achava-se o insigne missionário junto aos seus
compatriotas combatentes, animando-os sempre com um crucifixo
nas mãos, quando recebeu uma alabardada que o prostrou por
terra, banhado em sangue.
E sete dias após, expirou o santo Frei Manoel da Piedade, indo
receber no céu a dupla coroa de apóstolo e mártir.
M F C [12]

Duras, horrorosas e por demais humilhantes foram as


provações por que passaram milhares de brasileiros, durante os vinte
e quatro anos em que os holandeses permaneceram em nossa
pátria.
Repetiram-se, então, aquelas cenas diabólicas que um
historiador insuspeito[13] nos descreve, ocorridas durante os
reinados de Henrique VIII e Isabel, da Inglaterra, contra os católicos
do seu país.
Protestantes, trazendo na alma sentimentos de ódio aos adeptos
do catolicismo, e de desenfreada cobiça, os invasores holandeses
por toda a parte semeavam a morte, tingiam as mãos no sangue de
inocentes vítimas, violavam lares, profanavam templos, praticavam,
enfim, os crimes mais hediondos.
Deus, entretanto, protegia a terra de Santa Cruz, suscitando
para a sua defesa bravos e heróicos cabos de guerra, como
Antônio Felipe Camarão, Henrique Dias, Vidal de Negreiros e
outros que varreram do solo sagrado do Brasil os pérfidos
invasores.
Um dos primeiros gestos dos hereges, chegando a
Pernambuco, foi a prisão de Padres do clero secular e regular,
que, metidos nos porões de navios, depois torturados e
insultados, eram desembarcados em longínquas praias, onde
encontravam a morte.
Prestem os leitores atenção a estas palavras de D. Domingos
Couto: “[…] para que a sua bárbara crueldade servisse mais a seu
depravado deleite, inventavam estes tiranos novos modos de
tormentos, e esquisitos gêneros de desumanidade. Condenavam a
açoites, executava-se a pena por tais braços, e com tais tormentos,
que não se dava golpe que não abrisse ferida. Sentenciavam a
morte, cumpria-se a pena com tais escárnios, injúrias e martírios,
que se não podia saber se morriam aos rigores do ferro ou à
violência do constrangimento… Estendiam os corpos sobre rodas
obradas com tal artifício, que com os movimentos lhes moíam os
ossos, e se a vida suportava o tormento, lhes davam fim com uma
maça de ferro, que lhes abatia os peitos. A outros faziam em
migalhas já pelas juntas dos dedos, que muito vagarosamente lhes
iam cortando artículo por artículo, até lhes arrancarem a língua,
ossos, faces e dentes. A uns atormentavam em cavaletes de pau
até que pereciam. A outros com afilados trincheis iam pouco a
pouco desmembrando até lhes ficarem os ossos descarnados…
A outros penduravam, e ungiam com azeite ou emplastavam com
pez derretido, para que a fogo lento acabassem as vidas. A muitos
imprensavam entre duas tábuas repassadas de agudos pregos,
que juntamente os trespassavam.
As mulheres de qualquer estado, ou qualidade, cortavam as
mãos, rompiam as orelhas e feriam as gargantas, só para lhes
tirarem os anéis, pendentes e gargantilhas. Abriam muitas pelas
costas ou pelos peitos, e lhes tiravam os fígados e corações ainda
palpitantes, rompiam as crianças vivas, e com as mãos as faziam
em duas partes…”.
Chegando o holandês Jacob à povoação de Cunhaú, a 15 de
junho de 1645, mandou logo afixar editais, ordenando, em nome
do governador, que a população se reunisse na igreja, a fim de
lhes fazer a comunicação verbal.
Permitia-lhes, entretanto, o herege, que essa reunião se
realizasse no dia seguinte, que era domingo, depois da Missa,
para cuja celebração ele dava consentimento.
Encheu-se a igreja, com exclusão de alguns moradores do lugar,
que, desconfiados das intenções de Jacob, se refugiaram nos
engenhos. Ia a Missa em meio, no momento em que o celebrante
elevava o corpo divino de Jesus para a adoração dos fiéis, eis
que os hereges invadem a igreja, e dão início à carnificina.
“Era o sacerdote que celebrava, homem de noventa anos, varão
de vida exemplar, e virando para os infiéis lhes disse: que todo
aquele que nele tocasse, ou nas imagens, e paramentos do altar,
lhes ficaria entrevada a parte com que o fizesse; temeram os
gentios e se retiraram reverentes, outros infiéis ou mais assanhados
ou menos respeitosos lhe tiraram a vida.
Todas aquelas partes dos seus corpos, que serviram ao
sacrilégio, lhes ficaram pasmadas, insensíveis, e todos em
brevíssimo tempo morreram despedaçados dos seus próprios
dentes: e para que não se duvidasse da causa do castigo, permitiu
Deus que na dureza das portas da igreja, como em branca cera,
ficassem impressas as mãos do sacerdote buscando com elas
apoio nos últimos alentos da vida. Verificou-se o prodígio com se ver
por largo tempo o sangue dos padecentes tão vivo e fresco, como se
na mesma hora fosse derramado”.
Assaltando a freguesia de São Lourenço, os holandeses
martirizaram, entre outros, o respectivo vigário, Pe. Gonçalo Ribeiro,
e os fiéis Domingos da Silveira, Jerônimo de Albuquerque de Melo,
Pedro Alvares Carneiro, Francisco Dias e um filho.
Em 1645, era vigário da freguesia de Rio Grande o Padre
Ambrósio Francisco Ferro.
Nesse tempo, a fortaleza existente no território da mesma
freguesia estava guarnecida pelos holandeses.
No dia 2 de outubro, achava-se nessa praça de guerra o Pe.
Ambrósio, Antônio Vilela Cide — o velho Antônio Vilela Cide — o
moço, Francisco de Bastos, José do Porto, Diogo Ferreira, Estevão
Machado de Miranda, Francisco Mendes Pereira, Simão Corrêa,
João da Silveira, Vicente de Souza Pereira e João Lostau Navarro,
este último como prisioneiro.
Chegando a essa fortaleza, com sinistros intuitos, o famigerado
João Bolastrater, “um dos três do conselho supremo dos
holandeses”, foi logo ordenando aos brasileiros aí reunidos que se
retirassem para os seus sítios, a fim de tratar da lavoura, pois
como lhes disse, a praça necessitava de viveres, e necessário se
tornava que eles trabalhassem suas terras, para haver abundância
de mantimentos.
Traiçoeiramente lhes ofereceu uma companhia de soldados,
protestando ser isso uma garantia para os viajantes, que assim
poderiam evitar alguma surpresa pelo caminho, num tempo em que
bandos de malfeitores andavam assolando as povoações… no dia
imediato, partiram nossos compatriotas, confiantes na palavra de
João Bolastrater.
Desembarcaram no porto de Hiomavaçú, distante três léguas de
fortaleza; mas, nem bem saltaram em terra, viram os nossos a cilada
que lhes fora preparada. O comandante da tropa mandou que os
brasileiros se despissem e ficassem de joelhos…
Duzentos selvagens, que se achavam escondidos na mata
próxima, apareceram de súbito, rodeando o grupo de prisioneiros e
soltando gritos medonhos. Feito silêncio, um dos holandeses se
dirigiu aos católicos propondo-lhes a vida em troca da apostasia.
Todos a uma só voz declararam que permaneceriam fiéis à fé
católica. Então a horda selvagem atirou-se contra os heróicos
brasileiros, martirizando-os com inaudita crueldade. Quem mais
sofreu foi o Pe. Ambrósio, contra quem se voltou com maior furor e
ódio os hereges.
Retirando-se, os soldados seguiram para umas trincheiras, a
meia légua distante de Hiemovaçú, onde, havia três meses, se
tinham colocado setenta pernambucanos com suas famílias, a fim
de se defenderem dos ataques do bando chefiado pelo facínora
Jacob.
Aí chegados, o oficial mandou, em nome do governador, que os
pernambucanos deixassem suas famílias nesse mesmo local e
comparecessem à fortaleza, onde deveriam assinar uma
concordata, para o bem comum de holandeses e brasileiros.
Para que a viagem se tornasse mais cômoda, deveriam ir ao
porto de Hiemovaçú, onde os aguardavam algumas
embarcações…
Embora prevendo um triste fim, despediram-se das suas famílias
e, resignados partiram. Assim que chegaram ao porto, seus olhos
contemplaram o mais tétrico dos espetáculos. Os selvagens ainda
tripudiavam em derredor dos corpos mutilados dos mártires…
Aí se renovou a cena anterior, os hereges depois de fazerem a
apologia dos ensinamentos de Lutero e Calvino, convidaram-nos a
renegar o catolicismo, sob pena de morte.
Os invictos católicos, firmes na fé responderam que não
trocavam a Religião divina a que tinham a ventura de pertencer
desde o berço, pelos infames ensinamentos dos homens vis como
Lutero e seus sequazes.
Ainda mais enfurecidos os hereges, com tão nobre resposta,
caíram sobre eles e os martirizaram. Mas, nem todos sofreram o
mesmo gênero de martírio. Antônio Baracho e Mateus Moreira, por
exemplo, foram amarrados a troncos de árvores, e açoitados; em
seguida, arrancaram-lhes as entranhas e encheram o vácuo com
brasas…
Que outro martírio tão doloroso poderia proporcionar-lhes seus
algozes?
Mateus, ao expirar, bradou: “Bendito e louvado seja o
Santíssimo Sacramento!”
Por último, admirados os verdugos da serenidade com que oito
jovens esperavam a morte, pediram ao seu capitão que lhes
poupasse a vida. Acedeu o oficial, impondo, porém aos destemidos
jovens que se comprometessem a nunca pegar em armas contra
os holandeses, mas sim contra os seus patrícios. A proposta foi
logo altivamente repelida.
Nem outra poderia ser a resposta desses bravos moços, modelos
de católicos e patriotas, custando-lhes essa atitude heróica o
sacrifício da vida.
Foram logo mortos, com exceção de João Martins, em cuja
presença sacrificaram os companheiros. Nem com vista de tão
assombrosos sofrimentos se dobrou a alma forte daquele jovem.
Repelindo as novas propostas de apostasia, teve o heroico patrício
a sorte dos demais.
Um fato não pôde deixar de causar certa impressão aos
perversos holandeses. Foi avistarem os corpos dos mártires
apertados por ásperos cilícios…
Por mais que as esposas, filhas e demais parentes dos
mártires suplicassem licença ao bárbaro oficial holandês para
sepultar os mortos, não a obtiveram senão passados quinze dias.
Queria o herege num requinte de maldade, aumentar o
sofrimento das desoladas mulheres, com a vista dos cadáveres em
putrefação…
“Mas o céu empenhado em publicar a vitória de seus servos
permitiu que os meios de que se valia a herética malícia para
esconder aos olhos do mundo a sua crueldade, e o triunfo dos
servos do Senhor, esses mesmos servissem para maior honra e
glória; porque passados quinze dias estavam os seus corpos
ainda que divididos e despedaçados, intactos, não se atrevendo a
tocá-los nem a corrupção nem os bichos, exalando tão suave
fragrância, que vencia a todo o aroma e flores dos jardins (cheiro
que neste sítio permaneceu por muito tempo) para que não
houvesse quem não fosse testemunha de tamanho prodígio.
Estava o sangue sobre a terra fresco, e as feridas da cor de
preciosos rubis, mostrando, a divina providência, com estas e outras
extraordinárias demonstrações, o quanto fora grato a seus divinos
olhos o sacrifício daquelas inocentes vítimas. Na noite em que as
devotas mulheres deram sepultura aos corpos dos bem-
aventurados mártires, ouviu a mulher de Gusmão, governador da
fortaleza, para aquela parte onde se depositaram uma suavíssima
melodia de acordadas vozes, que como celestiais ouviam e
admiravam; espantada do caso tão novo, chamou o marido que
com outros holandeses estava conversando, e todos ouviram a
música com um mesmo espanto. Saiu de uma câmara, onde se
achavam algumas mulheres portuguesas, que compassiva tinha
recolhido em sua casa, e achou que suspensas na suavidade da
sua harmonia se esqueciam da mágoa e do sono…
Para chorar sem perigo (por que também se reputava delito o
natural sentimento) se recolheu a um aposento interior uma menina
filha de Diogo Pinheiro, onde achou uma formosa senhora com um
azorrague na mão, que com venerável gravidade lhe disse: “Não
chores filha, que com este açoite, que aqui vês, hão de ser
castigados os ministros da crueldade, que logo ouvirás”; e
desapareceu. Saiu a menina espantada, com medo, e perguntada a
causa relatou o referido. Verificou o sucesso a verdade do
aparecimento. Em breve tempo degolou o fio da nossa espada a
todos os agressores, adiantando-se na paga aquele pérfido holandês
Jacob, que se adiantou na culpa, ao qual Gusmão Governador
matou a punhaladas. Todas estas notícias foram autenticadas por
testemunho e juramento de muitas pessoas, que tudo
presenciaram, e escreveu destes e mais martírios o Pe. Frei
Manoel do Salvador no seu “Valeroso Locideno”, Frei Rafael de
Jesus no “Castrioto Lusitano”, e em outras muitas memórias e
tradições verdadeiras.
Após o martírio dos heróicos brasileiros, no porto de
Hiemovaçú, apressaram-se os soldados holandeses em voltar às
trincheiras onde se achavam as famílias dos mártires.
Desumanamente descreveram às venerandas senhoras e inocentes
donzelas a sorte que proporcionaram aos seus queridos parentes, e
tentaram com ameaças terríveis, violentá-las.
Mais de cinquenta dentre elas, resistiram heroicamente
alentadas pela fé, cheias de esperança na eterna recompensa, não
permitiram fosse ultrajada a sua pureza. Vingaram-se os bárbaros,
cravando em seus corações agudos punhais… E, assim, foram
aquelas ditosas criaturas receber no céu a refulgente coroa do
martírio e a palma branca da castidade!
P A A

Este santo missionário nasceu na então vila de Santos,


capitania de São Paulo, no ano de 1573, tendo por pais Antônio
Rodrigues de Almeida, fidalgo cavalheiro da casa real e dona Maria
Castanho.
Terminado seus estudos no colégio da Companhia de Jesus,
em São Paulo, entrou para as fileiras da milícia inaciana, com a
idade de 16 anos.[14]
Falando deste servo de Deus, diz o Pe. Simão de Vasconcelos:
“[…] Outro varão insigne, dos que concorreram nas sobreditas
aldeias com o Irmão João de Almeida, foi o venerável Pe. André de
Almeida, de muito saudosa memória em toda esta província; de
cujas exemplares virtudes fizera de boa vontade uma larga relação;
porém como é meu intento dar somente breves notícias dos varões,
que nestas aldeias concorreram; de cujo exemplo o nosso irmão se
aproveitou tanto, direi somente por hora que foi em tal grau a
santidade deste Padre, que o comparam ordinariamente hoje, ao
mesmo Pe. João de Almeida, e não com pequeno abono de sua
virtude. Foi estremado em todas as virtudes, mas entre elas
floresceu nele principalmente uma caridade, e zelo entranhável da
conversão e salvação dos índios: com o qual sessenta anos que
esteve com a Companhia, quase todos gastou entre eles; e destes
mais de vinte nas aldeias do Espírito Santo. Gastava muitas
horas do dia e da noite em contemplação com Deus; era
notavelmente austero para consigo mesmo, e sobremaneira afável
para com os outros. Dele se contam muitos sentimentos de Deus e
casos proféticos. Acabo com dizer, que tinha tal conceito de sua
santidade o nosso Almeida, sujeito principal desta história, que
trazia um dente seu por relíquia, nestes últimos anos de sua idade;
e que com este obrou alguns casos maravilhosos, aplicando-o a
alguns doentes; se foi em virtude de um, ou de outro Almeida não é
fácil averiguar, mas só sabemos que um Almeida, os atribuía ao
outro, e que o povo os atribuía a ambos; a certeza tem Deus
escondida: de Almeida a Almeida, pouca diferença vai, e se ambos se
equivocavam nos nomes, não em muito se distinguiram nas virtudes.
Faz porém muito naquele varão o conceito grande, que este Padre
(João) quando já velho e tão experimentado em espírito, concebia
dele, até chegar a dizer em seus escritos as palavras seguintes: o
Pe. André de Almeida, única pedra preciosa, e de muita estima de
Deus, pelo qual o Senhor tem feito, faz e há de fazer muitos bens
de muita gloria sua, honra desta província e de toda a
Companhia, como Deus Nosso Senhor irá descobrindo algum
tempo”.
“Parece serem palavras proféticas, e não só o Pe. Almeida, mas
outros muitos varões desta província, assim religiosos, como
seculares, veneram suas coisas, e as trazem consigo como
relíquias”.
“Morreu este venerável Padre no colégio da cidade do Rio de
Janeiro, com uma morte tão boa como foi sua vida; com
maravilhoso sofrimento, e conformidade com a vontade de Deus; de
idade de setenta e seis anos, sessenta deles da Companhia, aos 22
de janeiro de 1649 foi sua morte muito sentida de todos,
acompanhadas suas exéquias de grande concurso da cidade; seus
ossos estão depositados na igreja do dito colégio”.
F F S A [15]

Frei Francisco de Santo Antônio, mais conhecido por Frei


Francisco, o “pretinho”, porque era de cor preta, nasceu em
Pernambuco, no ano de 1609. Em sua mocidade foi soldado, tendo
defendido a pátria contra a invasão dos holandeses, combatendo
sob as ordens do bravo Henrique Dias.
Chamado por Deus, recolheu-se Francisco ao convento de
Nossa Senhora das Neves, em Olinda, onde recebeu o hábito e
cordão de irmão Donato.[16] Muitos anos viveu este santo homem ao
serviço do mesmo convento, pretendendo alcançar a graça de
professar como irmão leigo.
Cansado de suplicar aos superiores e vendo frustrado o seu
justo intento partiu para Portugal. Aí o apresentaram ao rei Dom
Pedro II, o qual, atendendo aos seus serviços especialmente aos
da Religião, e boas informações de sua vida em estado de irmão
Donato, o remeteu para a província ordenando aos Padres dela o
admitissem à profissão, que veio a fazer no convento de Olinda, a
dois de agosto de 1689, quando já contava os oitenta anos de idade.
Quando se desocupara dos serviços da cozinha, a que se
entregava voluntariamente desde o tempo de irmão Donato, retirava-
se à igreja, onde passava muitas horas em oração.
Quando Frei Jaboatão procurava documentos para traçar a
biografia do Servo de Deus, soube dos religiosos do convento de
Olinda ser constante tradição entre eles o que várias vezes
aconteceu com Frei Francisco, durante suas fervorosas orações. De
continuo notava o irmão sacristão, ao preparar o altar-mor da igreja
para a primeira Missa da madrugada, que a imagem de Jesus
Menino que se achava nos braços de Nossa Senhora, estava em
posição diferente da que devia estar.
Não podendo compreender como isso acontecia, pôs-se certa
noite a espreitar na capela-mor, orando, o virtuoso Fr. Francisco. Em
dado momento, notou o irmão sacristão que a imagem do divino
infante se desprendera milagrosamente dos braços da Santíssima
Virgem e fora colocar-se nas mãos do Servo de Deus. Depois,
acariciado com santa ternura por Fr. Francisco, lá voltava para os
braços da divina mãe, o seu bendito filho.
A 25 de agosto de 1695, contando 86 anos de idade, terminou
Fr. Francisco de Santo Antônio sua existência terrena, com opinião
universal de virtude, e fama de santidade.
M A S [17]

A venerável Madre Angela do Sacramento nasceu em Juriçaca,


Pernambuco, sendo seus pais Luís de Souza Henriques e dona
Catarina Barreto. Jovem ainda, partiu para Portugal, a fim de
ingressar num mosteiro.
Chegando a Lisboa, entrou para o Convento de Santa Marta.
Depois de receber o hábito de noviça, foi acometida de várias
enfermidades. Ficando até à morte, e já tendo recebido a Extrema-
Unção, aplicaram-lhe uma “medida” da Rainha Santa Isabel, e
milagrosamente ficou restabelecida.
Em agradecimento por tão assinalado fervor deixou Lisboa e
partiu para Coimbra, onde se conserva incorrupto o corpo de S.
Isabel. Aí professou, tornando-se uma religiosa de vida exemplar.
Filha de pais abastados, servia-se a santa irmã, do dinheiro que lhe
enviavam, para acudir às necessidades do seu mosteiro.
Na caridade imitava a Rainha Santa, de quem era singular devota,
dedicando-lhe festivos cultos todos os anos. Em remuneração destes
obséquios a fez Santa Isabel despenseira dos seus benefícios, como
se comprova do caso seguinte.
“Vivia no mesmo convento certa religiosa, que não tendo tença
nem parentes para acudir as necessidades que padecia, passava
por vários descômodos e desabrigos, e por não recorrer a pessoa
alguma pediu à Rainha Santa o remédio. No dia seguinte na mesma
hora entrou no seu cubículo a Madre Angela, como esmoler da
Santa Rainha, com o dinheiro, que era necessário para reparo dos
rigores, que padecia, dizendo-lhe: “agora chegou a minha tença,
aqui vos trago esta quantia, que será para comprar tal coisa”, e
era a mesma, de que a religiosa carecia; ficou esta perplexa,
declarando-lhe, que aquilo mesmo havia pedido à santa no dia
antecedente a mesma hora; a venerável Madre lhe respondeu
com as vozes mudas das lágrimas, que começaram a correr de
seus olhos”.
Um dos vultosos benefícios que a serva de Deus fez ao seu
mosteiro, foi mandar erigir, com o dinheiro recebido de seus pais,
uma belíssima capela em honra de Nossa Senhora da Conceição,
de quem era devotíssima.
Heroicas foram as virtudes praticadas pela Serva de Deus.
Em sua vida cheia de voluntárias penitências e em todas as suas
ações, só procurava a santificação de sua alma e o bem e edificação
do próximo.
Certa vez, por um motivo fútil, uma religiosa ofendeu a Madre
Angela com palavras injuriosas e ameaças de agressão física.
Silenciosamente recebeu a Serva de Deus a inesperada ofensa de
sua companheira. Pouco tempo depois, entrando na cela de sua
gratuita ofensora, caiu-lhe aos pés, de joelhos, pedindo-lhe perdão
se inadvertidamente dera motivo para ela se encolerizar.
Confundida com tanta humildade, a religiosa confessou-se
culpada e pediu à Madre Angela que a perdoasse. Este magnífico
exemplo da Serva de Deus foi de um alcance único para a boa
harmonia e paz do mosteiro.
Atacada com hidropsia, por longo tempo suportou a Madre
Angela tão penosa enfermidade. E de seus lábios nunca se ouviu
uma palavra que não fosse de sincera e ardente resignação à
vontade de Deus. Preparada com os sacramentos, dando
demonstrações de que Maria Santíssima lhe assistia os últimos
momentos, faleceu a santa religiosa pronunciando estas palavras:
“Maria, Mater Graciæ, Mater Misericordiæ”.
F B C [18]

Por graves que sejam os pecados de um homem; por mais


vergonhosas que tenham sido suas quedas, tenha ele percorrido a
escala dos vícios, viva embora com a alma envolta nas trevas do
erro, se, atendendo às inspirações celestes, se converte, faz
penitência de seus pecados e daí por diante corresponde
perfeitamente aos dons inigualáveis da graça, está apto a atingir
as culminâncias da santidade.
Sua alma antes morta para o céu, ressurgindo por um
estupendo milagre da misericórdia divina, segue radiosa pela
estrada reta da virtude; estrada cheia de cruzes, é verdade, mas em
cujo percurso usufrui inefáveis consolações. A história eclesiástica
está repleta de nomes de convertidos célebres, que se tornaram
santos. Fr. Bernardo da Conceição, que no século se chamou
Bernardo da Silva Barreto, foi também um miraculado da graça.
Ovelha desgarrada, quando ele voltou ao redil da Igreja,
sinceramente convertido, tornou-se forte e resoluto para combater
e vencer todas as paixões. E, assim, Bernardo correspondeu ao
chamado do divino pastor, que o ergueu do abismo do pecado para
fazê-lo santo.
Nascido na Bahia, no ano de 1676, teve Bernardo por pais Gaspar
de Andrade Reis e dona Inácia Gomes de Assunção. Aos 22 anos de
idade, tinha Bernardo o coração corrompido. Nessa época, ele e um
seu amigo da mesma idade, entregavam-se a todos os divertimentos
da vida solta e licenciosa. Viviam esquecidos dos mandamentos de
Deus que transgrediam, na satânica ilusão dos prazeres impuros.
Certo dia, porém, Deus iluminou as suas almas com os clarões
da graça. A mudança radical dos seus costumes e a frequência às
igrejas, com que Bernardo e seu companheiro Francisco de
Mendonça Mar demonstravam achar-se convertidos, foram logo
notadas por seus parentes e conhecidos, que não podiam atinar
com o motivo de tão repentina conversão.
Após algum tempo nessa pública demonstração de fé e
reparação do seu deplorável passado, resolveram os dois amigos
se entregar totalmente ao serviço de Deus. Lançando sorte sobre o
estado religioso que deviam abraçar, tocou a Bernardo fazer-se
frade, e Francisco buscar a solidão.
Francisco vestido de grosseiro hábito, ausentou-se da cidade,
embrenhando-se pelo sertão longínquo. Depois de muitas léguas de
penosíssima peregrinação, parou à margem do rio São Francisco,
e aí passou a viver numa lapa, que mais tarde foi transformada em
santuário.[19]
Decorridos alguns anos de ásperas penitências, deixou ele o
seu amado retiro, com o fim de ordenar-se sacerdote. Satisfeito
esse ideal, e saudoso da sua vida de anacoreta, para aí regressou,
onde santamente terminou os seus dias.
Bernardo Barreto seguiu rumo diverso. Foi ter ao convento de
Paraguaçú, onde o admitiram como noviço, fazendo a profissão de
irmão leigo, a 8 de dezembro de 1709, com a idade de 23 anos já
completos. “Foi religioso além dos dotes sobrenaturais da alma,
com que edificava a todos no humilde, pacífico, pobre e ainda no
aspecto exterior da pessoa enriquecido de muitas graças da
natureza”.
Sendo Frei Bernardo inteligente, habilidoso e entendido um tanto
na medicina, começou a tratar dos religiosos enfermos. E tais
curas ia ele fazendo, que a todos deixava admirados, correndo
logo a fama de tais prodígios, os quais, em muitos casos, tinham a
aparência de milagres. Começaram, então, a afluir ao convento
numerosos doentes, e crescendo dia a dia o número destes que
de longe vinham, resolveram os religiosos fundar, a instâncias dos
devotos e pessoas principais, um hospital fora dos muros do
convento.
Não faltaram esmolas para a pronta execução de tal
empreendimento, de modo que, no espaço de pouco tempo, foi
ereto o edifício de hospital. Aí eram tratados pelo Servo de Deus,
tanto os religiosos como os seculares.
O Padre João Honorato, que foi provincial dos jesuítas,
achando-se atacado de grave enfermidade, internou-se nesse
estabelecimento de caridade, donde se retirou completamente
restabelecido. Pois bem, esse sacerdote afirmava que fora
testemunha não só dos atos de virtudes de Frei Bernardo, como
também de algumas curas por este operadas, que ele
considerava sobrenaturais.
Fr. Ludovico da Purificação, que por quatro anos residiu no
convento de Paraguaçú, consagrava alta veneração à memória do
servo de Deus. Quando gravemente enfermo, teve Fr. Ludovico de
passar uma temporada no hospital dirigido por Fr. Bernardo, aí
presenciou entre outros, um grandioso milagre, cuja minunciosa
relação ele entregou a Fr. Jaboatão, que por sua vez a
transcreveu no seu Novo Orbe Seráfico.
Às 8 horas da noite de 5 de setembro de 1727, com a alma
confortada pelos últimos sacramentos, faleceu o santo Frei Bernardo
da Conceição, deixando consternados todos quantos se haviam
habituado a venerar lhe as virtudes e a receber a mãos cheias, os
inapreciáveis benefícios do seu coração de apóstolo da caridade.
M V E [20]

Nascida a 6 de março de 1661, na capital da Bahia, em cuja


catedral foi batizada, teve Vitória por pais o capitão Bartolomeu
Nabo Corrêa e dona Luísa Bixarxe, ambos muito virtuosos e
descendentes de nobre estirpe.
Num lar verdadeiramente cristão ia crescendo a Serva de Deus,
em companhia de sua irmã Maria da Conceição, sob o olhar
vigilante e carinhoso dos seus genitores, ardentemente desejosos
de que elas se consagrassem ao serviço divino.
Vitória não ignorava essa intenção que lhe não seduzia o espírito,
mas evitava tocar nesse assunto, para não contrariar a vontade
paterna, certo dia, porém, revestindo-se de coragem, disse
francamente a Bartolomeu Correia: — “prefiro que me cortem a
cabeça, antes que consentir em fazer-me Freira”.
Admirou-se seu pai, ao ouvir tão duras expressões, porquanto
jamais pensara em obrigar as filhas a darem um passo na vida,
contrário à sua vocação. Desolado, foi logo desabafar o magoado
coração com seu confessor, o Padre João da Companhia de Jesus.
O virtuoso sacerdote confortou-o afirmando-lhe que Vitória,
com o correr dos anos, mudaria de pensar, e que não só entraria
para o convento, como chegaria a ser uma grande Religiosa.
Veremos, no decorrer destas páginas, que o Padre Paiva foi
profeta, pois, o seu vaticínio plenamente se realizou.
Passaram-se alguns anos, Vitória tem agora 25 primaveras e
reluta ainda, ainda, na escolha de estado. Entretanto, Nosso
Senhor que já lhe havia concedido inspiração para que ela se
decidisse, continua a favorecê-la com alguns sonhos ou visões
que a impressionam deveras.
Num desses sonhos Jesus Menino aparece, em companhia de
Nossa Senhora, mostrando-lhe belíssimas e perfumadas flores.
Vitória pediu-lhe algumas e Jesus lhe disse que: “se queria
daquelas flores, as fosse colher no campo do Desterro, porque lá as
havia com abundância”.
Vitória retorquiu: “Pois com essa condição eu as recuso. Resistia
ela, assim à vontade divina!”
Em outra ocasião, tornou a sonhar que andava por um campo
colhendo flores, juntamente com o divino infante; e guiando-a
Jesus por um caminho desconhecido, perguntou-lhe Vitória qual o
objetivo da jornada. Disse-lhe Nosso Senhor que a encaminhava
para o Convento do Desterro, e a futura monja respondeu: “Meu
Menino, para o Desterro ide Vós, se quiserdes, mas eu, não”. Em
seguida abandonou a Jesus e fugiu correndo para casa. Mais tarde
concedeu-lhe Deus outros sonhos, mas de forma aterradora…
Certo dia, após um desses sonhos terríficos, foi Vitória prostrar-
se aos pés de seu pai, pedindo-lhe encarecidamente que, com maior
brevidade, tratasse de fazê-la entrar, com sua irmã, no Convento
de Santa Clara do Desterro.
O pai, abraçou-a, comovido, prometendo-lhe agir com solicitude
para a realização de tão santo ideal. Agradecendo a Deus a
mudança que se operara na alma de Vitória, deu logo passos para
satisfazer-lhe a vontade.
A 29 de setembro de 1686, pelas sete horas da manhã, Vitória e
Maria da Conceição deram entrada no noviciado das religiosas
clarissas.
Um ano depois, já concluído o noviciado, no qual Vitória deu as
mais eloquentes demonstrações de verdadeira vocação, professou
com sua irmã, proferindo os sagrados votos de castidade, pobreza e
obediência. Quão admiráveis foram as virtudes praticadas pela Serva
de Deus, desde o noviciado até o fim de existência!
Tal era a sua humildade que, conta-nos o seu biógrafo, “varria
os dormitórios, cozinha e quintais; e ajuntando cisco em que
descobria preciosas pedras com que comprava o reino do céu, o
levava à cabeça em cestos para o lançar fora. Limpava os canos,
recolhendo o lodo com suas próprias mãos, tão contente e alegre,
como se nunca em sua vida se tivesse visto em maiores
limpezas.
Levantava-se de madrugada, como solícita mas não turbada
Marta, a ajudar as moças na cozinha em todos os seus ministérios,
empregando-se melhor naqueles em que sentia maior repugnância…
certa ocasião, chegou a Serva de Deus a comer com um cão no
mesmo prato!
Era ela tão paciente, se acontecia alguém descaridosamente lhe
atirar alguma injúria, respondia com incomparável semblante: — “Vá,
minha irmã, vá por diante que ainda não diz tudo”.
Nomeada provisora do mosteiro, com a máxima diligência
desempenhava esse cargo, que lhe proporcionou ocasiões para
acrescentar novo brilho às suas acrisoladas virtudes.
Certa vez em que repartia a carne para as recolhidas que não
faziam parte da comunidade, sofreu gravíssima afronta da escrava
de uma dessas, a qual, insatisfeita da porção que coubera a sua
senhora, atrevidamente prorrompeu em palavras injuriosas…
A santa monja ia ouvindo tudo, pacientemente, sem se alterar;
mas nem assim acalmou a escrava, que, ainda mais furiosa, num
gesto brutal, arremessou o pedaço de carne contra o rosto da
Madre Vitória. As pessoas presentes indignaram-se com o caso, mas
a Serva de Deus resignadamente recebeu a ofensa, dizendo
apenas: — “Isto que vem a ser? Assim sucede”.
Uma religiosa aconselhou-lhe que se fosse queixar à
superiora, afim de que a agressora recebesse o merecido castigo,
mas a santa monja terminantemente se opôs, dizendo-lhe: —
“Que condição de cara é a minha, ou que vem a ser isto para
queixar-me? Diferente pararam as minhas culpas à Face do meu
Criador, e mais ele não se queixou nunca de quem o tratou tão
mal”.
Só mesmo uma santa podia sofrer com tal serenidade e
pronunciar tão edificantes palavras, reveladoras do seu alto espírito
de humildade, caridade e paciência. Para que as outras suas irmãs
de hábito não percebessem a lesão que recebera, a Serva de Deus
atou ao rosto um lenço. Assim não deu lugar a que chegasse o
fato ao conhecimento da abadessa, poupando à escrava o
merecido castigo.
Em 1693, grassava na Bahia com intensidade apavorante uma
exquisita epidemia denominada peste das bichas. Não sabiam os
médicos qual a origem nem o tratamento desta moléstia. Vidas
preciosas eram ceifadas diariamente, pondo luto a inúmeros lares e
lançando o terror por toda a parte.
Pela feliz inspiração de um sacerdote jesuíta, instituiu-se na
cidade do Salvador uma associação de Lausperene, ou adoração
perpétua a Jesus sacramentado, afim de suplicar-lhe a cessação do
flagelo.
O Santo Padre Inocêncio XII aprovou a associação com dois
breves: um concedendo privilégio para o altar do Santo Cristo, da
catedral, e outro, enriquecendo de indulgências a mesma
instituição. Madre Vitória jubilosamente tomou o encargo e
cinquenta horas, distribuídas por vários dias e noites do ano,
sendo ela a zeladora da associação em seu mosteiro.
Foi começar a adoração perpétua a Jesus hóstia, e a epidemia
entrou logo em declínio, voltando a paz aos lares. É que Nosso
Senhor não podia deixar de atender a tão fervorosas súplicas e a
tão sinceras demonstrações de fé do povo baiano, sobretudo de
uma alma puríssima como a de Madre Vitória.
Caridosa em extremo, não houve entre as suas irmãs de hábito
quem a excedesse. Achando-se atacada de gravíssima enfermidade
uma escrava do convento, todas dela se afastavam, não só
receosas do contágio, como também devido ao estado repugnante
a que ficara reduzido o seu corpo. A Serva de Deus condoída da
pobre doente, tomou a si a incumbência de tratá-la.
Para tal fim removeram a escrava para um pequenino e escuro
cômodo, distante dos compartimentos ocupados pela comunidade. O
lugar era triste e escuro, perto do cemitério. Sem nada temer, aí
passava Madre Vitória dias e noites, servindo em tudo à enferma.
Algumas religiosas perguntaram-lhe um dia como se animava
ela a passar as noites, sozinha, ao lado da enfermaria, naquele local
tenebroso, e Vitória respondeu prazenteira: — “Não está só, quem
está com suas amigas, e tão boas amigas que sempre me
acompanham e fazem tudo quando lhes peço”.
As amigas da santa monja eram as benditas almas do purgatório,
pelas quais tinha ela a maior devoção. E Nosso Senhor permitiu
muitas vezes que as almas libertas pelas orações e penitências da
Serva de Deus lhe levassem agradecimento. Outras vezes, Madre
Vitória obteve dessas suas amigas assinaladas, favores para si e
para a comunidade do seu mosteiro.
Continuou a santa monja a tratar da enferma, até o momento em
que os médicos aconselharam que a removessem para fora do
convento. Foi a doente para casa de dona Luísa Bixarxe, onde veio a
falecer, cercada dos cuidados da veneranda matrona.
Enlouqueceu uma escrava parda, que estava no mosteiro, em
companhia de Madre Vitória, e que por ser boa cristã, gozava de
geral estima. Durante quase seis meses, serviu-lhe de enfermeira.
Às vezes, a louca em furiosos acessos, dava gritos estridentes.
Os médicos julgaram o caso incurável. Entretanto Madre Vitória
esperava que Deus fizesse mais um milagre, e, assim pensando,
dizia: — “Deus é grande e ainda pode restituir-lhe o juízo”.
Não se alimentando quase nada, chegou a enferma a tal estado
de fraqueza que, temendo-se próximo o desenlace, lhe
administraram a Extrema-Unção. Em dado momento começou a
doente a gritar que queria ir para casa de sua senhora, dona
Luísa Bixarxe.
Então Madre Vitória pediu a abadessa que mandasse levar a
louca para a casa de sua mãe no que foi logo atendida.
Oito dias depois, eis que se apresenta sozinha à porta do
mosteiro, pedindo que deixassem entrar, pois estava curada.
Ninguém dava crédito às suas palavras, lembrando-se todos de
que os médicos a tinham desenganado. Insistia a mulher, dizendo
que se a não deixassem entrar, daí só a tirariam depois de morta.
Sabedora do caso, Madre Vitória interveio para que fosse a
escrava recebida, afirmando que não tornaria ela a perder o uso da
razão. Era tal a confiança que a comunidade depositava nas palavras
da santa religiosa, que obtiveram licença da superiora para que fosse
satisfeito o desejo da miraculada.
Penetrando na clausura, foi a escrava diretamente ao coro,
onde rendeu graças a Deus pelo restabelecimento de sua saúde.
E todos, inclusive os médicos, se mostravam admirados do
sucesso. Madre Vitória modestamente dizia: — “Tudo isso são
milagres de Nosso Senhor dos Passos por intercessão de
minhas amigas”.
Vejamos mais alguns casos revelados das heróicas virtudes de
Madre Vitória. No cargo de porteira, ou rodeira, teve Vitória
ocasião de praticar a caridade com inúmeros pobres, aos quais
socorria, ora com alimentação, ora com esmolas que obtinha do
pessoal do mosteiro.
Se acontecia de depositarem algum cadáver de indigente no átrio
do convento, logo providenciava a Serva de Deus para o seu pronto
enterro. Perto de vinte anos viveu Madre Vitória numa pequena cela
de 12 palmos de comprimento por 6 de largura. Seu leito era um
banco de três palmos de largura, servindo-lhe de travesseiro um
cepo. A roupa consistia num lençol de algodão e numa pequena
manta. E bem pouco tempo gozou Madre Vitória desses
miseráveis objetos da sua cela, porque certo dia desprendeu-se
de tudo isso para socorrer um pobre que julgava mais necessitado
que ela, passando daí por diante, até o fim da vida, a dormir numa
simples esteira, no chão.
A sua ardentíssima devoção pela Paixão de Jesus Cristo fez com
que ela instituísse no seu mosteiro a procissão do Senhor dos
Passos, adquirindo para esse fim uma linda imagem.
Todos os anos, no dia apropriado, fazia-se no claustro a solene
procissão, indo sempre a Serva de Deus atrás do andor, com uma
coroa de espinhos na cabeça e uma cruz ao ombro, caminhando de
joelhos em todo o percurso. Numa dessas ocasiões, pediram-lhe
duas freiras que lhes emprestasse a cruz, no que foram atendidas.
Terminada a procissão, restituindo a cruz à santa religiosa,
exclamaram: — “Madre, nunca mais; pois não quer Deus que nos
matemos; não sabemos como pode com ela!” E Madre Vitória
respondeu sorrindo: — “Ela pesa? Nunca lhe achei peso”.
E tinha razão a Serva de Deus. Como podia ela achar pesada
a cruz, se o seu amor por Jesus não tinha limites, e o seu desejo de
tudo sofrer por ele era insuperável?! Quando a comunidade se
reunia para as recreações permitidas pelo regulamento do mosteiro,
Madre Vitória sempre se deixava ficar no coro da igreja, com o olhar
fixado no sacrário ou na grande imagem de Jesus Crucificado…
As mortificações da Madre Vitória eram de tal sorte, que só
podemos compará-las às dos maiores santos penitentes.
Além dos seus jejuns rigorosíssimos, usava habitualmente os mais
mortificantes cilícios. Com exceção das horas em que devia
acompanhar a comunidade nos exercícios regulamentares, o seu
lugar costumeiro era o coro, onde permanecia durante muitas
horas do dia e da noite, de joelhos, com os braços em cruz, ou
prostrada com a face no chão, regando-o com abundantes
lágrimas…
Várias vezes por dia, e à noite, fazia a santa monja os
exercícios da via sacra. Às sextas feiras, especialmente, ao
realizar estes exercícios, colocava na cabeça a sua amada coroa
de espinhos e no ombro a pesada cruz.
Em cada estação parava, disciplinando-se por longo tempo; e
batia no rosto com tal violência, que suas faces ficavam
avermelhadas. Em um dia de “ano bom” disciplinou-se tanto que o
sangue, escorrendo com abundância, manchou o assoalho do
coro, e, por mais que o lavassem, as manchas permaneciam
vivas.
Foi por isso necessário que a superiora mandasse um
carpinteiro raspar as tábuas, como de outras vezes já tinha
mandado caiar as paredes desse mesmo local, por se acharem
salpicadas de sangue. Certa ocasião, ia a noite em meio, Vitória
castigava seu corpo. Os golpes da disciplina ecoavam por toda a
igreja; e fora, quem passasse junto às sagradas paredes, havia de
perceber, a quebrar o silêncio augusto da noite, estranho rumor.
Eis que nesse instante passa unido ao mosteiro certo indivíduo
que deixara o lar e se dirigia a um antro de perdição…
Ao defrontar com a igreja, soa-lhe aos ouvidos esquisito ruído. O
homem para, aplica o ouvido, e fica atônito, ao certificar-se que
tais pancadas são golpes de disciplina… e exclama então: — “É
possível que uma delicada donzela se esteja disciplinando com
tanto rigor, e eu miserável pecador não só não faço outro tanto,
senão que ainda vou ofender a Deus?! Não será assim por certo”.
E desistindo do seu pecaminoso propósito, voltou para casa, com
a firme resolução de se emendar e daí praticar a castidade.
Tão extraordinário era o seu desejo de alcançar o céu e
contemplar, face a face, o divino Jesus, que continuadamente dizia:
— “Não há coisa melhor que a morte, porque ela dá fim aos males
desta vida e principio aos bens da outra”.
De tanto repetir estas palavras, perguntaram-lhe: “E se
morrendo começam os males que merecemos por nossos pecados?”
— “Ainda então é de estimar, porque com ela deixamos finalmente de
ofender a Deus, e satisfazemos a divina justiça”. Sábia resposta,
digna de um coração tão abrasado no amor de Deus, como era o
seu, disse Dom Sebastião da Vidra.
Durante seis anos, sofreu Madre Vitória de continuas
hemorragias, que aos poucos iam depauperando seu organismo, já
tão enfraquecido pelas mortificações de todo o gênero. Os
medicamentos, ora lhe davam alívio, ora eram inúteis.
Quando já se aproximava o sétimo ano de tanto padecer,
cessaram as hemorragias, mas se lhe formou internamente um
tumor. Depois se lhe cobriu todo o corpo de sarna, cuja coceira
irresistível lhe deixava chagas; e, para cúmulo do sofrimento, permitiu
Deus que lhe aparecessem vários antrazes.
A santa monja, à semelhança de Jó, sem murmurar nem se
queixar, pacientemente tudo suportava.
Num dia em que a igreja celebrava a festa da ascensão, notaram
as freiras a dificuldade com que a Madre Vitória se dirigiu ao coro
para ouvir a Missa. Foi quase se arrastando e demonstrava na
alterada fisionomia as dores formidáveis que a cruciavam.
Mandou então a abadessa, chamar os médicos do mosteiro, os
quais, após o exame, declararam o próximo fim da Madre Vitória.
Entristeceram-se as religiosas com a opinião dos facultativos, mas
não assim a nossa heroína, que ansiava voar para o céu.
Levaram-na para a cela de sua irmã de sangue, pois no seu
pobre cubículo não existia cama em que pudesse recostar. Aí
continuou a sofrer, e, por obediência, ingeria os medicamentos, tudo
aturando com a maior edificação.
Se parecia às religiosas que as drogas produziam algum alívio a
Madre Vitória, demonstravam-lhe sincero contentamento; mas a
enferma lhes dizia: “Não se enganem, minhas irmãs, que este mal é
de morte, e o remédio é só morrer…”
Se insistiam para que ela se alimentasse, tal era o seu fastio e tão
desprendida estava do mundo, que pronunciava estas palavras: —
“Esta boca não apetece senão a terra em que em breve se há de
tornar”.
No dia de Corpo de Deus pediu à superiora que lhe deixasse
fazer confissão geral e comungar, a fim de ganhar o jubileu das
horas de adoração, sendo-lhe satisfeito esse desejo. Queria
também comungar no dia de Nossa Senhora do Carmo, mas na
véspera, entre onze e meia da noite, demonstrou tal ansiedade,
que as religiosas supuseram ter chegada a sua última hora.
Chamada imediatamente, a abadessa aproximou-se da Madre
Vitória e perguntando-lhe se queria receber o Viático, obteve esta
resposta: — “Que no dia seguinte o receberia”. Afligiram-se as
monjas e instaram para que a Serva de Deus recebesse o Pão
dos Anjos. Ela, porém, tranquilizou-as, dizendo que Deus havia de
lhe permitir chegar ao dia seguinte.
Agravando-se os padecimentos da santa freira. A abadessa
fez-lhe sentir a conveniência de receber com presteza o sagrado
Viático, mesmo porque estavam já no dia de Nossa Senhora do
Carmo e poderia satisfazer a sua devoção. Imediatamente atendeu
Vitória aos conselhos de sua superiora e tendo recebido a Nosso
Senhor sacramentado, pediu a Extrema-Unção.
Recebida a benção da abadessa, começou Madre Vitória a fazer
suas últimas recomendações. Pediu que a não colocassem em
caixão e que “lhe deixasse moer e quebrar aqueles ossos, que
nunca souberam servir a Deus, como deviam”.
Desejava também que a amortalhassem num hábito bem velho,
que seria pedido por esmola à religiosa que o possuísse. Pediu mais,
que lhe não ornassem a cabeça com capela de flores, nem
tampouco lhe pusessem a palma simbólica na mão. Em vez desses
enfeites, deviam colocar-lhe na cabeça uma coroa de espinhos e na
mão um pedaço de cana, para imitar a Nosso Senhor.
Finalmente, como última disposição, rogava que seu corpo
fosse carregado para a sepultura pelas moças do convento.
Algumas religiosas lhe objetaram que este pedido não podia ser feito,
porque as servas não estavam em comunidade.
Disse-lhes então, Madre Vitória, em tom profético: — “Se me
não carregarem as moças, de nenhum outro modo me poderão
levar à sepultura”.
Numa Sexta feira, três dias após a festa de Nossa Senhora, indo
um médico visita-la, disse-lhe a Serva de Deus que dispensava os
seus cuidados, pois de nada valiam eles, uma vez que Nosso
Senhor queria levá-la para a eternidade. Agradeceu ao facultativo
todo o seu trabalho e dedicação para curá-la, reconhecimento esse
tão afetuoso que comoveu o dedicado médico.
Quase ao meio dia, perguntou a irmã enfermeira se Madre Vitória
sabia que horas eram, ao que ela respondeu: — “Estamos na hora
em que foi o Senhor Crucificado”. Indagando também a religiosa se
seria aquela a última hora da Serva de Deus, esta respondeu-lhe
que não, porque lhe restava que padecer nesta vida.
Continuava Vitória a agonizar, dizendo repetidamente esta
jaculatória: — “Jesus, filho de Maria, tende misericórdia de mim”.
Depois de despedir-se da comunidade e de todas as moças e
servas do mosteiro, as quais deu salutares conselhos, abraçou
finalmente a sua irmã de sangue, que entre lágrimas e “ais” a custo
se desprendeu de seus braços.
Terminadas as despedidas, pediu que erguessem o leito, o que
suas irmãs de hábito atenderam com carinho; mas daí a instantes
pediu que deitasse de novo, renovando-se esta cena por três vezes.
Seria talvez, como diz o seu biografo, para imitar as quedas de
Jesus Cristo, durante o caminho do calvário.
Passado algum tempo, novamente rogou a santa freira que a
levantassem e que à pregassem a parede. Então uma das moças
fez ela recostar-se sobre o seu peito. Assim reclinada, a Serva de
Deus abriu os braços em forma de cruz e ficou imóvel.
Pouco antes de três horas da tarde, chegaram ao mosteiro alguns
Padres jesuítas, a fim de lhe assistirem a morte, e, ouvindo ela o
som da campainha, que, como é de praxe as religiosas tangem
quando alguma pessoa estranha penetra na clausura, pediu por
acenos, visto não mais poder falar, que lhe cobrissem a cabeça com
o véu.
Daí a instantes, disse-lhe a religiosa assistente: — “Somos minha
irmã chegadas à hora de Nôa, parece-lhe que expirará nela por
imitar seu Divino Esposo?”. A isto consentiu com a cabeça,
levantando os olhos ao céu, atendendo com muito sossego e
quietação o ofício da agonia, que de joelhos lhe rezavam os Padres
e o credo que lhe cantavam as religiosas, e chegando esta com o
cântico à última palavra: Amém, largou o crucifixo e a vela que
tinha nas mãos, as quais cruzando sobre o peito e inclinando a
cabeça, deu a Madre Vitória da Encarnação o seu venturoso espírito
ao Criador, coroando com santa morte a vida, que com tanto fervor
empregara em o servir. Eram três da tarde de 19 de julho de 1715.
Ficou o corpo exalando tão maravilhosa fragrância, que ainda
antes de entrar na cela se deixava perceber, julgando-se por mais
que natural. Tendo as mãos muito grosseiras do contínuo trabalho
em que as exercitava, lhe ficaram muito brandas, delicadas,
flexíveis, e tratáveis, que lhe abriam e fechavam dedo por dedo,
como se estivessem ainda animados. Sucedeu porém, que daí a
sete horas lhe começou a inchar e denegrir o rosto de tal sorte, que
causava horror a quem a via. Admiravam-se as que até então
estavam como que suspensas e embebidas com a sua boa
presença, mas durou-lhes pouco a admiração, lembrando-se, que
muito tempo antes lhes dissera a defunta: Que depois de morta
ficaria muito feia e horrorosa…
No dia seguinte, terminado o ofício, quando as religiosas
seguraram nas alças do caixão para levar o venerado corpo à
sepultura, não conseguiram carregá-lo, tal era o seu peso.
Lembradas, então, da profecia da santa monja, chamaram algumas
moças que facilmente puderam levar o esquife.
Nos 28 anos que Madre Vitória viveu no Mosteiro de Santa
Clara do Desterro, podemos dizer que nenhum dia deixou ela de
glorificar a Deus, demonstrando sempre o seu grande amor por
Jesus Eucaristia e a sua imensa caridade para com o próximo.
Assim como em vida, fez a santa freira muitos prodígios após
sua morte. As pessoas que invocavam sua proteção, obtinham
favores sem conta. Para encerrar este capítulo, narraremos um
fato estupendo. Achava-se gravemente enferma, com um tumor
na garganta, uma das freiras do Mosteiro de Santa Clara. Os
médicos já se mostravam desanimados com a marcha acelerada da
moléstia, que zombava dos recursos da medicina.
Sofrendo dores horríveis e vendo inúteis os esforços dos
facultativos para curá-la, lembrou-se a doente de recorrer à proteção
da Madre Vitória, pois esta, lhe prometera interceder por ela,
quando estivesse na presença de Deus. E mandando buscar um
bocadinho de terra da sepultura da Serva de Deus, ingeriu-a,
dissolvida em água. Imediatamente as dores foram diminuindo, e a
enferma entrou em profundo sono. No dia seguinte ao despertar,
sentiu-se completamente sã! E para maior testemunho do valor
da intercessão de Madre Vitória permitiu Deus que a xícara em
que estivera depositada a água com a terra da sepultura exalasse
um suave perfume.
P B P

Fez dois séculos, a 22 de setembro de 1919, que deixou de


existir na terra, para viver no céu, um dos maiores missionários, o
taumaturgo paulista Padre Belchior de Pontes. Em 1751, trinta e
dois anos após sua morte, o Padre Manoel da Fonseca, da
Companhia de Jesus, publicou um livro, hoje raríssimo, com 266
páginas de texto, sobre a vida, virtudes e milagres de tão insigne
Servo de Deus.
Para desempenhar-se da meritória tarefa, revolveu o ilustre
biógrafo os arquivos da sua congregação, consultou os párocos das
freguesias onde havia missionado, praticando prodígios o santo
religioso; ouviu a narração de muitos fatos miraculosos, inquirindo
testemunhas fidedignas; fez, enfim, tudo quanto era necessário para
nos legar um livro edificante e de inestimável valor histórico.
Lendo esse muito precioso trabalho, que o autor dividiu em
quarenta capítulos, muito aprendemos; pois, a par da descrição e
da vida assombrosa do Padre Belchior Pontes, temos conhecimento
de vários costumes da época, de cenas desenroladas por ocasião
da Guerra dos Emboabas, em 1708, e da segunda revolução em
1720, ambas em Minas Gerais, as quais foram profetizadas pelo
Servo de Deus.
Desse livro extraímos tudo quanto vamos narrar sobre a vida do
taumaturgo paulista.[21]
A capital de São Paulo, então vila, foi lugar escolhido por Deus
para berço natal do santo missionário. O Pe. Fonseca não
conseguiu saber a data do nascimento de Belchior, o qual,
supomos, ocorreu um ou dois meses antes do seu Batismo. Assim
pensamos porque, sendo os seus progenitores muito piedosos,
sobretudo sua mãe, que “cercada de cilícios, ainda em idade
decrépita afligia seu corpo”; e, sabida como é, a grave obrigação
que tem os pais de fazer batizar os filhos com poucos dias de
idade, não dilatariam certamente, por longo tempo, o cumprimento
de tão sagrado dever.
Na matriz da mesma vila recebeu o Servo de Deus o sacramento
do Batismo, a 6 de dezembro de 1644. É provável que o livro do
Padre Fonseca fosse impresso longe de suas vistas, e, por
conseguinte, revisto por outrem, resultando disto um equivoco
relativamente ao mês em que Belchior fora batizado.
Não foi em novembro, como diz o Pe. Fonseca, mas em
dezembro, como consta da seguinte certidão: “Belchior batizei e pus
os santos óleos a Belchior filho de Pedro Nunes de Pontes e D. Inês
Domingues, Padrinhos Jorge de Souza e Maria de Siqueira… em 6
de dezembro de 1644”.
Desde menino demonstrou o Servo de Deus a sua altíssima fé e
acendrado amor a Nossa Senhora. Pouco mais de seis anos
contava o angélico Belchior, quando se operou o primeiro prodígio
alcançado do céu por sua intercessão.
Adoecendo gravemente dona Inês Domingues, o afetuoso filhinho
dirigiu-se imediatamente a seu pai, pedindo-lhe que levasse sua mãe
a S. Paulo a fim de consultar um médico, fazendo-se a viagem pela
aldeia de Pinheiros, onde visitariam a imagem de Nossa Senhora do
Monte Serrat, ali venerada.
Pedro Nunes atendeu à súplica do filho e, chegados a
Pinheiros, todos se dirigiram à capela da Virgem. Tão fervorosa fora
a prece de Belchior que, ao chegarem à vila, já sua mãe recuperara
a saúde.
Não deixou, entretanto, de procurar um médico, e este
constatou, com admiração geral, que dona Inês não apresentava
indícios de ter sofrido qualquer enfermidade. Jubilosos, voltaram
todos para o seu sítio de Pirajuçara, louvando a Deus por tão
assinalado favor.
Dispondo Pedro Nunes de poucos haveres, não se descuidava,
entretanto, de proporcionar aos filhos esmerada educação. Para tal
fim, montou casa na vila, para onde mandou Belchior, em
companhia de seus irmãos mais velhos.
Começou então o Servo de Deus a frequentar o colégio da
Companhia de Jesus. Certa ocasião caminhava Belchior para o
colégio, em companhia de outros meninos, quando, ao passar junto à
casa de uma veneranda matrona, que todos consideravam santa,
saiu esta ao seu encontro, e, ajoelhando-se, beijou-lhe os pés…
Tendo enviuvado dona Inês, e vendo que Belchior já sabia “ler,
escrever e contar”, confiou-lhe a administração do seu sítio. Havia
anos que o Servo de Deus estava entregue a esse trabalho,
sempre se exercitando na prática das virtudes e mortificações,
quando sua mãe resolveu mandá-lo novamente para a vila, a fim de
continuar os estudos com os jesuítas.
O tempo de férias passava o santo jovem no sítio de sua tia dona
Catarina de Pontes, em Santo Amaro. E como sabia ele aproveitar
esses dias entesourando merecimentos para o céu! Ao amanhecer,
subia o muito exemplar estudante a uma frondosa árvore, e, aí
instalado, abria um livro sobre a Paixão de Cristo, passando longas
horas inteiramente entregue à meditação, esquecido das coisas do
mundo.
Do seu amado retiro somente se afastava o piedoso Belchior
para tomar algum alimento, ou quando a noite começava a
desdobrar sobre a terra o seu manto crepe.
O Servo de Deus prosseguia proveitosamente nos estudos, firme
na resolução de abraçar o estudo sacerdotal, para o qual sentia-se
impelido desde criança. Conhecedor dos apostólicos trabalhos de
Anchieta e João de Almeida na catequese dos índios, desejava
imitá-los, ingressando na Companhia de Jesus.
Contando vinte e três anos de idade, ouviu um dia discorrerem
amplamente sobre a vida prodigiosa de São Francisco Xavier, e as
chamas do amor celeste, que lhe abrasavam o coração,
definitivamente o impeliram para a missão nas aldeias dos índios.
Manifestando ao provincial dos jesuítas o seu desejo de entrar
para a Companhia, não foi bem acolhido. Não desanimou, porém, o
Servo de Deus, pondo sua causa sob a proteção de Maria
Santíssima. Três anos depois, achando-se em São Paulo o novo
provincial, Pe. Francisco de Avelar, a ele se dirigiu Belchior. O fez
confidente do seu ideal, pedindo-lhe humildemente que o aceitasse
na Companhia.
Achando-o um tanto moço, o Padre Avelar relutou em satisfazer-
lhe a vontade; mas, tais foram as informações colhidas sobre as
raras virtudes do pretendente, que se decidiu admiti-lo no glorioso
exército de S. Inácio de Loyola.
Partiu, pois, o Servo de Deus para a Bahia, juntamente com o
provincial, e, aí chegando, entrou para o noviciado dos jesuítas a
23 de janeiro de 1670. Terminado o tempo de noviço, muito
proveitoso para a sua alma e para a dos seus colegas, que
imensamente se edificaram com o seu santo exemplo, recebeu
Belchior o presbiterado.
Virtuoso e sabendo a fundo a língua brasílica, ninguém melhor
que o Padre Pontes poderia dedicar-se ao serviço da catequese.
Assim julgando, o provincial mandou-o para S. Paulo, onde havia
numerosas aldeias de índios mansos, que jaziam na mais completa
ignorância religiosa.
Quão elevados não seriam os agradecimentos do Padre Belchior
a Nossa Senhora, que atendendo aos seus rogos, o encaminhava
agora para o apostolado que tanto o atraia! Itapecerica,
Itaquaquecetuba, M’boi[22], S. José (dos Campos), Nazaré, S.
Miguel, Araçariguama, e tantas outras aldeias, foram teatro das
suas maravilhas.
Durante 40 anos, o santo missionário exerceu o seu ministério,
não só no território paulista, mas também nos sertões de Minas
Gerais e Paraná. Por toda a parte onde passava este Servo de
Deus, aí deixava os traços imorredouros do seu fecundo
apostolado, a par dos inúmeros prodígios que Deus operou em
atenção às suas súplicas.
Sempre que se realizavam fatos miraculosos, ocultava-se o santo
varão, para furtar-se as ruidosas e justas manifestações populares.
Ele não queria receber na terra nenhum galardão, dando a Deus
toda a glória de tão notáveis acontecimentos.
O povo o venerava de tal maneira, que muitas pessoas,
desejosas de possuir uma relíquia sua, lhe pediam que escrevesse
num pedaço de papel a oração de determinado santo, a pretexto da
devoção.
Em vida do Servo de Deus e após sua morte, muitos enfermos
foram curados somente com o contato de uma dessas relíquias.
Mas o efeito mais extraordinário que produziam era naqueles que
se achavam em perigo de vida, em consequência de mordeduras
de cobras venenosas.
Sua humildade era profunda, a tal ponto que, “um religioso bem
exercitado em virtude, que nos últimos anos de sua vida o
conheceu, a boca cheia o chamava humildíssimo, afirmando que
não tinha visto homem mais humilde”.
Quando o chamavam de virtuoso ou de santo, o Servo de Deus
apelando logo para as suas culpas, confessava que era o maior
pecador de todos… Esta mesma confissão, fazia, ainda quando o
céu, querendo mostrar o quanto se agradava dos seus trabalhos, lhe
cobria o rosto de resplendores…
“Se alguém lhe falava, respondia com voz tão submissa como
se tivesse vergonha de ser ouvido…”
Escrevendo-lhe certo amigo, com o pedido de orações para ser
feliz num negócio difícil ,respondeu-lhe o Servo de Deus: — “Nos
rascunhos que me fez, me pedia encarecidamente minha dívida,
e obrigação, que tenho de encomendar a Deus meus amigos:
assim o vou fazendo, principalmente no momento da Missa, mas
como grande pecador não serei ouvido de Sua Majestade; mas
consolo-me que há quem tem merecimentos nesta Sagrada
Religião para ser ouvido de Deus em favor de V. M., que são os
religiosos dela”.
E a caridade do Padre Belchior? Não podia deixar de ser perfeito
este religioso, que se esmerava em praticar a caridade, segundo o
espírito do Evangelho, com todos quantos necessitavam de um
conforto espiritual e material.
Quando, por exemplo, nas aldeias encontrava algum índio
doente, não só lhe prodigalizava os socorros da Religião, como
também lhe servia de médico e enfermeiro. E ainda fazia mais:
sendo tão rigoroso para com o seu próprio corpo, que alimentava
apenas com o estritamente necessário para poder viver, evitando
sempre as iguarias, tornava-se o Servo de Deus o cozinheiro do
enfermo, preparando-lhe os guisados que mais lhe apeteciam.
Tão fervoroso era seu desejo de salvar almas, que Deus lhe
permitiu ir muitas vezes milagrosamente a vários lugares, a fim de
confessar enfermos desamparados, ou simplesmente aqueles que
com ele próprio se queriam confessar, mas que se achavam
impossibilitados de o fazer não só pela moléstia como pela distância
em que se encontravam.
No confessionário, onde passava horas intermináveis, sempre
rodeado de penitentes, a sua ação era singular. Quando lhe
apareciam penitentes inveterados na prática dos vícios, com eles
se demorava longo tempo, chegando até, iluminado por uma luz
celeste, a lembrar-lhes culpas inteiramente esquecidas; suspirando
e chorando com eles, movendo-os, assim, paternalmente, a saírem
do confessionário sinceramente resolvidos a detestarem o pecado
e viverem daí por diante como bons e piedosos cristãos.
Um dia chamaram o Servo de Deus à casa de Salvador Nunes,
para confessar um enfermo. Prontamente se apresentou ele junto à
sua cabeceira, onde esteve algum tempo, concitando-o a bem se
confessar, vendo, porém, a inutilidade da sua presença, porque o
doente se não movia ao verdadeiro arrependimento, retirou-se do
quarto, silencioso, dirigindo-se a um bosque vizinho.
Pouco tempo depois, voltou com o rosto tão cheio de luzes,
que o vendo, Salvador Nunes lhe disse: — “Que resplendor é este
que V. R. traz?”
“Mas ele fazendo sinal com a mão do pouco que tinha gostado da
pergunta, respondeu: — Que resplendor pode ter um pecador? E
sem mais atender a coisa alguma, entrou no aposento em que
estava o enfermo; e gastando com ele algum tempo saiu dando
mostras da especial consolação, que recebia pelo ver bem-
disposto, dando-nos a entender com estes sinais que a fervorosa
oração que lhe encheu o rosto de luzes, de tal sorte inflamou o
coração do seu penitente, que o fez apto para o reino do céu”.
Foi encantadora a pureza do Padre Belchior. Nunca ele
manchou com a mais leve culpa a alvura incomparável do lírio da
virgindade.
Muito trabalharam os espíritos infernais para que se
murchasse essa delicadíssima flor, que o santo sacerdote
conservava com excepcional carinho. Deus, porém, fez com que ele
saísse sempre vitorioso desses combates. Quando ainda jovem, tal
era o respeito que lhe consagravam seus colegas de estudo que, a
sua aproximação, quando conversavam sobre coisas torpes,
mudavam logo de assunto.
A um confidente disse ele, um dia, que até fazer a sua primeira
confissão não tivera nenhuma tentação contra a castidade, mas
que, “depois foram tão terríveis as baterias, e tão porfiadas, que em
vinte anos contínuos não perdera o inferno a esperança de o fazer
cair, ainda que pela misericórdia de Deus nunca o consentisse:
mas que passados estes anos raras vezes sentiu semelhante
tentação”.
Podemos, pois, comparar a pureza do Padre Belchior à de S.
Luís Gonzaga, ou de S. Estanislau Kostka, sob cuja proteção ele
se colocou desde a juventude.
E a obediência, sobretudo para um religioso, uma virtude muito
preciosa. E era tal o amor com que o Servo de Deus a praticava,
que, dentre os casos que nos são narrados pelo seu biógrafo, nos
basta o seguinte: Achando-se em S. Paulo o Bispo do Rio de
Janeiro, D. José de Barros Alarcão, mandou chamar à sua presença
o reitor do colégio dos jesuítas.
Tinha este ido a uma fazenda e só regressou à noite. Ao chegar à
portaria do colégio, encontrou-se com o Pe. Belchior e outro
sacerdote, que saíram em visita ao prelado.
Disse, então, o reitor ao Servo de Deus que, se D. Alarcão
indagasse de sua pessoa, respondesse que ainda se achava
ausente. Como se sairia da incumbência o nosso Pe. Belchior?
Se obedecesse a recomendação do seu superior, mentiria, se
falasse a verdade, pecaria contra a obediência! Mas os santos
nunca são desamparados por Deus, que sempre lhes proporciona
inspirações.
Em caminho, pois, tomou o santo missionário uma resolução, que
executou com sucesso. Ao chegar com seu companheiro à presença
do Bispo, este imediatamente lhe pediu notícia do superior.
O Pe. Belchior, pouco se importando de passar por um
desequilibrado, baixou os olhos e levantou o ombro direito, sem
proferir palavra. D. Alarcão supondo-o surdo, elevou a voz,
renovando a pergunta. Mas o santo religioso, baixando ainda
mais os olhos, levantou o ombro esquerdo, conservando-se
calado….
Seu companheiro, incomodado com o caso tomou a palavra,
explicando ao prelado qual o motivo do não comparecimento do seu
superior. No dia seguinte, ao apresentar-se o reitor ao Bispo, este
assim o interpelou: “Que louco me mandou cá V. R.? Pergunto-lhe
por V. R., levanta-me um ombro; torno a perguntar, e levanta-me o
outro”.
O superior explicou ao prelado, sinceramente, qual a ordem que
dera ao Servo de Deus, que preferiu passar por louco a
desobedecer ou mentir. Mudou o Bispo de opinião sobre o Pe.
Belchior, que se tornou daí por diante venerado por ele, e tanto, que
o incumbiu, muitas vezes, de examinar os que pretendiam acender
ao presbitério[23], como aqueles que, já ordenados, necessitavam
de ser provisionados para ouvirem confissões.
Vejamos agora a que ponto chegou o seu espírito de pobreza e
desprendimento do mundo. Vestia uma roupeta remendada, cuja cor
primitiva desaparecera, para se tornar vermelha ao barro dos
caminhos. O chapéu e os sapatos que usava acompanhavam
perfeitamente a miséria das suas vestes. O modesto breviário e
um comprido bordão eram seus inseparáveis companheiros de
viagens.
Após sua morte, encontraram unicamente, além dos objetos
próprios para suas mortificações, tais como, cilícios e disciplinas,
estes outros que lhe pertenciam, cujo valor material era quase
nulo: um pequenino livro de orações e dois manuscritos contendo
algumas de suas orações, devoções, casos de moral, avisos
espirituais, e receitas médicas, com que costumava tratar os seus
queridos índios.
“[…] O que tinha mais precioso era uma imagem de Cristo
crucificado, emprego total do seu coração: mas ainda esta não
excedia os limites da santa pobreza…”
Era intensíssima a devoção do Servo de Deus, pela Paixão de
Jesus Cristo, por Maria Santíssima e a divina Eucaristia, e quando
ainda aluno do colégio da Companhia, em S. Paulo, comungava
semanalmente, embora seus colegas assim procedessem uma vez
por mês.
Sua alma pura tinha fome do divino alimento, sentindo com ardor
inenarrável aquilo que inspirado vá se concretizou nestes lindos
versos:
Quando a minha alma este alimento come,
Que do infinito a fome lhe sacia,
E das paixões a febre lhe consome,
Sinto que é ela, o anjo da alegria,
Sinto que é ela que me mata a fome,
Carne de Cristo é carne de Maria. [24]
A todos quantos lhe pediam conselhos para acertar num negócio
difícil, ou orações para que seus parentes se emendassem de
certos vícios, o Padre Belchior indicava logo a recitação do rosário
de Maria Santíssima, como um remédio soberano.
E muitas esposas infelizes confessavam sinceramente que,
devido aos conselhos do Servo de Deus, rezaram o terço da
Virgem Santíssima e viram em breve tempo seus maridos
regenerados. Na celebração do Santo Sacrifício da Missa
demorava-se o Pe. Pontes longo tempo, o que deu motivo para
um seu companheiro o interpelar, longe estava, entretanto, o
interlocutor de pensar de que maneira Deus prendia ao altar o
seu querido Servo.
Com a simplicidade de uma alma verdadeiramente predestinada,
declarou-lhe o santo varão, não se atrever a comungar, e a receber
a Cristo enquanto se lhe manifestava vivo na hóstia, e que
esperava que o mesmo Senhor se tornasse a encobrir debaixo dos
cândidos acidentes, para que então o pudesse receber.
Tanto eram os rigores com que o santo sacerdote, desde menino,
maltratava o corpo, que sua magreza era extrema. Jejuava três dias
por semana, e, mesmo quando aluno dos jesuítas, chegou a passar
até oito dias sem se alimentar, retirado no silêncio do seu quarto,
todo entregue aos ardores da meditação.
Sua alimentação principal consistia em legumes mal
temperados, ou sem tempero algum. Não comia carne, mesmo
quando se achava doente. Dormia muito pouco, sem usar
colchão, deitado sobre o trançado do catre, ou sobre tábuas.
Quando estudante, diversas vezes, o avistaram tirando de um
formigueiro que existia no quintal de sua casa, punhados de terra nos
quais se envolviam as pequeninas formigas, para espalhá-los sobre
a cama… disciplinava-se, pode-se dizer, diariamente, e usava os
mais mortificantes cilícios, a ponto de lhe dificultarem os passos…
“[…] Mal se soube de que cor foram os seus olhos; porque era
tão natural nele a modéstia, que querendo formar-se um quadro,
alguns anos depois de morto, e duvidando-se com que ação se
deveria pintar, foi de parecer de um religioso que o tinha
conhecido, que o desenhasse com os olhos baixos, pois ele raras
vezes os levantava…”
“Com o mesmo rigor se portava, tanto no confessionário como no
altar, e quando andava pelas ruas, pregava como S. Francisco com
a sua modéstia…”.
Dentre os dons não comuns com que Deus enriqueceu
abundantemente a alma do Padre Belchior, destacavam-se
exuberantemente: o do perfeito conhecimento dos corações
humanos, o das profecias e o dos milagres de ordem física.
Numerosos são os casos de que nos dá notícia o seu biógrafo, e
muito prazer teríamos em transcrevê-lo um por um; entretanto não o
podemos fazer, para que se não alongue demais este capítulo.
Contentem-se os leitores com os que vamos citar, que lhe bastam
ao renome glorioso do taumaturgo paulista.
Convidado pelo capitão-mor Amador Bueno, foi o Pe. Belchior
Pontes pregar em uma fazenda. Na expectativa da chegada do
santo missionário, a esposa de Amador Bueno disse a várias
pessoas que se havia de confessar duas vezes com o Pe. Belchior:
uma, em ele chegando, e outra, quando estivesse prestes a
regressar. Pois bem, chegou o Servo de Deus à fazenda; aí se
demorou durante alguns dias, e dona Marta, “ou ocupada com os
cuidados da casa, ou esquecida dos seus primeiros fervores, foi
dilatando a confissão”.
Por ocasião de uma das últimas práticas, a que a mesma
senhora assistia, do interior da casa, disse o santo missionário estas
palavras: “Antes de eu vir, andava uma pessoa dizendo que havia
de confessar duas vezes, uma em eu chegando, e outra estando
para ir, e por fim nem uma vez tem confessado, podendo fazer o
que dizia”. Causaram tal impressão estas palavras no espírito de
dona Marta, que imediatamente foi confessar-se.
Na mesma fazenda de Amador Bueno, deu-se este outro caso:
Três senhoras que com o santo missionário se tinham confessado,
em palestra íntima, murmuraram dele, por não as ter repreendido de
certas faltas que tinham acusado.
Pouco depois, no decorrer de uma prática, disse o Servo de
Deus: “Falam de mim que não sou bom confessor, porque não
repreendo; não consiste nisso o ser bom confessor”. Quão
proveitosa não teria sido a lição para as três murmuradoras!…
Tão notória era a fama que gozava o taumaturgo paulista, de
conhecer intimamente os corações humanos, que “José da Silva
Góes, homem da primeira nobreza de São Paulo, a boca cheia
confessava que se não atrevia falar com o Padre Belchior de
Pontes, porque estava certo que ele conhecia os interiores, e que
sem dúvida estava vendo os seus defeitos e pecados. E Manoel
Pinto Guedes afirmou que era tal o conhecimento que tinha dos
corações, que andando o Padre em missão, só com olhar conhecia
os penitentes que com ele se queriam confessar, mandando aqueles,
a quem faltavam as disposições necessárias, que se fossem
preparar primeiro e que tal dia viessem, sendo tão pontuais
semelhantes penitentes, que não faltavam no dia sinalado…”.
Em casa de sua prima dona Justina Luís, aonde fora chamado
para confessar alguns doentes, ao ver passar um índio, assim falou
a essa senhora: “Sabe, irmã, que este Patrício é pagão”. Respondeu
ela que não era possível; porque seu pai, tendo-o trazido pequenino
do sertão, depois de instruído na fé, o mandou batizar em S. Paulo.
Então o Servo de Deus chamou o índio, pedindo que lhe
dissesse se era ou não batizado. Respondeu-lhe Patrício que o
ignorava. Continuou o Padre a insistir: “Pois não vos lembra quando
vos batizaram?” Respondeu-lhe o índio, que para dizer a
verdade, se lembrava, pois quando fora batizado já era bem
crescido, e desse ato jamais esquecera.
“Pois que disseste, continuou o Padre, quando vos botaram
água na cabeça, meteram sal na boca, e fizeram as demais
cerimônias daquele sacramento?”
Em vista de tal insistência do santo sacerdote, o índio
confessou francamente que lhe não parecera Batismo as
cerimônias a que o submeteram; pois “quando lhe lançaram água na
cabeça, considerara que talvez estaria menos asseado, e que por
isso o lavavam; e que quando lhe meteram o sal na boca se
persuadira que faziam zombaria dele, e que por isso o lançara fora e
cuspira…”.
Ardendo em zelo por salvar essa alma, perguntou-lhe o Pe.
Pontes se queria que o batizasse, e o índio respondeu-lhe que sim,
pois a muito tempo desejava pedir-lhe esse sacramento. O Servo de
Deus batizou-o, tornando-se Patrício um bom cristão.
Das numerosas profecias do Padre Belchior, destacamos alguns
casos. Quando se deram as revoluções em Minas Gerais, a que já
aludimos, no começo deste capítulo, todos os parentes e amigos do
Servo de Deus, ouvido-lhes os conselhos, dali se retiraram e nada
sofreram. Os que não deram importância às suas palavras,
passaram dias torturados, morrendo um deles.
Ao batizar na igreja de Itapecerica, o primogênito de um sobrinho,
disse o Pe. Belchior a uma sua parente que assistia o ato: “Vê este, a
quem agora batizamos um filho; pois brevemente lhe havemos de
ouvir a Missa”. Anos depois realizou-se plenamente a predição.
Tendo enviuvado esse seu parente, fez-se Padre e foi durante
muitos anos vigário de Cotia.
Percorrendo o sertão do Paraná, aí se encontrou o Servo de
Deus com o capitão Salvador Jorge, que havia anos abandonara
Parnaíba, onde deixou a família, com o fito de descobrir ouro para
pagar suas dívidas.
Perguntando-lhe o santo missionário quando pretendia ele
regressar, disse-lhe Salvador Jorge que não o faria sem que
primeiro obtivesse os meios para solver os seus antigos
compromissos. Lembrou-lhe então o Pe. Belchior as grandezas da
bondade de Deus que, como Pai misericordioso, acudiria
certamente às suas necessidades; e profetizou a volta ao lar, no
outono que já se aproximava.
Dias depois, chegou ao capitão Jorge a notícia de um lugar
pouco distante, onde era abundante o cobiçado metal. Para aí se
dirigiu o capitão e encontrou tal quantidade de ouro, que pode
regressar a Parnaíba no tempo predito pelo taumaturgo paulista, e,
depois de pagar suas dívidas, ainda lhe sobraram algumas peças
do mesmo metal, com que pode adornar a casa.
Pregando o Servo de Deus em Nazaré, censurou os vícios de
muito moradores dessa aldeia e os ameaçou de que, se não se
emendassem, seriam atacados por terríveis onças… “E foi tal a
quantidade desses animais que, deixando as brenhas, buscaram
a povoação, que bem mostraram ser executores da divina justiça.
Tanto que anoitecia, entravam como salteadores, infestando as
casas dos moradores: mas como os castigos de Deus nem sempre
se dirigem às pessoas, contentando-se a justiça divina com castigar
nas fazendas, permitiu que não matassem pessoa alguma,
empregando a dureza das suas unhas somente nos cães, os quais
como vigilantes carcereiros, guardavam a seus donos presos em
suas casas, para que purgassem com a violência do medo os
pecados passados, e se movessem com maior eficácia a emenda
dos futuros…”.
A muitas senhoras que, para buscar conforto nas tribulações
produzidas pela ausência dos maridos, procuravam o Servo de
Deus, disse ele a época e mesmo o dia certo em que eles
regressariam ao lar.
Certa vez, estava o Padre Belchior na igreja do colégio, ouvindo
confissões, quando dele se abeirou sua irmã Maria Domingues,
pedindo-lhe encarecidamente lhe dissesse se era vivo ou morto seu
marido, pois vivia aflita e sem esperança de notícias.
Ouviu o Padre a pergunta, e representando-lhe a sua humildade
que daquele modo o tratava como santo, levantou de improviso a
voz dizendo: Que não era santo para saber se estava vivo ou
morto seu marido.
Não desanimou sua irmã com essa resposta e continuou a
suplicar-lhe que a livrasse da dúvida em que vivia. Tanto insistiu
dona Maria Domingues, que o Servo de Deus ficou comovido e
obteve do céu uma feliz inspiração, dizendo à sua irmã que o
esposo estava vivo e chegaria daí a poucos dias. Assim aconteceu:
no tempo predito, chegou a S. Paulo seu cunhado Belchior de Borba
Pais.
Estava o santo missionário numa capela da aldeia de
Araçariguama, ocupado em ouvir confissões. Em dado momento,
chegou à porta da capela, e chamando a mulher de Francisco de
Sequeira, dona Joana Leme, disse-lhe que fosse preparar o jantar
para seu esposo, que nesse dia regressaria do sertão.
Embora algumas pessoas duvidassem da predição, pois correra
a notícia de que Francisco de Sequeira tinha falecido, atendeu a boa
senhora a ordem que lhe dera o Pe. Belchior de Pontes, e ao
entardecer, pode ela abraçar o esposo.
Certo dia, a hora do recreio, discutiam os religiosos do colégio de
S. Paulo sobre as obscuras notícias que corriam a respeito da vinda
de alguns Padres, que da Europa partiram com destino ao mesmo
colégio. Estava presente o Pe. Belchior que só falava quando
necessário, e, achando que devia romper o silêncio, na ocasião,
assim lhes falou: “Para que se cansam vossas reverencias? Amanhã
pelas seis horas hão de chegar notícias da fragata”. Acalmaram-se
os ânimos e todos confiaram no vaticínio do Servo de Deus.
No dia seguinte, à hora determinada por ele, chegava ao colégio
uma carta em que se pedia condução para os religiosos, que já
estavam em Santos. Tendo adoecido o vigário de Santo Amaro,
Pe. João Pontes, irmão do Pe. Belchior, pediu por carta ao Bispo
do Rio de Janeiro que lhe desse um substituto.
Antes de chegar a resposta do prelado, disse o santo missionário
a seu irmão que viria substituí-lo o Padre Cosme Gonçalves e que
este morreria no exercício do novo cargo. Dias após, com a chegada
do correio, verificou o Pe. João de Pontes a realização da profecia
do Servo de Deus, a qual se completou plenamente, daí a anos,
com a morte do Padre Cosme sendo vigário em Santo Amaro.
Dona Inês Domingues, mãe do taumaturgo paulista, passou os
últimos anos de existência, no sítio de Antônio Domingues de
Pontes[25] perto de Itapecerica. Quando se lhe agravavam os mal-
estares, motivados por sua idade avançada, os parentes escreviam
logo ao Pe. Belchior, chamando-o para junto da veneranda matrona.
Respondia-lhes sempre o Servo de Deus que se não assustassem
com o caso, pois sua mãe viveria ainda algum tempo. Um dia,
porém, achando-se o Padre Belchior na aldeia de Itapecerica, e
sem que recebesse nenhum aviso humano, partiu em busca do
sítio de Antônio Domingues. Em caminho, passando junto à casa de
dona Justina Luís, convidou-a para assistir, no dia seguinte à Missa
que ia celebrar, a fim de dar o Viático a sua mãe, porque era
chegado o tempo de ela partir para a eternidade.
Surpreendida com essa notícia, disse-lhe sua parenta que na
véspera desse dia visitara a dona Inês e nunca a tinha visto tão
bem-disposta, parecendo-lhe que ainda viveria longo tempo.
Despediu-se o santo religioso, afirmando que sua mãe morreria no
dia seguinte.
Chegando o Servo de Deus à casa de Antônio Domingues, foi logo
dizendo à dona Inês, o fim para que tinha vindo e começou a
encorajá-la para o momento supremo… Respondeu-lhe sua mãe
que “havia muitos anos que esperava tão tremenda hora, e que
conhecia muito bem que havia de morrer”.
Consolou-se sobremaneira o Servo de Deus com as boas
disposições da virtuosa senhora. Dessa hora em diante, quão
piedosos não seriam os colóquios dessas duas almas, que tanto
se amavam e compreendiam!
O Padre Belchior que sempre lhe dispensara cuidados e
carinhos, fora incumbido por Deus, de lhe administrar os últimos
sacramentos, cerrar-lhe os olhos e abrir-lhe as portas da glória.
Era o mesmo Jesus, que sua boa mãe lhe ensinara a amar, que
ele lhe entregara agora, na hóstia sacrossanta, para ser o seu guia
na misteriosa jornada! Ao anoitecer, ouvindo pela última vez da boca
de seu filho o dulcíssimo nome de Jesus, expirou a veneranda
senhora.
Pouco tempo depois, retirou-se o Servo de Deus para a aldeia
próxima, pedindo aos seus parentes que trocassem as lágrimas por
santos júbilos, pois dona Inês tivera a mais ditosa das mortes.
Em ocasiões diversas permitiu Deus ao Pe. Belchior de Pontes
transportar-se rapidamente a longínquas paragens, a fim de
socorrer a enfermos desamparados, ou que a hora da morte
desejavam receber os sacramentos. Vejam os leitores este notável
caso.
Devido a uma desinteligência com o Bispo D. Alarcão, o Pe.
José Pompeu tomou a resolução inabalável de retirar-se de S.
Paulo. Embarcando-se em uma canoa com alguns índios, dirigiu-
se o Padre Pompeu para o sertão.
Depois de uma longa viagem, foram “surgir da outra banda do
Rio Grande em uma ilha, que faz o rio Anhanguepu, ou Anhendu”.
“Os índios, não satisfeitos com as impertinências do amo e pouco
tementes a Deus, tanto que o viram dormindo em terra e o
deixaram, levando-lhe a canoa com tudo quanto puderam apanhar
comodamente, sem serem sentidos…”.
Desamparado dos homens, no meio de um deserto, desprovido
de todo o recurso, e vendo que ia chegar ao fim da vida, voltou-se o
Padre Pompeu para o céu, implorando misericórdia… Nessa
ocasião, caminhava o Servo de Deus para o colégio de S. Paulo,
acompanhado por alguns índios. Em dado momento, disse-lhes que
o esperassem um pouco, e afastando-se deles, entrou em um capão
de mato.
Depois de longa espera, temendo os índios que o Padre Pontes
tivesse sofrido algum acidente resolveram procurá-lo, percorrendo o
mato e chamando-o em altas vozes. Desanimados, partiram os
índios para o colégio e, às perguntas do superior, contaram o
misterioso desaparecimento do Padre Belchior, nas
circunstâncias referidas.
Decorridas algumas horas, eis que chega ao colégio o Servo
de Deus, arrimado ao seu bordão, e, por obediência, teve de
confessar ao superior que tinha ido ao sertão de Cuiabá, confessar
o Padre Pompeu, que estava à morte.
Alguns anos depois, passando pelo lugar em que morreu o
clérigo, alguns homens, dos muitos que por aquelas paragens
andavam ao gentio, viram junto a uma árvore um breviário sobre um
altar feito de varas, e junto ao altar uma sepultura pouco funda,
mas bem povoada de ossos, que pela disposição entenderam ser
relíquias de corpo humano. Visto isto, tiveram curiosidade de revistar
o terreno, e acharam escritas em uma casca de pau estas palavras:
Aqui jaz enterrado o Padre José Pompeu confessado pelo Padre
Pontes…
Em certa época do ano, grassava em Mato Grosso uma moléstia
epidêmica. “Eram febres malignas e certos correios da morte, ainda
que compassivos no modo suave com que matavam; porque
causando um pesado letargo obrigavam aos enfermos a passar em
poucos dias do sono temporal para o eterno…”.
Nessa ocasião foi um grupo de sertanistas atacado pela terrível
moléstia. Prostrados sobre redes, os pobres homens ardiam em
febre, sem ter quem os socorresse. Eis que subitamente ali aparece
o santo Padre Belchior que, acercando-se de um deles, dá-lhes a
beber certo líquido que trouxera em uma vasilha, recomendando-
lhe que fizesse o mesmo com seus companheiros, que todos
recuperariam a saúde.
Parecia ao homem estar sonhando; mas, sentindo-se curado,
procurou saber quem era o seu salvador, e, voltando os olhos para
o caminho, viu distintamente o vulto do Servo de Deus seguindo
apressadamente, sem dar ouvidos ao seu chamado até desaparecer
numa curva do caminho…
Achando-se prestes a morrer, a dona Angela de Siqueira, esposa
do capitão-mor Pedro Taques, encheu-se sua casa de parentes e
amigos, aguardando a hora do trespasse. O reitor do colégio de S.
Paulo foi visitá-la, iam retirar-se quando o Servo de Deus pediu ao
capitão-mor lhe desse licença para ver a enferma.
Conduzido ao aposento da dona Angela, dirigiu-lhe as mais
consoladoras palavras e, depois de abençoá-la, disse-lhe que daí a
poucos dias ela poderia ir à igreja do colégio. Foram tais as
melhoras que a enferma começou a sentir desde esse momento que,
no dia determinado pelo taumaturgo paulista, foi dona Angela à
igreja render ação de graças pelo seu completo restabelecimento.
João Vaz Cardoso, capitão-mor da vila de Taubaté, afirmou com
juramento, ter presenciado ao seguinte prodígio: Trabalhavam
vários operários na construção da torre da igreja do colégio, na
mesma vila. Já estavam terminando a obra, quando começou a torre
a inclinar-se, desprendendo algumas pedras… Assustaram-se os
trabalhadores, também o Pe. Manoel Costa, reitor do colégio, que,
percebendo o perigo do desmoronamento, muito aflito chamou em
altas vozes o Servo de Deus.
Acudiram ao local, imediatamente, diversos religiosos, com o Pe.
Belchior à frente o qual lhes bradou que se aquietassem, pois
cessaria logo o perigo; e encostando-se à parede inclinada, a
fortalecia de sorte com o contato do seu corpo, que, conservando-se
inclinada, deu lugar a que sem perigo a desmanchassem.
Convidado por dona Isabel Paes de Barros, foi o Servo de Deus
ao seu sítio, onde benzeu a casa reconstruída, e uma cruz de
madeira, que plantaram no terreno. Correram anos. A velha cruz, a
medida que se ia estragando, inclinava-se, até que, certa ocasião,
desencadeando-se forte tempestade sobre o sítio, foi ela atingida
pela fúria da ventania e derrubada sobre uma laranjeira, que havia
anos secara. Operou-se, então, um prodígio: ao contato do santo
madeiro, começou a laranjeira a cobrir-se de verde folhagem,
florescendo daí em diante no tempo próprio e produzindo ótimos
frutos.
Achando-se o Servo de Deus na aldeia de S. José, chamaram-no
para administrar os sacramentos a um moribundo. Tomou o Pe.
Belchior uma canoa fazendo-se conduzir pelos índios até o outro
lado do rio Paraíba, onde desembarcou, seguindo a pé em busca
do enfermo.
Desempenhando a sua missão, voltou o santo varão ao mesmo
lugar onde desembarcara, mas aí não achou a canoa, pois os
romeiros supondo que seria grande a demora na casa do
enfermo, resolveram retirar-se para voltar mais tarde. Quando
voltaram, estava já o Pe. Belchior do outro lado do rio, para onde
se transportara milagrosamente.
O capitão Pedro Vaz de Barros era um fazendeiro abastado, que
morava a distância de uma légua de Carapicuíba. Era a sua casa de
numerosa família, tendo debaixo de sua jurisdição mais de
quinhentas almas, para cuja doutrina e da vizinhança, convidava
muitas vezes o seu bom amigo, para que em sua capela, que tinha
no seu sítio, lhe fizesse missão por alguns dias.
“Como esta ocupação era muito conforme ao zelo, e desejo,
que tinha de salvar a todos, aceitava o convite, gastando neste
emprego, em diversos tempos semanas inteiras…”. Certa vez,
sabendo o Pe. Belchior, que nesse mesmo sítio grassava, com
caráter maligno, a epidemia de sarampo, para aí se dirigiu,
encontrando ainda atacados dessa moléstia, que já havia ceifado
algumas vidas, oito pessoas.
Com a alma cheia de comiseração, mandou o Servo de Deus
que todos (enfermos e sãos) se preparassem para receber
dignamente os sacramentos da Penitência e Eucaristia, a fim de
que Nosso Senhor fizesse cessar a epidemia. Obedientes,
confessaram-se todos, recebendo durante a Missa, a sagrada
comunhão.
Terminados esses atos, saiu o Servo de Deus ao terreno e pondo
os olhos no céu, disse: “Basta Senhor; basta de castigo”.
Deus atendeu às súplicas do seu Servo, concedendo a saúde
aos oito doentes e fazendo cessar por completo a epidemia.
Paula, era como se chamava uma mulher bastarda, moradora
da vila de S. Paulo. Tinha ela um filho que, por certos crimes foi
encarcerado. As pessoas ofendidas acharam, porém, que o castigo
era pequeno, e deliberaram fazer justiça por suas próprias mãos.
Certo dia alvejaram o criminoso com um tiro e o prostraram quase
sem vida.
Estando à morte, foi visitado pelos religiosos do colégio, que
procuraram ministrar-lhe socorros médicos; “mas era tal o ódio que
contra ele tinham concebido os autores daquela maldade, que o
privaram da vida com os mesmos meios com que a caridade lhe
intentava prolongar, dando-lhe por mãos do cirurgião o veneno, de
que morreu”.
Antes de falecer, o filho de Paula, por amor a Jesus Cristo,
perdoou aos seus algozes, pedindo a sua mãe que também os
perdoasse. Mas Paula não atendeu nunca às súplicas que lhe fizera
seu filho, odiando cada vez mais os seus inimigos.
Trazia sempre consigo a camisa ensanguentada do filho, como
lembrança do crime e da prometida vingança. Assim viveu Paula
alguns anos, sem que o tempo fosse capaz de apagar em seu
coração as saudades do filho e o ódio aos seus assassinos. Eis que
um dia é ela atingida por mortal enfermidade. Pouco antes de
morrer, pede que chamem o Pe. Belchior, com quem em outros
tempos costumava confessar-se.
Parte um mensageiro em busca do Servo de Deus, mas não
conseguiram encontrá-lo. Paula assim morreu sem os sacramentos
e sem dar nenhuma demonstração de que havia perdoado os
algozes do seu filho.
Não quiseram os seus parentes sepultar-lhe o cadáver sem
que antes fosse visitado pelo santo missionário. De novo, pois, o
buscaram, tendo-o encontrado na igreja do colégio, em oração.
Contaram-lhe o que sucedera e o Pe. Belchior logo se dirigiu à
casa da defunta.
Entrando no quarto mortuário, o Servo de Deus “fechou a porta,
ficando só da parte de dentro”. Os curiosos, pelo orifício da
fechadura, puderam vê-lo ajoelhado algum tempo, em fervorosa
oração.
Em dado momento, Paula despertou, pronunciando estas
palavras: “Ai Jesus!” Depois “confessou que uma mulher lhe tinha
dito que acordasse, e que entre as escuridões da morte vira o Pe.
Pontes, que com suma caridade a favorecia”.
O Pe. Belchior vendo-a ressuscitada, disse-lhe estas palavras:
“Estavas condenada a outra vida, por não perdoares a morte de teu
filho, e guardas ainda sua camisa ensanguentada?”
Ante tão maravilhoso acontecimento é para supormos que
Paula viveu daí em diante como piedosa cristã, seguindo os
conselhos do santo jesuíta, que, intercedendo por ela a Nossa
Senhora conseguiu sua salvação.
Para aumentar ainda mais os seus sofrimentos, suportados
sempre com a máxima resignação, foi o Servo de Deus acometido
de nova enfermidade, que devia levá-lo desta para a melhor vida.
Removido a Araçariguama, onde se achava havia perto de dois
anos, no exercício do seu apostolado, assim que chegou ao colégio
de S. Paulo declarou aos seus companheiros saber que a sua
existência terrena estava por acabar.
Apesar dos recursos da medicina e dos cuidados de que o
cercavam todos os religiosos, a moléstia de tudo zombava. Dois dias
antes de falecer, pediu e recebeu o sagrado Viático; e, como
receassem os religiosos que viesse o Servo de Deus a falecer
nesse mesmo dia, administraram-lhe a Extrema-Unção.
Depois, pediu o Pe. Belchior ao seu assistente, Pe. Sebastião
Alvares, que no dia seguinte celebrasse Missa de moribundo, por
sua intenção. O Pe. Alvares dizia-lhe que ainda tinha esperança no
restabelecimento de sua saúde, mas o Servo de Deus apagou-lhe
essa esperança, afirmando que na próxima sexta-feira, às três
horas da tarde, entregaria sua alma ao Criador.
Em seguida instruiu o Pe. Alvares sobre a assistência que
desejava para os seus últimos momentos com as orações de S.
Ambrósio e a Paixão de Jesus Cristo. Insistindo o superior para que
ficasse à sua cabeceira um religioso, pediu-lhe o Pe. Belchior que o
deixassem sozinho, no que foi satisfeito. Assim se conservou toda a
noite, em ardente colóquio com Deus.
Repetindo as orações que o Padre Sebastião Alvares ia lendo,
às três horas da tarde de 22 de setembro de 1719 santamente
expirou o Pe. Belchior Pontes, pronunciando os dulcíssimos
nomes de Jesus e Maria.
“Não teve mudança alguma o seu cadáver, antes conservando
sempre a mesma disposição que teve em vida, dava a entender
que mais tinha sido aquela separação um leve sono, do que
despejos da morte; e ainda posto no féretro, para ser sepultado,
conservava no rosto aquela alegria de que fora dotado, se é que
com aqueles sinais não queria dar mostras de que gozava seu
espírito na glória…”.
“Da Sacristia foi levado pelo corredor da portaria à igreja onde se
lhe fez o ofício de corpo presente com solenidade e concurso que a
terra permitia; e deposto o cadáver na sepultura o cobriram primeiro
de flores, do que de terra; pois era justo que fosse depositado em
flores, quem, tendo vida, soube florescer em virtude, e produzir tantos
frutos de santidade”.
“Não acabou com a vida o conceito de suas virtudes, pois nas
suas relíquias esperavam os seculares conservar com a memória a
sua proteção, fazendo todo o possível para alcançarem dos
religiosos algumas destas joias: e ainda que eles, também
avarentos destas preciosidades, procuravam enriquecer-se
primeiro; contudo se repartiram algumas para satisfazer a
devoção de alguns pretendentes”.
Hoje nada mais resta dos despojos mortais do taumaturgo paulista.
Quase duzentos anos repousaram essas sagradas relíquias no
templo augusto que foi teatro de muitos de seus prodígios; mas o
seu jazigo foi profanado! Que é da igreja do colégio? Já não existe!
Quando o “alvião” derrubou as paredes seculares desse templo
venerável — a joia mais preciosa de entre os monumentos
históricos do Brasil — se as pedras pudessem falar, certamente
bradariam, amaldiçoando os demolidores.
E essa maldição seria contra o governo imprevidente, que
podendo e devendo reconstruir essa igreja, no mesmo estilo e com o
mesmo material, não trepidou em mandar destruí-la, privando as
gerações futuras de contemplar esse monumento histórico de valor
inestimável.
Se a igreja do colégio não primava pela beleza de suas linhas
arquitetônicas, nem pelas riquezas das decorações, ou grandeza
das dimensões, era, entretanto, um templo sagrado, fabricado pelas
mãos da nossa gente, um cofre das nossas mais puras tradições
religiosas e cívicas.
P J A E [26]

Este valoroso missionário foi um daqueles que maior número


de almas conquistara para o céu, em nossa pátria. Assenta-lhe bem
o título de apóstolo do Ceará, onde fundou numerosas aldeias de
índios.
Nasceu o Pe. João Alvares na povoação de Tracunhaém,
Pernambuco, a 4 de março de 1634. Seus pais, Antônio Jorge
Guerra e dona Isabel Taveira, encontraram de sua parte a melhor
correspondência ao desvelo com que o educaram.
De natural dócil e obediente, de proceder irrepreensível, revelava
o cândido menino que futuramente Deus lhe enriqueceria a alma com
singulares graças. Recebendo o presbiterado, continuou o Servo de
Deus a viver sob o teto paterno. Algum tempo depois, entrou para o
Convento de S. Amaro, em Olinda. Na congregação de S. Felipe
Neri, fundada pelo venerando Pe. Duarte do Sacramento, trabalhou
muitos anos o Pe. João Alvares, demonstrando continuamente os
fervores de sua alma na oração, na mortificação e na prática heroica
das virtudes.
Os jejuns, os cilícios e as disciplinas com que castigava seu
corpo, para melhor servir a Deus, foram perenes. Dispusera-se o
santo religioso a exercer o completo domínio sobre as paixões, e,
assim, armado com a couraça da oração e da penitência, vencia
todas as tentações, prosseguindo valentemente nos caminhos
espirituais que Deus lhe traçara.
Com permissão dos seus superiores deixou Pernambuco,
partindo para o Ceará, onde se lhe figurava vasto campo para os
seus trabalhos apostólicos. “Não se podem reduzir a número os
trabalhos e vigílias que constantemente tolerou, os caminhos
fragosos, e inacessíveis pelos quais muitas vezes descalço discorreu,
os perigos e ciladas a que heroicamente ofereceu a vida para atrair
à fé os corações dos idólatras, merecendo por estes angélicos
ministérios ser chamado apóstolo dessa missão”.
Numerosos milagres, fez em vida o venerável Pe. João
Alvares, curando enfermos, convertendo pecadores, proferindo
profecias e penetrando o íntimo dos corações. Muitos desses
prodígios foram autenticados com testemunho de pessoas
merecedoras de crédito, cujos depoimentos foram tomados por
ordem do Bispo de Pernambuco, D. Frei José Filho.
Abatido pelos árduos trabalhos, enfermidades e idade,
recolheu-se o santo varão ao Convento da Madre de Deus, em
Recife, onde a sua principal ocupação, depois da Missa, era ouvir e
absolver os pecadores.
A 29 de setembro de 1719, depois de receber os últimos
sacramentos, faleceu o grande missionário, na avançada idade de
75 anos. A morte do Pe. João Alvares da Encarnação encheu de
pesar não só os seus irmãos de hábito, mas toda a população de
Recife, que lhe prestaram as maiores homenagens.
“Em dois dias, que o venerável cadáver esteve sem se
entregar à sepultura, se viu flexível, e a carne tão branda, e tratável
como se fosse animada. Com alguns particulares portentos
acreditou o Senhor a virtude e eterna felicidade deste Servo, e
entre outro foi admirável o seguinte: Aquele tumor ulcerado que em
sua vida exalava um cheiro corrupto, que ofendia o olfato, e o
cérebro, de quem lhe assistia, logo que se apartou do corpo o
espírito, desapareceu num instante exalando uma fragrância muito
suave, e não conhecida, e tanta que se espalhou a todo o
espaçoso âmbito da igreja…”.
M M S [27]

A biografia de Madre Maria da Soledade foi escrita pela Serva de


Deus, Madre Margarida da Coluna, sua irmã de hábito e
inseparável companheira de vigílias, diante do Santíssimo
Sacramento. Fr. Jaboatão, transcrevendo para o Novo Orbe
Seráfico o trabalho de Madre Margarida, limitou-se, conforme
declara, a dividi-lo em capítulos e suprimir repetições
desnecessárias. Por nossa vez, faremos um resumo do que aí
encontramos.
Nasceu Madre Maria da Soledade na capital da Bahia, a 24 de
agosto de 1668, a 1 hora da madrugada. Era filha do capitão João
Borges de Macedo e dona Maria de Barros, ambos de
ascendentes nobres e muito conceituados na sociedade de sua terra.
Foi Madre Soledade batizada a 8 de setembro do mesmo ano, na
igreja Catedral de Salvador. Quando ainda criança já era
extraordinária a sua piedade, tendo-lhe a boa mãe ensinando a
rezar o terço de Nossa Senhora, com as devidas meditações. Aos
dez anos fez a santa menina perpétuo voto de virgindade, em louvor
de Maria Santíssima.
Sua maior ocupação era fazer rendas para toalhas de altar e
cultivar as mais belas e perfumosas flores para ornamentar as
igrejas. E assim crescendo, cada dia mais virtuosa, era a Serva de
Deus o anjo do seu lar.
Quando seu pai faleceu, contava Maria da Soledade dezenove
anos de idade. Estava, pois, no esplendor da sua mocidade.
Quiseram seus irmãos fazê-la casar com um nobre cavalheiro vinda
do Índia, ao que ela se opôs fortemente, manifestando a todos
que ambicionava outras núpcias: — as núpcias espirituais com
Nosso Senhor Jesus Cristo.
A sua mãe revelou à Serva de Deus o voto que havia feito,
quando menina. Alegrou-se virtuosa matrona com essa revelação,
tratando logo dos preparativos para a entrada da santa donzela no
claustro de S. Clara do Desterro, onde fez a profissão a 15 de
fevereiro de 1688, “e de tal sorte ordenou sua vida de perfeita
religiosa, e com tal fervor continuou a servir a Deus, que, sendo de
poucos anos, parecia ser a mais antiga entre as religiosas; e as
suas muitas virtudes a faziam respeitada e venerada”.
Era tão rigorosa e amiga das mortificações, que, desde sua
entrada no claustro, somente com sua mãe falava no parlatório,
uma ou duas vezes por ano. As maiores devoções da Serva de Deus
eram a santa Missa, a comunhão e a visita a Jesus Eucaristia.
Pode-se dizer que durante quase 33 anos que viveu no monastério
de Santa Clara, ouviu todas as Missas que aí se celebraram,
deixando de fazê-lo somente nos três dias em que guardou o leito,
quando atingida pela mortal enfermidade que a levou para a melhor
vida.
“No dia em que estava o Senhor exposto, ainda que fosse por
todo o dia, não se afastava do coro, indo pelas cinco horas para
nele assistir aos ofícios divinos, e mais, só saía acompanhando a
comunidade; e indo as demais para o refeitório, tornava para o
coro até se tocar as vésperas, ou de joelhos, ou em pé, levava o
dia até se encerrar o Senhor, e depois de tudo acabado ia então para
a cela a tomar alguma refeição; porque até aquelas horas estava
em jejum, coisa que admirava as demais religiosas”.
“Quando comungava, não dizia palavra alguma, nem fora do
coro por reverência ao Senhor, até depois de uma hora de sair do
coro dos seus costumados exercícios, e depois só falava o
necessário”.
Era tal o amor e devoção de Madre Soledade por Nosso Senhor
sacramentado, que no dia em que o recebia em sua alma, notava-se
no rosto uma transformação extraordinária; “pois lhe saíam pelas
faces rosas encarnadas, e de tal sorte andava enlevada, que
parecia estar-se rindo só; e quando recebia o Senhor recolhia-se a
um canto, coberta com seu véu e ali estava até se acabar o ato, e
quando descia o véu para tomar o lavatório, para o qual a
chamavam muitas vezes, a viam tão formosa, e rosada, que
parecia lhe resplandecer o rosto”.
Obtendo Madre Soledade a necessária permissão da
autoridade eclesiástica, mandou vender todos os bens que
possuía, a fim de aplicá-los na compra de um rico tabernáculo
para a capela de seu mosteiro. Como do dinheiro apurado não
chegasse para o fim a que destinara, pediu a santa freira a uma
religiosa que arranjasse esmolas para tal fim, pois era costume
ocultar todas as boas ações, sendo depois adquirido em Portugal
um artístico sacrário de prata.
O contínuo trabalho da Serva de Deus era bordar paramentos,
fazer hábitos para suas companheiras e todas as costuras
destinadas a igrejas. Para si mesma nunca costurou, pedindo,
quando necessitava, a outrem que o fizesse, pois destinava os
trabalhos de suas mãos só para o seu amado Senhor e os que o
serviam.
Achava-se em reforma o coro da igreja. As monjas, temendo
que Madre Soledade fosse vítima de algum desastre, pois podia
desprender-se dos andaimes alguma pedra ou pedaço de madeira,
aconselharam-lhe que se abstivesse de frequentar esse local.
Mas a venerável religiosa tinha profunda fé e confiança na
bondade de Deus, e assim lhes respondeu: — “Não fio eu tão pouco
do meu Senhor sacramentado, que sabendo vou ali por seu amor,
me há de matar; por certo enquanto estou ouvindo Missa ou em sua
presença”.
Nas noites de luar costumava Madre Soledade passar longas
horas contemplando as belezas do firmamento, chamando, muitas
vezes, as suas companheiras de claustro para com ela apreciarem
tal magnificência da criação.
Falava-lhes, então, das grandezas do céu, de que o firmamento
estrelado é uma imagem. Lembrava-lhes, afervorando-as, o gosto
eterno dos santos que, tendo passado a existência no
desprendimento das coisas terrestres, na prática heróica das
virtudes e mortificações, amando e servindo a Deus, agora o
contemplam face a face; no passo que tantas e tantas criaturas
racionais, desprezando os dons da graça, viviam em tristíssimo
estado, idolatrando as coisas da terra, mergulhadas nos vícios,
calcando aos pés os mandamentos divinos, e, por isso, arriscadas a
perda dos bens celestes e ao sofrimento eterno.
A 27 de outubro de 1719, agravando-se os padecimentos da
Serva de Deus e não podendo mais o seu debilitado corpo suportar a
violência da febre, teve de recolher-se ao leito. Antes, porém,
pediu licença à superiora para despedir-se de Jesus
sacramentado.
Tinha ela pressentimento, como declarou às demais religiosas,
que essa visita seria a última. Recolhendo-se à cela, recebeu o
médico que, pela primeira vez, a vinha examinar. Deixou-se
pacientemente sangrar, sofrendo mansa e resignadamente a
moléstia, que a martirizou por mais três dias.
Sentindo-se piorar de momento a momento, pediu às suas
dedicadas enfermeiras que lhe fizessem uma cama no chão, onde
desejava morrer. Depois, lançou ao pescoço o rosário da Virgem,
que ela chamava o seu precioso colar de quinze joias. Tardando o
sacerdote para lhe administrar os sacramentos, começou a Serva
de Deus a recitar o ato de contrição. Depois se abraçou com as
imagens de Jesus Crucificado e Maria Santíssima, esperando o seu
último momento.
Nesse instante chegou o Padre a quem rogou que em seu nome,
pedisse perdão, mais uma vez, à comunidade, se lhe dera algum
mau exemplo, ou lhe fizera alguma ofensa, de que se não lembrava.
Abençoada pela abadessa, e após ter-lhe implorado por esmola
um hábito para se amortalhar recebeu o sagrado Viático e a
Extrema-Unção. Quando o sacerdote terminou a oração pelos
agonizantes, expirou suavemente a santa monja Maria da
Soledade, às 10 horas da noite de 19 de outubro de 1719 tendo
idade de 51 anos, dois meses e seis dias.
“Estando (seu corpo) tão quebrado e consumido das penitências
e mortificações, que à vista parecia um cadáver em vida, ficou
depois da morte tão formosa, que parecia estar na primeira idade
dos seus anos; e não sendo de cor muito alva, então ficou sendo”.
Lacrimosas e “lamentando a perda de um tal tesouro”, as
religiosas colocaram o corpo de Madre Soledade em um esquife,
conduzindo-o para a capelinha do Senhor dos Passos, onde ficou
depositado durante a noite. Ao amanhecer, rezadas aí mesmo as
matinas pela comunidade, realizou-se o enterro da Serva de Deus,
cuja fisionomia conservava “tão agradável presença que parecia
estar viva pela extraordinária formosura de que se achava
revestida”.
P C L [28]

Em 1713 Caetano Pereira de Lima partiu de Recife, sua terra


natal, para a Bahia, onde recebeu o presbitério, seguindo depois para
o Rio de Janeiro. Conhecendo-lhe as virtudes e aptidões, o Bispo
do Rio de Janeiro nomeou-o vigário da vara da freguesia de
Sabará, em Minas Gerais.
Muito humilde, empregou esforços para afastar de seus ombros
tal honraria; entretanto, por obediência ao prelado, teve de aceitar o
cargo. Assumindo como vigário, viu logo o bom Pe. Caetano não lhe
convir uma longa permanência em Sabará, onde os habitantes, em
geral, fartos de ouro, viviam no meio do fausto e dos prazeres…
Poucos eram os pobres com que pudesse repartir esmolas.
Sentindo natural repugnância pelas grandezas da terra, e com a
alma cada vez mais atraída para a solidão, resolveu o santo
sacerdote renunciar o cargo.
“[…] Via o Servo de Deus ser arriscada a demora, e temendo
engolfar-se no abismo de conveniências temporais, sem mais
interpor dilações, com heroico desprezo do que possuía de bens
terrenos, sai das minas sem mais roupas que uma roupeta que
cobria muitos cilícios; a pé, e descalço, com a cabeça exposta aos
rigores do tempo, caminha para a lapa do Rio S. Francisco…”.
Aí estabeleceu sua morada, vivendo como anacoreta, longe do
mundo, entregue à meditação e a maceração do corpo. Seu leito
era a pedra; sua alimentação consistia em legumes. Mas, na
maravilhosa lapa em que vivia, transformada anos antes, em
santuário da Virgem da Soledade, não pôde o Servo de Deus
esquivar-se ao trato com os homens.
Era tão apurado o seu espírito de paciência e mansidão que,
certa vez, recebendo de um clérigo os mais grosseiros insultos, não
se alterou o santo sacerdote, aceitando a humilhação com toda
serenidade. Muitos eram os milagres que se operavam naquele
santuário, e por isso, os forasteiros indo de Minas para a Bahia e
Pernambuco, preferiam passar junto da lapa, por um caminho novo
que abriram para encurtar a viagem. Todos, aí chegando, queriam
ver o santo solitário.
Quebrada, assim, a solidão desse deserto, tratou Padre Caetano
de transferir a sua residência. Consultando o seu confessor,
aconselhou-o este a entrar para a Ordem de S. Bruno. Com esse
propósito seguiu o Servo de Deus para a Bahia, e, não encontrando
na cidade do Salvador nenhum navio prestes a partir, embrenhou-
se num bosque, fugindo da convivência dos seus parentes nobres e
ricos. Aí esteve até a chegada da embarcação que o transportou a
Portugal.
Em 1718, por cartas que dirigiu a sua mãe e a um religioso
carmelita, sem dizer porque deixara de entrar para a Ordem dos
Cartuxos, manifestava o propósito de servir em um hospital. Em
Portugal, prosseguiu fazendo ao céu copiosos serviços, até o ano
de 1723, que foi o de sua ditosa morte, na qual com muitos sinais
de salvação coroou os merecimentos da vida.
P E C [29]

Verdadeira glória da Igreja e do Brasil, foi, certamente, o


egrégio missionário jesuíta Estanislau de Campos. Estimadíssimo
pelos seus companheiros de congregação, pelas autoridades
eclesiásticas e civis, e pelo povo em geral, a fama de suas virtudes
ultrapassou as fronteiras da pátria.
O rei de Portugal, Dom João V, era um dos seus maiores
veneradores, como teremos ocasião de ver no decorrer deste
capítulo.
Foi o Padre Estanislau uma das mais fortes colunas da
Companhia de Jesus no Brasil. Nos altos postos que ascendeu,
empregou toda a sua energia de administrador exímio e atividade
sem par, aliadas aos mais elevados sentimentos de justiça e
caridade. As casas que administrou, floresceram espiritual e
materialmente.
Foi, enfim, um verdadeiro discípulo de Santo Inácio de Loyola,
procurando em todas as suas ações a maior glória de Deus.
Nasceu Estanislau em S. Paulo, no ano de 1649, tendo por pais
Filipe de Campos Banderborg e dona Margarida Pires, ambos
oriundos de nobre estripe. Teve esse feliz casal duas filhas e cinco
filhos, dos quais Filipe e Estanislau se consagraram ao ministério
sacerdotal, aquele como membro ilustre da Ordem dos Clérigos.
“Quão santa e piedosamente vivera Filipe, perante Deus, embora
nenhum monumento nos restando da sua inteira santidade, assaz o
demonstre o seu nobre despojo corpóreo, sendo a cabeça
admiravelmente conservada, e espargindo de si grato perfume em
todos os sábados.
Conta-se, além disso, que Filipe, depois de morto, aparecera a
Bartolomeu Quadros, sacerdote verdadeiro e probo, e lhe lembrara o
pacto que em vida ambos fizeram acerca da morte, para que aquele
que primeiro morresse viesse certificar ao que ainda vivia o dia
próximo do óbito. Na verdade, a morte de Bartolomeu aconteceu no
dia que fora designado pelo predefunto amigo, que assim cumpriu
o pacto e o divulgou”.
Estanislau, piedosamente educado por seus pais, quando chegou
à idade dos estudos foi por eles entregue à direção dos Padres da
Companhia. Puro como um lírio, e inteligentíssimo, Estanislau era o
exemplo dos seus companheiros de estudo no colégio de S. Paulo.
Nesse tempo, achando-se em luta e ódios encarniçados duas
das principais famílias de S. Paulo, (Pires e Camargo) Deus livrou o
santo jovem de ser morto por um tiro de espingarda, que o não
atingiu, desfechado por um inimigo de seus parentes, afeito ao uso
de tal arma.
Com dezoito anos incompletos foi o Servo de Deus admitido
nas fileiras da Companhia de Jesus pelo Padre Antônio
Gonçalves, comissionário geral do Brasil.
Seguindo depois para o colégio do Rio de Janeiro, aí entrou
para o noviciado, a 1 de abril de 1667. “Vestindo o hábito da
sociedade, satisfez vantajosamente a esperança e expectativas dos
Padres, pois embora as novas vestes que tomava, o constituísse
entre os mais recentes alunos, todavia, a virtude, em que rápida se
robustecera, o colocara entre os mais adiantados”.
Durante o noviciado, teve o Servo de Deus, como confessor o
célebre Pe. Alexandre de Gusmão, varão famoso tanto por insigne
virtude como por extraordinários feitos. Tempos depois, quando o
Padre Alexandre se referia a Estanislau, demonstrava intenso
júbilo em ter sido o guia e mestre espiritual de tão santo
discípulo.
Do Rio de Janeiro, depois de ordenado sacerdote, foi
mandado pelos superiores para auxiliar os seus colegas que se
achavam dirigindo três povoações de índios, distantes duzentas
milhas do colégio de Pernambuco. Aí, entretanto, pouco tempo
permaneceu, sendo removido para o colégio de Olinda, como
professor de filosofia.
A 15 de dezembro de 1693, foi nomeado reitor do colégio do
Espírito Santo. Não podemos deixar de transcrever a narração de
um fato aí ocorrido e que bem demonstra a santidade de
Estanislau, proclamada pelo próprio espírito das trevas.
Aplicava-se exorcismo a certo homem possesso do demônio,
quando, em dado momento, este declarou que pouco antes entrara
na fabrica de açúcar do colégio, e excitando o vento, dispersara uma
porção de algodão, que estava exposta ao sol para secar; porém
tentando de novo entrar no mesmo lugar, vira em pé, e o olhando da
janela, o filho de Inácio, cuja presença lhe impedira ingresso, e o
obrigara a retroceder.
Feitas as diligências, verificou-se que o filho de S. Inácio, cuja
presença atemorizou o demônio, era o santo Pe. Estanislau de
Campos. A 6 de setembro de 1698, passou o Servo de Deus a
ocupar a reitoria do colégio de Olinda e, em outubro de 1705, era
ele reitor do colégio da Bahia. Depois desse tempo, foi Estanislau
incumbido de várias e honrosas missões, em diferentes lugares.
Em 1713, regressando à Bahia, após uma viagem cheia de
acidentes, em que, prestes a morrer, só escapou por insigne favor
divino, recebeu diploma de Roma, nomeando-o provincial da
Companhia. A 3 de junho desse mesmo ano, tomou posse do
referido cargo.
Em 1722, contando o santo missionário 74 anos de idade, foi
transferido para o colégio de S. Paulo. Dois fins principais tiveram
os seus superiores removendo-o para a terra de seu berço:
procurar suavizar-lhe as enfermidades, com mudança de clima, e
encarregá-lo de obter esmolas entre seus conterrâneos para que
se pudesse promover a beatificação do santo Pe. Anchieta.
“Nem esta mudança de lugar trouxe acontecimento algum
desagradável. Pois sendo confessor do vice-rei da Bahia, nesta
ausência achara meio de dispensar-se da honra daquele encargo,
como muito desejava, sem ofensa alguma do mesmo vice-rei”.
Aqui convém que se registre que o povo de S. Paulo, saudoso
do santo varão, o recebeu com as mais vivas demonstrações de
alegria, tendo o governador da capitania, capitão-geral Rodrigo
César de Meneses[30], promovido festejos públicos em sua honra,
mandando queimar fogos de artifício, etc.
Um dos primeiros atos de virtude do Servo de Deus ao chegar
ao colégio de São Paulo, foi avisar o irmão sacristão que,
diariamente, a primeira Missa ao romper da aurora seria sempre
por ele celebrada. Apesar de velho e doente, raro deixava o
venerável sacerdote de celebrar a essa hora.
Na impossibilidade de relatar, um por um, os atos de virtude do
Servo de Deus, contaremos apenas alguns fatos, que bem alto
proclamam a santidade de sua alma. Humilde como os que mais o
foram, era o Padre Estanislau contrário à ostentação doutrinária.
Dotado de vasta erudição, preferia passar por ignorante, calando,
quando outros falavam…
Em funções públicas, para as quais o convidavam, se de todo
não podia desculpar-se, nelas tomava parte coagido. Tinha sumo
prazer em viver ignorado e esquecido; e dificilmente consentia em
receber visitas de pessoas estranhas à sua congregação.
O geral da Companhia ordenou-lhe, certa ocasião, que
publicamente relatasse as culpas que tivesse cometido quando
provincial, por deixar de executar algumas ordens que lhe havia
dado, permitindo, porém, que ao arbítrio do culpado ficasse a
satisfação da pena.
“Sobravam razões pelas quais poderia Estanislau não só
desculpar a sua omissão perante o prelado geral, mas também
apresentá-la como coisa louvável; todavia preferiu sujeitar-se a
grave pena, quando, aliás, a própria consciência testemunhava a
sua inculpabilidade”.
“E para servir de exemplo não só referiu a sua culpa perante
os companheiros, e beijou os pés dos que se sentavam à mesa,
como também, inclinado sobre o chão assistiu à ceia e flagelou-se
com áspero azorrague”.
“[…] Com grande reverência cumpria a vontade de qualquer
superior, embora relativas a coisas desprezíveis; e nunca a idade
avançada e nem outra qualquer circunstância servia de pretexto à
sua decrepitude para não obedecer aos preceitos dos governantes”.
Em São Paulo, exonerado das obrigações inerentes aos altos
cargos que em outros lugares ocupou, pôde o Servo de Deus com
mais afinco entregar-se ao exercício da caridade. Fazia amiudades
visitas aos enfermos, e, depois de os confortar com os sacramentos,
muita vez lhes prestava serviços de dedicadíssimo enfermeiro,
preparando remédios e alimentação.
Era lhe usual, quando assistia à refeição dos doentes, dar-lhes
água para lavar as mãos e praticar outros atos de caridade e outros
ofícios de humildade, que incumbiam ao servente do enfermo…
Certo dia, uma pobre mulher pediu uma esmola ao Servo de
Deus. Não tendo na ocasião nenhum real para lhe dar, lembrou-se
o santo ancião que no tempo do inverno os pobres muito padecem
com a falta de agasalho. Assim pensando, foi à sua cela, tomou do
cobertor de seu uso, e, sem que ninguém o percebesse, entregou-o
à pedinte, que lá se foi muito satisfeita com o ótimo presente.
Só passado algum tempo, chegando ao conhecimento do superior
do colégio a notícia do belíssimo rasgo de caridade do venerável
sacerdote, pôde ele providenciar para que lhe fosse fornecido novo
cobertor.
Espalhando-se a fama do magnânimo gesto de Estanislau, as
pessoas devotas, sobretudo os seus parentes abastados,
entregavam-lhe as esmolas com que pretendiam favorecer os
pobres, julgando que as suas dádivas seriam mais bem aceitas de
Deus em razão dos merecimentos do esmoler.
Da generosidade de muitos dos seus parentes ricos,
principalmente de seu irmão José de Campos, aproveitava-se o
Servo de Deus para não só aumentar o patrimônio dos colégios e
casas que dirigia, como também para enviar auxílios às missões do
velho mundo, sabendo-se que, só para a de Malabar, mandava ele
anualmente de 500 a 600 escudos.
Foram notabilíssimas em Estanislau a paciência e mansidão
com que recebia injúrias, bem como a caridade em perdoar e
favorecer aos seus detratores. No confessionário, que
habitualmente estava rodeado de penitentes de todas as classes
sociais, passava o Servo de Deus longas horas, chegando um dia
a desfalecer de fraqueza.
Relataremos alguns fatos ainda para mostrar em quanta
veneração era tido Estanislau pelos seus contemporâneos.
Achava-se em S. Paulo, hospedado no colégio da Companhia de
Jesus, o Bispo do Rio de Janeiro, D. Antônio de Guadalupe.
Desejoso de ouvir todas as Missas que o Servo de Deus
celebrasse durante o tempo em que aí permanecesse, e informado
de que Estanislau celebrava a primeira Missa, de madrugada, não
quis o virtuoso prelado que ele modificasse o santo costume.
E despertando ao romper do dia, sem olhar os inconvenientes da
hora que podia ser prejudicial à sua saúde, dada a mudança de
clima, ouvia D. Antônio Guadalupe a Missa do Servo de Deus.
Rodrigo César de Meneses, de quem já falamos, tinha como
diretor espiritual o Padre Estanislau. Não empreendia esse operoso
governador nenhuma importante medida referente à causa pública,
sem que primeiramente lhe ouvisse o iluminado parecer.
Mas, nem por ser honesto e bem-intencionado, pôde o homem
de governo livrar-se da língua perversa dos seus desafetos.
Aconteceu chegar aos ouvidos do rei D. João V uma acusação
contra a probidade do governador da capitania de S. Paulo.
Mandando esse monarca abrir inquérito sobre o procedimento de
Rodrigo César, ordenou que o Pe. Estanislau desse por escrito o
seu parecer sobre o caso.
“Estanislau escrevendo acerca do merecimento e probidade do
governador, o isentou inteiramente da calúnia. Isto desagradou aos
inimigos de Rodrigo César, os quais pretenderam por via de cartas,
deprimir o conceito de Estanislau. O rei, porém, respondeu, que
estava certo da inocência do governador, fundada no testemunho
de um homem, a cuja fidelidade ninguém excedia no território de S.
Paulo”.
Entre os muitos dons que o Padre Estanislau de Campos
recebeu do céu, assinalaram-se de modo evidentíssimo, o das
profecias e conhecimento de recônditos pensamentos.
Quando do Servo de Deus viajava para a fazenda do Guareí,
pertencente à Companhia de Jesus, costumava visitar seu irmão
José de Campos, que morava perto da estrada de Itu. Numa
destas visitas, logo à chegada, indagou da saúde de uma de suas
irmãs, residente na vizinhança. Respondeu-lhe José de Campos
que ela adoecera pouco antes, mas que seu estado não inspirava
cuidados.
“Então Estanislau buscou persuadi-lo a ir imediatamente ver a
irmã, pois achava-se ela em perigo extremo”.
Embora tivesse José de Campos recebido antes da chegada do
Pe. Estanislau, por um portador que lhe enviara sua irmã, a notícia
de que ela passava melhor, resolveu atender respeitoso ao
conselho do santo religioso.
Partiu, pois, sem demora, e, ao chegar à casa de sua irmã,
encontrou-a moribunda. “Com efeito, agravando-se repentinamente
a moléstia, a doente agonizava, e logo faleceu, apenas recebido
os sacramentos que a ocasião permitiu”. Convenceu-se o irmão
do Padre Estanislau de que, só por inspiração divina, pôde este
saber da enfermidade mortal de sua irmã.
Regressando, após o enterro, contou José ao santo sacerdote
que sua irmã havia falecido. Estanislau retirou-se a um aposento,
donde, após demorada oração, voltou para junto dos seus parentes,
trazendo no semblante sinais de verdadeira alegria, e assim lhes
falou: — “Já não temos motivo de pesar; nossa irmã vive com Deus
e goza da pátria celestial”.
Depois de animada palestra, Estanislau fazendo uma pausa,
perguntou a José quem morreria primeiro, se ele, seu irmão ou
Maria, irmã de ambos, ali presente. Não obtendo resposta a tão
difícil pergunta, disse o Pe. Estanislau: “Tu José, primeiro te
apartarás da vida; eu te seguirei depois; esta, porém, (apontando
para a irmã) igualará os anos da serpente”.
Mais tarde, tudo se realizou conforme essa predição. Morreu
primeiramente José de Campos, depois o Pe. Estanislau. Maria,
“sobrevivendo a ambos chegou a tamanha velhice, que, perturbada
pela decrepitude a faculdade cognitiva, já não conhecia os filhos,
nem o lugar de sua própria habitação”.
Em outra ocasião, conversando o santo missionário com o
mesmo irmão José de Campos, queixou-se este da longa ausência
de um filho, que se achava nas minas de ouro de Cuiabá, “e não
lhe obedecia a ordem que lhe dera para regressar”.
Observou-lhe Estanislau: — “Não te irrites contra teu filho,
pois ele virá mais cedo do que esperas e do que pensas”. Achava
José de Campos que isso não se realizaria, pois seu próprio filho lhe
comunicara por cartas, que nesse ano não poderia voltar; tanto
mais, quanto, as cheias dos rios tornavam as viagens dificílimas.
A profecia de Estanislau realizou-se daí a poucas semanas, pois,
contra a expectativa, aquele filho regressou ao lar.
Outro fato digno de registro é o que se deu com o Padre Manoel
de Oliveira[31], confessor do Servo de Deus. Quando o Padre
Estanislau estava nos últimos momentos de vida, disse-lhe o Padre
Oliveira “que seria o primeiro a segui-lo no túmulo”. A isto o Servo de
Deus retrucou, afirmando que o seu confessor viveria ainda tantos
anos quantos faltavam para chegar a oitenta. E de fato, o Padre
Manoel de Oliveira só faleceu quando chegou a essa idade.
Dias antes de se agravar a sua última enfermidade indo Pe.
Estanislau, alta hora da noite procurar o Pe. Oliveira para se
confessar, ouviu misteriosos sons de sinos que dobravam
funebremente.
Prevendo, dias depois, que chegara a hora de partir para a
melhor vida, pediu o Pe. Estanislau que lhe administrassem os
sacramentos. No meio de cruciantes dores, produzidas pela
gangrena que se generalizara pelo seu corpo, demonstrava o Servo
de Deus a maior serenidade.
Cheios de admiração, os assistentes viram esse venerável ancião
de 86 anos, cujas mãos eram por demais tremulas, juntá-las, firmes,
em atitude de prece, tendo os olhos igualmente voltados para o céu,
por espaço de meia hora!
E assim, dessa edificante posição, placidamente expirou o santo
Padre Estanislau de Campos, às 11 horas da noite de 12 de julho
de 1734.
E M [32]

Félix da Costa, o venerável fundador do Recolhimento de Nossa


Senhora da Conceição de Macaúbas, nasceu em Penedo, Alagoas,
tendo por pais Félix da Costa, e dona Ana de Castro. Após a morte
de seus genitores, o capitão Manoel da Costa Soares, o mais velho
de entre os irmãos do Servo de Deus, resolveu mudar-se para outra
terra, onde pudesse mais facilmente estabelecer-se e dignamente
manter a numerosa família de que era chefe.
Desde menino, Félix alimentava na alma o sublime ideal de
fazer-se religioso, para com maior perfeição servir a Deus. Havia
três anos que andava em busca da paragem mais conveniente
para a definitiva residência, quando em Minas Gerais, o Servo de
Deus viu num dos pontos marginais do São Francisco, quando o
vinham singrando, um frade que à justa corporificava a imagem que
na sua fantasia figurava para o caso que alcançasse professar o
estado que tanto amava.
“Vestia o frade hábito branco, trazia escapulário e manto azuis,
emolduravam-lhe o rosto intensas e veneráveis barbas, e caia-lhe
por sobre as costas respeitável chapéu branco. A súbitas
desapareceu a figura do frade, tanto que Félix descobrindo-se
com reverência lhe deu sinal de que compreendera o aviso.
Assentou Félix que Deus o chamava deste modo para a vida
de Ermitão, e transbordando-lhe da alma a alegria contou logo a
seu irmão Manoel da Costa a aparição, e pediu-lhe que picando
os remos acelerasse a viagem, pois que, em se estabelecendo a
residência, iria ao Rio de Janeiro conferenciar com o Bispo
Diocesano, e receber instruções”.
Concedendo-lhe paternalmente uma audiência, o Bispo D. Frei
Francisco de S. Jerônimo, logo que ouviu a narração do Servo de
Deus, perguntou-lhe se conhecia a ordem religiosa cujos membros
trajavam o hábito branco e azul, como o do frade que lhe aparecera.
“E respondendo-lhe Félix que nunca, antes e nem depois da
ocasião, a que se referia, disse-lhe o Bispo que era a Ordem da
Conceição”.
A 8 de maio de 1712, depois de ter Dom Frei Jerônimo
verificado ser verdadeira a vocação do virtuoso católico para o
estado que queria abraçar, benzeu e lhe entregou um hábito da
Ordem da Conceição, com a autorização de poder usá-lo,
concedendo-lhe igualmente licença para angariar esmolas com
que pudesse erigir uma ermida em honra da Imaculada Conceição.
As irmãs e sobrinhas de Félix da Costa desejosas de seguir-lhe
o exemplo, fazendo-se religiosas, encarregaram-no de pedir ao
prelado do Rio de Janeiro a devida permissão. Voltou o Servo de
Deus à presença de Dom Frei Jerônimo, obtendo não somente
permissão para as piedosas donzelas vestirem o hábito azul e
branco, como também para construírem um edifício que lhes
servisse de convento.
A 12 de agosto de 1714 iniciou-se a construção da ermida de
Nossa Senhora. Félix da Costa, envergando o seu amado hábito e
carregando um oratório com a imagem da Virgem Imaculada, ia de
povoado em povoado pedindo esmolas para a realização do que
planejava.
Passados dois anos, estava concluída a capela da Virgem com
pequeno convento ao lado. “No dia 1º de janeiro de 1716 foi bento
o novo santuário da Mãe de Deus, pelo vigário da Roça Grande, Pe.
Lourenço de Valadares Vieira, e no dia seguinte entraram para o
Recolhimento doze donzelas sete das quais, as irmãs e as
sobrinhas de Félix, tinham tomado o hábito a 12 de junho de 1715”.
Depois de uma longa existência toda consagrada ao serviço de
Deus e da Virgem Imaculada, faleceu o ermitão Félix da Costa a 11
de outubro de 1737, deixando de si a mais saudosa memória,
envolta nos perfumes da santidade.
A J M
Sob o título de “Serva de Deus”, publicou o Dr. Vieira Fazenda,
na Revista do Instituto Histórico Brasileiro um resumo biográfico
da santa donzela Ana de Jesus Maria, extraído de um precioso
livrinho que pertenceu ao imperador D. Pedro II e foi por este doado
ao mesmo instituto.
O historiador da vida e virtudes da Serva de Deus escreveu o seu
trabalho em italiano, ocultando-se sob o pseudônimo de Pastore
d’Arcadia. Tal é a convicção do autor, sobre as virtudes e
merecimentos de Ana de Jesus, disse o Dr. Vieira Fazenda, que ele a
compara a S. Rosa de Lima e convida os fluminenses a invocá-la,
com fervor, nas necessidades espirituais, como modelo de
paciência, piedade e resignação.
Ana de Jesus nasceu na cidade de S. Sebastião do Rio de
Janeiro a 23 de abril de 1815, sendo batizada na igreja de S. José.
Tendo o rei D. João VI deixado o Brasil em 1821, seguiram em sua
companhia os marqueses de Lavradio (5º deste título) progenitores
da Serva de Deus.
Em Lisboa fez a piedosa menina a primeira comunhão, tendo
como guia espiritual o Pe. Luís Manoel Pereira Franco, da
Congregação da Missão. Dia a dia tornava-se Ana de Jesus mais
admirável pelo progresso nas virtudes e pelas muitas provas que
ia dando da inocência e simplicidade de sua alma.
Nomeado o Marquês para uma missão a Roma, em 1828,
acompanhou-o a filha, que teve como confessor o Pe. Micheloni, o
qual conhecia perfeitamente a língua portuguesa. Pouco depois,
seguindo o exemplo da marquesa, sua mãe, a nossa jovem tomou
para guia o Pe. José Ferrari, da Companhia de Jesus.
Em 1833, achava-se a Serva de Deus em Gênova, sob a
direção ainda de um jesuíta, o Pe. Benetello. Com decidido pendor
para a vida do claustro, achando-se novamente em Roma, no ano
de 1835, aí entrou para o noviciado das Religiosas do Santíssimo
Coração de Jesus.
Daí se retirando, ingressou no Mosteiro de Santa Rufina, onde
não pode permanecer em virtude de grave enfermidade. Ainda que
longe da vida conventual, não diminuíram no espírito da ex-fidalga
as práticas devotas e, mais que nunca, dedicou-se à vida
contemplativa, crescendo sempre na piedade, na virtude e no amor
dos pobres.
Em 1837 voltou Ana de Jesus para o Mosteiro de Santa Rufina,
a fim de recomeçar o noviciado; mas, foi logo obrigada a renunciar
à vida santa do claustro, por ter sido presa de intensa hemoptise.
A conselho dos médicos voltou a Serva de Deus para a casa dos
pais, a fim de tratar-se convenientemente. Embora sob os cuidados
dos melhores médicos da Itália e cercada do carinho de sua família,
ia a santa donzela piorando sempre.
Em busca de melhores climas, levaram-na seus pais às
cidades de Bolonha, Módena, Parma e Placência, onde ela
recebeu das “pessoas de todas as classes aí residentes muitas
provas de respeito e consideração, em virtude dos seus
merecimentos e vida verdadeiramente santa”.
Depois de sofrer heroicamente a sua cruel enfermidade, veio a
falecer a Serva de Deus a 27 de maio de 1840, confortada com os
sacramentos. Seus Restos mortais jazem em Roma, nas
catacumbas de Santa Maria, in Via Lata.[33]
P S C [34]

As poucas coisas que conseguimos saber da vida e virtudes


de Simão Nunes Coelho, sacerdote secular e irmão terceiro
franciscano, bastam para que possamos julgá-lo um verdadeiro
Servo de Deus. Este era o pensar unânime dos seus
contemporâneos, que o buscavam nas horas de amargura e
seguiam os seus conselhos, venerando-o como santo.
Nascido em Ipojuca, Território de Pernambuco, teve o Servo de
Deus por pais Simão Alvaro de Souza e dona Isabel Coelho
Machado. Muito piedoso desde menino, e com decidida vocação
para o sacerdócio; recebeu o presbitério, e, daí por diante, dedicou-
se toda a sua existência à santificação da sua alma e o bem do
próximo.
Aprisionado pelos piratas, suportou humilhações e doloroso
cativeiro por muitos anos, só conseguindo a liberdade à custa de
ingentes sacrifícios. O tempo que lhe sobrava das ações caridosas
em socorrer enfermos, aos desvalidos da fortuna, e encaminhar
as almas pelo caminho da virtude, empregava-o Padre Simão nos
mais fervorosos colóquios com Jesus sacramentado.
Saía ele todos os dias, à hora do sol a pino, com a cabeça
descoberta, a bater de porta em porta, pedindo esmolas para mandar
celebrar sufrágios pelas almas do purgatório. Humilde como era,
comprazia-se em receber afrontas…
Amigo do silêncio, só falava quando necessário, e às
perguntas curiosas respondia com inclinação de cabeça. A sua
caridade ia a ponto de não permitir que em sua presença se dissesse
nenhuma palavra em detrimento da honra e boa fama do próximo.
Além do uso contínuo dos cilícios e disciplinas, jejuava o Pe.
Simão amiudadas vezes, dormindo pouco, sobre uma estreita tábua
de cinco palmos de comprimento, servindo-lhe de travesseiro um
duro cepo. Deus concedeu-lhe, entre outros, o dom de penetrar os
segredos dos corações.
A última enfermidade do Pe. Simão Coelho fez ele sofrer
muitíssimo, dando ele, mais uma vez, eloquente demonstração de
quanto tinha arraigada em sua alma as virtudes da paciência e
resignação. Faleceu este santo sacerdote, na cidade de Recife, a
20 de dezembro de 1741, sendo sepultado na igreja do Oratório de
S. Felipe Neri.
M M [35]

Margarida Dias Jardim, filha de Domingos Dias e dona Inácia


da Costa Jardim, nasceu na vila de Cairu, Bahia, sendo batizada
na igreja matriz da mesma vila, no ano de 1662. Aos 24 anos de
idade, sentindo vocação para a vida do claustro, entrou no noviciado
do Convento de Santa Clara do Desterro, na cidade de Salvador,
chamando-se, desde então, Margarida da Coluna.
Monja exemplar e companheira inseparável de Madre Vitória da
Encarnação nas vigílias diante de Jesus Eucaristia, continuou, após
a morte dessa venerável religiosa, a praticar os mesmos atos de
piedade. Como abadessa, prestou ao seu mosteiro serviços
valiosíssimos. Foi beneficiada por Deus com muitos dons, não só
de virtude, como de inteligência, espírito de ação e de mortificação.
Em seu mosteiro ela instituiu os exercícios espirituais de Santo
Inácio e outras devoções. “Nunca teve tempo ocioso, porque ainda
algum que lhe restava dos seus espirituais exercícios, e outras
ocupações, o gastava em ensinar a umas a língua latina que sabia
muito bem e a outras a doutrina cristã”.
Aos oitenta anos ainda acompanhava a comunidade em todos os
atos regulamentares, perseverando igualmente nos jejuns, cilícios e
disciplinas, como se fora ainda jovem. Certa ocasião, às 3 horas da
madrugada, entrando uma religiosa em sua cela, a fim de chamá-la
para as primeiras orações em comum, encontrou-a ainda dormindo,
rodeada de misteriosos resplendores…
Quando morreu esta santa monja, a 22 de dezembro de 1743,
notaram as religiosas, quando entre lágrimas lhe prepararam o
corpo para a sepultura, que, mesmo gravemente enferma, não se
abstivera das suas costumadas mortificações, tais as pisaduras
que lhe acharam.
Depois de amortalhada, colocaram-lhe ao pescoço um rosário
de contas brancas, talvez em homenagem ao muito que a Serva de
Deus trabalhara para difundir a devoção a Nossa Senhora.
Passaram-se os anos, e, ao abrirem a sepultura de Madre
Margarida para recolher os seus ossos, encontraram sobre o
crânio venerando, como uma grinalda de pérolas celestes, o
rosário de contas brancas!
I I R [36]

Inácio da Rocha, homem de cor parda e de muito humilde filiação,


revelou desde a mais tenra idade, forte tendência para as coisas do
céu. Quando ainda criança, passava muitas horas do dia e da noite,
de joelhos, rezando com uma cruz nas mãos. Este costume ele
conservou por toda a vida.
Foi este Servo de Deus, sempre dado aos jejuns e outras
mortificações. Abstinha-se de comer carne, mesmo quando se
achava doente, sendo a sua alimentação a mais simples possível.
Jovem ainda, casou-se, mas pouco tempo depois por ter falecido
sua esposa, mudou-se de Sergipe, sua terra natal, para a capital da
Bahia. Recebendo, em 1720, das mãos de Frei José de Santo
Antônio o hábito de São Francisco, no ano seguinte, fez a profissão
de irmão Donato.
Daí por diante as suas vestes foram sempre as da Ordem
Franciscana, trazendo a cabeça descoberta, os pés descalços e
empunhando uma cruz de madeira. A ocupação do Servo de Deus,
todas as manhãs era ajudar Missas e fazer outros atos de devoção.
Tão devoto era Inácio da divina Eucaristia, que além de
comungar frequentemente, procurava cercar de todo o esplendor
as homenagens que os fiéis deviam prestar ao sacramento do amor,
quando em forma de Viático era levado pelas ruas de Salvador. Aos
primeiros toques dos sinos, era sempre o Irmão Inácio o primeiro a
apresentar-se.
Querendo viver como perpétuo peregrino, nunca teve domicílio
certo, passando as noites, ora no adro das igrejas, ora na casa de
pessoas piedosas, as quais pedia por esmola o agasalho. Todos se
honravam em o ter como hóspede, venerando-o como um santo.
Numa das vezes que o Servo de Deus pousou em casa de
Manoel de Oliveira Bessa, homem de destaque na sociedade
baiana, deu-se o seguinte prodígio: Era noite alta, quando,
levantando-se Inácio da Rocha, foi bater à porta do quarto do dono
da casa, avisando-o de que num dos cômodos havia fogo.
Em vista do alarme, levantaram-se todos da família e passando
revista na casa, verificaram que de fato, num dos compartimentos
irrompera incêndio; “atribuindo-se à virtude do Irmão Inácio o fato
de ficaram livres daquele perigo, pois só por participação do céu o
podia saber, por ficar o seu aposento muito distante do outro e
sem comunicação entre eles”.
Aos sábados, por devoção a Nossa Senhora, costumava o Servo
de Deus distribuir com os pobres as esmolas que lhe confiavam.
Uma das pessoas por ele favorecidas era uma viúva que vivia num
dos bairros da cidade, em companhia de uma filha moça.
Certo dia, indo Inácio da Rocha levar o seu donativo a essas
indigentes, “chegou à janela, por que dentro nunca entrava; veio a
moça a receber a esmola, e olhando para ela o Irmão Inácio lhe
disse todo perturbado: Tu não estás como estavas outro dia, vai te
confessar; e atirando-lhe dentro com as duas patacas, se voltou, e
não repetiu mais aquela diligência”. Desse caso se depreende que
o Servo de Deus possuía o dom de conhecer o segredo dos
corações.
Teve o Ir. Inácio a previsão do dia de sua morte. Numa noite de
16 de junho de 1744, foi ele à casa de dona Maria de Souza, devota
mulher, e lhe pediu por caridade agasalho por três dias, dizendo se
achava molesto e lhe doía todo o corpo.
No dia imediato pediu lhe chamassem seu confessor,
recebendo horas após, de joelhos, com muito edificante devoção,
o sagrado Viático e, em seguida a Extrema-Unção. A 18 de junho,
quinta-feira, “dia consagrado ao Santíssimo Sacramento, de cujo
muito suave mistério foi (O Servo de Deus) público e afetuoso
devoto e venerador, pelas três horas da tarde entregou ao mesmo
Senhor com o sossego dos justos o seu espírito, ficando com o
semblante alegre e como quem se estava rindo dos enganos do
mundo”.
Os restos mortais do Ir. Inácio só puderam ser sepultados dois
dias após sua morte, em vista da divergência entre os seus
veneradores, quanto a escolha da igreja em que deveriam fazer a
sepultura.
Os religiosos franciscanos julgavam-se com direito, por ter sido
ele Ir. Donato; os carmelitas por ter ele usado o bentinho de
Nossa Senhora. Para que cessassem as divergências, pediram
todos ao Arcebispo D. José Botelho de Matos que decidisse a
questão.
Resolveu o prelado que fosse o corpo do Servo de Deus
inumado na nova igreja matriz, dedicada ao Santíssimo
Sacramento, visto ter o mesmo falecido nessa paróquia e em
prédio pertencente à mesma matriz.
Recebida a decisão com agrado geral, foi o corpo removido para
aquela igreja, acompanhado de enorme multidão, sendo o esquife
carregado por seis sacerdotes. Na ansiedade de possuir relíquias
do santo irmão, procuravam os fiéis retalhar-lhe o hábito, sendo
preciso o governador geral mandar uma companhia de soldados
para manter a ordem.
Sexta-feira, de manhã, foram celebradas solenes exéquias; e à
tarde, mandou o Arcebispo alguns médicos, acompanhados de
sacerdotes, precederam-se ao exame no cadáver, “e acharam o
corpo flexível em todas as suas partes, movendo-se e dando
estalos os dedos dos pés e mãos”.
A fim de evitar nova aglomeração de povo, resolveu-se que o
enterro se fizesse na madrugada de sábado. “Ao tempo, que se ia
fazer esta diligência do enterro, dizem dera o sino da torre três
badaladas, como costumam aos sábados de manhã, quando se
quer entrar à Missa de Nossa Senhora, que se celebra nos tais
dias, e que mandando-se à torre ver quem tocara o sino, se achara
a sua porta fechada”.
M F [37]

Na freguesia de Muribeca, Pernambuco, nasceram as santas


donzelas, Maria, Margarida, Luiza, Ana, Beatriz e Luzia. Educadas
piedosamente por seus pais Vicente Rodrigues Fonseca e dona
Luiza Pinto, dia a dia progrediam as Servas de Deus no desejo de só
viverem para as coisas do céu.
Tendo falecido os seus genitores, entregaram a um irmão toda a
herança que lhes coube, e transformaram a sua casa em rigoroso
recolhimento, onde continuaram a viver como religiosas de
clausura. As horas do dia, e mesmo da noite, eram utilizadas pelas
Servas do Senhor na oração vocal e mental.
Pobres, absolutamente pobres, serviam-se as santas donzelas de
ervas e frutas silvestres para a sua alimentação. Se alguma ficava
enferma, então Margarida saía do recolhimento e ia pedir aos
vizinhos alguns alimentos especiais.
Maria a mais moça, logo que seus pais deixaram de existir,
construiu com as suas delicadas mãos, em lugar afastado da
residência das irmãs, uma casinha pau a pique para sua morada.
Queria viver na contemplação dos mistérios divinos, isolada de
todos, como nas cavernas viviam os antigos contemplativos.
Não usava cama no seu cubículo. Para repousar servia-se
apenas de uma tábua de quatro palmos de comprimento por um e
meio de largura. Assim passava as noites, a heroica donzela! Junto
do seu miserável cubículo existia um pé de laranjeira azeda, de
cujos frutos ela tirava o alimento. Com o caldo de uma laranja
passava dois e três dias!
Sua vida foi um prodígio de tal monta que o seu biógrafo chegou a
exclamar: “Que mais podia fazer no deserto um santo anacoreta!
Que austeridades e rigores podia usar consigo, que a Serva de
Deus não experimentasse na solidão desta cova em que vivia!”
Tendo celeste revelação do dia de sua morte, pediu a Serva de
Deus os últimos sacramentos. Depois em amoroso êxtase, sua alma
voou para a pátria dos bem-aventurados, em um dos dias do ano de
1751. Seu corpo foi sepultado na matriz de Muribeca.
Vejamos agora quais os dons especiais que Deus concedeu às
outras servas. Beatriz possuía o das lágrimas. Tanto ela as derramou
continuamente aos pés de Jesus Crucificado, que chegou a perder a
vista; tendo-a, porém, recuperado algum tempo antes de falecer.
Quando a Ana morreu, passarinhos vieram, cantando, pousar sobre
seus pés; e por mais que os enxotassem, repetiam as mesmas
carícias…
Luiza e Luzia tinham constantes êxtases. Margarida, ao voltar do
peditório de esmolas, via multiplicar-se em suas mãos a porção de
alimento que lhe davam. Os confessores das Servas de Deus e
outras pessoas fidedignas testemunharam todos estes prodígios.
J J [38]

Essa célebre penitente, de cor parda, nasceu em Recife,


Pernambuco. Não tendo recebido de seus pobres pais a
necessária educação religiosa, Joana de Jesus, tornando-se moça
e desamparada, viveu alguns anos entregue a uma vida impura.
Mudando-se para a vila de Goiana, aconteceu entrar em uma igreja,
onde pregava missão o Padre Gabriel Malagrida.
As palavras do santo jesuíta penetraram no coração da
pecadora e operaram a sua conversão. “Com uma confissão geral,
verdadeira contrição e propósito firme de nunca mais ofender a
Deus, desbaratou em um só conflito todo o infernal exército de suas
culpas; e com o uso dos sacramentos e exercícios de penitência
destruiu as depravadas inclinações da natureza”.
Atendendo-lhe as súplicas, o Pe. Miguel Rodrigues de
Sepúlveda, “fundador e administrador do Recolhimento da Vila de
Igarassu”, admitiu-a como doméstica do mesmo instituto. Julgando-
se indigna de habitar com as demais recolhidas, com suas próprias
mãos a Serva de Deus edificou uma casinha de taipa, junto ao
edifício do Recolhimento, e aí passava as noites. Praticou sempre
as mais rigorosas mortificações. Cingiam-lhe o corpo vários cilícios
e diariamente disciplinava-se.
Dormia sobre o chão, com a cabeça apoiada a um tosco
madeiro. Além das muitas demonstrações de seu amor a Nossa
Senhora, não podia Joana ouvir pronunciar o seu sagrado nome
sem cair logo com os dois joelhos em terra.
Atacada de hidropsia, muito padeceu a venerável penitente,
nunca se lhe tendo ouvido uma queixa, ou notado sequer um
sinal de impaciência. No dia 11 de janeiro de 1754, sábado,
quando todos a supunham pior de sua moléstia, levantou-se Joana
de Jesus, indo juntar-se as outras recolhidas para cantar o ofício de
Nossa Senhora.
Com o rosto revestido de rara beleza e os sinais da mais viva
alegria, empregou a Serva de Deus todo esse dia em entoar
louvores a Deus e a Maria Santíssima. “Assombradas as recolhidas
com sucesso tão maravilhoso lhe perguntavam pela causa de tão
repentina melhora e pelo motivo de tanto prazer; ao que respondia:
Porque lhe concedia Deus a morte para descanso dos trabalhos da
vida temporal, e que não era razão estivesse triste, quando lograva
a seguridade da glória, e nela todas as felicidades, cujo
contentamento alentava de tal modo o seu espírito, que pode vencer
as fraquezas do corpo. Toda noite de sábado passou em
contemplações celestes abrasada nos incêndios do amor divino, e
como eram excessivas as chamas que estavam ateadas no seu
coração, no rosto reverberavam as suas luzes”.
Os últimos sacramentos foram-lhe administrados às 6 horas da
manhã de domingo. Depois, até as 3 horas da tarde, em que faleceu,
passou em colóquio com Jesus Crucificado e Nossa Senhora; assim
terminando a sua edificante vida de santa penitente. Seu corpo
tornou-se flexível e o rosto uma beleza surpreendente. “Depois de
sua morte muitos meses se sentiu na casinha em que habitava, um
cheiro tão suave, que excedia ao dos aromas e flores mais
fragrantes”.
M J S J [39]

A 15 de outubro de 1715, nasceu no Rio de Janeiro, a Serva


de Deus Jacinta de S. José. Seus pais, José Rodrigues Aires e
dona Maria Lemos Pereira, piedosamente a educaram. Jacinta,
desde menina demonstrou o mais elevado pendor para as coisas
celestiais, tornando-se alvo da estima e veneração de todos quantos
com ela conviviam.
“Cresceu-lhe com a idade o fervor de votar-se a Deus; cedo
compreendeu José Rodrigues Aires as piedosas inclinações que
patenteava a sua filha, e longe de contrariá-la, condescendeu com
as suas súplicas e lhe fez presente de uns cilícios. Animada pela
condescendência paterna, entregou-se de todo ao exercício da
penitência. Viram-na desde então como o anjo da oração embeber-
se pela noite adiante nas práticas religiosas, e muitas vezes a
surpreenderam a se martirizar com as disciplinas, que ainda hoje
se conservam em sua cela, no seu convento. Corria depois a via
sacra, coroada de espinhos e curvada ao peso da cruz que levava
aos ombros, parte da qual ainda subsiste…”.
Entretanto, sua mãe que se preocupava muitíssimo ao ver a
delicada menina ausentar-se de sua presença, para em lugar
retirado se entregar durante horas, à prece e à mortificação,
procurava dissuadi-la desse procedimento, talvez por julgá-lo
excessivo em tão verdes anos. “Muitas vezes ia (sua mãe)
surpreende-la, e então lhe arrancava das mãos ensanguentadas
os instrumentos da penitência…”.
Desde os onze anos de idade, sofreu Jacinta de graves
moléstias, sempre paciente e resignada com a vontade de Deus,
e sem nunca abandonar os seus exercícios de piedade e
mortificação.
Tendo falecido seu pai e passando sua mãe a segundas
núpcias, pode a santa donzela entregar-se sem mais entraves, à
prática das suas devoções. Atraída para a vida do claustro,
tratou Jacinta de adquirir, com o auxílio de um seu tio, a chácara
de Bica, próxima ao monte da capela da Senhora do Desterro, e
dela tomou posse no mês de março de 1742, e na madrugada de
27 do mesmo mês se retirou para ela levando consigo a imagem do
Menino Deus. E em companhia de sua virtuosa Irmã Francisca, aí
ficou residindo.
Trataram então, as duas Servas de Deus, de erigir uma capela
em honra de Jesus Menino, e, com o produto da venda das joias
de Jacinta foi iniciada a construção almejada. “Difundiu-se logo por
toda a cidade o suave aroma das virtudes daquelas Servas de
Deus, que causou tão agradável sensação ao governador Gomes
Freire de Andrade, o exemplo dos bons governadores, que se lhe
acendeu no espírito eficazmente proteger aos seus pios desejos,
ajudando a levantar a capela, dando-lhes uma mesada, que José
Gonçalves, (irmão de ambas) ia receber do brigadeiro Alpoim.
Suscitaram-se, como é de costume, contradições e dificuldades na
recepção das esmolas, que se fez necessário ir ao mesmo José
Gonçalves recebê-las, dizendo-lhe que o general as havia de ajudar
e confiassem em Deus, que ele pagaria por junto. Não pararam as
obras da capela, e o Bispo Dom Fr. João da Cruz deu a autorização
conveniente, parecendo milagroso o adiantamento, e tal atividade
de Jacinta na sua conclusão que até o próprio trabalho aumentava,
indo nas tardes frescas e nas noites de luar com sua irmã
carregar pedras em companhia do referido José Gonçalves, este
em carrinho, seus escravos à cabeça, Jacinta e Francisca em um
saco, conforme podiam”. Essa capela inaugurou a 31 de
dezembro de 1743.
Aumentando o número de donzelas que desejavam seguir o
exemplo da Serva de Deus, tratou esta da edificação de um
convento que pudesse comportá-las. Pediu, então, Jacinta, a
proteção do conde de Bobadela, que, de boa vontade se
entendeu com o prelado diocesano, para levarem a efeito a nova
edificação. Iniciou-se logo a construção do convento e, quando já
se achava concluída uma parte do mesmo, para aí se transferiram a
Irmã Jacinta e suas companheiras, a 24 de julho de 1751.
Querendo adotar para si e a comunidade que dirigia, a regra de
S. Teresa de Jesus, em vez de S. Clara, como desejava que elas
praticassem o Bispo D. Fr. João da Cruz, partiu a santa religiosa para
Portugal, a fim de pedir os bons ofícios do rei D. José I, com que
pretendia amparar a sua pretensão junto à Santa Sé.
Saindo do Rio de Janeiro a 14 de novembro de 1753, chegou
depois de feliz viagem a Lisboa, juntamente com seu irmão o Pe.
Sebastião Rodrigues Aires e mais dois sacerdotes. Foi Jacinta
apresentada ao rei que a recebeu muito bem, prometendo auxiliá-
la.
Impetrando a Serva de Deus ao Sumo Pontífice, a bula de
autorização das regras de S. Teresa para o seu convento, o papa
Bento XIV lhe concedeu a 22 de dezembro de 1755. Vendo
coroado de pleno êxito o seu trabalho, regressou Jacinta para o
Brasil, chegando ao Rio de Janeiro, a 17 de abril de 1756.
As obras do convento prosseguiram daí por diante
animadamente, e estava a Serva de Deus, pronta para com suas
companheiras fazer a solene profissão religiosa, quando o anjo
da morte veio cortar o fio de sua existência. A 2 de outubro de
1768, faleceu santamente a fundadora das carmelitas descalças
do Rio de Janeiro, a feliz criatura a quem Deus acumulara de dons
de virtudes e de milagres — Madre Jacinta de São José.
P P T [40]

Na frequezia de Igarassu, em Pernambuco, nasceu este Servo


de Deus, a 16 de maio de 1697. O seu Batismo efetuou-se a 26 do
mesmo mês, na matriz dos Santos Cosme e Damião. Era filho de
Carlos Teixeira de Azevedo, fidalgo da Casa Real e dona Vicência
de Sepúlveda. Fez seus primeiros estudos no colégio da
Companhia de Jesus, em Olinda.
Ordenado sacerdote, exerceu vários cargos de confiança dos
seus prelados. Foi vigário colado de Igarassu, visitador diocesano,
etc. Varão dotado de muito talento, erudito e santo, eram
apreciadíssimos os seus sermões. Com a palavra e com o exemplo,
converteu muitos pecadores.
Em 1733, entrou o Servo de Deus para a Companhia de Jesus,
onde ainda mais brilharam as suas virtudes e zelo pela salvação
das almas transviadas. “Era um gênio tão dócil, de um coração tão
humilde e brando; de um natural tão piedoso e caritativo, que a
todos tratava com amabilidade, afabilidade, agrado e caridade; e
nunca ouve quem o visse falar agastado, por mais que fosse
provocado. Desejava tanto o próprio abatimento, que procurava
com quantos meios eram imagináveis, ocultar o que aos olhos das
criaturas podia render-lhe estimação”.
Amante dos jejuns, dos cilícios e disciplinas, na quaresma
redobrava o rigor das suas mortificações. Foi missionário dos mais
valorosos. Percorreu a pé e descalço, os sertões de São Paulo e
Paraná, obtendo farta messe de almas para Nosso Senhor. Um
dos principais cargos que exerceu na sua congregação foi o de
primeiro mestre de noviços do colégio do Rio de Janeiro.
“Pelas suas heroicas virtudes mereceu o venerável Pe. Paulo
Teixeira o dilatado afeto dos ilustríssimos Bispos do Rio de Janeiro,
Minas e São Paulo; e ganhou com os povos tanta opinião, que
todos o veneraram como varão santo, e o apelidavam São Paulo
das províncias do Sul”.
Gravemente enfermo e deitado em pobre leito, forrado apenas
com uma esteira, muito sofria o Servo de Deus, sem o mais leve
sinal de impaciência. Recebidos os últimos sacramentos, descansou
no Senhor, às 11 horas da noite de 27 de agosto de 1756, com 59
anos de idade. Sua morte causou geral consternação na
população do Rio de Janeiro.
Exposto o seu cadáver na capela do noviciado, foi muito visitado
pelos seus veneradores, que se contavam em todas as classes
sociais. Não se contentando em tocar o corpo do Servo de Deus
com medalhas e terços, chegaram a cortar-lhe dos paramentos e
cabelos muitos fragmentos. Durante os funerais, que foram
pomposos, vários pintores se ocuparam em passar para a tela os
principais traços fisionômicos do santo religioso.
Numerosos fiéis, que após a morte do Pe. Teixeira recorreram à
sua intercessão, foram atendidos; sendo muitos desses favores
considerados como verdadeiros milagres.
F A R [41]

Este santo irmão leigo nasceu em Parnaíba, São Paulo, no


ano de 1682. Chamaram-se seus pais Francisco Cabral de Tavora
e dona Maria de Oliveira Cordeiro. Jovem muito piedoso, desejava
Antônio ir como peregrino, aos santos lugares da Palestina, a fim
de visitar o sepulcro de Nosso Senhor Jesus Cristo e os demais
monumentos da fé, que aí se encontram.
Achando-se ele na então vila de São Paulo, aconteceu
encontrar-se com um sacerdote do arcebispado da Bahia, ao qual
expôs seu plano e pediu consentimento para ir até a cidade de
Salvador, em sua companhia. Partiram ambos, e, após longa
jornada, chegaram a Cachoeira, no mesmo arcebispado.
Dessa localidade seguiu Antônio para Belém, onde se
confessou com o santo Pe. Alexandre de Gusmão, no seminário da
Companhia de Jesus. Sabedor dos intuitos do jovem peregrino,
Gusmão fez-lhe ver as mil dificuldades que teria de vencer para
chegar à Terra Santa.
Como Antônio não tinha feito voto, mas apenas procurava
realizar um ideal, aceitou os criteriosos conselhos do venerável
sacerdote, e, desistindo do seu intento, seguiu daí para Salvador,
passando alguns dias em casa do clérigo com quem tinha vindo até
Cachoeira.
Depois, obedecendo ainda a um conselho do Pe. Gusmão, que ele
aceitou como uma inspiração celeste, resolveu fazer-se religioso,
escolhendo a Ordem de S. Francisco. Tinha ele 21 anos, quando
professou como irmão leigo, no Convento de Sergipe do Conde,
arcebispado da Bahia a 7 de janeiro de 1703.
Na virtude da obediência e em todas que praticou, foi sempre
Frei Antônio exemplar. Por muitos anos e a contento geral exerceu o
Servo de Deus o cargo de esmoler dos conventos em que residiu.
Tornou-se Frei Antônio do Rosário, também notável, pelo seu espírito
de pobreza e mortificação. “Não tinha por ornato da cela, mais que
uma cruz pequena de pau, cilícios e disciplinas”.
A 9 de setembro de 1763, tendo pressentimento da morte, Frei
Antônio pediu e recebeu os últimos sacramentos, expirando na paz
do Senhor. Morreu em sua cela, deitado no chão, revestido do
hábito e com a cabeça coberta com o capelo, tendo as mãos
recolhidas no interior das mangas, segurando com uma delas o
rosário da Virgem.
Sua morte foi muito sentida, acorrendo ao convento, para visitar
seu cadáver e pedir relíquias suas, uma multidão de fiéis. Depois do
enterro do santo frade, deram-se algumas curas milagrosas de
pessoas enfermas, que aplicaram sobre si pedaços de um hábito
que lhe pertencera.
M H

Dentre as santas monjas, que mais enalteceram os claustros


brasileiros, podemos nomear Madre Helena Maria do Espírito
Santo, a quem Deus inspirou a fundação de um mosteiro em São
Paulo [42] , e cujo entendimento das coisas espirituais era tão
profundo, que Fr. Antônio de Sant’Anna Galvão chegou a afirmar:
“Sua sabedoria mais parece divina que humana”.[43]
A pena que se propôs a suave tarefa de reavivar nas páginas
de um livro a memória de tantos brasileiros que mereceram a
denominação de santos, vai agora narrar a vida e as virtudes
desta nossa eminente compatriota, predestinada pelo Criador para
a grandeza da glória.
A 2 de maio de 1736, no sítio de seus pais Francisco Vieira
Calaça e dona Maria Leme, em Apiaí, (capitania de S. Paulo) nasceu
Helena. Sobre a casa de Calaça, naquela noite serena e estrelada,
os vizinhos observaram um fenômeno, que os encheu de
assombro: uma nuvem branca, muito branca, pairava no espaço,
contornando a vivenda abençoada, que o choro de Helena enchia
de intenso júbilo.
Movidos de curiosidade, no dia seguinte, acompanhando o
lavrador Francisco de Paiva, “homem fidedigno e bom
católico”[44], foram visitar a casa de Calaça, certos de que o
fenômeno na noite anterior anunciava uma graça enviada por Deus
àquele lar cristão. Disfarçando o motivo da visita, perguntaram a
Calaça se havia ali alguma novidade, e quando o ditoso pai lhes
comunicou o nascimento de Helena, exatamente à hora em que
observaram o fenômeno da noite precedente[45], logo se
convenceram de que à recém-nascida estavam reservados favores
do céu.
Tudo contaram, então, aos pais da inocente criancinha, e,
quando esta lhes foi apresentada, exclamaram cheios de
contentamento: “Parece que esta menina há de ser uma grande
mulher!”[46]
Algumas notícias já publicadas referentes a Madre Helena, dão
erradamente o seu nascimento como ocorrido em 22 de maio de
1740. Agora podemos esclarecer este ponto, servindo-nos de um
documento de máximo valor: a certidão de seu Batismo, encontrada
há poucos meses, pela veneranda abadessa Madre Maria Benedita,
após rigorosa busca no arquivo do seu mosteiro.
Eis: “Patrício Manuel de Andr.ª e S.ª Presbítero secular do Abito
de São Pedro e Vigário encomendado nesta paroquial igreja de St°.
Antônio de Apiaí, tudo por S. Ex.ª R.ma etc. etc. etc. Certifico que
revendo os livros dos Assentos de Batizados, em um deles, a f. 2 v.
achei o Assento do teor seguinte: “aos treze de junho de mil, e
setecentos, e trinta, e seis batizei eu o Padre João Monteiro, Vigário
de Santo Antônio de Apiaí nesta igreja a Elena filha legítima de
Francisco Calaça, e Maria Leme sua mulher, nasceu a inocente a
dois de maio do dito ano, não lhe pus os Santos Óleos pelos não
haver: foram Padrinhos o Coronel Regente João Coelho Duarte[47],
e o Capitão Mel. Francisco Xavier da Rocha todos desta Freguezia;
foram testemunhas Manuel Ferreira e José Enriques, e eu que
batizei. Vigário o Pe. João Monteiro. E não se continha mais no
dito assento que bem e fielmente transladei ao que me reporto.
Passo o referido na verdade, e sendo necessário, juro aos Santos
Evangelhos. V.a de Apiaí aos 13 de abril de 1787. O Vigr.o Patrício
Mel. De Andr.ª e Silva”.
Desde os primeiros dias de seu nascimento, demonstrou a Serva
de Deus quanto havia de brilhar em virtude, particularmente no
espírito de mortificação. Nos “dias assinalados pela Igreja para se
jejuar, e mesmo nas sextas-feiras e sábados, Helena só aceitava o
peito uma vez no dia, ainda que sua mãe instasse com ela mais
vezes…”.
Logo depois do seu nascimento, seus pais fixaram residência em
Paranapanema. Aí, à medida que ia crescendo, continuava a
angélica menina a dar indícios de sua futura santidade. Era “muito
diferente das outras meninas de sua idade; muito devota de Nossa
Senhora, muito humilde, obediente e de muito doces
conversações…”
Contava Helena com apenas sete anos, quando teve de
acompanhar seus pais a uma descoberta de ouro, distante muitas
léguas de Paranapanema. Com tão pouca idade já era ela um
portento de mortificação. Não podendo durante a fatigante viagem
— por ínvios caminhos através de intermináveis florestas — fazer
os costumados exercícios de devoção, aproveitava as horas
adiantadas da noite, em que todos repousavam nos improvisados
ranchos, para no interior da mata, disciplinar-se com rigor.
No decorrer de sua infância e juventude, devido ao seu nenhum
temor em andar sozinha pelas selvas, quer fosse dia ou noite, a fim
de mais livremente entregar-se aos colóquios com Deus, aconteceu
encontrar-se Helena com muitos animais ferozes, sem que desses
encontros lhe tivessem resultado qualquer dano.
Certa vez, ao penetrar na mata, defrontou com uma onça
enfurecida. Helena fitou o animal sem o mínimo temor, pronunciando
o nome de Jesus, e assim conseguiu afugentar a fera. Não sabemos
se Helena era já moça, ou ainda criança, quando se deu o caso
extraordinário que vamos narrar.
Cansada de longa viagem sob um sol abrasador, sentiu a nossa
heroína as torturas da sede. Nenhum rumor de cachoeira ou
murmúrio de regato quebrando o silêncio desolador daquelas
paragens; investigando com o olhar toda a região que a circundava,
não lograra a santa donzela divisar um tênue fio de água, o gotejar
de pequenina nascente; por toda a parte a terra esbraseada.
Quase desfalecida, prestes a sucumbir presa de tamanha
angustia, Helena eleva o coração a Deus, invocando a sua
misericórdia. No mesmo instante aparece um mancebo
formosíssimo, que lhe oferece um púcaro de água cristalina e
fresca. Ela recebe o inesperado presente que o céu lhe enviava,
bebe sofregamente e sente que lhe renasce a energia perdida.
Procura o generoso mancebo para restituir-lhe o púcaro e
agradecer-lhe tamanho socorro, mas o seu misterioso salvador tinha
desaparecido… E desde aquele momento até o último de sua
existência, nunca mais sentiu sede a santa criatura, que entre os
esplendores da graça, trilhava o caminho da perfeição cristã.
Em 1755, contando a Serva de Deus 19 anos, veio para o
Recolhimento de Santa Teresa, em São Paulo, na qualidade de
moça servente, por ser muito pobre. Nesse pio instante foi-se
adiantando a santa donzela de tal modo nos exercícios de perfeição
evangélica, que a toda a comunidade edificava com irrepreensível
desempenho dos seus deveres, achando ainda tempo para se
entregar à prática de múltiplos atos de piedade e mortificação.
A sua devoção pela sagrada Eucaristia, a todos encantava. Ao
receber a sagrada partícula e durante a ação de graças,
demonstrou sempre singular fervor. Das suas longas horas de
oração, assim como das suas mortificações e preciosíssimos dons
com que Deus enriquecia sua alma, o leitor terá notícia mais
adiante, na transcrição das suas próprias palavras, escritas por
ordem do seu santo confessor.
Possuía a Serva de Deus o dom de êxtase. A “caridade que
sentia em seu coração, a transportava muitas vezes
publicamente fora dos seus sentidos…”.
”Usava a santa donzela as mais grosseiras vestes, e tal era o
seu espírito de pobreza e desprendimento dos bens terrestres,
que rejeitava as esmolas que lhe ofereciam as pessoas devotas e
os seus próprios confessores.
Durante quinze anos foi seu confessor o virtuoso Padre Dr.
Manuel José Vaz, ilustre sacerdote, que em São Paulo ocupou
altos cargos na hierarquia eclesiástica. Tendo particularíssimo
conhecimento da grandiosidade e solidez das virtudes de Helena,
e prevendo quanto bem poderia ela fazer à comunidade de Santa
Teresa, como religiosa, ofereceu-lhe o Padre Vaz o dote
necessário, o qual consistiu em “uma morada de casas, avaliadas
por seiscentos mil réis”.[48]
Assim Helena pôde entrar para o noviciado, o que se realizou a
25 de janeiro de 1769. Decorrido um ano, 25 de janeiro de 1770,
proferiu os votos regulamentares. Deixou assim a Serva de Deus a
modestíssima condição de “moça servente” das religiosas, na qual
sempre se manteve “com alegria de seu coração, por ser o ofício
de servente o mais humilde entre elas…”.
Era seu confessor nesse tempo, o Servo de Deus Frei Antônio
de Sant’Anna Galvão, cuja santidade de vida já nessa época os
paulistas admiravam. Vejamos, pois, o que nos diz esse venerável
religioso sobre a extrema modéstia de Madre Helena.
“[…] Era admirável na compostura dos olhos, que por nunca os
levantar não conhecia o confessor senão pela fala, o que pela
experiência que tive, observei sem a mínima exageração…”
Depois que Helena se tornou religiosa, começou Nosso Senhor a
lhe conceder várias revelações para que ela fundasse um convento.
De tudo, dava ela contas ao seu pai espiritual. E, como o critério e
prudência de que era dotado, e o perfeito conhecimento de teologia,
ia Fr. Galvão estudando os casos que Madre Helena lhe narrava,
aguardando o momento oportuno para decidir em tão melindroso
assunto.
Continuava Madre Helena a esperar pacientemente pela
resolução do diretor de sua alma, afim de poder cumprir com as
determinações divinas. Como remate às revelações, Nosso Senhor
Jesus Cristo se dignou de lhe aparecer um dia rodeado de ovelhas,
umas nos braços, outras pelos ombros, outras tentando subir pelo
seu corpo, e lhe disse: “Eis aqui estas minhas modestas ovelhas
que procuram um aprisco para se recolher e não o encontraram,
pois vós podendo não quereis subministrar-lhes um, fundando um
convento em cumprimento de minha vontade”.
Sabedor do caso, Frei Galvão, após estudá-lo maduramente,
julgou-o sobrenatural, comunicando-o ao governador do bispado,
cônego Toledo Lara, que incumbiu outros mestres eclesiásticos de
darem sua opinião. Estes examinaram todas as revelações que
Madre Helena recebera, concluindo por julgá-las divinas.
Com o consentimento e instruções do seu confessor, que se
dispusera a arcar com a responsabilidade da arrojada empresa,
começou a Serva de Deus a dar os primeiros passos para a
fundação do novo convento.
Depois de obtida a permissão da autoridade eclesiástica, era
necessária ainda a autorização do governo civil, para que se
pudesse fundar a projetada instituição. Assim sendo, Helena, em 14
de novembro de 1773 enviou, ao governador da capitania de São
Paulo, capitão general D. Luís Antônio de Souza, por intermédio de
Fr. Galvão, uma carta que bem revela as heroicas virtudes da Serva
de Deus.
A 25 de dezembro do mesmo ano, o capitão general respondeu à
Madre Helena, em extensa e atenciosa carta, concedendo-lhe a
licença solicitada e desejando que a dita instituição tomasse por
protetora a Nossa Senhora dos Prazeres, que já era Padroeira da
sua casa de Mateus, em Portugal; bem como que houvesse na
capela do novo convento a adoração perpétua ao Santíssimo
Sacramento.
Por essa resposta vê-se claramente que o ilustre homem que
governava S. Paulo, era católico fervoroso e de ação. Para que se
tornasse logo realidade o ideal de Madre Helena, prontificou-se
também o governador a fazer todas as despesas com a adaptação
dos edifícios em que devia se instalar a nova comunidade.
Ao demônio não podia passar despercebido o favorável
despacho que tiveram as petições da santa religiosa, e, prevendo a
guerra sem tréguas que lhe iriam fazer as monjas do novo mosteiro,
começou a aparecer à Serva de Deus, em horrendas formas, para
que ela desistisse de levar avante a almejada fundação. Já de
outras vezes se lhe tinha manifestado tomando a forma de seus
confessores, “mas pelo discernimento grande de que era dotada, e
auxílios do céu, nunca este (o demônio) a iludiu, e sempre dele
triunfou…”.
Corria o ano de 1774, quando, a 2 de fevereiro, antes que os
raios do sol rompendo as nuvens, iluminassem a terra, já se
achava à portaria do Recolhimento de S. Teresa luzida comitiva
formada do governador do bispado cônego Antônio de Toledo
Lara, o governador da capitania, capitão general D. Luís de Souza,
o ouvidor José Gomes, o cura da sé, Pe. José Xavier, Fr. Antônio de
Sant’Anna Galvão e mais pessoas de destaque na sociedade
paulistana.
Acompanhados até a portaria pela Madre regente desse
convento, daí se retiraram Madre Helena e sua sobrinha, a irmã Ana
da Conceição, tomando assento em duas cadeirinhas. Depois
seguiram, todos em demanda do sítio da luz.
Aí chegados, Dom Luís Antônio entregou ao venerando Fr.
Galvão as chaves da ermida de Nossa Senhora e da casa anexa,
onde ficaram residindo as religiosas, regressando a comitiva à
cidade, rumo da catedral, a fim de tomar parte nas festividades da
Purificação. Estava fundado o novo mosteiro.
A 8 de setembro desse mesmo ano, o Bispo de S. Paulo, D. Frei
Manoel da Ressurreição impôs o hábito de Nossa Senhora da
Conceição não só a Madre Helena e sua sobrinha, como também a
mais sete donzelas que já tinham entrado para o noviciado,
ficando assim a comunidade composta de nove religiosas, sob a
regência da fundadora.
Oito dias depois, mandou o mesmo prelado ao guardião dos
franciscanos, Frei Fernando, que recebesse a profissão de Madre
Helena, realizando-se nesse dia, as festividades em honra de Nossa
Senhora, correndo as despesas por conta do governador da
capitania.
Como S. Teresa de Jesus e outras santas, também Madre Helena
foi obrigada, em obediência ao seu confessor, a escrever a sua vida
espiritual. E para que sua alma verdadeiramente humilde não
sofresse nenhum constrangimento, em descrever os dons com que
Nosso Senhor a mimoseara, disse-lhe Frei Galvão estas palavras:
— “Irmã isto é para eu aprovar, ou reprovar, conforme me parecer
melhor”.
Então a santa monja, com a simplicidade e candura de uma
criancinha, deu cumprimento ao que o diretor de sua alma lhe
ordenava, assim escrevendo:
“Para maior honra e glória de Deus. Não sei como quer meu
senhor e Padre da terra, que eu diga tudo o que meu Pai e Senhor
do céu fez comigo, desde que me criou; porque se quero falar da
oração, que é a alma de minha vida e vida de minha alma, do que
me faz estremecer; mas tornando-me a alentar nas chagas de meu
Redentor, digo que toda minha vida é uma hora de oração, ou uma
hora de oração continuada, por toda a vida; porque em toda a
ocasião, tempo e lugar estou em oração e presença de Deus,
quanto é da minha parte, sempre com ajuda de Deus, fazendo para
que não me esqueça, com muitos e frequentes atos de amor de
Deus e do próximo, de dor e contrição de meus pecados com
firmes propósitos de emenda da vida, e de não pecar, de antes
morrer mil vezes do que pecar, que ainda agora parece se me
parte o peito com este desejo, na ocasião de escrever: e de
conformidade que é o mais que me consola nas maiores
desconsolações, que nunca é muita; porque esta Senhora das
Virtudes adoça tudo, e causa consolação, onde não há, e assim
com ela não tenho doença, trabalho, nem secura, que me não
torne em consolação; e assim não tenho experimentado esses
trabalhos de securas, e desconsolações que se diz por que Deus
não fia de mim esses trabalhos: quando muito é quando cessa a
infusão e consolação que Deus me dá sem eu querer, porque eu só
quero padecer por seu amor e graça para não pecar, que o mais me
dá ele de graça, só pela sua bondade: e cessando, como digo, o que
só por si faz, é quando eu tenho a oração com mais alguma
diligência de meditar, e fazer atos, vencer os pensamentos e
tentações, é o mais que eu faço, assim na oração, como fora dela,
assim na saúde que jamais tenho, como nas mais graves
enfermidades; ainda que agora com a violência da cabeça, alguma
vez parece que me esquece sem me esquecer; porque a luz
interior logo desperta e avisa a lembrança.
Agora para falar do mais interior não alcanço como rude: mas a
obediência que me obriga me ensinará com ajuda do Senhor, que
me assiste com uma luz interior que me alumia o entendimento,
inflama a vontade e recolhe a memória desocupando-a dos
pensamentos, e outras confusões que às vezes com as moléstias
e tentações que me oprimem e ofuscam as potências interiores, ou
ao meu parecer exteriores, pois a luz e união que sentem estas, é
participada de outras mais superiores da alma, que é assistida de
maior luz, e claridade superior, e a meu parecer sobrenatural: mas
Vossa Paternidade me perdoe, que nestas coisas superiores não
posso falar, nem tratar sem que me estremeça o coração e as mãos,
e assim passe para diante.
Costumava ter sete horas de oração, quando tinha saúde, e ainda
agora doente, porque faço, como posso, três horas de manhã, na
madrugada uma, por uma hora do dia, duas à noite, e demais
disso, duas pouco mais ou menos antes e depois da comunhão,
destas não faço menção por não ter tempo certo; porque às
vezes é mais cedo e outras mais tarde; e outras porque me
confesso; mas não deixo de ter e fazer o que posso; pois é este o
tempo mais suave, doce e favorável para o trato do Senhor, que é o
mesmo que com tanto amor se deixa receber, quanto mais gosto e
consolação sente minha alma pouco mais ou menos: com mais ou
menos distinção conheço quanto dura a forma, quando, e como se
diminui, consome e desfaz, que algumas vezes como por favor mais
especial me parece se conserva mais tempo de meia hora pouco
mais ou menos até uma hora; mas ou seja mais ou menos tempo,
sempre sinto como e quando se vai diminuindo e desfazendo-se
todas as partículas, e enquanto não se desfaz todo em cada
partícula, ou partezinha está todo Deus, inteiro, que me faz tremer
para dizê-lo, a Humanidade e Divindade; mas em cada parte que
está assim é como só um que está em toda a parte; e desfazendo-
se todo se fica todo na alma com toda a Divindade, e como
estendido, e possuindo todo o corpo, e membros dele; porquanto a
alma está em todo ele, e algumas vezes me parece, que não se
consome porque sinto os mesmos efeitos como quando recebo de
novo, tão viva e verdadeira a presença que quando mais adiante,
parece que luz e graça se comunica a alma de uma até outra
comunhão.
E quando não haja estas sensibilidades, que se quer ausentar
como violento, para eu não cuidar que seja bem- aventurança,
por ser preciso padecer fica como ardendo o lugar onde costuma
ficar a sagrada forma, que a meu parecer é bem na boca do
coração, como em lugar de fogo quente, esperando com ânsias e
desejos inexplicáveis a vinda do dono do lugar, para de novo
arder: queira o mesmo Senhor do lugar seja para sempre bendito
para sempre sem fim.
Ainda que algumas vezes é na ordem comum de receber, só com
os atos e disposições só das diligências com mais ou menos
disposições das moléstias, e ânsias naturais, e mais outras que
só Deus sabe. Rezo a Coroa Seráfica de Nossa Senhora, a
Coroa das sete dores da mesma Nossa Senhora, o seu Rosário
com muito gosto, devoção e atenção aos seus mistérios, e
consolação de minha alma, com amor e confiança na Senhora…”.
Em seguida, faz Madre Helena a discriminação das suas
devoções, como por exemplo, do Rosário da Virgem, dizendo
minunciosamente quais as intenções porque rezava. E continua:
“Jejuo cada dia, domingos e dias santos, e os ofereço pelo que
me parece, e se oferece cada dia, a maioria deles é pelos pecados
do mundo, em particular pelos da gula para que Deus me livre, e a
todos deles, e peço virtude de abstinência e obediência. Tomava
disciplina todos os dias, por espaço de três miserere; primeiro pelos
que estão em pecado mortal e segundo pelas necessidades da
Igreja; o terceiro pelas almas do purgatório, nomeio aquelas que
quero. Trazia cilícios todos os dias por alguns anos, sem tirar de dia,
nem de noite, dormia na terra tal sem mais forro nem coberta que a
roupa do corpo, depois na tábua do sobrado, agora algumas vezes
na cama, que não parece cama: outras mortificações por tempos,
e dias diferentes de não comer nada um dia inteiro, um, dois e três:
até cinco já chegou, e em alguns dias mais devotos, como de
quaresma, dias de festas de Nossa Senhora, do Espírito Santo,
alguns Santos mais de minha maior devoção, que são muitos no
ano, aumentava e dobrava mais todas as devoções, e
mortificações.
Como não me concediam andar descalça, como desejava, e
algumas vezes andava, quando me calçava era com pedrinhas entre
os sapatos, coroas de espinhos, cordas de sedenho, cruz e espinhos,
para vários exercícios, com mais ou menos genuflexões,
prostrações, andar de rastos, pela cela ou coro, com a língua a
rastos como o mesmo corpo, que alguma vez se feria e esfolava,
como os pés, outras vezes com bofetadas, que quando eu não
sentia me ficavam as faces denegridas, que supunham melancolias,
e batendo no peito como ainda agora faço, que algumas vezes
parecia que quebrava o peito com a força da dor, que pouco mais
ou menos sempre a tenho, e quanto mais tenho mais desejo ter
para amar mais, e mais a Deus, tudo para a sua glória e honra, para
que seja cada vez mais honrado, e engrandecido de suas criaturas,
pelo que usa comigo.
Comungo todos os dias como não sei dizer, cento e cinquenta
vezes pouco mais ou menos espiritualmente com outros tantos
atos, antes e depois de cada uma das vezes, que algumas vezes
se junta umas com as outras, que fica em uma continuada, como
em um desejo atual e vontade contínua de vos receber, digo a
vós meu Deus.
Os atos, não me detenho a dividir quais são; por serem muitos e
os mais próprios para receber, e em ação de graças, que às vezes
no primeiro se repetem todos juntos, de uma vez, e outros muitos
de virtudes diversas diferentes mistérios da vida, paixão e morte,
ressurreição e ascensão, do Espírito Santo, de Nossa Senhora, e
mais atributos divinos e humanos; faço quarentenas, dezenas,
novenas, trezenas, e outras muitas novenas que não posso dizer
todas as vezes, atos e miudezas, com que as faço; por que só a da
Conceição há de acabar o papel se eu me puser a explicação, e
assim faço mais ou menos em outras festividades, novenas das
solenidades das demais festas, renovando os votos e devoções, e
acrescentando outras muitas orações agora na quaresma, que
quando eu podia só as mortificações, penitências e meditações na
paixão, que é com o que eu me acho era o mau sono e sustento.
Do ofício Divino. — Não sei como entro a falar em coisa que só
o nome me enche a alma de consolação; e cada palavra dele é como
um botão ou chama de fogo, que arde ou se ascende na minha alma
e coração, que me faz como ressuscitar da morte à vida, me
sustenta, me alegra, e me consola, me faz como sarar, como me
parece, que quando me faz sair a voz, que eu não sei como nem
quando ler e rezar, estando com a cabeça voando, ou para
rebentar, que me faz não saber como rezo no exterior, mas sei
que a voz que me sai é de Deus, que também tem esse nome de
voz, digo como Espírito, que é Dele e movido por Ele, e o mesmo
é nas palavras, mas sei por devoção que pronunciadas, porque
não posso aplicar a cabeça nem a vista mas é de sorte que me
desatina, e faz ir muitas vezes sem sentir, só levada do desejo e
vontade fervorosa, que me envergonho dizer, mas pelo lodo mais
imundo ocorre a mais bela água sem que a perturbe nem impeça
a sua corrente.
No primeiro noturno tenho oferecido a toda a Santíssima Trindade
em ação de graças por aquele amor eterno, e infinito, com que nos
amou desde a eternidade, ama e amará para sempre, para
sempre”.
A gravíssima enfermidade que acometeu a Serva de Deus e pôs
termo aos seus preciosos dias, foi motivo para ela deixar por
terminar o seu manuscrito, que, concluído, nos revelaria ainda mais,
os inestimáveis tesouros de sua alma.
A 23 de fevereiro de 1775, com a idade de 40 anos incompletos,
depois de receber todos os sacramentos, tendo sofrido durante oito
dias uma dor aguda, como de cólica, faleceu santamente a Madre
Helena Maria do Espírito Santo.
Sua morte felicíssima foi assistida pelas suas amadas
discípulas e por seu confessor, que nos afirma que ela “deu alguns
indícios de sua morte, nela se conheceram aqueles mesmos
sinais, que na história de alguns Santos os fazem admiráveis…”.
No dia seguinte, em que se realizou o sepultamento da santa
monja, seu corpo se conservava flexível. Seus dedos estralavam,
quando se os comprimiam. “Eu mesmo, disse Frei Galvão, com a
máxima diligência dei 35 estalos nos referidos dedos, e tão altos,
que foram ouvidos por todos que se achavam na igreja: o sangue
de uma cesura que se fez 8 horas depois de seu trânsito, sem ser
em veia, saiu fluido; dele se serviu a piedosa devoção dos
circunstantes, e de algumas relíquias que se puderam
decorosamente extrair…”.
A 10 de maio de 1788, foram transladados para o novo edifício
do mosteiro, já quase concluído pela operosidade sem limites de Fr.
Antônio Galvão, os ossos de Madre Helena, os quais, com licença de
Dom Frei Manuel da Ressurreição, foram desenterrados pelas
próprias monjas e depois colocados em um esquife por Fr. Galvão.
Mais tarde, porém, foram aqueles preciosos restos mortais
encerrados em uma urna de mármore, como estão até nossos dias
conservados pelas continuadoras da sua obra, as freiras do
Convento de Nossa Senhora da Conceição. Pena é que se não
tenham registrado e autenticado os milagres recebidos por
intercessão de Madre Helena, logo após sua morte.
Sabemos que Nosso Senhor atendeu aos que lhe pediram graças
por intermédio de nossa heroína, por que disto nos fala Fr. Galvão,
assim se exprimindo: “Dizem que tem feito muitos prodígios, eu sou
testemunha de vários, porém de um com admiração notável…”.
Em pouco mais de um ano que a Serva de Deus dirigiu o novo
convento, teve oportunidade de desenvolver toda a sua aptidão de
mestra espiritual, encaminhando suas discípulas pelo mais seguro
caminho da santidade, formando-lhes a alma e o coração, segundo
os preceitos evangélicos, para que elas se tornassem dignas de
corresponder à vocação que Deus lhes concedera; e até hoje, as
religiosas do seu mosteiro, conservam o mesmo espírito de piedade,
e seguem os seus passos sustentados sempre pela fé que vivifica,
pela esperança que anima e pela caridade que conforta. E aqui
terminamos este capítulo, bendizendo a memória imperecível de
Madre Helena Maria do Espírito Santo.
M J A [49]

Madre Joana Angélica de Jesus, a grande mártir de que o Brasil


se ufana, nasceu em 1762, na capital da Bahia, tendo por pais José
Tavares de Almeida e dona Catarina Maria da Silva. Em 1782,
contando vinte primaveras, entrou a Serva de Deus para a
Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, da Lapa, fundado na
mesma capital em 7 de dezembro de 1744. A 18 de maio de 1783,
fez a jovem noviça profissão solene, tornando-se, então esposa do
Senhor.
Tendo verdadeira vocação para a vida do claustro, ia Madre
Joana desempenhando otimamente os seus deveres, cada dia mais
estimada pela comunidade. Em 1797, foi eleita para o cargo de
escrivã, que exerceu até 1801. De 1812 a 1814 desempenhou as
funções de vigária. Em 1815 foi eleita abadessa, e, finalmente em
1821, reeleita para o mesmo cargo.
Dispensando às suas irmãs de hábito carinhos de mãe, vivia a
santa religiosa toda entregue ao cumprimento exato de suas
obrigações, em amorosos colóquios com Jesus sacramentado e
cuidando, cada vez mais, do aperfeiçoamento espiritual de toda a
comunidade, quando um acontecimento inesperado veio perturbar a
doce paz do mosteiro.
Estamos em 1822. De um extremo a outro da nossa pátria, o povo
anseia por libertar-se do jugo estrangeiro. O governo português vai-
se tornando impotente para sufocar as explosões de patriotismo dos
brasileiros, cujos corações vibram de entusiasmo, pelo santo ideal
de independência, que tem meses depois o seu glorioso desfecho,
na colina histórica do Ipiranga.
A antiga capital do Brasil, que havia aderido à proclamação da
constituição portuguesa agitava-se ainda, e patenteava na sua
efervescência tendências mais ou menos pronunciadas para a
emancipação nacional; as nuvens estavam cheias de eletricidade,
quando o vento, compelindo-as deu lugar ao choque e apareceu a
explosão.
“A rivalidade dos partidos dos generais Madeira e Manoel Pedro
tocou o seu auge e correu às armas quando chegou àquela
cidade (Salvador) a designação vinda de Lisboa do general
Madeira para comandante das armas, em prejuízo da causa
nacional, que seria no exercício daquele posto pelo general Manoel
Pedro a expressão popular simbolizada pelo voto da junta
provisória, que dirigia então os destinos da província.
A junta, alegando a ilegalidade do título conferido ao general
português, instalou um conselho militar para comandar as tropas;
mas estas compostas pela maior parte de soldados de além mar,
procuravam lisonjear o amor próprio do seu general, levando-o a não
ceder; os brasileiros reagiram e os dois partidos acharam-se em
hostilidade aberta no meio das ruas da cidade, entre as habitações
dos seus pacíficos moradores, que ficaram expostos a todas as
calamitosas vexações da guerra civil”.[50]
Na manhã de 20 de fevereiro[51], numeroso contingente de
tropa portuguesa ataca o Mosteiro da Lapa…
Arrombada a porta externa, facilmente os assaltantes
penetraram no pátio interno, e já iam profanar a clausura, quando
os enfrentou, valorosa e altiva, embargando-lhes o passo, a
nobre figura da abadessa!
— Para traz, bárbaros! Respeitai a casa de Deus. Antes de
conseguirdes os vossos infames desígnios, passareis por sobre
o meu cadáver.
Embriagada de cólera, estremece a horda ululante daquelas
feras ante a coragem inaudita da heroína brasileira, e logo uma
baioneta lhe atravessa o peito. A santa monja vacila, pende a
fronte para o solo sagrado que se tinge do seu sangue generoso, e
suavemente se desata dos laços terrenos, voando para o céu, a
alma abençoada da Madre Joana Angélica de Jesus.
F G [52]

Tendo ocorrido, a 23 de dezembro de 1922, o primeiro


centenário da morte de Fr. Antônio de Sant’Anna Galvão, os
católicos de São Paulo comemoraram brilhantemente esta data.[53]
Mas qual motivo de tais homenagens? Vejamos. Se é grande e
merece gratidão dos seus compatriotas, o estadista que com mão
firme governou uma nação, felicitando-a; ou o general, que
heroicamente defendeu a terra que lhe foi berço; ou o sábio que
fez ecoar bem longe a fama do seu saber, enaltecendo, assim, o
nome de sua pátria; também é grande, e maior que esses, e por
isso mesmo mais digno do nosso reconhecimento, o homem em
cuja fronte esplende a aureola de um santo e infatigável benfeitor da
humanidade.
Ele é o “sal da terra e a luz do mundo”. Assim foi certamente, Fr.
Galvão, cuja biografia, embora imperfeitamente, traçaremos no
decorrer deste capítulo.
Fr. Antônio de Sant’Anna Galvão, que no século se chamou
Antônio Galvão de França, nasceu na então vila de
Guaratinguetá, capitania de São Paulo, em cuja matriz foi batizado
no ano de 1739. Foram seus pais Antônio Galvão de França,
natural de Portugal, capitão-mor de Pindamonhangaba e
Guaratinguetá, com foro de cavalheiro e dona Isabel Leite de
Barros, natural da mesma vila.
Ainda menino, contando apenas treze anos[54], deixou a casa
paterna, seguindo para a Bahia, onde foi internado no modelar
seminário que a Companhia de Jesus fundara, havia 66 anos, em
Belém[55], para onde as principais famílias brasileiras enviavam seus
filhos, que aí recebiam sólida instrução e aprimorada educação
cristã.
Quando passamos da infância à juventude, quão diferente se nos
antolha a existência! Antes, é um gozar de risos e brincadeiras
infantis, na venturosa despreocupação da vida. Depois, à medida
que os anos vem chegando, vão desaparecendo, um por um, os
devaneios, o contínuo voejar do pensamento pelas floridas
regiões da fantasia…
E então, o jovem de sentimentos puros, educado na escola do
Evangelho, pensa seriamente no futuro, estuda as inclinações do
seu coração, medita e ora para que Deus o ilumine. Há para ele
várias carreiras a seguir, e em qualquer delas, tem o dever máximo
de salvar a alma.
O jovem Antônio Galvão, depois de muito orar e meditar, escolheu
a do sacerdócio, que é o mais útil, o mais nobre e o mais santo dos
ministérios. As aspirações da sua juventude foram sempre
impregnadas de místicos perfumes. Nunca o seduziu o amor terreno,
embora espiritualizado pela Religião. Nunca atingiu seu coração o
sopro das paixões carnais.
Sua alma, qual formoso lírio, toda se voltava para o céu, de onde
recebia a fluxo o orvalho de graça. Jesus Cristo era o alvo de seu
amor. Suspirava o piedoso jovem pelo momento de deixar para
sempre o mundo com suas pompas e suas vaidades, para viver na
pobreza, na obediência e na castidade; para pisar as lajes frias do
claustro, onde continuamente dobraria os joelhos a orar por seus
irmãos.
Suspirava ainda pelo instante que pudesse, encerrado no
confessionário, estender a mão sagrada para perdoar e abençoar
os pecadores, reconciliando-os com Deus; em subir a tribuna da
verdade para doutrinar o povo; celebrar o santo sacrifício da Missa,
enfim, a sua mais veemente e santa aspiração.
A 15 de abril de 1760, contando 21 anos, entrou o esperançoso
jovem para o noviciado dos franciscanos, no Convento de São
Boaventura, de Macacu, capitania do Rio de Janeiro, aí trocando as
vestes do mundo pelo burel religioso. A 16 de abril do ano seguinte,
fez a solene profissão religiosa, sendo depois transferido para o
Convento de S. Francisco, em São Paulo, onde a 24 de julho de
1762, foi admitido no curso de filosofia.
Concluindo esse estudo, voltou para o Rio de Janeiro, onde
em 1763[56], com letras do provincial Frei Manoel da Encarnação,
recebeu a Ordem de presbítero, das mãos de Dom Frei Antônio do
Desterro. Removido novamente para São Paulo, ficou residindo no
convento de sua ordem; e, daí por diante sua vida foi um desdobrar
ininterrupto de atos maravilhosos. Em pouco tempo, irradiando-se
fama de suas virtudes por toda a capitania, de longínquas paragens
acorriam os fiéis para com ele se confessar, implorar suas orações,
em busca de conselhos e de conforto espiritual.
Vamos agora discorrer sobre a fundação do Recolhimento de
Nossa Senhora da Conceição[57] – obra máxima do Servo de Deus.
De tal maneira Frei Galvão ligou sua existência ao novo mosteiro,
que não podemos falar nessa instituição, sem que o seu nome nos
venha logo à memória; bem como não podemos nos referir ao
santo religioso, sem nos lembrarmos desse convento.
Falando sobre Madre Helena e a instalação provisória da nova
comunidade, assim se exprimiu o Servo de Deus:
“[…] Nesta capela de Nossa Senhora da Luz muito antiga em sua
fundação[58], e por este motivo arruinada, foi posta a primeira pedra
deste espiritual edifício, a Serva de Deus, e logo depois concorreram
algumas donzelas pobres e devotas para suas companheiras; e
como os corredores da dita capela são estreitos e neles se
formaram as celas para moradia daquela pobre comunidade,
ficaram elas totalmente incomodadas, sendo os cômodos de
poucos palmos de largura e as celas pelo mesmo conseguinte
ainda que com muita satisfação da fundadora a quem lhe bastava
uma cova para sua morada”.[59]
Tendo falecido sua gloriosa cooperadora, não desanimou o Servo
de Deus com essa irreparável perda; antes, redobrou esforços para
que prosseguisse a comunidade no mesmo espírito de Madre
Helena. Iam as religiosas continuando nos seus exercícios de
virtude, trabalho e mortificação, quando um golpe terrível e
inesperado veio ferir suas almas e a de seu pai espiritual: foi a
ordem emanada da autoridade diocesana para que se fechasse o
mosteiro, devendo as religiosas partir para a casa dos seus
progenitores. E essa ordem, quem lhas transmitiu foi o próprio Frei
Galvão.
Vamos transcrever parte da narrativa deste acontecimento,
singelamente escrita por uma religiosa que o presenciou:
“Dia de São Pedro tinha de comungar toda a comunidade e se
estava esperando que o Senhor Padre Galvão viesse do seu
convento para nos dar a Comunhão e dizer Missa como costumava,
passando das horas e tendo-se juntado já o povo da vizinhança para
ouvir a Missa, mandou-se ao convento ver o que teria acontecido
ao Senhor Padre e então se soube que o Senhor Bispo o tinha
mandado chamar; esperou-se até bem tarde, possuídas todas a
religiosas do maior susto possível. Finalmente chegou o Senhor
Padre e foi direto à sacristia, e revestiu-se para a Missa e apenas
mandou dizer que aquelas que estivessem prontas para comungar,
fossem ao Comungatório que ele não podia ir ao confessionário;
com efeito saiu já revestido para a Missa, deu a comunhão e na
Missa consumiu o sacramento do sacrário; mandou apagar a
lâmpada e no fim da Missa disse ao povo que não adorasse mais o
sacramento que já não existia no sacrário.
Acabada a Missa, como já era tarde mandou dizer à
comunidade que fosse para o refeitório e que depois do jantar
viesse à portaria lhe falar. Foram ao refeitório e apenas puderam
rezar como de costume, não só pelo susto, como por afogadas em
lágrimas; foram para a portaria e então souberam que o Exmo. Sr.
Bispo mandava que fizessem aviso a seus pais para as virem
buscar, que dentro de um mês fossem todas para suas casas e que
fechassem as portas. Algumas saíram, como foi a sobrinha e
companheira da fundadora que tornou para o seu Recolhimento
de Santa Teresa, as mais ficaram esperando a divina providência
em que sempre confiaram…”.
Desse dia até se reabrir oficialmente o mosteiro, passaram as
religiosas que aí permaneceram dias de amargura e provação. As
pessoas devotas e protetoras do convento, vendo-o de portas
fechadas, supunham que aí não mais existissem religiosas, e, por
isso, se abstiveram de favorecê-las.
Faltou-lhes, pois, os mais simples gêneros com que se
alimentarem, e a própria água para beberem, só a obtinham
quando chovia… Deus, entretanto, não podia deixar perecer suas
fiéis servas, tanto mais quanto, era ilimitada a fé e esperança em sua
providência. E, por isso, Deus as favoreceu de modo miraculoso
podendo elas se manter até a reabertura do convento.
Mas, porque o piedoso Bispo D. Fr. Manoel usou de tanto rigor,
mandando dissolver uma comunidade virtuosa e santa como a que
habitava a histórica ermida de Nossa Senhora da Luz?[60] Não
existe no convento da Conceição, nenhum documento que
explique o motivo do seu fechamento.
A explicação encontramo-la em Azevedo Marques, que assim diz:
“[…] A criação (do Recolhimento) não foi autorizada pelo poder
competente, pelo que houve, logo depois, ordem para ser fechado;
mas o capitão general Cunha Menezes e o Bispo D. Frei Manoel da
Ressurreição insistiram pela conservação, que afinal foi tolerada”.[61]
É que não tinha havido ordem diretamente emanada do rei Dom
José I para se fundar a nova instituição. Apoiados em um
documento escrito por uma religiosa contemporânea de Madre
Helena, podemos afirmar que o convento da Conceição foi
fechado a 29 de junho de 1775, e reaberto no fim de agosto ou
começo de setembro do mesmo ano.[62]
Reaberto o mosteiro, com indizível satisfação das religiosas, do
clero e do povo em geral, começou ele de novo a prosperar. Vendo
Frei Antônio Galvão que tanto a ermida de Nossa Senhora, como a
casa anexa, além de não comportarem maior número de religiosas,
ameaçavam ruir, traçou o plano do novo edifício[63], disposto a
todos os sacrifícios para levar a efeito o seu arrojado projeto. Com
esse objetivo, empreendia longas viagens pelo interior da capitania,
angariando esmolas e ao mesmo tempo distribuindo às almas, o
conforto da Religião.
Guaratinguetá, Itu, Porto Feliz, Indaiatuba, Pindamonhangaba,
Mogi das Cruzes, Sorocaba e tantas outras localidades, foram teatro
dos seus apostólicos labores. Regressando, confundia-se com os
operários na construção do novo edifício, cujas paredes iam
subindo, orvalhadas pelos seus suores e fortalecidas com as suas
bênçãos. Que admiráveis rasgos de humildade e devotamento!
Quando a obra ia em meio, assim escreveu ele a um tenente-
coronel seu amigo:
“Tem este edifício de comprido 270 e tantos palmos e de largo
140 e tantos, com uma área grande no meio, uma cerca extensa,
etc., obra da Providência, que tem causado admiração aos senhores
paulistas, famigerada e notória às capitanias circunvizinhas. Tem se
gasto na construção dessa obra mais de 13.000 cruzados, e julgo
que ainda levará e gastará outro tanto, porém não dá cuidado,
porque quem deu e fez com tanta facilidade e liberalidade dará o
mais para glória da sua admirável providência.
Fica a dita obra com 22 celas em círculo das 3 faces que olham
para os campos, ficando as outras faces correspondentes a áreas
livres, sem celas para maior desafogo. As religiosas para cuja
habitação é a mencionada obra tem por instituto o viverem da
divina providência: Rezam e cantam o oficio divino à imitação das
religiosas franciscanas, vão a semelhança destas à meia noite ao
coro, fazem outros exercícios eclesiásticos e religiosos, que deixo de
referir por brevidade.
Tem a misericordiosa mão de Deus socorrido a elas na boa
fama que geralmente tem merecido não menos na estimação do
Excelentíssimo Senhor Diocesano, o qual com muita benignidade
as atende. A divina providência seja servida não apartar os seus
olhos daquelas que desejam ser verdadeiras servas, e mereçam
pelas suas obras na aceitação do mesmo Senhor a glória, e decoro
de suas fiéis esposas…”.[64]
Até o fim da vida o santo varão despendeu energias em prol da
sua obra grandiosa. Quase à morte, traçou ele, numa parede, junto
ao seu leito de dor, o desenho do frontispício da parte superior da
capela, que só foi concluída em 1844. O convento de Nossa
Senhora da Conceição é, pois, uma obra admirável que bem
demonstra o zelo inexcedível, a perseverança, a fé ardentíssima, a
energia inquebrantável do seu benemérito e venerável fundador.
Tão considerado era Frei Galvão, pelos seus irmãos de hábito,
que várias vezes o elegeram para os mais elevados cargos.
Consultando o livro de assentimentos de Missas, do convento de S.
Francisco, deparamos à página 42 verso, em seguida a data de 10
de maio de 1775, a assinatura do Servo de Deus, na qualidade de
comissário visitador do provincial Frei Cosme de Santo Antônio.
No capítulo celebrado de 6 de outubro de 1781, na cidade do Rio
de Janeiro, foi o santo religioso eleito presidente e mestre de
noviços do convento de S. Boaventura, porém não chegou a tomar
posse desse cargo, devido a interferência do Bispo de São Paulo,
D. Fr. Manoel da Ressurreição, que se dirigiu, por escrito, ao
provincial da ordem, pedindo-lhe destituísse Fr. Galvão desse
cargo, a fim de o conservar na capelinha do Convento de Nossa
Senhora da Conceição, e não privar a sua diocese de tão santo
sacerdote.
A 24 de setembro de 1796, por unânime decisão do definitório e
diretório da sua ordem, recebeu Fr. Galvão o privilégio de uma
guardiania. Eis que a respeito consta do livro do Tombo, III, pág.
136 verso, do arquivo do convento de Santo Antônio do Rio de
Janeiro: “Que atendendo os relevantes serviços e aos anos que
tem de Religião o irmão pregador Frei Sant’Anna Galvão e ao
grande desvelo e trabalho com que fundou o Recolhimento da
Conceição no subúrbio de S. Paulo e exemplar procedimento com
que tem edificado a todos, se lhe concede o privilégio de uma
residência e uma guardiania, ficando assim habilitado para os mais
empregos da Religião como se de fato os tivera exercido”.
Na congregação intermediária, de 24 de fevereiro de 1798,
elegeram Frei Antônio Galvão para o cargo de guardião do
Convento de S. Francisco, da capital de S. Paulo. O Bispo D. Mateus
de Abreu Pereira, não se conformando com essa eleição, dirigiu-
se ao provincial Fr. Joaquin de Jesus Maria, por meio do seguinte
ofício:
“Ilmo. e Rmo. Snr. — Comovido da consternação em que estão
as Senhoras Recolhidas no Mosteiro da Luz desta Cidade de S.
Paulo pela exoneração do M. R. Padre Fr. Antônio de S. Ana
Galvão P.a G.am do Convento de S. Francisco desta mesma cidade,
vendo que a igreja do d.º Recolhimento pela falta do zelo do
mesmo R. P. que era como uma coluna em que se estribava o d.º
Convento e que pelas virtudes exemplares e zelo me sossegava
sobre o governo daquelas Senhoras causando-me a maior aflição
não achar clérigo que possa suprir a d.ª falta; por isso rogo a V.
P. Rma. haja de o escusar do governo de guardião ficando como
de antes empregado na mesma direção do Recolhimento
mencionado.
Além da boa fama que todos os moradores deste bispado tem no
d.º P. M. e justamente por ser aquele Recolhimento como a âncora
que sustenta S. Paulo e todo o bispado pelas contínuas orações e
virtudes das suas religiosas e por isso dignas de toda a nossa
contemplação e também de V. P. R.ma zeloso do serviço de Deus e
do bem público.
Por isso rogo a V. R.ma nos faça esta grande mercê de o
escusar e deixá-lo empregado no seu antigo ministério da direção
do dito Recolhimento. Estimo goze V. P. R.ma A mais feliz saúde e
que Deus o de mtos. anos. S. Paulo, 17 de abril de 1798. De V. P.
R.ma Il.mo e R.mo Snr. Provincial Fr. Joaquim de Jesus Maria. Amigo
mt.o ven.ºr atento e fiel servo. Dom Mateus de Abreu Pereira Bispo
de S. Paulo”.[65]
Secundando o pedido do referido prelado, a câmara municipal
oficiou ao dito provincial, em nome das religiosas e da população de
toda a capitania de São Paulo. Tão importante é esse documento
que não podemos deixar de o transcrever integralmente:
“Revmo. P. M. Prov.al Fr. Joaquim de Jesus Maria.
Ao mesmo tempo que cheios do mais vivo reconhecimento
vamos aplaudir diante de V. Rma. a bem acertada eleição do M.
R. P. Me. Fr. Antônio Galvão para Gam. Do Convto. de S.
Francisco desta Cidade., a qual recebe não pequeno lustre do
esplendor e constante edificação da d.ª Casa Religiosa, ainda
mais agora sendo precedida por pessoa tão recomendável e de
tão relevante merecimento: contudo nós mesmos como
representantes do povo desta cidade vamos estorvar com as
nossas humildes súplicas, e a rogos das pessoas mais
caracterizadas, o êxito da d.ª eleição; porque nos insta a causa
pública e o bem comum temporal e espiritual que a tudo prefere,
como recomendam as sábias leis da nossa Augusta e Fidelíssima
Rainha Nossa Senhora.
E com ser pública a d.ª causa, nos é necessário escondê-la a
religiosidade e inimitável obediência do dito Rdo. Padre a estas
horas entretido na sua oração e santos exercícios, porque
receamos a sua resistência à nossa bem fundada pretensão e as
nossas humildes súplicas. É desnecessário representar à discreta
experiência de V. Rma. a suma necessidade do dito Rdo. Padre no
Convento das religiosas de Nossa Senhora da Luz desta cidade,
que ele fundou e que ele conserva com a sua doutrina e exemplo,
mas igualmente com a sua constante caridade solicitando esmolas
das pessoas devotas para concluir o templo daquele muito religioso
claustro e encaminhando a sustentação daquelas virtuosas
recolhidas, ao q. pr. eles lhes envia a divina providência.
As d.as Religiosas fazem profissão de esperá-la; e assim sem
pedirem e sem rendas vivem com muito exemplar virtude naquele
dito claustro confiadas somente na mesma providência que tudo
pode.
Aqueles a quem Deus mover para praticar com elas a sua
caridade, não sabem outro nome e desconhecem todo o caminho
que não seja a direção econômica do dito Rdo. Padre: para ele
correm as disposições de fora e de dentro, onde elas choram e
lamentam sem consolação a sua falta dirigindo-nos súplicas, que
nos movem no íntimo de nossos corações a fazermos esta da sua
parte também, além da causa pública, como temos exposto, o que
fazemos interessando-nos igualmente da nossa, certificando a V.
Rma. que todos os moradores desta cidade não poderão suportar
um só momento a ausência do dito religioso quando concorrer
este capítulo no fim do seu governo. Este sacerdote tão
necessário às religiosas da Luz, é muito precioso a toda esta cidade
e vilas da capitania de S. Paulo; é homem muito religioso e de
prudente conselho; todos acodem a pedir-lhe, é homem de paz e
caridade; todos buscam a sua virtude. E como é uma virtude
examinada e provada no largo espaço de muitos anos, cuidam (e
com razão) estes povos que por ele lhes descem as bênçãos do
céu e todos a uma voz rogam e pedem que lhe não tirem.
Nestes termos vamos rogar a V. Rma. com as mais incessantes
súplicas se digne conceder-nos a especial graça de ser conservado
aqui este exemplar religioso e convenha em que ele possa renunciar
a guardiania para poder melhor acudir àquelas virtuosas Religiosas,
que sem a sua frequente direção se consideram como
desamparadas e toda esta capitania.
A consumada constante prudência de V. Revma. de que existem
tantas provas, juntamente com o seu piedoso e caritativo animo
sirvam-nos de abono às nossas súplicas e animem a nossa
esperança para conseguir de V. Revma. o fim do nosso desejo. À
Religiosa pessoa de V. Revma. guarde Deus muitos anos S. Paulo
em Câmara 17 de abril de 1798. De V. Revma. muitos veneradores e
reverentes criados.
José Vaz de Carvalho, Manoel José de Castro, João Lopes
França, José Maria da Cruz Almada, Francisco Alvz. Ferreira do
Amaral”.[66]
Convencidos porém de que a eleição de Frei Galvão foi
unicamente devida aos seus altos méritos, e atendendo-se aos
ótimos serviços que poderia ele prestar a sua ordem, como
guardião, ficaram todos em paz e conformados com tal fato, tanto
mais que ao Servo de Deus foi permitido que continuasse no seu
ministério de capelão até chegar o tempo do novo capítulo, no qual
teria de tomar parte como vogal.
Chegado esse tempo, partiu o santo frade a pé para o Rio de
Janeiro, em apostólica viagem, pregando nas povoações onde
passava, a pedido dos párocos. Encerrada a reunião capitular, eis
ele de novo em S. Paulo, continuando na direção do mosteiro. A 28
de março de 1801, foi novamente eleito guardião do convento de
São Francisco. Por um breve do núncio apostólico, a pedido do
provincial Frei Antônio de São Bernardo Monção, foi galardoado
com o privilégio de definidor. Por outro breve foi constituído
visitador geral e presidente do capítulo, em 1808, cargo que
renunciou por justas causas.
Embora conste no “Livro de Registro de Religiosos de Filiação do
Brasil”, que Fr. Galvão foi por três vezes, em 1777, 1792, e 1799,
nomeado comissário da Ordem 3.ª de S. Francisco, da cidade de
S. Paulo, somos de opinião que, de fato, só em uma época exerceu
ele tal cargo. Pelas pesquisas que fizemos no arquivo da mesma
ordem, conseguimos saber que o Servo de Deus tomou posse do
aludido cargo em 1776 nele permanecendo até 1780. A data de
1777, como sendo da primeira nomeação, está evidentemente
errada.
O “1.º Livro de Termos da Ordem 3ª” diz o seguinte, na pág. 31:
“Termo de posse dada ao M. R. P. Comissário Frei Antônio de
Sant’Anna Galvão, com apresentação da Patente. Aos nove dias do
mês de agosto do ano de mil setecentos e sessenta e seis anos…”.
Subscreveram esse registro: o Servo de Deus, o irmão ministro
Bento José Leite, e outros.
Dessa data em diante, até 18 de setembro de 1780,
encontramos a assinatura de Frei Antônio Galvão em todos os
assentamentos de admissão de irmãos, constantes do “3º livro de
termos de entrada de irmãos”. Quanto as outras duas nomeações
do Servo de Deus para o mesmo cargo, supomos que ele não as
aceitou, pois além de não encontrarmos o registro de sua posse,
não mais vimos a sua assinatura nos assentamentos de novos
irmãos.
O cargo de comissário visitador foi exercido de 1792 a 1798, por
Frei Joaquim da Santíssima Trindade Neto, e, de 1799 a 1801, por
Frei Miguel de Jesus Maria e Frei Bernardo da Pureza Claraval.
Fr. Galvão tomou parte saliente na fundação do Recolhimento
Santa Clara, em Sorocaba. Esse pio estabelecimento foi fundado
em 1804 e aprovado por previsão régia de 22 de julho de 1810,
apesar da oposição que lhe fez o governador e capitão-general
Antônio José da Fonseca e Horta, em data de 5 de julho de 1805,
informando a representação da Câmara de Sorocaba, que pedia
ao governo houvesse de deferir a petição dos fundadores, que
foram D. Manoela, D. Rita e D. Ana, filha do alferes Francisco
Xavier de Oliveira Leme e netas do capitão-mor Salvador de
Oliveira leme.[67]
A fim de organizar a comunidade do Recolhimento de Santa
Clara, partiram do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição,
para Sorocaba no dia 14 de agosto de 1810, Fr. Galvão e as irmãs
Rita do Coração de Jesus, Domiciana Maria da Assunção e Isabel
da Purificação.
Depois de dirigir espiritualmente as religiosas, durante um ano,
regressou o Servo de Deus para S. Paulo, em companhia das irmãs
Rita e Domiciana, a 22 de agosto de 1811; ficando em Sorocaba,
como primeira regente do recolhimento de Santa Clara, a irmã
Isabel da Purificação.[68]
No citado “Livro de Registro dos Religiosos de Filiação no
Brasil”, há este trecho bem significativo sobre a vida do Servo de
Deus:
“[…] Tudo quanto se pode dizer deste religioso está lançado
nesta folha com toda a individuação. O que se pode acrescentar
é que em nada tem diminuído os créditos devidos à sua virtude,
antes cada vez mais tem merecido o respeito dos povos, que
olham para ele como um varão apostólico, ornado de todas as
virtudes: o conceito que dele formam é sem dúvida de um santo. O
seu nome é em S. Paulo, mais que em outro qualquer, ouvido
com grande confiança e não uma só vez, de lugares remotos
muitas pessoas o vinham procurar nas suas necessidades. Assim
se conservou até os últimos anos de sua vida em que foi atacado
de gravíssimas enfermidades, pelas quais deu as últimas provas
de sua conformidade, principalmente nos últimos três anos, em
cujo estado servia assim mesmo de sustentáculo à boa ordem
daquele convento (da Conceição) de quem foi seu fundador”.
Perdeu-se, infelizmente, a maior parte dos autógrafos de Fr.
Antônio Galvão. Entretanto, suas filhas espirituais conservam
alguns, como preciosas relíquias, de cujos dizeres altamente
edificantes, vamos transcrever diversos trechos.
Termina assim uma oração, ou melhor, consagração do santo
religioso a Nossa Senhora, escrita em um dia que se achava
maravilhado de amor pela divina mãe: “[…] e para que conste que
esta minha determinação foi feita em meu perfeito juízo faço esta
cédula de minha própria letra e assinada com o sangue de meu
peito, hoje dia do patrocínio da Minha Senhora e Mãe de Deus 9 de
novembro de 1766. De M.ª Snr.ª S.S. Indigno Servo. Fr. Ant.º de S.
Ana”.[69]
Indicado, por escrito, à Madre Helena quais as petições
especiais que devia fazer em suas orações, Fr. Galvão termina com
palavras reveladoras da sua entranhada humildade, pedindo-lhe
que rezasse também por ele, miserável religioso seu confessor.[70]
Agora, alguns, períodos de uma carta que o santo franciscano
escreveu em 1781, quando em viagem para o Rio de Janeiro:
“Madre Regente e todas as Irmãs do Recolhimento da
Conceição. A Deus, em quem só devemos esperar. Tenham a
ciência filhas, agora é a ocasião de vossas Caridades terem sofrido
muitos, tenham ânimo pelo amor de Deus: vivam unidas † vivam
unidas † vivam unidas † guardem a glória de Nosso Senhor vivendo
na sua providência, esperando nele só, filhas vivam unidas, vivam
unidas. Já vossas Caridades, tem vivido seis anos dando a Deus a
glória nessa providência em que vivem, peço que vão continuando
nessa vida para mais sua glória.
Sejam fortes, confiem em Deus que não lhes há de faltar. Todas
tenham paciência, desenganem-se do mundo, que tudo é nada.
Não tenham amizade com pessoas de fora. Lhes peço isso pelo
sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Enquanto aos confessores
Deus há de arrumar não se desconsolem, pode ser que Deus permita
que eu brevemente venha.
Adeus à Madre Regente, Irmã Isabel de Sant’Ana, Irmã Maria
da Conceição, Irmã Ana do Sacramento, Irmã Ana Maria do
Espírito Santo, Irmã Ana de S. José, Irmã Florinda, Irmã Isabel
Maria, Irmã Domiciana, Irmã Mariana; que todas são minhas filhas e
as amo em Nosso Senhor Jesus Cristo. Quando quiserem escrever
remetam as cartas muito seguras, eu vou para o Rio de Janeiro.
Portem-se constantes e tenham ânimo que tudo se acaba e adeus.
Irmão de Vossas Caridades. Padre Fr. Antônio”.[71]
Existe também no Recolhimento de Nossa Senhora da
Conceição um caderninho, em que uma das monjas
contemporâneas do Servo de Deus escreveu os 46 conselhos ou
recomendações por ele proferidos, sobre o cumprimento dos deveres
das religiosas, a prática das principais virtudes, etc., etc.
Lendo essas páginas em que Fr. Galvão se mostra seguro mestre
da vida espiritual, páginas de uma simplicidade encantadora,
nossa alma se volta para o passado longínquo, sentindo
extraordinária emoção ao aspirar o perfume de santidade que
delas se exala.
Que diremos do patriotismo de Frei Antônio Galvão?
Sendo a Religião Católica a mais admirável escola de
disciplina, de paz, de ordem e de progresso é, ao mesmo tempo,
a inigualável inspiradora do patriotismo. Não, certamente, do
patriotismo frouxo e paroleiro, mas do que enobrece e dignifica,
fecundo em obras meritórias, que não recua ante os sacrifícios,
que não desanima ante os insucessos, mas que, perseverante e
valoroso, vence todas as barreiras; do patriotismo sincero e
verdadeiro, que salva e que redime.
No Brasil, desde a época do seu descobrimento, até aos nossos
dias, vemos Padres empenhados no seu engrandecimento, tanto
espiritual, como material. Na catequese dos índios, na formação da
nossa nacionalidade, nas guerras contra o estrangeiro, nos dias
prósperos e de infortúnio, na política e nos cargos de administração
sempre os sacerdotes demonstraram o mais ardente patriotismo.
Quem mais amou o Brasil, que os apóstolos — Manoel da
Nóbrega, Anchieta, Manoel de Paiva, Leonardo Nunes, Aspicuelta
Navarro, João de Almeida, Inácio de Azevedo[72], Pedro Corrêa[73],
Joaquim Pinto[74], Malagrida[75], Fr. Pedro Palácios[76], e tantos
outros?
Eduardo Prado, o polemista eminente, o brilhante autor da “Ilusão
Americana”; Eduardo Prado falando sobre os jesuítas, nos legou
esta página magnífica:
“[…] Nas vastas solidões do Brasil, nas baixadas dos campos
ressecados, oculta entre o verde pontuado de ouro das laranjeiras,
à beira do pequeno canavial, há a casa isolada do caboclo,
margeada do rego d’água, no silêncio dormente e abrasado do sol,
que quebram, a espaços, a pancada surda e o lento gemido do
monjolo. Aí, vive ele na pobreza, tirando o alimento de uma terra que
nem sempre é da fertilidade que os nossos economistas, poetas e
oradores apregoam. Vive ali simples, rude e enérgico na sua
calma o descendente do mameluco e do índio, que hoje tem teto,
tem família e tem Deus, porque os jesuítas civilizaram os seus
avós”.[77]
Quem nesta formosa terra foi mais patriota que Fr. Sampaio, Fr.
Monte Alverne, Pe. Pires da Mota, D. Antônio Joaquim de Melo, D.
Sebastião Pinto do Rego[78], D. Fr. Vital, Pe. Chico, Pe. Júlio Maria,
D. Silvério Pimenta, e tantos outros embaixadores de Cristo, cujos
nomes dão às páginas gloriosas da nossa história, religiosa e civil,
inexcedível fulgor?
Quem jamais sentiu na alma, com tanta intensidade o santo
entusiasmo de oferecer a vida em holocausto pela Religião e pela
pátria, como a mártir insigne — Madre Joana Angélica de Jesus? Ó
Santa Igreja Católica! Mãe gloriosa e imortal, em cujos seios
puríssimos beberam o leite da divina graça os maiores heróis de
que se orgulha a humanidade! Salve!
Filho dileto da Igreja, Frei Galvão, dela aprendeu a unir em seu
coração três diferentes amores: o amor de Deus, o amor do
próximo e o amor da terra natal. Que altura, pois, se não elevaria o
seu patriotismo!
Sua força moral sobre o governo e o povo de S. Paulo eram
extraordinários, porque o consideravam santo. Todos prestavam ao
excelso religioso as homenagens da mais absoluta confiança,
carinhosa estima e profunda veneração. Todos o amavam como pai,
mestre e guia incomparável.
Os últimos três anos de existência, passou-os o Servo de Deus
no sofrimento de graves enfermidades, com a paciência e resignação
peculiares às almas habituadas a imitar em tudo o divino modelo —
Nosso Senhor Jesus Cristo. É que, para a alma do justo, a dor tem
mais doçura que para a boca do pecador um favo de mel.
Que alegria infinita não gozaria Fr. Galvão, após ter passado a
existência na prática heróica de todas as virtudes, na mortificação,
no trabalho e na prece, ao ver concluída a sua missão no mundo,
próximo o termo de sua vida terrena!
Eram dez horas da manhã do dia 23 de dezembro de 1822,
quando expirou placidamente o Servo de Deus voando sua alma
para o céu, a receber o eterno galardão. Morreu o santo religioso
com 84 anos incompletos, após a recepção dos últimos sacramentos
e assistido pelo guardião de S. Francisco, Fr. João do Espirito
Santo, Fr. Inácio de Santa Justina, Pe. Joaquim Ribeiro, Pe.
Joaquim Francisco de Abreu e Pe. Francisco de Assis Ribeiro.
O local em que faleceu, foi uma saleta anexa à sacristia da
capela do Mosteiro da Conceição, onde ficara em tratamento nos
seus últimos dias, a instâncias das religiosas, com permissão do
prelado diocesano e do superior da sua ordem. As monjas
prestaram, assim, ao seu querido pai espiritual a homenagem de
altíssima gratidão.
E bem merecia ele essas demonstrações de carinho e
devotamento, porque durante 48 anos dirigiu as almas dessas filhas
diletas pelos caminhos das mais peregrinas virtudes, não somente,
mas com desvelos paternos, angariava os meios para a sua
subsistência corporal, erigindo também esse monumento de fé e
patriotismo, que é o Recolhimento de Nossa Senhora da
Conceição.
Quando os sinos dobraram, dando ao povo a triste nova, a
consternação foi geral. Um luto imenso envolveu todos os
corações… E as homenagens que todas as classes sociais
prestaram ao grande morto, se transformaram em eloquente
apoteose.
Rezando o ofício de corpo presente, foi celebrada solene a Missa
de Réquiem, ficando o corpo em exposição para que os fiéis o
visitassem. O Padre guardião desejava que o enterro se fizesse
no Convento de S. Francisco, mas o povo requereu e obteve do
Bispo Dom Mateus permissão para que o corpo do Servo de
Deus repousasse na capela do mosteiro.
À tarde desse dia, depois da encomendação com o ofício, foram
os despojos mortais de Frei Galvão inumados numa sepultura que
se abriu no centro do presbitério da capela, sendo pouco tempo
depois colocada sobre a mesma, uma lápide de pedra com a
seguinte inscrição:
“Hic Jacet
Fr. Antonius de Sant’Anna Galvão
Hujus almae Domus
Inclytus Fundator
et Director
Qui animam suam
In manibus suis semper Tennes
Placide Obdormivites
In Domino
Die 23 Decembris anno 1822”.

Com o passar dos anos, de tanto os devotos retirarem


pedacinhos da lápide para guardarem como relíquias, ficou ela
imprestável, sendo necessário substituí-la por outra, de mármore,
que conserva os mesmos dizeres da primeira.
Deus dotou Fr. Galvão dos preciosos dons da virtude e dos
milagres. O santo religioso, conforme a tradição, curava enfermos
repentinamente, penetrava o íntimo das consciências, bilocava-se,
isto é, algumas vezes estava simultaneamente em dois lugares;
operava conversões, etc.
Vamos narrar, embora palidamente, alguns fatos miraculosos
que lhe são atribuídos, parte dos quais tivemos a ventura de ouvir
da “boca de ouro” do Padre Chico.[79]
Certa vez, tocando matinas à meia noite, no Convento de São
Francisco, deram pela ausência de Frei Galvão, que só apareceu no
coro quando já ia adiantado o ofício. O Padre guardião interrogou-o:
— Onde esteve Frei Galvão? Procuramo-lo por todo o
convento!
— Fui confessar um doente em Parnaíba, respondeu-lhe o Servo
de Deus.
— Possível? A estas horas?
— É pura verdade, Padre guardião, e a prova está no meu
hábito todo molhado…
Num antigo prédio dos “quatro cantos”, ora reconstruído, residia
um homem rico. Certa manhã para aí se dirigiu Fr. Galvão. Batia
ainda, quando de longe, caminhando pela rua de São Bento,
avistou-o um transeunte. Não estando ainda convencido das
virtudes do religioso, pensou ele: — “Tão cedo e já Frei Galvão a
adular os ricos!” Ao defrontar, porém o dito prédio, chamou-o o Servo
de Deus, e disse-lhe: — “Meu irmão, não faça juízo temerário do
próximo! Eu não vim aqui para adular o dono desta casa, mas
unicamente pedir uma esmola para o recolhimento de Nossa
Senhora da Conceição”. Imagine-se a confusão e o espanto do
admoestado, que certamente se convenceu da santidade do servo
de Deus.
Indo o Padre Chico confessar um enfermo, este chamou sua
atenção para um belo crucifixo que se achava em seu quarto, lhe
narrando o seguinte: O avô do enfermo, que era médico, passou
certa manhã pelo recolhimento de Nossa Senhora da Conceição,
afim de visitar Frei Galvão. Este, terminada a visita, ofereceu ao
amigo a veneranda imagem, dizendo que a levasse para que se
encaminhassem melhor os seus negócios espirituais e temporais. O
médico agradeceu o precioso presente, pedindo, porém, ao Servo de
Deus, que o guardasse até regressar das visitas que ia fazer a alguns
doentes. Cumprindo seu dever profissional, seguiu o médico para
casa, esquecendo-se de voltar ao convento. Ao penetrar no
consultório, cuja chave trazia consigo, viu ele, com a maior e
comovedora surpresa, sobre a mesa de trabalho, o crucifixo de
Frei Galvão!
Existiam em Itu duas famílias, em completa inimizade, cujos
chefes se odiavam mortalmente. Sabendo Frei Galvão desse caso,
para lá se dirigiu, e convidou o povo para ir a determinada igreja,
onde pregaria um sermão. No dia e hora marcados, os fiéis
encheram o templo, comparecendo também as duas famílias
inimigas, com seus respectivos chefes. Subiu ao púlpito e por
longo tempo discorreu sobre a caridade. Vendo, porém, que suas
palavras não moviam para a paz aqueles rancorosos inimigos,
disse-lhes humildemente: — “O culpado de vós não vos
reconciliardes, sou eu, porque não soube dizer-vos com a pobreza
da minha palavra, quanto é grande, quanto é divina a caridade!” E
tirando de sob o hábito uma disciplina, começou a flagelar-se
fortemente… O argumento era por demais valoroso, para que se não
comovesse o auditório, até as lagrimas, e mais ainda as duas
famílias inimigas, que fizerem as pazes e viveram daí por diante
em santa harmonia.
Noutra ocasião, achando-se Fr. Galvão na mesma cidade, pediu-
lhe certa mãe aflita que orasse por um seu filho, moço de gênio
irascível e péssimo procedimento, que costumava ausentar-se dias
e dias do lar. Frei Galvão consolou a pobre mãe e lhe disse que
confiasse em Deus, pois seu filho voltaria logo, completamente
transformado. Pediu-lhe, porém, que nada dissesse ao moço, sobre
a sua conversação. Poucos dias após, regressou o filho pródigo,
radicalmente outro, no falar e no proceder, e foi daí em diante a
alegria de sua mãe.
Em Potunduva, município de Jaú, (S. Paulo) trabalhava no
mato, com alguns companheiros, o roceiro Manoel Portes, que
desastradamente se feriu com profundo golpe de faca. Percebendo
que ia morrer, o pobre homem rogou a Deus que lhe enviasse Frei
Galvão para o amparar na hora extrema. Decorrido algum tempo,
pediu a seus companheiros que se retirassem do rancho em que se
acolhera, porque aí se achava o Servo de Deus para ouvi-lo em
confissão. Atenderam-no, supondo que o enfermo delirava… Qual
não foi seu espanto, quando ao regressarem, instantes depois, e
deparando Manoel Portes já morto, “notaram que uma caixa de
roupas que deixaram ao lado dos pés daquele, então prostrado
exânime em uma rede, achava-se agora misteriosamente ao lado
em que o mesmo tinha a cabeça!” Alguém, pois, aí estivera…
Quando isso passava, Fr. Galvão estava em S. Paulo, pregando
numa igreja, e, em certo momento, interrompendo o sermão, pediu
aos fiéis que rezassem com ele uma Ave Maria por intenção de
um enfermo que se achava longe, em ponto de morte. Ajoelhou-se o
Servo de Deus e o seu piedoso auditório. Algum tempo depois, o
orador levantou-se e concluiu o sermão. Para comemorar o
acontecimento, os moradores do lugar aí colocaram a cruz, que
mais tarde foi substituída por outra. Em 1900, ainda existia uma
dessas cruzes, antiquíssima, com significativa inscrição. Ao lugar,
até hoje ocorrem pessoas devotas, que vão cumprir promessas por
graças recebidas.
Um dia, Fr. Galvão encarregou a uma habilidosa monja[80] do
convento que dirigia, de fazer uma imagem de Santo Antônio, a
fim de colocá-la num dos altares da capela. Pronta a imagem,
entregaram-na a Fr. Galvão para benzê-la. Viu, porém, o Servo de
Deus que a imagem tinha uma notável imperfeição: o Menino
Jesus, que devia estar voltado para o Santo, fora colocado noutra
posição. Entristeceu-se a piedosa escultora que, para remediar o
defeito apontado, tinha que fazer nova imagem. Fr. Galvão
consolou-a, e pegando na imagem do Senhor Menino, voltou-lhe
graciosamente a cabecinha para a de Santo Antônio, como está até
hoje.
Cantavam as religiosas no coro da capela, quando, em certo
ponto, esqueceram a música, para elas fato único e inexplicável.
Desanimadas, iam parar o canto, quando apareceu no meio da
capela, a essa hora fechada, o seu diretor, que começou a cantar e,
vendo que suas dirigidas acertaram o tom, desapareceu, deixando-
as santamente edificadas.
Uma vez recorreram ao santo religioso para que acudisse a uma
senhora que se achava gravemente enferma, num parto
laborioso. O Servo de Deus sendo muito devoto da Santíssima
Virgem, escreveu num pequeno papel este versículo: “Post partum
Virgo inviolata permansisti; Dei Genitrix intercede pro nobis”;
entregando-o bem enrolado à enferma para que o tomasse num
copo d’água. O efeito foi maravilhoso, pois a doente teve um parto
felicíssimo e recuperou a saúde.
Fr. Francisco de Monte Alverne, que foi contemporâneo de Fr.
Galvão, costumava narrar o seguinte fato: Encontrava-se o Servo de
Deus no Rio de Janeiro, onde fora tomar parte no capítulo
provincial, na qualidade de guardião do Convento de S. Francisco,
desta cidade. Aconteceu que certa mulher moradora em uma
fazenda, distante algumas léguas de S. Paulo, caiu enferma nos
apertos de melindroso parto. Pediu ela ao marido que fosse chamar
o venerável religioso, o único que lhe podia dispensar eficaz
valimento. Vendo a convicção da esposa, sem demora partiu o
homem a cavalo, em demanda de Frei Galvão. No Convento de S.
Francisco disseram-lhe que o Servo de Deus estava no Rio de
Janeiro. Desanimado regressou a casa, chegando no dia
seguinte. Qual não foi a sua surpresa, ao encontrar a esposa livre
de todo o perigo e a proclamar as virtudes do seu grande benfeitor
Fr. Galvão! Contou-lhe, então, a boa mulher, como o Servo de Deus
lhe havia aparecido, durante a noite chuvosa estando
completamente enxuto; ouviu-lhe a confissão, e mandando vir um
copo com água, abençoou-a e deu-lhe a beber, sendo isto o bastante
para que ela recuperasse a saúde. Impressionado o marido com tal
acontecimento, partiu imediatamente para o Rio de Janeiro, a fim
de agradecer ao santo frade o seu extraordinário rasgo de caridade.
Chegado ao Convento de Santo Antônio, expôs minunciosamente
ao guardião tudo quanto ocorrera com a esposa e qual o fim da sua
visita. O guardião disse-lhe admirado: — “Como é possível ter-se
dado esse fato, se durante todo este tempo Fr. Galvão não arredou
o pé daqui?” Chamado entretanto Fr. Galvão e interrogado sobre o
caso, respondeu: — “Como se deu não sei, mas é verdade que
naquela noite lá estive”.
Fr. Galvão continua a ser especial protetor das parturientes. Não
se passa um só dia, e isso vai para mais de cem anos, sem que à
portaria do Convento de Nossa Senhora da Conceição cheguem
pedidos da pequenina oração que o santo religioso compôs, em
benefício das que vão ser mães. Os favores divinos alcançados por
intercessão do Servo de Deus são inúmeros. Disso dão testemunho
as veneráveis monjas do mesmo convento e o seu virtuoso capelão.
No “Eco Seráfico”, a bem redigida revista franciscana que se
publica em Petrópolis, encontrarão os leitores, o relato de
importantes graças que numerosos fiéis de todos os pontos do
Brasil, tem alcançado por intercessão do Servo de Deus, Fr. Antônio
de Sant’Anna Galvão.[81]
I J L

Escrevendo sobre os Servos de Deus, de nacionalidade


brasileira, é com indizível júbilo que relembramos o nome e os
feitos beneméritos de um varão notabilíssimo, grande apóstolo da
caridade — Irmão Joaquim Francisco do Livramento.
A então vila do Desterro, hoje Florianópolis, capital do estado de
Santa Catarina, teve a honra de ser o berço natal deste ”homem
singular”[82], a 2 de março de 1751. Foram seus progenitores o
sargento-mor Tomás Francisco da Costa e dona Mariana Jacinta
Vitória.
Aos sete anos de idade recebeu do céu uma graça
extraordinária, porque, mudo de nascença, começou Francisco a
falar.[83] Seu pai, comerciante, desejava encarreirá-lo na mesma
profissão; mas Deus, cujos desígnios são imperscrutáveis, outra
coisa determinara. A proporção que os anos decorriam, o muito
piedoso menino ia demonstrando que não tinha nenhum pendor
para a carreira comercial; os seus ideais eram outros, infinitamente
superiores.
Aos dezesseis anos, após muitos rogos, obtém de seu pai a
cobiçada permissão para entregar-se exclusivamente ao serviço
divino. E como começou o santo jovem a desempenhar tão
enobrecedora missão, contam-nos os seus biógrafos: “Retirado da
vida comercial, dedicou-se a cuidar de um nicho de Nossa Senhora
do Livramento, o qual existia no cunhal da casa da rua Bela do
Senado, canto da do Livramento, conservava noite e dia uma
lâmpada com luzes nesse nicho, e era tal a devoção que tinha
pela imagem que ali se venerava, que trocou o nome de Família
pelo de Livramento, com que ficou conhecido.[84]
Madrugava nas igrejas, varrendo-as, asseando-as, aparelhando-
as o necessário para o sacrifício e servindo ele mesmo ao Sacerdote
no altar; saía depois a acudir aos enfermos, levando-lhes
remédios, lavando-lhes as feridas, concertando-lhes os leitos, e
fazendo aos infelizes o que em tais casos faria a mais extremosa
mãe.
Maiores ainda eram os desvelos pelas necessidades espirituais
dos enfermos, os quais acompanhava junto ao leito deles,
exortando e consolando, até que, ou recobrassem a saúde, ou
com morte cristã e armados de todos os sacramentos, passassem
desta vida para a melhor vida.[85]
Alguns anos após, sufocando no coração os brados do amor
filial, porque mais forte do que essa cadeia, era seu ideal de
caridade, eis que parte para o Rio de Janeiro. Iria encetar novas
batalhas, difundindo o bem por toda a parte; iria derramar nas almas
sofredoras, nos corações amargurados, aquele balsamo suave, que
sua alma pura fora buscar ao tabernáculo, manancial do amor
infinito de Jesus.
Enamorado da pobreza, ele tomou por modelo S. Francisco de
Assis; e, para melhor imitá-lo, despojou-se das mundanas
vestes, envergando o hábito humilde de irmão terceiro franciscano,
sobre o qual estampou as imagens do Cálice e da Hóstia — símbolo
augusto do SS.mo Sacramento.[86]
Daí seguiu o Servo de Deus, com a alma radiante de graça, em
demanda das províncias do Sul, a angariar esmolas para um
grandioso empreendimento: a fundação de um hospital, onde o
enfermo pobre achasse um leito para descansar o alquebrado
corpo, remédio para os seus males físicos e conforto espiritual.
Com as esmolas que obteve construiu, na então vila do
Desterro, o “Hospital do Menino Deus”, escolhendo para tal fim
aprazível local, onde se descortina esplendido panorama. Inaugurou-
se este estabelecimento, que tem funcionado sem interrupção até os
nossos dias, a 1° de janeiro de 1789.[87]
Alguns anos mais tarde, com patrimônio adquirido devido à
generosidade da rainha D. Maria I, essa instituição foi entregue pelo
Irmão Joaquim aos cuidados da Irmandade do Senhor dos Passos,
ereta na capela do Menino Deus.[88]
Outro empreendimento absorvia-lhe os sonhos: a salvação da
infância desamparada, e, para realizá-lo, deixa a terra natal e parte
para a capital da Bahia, onde chega no ano de 1798 e trata logo da
fundação de um seminário para órfãos. Enquanto esperava a
autorização da metrópole, reuniu alguns meninos e começou a sua
grande obra.
Em 1808, amparado pelos poderes públicos e pela generosidade
do povo, que acudia ao seu apelo, transferiu os seus educandos para
melhores acomodações, anexas à capela de S. José de Ribamar.[89]
Por iniciativa do governador Conde de Palma, com o produto
de loterias e subscrições ordenadas por D. João VI, reedificou-se o
confortável edifício do colégio e noviciado dos padres jesuítas,
construído em 1724, para aí se instalar definitivamente o orfanato
do Irmão Joaquim.[90]
“No dia 12 de outubro de 1825, aniversário do fundador do
Império, efetuou-se a transferência dos 28 órfãos que existiam no
seu humilde aposento de S. José, para o edifício do noviciado. O ato
da transferência foi pomposo e solene. De S. José para o
seminário, que ficou com a denominação de Casa Pia e Colégio de
S. Joaquim, para honrar a memória do seu instituidor, vieram os
órfãos, às 9 e meia da manhã, acompanhados por todas as pessoas
de mais alta hierarquia, sendo recebidos pelo presidente da
província, que assistiu ao solene Te Deum, entoado pelo vigário
capitular, ocupando a tribuna o ilustrado Pe. João Querino Gomes,
ficando entregue aos desvelos e solicitude do seu novo reitor, o
Dez. da Relação Eclesiástica Antônio dos Santos Gomes”.[91]
Não teve o Servo de Deus o prazer de assistir a essa brilhante e
definitiva instalação do seu querido instituto, pois que se retirara da
Bahia, no ano de 1808. Homem de assombrosa atividade, nem bem
o Irmão Joaquim finalizava uma empresa, já cogitava outra.
Passando certa vez por Angra dos Reis, na então província do
Rio de Janeiro, marcou aí o local para a construção de um
edifício, onde fundaria um asilo semelhante ao da Bahia.[92] E, de
fato, depois de continuar na sua peregrinação de caridade, obtidas
as esmolas necessárias, regressa a Angra dos Reis e executa o seu
arrojado plano, pondo ombros a edificação do seminário que
denominou da Santíssima Trindade, em Jacuacanga.
Decorridos os primeiros meses de 1822, chega certo dia o Irmão
Joaquin ao Rio de Janeiro, em demanda do príncipe regente, que o
acolheu carinhosamente, pois na corte todos o conheciam e
estimavam.
Pediu ao príncipe Dom Pedro um Padre para reitor do
seminário de Jacuacanga, e obteve esta resposta: — “Para
servir-te, houvera de mandar o oleiro te formaste um. — Não
estamos neste caso, acode o Irmão, basta que V. A. me mande
vir de Minas o Padre Antônio Ferreira Viçoso, e tudo fica bem
arranjado.”[93]
Atendeu-o prontamente o príncipe Dom Pedro, e, pouco depois,
em setembro, do mesmo ano, o Padre Viçoso, mais tarde o grande
Bispo de Mariana, tomava posse do seminário da Santíssima
Trindade. Com a aquisição do novo reitor, floresceu o seminário de
Jacuacanga, que se tornou, durante os quinze anos em que foi
dirigido pelo Pe. Viçoso, um centro de sólida piedade e ótima cultura,
donde saiu uma plêiade de grandes homens, aos quais o Brasil deve
serviços de peso.[94]
O santo D. Viçoso, quando Bispo de Mariana, demonstrava as
saudades que sentia do seminário de Jacuacanga, e, falando dos
seus antigos alunos, afirmava que “nunca vira moços mais puros,
nem mais piedosos”.
“O seminário de Jacuacanga foi um modelo digno de figurar entre
os mais perfeitos pelas virtudes dos jovens que lhes viveram à
sombra”.[95]
Em São Paulo fundou o Irmão Joaquim dois seminários: um em
Itu e outro na capital da então província.
Quanto ao de Itu, apenas conseguimos saber que funcionou por
alguns anos, produzindo ótimos frutos, num prédio que mais tarde foi
aproveitado pelos Padres da Companhia de Jesus, para nele
instalarem uma das seções do colégio São Luís. Quanto ao da
capital de S. Paulo, obtivemos melhores informações.
Achando-se desocupado o edifício da antiga fazenda dos Padres
jesuítas, no bairro Santana, o presidente da província, a instâncias
do Irmão Joaquim, cedeu o referido edifício para a nova fundação.
Esse fato ocorreu no ano de 1825.[96]
A propósito desse estabelecimento, onde foram educados não
somente filhos do povo, mas também muitos meninos pertencentes
às principais famílias paulistas, escreveu o Dr. Vieira Bueno:
“[…] Não obstante este contratempo (refere-se o autor à morte
do santo fundador) o estabelecimento sendo subvencionado pelo
governo, subsistiu durante muitos anos, porém limitado à instrução
primária, tendo como reitor Ir. Luís, companheiro, discípulo e
catecúmeno do Ir. Joaquim.
Este observou fielmente a disciplina deixada pelo fundador. Antes
de amanhecer, um dos alunos a quem tocava por tabela esse
encargo, percorria o dormitório, agitando uma matraca e repetindo
estas palavras: — Acordai ó irmãos, do sono, que é imagem da
triste morte, vamos adorar o senhor!
Em seguida descia-se para a igreja, rezava-se o terço de
joelhos sobre o frio chão. Rezava-se uma breve oração no fim do
almoço e do jantar, sendo lido durante este no Flos Sanctorum, a
vida do santo do dia, por um aluno designado por tabela. De noite
antes da recolhida para o dormitório, ainda se rezava a oração
mental num oratório que havia no sobrado…”.[97]
Para melhor avaliar-se a benemerência dos trabalhos do Servo
de Deus, se torna preciso remontarmos à época em que ele viveu.
Em viagens o santo Irmão Joaquim afrontava perigos de todo o
gênero, rios caudalosos, montanhas íngremes, desertos ermos,
matas impraticáveis, fala ao coração do pobre e do rico, pede e
recebe com o mesmo rosto esmolas, remoques e insultos, com que
não era raro mimosearem-no os que de caridade e sacrifício pouco
entendiam.[98]
Para disfarçar o tédio das longas jornadas pelo sertão, e mais,
muito mais, para elevar-se a Deus, caminhava o humilde apóstolo
entoando cânticos piedosos. Sua caridade para com o próximo era
perfeita. Em presença não tolerava que se falasse mal de ninguém
procurando desculpar as fraquezas alheias.
O seu desprendimento dos bens da terra não tinha limites. As
esmolas que recebia, ele as entregava humildemente aos diretores
dos seus institutos, para que as empregassem segundo o próprio
critério, sem que ele tivesse, nesse particular, a mínima intervenção.
[99] São assim as almas eleitas, que desprezam os bens do mundo

em busca dos tesouros do céu.


Outro episódio da vida do Servo de Deus merece especial
registro. Certa vez, entre os anos de 1808 a 1815, passou o Ir.
Joaquim por inominável humilhação. Ele o bom, o caridoso, o amigo
dos desventurados, experimentado na prática das mais nobres
ações, viu-se de um momento para outro, injustamente preso e
algemado, porque o julgaram um espião de Napoleão I!
Falando sobre este caso, assim diz o Dr. Vieira Fazenda, ao
elogiar a correção e honradez do caráter de Paulo Fernandes Viana:
“Em favor do caráter de Paulo Fernandes fala bem alto o fato
acontecido com o venerável Irmão Joaquim, o qual vítima de
estúpida suspeita, fora preso em S. Paulo e trazido ao Rio de
janeiro, algemado, como espião de Bonaparte e levado à presença
do intendente, que, estupefato diante de tal quadro, exclamou: O
Irmão Joaquim! E com suas mãos, diz Macedo, ajudou a desatar
as cordas que arrochavam os pulsos da inocente vítima, e sem
perda de tempo em interrogatórios inúteis, chamou a esposa, e a
família e entregou aos cuidados amigos, aos bons ofícios da
veneração mais justificada do mártir do erro grosseiro, o Irmão
Joaquim, o homem santo…”.[100]
Dos institutos fundados pelo Ir. Joaquim do Livramento, quantos
benefícios não colheram a Igreja e o Brasil! Quantas vocações
sacerdotais aí se revelaram e fortaleceram; quantos brasileiros aí
aprenderam a amar e servir a pátria; quantos chefes de família
deveram à educação ministrada nesses colégios a felicidade que
desfrutaram no lar!
Três vezes foi o Servo de Deus a Portugal, sempre esperançoso
de trazer alguns Padres para os seus institutos, mas frustrados foram
os seus esforços. Em 21 de maio de 1826 embarcou para
Lisboa[101], com o mesmo objetivo, seguindo tempos depois para
Roma; mas aí, uma vez mais se frustraram os seus desejos.
Passando por Marselha, em 1829, de regresso ao Brasil, aí se
agravaram as suas antigas enfermidades, e sua alma apostólica
rompendo os laços que a ligavam ao velho e macerado corpo, partiu
para a eternidade, onde foi receber do Criador o prêmio que tanto
merecia.
Tinha ele, então, 68 anos de idade.
P J G [102]

Pautando a sua vida segundo os ensinamentos de Nosso Senhor


Jesus Cristo, foi o Padre Gonçalves um apóstolo da caridade, um
valoroso conquistador de almas para o céu. Em Minas Gerais, terra
de seu berço e teatro dos seus feitos memoráveis, o seu nome até
hoje é lembrado, como o de um santo benfeitor dos desventurados, e
particularmente como o amparo e guia dos homens pretos, que
viviam na triste condição de escravos.
Filho dos abastados fazendeiros Francisco Gonçalves Pereira
e dona Ana Maria da Conceição, nasceu José Gonçalves em
Caeté, a 11 de novembro de 1771. Depois de aprender as primeiras
letras, confiaram-no seus pais aos cuidados do Pe. Joaquim
Anastácio Marinho da Silva, grande educador e mestre de latim.
Terminado o seu estudo de latim, seguiu o inteligente jovem para
Mariana, onde cursou filosofia.
Falecendo seu pai, regressou José ao lar, e aí o piedoso jovem
pouco depois se entretinha na caça aos veados, abundantes nessa
região. Um dia, após seu costumeiro divertimento, sentara-se
José à beira da estrada quando por aí passando o virtuoso Padre
Sá, velho amigo de sua família, assim lhe falou:
— “Que faz vossa mercê aqui que não se vai ordenar?”
“Senhor, respondeu José Gonçalves, não tenho mais ânimo
de ordenar-me porque vivo muito doente. — Ora vá-se daí, tornou
o Padre. É doente? Pois sirva a Igreja como doente: nem todos
podem ser sãos. Que pena! Estar aqui enterrado na roça e a caçar
veados quem tantos dotes tem para caçar almas! Se Deus não foi
servido desse, esse gosto a seu pai, que tanto desejava, a sua mãe
o dê… e nada mais me diga e nem objete… Siga para Mariana, e
adeus!”
Imediatamente partiu José para casa, referindo à sua mãe o que
acabava de suceder, e a resolução firme que tomara, de se ordenar.
E como havia o Servo de Deus de proceder de outro modo, se ele
recebera os conselhos do Padre Sá, como o de um mensageiro
direto do céu?
Mais tarde, falando aos seus amigos sobre tal sucesso, dizia o
Padre Gonçalves: — “Parecia que me havia falado um ente
sobrenatural, a cuja voz não me era dado resistir”.
Dias depois do seu providencial encontro com o Padre Sá,
seguiu o Servo de Deus para Mariana, prestou exames e obteve
demissórias para ser ordenado. Regressando à fazenda de sua
mãe, logo partiu para o Rio de Janeiro, onde recebeu todas as
ordens, inclusive a de presbítero, das mãos do virtuoso prelado D.
José Joaquim Justiniano de Mascarenhas Castelo Branco.
Fixando residência em Roças Novas, Minas Gerais, no ano de
1800, aí se deparou o novo sacerdote com um campo vastíssimo
para a evangelização do povo. Embora prevendo que iria granjear
desafetos entre os ricos senhores de escravos dessa região, iniciou
corajosamente o seu apostolado em prol dos pobres cativos.
“Para aí onde era mais profunda a miséria, lançou-se o extrenuo
lutador com os ímpetos irresistíveis da caridade. Para os escravos
foram os primeiros eflúvios do seu paterno amor. Eram mais
infelizes, e por isso mesmo mais sagrados os seus direitos”.
Conseguindo de muitos fazendeiros autorização para que seus
escravos se apresentassem na povoação aos domingos e dias
santos, a fim de ouvirem a Missa, aproveitava o Padre para lhes
ministrar o pão da palavra divina. Após a Missa, reunia-os o Servo
de Deus em sua casa, onde com inexcedível carinho lhes ensinava
a doutrina cristã.
Mas, não somente às almas dos escravos se irradiava a
caridade do apóstolo. Ele procurava também favorecê-los
materialmente, conseguindo que alguns senhores lhes
concedessem um ou dois dias por semana, para trabalharem nas
suas lavouras em seu exclusivo proveito.
Tão abençoados foram os trabalhos abnegados do Servo de
Deus, que numerosos escravos se tornaram cristãos modelares:
obedientes, resignados, castos… E esse progresso espiritual dos
escravos impressionava de tal sorte os seus senhores, que não
poucos dentre estes buscavam o Padre Gonçalves, suplicando-lhe
que também lhes ensinassem o caminho do céu.
Quando senhores ou feitores de escravos, famosos por sua
crueldade, se chegavam ao santo sacerdote, pedindo que os
ouvissem em confissão, não os atendia ele, sem primeiramente lhes
fazer ver quais as suas obrigações para com Deus e com o próximo.
E com enérgica constância lhes requeria promessa de serem
humanos daí em diante.
“Assim conseguiu que muitos senhores em Roças Novas e outras
freguesias, de cruéis se tornassem não só humanos, senão que até
caridosos e benignos”.
Quando já em idade avançada, recordava essa cruzada santa
em prol dos cativos, dizia o Pe. Gonçalves: “Que sinceros não são
os negrinhos! Uma vez convencidos da necessidade de observar-se
a lei de Deus, difícil é arrancá-los daí… Tive pretinhos, cujas
virtudes, amor de Deus, rigidez de penitências, por muitas, muitas
vezes invejei… e hoje ainda me consola a ideia que muitos lá
estão no céu, pedindo a Deus por mim”.
A solidão foi sempre um salutar atrativo para as almas
predestinadas. Nenhum lugar se deparava ao Pe. Gonçalves tão
propício à meditação e à prece, como a ermida da Virgem, ereta
no cimo da serra da Piedade. Frequentando-a assiduamente,
quão alto não se elevaria aí, sua alma na contemplação das
coisas celestes!
O amor imenso, que pela conversão dos pecadores inflamava o
coração do Servo de Deus, inspirou-o a instituir, nessa histórica
ermida, a prática dos exercícios espirituais para o povo
“Apenas difundiu-se a fama de tão excelente prática,
acenderam-se todos os corações em desejo de a frequentarem.
De longínquas terras acudia o povo; arraiais e cidades
circunvizinhas abalavam-se, e deixados os negócios, desertas as
casas, iam habitar por alguns dias as assomadas da serra;
acanhado era o templo para conter o povo, e já transbordava fora
rodeando pela esplanada exterior e declives da Serra.
Brilhantes conversões se anunciaram desde logo, e muitas foram
as pessoas que se lançando aos pés de tão irresistível adversário do
vício, lhe segredaram aos ouvidos torpes mazelas que na
consciência abafavam anos e anos”.
Disposta a regressar à prática dos sacramentos, de que vivia
afastada, respeitável senhora residente em Sabará, foi certa
ocasião, acompanhada de suas filhas, até a ermida de Nossa
Senhora. Recebida paternalmente pelo Servo de Deus, animou-se
logo a fazer-lhe a confissão geral dos seus pecados. O santo
confessor soube tão bem infundir na alma dessa penitente
sentimentos de contrição e amor de Deus, que ela saiu do tribunal
sagrado, com inabalável resolução de nunca mais ofender a Nosso
Senhor.
Tendo de regressar ao lar, após tantas horas de gozo espiritual
aos pés de Maria Santíssima, na união íntima com Jesus, ela
penetrou de novo no santuário, e, debulhada em lágrimas, dirigiu
esta súplica à Virgem da Piedade: “Mãe minha e Mãe de meu
Deus, se descendo a Serra hei de novamente sucumbir na desdita
de ofender vosso Filho, permiti que deste lugar não me possa mais
erguer. E para que sair daqui minha mãe Santíssima?”
Terminado esta invocação, caiu a penitente sobre o assoalho da
igreja. Correram os circunstantes para ergue-la. Estava morta. A
Virgem atendera os seus rogos tão sinceros.
A casa do Pe. José Gonçalves era um refugio dos necessitados.
Quantas e quantas vezes suas portas se não abriram, para receber
enfermos ou forasteiros! Fosse dia ou noite, estava o santo varão
sempre disposto a todos acolher com a máxima caridade. Uma
vez, certo indivíduo penetrando no quintal da mesma casa,
começou a colher mantimentos, depositando-os num cesto.
Quando ia retirar-se, tentando por aos ombros a pesada carga,
avistou-o o venerável sacerdote que, para ele encaminhando os
passos, assim lhe falou: “Meu filho, para que te expões a rebentar
com este peso? Leva o que comodamente puderes agora, e volta a
buscar o que ficar. De boa vontade te dou, pois não desejo que
manches a consciência com pecado e fique Deus mal contigo.
Anda, não temas. E sempre que tiveres fome, encaminha-te para
minha casa, e eu não hei de despedir-te, de mãos vazias”.
Depois humildemente auxiliou o ladrão a pôr às costas o cesto.
Esse pecador não pôde resistir a tão santa lição, convertendo-se e
tornando-se virtuoso.
Sofreu o Pe. Gonçalves, com angélica resignação, muitas
calúnias e perseguições de gratuitos inimigos, mas a todos
perdoava. Um dos mais rancorosos detratores do Servo de Deus
tinha um escravo favorito, que, ao passar certo dia por uma estrada,
caiu do animal que montava, fraturando uma perna.
Sabedor do caso, apressou-se o santo sacerdote em fazer
remover o doente para sua casa, encanando-lhe a perna, e ficou
sendo o seu enfermeiro. Restabelecido o escravo, mandou-o o
Padre José para a fazenda do seu inimigo. Este teve a ousadia de
escrever ao Servo de Deus, perguntando quanto lhe devia pelo
favor.
O ínclito varão respondeu-lhe humildemente que só queria ter
nova ocasião de prestar serviço. Refletindo na má ação que
praticara e arrependendo-se de todo o mal que havia feito ao Pe.
Gonçalves, tornou-se o fazendeiro, daí em diante seu amigo e
venerador.
Além das relações das heroicas virtudes do Padre José
Gonçalves, o seu preclaro biógrafo também nos fala das suas
devoções. Uma das principais era meditar na sagrada Paixão do
Redentor. Mesmo avançado em anos, não deixava ele de a
manifestar publicamente. Repleta a igreja de povo, revestia-se o
venerável sacerdote de alva e cordão, punha aos ombros uma cruz e
lá se ia percorrendo as estações da via sacra, dando, assim, aos fiéis
o mais precioso exemplo de piedade.
Com 84 anos já completos, faleceu o Pe. José Gonçalves, a 3 de
março de 1856.
“As lágrimas de quantos o trataram, os soluços e gemidos com
que era constante interrompida a oração fúnebre que lhe fez o
Padre Jacinto José de Almeida, o extraordinário concurso do povo
e clero às suas exéquias, a veneração que prestam até hoje à sua
memória, são seguro penhor da sua felicidade no céu e cá em
baixo seu mais pomposo padrão de glória”.
I G

Dentre as maravilhas com que o Criador enriqueceu a natureza


brasileira, podemos citar a serra da Piedade, tão enaltecida por
cientistas de renome, como Saint-Hilaire, Martius, Spix e outros.
No píncaro dessa formosa serra se destaca, como refúgio de paz
e manancial de bênçãos, a branca ermida da Virgem, aí ereta a
quase dois séculos, pela devoção do fidalgo Bracarena.[103]
Para esse lugar bendito, habitado outrora por piedosos
ermitães[104], convergiram durante os trinta anos em que aí residiu
a irmã Germana, milhares de romeiros; não somente por devoção a
Nossa Senhora, mas para verem a “santa” em seus êxtases
singulares.
Germana Maria da Purificação nasceu num recanto em Minas
Gerais, a 2 de fevereiro de 1782. De humilde condição social, aí vivia
ela pobremente, sofrendo desde menina, uma moléstia, que lhe
tolhia os movimentos e só lhe permitia locomover-se
engatinhando. Extremamente piedosa, cada vez que Germana
contemplava a serra da Piedade, intenso véu de tristeza lhe envolvia
a alma. É que ela divisava, inteiramente abandonada, a ermida de
Nossa Senhora, erguida naquelas paragens majestosas em
tempos de ardente fé, para o culto da Mãe de Deus.
Bem poderia ela habitar ao lado da velha igrejinha, da qual seria
solicita zeladora, vivendo ali os dias breves ou longos da sua
peregrinação terrestre, entregando-se às suas prediletas e piedosas
meditações. Ao impulso de tão santos desejos, e depois de ouvir o
seu virtuoso confessor e obtida a necessária licença da autoridade
eclesiástica, foi Germana residir na casa anexa à ermida da
Piedade, tendo por única companheira a sua irmã Dionizia.
Metade da existência aí passou a Serva de Deus, transportando-
se depois para o Recolhimento de Macaúbas, a 17 de setembro de
1843[105], onde serenamente fluíram os últimos treze anos de sua
vida admirável. Os fenômenos que por tantos anos se deram com
a virtuosa donzela, motivaram fortes discussões pela imprensa.
Vários médicos a examinaram, em diferentes épocas, tendo
dois dentre eles, os Drs. Antônio Pedro Souza e Manoel Quintão
da Silva afirmado por escrito, que os êxtases da Serva de Deus
eram cientificamente inexplicáveis; opinando, por isso, pelo seu
caráter sobrenatural.[106]
Outro clínico, o Dr. Antônio Gonçalves Gomide, publicou em 1814,
um opúsculo, no qual, contestando os argumentos desses seus
colegas, procurou provar que os fenômenos eram de origem
cataléptica. Censurável foi, o procedimento deste médico, que
audaciosamente emitiu sua opinião, sem dar-se ao trabalho de fazer
uma visita à enferma e estudar os seus êxtases.[107]
O milagre é um fato, tanto na ordem física, como na ordem moral e
intelectual. A sua realização reveladora da onipotência divina, é
pois, uma humilhação para o orgulho dos cientistas ímpios, que tudo
pretendem explicar naturalmente. Em face de um milagre físico, que
é a mais evidente prova do sobrenatural, esses materialistas ainda
mais se desorientam, e não podendo negá-lo, sofismam.
Houve também quem julgasse a irmã Germana uma histérica.
Ora, comparando as manifestações psicológicas das histéricas com
as da Serva de Deus, notamos existir entre elas profundo
antagonismo. “A histérica, (ou histérico) disse o eminente médico Dr.
Felício dos Santos, é eivada de mitomania — a mentira automática,
projetando em objeto real o subjetivo simplesmente imaginado.
Da a si e a quanto pensa uma importância extravagante,
chegando, às vezes, a julgar-se autora ou causa de acontecimentos
em que é estranha. É dramática, procura chamar a si a atenção,
exagerando a cena dos seus fenômenos físicos e morais; daí o
aforismo clássico – que em todo histerismo há 90% de comédia.
Tem um horizonte acanhado em suas concepções sempre
apaixonadas e não raro delirantes. É arrogante, teimosa,
desobediente, orgulhosa”.[108]
A Ir. Germana, ao contrário das histéricas, era protótipo de
humildade, da modéstia, da paciência, da obediência e da
caridade. Tinha sincero horror ao exibicionismo. Seu maior prazer
era viver oculta, longe do mundo, toda entregue à meditação das
coisas celestes.
Em vista dos documentos que consultamos, não trepidamos em
afirmar que, durante os cinquenta anos em que se repetiram
semanalmente os êxtases da Serva de Deus, e até hoje, ninguém
pôde demonstrar com bases sólidas, serem eles motivados por
qualquer enfermidade. Foram esses êxtases, portanto,
humanamente inexplicáveis.
O sábio naturalista Auguste de Saint-Hilaire assim se exprimiu,
numa descrição que fez da sua visita à ermida da Piedade, onde
teve ocasião de observar atentamente os êxtases da Ir. Germana:
“[…] Quando ali cheguei, havia já muito tempo que ela se não
levantava mais da cama, e a dose de alimentos que tomava
diariamente, apenas excedia a que se dá aos recém nascidos. Não
comia carne, rejeitava igualmente todos os alimentos gordurosos e
não podia sequer levar-lhe um caldo…”.
“Pedi que me mostrassem a enferma, e conduziram-me a um
pequeno quarto, onde jazia continuamente deitada. Vi-lhe o rosto
dentre um lenço, que lhe encobria a cabeça, e não me pareceu ter
mais de 34 anos de idade, que era a que com efeito se lhe atribuía.
Sua fisionomia simpática e agradável indicava grande magreza e
extrema debilidade. Perguntei-lhe como estava e respondeu-me com
voz quase extinta que estava melhor, do que na realidade o merecia.
Tomei-lhe o pulso e surpreendeu-me a sua forte aceleração.
Tendo subido de novo na sexta-feira, pedi que me conduzissem
outra vez ao seu aposento. Estava deitada em sua cama e tinha a
cabeça envolta em um lenço. Seus braços estavam abertos, sendo
que a parede impedia que um deles se estendesse livremente e o
outro saía além do leito, era sustentado por um tamborete. Tinha a
mão extremamente fria, os dedos polegar e indicador estendidos e
os outros encolhidos: os joelhos curvos e os pés encurvados. Nesta
posição conservava a mais completa imobilidade; sentia-se apenas
o pulso, e podia-se supor que estava sem vida, se pelo efeito da
respiração o seu peito não fizesse elevar-se levemente a sua
colcha.
Procurei por vezes lhe dobrar os braços, mas inutilmente; a
rigidez dos músculos aumentava na razão dos seus esforços, e
creio que não poderia empregar mais força sem inconveniente para
a enferma. Verdade é que fechei uma e mais vezes as suas mãos,
mas logo que as deixava, tomava o seu costume.
A sua irmã, que velava quase sempre ao seu lado, e que se
achava presente nesta ocasião, me disse que nem sempre esta
pobre se mostrava tranquila em seus êxtases, como estava
então, e que na verdade os pés e braços ficavam constantemente
imóveis, mas que ela arrancava suspiros, e que pelas três horas da
tarde manifestava-se movimentos convulsivos: era esse o momento
em que Jesus Cristo soltara o derradeiro suspiro”.[109]
Anos após, quando a Ir. Germana vivia no Recolhimento de
Macaúbas, outro ilustre cientista, o Dr. Pascoal Pacini, professor
de história natural no museu de Palermo e diretor da academia da
mesma cidade, teve também ocasião de a visitar, com permissão
do santo Bispo de Mariana D. Antônio Ferreira Viçoso.
O Dr. Pacini foi acompanhado pelo virtuoso Padre Luís Antônio
dos Santos, mais tarde Arcebispo da Bahia, e depois de
apuradamente examinar a Serva de Deus, empregou todos os
meios para magnetizá-la. Sem êxito, porém, foram os seus esforços.
Deu-se o fato a 19 de agosto de 1844. Saint-Hilaire já havia feito a
mesma experiência, mas inutilmente.[110]
Por ocasião dos seus êxtases, somente os sacerdotes e, mais
tarde, as Madres regentes do Recolhimento, podiam mover os
braços completamente imóveis da Serva de Deus.[111] Os homens de
ciência bem tentaram fazê-lo, mas com resultado negativo.
Era admirabilíssimo o espírito de mortificação da Irmã Germana.
“Não comia coisa alguma que houvesse padecido morte, dizem as
pessoas que a conheceram. Ovos, algum leite, arroz temperado
com óleo de amendoim, eis a sua alimentação, e tão parca, tão
diminuta que assombrava a todos não se finasse de inanição”.[112]
E até o fim da vida, apesar de enferma nunca modificou sua
alimentação.
Nenhuma religiosa do seu tempo jamais a suplantou na exata
observância dos estatutos do seu convento. Todos a consideravam
santa, e cada dia mais crescia a legião dos que a veneravam e a
ela se dirigiam pedindo orações. Muitos esposos em desarmonia,
depois que ouviram seus conselhos, passaram a viver em paz.
Mais de um venerando prelado costumava recorrer às orações da
Serva de Deus.
D. Antônio Ferreira Viçoso, ao ser eleito Bispo de Mariana,
escrevendo ao seu amigo Padre Luís Antônio dos Santos,
terminou com o seguinte P/S.: “Diga ao Senhor Padre Gonçalves e à
Irmã Germana que o nosso direito às suas orações é superior a toda
a expressão verbal”.[113]
Referindo-se ao Recolhimento de Macaúbas, disse o insigne D.
Pedro Maria de Lacerda, Bispo do Rio de Janeiro: “É ponto de
grande honra para esta casa, que Germana nela residisse”.[114] Já
vimos que à Serva de Deus, durante muitos anos, não era possível
andar e somente engatinhava; pois bem, vejamos agora como
começou ela andar em posição natural.
Realizava-se no Convento de Macaúbas a cerimônia em que
devia Germana tomar o hábito. Em certo ponto, quando o sacerdote,
esquecido da enfermidade de que sofria a virtuosa postulante, lhe
disse: “Levanta-te, sobe e vem receber o hábito”, ela avançou
manquejando, mas andando ereta, e nunca mais engatinhou”.[115]
No claustro de Macaúbas, levaram-na as irmãs para o coro alto
da Igreja, ou para a capela contigua, dedicada ao Senhor dos
Aflitos, e aí deixaram-na assistida por outras ao anoitecer da quinta-
feira, pois começava a crucificação ao soar no relógio a hora da
meia noite. Então admirava a todos o caso estupendo que passo a
referir.
“Depois de ter ficado muitas horas em estado de crucifixão,
quando na sexta-feira santa, chegava o meio-dia, Germana
erguia-se crucificada como estava, e encostada à parede da
capela ficava com os braços estendidos em cruz, e firmando-se
apenas por um dos dedos polegares do pé, a que se sobrepunha o
outro, neste estado permanecia até as três horas da tarde, voltando
então para a esteira, na qual continuava crucificada até o dia
seguinte.
“Não menos para assombro é o que contam pessoas de fé, e foi
averiguado pelo Dr. José Marcelino da rocha Cabral. Ainda quando
crucificada, e ao parecer arrebatada dos sentidos, a levavam na
mesma esteira, onde jazia, para a igreja à hora da celebração do
Santo Sacrifício da Missa.
Em estado de crucifixão aturava Germana até a hora da
consagração. Mas tanto que o celebrante, voltando-se para o povo,
e tendo nas mãos a vítima da propiciação, proferia as palavras:
Ecce Agnus Dei, ecce qui tollis…, eis que ela a súbitas aparecia
de joelhos, prestes a receber a Nosso Senhor, conservando os
braços abertos, os pés na posição dos crucificados. Pasmados,
atalhados de admiração, os circunstantes acabavam por acreditar
sobre-humano o prodígio, pois, por mais que fixassem a atenção,
impossível lhes era descobrir como se operava em Germana tão
continua mutação, sem ponto de apoio e sem que lhe fosse
necessário descruzar os pés, menear os braços ou firmar-se neles
para levantar-se.[116]
A obediência foi uma das peregrinas virtudes da Serva de Deus.
Numa terça-feira em que se repetia o fenômeno de ficar em
êxtase com as mãos para traz como o Divino Mestre, atado à
coluna, ordenou a Madre regente que não mais ficasse nessa
posição. Prontamente, Germana obedeceu e nunca mais em seus
êxtases ficou em tal posição.[117]
A devoção por Jesus sacramentado tinha no coração de
Germana profundas raízes. Passava ela horas a fio diante do
tabernáculo, humildemente prostrada, orando e suspirando…
comungava frequentemente, só deixando de fazê-lo quando o seu
confessor, para mais aumentar a sua virtude lhe proibia. Com
paciência evangélica, tudo sofria a Serva de Deus, nunca tendo
demonstrado, mesmo quando atingida por dolorosas enfermidades,
o menor gesto de enfado.
A 14 de janeiro de 1856, depois de estar enferma durante três
semanas, e de receber todos os sacramentos, em seu perfeito
juízo, entregou Germana a sua santa alma ao Criador.[118] E até
hoje, no Mosteiro de Macaúbas, se conserva carinhosamente, a
memória de tão extraordinária Serva de Deus, que foi durante meio
século, como disse ilustre autor:
— “Um quadro vivo da sagrada Paixão de Nosso Senhor Jesus
Cristo”.[119]
D F V
“[…] No silêncio de minha prisão, além das doces
consolações que me inundam o coração, ao contemplar, cá do
fundo do meu forçado retiro, a prodiga transformação que, pela
reação religiosa se vai de dia em dia operando na cara terra do
meu berço, um pensamento há que diminui consideravelmente
e equilibra o peso da minha cruz, destila-me se possível fora,
com os mais cruciantes tormentos, a mil séculos de liberdade
com todos os conchegos e regalos da vida, por um só ato de
fraqueza.
Este pensamento que tamanho vigor e tão suave doçura me
infunde na alma, é a plena certeza de que o glorioso Vigário de
Jesus Cristo, o Mestre Infalível da verdade, o órgão de Deus
sobre a terra, aprova todos os meus atos episcopais, me
abençoa com efusão de amor, e ora por minha humilde pessoa
ao Pai das Eternas Misericórdias […]”.

(Palavras de D. Vital em carta endereçada a D.


Frederico Aneiros, Arcebispo de Buenos Aires).

Quem se dispuser a discorrer sobre a vida de uma das mais


gloriosas figuras do episcopado brasileiro — o Bispo mártir D. Fr.
Vital Maria Gonçalves de Oliveira — há de, forçosamente, valer-se
da mais completa e eloquente de suas biografias, escrita em francês,
por seu irmão de hábito.[120]
Assim procedemos. Entretanto, quando tivemos de citar palavras
pronunciadas ou escritas em nosso idioma pelo ínclito confessor
da fé, nos servimos principalmente do valioso trabalho de
Antônio Manoel dos Reis.[121]
Dom Vital! Que Bispo, que herói e que exemplo! Os episódios
mais edificantes de sua vida, os lances do mais puro heroísmo e da
mais acendrada fé, decorreram singularmente nos tristes dias da
chamada questão religiosa. Para cumprir o seu dever de pastor
zeloso do rebanho que lhe fora confiado, em uma época em que a
maçonaria tinha adeptos em todas as classes sociais, inclusive nas
fileiras do clero, e em que o imperador D. Pedro II chefe de uma
nação católica, se rodeara de maçons, sujeitando-se, apesar de
católico, aos desgraçados e perversos intuitos da seita; teve o santo
prelado olindense de sofrer as mais duras humilhações, os mais
grosseiros insultos, tragando até a última gota o cálice da
amargura.
D. Vital, entretanto, nunca se deixou abater. Com ânimo heroico,
tudo suportava, para salvar a dignidade da Igreja no Brasil. Para
que os leitores bem avaliem da grandiosidade de sua alma, da
firmeza da sua fé, da nobreza do seu caráter e da fortaleza da sua
vontade, relembraremos as palavras que ele dirigiu ao ministro do
império, conselheiro João Alfredo: “[…] Mas, dede que para
obedecer às ordens de Sua Majestade Imperial me seja preciso
fazer o sacrifício da minha consciência de Bispo católico
apostólico romano, e desobedecer ao augusto Vigário de Jesus
Cristo, não vacilarei um só instante em responder com o santo e
exímio Bispo de Milão: Se Sua Majestade me pedir minhas
faculdades, o serviço da minha obscura pessoa, até a própria vida,
tudo, tudo está à sua disposição; tudo abandonarei, porque a nada
tenho apego. Com sumo prazer derramarei o meu sangue pela
pátria. Quanto, porém, ao sagrado depósito que me foi confiado e
que pertence a Deus e à sua Igreja, não posso, nem devo ceder e
jamais cederei”.
Na vila de Pedras de Fogo, Pernambuco, nasceu o Servo de
Deus, a 27 de fevereiro de 1844, recebendo na pia batismal o nome
de Antônio. Seu pai, o capitão Antônio Gonçalves de Oliveira,
abastado fazendeiro, gozava de geral estima, pela sua bondade e
honradez. Dona Antônia Albina de Albuquerque, mãe do futuro Bispo
mártir, “tinha todas as qualidades da mulher forte de que fala
Salomão”.
A sua atividade não se limitava a auxiliar o esposo na direção
da sua fazenda. A educação dos filhos era a sua maior
preocupação, a que ela emprestava “o melhor de seu tempo e de
sua alma”. Educava-os para que se tornassem cristãos
modelares.
Herdeiro do caráter meigo e enérgico de sua mãe, Antônio soube
sempre corresponder aos seus desvelos. “Amável, afetuoso, mas
reservado nos brinquedos a que se entregava com seus irmãos, ele
se inclinava por instinto, para os divertimentos onde a bondade tinha
a melhor parte. Então, dava o exemplo e assumia a direção do
movimento, com uma decisão de bom augúrio”.
Desde menino revelou Antônio que a caridade evangélica,
plantada em sua alma por seus ótimos genitores, ia crescendo
cada dia mais, tais as ações generosas que praticava. Tão
pequenino e sua alma não podia tolerar que em sua presença se
oprimissem os pobres escravos, usando-se para com eles de
injustiça.
Um exemplo: certa tarde, brincando Antônio com seus irmãos,
observou que um seu tio ia bater em uma preta escrava de seus
pais, e que lhe servira de dedicada “mamã”. Que fez, então, o
caridoso menino? Muniu-se de uma acha de lenha, e ao ergue-la,
devido ao seu grande peso desprendeu-se de sua delicada mão e
caiu sobre o braço de seu tio, imobilizando-o… foi quanto bastou
para que a escrava fugisse, livrando-se de injusto castigo.
Tendo o Servo de Deus quase dez anos, resolveram seus pais
proporcionar-lhe uma instrução de acordo com a posição de sua
família. Colocaram-no para esse fim, num colégio eclesiástico que,
havia pouco tempo, fora transferido de Recife para Benfica. A
precoce austeridade do seu caráter, docilidade e aplicação nos
estudos deram motivo a que Antônio se destacasse logo entre os
condiscípulos, ocupando o primeiro lugar na sua turma.
Ao entrar para o colégio já o piedoso menino se sentia atraído
para o serviço divino. “No decorrer dos seus estudos, disse Manoel
dos Reis, ele ouviu mais claramente o chamado do alto, convidando-
o ao ministério dos altares”. Firme desse santo propósito, sem
encontrar obstáculos que o impedissem de realizá-lo, iniciou o Servo
de Deus o curso de filosofia em novembro de 1859, com idade de
quinze anos. A 16 de dezembro de 1860, recebeu a tonsura, que lhe
foi conferida na capela do palácio episcopal de Olinda pelo
respectivo prelado, D. José Perdigão.
Quando Antônio apareceu no meio dos seus condiscípulos,
revestido de batina, foi geral a surpresa; pois ele soubera guardar
segredo da sua vocação, e muito embora seus companheiros
estivessem habituados a observar sua extraordinária piedade,
nunca supuseram quisesse ele ser Padre. Depois de estudar
filosofia pelo espaço de dois anos, mantendo-se sempre na
dianteira de seus colegas, entrou Antônio para o seminário de
Olinda, em 1861. Aí permaneceu durante um ano. Em setembro de
1862, sentindo-se com vocação para a vida do claustro, seguiu
para Recife, onde procurou o convento dos capuchinhos, pedindo
admissão.
Antevendo quão proveitosos seriam ao talentoso jovem os
estudos num centro de maior cultura, os religiosos lhe
aconselharam que fosse para a França, e se apresentasse aos seus
confrades de Paris. Obediente a esse conselho, obteve Antônio o
assentimento dos seus superiores, e, depois de uma visita à terra
natal, partiu para aquele país. Em 21 de outubro de 1862, era
acolhido com vivas simpatias no seminário de S. Sulpício, afamado
estabelecimento, onde o Servo de Deus recebeu dos professores e
alunos, durante o tempo de sua permanência as mais carinhosas
atenções.
Mais tarde, falando a seu respeito, assim se exprimiu
Romualdo de Seixas Barros, seu colega de estudos no referido
seminário: “De espírito calmo, eminentemente lógico, firme nos
princípios, rigoroso nas consequências, sincero indagador da
verdade, o jovem Antônio Gonçalves, com o trabalho constante, o
versar dos mestres com mão diurna e noturna, alentou as
disposições da natureza.
Diz Montaigne que as nossas almas desferem aos vinte anos o
que hão de ser depois, e desde então prometem as posses que
hão de ter. Foi o que se deu com Antônio Gonçalves. Era o mais
lindo desabrochar de rosas a prometerem aromas…”.
Depois de uma peregrinação, a pé, de S. Sulpício à basílica de
Nossa Senhora de Chartres, para colocar-se sob a proteção de
Maria Santíssima, o piedoso jovem, ansioso por pertencer a
apostólica milícia do glorioso S. Francisco de Assis, dirigiu-se à
cidade de Versalhes, em busca do convento dos capuchinhos, onde
passou a residir.
Três semanas mais tarde, a 15 de agosto, dia da Assunção de
Nossa Senhora, recebia Antônio o hábito de Franciscano, trocando o
seu nome de Batismo pelo de Vital, ao qual acrescentou o de Maria,
por devoção à Santíssima Virgem. No noviciado teve Vital
ocasião de aumentar muitas flores à coroa de suas virtudes. O
Padre vice mestre de noviços usava de esquisitos meios para
experimentar a vocação religiosa de Vital.
Uma vez, por exemplo, num dia de inverno rigoroso, quando o
Servo de Deus tomou uma cadeira e foi sentar-se junto dos seus
companheiros que se aqueciam ao fogão, ordenou-lhe que fosse
procurar um espanador para limpar as teias de aranha da sala em
que se achavam. O santo jovem não hesitou um só instante.
Levantou-se, espanou todos os lugares indicados, sem, entretanto,
observar nenhuma teia de aranha… Depois de espanar todas as
paredes, supondo já ter satisfeito a ordem recebida, foi novamente
sentar-se estendendo as mãos sobre o fogão.
O seu mestre quis ainda uma vez experimentar a paciência, e lhe
disse: “Ide acabar o vosso trabalho, o serviço está mal feito”. O
noviço levantou-se e foi de novo procurar as teias de aranha.
Vendo-o tão calmo, paciente e resignado, o sacerdote entusiasmou-
se tanto que não pode conter-se, e, à vista de todos, rompeu
nestas elogiosas palavras: “Vejo que não é possível vos fazer
encolerizar”.
Assim santamente se preparava Vital para sofrer as inomináveis
humilhações futuras. Durante o noviciado escolheu Fr. Vital para seu
confessor Fr. Apolinário. Este, mais tarde, falando sobre o seu
querido filho espiritual, assim se exprimiu: “Tive, então, a
consolação de penetrar até o fundo da sua consciência e ler
claramente em sua alma. Jamais ela estava perturbada. E sua
calma me parecia mais admirável quanto mais eu o sabia sensível.
A fonte desta imperturbável serenidade, eu a via numa virtude e
inteligência tão elevadas, que, todas as pequenas misérias ou faltas
de que ele se julgava culpado, ou vítima, não eram evidentemente a
seus olhos, mais que brinquedo de crianças e combate de formigas.
Este jovem de dezenove anos, de aparência tão débil e digna, era,
entretanto, superior a todos os homens que o rodeavam e a todos
os acontecimentos que atingiam.
Ele parecia mais moço do que de fato era. Não tinha ainda o
trabalho elevado que nós lhe observamos depois, e que tornava
tão majestosa em sua pessoa a dignidade episcopal. Sua cabeça
apresentava um desenvolvimento muito desproporcionado à
magreza das suas espáduas. Mas ele tinha na figura, nas palavras,
no gesto e no andar uma aparência de candura virginal, que eu
nunca observei sem experimentar alguma emoção e quase um
sentimento de veneração”.
Em seus estudos de filosofia, Fr. Vital teve como professor ao
mesmo Frei Apolinário, que pode avaliar a força do seu privilegiado
talento. São ainda desde ilustre e virtuoso capuchinho estas palavras
sobre o Servo de Deus: “Tive ocasião de observar que ele estudava
com a facilidade de que eu não tive senão raríssimos exemplos. Mais
tarde, seu professor de teologia não viu nele senão uma inteligência
comum; mas minha convicção é que, se o nosso jovem irmão
tivesse sido menos modesto, menos doentio e mais abundante em
palavras, teria facilmente espantado o seu professor”.
Estava Fr. Vital no noviciado havia mais de quatro anos, e em
vésperas de proferir os votos de religioso, quando foi visitá-lo um
amigo, que, anos depois, traçando a sua biografia, assim nos diz
qual a sua impressão ao encontrar-se com o Servo de Deus:
“[…] Em agosto desse ano, fui dar-lhe um abraço em
Versalhes. Pobre, trajando um hábito remendado, parecia deliciar-
se nas privações que o cercavam. Que importava o corpo, se em
redor dele tudo era livre, tudo alegria, persuasão e amor? O júbilo
do coração se lhe estampara no rosto.
Ouçamo-lo falar de sua próxima profissão: — Sem dúvida não
ignora, caro amigo, as obrigações perpétuas que eu vou contrair pela
profissão solene… Esses votos solenes de obediência, pobreza e
castidade, são três fortíssimos laços que me vão atar, ou para
melhor dizer, são três agudíssimos cravos que me vão pregar na
cruz do Divino Mestre Jesus.
São, ao mesmo tempo, três espadas, que devem matar e
aniquilar em mim o homem velho, e três remédios que devem
ressuscitar-me poderoso contra o demônio pelo voto de obediência,
contra o mundo pelo de pobreza e contra a carne pelo de
castidade… Rogo-lhe, pois, que ore e faça orar por mim, afim de
que com seguro passo siga constantemente até o meu último suspiro
os santíssimos vestígios que Jesus se dignou traçar-nos.
Suplique com seus amigos à Santíssima e Imaculada Virgem
Maria, nossa boa mãe do céu, queira tomar-me sob a sua valiosa
proteção; faça deste seu indigno servo um perfeito religioso, um santo
capuchino, um verdadeiro filho do Serafim Chagado de Assis, e um
exato imitador e fiel discípulo de seu benditíssimo filho Jesus
Cristo Nosso Senhor”.
No convento de Tolosa recebeu Fr. Vital o subdiaconato, a 8 de
dezembro de 1867, e o diaconato, a 6 de junho de 1868. A 2 de
agosto do mesmo ano, o Arcebispo de Tolosa Dom Desprez, lhe
conferiu o presbitério. Essa cerimônia realizou-se na igreja dedicada
à Imaculada Conceição, de quem o Servo de Deus era
devotíssimo. No dia imediato ao de sua ordenação, celebrou Fr.
Vital a primeira Missa.
Em outubro regressou o santo religioso ao Brasil, com ordens de
seus superiores de residir no seminário episcopal de São Paulo,
entregue, nesse tempo à direção dos Padres capuchinhos. Nesse
estabelecimento Fr. Vital foi encarregado de lecionar filosofia,
encantando a todos os colegas e discípulos pelas demonstrações do
seu peregrino talento e invulgar erudição.
Por decreto imperial a 21 de maio de 1871, foi Fr. Vital
nomeado Bispo de Olinda, sendo preconizado no consistório de 23
de dezembro do mesmo ano. Aqui começa a fase principal da vida
do egrégio príncipe da Igreja. Tinha ele, então, pouco mais de 27
anos.
Surpreendido com a indicação do seu nome para tão honrosa
investidura, Fr. Vital relutou em aceitá-la. Não que ele temesse os
espinhos da mitra, pois as suas excelsas virtudes lhe não permitiam
recusar os sofrimentos que redundariam em glória para Deus e
santificação para a sua alma; mas, em sua humildade, não julgava
possuir as qualidades e merecimentos necessários para bem
exercer tão alto encargo, repleto de gravíssimas
responsabilidades.
A sua obediência ao supremo Chefe da Igreja, fez ele, afinal,
deixar de parte os seus escrúpulos e aceitar a nomeação. Pio IX, de
santa e gloriosa memória dirigiu-lhe em 22 de janeiro de 1872, o
seguinte breve:
“[…] O caráter das cartas que nos enviastes, nos faz crer mais
ainda, que Deus, apesar da vossa pouca idade, vos chama ao
alto cargo do episcopado.
Com efeito, vossa humildade, o temor que experimentais em vista
desta honra terrível, o vosso cuidado em afastar a dignidade que
vos é oferecida, vossa submissão inteira às decisões de Deus e de
vossos superiores, preparam vossa alma para o exercício desta
grave missão e vos tornam abundantemente merecedor dos
socorros do céu.
Os acentos da vossa fé para com a Igreja e a Santa Sé, vossa
dor em vista da abominável guerra empreendida contra elas, a vossa
vontade de lhes ficar sempre estreitamente ligado e de lutar per elas;
tudo vos mostra disposto a trabalhar com ardor pela causa de Deus,
graças à força que ele vos comunica.
Tudo nos persuade que vós não negligenciareis nada para
procurar a salvação e o progresso espiritual do rebanho, que vos está
confiado. Confie em Deus; com ele sereis todo poderoso. Depositai
em Deus todos os vossos cuidados. Invocamos sobre vós, para esse
efeito, a abundância de favores celestiais; destes vos damos o
penhor e ao mesmo tempo a segurança da nossa benevolência,
concedendo-vos com amor a Bênção Apostólica…”.
Apresentado ao governo imperial o documento pontifício
nomeando D. Vital, foi dado o placet pela augusta e piedosa
princesa D.ª Isabel, regente do império na ausência de D. Pedro
II. A sagração do grande Bispo de Olinda teve lugar na catedral de
S. Paulo, a 17 de março de 1872.[122]
Fr. Luís Gonzaga, ouviu, certo dia, da boca de um distinto
magistrado brasileiro, o seguinte elogio ao Bispo mártir: “Era um
homem de grande elevação de pensamento. Teve sempre cuidado
da verdade; entretanto, muitos acreditaram que ele se tinha
enganado. Ninguém o pode acusar de ter transigido com seus
princípios, de que cada um reconhecia a inflexibilidade.
Eu tenho o ouvido pregar. Sua alta estatura; sua voz doce e
simpática, feriam desde o início; era-se logo conquistado por
outras qualidades: o lado literário de sua palavra e o amor que
testemunhava ao seu auditório”.
Falemos agora, embora ligeiramente, do espírito de oração e
mortificação do Servo de Deus. D. Vital foi um homem de ação, na
mais alta acepção da palavra, e essa preciosíssima qualidade, ele
obteve certamente orando e meditando.
Pouco dormia o santo prelado; entretendo-se, até tarde da noite,
no estudo e na oração. Muitas vezes foi visto prostrado junto ao
altar da capela de seu palácio, com a face contra a terra, entregue
a oração. Quando chegou a Pernambuco, recusou-se a dormir
sobre um colchão, alegando ser isso anti-higiênico em clima
quente, e preferiu uma simples esteira sobre o leito.
Sempre usou cilícios, e quando lhe não impediam as
enfermidades, disciplinava-se três vezes por semana, com uma
disciplina de malha de ferro, como é de uso na Ordem dos
Capuchinhos. Quando esteve na Europa, depois de Bispo,
hospedado nos conventos da sua ordem, dava o Servo de Deus a
maior prova de humildade, juntando-se à comunidade nas
penitências, disciplinando-se às sextas-feiras.
Dedicava-se também aos mais humildes ofícios, como, varrer o
refeitório, servir a mesa, lavar a louça na cozinha, etc. Muitas vezes
foi surpreendido a caminhar descalço pelos corredores do claustro,
sem ligar importância à intensidade do frio, praticando a sublime
devoção da via sacra.
Chegou agora o momento de discorrermos sobre a chamada
questão religiosa e os pretextos de que se serviu a maçonaria
para guerrear contra a Igreja em nossa pátria. Existiam no Brasil,
no tempo do império, dois “Grandes Orientes”, ambos com sede na
corte: o do Vale dos Beneditinos, e o do Vale do Lavradio. Aquele
era reconhecido pela maçonaria francesa e este pela italiana. Do
“Oriente” do Lavradio era grão-mestre o visconde do Rio Branco,
chefe do governo imperial.
A 3 de maio de 1872, esta última corporação maçônica
realizou uma sessão solene para homenagear o seu grão-mestre,
talvez pela aprovação da lei chamada do “ventre-livre”, que
declarava forros todos os filhos de escravos nascidos após a sua
promulgação. Tomou parte desta festa e pronunciou um discurso
em estilo maçônico, que os jornais publicaram, o Padre português
Almeida Martins, infeliz sacerdote que esquecido dos seus
sagrados deveres, ostensivamente se filiara à seita.
D. Pedro Lacerda, Bispo do Rio de Janeiro, procurou por meio de
admoestações caridosas, chamar o Pe. Martins à retratação do seu
erro. Vendo, porém, inúteis os seus esforços, suspendeu-o de
ordens, e o Padre perseverou na apostasia. O “Oriente” a que ele
estava ligado, para mais encorajar a sua rebeldia, reuniu-se
extraordinariamente, deliberando começar uma luta terrível contra
o episcopado.
Ao “Oriente”, do Lavradio, juntou-se, a convite deste, o dos
Beneditinos, a fim de começarem a campanha… A imprensa
maçônica começou, então, a publicar os mais agressivos artigos
contra a Igreja, seus Bispos e sacerdotes. Em linguagem violenta
e desrespeitosa, atacavam eles também os dogmas sacrossantos
da fé católica. A luta generalizou-se, em seguida, por várias
províncias brasileiras.
Saldanha Marinho, grão-mestre do ”Oriente” dos Beneditinos,
começou pela imprensa, sob o pseudônimo de Ganganelli, uma série
de artigos irreverentes, heréticos e blasfemos. Outros jornalistas
seguiram-lhe os passos. Em princípio de junho do mesmo ano,
iniciaram os maçons de Pernambuco a publicação de um jornal
intitulado: “A Família Universal”.
Nesse e em outros jornais da seita, foi publicada a notícia de que
no dia de S. Pedro, na mesma igreja que lhe é consagrada, seria
celebrada uma Missa em comemoração do aniversário da
fundação da certa loja…
Reservadamente, o ínclito prelado olindense mandou uma
circular ao seu clero, ordenando que nenhum sacerdote celebrasse a
anunciada Missa.
Despeitados os maçons por verem falhado o seu plano
provocador, entenderam investir mais atrevidamente contra o zeloso
príncipe da Igreja, desafiando-o a “sair dos bastidores; ter coragem;
assumir as responsabilidades dos seus atos; declarar se era Bispo
brasileiro ou ultramontano; empregado do governo ou agente da
cúria romana; etc., etc.”.
Anunciaram, em seguida, uma Missa a ser celebrada a 4 de julho,
por alma de um maçom. Em virtude de nova proibição de D. Vital,
esse sufrágio não foi celebrado. Continuaram os sectários na sua
faina de denegrir o clero; chegando a inaudita ousadia de
arremessar contra a Virgem Mãe de Deus as frases mais ímpias e
desrespeitosas.
Protestando contra esse gesto inominável dos maçons, o
heroico Bispo de Olinda, a vibrar de santa indignação, dirigiu-se
ao seu clero, ordenando que se celebrassem cerimônias de
desagravo a Nossa Senhora. Na circular de 21 de novembro de
1872, disse D. Vital:
“[…] A solicitude com que devemos apascentar o mimoso rebanho
cometido à nossa vigilância, e a estrita obrigação que nos incumbe
de preservá-lo de pastos envenenados, não nos permitem guardar
por mais tempo o silêncio, a que até o presente fomos forçados por
mais de um motivo valioso. Agora esta solicitude e obrigação nos
impelem a rogar-vos instante e encarecidamente, previnais as vossas
queridas ovelhas contra as doutrinas perniciosas, que por aí correm
com tanta injúria para a nossa Santa Religião, quanto detrimento
das almas fracas e inexperientes.
Parece que, de certo tempo a esta parte, abriram-se as portas
dos abismos, para dar livre curso a uma abundância de erros e
heresias que, fazendo erupção em vários pontos do Brasil, ameaça
invadi-lo em toda a sua extensão. A vós todos é bem patente e
conhecido, Irmãos muito amados, que em algumas províncias do
império tem surgido (do íntimo d’alma deploramos) uma imprensa
inteiramente ímpia, assalariada pela seita tenebrosa, já tantas
vezes fulminada pelo Vigário Jesus Cristo, Mestre e Doutor infalível
na doutrina, por quem o Filho de Deus orou para que jamais
falecesse a sua fé.
Essa imprensa sacrílega é herética não cansa de mover guerra
sem tréguas à bela e Santa Religião, que nos legaram os nossos
antepassados, única verdadeira, pregando princípios heterodoxos,
assoalhando doutrinas errôneas e alterando horrorosamente o
ensino puro e salutar da Igreja Católica, cujo esplendor tenta com
furor insano embaciar.
Infelizmente foi a nossa cara diocese um dos pontos assinados na
escolha da seita perversa, para um dos centros da sua propaganda
anti-católica. … Sim, com grande mágoa, Irmãos muito amados,
temos testemunhado o que alguns espíritos desvairados pela
vertigem do erro, à semelhança daqueles que o grande apóstolo,
com toda a energia de sua frase intitulara — lupi rapaces non
pacentes gregi — tem escrito contra a divina Religião de Nosso
Senhor Jesus Cristo, ora negando um, ora negando outro dos seus
dogmas sacrossantos, ora fazendo alarde de atassalhar as mais
veneráveis disposições da Igreja Universal, ora dando a seu chefe
supremo, o Romano Pontífice, os epítetos os mais ofensivos e
indecorosos, ora finalmente menosprezando o que, nestes últimos
tempos, foi divinamente, inspirado no Concílio Ecumênico
Vaticano I.
Mas ah! Bem longe estávamos nós de supor, que homens
alimentados com leite desta mesma Religião, nascidos no seio de
um povo eminentemente religioso, e que se dizem católicos,
ousassem ferir e ultrajar o que no catolicismo há de mais doce,
mais suave, mais consolador e sobremodo caro a todo o coração
católico — a Santíssima e Imaculada Virgem Maria, nossa terna
Mãe de céu!
Chegaram ao ponto, diletíssimos Irmãos, de negar à nossa Mãe
Santíssima uma das prerrogativas que, segundo a linguagem do
melífluo S. Bernardo, é o mais precioso brilhante da sua coroa de
glória: negaram a virgindade perpétua!”
Em seu numero do mês de maio de 1872, já o boletim do
“Grande Oriente do Brasil” publicara uma circular dirigida a todas as
lojas, cientificando-lhes do programa de combate à Igreja. Essa
circular foi reproduzida em todos os jornais maçônicos de
Pernambuco. O jornal “A Verdade” fomentava uma luta entre D. Vital
e as irmandades. Entretanto, o santo Bispo prudente silenciava…
Disse o mesmo jornal: “O Bispo não quer acreditar na existência dos
franco-maçons nas confrarias; pois bem, nós vamos convencê-lo, e
para isso, publicaremos os nomes dos nossos adeptos”.
A mencionada folha maçônica cumpriu a sua ameaça. Depois,
publicou o nome de Aires Gomes, um dos seus principais
redatores e venerável da loja do Recife, que fora eleito provedor da
irmandade da Soledade!
Das irmandades, maçonizadas, duas se submeteram às ordens
de D. Vital, desligando-se da seita maçônica; outras, porém,
responderam-lhe com pesados insultos… esgotados os meios que a
prudência e a caridade aconselhavam, viu-se o santo prelado na
dolorosa contingência de suspender as irmandades rebeldes. Além
disso, D. Vital lançou o interdito contra as igrejas e capelas
administradas pelas irmandades contaminadas pelos maçons.
Ante a energia do Servo de Deus, que não temia ameaças, os
maçons redobraram as provocações escandalosas e sacrílegas.
Penetrando nas capelas interditadas, aí celebraram festas a seu
talante… “Os ofícios foram cantados sem Padre; os confrades mais
audaciosos ousaram celebrar um simulacro de Missa; todos
multiplicavam-se para assistir aos enterros e procissões”.
Depois de ameaçar os sacerdotes que celebrassem atos
religiosos e administrassem sacramentos sem a sua presença, os
maçons roubaram os vasos sagrados de várias igrejas, bem
como as chaves dos sacrários, obrigando, assim, os vigários a
lhes pedirem, quando precisavam acudir às necessidades
espirituais dos moribundos.
Quando algum Padre a eles recorria, para tal fim, respondiam-
lhe: “Dar-vos-emos as chaves se nos permitirdes acompanhar-vos
com nossas insígnias maçônicas”. Tolhidos, assim, alguns Padres,
de exercerem o seu ministério sagrado, deu-lhes D. Vital
autorização para tomarem o SS.mo Sacramento das igrejas que não
estavam interditadas, das capelas dos conventos e da do palácio
episcopal.
Em sua carta pastoral de 2 de fevereiro de 1873, depois de citar
trechos de uma alocução de Pio IX condenando a maçonaria, D.
Vital acrescentou o seguinte: “À vista de tantas condenações
emanadas do Chefe Supremo do Catolicismo, será porventura
digno do nome de católico o infeliz que, com formal desprezo de
todas as proibições eclesiásticas, iniciar-se nas sociedades
maçônicas: Terá direito aos privilégios e prerrogativas de filho da
Santa Igreja aquele que assim lhe resiste em face?
Por certo que não: porquanto desse nome e desse direito só é
credor o filho dócil, submisso e obediente. Tanto mais que, Irmãos
e Filhos caríssimos, razões muito poderosas e de sobra tiveram os
Sumos Pontífices para assim proceder.
Quando mesmo milhares de fatos muito tristes e lamentáveis não
provassem a toda luz da evidência, que a maçonaria tende a banir da
face da terra até a idéia do cristianismo, aí estão os seus
regulamentos, os seus cerimoniais e os escritos abomináveis de seus
órgãos os mais genuínos, e acreditados.
Ouçamos a confissão ingênua que, por permissão divina tem
escapado a alguns dos escritores mais abalizados da seita
hipócrita. Só temos o embaraço da escolha. O irmão Fischer diz
que à exceção de algumas lojas particulares, a grande maioria da
Ordem não só não admite o cristianismo, como até combate-o a
todo o transe. A prova está, diz, na admissão dos judeus nas lojas
Inglesas, Francesas, Americanas, Belgas, e há pouco, nas lojas de
toda a Alemanha. (Revista Maçônica, janeiro de 1848, pág. 31).
O irmão Bizouart se exprime ainda com mais clareza e energia;
“Cumpre descatolizar o mundo, diz ele; conspiremos unicamente
contra Roma; revolucionar a Igreja é desmoronar os tronos e as
dinastias. Para combater os príncipes e os beatos (católicos) todos
os meios são bons. Tudo é permitido para aniquilá-los: a violência, a
traição, o ferro, o veneno e o punhal” (Des Rappots de l’homme
avec le demon, Tom. 6, pág, 757).
“Nada mais peremptório nem mais evidente que a recente
declaração do Grande Oriente de Paris: O sumo e único fim da
nossa sociedade acha-se consignado na instrução secreta e geral da
Loja Suprema, e é o mesmo que foi proclamado por Voltaire e pela
revolução francesa; isto é, a eterna destruição do Catolicismo até a
abolição da idéia cristã, a qual se ficar sobre as ruínas de Roma,
pode depois renascer e facilmente perpetuar-se” (Opusc. La
Revolution, Mgr. De Ségur, pág. 28).
Outros muitos documentos iguais a estes apresentaríamos Irmãos
e Filhos amados, se não temêssemos enfadar-vos. Eis aqui um
especimen da linguagem e dos intuitos dos maçons da Europa que,
em abono da verdade cumpre dizer, tem incontestavelmente o
merecimento de ser mais francos, e mais consequentes que os do
Brasil; pois reconhecem e até confessam, que não se pode ser ao
mesmo tempo maçom e católico (Le monde maçonique, maio 1866).
A doutrina herética do placet, como vós bem sabeis, Irmãos e
Filhos caríssimos, já tem sido inúmeras vezes ferida de anátema por
vários Sumos Pontífices, tais, por exemplo, Inocêncio X, Alexandre
VII, Clemente XI, Clemente XIII Leão X, Bento XIV, e outros
muitos, cujos nomes omitidos por amor a brevidade.
O atual Pontifice gloriosamente reinante, além de outras ocasiões
declarou no Consistório de 3 de novembro de 1855, falsa, perversa,
funestíssima, claramente oposta ao primado e já condenada a
opinião que ensina, que o placito régio é necessário pro Rebus
Espiritualibus et Ecclesiasticis Negotiis.
E ultimamente, com aprovação do Sacrossanto Concílio
Ecumênico do Vaticano I, onde reuniram-se os Bispos das cinco
partes do mundo, de países católicos, protestantes, cismáticos e
até infiéis; onde também legislou o Episcopado Brasileiro quer
imediatamente por si, quer por intermédio de seus representantes,
assim falou o Grande Pontífice: “Daquele supremo poder do
Romano Pontífice de governar a Igreja Católica, segue-se que, no
exercício desse seu ministério, tem ele o direito de livremente
comunicar com os pastores e com os rebanhos de toda a Igreja para
que os mesmos possam ser ensinados e dirigidos nos caminhos da
salvação.
Portanto, condenamos e reprovamos — damnamus ac
reprobamus — a doutrina daqueles que asseveram poder-se
licitamente impedir esta comunicação do supremo Cabeça dos
Pastores com os rebanhos, ou que a tornem sujeita ao poder
secular, a ponto de sustentarem que tudo quanto pela Sé
Apostólica ou com autoridade dela se estabelece para o governo
da Igreja, não tem força nem valor, senão quando é confirmado
pelo beneplácito do poder secular…”.
Finalmente, D. Vital terminava condenando o jornal “A Verdade”,
proibindo aos fiéis a sua leitura, sob pena de pecado grave;
recomendava ao clero que esclarecesse o povo sobre a questão
maçônica e declarava excomungados, ipso facto, todos os
membros das irmandades, filiados às lojas, os quais deviam, para
continuarem pertencendo às mesmas irmandades, abjurar a seita
maçônica.
O presidente de Pernambuco, Henrique Pereira de Lucena,
maçom graduado, dirigiu a D. Vital uma carta em caráter
confidencial, pedindo-lhe suspendesse várias de suas
prescrições, sobretudo as que obrigavam o clero pernambucano a
instruir o povo sobre a questão maçônica. Em 15 de fevereiro, o
ministro do Império, João Alfredo Corrêa de Oliveira enviou a D.
Vital, uma longa carta, que transcrevemos na íntegra, porque ela
esparge uma luz curiosa sobre a mentalidade de um grande número
de brasileiros naquela época; ver-se-ão aí as ilusões em que se
embalavam os homens de Estado e a sua preocupação de
harmonizar ideias inconciliáveis:
“Permita-me V. Excia. Falar-lhe com franqueza devida entre
amigos e exigida pelas circunstâncias. Muito me inquieta a questão
maçônica. Infelizmente noto que a ação do tempo nada modificou;
temo que as manifestações de resistência e a resolução de V.
Excia. persistam, e perturbem a ordem pública da província.
Temo ainda que V. Excia. seja forçado pelos acontecimentos a
estender a todas as confrarias da província as medidas tomadas
relativamente a algumas; e, se isto acontecer, só Deus sabe o que
resultará. Prevejo que V. Excia. terá contra si quase toda a
população do Recife, animadas pelas adesões que chegam e
excitadas por outras manifestações de resistência.
Sinto muito os motivos de consciência que V. Excia. invoca para
a execução desses atos que levantaram tantos clamores, e o meu
mais sincero desejo é não estar em divergência com V. Excia., no
tocante às medidas que me são solicitadas e que eu devia conceder;
mas a sua posição é muito difícil, porque segundo o nosso direito,
não podem ser cumpridas no império as bulas que não recebam o
placet. Ouvi a opinião de pessoas insuspeitas, de Bispos, de
sacerdotes respeitáveis. Todos reconhecem que V. Excia. não se
afastou da conduta traçadas pelas regras canônicas, mas pensam
que podia ser outra a aplicação feita até o presente.
Os jornais propalaram que eu sou maçom, e não dizem a
verdade, porquanto, se me iniciei a quinze anos, somente compareci
a três ou quatro sessões, tendo praticado depois o que era suficiente
para tranquilizar a minha consciência de católico. Não sou,
portanto, suspeito, quando penso com muitos outros que a
Maçonaria é inocente e de certo modo benfazeja. Assim, as
sociedades que estão neste caso, e que contam em seu seio
pessoas notáveis e das mais influentes, não deveriam ser tratadas
com um rigor que, sem proveito para a Religião acarreta desordens
e o dissentimento. Estas sociedades existem em todos os países
católicos; o Estado as tolera, os Bispos as deixam em paz, apesar
das proibições da Igreja. A nossa constituição permite todas as
religiões com seu culto pessoal ou público. Sociedades compostas
de estrangeiros que se organizam com fim religioso diferente do
nosso; autorizadas pelo poder civil funcionam livremente. Em face
destes fatos não compreendo como poderia o Estado proibir o
funcionamento das sociedades maçônicas compostas de católicos,
cujo fim não é contrário à Religião do Império, e que, quando
tenham tal escopo, não trabalham senão em segredo.
O que V. Excia. diz a respeito das confrarias é exato; mas
também é certo que o poder civil tem competência para conhecer
da sua organização; além disto, elas se governam a si próprias, em
virtude de acordo estabelecido entre o Governo e a Igreja. Por isso
quase todas as pessoas, por mim consultadas, duvidam da
legitimidade do ato de V. Excia. que expulsou de tais confrarias os
membros maçons; muitos o reprovam. Até agora nenhuma
resolução foi tomada pelo Governo imperial.
Tenho evitado fazê-lo, por deferência a V. Excia. a quem
consagro grande estima devida a um Bispo. Não sei, entretanto, até
quando poderei abster-me da intervenção que me é solicitada e que
os fatos poderão tornar indispensável e urgente.
Em face do exposto, venho pedir a V. Excia. verdadeiramente
impressionado, as medidas que podem remediar a situação:
modere V. Excia. o seu ardor! Com o tempo e a reflexão, graças
ao emprego de meios prudentes, desaparecerão os perigos que
ameaçam a ordem pública, e o governo não se verá mais na
necessidade de os conjurar. O tempo é um grande remédio;
medidas, que em determinada época levantam clamores gerais e
provocam resistências, mais tarde são executadas com a maior
facilidade. Para isto, muitas vezes é bastante um gesto, ou uma
palavra.
Falo a V. Excia. como um filho obediente e amigo dedicado. Os
meus sentimentos são desinteressados e a minha carta é uma
súplica. Resta-me a íntima confiança de que a prudência e o
patriotismo de V. Excia. estarão à altura dos acontecimentos”.
A essa carta cheia de lábia maçônica assim respondeu o heroico
príncipe da Igreja:
“Do íntimo da alma agradeço a V. Excia. a franqueza e a
delicadeza de sua carta; pedindo-lhe que me permita, com a mesma
singeleza e sinceridade, expor-lhes algumas curtas reflexões, com o
intuito de patentear os meus sentimentos e sem pretender a defesa
de minha causa. Jamais duvidei dos embaraços e graves
dificuldades que a questão maçônica está causando a V. Excia. Bem
os compreendi e ponderei, sabendo das circunstâncias particulares
em que se acha V. Excia.
Católico, V. Excia. faz parte de um ministério, cujo presidente é
grão-mestre de um dos principais grupos maçônicos do Império.
Previ, pois, as contrariedades que V. Excia. deve experimentar. Mas
qual a atitude que me impunha o dever?
Após a minha chegada, as manobras das lojas, logo me
preparam este dilema: ou cumprir o meu dever de Bispo,
aceitando a luta, e então passar por imprudente e irrefletido
(reconheço que, assim, muitas vezes procedem os de minha idade);
ou fechar os olhos a tudo, transigir com a minha consciência e
resignar-me a não ser mais que um Bispo negligente, pusilânime e
culposo. Nestes termos os próprios maçons formularam o dilema.
Era forçoso tomar um alvitre e por ele moldar a minha conduta.
Antes de me pronunciar, contemporizei quanto possível sem me
tornar culpado diante de Deus. Mas afinal vi-me na dura necessidade
de escolher; optei pela primeira parte do dilema, como o dever me
ordenava. Tivesse eu oitenta anos e me restassem poucos dias de
vida, não trairia os deveres da minha augusta missão; esta
obrigação não é muito mais premente para mim, que tenho talvez
uma longa carreira a preencher?
Que terrível perspectiva, Excelência, a de um longo episcopado
de vergonha e crime, porque fraco e covarde! Se a maçonaria se
contentasse em trabalhar nas suas lojas, secretamente, como diz
V. Excia. nenhuma dificuldade teria sobrevindo; mas ela criou um
jornal para agredir o Bispo e prodigalizar-me insultos, negando os
dogmas de nossa Santa Religião, conforme a demonstração da
minha carta pastoral de 2 de fevereiro.
Depois, os maçons tiraram a máscara e publicaram os nomes
dos seus adeptos, que espionavam a conduta da Igreja nas
confrarias em que eram numerosos. Não fui incomodar os maçons
nas suas lojas; mantive-me nos limites do direito canônico, de que
sou guarda.
Nada tenho com os maçons, mas tão somente com as
confrarias. Não pretendo destruir a maçonaria; nem isto
conseguem os próprios monarcas; somente Deus poderia fazê-lo.
Desejo apenas que as confrarias realizem os fins para que foram
criadas. Em verdade, a maçonaria deveria ser mais lógica consigo
mesma. Desde que não quer entendimento com a Igreja (e isto ela
proclama bem alto!) ao menos seja coerente nos ataques; que os
seus adeptos saiam da Igreja e deixem o cuidado desta àqueles
que se honram de ser seus filhos obedientes.
Certo é que as confrarias vivem de conformidade com os
estatutos aprovados pelos dois poderes espiritual e temporal, mas
só o primeiro lhes confere um caráter religioso sem o qual,
incontestavelmente, seriam sociedades puramente civis. V. Excia.
perdoará a minha franqueza, dizendo-lhe que em matéria religiosa o
poder temporal é radicalmente incompetente. Peço permissão a V.
Excia. para não discutir as opiniões de Bispos e sacerdotes, que
entendem dispensáveis a aplicação das bulas que condenam a
maçonaria. Apesar da recusa do placet, a maçonaria foi muitas
vezes condenada por numerosas razões que me será grato expor
a V. Excia. noutra ocasião. Limitar-me-ei a lembrar-lhe a
condenação contra ela lançada, mesmo onde é tolerada, pelo
Soberano Pontífice Pio IX, na elocução de 25 de setembro de
1865. Isto basta a um católico.
A maçonaria, excelência, revolveu céus e terra, redigiu
protestos e desafios, pôs em jogo todos os meios ao seu alcance
para me abater. Mas eu recebi numerosas cartas de adesão
subscritas por milhares de leigos, e a meu lado está a melhor e
maior parte da cidade. Confiante na justiça da causa que defendo
e nos sentimentos religiosos de V. Excia., tenho até agora guardado
silêncio; mas a sua carta me veio provar que calar-me por mais
tempo seria prejudicar os interesses da Igreja.
A carta de V. Excia., se bem a compreendi, avisa-me de que
tenho de modificar a linha de conduta mantida até o presente, sob
pena de arriscar-me a decisões desfavoráveis do governo. Se está
iminente tal eventualidade, rogo a V. Excia., na qualidade de amigo,
que prepare imediatamente um decreto de exílio ou prisão, porque
o auxilio prestado pelo governo imperial à maçonaria não me fará
recuar um passo, e lamentáveis conflitos infalivelmente produziria.
Em tudo isto há uma questão de vida ou morte para a Igreja do
Brasil. Tenho o dever de lutar sem medir os maiores sacrifícios.
Sem duvida procederei sempre com muita calma e prudência; mas
ceder ou mesmo deixar de caminhar para frente, não me é
possível. Se V. Excia. não me pode dar o seu apoio e se a minha
resistência vai provocar conflitos, é tempo ainda de conjurar a
tormenta. Para isto só vejo um meio; suplico ao governo imperial e
à Santa Sé que me façam voltar quanto antes ao meu convento.
Não creio, entretanto, que esta resolução aproveite ao governo.
Se eu fosse homem político ou de idade avançada, poderia predizer
iminentes e perigosas perturbações para o Brasil. A prudência dos
nossos homens de Estado não poderá evitá-los. Mas sobre isto
falarei pessoalmente a V. Excia., quando nos encontrarmos. Peço
a V. Excia. que me desculpe esta grande fraqueza. Neste
momento não me dirijo ao Ministro do Império, escrevo
confidencialmente a um amigo, a quem devo expor a verdade nua
e crua. A questão é muito importante, muito elevada, e eu não a
poderia tratar de outro modo”.[123]
A 14 de maio, um grupo de maçons, aos quais se juntaram
muitos capangas, certos de não serem tolhidos em seus atos
vandálicos, encaminharam-se para a capela dos Padres jesuítas, a
essa hora lindamente adornada para as festividades do mês de
Maria, e, aí penetrando, quebraram os púlpitos, os confessionários e
a mesa da comunhão. Os quadros, as imagens dos Santos e até a
da Santíssima Virgem foram derrubados, pisados e mutilados.
Deixaram a capela em completa desordem e despojada de certos
objetos preciosos.
Em seguida, a horda penetrou no colégio anexo à capela,
dispersou os alunos e arrancou das celas os indefesos religiosos que
foram feridos. Um dos religiosos, que se achava de cama,
gravemente enfermo, foi apunhalado. Daí se dirigiu o grupo de
malfeitores para o colégio de Santa Dorotéia, dirigindo insultos às
irmãs e bradando que chegaria a vez de D. Vital.
Pouco depois, uma parte do bando se apresentou diante do
palácio da Soledade; a porta principal foi forçada. Anoitecia. Mons.
Vital mandou iluminar todos os cômodos e quis avançar até a frente
dos energúmenos; alguns muito excitados o ameaçavam com as
suas armas. A polícia julgou então, chegado o momento de intervir.
Os oficiais, negando-se até então, ao restabelecimento da ordem,
a que foram convidados, deram a entender que não eram os
senhores da situação: a sua falta de ação, evidentemente
resultaria de ordem superior.
“O principal culpado, que todos os homens de bem acusavam —
o presidente Lucena — não apareceu naquele momento, em que
a sua presença era tão necessária”. A irmandade do SS.mo
Sacramento, da matriz de S. Antônio do Recife, tendo interposto
recurso à coroa, contra o ato de D. Vital que lhe lançara o
interdito, o governo reuniu os conselheiros do estado para
deliberarem a respeito.
Das opiniões emitidas nessa reunião somente uma foi
inteiramente favorável a D. Vital: — a do visconde de Abaetê. Do
brilhante parecer deste valoroso estadista transcrevemos apenas o
que se refere à maçonaria, deixando de parte a sua opinião sobre a
face jurídica da questão. Disse Abaetê: — “Pela minha parte,
confesso que pertenço ao número daqueles que vêem e reconhecem
a existência de uma propaganda contra a Religião Católica; e sendo
assim quaisquer que possam ser as consequências, declaro, como
cidadão e como católico, que hei de opor-me tanto quanto puder, a
uma tal propaganda.
Em matéria de religião a minha é a do berço e a da família e sigo
a fé do carvoeiro. …pertenci em 1830 ou 1831 a uma loja
maçônica, mas desde 1834, isto é há quarenta anos retirei-me da
associação, não conhecendo nenhum dos seus segredos, se é
que os tem. Para isto muito concorreu uma circunstância que vou
revelar. Nunca ali ouvi pronunciar a palavra “Deus”. Esta suavíssima
palavra é substituída por uma circunlocução – Supremo Arquiteto do
Universo”.
Por aviso de 12 de junho de 1873, o governo imperial intimou o
heroico Dom Vital a levantar o interdito lançado contra a irmandade
do SS.mo Sacramento, da igreja de Santo Antônio do Recife. No
mesmo dia e hora em que o santo prelado recebia a intimação do
governo, por uma feliz e memorável coincidência, era-lhe entregue o
breve Quamquam Dolores, em que o Sumo Pontífice aprovava
plenamente o seu procedimento.
Pretendendo o governo imperial justificar-se perante a Santa
Sé e o povo brasileiro, quanto ao seu vergonhoso procedimento
no decorrer da chamada questão religiosa, e mais, muito mais, para
obter de Pio IX a condenação de D. Vital, enviou a Roma, em missão
especial, o barão de Penedo, adepto ferrenho da maçonaria. O
diplomata sectário usou de tais ardis junto a Pio IX, para convencê-
lo de que o jovem prelado de Olinda agira injustamente e
temerariamente, que conseguiu, embora por pouco tempo, fazer com
que o Sumo Pontífice se iludisse.
Resolvida pelo governo a prisão de Dom Vital, foi este
recolhido ao arsenal da marinha do Recife, às três horas da tarde do
dia 2 de janeiro de 1874. Dias depois, de um navio de guerra que o
transportou à Bahia, foi removido para o transporte “Bonifácio”,
velho e imprestável navio, em que o santo prelado viajou sem
comodidade alguma.
Por ocasião de ser conduzido preso para bordo do navio aludido,
aconteceu um fato que merece registro. Discutiam dois homens,
vizinhos de casa, sobre o sensacional acontecimento, procurando
um deles refutar a opinião francamente maçônica do outro. Ria-se o
ímpio por ver triunfante as manobras da maçonaria. Disse-lhes o
católico: “Ri, ri quanto quiseres; em breve chorarás. Desejo que
nenhum mal caia sobre a tua casa, bem como sobre todos quantos
perseguem o nosso Bispo”.
Naquele mesmo instante, a mulher do adversário de D. Vital
soltou um grito; estando a costurar, muito curvada sobre o
trabalho, porque tinha a vista excessivamente curta, aconteceu
enterrar a agulha no nariz. Pouco depois, sentia dores intoleráveis;
do nariz a inflamação se propagara a todo o rosto e, apesar dos
cuidados que lhe foram prodigalizados, faleceu ao fim de dois dias,
no meio de atrozes sofrimentos.
O transporte do “Bonifácio” chegou ao Rio no dia 13 de janeiro,
à noite. As seis horas da manhã seguinte, um delegado de polícia e
o comandante da polícia militar da corte, apresentaram-se a bordo
do navio com um mandado de prisão assinado pelo presidente do
supremo tribunal. Em um carro, acompanhado por seu secretário,
Padre Lima e Sá, foi D. Vital transportado ao arsenal da marinha, na
ilha das Cobras, tudo debaixo de maior segredo, de modo que
ninguém na cidade foi sabedor da sua chegada.
Três cômodos do presídio mandara o comandante do arsenal
pôr à disposição do Bispo mártir. D. Vital resolveu adaptar para
capela o melhor dos três aposentos, reservando os restantes para
servirem de salas de visitas, refeitório e dormitório. À porta principal
desses aposentos foi postada uma sentinela.
Arrastado D. Vital, injustamente, à barra de um tribunal
incompetente para julgá-lo; após acalorada discussão entre os
representantes do governo e os defensores espontâneos do heroico
Bispo, conselheiro Zacarias e senador Cândido Mendes, foi na
segunda sessão do Supremo Tribunal de Justiça, realizada a 21
de fevereiro de 1874, lavrada a sua condenação a quatro anos de
prisão com trabalho e custas!
Um voto apenas foi proferido a favor da inocente vítima. O fez
sem assombro, o ministro barão de Pirapama. Por decreto de 21 de
março, foi comutada a pena imposta ao santo Bispo, em quatro
anos de prisão simples na fortaleza de S. João; tendo lugar a sua
remoção do arsenal para a fortaleza, às 9 horas da manhã do dia 21
do dito mês.
Em nova prisão Dom Vital recebia inúmeras visitas de
personalidades de todas as classes sociais, que lhe iam prestar
homenagens. Certo dia, recebeu o heroico prelado um visitante,
cuja atitude de católico exagerado, nos ataques contra o
ministério, o tornou mais reservado do que de costume. Assim que o
visitante se retirou, D. Vital disse ao seu íntimo amigo cônego
Esberard: “Tenho razões para desconfiar deste homem. Não me
poderia você fornecer informações sobre ele?” O cônego Esberard
exclamou: “Mas é um excelente católico Sr. Bispo: ele se ocupa
ativamente da propaganda religiosa. Vive na intimidade de D.
Pedro de Lacerda e do Núncio Apostólico”.
“Posso estar enganado, replicou D. Vital, mas não me agrada
o seu semblante e eu me pergunto que interesse pode ter ele em
acusar o governo de crimes imaginários”. O cônego Esberard
conhecia um rapaz muito chegado ao tal visitante. Interrogou-o
habilmente e adquiriu a certeza de que eram fundadas as suspeitas
de D. Vital. Este pretenso inimigo do ministro Rio Branco era um
desses dignitários das lojas, que aceitam voluntariamente o papel
de espião junto aos católicos, para surpreender os seus segredos
e premunir os maçons contra os seus ataques.
Dias depois voltou o miserável e pretendeu renovar a cena
anterior. Grande foi o pasmo das pessoas presentes, quando
ouviram esta resposta de D. Vital: “Conheço maçons que tomam a
atitude de católicos fervorosos. Lobos disfarçados em cordeiros,
aproximam-se dos Bispos e entram na sua intimidade. O Núncio
Apostólico não tem amigo e conselheiro mais esclarecido. Eles vêm
visitar o Bispo de Olinda em sua prisão; ninguém mais que eles lhe é
devotado; mas, os seus primeiros passos, depois desta visita, se
encaminham para a loja maçônica.
Lá eles transmitem aos irmãos as palavras, os fatos e os gestos
dos prelados, de quem momentos antes eram amigos dedicados.
Sabe o senhor que dias atrás, um deles pretendeu arrastar um rapaz
à loja da qual é um dos dignitários? Por aí poderá julgar, meu caro
senhor, a que ponto as vezes se engana”. E Dom Vital narrando
este caso, acrescentava: “O semblante do homem tomou todas as
cores do arco-íris; o suor corria-lhe da fronte; imediatamente me
cumprimentou e se retirou. Nunca mais apareceu”.
O comandante da fortaleza de São João, oficial maçom,
procurava por todos os meios humilhar o santo prisioneiro. Proibiu
Dom Vital ter qualquer comunicação direta com os soldados da
guarnição; dizendo-lhe que, em caso de necessidade espiritual de
algum enfermo o chamaria na ocasião oportuna.
Pouco depois o mesmo oficial mandou chamar o digno prelado
para atender a um enfermo. Apresentou-se D. Vital em dispensar os
seus cuidados ao moribundo. Mas, já era tarde; o soldado tinha
morrido horas antes. Esta mentira bárbara, renovou-se várias
vezes. Uma noite o comandante dirigiu ao Bispo um chamado
urgente, pelo mesmo motivo; e, quando o viu entrar na enfermaria,
desatou a rir. D. Vital retirou-se sem manifestar a menor emoção.
Talvez desejasse não exasperar o seu algoz com repreensões aliás
bem merecidas, mas que teriam prejudicado o seu apostolado.
Em um breve de 1° de abril, disse Pio IX a Dom Vital:
“Jamais duvidamos da vossa submissão, e nosso maior desejo
é fazer cessar imediatamente as vossas inquietações a este
respeito. Melhor ainda nos comprazemos de louvar o vosso zelo
sacerdotal na defesa da causa da Religião, pela qual foste
injustamente condenado.
Na vossa carta de 24 de janeiro, declarais vós disposto a
executar as ordens que vos dirigimos pelo nosso cardeal
secretário de Estado, mas pedis explicações sobre certos pontos,
para segura execução. Eis o que julgamos oportuno dizer-vos:
estas instruções não podem ser aplicadas, em vista da situação
em que vos achais; não tendes nenhuma liberdade de ação; estas
ordens são certamente, senão inúteis, inoportunas nas
circunstâncias atuais, pois a sua execução reclama vossos cuidados
e vossa vigilância pessoal”.
Ao venerando Dom Antônio de Macedo Costa, heroico Bispo do
Pará, o Sumo Pontífice dirigiu, a 10 de junho, o seguinte breve:
“[…] O caráter deste conflito não pouco tinha sido obscurecido por
aquele que nos veio relatar[124]; os acontecimentos posteriores
mostraram o crédito que mereciam.
Também não somente confirmamos tudo o que escrevemos, no
mês de maio precedente, ao vosso venerável colega, o Bispo de
Olinda, que tão digno se mostra de sua função; mas, já que nada
vemos na vossa conduta, de contrário aos santos cânones, e que
constatamos que em tudo agistes com tanta ciência e reflexão, nós
vos aprovamos, nós vos exortamos a mostrar a mesma firmeza na
guerra levantada pela maçonaria; não vos deixeis abater pelos
ataques nem pelas ameaças dos poderosos…”.
A 17 de setembro de 1875, o novo ministério presidido pelo
duque de Caxias, decretou a anistia dos heroicos Bispos de Olinda e
do Pará. Saindo da prisão, onde permaneceu dezoito meses, D.
Vital recolheu-se ao convento dos capuchinhos, no morro do
Castelo; e aí esteve até o dia 4 de outubro, em que embarcou
para a Europa.
Chegando a Roma no dia 9 de novembro, logo no dia imediato
o Servo de Deus solicitou uma audiência do Sumo Pontífice. Pio IX,
em cujo espírito ainda se não tinham desvanecido algumas dúvidas
a respeito do procedimento de D. Vital, devido às maquinações do
barão de Penedo, recebeu-o com certa reserva, o que o Bispo mártir
não pôde deixar de estranhar.
Em outras audiências concedidas a D. Vital pelo santo Papa Pio
IX, o egrégio prelado expôs pormenores da questão maçônica, de
modo que, aos poucos, as coisas foram tomando outro rumo. Na
audiência de 28 de dezembro, Pio IX recebeu o Bispo mártir de
maneira inteiramente diversa da de outras vezes. Suas dúvidas já se
tinham dissipado por completo.
Ao receber, pois, a visita do confessor da fé, o Chefe da Igreja
abraçou-o e beijou-lhe a fronte paternalmente, dizendo-lhe:
“Aprovo tudo quanto fizeste desde o começo; a tua conduta foi a
de um verdadeiro Bispo; cumpriste o teu dever com coragem e
prudência até o fim”. Ao terminar a audiência, quis Pio IX, mais uma
vez patentear o seu afeto, presenteando-o com um rico missal.
Partindo de Roma, D. Vital se dirigiu a França, onde permaneceu
até 3 de maio de 1876.
Achando-se novamente em Roma, a 5 de maio, foi o Servo de
Deus recebido pelo Sumo Pontífice em audiência especial. Pio IX
recebeu-o com as maiores demonstrações de carinho, abraçando-o
demoradamente. “O papa assegurou-lhe que toda a obscuridade
desde aquele momento desaparecera; o clero brasileiro, e à sua
frente os Bispos de Olinda e do Pará, tinham bem merecido da
Igreja, e todos os seus atos de autoridade igualmente recebiam
uma aprovação completa”.
Antes de deixar Roma, a fim de regressar ao Brasil, ainda uma
vez se encontrou Dom Vital na presença do Chefe da Igreja: foi a
13 de maio, dia da festa natalícia do Sucessor de São Pedro. Dom
Vital entregou-lhe, então, uma carta na qual pedia ao Santo Padre
para aceitar a cruz peitoral e o anel que D. Lacerda lhe oferecera no
dia da sua sagração. O presente é mínimo, dizia ele, mas é a prova
da minha afeição e piedade para com vossa santidade.
“Desejava oferecer à vossa santidade, alguma coisa de mais
precioso; procurei, e nada encontrei nos tesouros de minha
pobreza seráfica, mais digno de vossa santidade”.
“Pio IX, muito comovido aceitou o presente do jovem prelado,
assegurando-lhe que suas preces o seguiriam no cumprimento do
seu dever pastoral; e entregou-lhe uma casula magnífica, bordada
com fios de ouro, a qual é conservada como relíquia no palácio da
Soledade, em Recife”.
Dom Vital regressou ao Brasil, a 20 de setembro de 1876,
chegando a Pernambuco na tarde de 6 de outubro, recebido pelos
seus diocesanos com as mais vivas demonstrações de respeitoso
afeto. A 12 do mesmo mês, seguiu o egrégio prelado para o Rio de
Janeiro, a bordo do “Guadiana”, desembarcando no dia 18. A 9 de
novembro, o Bispo mártir pisava novamente a terra pernambucana.
A 25 de abril de 1877, o santo prelado voltou ao Rio de Janeiro, de
onde partiu para a Europa no dia 1° de maio.
Dia a dia se acentuavam os progressos da enfermidade que
vitimou o Servo de Deus. Dom Vital aceitava todos os sofrimentos
com heroica resignação.
“Monsenhor, disse-lhe um dia o Irmão Vicente, eu não sou nada
sobre a terra, não tenho missão a cumprir, não sou,
conseguintemente, útil a ninguém. Vou pedir a Deus que vos cure,
que vos dê minha força e saúde; a mim ele dará os vossos
sofrimentos, vossa doença e a morte mesmo”.
D. Vital respondeu vivamente: “Guardai-vos bem, meu irmão, de
pedir tal coisa; tudo o que vos permito pedir é que a vontade de Deus
se cumpra em mim; e depois, não creiais que não tendes missão cá
em baixo; ela é, ao contrário, muito bela; sofrer, fazer penitência,
oferecer-vos como vítima pelos pecados dos povos. Que quereis
mais? Deixai agir o bom Deus; Ele sabe melhor do que nós aquilo que
nos é necessário”.
Um outro dia o santo prelado patenteava o seu desejo de morrer,
dizendo estas palavras: “Crede em um pobre Bispo doente; tudo é
vaidade aqui embaixo; é melhor estar em Deus do que com os
homens; mas é preciso merecê-lo. Vim aqui para aqui morrer. Vereis
que eu digo a verdade”. No dia 3 de julho, D. Vital mandou chamar o
Fr. Apolinário, e depois de com ele se confessar, pediu-lhe a
Extrema-Unção. O Pe. Apolinário e o enfermeiro quiseram protestar.
“Vou morrer, eu o sei, disse D. Vital, dai-me a Extrema-Unção”.
Em seguida, o Servo de Deus entregou ao seu confessor uma
soma de 800 francos, que ele pedia remeter ao Padre Exupéro;
era isto o produto dos donativos que vieram se juntar aos
honorários de uma estação quaresmal pregada em Narbonne, e
que o Padre Exupéro tinha enviado ao prelado, de quem era
admirador devotado.
Perguntaram ao santo Bispo se queria fazer testamento, ao que
ele respondeu: “Eu sou irmão menor capuchinho e quero morrer na
pobreza de que fiz voto. Aliás que testamento poderia eu fazer? Eu
não tenho nada”.
Amanheceu, e os sofrimentos tornavam-se intoleráveis; o Ir.
Vicente tentou minorá-los seguindo as prescrições do Dr. Oznam;
não o conseguiu. A todo o momento os Padres Crisóstomo e Marcel
iam vê-lo e admiravam sua energia e paciência. “Mais tarde, M.
Jobin penetrava no seu quarto. Atirou-se aos pés do Bispo bem-
amado; ele não podia falar, os soluços embargavam-lhe a voz”.
“Às 9 horas Dom Vital tomou o seu lenço das mãos do
enfermeiro e depois de escarrar, afirma o Ir. Vicente, ele me disse
com um acento de convicção, que eu jamais esquecerei: Isto, isto é
o veneno”.[125]
D. Vital procurava alguma coisa em seu peito, narra o Ir. Vicente:
“Perguntei-lhe se era a imagem da Santa Virgem, que ele trazia
sempre consigo o que ele queria. Faz-me sinal que sim. Apresentei a
ele, tomou-a e apertou-a contra o seu coração! Entrou em agonia. O
Pe. Patrício deu-lhe a última absolvição e, com o enfermeiro, recitou
a ladainha de todos os Santos. Até aí o moribundo soltava
gemidos. Sua voz tornou-se de súbito clara. Exclamações de alegria
e felicidade pareciam anunciar a vitória ganha, após violento
combate. Sua figura iluminou-se; a boca entreabriu-se e tornou-se
radiosa. Soltou três suspiros; ao terceiro, morrera. Sua alma deixara
a terra. Era na quinta-feira, dia 4 de junho, às 11 horas e 20
minutos da noite e no dia em que se celebra no Brasil, a festa de S.
Isabel, rainha de Portugal, que a Ordem Terceira Franciscana se
gloria de ter entre os seus membros. Dom Vital contava 33 anos, 9
meses e 8 dias; estava no 15° ano de sua profissão religiosa e
sétimo de seu episcopado”.
O corpo do Servo de Deus, revestido dos ornamentos
pontificais, foi exposto no grande parlatório do convento dos
capuchinhos, onde foi visitado por numerosos fiéis. Depois de
embalsamado levaram-no para a capela. Durante todo o domingo,
dois religiosos ocuparam-se de tocar no corpo do Bispo mártir,
com os objetos apresentados pela multidão de fiéis. Rodeando o
ataúde havia braçadas de flores e muitas coroas com as seguintes
inscrições: “Ao defensor dos direitos da Igreja”; “Ao mártir da nossa
fé”, etc., etc.
A cerimônia fúnebre, no dia 8 de julho, teve início às 8 horas da
manhã, sendo cantada a Missa de Réquiem, às 9 horas, com a
igreja repleta, notando-se entre os assistentes o encarregado de
negócios do Brasil, o vice-cônsul, muitas famílias brasileiras e
personalidades de destaque da sociedade parisiense. Tomaram
parte nas cerimônias o cardeal Arcebispo de Paris, o núncio
apostólico, os Bispos de Vannes (França), e de Galveston (Estados
Unidos) e D. Ordoñez, de Riobamba, (Equador).
Terminada a Missa foi proferida tocante oração fúnebre pelo
venerando Mons. de Ségur que, apesar de cego, quis prestar
essa homenagem à memória do glorioso confessor da fé, falando
com tal eloquência e sentimento, que arrancou muitas lágrimas do
auditório. Terminadas as absolvições do ritual, foi o corpo
transportado para Versalhes, sendo depositado na capela do
convento onde o saudoso Bispo fizera o noviciado.
Depois de cantadas as vésperas pelos religiosos e feita a nova
encomendação pelo vigário geral de Versalhes, transportaram os
restos mortais do Servo de Deus para o cemitério da mesma
cidade, onde foram inumados numa das sepulturas reservadas
aos Padres capuchinhos.[126]
P I [127]

A memória deste Servo de Deus é venerada, não só no Ceará,


seu berço natal, mas em outros Estados do norte do Brasil, como
Pernambuco, Rio Grande, Piauí e Paraíba. Ainda existem
numerosos fiéis que o conheceram de perto, nos últimos anos de
sua existência e que dão testemunho das suas excelsas
virtudes[128]; tendo, talvez, muitos dentre eles, presenciado os
prodígios que se realizaram durante as missões do santo
sacerdote.
Nasceu o ínclito varão, a 6 de agosto de 1805, na povoação de
Ibiapina, antiga aldeia de índios da tribo dos Tabajaras. Desde
menino revelou o Servo de Deus robusta inteligência; e nos colégios
que frequentou, ocupou sempre lugar de destaque entre seus
companheiros de estudo. Com decidido pendor para o ministério
sacerdotal, entrou para o seminário de Olinda, mas, por várias
circunstâncias, teve de interromper seus estudos eclesiásticos,
sendo uma delas, o ter ficado órfão de pai e ser obrigado a
assumir a chefia de sua família, que se compunha, então, de sua
mãe, três irmãs e um irmão menor.
Em vista de tais entraves à carreira sacerdotal, começou o Servo
de Deus a frequentar o curso jurídico de Olinda, e aí recebeu grau
de bacharel em ciências jurídicas e sociais. Mesmo no meio da
sociedade, não se deixou Ibiapina prender por nenhuma sedução
que a sua consciência de piedoso cristão reprovasse. Foi advogado
muito acatado e íntegro juiz de direito.
Impulsionado pelo amor à pátria e supondo poder prestar-lhe
maiores serviços como político, consentiu que o elegessem
deputado em 1834; mas, em pouco tempo, cheio de decepções
abandonou a carreira política, abrindo novamente o seu escritório de
advocacia. Um dia, porém, quebrados os liames que o prendiam ao
mundo, e sentindo-se cada vez mais atraído para o divino serviço,
como S. Afonso de Ligório, trocou a toga pela batina. Entrando para
o seminário de Olinda, depois de concluídos alguns estudos que lhe
faltavam, recebeu o presbitério das mãos do Bispo D. João da
Purificação Marques Perdigão, a 3 de julho de 1853.
Conhecendo-lhe as virtudes e aptidões, convidou-o esse prelado,
pouco tempo depois, para seu vigário geral e professor de eloquência
sagrada do seminário de Olinda. Somente por grande obediência,
aceitou o Pe. Ibiapina esses cargos, pois o seu ideal era tornar-se
missionário, para arrebanhar as almas que, aos milhares viviam
afastadas dos caminhos de Deus. Depois de exercer esses cargos
por algum tempo, conseguiu o venerando sacerdote que o prelado
o dispensasse, e uma vez exonerado, principiou as suas
pregações admiráveis.
De povoação em povoação, de vila em vila, de cidade em cidade,
por toda a parte, em fim, o santo sacerdote arrastava as multidões
fascinadas pela sua palavra eloquente, inflamada de fé e caridade.
Ao ouvi-lo, milhares de assistentes se dispunham logo a emendar
a vida: os bons cristãos tornavam-se mais fervorosos e os viciados
corriam, arrependidos, a seus pés, chorando as suas culpas, em
busca do perdão sacramental.
Notava-se logo em todos os povoados que tinham a felicidade de
acolher o santo missionário, uma radical mudança. Havia mais
sossego nos lares, mais sinceridade nas afeições, mais pureza nos
costumes. O povo se regenerava. ”Quando em 1862 os homens se
entregavam aos excessos da política, em que cada um via
ameaçada a própria vida, sem que se respeitasse sequer o
santuário da família, de súbito lhes apareceu o santo missionário,
como o anjo bom do lar, e com a sua palavra ungida de ternura e
mansidão evangélica, acalmou as paixões, fez esquecer as
rivalidades, amenizou os costumes e restituiu-os a paz e a
amizade de irmãos”.[129]
Durante a sua vida de missionário, o Servo de Deus construiu
numerosas igrejas, asilos, orfanatos e hospitais. Somente na então
província do Ceará, fundou o intrépido sacerdote, as casas de
caridade de Crato, Missão-Velha, Barbalha, Santana, Milagres e
Sobral. Para beneficiar o povo na época tremenda das secas,
construiu vários açudes. Conta-se que se deram vários prodígios
com pessoas enfermas, que após beberem da água de alguns
desses reservatórios, recuperaram a saúde.
Um convertido do Pe. Ibiapina, o Ir. Inácio, foi o seu infatigável
auxiliar, como esmoleiro para maior difusão dos seus institutos de
caridade. Durante o período em que reinou uma formidável seca, de
1878 a 1879, foi o Ir. Inácio à corte, a mandado do Servo de Deus,
e aí conseguiu apreciáveis auxílios para matar a fome de
milhares de indigentes.
Para dirigir os seus hospitais e asilos, instituiu o Pe. Ibiapina uma
congregação de irmãs, com regulamento por ele mesmo elaborado.
E até nossos dias[130], prestam as boas religiosas os maiores
serviços à causa de infortunados. Basta-nos citar a “Casa de
Caridade” de Santa Fé, onde a dedicação dessas irmãs paira acima
de qualquer elogio.
Quando o santo Padre Ibiapina chegava a um dos seus
orfanatos, enchia de carícias as suas queridas crianças, e
ordenava que se preparasse a mesa das refeições com pratos mais
delicados, distribuindo ele mesmo o alimento às criancinhas. Nos
hospitais, animava os enfermos com o melhor dos pães. Nas
igrejas, antes e depois das suas frutuosas pregações sentava-se no
confessionário, onde passava muitas horas a ouvir e absolver
penitentes. Era tão amigo da mortificação que, mesmo velho e
enfermo, não era raro ficar no confessionário, desde a manhã até
uma hora da tarde, em que se levantava para ingerir algum
alimento.
Ao começar o ano de 1883, foi o santo Pe. Ibiapina visitar a sua
“Casa de Caridade”, de Santa Fé, na Paraíba. Aí se lhe agravaram
as antigas enfermidades, e a 19 de fevereiro do mesmo ano,
pressentindo que chegara o seu último dia, pediu e recebeu os
sacramentos que lhe foram administrados pelo vigário dessa
paróquia, Pe. José Eufrosino de Maria Ramalho, e entre duas e
três horas da tarde, entregou sua alma ao Criador.
Contava, então, esse apóstolo insigne e ardoroso patriota, pouco
menos de 78 anos de idade. No dia seguinte, às seis horas da
manhã, foi celebrada a Missa de corpo presente, ficando depois o
cadáver do Servo de Deus em exposição aos fiéis. O seu enterro
realizou-se às duas horas da tarde, sendo o esquife acompanhado
pelo Reverendíssimo Vigário, o Pe. José Januário e enorme
multidão, onde se viam também as suas filhas espirituais, diretora
e demais irmãs da “Casa de Caridade”.
As lágrimas e soluços dos que tomaram parte nesse imponente
cortejo, eram bem a prova do amor que consagravam ao santo
benfeitor do povo e grande apóstolo de Jesus Cristo.
O S D

[131]
F R S B
Este venerável religioso nasceu em Olinda, Pernambuco. A 9 de
março de 1602, com idade de 16 anos, professou na Ordem de S.
Francisco, no convento da Bahia. Foi dotado de apreciável talento,
ocupando o púlpito com geral agrado. Em 1656, em companhia de
outros religiosos, embarcou Fr. Rafael em um navio, na capitania
do Espírito Santo, com destino à Bahia.
Dias depois da sua partida, os holandeses, que ainda
navegavam os mares do Brasil, fizeram-no prisioneiro, bem como a
seus companheiros. Durante a viagem, em meio a sofrimentos que
os hereges lhes infligiam foi-lhes destemidamente combatendo os
erros.
Ao chegar a embarcação à “Bahia da Traição”, ao norte da cidade
de Paraíba (João Pessoa), resolveram os seus algozes dar liberdade
aos outros religiosos, fazendo-os desembarcar em uma das praias do
litoral. Ao Servo de Deus coube outra sorte. Depois de lhe amarrarem
os pés e as mãos, ataram-lhe ao pescoço uma pedra, e o lançaram
ao mar. Assim, mais um mártir foi receber no céu a eterna
recompensa.
[132]
F S M
Este santo semeador do Evangelho nasceu no Rio de Janeiro.
Atraído para a vida do claustro, entrou muito moço, para a Ordem de
S. Francisco, no Convento de S. Antônio da Bahia. Foi ele o
primeiro que nesse convento professou, como religioso. Muito
venerado pelos seus irmãos de hábito, foi várias vezes eleito para os
mais altos cargos da ordem.
Notabilizou-se Frei Sebastião não só por ter sido sempre perfeito
observante dos votos de castidade, pobreza e obediência, como
também pela sua extraordinária caridade e brandura. Nos cargos
que exerceu foi sempre prudente e justiceiro. Suas pregações eram
muito apreciadas e produziam ótimos frutos de salvação.
Conservando “perfeito juízo até a hora da morte, usou nela tais
termos, como se esperava de sua vida, na qual deixou a todos
agradados, ainda que sentidos. Faleceu no mesmo convento, em
que havia nascido, para Deus, pelos anos de 1666”.
[133]
F C C
Este Servo de Deus, era natural da freguesia do Cabo, em
Pernambuco. Fez sua profissão religiosa no convento de Ipojuca.
Foi guardião do convento de Nossa Senhora das Neves, de Olinda.
Sua vida foi sempre virtuosa e penitente, sendo estimadíssimo dos
seus contemporâneos. Teve perfeito conhecimento do dia e hora de
sua morte, que revelou aos seus irmãos de hábito. Confortado com
os sacramentos, faleceu Frei Crispim a 8 de janeiro de 1687.
[134]
M M
Embarcaram-se com outros passageiros, na Paraíba, com destino
a Lisboa, quatro índios cristãos, contando o mais velho treze anos
e o último sete. Perto de Lisboa, os mouros aprisionaram o navio,
seguindo rumo a Marrocos. Chegados a essa cidade, em novembro
de 1690, foram todos os tripulantes postos em rigoroso cativeiro,
mandando o rei que as quatro crianças brasileiras ficassem em seu
palácio.
Instigados a apostasia, resistiram valorosamente os meninos,
dizendo que preferiam morrer a abandonar a fé. Açoitados com tiras
de couro cru torcidas, eles, altaneiros, diziam: “Somos cristãos pela
graça de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Cheio de cólera, o rei
mandou encerrá-los em tétrica prisão. Favorecidos por Deus,
continuaram os virtuosos meninos firmes na fé, suportando por três
dias o rigoroso jejum que lhes impuseram, e em seguida, penosos
trabalhos, acompanhados de duros tormentos.
“De noite eram carregados de prisões, donde os vinham ver os
filhos do rei e outros moços, e com paus, ferros agudos e penetrantes
espinhos, com que os lastimavam, compunham o seu desenfado; mas
os benditos meninos rindo-se do rigor e zombando dos tormentos,
achavam nos espinhos rosas, nas dores delícias, nos opróbrios honra
e nas afrontas vitórias”.
Ao menor dos índios, que se chamava José, impuseram os
mouros maiores torturas, mas o heroico menino a tudo resistiu,
sem que um instante vacilasse a sua ardente fé. Finalmente levaram
as quatro crianças ao convento de S. Francisco, na mesma cidade,
onde José debilitado em extremo e crivado de ferimentos, morreu
no dia imediato, indo sua alma pura receber no céu o prêmio do
seu amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.
[135]
P M S
Nasceu em Olinda e, aos 15 anos de idade, entrou Manoel
Saraiva para a Companhia de Jesus, fazendo noviciado no colégio
da Bahia. Foi mestre de noviços, professor de filosofia e teologia, e
reitor do colégio de Olinda. Como visitador e superior geral das
missões no Maranhão, fundou numerosas aldeias de índios,
convertidos à fé, pelo seu zelo, abnegação e caridade heroicas.
“Penetrou muitas vezes descalço, e sem algum viático para
sustentar a vida, fragorosas serras, lugares incultos e solitários,
tolerando excessivos calores, e rigorosos frios…”.
Pouco tempo antes de falecer, foi este santo religioso nomeado
provincial, não chegando a exercer esse alto cargo.
[136]
P B C R
Este herói da caridade nasceu em Olinda. Durante mais de
cinquenta anos exerceu com sua escrupulosa dedicação, o cargo de
capelão da Santa Casa de sua terra natal.
“Era muito modesto, devoto e penitente, por mais que cuidou em
ocultar com a capa da própria humildade e cautela, o fino da sua
virtude, foi sempre estimado como varão santo, especialmente do
Bispo Dom Matias de Figueiredo. Falava-lhe este santo prelado
como costumava um filho a seu pai, e o servo de Deus com
cândida mansidão lhe chamava filho. Tendo celeste aviso da hora de
sua morte, pediu a Extrema-Unção e o sagrado Viático, que recebeu
de joelhos, entre lágrimas santas. Em seguida, abraçado a um
crucifixo, expirou.
[137]
F J D
Este santo religioso nasceu na Bahia. Entrou, jovem ainda, para o
noviciado dos franciscanos, professando a 4 de agosto de 1655.
Ignora-se o dia em que recebeu o presbitério. Passou quase toda a
existência de religioso no convento de Paraguaçu, sempre
“exemplar, pobre, humilde e em todas as demais virtudes,
conhecido como varão perfeito”. Faleceu santamente, com 84 anos
de idade, a 23 de maio de 1720. É conhecido ter ele praticado
alguns prodígios.
[138]
P M C F
Nasceu em Recife, no ano de 1692, teve por pais João Corrêa
Feio Sodré e dona Luisa da Assunção Moura. Desde menino foi de
excepcional candura, guardando sua boca de palavras que de
qualquer maneira pudessem ofender a virtude da pureza.
Recebendo o presbitério, foi vigário da freguesia de Ipojuca.
“Tão acautelado vivia em guardar a jóia da castidade, que
nunca levantava os olhos para ver rosto de mulher; os seus
costumes, as suas palavras, e inclinações respiravam fragrâncias
de virtude…”.
Depois de sua morte, asseverou o seu diretor espiritual, que ele
conservou por toda a vida, o lírio da virgindade. Quando lhe
prepararam o corpo para ser sepultado, encontraram-no apertado
por cilícios. Foi sepultado na matriz de Ipojuca.
[139]
P A M F
Nasceu em Recife, Antônio Manoel Felix, presbítero do hábito
de S. Pedro. Sua vida foi um assombro de caridade. Instruía e
preparava cuidadosamente os enfermos para receberem os
sacramentos. Quando pelos caminhos encontrava algum cadáver,
carregava-o às costas, e como o santo velho Tobias, com suas
próprias mãos o sepultava. Os leprosos foram sempre os
prediletos dos seus carinhos.
Talvez para vencer totalmente a sua repugnância de tratar os
pretos leprosos, cobertos de horrendas chagas, chegou o santo
sacerdote ao ponto de oscular essas mesmas chagas! Fundou o
Servo de Deus um hospital para o tratamento daqueles que se
achavam atacados do mal de S. Lázaro. Foi missionário de altos
merecimentos. “[…] Fez em Pernambuco, assistido do auxílio
celeste, notáveis mudanças nos costumes, trazendo muitas
pessoas à graça do Senhor pelo arrependimento e emenda das
vidas”.
Num sítio que para esse fim lhe foi dado, construiu o Servo de
Deus uma igreja em honra de Nossa Senhora da Soledade. Com
companhia de escravos carregava ele aos ombros os materiais
para o santuário de Maria Santíssima. Foram muitos os milagres
que Nossa Senhora operou por intercessão do seu devotíssimo
Servo, em favor dos que frequentavam aquele santuário.
Sofreu o Pe. Antônio Felix, com heroica paciência, as dores da sua
última enfermidade, e depois de receber os sacramentos, sua alma
voou para a mansão dos bem-aventurados.
[140]
V H C
Nasceram estas santas donzelas na freguesia de Ipojuca,
Pernambuco. Atraídas para a vida contemplativa, transformaram sua
casa num pequeno convento, onde viviam como religiosas.
Passavam muitas horas do dia ajoelhadas ante uma imagem de
Jesus Crucificado, meditando no mistério da paixão. Às vezes, até
noite alta, continuavam as suas piedosas meditações.
Foram ambas dotadas de verdadeiro espírito de mortificação. O
povo as considerava santas. Helena morreu antes de Vitória, sendo
enterrada no Convento de S. Francisco, da mesma freguesia. Esta
última, depois de morta parecia que dormia, tal a serenidade e
formosura de que se revestira seu rosto. Enterraram-na no mesmo
lugar em que fora sepultada sua irmã Helena.
Muitos anos depois, abrindo-se a sua sepultura para a
inumação de outro cadáver, encontraram-lhe o corpo em perfeito
estado de conservação, como no dia em que falecera, exalando
suave aroma.
[141]
P F F
Este ilustre pernambucano e santo religioso era filho do coronel
João Pereira Fialho. Ainda criança, mandaram-no seus pais para a
Bahia, entregando-o aos cuidados de respeitável senhora, que lhe
dispensava maternais carinhos. Frequentando as aulas dos Padres
jesuítas, aos 14 anos recebeu a roupeta dos inacianos. Completados
os estudos, ordenou-se sacerdote. Foi professor em vários colégios
da sua congregação.
Missionário valoroso, a sua palavra convincente atraia tantos
ouvintes, que as igrejas se tornavam pequenas para os conter.
Pregou muitas missões em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro.
Devoto de S. Francisco de Assis, obteve de seus superiores
permissão para professar na Ordem 3ª, usando sob a roupeta o
cordão simbólico. Foi ardoroso propagandista das devoções da via
sacra e do rosário de Maria Santíssima.
Tanto se impôs, com as suas heroicas virtudes, à veneração do
povo, que todos buscavam os seus conselhos, e os enfermos
solicitavam a sua assistência. A sua caridade não se contentava em
distribuir esmolas, mas a visitar com assiduidade os hospitais e
prisões, distribuindo aos enfermos e encarcerados medalhas de
Nossa Senhora.
Faleceu o venerável Pe. Francisco Fialho em idade avançada,
depois de confortado com os sacramentos, pronunciando os
sagrados nomes de Jesus e Maria.
[142]
P L V
Este santo homem nasceu em Ipojuca, Pernambuco. Ainda moço,
casou com uma virtuosa donzela, vivendo nesse estado alguns
anos, com a maior correção, e educando seus filhos como
cristãos. Usava cilícios e disciplinas, dormia pouco e jejuava com
frequência. Era caridoso, acudindo às necessidades do próximo com
o maior desvelo. Sua devoção predileta era meditar a Paixão do
Divino Redentor.
Tendo revelação do dia de sua morte, para ela se preparou com os
sacramentos. Rodeado por seus filhos deu-lhes os mais salutares
conselhos e as mais afetuosas bênçãos. Depois, abraçando um
crucifixo, entregou sua alma ao Criador. “Seu venerável cadáver se
entregou à terra na igreja do convento de S. Francisco de Ipojuca,
de baixo do coro para a parte do Evangelho. Passados muitos
anos abrindo-se o seu sepulcro se achou incorrupto, tratável e com
todos aqueles sinais que costumam ter aqueles corpos, que Deus
conserva inteiros em prêmio de terem sido virtuosa morada de sua
alma santa”.
[143]
P C F
Este Servo de Deus tinha uma alma tão simples e inocente, que
mereceu do céu, entre outros o raro dom do domínio sobre os
animais. Era tão humilde que, quando alguém lhe agradecia e
louvava suas ações caridosas, ele, que se julgava o menor dos
homens e o maior dos pecadores, não podia esconder em sua
fisionomia o sofrimento que lhe causavam tais louvores.
Durante a sua última enfermidade deu o mais belo exemplo de
paciência e conformidade com a vontade de Deus. Faleceu este
venerável sacerdote na freguesia de Muribeca, Pernambuco, sendo
o seu enterro acompanhado por numerosos fiéis, que sinceramente
prantearam a sua morte.
[144]
P C P
Este santo sacerdote era natural da freguesia do Cabo,
Pernambuco. Chamado por Deus para o ministério do altar, cumpriu
sempre com a máxima correção aos seus deveres. Todos o
veneravam pela heroicidade de suas virtudes, principalmente a da
castidade, pois desde menino teve o Servo de Deus uma vida
angélica. Era total o seu desprendimento das coisas do mundo.
Sua austeridade e espírito de mortificação fizeram-no escolher
para morada uma casa térrea, sem soalho. Por ocasião de sua
morte, deu-se este fato miraculoso, presenciado por muitas pessoas,
e que veio confirmar a fama de santidade em que vivia: Uns arbustos
que tinham nascido ao redor do seu pobre catre, sem demonstrarem
vigor, repentinamente cobriram-se de brancas flores! E logo o servo
de Deus deixou de existir na terra, para viver no céu, essas flores
morreram.
[145]
F B S C
Religioso de vida muito exemplar, humilde, casto, pobre e
caridoso, deixou Fr. Bernardo elevada fama de santidade.
Professou o Servo de Deus na Ordem dos Menores, a 11 de
janeiro de 1673, não se sabendo a data em que recebeu a
ordenação sacerdotal. Por vezes exerceu o cargo de guardião e no
capítulo realizado no ano de 1707 tomou parte como definidor.
Muito brilhou Frei Bernardo na virtude da paciência com que
suportou, durante longos anos, uma penosa enfermidade.
Apesar de doente, tinha Fr. Bernardo por leito um pedaço de
madeira que servira de fundo a uma pequena canoa. Aí passava o
santo sacerdote as horas de repouso, com parte do corpo para fora
de tão miserável cama, cobrindo-se apenas com uma velha manta.
Prevendo que ia morrer, pediu Fr. Bernardo ao Superior que lhe
mandasse administrar os sacramentos, e dando as maiores
demonstrações de suas heroicas virtudes, faleceu no dia 30 de
março de 1725. O povo, ao saber de sua morte, acorreu pressuroso
ao convento de Olinda, para beijar-lhe os pés e retirar relíquias do
seu hábito, tal era a veneração que lhe consagrava.
[146]
P L C
Este insigne religioso era natural do Recife. Foram seus pais o
coronel Miguel Corrêa Gomes, fidalgo da casa real e cavaleiro da
Ordem de Cristo, e sua mulher dona Catarina Gomes Figueiredo.
Este feliz casal tão bem soube educar os filhos no santo amor e
temor de Deus, que de sua numerosa prole seis filhos se ordenaram
sacerdotes.
Entrou Luís Corrêa para a congregação de S. Filipe Neri, a 24 de
dezembro de 1708. Dotado de invulgar inteligência, foi professor e
orador famoso. Humilde e caridoso não permitia o Servo de Deus
que se dissesse mal do próximo em sua presença. O seu
confessionário vivia rodeado de penitentes de todas as classes
sociais, mas especialmente de pretos africanos, que ele converteu à
fé e pacientemente instruiu.
Um dia, ardendo em febre, foi o Servo de Deus chamado para
assistir a um moribundo, pai de certo congregado, morador dez
léguas distante do Recife. Não se negou o Pe. Luís a esse ato
heroico de caridade.
Depois de passar três dias e três noites consecutivos, à
cabeceira do enfermo, voltou exausto para o seu convento, onde
veio a falecer confortado com os últimos sacramentos, a 24 de
janeiro de 1727. A população do Recife apressou-se em
homenagear o Servo de Deus, demonstrando o seu imenso
pesar por tão irreparável perda.
[147]
M B E
Nasceu esta Serva de Deus na Vila de Sergipe do Conde, Bahia,
tendo por pais Francisco Corrêa Lima e dona Ana Vieira. A 1° de
setembro de 1683, contando doze anos de idade, recebeu o hábito
de religiosa no Convento de Santa Clara do Desterro. Foi Madre
Brites da Esperança uma perfeita religiosa, ornada de peregrinas
virtudes e era considerada pela comunidade do seu mosteiro como
a melhor das mestras espirituais. Faleceu em 1730 ou 1731.
[148]
M M C
Marta Borges de França foi a primeira donzela que ingressou no
noviciado do Convento de Santa Clara do Desterro, também a
primeira que aí professou, como religiosa. Nasceu Madre Marta na
capital da Bahia, tendo por pais Salvador Corrêa Vasqueanes e dona
Margarida de França Corte Real. A 28 de janeiro de 1678, recebeu o
hábito de noviça e professou a 22 de abril de 1681.
A 16 de julho de 1686, retirando-se as religiosas fundadoras do
seu mosteiro, para o Convento de Évora, em Portugal, foi ela eleita
abadessa. Alma pura, ornada de todas as virtudes, era Madre Marta
de Cristo venerada pela comunidade do seu convento, como uma
verdadeira Serva de Deus. Faleceu a 3 de outubro de 1738,
contando 88 anos de idade.
[149]
M A C
Este Servo de Deus nasceu na Paraíba, tendo por pais o capitão
Bartolomeu Alvares Corrêa e dona Maria Corrêa. Do seu feliz
consorcio com dona Isabel de Medeiros teve alguns filhos, que
educou segundo os ensinamentos da Igreja. Homem muito
caridoso, socorria os pobres com muitas esmolas e as almas do
purgatório com frequentes orações.
Já em idade avançada, enfermando gravemente, foi chamado o
Pe. André da costa Nogueira para administrar-lhe os sacramentos.
Depois de agradecer ao sacerdote a sua presença, disse-lhe Manoel
Alvares não ser chegada ainda a sua última hora, prometendo-lhe
que o avisaria na ocasião oportuna. Oito dias se passaram,
alegrando-se os parentes do Servo de Deus com as suas rápidas
melhoras e a declaração dos médicos que estava ele livre de perigo.
O enfermo, porém, pediu que chamassem o Padre a quem rogou
lhe preparasse a alma para a viagem da eternidade. Recebidos os
últimos sacramentos, com a piedade própria dos santos, Manoel
Corrêa levou ao peito um crucifixo. Então se operou este prodígio:
A imagem de Nosso Senhor desprendendo-se da cruz, abraçou-se
com o moribundo! E nesse doce e divino abraço, Manoel Corrêa
exalou o último alento de vida, em junho de 1745; sendo sepultado
na igreja de Santo Antônio do Cabo.
[150]
F A S
Nasceu este venerando religioso na vila de Sergipe do Conde,
arcebispado da Bahia. Professou na Ordem de S. Francisco, a 31 de
agosto de 1704, com 28 anos de idade. Foi sacerdote sempre zeloso
da salvação das almas, muito humilde, caridoso e obediente.
Jejuava a pão e água, às quartas feiras, sextas e sábados, além
dos outros jejuns a que era obrigado pela lei da Igreja e regra de
sua ordem. Nunca deixou o cilício e a disciplina. Faleceu fortalecido
com todos os sacramentos, a 13 de setembro de 1750.
[151]
P L F A
Este santo varão, natural de Goiana, Pernambuco, era filho de
Manoel Ferreira do Amaral e dona Jerônima de Almeida. Ordenado
sacerdote, a sua vida foi um exemplo de todas as virtudes. Muito
caridoso, a sua casa era procurada pela pobreza, que aí encontrava
paternal abrigo. Durante muitos anos foi Padre Leandro capelão-
mor da Santa Casa de Misericórdia.
Prevendo o dia de sua morte, para ela se preparou com todos os
sacramentos, falecendo a 7 de setembro de 1756, com 83 anos de
idade. Vestiram o seu cadáver com o hábito de irmão terceiro e os
paramentos sacerdotais, exposto na igreja matriz, aí esteve durante
três dias, incorrupto e flexível. O povo acorreu a beijá-lo os pés,
cortando-lhe os cabelos e pedaços dos seus paramentos, para
relíquias. Depois de sua morte deram-se vários prodígios com a
aplicação dessas relíquias em pessoas enfermas.
[152]
I M J
Esta santa monja era filha de Antônio Velho Machado e dona
Ana de Souza Aragão. Seu piedoso pai, enviuvado, fez-se frade,
entrando para a Ordem de S. João de Deus.
Na igreja matriz de Maragogipe, Bahia, foi esta Serva de Deus
batizada. A 22 de junho de 1741, contando 23 anos de idade,
recebeu o hábito das clarissas, no Mosteiro do Desterro. O espírito
de oração e mortificação, de que sua alma pura era dotada, desde
menina, mais forte se tornou no claustro.
De uma humildade sem limites, salientou-se também Ir. Maria
de Jesus pela encantadora simplicidade do seu coração.
Afirmavam os diretores espirituais desta Serva de Deus que ela
conservou até a morte, a graça batismal. Sua alma voou para o
céu, a 5 de agosto de 1761.
[153]
F A E S
Nasceu este santo religioso na vila de Goiana, em Pernambuco.
Notabilizou-se este venerável sacerdote não só pelas suas virtudes,
como também pelo zelo com que cuidava da salvação do próximo.
Durante muitos anos pregou missões nas cidades, vilas e aldeias do
norte do Brasil, produzindo as suas prédicas abundantes
conversões.
Sendo removido do convento de Olinda para o de Recife, aí, já
exausto de forças, pelos seus apostólicos trabalhos e penitências,
veio a falecer a 16 de outubro de 1761.
[154]
I J G
Esta Serva de Deus nasceu na vila de Santos, S. Paulo, no ano
de 1688. Era irmã dos celebres Alexandre e Bartolomeu de Gusmão
o Padre “Voador”. Foi muito caridosa, especialmente com os
órfãos e enfermos. Revestida do hábito franciscano, percorreu a
Irmã Joana as povoações do sul do Brasil, angariando esmolas
para uma capela, que, sob a invocação do Menino Deus, edificou
na vila do Desterro, atual capital de Santa Catarina, no ano de
1769.
Cheia de méritos para o céu, após ter recebido os últimos
sacramentos, faleceu a Ir. Joana a 15 de novembro de 1780, com
idade de 92 anos.
[155]
F L J P
Nasceu este santo religioso em Guaratinguetá, capitania de S.
Paulo, sendo batizado a 22 de outubro de 1766. Foram seus pais
Manoel Antônio dos Santos e dona Catarina da Anunciação. Após o
falecimento de Fr. Antônio Galvão, o Bispo D. Mateus de Abreu
Pereira nomeou Fr. Lucas para o cargo de capelão do convento de
N. Senhora da Conceição.
No desempenho dessa missão, prestou relevantes serviços ao
mesmo convento, tendo sempre por modelo o seu santo antecessor,
continuando a zelar pelo bem espiritual e corporal da comunidade.
Durante a sua capelania, mandou Fr. Lucas levantar a torre da
igreja, dourar os altares, etc.
Virtuoso e penitente, era Fr. Lucas venerado pela população de
S. Paulo. Segundo a tradição, Deus dotou este santo frade com os
dons de penetrar o íntimo dos corações humanos e da profecia.
Às 7 horas da manhã de 29 de abril de 1849, entregou Fr. Lucas
sua santa alma ao Criador, contando 82 anos de idade. Ao seu
enterro, que se efetuou no cemitério do convento de que era
capelão, concorreu o escol da sociedade paulistana, tendo
pessoalmente comparecido o presidente da província.
Na citada obra de D. Domingos do Loreto Couto, também se
encontram edificantes referências sobre os seguintes brasileiros,
falecidos em odor de santidade: Laureano de Brito, Paulo Carneiro,
José Coelho, Jerônimo de Albuquerque e João Pereira, religiosos da
Companhia de Jesus; Ruperto de Jesus, da Ordem de S. Bento;
Feliciano de Albuquerque, da Ordem de S. Bernardo; Bernardino de
Santa Maria, João do Desterro, Jerônimo da Ressurreição e
Lourenço de Santa Maria, da Ordem de S. Francisco; Manoel da
Assunção, Estevão de S. Miguel, Nicolau de Jesus Maria José e
Afonso de Albuquerque, da Ordem de Nossa Senhora do Carmo;
Silvestre Simões, da Congregação de S. Filipe Neri; Agostinho de
Castro, Domingos Vieira, João de Lima, João Moreira, Apolinário
Moreira de Vasconcelos, Francisco Leitão, Leandro Camelo,
Anastácio de Brito Góes, João Máximo e João Torres da Ribeira, do
clero secular, Manoel João, irmão leigo capuchinho; Madre Águeda
de Jesus, religiosa Clarissa; e os fiéis: Antônio de Castilho, José
Pereira, Antônio Velho da Gama, Fernão Gomes de Abreu, Maria
Rosa, Maria de Castro, Beatriz de Castro, Leonor, Luiza e Inês da
Rocha (irmãs), Catarina Paes, Maria José, Laura Soares Gondim,
Bárbara Filho, Ana da Fonseca Gondim, Maria José da Costa,
Cecília Soares e Clara Henriques.
A P B

A devoção a Nossa Senhora, sob o título tão belo e significativo


de Imaculada Conceição, nos veio de Portugal, com os primeiros
povoadores. Nação verdadeiramente cristã, os seus triunfos cívicos
redundavam em glória para a Religião, que era a base do seu
progresso e o esteio fortíssimo da sua grandeza.
Terra de homens notáveis pela santidade, pelo saber e pela
bravura; pátria de Santo Antônio, o taumaturgo universal; de Nuno
Álvares, o guerreiro invencível; da rainha S. Isabel, a
personificação da caridade; pátria de Camões, de Vieira, de
Bernardes, de Vasco da Gama e de Cabral; Portugal vencedor em
Aljubarrota, conquistador das Índias e descobridor do Brasil;
Portugal católico, nos legou, com vigor a raça, o fervor da fé.
O benemérito Martim Afonso de Sousa, ao fundar, em 1532, a
povoação de Itanhaém, aí lançou alicerces da primitiva ermida da
Imaculada Conceição.[156] Depois, os Padres da Companhia de
Jesus, com Anchieta à frente[157], e os franciscanos[158],
solidificaram nas almas a devoção a Maria Santíssima, sob tão
simpática invocação, não só com o exemplo, mas com a pregação
da doutrina, que esclarece e vivifica.
Eis porque essa devoção se acha tão arraigada no coração dos
brasileiros. Numerosas são as igrejas e capelas, eretas em nosso
imenso território, nas quais sob essa invocação se prestam
homenagens à doce Mãe de Jesus.
Na Basílica de Aparecida, centro grandioso da devoção a Maria
Santíssima, há mais de duzentos anos se venera a imagem da
Imaculada Conceição; e para esse refúgio de paz e consolação,
acorrem anualmente milhares de romeiros, de todos os pontos de
nossa pátria e até dos países limítrofes; uns para agradecerem à
Virgem as graças e milagres obtidos, outros para implorar favores e
bênçãos.
Há um recanto abençoado do Brasil, onde os seus habitantes
procuram se esmerar nas homenagens a Nossa Senhora, sob o
título gloriosíssimo de Imaculada Conceição. É Angra dos Reis,
nosso caro torrão natal.[159] E como não ser assim, se há quase
três séculos, essa cidade foi teatro de admirável acontecimento, que
veio demonstrar claramente aos seus habitantes, que a Virgem Mãe
de Deus queria distingui-los de modo especialíssimo, honrando-os
altamente com a sua maternal proteção!
O Criador favoreceu Angra dos Reis com as mais encantadoras
belezas naturais. Nessa joia do litoral fluminense, goza-se a par da
contemplação das suas pitorescas montanhas e das ilhas que
enfeitam a sua maravilhosa baía, o deslumbramento dos lindos dias
de sol e das noites enluaradas, de inexcedível poesia. O mar em
Angra dos Reis é habitualmente calmo. O suave marulho das suas
ondas acariciando as alvacentas praias, é como o segredar de um
queixume de alma apaixonada, como que o suspirar de amigos
que se despedem, com o coração oprimido de saudade, para não
mais se verem.
E essas ondas mansas, daí se retiram, ao brando impulso das
brisas. Partem para longe, bem longe, e vão dizer a outras praias
todo o mistério que o oceano encerra…
Um dia, conta-nos a tradição e a história do lugar[160], um dia, no
ano da graça de 1632, foi a população da então vila de Angra dos
Reis, sobressaltada por estranho fenômeno. O firmamento de
limpidez implacável, de um momento para outro, começou a
enegrecer-se. Em poucos instantes operou-se uma mudança
brusca na atmosfera.
Ao sopro formidável do tufão, as casas se destelhavam.
Partiam-se em mil pedaços os galhos de arvores seculares. No
mar, a agitação era medonha. As ondas altaneiras se atiravam
uma sobre as outras, como numa luta de gigantes. E o céu cobria-
se de pesadas nuvens, relampaguearam os coriscos e estrondaram
os trovões. Rasgaram-se as nuvens e desencadeou-se a tormenta.
O mar em sua fúria indomável atirava suas ondas a quebrarem-
se de encontro aos rochedos. E as águas cresciam
ameaçadoramente… se diria que a esperançosa povoação iria
desaparecer, absorvida pelo mar. Por toda a vila, horror e desolação.
Em desespero toda a população.
Eis, porém, que surge no porto, afrontando a tormenta, um navio
desarvorado por completo, vítima dos empurrões do vendaval. E por
encanto, tudo serenou. Misteriosamente cessam os ventos, retraem-
se as ondas, desanuvia-se o céu, tudo se transforma e volta a calma
à natureza e a paz à boa gente. Uníssono suspiro de alívio, brota do
peito dos habitantes da vila, que não sabiam como agradecer a
Deus, os ter livrado de tão grande opressão da alma.
Uma vez em terra, comandante e marinheiros, trataram de se
prover do necessário para a reparação dos danos que a
embarcação sofrera. Indagando os habitantes qual a terra que
demandavam, responderam que se dirigiam a Itanhaém, para onde
levavam uma perfeita imagem de Nossa Senhora da Conceição.
Instados para que mostrassem essa imagem, a isso se recusaram,
por estar a mesma acondicionada em forte e repregado caixão.
Oito dias esteve o navio no porto de Angra dos Reis, seguindo
após viagem, num formoso dia de sol e mar bonançoso. Quando a
embarcação já tinha alcançado a barra do Sul, sem o mínimo
incidente, eis que sobrevêm horrível furacão. O navio, sacudido
pelas ondas bravias, estava prestes a sossobrar, quando o
comandante teve a feliz ideia de fazê-lo aproar em direção à vila,
para onde retrocedeu, embora a custa de esforços inauditos dos
valentes marinheiros.
Ainda uma vez não puderam esses homens compreender os
desígnios da providência. Enquanto isso se passava, em Angra dos
Reis tudo era sossego, e todos se entregavam alegres e
despreocupados às costumeiras lidas.
De novo aparelhado o navio, puseram-no em movimento. Mas,
quem pode contrariar a vontade do Altíssimo?! Ainda não tinha a
embarcação alcançado a ponta de Cairuçu, quando um temporal
desabrido, com fúria descomunal, começou a destruí-la. Os
vagalhões vergastavam-lhe o costado, fragorosamente. Romperam-
se as velas. Despedaçaram-se os mastros. Alagaram-se os porões.
Os pobres marinheiros abandonaram seus postos, estarrecidos, ante
a visão da morte.
Num dado momento, porém, lembraram-se eles, do vaticínio dos
habitantes de Angra, de que a imagem da Virgem ficaria na vila, para
ser a sua Protetora. Caem, então de joelhos, sobre o convés. De
mãos postas, olhos voltados para o céu, comandante e marinheiros
suplicaram a Nossa Senhora, com fé sincera, que em troca da
salvação de suas vidas, levariam para Angra a veneranda imagem.
Grande milagre se operou então. Passou imediatamente o
temporal. Os fortes ventos se transmudaram em frescas brisas; e o
navio como que impelido pelas mãos misteriosas dos Anjos, foi
levado brandamente para Angra dos Reis.
Imagine-se a alegria que se apoderou de todos, quando lhes foi
narrado o milagre e a promessa feita! A câmara municipal da vila,
pagou ao comandante do navio a importância do custo da imagem, e
desde esse dia, ficou sendo protetora de Angra dos Reis, a
Imaculada Conceição. Daí por diante os habitantes tem recebido
da Virgem Mãe de Deus, os mais extraordinários favores.[161]
Nossa Senhora da Conceição é Padroeira do Brasil desde 1646,
quando o rei D. João IV colocou, com as bênçãos da Igreja,
Portugal e seus domínios sob a proteção da Virgem Imaculada.
A 10 de novembro de 1822, D. Pedro I, no instante soleníssimo
em que confiava ao valor de nossos primeiros soldados a honra de
nossas primeiras bandeiras, relembrou esse glorioso padroado,
ratificando-o por um decreto. E Maria Santíssima continuou como
Padroeira oficial de nossa pátria.
Com a queda da monarquia e o advento da república, a 15 de
novembro de 1889, realizada a aspiração maçônica da separação do
Estado e da Igreja, nem por isso deixou Nossa Senhora de ser a
Padroeira da Terra de Santa Cruz. Porque, se os ímpios
suprimiram da nossa carta constitucional o nome de Deus, não
conseguiram, por mais que para tal fim trabalhassem, fazer com que
se apagasse em nossas almas a luz da fé católica e o amor a Nosso
Senhor Jesus Cristo; e não puderam, igualmente, fazer esfriar nos
corações brasileiros a sua inexcedível devoção a excelsa
Padroeira do Brasil, Nossa Senhora da Conceição.
Este livro acabou de ser impresso em 14
de setembro de 2018, na festa de Exaltação
da Santa Cruz. A fonte utilizada foi Book
Antiqua, em papel Pólen Soft 80gr.

[1] O leitor verificará nesta edição, que tratando-se de escritas destes “santos” brasileiros,
retiradas de documentos e cartas citadas nesta obra, mantivemos as abreviações e
ortografias conforme a edição de 1927, que foram extraídas dos originais, salvo casos
que tornariam incompreensível o entendimento do texto.
[2] Vide S. Paulo no tempo de Anchieta, Dr. Teodoro Sampaio.
[3] Vide José de Anchieta, Brasílio Machado.
[4] Vide Vida do Venerável Padre José de Anchieta, Carlos Saint-Foy, Edição Salesiana de
1922, pág. 41.
[ 5 ] Mezinha: Medicamento caseiro.
[6] Op. cit., pág. 235-236.
[7] Jesuítas, Castro Alves.
[8] Tendo dado a todo às páginas deste trabalho um cunho rigorosamente histórico e
tradicional, devemos confessar, com a sinceridade que nos caracteriza, que nenhum dos
autores que consultamos se refere ao modo como se operou a conversão da índia mártir
da castidade. É possível que tal acontecimento tivesse ocorrido nas circunstâncias
descritas, pois é histórico que os Padres missionários, ao penetrarem nas selvas para levar
a luz da fé aos nossos compatrícios traziam sempre sobre o peito um crucifixo. (Vide Pe.
Américo de Novaes, S. F., Método de ensino e de catequese dos índios, usado pelos
Jesuítas e por Anchieta. Vide também História de Gabriel Malagrida, por Paulo Mury, S. J.,
trad. por Camilo Castelo Branco). Tudo o mais que descrevemos sobre essa heroína, se
encontra nos autores que abaixo citamos.
[9] Vide Crônica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil, Pe. Simão de Vasconcelos,
vol. II, pág. 60-61. 2ª ed., Lisboa, 1865.
O martírio da Serva de Deus a quem consagramos o presente capítulo, aconteceu,
provavelmente, entre os meses que decorreram de março a junho de 1567. Esta nossa
suposição se baseia na narração que do mesmo fato fez o Padre Antônio Franco, no seu
livro citado, a p. 44. Diz este autor que após a morte de Estacio de Sá, em fevereiro de 1567,
o venerável Pe. Anchieta regressou para S. Vicente, juntamente com o visitador Pe. Inácio
de Azevedo, o provincial Luiz de Grã, o Bispo Dom Pedro Leitão, e outros, que foram se
consolar “com o santo velho Manoel da Nóbrega”; e que, durante o tempo em que Anchieta
aí permaneceu, deram-se esse e outros casos notáveis. Em julho do mesmo ano, Anchieta
se retirou novamente para o Rio de Janeiro, onde foi fundar, com os venerandos Padres
Azevedo e Nóbrega, o colégio da Companhia de Jesus.
[ 1 0 ] Vide Vida do Padre Joam d’Almeida, Pe. Simão de Vasconcelos. Lisboa, 1658, pág.
39-41.
[ 11 ] Vide Novo Orbe Seráfico, Frei Jaboatão, vol. I, parte prim. XIV-XV, pág. 185-191; Vol.
II, parte seg. XV, pág. 81 e XVIII, pág. 380-385.
[ 1 2 ] Vide Desgravos do Brasil e Glórias de Pernambuco, D. Domingos do Loreto Couto,
O.S.B., vol. I, liv. IV, cap. III, pág. 239-243 e vol. II, liv. VII, cap. I, pág. 116-117.
[13] História da reforma protestante em Inglaterra e Irlanda, Guilherme Corbett.
[14] Vide Apontamentos históricos e Geográficos da província de S. Paulo, Azevedo
Marques. Vol. I, pág. 13.
[ 1 5 ] Op. cit., Frei Jaboatão. Vol. II, part. I, cap. XXVII, pág. 356-357 e vol. III, addit. ao liv.
VII, cap. VIII, pág. 823-824.
[16] “Os que se apresentaram como candidatos a este humilde estado de Donato na
Ordem Franciscana, depois da prova de dois anos no serviço do convento, eram
admitidos a profissão da Ordem Terceira da Penitência. Em algumas províncias da Ordem
Franciscana era costume fazerem os Donatos além da referida profissão, também os votos
de fidelidade, obediência e castidade” (O Último Donato, Frei Diogo de Freitas. Publicada
no “Echo Seraphico”, novembro de 1925).
[ 1 7 ] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. II, liv. VII, cap. VII, pág. 133-140.
Como essa biografia de Madre Angela não se refira ao ano em que ela nasceu, nem tampouco
às datas da sua partida para Portugal e do seu falecimento, julgamos acertado colocá-la
entre os Servos de Deus falecidos antes do ano de 1700. Provavelmente Madre Angela
deixou o Brasil pouco depois do ano de 1600. Assim pensamos pelo seguinte motivo: tendo
começado a funcionar só em 1677 o Mosteiro de Santa Clara, na capital Bahia, não é crível
tivessem os pais da Serva de Deus consentido que ela partisse, jovem ainda, para longínquo
país, com o objetivo de fazer-se religiosa quando aqui poderia, com toda a facilidade, entrar
para o claustro das clarissas.
[ 1 8 ] Op. cit., Frei Jaboatão. Vol. II, liv. IV, cap. III, pág. 546-553.
[19] O celebre Santuário do Bom Jesus da Lapa, fundado pelo Arcebispo da Bahia D.
Sebastião Monteiro da Vide. O primeiro habitador desse Santuário foi o Padre Francisco da
Soledade de quem já falamos (Op. cit., D. Domingos Loreto Couto. Vol. I, liv. IV, cap. IX, pág.
260).
[ 2 0 ] Op. cit., Frei Jaboatão. Vol. III, part. II, liv. VI, pág. 684-746.
Onde se encontra transcrita integralmente, a biografia de Madre Vitória, traçada pelo
apostólico Arcebispo da Bahia, D. Sebastião Monteiro da Vide, decorridos apenas cinco
anos após o falecimento da Serva de Deus.
[21] Doc. do arquivo da Cúria de São Paulo.
[22] A Igreja de M’boi foi construída pelo Padre Belchior. O convento anexo foi ereto, após
a sua morte, pelos seus irmãos de hábito.
[23] Um dos muitos ordenandos examinados pelo Padre Belchior de Pontes, chamava-se
Pantaleão de Sousa. No seu processo de habilitação de Genere et Moribus, existente no
Arquivo da Cúria Metropolitana de S. Paulo, encontra-se este documento cujos dizeres
para aqui fielmente transladamos: “Certifico eu Belchior Pontes Religioso da Comp. De
JESUS, P. Coadjutor Espiritual, Professo de três votos, que o Supp. é capaz p. ser
seguram... promovido às Ordens Menores e Sacras, segundo tenho alcanç... na capacidade
de letras ex humanitatis scientia, o que afirmo in verbo Sacerdotis. Hoje 17 de maio de
1684. P. Belchior de Pontes”.
[24] Pe. Júlio Maria.
[25] Supomos que esse Antônio Domingues de Pontes, era irmão do Padre Belchior, pois o
Padre Fonseca, na enumeração que fez aos 15 filhos de Pedro Nunes de Pontes e dona
Inês Domingues Ribeira, nos diz que o 8° deles assim se chamava.
[ 2 6 ] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. I, liv. IV, cap. XVIII, pág. 315-318.
[ 2 7 ] Op. cit., Frei Jaboatão. Vol. III, part. II, liv. VI, pág. 684-746.
[ 2 8 ] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. I, liv. IV, cap. IX, pág. 257-262.
[ 2 9 ] O livro que valemos, para compor o presente capítulo, foi a Vida do Padre Estanislau
de Campos (da Sociedade de Jesus Sacerdote da Província do Brasil), vertido do original
latino para o nosso idioma por J. Alencar Ariaripe, e publicado na Revista do Instituto
Histórico do Rio de Janeiro, em 1889.
[30] O capitão general Rodrigo César de Meneses, governou a capitania de São Paulo, de
1721 a 1728 (Vide Azevedo Marques, livro cit., pág. 169).
[31] O ilustrado autor anônimo da Vida do Padre Estanislau de Campos, colega e,
provavelmente contemporâneo do Pe. Manoel de Oliveira, tece louvores às preclaras virtudes
deste sacerdote, transcrevendo valiosíssima biografia do Servo de Deus, escrita pelo mesmo
religioso.
[ 3 2 ] Vide Sítios e Personagens, Pe. Joaquim Silvério de Souza, pág. 214-239.
[33] Vide Antiqualhas e memórias do Rio de Janeiro, Dr. José Vieira Fazenda. Publicação
feita na Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 88, vol. 142, pág. 63-67.
[ 3 4 ] Op. cit., Frei Jaboatão. Vol. II, part. II, cap. XXX, pág. 473-474 e Enciclopédia e
Dicionário Internacional.
[ 3 5 ] Op. cit., Frei Jaboatão. Liv. VI, cap. XXXVIII, pág. 772-775.
[ 3 6 ] Op. cit., Frei Jaboatão. Vol. I, liv. II, cap. V, pág. 290-296.
[ 3 7 ] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. II, liv. VII, cap. XI, pág. 150-154.
[ 3 8 ] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. II, liv. VII, cap. X, pág. 147-149.
[ 3 9 ] Vide Brasileiras célebres, J. Norberto, pág. 100-118.
[ 4 0 ] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. I, liv. IV, cap. XIII, pág. 287-294.
[ 4 1 ] Op. cit., Frei Jaboatão. Vol. III, liv. VII, cap. IV, pág. 804-808.
[42] Convento da Luz é como o povo se habituou a chamar o mosteiro fundado por Madre
Helena e Frei Galvão, pelo motivo de se achar esse pio instituto ereto no local onde
antigamente existiu a ermida de Nossa Senhora da Luz. Em nota apensa ao capítulo que
dedicamos a Frei Antônio Galvão, tratamos minunciosamente deste assunto, demonstrando
qual a verdadeira denominação desse instituto.
[43] Vide autógrafo de Frei Antônio de Sant’Anna Galvão: “Relação breve, e sucinta da Serva
de Deus Helena Maria do Espírito Santo, fundadora do novo Recolhimento de Nossa Senhora
da Conceição da Divina Providência e falecida na mesma casa de sua fundação, com
grandes créditos de virtudes” (Doc. do arquivo da mesma instituição).
[44] Vide manuscrito: Notícia da fundação deste Recolhimento e da vida da sua Fundadora
(Doc. do arquivo da mesma instituição).
[45] Vide Carta endereçada a Fr. Antônio de Sant’Anna Galvão, a 18 de julho de 1783, por
dona Maria Ferreira de Jesus, residente em Paranapanema (Doc. do arquivo da mesma
instituição).
[46] Ibid.
[47] O Coronel João Coelho Duarte pertencia ao Regimento de Auxiliares das Minas de
Paranapanema e Apiaí (Vide Anais do Museu Paulista, Afonso de E. Taunay, pág. 32).
[48] Livro de Registro de Religiosas do Recolhimento de Santa Teresa.
[ 4 9 ] Vide Madre Joana Angélica, Frei Basílio Rower; Brasileiras célebres, J. Norberto e
Joana Angélica, Prof. Dr. Bernardino José de Souza.
[50] Op. cit., J. Norberto, pág. 200-204.
[51] O professor Dr. Bernardino de Souza, em seu substancioso trabalho, já citado corrigiu,
a luz de documentos irrefutáveis, vários erros em que caíram alguns historiadores, ao se
referirem aos acontecimentos desenrolados na Bahia em 1822, e os biógrafos de Madre
Joana Angélica. Um desses erros é o que se refere ao martírio da heroica brasileira, o qual
ocorreu, não resta dúvida, no dia 20 de fevereiro, e não em 19 ou 21 do mesmo mês, como
afirmam, J. Norberto, em seu liv. cit.; o General Carlos de Campos, em Heroínas Brasileiras,
e outros. Em fevereiro de 1922, em comemoração do martírio de Madre Joana Angélica, o
Instituto Geográfico da Bahia faz colocar solenemente no Mosteiro da Lapa, com
significativas inscrições, as seguintes placas de mármore:
A 1ª, na parede lateral do convento, com estes dizeres: Urbi et Orbi – À Madre Joana Angélica
de Jesus, – 20 de fevereiro de 1822 – O Instituto Geográfico e Histórico, interpretando os
sentimentos unânimes da Bahia, ao passar o Centenário do Teu Sacrifício, o primeiro da
nossa redenção, assegura a perpétua recordação do teu nome, tributando-te as mais puras
homenagens – 20 de fevereiro de 1922 – Urbi et Orbi.
A 2ª, na porta do claustro, onde se deu o abominável atentado: Urbi et Orbi – 20-2-1822 –
Nesse dia e nesse lugar tombou heroicamente a Madre Joana Angélica de Jesus.
Homenagem do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia em 20-02-1822 – Urbi et Orbi.
A 3ª, na cela em que viveu a venerável abadessa: Urbi et Orbi – Nesta cela habitou de 1782
a 1822 a heroica baiana Joana Angélica de Jesus. Homenagem do I.G.H.B., no Primeiro
Centenário do seu martírio. 20-02-1822.
Extinguiu-se a comunidade concepcionista do Mosteiro da Lapa. Quando em julho de 1902,
D. Jerônimo Tomé, Arcebispo da Bahia, entregou esse convento aos cuidados da benemérita
congregação do Bom Pastor, aí existiam apenas três das antigas religiosas, sucessoras de
Madre Joana Angélica, hoje falecidas.
O vetusto edifício foi transformado em asilo de meninas penitentes, nos moldes dos que, em
São Paulo, Rio de Janeiro, etc., mantém as virtuosas irmãs da referida congregação;
achando-se atualmente aí recolhidas sob o zelo e carinho maternais das apostólicas
religiosas, mais de sessenta menores arrancadas do abismo do vício, para aprenderem a
trilhar o caminho da virtude.
[ 5 2 ] Para a composição do presente capítulo, nos aproveitamos, em grande parte do que
sobre a personalidade venerável do Frei Antônio de Sant’Anna Galvão havíamos publicado
em diversos números do Correio Paulistano, (seção religiosa) de fins de outubro e começo
de novembro de 1921, e na polianteia que se distribuiu a 23 de dezembro de 1922, em
comemoração do 1° centenário da morte de tão valoroso Servo de Deus.
[53] Uma comissão de irmãos terceiros franciscanos, composta dos senhores: Otávio
Esselin, Francisco de Sales Collet e Silva, Benedito Franco de Oliveira, Antônio Morato de
Carvalho, Pedro Ismael Forster, J. Paraíba de Campos, Crispim de Oliveira e Manoel E.
Altenfelder Silva, resolveu, após diversas reuniões realizadas no consistório da ordem,
prestar solenes homenagens à memória de Frei Antônio Galvão. Elaborado o programa das
festividades e depois de aprovado pela autoridade eclesiástica, tratou a referida comissão de
executá-lo à risca. No dia 23 de dezembro de 1922, depois das Missas celebradas às 6 e 7
horas, na capela do Convento de Nossa Senhora da Conceição, por ocasião das quais
comungaram muitos fiéis, foi cantada a Missa de réquiem, sendo oficiante Mons. Ezequias
Galvão da Fontoura, tendo como diáconos um sacerdote secular e um religioso
franciscano. Achava-se o templo repleto de fiéis, tendo tomado lugar na capela-mor o cônego
arcipreste Dr. João Martins Ladeira, Pe. Dr. Alberto Pequeno, reitor do seminário
Arquidiocesano, Pe. Francisco Cipullo, capelão do mesmo convento, Padres Florentino
Simón e José Zanolla, salesianos, vários seminaristas, numerosos irmãos terceiros
franciscanos, representantes de várias associações religiosas e quase todos os membros
da comissão de festejos. Na igreja, todos os altares primorosamente adornados pelas
virtuosas monjas, com avultada profusão de flores naturais e artificiais, destacando-se na
capela-mor o túmulo de Fr. Galvão, cercado de colunas entrelaçadas de festões floridos e
alcatifado de rosas, lírios e violetas, dispostas em forma de uma cruz, sobre um fundo de
delicada folhagem, rodeado de cravos e margaridas. Finda a Missa ocupou a tribuna
sagrada Fr. Angelo de Rezende, da Ordem dos Capuchinhos, que produziu eloquente
oração. Terminadas as solenidades internas, com o canto do Libera me dirigiram-se os
assistentes para a porta externa do templo, também ornamentada de festões e folhagem, a
fim de ser inaugurada a placa de bronze alusiva ao centenário comemorado; proferindo,
então, belíssimo discurso o Pe. Dr. Armando Guerrazzi, sendo muito aplaudido. A seguir,
Mons. Ezequias, que presidiu a cerimônia, em lugar do Ex.mo Sr. Arcebispo metropolitano,
D. Duarte Leopoldo e Silva, que por incomodo de saúde deixara de comparecer, recebendo
das mãos de três graciosas meninas vestidas de anjos, as fitas auriverdes que prendiam um
véu branco colocado sobre a aludida placa, desvendou-a, auxiliado pelo cônego arcipreste.
Ouviram-se, por essa ocasião, calorosos vivas, enquanto uma banda de música executava
os hinos nacional e pontifício, e repicavam alegremente os sinos na torre, onde tremulavam
as bandeiras do Brasil e da Santa Sé. Foram então atiradas inúmeras pétalas de rosas sobre
o artístico medalhão do Servo de Deus. A todos os presentes foram distribuídos cartões com
a fotografia de Fr. Galvão, extraída de um quadro a óleo. Assim terminaram as festividades,
tendo sido o túmulo do Servo de Deus visitadíssimo durante o dia.
[54] A 1° de janeiro de 1758, Antônio Galvão prestou depoimento como testemunha na
justificação de estado livre a favor do seu irmão José Galvão de França, mais velho três anos
que ele; declarando então ter de idade 19 anos, e que tendo ido havia pouco mais de seis
anos, para o seminário de Belém, já aí se achava o dito seu irmão, em cuja companhia
esteve dez meses, e depois que regressou para S. Paulo, ficou ele depoente no mesmo
seminário, estudando sob a reitoria do Pe. Francisco de Toledo (Doc. do arquivo da Cúria de
São Paulo).
[55] O seminário de Belém (Bahia) foi fundado em 1686, pelo celebre jesuíta Alexandre de
Gusmão, em cuja reitoria permaneceu até 25 de março de 1724, dia em que faleceu. Aqui
julgamos oportuno transcrever estas interessantes referências sobre a “criação dos meninos”,
no mesmo seminário: “[…] vivem em clausura ao som de campainha, com suma obediência…
não há entre eles opiniões de espíritos nobres ou timbres do mundo, todos são criados ao
espírito de Cristo. Não usam de criados ou escravos nem de vestidos de seda; todos se
servem a si, e aos outros sem questão ou reparo. Todos os dias que cessam das classes,
tem praticas espirituais em que principalmente lhe intimem o temor, pureza de alma e mais
bons costumes, com a devoção a Senhora, e aos domingos se lhes ensina a doutrina de
Cristo. Todas as festas de Cristo e da Senhora comungam, e não poucos frequentam a
comunhão a cada oito dias. As classes são dentro de casa, nem se admitem nelas
estudantes de fora… nem falam com eles, ou saem de casa sem licença do Reitor, que se
não concede mais que rara vez a casa dos pais ou semelhantes pessoas. Passam de
quinhentos os meninos que neste seminário tem entrado. Destes tem saído muitos para
várias religiões (congregações religiosas) e estado sacerdotal” (Rosa de Nazareth, Pe.
Alexandre de Gusmão, IV parte, cap. 4).
Quanto aos privilégios de que era dotado o seminário de Belém, assim nos fala outro
sacerdote: “P. Lourenço Justiniano da Comp. de Jesus Reitor do Coll.° de S. Paulo. Certifico,
que os Seminaristas do seminário de Belém do arcebispado da Bahia por especial privilégio
de sua Sant. estão isentos de comparecerem a Pároco algum em ordem a anual desobriga
da quaresma, e de qualquer outro modo de sujeição aos dos Párocos que afirmo, e sendo
necessário juro in verbo Sacerdotis. Coll. de S. Paulo 6 de janeiro de 1758” (Doc. que se
encontra no arquivo da Cúria de São Paulo, junto da “dispensa matrimonial”, a favor de José
Galvão de França).
[56] Embora nenhum documento que consultamos se refira a data em que Fr. Galvão
recebeu o presbiterado, é indubitável que ele se ordenou em 1763. Não podia ter sido antes
porque, como já vimos, em 1762 ele veio para São Paulo, onde cursou filosofia; e não
podia ser depois de 1763, porque o provincial Frei Manoel da Encarnação, que lhe
concedeu as “letras” para a sua ordenação, deixou o mesmo cargo neste último ano.
[57] Conforme prometemos no capítulo que dedicamos a Madre Helena, vamos demonstrar
que o verdadeiro nome do instituto fundado por essa santa monja e Fr. Galvão, não é como
vulgarmente se diz: Recolhimento de Nossa Senhora da Luz da Divina Providência, ou
simplesmente, Recolhimento da Luz; mas sim, Recolhimento da Conceição da Divina
Providência.
O historiador Azevedo Marques equivocou-se quando ao falar sobre a fundação desse
convento, diz que Madre Helena “dirigiu-se ao governador (D. Luís) expondo-lhe os
desejos que tinha de criar um outro Recolhimento na igreja da Senhora da Luz, com o voto de
pobreza sob a denominação de Senhora da Luz da Divina Providência” (Vide op. cit.,
Azevedo Marques, vol. II°, pág. 129).
Que aquela Serva de Deus tivesse escrito sobre este assunto ao general governador, já
vimos no seu esboço biográfico; mas que ela manifestasse ao mesmo o desejo de que a
denominação do seu projetado instituto fosse de Nossa Senhora da Luz da Divina
Providência, não é exato.
A verdade é que Madre Helena pediu licença a D. Luís, “para fundar um Recolhimento com o
título, e antiga observância de Nossa Senhora do Carmo e Divina Providência” (Vide Notícia
da fundação deste Recolhimento). E o governador em sua resposta, aplaudindo a ideia e
dando a autorização solicitada, disse entre outras coisas o seguinte: “Eu estou muito pronto
para todos os gastos que se precisarem para as acomodações do edifício e da igreja, e
somente desejava muito o que vou referir-lhe. Primeiro, que houvesse Lausperene diante do
Santíssimo Sacramento, assim como se pratica no Convento de Louriçal, e a sua imitação na
Capela da minha casa de Mateus; segundo, que a padroeira fosse Nossa Senhora com o
Título dos prazeres, para que se perpetuasse a sua festa como sempre lhe fiz no Sítio da
Luz, e como sempre se faz na minha casa de Mateus…” (Ibidem). Portanto nem Madre
Helena, nem o capitão general D. Luís falaram na denominação a que se refere o historiador
paulista.
No contrato firmado pela Serva de Deus e o general governador, se vê claramente que as
propostas feitas por este foram aceitas, inclusive a de ser considerada Nossa Senhora dos
Prazeres, como titular da nova instituição. Assim termina esse contrato, que é um dos mais
antigos documentos que se encontram no Convento da Conceição: “[…] em fé de que
passamos este instrumento desse nosso contrato. Dado e passado por três vias, duas para
ele excelentíssimo Senhor General, e uma para nossa guarda, as quais todas foram feitas
do mesmo teor, todas assinamos neste Recolhimento de Nossa Senhora dos Prazeres do
Campo da Luz aos vinte e dois dias do mês de agosto de mil setecentos e setenta e quatro.
Helena Maria do Espírito Santo. D. Luís Antônio de Souza, Ana Maria da Conceição,
Gertrudes Teresa, Teresa de Jesus, Isabel de Sant’Anna, Maria da Conceição, Ana do
Sacramento, Gertrudes de Jesus, Ana M.ª do Sacramento – Test.ª F. Antônio de S. Ana
Galvão”.
Até o dia 8 de setembro de 1774, essa instituição conservou a denominação supra, mas,
daí em diante, “por vontade de Madre Helena e determinação de Dom Manoel da
Ressurreição” recebeu o título de “Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição da Luz da
Divina Providência”.
Eis o que a respeito encontramos num documento que já citamos acima: “A oito de setembro
do mesmo ano (1774) deu o Exmo. Sr. Bispo D. Fr. Manoel da Ressurreição, não só à
Fundadora, e sua sobrinha, como a mais sete noviças, que já tinham entrado p.ª aquele
novo Recolhimento que ficou desde então intitulado: Recolhimento de Nossa Senhora da
Conceição da Luz da Divina Providência”.
Outras provas: No cabeçalho de um autógrafo de Frei Galvão, se leem estas palavras:
“Relação breve e sucinta da Serva de Deus Helena do Espírito Santo fundadora do novo
Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição da Divina Providência”.
Junto aos autos de casamento dos nubentes João de Medeiros e Gertrudes Vieira, encontra-
se o seguinte documento do próprio punho da irmã regente do dito convento: “Recebi do Sr.
T. João Pinto G… vinte mil réis, esmola aplicada por S. Excia. Revm.ª da dispensa dos
Oradores… de Medeiros e Gertrudes Vir.ª para a fatura do novo Conv.° de N. Sr.ª da
Conceição da D… Provid.ª e por assim ser verdade, lhe passo este dom. de m.ª letra e
assinado. Conv.°… a 27 de agosto de 1787. Gertrudes das Chagas. Regente” (Doc. do
Arquivo da Cúria de S. Paulo).
Eis as palavras finais de um documento que existe junto aos autos de habilitação de genere
do Pe. José Joaquim da Silva: “Recolhimento da Conceição da Divina Providência a 19 de
dezembro de 1788, data em que se inaugurou a primeira parte desse edifício.
[58] A 10 de janeiro de 1580, Domingos Luís (por alcunha o Carvoeiro) natural de Marinhota,
freguesia de Santa Maria da Carvoeira, cavaleiro professo da Ordem de Cristo, e sua mulher
Ana Camacha, por escritura pública doaram o sítio que possuíam em Piranga (atual bairro do
Ipiranga) com a respectiva casa e mais benfeitorias, para patrimônio de uma capela que, sob
a invocação de Nossa Senhora da Luz, pretendiam erigir no mesmo sítio (V Livro de Tombo
da Sé, do ano de 1747. Arquivo da Cúria de São Paulo).
Em 1603, mudando-se Domingos Luís para os campos de Guaré, (atual bairro da Luz) aí
edificou junto a casa de sua residência e em substituição da Capela Piranga, ereta em 1583,
uma outra sob a mesma invocação (V Azevedo Marques, op. cit., vol. II°, pág. 129; e Luiz
Gonzaga Leme, Genealogia Paulista, vol. I°, pág. 148).
Nos Inventários e Testamentos (publicação oficial do Estado de São Paulo) lemos a
transcrição de recibos firmados por ermitães de Nossa Senhora da Luz, aos quais foram
entregues legados de pessoas devotas. No volume VIII° da referida obra, a página 125, consta
o seguinte recibo: “Digo Manuel de Atoguia ermitão que sou de Nossa Senhora de Guaré que
recebi do senhor Gabriel Pinheiro da Costa duas patacas em dinheiro que me deu de uma
esmola que sua mulher Isabel Soares que Deus tem deixado em testamentos me dessem
em pano e ele como testamenteiro mas deu e por verdade lhe dei esta quitação para sua
guarda hoje 10 de julho de (mil) seiscentos e trinta anos. Manuel de Atouguia”. E no volume
XX, página 264 lê-se este outro: “Recebi de Francisco de Souza como testamento da
defunta sua mulher Ana de Proença uma toalha de linho para o altar de Nossa Senhora da
Luz que deixou na verba do Testamento e por ser verdade lhe passei esta quitação. Hoje 24
de junho de 1680 anos. – O ermitão de Nossa Senhora da Luz, João de Almeida”.
A respeito dessa mesma ermida, encontramos no arquivo do Mosteiro de S. Bento, de S.
Paulo, um documento interessante, cujo resumo é o seguinte: A 12 de janeiro de 1729,
Felipe Cardoso descendente de Domingos Luís, sua mulher D. Maria Pedrosa e seu filho
Francisco Cardoso, residentes em Piracicaba, foram a Itu e aí constituíram, por escritura
pública, perpétuos administradores da ermida de Nossa Senhora da Luz, os monges
beneditinos de S. Paulo, sob várias clausulas, sendo a princípio obrigarem-se os ditos
religiosos a ter sempre residindo na referida ermida, um ou dois d’entre eles. Mencionaram na
mesma escritura que foi também assinada pelo representante do então abade Fr.
Bartolomeu da Conceição, o nome Fr. Pedro de Jesus Maria, para primeiro capelão. Não
nos foi possível saber, durante quanto tempo exerceram os Padres beneditinos tal
administração, nem porque motivo a deixaram.
[59] Vide Frei Galvão, Relação breve e sucinta…, op. cit.
[60] Viveiro de santas é como o cronista franciscano do Convento de Santo Antônio do Rio
de Janeiro intitulou o Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição, pela fama de
heroicas virtudes das religiosas que o habitavam. Ainda hoje se podem ler os apontamentos
deixados pelas antigas monjas, nos quais se declara que a primitiva comunidade vivia na
mais absoluta pobreza. As religiosas disciplinavam-se e jejuavam a miúdo e faziam toda a
sorte de mortificações. Dormiam sobre esteiras, no chão, tendo por travesseiros pedaços de
madeira.
[61] Op. cit., vol. II°, pág. 130.
[62] Vide Doc. do arquivo do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição. Esse
documento não tem data nem assinatura de quem o escreveu. Entretanto, fácil nos foi
descobrir o nome da sua autora, que não foi outra senão a Irmã Ana do Espírito Santo, a
qual, falando de sua pessoa nesse escrito, consignou o dia em que, por enfermidade teve
de pedir licença a autoridade eclesiástica para se retirar à casa de seus pais;
acrescentando a data em que regressou, depois de curada e a em que fez a profissão
religiosa. Ora, cotejando-se essas datas, com as que, a respeito da mesma irmã, se acham
no Livro de Registro das Religiosas, percebe-se claramente que a autora desse documento é
a Irmã Ana do Espírito Santo. Nesse escrito, a dita religiosa faz referências não somente
sobre alguns episódios da vida de Madre Helena, de quem foi contemporânea e discípula,
como também sobre a ordem dada por D. Fr. Manoel, para o fechamento do convento. Diz
mais a autora que, quando daí a meses se reabriu esse instituto, ela ainda se achava em
casa de seus pais, tendo regressado no ano seguinte de 1776, a 2 de julho. A parte que o
capitão-general D. Martim Lopes, governador da capitania de São Paulo, tomou nesse
acontecimento, vem igualmente constatada nesse documento. Houve evidente engano de
Azevedo Marques dizendo que devido a interferência do general Cunha Menezes, foi tolerado
pelo governo de Portugal o funcionamento do Convento da Conceição. Nas próprias páginas
da obra do historiador paulista, se lê, que D. Martim Lopes Lobo de Saldanha, sucessor de D.
Luís de Souza, tomou posse a 14 de junho de 1775 e deixou o governo a 15 de março de
1782, data esta em que o general Menezes assumiu o governo da capitania de São Paulo.
Além disso, diz ainda o mesmo historiador, que houve logo depois, (de fundado o
Recolhimento) ordem para ser fechado. Não podia, pois, dar-se esse fato em 1782, ou em
anos posteriores, pois em 1782 já havia oito anos que o convento fora fundado. Em vista do
que expomos, fixamos a data do fechamento do Recolhimento de Nossa Senhora da
Conceição, por ordem do governo de Portugal, executada por D. Martim Lopes, e não por D.
Cunha Menezes, que foi certamente, a 29 de junho, (dia de S. Pedro) de 1775. A reabertura
efetuou-se, mais ou menos, dois meses depois; ou no fim de agosto, ou nos primeiros dias
de setembro, do mesmo ano; não podendo ter sido depois desse tempo, porque em
setembro desse mesmo ano de 1775, algumas irmãs fizeram a profissão religiosa, como
consta do Livro de Registro, já citado, e de que também fez referências, em seu Autógrafo, a
Irmã Ana do Espírito Santo.
[63] Doc. do Convento de Nossa Senhora da Conceição.
[64] Vide Frei Galvão, Relação breve e sucinta…, op. cit.
[65] Idem.
[66] Idem.
[67] Vide Apontamentos históricos e Geográficos da província de S. Paulo, Azevedo
Marques. Vol. II, pág. 130.
[68] Doc. do arquivo do Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição.
[69] Idem.
[70] Idem.
[71] Idem. Embora essa carta não tenha data, somos de opinião que ela foi escrita no ano de
1781; e assim pensamos pelo seguinte motivo: 1° - A 6 de outubro de 1781, realizou-se,
como já vimos, uma reunião capitular da Ordem Franciscana, no Convento de Santo Antônio
do Rio de Janeiro; 2° - Na aludida carta, diz Fr. Galvão que ia para o Rio de Janeiro, e, de
fato, ele para lá seguiu no dito ano; 3° - Há na mesma missiva, esta frase: Já vossas
caridades tem vivido seis anos, etc. Ora, no Livro de Registro das Religiosas, do Convento da
Conceição, está escrito que, tanto a madre regente, que em 1781 era a Irmã Gertrudes das
Chagas, como as outras cinco religiosas, cujos nomes, na dita carta, vêm em seguida ao seu,
professaram no ano de 1775. Si acrescentarmos a essa data, mais seis anos, encontraremos
a de 1781, em que o Servo de Deus foi ao Rio de Janeiro.
[72] A 15 de junho de 1570, foi o Pe. Inácio de Azevedo e seus 39 companheiros,
martirizados pelos protestantes franceses, a bordo da nau Santiago, quando em viagem
para o Brasil (Op. cit., Simão de Vasconcellos. Liv. I°, núm. 1-111).
[73] O Ir. Pedro Corrêa foi martirizado pelos índios, aos quais estava catequizando (Op. cit.,
Simão de Vasconcelos. Liv. I°, núm. 70, 170, 174-176 e 181).
[74] O Pe. Joaquim Pinto foi martirizado em serviço de catequese, no ano de 1608 (Vide Pe.
Antônio Franco, op. cit., pág. 90-91).
[75] O Pe. Gabriel Malagrida, apóstolo do Maranhão, foi uma das muitas vítimas da
perversidade diabólica do Marquês de Pombal. Aquele santo Jesuíta foi martirizado em
Lisboa, a 20 de setembro de 1761. Consumado o sacrifício, foi queimado o corpo, sendo as
cinzas lançadas no Tejo (Vide História dos Jesuítas do ministério do Marquês de Pombal,
Cristóvão Teófilo Murr, J. B. Hafkmeyer S. J., pág. 197-212; e O Marquês de Pombal,
Almeida Silvano, pág. 159-192).
[76] Vide op. cit., Frei Jaboatão. Vol. II°, liv. anteprimeiro, pág. 32, 33, 37, 44 e 48.
[77] Cf. O Catolicismo, a Companhia de Jesus e a colonização do Novo Mundo, Eduardo
Prado.
[78] Desse ilustre virtuoso prelado, que foi o 7° Bispo de São Paulo, possuímos uma
Circular assinada pelo seu próprio punho, dirigida aos párocos, recomendando-lhes, em
frases vibrantes de fé e patriotismo, fizessem ver aos seus paroquianos o dever que a cada
um se impunha, de se alistar no novo batalhão de voluntários, para marchar em defesa da
Pátria, atacada ferozmente pelas tropas fanáticas do ditador do Paraguai. A rica bandeira
que um grupo de senhoras paulistas ofereceu ao 7° batalhão de voluntários, foi benta na
catedral, por esse mesmo prelado, em 9 de julho de 1865. Quando o 7° de voluntários
regressou do Paraguai, essa gloriosa bandeira, assinalada com o sangue de nossos heróis,
foi levada para a catedral e colocada ao lado do altar mor, onde a 27 de abril de 1870, com a
igreja repleta de representantes de todas as classes sociais, foi cantado solene Te Deum,
proferindo no ato memorável oração aquele que nessa época já era considerado o maior
luzeiro do púlpito paulista – o Padre Chico. Daí por diante ficou a dita bandeira sob a
guarda do Cabido diocesano, achando-se presentemente depositada no palácio da Cúria.
[79] O genial e santo Mons. Dr. Francisco de Paula Rodrigues (Pe. Chico) foi em ordem
cronológica o 13° sucessor de Fr. Galvão, na capelania do Recolhimento de Nossa Senhora
da Conceição da Divina Providência, contando-se como tendo existido um só capelão, no
tempo decorrido de 1856 a 1879, em que prestaram serviços a esse convento,
indistintamente, sob as ordens do seu superior, os frades capuchinhos professores do
seminário episcopal.
[80] Trata-se da Irmã Isabel da Purificação, segundo a tradição constante entre as
religiosas do mesmo convento.
[81] Merece especial registro o seguinte fato: Na manhã de 5 de julho de 1924, ao propalar-
se por todos os recantos da ordeira e progressista capital se São Paulo a notícia da sedição
militar, longe estava a sua população, de imaginar até que ponto poderia chegar a luta.
Entretanto, já no dia 6 foi percebendo a gravidade do caso. Durante os tristes dias em que a
mesma cidade – assombroso centro de trabalho – foi transformada em formidável praça de
guerra; dias de indizíveis apreensões de espírito, de dor, de lágrimas e de luto em muitos
lares, grande foi o êxodo daqueles que, residindo nas zonas mais perigosas, abandonaram
as suas casas, retirando-se para bairros afastados ou para o interior do Estado. Houve,
porém, muitos, que se não puderam retirar, ou por falta de recursos, ou por prudência, na
impossibilidade em que se viam de sair à rua, onde se arriscariam a ser metralhados
durante a fuga… Nesta última condição se encontrou a veneranda comunidade do Mosteiro
de Nossa Senhora da Conceição. Confiando em Deus e na intercessão de Fr. Antônio
Galvão aguardavam as religiosas que arrefecesse o bombardeio, para se retirarem, pois
temeridade seria permanecer num edifício cercado de quartéis, onde a boca flamejante dos
canhões vomitava fogo… Talvez por erro de pontaria contra os quartéis do 4° batalhão e do
comando geral da Força Pública, que estão situados respectivamente, um quase em frente
e outro ao lado do mesmo convento; de 5 a 9 de julho, os revoltosos atiraram contra este
último edifício, 29 granadas! Na chácara do convento, depois de derrubadas algumas
árvores, os sediciosos instalaram duas metralhadoras, que aí funcionaram durante quatro
ou cinco dias… O capelão desse benemérito instituído, o Rev.mo Pe. Francisco Cipullo, nem
por um momento abandonou o seu posto de honra. Ora na sacristia, ora na igreja, animava
com sua palavra cheia de unção a toda a comunidade. Um dia, celebrava ele no altar-mor,
e, quando a Missa ia em meio, eis que ressoa por toda a igreja, o fragor de obuzes, que
explodiam sobre o teto… passado o momento de natural espanto, serenamente prosseguiu
o capelão, até finalizar esse ato sacrossanto. E a heroica figura de Madre Maria Benedita?!
Seguindo os passos da Serva de Deus Madre Helena, conservou-se a venerável abadessa
sempre no meio das suar irmãs de hábito, transmitindo a todas os altíssimos sentimentos de
virtudes que se acrisolaram em sua alma privilegiada. As 37 habitadoras do Mosteiro de
Nossa Senhora da Conceição comungavam todos os dias em forma de Viático, pois,
resignadas esperavam a morte… Não cessavam, porém, de implorar ao Servo de Deus Fr.
Galvão, cujas relíquias se achavam bem perto delas, que intercedesse junto ao trono do
Divino Salvador, por suas caríssimas filhas espirituais e pela conservação do vetusto
monumento que ele construiu com a sua operosidade apostólica, cada dia mais admirável.
As granadas fragorosamente explodiam: umas sobre as celas, outras dentro das grossas
paredes de taipa, outras furando as janelas e portas, se encravavam nas paredes internas do
edifício. Outras, ainda, atingiram a enfermaria, onde as religiosas se reuniram nas horas de
mais intenso bombardeio. Certa ocasião, caminhavam as virgens do Senhor por um dos
corredores, para irem à igreja, quando à sua passagem aí caiu uma granada… Pois bem,
nesses dias de constantes sobressaltos, a ouvirem o sibilar das balas de carabina, o pipocar
das metralhadoras e o terrificante troar dos canhões arriscadas a morrer de um a outro
momento, fisicamente nada sofreram as abnegadas monjas. Mais uma vez Fr. Antônio de
Sant’Anna Galvão demonstrou quanto é poderosa a sua intercessão, salvando a vida das
suas dignas filhas espirituais e preservando da destruição o convento que lhe custou tantas
lágrimas e tantos suores.
[82] Vide Vida de D. Antônio Ferreira Viçoso, Pe. Silvério Gomes Pimenta, pág. 21. Este
autor é o mesmo D. Silvério Pimenta, que faleceu como 1° Arcebispo de Mariana, em odor
de santidade, a 20 de agosto de 1922.
[83] Idem.
[84] Vide Memórias Históricas da Casa Pia e Colégio de S. Joaquim, Dr. Joaquim Reis
Magalhães. Citando Minimus – Tribuna Popular.
[85] Op. cit., Pe. Silvério Gomes Pimenta, pág. 21.
[86] Ibid., pág. 22.
[87] Op. cit., Dr. Joaquim Reis Magalhães.
[88] Idem.
[89] Idem.
[90] Idem.
[91] Idem.
[92] Vide Notícia Histórica e geográfica de Angra dos Reis, Honório Lima, pág. 65 e 165.
Diz este autor, que o seminário da Santíssima Trindade de Jacuacanga foi transformado
em Liceu Provincial, em virtude da lei provincial n° 143, de 13 de abril de 1839. E conforme
determinava essa lei, mudaram o Liceu, de Jacuacanga para Angra dos Reis, removendo-se
os alunos para o grande Convento de São Bernardino de Sena, (atualmente em ruínas)
onde passou a funcionar. Mais tarde transferiram o Liceu para outro local, na mesma
cidade, e, finalmente, foi extinto, com imenso pesar dos angrenses, pela lei provincial de
30 de abril de 1858.
[93] Op. cit., Pe. Silvério Gomes Pimenta, pág. 33, 36, 41, 36 e 35.
[94] Idem.
[95] Idem.
[96] Op. cit., Azevedo Marques. Vol. II°, pág. 165.
[97] Vide Autobiografia, Dr. Vieira Bueno, pág. 6.
[98] Op. cit., Pe. Silvério G. Pimenta, pág. 22.
[99] Ibid., pág. 22-23.
[100] Vide Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, Dr. Vieira Fazenda. Publicação feita
na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo 86, vol. 140, pág. 185-186.
[101] Op. cit., Dr. Joaquim Reis Magalhães.
[ 1 0 2 ] Op. cit., Pe. Joaquim Silvério de Souza, pág. 45-129.
[103] Op. cit., Pe. Joaquim Silvério de Souza, pág. 24, 40, 41, 42, 43 e 346.
[104] Idem.
[105] Idem.
[106] Op. cit., J. Norberto, pág. 137.
[107] Op. cit., Pe. Joaquim Silvério de Souza, pág. 345; Op. cit., J. Norberto, pág. 137, 140.
[108] Vide Casos reais a registrar, Dr. A. Felício dos Santos, pág. 147.
[109] Cit. por J. Norberto, op. cit., pág. 139-142.
[110] Op. cit., Pe. Joaquim Silvério de Souza, pág. 145, 344-346, 349, 353-354.
[111] Idem.
[112] Idem.
[113] Idem.
[114] Idem.
[115] Idem.
[116] Idem.
[117] Idem.
[118] Idem.
[119] Vide Leituras Populares da Sagrada Paixão, por um sacerdote da Congregação da
Missão. 2° ed., 1883.
O ilustre autor dos Sítios e Personagens, apoiado em documentos irrefutáveis corrigiu
alguns erros do escritor J. Norberto a respeito da Irmã Germana. Bom é que aqui façamos
também referências a tais erros e ao restabelecimento da verdade histórica. Disse J. Norberto
que a Serva de Deus não pode ser visitada na serra da Piedade, pelos cientistas Spix e
Martins, porque já as autoridades tinham intervindo e julgado prudente afastá-la para mais
longe, a fim de acabar com as peregrinações e romarias, que constantemente se faziam à
ermida de Nossa Senhora. Ora, a verdade é que Germana se retirou da sua antiga
residência da serra da Piedade, por espontânea vontade, sem nenhum constrangimento. E a
sua entrada para o claustro de Macaúbas, foi motivada unicamente pelo desejo de fazer-se
religiosa. Outro erro de J. Norberto foi afirmar que Germana não habitou por muito tempo o
lugar do seu exílio; quando, a verdade é que ocorreu justamente o contrário: ela viveu no
Convento de Macaúbas, quase treze anos. Finalmente, o mesmo autor asseverou que
Germana fora encontrada um dia, naquela postura que tomava ordinariamente quando era
acometida da catalepsia, como diziam os médicos, ou quando estava em seus êxtases
periódicos, como dizia o povo; pálida e fria como uma bela estátua de mármore, seu coração
tinha cessado de bater, era apenas um cadáver… Entretanto, a realidade é que a santa irmã
faleceu com plena lucidez de espírito, confortada com os sacramentos, depois de uma
enfermidade que a reteve no leito por espaço de três semanas!
[120] Monseigneur Vital (Antonio Gonçalves de Oliveira) Frére Mineur Capuchin – Evêque
D’Olinda, P. Louis de Gonzaga, O. M. C.
[121] O Bispo de Olinda D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira perante a História,
Antônio Manoel dos Reis.
[122] As cerimônias da sagração do jovem prelado tiveram início às nove e meia da manhã e
terminaram quase às duas da tarde. Compareceram à catedral, para assistir a esse
soleníssimo ato, o presidente da província, uma comissão da assembleia legislativa e
representantes de todas as classes sociais. Oficiou o Bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro
Maria de Lacerda, e fizeram as vezes de Bispos assistentes os cônegos, arcediago
Joaquim Manoel Gonçalves de Andrade e Manoel Emídio Bernardes; como presbítero
assistente, o cônego Dr. João Jacinto Gonçalves de Andrade, e como diáconos da Missa, os
cônegos Antônio José Gonçalves e Marcelino Ferreira Bueno. Serviram como testemunhas
de D. Vital, o conselheiro Vicente Pires de Mota e o Dr. Martinho da Silva Prado. Durante as
cerimônias esteve postado no largo da catedral um batalhão de guardas nacionais e no largo
do Colégio um parque de artilharia que deu as salvas do estilo, no começo e no fim das
solenidades. Ao retirar-se da catedral, foi o novo Bispo ovacionado pela multidão, que na
praça aguardava a sua passagem para beijar-lhe o anel. A pé seguiram os dois prelados,
acompanhados de numerosos fiéis, até o seminário episcopal, onde, às 4 horas da tarde,
lhes ofereceram um farto banquete.
[123] Op. cit., Pe. Luís de Gonzaga, pág. 93 e segs.
[124] O Barão de Penedo.
[125] É crença geral, que o santo Bispo de Olinda morreu em consequência de ter sido
envenenado pelos maçons. Ele, como já vimos, estava convencido desse fato; também
assim pensavam os médicos que o trataram e as pessoas que mais intimamente conviviam
com o heroico prelado. No livro do Pe. Luís Gonzaga, já citado, págs. 359-363, o leitor
encontrará uma minuciosa exposição dos motivos que deram lugar à crença da morte de D.
Vital.
[126] A 6 de julho de 1882, o cônego Francisco do Rego Maia regressando de sua viagem
à Europa, trouxe para Pernambuco os restos mortais de Dom Vital, que foram inumados na
cripta da igreja da Penha (Vide História Eclesiástica de Pernambuco, cônego José do Carmo
Baratta).
[ 1 2 7 ] V. Cônego José Paulino Duarte da Silva, Padre Ibiapina (Nota sobre a sua vida,
extraídas do arquivo da Casa de Caridade de Santa Fé).
[128] O autor refere-se aqui aos fiéis existentes na época da escrita do livro, há quase um
século atrás.
[129] Vide Antonio Bezerra, Notas de viagem ao norte do Ceará, pág. 58-59.
[130] Vide nota 128.
[131] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. I°, liv. IV, cap. XVI, pág. 304.
[132] Vide Primazia Seráfica na região da América, Fr. Apolinário da Conceição, pág.
313. Lisboa Ocidental, 1733.
[133] Op. cit., Fr. Jaboatão. Liv. anteprimeiro, cap. XXXVIII, pág. 355-356.
[134] Op. cit., D. Domingos Loreto Couto. Vol. I°, liv. IV°, cap. XXII, pág. 355-357.
[135] Ibid., cap. XIII, pág. 277-279.
[136] Ibid., cap. X, pág. 265.
[137] Op. cit., Fr. Jaboatão. Vol II, liv. IV, pág. 443-445.
[138] Op. cit., D. Domingos Loreto Couto. Vol. I°, liv. IV°, cap. X, pág. 263-264.
[139] Ibid., cap. VI, pág. 246-249.
[140] Ibid., vol. II°, liv. VII° cap. II, pág. 150-154.
[141] Ibid., vol. I°, liv. IV° cap. XIII, pág. 282-286.
[142] Ibid., cap. XX, pág. 329-330.
[143] Ibid., cap. VII, pág. 253.
[144] Ibid., cap. X, pág. 264.
[145] Op. cit., Fr. Jaboatão. Liv. anteprimeiro, cap. XXVII, pág. 365-361.
[146] Op. cit., D. Domingos de Loreto Couto. Vol. I°, liv. IV, cap. XVIII, pág. 320-321.
[147] Op. cit., Fr. Jaboatão. Vol. III, liv. cap. XXVIII, pág. 770-771.
[148] Ibid., pág. 771-772.
[149] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. I°, liv. IV, cap. XX, pág. 329.
[150] Op. cit., Fr. Jaboatão. Vol. II, liv. III, part. II, cap. XXXVIII, pág. 503-504.
[151] Op. cit., D. Domingos do Loreto Couto. Vol. I°, liv. IV, cap. XI, pág. 267-269.
[152] Op. cit., Fr. Jaboatão. Vol. III, liv. VI, cap. XXVIII, pág. 277-278.
[153] Ibid., liv. VII, cap. II, pág. 795.
[154] Op. cit., J. Norberto. Vol. II, pág. 19.
[155] Vide Doc. do arquivo do Convento de Nossa S. da Conceição da Divina Providência.
[156] A povoação de Itanhaém teve predicamento de Vila em 1561, porém sua fundação
data de 1532, segundo afirmam os cronistas e historiadores, e foi Martim Afonso de Sousa
quem escolheu o local da povoação e da primitiva ermida, que recebeu dele o nome de
Imaculada Conceição. A maior parte dos historiadores concordam em que a primitiva ermida
da Imaculada Conceição de Itanhaém é o primeiro templo erguido na América do Sul sob tal
invocação (Vide Memória histórica sobre a igreja e convento da Imaculada Conceição de
Itanhaém, Benedito Calixto).
[157] Havia no Brasil quatro povoações, ao todo, que tinham por orago a Nossa Senhora
da Conceição, em terras catequizadas por Anchieta e durante o seu apostolado. Estavam
elas nos territórios da Bahia, Itanhaém, Espírito Santo e Piratininga (Ibid.).
[158] Os franciscanos foram certamente, ardentes propagandistas da devoção a Nossa
Senhora da Conceição no Brasil. Para tal afirmarmos, basta-nos lembrarmos de que esses
devotados discípulos do Serafim de Assis foram sempre os mais intemeratos defensores da
crença da Imaculada Conceição de Maria Santíssima, definida como Dogma de fé, pelo
Santo Padre Pio IX, a 9 de dezembro de 1854.
[159] A cidade de Angra dos Reis foi durante muitos anos um celeiro de vocações
sacerdotais. Aí nasceram, entre outros, os venerandos cônegos Diniz e João Higino
Bittencourt, que faleceram em odor de santidade; D. Luís Antônio dos Santos, apostólico
Arcebispo da Bahia; o virtuoso Fr. Inácio da Conceição Silva, (o pai dos pobres, como lhe
chamavam) restaurador da Ordem Carmelita Fluminense e seu 1° provincial, depois de
restaurada; o eminente pregador Pe. Dr. Júlio Maria e D. Sebastião Pinto do Rego, 7° Bispo
de São Paulo.
[160] Op. cit., Honório Lima, pág. 113-119.
[161] Todos os anos, a 8 de dezembro, costumam os angrenses fazer soleníssima
procissão,
carregando em rico andor a histórica imagem da Virgem. Atrás do pálio, sempre se vê
numeroso grupo de fiéis empunhando velas e ex-votos, pelas graças obtidas de Maria
Santíssima. Já que nos referimos a Angra dos Reis, releve-nos o leitor dizermos algumas
palavras sobre a data em que foi descoberta e o nome do seu descobridor. Alguns antigos
cronistas, mal informados, atribuíram erradamente a Martim Afonso de Sousa o
descobrimento de Angra dos Reis. Honório Lima, no seu apreciado livro citado, também
assevera que aquele bravo navegador descobriu e pôs o nome a Angra dos Reis, no dia 6
de janeiro de 1532. Percorrendo as páginas do Diário de Navegação de Pero Lopes de
Souza, (com substancioso comentário do capitão de corveta Eugênio de Castro), não
encontramos sobre Angra dos Reis nenhuma referência do cronista, irmão e companheiro
de viagem de Martim Afonso. Tendo partido de Lisboa a 3 de dezembro de 1530, chegou a
armada de Martim Afonso de Sousa ao Rio de Janeiro, no dia 30 de abril de 1531; daí,
após uma permanência de três meses, se retirou a 1º de agosto prosseguindo a viagem,
rumo a Cananeia. Quando, alguns dias depois, passou pela Ilha Grande, que defronta com
Angra dos Reis, diz Pero Lopez: “a cerração era tamanha que, dês que partimos do Rio de
Janeiro, nunca podemos ver a terra nem o sol: quase noite fomos tão perto de terra, que
víamos arrebatar o mar, e não na víamos”. Quem teria, pois, descoberto Angra dos Reis, e
em que data? Vejamos o que a respeito diz o Pe. Raphael Galanti, S. J. a pág. 47 do 1° vol.
do seu valioso Compêndio da História do Brasil, , 1501. – Compunha-
se esta esquadra de três caravelas, e era destinada a percorrer a costa do Brasil a fim de
lhe conhecer a extensão, valor e qualidade. Não se sabe ao certo quem foi seu comandante.
A maioria dos cronistas afirmam com pouca exatidão que fora Gonçalo Coelho, e outros que
Cristóvão Jaques. Vernhagem está por D. Nuno Manoel; parece, todavia, mais provável ter
sido André Gonçalves, o qual tivera ocasião de conhecer parte da costa na viagem que
acabava de fazer levando a fausta nova do descobrimento. Nesta frota, a única que D.
Manuel mandou pelo fim já mencionado, veio a primeira vez ao Brasil o célebre navegante
florentino, Américo Vespúcio… “A expedição partiu de Lisboa no dia dez de maio de 1501,
tomando o rumo das Canarias, e, indo refrescar no porto de Bezénégue (Goré), nas ilhas
Cabo Verde, onde encontrou Cabral, que voltava da Índia... Singrando a esquerda para o sul,
chegou no dia 16 de agosto ao Cabo de S. Roque; no dia 28 do mesmo mês, ao Cabo de
S. Agostinho; no dia 29 de setembro, ao Rio S. Miguel; no dia 30, ao Rio A. Jeronymo; no dia
4 de outubro, ao Rio S. Francisco; no dia 21, ao Rio das Virgens; no primeiro de novembro,
à Bahia de Todos os Santos, onde nossos mareantes colocaram um marco em um lugar
que até hoje conserva o nome de Ponta do Padrão. Batizam a 13 de dezembro o Rio de S.
Luzia (talvez o Rio Doce); a 21 o Cabo de S. Thomé e a 25 a Bahia do Salvador. Entram
em primeiro de janeiro de 1502 em uma enseada que os naturais chamavam Guanabara ou
Niterói, e que o Capitão-mor, cuidando ser a foz de um grande rio, denominou Rio de
Janeiro. Lançaram ferro no dia seis (de janeiro de 1502) em Angra dos Reis; a 20, na ilha S.
Sebastião, e a 22, em S. Vicente […]”. Nas Efemeridades Brasileiras, do barão do Rio
Branco, a pág. 10, lê-se o seguinte: “5 de janeiro de 1502 – Descobrimento de Angra dos
Reis, por André Gonçalves e Americo Vespucio”.

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