Kit para Certificação
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
quilombos de conquista
Beco de Dôla
recortes de memória
relatórios das atividades
2. COLEÇÃO FOTOGRÁFICA
3. DOCUMENTOS
dissertação Flávio Passos
declaração de autorreconhecimento
ata da assembleia para aprovação da Carta
4. LINKS
TERMOS DE REFERÊNCIA PARA CERTIFICAÇÃO DA COMUNIDADE
QUILOMBOLA URBANA DO BECO DE DÔLA
Uma 43ª comunidade foi identificada recentemente pelo Engenheiro Agronômico Marinaldo
Carvalho (quilombola do Velame), que trabalhou no processo de certificações em Conquista
entre 2004 e 2006. A comunidade está localizada na região de Campo Formoso (Distrito de
São João da Vitória), chamada Quilombo dos Crioulos. O técnico iniciou os trabalhos de
reconhecimento junto à comunidade e a documentação já foi enviada à Fundação
Palmares. Estão aguardando o retorno da Certificação da Carta e dos trabalhos realizados.
Devido à metodologia aplicada pelo INCRA, os prazos são longos porque o instituto
trabalha com diálogo para evitar conflitos. Até o ano de 2012 as atividades e processos
eram acompanhados pelo Município, período em que outras solicitações foram
encaminhadas. Porém, a partir daquela data, esses trâmites passam a ser feitos
diretamente entre as associações e o INCRA.
TABELA 1:
datas de certificação, comunidades e territórios certificados, caráter da certificação
* como havia inconsistência nas informações da FPalmares, foi realizado o cruzamento dos dados com os da
Fundação Pedro Calmon e Sepromi e a memória institucional local para os ajustes de datas e inclusão de
observações
TABELA 2:
comunidades que compõem os territórios, número de famílias e localização.
CALDEIRÃO 11 SEDE
TABOA 10 SEDE
MURITIBA 42 SEDE
3. BATALHA
BATALHA 38 SEDE
VELAME 47 INHOBIM
Esses grupos podem ser de uma etnia apenas (negros, como no Boqueirão, Velame e
outros), indígenas (como nos territórios de Lagoa de Maria Clemência e Batalha) ou diversa,
como a grande maioria dos quilombos de Conquista.
Mais ou menos no mesmo período, agruparam-se ao Norte, para além da Serra do Periperi,
alguns grupos dissidentes de Mongoiós que se assentaram formando o que hoje se
conhece pelos territórios de Lagoa de Maria Clemência e Batalha.
O BECO DE DOLA
Maria Petronilha, a Vó Dola, tinha pouco mais de vinte anos quando, em busca de
sobrevivência, refúgio e sustento, instalou-se no alto da Serra do Periperi, passando a
explorar os recursos oferecidos pelo lugar. A madeira, a água, as pedras, tudo era vendido
ou trocado por mercadorias nas feiras. Ensinou suas filhas, que a acompanharam nas
labutas e caminhadas para coleta e comércio dos recursos, os modos e as lições de vida e
sobrevivência. Dola abriu caminho para outras mulheres e criou uma comunidade de
resistência, focada no poder feminino e que veio a ser referência de cultura, costume e
identidade para a cidade nas décadas seguintes.
Além da lida com o trabalho para o sustento, Vó Dola foi uma referência para toda a
comunidade que cresceu ao redor do Beco, seja espiritual, seja de comportamento, seja
como cuidadora e parteira, benzedeira, rezadeira. Sua vida foi o fio que conduziu a
formação dos seus descendentes e manteve sua relação forte com seu passado.
Embora as mulheres da primeira geração tenham abastecido as casas das famílias mas
abastadas e cuidado do seu asseio e dos seus filhos, as memórias das pessoas mais
velhas e os arquivos do Fórum João Mangabeira dão conta de muitos abusos e violências
sofridas. Não obstante tenham cuidado das casas há várias gerações, ainda hoje as
pessoas precisam mentir sobre o lugar onde moram para conseguir um emprego, por conta
do estigma que o Bairro das Pedrinhas vem sofrendo há algumas décadas.
Esta ação teve como principal referência o trabalho do professor Flávio Passos (anexo) e o
acúmulo dos registros durante as visitas e encontros no local ao longo dos anos, sejam
festas, ensaios, reuniões do Terreiro e reuniões para encaminhamento de ações políticas
para melhorias na vida do Beco. A partir desses entendimentos acumulados,
organizaram-se as reuniões e rodas de conversa a partir do mês de março de 2022.
A psicóloga Monalisa Cirino coordenou a roda “A memória através dos objetos” onde, numa
dinâmica com um grupo de mulheres e meninas as memórias do Beco foram sendo
construídas através dos objetos de uso cotidiano. A partir deles, o estímulo da memória
afetiva permite que, em grupo, se organizem memórias para contar um fio, um trajeto de
memória de si mesmas e do lugar em que vivem.
Com esta primeira atividade aberta, as pessoas sentiram-se mais envolvidas pelo processo
de autorreconhecimento. Foram realizadas entrevistas com Zita, Marielza e Ninga, filhos de
Dola, onde eles reafirmaram, dos seus pontos de vista, as memórias de alegrias e tristezas,
conquistas e perdas ao longo das décadas. Chama atenção observar Zita, a filha mais velha
de Dola, ter, da infância, muitas memórias de trabalho e nenhuma de brincadeiras.
Em 29 de abril, houve um encontro das irmãs Laiz e Cota, netas de Dola, com o engenheiro
agronômico Marinaldo Carvalho, quilombola do Velame e realizador de processos de
certificação em vários estados. O agrônomo explicou os processos referentes às novas
diretrizes da Fundação Palmares para Certificação, formação da associação, planejamento
da assembleia e possibilidades de recursos para desenvolvimento dos quilombos.
AGRICULTURA URBANA
Esta ação será possibilitada pela articulação com o Município para realizar a integração do
terreno anexo ao Beco, conforme foi conversado com o secretário de Desenvolvimento
Social e a prefeita na reunião que abriu os trabalhos para a concepção da Carta. Essas
terras foram anteriormente pertencentes a Vó Dola, e das quais teve de se desfazer para
garantir alimento para a família em tempos mais difíceis.
Esta necessidade ficou muito clara durante o encontro, como se poderá notar no relato
realizado pela professora, aqui reproduzido. Observa-se um fenômeno interessante que se
repetiu em Vitória da Conquista a partir dos anos de 1980, quando a cafeicultura passou a
mostrar-se um gerador de riqueza para poucos através da manutenção da pobreza para
muitas pessoas. Esses pequenos produtores foram levados a tentar a vida na cidade e,
uma vez privados da sua cultura, tiveram que optar por outras formas de ganho e sustento,
e encontraram no trabalho informal esta maneira emergencial. Estas famílias também
vieram a sofrer, 40 anos depois, a mesma privação à terra que sofreram as famílias do Beco
de Dola por uma razão parecida: a ocupação do mais rico que paga um preço mais baixo ao
pequeno proprietário que se encontra em condições de risco pessoal, financeiro, social.
Como exemplo de espécies sobre as quais foram relatados os modos de uso, podemos
citar folhas de colônia, arnica, babosa, sabugueira, raiz de palma, erva doce, alho,
gengibre, quebra pedra, boldo, romã, aroeira, trançagem, água de batatinha,
cana-de-macaco, limão, açafrão, canela.
Existe uma relação muito forte da comunidade com a questão do cultivo, isto se dá
possivelmente por conta das ligações que tem com suas origens e do hábito de cultivar
quintais biodiversos. Plantas são empregadas pela comunidade não apenas pelo seu
efeito medicinal, mas também em contexto religioso e como modo de ter prazer na vida.
Os participantes comentaram a respeito do prazer de acompanhar o desenvolvimento
dos plantios: “Ver a vida acontecendo debaixo de nossos olhos”.
Neste contexto, existe a demanda por plantas medicinais com qualidade compatível com
tais finalidades, de cura e espirituais, e seria muito importante que o cultivo na própria
comunidade, em horta comunitária. Houve discussão a respeito da possibilidade de
integração à área da comunidade, de terreno de propriedade de pessoas de fora do
quilombo, para implantação de horta.
Sobre o cultivo, as mulheres descreveram suas percepções sobre o que é um solo fértil.
Apontaram que maior fertilidade do solo pode ser encontrada em quintais localizados
onde antes havia mata, o que pode facilitar a realização de futuras oficinas
teórico-práticas sobre a aplicação de técnicas em agroecologia em hortas urbanas e
demonstra o conhecimento sobre o que é um solo fértil, com terra preta, ao contrário de
solos vermelhos, os quais são excessivamente argilosos.
No caso do terreno em frente à comunidade, o solo precisaria ser trabalhado, visto que
na época da realização da roda de conversa o terreno (...) encontrava-se com entulho.
Portanto, discutiu-se que provavelmente será importante algum processo de
remediação. Ou seja, é interessante descontaminar a área antes de iniciar o cultivo de
espécies para uso humano.
Foi apresentado pela professora o fato de que existem muitas espécies que se
desenvolvem muito bem em terrenos com baixa fertilidade, ou seja, tais espécies
poderiam ser cultivadas inicialmente, com poucos recursos, com o objetivo de, aos
poucos, se atingir a terra preta. Por exemplo: girassol, andu, outros feijões, canjoão,
moringa, diversas espécies medicinais. As participantes relataram que já existe
desenvolvimento de espécies espontaneamente no terreno: tomate-cereja, abóbora,
melancia, demonstrando na prática a possibilidade de produção agrícola naquele local
com poucos recursos. Além disso, já houve cultivo de rosas, canjoão, mamão,
alfavaquinha muitos anos atrás, realizado por moradores locais.
Uma das técnicas muito importantes em agroecologia, a qual foi discutida com os
participantes, é a necessidade de cobertura do solo para manutenção da umidade e
aumento gradual da sua fertilidade. A cobertura pode ser realizada com deposição de
matéria orgânica ou pelo plantio de diferentes espécies. Os participantes mostraram-se
muito familiarizados com a observação do maior frescor da terra sob árvores. A partir
desta experiência deles as técnicas foram abordadas.
A fim de proteger o solo com material vegetal poderiam ser cultivadas no local espécies
que produzem muita matéria orgânica como: canjoão, margaridão e bananeiras.
Pseudocaule da bananeira cortado ao meio e organizado no solo fornece inclusive água
para o solo.
Outra conclusão foi a respeito das diversas possibilidades de regeneração do solo. Por
exemplo, através do uso de resíduos orgânicos provenientes das cozinhas sobre o solo
seguida da cobertura do solo com folhas, flores, galhos.
Tanto consórcio quanto cobertura contribuem para o aumento na vida do solo, gerando o
que se denomina bicrobiota do solo. Ou seja, da mesma forma como é fundamental
cuidarmos da nossa microbiota, assim o é para a microbiota do solo, a qual gera
fertilidade e saúde para os vegetais cultivados.
Aqui estão anexados a dissertação do professor Flávio Passos, “Beco de (Vó) Dola:
territorialidade e ancestralidade negra em Vitória da Conquista”, marco teórico para o
desenvolvimento deste trabalho. Segue a Carta de Autorreconhecimento, concebida pela
comunidade a partir dos subsídios fornecidos pelos encontros e rodas de conversa e,
finalmente, a Ata de Leitura e Aprovação da Carta de Autorreconhecimento.
DISSERTAÇÃO
DECLARAÇÃO DE AUTORRECONHECIMENTO DO BECO DE DÔLA COMO
QUILOMBO URBANO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA DA CONQUISTA, BAHIA.
Crescemos sob um arranjo familiar focado nas mulheres como referência espiritual,
ética, moral. Vingamos e vencemos, nascemos e renascemos muitas vezes sob as
curas, os banhos, os chás, as rezas e benzeções ensinadas por Vó Dôla. Esses
ensinamentos e referências mantêm a nossa ligação com a identidade e a
ancestralidade difundida em nós por ela, a Grande Mãe de todos nós.
Mas somos do barracão de saudosa Mãe Fátima, que é lugar de abrigo, afetos e
acolhimento para muitas famílias do bairro das Pedrinhas. Lugar onde são geradas
as práticas de ajuda comunitária, de conhecimento e sabedoria difundida pelo
mestre Martim Parangolá. Somos quilombo gerador de saberes e tradições
religiosas, suporte para resistência de famílias negras que se agruparam ao redor
do Beco e das fontes naturais de sustento que a serra nos proporcionou.
Somos todas e todos filhas e filhos dos ensinamentos, herdeiros de Dôla, Zita,
Fátima e Elza. Somos parte deste conjunto vivo de memória e cultura, de saberes,
ensinamentos e aprendizados, agrupamentos de referências, quatro gerações que
pulsam, aqui, ali e acolá, pulsam em todo lugar. Pulsam nas memórias dos
carnavais de Conquista, na memória das relações de trabalho e das relações
sociais, pulsam em momentos tristes e alegres da história desta cidade. Pulsam, e,
como tudo o que é vivo e pulsa, quer viver, quer ser visto, reconhecido e respeitado.
Dola, Zita, Fátima, Elza, Maria Antônia, Duca, Arcanja, Rosa, Vitória
de Carolina, Orminda, Lô Véia, Iazinha, Tuzinha, Maria Pirata, Eva,
Maria de Jesus, Ana de Tevino, Tia Maria de Zé Polia, Maria de Zé
Mário, Sabina, Vó Marcela, Dona Amélia, Otaviana, Júlia, Kalu
Lavadeira, Mestre Vane, Juraci, Luiz, Dionísio, Lubião, Paulo
Pereira, Enedino, Guina, Pai Zelito, Pai Santinho Sete Diabos, Kalu
Lavadeira, Mãe Vitória de Carolina, Ninga, Tinga, Enedino,
a quem devemos não apenas o nosso respeito, mas a nossa existência enquanto
família e enquanto referência de vida e de conduta. E é em nome dessas pessoas
que queremos celebrar e afirmar a nossa identidade, o nosso autorreconhecimento,
a nossa força enquanto povo de santo, povo de resistência e povo sobrevivente. E
queremos também celebrar a nossa alegria e nosso orgulho por sermos quem
somos.
https://www.pmvc.ba.gov.br/prefeita-reafirma-compromisso-do-governo-com-os-mais
-vulneraveis-em-visita-ao-beco-de-dola-no-bairro-pedrinhas/
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om-a-luta-contra-a-discriminacao-racial/
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munidade-do-beco-de-dola-como-quilombo/
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-professora-da-ufba/