Crack - Farmacocinética, Farmacodinâmica, Efeitos Clínicos e Tóxicos
Crack - Farmacocinética, Farmacodinâmica, Efeitos Clínicos e Tóxicos
Crack - Farmacocinética, Farmacodinâmica, Efeitos Clínicos e Tóxicos
Raquel Augusta de Castro1; Raquel Neves Ruas1; Renan Costa Abreu1; Renata Bernardi Rocha1;
Renata de Figueiredo Ferreira1; Renato Cançado Lasmar1; Sofia Andrade do Amaral1; Antônio José
Daniel Xavier2
Instituição: Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais - FCMMG Belo Horizonte, MG - Brasil
RESUMO
Esta revisão apresenta os aspectos químicos e farmacológicos do crack, além de seus efeitos
clínicos e toxicológicos. Foram abordados trabalhos publicados entre os anos de 1990 e 2012, por
intermédio de buscas sistemáticas utilizando o banco de dados Scielo, Lilacs e jornais eletrônicos
disponíveis na internet. O crack possui como substância ativa a cocaína, derivada de folhas da
planta Erythroxylum coca. Independentemente da sua forma de consumo (intravenosa, inalatória,
oral e intranasal), exerce seus efeitos tóxicos a partir dos principais metabólitos: benzoilecgonina e
metil-éster de ecgnonina. A alta lipossolubilidade apresentada permite que atravesse a barreira
hematoencefálica e placentária, tendo especial afinidade pelo cérebro. Atua como potente agonista
adrenérgico, dopaminérgico e serotoninérgico e bloqueador dos canais de sódio voltagem-
dependentes, o que justifica seus efeitos clínicos e potencial tóxico. A intoxicação aguda irá se
manifestar pela hiperatividade desses sistemas. O entendimento da toxicologia do crack é
importante para detecção e manejo clínico da intoxicação aguda, da sua abstinência e
consequências do seu uso crônico.
INTRODUÇÃO
O nome cocaína refere-se, popular e comercialmente, aos sais de cocaína (cloridrato de cocaína e
sulfato de cocaína), que são os dois produtos mais puros do processo de refinação da coca (feita
com folhas da planta Erythroxylum coca). Os sais de cocaína são termorresistentes, pouco voláteis
e seu ponto de fusão é de 190ºC. São conhecidos por "pó", "talco", "neve", "farinha", "branquinha"
(Figura 1).1-3
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O crack é obtido a partir da mistura da pasta-base de coca ou da cocaína refinada com bicarbonato
de sódio e água. O composto, quando aquecido a mais de 100ºC, passa por processo de
decantação, em que as substâncias líquidas e sólidas são separadas. O resfriamento da porção
sólida gera a pedra de crack, que concentra os princípios ativos da cocaína e ganhou esse nome
devido aos estalidos emitidos quando fumado.2-6
Essa forma de cocaína tem a propriedade de fundir-se aos 98ºC e alcançar o ponto de ebulição aos
250ºC, o que permite ser fumada. Por ser produzido de maneira clandestina e sem qualquer
controle, o crack possui diferenças no nível de pureza, podendo conter outros tipos de substâncias
tóxicas. Em razão de suas impurezas e das sustâncias agregadas, possui custo menor que o da
cocaína e por isso seu consumo é maior em grupos economicamente menos favorecidos.2,3
FARMACOCINÉTICA
O início dos efeitos psicoativos produzidos pela cocaína demora entre oito segundos e 30 minutos
e permanecem por cinco a 90 minutos, dependendo, em parte, da via de administração.
O crack leva, em média, seis a oito segundos para iniciar sua ação e dura entre cinco e 10
minutos. Quando injetada, a droga demora o dobro do tempo para iniciar sua ação. A duração do
efeito da cocaína via intravenosa e fumada é menor, o que implica que o consumidor tem que
administrar várias doses para alcançar um estado intenso de euforia. A injeção intravenosa e a
inalação de cocaína produzem níveis máximos de concentração no plasma depois de três a cinco e
um a três minutos da administração, respectivamente.2,5-9
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Ao fumar o crack, o seu princípio ativo, que é a cocaína, é rapidamente absorvido pelos capilares
pulmonares e segue para a corrente sanguínea. Dessa maneira, a cocaína se distribui por todo o
organismo e, devido à sua alta lipossolubilidade, atravessa a barreira hematoencefálica e
placentária, tendo especial afinidade pelo cérebro. A cocaína tem volume de distribuição de 2 L/kg.
A biotransformação do princípio ativo inicia-se rapidamente no sangue devido ao pH do meio
aquoso, o qual é potencializado por colinesterases e posteriormente se completa no fígado, onde é
hidrolisada por colinesterases, produzindo seus metabólitos principais, a benzoilecgonina e a metil-
éster de ecgnonina. Outros metabólitos menores, como a norcocaína e o cocaetileno (metabólito
gerado quando a cocaína é administrada com etanol), são também detectados em quantidades
menores.1,2,6
A cocaína e seus metabólitos não se ligam às proteínas plasmáticas. A vida média de seus
metabólitos oscila entre 4 e 6 horas e é maior que a da cocaína livre, que é de aproximadamente
60 minutos. A quantidade encontrada no sangue corresponde fielmente à quantidade exposta aos
receptores. Em pessoas com superdosagem, apresenta concentrações diferentes e importantes no
cérebro e sangue, chegando a encontrar no primeiro 10 vezes a concentração sanguínea, tomada
ao mesmo tempo. Sua eliminação se efetua principalmente por via renal, representando 85 a 90%
do total. Dessa quantidade, apenas 1 a 5% são cocaína não metabolizada, sendo a
benzoilecgonina e metil-éster de ecgonina as principais formas encontradas, detectadas a partir de
seis horas depois do consumo e com pequena quantidade em forma livre. Testes para verificar o
uso de cocaína podem ser realizados por análise do sangue, da urina e do cabelo. O teste
toxicológico urinário é o teste de referência e identifica o metabólito benzoilecgonina, que pode ser
detectado quatro a 48 horas após exposição à droga.1,6,7
FARMACODINÂMICA
Os efeitos da cocaína podem ser explicados por sua ação em vários receptores:1,2,7
bloqueia os canais de sódio dependentes de voltagem, exercendo seu efeito anestésico local,
impedindo a condução de impulsos nervosos;
possui afinidade por sítios de receptores serotoninérgicos, muscarínicos (M1, M2) e sigma.
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ASPECTOS TOXICOLÓGICOS
A cocaína exerce seus principais efeitos através dos sistemas dopaminérgicos, adrenérgicos e
serotoninérgicos, podendo ser observado no:
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EFEITOS CLÍNICOS
A ação de uma dose causa perda de apetite, transmite sensação de bem-estar, aumenta a
resistência física ao diminuir a sensação de fadiga, além de promover inquietude, excitação,
loquacidade, ansiedade e até confusão mental. A euforia inicial pode ser seguida de
ansiedade, agitação, delírio, psicose, tremor, rigidez muscular ou hiperatividade e
convulsões.1,4
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TOXICIDADE AGUDA
A cocaína administrada topicamente, como anestésico local, não apresenta efeitos sistêmicos
notáveis e sua ação é predominantemente anestésica, por estabilização da membrana axonal e
bloqueio da condução nervosa periférica. A verdadeira ação sistêmica da cocaína se apresenta com
a administração pelas vias nasal, pulmonar e parenteral, que desencadeiam rapidamente efeitos
notáveis no organismo.2,4
agentes) e outros fatores. Produz efeitos em 1-2 minutos, quando é administrada via intravenosa.
Pode produzir níveis altos transitórios no cérebro e coração capazes de provocar convulsões ou
arritmias cardíacas, enquanto a mesma dose via nasal pode causar só euforia. Considera-se que
níveis sanguíneos de cocaína entre 100 e 200 mcg% produzem alterações clínicas evidentes.2,4,13
As complicações agudas capazes de levar o usuário a procurar serviço médico são individuais. As
complicações psiquiátricas ocorrem em 35,8% dos casos, destacando-se episódios de pânico,
depressão e psicose. Os sintomas psicóticos (delírios paranoides, alucinações) podem desaparecer
espontaneamente após algumas horas (ao final da ação da cocaína), mas agitações extremas
podem necessitar de sedação com benzodiazepínicos intramusculares (midazolam 15 mg).12
Fase I. Estimulação inicial: as suas ações primárias são efeitos anestésicos locais,
estimulação do sistema nervoso central e inibição da recaptação neuronal de catecolaminas. A
euforia induzida pela cocaína se deve ao bloqueio da recaptação de dopamina induzido pela
droga, porém seu uso crônico pode causar redução dos níveis de dopamina e alteração da
função dopaminérgica cerebral. Essa primeira fase é rápida (na absorção nasal, inicia-se 3-5
minutos depois do contato; na endovenosa, de 10-60 segundos; e na fumada; em 3-10
segundos) e se caracteriza clinicamente por euforia, agitação, aumento da amplitude do pulso,
da frequência cardíaca e da pressão arterial sistêmica, cefaleia, náuseas, vômitos, vertigem,
instabilidade emocional e movimentos involuntários ("tiques") de pequenos músculos da face;,
e nos olhos ocorre midríase. Essa sintomatogia pode ser observada com níveis sanguíneos
superiores a 40 mcgr%.
Fase III. Depressão: é a fase mais grave da intoxicação aguda por cocaína, apresentando-
se como depressão dos diversos sistemas do organismo e, de acordo a dose ingerida, ocorre
1-2 horas depois do consumo. Essa fase caracteriza-se por coma arreflexivo e arresponsivo,
midríase fixa, paralisia flácida, instabilidade hemodinâmica, insuficiência renal, fibrilação
ventricular ou assistolia, insuficiência respiratória, edema agudo de pulmão, cianose perioral,
pulso fino ou não palpável, diminuição das funções vitais, inconsciência e morte. Verificam-se,
com frequência, as tentativas de suicídio. Essa sintomatologia se observa com níveis acima de
3 mg por 100 mL de sangue.
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na rabdomiólise: administrar NaCl 0,9% para manter volume urinário de 2-3 mL/kg/h.
Monitorar eletrólitos, CK e função renal. Pode ser necessário o uso de diuréticos e de
alcalinização urinária.13
REFERÊNCIAS
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