VERSAO FINAL Luciene Leal

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS – MPEJA

LUCIENE LEAL ALVES GOES DOS SANTOS

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA:


PESQUISA-AÇÃO NA EJA EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE
SALVADOR

SALVADOR
2020
LUCIENE LEAL ALVES GOES DOS SANTOS
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA:
PESQUISA-AÇÃO NA EJA EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE
SALVADOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós


Graduação Mestrado Profissional em Educação
de Jovens e Adultos (MPEJA), Departamento de
Educação do Campus I da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB), como requisito para
obtenção do Grau de Mestre em Educação de
Jovens e Adultos.

Área de Concentração – Gestão Educacional e


Tecnologias da Informação e da Comunicação
(Linha 3).

Orientadora: Prof.ª Dra. Patrícia Carla da Hora


Correia.

SALVADOR
2020
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Dados fornecidos pelo autor

S237e Santos, Luciene Leal Alves Goes dos


___ Estratégias pedagógicas para alunos com deficiência: pesquisa-ação na EJA
em uma Escola Municipal de Salvador / Luciene Leal Alves Goes dos Santos.--
Salvador, 2020.
___ 145 fls : il.

___ Orientador(a): Patrícia Carla da Hora Correia.


___ Inclui Referências
___ Dissertação (Mestrado Profissional) - Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação de
Jovens e Adultos - MPEJA, Campus I. 2020.

___ 1.Educação de Jovens e Adultos. 2.educação especial. 3.estratégias


pedagógicas.

CDD: 374
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
Reconhecido Homologado pelo CNE (Portaria MEC nº 1009, DOU
de 11/10/13, seção 1, pág. 13.)

MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO DE


JOVENS E ADULTOS - MPEJA

FOLHA DE APROVAÇÃO

“ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA:


PESQUISA-AÇÃO NA EJA EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE SALVADOR”

LUCIENE LEAL ALVES GOES DOS SANTOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Pós


Graduação (Stricto Sensu) em Educação de Jovens e Adultos – Mestrado
Profissional - MPEJA, Área de Concentração I – Educação, Trabalho e Meio
Ambiente, em 28 de dezembro de 2020, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Educação de Jovens e Adultos pela
Universidade do Estado da Bahia, composta pela Banca Examinadora:

Profa. Dra. PATRICIA CARLA DA HORA CORREIA (UNEB)


Doutorado em educação
Universidade Federal da Bahia
Profa. Dra. THERESINHA GUIMARÃES MIRANDA (UFBA)
Doutorado em educação
Universidade Federal da
Bahia

Prof. Dr. CÉSAR COSTA VITORINO (UNEB)


Doutorado em Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
A Deus, aos meus pais, Leordino (in memorian) e Virgínia (Dina), aos meus filhos, João
Gabriel e João Guilherme, ao meu marido Josleno, à minha irmã Roseli e a todos os colegas,
professores ou não.
AGRADECIMENTOS

Mencionar todos aqui é realmente uma tarefa muito difícil,


União que transborda a cada dia, em pequenos gestos,
Incansável sentimento de deleite, no olhar,
Tornando cada ser especial, único,
Orgulhosa de cada passo nessa caminhada.

Obrigada à minha querida orientadora Patrícia da Hora, pelas


Belas palavras de incentivo, escuta e cuidado. Aos meus colegas que
Realmente me ampararam no momento mais difícil da minha vida,
Inimaginável e delicado como é a perda de um pai.
Gratidão aos queridos professores: Amorim, Edite, Veiga, Pereira, Tânia, Carla e Márcia,
Amados mestres na arte da reflexão e donos de um saber com propriedade. Dentro dessa
jornada, como esquecer do PROGEI,
Aquele grupo que me ensinou a ser pesquisadora?

Para minhas amigas Maria do Carmo, Sarah e Andreia, um reconhecimento especial.


Obrigada pelos e-mails de madrugada e pelas horas intermináveis no WhatsApp.
Realmente, vocês fazem parte dessa vitória.

Todos presentes? Não! Faltam os colegas da SMED, da escola e a banca


examinadora Unidos por um sentimento de entrega, compromisso e
compartilhamento. Deixo aqui os meus mais profundos agradecimentos e a certeza de
que O sonho que se sonha junto é possível.
“A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se
de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo”
(FREIRE, 1987, p. 44).
LISTA DE QUADROS, GRÁFICOS E TABELAS

Quadro 01 – Formação na Rede Municipal de Salvador........................................................ 47


Tabela 01 – Identificação dos professores sujeitos da pesquisa..............................................59
Tabela 02 – Formação dos sujeitos da pesquisa......................................................................60
Tabela 03 – Perfil da coordenadora pedagógica......................................................................62
Quadro 02 – Organização dos Encontros Formativos............................................................ 73
Gráfico 01 – Nível de satisfação e aprendizado dos três primeiros encontros formativos
...102 Gráfico 02 – Melhorias para os próximos
encontros............................................................ 102
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Desenho Metodológico........................................................................................ 50


Figura 02 – Representação da Pesquisa-ação para Thiollent.................................................. 56
Figura 03 – Entrada da Escola Municipal Nossa Senhora dos Anjos......................................57
Figura 04 – Trama Conceitual Freiriana “Projeto Político Pedagógico” ............................... 66
Figura 05 – Análise interpretativa na perspectiva de Severino (2013) .................................. 76
Figura 06 – Relação dos Elementos de Análise ..................................................................... 79
Figura 07 – Concepção de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva........... 85
Figura 08 – Representação do movimento de construção do problema.................................. 86
Figura 09 – Estrutura dos Encontros Formativos.................................................................... 92
Figura 10 – Nuvem de palavras dos primeiros três encontros formativos..............................103
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AC Atividade Complementar
AEE Atendimento Educacional Especializado
AIPD Ano Internacional das Pessoas Deficientes
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CENAP Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico CME
Conselho Municipal de Educação
CNE Conselho Nacional de Educação
CNFP Congresso Nacional de Formação de Professores CONFINTEA
Conferência Internacional sobre Educação de Adultos DOM Diário
Oficial do Município
DPEE Diretoria de Políticas de Educação Especial EJA
Educação de Jovens e Adultos
EMNSA Escola Municipal Nossa Senhora dos Anjos FEBEC
Federação Brasileira de Entidades de Cegos FENEIS
Federação Nacional de Educação de Surdos GR Gerência
Regional
IBP Instituto Bom Pastor
ICAE Conselho Internacional de Educação de Adultos LBI Lei Brasileira de
Inclusão / Estatuto da Pessoa com Deficiência LDB Lei de Diretrizes e Bases
LIBRAS Língua Brasileira de Sinais
MEC Ministério da Educação e Cultura
MORHAM Movimento de Reintegração dos Hansenianos MPEJA Mestrado
Profissional em Educação de Jovens e Adultos ONEDEF Organização
Nacional de Entidades de Deficientes Físicos ONG Organização Não
Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PDE Plano de Desenvolvimento da Escola
PDI Plano de Desenvolvimento Individual
PICEB Projetos Inovadores para Educação Básica PNA Programa
Nacional de Alfabetização de Adultos PNE Plano Nacional de
Educação
PPP Projeto Político Pedagógico
PROGEI Programa de Educação Inclusiva
RMS Rede Municipal de Salvador
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SECULT Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Lazer SEESP Secretaria de Educação
Especial
SEJA Segmento da Educação de Jovens e Adultos
SMED Secretaria Municipal de Educação
SRM Sala de Recurso Multifuncional
TA Tecnologia Assistiva
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Cidadania e a Cultura UTI
Unidade de Terapia Intensiva
SANTOS, Luciene Leal Alves Goes dos. Estratégias pedagógicas para alunos com
deficiência: pesquisa-ação na EJA em uma Escola Municipal de Salvador. 2020. Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Patrícia Carla da Hora Correia. 145 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Mestrado Profissional em Educação de Jovens e Adultos – MPEJA, Universidade do Estado
da Bahia, Salvador, 2019.

RESUMO
Esta pesquisa discute sobre às estratégias pedagógicas para alunos com deficiência na
Educação de Jovens e Adultos (EJA), em uma escola municipal de Salvador. A pergunta
direcionadora nos faz refletir sobre quais estratégias pedagógicas são utilizadas para alunos
com deficiência na EJA II, na Escola Municipal Nossa Senhora dos Anjos. O objetivo geral
foi compreender às estratégias pedagógicas utilizadas em uma escola municipal de Salvador
para trabalhar com alunos com deficiência na EJA II. Os objetivos específicos buscaram
discutir os processos epistemológicos, históricos e legais da EJA e sua interface com a
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva; identificar quais estratégias
pedagógicas são utilizadas pelos professores com alunos com deficiência na EJA II; realizar
encontros formativos para os professores da EJA II, atendendo às suas demandas identificadas
no questionário respondido, bem como a socialização de possíveis estratégias pedagógicas. A
trajetória metodológica insere-se numa abordagem qualitativa, fundamenta-se na pesquisa
ação. Os dispositivos de coleta de dados utilizados são: pesquisa documental, questionário e
entrevista. Esse questionário foi utilizado como subsídio para a organização dos encontros
formativos e, posteriormente, utilizado no término dos mesmos para verificar quais os
avanços alcançados. A pesquisa tem como aporte teórico, reflexões acerca da Educação
Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva e a Educação de Jovens e Adultos. A análise e
a interpretação dos dados apontam para a necessidade de aprender com as diferenças e
entender que incluir é muito mais do que estar presente em um espaço físico. Para fazer com
que a inclusão escolar aconteça de forma integral, é preciso se dispor a conhecer cada dia mais
e manter um diálogo com seus pares como uma possibilidade necessária e possível. Como
produto final, disponibilizamos no site da orientadora os conhecimentos produzidos nos
encontros formativos através de trechos dos relatos dos professores, os slides, os materiais
trabalhados e socializados nos encontros formativos, para que outros interessados tenham
acesso e possam utilizá-los. Acreditamos que, desta forma, iremos contribuir de forma
significativa para a concretização dos caminhos possíveis da inclusão dos jovens e adultos
com deficiência.

Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; educação especial; estratégias pedagógicas.


SANTOS, Luciene Leal Alves Goes dos. Pedagogical strategies for students with
disabilities: action research at EJA in a Municipal School in Salvador. 2020. Advisor: Prof.
Drª Patrícia Carla da Hora Correia.145 f. Dissertation (Master in Education) – Professional
Master in Youth and Adult Education - MPEJA, State University of Bahia, Salvador, 2020.

ABSTRACT
This research discusses the pedagogical strategies for students with disabilities in Youth and
Adult Education (EJA) in a municipal school in Salvador. The guiding question makes us
reflect on what pedagogical strategies are used for students with disabilities in EJA II at the
Municipal School Nossa Senhora dos Anjos. The general objective was to understand the
pedagogical strategies used in a municipal school in Salvador to work with students with
disabilities in EJA II. The specific objectives sought to discuss the epistemological, historical
and legal processes of EJA and its interface with Special Education from the perspective of
Inclusive Education; identify which pedagogical strategies are used by teachers with students
with disabilities in EJA II; and hold training meetings for EJA II teachers, meeting their
demands identified in the answered questionnaire, as well as the socialization of possible
pedagogical strategies. The methodological trajectory, inserted in a qualitative approach, is
based on action research. The data collection devices used are: documentary research,
questionnaire and interview. This questionnaire was used as a subsidy for the organization of
the formative meetings and, later, it was used at the end of them to verify the progress
achieved. The research has as theoretical contribution reflections on Special Education from
the perspective of Inclusive Education and the Education of Youth and Adults. The analysis
and interpretation of the data point to the need to learn from the differences and understand
that including is much more than being present in a physical space. In order to make school
inclusion happen in an integral way, it is necessary to be willing to get to know each day more
and maintain a dialogue with peers as a necessary and possible possibility. As a final product,
we made available on the advisor's website the knowledge produced in the formative
meetings through excerpts from the teachers' reports, the slides, the materials worked and
socialized in the formative meetings, so that other interested parties have access and can use
them. We believe that, in this way, we will contribute significantly to the realization of the
possible paths for the inclusion of young people and adults with disabilities.

Keywords: Youth and Adult Education; special education; pedagogical strategies.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO - O CAMINHO PERCORRIDO..........................................................15 2


PROCESSOS EPISTEMOLÓGICOS, HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS (EJA)........................................................................................ 24 2.1
A EJA E SEUS SUJEITOS DE DIREITOS.......................................................................24 2.2
BREVE HISTÓRICO DA EJA...........................................................................................26 2.3
OS MARCOS LEGAIS DA EJA NO MUNICÍPIO DE SALVADOR.............................30 3
EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ........ 36
3.1 MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO
INCLUSIVA............................................................................................................................ 37
3.2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA REDE MUNICIPAL DE SALVADOR............ 46
4 A TRILHA METODOLÓGICA ........................................................................................ 50
4.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA: REFLETIR SOBRE O NOSSO FAZER................51
4.2 A TRAJETÓRIA DA PESQUISA-AÇÃO E SEUS MOVIMENTOS..............................53
4.3 LÓCUS DA PESQUISA: CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA .................................... 56
4.4 SUJEITOS DA PESQUISA.............................................................................................. 59
4.5 DISPOSITIVOS DA PESQUISA..................................................................................... 64
4.5.1 A pesquisa documental ................................................................................................. 64
4.5.2 O questionário............................................................................................................... 69
4.5.3 A entrevista .....................................................................................................................70
4.6 A DINÂMICA DA PESQUISA.........................................................................................71
4.6.1 A formação ......................................................................................................................73
4.7 ANÁLISE INTERPRETATIVA: POR UMA COMPREENSÃO DO FAZER................74 5
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: UMA
ANÁLISE DOS DADOS .......................................................................................................77
5.1 CONCEPÇÃO DO PROFESSOR EM RELAÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ..................................................................80
5.2 FORMAÇÃO DO PROFESSOR: AMPLIANDO OS CONHECIMENTOS..................86
5.3 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS: APRENDENDO E UTILIZANDO NOVOS
CAMINHOS.......................................................................................................................... 104
CONSIDERAÇÕES REFLEXIVAS...................................................................................117
REFERÊNCIAS....................................................................................................................123
APÊNDICES..........................................................................................................................133
ANEXO..................................................................................................................................142
15

1 INTRODUÇÃO – CAMINHO PERCORRIDO


Quando criança, minhas1bonecas eram minhas alunas. Lembro-me da emoção quando
recebi o meu primeiro diploma de alfabetizada, aos 06 (seis) anos de idade. Naquela época,
não sabia que os meus pais eram analfabetos. Minha mãe, na hora de dormir, sempre contava
uma história inventada, com muitas personagens, usando algumas vezes as informações que
eu trazia da escola, que tinha aprendido naquele dia. Mesmo com essa limitação, todos os
dias, minha mãe me colocava para estudar e meu pai, aos finais de semana, olhava à minha
lição. Lembro que ele pedia para que eu explicasse o que havia aprendido, rabiscando em uma
folha de ofício. Ele não sabia ler, mas era muito bom em fazer cálculos.
Aos 12 (doze) anos, eu já lecionava para os meus colegas na rua onde morava, no
reforço escolar organizado na minha casa, sob a supervisão da minha mãe. Foi assim que
nasceu em mim o desejo de ensinar ao brincar de ser professora. Descobri que, para realizar
esse desejo e trabalhar na profissão, eu precisava fazer o curso de Magistério. Aprendi desde
cedo o quanto é importante construir a nossa identidade profissional pautada em estudos
sistematizados.
Já atuando, as demandas começaram a surgir, e os conhecimentos adquiridos já não
davam conta: era preciso alargar os horizontes. Mesmo nos momentos de formação na
Atividade Complementar (AC) semanal juntamente com a coordenação e às equipes docente e
gestora – que era muito parceira –, sentia-se a necessidade de aprofundar meus estudos.
Precisava enfrentar as dificuldades e viver uma nova etapa ampliando os saberes. Então,
resolvi cursar Pedagogia. Lembro do sorriso dos meus pais e da alegria da minha irmã quando
passei no vestibular: nós abraçamo-nos e choramos muito. Um orgulho para meus pais! Filha
de pais analfabetos que saíram do interior da Bahia para trabalharem na capital em casa de
família, fui educada a acreditar que, através dos estudos, eu seria “alguém na vida”. Fui a
primeira pessoa na família a ter nível superior, e foi nessa época que realizei um trabalho
voluntário como alfabetizadora de jovens e adultos em uma Organização Não-Governamental
(ONG). Essa foi minha primeira experiência na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Na universidade, com o auxílio de professores competentes e comprometidos, realizei
leituras sobre a história da Educação e sobre como investigar e intervir nos processos
pedagógicos. Era preciso reaprender um pouco a cada dia, em um movimento de construção e
reconstrução extremamente necessário. Neste período, realizei um estágio na EJA, fiquei

1
Neste momento, peço licença aos leitores para redigir o texto desta seção na primeira pessoa, bem como para
fazer uso do feminino, por compreender que essa subjetividade relata a história de vida de um ser único e
incompleto, que envolve percepções pessoais acerca dessa pesquisa.
16

encantada com a determinação daquelas pessoas: eu precisava oferecer o melhor de mim para
elas. Essa foi à minha segunda experiência com alunos jovens e adultos. Aprendi com eles que
era necessário ter um olhar e uma escuta sensível. É essencial valorizar todas as formas de
conhecimento, estabelecendo relação entre a área educacional e os outros campos do saber,
aplicados à Educação de forma interdisciplinar. Utilizei todas às estratégias metodológicas
que foram possíveis para lidar com esse desafio. Porém, trabalhar com pessoas com faixas
etárias tão diferentes, era instigante. Então, decidi fazer uma Especialização em EJA, na
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). No turno matutino, trabalhava numa escola
particular de Educação Infantil: foi quando tive contato pela primeira vez com um aluno com
deficiência. Ele era autista não-verbal, porém escutava. Sempre foi muito ativo, carinhoso e,
no parquinho, gostava de brincar sozinho. Raramente olhava nos olhos. Na minha formação
pessoal e acadêmica, nunca tinha tido contato diário com pessoas com deficiência. Eu não
sabia direito como lidar com ele, nem quais caminhos seguir. Então, decidi ensiná-lo da
mesma forma como eu fazia com os outros alunos. Naquele contexto, escutar e observar se
tornaram ferramentas ainda mais preciosas. Foi na ação que percebi quais estratégias que
davam certo e quais eu precisava aperfeiçoar.
O tempo passou, prestei concurso para a Prefeitura Municipal de Salvador, e lecionei
para alunos do fundamental - Anos Iniciais e para jovens e adultos, no noturno. Entrei grávida
de quatro meses. Essa adaptação do primeiro ano foi bem difícil. Os polos extremos entre as
redes pública e privada eram muito grandes. A falta de estrutura mínima de trabalho era o que
mais me inquietava naquele primeiro momento; mas, com o passar dos meses, compreendi
que as carências não eram somente materiais e estruturais. Como não havia coordenador
pedagógico nessa primeira escola que lecionei, consegui trazer algumas contribuições para o
grupo devido à minha experiência como coordenadora pedagógica na rede particular. Nas
reuniões com os outros professores, começamos a organizar melhor o tempo pedagógico dos
alunos.
Meu primeiro filho nasceu. No momento do parto, não respirou, ficou na Unidade de
Terapia Intensiva (UTI) por 15 (quinze) dias. Começava então uma jornada de
acompanhamentos médicos e estimulação precoce, porque ele andava com o pé direito na
ponta do pé e aos 04 (quatro) anos, ele foi diagnosticado com paralisia cerebral. Foi nessa
época que adentrei de vez no universo da deficiência, fato que se tornou mais um motivo para
o fortalecimento dessa militância. Mesmo tendo recursos e acompanhamento de especialistas,
17

precisei estar atenta às necessidades dele e buscar estratégias diárias de superação. Após três
anos, o segundo filho nasceu, positivamente precisava dividir essa atenção. Na sala de aula não
era diferente: com meus alunos com deficiência, sempre trabalhei para transformar os limites
em desafios, para depois superá-los. Hoje, compreendo que muitas das dificuldades que
enfrentei foram por falta de experiência e preparo na minha formação. Apesar de buscar
continuamente essa construção, eu poderia ter errado menos. Não que o erro não seja
importante, mas muitos equívocos poderiam ter sido evitados. Neste percurso, entre ser
formada e ser formadora, aprendi que a experiência aliada à vontade de fazer a diferença na
vida dessas pessoas são os fatores que me motivam. E compreendo que existe uma grande
necessidade dos sujeitos dentro da escola, de serem compreendidos na sua história de vida e
em suas reais necessidades.
Aliados às dificuldades dos alunos de aprenderem, estavam o contexto familiar, os
conflitos vivenciados e as dificuldades de ressignificar as nossas estratégias como professores.
Eu sempre gostei de estudar, e ver aquelas pessoas depois de anos afastadas da sala de aula
são o que ainda mantinham aceso o desejo de estudar, sempre me conquistou. O desafio diário
de conciliar essa realidade com tantas outras não é uma tarefa simples, e exige do profissional
um grau de competência cada vez maior, bem como mais habilidades consolidadas.
Para poder melhorar essas estratégias, prestei outro concurso, e hoje também atuo
como coordenadora pedagógica na Rede Municipal de Salvador (RMS). As queixas sobre a
Educação Especial e a falta de uma formação específica do grupo de professores que agora
coordenava persistiam. A prefeitura costuma realizar encontros, palestras e formações, porém,
são ações pontuais. Então, senti a necessidade de fazer outra especialização, desta vez, em
Educação Especial, a qual me apresentou um mundo de possibilidades em um outro cenário
educacional inclusivo. Aprendi que precisamos garantir o direito de todos à aprendizagem
significativa, que emancipa o sujeito, respeitando às suas particularidades.
Nesse ínterim, percebo que a inclusão tem sido bastante debatida e adquire, na
atualidade, relevância e destaque, uma vez que existe uma busca pela construção da qualidade
de ensino para todos, um ensino comprometido com a formação da cidadania, aliado às
legislações educacionais em vigor. Esse processo de elaboração das ações é organizado nas
trajetórias da escolarização, nas vivências e nas trocas de experiências. E esse espaço
desafiador de produção de conhecimento no ambiente escolar pode oportunizar aos
professores prosseguirem em suas reflexões e conferirem procedimentos necessários para uma
efetiva inclusão dos alunos com deficiência na modalidade da EJA.
18

Partindo do pressuposto de que os cidadãos comungam dos mesmos direitos e deveres,


os sujeitos da Educação Especial, dentro da modalidade da EJA, que tiveram seus direitos
negados historicamente, não podem ficar mais uma vez à margem da sociedade. A escola,
como espaço institucional estruturado, precisa ser organizada na perspectiva das suas funções
educativas de promoção do empoderamento dessas pessoas, superando o sentido meramente
burocrático e se aproximando de entendimentos mais consistentes sobre a educação como um
direito humano.
Para entender essa inquietação, surgiu a temática desta pesquisa: estratégias
pedagógicas para alunos com deficiência – pesquisa-ação na EJA em uma escola municipal de
Salvador, que tem como base a relação direta das estratégias pedagógicas dos professores e a
inclusão dos alunos com deficiência na EJA, na escola regular. A necessidade de aprofundar
essa temática decorre da trajetória anteriormente relatada nos espaços distintos. A ciranda da
vida me preparou para essa pesquisa sobre a EJA e a Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva, depois de dois anos tentando entrar no mestrado.
Nessa jornada, percebo que é possível conviver com as diferenças inerentes aos
sujeitos e buscar uma educação essencialmente inclusiva, que respeite essa diversidade. Em
relação ao campo acadêmico, esta pesquisa alcança subsídios significativos quando se
preocupa com os alunos com deficiência, sujeitos da EJA. Ela nos mostra que o professor
precisa estar atento em quais estratégias pedagógicas estão utilizando e quais devem passar a
utilizar com os alunos com deficiência na EJA. Esse olhar cuidadoso evidencia que o
professor está atento às suas especificidades e que o sujeito não foi invisibilizado no seu
processo educativo.
Desse modo, a relevância científica desta pesquisa é notada quando há produção de
conhecimento a partir do momento em que o professor tem a oportunidade de repensar à sua
prática. A sistematização desse pensamento pode trazer ganhos significativos para a vida de
jovens e adultos com deficiência, na medida em que ajuda o professor a repensar quais
estratégias pedagógicas ele vem utilizando. Esse fator pode ser determinante, no sentido da
evolução do professor, que deve estar em formação constante em relação ao saber científico,
que direciona o seu fazer cotidiano.
Para reforçar o campo de atuação desta pesquisa, gostaria de deixar aqui registrado
que foi através dos estudos realizados no Grupo de Pesquisa intitulado Programa de Educação
Inclusiva (PROGEI), no qual fui acolhida e faço parte, que essa delimitação se concretizou.
Percebi neste grupo que seria possível articular a investigação sobre as estratégias dos
professores na escola em que trabalho, que é o meu campo de pesquisa. Assim, ouvir outras
19

experiências, fazer pesquisas e ler trabalhos, com certeza fez parte da concretização desse
desafio.
Por consequência, esta pesquisa foi definida principalmente em razão de eu ter
encontrado nas escolas da rede municipal de Salvador, nas quais trabalhei essa dificuldade de
selecionar estratégias pedagógicas para utilizar com os alunos com deficiência na EJA. É
preciso analisar a questão dos desafios vivenciados nesse contexto onde, por falta de
informação e/ou preconceito por parte dos professores, esses sujeitos esbarram nas limitações
que os impedem de crescer cognitivamente dentro das suas potencialidades. É indispensável
que esse profissional tenha um repertório de conhecimentos para aperfeiçoar o seu fazer em
favor desses ou de quaisquer outros alunos.
De acordo com os dados coletados no site2da Rede Municipal de Salvador, constavam
433 (quatrocentas e trinta e três) escolas municipais, com 137.502 (cento e trinta e sete mil,
quinhentos e dois) alunos no ano de 2019. Dentre esses alunos, 4.940 (quatro mil, novecentos
e quarenta) são declarados no sistema de matrícula com algum tipo de deficiência. Da EJA,
participam 15.474 (quinze mil, quatrocentos e setenta e quatro) alunos, sendo esse
quantitativo subdividido em Gerências Regionais, a saber: Cabula, Cajazeiras, Centro, Itapuã,
Liberdade, Orla, Pirajá, São Caetano, Subúrbio I, Subúrbio II e Cidade Baixa. A Escola
Municipal Nossa Senhora dos Anjos (EMNSA), que é o campo de atuação desta pesquisa, é a
quarta maior escola em quantidade de alunos, que faz parte da Gerência Regional (GR)
Centro, que tem um total de 42 (quarenta e duas) escolas (2019).
Especificamente, encontram-se 605 (seiscentos e cinco) alunos com algum tipo de
deficiência na EJA, na rede municipal. Quando partimos para a EMNSA, são 734 (setecentos
e trinta e quatro) alunos, dentre os quais, 32 (trinta e dois) alunos com alguma deficiência. A
EJA II, que funciona no noturno, tem 173 (cento e setenta e três) alunos e, dentre estes, 04
(quatro) são alunos declarados no sistema de matrícula com alguma deficiência. Esses sujeitos
com deficiência precisam ser assistidos e visibilizados, o que justifica a relevância social
desta pesquisa.
Quando consideramos somente as limitações desses sujeitos, deixamos de olhar para a
pessoa, sendo ela com ou sem deficiência. A compreensão dessa concepção pode provocar
uma mudança de atitude, fazendo com que esse sujeito possa usufruir do direito à educação,
tornando-se sujeito autônomo. Essa ação não é uma tarefa fácil; mas, com certeza, é
desafiadora, porque nos faz refletir sobre a organização social, administrativa e política da

2
CADASTRO ESCOLAR. Educação Infantil. Salvador, 2019. Disponível em:
<https://www.educacao.salvador.ba.gov.br>. Acesso em: 05 janeiro 2020
20

escola, e nos faz pensar sobre o verdadeiro sentido desse espaço, evidenciando suas diferenças
e contradições.
A pergunta de partida que nos levou a tentar entender essa inquietação foi: quais
estratégias pedagógicas são utilizadas para alunos com deficiência na EJA II na
EMNSA? Ela nos provoca a pensar, não somente na ação, mas em como essas estratégias
pedagógicas estão acontecendo, e se realmente atendem às especificidades desses alunos. A
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva perpassa exatamente por esse viés, de
uma Educação que respeita as diferenças, e efetivamente inclui.
Como objetivo geral, busquei compreender às estratégias pedagógicas utilizadas em
uma escola municipal de Salvador para trabalhar com alunos com deficiência na EJA II. Os
objetivos específicos foram: discutir os processos epistemológicos, históricos e legais da EJA
e sua interface com a Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva; identificar
quais estratégias pedagógicas são utilizadas pelos professores com alunos com deficiência na
EJA II; realizar encontros formativos para os professores da EJA II atendendo às suas
demandas identificadas no questionário respondido, bem como a socialização de possíveis
estratégias pedagógicas. Os conhecimentos produzidos nos encontros formativos através de
trechos dos relatos dos professores, os slides, os materiais trabalhados e socializados serão
disponibilizados no site da orientadora para que outros interessados tenham acesso e possam
utilizá-los.
Para justificar esta pesquisa, acredita-se que é preciso identificar quais estratégias
pedagógicas estão sendo utilizadas com esses jovens e adultos com deficiência, para que suas
especificidades sejam visibilizadas. Nessa perspectiva, é preciso estabelecer uma relação
estreita com o direito de acesso à aprendizagem desses sujeitos, para que se possa enriquecer,
sobretudo, a vida desse aluno. É preciso pensar sobre o nosso fazer pedagógico para
conseguirmos, de fato, efetivar à sua inclusão. Esses sujeitos conquistaram o direito de
acesso; precisamos agora garantir à sua permanência e, consequentemente, a qualidade de
ensino.
Dessa forma, acredita-se que, como professores, podemos contribuir de forma
significativa para a concretização dos caminhos possíveis da inclusão dos jovens e adultos
com deficiência. Os sujeitos são diferentes, independentemente de alguns terem deficiência.
Essas diferenças inerentes aos sujeitos não nos permitem classificá-los como anormais ou
especiais. A questão é que algumas pessoas têm deficiências e outras não. Os seus direitos não
estão atrelados a nenhuma condição.
21

Quando eu analiso as políticas públicas para às pessoas com deficiência, seja ela a
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), o Documento Subsidiário à Política de Inclusão
(PAULON; FREITAS, PINHO, 2005), a Resolução CME nº 022/2010 (BRASIL, 2010), que
estabelece normas para a Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva para todas
as etapas e Modalidades da Educação Básica no Sistema Municipal de Salvador, a Lei
Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), dentre outras, percebe-se que existe um esforço para
atender essas pessoas. A questão agora é atender ao acesso equitativo, de participação contínua
e aquisição efetiva da aprendizagem como determina a Declaração Mundial sobre Educação
para Todos (UNICEF, 1990).
Para tanto, é preciso que essas políticas públicas sejam conhecidas e efetivadas, para
que cumpram os papeis aos quais se destinam. Para consolidar esse caminhar, os diálogos
entre à sociedade civil e os órgãos governamentais precisam ser ampliados, para que o
pensamento de exclusão seja superado. O mundo muda e com ele surgem outras concepções,
desestabilizando certezas e antigas verdades. Por esses e outros motivos é que nós professores
precisamos estar atentos à aprendizagem de todos os alunos, pois cada um é singular.
Esse cenário de exclusão teve início com a Educação Especial em um contexto de
comparação, inicialmente através do atendimento assistencialista. Em seguida, veio a fase da
segregação, através do atendimento dessas pessoas em grandes instituições especializadas. A
fase da integração foi quando as instituições de ensino passaram a receber essas pessoas e,
finalmente, após essa trajetória, o conceito foi ampliado e surgiu a inclusão. Essa inclusão
pretende nos fazer pensar sobre as particularidades dos sujeitos, tenham eles deficiência ou
não.
De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(BRASIL, 2001), a Educação deve focar no ensino e na escola, e não na deficiência do aluno.
Essa ação está associada à perspectiva da inclusão descrita na Política Nacional de Educação
Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), por compreender que a
escola deve trabalhar para enfrentar o desafio de se ajustar para considerar a diversidade dos
seus alunos.
Partindo desse contexto de inclusão, o aluno com deficiência na EJA também possui
suas especificidades de demandas e precisa do acesso ao conhecimento com as mesmas
condições de aprendizagem, através de situações didáticas cognitivamente desafiadoras. Para
fundamentar a discussão sobre EJA e Educação Especial, contei com alguns teóricos que me
fizeram pensar sobre a inquietação desta pesquisa, que é vislumbrar quais estratégias
pedagógicas são utilizadas para alunos com deficiência na EJA II. Para isso, foi necessário
22

buscar conhecer um pouco mais sobre os processos epistemológicos, históricos e legais da


EJA através dos ensinamentos de Paiva (2006; 2012; 2019), Arroyo (2006a; 2006b; 2012;
2017; 2019) e Soares (2011; 2016; 2019). Em relação à Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva, dialogamos com Mantoan (2003; 2013; 2017), Diniz (2007) e Mendes
(2006; 2010; 2015).
Para desenvolver a pesquisa, a metodologia utilizada foi de abordagem qualitativa, de
natureza aplicada. Por ser de cunho subjetivo, o questionamento precisou ser conhecido e
compreendido nas entrelinhas, na interpretação dos fatos e no significado das ações. Essa
abordagem permitiu o entrelace entre a teoria e a realidade vivenciada, envolvendo valores,
sentimentos e experiências num ciclo processual. Em seguida, realizei representações
numéricas acerca dos sujeitos desta pesquisa para identificar suas características e contribuir
com a compreensão de algumas das suas ações.
Nesse interim, a pesquisa-ação, que inicialmente era apenas um desejo, tornou-se
necessária após a análise das respostas do questionário aplicado com os professores, antes dos
encontros formativos. Através dessas respostas, foi possível aliar as demandas deles à minha
necessidade de contribuir de alguma forma para a reflexão da ação desses professores em
relação às estratégias pedagógicas que eles utilizam com os alunos com deficiência na EJA II.
Além disso, percebi que existe um consenso entre esses professores, de que muitas
vezes os pesquisadores adentram na escola, realizam suas pesquisas e vão embora, sem dar
um retorno efetivo para aqueles que fizeram parte do movimento. Eu mesma passei por essa
experiência de participar de uma pesquisa e não ter nenhum retorno sobre os dados coletados,
o que me fez sentir a obrigação de fazer diferente. Com esta pesquisa tive a oportunidade de
colaborar com meus colegas professores e essa satisfação supera qualquer obstáculo.
Os sujeitos desta pesquisa foram os professores da EJA II, que tinham algum aluno
com deficiência matriculado no ano letivo de 2020. O lócus da pesquisa é a EMNSA,
localizada no bairro de Brotas, em Salvador, que funciona nos três turnos e trabalha com
turmas de Educação Infantil e Fundamental - Anos Iniciais, no diurno, e a EJA II, no noturno,
e ainda promove Atendimento Educacional Especializado (AEE) para os alunos com
deficiência, com professores específicos.
A pesquisa está organizada em cinco etapas: na primeira, construí e apliquei um
questionário levando em consideração alguns conhecimentos prévios dos professores e à
pesquisa documental; na segunda etapa, realizei a análise interpretativa dos dados coletados
com esse questionário; na terceira, os encontros formativos foram organizados para atender às
demandas identificadas no questionário; na quarta, realizei os encontros on-line por conta da
23

pandemia do novo Coronavírus; na quinta e última etapa, apliquei algumas perguntas do


mesmo questionário com os professores e, em seguida, disponibilizei os materiais
socializados e produzidos com eles no site da orientadora, para que outros interessados
tenham acesso.
O complemento desse material disponibilizado foi sugerido por todas as pessoas que
participaram direta ou indiretamente dos encontros formativos, sem esquecer dos(as)
colaboradores(as) convidados(as). Acredito que os dispositivos de reflexão, trabalhados nestes
encontros formativos possam auxiliar outros professores na compreensão das diversas
realidades, e que esses materiais possam contribuir de forma significativa para a concretização
dos caminhos possíveis para a inclusão dos jovens e adultos com deficiência.
Acredito também, com base na Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva, que todas as pessoas têm os mesmos direitos e deveres, que somos essencialmente
diferentes e a escola é ou deveria ser para todos. Esse alerta serve para que cada pessoa
compreenda que a escola precisa reconhecer à sua diversidade e enxergar os alunos com
deficiência, com suas limitações e potencialidades. É no mínimo injusto condicionar a
aprendizagem de uma pessoa à sua aparência. Todos nós somos limitados em alguma área da
vida: algumas pessoas mais, outras menos, e isso nos torna humanos.
Portanto, para possibilitar uma discussão consistente, organizei a pesquisa em seis
seções. Na primeira, apresento o caminho percorrido da minha trajetória formativa,
inquietações e estrutura da pesquisa. É através dela que o leitor pode conhecer um pouco mais
sobre como surgiu o objeto da pesquisa e o contexto da sua problemática. A segunda e a
terceira seções trazem a fundamentação teórica que foi construída ao longo das aulas e das
pesquisas realizadas com o entrecruzamento entre a EJA e a Educação Especial na perspectiva
da Educação Inclusiva. Na quarta seção, descrevo a trilha metodológica, sua abordagem, o
tipo de pesquisa, o lócus, os sujeitos, os dispositivos, a dinâmica da pesquisa e a análise
interpretativa. A quinta é a análise dos dados da presente pesquisa. E as considerações
reflexivas constituem a última seção, na qual retomo a problemática apresentada, inicialmente
com a pretensão de apontar caminhos para responder à pergunta de partida, e mostro quais
estratégias pedagógicas são utilizadas para alunos com deficiência na EJA II na EMNSA.
Entendo que esta investigação é significativa, no sentido de contribuir com reflexões
relevantes sobre às estratégias pedagógicas utilizadas para alunos com deficiência. Neste
decorrer, percebi que é preciso construir propostas de formação continuada num constante
diálogo entre os pares, através de uma intervenção efetiva.
24

2 PROCESSOS EPISTEMOLÓGICOS, HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO


DE JOVENS E ADULTOS – EJA
"Não é na resignação mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos"
(FREIRE, 1996, p. 31).

A palavra epistemologia 3para o dicionário on-line, significa: “Reflexão sobre a natureza, o


conhecimento e suas relações entre o sujeito e o objeto; teoria do conhecimento”. Assim, ela é
classificada como o estudo do conhecimento, sua natureza e aquisição. Quando trazemos essa
terminologia para a EJA, estamos convidando os professores sujeitos dessa pesquisa a
refletirem sobre o estudo do conhecimento histórico e legal, que podem auxiliá-los na
compreensão de algumas das especificidades inerentes a essa modalidade de ensino.

2.1 A EJA E SEUS SUJEITOS DE DIREITOS


O conceito de Educação é para alguns um ato de se educar; para outros, tenta
assegurar o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano. Ambas
concepções têm um olhar inicial que parece se originar em esferas diferentes; porém, são
complementares. Quando partimos para um amparo legal, encontramos na Constituição
Brasileira (BRASIL, 1988), Capítulo I, Sessão I, Art. 205, a Educação como um direito de
todos. Para Soares (2016, p. 46), “O conceito de educação é bem mais amplo, ele contempla
as atividades de instrução e de aprendizagem indo além ao incorporar os processos de
formação humana com suas múltiplas dimensões”. Isso significa que deve ser disponibilizada
a todas às modalidades de ensino, em igualdade de condições de acesso.
Mamona (2016) nos diz que, no Brasil, esse direito aparece vinculado à escolarização,
à escola e ao ensino. Esse pensamento é percebido na fala de muitos professores. Arroyo
(2006a) concorda com essa dimensão, do direito aos espaços escolares, mas destaca a
importância de se manter perseverante à sua estreita ligação com a educação popular. Para
tanto, é preciso fazer educação na perspectiva de fomentar o saber, através da busca de novas
estratégias, sejam elas políticas, sociais ou culturais. Para Pillotto (2007), a emancipação
desse saber é possível pela via do sensível, em que vários aspectos são destacados, tais como:
intuição, emoção, criação e sensibilidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) sinaliza que as nações do
mundo afirmaram na Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNICEF, 1990, p.

3
EPISTEMOLOGIA. In: Dicio, Dicionário Online de Português. Porto: 7Graus, 2020. Disponível em:
<https://www.dicio.com.br/epistemologia/>. Acesso em: 05 janeiro 2020
25

01), que "toda pessoa tem direito à educação". No entanto, apesar do empenho de muitos
países do mundo para assegurarem esse direito, vários problemas ainda persistem, a saber:
analfabetismo funcional, falta de acesso de milhões de crianças ao ensino primário, um
número expressivo de adultos que não concluíram o ciclo básico, dentre outros.
Paiva (2006, p.520) entende que “a questão da educação de jovens e adultos assume a
perspectiva de inclusão em sociedades democráticas, e que esta inclusão passa a se dar pela
conquista de direitos”. Esse conceito fundamental faz parte do que é a EJA na
contemporaneidade, pois complementa o pensamento de que esse direito foi negado
historicamente e de que existe uma necessidade social na busca de acesso a outros direitos.
Essa promoção de cidadania e a tomada de consciência podem recuperar o tempo perdido.
Essa necessidade de recuperar o tempo perdido nos apresenta uma visão limitada do
verdadeiro sentido da EJA na vida desses sujeitos. O direito à educação é muito mais do que
associá-la à questão da escolarização, muito menos da alfabetização. É no processo de
aprendizagem que os sujeitos se humanizam. Para Arroyo (2017, p.63), é preciso “reconhecê
los sujeitos de valores, justiça, dignidade, equidade, de consciência de si e do mundo”.
Podemos perceber essa premissa também na concepção de Paiva (2006, p.522), quando diz
que a:
[...]visão ainda muito corrente de que a educação de jovens e adultos se faz para
recuperar o tempo perdido daqueles que não aprenderam a ler e a escrever; passando
pelo resgate da dívida social, até chegar à concepção de direito à educação para todos
e do aprender por toda a vida, as enunciações variaram, deixando no
imaginário social a sua marca mais forte, ligada à volta à escola, para fazer, no
tempo presente, o que não foi feito no tempo da infância e da adolescência. Para
além da alfabetização, o sentido cada vez se afastou mais, nas políticas públicas, das
conquistas e do reconhecimento do valor da educação como base ao
desenvolvimento humano, social e solidário. Mais do que alfabetização, o direito
constitucional de ensino fundamental para todos sintetizou o mínimo a que se
chegara: o de aprender a ler e a escrever com autonomia. Isso significa ter domínio
suficiente para, em processo de aprendizado continuado, se manter em condições de
acompanhar a velocidade e a complexidade do mundo contemporâneo, que exige
aprender continuadamente, por toda a vida, ante os avanços do conhecimento e a
permanente criação de códigos, linguagens, símbolos e de sua recriação diária. E
exige, para isso, não só o domínio da linguagem escrita, mas também competência
como leitor e escritor de seu próprio texto, de sua história, de sua passagem pelo
mundo. Exige, ainda, reinventar os modos de sobreviver, transformando o mundo.
Portanto, esse direito se estende à vertente da escolarização, e não o contrário. O
processo de aprendizagem precisa ser contínuo, pois, emancipa os sujeitos na perspectiva do
saber para entender as complexidades do mundo contemporâneo. Esse saber é para toda a vida
e ultrapassa os limites dos muros da escola. Por essa razão, o professor precisa valorizar o que
esses sujeitos apresentam de conhecimento de mundo para que, juntos, possam reinventar os
modos de sobreviver.
26

Outras características são as marcas econômicas e sociais que constituem traços dessa
exclusão na vida desses sujeitos. São características comuns observadas nesse universo de
trabalhadores e trabalhadoras informais, excluídos, em sua maioria negros, oprimidos
socialmente, e em condição social, cultural e política de desigualdade. Arroyo (2006a, p. 221)
respalda essa realidade quando nos lembra que a luta da EJA se confunde com os setores
populares:
Os olhares tão conflitivos sobre a condição social, política, cultural desses sujeitos
têm condicionado as concepções diversas da educação que lhes é oferecida. Os
lugares sociais a eles reservados – marginais, oprimidos, excluídos, empregáveis,
miseráveis... – têm condicionado o lugar reservado a sua educação no conjunto das
políticas oficiais. A história oficial da EJA se confunde com a história do lugar social
reservado aos setores populares. É uma modalidade do trato dado pelas elites
aos adultos populares. (ARROYO, 2006a, p.221)
Apesar dos desafios diários impostos a esses sujeitos, esse lugar reservado de
pensamento pedagógico progressista tem inspirado concepções e práticas avançadas e
criativas nas últimas quatro décadas, segundo Arroyo (2006a). Essa é uma outra vertente que
faz parte da memória da EJA e que, muitas vezes, apresenta-se de forma contrária na história
oficial. Esse direito precisa atender aos interesses populares, inserindo a EJA no contexto
legal como parte integrante do ensino fundamental e do ensino médio. Paiva (2012, p. 85),
complementa afirmando que:

Nos últimos anos, os serviços públicos de educação organizam sua oferta à medida
que sofrem a ação direta dos demandantes, em busca de direitos, como mostram
estudos recentes. Demandas populares por educação, e formas de negociação
estabelecidas com os poderes públicos, em defesa de serviços que lhes sabem
devidos, associam a educação popular a uma das fontes do poder da sociedade na
constituição do direito à educação de jovens e adultos, ao responder à luta dos
trabalhadores pela educação.
O que percebemos é que esse direito continua sendo negado na perspectiva das
dificuldades que esses sujeitos enfrentam, seja no acesso ou na sua permanência. Sabemos que
muito já foi feito, mas concordamos que muito ainda temos de fazer para que possamos, de
fato, ter essa garantia. Para entendermos agora como esse processo aconteceu dentro de um
aspecto histórico, vamos fazer um breve relato da história da EJA, a partir de movimentos
importantes que aconteceram nestes cenários.

2.2 BREVE HISTÓRICO DA EJA


As Conferências Internacionais de Educação de Adultos (CONFINTEA) são eventos
compostos por gestores, estudiosos da área de educação, lideranças da sociedade civil e
setores sociais engajados na EJA. Escolhemos essas conferências para conduzirem esse breve
histórico por acreditarmos que elas produziram documentos importantes que traçam o
27

diagnóstico da EJA e apontam seus desafios, através de um ambiente de diálogo social. Essa
contribuição amplia e fortalece o debate rumo à produção de novos saberes e perspectivas,
reafirmando o compromisso de fazer com que a Educação se torne um direito para toda a
vida.
Para realizar esse relato, contamos com a colaboração de Ireland e Spezia (2012), que
relataram que a I CONFINTEA aconteceu em 1949, na Dinamarca, num contexto de pós
guerra e de tomadas de decisões em busca da paz, da qual participaram 106 (cento e seis)
representantes de 26 (vinte e seis) países e 21 (vinte e uma) organizações internacionais. O
Brasil não participou desse encontro. A conferência indicou que a Educação de adultos teria
de ser adequada às especificidades e funcionalidades desse tipo de atendimento, levando em
consideração à comunidade escolar e a ampliação de mais ofertas. Essa especificidade
também é defendida por Soares (2011).
A II CONFINTEA aconteceu 11 (onze) anos após a primeira, em 1960, no Canadá, com
47 Estados-Membros da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a
Cultura (UNESCO) e 46 (quarenta e seis) ONGs. Esse foi um período de grande crescimento
econômico e intensas mudanças no mundo. A conferência reforçou o importante papel da
EJA, entendida como uma tarefa mundial que os países desenvolvidos deveriam auxiliar
aqueles em desenvolvimento. Para Arroyo (2012, p. 27), foi neste período que a Educação
surge “como um processo de humanização de sujeitos coletivos diversos”.
Em 1972, no Japão, aconteceu a III CONFINTEA, com a participação de 82 (oitenta e
dois) Estados-Membros, dos quais 03 (três) na categoria de observador. O seu tema central foi
“A Educação de Jovens e Adultos no contexto da educação ao longo da vida”. Foi nessa
época que foi criado, em parceria com a UNESCO, o Conselho Internacional de Educação de
Adultos (ICAE), com sede no Uruguai. Outra iniciativa refere-se ao Relatório de Edgar Faure,
que é um documento que apresenta uma mudança de paradigmas existentes na Educação,
pois, é preciso Aprender a Ser. Nele foi reconhecido que a Educação de Jovens e Adultos
pode vir a fortalecer a democracia e diminuir as taxas de analfabetismo, promovendo o
desenvolvimento econômico, social e cultural das nações.
Assim, “Essa situação era ainda mais crítica em meados dos anos 1980, quando eram
raras as iniciativas de formação inicial voltadas para a EJA”. (SOARES, 2016, p. 51). Para
Arroyo (2012, p. 26), apesar dessa situação, neste período, “uma vasta literatura na área
social, política e pedagógica traz essa marca: trazer os sujeitos de volta.” Por essa razão,
apesar dos poucos incentivos governamentais, os professores – como qualquer outra profissão
– precisam estar atentos a investir na própria aprendizagem.
28

Em seguida, é realizada a IV CONFINTEA, que teve como tema principal “Aprender


é a chave do mundo”, realizada em 1985, em Paris. Foram 841 (oitocentas e quarenta e um)
participantes. À época, existia um contexto de crise econômica. Influenciado pelas ideias e
pensamentos de Paulo Freire, esse encontro toma para si a incumbência de discutir a educação
de adultos como direito, na perspectiva da educação permanente ou aprendizado ao longo da
vida. A conferência definiu o direito a aprender a ler e a escrever, a questionar, analisar e
escrever a própria história.
Para Costa e Machado (2017), foi neste período que surgiram os Fóruns de EJA
(1996), que ilustram as tensões entre à sociedade civil e o Estado. A proposta era motivar
diversas instâncias da sociedade civil a organizarem um diagnóstico da realidade da EJA no
Brasil, visando à constituição do documento que seria levado ao Encontro Latino-Americano
e Caribe – evento preparatório a V CONFINTEA, que foi realizada em 1997.
No evento, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) substituiu o relatório em
função do conteúdo do documento original, que demonstrava a baixa escolarização dos
estudantes de EJA e a ineficiência das ações descontínuas dos governos. O desrespeito do
governo brasileiro culminou na aglutinação de instituições, entidades e pessoas, consolidando
uma rede capaz de intervir mais organicamente na construção de políticas da EJA no Brasil.
A V CONFINTEA aconteceu na Alemanha, foi liderada por uma articulação de
fóruns, redes da sociedade civil e UNESCO, e teve como tema a aprendizagem de adultos
como ferramenta, direito, prazer e responsabilidade. Aqui surge o protagonismo juvenil e se
evidencia como ele se insere na discussão para o próprio desenvolvimento. A conferência foi
considerada especial, pois conseguiu integrar diferentes temáticas e ações numa articulação
multi-institucional, indo além dos limites estabelecidos pelas conferências anteriores.
Essa CONFINTEA comprometeu-se a adotar leis e políticas de reconhecimento do
direito à aprendizagem ao longo da vida. Essa articulação foi responsável pela realização
anual de Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos (Curitiba, 1998; Rio de
Janeiro, 1999; Campina Grande, 2000; São Paulo, 2001; Belo Horizonte, 2002; Cuiabá,
2003), realizados em data próxima ao Dia Internacional da Alfabetização. (Di Pierro,2006).
Para Paiva (2019, p.128), nessa conferência “a alfabetização aparece relacionada a
conhecimento e capacidades básicas necessárias às pessoas em um mundo em rápida
evolução”.
No seu texto “Um balanço da evolução recente da educação de jovens e adultos no
Brasil”, Di Pierro (2006) complementa essa informação quando diz que, infelizmente, nessa
29

época, apesar dessas iniciativas, houve uma redução dos investimentos mundiais, como
podemos observar a seguir:
O balanço da educação de adultos realizado na ocasião, sintetizado no Chamado à
ação e à responsabilização, não foi otimista. Em quase todos os países houve
redução do financiamento público para a aprendizagem dos adultos, em grande
medida decorrente da prioridade concedida por agências internacionais (como o
Banco Mundial) e governos nacionais à educação primária das crianças e
adolescentes. O potencial de contribuição da educação de adultos à solução dos
conflitos globais, ao combate à pobreza, à redução da violência, à preservação do
meio ambiente e à prevenção da AIDS não tem sido adequadamente aproveitado.
(DI PIERRO, 2006, p.18).
O Brasil foi palco da VI CONFINTEA em dezembro de 2009. Ela teve como tema:
“Vivendo e aprendendo para um futuro viável: o poder da aprendizagem e da educação de
adultos”, e foi organizada através do Documento Nacional Preparatório a VI Conferência
Internacional de Educação de Adultos (BRASIL, 2009). Essa conferência fez um balanço das
ações até então realizadas e as conquistas ocorridas, e teve como foco principal à articulação
da Educação e da aprendizagem, e a ênfase na questão das políticas públicas.
Pode-se perceber neste breve relato, que a CONFINTEA fomentou vários momentos
de discussão e aprendizado sobre a situação da EJA, mas ainda percebemos ações
fragmentadas e marcadas pela descontinuidade, no que se refere aos numerosos programas
federais, estaduais e municipais. Essa conjuntura pode desmotivar os estudantes da EJA, seja
pelo fechamento de turmas ou pela falta de profissionais capacitados para trabalharem com
essa modalidade.
Nesse sentido, quando observamos a linha do tempo da EJA, é possível enxergar que
essas políticas perpassam por interesses econômicos e programas assistencialistas, com intuito
meramente político, de forma aligeirada, pontual. Para Soares (2019, p. 04), “não é possível
mais conviver com a improvisação, isto é, sua prática exige ações mais permanentes” na EJA.
Os desafios atuais se constituem em: aperfeiçoar as metodologias que considerem suas
especificidades; pensar novas formas de articular o mundo do trabalho e da tecnologia;
investir em formação continuada e renovar o currículo para uma perspectiva interdisciplinar e
transversal, dentre outras ações. Para Di Pierro (2006), é possível que ela se constitua como
direito e não um favor prestado em função assistencialista, seja dos governos, da sociedade ou
de empresários.
Para aumentar, flexibilizar, diversificar e qualificar as oportunidades educacionais, o
lugar da educação de jovens e adultos na agenda da política educacional terá de ser
revisto, e pelo menos dois desafios enfrentados: formar educadores e ampliar o
financiamento público. (DI PIERRO, 2006, p.23)

Segundo Costa e Machado (2017), a constituição da EJA no estado ampliado extrapola


os limites da teoria como processo que vem ocorrendo ao longo da história do Brasil, mas
30

ainda não se consolidou. As autoras realizam uma reflexão histórica da EJA, tendo por base o
Parecer do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) nº
11/2000 (BRASIL, 2000), direcionador da construção das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação de Jovens e Adultos, de autoria do Conselheiro Professor Carlos Jamil Cury.
Nesse âmbito, a EJA é apresentada como fruto de luta, que existe e resiste numa sociedade
ainda muito elitizada.
Outro fator importante é que a EJA, quando limitada às práticas da escolarização,
reduz à sua possibilidade de reflexão, no sentido mais amplo. Dessa forma, sistematiza à sua
importância a uma ação mecânica de ler e escrever. Essa perspectiva pode ser ampliada no
sentido de uma Educação ao longo da vida, à qual os sujeitos têm direito, como terreno
propício para alcançar outras possibilidades. Podemos observar esse horizonte nas palavras de
Di Pierro; Joia; Ribeiro (2001, p. 58):
A educação de jovens e adultos é um campo de práticas e reflexão que
inevitavelmente transborda os limites da escolarização em sentido estrito.
Primeiramente, porque abarca processos formativos diversos, onde podem ser
incluídas iniciativas visando à qualificação profissional, o desenvolvimento
comunitário, a formação política e um sem número de questões culturais pautadas
em outros espaços que não o escolar. Além disso, mesmo quando se focalizam os
processos de escolarização de jovens e adultos, o cânone da escola regular, com seus
tempos e espaços rigidamente delimitados, imediatamente se apresenta como
problemático. Trata-se, de fato, de um campo pedagógico fronteiriço, que bem
poderia ser aproveitado como terreno fértil para a inovação prática e teórica. Quando
se adotam concepções mais restritivas sobre o fenômeno educativo, entretanto, o
lugar da educação de jovens e adultos pode ser entendido como marginal ou
secundário, sem maior interesse do ponto de vista da formulação política e da
reflexão pedagógica.
Esse olhar mais apurado de reflexão pedagógica é sustentado pela ideia de que o ser
humano está em construção permanente, ou seja, inconcluso. Sobre isso, Freire (2000, p. 55)
diz que “É por isso também que a educação é permanente. Como não se dá no vazio, mas num
tempo-espaço ou num tempo que implica espaço e num espaço temporalizado, a educação,
embora fenômeno humano universal, varia de tempo-espaço a tempo-espaço”. O autor
acreditava que esse movimento é necessário para a sobrevivência, para nos conhecermos
melhor, bem como os outros e a natureza. Isso era o que ele chamava de construção da nossa
humanidade, em que esse movimento de procura faz e refaz seu saber e vai muito além das
práticas de escolarização.

2.3 OS MARCOS LEGAIS DA EJA NO MUNICÍPIO DE SALVADOR Os marcos legais da


EJA foram organizados neste espaço de acordo com à sua ordem cronológica. Primeiramente,
falaremos do Projeto Político Pedagógico (PPP) da EJA
31

(Nascimento; Costa, 2012); em seguida trataremos da Resolução do Conselho Municipal de


Educação (CME) Nº 041/2013 (SALVADOR, 2013); dos Saberes para os Tempos de
Aprendizagem (SALVADOR, 2014), dos Documento de Referência Curricular para o
Segundo Segmento da Educação de Jovens e Adultos – EJA II (Salvador, 2014); e, para
finalizar, a Matriz Curricular (SALVADOR, 2015). Esses documentos se complementam e
são, atualmente, os direcionadores das ações das escolas municipais na rede municipal de
Salvador em relação à EJA. Portanto, devem ser utilizados pelos professores para planejarem
às estratégias pedagógicas desses alunos, jovens e adultos, sobretudo, aqueles com
deficiência.
O PPP da EJA (Nascimento; Costa, 2012) da rede municipal de Salvador é um
documento construído com a participação de várias vozes das unidades escolares que
dialogaram durante o período de 2010 e 2011, através de formações presenciais, à distância e
palestras realizadas pelo Instituto Paulo Freire. A introdução apresenta que esse PPP está em
sintonia com a VI CONFINTEA, com marcos legais e internacionais. Nos procedimentos
metodológicos, aponta-se a necessidade de um diálogo intenso com à abordagem
interdisciplinar para a consolidação das práticas pedagógicas, uma vez que os fundamentos da
EJA perpassam pontualmente sobre a realidade nacional em relação ao analfabetismo. Em
seguida, aponta algumas iniciativas e apresenta a política da Secretaria Municipal de
Educação, Cultura e Lazer (SECULT), em relação aos sujeitos da EJA, que aparecem no
âmbito nacional e em Salvador. A dimensão ECO do Projeto aborda preocupações e
proposições em relação aos aspectos ambientais e econômicos, com vistas a uma vida mais
sustentável. O currículo está em consonância com as diretrizes do MEC, e sinaliza a leitura de
mundo como metodologia de possibilidades para atender aos desejos e necessidades desses
sujeitos através do conhecimento da realidade e da possibilidade de transformá-la.
A gestão das aprendizagens apresenta a possibilidade de trabalhar com os
conhecimentos dos educandos em consonância com a alfabetização, o letramento, a formação
de leitores e produtores de texto e os conhecimentos matemáticos através de uma perspectiva
interdisciplinar. Já a avaliação, aqui chamada de emancipatória, é apresentada como
dispositivo de orientação às práticas educativas e, portanto, “não se presta ao papel de testar se
os conhecimentos foram transmitidos de forma adequada” (NASCIMENTO; COSTA, 2012, p.
57). Essa perspectiva libertadora e processual parte do princípio de que a avaliação não pode
ser vista como uma ação exclusiva do docente. Essas considerações ressaltam a necessidade
de uma construção coletiva do PPP de cada unidade escolar, para que esses sujeitos sejam
contemplados nas suas especificidades.
32

O PPP aponta ainda que, a questão do analfabetismo não é falta de interesse ou


descaso dos analfabetos, mas uma dívida social que pode ser tratada com políticas públicas de
qualidade, com mobilização e comprometimento, para que esses sujeitos tenham acesso aos
conhecimentos produzidos. Acreditamos que os princípios apontados no PPP da EJA e a
Resolução nº 020/2010 (SALVADOR, 2010), comentada no item 4.5.2 desta pesquisa, que
trata da estrutura do PPP, podem ser aliados no processo de reflexão das práticas pedagógicas
necessárias à emancipação dos alunos jovens e adultos.
A Resolução CME Nº 041/2013 (SALVADOR, 2013) está pautada tendo em vista o
dispositivo da Lei Federal nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), das orientações do Parecer
CNE/CEB nº 11 de 2000 (BRASIL, 2000), da Resolução CNE/CEB nº 1 de 2000 (BRASIL,
2000), do Parecer CNE/CEB Nº 6/2010 (BRASIL, 2010) e da Resolução nº 3 de 2010
(BRASIL, 2010). Esses documentos direcionadores são dispositivos legais de proteção aos
direitos dos jovens e adultos que visam garantir o direito fundamental à educação ao longo da
vida, um importante passo que fortalece o processo democrático.
A Resolução CME Nº 041/2013 (SALVADOR, 2013) aponta caminhos referentes à
EJA através de procedimentos educativos, formativos e de qualificação que envolvam o
mundo do trabalho e que considerem o seu perfil socioeconômico e cultural, como também às
suas experiências de vida. Aponta ainda como devem ser a estrutura dos cursos de EJA I e II
em Tempos de Aprendizagem. Em relação ao currículo, transcorre sobre os seus fundamentos,
temáticas, dinâmica e avaliação. Em seguida, delimita como deve se proceder a aprovação, os
estudos de recuperação e os procedimentos relativos à classificação e ao avanço desses
alunos.
Ao término no seu Art. 17, ela sinaliza: “As escolas da Rede Pública Municipal de Ensino de
Salvador devem adequar seu Projeto Político Pedagógico e Regimento Escolar à organização
do ensino fundamental, na modalidade EJA, estabelecida nesta Resolução” (SALVADOR,
2013, p. 3). Essa determinação é muito importante para que as escolas possam ficar ainda
mais atentas quanto a essa sinalização, para que a identidade desses jovens e adultos sejam
preservadas e se ajude, assim, a garantir o seu acesso e permanência na escola.
Outro documento importante da EJA que identificamos são os Saberes para os Tempos
de Aprendizagem (SALVADOR, 2014), que constituem a mais nova estrutura proposta para
essa modalidade, resultado de avaliações dentro de uma construção coletiva com professores
das escolas, coordenadores, Comissão de Alfabetização, Grupo de Discussão da EJA-GD e da
equipe técnica da Coordenadoria de Ensino e Apoio Pedagógico (CENAP)/EJA. Sendo assim,
os Saberes para os Tempos de Aprendizagem (SALVADOR, 2014, p. 02) ressalta que:
33

Estes Saberes foram construídos com base em documentos legais (Proposta


Curricular para o 1º e 2º Segmento da EJA/MEC e Documento de Referência
Curricular para EJA II, outras produções da SMED) que subsidiarão a construção do
planejamento e avaliação na EJA em cada disciplina que compõe a Matriz
Curricular da EJA I e II.
Esses saberes são organizados nos seguintes componentes curriculares: EJA I (Língua
Portuguesa, Matemática, Estudos da Sociedade e da Natureza) e EJA II (Língua Portuguesa,
Inglês, História, Geografia, Educação Física, Artes, Ciências e Matemática). Entendem-se por
Estudos da Sociedade e da Natureza as disciplinas de História, Geografia e Ciências. Eles
foram construídos, considerando uma sequência lógica e gradativa, em que cabe ao professor
definir o quantitativo desses saberes por bimestre de acordo com uma tabela. Dessa forma, os
sujeitos da EJA têm a possibilidade de terem acesso a diferentes conhecimentos.
O Documento de Referência Curricular para o Segundo Segmento da Educação de
Jovens e Adultos – EJA II (SALVADOR, 2014) foram construídos com a UNEB, a ONG
Pierre Bourdieu e os Projetos Inovadores para Educação Básica (PICEB), com a participação
de educadores da rede municipal, tais como: formadores, articuladores, coordenadores e
gestores escolares. Essa referência demonstra um currículo integrado em sintonia com a
concepção de aprendizagem ao longo da vida, que possibilita a interdisciplinaridade e a
relação entre o pensamento e a vivência dos educandos, considerando suas especificidades.
Essa concepção de aprendizagem é apresentada no âmbito do direito social, segundo o
qual a escola tem a função de compartilhar com todos os sujeitos; o legado sociocultural e
científico produzido pela humanidade. Nessa perspectiva, esse orientador para o trabalho
pedagógico aponta a formação do educador da EJA como compromisso profissional que
emerge de uma necessidade cada vez mais presente de consolidar competências para enfrentar
os desafios inerentes ao ato de educar. Para Arroyo (2006b) e Soares (2011), essa formação
precisa atender às especificidades dessa modalidade. Assim, a aprendizagem dos educandos
da EJA apresenta alguns aspectos que precisam ser considerados e, para percebê-los, o
docente precisa estar imerso no desejo de aprender.
O acompanhamento da aprendizagem dos educandos da EJA através do processo de
avaliação precisa articular os diversos campos do conhecimento, utilizando-se de diversos
dispositivos, como: observação, registro e mediação. A qualidade criativa, neste contexto,
precisa estar presente na intervenção didática do professor, ajudando esse sujeito a
potencializar suas sistematizações em relação ao conhecimento. Essa preocupação é descrita
no Documento de Referência Curricular (SALVADOR, 2014, p. 15) a seguir:
O desafio posto consiste em propor atividades que o educando da EJA II possa
expressar suas ideias e sentimentos, na perspectiva da ação/reflexão, despertando a
curiosidade, o questionamento, o senso de observação, a capacidade de criar
34

hipóteses, descobrir, experimentar, identificar, distinguir, relacionar, classificar,


sistematizar, criar, jogar, debater, comparar, concluir, entre outras experiências
formadoras. Ações como essas possibilitarão o engajamento do sujeito da EJA II,
fomentando em cada indivíduo e no grupo o desafio de ser o principal construtor dos
conhecimentos que lhes possibilitarão estar mais fortalecidos como cidadãos no
convívio social.
Essa mediação é fundamental para a construção de uma visão crítica, pois ajuda a
subsidiar a vontade desses sujeitos de continuarem aprendendo. Outro dispositivo importante
é a diversidade de provocações didáticas que o professor pode apresentar, como: produções de
escritas coletivas, estímulo à expressão oral, construção de maquetes, textos-denúncia,
roteiros de entrevista, dentre outras. O supramencionado documento reforça que esses e outros
mecanismos podem aproximar os sujeitos das demandas de interlocução com o mundo
contemporâneo.
Em seguida, esse referencial apresenta os componentes curriculares das áreas e
descreve em quais contextos estão inseridos. Cada eixo apresenta seus objetivos de forma
clara, objetiva e consistente, consolidados em fundamentos teóricos. Em seguida, aponta que a
matriz curricular da EJA prevê o trabalho interdisciplinar considerando a Lei nº 10.639/2003
(BRASIL, 2003), as Diretrizes Curriculares de Educação Ambiental (SALVADOR, 2006), a
Lei nº 11.645/2008 (BRASIL, 2008), as discussões dos componentes Economia Solidária e
Desenvolvimento Sustentável e a Informática com acesso às novas tecnologias da informação
associada às práticas sociais.
Em suas considerações críticas, esse documento de referência curricular mostra que
ele não é um fim em si mesmo, e que é preciso que todos os envolvidos realizem leituras para
potencializar outras construções. Ele é, antes, uma proposta política que consiste em
empoderar as vozes silenciadas historicamente, integrando sujeito e instituições. Essas
considerações apontam que um currículo “acontece, antes de tudo, dentro de cada um,
articulando o sentir, o pensar e o agir” (SALVADOR, 2014, p. 52, grifos do autor). Sendo
assim, o primeiro passo para que esse documento seja realmente utilizado é que todos os
professores o conheçam e se apropriem desses conhecimentos.
Por fim, vamos trazer a Matriz Curricular (SALVADOR, 2015), que sinaliza estar em
conformidade com a LDB nº. 9394/96 (BRASIL, 1996), com o Parecer CNE/CEB nº. 11 de
2000 (BRASIL, 2000), a Resolução CNE/CEB nº. 1 de 2000, a Resolução nº 3 de 2010
(BRASIL, 2010) e a Resolução do CME nº. 41 de 2013 (SALVADOR, 2013) que dispõe
sobre a reestruturação da modalidade de Educação de Jovens e Adultos no Sistema Municipal
de Ensino de Salvador. Essa matriz reforça que a estrutura do 2º Segmento da EJA,
denominado como Tempos de Aprendizagem IV e V, deve incluir as Leis 10.639/2003
35
(BRASIL, 2003) e a Lei nº 11.645/2008 (BRASIL, 2008), as Diretrizes Curriculares de
Educação Ambiental (SALVADOR, 2006), e as discussões dos componentes Economia
Solidária e Desenvolvimento Sustentável.
Como podemos perceber, essas contribuições podem fortalecer, fundamentar e
valorizar os conhecimentos específicos trabalhados em sala de aula, que estão em processo
constante de construção, e devem se manter atentos ao movimento de ação-reflexão-ação.
Eles devem servir para embasar o planejamento dos professores e estão disponíveis na
plataforma on-line da Secretaria Municipal de Educação (SMED).
36

3 EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


“As qualidades ou virtudes são construídas por nós no esforço que nos impomos para
diminuir a distância entre o que dizemos e o que fazemos”
(FREIRE, 1996, p. 26).
A Educação Especial é uma “modalidade de educação escolar oferecida,
preferencialmente, na rede regular de ensino aos educandos com deficiência, com transtornos
globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2020, p. 36).
O ensino, exclusivamente especializado sofre críticas, no sentido de que não promove neste
ambiente o convívio com outras pessoas. Para atender às especificidades desses sujeitos, os
professores precisam primeiro olhar para essas pessoas, antes mesmo das suas deficiências e,
quando necessário, o ensino precisa ser adaptado.
Esse ensino precisa ser pensado e planejado através de estratégias pedagógicas
coerentes e consistentes, com ações organizadas de forma sequencial, para que os objetivos do
professor sejam alcançados. Esses caminhos precisam envolver métodos, técnicas e práticas
condizentes com às especificidades dos alunos com deficiência, sobretudo com os jovens e
adultos, para que o seu conhecimento seja consolidado. Nesse sentido, temos o entendimento
de que “uma estratégia normalmente é estipulada para ultrapassar algum problema4”, e na
nossa pesquisa é vista como um desafio a ser superado para que o aluno possa ter acesso ao
currículo.
Nessa perspectiva, à estratégia pedagógica pode ajudar os professores a selecionarem
diferentes formas, maneiras e delineamentos metodológicos para trabalharem com os alunos
com deficiência na EJA, através de uma ação coordenada, de um diálogo fecundo entre à
formação objetiva e subjetiva, e de uma concepção de formação aprofundada na análise dos
dados. Essa ação tem como objetivo proporcionar ao aluno o acesso ao currículo, atrelado à
questão da qualidade, com procedimentos planejados e organizados para alcançar, promover e
articular o conhecimento.
Uma das formas de contribuir para que o professor tenha essa percepção de que às
estratégias pedagógicas são nossas aliadas no contexto da Educação Inclusiva, é fazer com
que ele conheça e se aproprie de alguns fatos históricos que levaram a Educação Especial a ter
uma perspectiva de Educação Inclusiva. O atendimento da Educação Especial surgiu para
suprir a demanda de uma sociedade que vem se transformando. E para entender melhor essa
trajetória, apresentamos a seguir alguns desses fatos.

4
ESTRATÉGIA. Significados. 7Graus. 2020. Disponível em: <https://www.significados.com.br/estrategia/>.
Acesso em: 05 janeiro 2020
37

3.1 MEMÓRIAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO


INCLUSIVA
Às pessoas com deficiência passaram por várias formas de exclusão, sendo a primeira
delas a fase da segregação, em que eram vistas como defeituosas, o que inviabilizava seu
convívio social. Desse modo, as crianças com alguma deficiência frequentavam o mesmo
espaço físico-social que as demais sem deficiência, todavia, recebiam instruções e cuidados
educacionais separadamente. “Assim, a educação especial foi constituindo-se como um
sistema paralelo ao sistema educacional geral, até que, por motivos morais, lógicos,
científicos, políticos, econômicos e legais, surgiram as bases para uma proposta de
unificação” (MENDES, 2006, p. 388).
Sobre essa fase, Portela (2014, p. 64) diz que:
As filosofias e práticas segregacionistas do passado tiveram efeitos prejudiciais às
pessoas com deficiência, às escolas e à sociedade em geral. A ideia de que elas
poderiam ser ajudadas em ambientes segregados, alijadas do resto da sociedade,
fortaleceu os estigmas sociais e a rejeição. [...] Tudo isso contribuiu para disseminar
a incapacidade de apreciar a diversidade social e cultural não valorizando as coisas
significativas que nos unem.
Arend; Morais (2009) dizem que, na década de 1930, os educadores que trabalhavam
com os alunos com deficiência usavam a expressão “ensino emendativo”, que na sua origem
significa corrigir falta, tirar defeito. Essa expressão também é utilizada por Mendes (2010).
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), que determina que todos
são iguais perante a lei, as lutas em prol desses direitos cresceram em favor da integração das
pessoas com deficiência. Esse período sofreu várias críticas, posto que a inserção e a
permanência desses alunos dependeriam do seu desempenho, independente de limitações,
como podemos observar na seguinte afirmação de Coelho (2008, p.27):
A integração tinha como pressuposto que o problema residia nas características das
crianças excepcionais, na medida em que centrava toda a sua argumentação na
perspectiva da detecção mais precisa dessas características e no estabelecimento de
critérios baseados nessa detecção para a incorporação ou não pelo ensino regular.
Mendes (2006, p.391) afirma que esse conceito de integração escolar supera o sentido
que “seria o da mera colocação de pessoas consideradas deficientes numa mesma escola, mas
não necessariamente na mesma classe”. Esse conceito mostra que as classes especiais
preparavam o aluno com deficiência para integrar a classe comum, onde ele teria de se
adaptar à escola. Dessa forma, a convivência acontecia e a questão da integração estava
resolvida. Dependendo do desempenho desse aluno em acompanhar as atividades
desenvolvidas e o currículo, é que essa promoção seria efetivada. Porém, surgiram críticas a
esse modelo, pois, segundo Mendes (2006, p. 391),
38

a passagem de alunos com necessidades educacionais especiais de um nível de


serviço mais segregado para outro, supostamente mais integrador, dependia
unicamente dos progressos da criança, mas na prática essas transições raramente
aconteciam, o que comprometia os pressupostos da integração escolar.

Foi na década de 1950 que surgiram as primeiras escolas especializadas dentro de uma
concepção assistencialista, com instituições filantrópicas de atendimento. Com a aprovação da
Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (ONU, 1959), o direito à
educação gratuita e obrigatória foi garantido. Já na década de 1960, surgiu o conceito de
Normatização, com o objetivo de assemelhar às pessoas com deficiência às “condições
normais” da sociedade. Neste período, os pais das crianças a quem esse direito era negado
iniciaram um movimento que resultou na aprovação de leis, decretos e emendas, através da
sensibilização da sociedade, o que poderia minimizar sua marginalização. Outro aspecto
interessante apresentado por Mendes (2006, p. 388-389) é que:
Um fator também crucial que influenciou a mudança na filosofia de serviços nas
décadas de 1960 e 1970 foi o custo elevado dos programas segregados, no contexto
da crise mundial do petróleo. Até então, apenas os países considerados
desenvolvidos haviam criado um sistema educacional paralelo para os portadores de
deficiências. A partir da década de 1960, passou a ser também conveniente adotar a
ideologia da integração pela economia que elas representariam para os cofres
públicos. [...] Paralelamente, ocorria a explosão da demanda por ensino especial
ocasionada pela incorporação da clientela que, cada vez mais, passou a ser excluída
das escolas comuns, [...] o que também ajudou na organização política de grupos
que passaram a demandar por mudanças. [...] Esses interesses foram atendidos em
diferentes países com o estabelecimento de bases legais que instituíram,
gradualmente, a obrigatoriedade do poder público quanto à oferta de oportunidades
educacionais para pessoas com deficiências, a instituição da matrícula compulsória
nas escolas comuns e de diretrizes para a colocação em serviços educacionais
segundo o princípio de restrição ou segregação mínima possível.
Na década de 1970, o conceito de reabilitação foi consolidado; porém, ainda sem
condições adequadas de atendimento para atingir a eficiência no âmbito escolar. Sobre esse
período, Jannuzzi (2004) declara que a Educação Especial ficou mais em evidência, tanto pela
oficialização de um setor responsável por ela, quanto pela realização de assembleias,
seminários, resoluções e declarações com o objetivo de ampliar o atendimento a essas
pessoas.
Sobre esse conceito, percebemos que a ideia vem sendo reformulada, tanto da
concepção clínica quanto da terapêutica, o que demonstra uma preocupação do ponto de vista
do desenvolvimento integral dos sujeitos com deficiência. Essa mudança de concepção
transforma o olhar pelo ser humano que, ao longo da história, foi classificado por parâmetros
físicos, mentais e sociais, gerando rótulos e estigmas e, portanto, não deve ser isolado dos
aspectos social e educacional.
Essa mudança de olhar provocou uma mudança de atitude: quando olhamos apenas
para as limitações dos sujeitos, restringimos às suas possibilidades. Na década de 1980,
39

através do processo de redemocratização do Brasil, ocorreram reformas importantes nas


políticas educacionais, o que ajudou a reforçar a luta pelos direitos das pessoas com
deficiência. Sobre esse período, Arend e Morais (2009, p. 217-218) dizem que:
A partir da organização do Ano Internacional das Pessoas Deficientes
(AIPD) pela ONU5, ocorrido na década de 1980, impulsiona-se o movimento
das associações em busca do reconhecimento e da preservação de seus
direitos, sendo o lema “Participação plena e igualdade”. Em 1984, surgiu a
Federação Brasileira de Entidades de Cegos (FEBEC), a Organização
Nacional de Entidades de Deficientes Físicos (ONEDEF), a Federação
Nacional de Educação de Surdos (FENEIS) e o Movimento de Reintegração
dos Hansenianos (MORHAM) e em dezembro o Conselho Brasileiro de
Entidades de Pessoas Deficientes reuniu as quatro entidades. As associações
foram se integrando internacionalmente.
A Assembleia Geral das Nações Unidas e o Programa de Ação Mundial para às
Pessoas Deficientes aconteceram em 1985. No Brasil, com a Constituição de 1988, o direito à
educação é mantido e ampliado, sendo dever do Estado e da família garantir o acesso de todos
os níveis mais elevados de ensino, bem como a igualdade de condições de permanência na
escola. Esse direito envolve o desenvolvimento das pessoas, o exercício da cidadania e a
qualificação para o trabalho.
É nessa constituição que aparece a expressão “pessoa portadora de deficiência”. Sobre
o documento, Mendes (2010, p.102) complementa que “Ela assegurou que a educação de
pessoas com deficiência deveria ocorrer, preferencialmente na rede regular de ensino e
garantiu ainda o direito ao atendimento educacional especializado”, outro avanço importante.
Para que isso ocorra, segundo Mantoan (2013, p.103), é preciso urgentemente “reinventar o
modo tradicional de ensinar [...] nas salas de aula”.
Outro marco importante foi a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora
de Deficiência, instituída pela Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 e regulamentada pelo
Decreto nº 3.298/99 (BRASIL, 1999), que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de
deficiência, disciplina e atuação do Ministério Público, define crimes, dentre outras
providências. Essa política prevê oferta gratuita e obrigatória no sistema educacional,
suscetível a pena e reclusão, mais multa, para os dirigentes de instituições de ensino que se
recusarem a matricular alunos com deficiência.
Dentre os inúmeros dispositivos legais internacionais sobre Educação Inclusiva, Arend
e Morais (2009) destacam a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (UNICEF,

5
Organização das Nações Unidas: organização internacional formada por países que se reuniram voluntariamente
para trabalhar pela paz e o desenvolvimento mundiais.
ONU. As nações unidas no Brasil. Brasília, 2020. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/conheca/>. Acesso
em: 05 janeiro 2020.
40

1990a), que foi aprovada na Conferência de Jomtien, na Tailândia, em que se falou das
necessidades básicas de aprendizagem, universalização do acesso e promoção da equidade,
com metas e princípios de atuação. Nesse ínterim, a Conferência Mundial de Educação
Especial (UNICEF, 1990b) contou com a participação de 88 (oitenta e oito) governos e 25
(vinte e cinco) organizações, e aconteceu na Espanha. A Declaração e a Conferência
apresentaram a expressão “pessoas portadoras de deficiências” e em seguida, temos também a
Declaração de Santiago (SANTIAGO, 1993).
Outro documento importante é a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.1), que
aconteceu na Espanha, e afirma que “escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva
constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando-se
comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para
todos”. Para isso, era preciso aprimorar a Educação de forma efetiva, incluindo todas as
crianças, independentemente das suas dificuldades e diferenças. Sobre essa concepção de
acolher, Albuquerque (2011) chama a atenção quanto ao significado dessa palavra, que quer
dizer considerar, reunir, juntar. Essa necessidade de estarmos juntos em acolhimento é o que
nos ensina a conviver.
Neste contexto, o Brasil continua sendo influenciado por manifestações internacionais,
e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) /1996 (BRASIL, 1996) aparece
pela primeira vez um capítulo sobre a Educação Especial, garantindo que esse atendimento
deve ser preferencialmente na rede regular de ensino, tornando obrigatório o acesso dos
alunos. O termo “preferencialmente” leva a acreditar que, em alguns casos, esse atendimento
não seria possível, e a Lei utiliza a expressão “portadores de necessidades especiais” para
falar das pessoas com deficiência.
A LDB (BRASIL, 1996) coloca que, quando necessário, o aluno deve ter acesso ao
serviço de apoio especializado na escola regular, e que, o ensino precisa atender às suas
necessidades com currículos, métodos, técnicas e recursos específicos. Sobre esses recursos,
Correia e Neves (2019, p. 10) reforçam que é através deles que “os educandos se identificam e
desenvolvem autoestima, imaginação, confiança, controle, criatividade, cooperação, senso de
percepção e o relacionamento interpessoal” funcionando como “veículo estimulador”. Além
disso, não podemos esquecer que um dos objetivos da educação escolar é que todos os alunos
aprendam a conviver em grupo, respeitando suas limitações e particularidades.
Dando continuidade a essas políticas, destacamos também as Diretrizes Nacionais para
a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) e o Documento Subsidiário à
Política de Inclusão (PAULON; FREITAS; PINHO, 2005). As Diretrizes Nacionais (2001, p.
41

05) apresentam a educação como “principal alicerce da vida social”, que “transmite e amplia a
cultura, estende a cidadania, constrói saberes”. Por sua vez, o Documento Subsidiário (2005,
p. 05) tem como objetivo orientar os sistemas educacionais em espaços inclusivos e de
qualidade, “que valorizem às diferenças sociais, culturais, físicas e emocionais e atendam às
necessidades educacionais de cada aluno”.
Outro passo importante foi a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (BRASIL, 2008, p. 16), que trata dos direitos humanos e um novo conceito sobre
deficiência, considerando que “Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial”. Essa Convenção acredita que
a deficiência pode dificultar a participação dessas pessoas na sociedade, em igualdade de
condições com outras pessoas, além de propor o enfrentamento das barreiras ambientais e
atitudinais.
Para Diniz (2007), o conceito de deficiência é muito mais do que a condição física
desse sujeito. Ela é parte constitutiva da identidade dessa pessoa, quando analisamos na
perspectiva dos campos sociológicos e políticos, além de conceitos médicos. Quando uma
sociedade busca atender às necessidades específicas desse corpo com lesão, sejam elas
psicológicas, de acessibilidade ou de aprendizagem, ele passa a ter mais autonomia. Assim, a
deficiência vai continuar existindo e, consequentemente, nossos conceitos de aprendizagem
serão revistos.
Em seguida, destacamos também a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que merece nossa atenção quando trata
do acesso à educação de qualidade como um direito de todos os alunos. Segundo a Política,
para atender às especificidades do termo “integração” ao invés de “inclusão”, é preciso um
conjunto de ações interligadas:
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir:
acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade
nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de
educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta
do atendimento educacional especializado; formação de professores para o
atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação
para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade
arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e
informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas
públicas (BRASIL, 2008, p. 14).
42

Nesse interim, a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com


Aprendizado ao Longo da Vida (BRASIL, 2020) surge como retrocesso a essa política de
2008 e segundo Vivas e Falcão (2020) ela está sendo questionada. Também consideramos
relevante a Resolução CME nº 022/2010 (SALVADOR, 2010), que trata da Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva no Sistema Municipal de Ensino de Salvador.
Em seguida, às novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (BRASIL,
2013, p. 04), que trazem à sua contribuição quando “estabelecem a base nacional comum,
responsável por orientar a organização, articulação, o desenvolvimento e a avaliação das
propostas pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras”. Elas são normas obrigatórias
que orientam o planejamento curricular das escolas e são concebidas pelo Conselho Nacional
de Educação (CNE). Mesmo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) /2017
(BRASIL, 2017), essas diretrizes continuam valendo, pois são documentos complementares.
Para finalizar, temos a Nota Técnica Nº 04/2014/MEC/SECADI/DPEE (BRASIL,
2014), que trata da orientação quanto aos documentos comprobatórios de alunos com
deficiência, e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei
Nº 13.146/2015 (BRASIL, 2015). A Nota Técnica é amparada pela Constituição Federal
(BRASIL, 1988) que declara que a educação é um direito de todos e que, portanto, a
exigência de um diagnóstico clínico para o atendimento educacional especializado configura
se como imposição de barreira, ou seja, cerceamento desse direito.
Já a LBI (BRASIL, 2015) tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência (BRASIL, 2008), e corrobora com o mesmo conceito de deficiência, na qual
deixa de ser uma condição meramente estática e biológica. Com a Lei, às escolas privadas são
obrigadas a promoverem à adaptação necessária às pessoas com deficiência, sem repasse de
ônus, inclusive com a oferta de uma auxiliar em sala de aula, quando necessário. Para
Paganelli (2017, p. 01), “o que pode (e deve) diferir são as estratégias pedagógicas e aspectos
como complexidade, quantidade e temporalidade para acessar um mesmo currículo”, em
relação a essa adaptação. Para Passos (2019, p.34), à adaptação perpassa pelas estratégias
pedagógicas e não pelo currículo, como veremos a seguir:
O termo diferenciação curricular, a meu ver, denota que esses sujeitos não
estarão incluídos e, certamente, não serão contemplados com o mesmo
currículo adotado no país, estado, cidade e/ou escola. Isso fere os princípios
legais, que expõem que todos os cidadãos têm direito à educação em
igualdade de condições, conforme o que estabelece a Constituição Federal de
1988 em seus artigos 205, 206, 207 e 208. Também descaracteriza as
possibilidades de aprendizagem e limita esses sujeitos a currículos adaptados
e /ou reduzidos, quando, na verdade, as adaptações devem ocorrer quanto às
estratégias pedagógicas para que todos tenham acesso ao mesmo currículo.
43

Outra conquista decorrente da LBI (BRASIL, 2015) diz respeito à igualdade e a não
discriminação, pois estabelece no seu Art. 7º que “É dever de todos comunicar à autoridade
competente qualquer forma de ameaça ou de violação aos direitos da pessoa com deficiência”.
Essa afirmação realça a responsabilidade de todos sobre essa violação. A Lei estabelece à
necessidade do atendimento prioritário, do direito à vida, bem como o direito à habitação e à
reabilitação. Dispõe também indicações sobre moradia, direito ao trabalho, à assistência e
previdência social, à cultura, ao esporte, ao turismo, ao lazer, ao transporte e à mobilidade.
Em seguida, a LBI (BRASIL, 2015) transcorre sobre a acessibilidade, o acesso à
informação e à comunicação, às tecnologias assistivas (TA), ao direito à participação na vida
pública e política, e ao acesso à Justiça. Como podemos perceber, ela apresenta um
detalhamento de orientações e ações que podem ajudar às pessoas com deficiência a
conquistarem cada vez mais o seu espaço na sociedade. Segundo o site da Câmara Paulista
para Inclusão da Pessoa com Deficiência6, ela “mudou uma série de leis, como a
Consolidação das Leis do Trabalho, o Código de Trânsito Brasileiro e o Estatuto da Cidade.
[...] O Código Civil agora só considera incapaz a pessoa que, por algum motivo, não consegue
expressar a própria vontade”.
Percebemos que as estratégias que a LBI (BRASIL, 2015) aponta para a escola ser
inclusiva estão relacionadas às metodologias, aos espaços e aos materiais que devem ser
capazes de atender a todos, e que, portanto, não precisam ser preparados exclusivamente para
pessoas com deficiência. Ela indica que as aulas precisam ser oferecidas também em Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS), que exista o desenvolvimento acadêmico dos alunos com
deficiência, que materiais inclusivos como o Braile sejam utilizados, como também a oferta
de tecnologias assistivas. Para Sartoretto (2010, p. 01) “A única diferença que há entre as
pessoas ditas normais e as pessoas com deficiências está nos recursos de acessibilidade que
devem ser colocados à disposição dos alunos com deficiências para que possam aprender e
expressar adequadamente suas aprendizagens”.
Outra contribuição importante da referida Lei, são as orientações quanto ao acesso à
Justiça e o que acontece com quem desrespeita suas exigências. Nessa conjuntura, a
deficiência está no meio e não nas pessoas, deixando de ser uma característica para se tornar o
resultado da falta de acessibilidade que o Estado e a sociedade inviabilizam. Resultado:
quanto mais oportunidades e acessos, menores serão suas dificuldades segundo suas

6
CÂMARA PAULISTA PARA INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. LBI, garante novos direitos
às pessoas com deficiência. São Paulo. 2020. Disponível em: <https://www.camarainclusao.com.br/noticias/lbi
garante-novos-direitos-as-pessoas-com-deficiencia/>. Acesso em: 05 janeiro 2020
44

características. Esses avanços significativos representam o cenário que temos atualmente em


relação à Educação Especial, o que mostra uma preocupação gradual que reverbera na
Educação Inclusiva.
Através da leitura de todos esses documentos, percebemos o quanto é importante nos
apropriarmos das informações para que possamos compreender à trajetória histórica desses
sujeitos. Assim, diante desses conhecimentos, anteriormente descritos sobre Educação e
inclusão, percebemos que é preciso que os professores reflitam sobre as seguintes perguntas:
quais estratégias pedagógicas estamos utilizando com esses alunos com deficiência? Será que
estamos ajudando a invisibilizá-los? De que forma podemos estar fazendo isso? O que é
possível fazer para adequar às estratégias pedagógicas utilizadas para atender a esse sujeito
com deficiência, que se disponibiliza diariamente a estar em uma sala de aula para poder
aprender? Esse é um exercício constante de ação-reflexão-ação, que precisa permear o nosso
fazer pedagógico.
Como se pode perceber, a Educação Especial começou a ter uma perspectiva de
Educação Inclusiva quando na sua caminhada consolidou o conceito de que, além do direito à
Educação, todas as pessoas precisam ter as mesmas oportunidades. Quando compreendemos
que todos são capazes de aprender, que o processo de cada um é singular, e que o convívio
escolar beneficia a todas as pessoas, constatamos que os seus pressupostos vão além das
garantias de direito ao acesso das pessoas com deficiência. A Educação Inclusiva propõe que
tomemos posse novamente do verdadeiro sentido de educar pessoas, que vai muito além do
ato de transmitir conhecimento. Para Mantoan (2017, p.39), a inclusão “caminha na
contramão do conceito platônico de representação”, que as escolas muitas vezes insistem em
seguir.
Uma sociedade mais justa e participativa, com pessoas que se respeitam, valorizam as
diferenças e entendem que juntas podem conquistar outras possibilidades, é um outro desafio
que a Educação Inclusiva nos propõe. Ela, na verdade, preocupa-se em atender a diversidade
de forma natural, pois, somos essencialmente diferentes, e sugere que não existam regras
específicas, porém ajustadas, para atender algumas especificidades. Por essas razões, a
Educação Inclusiva nos remete a um processo social intenso de redescobertas, de empatia, que
estimula o raciocínio e aprimoram às faculdades intelectuais, físicas e morais.
Assim sendo, a expressão “portador” foi superada, segundo Sassaki (2014). Quando portamos
algo, como uma bolsa, podemos deixar de ter à sua posse a qualquer momento, e isso não
acontece com às pessoas com deficiência. Elas têm uma deficiência, isso é inerente à sua
condição, e resulta das barreiras do ambiente físico e social. O repensar dessa palavra
45

parece, à primeira vista, algo simples, mas está carregado de significados que expressam a
concepção de um contexto histórico, impregnado de valores. Isso reverbera no conceito de
deficiência que evolui e se identifica com as concepções de sociedade descritas no preâmbulo
da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (BRASIL, 2007, p. 01-02): “a
deficiência é um conceito em evolução e resulta da interação entre pessoas com deficiência e
as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação
dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.
Independente da nossa vontade e da nossa formação, precisamos enfrentar o mito da
homogeneização, pois somos diferentes por natureza, temos os mesmos direitos e a escola é
para todos. Sabemos e concordamos com esses princípios. Entretanto, quando estamos
envolvidos em situações diversas, costumamos agir de forma confortável, com ferramentas
que já fazem parte do nosso repertório pedagógico. Nesse sentido, vale dizer que os alunos da
Educação Especial estão em desvantagem, pois a maioria das pessoas podem não ter
convivido com pessoas com deficiência durante à sua formação. Portanto, vamos precisar de,
na caminhada, construir e reconstruir conceitos, o que pode levar um tempo para acomodação
e maturidade.
Aliados a essa realidade, temos os sujeitos da EJA que já têm em si suas
especificidades. Por essa razão, acreditamos no conceito de deficiência que se caracteriza pela
falta de acessibilidade, no sentido mais profundo que essa palavra possa representar, que
inclui o social e o atitudinal. O acesso pode promover uma qualidade necessária que ajuda
esse ser a usufruir de uma vida mais plena de direitos, com menos dificuldades. Esse
pensamento comunga com a percepção de que somos todos seres humanos, que precisamos
olhar primeiro para a pessoa e não somente para à sua deficiência.
Hoje, temos legislações que abordam o tema da inclusão nas escolas de ensino regular,
que determinam diretrizes e embasamentos necessários para que os trabalhos se efetivem.
Esse desafio precisa ser acolhido dentro da proposta curricular das instituições. A escola,
como instituição social, precisa veicular os saberes por meio de relações dialógicas e criação
de vínculos, no sentido de romper com a lógica da exclusão. Nessa perspectiva, precisamos
validar que o processo de conhecimento de cada aluno é singular e repleto de aprendizagens
significativas.
O diálogo permanente é uma das medidas mais eficazes no combate à falta de
informação e ao preconceito. Apesar dos aparentes avanços, é preciso que todos se envolvam
(escola, família, poder público) para que os direitos desses alunos sejam garantidos e a escola
se torne de fato inclusiva, independente de qualquer particularidade. Por essa razão, Correia;
46

Rocha; Santos (2020, p.250) afirmam que “A educação inclusiva não pode ser vista como
modismo, mas sim como uma nova forma de enxergar o mundo”, pois é assim que é
construída uma sociedade inclusiva, que oferecem oportunidades para que todos possam
conquistar sua autonomia.
Destarte, o conceito de inclusão compreensiva surge na medida que parte do fazer, do
real e não apenas do ideal (CORREIA, 2013). Esse conceito mais democrático reconhece as
dificuldades, porém propõe ajustes para cada situação, através de um processo de construção
contínuo, alternativo. A ação coletiva ajuda a minimizar as dificuldades e motivam as pessoas.
A escola, neste contexto, democratizou-se em relação à diversidade, mas não a novos
conhecimentos. Sobre isso, Mendes (2015, p.16) confirma que a escola “infelizmente continua
mantendo um padrão ideal aluno, [...] e que na escola não há lugar para a diversidade”.
A inclusão das pessoas com deficiência é algo possível dentro dessa ação coletiva, que
ultrapassa a readequação e a estrutura física, e aponta que temos uma tendência a nos
desviarmos de uma mudança efetiva de nossos propósitos e práticas. Essa concepção de
Mantoan (2003, p.16) remete à ruptura de paradigmas e, consequentemente à inclusão:
As escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema educacional que
considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em função dessas
necessidades. Por tudo isso, a inclusão implica uma mudança de perspectiva
educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam
dificuldades de aprender, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na
corrente educativa geral.
Esse é um dos desafios a ser superado, dentro da estrutura educacional que
conhecemos atualmente, com seus paradigmas cristalizados. Sobre isso, Mantoan (2003, p.12)
diz que “É inegável que os velhos paradigmas da modernidade estão sendo contestados e que
o conhecimento, matéria-prima da educação escolar, está passando por uma reinterpretação”.
A autora complementa afirmando que o mapa da Educação está sendo retraçado e que, para
isso, às diferenças da diversidade humana precisam ser cada vez mais desveladas e
destacadas: essa é uma condição imprescindível para compreendermos a nós mesmos e ao
mundo a nossa volta.

3.2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA REDE MUNICIPAL DE SALVADOR No mundo


tecnológico em que vivemos, em que as informações e o conhecimento são constantemente
compartilhados rapidamente, a formação permanente de professores pode ser utilizada como
uma importante ferramenta de trabalho, e pode potencializar o
47

aperfeiçoamento dos saberes necessários às suas atividades. Nos momentos de formação, o


professor tem a possibilidade de conversar com os pares, trocar informações, expor sua
opinião e reconstruir sua visão sobre o tema a ser trabalhado.
É por esses e outros motivos, com o objetivo de assegurar um ensino de qualidade para
os alunos, que a SMED promove formações que trazem temáticas relevantes para os
profissionais. A necessidade dessa ação está descrita no Decreto Nº 26.298 de 28 de julho de
2015 (SALVADOR, 2015), que aprova o regimento da SMED. Nele encontramos, na sua
estrutura organizacional, a Coordenadoria de Formação Pedagógica que funciona dentro da
Gerência de Currículo. Essa Coordenadoria é responsável por “elaborar, aprimorar e
implementar a política de formação continuada dos educadores da Rede Pública Municipal de
Ensino, em consonância com a legislação educacional vigente” (SALVADOR, 2015, p. 19).
Sobre isso, Amorim e Duques (2017) sinalizam que a formação continuada talvez seja o
maior desafio para o trabalho na EJA, pois, perpassa por políticas públicas de valorização.
Através de uma pesquisa no site da SMED7, encontramos algumas dessas formações
referentes à Educação Especial, e fizemos um recorte temporal entre 2008 e 2019. Por conta
da pandemia do novo Coronavírus, que teve início em março de 2020, as aulas foram
suspensas e, por esse motivo, não incluímos as formações deste ano. Os resultados do
levantamento foram organizados no Quadro 01, a seguir:
Quadro 01: Formação na Rede Municipal de Salvador
ANO TEMA PÚBLICO OBJETIVO

2008 Coordenador Coordenad Assistir palestras e oficinas voltadas para a


es or reflexão e discussões sobre os direitos das
capacitados pedagógico pessoas com deficiência e a prática docente
em (200) que atende a diversidade.
Educação
Inclusiva

2008 Seminário Gestores e Participar de palestras com profissionais de


implementa educadores diversas cidades do Brasil sobre políticas de
ações de educação inclusiva, direitos e o
educação desenvolvimento psicomotor da pessoa com
inclusiva deficiência e depoimento apresentados por
instituições conveniadas para criar e
fortalecer estratégias inclusivas e para
quebrar as barreiras da inclusão.

2008 SMEC Gestores e Sensibilizar e apoiar a formação de gestores e


promove IV educadores educadores do Município Polo de Salvador e
Seminário dos municípios de sua área de abrangência,
sobre para atuarem como multiplicadores no
educação processo de transformação dos Sistemas
inclusiva Educacionais em Sistemas Educacionais

7
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Noticias. Salvador, 2019. Disponível em:
<http://educacao.salvador.ba.gov.br/noticias/>. Acesso em: 05 janeiro 2020
48
Inclusivos.

2008 Gestores da Gestores e Promover trocas e discussões acerca das


rede coordenador necessidades de adequação curricular como
municipal es das GR também de atendimento especializado e redes
participam de de apoio para a consolidação da Educação
oficinas sobre Inclusiva.
educação
inclusiva
2011 Oficinas sobre Gestores da Secult em parceria com a Associação Baiana
educação Rede de Síndrome Down – Ser Down promove
inclusiva para oficinas no sentido de buscar redes de apoio
gestores com vistas à superação de barreiras à
aprendizagem de todos os alunos.

2011 Secult Coordenador O Projeto – O super (Ação) é uma parceria da


promove e gestor Secult e a Associação Baiana de Síndrome de
palestra sobre escolar Down (Ser Down) que vem desenvolvendo
educação para ações educativas centradas no respeito e
pessoas com valorização das diferenças com vistas à
deficiência inclusão física, social e acadêmica de todos
os alunos com necessidades educativas
especiais.

2013 Docentes 25 Durante seis meses desenvolver projetos de


capacitados professores esporte com foco na educação inclusiva e
para utilizar o das salas de aplicar nas escolas.
esporte na recursos
educação multifunciona
inclusiva is e de
Educação
Física

2019 SMED realiza Profissionai Tornar a capital baiana a primeira cidade a ter
capacitação s da toda sua rede municipal capacitada para
para educação e identificar os sinais precoces do Transtorno
profissionais saúde do Espectro Autista (TEA)
da educação
reconhecerem
os sinais de
autismo

Fonte: Secretaria Municipal de Educação (Smed) (2020).


Como podemos perceber, encontramos neste período de 12 (doze) anos apenas 08
(oito) encontros formativos descritos no site da SMED, no espaço Notícias, relacionados à
Educação Especial para professores, gestores e coordenadores de escola, e da Gerência
Regional (GR) na rede municipal de Salvador. Dentre esses, 25% são para professores, 25%
são para professores e gestores e 12,5% são para gestores e coordenadores de GR.
Consideramos gestor e coordenador neste levantamento porque são profissionais que
trabalham diretamente com os professores. Como estamos falando de uma pesquisa cujos
sujeitos são os professores, percebemos que eles foram contemplados com formações,
meramente pontuais.
Percebemos que, é no mínimo preocupante que tenhamos apenas uma formação
realizada pela GR Orla, através do 1º Seminário de Educação Inclusiva, que cita à inclusão de
49

crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência. Inclusive, essa iniciativa não foi
contemplada no Quadro 01 porque não foi organizada pela SMED, mas por uma GR que faz
parte da Coordenadoria Regional da SMED. Apesar da indicação desse público, quando
analisamos à sua programação, percebemos que as temáticas não são direcionadas. A primeira
temática foi tratada no turno matutino, os aspectos legais da Educação Inclusiva através de
uma representante do Ministério Público. Em seguida, falou-se sobre o AEE, a avaliação
diferenciada e o papel da educação hospitalar e domiciliar. No turno vespertino, tratou-se das
TA, da matemática e das linguagens.
Outro fato interessante é que, durante esse período, não foi identificada nenhuma
formação que trabalhasse com a Educação Especial e a EJA juntas, ou que vinculasse às
especificidades dessas modalidades de ensino, o que nos preocupa. Acreditamos que, na rede,
encontrem-se vários professores com conhecimento técnico e científico, inclusive com
formação específica, atuando na EJA, e que tenham alunos com deficiência em suas salas de
aula que poderiam ser convidados pela SMED para fazer um seminário para compartilhar
experiências. É preciso trabalhar com essas especificidades, para que o fazer pedagógico seja
fortalecido. Sobre isso, Silva; Nunes (2020, p.76) dizem que:
Os docentes precisam ter uma formação que contemple os desafios para a inclusão,
os quais se apresentam nas mais variadas formas e contextos. Assim, os processos
de formação precisam ser discutidos e rediscutidos para que as práticas pedagógicas
sejam refletidas a partir da ressignificação da inclusão como paradigma escolar.
Como podemos verificar na prática, ainda encontramos barreiras, sejam elas de ordem
política, financeira ou social. Às vezes falta um olhar mais apurado, uma atitude sensível e um
querer fazer efetivo. É assim que pretendemos educar para a cidadania e para o respeito à
diversidade. Os professores precisam aprender a estimular o potencial dos alunos com
deficiência na EJA, valorizar suas particularidades. Nesse sentido, o órgão central que é à
SMED precisa efetivar esses encontros e fazer valer o que está no seu regimento.
50

4 A TRILHA METODOLÓGICA
“Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 39).
Nesta quarta seção nos imbuímos da tarefa de apresentar os caminhos percorridos na
pesquisa, numa esteira de dispositivos necessários à trilha metodológica, que foram sendo
formados a partir do referencial da problemática condutora, que são às estratégias pedagógicas
utilizadas para alunos com deficiência na EJA II na EMNSA. Essa inquietação perpassa pela
abordagem qualitativa, a trajetória da pesquisa-ação, o lócus, os sujeitos, os dispositivos, a
dinâmica e à análise interpretativa.
O conceito de pesquisa aqui entendido, compreende uma investigação atribuída à
descoberta de novos conhecimentos, através de parâmetros científicos. Seus dispositivos
precisam estar entrelaçados, para que possam contribuir com as reflexões necessárias à sua
caminhada. Eles estão longe de ser um fim em si mesmo, pois podem deixar uma perspectiva
variada de interrogações, as quais poderão ser aprofundadas e gerarem outros
questionamentos, outras reflexões.
Dessa maneira, esta seção descreve o percurso realizado para, enfim, chegar ao
produto final. A seguir, vamos apresentar o planejamento das etapas e, posteriormente, de
forma detalhada, descrever todos os elementos trazidos na Figura 01.
Figura 1 – Desenho Metodológico

Fonte: A autora (2019).


Através desse percurso metodológico, acredita-se que os resultados esperados com a
pesquisa foram alcançados a partir do momento em que houve produção de conhecimento.
Isso aconteceu através da oportunidade que os professores tiveram de repensar sobre às suas
estratégias pedagógicas com os alunos com deficiência nos encontros formativos, e quando
51

tiveram acesso aos dados e documentos que são destacados nesta pesquisa. Além disso, temos
atualmente na EMNSA 734 (setecentos e trinta e quatro) alunos, dentre eles 32 (trinta e dois)
com alguma deficiência no diurno e 04 (quatro) na EJA II, e 50% dos professores trabalham
na escola em todos os turnos. Por isso, acreditamos que as reflexões irão perpassar por todos
os segmentos.
O aporte teórico utilizado contribuiu no sentido de nos fazer entender qual a
importância de conhecermos os processos epistemológicos, históricos e legais da EJA. Em
relação à Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva, esse aporte nos ensinou o
quanto ainda precisamos nos apropriar sobre o caminhar dessa modalidade de ensino,
conhecendo e valorizando à sua trajetória: de lutas e vitórias. Esse repensar foi possível
através dos encontros formativos, em que vivenciamos o quanto é importante que tenhamos
esses conhecimentos compartilhados e, dessa forma, pudemos repensar sobre às estratégias
pedagógicas que estamos utilizando com esses jovens e adultos com deficiência.

4.1 A ABORDAGEM QUALITATIVA: REFLETIR SOBRE O NOSSO FAZER Conforme


descrito na introdução, esta pesquisa surgiu de uma inquietação ao observar as dificuldades
dos meus colegas professores referentes às estratégias pedagógicas utilizadas para alunos com
deficiência na EJA II. Neste caminhar, foi comum ouvirmos o discurso de que nós professores
não fomos preparados para lidarmos com essa realidade, o que pode potencializar um
distanciamento desse pensar e dificultar uma mudança de atitude. No sentido de desenvolver a
pesquisa, a metodologia utilizada foi de abordagem qualitativa, de natureza aplicada,
fundamentada nos estudos de Chizzotti (2003), segundo o qual recorre de um campo
transdisciplinar que envolve as ciências humanas e sociais, e adota multimétodos de
investigação para o estudo de um fenômeno situado num local onde ocorre, “enfim,
procurando tanto encontrar o sentido desse fenômeno quanto interpretar os significados que as
pessoas dão a eles” (CHIZZOTTI, 2003, p. 221). A origem da palavra qualitativa nos remete a
qualidade, essência, conceito subjetivo que comunga com a ação de explicar.
Essa ação sensível remete à busca dos sentidos, conhecida e compreendida nas
entrelinhas. A supracitada abordagem concede a licença da argumentação e o entrelace da
teoria com a prática nas interações sociais, tornando-o pesquisador mais do que um mero
observador e redator de um objeto, e comunga com uma ação intelectual, de evolução
52

histórica. Chizzotti (2003, p.224-230), apresenta essa contribuição em cinco marcos


históricos. São eles:
Um primeiro marco remonta as raízes mais remotas da pesquisa qualitativa e está
associado ao romantismo e ao idealismo, e às querelas8 metodológicas do final do
século XIX, reivindicando uma metodologia autônoma ou compreensiva para as
ciências do mundo da vida [...]. O segundo marco ocupa a primeira metade do
século XX [...] e procura estabelecer meios de estudar como vivem grupos humanos,
partilhando de suas vidas, no local onde vivem e como dão sentido as suas práticas e
coesão ao seu grupo [...]. Um terceiro marco, demarcado entre o após II Guerra até
os anos 70, é a fase áurea da pesquisa qualitativa que se consolida como um modelo
de pesquisa [...]. No quarto marco, as décadas de 70 e 80, ampliaram-se os
investimentos públicos e privados; e [...] surgem novas orientações e novos
paradigmas, refletindo uma mudança de visão sobre a natureza da pesquisa [...]. O
quinto marco, a década de 90 em diante, [...] o pesquisador está marcado pela
realidade social, (...) o texto não escapa a uma posição no contexto político e a
objetividade está delimitada pelo comprometimento do sujeito com sua realidade
circundante.
Essa evolução descrita em tempos, busca mostrar as raízes demarcando os momentos
mais significativos da consolidação dessa abordagem. Percebe-se nesse panorama que novas
orientações surgem para estabelecer às questões teóricas e metodológicas com o objetivo de
comparar e entender essa cadeia de contextos. A evolução mostra que a pesquisa começa a se
aproximar de normas e fatos cotidianos, específicos as ciências humanas, dando uma
conotação científica ao relato. Refazem-se os conceitos de objetividade, validade e
fidedignidade ao definir a formalização e a análise dos seus estudos.
Essa abordagem qualitativa recobre um campo que envolve também as ciências sociais
e implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais. O autor, assim, traduz em texto
original os fenômenos humanos, repletos de significados, e permite apresentar de forma
inovadora os resultados da pesquisa, criando possibilidades. Sua análise pode ser amplamente
explorada ao dar sentido a cada ato. À sua evolução marcada por rupturas, nos mostram que, é
possível se distanciar de um modelo único de pesquisa, o que reafirma a relevância do sujeito
e a interdependência entre teoria e prática.
Ao concordar com essa perspectiva, Ferreira (2015) afirma que a pesquisa é um
caminho sistemático, que se inicia a partir de um questionamento, o qual vai trilhar a
abordagem, numa relação entre teoria e prática. O referido autor assevera que, ao qualificar, o
pesquisador lança um olhar sobre às características específicas desse ser histórico, uma vez
que sua realidade é complexa e plural. O sujeito e o objeto são cúmplices e solidários, pois
são da mesma espécie, ideológicos por essência. Desse modo, é possível desvelar e interpretar
as falas dos entrevistados, e o contexto é o elemento definidor de qual caminho seguir.

8
Lamentação; expressão de sofrimento; queixa.
53

Silveira; Córdova (2009) acrescentam que a abordagem qualitativa se preocupa com o


aprofundamento da compreensão desse grupo social, de uma organização, etc., através de uma
aproximação com a realidade. Por essa razão, esse tipo de pesquisa é centrado na
subjetividade, nas particularidades. Os autores que adotam essa abordagem,
opõem-se ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa para todas as
ciências, já que as ciências sociais têm sua especificidade, o que pressupõe uma
metodologia própria. [...] Os pesquisadores que utilizam os métodos qualitativos
buscam explicar o porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito. [...]
preocupam-se, portanto, com aspectos da realidade que não podem ser
quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações
sociais (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p.31-32).
Assim, sua perspectiva integrada permite que o pesquisador busque no campo o
fenômeno em estudo, a partir do ponto de vista, traçando sua dinâmica. Ela não se apresenta
como proposta rigidamente estruturada, pois, permite que a imaginação e a criatividade façam
parte desse processo e admite novos enfoques. Seu traçado investigativo visa à compreensão
do universo dos significados, valores e atitudes, cujas variáveis são descritivas e o trabalho se
realiza no processo.
Percebemos que esses autores fortalecem a prerrogativa de que a abordagem
qualitativa, de natureza aplicada, permite desfrutar de um leque de possibilidades, e que
futuros interessados podem utilizar-se desse conhecimento para repensar a própria realidade.
Nesse sentido, não há uma intenção de transformar essas informações em verdades absolutas.
Muito pelo contrário, haja vista que o verdadeiro sentido desta pesquisa é levar os professores
citados a refletirem sobre suas estratégias para possíveis contribuições no processo de
aprendizagem dos alunos com deficiência na EJA. Uma vez que essa prática seja implantada e
implementada, precisa ser analisada do ponto de vista da emancipação desses sujeitos.
Essa eficiência sugere uma autonomia dentro das suas possibilidades e limitações. Sua
implementação corrobora com a ideia de reflexão sobre a ação. No mundo digital em que
vivemos, com tanta informação e conhecimento circulando, precisamos refazer nosso discurso
e nos preparar para lidar com essa realidade. Por esses e outros motivos, essa pesquisa é
essencialmente qualitativa, pois, seus sujeitos são parte integrante do processo. Nessa
perspectiva, a pesquisa-ação que iremos descrever a seguir favorece essa abordagem e se faz
necessária na medida que concretiza essa ideia de reflexão sobre a ação.

4.2 A TRAJETÓRIA DA PESQUISA-AÇÃO E SEUS MOVIMENTOS Quanto aos processos


procedimentais, utilizamos o método da pesquisa-ação. Essa escolha foi realizada para
compor a caminhada qualitativa, que requer uma ação sobre a
54

realidade, pois existe interferência dos sujeitos envolvidos. Outra questão é que, ao realizar
uma pesquisa no contexto educativo, a postura crítica se faz presente para que se percebam as
relações entre os sujeitos envolvidos e o objeto da pesquisa. Thiollent (1986p.14) nos certifica
de que ela é um:
[...]tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em
estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no
qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema
estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.
Essa ação perpassa pela resolução de um problema vivenciado na realidade do grupo
e, por esse motivo, existe um envolvimento mútuo, pois todos tendem a ser beneficiados.
Thiollent (1986, p.16) ainda complementa, descrevendo seus principais aspectos:
a) há uma ampla e explícita interação entre pesquisadores e pessoas implicadas na
situação investigada; b) desta interação resulta a ordem de prioridade dos problemas
a serem pesquisados e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ação
concreta; c) o objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e sim pela
situação social e pelos problemas de diferentes naturezas encontrados nesta situação;
d) o objetivo da pesquisa-ação consiste em resolver ou, pelo menos, em esclarecer
os problemas da situação observada; e) há, durante o processo, um acompanhamento
das decisões, das ações e de toda a atividade intencional dos atores da situação; f) a
pesquisa não se limita a uma forma de ação (risco de ativismo): pretende-se aumentar
o conhecimento dos pesquisadores e o conhecimento ou o ‘nível de
consciência’ das pessoas e grupos considerados.
Assim, a pesquisa-ação agrega várias técnicas de pesquisa social numa estrutura
coletiva e participativa, que capta informações relevantes. Sua finalidade é prática, como
requer a essência desta pesquisa, que está de acordo com as exigências de um papel ativo na
realidade dos fatos observados, através de uma interação entre o pesquisador e às pessoas
implicadas na ação. A análise do objeto investiga à sua relação com o sujeito, compreende a
diversidade e supera a limitação de uma descrição, considerando suas qualidades, limitações e
distorções. Miranda e Resende (2006, p. 511) confirmam esse pensamento quando dizem que
a pesquisa-ação:
Se define por incorporar a ação como sua dimensão constitutiva [...] que articula a
relação entre teoria e prática no processo mesmo de construção do conhecimento [...].
Além disso, a própria investigação se converteria em ação, em intervenção
social, possibilitando ao pesquisador uma atuação efetiva sobre a realidade estudada
[...] em uma modalidade de pesquisa que considera a intervenção social na prática
como seu princípio e seu fim último.
Trata-se, então, de assumir uma unidade entre o sujeito e o objeto, em que esse objeto
não se revela pela descrição, mas por sua apreensão e compreensão da diversidade. O objeto
assume uma postura singular e ao mesmo tempo universal, particular e total, que não se revela
imediatamente, mas se explica, compreende e revela. Afinal, “somente um paradigma da
complexidade poderia apreender o ser humano” (MIRANDA; RESENDE, 2006, p. 515).
55

Assim, a pesquisa-ação recusa as noções de objetividade e verdade absoluta ao usar


categorias interpretativas, procurando superar entendimentos distorcidos. Os aspectos de
ordem social oferecem explicações de causalidade que se relacionam com a prática, indicando
quais ações podem ser empreendidas para superar problemas e dificuldades, e que são
essenciais para à sua compreensão. Assim, a pesquisa-ação vincula à pesquisa a ideia de
mudança e transformação dos autores, juntamente com sua realidade.
Sobre essas perspectivas de mudança e transformação, Paulo Freire (1987, p.44)
declara que “não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação
reflexão”. Esse pensar sobre a ação significa pensar enquanto fazemos, agimos, executamos.
Essa perspectiva de Freire (1987) tende a gerar novos conhecimentos sobre as estratégias num
exercício necessário de renovação para nutrir possibilidades.
No contexto educativo, sabemos que uma boa pesquisa sozinha não é capaz de
promover a mudança pretendida. É preciso criar estratégias coletivas de enfrentamento que
perpassam pela discussão e pela ação. Essa iniciativa se faz necessária para que o fazer
pedagógico proporcione aos sujeitos envolvidos uma construção significativa no processo de
ensino e aprendizagem.
Na perspectiva de Thiollent (1986), a pesquisa-ação trabalha na concepção e
organização de uma pesquisa atuante, em que é identificado um problema a ser resolvido. O
rigor científico se faz presente neste contexto, quando ele exige do pesquisador um olhar
apurado sobre a realidade, na qual os sujeitos estão inseridos e pretendem promover uma
reflexão sobre o fazer pedagógico e, consequentemente, uma mudança de atitude. Nossa
hipótese é de que os professores realizam algumas estratégias pedagógicas pontuais com os
alunos com deficiência na Educação de Jovens e Adultos, o que precisa, na nossa opinião, ser
revisto para que os saberes possam ser construídos.
A fase exploratória descrita pelo autor supracitado corrobora com essa necessidade de
contribuir de alguma forma para o repensar sobre a realidade, colocando o problema como
ponto de partida da investigação. A coleta de dados foi realizada à medida que organizamos as
informações, fundamentamos a nossa fala e revimos o nosso caminhar. Foi nesse movimento
de coleta que nos tornamos presentes ao tentar entender a dinâmica dessas relações na
resolução de um problema.
A orientação metodológica da pesquisa-ação nos compõe na medida em que qualifica
nossas ações com uma precisão da compreensão de um todo através das suas partes. Essa
reconstrução parte do princípio de que os objetivos podem ser alcançados na medida em que
são desvendados e compreendidos. Seu raciocínio explicativo tende a propor uma postura
56

dialógica, que pode promover saltos qualitativos dentro do fazer pedagógico de todos os
envolvidos. Para ilustrar essa ideia do fazer fazendo, apresentamos a Figura 02: Figura 02 –
Representação da Pesquisa-ação para Thiollent
Fonte: Thiollent (1986)
Portanto, para Thiollent (1986, p.7), “a pesquisa-ação, além da participação, supõe
uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnico ou outro”. Temos na base
da pirâmide as questões vinculadas à fase exploratória, o diagnóstico e a escolha do tema. O
problema surge do lugar da teoria e das hipóteses dos pesquisadores e dos demais
participantes. O saber construído foi concretizado através da organização e efetivação da
formação na AC, em que iremos divulgar os resultados. Na sua estrutura, ele também
apresenta a função do seminário, a observação empírica, os problemas de amostragem e de
representatividade qualitativa que nesta pesquisa não serão considerados.
Por essas razões, e dentro dessa perspectiva, é que o lócus desta pesquisa é a
instituição onde eu trabalho: para perceber como às estratégias pedagógicas utilizadas com
jovens e adultos com deficiência nos anos finais do Ensino Fundamental estão sendo
implantadas e implementadas para à sua efetiva inclusão, é preciso fazer parte do contexto.
Acreditamos que na área educacional essa metodologia de pesquisa se faz presente na medida
que não se limita a simples descrição dos fatos, mas que propõe ações e transformações
necessárias, pois parte de um contexto real e necessário.

4.3 LÓCUS DA PESQUISA: CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA


A Escola Municipal Nossa Senhora dos Anjos tem a sua história intrinsecamente
relacionada com o desenvolvimento do Instituto Bom Pastor (IBP), fundado em 16 de julho
57

de 1901, inicialmente instalado no Convento da Lapa, e transferido em 1957 para a Rua


Waldemar Falcão, n° 82, Brotas, como vemos na figura 03:
Figura 03 – Entrada da Escola Municipal Nossa Senhora dos Anjos

Fonte: A autora (2019).


Em decorrência das ações educativas desenvolvidas pelo Instituto, foi criada uma nova
unidade escolar que, por vontade da sua primeira mestra, a Irmã Maria dos Anjos Alves de
Castro, recebeu o nome de Escola Nossa Senhora dos Anjos. A escola funcionava no mesmo
local do IBP, e atendia jovens carentes do sexo feminino que, em regime de internato,
desenvolviam atividades educativas e profissionalizantes.
Aos 16 dias do mês de fevereiro do ano de 1956, foi celebrado o 1º convênio entre a
Escola Nossa Senhora dos Anjos e a Secretaria de Educação do Estado, com termo de
convênio registrado em cartório na referida data. Durante vários anos, o convênio com a
Secretaria Estadual de Educação permaneceu sendo renovado ao final do período de cada
acordo.
No entanto, com as definições previstas na Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996)
quanto às esferas administrativas responsáveis por cada nível de Educação, atribuiu-se à
esfera municipal a responsabilidade pela Educação Infantil e Ensino Fundamental,
desencadeando o processo de municipalização das escolas que possuíam esses níveis de
ensino. Desta forma, não houve renovação do contrato entre a Secretaria Estadual de
Educação e o Instituto Bom Pastor no ano de 2003.
Assim, a SECULT firmou convênio com o Instituto Bom Pastor em 13 de fevereiro de 2003,
conforme foi publicado no Diário Oficial da época. A referida escola passou a designar se
Escola Municipal Nossa Senhora dos Anjos (EMNSA), a partir da Portaria 065/2003,
publicada no Diário Oficial do Município (DOM) de 17/02/2003. A escola continuou
58
funcionando no Instituto Bom Pastor, oferecendo Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), apenas
no turno vespertino (EMNSA, 2015).
No ano de 2010, a Secretaria Municipal de Educação cancelou o convênio com o
Instituto Bom Pastor, desocupando o espaço cedido pela Instituição. Com o processo de
municipalização das escolas estaduais, a EMNSA passa a funcionar na Avenida Dom João VI,
n° 450, Brotas, onde funcionava anteriormente a Escola Estadual Manoel Vitorino. A partir de
então, a EMNSA muda sua estrutura e seu funcionamento, passando a atender alunos de
ambos os sexos das comunidades do entorno: Candeal, Candeal Pequeno, Cosme de Farias,
Polêmica, Baixinha, Alto do Saldanha, Campinas de Brotas, Acupe de Brotas e Daniel
Lisboa. Ela oferece matrícula para a Educação Infantil, Ensino Fundamental I (séries iniciais)
e EJA II (no noturno).
Segundo o PPP da escola (EMNSA, 2015, p.10), “[...] a comunidade é caracterizada
por famílias de classe média baixa, cuja renda oscila entre 1 e 3 salários mínimos. [...] é
considerada carente, pois a maioria das pessoas trabalham no mercado informal” No entanto,
devido à situação econômica do país, a escola tem recebido um número expressivo de alunos
oriundos de escolas particulares, principalmente das escolas vizinhas. Coube à escola se
adaptar a essa nova realidade que reflete mudanças sociais, econômicas e políticas,
apresentando novas expectativas, necessidades e problemas.
Com a implementação da Sala Multifuncional, onde funciona o AEE, e o trabalho
pedagógico desenvolvido nas turmas regulares, a escola passou a ser uma referência de
educação inclusiva para os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades/superdotação, pois busca oferecer uma educação de qualidade para todos.
Atualmente, temos no AEE alunos com transtorno do espectro autista, deficiência intelectual,
surdez e baixa visão. Esse atendimento é estendido aos alunos que estudam em todos os
turnos da escola, alguns deles são oriundos de outras escolas municipais, que em sua maioria
são acompanhados por uma instituição especializada.
No que se refere à etnia, a maioria da comunidade escolar é composta por negros e
pardos. Pautados nessa realidade, a comunidade escolar percebeu a necessidade de agregar
concepções de diversidade e cidadania, transversalizando estudos e intervenções que
possibilitam a autonomia como uma construção contínua, individual e coletiva. Para atender a
essa demanda, foi estabelecido como principal projeto pedagógico da escola o projeto:
Identidade e Cidadania – Eu e Você no Mundo de Todos Nós (EMNSA, 2015).
A escola foi escolhida para realizar a presente pesquisa por se tratar do local de
trabalho da pesquisadora, mas, além disso, por ser uma instituição em que encontramos o
59

reconhecimento da comunidade escolar e dos pais dos alunos como uma escola inclusiva.
Essa realidade pode ser evidenciada quando analisamos o crescente quantitativo de alunos
com deficiência ao longo dos anos, desde à sua fundação. Outro fator importante é que, na
escola, temos uma sala de AEE, com professores experientes e especializados, que abraçam a
proposta da inclusão e, junto com à coordenação pedagógica, oferecem apoio também aos
professores da sala regular.

4.4 SUJEITOS DA PESQUISA


Esta pesquisa, através da abordagem qualitativa do tipo pesquisa-ação, requer dos
sujeitos um papel essencial nas ações e produções, a partir do momento em que são
envolvidos no processo. Por essa razão, às informações coletadas são interpretadas dentro de
um contexto que busca compreender às estratégias pedagógicas utilizadas para alunos com
deficiência na EJA II, na EMNSA. Assim, os sujeitos da pesquisa são os 09 (nove)
professores que atuam nas diversas áreas do conhecimento da EJA II, nos anos finais, que
tiveram algum aluno com deficiência matriculado no ano letivo de 2019, e uma coordenadora
pedagógica.
Para conhecermos algumas das características desses sujeitos, traçamos o seu perfil através da
aplicação de um questionário com os professores e uma entrevista com à coordenadora
pedagógica, que tem oito questões que mostram esse perfil e, quatro questões com perguntas
abertas que podem ser consultados nos Apêndices A e C. Portanto, veremos a seguir, os dados
das oito questões referentes aos professores na tabela 01. Tabela 01: Identificação dos
professores sujeitos da pesquisa
Sexo Carga horária semanal de 44% Feminino 44% 60h
trabalho
Idade Tempo de docência na EJA Fonte: A autora (2019).
56% Masculino 56% 40h 100% 41 anos 44% 1 a 5 anos 34% 6a 10 anos 22%
ou mais Acima de 11 anos

A primeira informação demonstrou que 56% são do sexo masculino e 44% são do
sexo feminino. Fazendo um comparativo com os professores da EMNSA, da Educação
Infantil aos Anos Iniciais, percebe-se que existe um percentual significativo de homens em
relação às mulheres nos anos finais. A carga horária semanal de trabalho desses professores é
de 56% que lecionam 40 (quarenta) horas, seguida de 44% que lecionam 60 (sessenta) horas.
Essa realidade vivenciada por eles é comum entre os professores que trabalham no noturno.
60

Acreditamos que essa carga horária extensa pode trazer consequências para a saúde desses
professores, pois, além de terem a disponibilidade para lecionar, precisam realizar
planejamento, organizar avaliações e atividades, sobrando pouco ou nenhum tempo para o
lazer e às relações familiares.
Ao analisar a idade desses professores, vemos que 100% deles têm 41 (quarenta e um)
anos ou mais. Quanto ao tempo de docência na EJA, percebe-se que 44% têm entre 01 (um) a
5 (cinco) anos, 34% têm entre 06 (seis) a 10 (dez) anos e 22% têm acima de 11 (onze) anos.
Aliando o fator idade, que é a média de 41 anos ou mais, e o tempo de docência na EJA para a
maioria que é de 01 a 05 anos, podemos expressar que, apesar da idade, a maioria tem pouca
experiência nessa modalidade de ensino. Acredita-se que o fator experiência pode auxiliar
esse professor no seu caminhar, porém não é um fator decisivo à apropriação de
conhecimento.
Para conhecermos um pouco sobre a história acadêmica desses professores, partimos
para verificar algumas características da sua formação. Isso se fez necessário para
entendermos os fundamentos de algumas das perguntas abertas também disponibilizadas no
questionário e na entrevista. Assim, pudemos perceber que, dentre esses professores, temos
89% com Especialização e 11% que não têm Formação complementar, dados apresentados na
tabela 02, a seguir:
Tabela 02: Formação dos sujeitos da pesquisa
Formação para trabalhar com alunos com
Formação complementar Formação para
deficiência
lecionar na Educação de Jovens e
Adultos

89% Especialização 100% Não 89% Não 11% Não tem 11% Sim Fonte: A
autora (2019).
Quando perguntamos qual a formação complementar, eles responderam que têm
especialização em: Educação em Saúde, Metodologia do Ensino Superior; Fisiologia do
Exercício; Obesidade e Emagrecimento; Educação Física Escolar; Administração Pública com
aprofundamento em Gestão Pública; Educação Especial; História e Cultura Afro Brasileira e
Indígena; Psicopedagogia; e Língua Inglesa. Analisando as variadas especializações,
percebemos que elas não se repetem, ou seja, neste grupo de professores há um leque de
conhecimentos específicos em áreas diversas.
Quando passamos para a percepção da formação acadêmica, contamos com todos os
professores que lecionam na EJA, nos anos finais, nas disciplinas: Português, Matemática,
História, Geografia, Ciências, Inglês, Artes e Educação Física. No noturno, temos dois
61

professores de Artes e dois de Inglês, totalizando dez professores; desses, nove aceitaram
participar da pesquisa. As licenciaturas são cursos a nível superior importantes, no sentido de
ajudarem os professores a se apropriarem com mais profundidade na sua área de estudo, dos
seus conhecimentos e, assim, ampliar à sua qualificação.
Em relação à formação que esses professores têm que trata das especificidades da
EJA, observamos que 100% não têm uma formação específica. Sobre isso, Arroyo (2006b)
lembra de que é preciso conhecer essa modalidade com tantas especificidades ainda na
formação inicial, como condição primordial para uma prática efetiva e consciente, através de
um redimensionamento. Esse projeto de educação emancipatória poderá ser uma arma
eficiente em favor de uma transformação significativa.
Para Mamona (2016), ao estudar sobre a EJA, é comum se falar sobre as
especificidades dessa modalidade, o que é apontado em vários documentos que apresentam
caminhos de algo que é peculiar e deveria fazer parte da formação inicial dos professores.
Para a autora, essas especificidades mostram que eles não são qualquer jovem, nem qualquer
adulto, pois têm características próprias, como, por exemplo: sua juvenilização, cultura,
raça/etnia, prática pedagógica, estrutura, dentre outras. Esses aspectos carregam em si marcas
sociais e econômicas que caracterizam essa modalidade de ensino.
Por esses motivos, uma formação que contemple essas especificidades se faz
necessária, na medida que pretende estabelecer uma política própria e diferenciada para
atender esses alunos. Por essa razão, Paiva (2006) chama a atenção em relação ao direito
desse jovem e adulto na perspectiva da sua conquista histórica e, consequentemente, de acesso
a outros direitos. Neste contexto, os encontros formativos se fizeram necessários para que os
professores repensassem às suas práticas em relação as estratégias utilizadas nessa
modalidade, tendo em vista que eles não tiveram essa oportunidade quando na sua formação
acadêmica.
Outro fator importante dentro dessa demanda de formação é a necessidade de conhecer
as especificidades dos alunos com deficiência. Para isso, perguntamos aos professores se eles
possuem formação para trabalhar com alunos com deficiência: 89% disseram que não e 11%
disseram que têm. Quando partimos para analisar qual era essa formação para trabalhar com
alunos com deficiência, comprovamos que apenas uma professora informou que possuía
formação em Educação Especial: essa docente tem dois filhos diagnosticados com Transtorno
do Espectro Autista. Um fato curioso é que, no momento do preenchimento dessa questão,
dois professores perguntaram para a pesquisadora quem eram os alunos com deficiência no
noturno, o que demonstra que eles não conhecem as especificidades desses alunos.
62

A Resolução CME nº 022/2010 (SALVADOR, 2010), que estabelece normas para a


Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva para todas as Etapas e Modalidades
da Educação Básica no Sistema Municipal de Ensino de Salvador, determina que os alunos
com deficiência devem ter a igualdade de oportunidades, tendo em vista a igualdade de
condições de acesso e permanência. Essa prerrogativa é facilmente desprezada quando um
professor demonstra que sequer sabia que existem alunos com deficiência na sua sala de aula,
o que demonstra que teremos de trabalhar, no sentido de fazer com que eles percebam essas
especificidades para buscarem estratégias pedagógicas para trabalharem com esses alunos
com deficiência.
Na sequência, para conhecermos o perfil da coordenadora, seguimos a mesma
estrutura do questionário aplicado com os professores, com as oito perguntas iniciais.
Organizamos às informações coletadas e apresentamos na tabela 03:
Tabela 03 – Perfil da coordenadora pedagógica
Coordenação Formação Complementar Formação Especial
Sexo C.H.
inicial Formação na/para
semanal
Formação na/para EJA Educação
Idade Tempo na da EJA
60h 41 anos 14 anos Pedagoga Educacional
ou Pós-graduação em
Feminino
mais Consultoria Não Não

Fonte: A autora (2019).


Podemos observar que a coordenadora trabalha 60h, exercendo suas funções na
EMNSA nos três turnos, sendo professora no turno da manhã e atuando como Pedagoga na
Educação Infantil, e coordenadora nos turnos vespertino e noturno da Educação Infantil e nos
Anos Iniciais (Fundamental I). Na EMNSA, atua há 14 (catorze) anos também como
professora, porém ela trabalha na área da educação há 25 (vinte e cinco) anos, quando
agregados os períodos anteriores nas escolas particulares. Sua formação complementar é uma
pós-graduação em Consultoria Educacional. Quando foi perguntada sobre os motivos de fazer
um curso nessa área, ela informou que no período foi a oportunidade que surgiu.
Em relação à pergunta sobre uma formação específica para a EJA, a coordenadora
respondeu que não tem: ela acredita que não é necessário ter um curso para tratar dessa
modalidade de ensino por conta da sua formação em Pedagogia, em cuja estrutura ela teve
contato com algumas informações pertinentes que a auxiliam na sua prática. Outra informação
interessante é que a grande maioria dos alunos que hoje estudam na EMNSA no noturno
foram alunos do diurno; portanto, alguns têm os mesmos professores do diurno, o que a
63

coordenadora acredita que pode auxiliar os professores no processo de ensino e


aprendizagem.
Para Soares (2011), é indispensável construir uma proposta que identifique às
especificidades da EJA, pois essa modalidade transcorre por diversos aspectos que precisam
ser considerados, os quais perpassam pela diversidade de sujeitos com características próprias,
que necessitam de propostas curriculares que atendam às suas necessidades, inclusive com
flexibilidade de tempo e espaço, com recursos didáticos que potencializem à sua
aprendizagem, dentre outras.
Por esses motivos, acreditamos que é necessário ter uma formação específica e
continuada sobre essa modalidade, para que os professores possam ampliar seus
conhecimentos entendendo o seu percurso histórico e metodológico. Essa formação precisa
ser explorada na sua profundidade, através de um olhar apurado, para que juntos possamos
pensar sobre os desafios. Portanto, o princípio da contextualização e do respeito mútuo partem
de uma construção significativa que precisa ser reconhecida e compartilhada.
Quando partimos para uma constatação sobre o questionamento de uma formação para
a Educação Especial, a entrevistada informou que nunca realizou nenhum curso específico, e
que não acredita que seja necessário. Percebemos, diante da vivência com alunos com
deficiência, que é muito importante chegar perto desse aluno, conhecer o que ele apresenta de
conhecimento e, a partir dessa observação, traçar quais estratégias pedagógicas podem ser
utilizadas para que ele avance. Para atender a essa expectativa, é preciso ter empatia, na
perspectiva da equidade dos direitos. Para ter essa atitude de respeito pelo sujeito que ele é,
realmente não precisaria de nenhum curso específico. Porém, com maior embasamento
teórico, ela poderia auxiliar os professores que coordena quanto à apreensão de alguns
conhecimentos necessários à sua prática, à ampliação da rede de informação e a troca de
experiências significativas. É preciso que os professores estejam antenados com os
conhecimentos que estão sendo produzidos, mas também tenham disponibilidade em
aprofundar e aprender, inclusive através das formações, como sugerimos nesta pesquisa.
Como é uma pesquisa que envolve às estratégias dos professores, eles poderiam
inicialmente se sentirem constrangidos, por não ser uma tarefa fácil repensar o seu fazer
pedagógico. Para minimizar essa situação, após a apresentação da proposta do trabalho,
aplicamos um questionário para entender quais os conhecimentos prévios sobre inclusão e,
partindo das necessidades apontadas, organizamos os encontros formativos para direcionar os
diálogos. No final, reaplicamos esse instrumento para que pudéssemos perceber os possíveis
avanços.
64

Diante da necessidade de diluir qualquer insegurança em relação ao anonimato e à


presença da pesquisadora, apresentamos aos professores o projeto submetido ao Comitê de
Ética, tendo a aprovação do mesmo através do Parecer Substanciado em 26/07/2019, em
anexo, e a autorização da SMED, cedida em 23/07/2019. Em seguida, fizemos o convite
oficial à equipe de professores e à coordenadora pedagógica da EMNSA, e houve uma adesão
voluntária à proposta de trabalho. Esse compromisso foi assegurado mediante a assinatura e o
preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), apresentado no
Apêndice B.

4.5 DISPOSITIVOS DA PESQUISA


Os dispositivos para coleta de dados escolhidos foram: pesquisa documental,
questionário e entrevista, que foram utilizados com o objetivo de reunir dados e informações
que aproximaram a pesquisadora dos sujeitos da pesquisa, já que contemplam o caminho
percorrido, os saberes necessários para compreender e nos apropriar das estratégias
pedagógicas e suas possibilidades, que se desprendam em torno da temática. Importante
enfatizar que esses dispositivos se agregaram na tentativa de tornar os dados mais compactos
no momento da sua análise, e obedecem à sequência descrita a seguir.

4.5.1 A pesquisa documental


Os documentos que fazem parte do acervo da escola foram lidos e compartilhados
nesta pesquisa, com o objetivo de conhecermos à estrutura pedagógica e administrativa da
EMNSA, além de ser um dispositivo importante da pesquisa qualitativa. Para tanto, fizemos o
estudo dos seguintes documentos: PPP, Regimento Escolar e Pasta do Aluno. Fora analisado
também o sistema de matrícula para identificarmos o quantitativo de alunos declarados nesse
sistema com algum tipo de deficiência.
O primeiro documento analisado foi o PPP. Segundo França (2019, p. 01, grifos da
autora), ele “estipula quais são os objetivos da instituição e o que a escola, em todas às suas
dimensões, vai fazer para alcançá-los”. Nele serão considerados todos os âmbitos
educacionais, tais como: proposta curricular, Diretrizes sobre a formação dos professores e
Diretrizes para a gestão administrativa. Para a autora, é preciso esclarecer quais os conceitos
que aparecem no próprio nome desse documento:
» Projeto: é uma reunião de propostas que têm como objetivo a realização de uma
ação. Assim, essa palavra traz a ideia de futuro, que tem como ponto de partida o
presente; » Político: esse termo se refere à função social das instituições de ensino.
65

Seu significado está relacionado à possibilidade de fazer da escola um espaço


emancipatório que atua na formação de cidadãos ativos na construção da sociedade;
» Pedagógico: a palavra define o conjunto de métodos utilizados na educação para
que cada sujeito se desenvolva de forma global. No documento, o termo faz menção
a todos os projetos e atividades educacionais que são utilizados nos processos de
ensino e aprendizagem (FRANÇA, 2019, p. 01, grifos da autora).
Segundo a autora, esses conceitos devem ser pensados como dimensões para que se
cumpra o que foi estabelecido, ou seja, eles são complementares e podem ajudar à escola a
alcançar os objetivos institucionais. Na concepção de projeto, encontra-se uma gama de
propostas com o objetivo de agir junto, tendo como função social emancipar os sujeitos por
meio de uma formação cidadã, a qual articula métodos que auxiliam no ensino e na
aprendizagem.
Para ampliar essa conotação, vamos dialogar com Freire (1991), que atesta que não há
administração ou projetos pedagógicos neutros, pois “Todo projeto pedagógico é político e se
acha molhado de ideologia. A questão a saber é a favor de que e de quem, contra que e contra
quem se faz a política de que a educação jamais prescinde” (FREIRE, 1991, p.44-45). A
referida citação nos permite refletir acerca da emancipação do ser humano numa perspectiva
de construção do conhecimento crítico com valores de justiça social e solidariedade.
Essa participação é prevista na LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996), nos Artigos 12, 13 e
14, que tratam do respeito às normas comuns, suas incumbências, e garante a participação dos
docentes na elaboração da proposta pedagógica dentro dos princípios da gestão democrática.
Essa proposta pedagógica é o PPP, que precisa ser construído com a participação da
comunidade escolar para que todos sejam acolhidos e se tornem pertencentes a esse processo.
Isso nos leva a acreditar que, quando um professor decide não participar dessa construção, ele
já está assumindo uma posição política que confirma, favorece alguém ou alguma ideologia.
Sobre isso, Saul; Saul (2012, p.02) declaram que:
O PPP precisa ser resposta a uma demanda viva que decorre da leitura da realidade.
E, por isso, é importante considerar que esse projeto “nunca está pronto”, isto é, ele
se faz e se refaz durante todo o ano escolar porque a escola pode apresentar novas
necessidades, além do fato de que a avaliação contínua das decisões tomadas pode
mostrar novos rumos.
No seu texto “Referenciais Freirianos: o projeto político pedagógico e a formação de
educadores”, Saul; Saul (2012, p.10) relatam que o PPP “estabelece compromisso com a
educação democrática, respeita as diferenças e trabalha a partir delas para avançar nas
diversas dimensões do processo educativo”. Essa demanda viva que pretende corresponder às
ações dessa comunidade em específico nunca está pronta, no sentido de que as pessoas
mudam e, com elas, suas demandas. E o que é necessário para um, é desnecessário para outro,
66

por isso, elas precisam ser negociadas e compreendidas dentro de um contexto, com a
participação de todos.
Para ilustrar o conceito freiriano, Saul; Saul (2012) apresentam a Figura 04, a seguir.
Nela vemos que o PPP começa com a leitura da realidade, que permite chegar na intimidade
da escola e na compreensão do contexto dessa comunidade, suas práticas e necessidades; e
implica diálogo, uma troca constante de argumentações para compreender a partilha de
saberes, problematizando o objeto do conhecimento numa relação horizontal entre os sujeitos.
Assim, seus sonhos e esperanças têm uma intencionalidade, que é motor da transformação que
exige participação, dedicação e trabalho. Apesar dos constantes desafios na construção do
PPP, é a prática que nos aperfeiçoa, é nela que aprendemos a participar.
Figura 04 – Trama Conceitual Freiriana “Projeto Político Pedagógico”

Fonte: Saul; Saul (2012, p.7)


O currículo aqui fala de gente, de histórias, de política, de formação, e ultrapassa a
visão de grade, através de conhecimentos significativos, e sua avaliação ratifica o movimento
do repensar aprofundando o que foi acordado para que haja uma reinvenção de propostas e
ações, tornando o PPP um documento vivo. Esse lugar de sonho, utópico, faz repensar e
caminhar. Esse sonho, essa utopia9é apresentada nas obras de Freire e se encontra explícita na
fala de Saul; Saul (2012, p.09) quando afirmam que:
O sonho possui, também, dimensões éticas e estéticas. Isso se expressa na
insistência desse autor pelo sonho de uma escola menos desigual, menos injusta e
por isso com mais possibilidades de uma vida plena para todos, ou seja, de uma vida
mais bonita. A utopia, necessariamente expressa no PPP, é um horizonte, um leme
que guia as ações. As decisões registradas nesse projeto pedagógico são as propostas

9
Do grego “ou+topos” que significa “lugar que não existe”. EDUCAÇÃO. Significados. 7Graus. 2020.
Disponível em: <https://www.significados br.com.br/educacao>. Acesso em: 10 out. 2019.
67

de concretização dos sonhos em relação a uma escola que se propõe com qualidade
social.
Para darmos conta dessa perspectiva, é preciso saber fazer. Essa ação é possível
quando investimos na formação permanente dos educadores, pois “não é possível compreender
a educação como uma prática autônoma ou neutra” (FREIRE, 1989, p.16); ela implica a
compreensão de que somos seres inconclusos, que precisamos buscar constantemente
compreender o que está acontecendo ao nosso redor e, através desse entendimento, a
Educação ganha significado.
O Regimento Escolar é estabelecido pela Resolução CME nº 021/2010 (SALVADOR,
2010, p.01), que determina a elaboração ou reelaboração dos estabelecimentos que ministram
Educação Infantil e Ensino Fundamental que pertencem ao Sistema Municipal de Ensino de
Salvador para “assegurar a sua autonomia e cumprimento das normas legais vigentes”. Nessa
Resolução está estabelecido que o Conselho Municipal de Educação, no uso das suas
atribuições, tendo em vista o que dispõem os Artigos 11 e 18 da Lei Federal nº 9.394/96, que
fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), o seu Regimento Interno e
a Lei nº 8.069, de 1999 – Estatuto da Criança e do Adolescente, confirma que essas unidades
escolares serão normatizadas por Regimento próprio com fundamento legal.
Essa reorganização ou reelaboração integral do texto precisa contemplar os aspectos
administrativos, didáticos e disciplinares, e será mantida até a aprovação do novo Regimento,
passando a vigorar no ano subsequente à sua aprovação. Ela não apresenta um período
específico para as mudanças, ficando a cargo da escola e/ou das leis vigentes decidir fazê-la.
Na Resolução encontramos matérias pertinentes a cada Capítulo ou Título.
O Anexo I apresenta o Título I, que trata das Disposições Preliminares com
dispositivos permanentes referentes aos aspectos mais formais da identificação e
denominação da instituição de Ensino. O Título II sistematiza as finalidades e os objetivos da
instituição, sendo que o Capítulo I fala das finalidades e o Capítulo II dos objetivos. No Título
III, ela apresenta a organização gerencial e administrativa, onde o Capítulo I mostra os
princípios da Gestão e o Capítulo II a organização técnico-administrativa. O Título IV trata da
organização didática, em que o Capítulo I mostra a concepção pedagógica; o Capítulo II, a
organização didática; o Capítulo III, a estrutura curricular; e o Capítulo IV, o processo
avaliativo. No Título V são apresentadas as normas de convivência, em que o Capítulo I trata
do corpo discente; o Capítulo II, do corpo docente e técnico pedagógico; o Capítulo III, do
pessoal técnico-administrativo; o Capítulo IV, dos pais ou responsáveis; e o Capítulo V, da
68

organização das penalidades e do inquérito escolar e administrativo. Para finalizar, o Título


VI apresenta as disposições finais e, no Anexo II, são listados os referenciais legais que
podem nortear a elaboração do Regimento Escolar.
Para Molin (2013, p.15), ele é um instrumento da gestão democrática que “prevê a
construção do Regimento Escolar de forma coletiva, envolvendo todos os segmentos da
escola, com a função de orientar todas as ações da escola”. Dentro dessa estrutura, é possível
esquematizar o conjunto de regras que definem a organização escolar em todos os aspectos
administrativos, didáticos, pedagógicos, disciplinares e, consequentemente, de direitos e
deveres de todos que convivem neste ambiente.
Diferente da Resolução CME nº 020/2010 (SALVADOR, 2010) sobre o PPP, a
021/2010 não sugere, ela determina a estrutura que precisa ser apresentada no Regimento
Escolar. Ele não se trata de uma mera burocracia exigida apenas para autorizar o
funcionamento da escola que se contrapõe à lei pública; mas fortalece a gestão democrática
escolar, permitindo que toda a comunidade possa e deva opinar para que a Educação seja
melhorada, atingindo uma excelência na sua qualidade e preservando o interesse comum.
Portanto, sob o ponto de vista disciplinar, o Regimento determina a sanção após a
apuração dos seus transgressores. No aspecto pedagógico, exprime a filosofia de ensino na
instituição e na esfera administrativa que promove um contrato social. Por esses motivos,
torna-se um importante instrumento da gestão democrática.
No Módulo Eletrônico Gestão em Foco (PARANÁ, 2018), do Governo do Estado do
Paraná, a Pasta do Aluno é um instrumento de coleta de documentos e informações, e deve ser
organizada conforme orientação da instituição de ensino. Esse módulo orienta que na pasta
devem conter os seguintes documentos: requerimento de matrícula, ficha de saúde, ficha
individual, cópia de documentos pessoais e cópia de documentos comprobatórios de
escolarização anterior, como: Histórico Escolar ou Declaração de Estudos (quando for o
caso).
Utilizamos essa referência porque buscamos dentro da Prefeitura de Salvador algum
material direcionador sobre a organização da secretaria escolar, porém não encontramos. Por
esse motivo, esse Módulo poderia ser utilizado pela SMED, como modelo de organização, já
que possui uma linguagem acessível. Assim, enviamos para o secretário escolar da EMNSA
esse módulo eletrônico, como forma de contribuir para a organização das pastas dos alunos.
Ele, por sua vez, aprovou o material e encaminhou para a SMED.
Quando examinamos as Pastas dos Alunos da EJA da EMNSA, percebemos que nas
suas capas têm quatro alunos identificados como público-alvo da Educação Especial; porém,
69

dentro delas não encontramos nenhum relatório que comprove as deficiências. Quando
partimos para o sistema de matrícula, verificamos que eles aparecem com as seguintes
deficiências: deficiência intelectual (dois alunos), deficiência física (um aluno) e deficiência
auditiva (um aluno), no qual poucos frequentam às aulas. Segundo os professores, além
desses alunos, eles suspeitam de que mais oito que possuam alguma deficiência, sendo elas:
déficit de atenção (seis alunos) e deficiência intelectual (dois alunos).

4.5.2 O questionário
Após a análise do PPP, do Regimento Escolar e das Pastas do Alunos, aplicamos um
questionário e fizemos uma entrevista com questões fechadas e abertas (Apêndices A e C) com
nove professores e uma coordenadora pedagógica, por meio dos quais identificamos algumas
das suas características e quais os conhecimentos acerca dos pontos levantados na
problemática desta pesquisa. O resultado do material serviu para orientar os encontros
formativos, que foram realizados virtualmente por conta do novo Coronavírus.
Ao término desses encontros, aplicamos o questionário para verificar quais os
conhecimentos adquiridos pelos professores. Esse instrumento de coleta foi escolhido com o
objetivo de deixar os sujeitos participarem de forma tranquila, sem interferência do
pesquisador. Gil (2008, p. 121-122) ratifica essa estratégia quando diz que o questionário é
[...]uma técnica de investigação composta por um conjunto de questões que são
submetidas a pessoas com o propósito de obter informações sobre conhecimentos,
crenças, sentimentos, valores, interesses, expectativas, aspirações, temores,
comportamento presente ou passado etc. Os questionários, na maioria das vezes, são
propostos por escrito aos respondentes. Costumam, nesse caso, ser designados como
questionários auto aplicados. [...] garante o anonimato das respostas. [...] não expõe
os pesquisados à influência das opiniões e do aspecto pessoal do entrevistado.
Cervo; Bervian (2002, p.48) testificam esse conceito quando dizem que o questionário
“refere-se a um meio de obter respostas às questões por uma fórmula que o próprio informante
preenche”. Marconi; Lakatos (2003, p.201) complementam como sendo o questionário uma
“série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do
entrevistador”. Sendo assim, permite alcançar um número maior de pessoas. No caso desta
pesquisa, o questionário foi composto por questões abertas e fechadas, o que possibilitou à sua
interpretação com mais detalhes.
Para Minayo; Costa (2018, p.143), “No caso da investigação qualitativa, os
questionários têm um lugar de complementaridade em relação às técnicas de aprofundamento
compreensivo e dialético”. Essa possibilidade nos leva a compreender que seu objetivo é a
compreensão dessa vivência em relação aos fatos. Os dados qualitativos nesse contexto,
70

servem para conhecer e explicar “a magnitude de tais fenômenos”. Por essas razões, a
investigação qualitativa e o questionário são importantes e se complementam. Em seguida,
depois da leitura do questionário, foi necessário incluir uma entrevista, ambos com doze
perguntas, com a coordenadora pedagógica para podermos relacionar com as respostas dos
demais sujeitos – isso permitiu um aprofundamento das questões. Identificamos as falas dos
professores de acordo com a ordem de devolução do questionário, sendo: P1, P2, P3, P4, P5,
P6, P7, P8 e P9. Na entrevista, identificamos a coordenadora como C1.

4.5.3 A entrevista
A entrevista semiestruturada, cujo roteiro se encontra no Apêndice C, foi realizada
com a coordenadora pedagógica para produzir e organizar dados sobre a pesquisa. Surgiu da
necessidade de conhecermos as orientações da coordenação em relação às estratégias
pedagógicas utilizadas com alunos com deficiência na EJA II na EMNSA, e foi relacionada
com o questionário dos professores. A entrevista foi previamente combinada: primeiramente,
explicamos os objetivos da pesquisa através da leitura do TCLE. Ficamos na sala da
coordenação, ambiente onde acreditamos que ela se sentiria mais segura e confortável ao
responder às perguntas, as quais foram registradas na medida que iam sendo respondidas, para
uma maior precisão. Essa perspectiva é ampliada por Gil (2008, p.109), quando nos diz que
ela é:
[...] uma técnica em que o investigador se apresenta frente ao investigado e lhe
formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que interessam à
investigação. [...] é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma das partes busca
coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação. A entrevista é uma
das técnicas de coleta de dados mais utilizadas no âmbito das ciências sociais.
O seu roteiro predefinido permitiu maior clareza em relação às respostas, de forma a
investigar e aprofundar os conhecimentos sobre o que estava sendo perguntado. A entrevista
apresenta uma flexibilidade, um diálogo necessário que ajuda a envolver o sujeito no tema
específico. Para tanto, é preciso que o entrevistador conduza o entrevistado a se centrar no
assunto, disponibilize os dados e se aproxime da realidade no contexto, ampliando às
possibilidades de informação.
Sobre essa perspectiva, Minayo; Costa (2018) chamam a nossa atenção quanto à
pertinência desse instrumento privilegiado para pesquisas qualitativas, e sua importância para
a construção dessas informações, quando dizem que ela é o instrumento mais utilizado nas
pesquisas qualitativas, como veremos a seguir:
A entrevista, tomada no sentido amplo de comunicação verbal e no sentido estrito de
construção de conhecimento sobre determinado objeto, é a técnica mais utilizada no
71

processo de trabalho qualitativo empírico. Constitui-se como uma conversa a dois ou


entre vários interlocutores, realizada por iniciativa de um entrevistador e destinada a
construir informações pertinentes a determinado objeto de investigação (MINAYO;
COSTA, 2018, p. 141, grifo dos autores).
Os referidos autores alertam que existem outros tipos de entrevista, porém a
semiestruturada combina um roteiro com questões anteriormente formuladas e outras abertas,
consentindo ao entrevistador a possibilidade de direção sobre às informações coletadas e, ao
mesmo tempo, dá espaço ao pensamento livre e espontâneo do entrevistado. Por fim, ela ajuda
a complementar a presente pesquisa que, por ter uma natureza qualitativa, corrobora com esse
instrumento de coleta de dados.

4.6 A DINÂMICA DA PESQUISA


A dinâmica aconteceu dentro de um percurso investigativo que ocasionou a presente
pesquisa, da qual a escola é o local de trabalho da pesquisadora, o que facilitou o acesso à
maioria das informações e a adesão dos sujeitos. Nas reuniões de ACs e nos Conselhos de
Classe, observamos que os alunos com deficiência intelectual, física e auditiva da EJA II
recebem pouca ou quase nenhuma atenção dos professores.
Alguns docentes demonstraram acreditar que é possível realizar um trabalho de
qualidade, porém não sabem por onde começar. Outros dizem que realizam um trabalho
diferenciado, mas, na prática, reproduzem ações contraditórias, posto que a maioria dos
docentes exercem a estratégia de tratar os estudantes com igualdade, sem se preocupar com
suas necessidades específicas.
Para entendermos o que seria possível fazer para ajudar os professores a repensarem
suas estratégias pedagógicas, formulamos a pergunta de partida que nos fez refletir sobre às
estratégias pedagógicas utilizadas com alunos com deficiência na EJA II. Por força da lei,
esses jovens e adultos garantiram o direito de terem acesso e permanência ao ensino regular,
mas isso não garantiu a eles o acesso ao aprendizado significativo. Por esse motivo,
precisamos ponderar de que forma essas estratégias pedagógicas estão sendo realizadas.
Seguindo o caminho da pesquisa científica, e após as autorizações do Comitê de Ética e da
Secretaria Municipal de Educação, o convite oficial aos professores foi realizado e iniciamos
a fase exploratória com a pesquisa documental. É importante deixar aqui registrado que
tivemos acesso aos documentos da escola sem maiores dificuldades, primeiramente porque a
pesquisadora faz parte do corpo docente da EMNSA e também pela transparência estabelecida
entre a pesquisadora e a equipe da gestão escolar.
72

Para Gil (2008), a pesquisa documental se vale de materiais que não receberam ainda
uma análise, podendo ser interpretados de acordo com o objeto da pesquisa, como, no nosso
caso, os documentos oficiais. Essa possibilidade de apropriação e aprofundamento faz parte
da abordagem qualitativa e requer do pesquisador um olhar mais apurado para as possíveis
especificidades e interpretações.
Lakatos; Marconi (2003) complementam esse pensamento quando dizem que a
pesquisa documental é a coleta de dados em fontes originais, como documentos escritos ou
não, pertencentes aos arquivos públicos, particulares de instituições e fontes estatísticas. Para
Laville; Dionne (1999), esse trabalho de pesquisa documental tem início com a coleta de
materiais.
Sendo assim, esta pesquisa não é uma acumulação cega, nem mecânica, pois coleta
informações que o pesquisador utiliza para perceber o fenômeno: ele precisa se apropriar das
especificidades desse material selecionado para que possa extrair e destacar os pontos
considerados relevantes, que refletem aspectos da problemática da proposta. Lüdke; André
(1986) complementam justificando que essas informações obtidas desvelam aspectos novos
de um tema ou problema. Assim, a análise documental se integra e se configura como uma
técnica importante na pesquisa qualitativa.
Nesse ínterim, realizamos a apresentação da proposta de trabalho para os professores,
o convite formal de adesão à pesquisa e esclarecemos as possíveis dúvidas. A vontade de
participar e encontrar soluções, foi demonstrada na aceitação ao convite e participação de cada
etapa do processo. Esse momento foi significativo porque os professores puderam entender
sua dinâmica, propósito e organização. Em seguida, solicitamos a assinatura do TCLE, e
aplicamos o questionário que foi utilizado antes e depois dos encontros formativos, conforme
as etapas previstas.
O questionário foi organizado em duas categorias: na primeira, tivemos à
caracterização dos professores, inclusive em relação à formação; e na segunda, apresentamos
quatro perguntas. Ele nos mostrou que os professores não tinham nenhuma formação
específica, e que à sua percepção em relação à Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva precisava ser ampliada. Em relação às estratégias pedagógicas utilizadas que
atendessem às especificidades dos alunos com deficiência, ficaram explícitas que precisavam
ser repensadas.
A partir da análise dessas respostas e de alguns comentários posteriores à aplicação do
questionário, organizamos os encontros formativos que aconteceram através da plataforma
digital do Google Meet, em virtude da pandemia do novo Coronavírus. Os temas trabalhados
73

nos encontros apresentaram subsídios teóricos e práticos, com documentos da escola e aportes
legais que respaldaram as ações planejadas. Assim, foi possível fazer com que os professores
refletissem sobre as estratégias utilizadas com os alunos com deficiência.

4.6.1 A formação
Em virtude da pandemia do novo Coronavírus no Brasil, as aulas presenciais foram
suspensas em março, e os encontros formativos foram realizados remotamente, através do
Google Meet. Essa plataforma é um serviço de comunicação por videoconferência
desenvolvido pela Google. Em virtude dessa modalidade de encontro, à estrutura
organizacional precisou de adaptações, porém manteve a mesma essência planejada
inicialmente.
No primeiro encontro, a pesquisadora apresentou para os sujeitos da pesquisa a
proposta e os dados encontrados, relacionados com as fundamentações teóricas. Entre o
segundo e o quinto encontros formativos tivemos a presença de alguns colaboradores que,
junto com a pesquisadora trataram sobre cada tema proposto. No sexto e último encontro,
todos os convidados participaram. Para conhecermos um pouco mais sobre cada convidado,
colocamos no Apêndice D um breve comentário sobre o seu currículo, juntamente com um
relato sobre a escolha da sua participação. Assim, apresentamos a seguir o Quadro 02 com a
estrutura geral dos encontros formativos:
Quadro 02 – Organização dos Encontros Formativos
Tema do Encontro Conteúdo Estratégia Avaliação

Apresentação da - - Apresentação da - Reflexão sobre


proposta dos Fundamentaçõe proposta e alguns resultados
encontros e s histórica, resultado do apresentados no
socialização do teórica e legal questionário dos questionário.
questionário da referentes às professores e da
pesquisa. respostas do coordenação em
questionário. slide.

PPP e Projeto Político -Disponibilização - Registro de


Regimento Pedagógicos, de trechos do PPP como esses
Escolar: como Regimento e do Regimento instrumentos
usar esses Escolar da Escolar podem auxiliar
documentos EMNSA e as para reflexão nas estratégias
parra fortalecer estratégicas análise e pedagógicas dos
as estratégicas desses embasamento professores.
pedagógicas. professores. legal
Colaboradora:
Talyta Meirelles

Utilização do - Laudo médico - Leitura de dois - Diálogo sobre os


laudo médico para construir laudos médicos. laudos e a
para estratégias - Apresentação estratégia
construir pedagógicas. do depoimento pedagógica
estratégias - Estratégia em utilizada. - Link do
pedagógicas: pedagógica do vídeo do Professor questionário no
necessário ou

74
dispensável? depoimento. Kleber. Google Forms.
Colaboradora:
Maria do Carmo.

Estratégias -Estratégias -Socialização de - Registro dos


pedagógicas para pedagógicas para estratégias comentários sobre
alunos com trabalhar com os pedagógicas para a viabilidade das
deficiência na EJA alunos com trabalhar com estratégias
e PDI: vamos deficiência em alunos com socializadas
pensar um pouco. sala de aula. deficiência. e do DPI.
Colaboradora: - PDI. - Conversa sobre
Carla Meira. as dúvidas do
PDI.
Adaptação - Adaptação ou - Slide com frases - Observação
curricular e flexibilização de Thomas das colocações
avaliação: quais curricular. Edison, dos
estratégias - Avaliação. situações sobre o professores sobre
pedagógicas - Estratégias tema através do adaptação
utilizar? pedagógicas para título: mito ou curricular e
Colaboradores: o currículo e a verdade..., avaliação.
Daniel de Oliveira avaliação. charge sobre
e Maria do avaliação e
Carmo. breve biografia
de pessoas com
deficiência.

Reaplicação do - Conceitos -Reaplicação do - Questionário


questionário e trazidos questionário no Google
socialização de inicialmente no através de um Forms.
estratégia questionário. link no - Reflexão sobre
pedagógicas para - Estratégias Google Forms. as estratégias
alunos com pedagógicas -Apresentação pedagógicas
deficiência na utilizadas pelos individual de realizadas pelos
EJA. professores da cada estagiário professores para
Colaboradores: EMNSA. pedagógico alunos com
Todos. postada no grupo deficiência na EJA.
de
WhatsApp.

Fonte: A autora (2020).

Nos encontros formativos, aplicamos um questionário on-line, utilizado em dois


momentos: o primeiro, após o terceiro encontro, para percebermos o nível de satisfação dos
sujeitos; e o outro, após o sexto e último encontro, o que nos mostrou os avanços alcançados
perante os objetivos da pesquisa.
Entendendo que é possível socializar os conhecimentos adquiridos e construídos,
disponibilizamos os materiais trabalhados em um espaço virtual no site da orientadora, para
que outras pessoas possam ter acesso. Através dessa ação, acreditamos que contribuímos de
alguma forma para que os alunos com deficiência na EJA II sejam incluídos efetivamente.

4.7 ANÁLISE INTERPRETATIVA: POR UMA COMPREENSÃO DO FAZER Uma vez de


posse dos dados obtidos, o passo seguinte foi à sua análise e interpretação. Elas parecem, num
primeiro olhar, a mesma coisa; mas não são. Essa afirmação é amparada
75
por Marconi; Lakatos (2003, p.168), quando dizem que elas são atividades distintas, mas
estreitamente relacionadas. Para as autoras, na análise, “o pesquisador entra em maiores
detalhes sobre os dados decorrentes do trabalho estatístico, a fim de conseguir respostas às
suas indagações”; e na interpretação, é a “atividade intelectual que procura dar um significado
mais amplo às respostas, vinculando-as a outros conhecimentos”.
Portanto, a análise busca o sentido além das informações, num processo complexo de
idas e vindas, através de uma relação que se complementa com a interpretação. Essa
interpretação sugere que o pesquisador possa fazer parte desse processo, pois é através dessa
participação que as falas são coletadas e discutidas. Assim, é preciso estar atento as
entrelinhas dessas falas, neste processo de reconstrução, para que se possa identificar e
compreender, inclusive cada contexto inserido.
Na busca pela compreensão dos dados coletados, pautamo-nos na análise
interpretativa de Severino (2013), que entende o seu sentido e explora todas as capacidades
criativas das ideias apresentadas do autor. Essa análise se mostra como parte complexa do
processo, pois pode sofrer interferências da subjetividade do leitor. Sendo assim, para
Severino (2013, p. 38, grifo do autor),
Interpretar, em sentido restrito, é tomar uma posição própria a respeito das ideias
anunciadas, é superar a estrita mensagem do texto, é ler nas entrelinhas, é forçar o
autor a um diálogo, é explorar toda a fecundidade das ideias expostas, é cotejá-las
com outras, enfim, é dialogar com o autor.
Essas capacidades criativas advindas dos sujeitos da pesquisa, que são os professores
da EMNSA, podem sofrer influência do leitor quando os dados coletados perpassam pelo seu
ponto de vista, ou seja, se complementam com à sua opinião. Para fomentar esse momento de
reflexão, é necessário a interpretação desses dados coletados, a tirinha de Beckilustras (2020)
foi utilizada no segundo encontro formativo sobre o PPP e o Regimento Escolar. Ela tratou de
a necessidade de toda opinião precisar de um bom fundamento, que nesse contexto em
específico, tratou das concepções desses documentos em relação a inclusão dos alunos com
deficiência.
Para compreender de forma didática essa estrutura, vamos apresentar agora a Figura
05 que representa essa análise interpretativa, mostrando um movimento circular permanente
que passa a ideia de mobilidade e inter-relação. As perguntas abertas levantadas no
questionário, quando interpretadas, seguiram essa evolução, conforme a análise de Severino
(2013):
76
Figura 05: Análise interpretativa na perspectiva de Severino (2013)

Fonte: Severino (2013)


Acreditamos que, dessa forma, a pesquisa mostrou que é preciso romper com velhos
paradigmas. Portanto, o rigor necessário para validar uma pesquisa científica requer esse
procedimento formal estruturado para que seus resultados sejam confiáveis. Essa é uma etapa
difícil e delicada, o que torna a pesquisa ainda mais instigante e desafiadora. Por fim, uma vez
realizada a pesquisa empírica, vamos apresentar os dados que coletamos durante esse
percurso.
77

5 ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA: UMA


ANÁLISE DOS DADOS
A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da
realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa. (FREIRE, 1997, p.97).
A sensibilidade de Freire (1997) é algo que ultrapassa gerações. Em suas sábias
palavras ele inspira e ensina a prosseguir. Essa capacidade de agir em situações adversas à
qual nos remete a Educação é sim um ato de coragem constante, que tende a impulsionar os
professores em direção ao desejo de trilharem novos caminhos através de uma escola que
acolhe a ideia de atender às especificidades dos alunos. O fato de estarmos no mundo, garante
ou deveria garantir a nossa humanidade, pensamento que precisa ser construído e sempre
revisitado.
A prática consistente tem o poder de transformar e de conduzir para a libertação.
Sendo assim, a análise da realidade tem um papel fundamental nessa tomada de consciência,
em que o possível é concretizado. O respeito às diferenças se renova a partir do momento em
que o sujeito se torna protagonista da sua própria história, sendo reconhecido e visibilizado. A
conquista dessa liberdade não se dá por acaso. Ela é sustentada pela criatividade e estimulada
pela reflexão do fazer dos professores.
Às estratégias pedagógicas em relação aos alunos com deficiência na EJA, nesse
ínterim, requerem dos professores esse repensar constante. Por essa razão, os processos
epistemológicos, históricos e legais da EJA, sobretudo da Educação Especial na perspectiva
da Educação Inclusiva precisam andar de mãos dadas, para que essa tomada de consciência
dos professores seja legítima. Sabemos que é muita pretensão tentar garantir para os
professores da EMNSA essa ação em apenas seis encontros formativos, mas o importante é
que o primeiro passo foi dado, pois o processo de transformação é constante e permanente.
Esta pesquisa parte da inquietação que leva à pergunta direcionadora sobre quais
estratégias pedagógicas são utilizadas para alunos com deficiência na EJA II na EMNSA, pois
desse planejamento pode ocorrer o desenvolvimento de ações inclusivas nunca antes
apresentadas. A compreensão dessa análise é um momento oportuno para que se expresse
tudo o que foi visto e sentido, uma vez que a mesma faz parte do processo, a partir dos
desvendamentos das falas dos professores.
Essa tarefa desafiadora, porém, instigante não poderia ser ingênua, pois revela a
percepção do professor em relação às suas estratégias pedagógicas. Essa conexão entre as
falas e as concepções dos professores representa sua estrutura teórica, a qual se abriu ao
iniciar a análise dos dados apresentados, e tem por finalidade mostrar a realidade que se
78

manifesta na perspectiva da ação. Esse percurso contínuo de investigação gerou a estruturação


dos elementos de análise para que os dados fossem compreendidos. Essa etapa foi
imprescindível na busca do sentido além das informações, através de um movimento pulsante
de idas e vindas que se complementa com a interpretação.
Nessa caminhada de busca pelo sentido, a pesquisa-ação trazida por Thiollent (1986)
se revelou imprescindível, pois conseguiu verificar a manifestação da equipe de professores
da EMNSA e buscou nela própria formas de análise desses resultados. A pesquisa-ação
apresenta uma estrutura coletiva de participação, em que a captação da informação leva ao
desenvolvimento de novas estratégias, novas soluções. A descrição a partir de encontros
formativos leva à resolução de problemas efetivos que são detectados na coletividade. A
pesquisa-ação dá a garantia de que é possível verificar, determinar e deixar claro quais são as
concepções dos sujeitos em relação a determinado assunto, ao passo que essa concepção vai
sendo modificada.
Conforme a formação acontecia, existia a mudança de ideia, de concepção, através
dessa intervenção que a pesquisa-ação proporcionou com a função de resolver um problema.
Sendo assim, os dados aqui considerados foram revelados pela equipe e agora são
representados para discutir possibilidades de estratégias pedagógicas para alunos com
deficiência. É perceptível que foi preciso buscar a reflexão de estratégias pedagógicas que
pudessem sustentar a prática do professor na educação básica, especificamente na EJA II, de
forma que se promovesse a inclusão dos sujeitos com deficiência, uma vez que a inclusão
acontece na escola regular.
Essa inclusão remete aos vieses da democratização da escola, que são: acesso,
permanência e qualidade, justamente porque estratégias pedagógicas montadas e organizadas
por professores para o aluno com deficiência ou para qualquer aluno visam garantir à
qualidade da Educação para esse estudante na sala de aula regular. Isso intensifica o que
estamos buscando hoje em relação à Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) que reforça uma educação para todos e com todos, indo
contrária a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado
ao Longo da Vida (BRASIL, 2020), que segundo Vivas; Falcão (2020) o próprio
ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, afirmou que ela fragiliza à inclusão.
Portanto, é necessário que o professor organize estratégias pedagógicas que estejam de acordo
com os sujeitos que ele está atendendo. Então, o desempenho desse sujeito vai estar também
ligado à questão da estratégia pedagógica que o professor organizou para ele.
79

Para Severino (2013), é preciso entender o sentido das capacidades criativas dos
professores e explorar as ideias apresentadas, parte complexa desse processo, o que requer do
pesquisador uma tomada de posição, conforme se verifica através dos fatos e das afirmações
expostas. A partir daí, foram delimitados três elementos de análise construídos no decorrer da
pesquisa, a saber: concepção do professor em relação à Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva; formação do professor; e estratégias pedagógicas, os quais surgiram das
necessidades apontadas nos questionários, na entrevista e na escuta exaustiva das gravações
dos encontros formativos.
As convergências apresentadas nas falas da pesquisadora e no que estava escrito foram
relacionadas com os elementos de análise desvelados no processo. Na verdade, são três
elementos, mas existe uma relação entre eles, de modo que a concepção do professor está
relacionada à Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva; e a formação do
professor ligada a uma formação objetiva e subjetiva, em que a técnica e a concepção devem
andar de mãos dadas com o objetivo de gerarem estratégias pedagógicas que possam conduzir
à inclusão. Assim, representamos esse entrelace da seguinte forma (Figura 06):
Figura 6 – Relação dos Elementos de Análise

Fonte: A autora (2020).


Portanto, foi desse estudo detalhado entre o material coletado e a teoria estudada que
os elementos de análise foram extraídos. O professor da EMNSA precisava refletir sobre à sua
concepção em relação ao aluno com deficiência, e isso foi possível através de encontros
formativos que proporcionaram um movimento inicial. Por acreditar que essa perspectiva
inclusiva é necessariamente na sala de aula regular, mostrou-se que a concepção do professor
atrelada à formação pode conduzir à escolha de estratégias pedagógicas que contribuem para o
processo de inclusão, com a qualidade do ensino e da aprendizagem.

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