M-3 Contrato A Favor de Terceiro

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CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO

Existe contrato a favor de terceiro quando duas pessoas celebram entre si


um contrato em nome próprio, tendente a proporcionar directamente uma
vantagem a terceiro, estranho ao negócio 1.
Essa vantagem consiste normalmente na atribuição de um direito de
crédito sobre uma das partes. O terceiro pode assim exigir desta uma
prestação. Tal acontece por exemplo no seguro de vida ou na doação com
o encargo para o donatário de pagar uma pensão a um filho do doador.
O benificiário do seguro adquire o direito de exigir da empresa
seguradora, após a morte do segurado, o montante estabelecido; o
beneficiário do encargo adquire o direito de exigir do donatário a pensão.
A vantagem concedida ao terceiro pode revestir diversa natureza,
traduzindo-se na remissão da sua dívida ou na constituição de um
usufruto a seu favor (artigo 443.º n .º2).
O caso mais típico é, porém, o indicado em primeiro lugar (atribuição ao
beneficiário de um direito de credito contra uma das partes) e por isso tê-
lo-emos sobretudo em vista, como faz a própria lei. O que se disser a seu
respeito é extensivo «mutandis mutandis» às restantes hipóteses.
Naquele caso mais típico há uma pessoa que se obriga perante outra a
efectuar certa prestação no interesse de terceiro.
A primeira dessas pessoas, que assume a obrigação a obrigação, diz-se
promitente, a segunda, em face da qual a obrigação é contraída, chama-
se promissório; o terceiro é o beneficiário. Assim, no seguro de vida,
promitente é a empresa de seguradora, promissório o segurado, e
beneficiário aquele a favor de quem o seguro é feito.
Só o promitente e o promissório são intervenientes no contrato. Só entre
eles se estabelecem as relações contratuais. Mas do contrato nasce
também um direito para o terceiro.
Este direito constitui-se independentemente de aceitação (artigo 444.º
n.º1). O beneficiário fica investido no direito por força do contrato (em
que não intervém), sem necessidade de manifestar a sua vontade no
sentido de o aceitar. Trata-se de uma aquisição automática ou ipso iure.

CONTRATO PARA PESSOA A NOMEAR

1 Artigo 443.º do Código Civil.


O art.º. 452.º-1, do CC1, não nos dá uma noção de contrato para
pessoa a nomear, visto que nos diz apenas quando é que tal contrato
ocorre. É contudo possível retirar desse art. uma definição do contrato
em causa, podendo ela ser: o contrato para pessoa a nomear é um contrato
em que uma das partes se reserva a faculdade de designar uma outra
pessoa que assuma a sua posição na relação contratual, como se o
contrato tivesse sido celebrado com esta última 23 4.
O regime do contrato para pessoa a nomear no direito angolano consta
dos arts. 452.º a 456.º do C.C.
Constata-se, portanto, que não há um tipo de contrato para pessoa a
nomear, pois que todos os contratos, com as excepções constantes do n.º
2, do art. 452.º, podem ser contratos para pessoa a nomear, desde que
lhes seja aposta a respetiva cláusula5.

2 É esta a definição de contrato para pessoa a nomear que nos dá A. Varela [2000], p.
429. Vide, para outras definições da figura, F. de Almeida [2012], p. 52, e, noutras
latitudes, E. Enrietti [1950], p. 76.
3 Exemplo - Um jogador de futebol famoso pretende adquirir um imóvel que pertence a

Maria. Se Maria soubesse que iria fazer negócio com uma pessoa famosa, provavelmente
iria impor um preço bem acima do valor de mercado.
O jogador famoso recorre a Pedro, seu amigo, para que faça o negócio com Maria, desde
que se reserve no direito de indicar quem assumirá os direitos e obrigações decorrentes
do contrato – no caso, o jogador.
Tal negócio é permitido pela lei, e se mostra importante, tanto para evitar especulações
quanto para evitar as despesas que possam vir a ser exigidas em virtude de uma nova
escrituração.
4 Outros Exemplos

Para uma melhor compreensão da figura do contrato para pessoa a nomear, e da


respetiva utilidade, nomeadamente sob o ponto de vista económico, consideremos
alguns exemplos práticos de aplicabilidade de tal contrato, retirados de diversos
autores. Como 1º exemplo, admitamos que D tem procuração de E para adquirir um
determinado bem, mas que E não quer aparecer desde logo no negócio, por recear que
esse aparecimento determine, só por si, um preço excessivo por parte do vendedor, ou
então, que outras pessoas, concorrentes de E, ao saberem que E pretende realizar o
negócio em causa, se interessem também por tal negócio, “seja por acinte ou por
qualquer outro motivo”, fazendo assim subir o respetivo preço. Também, e segundo B.
Proença, o contrato para pessoa a nomear surge com frequência no clausulado do
contrato-promessa, com a formulação seguinte, ou com uma próxima dela: “ A escritura
de venda será outorgada com o promitente-comprador ou com a pessoa que vier,
entretanto, a ser indicada”. Similar opinião têm também G. Telles; A. Costa; R.
Guichard; e, no direito espanhol, onde o contrato de compra e venda é configurado como
meramente obrigacional, L. Serrano. Distinta é a opinião de D. Marques, que entende
que tal cláusula não tipifica o contrato de promessa em que ela se insere como sendo
um contrato para pessoa a nomear, e também, parece, a de A. Varela.
Um 3º exemplo de aplicação do contrato para pessoa a nomear consiste nas vendas de
automóveis novos, em que, como parte do preço da aquisição, o comprador entrega
frequentemente um automóvel usado, cuja propriedade se transmitirá ao
concessionário vendedor do automóvel novo ou à pessoa que este designe como
definitivo comprador deste automóvel usado.
5 Assim, podemos dizer que um contrato para pessoa a nomear será um contrato que

pode assumir diversos tipos, p. ex. a compra e venda, o trespasse, etc, ou ser até atípico,
e no qual é convencionada a cláusula em questão. O contrato para pessoa a nomear foi
introduzido inovatoriamente no direito civil [angolano] apenas no atual CC, embora,
mesmo anteriormente a tal código legal, a figura, já pudesse ser utilizada, ao abrigo do
Independentemente de se saber qual é o regime e a natureza jurídica da
figura do contrato para pessoa a nomear, o que mais adiante se analisará,
dir-se-á, desde já, que a sua grande especialidade ou a sua grande
vantagem, consistem em ela permitir, que alguém, que não é outorgante
do contrato, nele não tendo tido pois qualquer intervenção, nem
chegando no mesmo contrato a ser sequer identificado, nem referido,
possa encabeçar mais tarde tal contrato, e, retroativamente, i. e., desde
a celebração dele. E isto mediante uma simples nomeação feita pelo
estipulante, e, naturalmente, a aceitação dela pelo nomeado. Traduzindo-
se, nos termos do CC, tal aceitação numa ratificação, ou então numa
procuração anterior à celebração do contrato6, procuração essa de que o
estipulante já podia até dispor quando celebrou o mesmo contrato, mas
que, por qualquer motivo, não quis usar. Assim, através desta figura, o
terceiro pode ficar completamente incógnito, desde a data da celebração
do contrato até à nomeação dele, pois que ninguém precisa então de
saber, a não ser, naturalmente, o estipulante, que ele, terceiro, virá
depois a tornar-se o verdadeiro contratante.
Esta situação de anonimato pode, em angola, durar muito tempo, pois
que, embora para a nomeação haja no nosso ordenamento jurídico um
prazo definido na lei, que é de só 5 dias (art. 453.º-1), o certo é que esse
prazo é supletivo, já que o promitens e o estipulante podem perfeitamente
convencionar para a nomeação outro prazo qualquer, não havendo até
qualquer limitação legal, pelo menos direta, à duração de tal prazo (art.
453.º-1)7 8.
E, efectuada a nomeação nos termos legais pelo estipulante, este, como
que por artes mágicas, misteriosamente, desaparece do contrato, dele se
sumindo, como se nunca lá tivesse estado 9.
Vantagem do contrato para pessoa a nomear
A sua grande especialidade ou a sua grande vantagem, consistem em ela
permitir, que alguém, que não é outorgante do contrato, nele não tendo
tido pois qualquer intervenção, nem chegando no mesmo contrato a ser
sequer identificado, nem referido, possa encabeçar mais tarde tal

princípio da liberdade contratual, hoje plasmado no art. 405.º, e que constitui um


afloramento do princípio da autonomia privada, não contrariado, no caso, por nenhuma
disposição legal.

6 M. Leitão defende, de iure condendo, ser desnecessária a ratificação, bastando uma


procuração, ainda que posterior à realização do negócio, posição esta que não merece a
concordância de R. Guichard, nem a minha, como adiante no texto melhor se verá e
analisará.
7 Vide, no sentido de que não há qualquer limitação legal à duração do prazo

convencional para a nomeação, R. de Faria [2001], p. 333.


8 Parece-me que a fixação de um prazo demasiado longo sempre pode configurar um

excesso manifesto dos limites impostos pelo fim social ou económico do direito em causa
e, por isso, preencher, eventualmente, a figura do abuso de direito, a que alude o art.
334.º.
9 “ …el estiuplante quedará desligado de la relación jurídica y desaparecerá de la escena

como si nunca hubiera estipulado.” (Díez-Picazo [2007], p. 549).


contrato, e, retroativamente, i. e., desde a celebração dele. E isto
mediante uma simples nomeação feita pelo estipulante, e, naturalmente,
a aceitação dela pelo nomeado. Traduzindo-se, nos termos do CC, tal
aceitação numa ratificação, ou então numa procuração anterior à
celebração do contrato, procuração essa de que o estipulante já podia até
dispor quando celebrou o mesmo contrato, mas que, por qualquer
motivo, não quis usar.
Assim, através desta figura, o terceiro pode ficar completamente
incógnito, desde a data da celebração do contrato até à nomeação dele,
pois que ninguém precisa então de saber, a não ser, naturalmente, o
estipulante, que ele, terceiro, virá depois a tornar-se o verdadeiro
contratante.
Limitações ao uso da cláusula de contrato para pessoa a nomear
Por força do art. 452.º-2, a reserva de nomeação não é legalmente
possível, nos casos em que não é admitida a representação, e naqueles
em que é indispensável a determinação dos contraentes. Das duas
situações atrás previstas, em que não é possível a utilização da cláusula
de contrato para pessoa a nomear, uma delas, que é aquela que se
reporta aos casos em que não é admitida a representação, tem, nos
nossos dias, aplicação meramente residual, ou não tem mesmo qualquer
aplicação. E isto porque a representação é hoje universalmente admitida.
Já quanto ao motivo de exclusão consistente em ser indispensável a
determinação dos contraentes, há muitas situações em que isso se
verifica. É o caso, p. ex., dos negócios intuitu personae, em que as
qualidades pessoais da contraparte são essenciais, dos negócios do tipo
não patrimonial, dos negócios em que os valores subjacentes impliquem
a imediata indicação de todos os contraentes e dos negócios familiares.
O mesmo acontece relativamente aos negócios modificativos ou extintivos
de uma determinada relação jurídica, cujas partes têm que ser
naturalmente os sujeitos de tal relação, bem como com os contratos já
executados, os contratos unilaterais e os contratos de trato sucessivo
com execução imediata.
Natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear
A questão da natureza jurídica do contrato para pessoa a nomear é uma
questão bastante controversa, e que tem um interesse que, de algum
modo, ultrapassa o respetivo âmbito, tendo também até importância
prática. E isto porque, daquilo que se vier a estabelecer quanto a tal
natureza jurídica, depende depois, em certa medida, ou mesmo em
grande medida, a resolução de diversas questões, nomeadamente de uma
que é fulcral nesta figura do contrato para pessoa a nomear, e que
consiste em saber o que vale afinal um contrato com a cláusula para
pessoa a nomear por um dos contraentes, maxime no período que medeia
entre a celebração de tal contrato e a declaração de nomeação, ou de não
nomeação, feita depois pelo estipulante, o que já analisei atrás no texto.
Tradicionalmente, as teorias principais relativas à natureza jurídica da
figura em causa são as seguintes10:
— T. da representação; — T. do contrato a favor de terceiro; — T. da
cessão da posição contratual; — T. condicional; — T. da novação; — T.
da duplicidade de contratos; — T. da concentração subjetiva; — T. da
subrogação legal; — T. da autorização; — T. das obrigações facultativas;
— T. dos poderes do estipulante; — T. da formação sucessiva; — T. do
negócio per relationem; — T. da configuração própria ou sui generis;
Desdobrando-se ainda a t. da representação, na t. da representação
eventual e na t. da representação em sentido restrito, tendo a t. da
concentração subjetiva um desenvolvimento, ou uma alternativa, através
da chamada t. da faculdade alternativa de substituição na relação e
constituindo a t. da autorização uma especialização da t. da sub-rogação.
Referindo-me agora apenas à t. da representação e à t. da dupla condição,
por serem aquelas a que com mais frequência se reconduz a figura do
contrato para pessoa a nomear, direi que a t. da representação é a mais
clássica e tradicional de todas e inclui o contrato para pessoa a nomear
no fenómeno representativo, embora num fenómeno especial de
representação, em que o “dominus negoti é designado em data posterior
e não, como por via de regra sucede, no momento da celebração do
contrato ou dos seus preliminares”. A esta modalidade especial de
representação se refere também L. Barassi, ao dizer-nos que o titular do
contrato, ou seja, o depois nomeado, é representado de modo anónimo.
Em Portugal, um dos autores mais representativos que defende a t. em
causa é P. Jorge. R. Guichard, admite também que o contrato para
pessoa a nomear se possa aproximar da representação in incertam
personam, desde que se estipule que o contrato não produzirá efeitos em
caso de não nomeação, para assim se afastar a alternativa subjetiva
(entre o estipulante, por um lado, ou quem ele vier a nomear, por outro
lado), que nunca existe na representação. Na jurisprudência portuguesa
podemos citar, tal como faz P. Jorge, como considerando que o contrato
para pessoa a nomear cabe dentro do instituto da representação, o Ac.
do STJ [21/07/1959]. De acordo com a t. condicional, que é a dominante
na doutrina e na jurisprudência portuguesas, o contrato para pessoa a
nomear é um contrato definitivo, sujeito contudo a uma dupla condição,
condição esta que é a electio amici, ou seja, a nomeação, a qual funciona
como condição resolutiva da aquisição do estipulante e, ao mesmo tempo,
como condição suspensiva da aquisição pelo nomeado. Em casos
contados pode acontecer que a cláusula de contrato para pessoa a
nomear, se isso resultar da interpretação do negócio, deva considerar-se,
em relação ao próprio estipulante, como uma condição suspensiva e não
como uma condição resolutiva. É esta t. condicional aquela que merece
a minha preferência, por ser a que melhor explica a figura em análise.

10Vide, entre outros, M. Cordeiro [2010], p. 595, e, em outras paragens, C. Rosell [2000],
pp. 245 a 272; R. Caravaglios [2012], pp. 45 a 108; L. Serrano [2011], pp. 63 a 97; F.
Gazzoni [1988]; M. Espada [1999], pp. 1971 a 2007; e L. Freitas [2001], pp. 117 a 154.

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