Brinquedos e Brincadeiras Potiguares - Identidade e Memoria - 2007

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FICHA TÉCNICA

Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Cultura
Gilberto Passos Gil Moreira
Secretario da Identidade e da Diversidade Cultural - SID
Sérgio Duarte Mamberti
Diretor Geral do CEFET-RN
Francisco das Chagas de Mariz Fernandes

Diretor da Unidade Sede de Natal do CEFET-RN


Enilson Araújo Pereira

Diretor de Ensino
Belchior de Oliveira Rocha

Diretor de Pesquisa
José Yvan Pereira Leite

Coordenador da Editora do CEFET-RN


Samir Cristino de Souza

Chefe do Departamento Acadêmico da Gestão, Comércio


e Serviços
Aurir Marcelino dos Santos

Capa
Marcus Vinícius de Faria Oliveira
Tania Carvalho da Silva

Editoração
Marcus Vinícius de Faria Oliveira
Tania Carvalho da Silva

Revisão
Carmem Daniella Spinola Avelino

Ilustrações
Marcus Vinícius de Faria Oliveira
Marcus Vinícius de Faria Oliveira
Tânia Costa
Lerson Fernando dos Santos Maia
Vivianne Limeira Azevedo Gomes
Caroline Cristina de Arruda Campos
Priscília Janaína Dantas de Lima

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES:


IDENTIDADE E MEMÓRIA

2007
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: identidade e
memória

Copyright 2007 da Editora do CEFET-RN

Todos os direitos reservados

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou


transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio,
eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou
qualquer tipo de sistema de armazenamento e transmissão de
informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora do
CEFET-RN.

Divisão de Serviços Técnicos


Catalogação da publicação na fonte.
Biblioteca Sebastião Fernandes (BSF) – CEFET/RN

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: identidade e memória. (1.:


Natal: 2007: Rio Grande do Norte. RN)/ Marcus Vinícius de Faria Oliveira / Tânia
Costa / Lerson Fernando dos Santos Maia / Viviane Limeira Azevedo Gomes /
Caroline Cristina de Arruda Campos / Priscília Janaína Dantas de Lima.
160p.

ISBN 978-85-89571-26-5

1. Lazer. 2.Esporte. 3.Brinquedos Populares. 4. Cultura Popular. 5. Lúdico.


I. Oliveira, Marcus Vinícius de Faria. II. Costa, Tânia. III. Maia, Lerson
Fernando dos Santos. IV. Gomes, Viviane Limeira Azevedo. V. Campos, Caroline
Cristina de Arruda. VI. Lima, Priscília Janaína Dantas de.

CDD – 306
CEFET/RN/BSF
AGRADECIMENTOS

Esse trabalho é dedicado a todas as pessoas que


guardaram na memória e no coração o universo espetacular
dos folguedos infantis, com sua diversidade de formas,
cores, cheiros, sabores, melodias e fantasias, vividos em
total simbiose com o mundo circundante. Suas memórias
são baluartes de resistência à tendência de homogeneização
da cultura lúdica infantil pelo mundo moderno, com seus
aparatos tecnológicos. Em especial a:
Maltides Andrade (Caicó)
Adriano Medeiros de Barros (Piau - Tibau do Sul)
Wembley Dantas de Oliveira (Laginha)
Francimar Evangelista de Oliveira- piínha (Mossoró)
Firmino Holanda Cavalcante (Santo Antônio)
José Venceslau Medeiros Filho - Dedé Pequeno (Caicó)
José Eduardo de Meneses Neto (Caicó)
Fransuelsi Evangelista de Oliveira- Badu (Mossoró)
Sr. Joaquim das Porteiras (Florânia)
Antônio Evangelista de Oliveira (Mossoró)
Expedito Evangelista de Oliveira (Mossoró)
Vicente Alves Bezerra (Mossoró - em memorian)
Piripiri (Caicó)
Sr. Francisco (Martins)
D. Maria e Sr. Valdemar (Florânia)
Poderoso (Martins)
Sr. Francisco Balbino da Costa -Chiquito (Santana do
Matos)
SUMÁRIO
PREFÁCIO.......................................................................... 10
A CRIANÇA E SUAS FORMAS DE BRINCAR: OS BRINQUEDOS
E BRINCADEIRAS DE TODOS OS TEMPOS ............................... 16
ABRINDO A VELHA CAIXA DE BRINQUEDOS............................ 26
A BERLINDA ...................................................................... 37
ACADEMIA ......................................................................... 38
ANEL ................................................................................ 40
ARAPUCA .......................................................................... 42
ARCO E FLECHA ................................................................. 42
ARGOLINHA ....................................................................... 43
BALADEIRA ........................................................................ 44
BAMBOLÊ .......................................................................... 46
BANDEIRINHA .................................................................... 47
BARQUINHOS .................................................................... 48
BARROCA, BILOCA OU BURACO ............................................ 50
BEÇA ................................................................................ 51
BODOQUE ......................................................................... 52
BOLA ................................................................................ 55
BONECA ............................................................................ 56
BREQUE OU GUIDOM .......................................................... 61
BRINQUEDOS DE BARRO ..................................................... 62
BURACO ............................................................................ 63
CACHIMBO DA CARRAPATEIRA ............................................. 64
CAI NO POÇO/ ‘TÔ’ NO POÇO ............................................... 65
CAMA DE GATO OU PÉ DE PATO ............................................ 66
CÂMARA DE AR .................................................................. 67
CAPOEIRA OU CANGAPÉ ...................................................... 68
CARRAPETA ....................................................................... 69
CARRINHO DE ROLIMÃ OU PATINETE .................................... 70
CARRO DE PESCOÇO OU CARRO DE COCÃO ........................... 72
CASTELO OU BITELO........................................................... 74
CATAVENTO....................................................................... 75
CAVALO DE PAU ................................................................. 77
COBRA-CEGA OU CABRA-CEGA ............................................. 80
CONSTRUÇÕES DE AÇUDES ................................................. 82
CORRUPIO......................................................................... 82
CORUJA OU PIPA ................................................................ 83
COZINHADO ...................................................................... 86
CURRAL DE OSSO OU DE MANGARÁ ...................................... 87
CUSCUZ OU PALITO ............................................................ 89
ELÁSTICO ......................................................................... 89
ENCOSTO OU PÉ DE PAREDE ................................................ 91
ESCONDE- ESCONDE .......................................................... 91
ESTÁTUA ........................................................................... 93
FIGA................................................................................. 93
FUTEBOL DE BOTÃO ........................................................... 94
FUTEBOL DE CAIXA DE FÓSFORO ....................................... 101
GAITA ............................................................................. 104
GALAMARTE..................................................................... 105
GALINHA GORDA .............................................................. 108
GATO-NO-POTE ................................................................ 110
GRUDE ........................................................................... 111
JOGO DA FICHA ............................................................... 111
JOGO DA ONÇA ................................................................ 113
JOGO DO CAIPIRA ............................................................ 114
JOGO DO PEIXE ................................................................ 115
JOGOS DE CASTANHA ....................................................... 116
LAÇO DO RABO DO GALO .................................................. 117
MÃE-DA-RUA E DONINHA DA CALÇADA ................................ 118
MELANCIA ....................................................................... 119
PÃO-QUENTE ................................................................... 120
PÁRA-QUEDAS ................................................................. 121
PASSARÁS ....................................................................... 121
PAU-DE-SEBO .................................................................. 122
PEDRINHAS (JOGO DAS) ................................................... 124
PEGA- PEGA OU TICA-TICA ................................................ 127
PEGAR JACARÉ ................................................................. 128
PEIA QUENTE ................................................................... 128
PEIXINHO ........................................................................ 129
PERNA-DE-PAU................................................................. 130
PETECA ........................................................................... 130
PIÃO ............................................................................... 134
POLÍCIA E LADRÃO ........................................................... 138
PULA CARNIÇA ................................................................. 141
PULAR CORDA .................................................................. 142
QUEBRA-CANELA .............................................................. 144
QUEDA DE CORPO ............................................................ 145
QUEIMADA OU BALEADA.................................................... 146
RENDIDO ........................................................................ 147
ROLADEIRA ..................................................................... 148
SALVA LATINHA ............................................................... 149
SOLDADINHO DE CASTANHA DE CAJU ................................. 150
SOMBRINHA DE FOLHA DE MAMOEIRO ................................ 150
TAPA .............................................................................. 150
TELEFONE DA CAIXA DE FÓSFORO ...................................... 151
TILA ............................................................................... 151
TRATOR DE CARRETEL ...................................................... 152
TRATOR DE LATA DE SARDINHA ......................................... 153
TRIÂNGULO ..................................................................... 154
TRIÂNGULO COM BILOCAS/BILAS ....................................... 155
XIPOCA ........................................................................... 157
ZARABATANA DO MAMOEIRO ............................................. 159
REFERÊNCIAS .................................................................. 161
GLOSSÁRIO ..................................................................... 169
PREFÁCIO

O texto sobre os «brinquedos e brincadeiras


potiguares: identidade e memória» que a equipa de CEFET-
RN em boa hora nos coloca nas mãos, é em tudo exemplar.
Assim o considero, em primeiro lugar, pelo facto de se
debruçar sobre um tema muito ignorado e frequentemente
considerado como desprezível pelos que possuem uma visão
elitista da cultura e põem de parte as realizações da
infância. Com efeito, encontramos neste livro um valioso
contributo para o inventário e para a preservação de todo
um património cultural, constituído por jogos e brinquedos,
criado e produzido pelo engenho e arte das crianças (quase
sempre em grupo), transmitido de geração em geração e
sempre no interior da faixa infantil da cultura.
Uma transmissão e uma herança raramente
material... A materialidade destes artefactos perdia-se no
natural e inevitável desfalecimento de objectos sazonais,
realizados a partir do que de mais efémero rodeava as
crianças; objectos incapazes de resistir aos tratos e ao
tempo, impróprios para acumulação, insusceptíveis de
virarem propriedade, indiferentes à cobiça e à ganância.
Uma transmissão e uma herança, pelo contrário,
profundamente espiritual e simbólica. De facto, o que estava
em jogo nas práticas lúdicas tradicionais, no jogo, na feitura
e no uso dos brinquedos “populares” pelas próprias crianças,
era um legado de crenças e de saberes, de regras e de
preceitos que davam sentido, expressão e orientação aos
modos de proceder nas mais diversas circunstâncias da
prática lúdica; era um viver e um reviver de emoções
inesquecíveis, um aprendizado de habilidades perenes
mediado pela curiosidade e atenção às coisas, pela

10 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
observação, pela imitação, pela experimentação, e que
permitia às crianças retomar práticas e reconstruir os
materiais necessários à festa e à brincadeira, quando o
contexto lúdico o exigia e os recursos estavam à mão.
A cadeia ininterrupta desta transmissão só começou a
quebrar-se com o aparecimentos das novas tecnologias da
comunicação, muito especialmente a televisão, e com as
grandes mudanças sociais que permitiram alargar o acesso
à escola por parte das crianças de todas as camadas sociais,
retirando-as do contacto directo com a natureza, da vida
nos grandes espaços e, também, das aprendizagens
informais e colectivas, a troco de outras aprendizagens,
quiçá de outras alegrias benfazejas, mas também de outras
angústias, temores e frustrações.
De facto, questionam alguns, para quê inventariar
jogos e brinquedos tão simples, tão elementares,
construídos pelas crianças (pobres) de outros tempos, hoje
que estamos na época dos jogos electrónicos e das
atraentes lojas de brinquedos? Para quem e em que sentido
pode ser útil esse esforço?... A isso respondem os autores
deste texto, de forma eloquente, mostrando como desta
arqueologia do imaginário infantil ainda hoje é possível
retirar úteis e ricas lições (no combate ao individualismo e
falta de solidariedade, ao consumismo, ao intelectualismo,
ao desrespeito e desconhecimento dos mistérios da
natureza); eles contribuem, ainda, tal como o subtítulo do
livro indica, para o redesenhar da identidade e para a
salvaguarda da memória social, instrumentos ímpares e
insubstituíveis no combate pela dignidade pessoal e
colectiva. E fazem tudo isso fundamentando-se, para
introduzir a descrição dos jogos e dos brinquedos, num
conhecimento e numa pesquisa que interpela os mais
diversos quadrantes das ciências humanas: da psicologia à

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 11


MEMÓRIA
história, da antropologia à cultura da infância, da sociologia
à pedagogia.
Nesta exemplaridade, não posso deixar de salientar
também a própria dimensão metodológica do trabalho de
campo realizado e que esteve na base da produção deste
livro; os autores oferecem-nos recortes muito sugestivos de
histórias da vida de gente simples, comum e anónima,
espalhada por todo o Rio Grande do Norte, mas cujos nomes
aqui se passam a perpetuar, num gesto que é, certamente,
de gratidão, mas também de cumplicidade: Dona Josefa,
Socorro, Araújo, Elisa Dantas, senhora Francisca, e tantas
outras “pessoas” disponíveis para recordar, reviver e
ensinar. E não só de gente mais idosa se tratou, porque lhes
foi possível estar atentos a crianças dos nossos dias,
«brincando, explorando a natureza e dando continuidade à
história cultural».
A leitura da obra permite-nos atravessar todo um
«universo» riquíssimo e variado de constelações que
guardam em seu segredo os vestígios de uma cultura feita
de múltiplos artefactos e gestos, de muitas crenças e
experiências, de muitos preceitos e preconceitos, de muitos
saberes e modos fazer… Um universo composto por adornos
e adereços (sombrinha de folha de mamoeiro), brinquedos
sonoros e musicais (gaita de talo de mamoeiro, tapa),
bonecas, bonecos e acessórios (bonecas das mais diversas
matérias-primas e caminhas de quenga de coco, soldadinho
de castanha de caju, etc.), representações de animais (a
galinha de melão, bichinhos de barro cozido), miniaturas de
utensílios domésticos (panelinhas de barro e trempes para o
“cozinhado”), miniaturas de alfaias e engenhos agrícolas
(cataventos, trator de carretel ou de lata de sardinha),
armas (arapuca, arco e flecha, baladeira, bodoque, laço do
rabo de galo, xipoca, zarabatana do mamoeiro), casas e

12 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
outras construções (tijolos de barro moldados em caixas de
fósforo; açudes; curral de osso), transportes (barcos e
jangadas, breque ou guidom, carrinho de rolimã, cavalo de
pau, pipa; galamarte; pára-quedas; perna de pau;
roladeira), quebra-cabeças (cama de gato ou pé de pato),
fantasias várias (bambolé, cachimbo de carrapateira;
telefone de caixa de fósforos), culinária infantil (comidinha
para bonecas, “cozinhado”), e materiais dos mais diversos
jogos (o anel, desenho riscado no chão para o jogo da
“academia”; barroca; bilocas; carrapeta, pião, encosto,
futebol de caixa de fósforo e de botão; jogo da ficha; pau de
sebo; pedrinhas; peteca).
Podemos dizer que se trata de uma travessia que nos
permite dar conta de toda uma miniaturização do mundo
adulto e da sua resignificação pela epistemologia infantil… E
que tão importante como essa travessia é ficar a contemplar
cada um dos artefactos descritos, entender os testemunhos
experienciados que lhes dão forma e sentido, e, ainda,
reencontrar em todos eles, ao mesmo tempo, o seu carácter
local (as «características regionais» observadas de
comunidade para comunidade…) e o seu carácter universal
(atravessando tempos e culturas). Neste exercício encantar-
nos-á descobrir que muitos dos artefactos, ora registados a
partir da memória dos nordestinos, possuem um estreito
parentesco, numa surpreendente aproximação de culturas
infantis, em países europeus ou do restante mundo! E que
alguns sobrevivem, nas mais diversas culturas, há milhares
de anos! O “arco”, aqui designado por breque ou guidom é
um desses casos… encontrando-se mais ou menos por todo
o mundo, ele marca já uma presença muito popular entre
gregos e romanos! O mesmo se poderia dizer do corrupio,
um artefacto mágico mas também um brinquedo entre as
crianças da mesma época que, assim, o naturalizaram e

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 13


MEMÓRIA
dessacralizaram. De igual modo poderíamos falar do cavalo
de pau, presente no testemunho literário e na iconografia da
alta antiguidade, presente ainda na iconografia da Índia
Védica, e de grande popularidade entre as crianças
europeias na Idade Média! Outros exemplos poderíamos
acrescentar nesta leitura transversal, explorando a
proximidade e a semelhança da cultura lúdica entre povos e
entre séculos…
Muito há pois que aprender neste pequeno-grande
livro escrito sem recurso a saudosismos estéreis e
descabidos, mas atribuindo e demonstrando o real valor de
práticas e de artefactos que, apesar da sua simplicidade,
foram fundamentais na construção das gerações passadas,
devido às habilidades que estimularam, às emoções que
produziram, aos encontros que geraram, aos sonhos que
alimentaram e aos sorrisos que provocaram quando, à
medida em essas mesmas gerações (como agora os
testemunhantes) despertaram da sua inocência… Proponho,
pois, que se inicie a leitura deste livro, cortando o cordel da
imaginação, como no poema de Miguel Torga:

“Foi um sonho que eu tive;


Era um menino de bibe
E uma estrela de papel.
O menino ia lançando a estrela,
Como quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e
amarela,
Presa pelo cordel à sua mão,
E tão alto subiu,

14 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
Que deixou de ser estrela de
papel,
E o menino ao vê-la assim
sorriu,
E cortou o cordel”

João Amado (Universidade de Coimbra) Natal de


2007

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 15


MEMÓRIA
A CRIANÇA E SUAS FORMAS DE BRINCAR: OS
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS DE TODOS OS
TEMPOS

O brinquedo sempre faz lembrar um tempo e uma


história situados em um contexto espacial, histórico e
cultural. É notável o quanto esses componentes estão
conectados ao mundo das brincadeiras infantis. Ao longo da
pesquisa de campo, da qual resultou este trabalho, foi
possível perceber que as pessoas não se esqueceram do que
é ser criança, seja relatando suas brincadeiras da época de
infância, construindo brinquedos, revivendo jogos ou
cantando cantigas. Os seus relatos são testemunhos vivos
dos sentidos e significados que ainda carregam nos seus
mundos de adultos, do universo fantástico das brincadeiras
infantis: cheios de encantos, fantasias, diversidades e total
simbiose com o mundo circundante. Eram as águas dos rios
e de açudes, as terras molhadas pelas chuvas de inverno, os
ventos de agosto, os frutos e galhos das diversas árvores
potiguares que forneciam o espaço e a matéria-prima para
as vivências das brincadeiras e a confecção dos brinquedos.
Seja no interior ou na capital, na zona rural ou
urbana, um estudo da ludicidade infantil e de suas
possibilidades sempre está ligado a um contexto espacial e
cultural específicos, os quais dão os ingredientes e temperos
para a explosão de riqueza e diversidade do mundo das
brincadeiras e dos brinquedos infantis. Foi essa diversidade
e multiplicidade de manifestações do brincar, em particular
no Estado do Rio Grande do Norte, que o estudo buscou
essencialmente apreender, através do registro do universo
lúdico, com suas particularidades definidas pelos costumes,
espaços físicos, cultura, folclore, memórias e realidades
distintas.
16 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
Tal pesquisa foi então motivada pela vontade de ver
reunido em um estudo o mundo que compõe a ampla
produção sócio-histórica e cultural da ludicidade infantil
norte-rio-grandense. A partir dos relatos orais, dos textos
literários e poéticos de autores potiguares, da memória viva
das pessoas, de quem vivenciou o brincar e as brincadeiras
de rua, em seus momentos de autonomia e liberdade de
escolha, foi possível reconstruir um pouco desse universo
lúdico infantil.
A pesquisa utilizou, como principal recurso para a
coleta de informações, os procedimentos da história oral. A
amostra foi constituída tendo como base a divisão histórica
e espacial, a partir das 19 micro-regiões do Estado do Rio
Grande do Norte. Dessa forma, garantiu-se a abrangência
de todo o Estado, do ponto de vista espacial, e também
histórico, já que os municípios considerados mais antigos de
cada micro-região, e uma localidade de sua zona rural,
foram os pontos de partida para a coleta de informações.
Entretanto, o estudo foi muito mais além, pois novas frentes
de coletas de dados foram se abrindo a cada município
visitado. Também buscou-se informações dos registros
escritos e fotográficos pesquisados em diversas fontes.
Ao lançar o olhar no mágico universo que perpassa as
brincadeiras e os brinquedos das crianças, pode-se
compreender muitos aspectos da sociedade em que se vive,
bem como as relações que as próprias crianças estabelecem
com seu ambiente, com seu meio cultural, histórico e social.
Para compreender a importância do brincar hoje, é
fundamental a exploração do passado. Uma vez que o
significado do brincar em geral permaneceu, todavia suas
condições de existência mudaram, embaladas,
principalmente, pelo desenvolvimento tecnológico, pelas

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 17


MEMÓRIA
mudanças na dinâmica social, pela industrialização do
brinquedo e pela penetração da mídia no cotidiano infantil.
Para Elkonim (1988), o brinquedo só é imutável nos
seus aspectos gerais, pois a sua história está organicamente
vinculada à mudança de lugar da criança na sociedade e não
pode compreender-se fora dessa história. A presente
constatação é reveladora, no sentido de que chama a
atenção para um conhecimento ampliado do brincar em
tempos anteriores como forma de entender melhor as
mudanças no brincar e suas implicações no tempo atual.
É preciso saber de onde vêm os brinquedos, os
significados que eles carregam e que fazem deles a
expressão de uma cultura. E é tão importante, ou talvez
ainda mais importante, entender o sentido que a criança, ao
longo dos tempos, atribui a eles, o que ela faz com eles e
como deles se apropria. Cascudo (2001, p. 273), atribui ao
brinquedo um papel muito importante para a educação das
crianças, se refere a ele como algo mágico, objeto de
criação e fantasia do mundo infantil:

[...] espécie de lâmpada de aladino, o


brinquedo se transforma nas mãos da
criança numa diversidade incontável,
imprevista e maravilhosa. Esse poder de
a inteligência infantil materializar a
imaginação no imediatismo da forma
sensível será tanto mais ajustador do
menino no mundo social, quanto mais
espontâneas tenham sido as
aproximações entre a criança e o seu
universo pequenino.

Para conhecer a cultura infantil se faz necessário


adentrar em um mundo cheio de variedade, de criatividade,
de diversidade e riqueza cultural que as crianças conhecem
bem e que é parte viva das memórias dos adultos. Assim,

18 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
voltou-se para o passado das cidades visitadas a fim de
compreender as características, o lugar e o sentido da
brincadeira nesse passado recente e, ao mesmo tempo,
apreender suas transformações.
Nas incursões no objeto de estudo, cada viagem, cada
conversa era um encontro. Um encontro com o tempo, com
a memória, com a história na qual todo acontecimento pode
ser importante e pode trazer uma mensagem que promova
uma compreensão maior do momento presente. É certo que
as memórias e os relatos trazem uma visão particular de
alguns fatos, mas, ao mesmo tempo, a pessoa que conta
retrata a vida e os costumes de uma época. É a manutenção
desses costumes, tradições, folclore, mitos e lendas que nos
fazem pensar o quão ligados ainda estamos ao passado.
Amado (2007) ressalta que a aparente simplicidade da
cultura lúdica infantil é portadora de um conhecimento
acumulado historicamente pela humanidade, com traços
riquíssimos da memória coletiva, e que ao longo de séculos,
ou até mesmos milênios, são transmitidos pelas gerações de
crianças e jovens.
Resgatar essa experiência do passado não é um
reviver desse período, mas um trabalho de pensar, refletir
sobre o seu significado no hoje. A memória não se mantém
intacta. Ela sofre a ação do tempo e da experiência vivida.
Portanto, esses relatos vêm acompanhados de uma reflexão
sobre o significado dessas brincadeiras para essas pessoas.
Ao compartilhar as lembranças dos brinquedos e
brincadeiras presentes em suas infâncias, os entrevistados
exprimem um ponto de vista sobre a memória coletiva. E
esse ponto de vista está relacionado ao lugar e espaço
ocupado por cada pessoa no meio social. Da mesma
maneira, esse próprio lugar pode ser mudado de acordo
com as relações que cada pessoa estabelece com os

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 19


MEMÓRIA
diversos grupos aos quais pertence. Segundo Halbwachs
(1990), essa memória coletiva tem, assim, uma importante
função de contribuir para o sentimento de pertinência a um
grupo de passado comum, que compartilha memórias.
Através dos relatos dos entrevistados foi possível
conhecer um Rio Grande do Norte onde as crianças
construíam seus brinquedos, exploravam a natureza,
criavam suas histórias ao mesmo tempo em que
trabalhavam ou ajudavam em casa. As diversas cidades
visitadas sofreram mudanças de lá pra cá, umas mais,
outras nem tanto, mas ainda há crianças brincando,
explorando a natureza, construindo seus brinquedos,
produzindo cultura e dando continuidade à história social.
O brincar, apesar de ser uma ação humana presente
em quase todas as sociedades, apresenta características
regionais, geográficas e culturais, próprias de cada
localidade. Em comunidades rurais, urbanas e litorâneas,
independentes do estado ou país, encontram-se
particularidades regionais em termos de vocabulário, regras
das brincadeiras, recursos materiais, espaços e tempos
próprios para cada vivência.
Nas brincadeiras, sob a dinâmica da particularidade
cultural e regional, expressam-se concepções de mundo,
leitura da realidade e aspirações humanas. Assim, pode-se
entender que o brincar pode ter diferentes significados a
partir das condições históricas e sociais que se estabelecem
em cada contexto. Nessas condições, pôde-se evidenciar a
rica diversidade regional de suas vivências lúdicas, como
também, a universalidade que emerge sob a ótica da
diversidade, expressão de seres humanos sujeitos de sua
própria história.
Considerando a criança a partir da sua dimensão
cultural, e entendendo a brincadeira como o lugar em que a
20 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
criança traduz e recria as imagens daquilo que ela vive a
partir das suas interações com o mundo, Brougère (2001. p.
97-98) afirma que:

A brincadeira humana supõe um


contexto social e cultural. É preciso
efetivamente romper com o mito da
brincadeira natural. A criança está
inserida, desde o seu nascimento, num
contexto social e seus comportamentos
estão impregnados por essa imersão
inevitável. Não existe na criança uma
brincadeira natural. A brincadeira é um
processo de relações interindividuais,
portanto, de cultura. É preciso partir dos
elementos que ela vai encontrar em seu
ambiente imediato, em parte estruturado
por seu meio, para se adaptar às suas
capacidades. A brincadeira pressupõe
uma aprendizagem social: aprende-se a
brincar. A brincadeira não é inata. A
criança pequena é iniciada na brincadeira
por pessoas que cuidam dela.

Se, por um lado, é importante a presença de uma


pessoa mais experiente para colocar a criança em contato
com a cultura, por outro lado, é fundamental que também
possamos perceber a criança como um ser que produz
cultura. E é principalmente através da brincadeira, na
interação com o outro, que a criança se apropria e recria o
mundo à sua volta. Assim, a criança, ao brincar, estabelece
regras e comportamentos que são compartilhados. Esse
fenômeno Brougère (2001) afirma ser a cultura lúdica.
Entendendo por cultura os significados que os seres
humanos dão às suas produções, tudo que o ser humano
produz vai formando uma teia de significados, isto é, a sua
cultura.
Por outro lado, a produção lúdica é a capacidade que a
própria criança tem de reordenar os elementos retirados da
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 21
MEMÓRIA
realidade, organizando novas combinações e produzindo
novos significados, ou seja, a própria brincadeira.
Dispor de uma cultura lúdica é dispor de um certo
número de referências que permitem interpretar como jogo
as atividades que poderiam não ser vistas como tais por
outras pessoas. Não dispor dessas referências é não poder
brincar. Se o jogo é questão de interpretação, a cultura
lúdica fornece referências intersubjetivas a essa
interpretação, o que não impede evidentemente os erros de
interpretação.
As crianças podem dar outros significados àquilo que
os adultos só vêem com seus olhos, limitados pelos sentidos
que eles já elaboraram para os diferentes acontecimentos
do seu cotidiano. As crianças, no entanto, estão sempre
criando novos significados.
Brougère (1998) alerta para o fato de a cultura lúdica
não estar isolada da cultura geral. Na realidade, como
qualquer cultura, ela não existe pairando acima de nossas
cabeças, mas é produzida pelos indivíduos que dela
participam. Existe na medida em que é ativada por
operações concretas, que são as próprias atividades lúdicas.
Pode-se dizer que é produzida por um duplo movimento
interno e externo. A criança adquire, constrói sua cultura
lúdica brincando. (BROUGÈRE, 1998)
Benjamin (2002, p.94) corrobora as idéias da
existência de uma cultura lúdica que participa e é parte da
cultura geral. O autor afirma que:

Certamente não chegaríamos à realidade


ou ao conceito do brinquedo, se
tentássemos explicá-lo tão-somente a
partir do espírito infantil. Pois se a
criança não é nenhum Robinson Crusoé,
assim também as crianças não
constituem nenhuma comunidade
22 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
isolada, mas antes fazem parte do povo
e da classe a que pertencem. Da mesma
forma, os seus brinquedos não dão
testemunho de uma vida autônoma e
segregada, mas são um mudo diálogo de
sinais entre a criança e o povo.

Do mesmo modo, a cultura lúdica das crianças não é


apenas produto da cultura popular, ela também está na sua
origem. A brincadeira é um meio de a criança intervir
ativamente na cultura popular infantil: ela interpreta seus
conteúdos e inspira certos aspectos dessa cultura, num
movimento de construção sem fim, no qual ela é,
alternativamente, emissora e receptora.
Fica evidente, assim, o caráter dinâmico da
manutenção das normas culturais, o que parece ser um
paradoxo, mas, como Laraia (2001) afirma, qualquer
sistema cultural está num contínuo processo de mudança,
ou seja, a conservação é sempre algo relativo, depende da
dimensão de tempo e do sistema cultural a ser considerado.
Desse modo, a criança brinca com os significados para
mediar simbolicamente a internalização da cultura,
promovendo saltos qualitativos no seu desenvolvimento.
Sendo assim, a assimilação da cultura, mediada pela
brincadeira, possui uma função subjetiva, em que a criança
ressignifica, resgata, organiza e constrói sua subjetividade.
Ou seja, crianças também se criam através do brinquedo e
através dele também criam cultura.
Desde o nascimento, as crianças estão inseridas num
contexto social em que os objetos presentes nessa cultura
exercem um importante papel para a sua socialização. O ato
de brincar, portanto, é muito importante para o seu
desenvolvimento, ao mesmo tempo em que lhes possibilita
relacionar-se de várias formas com significados e valores
inscritos nos brinquedos.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 23
MEMÓRIA
Para tanto, a diversidade das dimensões funcionais e
simbólicas presentes no brinquedo torna-o um objeto rico
em potencialidades, enquanto fator de socialização. O
brinquedo é, assim, um fornecedor de representações
passíveis de manipulação e potencializador da imaginação
refletindo-se na brincadeira ao abrir possibilidades de ações
coerentes com a representação e com um mundo imaginário
ou relativamente real.
Para Brougère (2001), a manipulação de brinquedos
permite, ao mesmo tempo, manipular códigos culturais e
sociais e projetar ou expressar, por meio do comportamento
e dos discursos que o acompanham, uma relação individual
com esse código. Nesse sentido, Vigotsky (1988) indica a
relevância de brinquedos e brincadeiras como indispensáveis
para a criação de uma situação imaginária que possibilita a
apropriação do mundo real.
O estudo de brincadeiras tradicionais possibilita a
investigação de um fenômeno infantil espontâneo. “Nos
jogos tradicionais de ruas as crianças se engajam em regras
testadas por séculos, que são passadas de criança para
criança, sem nenhuma referência à escrita, parlamento ou a
alguma propriedade adulta”. (OPIE e OPIE, 1987 apud
PONTES; MAGALHÃES, 2002, p. 40). Mesmo em situações
precárias de sobrevivência, as crianças na rua não se
apresentam, em relação ao brincar, como desprivilegiada ou
carente, antes se mostram como seres humanos, exercendo
as capacidades humanas de apropriação e transmissão de
práticas culturais. Assim, a criança se objetiva no mundo, ao
mesmo tempo em que, dialeticamente, através de suas
brincadeiras, se apropria dele.
Portanto, o universo cultural da ludicidade infantil
potiguar nos foi revelado em um movimento dialético, que
transita do particular para o geral, resultado das relações
24 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
objetivas e subjetivas do mundo da criança com o brinquedo
e com o seu contexto social. As manifestações lúdicas que
pulsavam no interior do estado eram diferentes de cidade
para cidade, de comunidade para comunidade, do interior
para a capital, de interior para interior, da zona urbana para
a zona rural. Vários brinquedos e brincadeiras, na sua
essência, eram os mesmos, mas as especificidade culturais
de cada comunidade não permitiam que a sua forma se
manifestasse igual. A particularidade se revelou sobre a
generalidade: através do material para confecção do
brinquedo - o cavalo de pau no litoral era feito do talo do
coqueiro, e na região Oeste, do talo da carnaúba; da
denominação das brincadeiras - o rabuge, no Seridó, era o
tica da capital; das regras do jogo - no polícia e ladrão da
região litorânea “prendia-se” a criança, que era levada para
um determinado espaço”, enquanto no seridó, no rendido,
brincadeira similar, as crianças eram pegas nas ruas, e ali
mesma eliminadas do jogo; na linguagem utilizada na
brincadeira - em Natal, o “matão”, no jogo da biloca, era o
jogador que estava habilitado a eliminar os outros, em
Caicó, chama-se o “onça”.
Foi dessa forma que a diversidade cultural do mundo
das crianças potiguares e de suas brincadeiras veio à tona,
embora que na maioria das vezes, e infelizmente, somente
na memória dos mais velhos.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 25


MEMÓRIA
ABRINDO A VELHA CAIXA DE BRINQUEDOS

Um poeta contemporâneo disse que para cada homem existe uma


imagem que faz o mundo inteiro desaparecer; para quantas pessoas
essa imagem não surge de uma velha caixa de brinquedos?

Walter Benjamim

Crianças, éramos todas mágicas. Nossa imaginação?


Ah! Essa não conhecia limites nem fronteiras, a tudo
abarcava. Um simples carretel de linha, uma lata de
sardinha, de óleo ou de doce transformavam-se num
carrinho, caminhão, trator. Pedaços de ossos (juntas do boi,
mocotó), tanto viravam o rebanho da fazenda quanto
carrinhos e até mesmo bebês. Cabeça de lagosta depois de
seca virava cavalo ou boi que puxava as carroças. Talo de
bananeira virava espingarda, seixos de pedras, bebês,
cuidadosamente encoeirados (enrolados) em pedaços de
panos. Papel de embrulho, papel colorido e molambos
(pedaços de pano) para fazer o rabo viravam corujas a
rodopiar em pleno ar, guiadas pela mão ágil dos meninos.
Sabugos de milho, vestidos, transformavam-se em reis,
rainhas, moças e rapazes.
Os brinquedos e as brincadeiras transformavam a nós
e o mundo a nossa volta como num passe de mágica, tal
qual Aladim com sua lâmpada.
Brincar era a coisa mais importante que fazíamos,
encarada com a maior seriedade e até certa gravidade se
fazia presente na maneira como vivenciávamos os papéis,
as encenações. Toda a nossa vida estava relacionada aos
brinquedos, às brincadeiras – jogos, adivinhas, parlendas,
trava-línguas, estórias, ditos e rimas infantis, cantigas de
roda, de ninar, garrafão, tica-tica, esconde-esconde, touro-
passa, andar de perna de pau, andar com pé de quenga,
26 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
cama de gato, bafo, galamarte, subir em pau de sebo, gato
no pote, dentre outras brincadeiras.
O brinquedo, ponte para o imaginário, era um meio de
exercitar a imaginação, a memória, a convivência, a autoria.
Momento de deixar fluir a fantasia, externar as emoções, as
criações, experimentar papéis, ensaiar para a vida adulta,
amadurecer.
Quem não ocupou um dia o lugar de “Senhor” ou de
“escravo”, na brincadeira de “Boca de forno”?
- Boca de forno?
- Forno!
- Tirando bolo?
- Bolo!
- Jacarandá?
- Dá!
- Quando eu mandar?
- Vou!
- E se não for?
- Apanha!
- Remandinha, remandinha mandou dizer que [...].
Saíamos correndo numa desabalada carreira para
cumprir o que fora ordenado: dar um abraço, cumprimentar
ou dar um grito na porta de alguém, trazer uma flor ou
outra coisa qualquer. Aquele que, cumprida a determinação,
chegasse primeiro, era o próximo mestre, já quem chegasse
por último levava “bolos” (tapas) nas mãos. Esses “bolos”
variavam de intensidade: quente (bolos fortes), morno
(bolos médios) e frio (bolos leves). Havia ainda os bolos de
passarinho (pequeno beliscão, beliscão fino). De pai (bolo
forte) e de mãe (bolo leve).

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 27


MEMÓRIA
Quem um dia não foi “Senhora”, rica e poderosa: “Eu
sou rica, rica, rica de mavé, mavé, mavé, eu sou rica, rica,
rica de mavé gepê [...]”. “Senhora D. Sanja, coberta de
ouro e prata, descubra o seu rosto quero ver a sua cara
[...]”. Mãe dedicada e zelosa: “Eu não dou as minhas filhas,
no estado em que elas estão, nem por ouro, nem por prata,
nem por sangue de Alazão [...]”.
Virtudes de honra, lealdade e obediência às regras
eram valorizadas nessas brincadeiras com um detalhe:
pobres e ricos, brincávamos todos em condições de
igualdade. Os papéis eram trocados à medida em que a
brincadeira ía avançando.
Nessas brincadeiras, éramos ainda maridos, esposas,
filhos, filhas, mães, pais, zelosos ou cruéis. Não faltavam
também os ofícios. Exercíamos todos: de professores,
implacavelmente tiranos, a alunos, dóceis ou rebeldes,
motoristas de caminhão ou pilotos de avião, dentistas,
médicos, enfermeiros, pacientes (injeção na bunda era o
que mais gostávamos de aplicar, certamente por ser o que
mais nos metia medo).
Quem, menino ou menina, no sertão não se arriscou
em busca das frutinhas (vermelhas sem igual!) do pé de
cardeiro ou da coroa de frade, tão apreciadas por nós e que
dão em meio a pedras e lajeiros? Quem, menino, não furtou
frutas nos quintais ou sítios vizinhos correndo dos tiros de
sal ou de pedradas na cabeça atiradas por fundas?
Quem não galopou escanchado num cavalo de pau
com o cabo da vassoura, do talo da carnaúba, do pau do
marmeleiro e da macambira ou até mesmo numa palha de
coqueiro, conforme os recursos que a natureza oferecia?
Atirou de baladeira, bodoque ou funda nas lagartixas,
calangos, passarinhos e outros bichos? Soltou corujas?
Quem não brincou de fazer bolinha de sabão, pular corda,
28 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
cabra-cega, academia, cadeirinha, peia quente, pão doce,
iô-iô, bandeirinha, coelho na toca, passa anel, cantigas-
brinquedo? “Licença, meu bom barquinho, licença para
passar, que eu tenho muitos filhinhos não posso mais
demorar [...]”; “Lagarta pintada quem foi que te pintou
[...]”; “Varre, varre vassourinha que esta casa está cheia de
cocô de galinha [...]”; ou brincadeiras como: “Coqueiro cai”
(com as mãos uma sobre a outra em forma de punho); ou:
“Seu pai matou um porco? Você teve medo?” Só para ficar
em alguns exemplos.
Quem não brincou de casinha debaixo da mesa,
redinha armada entre os pés da cadeira, mobília de caixa de
fósforo, de caixa de pasta de dentes ou sapato, panelinhas
de barro (feita por nós) ou da lata do leite em pó (pequenas
medidas que vinham dentro da lata de leite Ninho),
copinhos de tampas de pasta de dentes? E não faltavam as
comidinhas de folhas de mato picadinhas, de papel, de
sementes de manjerioba ou muçambê, de grãos de arroz,
feijão ou milho, galinha do melão caetano, bolos de areia
molhada, cuja fôrma era a quenga de côco e comida do que
mais coubesse na imaginação. Não faltavam também os
cozinhados debaixo da sombra das árvores lá pelos roçados,
para quem era menino no sertão. A notícia corria logo de
boca em boca. E lá íamos nós esquipando pela estrada.
Cada um levava um punhado do que conseguira pegar na
cozinha da mãe. Às vezes até às escondidas: arroz, farinha,
feijão, cozinhado tudo junto, sem falar nos miúdos da
galinha que nossas mães limpavam e nos davam para esse
fim: tripa, couro, moela. Não havia comida no mundo
melhor que essa feita com o pouco trazido por cada um,
cozinhada em panelas de barro e fogo improvisado com
pedras e/ou tijolos e lenha (trempe). Lá ficávamos o dia
inteiro, voltando para casa já com os últimos raios de sol do

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 29


MEMÓRIA
dia. E os brinquedos? Era tempo de bonecas de pano, de
sabugo ou de espiga de milho, de melancia, de “seixos” de
pedras, do talo da carnaúba, da mandioca, de panos
enrolados com uma coberta por cima como se fossem bebês
e, pasmem, até de tijolos! Pião, corrupio, rói-rói, academia,
jogo de pedras, carrinhos de lata ou de madeira que os
meninos enchiam com a “carga” (caixas de “fosco” cheias de
areia) e saíam puxando. Prender besouro na caixa de
fósforo pra fazer rádio ou rádio de caixa de sapato e botão
de pasta de dentes, fazer direção de carro da tampa da
panela ou da tampa da lata de doce com chave pra ligar do
abridor da lata de kitut de boi Wilson. Jogar com bilocas ou
castanhas de caju, futebol de botão, de prego ou de
tampinha de garrafa. Torar rabo de lagartixa pra ver mexer,
caçar com bisaco de lado, botar “visgo” do pé de pau da
“barriguda”, da “burra leiteira” (árvores) ou do talo da jaca
em cima das porteiras, nos mourões, ou galhos próximos
aos poços d’água pra prender passarinho. Descobrir ninho
de rolinha e armar laço da crina ou do rabo de cavalo nos
ninhos pra rolinha ficar presa na hora de voar. Atirar de
baladeira ou funda em arranca-milho, papa-lagarta, casaca
de couro, rolinha e beija-flor. “Matar e engolir o
coraçãozinho da beija-flor pra ficar atirador”. Matar
passarinho, pôr embaixo de uma cuia de cabaça e batucar
em cima pra ressuscitar o bichinho. Fazer quixó de pedra e
pau de marmeleiro e/ou fojo (com lata de querosene ou
tábua de caixão de sabão), ou mondé armado numa pedra
pra pegar preá. Armar arapuca pra pegar arribaçã e rolinha.
Derrubar enxú com vara, botar gasolina no rabo do
cachorro, que saía disparado, botar rabeira em jumento –
latas velhas presas num cordão e amarradas no rabo do
jumento que danava-se no mundo com aquelas latas velhas
batendo. Cachorro e jumento ficavam doidos! Cavar buraco
na areia do rio, espanar com o pé a areia e cobrir com
30 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
capim pra pessoa pisar e afundar ou fazer quebra-canela na
rua – cavar buraco, botar papel e areia por cima e esperar
pra ver alguém cair, colocar pedra em caixa de papelão ou
em caixa de sapato e se esconder pra ver alguém chutar e
estrepar a cabeça do dedo.
Era tempo de tomar banho de chuva, verdadeira festa
no sertão. A meninada toda na rua, correndo na disputa
pelas biqueiras mais fortes. Tanajura anunciando chuva:
“Cai, cai, tanajura, que é tempo de gordura”. Espetar
tanajura com um palito de coqueiro, soltar pra ela sair
voando e girando feito helicóptero. Tomar banho no
sangradouro do açude, brincar de galinha gorda, boiar em
cima de câmaras de ar ou em troncos de bananeiras, tomar
banho em poço, em cacimba ou cacimbão. Era tempo de
espreitar o abrir e fechar dos relâmpagos e o estrondo dos
trovões – que de tão fortes até parecia que o mundo ía
desabar sobre nossas cabeças –, de morrer de medo e
correr pra se refugiar debaixo da mesa, enquanto os adultos
se recolhiam pra orar. E não adiantava dizer que era São
Pedro arrumando os móveis no céu. Tempo de fazer
louçinhas e animais com barro, fazer navegar barquinhos de
papel, brincar com roda de aro ou rolar pneu, de puxar
roladeira com lata de leite, de espetar no chão ferrinho na
brincadeira do triângulo ou do peixe, jogar biloca
aproveitando a terra molhada pra fazer as barrocas, fazer
barragem no aguaceiro, guerra de torrão de barro ou de
carrapateira, chegar em casa e esfregar o “grude” dos
joelhos com bucha do mato (bucha vegetal).
Tempo de sair de papangu no carnaval, com máscara
de papel e grude e um pedaço de pau na mão, com uma
bola de meia amarrada num cordão, fazendo medo às
crianças menores e dando boladas nos mais afoitos, que se
aproximavam tentando tirar-lhes a máscara para ver quem

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 31


MEMÓRIA
era. Brincar com bomba d´agua ou com lança, atirando
água nos colegas.
Semana Santa, tempo de sair um magote de três,
quatro meninos no escuro da noite pra “serra-velho”, com
um bocado de chocalho e lata velha. Sair no escuro da noite
pra roubar galinhas. Assistir a malhação do Judas no Sábado
de Aleluia, bonecos de pano, enforcados em árvores, e que,
ao raiar do sábado, eram apedrejados, malhados e
queimados.
Tempo dos compadrios nas fogueiras de São João:
“São João disse, São Pedro confirmou, que você fosse minha
madrinha (afilhada) porque Jesus Cristo mandou”. De fazer
simpatias e adivinhações: botar água numa bacia e levá-la
pra junto da fogueira. Se não vir o rosto na bacia é porque
não estará viva no próximo São João; meter a faca no
tronco da bananeira pra aparecer o nome do futuro marido;
pendurar aliança num fio de cabelo segurando-a sobre um
copo e contar as pancadas da aliança no copo, cujas
pancadas representam o número de anos que falta para
casar. Medo de ficar no caritó: “Bota pó Vitalina, bota pó,
que moça véia não sai mais do caritó [...]”.
“Pipoca, amendoim torrado, carreguei sua mãe no
‘carrim’ quebrado”! Tempo de anunciar a chegada do circo
na cidade e o palhaço sair à rua com perna de pau e
megafone na mão anunciando espetáculo e cantando com
um bando de meninos correndo atrás e respondendo em
côro: “Hoje tem espetáculo? Tem, sim, Senhor! Às oito
horas da noite? Sim, Senhor! Hoje tem marmelada? Tem,
sim, Senhor! E o palhaço o que é? É ladrão de “mulé! O raio
de sol suspende a lua [...]”.
Tempo de virar bunda “canastra”, pisar no bico do
sapato novo pra tirar o selo, tirar o selo (tapa) no “quengo”
dos colegas quando estes cortavam o cabelo, dar peteleco
32 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
em “ureão”, passar “pitu” nos colegas, pregar um rabo de
pano ou de papel nos colegas pra vê-los passar ridículo,
bater “palminha de unha” para a (o) amiga (o) ao ouvir uma
piada sem graça, arengar com a (o) colega e pedir pra
cortar os dedos pra ficar de mal, cortar os dedos ao
contrário pra ficar de bem, fazer unha comprida do carretel
de linha corrente-laranja, pintar e colar por cima da outra.
Brincar de meu e seu, mandrake, folhinha verde, andar de
figa, mão no bolso, zerinho ou um, assobiar com pente e
papel prateado da carteira do cigarro, assobiar com folha de
figo dobrada entre os lábios ou com uma folha no meio de
dois pedaços de casca da cerca, fumar com cachimbo feito
de carrapateira e coquinho ou do talo do mamão verde,
fazer campeonato pra ver quem cuspia mais longe, bater na
bochecha cheia de ar para provocar um estampido, brincar
de imitar o som do peido com a mão debaixo do suvaco,
queimar o (a) amigo (a) com o caroço de mucanã – “olho de
boi” ou “catota”, esquentado na pedra ou na calçada de
cimento, queimar peido com fósforo, rebolar pedra bem
embaixo da manga madura para vê-la cair e chupá-la.
Tempo de “ir à feira”. De comprar pijama de tecido de
flanela estampado, camisa cacharrel, camisa de tecido
“volta ao mundo” na cor verde limão e rosa choque,
comprar rói-rói, comprar sequilho, raiva, alfinim, grude,
beiju e colar de côco catolé pra comer. Acercar-se do
“homem da cobra”, que apregoava remédio que prometia a
cura para muitos males.
Tempo de mau agouro, de adoecer de mau olhado, de
quebranto ou de espinhela caída e ser curado por uma
benzedeira com um galhinho de arruda, alecrim ou pinhão
roxo, reza e muito sinal da cruz sobre a cabeça da pessoa
acometida pelo mal e que os meninos imitavam com os

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 33


MEMÓRIA
seguintes dizeres: “Eu te benzo, eu te curo, amanhã tu caga
duro”.
Era uma vez... Tempo de, à noite, nas calçadas ou ao
redor de um paiol de feijão pra debulhar, contar e ouvir
histórias de trancoso, de Camonge, de reis e rainhas,
histórias de mal-assombrados, de encantamentos. Tudo
entrava por uma perna de pinto e saía por uma perna de
pato. De ver e fazer assombração. Fazer alma com quenga
de côco ou oco de mamão verde com vela acesa dentro e
colocar em cima de “monturos” ou dos mourões ao lado das
porteiras e correr feito cavalo desembestado com medo da
própria assombração. Tempo de imitar a “marrada do
carneirinho”, brincar de “dedo mindinho, seu vizinho (...)”,
brincar de cavalinho sobre o joelho do pai ou da mãe, de
adultos fazerem “bizouro” ou “carrinho” com a boca pra
entreter o bebê. Tempo de bicho papão, de temer “alma do
outro mundo”, de rezar p’ras almas do purgatório, morrer
de medo do papa-figo, da mula-sem-cabeça, do lobisomem,
de zumbi, de temer o batatão (alma do compadre e da
comadre) quando dava as primeiras chuvas lá no meio das
vazantes. De brincar de adivinhação, par-e-ímpar, frio ou
quente, de brincar até na hora do almoço, fazendo macaco
com feijão macassar e farinha amassados na mão. Não
faltava também o jogo de baralho: pif-paf, buraco, sueca e
relancim arriado. Jogar com pedrinhas ou búzios, assistir ou
encenar os dramas ou romances cantados, jogar casca de
laranja nas ripas para enganchar e ficar dependurada.
Tempo de fazer carinho em forma de cafuné e de catar
piolhos. De andar com um lenço cobrindo a cabeça após
nossa mães aplicarem Neocid, dos meninos andarem com a
cabeça raspada por causa deles, os piolhos. Como se
catavam piolhos nas calçadas. Numa fileira de três meninas
chamadas Maria, catando piolhos, ninguém queria ser a do

34 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
meio, pois se dizia que a do meio morreria antes. Quando
deitavámos no chão, também não queríamos que ninguém
nos enguiçasse (passar por cima), pois aí não cresceríamos
mais. Tempo de comer o olho do coco ou esfregar cebola
nos peitos pra fazê-los crescer. Tempo de jogar com bola de
infinitas possibilidades: de meia, de capim seco, de cabelo e
palha de milho, bola do talo da bananeira e bola até da
bexiga do boi.
Era tempo de comprar nas bodegas, confeito que
vinha com anel de ouro e pedrinhas de cores variadas,
confeito com figurinhas e dinheiro. E por falar em dinheiro,
a moeda de troca entre os meninos era o dinheiro de
cigarro, um bolo de notas juntado em caixa de sapato.
Comprava boi, rebanho e bilocas. Tempo de colecionar
pequenos soldadinhos e indíos que vinham dentro dos vidros
de Toddy, figurinhas de jogador de futebol que vinham
dentro do pacote de macarrão e do biscoito Fortaleza,
utilizadas no futebol de botão e de caixa de fósforo.
Tempo de brincar de modelagem com as nuvens,
transformando-as, com nossa imaginação, em carneiros,
leões, pássaros, cavalos, anjos, monstros e outros bichos.
Tempo de céu de muitas estrelas, de procurar o cruzeiro do
sul, localizar as três marias, de ver São Jorge na lua,
montado em seu dragão, de contemplar as estrelas, só não
se podia contá-las, para que não nascessem verrugas nos
dedos. Tempo de ver estrelas cadentes riscarem o céu e
fazermos pedidos.
Com o passar dos tempos, as brincadeiras passavam a
refletir os rituais de passagem, a saída da infância para a
idade adulta. Experimentar os primeiros contatos físicos na
brincadeira do: “Tô no poço”! “Tô no poço. Água por onde?
Pelo pescoço! Quem lhe tira? Um alguém! Com o quê? Com
um abraço e um beijo”. Se a fruta escolhida corresponder ao

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 35


MEMÓRIA
menino ou menina por quem o coração bate mais forte,
grata surpresa; se ao contrário, frustração.
Para quem foi menino no sertão, iniciar-se nos
cercados e currais com as cabras, jumentas, burras e
galinhas nos prazeres do amor.
Eram muitas as possibilidades do brincar, variando de
acordo com as características regionais, geográficas e
culturais, próprias de cada localidade.
Desafiando origens, o brinquedo atravessou
continentes e épocas, permanecendo iguais em sua
essência, diferentes em suas versões regionais, rurais,
urbanas e litorâneas em termos de vocabulário, regras das
brincadeiras, recursos materiais, espaços e tempos próprios
para cada vivência. Uma coisa, porém, não muda, a
universalidade presente no brincar e o encanto que causa
nas crianças de qualquer lugar. Através do brinquedo a
criança fazia sua incursão no mundo, ensaiava a vida.

36 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
A BERLINDA

A brincadeira consiste em se formar um grupo de


crianças que se organizam em círculo, sentadas, e uma
delas se coloca mais afastada, sendo a que estará na
berlinda. Um ajudante pré-determinado, que é uma das
crianças do círculo, pergunta a cada um por que aquele está
na berlinda, recebendo diversas repostas, desde as boas até
as afirmações ruins. O ajudante leva as afirmações ao
escolhido que, sem conhecer os autores, escolhe uma das
respostas. O autor da resposta escolhida vai para a berlinda
e o que estava lá passa a ser ajudante.
Melo, V. (1985, p. 154) registra e descreve a
brincadeira da seguinte forma:
Reunidas as meninas, vai uma delas para
a Berlinda, isto é, para um lugar
afastado, distante da vista das outras. A
que dirige a brincadeira sai perguntando
de uma em uma:
- Por que Fulana está na Berlinda?
- Por que é muito feia, responde uma.
– porque tem as pernas finas, - diz
outra. Porque é banguela (sem dentes), -
diz uma terceira. Respondem sempre
criticando a criança ou elogiando-a,
dizendo, por exemplo, que “é muito
bonita”, “tem um corpo muito bem feito”,
etc...
Concluindo o inquérito, grita “pronto” a
que comanda o jogo e vem de lá a que
estava na berlinda. Ouve, então, da boca
da dirigente, o que disseram dela, de
bom e de mal, por estar na berlinda.
Escolhe a resposta que lhe agrada ou
desagrada mais, e diz:

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 37


MEMÓRIA
- A que disse que eu tinha as “pernas
finas” vá para a Berlinda.
Levanta-se a menina escolhida, sob
gritos e risos das outras, e vai para a
berlinda.
O relato de Elisa Dantas (2007) comprova a euforia do
momento em que a criança que está no círculo é escolhida
para a berlinda.

A brincadeira da berlinda era tão boa, a


gente fazia uma fuzarca grande, dava
tanta vaia em quem era escolhida para a
berlinda, essa era uma das minhas
brincadeiras preferidas, era bom demais.

A entrevistada relembra que ir à berlinda não era tão


agradável, pois o escolhido ficava a mercê das afirmações
das demais crianças.

ACADEMIA

A brincadeira de academia era vivenciada nas ruas de


barro ou nas largas calçadas, cuja participação das meninas
era significativa, no estado do Rio Grande do Norte é mais
conhecida como “academia”, entretanto, segundo Cascudo
(1984), o jogo sofre algumas variações, de acordo com cada
região, a saber: a academia, cademia, amarelinha ou
marelinha, no Rio de Janeiro; maré, em Mina Gerais; “pular
macaco”, na Bahia; dentre outras.
O jogo, muito antigo e espalhado por todo o país, é
assim descrito por Cascudo (1984, p. 06):

Jogo ginástico infantil, muito antigo e


muito espalhado por todo o Brasil. A
academia no Brasil é dividida em corpo
(ABC), asas, braços ou descanso (DD),
pescoço (E) e cabeça ou lua (F). Jogam
impelindo com um único pé uma pedra
38 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
chata até a lua e volvendo ao princípio
do corpo, a primeira casa, sem socorrer-
se de outro pé. Apenas no descanso é
permitido pôr um pé de cada lado. A
outra forma de jogar academia é colocar
a pedra na primeira casa e ir saltando
num só pé através de todo o desenho e
voltar. Passa a pedrinha para a segunda
casa e assim sucessivamente até a lua e
regresso ao princípio. Perde a vez de
jogar quem tica (toca) o solo com os dois
pés ou pisa nas linhas do gráfico.

A academia, então, consiste em pular sobre um


desenho riscado com giz ou “caco” de telha no chão, que
também pode ter inúmeras variações. Em uma delas, depois
de desenhado o diagrama no chão, as crianças determinam
uma ordem entre elas. A primeira vai para a área oval,
chamada de céu, e, de lá, atira a sua pedra no número 1.
Sem colocar o pé nessa casa, ela atravessa o diagrama, ora
pulando com os dois pés, quando tiver uma casa ao lado da
outra, ora com um pé só. Quando chega a figura oval, na
qual está escrito “inferno”, faz o percurso de volta e apanha
a pedra, também sem pisar na casa marcada. Em seguida, o
participante repete o mesmo procedimento em todas as
casas. A criança não pode pisar ou jogar a pedra na risca,
nem atirá-la fora do diagrama. Se isso acontecer, perde a
vez. Vence quem completar o percurso primeiro.
Em outra versão mais complexa, recorda uma das
entrevistadas:

Quem consegue chegar ao céu, vira de


costas e atira a pedrinha de lá. Era uma
alegria tão grande quando a gente
acertava, agora tinha que acertar dentro
de algum dos desenhos. A casa onde a
pedrinha cair passa a ser sua e lá é
escrito o seu nome [caso a criança não
acertasse, passa a vez para a próxima

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 39


MEMÓRIA
criança]. Aí quando as outras meninas
iam jogar, elas não podiam pisar nas
casa que tinha meu nome, só eu que
podia lá pisar, e ainda escolhia se era
com um pé ou com dois. [Risos...]

Nessa versão, vale salientar que quem ganha o jogo é


a criança que conseguir o maior número de casas.

ANEL

A brincadeira do anel é uma diversão muito praticada


pelas crianças. Em todas as cidades visitadas do estado,
brincava-se de ‘passar anel’. Ela consiste em adivinhar em
que mãos está escondido o objeto. Assim, um grupo de
crianças se reúne para passar o anel e, de mãos em forma
de concha, se preparam para a ‘dona do anel’ passá-lo de
mão em mãos. Logo então, escolhe-se uma criança
voluntariamente, a quem é perguntado: Com quem está o
anel? Se adivinhar, essa criança será a nova dona do anel,
e assim, segue a brincadeira. Dona Josefa (2006), moradora
de Sibaúma, diz ter brincado bastante de ‘passar anel’: “Não
se tinha o anel, mas pedrinhas”. Segundo o relato de mais
pessoas, antes do brincar com o anel, o objeto passado
pelas mãos era uma pedrinha ou qualquer outro objeto
pequeno. Além disso, a brincadeira era muito praticada nas
festas de casamento por muitos jovens e adultos, não
apenas crianças. Socorro (2007), infância em Nova Cruz,
relembra que: “quem descobrisse em que mãos estava o
anel, seria a próxima a casar, arranjar um marido”.
Há duas formas do jogo do anel: a primeira é brincada
tanto por crianças quanto por rapazes e moças e, às vezes,
até por pessoas mais velhas, nas reuniões familiares.
Araújo, C. (2006), que viveu a infância em Caicó, relembra:
40 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
sentávamos uma ao lado da outra, cada
uma com suas mãos juntas, palmas com
palmas. Uma criança ficava de pé com o
anel e o colocava entre as mãos, que
ficava na mesma posição das outras
crianças, isto é, palma com palma. Essa
criança passa suas mãos entre as mãos
de cada uma das crianças, e em uma
delas, deixa cair o anel ou a pedrinha. Aí
a que está de pé, senta-se na roda e
perguntava a uma outra criança: "Com
quem está o anel?". Se fosse eu, então
levantava e começava a cheirar as mãos
das minhas colegas, procurando o anel.
Se acertando seria a próxima a passar o
anel; se errasse, pagava uma ‘prenda’,
um castigo como se diz.

Melo, V. (1985, p.153) aponta uma outra variação


desse jogo em Natal:

formam uma roda, com uma menina no


centro, onde há um cordão seguro por
todas e onde, escondido na mão de
alguma, enfiado no cordão, está o anel.
Este vai passando de mão em mão,
enquanto a criança do centro procura
descobri-lo. Se adivinha a menina que o
possui ou vê quando esta passa o anel
para a outra, a criança que foi vista
passará para o centro da roda e vai
procurá-lo, por sua vez.

Passada de geração a geração, a brincadeira do anel


continua encantando as crianças e sendo praticada até os
dias atuais, inclusive nas escolas, como atividade lúdico-
pedagógica.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 41


MEMÓRIA
ARAPUCA

Armadilha para capturar passarinhos e animais


pequenos, feita com gravetos, geralmente de marmeleiro ou
de talo de carnaúba. Para fabricá-la coloca-se dois gravetos
de forma paralela, e amarra-os a outros dois que são
posicionados de forma perpendicular. A construção
prossegue sempre se colocando dois gravetos mais curtos e
mais próximos, perpendicularmente aos já amarrados, até
fechar a parte superior, formando-se uma estrutura
piramidal. O gatilho é feito com três hastes de ponta fina,
encaixadas uma nas outras, suspendendo a arapuca. Para
atrair os pássaros, são colocados alimentos embaixo da
armadilha. Quando o pássaro vai comer, bate no gatilho que
automaticamente se desarma, e o prende dentro da
armadilha.

FIGURA 01 - ARAPUCA

ARCO E FLECHA

Utilizados pelos meninos na localidade de Santo


Antônio, município de Severiano Melo, na década de 20,
como nos relata Cavalcante (2007), o arco e a flecha eram
42 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
usados para caçar passarinhos, lagartixas e brincar de tiro
ao alvo. O arco era feito de uma planta muito flexível,
chamada de “bugi”, ou também denominada de “cipó
verdadeiro”. Esse cipó era muito utilizado no artesanato
local e havia até um verso que retratava a sua utilidade:
“[...] esse cipó verdadeiro só fulora no mês de maio; da fulô
eu faço a cesta, da cesta faço um balaio”.
A corda do arco era um arame amarrado nas
extremidades da vara de bugi. Na ponta da flecha enfiava-
se um prego com a cabeça cortada. Para atirar com o arco,
colocava-se a flecha no arame, fazia-se pontaria e esticava
o braço, a vara de bugi era que dobrava, e, ao largar o
arame de forma repentina, a flecha ia com velocidade em
direção ao alvo. Cavalcante (2007) ressalta que era uma
brincadeira perigosa, pois a flecha podia machucar quando
batia em uma pessoa. Na zona rural de Mossoró, usava-se
um outro tipo de madeira para a confecção da flecha, o
Barandam (BEZERRA, 2006).

ARGOLINHA

A argolinha é um jogo interessante que pode ser


realizado juntamente com folguedos populares e festas
religiosas com o objetivo de agradecer ou comemorar
alguma data importante, ou somente como diversão
garantida para meninos, principalmente, os moradores das
zonas rurais.
O jogo é realizado em espaço amplo, geralmente em
um descampado, praça, parque, ou pátio bem cuidado, para
que possa ser demarcada a pista ou trilha da corrida.
Colocam-se dois postes de madeira, nos quais é amarrada
uma corda, de um lado a outro. Na corda, diversas
argolinhas, com aproximadamente 10 cm de diâmetro, são

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 43


MEMÓRIA
suspensas. Enfeitadas com fitas, as argolas são penduradas
pela garra.
A corrida de argolinha é constituída por doze
cavaleiros, divididos em dois cordões: o cordão encarnado e
o cordão azul. Os dois pares dianteiros têm o nome de
primeiro e segundo matinadores, que são os chefes,
respectivamente, dos cordões encarnado e azul.
Os cavaleiros colocam-se em fila, de lança em punho,
e, dado o sinal de partida, devem largar em carreira, tendo
que, na passagem, retirar uma argolinha com a ponta da
lança. Terminadas as seis carreiras, o partido que tiver o
maior número de argolinhas vencerá.
Antes do acontecimento são preparadas
antecipadamente as roupas dos cavaleiros, que devem ser
vistosas. Seus animais também são enfeitados com as cores
do cordão e, além disso, devem ser muito bem tratados,
pois são muito importantes para o bom desempenho do
participante. O cavaleiro passa muito tempo montado em
seus animais para que ambos estejam bem preparados e
aquecidos na hora de mostrar suas habilidades.
Diversão e animação não faltam, pois a corrida de
argolinha atrai sempre uma grande torcida. E todos com as
bandeirinhas nas mãos, acenam numa euforia, a cada
cavaleiro que passa. Muitas vezes, depois da brincadeira,
acontece um “forrozinho”, ao som da sanfona, zabumba e
pandeiro, para comemorar o cordão vencedor (NENECA
BARBOSA, 2007).

BALADEIRA

Atirar de baladeiras ou balieinheira, como se diz em


Caicó, também faz parte do universo lúdico infantil do
interior do estado. Esse objeto era utilizado para o tiro ao
44 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
alvo, caçar passarinhos, lagartixas e brincadeiras de guerra.
É feita com uma forquilha de madeira (cabo), duas tiras de
borracha (elástico), um pedaço de couro cru (malha) e
quatro tiras pequenas de borracha para amarrar. A madeira
mais utilizada para a confecção do cabo era a goiabeira,
mas também utilizava-se o pau d’arco ou ipê.
A malha era um pedaço de sola crua ou couro retirado
de um sapato velho, de forma retangular. Mede cerca de 12
cm de comprimento por 3 cm de largura. Nas suas
extremidades é feito um pequeno furo, no qual se prende o
elástico.
As ligas finas, para amarrar as mais grossas ao cabo e
ao couro, eram conseguidas de câmaras de ar velhas de
pneus. Já as ligas mais grossas, usadas para impulsionar a
pedra, sofreram modificações ao longo do tempo. Em um
primeiro momento eram retiradas de câmaras de ar de
carros grandes, como caminhões e tratores, pois eram mais
resistentes e tinham mais força para atirar a pedra com
velocidade. Depois, surgiu a liga de avião, comercializada
nas feiras e mercados populares. Na década de 80,
começaram aparecer as chamadas ligas de soro, usadas em
hospitais.
Nas caçadas eram utilizados, também, os bornais ou
bizacos, espécies de bolsa para carregar as pedras e os
animais mortos. As pedras eram escolhidas com muito
cuidado, pois precisavam ser bem arredondadas e no
tamanho certo. Em Caicó, além dos passarinhos, caçava-se
muito lagartixas nos lajeiros de pedras, comuns naquela
região. Havia uma superstição entre os meninos de que,
para ser um bom atirador, devia-se matar um beija-flor e
comer seu coração, ou então, passar o sangue da lagartixa
no cabo da baladeira.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 45


MEMÓRIA
Também utilizava-se a baladeira para brincar de
guerra, com a carrapateira. Nesse caso, dividia-se o grupo
de crianças em dois. E no meio dos cercados e serrotes, os
grupos de crianças faziam verdadeiras batalhas campais. A
carrapateira era escolhida como munição, porque não
machucava quando atingia seu alvo.

FIGURA 02 - BALADEIRAS

BAMBOLÊ

O bambolê foi criado no Egito há três mil anos.


Naquela época, era feito com fios secos de parreira, árvore
que dá a uva. As crianças egípcias imitavam com os
bambolês os artistas que dançavam com aros em torno do
corpo. O bambolê de plástico colorido surgiu nos Estados
Unidos em 1958. A idéia foi levada da Austrália, onde
estudantes de ginástica se divertiam girando aros de bambu
na cintura (WIKIPÉDIA, 2006). A brincadeira com o bambolê
dá-se pelo balanço do objeto provocado pelo corpo, que o
faz girar. Muitas vezes apresentava estágios, nos quais as
crianças começavam tentando levantar o bambolê do pé,

46 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
subindo por todo o corpo, coxas, cintura, passando pelos
braços e o pescoço, até chegar à cabeça. No nosso estado o
brinquedo continua a fazer a alegria das crianças.
Cavalcante (2007) conta que no município de Santo
Antônio, na década de 40, usava-se o cipó do bugi para
fazer o bambolê. Cortava-se um pedaço de cipó com cerca
de 1,5 m de comprimento e largura de uns 2 cm. Depois,
curvava-se o cipó, até juntar uma ponta à outra, fixando-as
com um prego grande sem cabeça, enfiado no miolo do
cipó. E assim, estava feito o bambolê; depois era só brincar.

BANDEIRINHA

No jogo de bandeirinha divide-se o grupo em duas


equipes. Cada uma escolhe um campo e coloca a sua
“bandeira” na linha de fundo do campo adversário. A
bandeira que pode ser um chinelo, uma garrafa plástica, um
pedaço de tecido, um galho de planta dentre outras
possibilidades ao alcance das crianças. O objetivo do jogo é
recuperar a bandeira do lado adversário sem ser tocado,
assim, quem for pego, fica “colado” no lugar até que um
colega de equipe se arrisque a salvá-lo. Para isso, basta
tocá-lo e esse colega fica livre para voltar ao campo de
origem ou investir mais uma vez na recuperação da
bandeira. O time precisa decidir a melhor estratégia, já que,
se avançar no campo adversário com muitos jogadores,
ficará com poucos para defender o seu. A brincadeira
também é chamada de pique-bandeira, bandeira e rouba-
bandeira e bandeirinha.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 47


MEMÓRIA
BARQUINHOS

O barquinho era brinquedo muito usado pelas


crianças que viviam em áreas praieiras ou perto de rios,
açudes e de manguezais. Os meninos que moram na beira
d’água, em comunidades ribeirinhas, fazem muitos
barquinhos com casca de coco, pedaços de bambu, isopor,
papel, jangadinhas de taliscas de madeira, de galamacho,
além de borracha. Existem ainda paus de mulungú e de
galamachos, tipos de madeiras que flutuam na água, que
servia de barco na época da cheia para as crianças
brincarem. Gomes, J. (2006), que viveu a infância em
Ipanguaçu, usava um cavalete para brincar no rio e nadava
no rolo de mulungú ou imburana seca, plantas leves que
flutuavam na água.
Existem muitos fatos que aconteciam no brincar com
os barquinhos construídos. Por exemplo: era muito comum
entre as crianças promover corrida de barcos nos rios, com
apostas para ver qual barco chegava primeiro.
Na época das chuvas, na região do Seridó, com o solo
quase impermeável, a água proporcionava verdadeiras
corredeiras nas ruas de barro, formando vários riachos nos
quais as crianças soltavam seus brinquedos. “Brinquedo
bom como este, e barato, era construir barragens de areia
nos pequenos córregos para esperar a chuva” (ONOFRE
JUNIOR, 2006). As crianças corriam para a rua,
aproveitando para se refrescar do calor intenso da região e
correr atrás de seus barquinhos junto com amigos e colegas
de rua. Sena (2007), ao relatar sobre sua infância na cidade
de Caicó, comenta:

Como a gente era pobre e não tinha


dinheiro para comprar brinquedos, a
gente fazia os brinquedos. Minha mãe
me ensinou a fazer chapéus de Napoleão
48 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
com jornais, a recortar bonequinhas,
todas de mãos dadas, a fazer barquinhos
de papel, que eu colocava na enxurrada.

Na região de Sibaúma tinha-se a jangada de


cortiça1. Outro tipo de barco criado pelas crianças era a
jangada de coco. Cascudo (1979) tem a jangada como
embarcação feita de paus roliços, presos com cavilhas,
usada em pescaria, desde a época colonial. Com os ricos
elementos da natureza que tinham contato, próprios do
ambiente em que nasceram - coqueiros, areia, quenga de
coco -, as crianças utilizavam a criatividade e a imaginação,
construindo objetos para brincar, como barcos, jangadas e
pequenas embarcações, simulando as atividades dos seus
pais.
Silva, A. (2006) diz que sua infância foi no
manguezal, sua brincadeira era pegar caranguejo, siri e
empurrar barco. Na década de 40, fazia umas ‘caçambinhas’
de coco, uma pequena embarcação para brincar na água,
um tipo de jangada, como relata: “Pega o coco seco e retira
toda a casca; fica só a quenga, que é a parte dura. Daí pega
o barro e molda-o para o formato da jangada”.
As jangadinhas até hoje fazem parte da brincadeira
das crianças que vivem em áreas litorâneas, imitando a
atividade dos seus pais, como na cidade de Touros, onde os
meninos constroem seus barquinhos e brincam na barra do
rio.

1
a cortiça é uma espécie de raiz, extraída de uma árvore própria da
região Litorânea denominada copaíba.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 49
MEMÓRIA

FIGURA 03 - BARQUINHOS
BARROCA, BILOCA OU BURACO

Para brincar de barroca ou buraco, fazia-se


primeiramente três buracos em linha reta no chão, distantes
um do outro, cerca de 3 m, distância essa medida com
passadas, e o acabamento das barrocas era feito girando o
calcanhar sobre o buraco. Para “tirar o ponto” - definir a
ordem de jogadas -, os jogadores colocavam o calcanhar na
primeira barroca e jogavam em direção à ultima. Quem
chegasse mais próximo era o primeiro a jogar, enquanto os
demais seguiriam a ordem de aproximação da barroca.
Podia acontecer do jogador acertar dentro da barroca, o que
já garantia ser o primeiro da vez. Entretanto, os primeiros a
tentarem a barroca corriam o risco de ser tilados pelos que
vinham em seguida. Se isso acontecesse, seriam eliminados
do jogo já no momento de disputa da ordem de jogadas.
Definida a ordem de jogadas, o primeiro jogador
inicia a partida procurando acertar a barroca que foi usada
para classificar essa ordem.
O objetivo do jogo era percorrer o trajeto de ida e
volta, acertando nos três buracos. Tendo acertado no
primeiro buraco, o próximo objetivo do jogador era acertar
na barroca do meio, depois na ponta, e retornar para o
primeiro buraco, passando novamente pelo buraco do meio.
O jogador que entra num buraco certo tem direito a outra
jogada, entretanto, se cair num buraco errado, não sendo
“matão”, fica preso e perde uma jogada.
Para percorrer os buracos, o participante também
podia “pegar cavala”, ou seja, acertar na bila/biloca do
outro, dando-lhe o direito de ir para o próximo buraco sem
ter que acertar dentro deste. Essa era uma estratégia muito
utilizada: às vezes o jogador ia levando a bila/biloca do

50 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
adversário de uma barroca a outra, no intuito de facilitar
seu deslocamento.

[..] ou você caía dentro [da barroca] ou


ficava um pouco distante. Justamente
para o camarada não pegar carona em
você. Você podia pegar cavala, ia
levando você, como você tivesse preso.
À mercê dele fazendo todo o percurso,
auxiliando ele fazer todo o percurso, e
quando chegar no final, ainda morrer.
(MEDEIROS FILHO, 2007)

Ao concluir o percurso, o jogador tornava-se o


“matão” ou o “onça”, ficando habilitado a eliminar qualquer
jogador, bastando, para isso, tilar a sua biloca/bila na dos
outros. Somente o “matão” podia eliminar os outros.
Quando alguém tornava-se o “matão”, a dinâmica do
jogo mudava, pois este ficava, rodeando as barrocas para
dificultar o trajeto dos outros, que agora teriam que ter
muito cuidado para não serem eliminados do jogo. O
“matão” podia encurtar a distância para atacar uma
biloca/bila do adversário, “pedindo licença” à barroca. Nesse
caso, quando fazia essa solicitação, podia jogar dentro de
uma barroca e, ao acertar, tinha direito a outro lance. O
jogo acabava quando restava apenas um jogador.

BEÇA

A beça, como é chamada em algumas áreas rurais do


estado do Rio Grande do Norte, é uma versão de arma que
foi bastante utilizada no período medieval, denominada de
besta. Alguns historiadores afirmam que a besta foi criada
por volta de 2 mil anos antes de Cristo, pelos chineses.
Na zona rural de Mossoró, por volta da década de
40, como relata Bezerra (2006), as crianças fabricavam a
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 51
MEMÓRIA
beça com materiais encontrados na própria natureza,
utilizando-se da madeira do pião branco e do marmeleiro.
Para fazê-lo, primeiramente rachava-se o pião ao meio,
retirando o miolo e formando, assim, uma fenda que servia
para fazer correr a flecha. O arco era feito atravessando um
pedaço de marmeleiro, perpendicularmente, em uma das
extremidades do pião. Nas pontas da vara de marmeleiro
amarrava-se um cordão, e na outra extremidade do pau de
pião fazia-se o gatilho, cavando um pequeno batente. A
flecha era feita com um pedaço de vara, medindo cerca de
40 cm de comprimento, com a ponta afiada, e, na parte de
trás, era feita uma cava para encaixar o cordão. Na ponta
da flecha colocava-se, também, cera de abelha, para não
machucar as crianças ao serem atingidas. Para atirar com a
beça bastava esticar o cordão, prendê-lo no gatilho, segurar
com uma das mãos a base da besta, fazer mira e, com a
outra mão, liberar o cordão.

FIGURA 04 - BEÇA

BODOQUE

52 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
O bodoque é uma arma para a caça de passarinhos e
pequenos animais, anterior à baladeira, que só apareceu no
interior do estado junto com a chegada da borracha,
advinda das câmaras de ar dos automóveis. Assim como a
baladeira, o bodoque também serve para atirar pequenos
projéteis (pedras ou bolões de barro) a média distância.
Esse brinquedo consiste em duas cordas ou barbantes
amarrados num arco de madeira resistente e, ao mesmo
tempo, flexível. Os mais utilizados eram o marmeleiro
(região do Seridó), bugi (Região Oeste), barandan
(Mossoró) e o mulungu (Bom Jesus). A vara deve medir uns
2 cm de diâmetro e, preferencialmente, ser secada ao fogo,
o que lhe dá mais força e flexibilidade. O tamanho varia de
acordo com o atirador e sua força:

Nas extremidades, fazia-se o "granzepe",


encaixe para aí amarrar a corda. Mais ou
menos no centro, metade do arco,
deixava-se a madeira afinada, o que lhe
dava maior flexibilidade. Tomava-se o
cuidado de não tirar a casca da
empunhadura ou "pega-mão". O motivo
era o seguinte: aí é que se pegava, e a
casca ficava para proteção contra a
umidade da mão. O suor contribui para
tirar a flexibilidade do arco. Outro
cuidado que se tomava era passar cera
no bodoque para conservá-lo. A cera
evita a umidade que lhe rouba a
flexibilidade ideal. O bodoque tem duas
cordas, paralelas, que presas a iguais
distâncias pelo lado externo das
extremidades, ficam retesas e dão ao
arco uma forma curva de D maiúsculo,
embora mais raso que essa letra.
(ARAÚJO, A. 1966. p. 351)

Nas extremidades das duas cordas, colocavam-se dois


pauzinhos, chamados "espeques" ou "canários", para afastá-

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 53


MEMÓRIA
las a uma distância de 2 a 4 cm. Para prender os "espeques"
às cordas, amarra-se pequenos barbantes. No meio das
cordas “[...] coincidindo com a empunhadura do arco, fazia-
se um trançado, chamado "malha", "rede" ou "sanga", que
formava uma redinha de malhas bem pequenas [..]
(ARAÚJO, A. 1966. p. 351)”. É na malha que se coloca o
projétil para ser arremessado.
O atirador enverga o bodoque com se fosse uma
flecha, segurando-o com umas das mãos na malha e no
projétil, enquanto a outra empunha a vara, segurando-a
pelo meio, na área que não foi descascada para dar mais
sustentabilidade.
Seu manejo era difícil. Havia sempre a possibilidade
do projétil atingir os dedos da mão que estava empunhando
a vara. Cavalcante (2007) conta que caçava muito com o
bodoque:

[...] fazia muita estripulia com o


bodoque, [...] a gente matava muito
passarinho com o bodoque: rolinha,
avoete, juriti, labu do pé roxo [...] a
gente ia para as bebidas e fazia umas
tocaias[..] soltava o bodoque ficava uma
duas ou três.

54 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


FIGURA 05 - BODOQUE
MEMÓRIA
BOLA

Bater bola nos terrenos baldios, ou mesmo nas ruas,


sempre foi uma das brincadeiras infantis mais realizadas.
Jogava-se com bola de cabelo e palha de milho, talo de
bananeira, capim seco, meia, borracha, plástico, e até de
bexiga de boi. Não importava de que material a bola era
feita, o importante era jogar. Os times se organizavam nas
próprias ruas e as “peladas” duravam manhãs ou até tardes
inteiras. Enquanto restasse fôlego e energia, a bola rolava.
A bola de bexiga de boi, por exemplo, surpreende a quem
não a conheceu e deixa saudade a quem dela usufruiu.
Martins (2007), nascida na cidade de Lajes, relata o
processo de confecção da bola com muita emoção:

Lá em Lajes já sabíamos até o dia de


matar boi, ficava todo mundo na
expectativa para ir ao matadouro e pegar
a bexiga do animal. A gente lavava,
lavava até aquele cheiro ruim sair, daí
enchia de ar com um canudo ou podia
ser com a boca mesmo, tendo cuidado
para não furar, mas lembro que a gente
jogava para cima e ficava brincando, era
muito difícil de estourar.

Da mesma forma que a bola de bexiga de boi deixou


saudades, a de folha de bananeira também deixou. Essa
bola era construída em um processo rápido e durava em
torno de três dias, bastando apenas molhar quando ficasse
muito seca, lembra Evaristo (2007), nascido na cidade de
Martins. Davam-se voltas e mais voltas com as próprias
folhas da bananeira, até chegar ao tamanho desejado e, em
seguida, prendia dando-lhe nós com tiras, também da
bananeira.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 55
MEMÓRIA
FIGURA 06 - BOLAS

BONECA

Na pré-história, as bonecas descobertas por


arqueólogos numa gruta, forjadas em pedras, sem membros
nem cabeça,FIGURA
faziam06parte daquele cotidiano. Também as
- BOLAS
bonecas da idade paleolítica, entalhadas em madeira,
plasmadas em argila, recobertas de trapos e de folhas, ou
pintadas rudimentarmente, já existiam. Eram muito feias à
primeira vista e bem longe de satisfazer qualquer menina de
nossos dias. Assim, havia bonecas também naqueles
remotos tempos, quando os homens ainda se protegiam da
fúria da natureza, vivendo nas cavernas.
Na Antigüidade, porém, as bonecas não eram somente
brinquedos para crianças, possuíam, também, outro
significado: podiam de fato representar uma promessa que
os fiéis conservavam em seus lares ou penduravam nos
santuários, a fim de propiciarem para si a proteção das
56 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
divindades. Culturalmente, são destinadas às meninas,
como uma preparação para as futuras funções da
maternidade (RIBEIRO, 2002).
Dessa forma, as bonecas surgiram há muito tempo,
como forma imitativa de deusas e só depois viraram
brinquedo infantil. Na cultura brasileira, prevalece a boneca
de pano, de origem provavelmente africana, ao contrário
das bonecas de barro, de tradição indígena (KISCHIMOTO,
1993, p. 60). Cascudo (1984, p.137) define boneca:

Boneco, figura representando criatura


humana, desenho. Calunga.
Indispensável na magia simpática do
envultamento [...] no plano universal e
milenar. As bonecas de pano, “bruxas”,
brinquedos de criança pobre, indústria
doméstica, precária e tradicional no
Brasil, são documentos expressivos da
Arte Popular. [...]. .São coleções
indispensáveis nos museus etnográficos,
atestando as tendências e orientações da
estética coletiva, modificações e
sobrevivências [...]. Como documento da
lúdica infantil surge desde as primeiras
épocas do neolítico europeu, nas
palafitas e megalitos.

O brincar de bonecas também faz parte da história


cultural do nosso estado. Construída de retalho, cartão,
embrulho de estofo, pano, osso ou pedra... espiga ou
sabugo de milho, cipó fofinho, bucha, talo de carnaúba,
casca de melancia, mandioca, carrapateira, imitando mulher
ou menina, destinado a brinquedo de criança, em especial
das meninas, a boneca constitui parte preponderante desste
imaginário infantil.
As brincadeiras de casinhas e bonecas eram muito
praticadas pelas crianças. Chá de bonecas, casamento das
bonecas, até ‘enterro’ das bonecas se fazia. Fazer bonecas e
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 57
MEMÓRIA
roupinhas para elas, ou montar a própria casinha, era o
mais divertido. Salete (2006), infância na década de 50,
relata:

A gente comprava boneca de pano na


feira e pegava aquele caixão que vinha
com charuto e enchia-o de bonecas, de
todos os tamanhos; ia passear com elas
e fazer casamento. Colocava véu na
cabeça da noiva e vestia o noivo de terno
e gravata; engraçado que o buquê da
noiva eram florzinhas das plantas que
íamos catar no mato. Era uma festa!
Prendíamos as mãos dos noivos com um
cordão, para que eles ficassem juntinhos
e não se separassem, durante a
cerimônia de casamento. Só sei que
prendia um cordão nessa caixa e saía
puxando, fingindo ser um carro. Antes
dos noivos e seus convidados chegarem
em casa, eu arrumava a casa bem
bonita, com muitas cortininhas de fita,
que era para receber os noivos. Quando
terminava a brincadeira, colocava tudo
dentro do caixão de madeira e guardava.
[risos..]

Na brincadeira de casinha estavam inclusas bonecas


de pano, panelinhas de barro, nas quais simulava-se
cozinhar. Muitas faziam de conta que tinham uma bodega,
onde se vendia de tudo. Brincavam também com barro
molhado e pedaços de madeira, que servia para construir a
casa da boneca, como lembra Darquinha (2006): “montava
casinha de palha e fazia bolo com quenga de coco e areia”.
Também fazia parte da brincadeira de casinha, o quintal das
bonecas, onde ‘matava-se galinha’. A galinha era um melão

58 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
caetano2, no qual enfiava-se quatro palitinhos,
representando os pés da galinha. Perguntava-se à comadre
“se ía matar galinha hoje”, e a outra respondia: “vou sim e
está convidada”. Preparada a ‘galinha’, matava-se, abrindo
o ‘animal’ para retirar as sementinhas vermelhas, que
posteriormente serviam de comidinha para as bonecas.
Nascida em Coronel Ezequiel, Gomes, V. (2006), na
década de 60, relembra sua infância:

O que mais gostava era brincar de


casinha de bonecas que era guardada
numa caixa de papelão e que vivia
arrumando em lugares diferentes. Não
dispunha de muitos móveis, tinha uma
caminha, o armário e as divisórias eram
caixinhas de sabonete alma de flores e
pasta dental Colgate. Tinha mesinha,
quatro cadeiras e fogão. Os pratos eram
tampinhas de refrigerante e os copos, a
tampa do creme dental. Em cima da
mesa colocava um vidrinho seco de
esmalte com um pouco de água e uma
florzinha dentro, ficava linda..! Tinha
quatro bonecas, três de plástico e uma
de pano. Geralmente imitávamos
situações do cotidiano; meu irmão
botava o boneco no carro e saía para
trabalhar e na casinha fazíamos
comidinhas e roupas de bonecas. Além
de batizado, aniversário, casamento,
enterro, ir à feira, à escola. Tínhamos
também panelas de barro, um fogareiro,
e fazíamos comidinha de verdade.
Imagine por na panela arroz e macarrão
juntos, uma farra!

2
Planta, trepadeira; encontrada geralmente em cercas e currais muito
comum em cidades do interior. Frutinha média, de cor alaranjada.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 59
MEMÓRIA
A diversidade de materiais é grande nos diversos
lugares viajados pelo estado. Em Tibau do Sul, na
comunidade de Sibaúma, D. Josefa (2006) relatou sua
brincadeira com bonecas, para as quais fazia casamentos e
o enterro. Eram bonecas de pano e a caminha era feita com
‘quenga’ de coco. D. Josefa relata que brincava de boneca
feita do sabugo de milho e ainda bonecas feitas com o talo
da macaxeira. Ela comenta ainda que era bastante comum
brincarem com bebês feitos com o lençol:

“Pegava um pano qualquer (um lençol),


enrolava e cobria com outro pano, que
fazia as vezes de coberta, e simulava um
bebê que ficava a embalar, andando com
ele para cima e para baixo na
brincadeira”.

Na cidade de Acari, foi relatada a boneca de bucha


vegetal e boneca de miolo de capim. Martins (2007), da
cidade de Lajes, explica: “a roupinha da boneca de miolo de
capim era pintada em várias cores; ficava uma graça, dava
uma vontade enorme de morder porque era fofinha demais
– sinceramente, essa boneca marcou minha infância”.
Em Angicos brincava-se também de casinha com
boneca de pano, boneca do sabugo de milho e boneca de
pedra, bem como em São Miguel. Em Touros, Litoral
Nordeste, bonecos de ossinhos, de cera do mel de abelha e
de barro foram descritos. Já em Mossoró, a boneca de
carnaúba e cera. Em Umarizal e no município de Janduís,
bonecas de sabugo e bonecos de casca de melancia eram
utilizadas. Comenta Marília (2007):

Eu fazia muita boneca de melancia.


Achava tão bom quando encontrava uma
casca grossa de melancia para fazer a
bonequinha. Cortava a casca nos
formatos das perninhas e bracinhos; a
60 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
boca e os olhos, furávamos. Ficava tão
bonitinha.

É certo que a brincadeira de casinha e boneca faz


parte da infância das meninas norte-rio-grandenses. Essa
brincadeira era alimentada pelo cotidiano do mundo adulto,
em que as crianças atuam animadamente, criando situações
de cozinhar, limpar, arrumar a casa, cuidar dos filhos.

FIGURA 07 - BONECAS

BREQUE OU GUIDOM

Brinquedo predominantemente masculino que exigia


uma divertida busca às peças para confeccioná-lo. Consistia
em um aro metálico e um ferro que servia para empurrá-lo
e mantê-lo rodando no chão. A busca era necessária, pois
uns dos melhores breques eram feitos com retentores de
caminhão que somente poderiam ser encontrados nas
oficinas mecânicas. Outros breques poderiam ser feitos com
aros de bicicletas, popularmente conhecidos como “janta”;
outra opção, ainda, seriam as rodinhas de apoio das

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 61


MEMÓRIA
bicicletas. O ferro que servia para empurrar o aro era
geralmente encontrado nas ruas, em sobras de construções,
ou em terrenos baldios. Este na ponta inferior era dobrado
para se adequar a largura do aro, já na ponta superior era
colocado um pedaço de cabo de vassoura ou um sabugo de
milho para servir de apoio a mão.
Era uma brincadeira que comumente acontecia nas
calçadas de cimento, pois facilitava o manuseio do guidom.
Segundo Maia, L. (2007):
Nessa brincadeira a gente fazia muitas manobras e
malabarismos como, jogar o aro para cima, fazendo com
que ele caísse em pé e continuasse a rolar. Também
brincávamos tentando fazer curvas inclinando o aro que
chegava quase a deitar no chão. Tinha dia que juntava uma
ruma de menino nas calçadas inventando as maiores
manobras para evitar bater no guidom do colega.

FIGURA 08 - BREQUE OU GUIDON

BRINQUEDOS DE BARRO

Os brinquedos de barro são elementos de origem


indígena. De acordo com Kischimoto (1993), dentro da
cultura indígena, entre algumas tribos, as mães faziam para

62 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
os filhos brinquedos de barro cozido, representando figuras
de animais e de gente.
No universo infantil, o barro transformava-se em
muito simples brinquedos, tais como bonecos, animais e
pequenas panelinhas, os quais, estimulava a criatividade e
alegrava a vida de muitas crianças potiguares. Neto (2007)
da cidade de Santana do Seridó, afirma que esse brinquedos
eram muitos divertidos, uma vez que as crianças
participavam de todo o processo de sua construção.

Fazíamos bonecos, panelinhas e tijolos


de barro. Os tijolos tinham forma de
caixa de fósforo, assim, construíamos as
casinhas com eles. Esperávamos secar,
mas quando caía chuva, destruía tudo
que havíamos feito no dia anterior.

Outro depoimento semelhante: “Brinquei muito de


boneca de barro. Molhava o barro no quintal da minha casa
e lá mesmo moldava as bonequinhas, no tamanho e forma
que desejava” (LIMA, 2006).
Algumas crianças do estado faziam caçuá - depósito
de couro que ficava sob o burro/jegue para transportar
carga - do “casco” do caranguejo ou da carnaúba, imitando
o objeto. O burro/jegue podia ser comprado das louceiras -
mulheres que confeccionavam louças de barro - ou
construído pelas próprias crianças.

recolhíamos o barro a beira dos rios e


levamos para o quintal de casa para
secá-los ao sol ou moldá-los. Era o
costume queimar os brinquedos após
moldados com esterco seco de gado.
(COSTA, 2008)

BURACO

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 63


MEMÓRIA
O jogo do buraco é outra variação do jogo da
castanha. De acordo com Cascudo (1979, p.173), esse jogo
tem outro tipo de variação, denominada cafunar castanha.

Cafunar castanhas, jogo infantil com


castanhas de caju, que são tentos e
prêmios ao mesmo tempo. Atira-se uma
castanha, impelida com o impulso do
dedo médio ou indicador sobre o polegar,
para que caia dentro de um pequeno
buraco cavado numa determinada
distância. Os pontos que dão direito às
castanhas que erraram a pontaria, são
proporcionais à vizinhança do orifício.

A brincadeira consiste em colocar dentro de um


buraco, aberto no terreiro, as castanhas dos participantes. À
uma distância estipulada, joga o primeiro sorteado,
tentando emburacar a castanha ou colocá-la o mais perto
possível do buraco. Terminada a saída, isto é, depois que
todos deram a jogada inicial, o que colocou a castanha no
buraco ou dele mais se aproximou, fica com o direito de
recomeçar o jogo, “dando com o dedo” na castanha que
está mais fácil de emburacar; continuando com as demais,
se acertar, continua o jogo até colocar a última, tendo como
prêmio todas as castanhas participantes. Caso erre, entra o
segundo parceiro, e assim sucessivamente, até que todas as
castanhas estejam no buraco.

CACHIMBO DA CARRAPATEIRA

O cachimbo criado pelas crianças era feito de galhos


ocos da carrapateira, os quais serviam de canudo para o
cachimbo, enquanto as “juntinhas” da árvore, formadas por
nós e conhecidas como “pilão”, eram o próprio cachimbo.
Utilizando-se de elementos da carrapateira, Martins, F.
(2007) que teve sua infância na década de 50 na cidade do
64 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
Natal, afirma que esse brinquedo foi bastante explorado
pelas crianças de outrora, e relata a situação de repressão
que sofrera por parte dos pais, após uma “medonhice”,
utilizando o cachimbo para fumar:

Com o cachimbo e o cabo nas mãos,


desmanchávamos um cigarro e botava o
pó dentro do cachimbo para fumar,
olha...eu fumava tanto, tanto que ficava
tonta e vomitava. Ficava completamente
bêbada de tanto fumar nesse cachimbo.
Minha mãe ficava louca, muito
preocupada, sem saber a causa do
problema, mas sentia o cheiro do cigarro
e acabava descobrindo tudo, ali vinha
bronca. [Risos]...

As crianças que brincavam com freqüência de fumar


nesse cachimbo, ficavam com as pontas dos dedos amarelas
da nicotina do tabaco utilizado. Assim, tentavam esconder
de seus pais para que não percebessem suas traquinagens.

CAI NO POÇO/ ‘TÔ’ NO POÇO

As crianças, nesta brincadeira, ficam sentadas, uma


ao lado da outra. Duas delas, eleitas para iniciar a
brincadeira, ficam em frente às demais - uma delas com os
olhos vendados. A que está vendo aponta para os que estão
sentados e pergunta para a criança vendada: "É esse? É
esse?". Quando ela responde "sim", vem a segunda
pergunta: "O que você quer dele? Beijo, abraço ou aperto
de mão?". A criança interrogada faz a sua escolha, olha para
o grupo e descobre quem é. Aí é só beijar ou abraçar o/a
colega, ou apertar a mão dele/dela. Ainda existe uma
variação no diálogo, que assim se dá:

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 65


MEMÓRIA
- ‘Tô’ no poço
- Água por onde?
- Pelo pescoço
- Quem lhe tira?
- Um alguém
- Com que lhe tira?
- Com uma fruta
- Pêra, uva, maçã ou salada mista?
Cada fruta dessas significa um carinho, variando entre
beijo a aperto de mão. Barros (2007) recorda os bons
momentos da vivência dessa divertida brincadeira:

Eu gostava de brincar de cai no poço


desde que fosse o povo todo conhecido,
quando era muita gente daí não gostava,
porque era muito tímido e tinha
vergonha de beijar. Interessava-me mais
pelo jogo quando quem ia puxar a
brincadeira era um amigo meu, pois
assim a gente combinava a hora que eu
iria dizer “é essa” para beijar a pessoa
por quem eu estava interessado. A
brincadeira era ideal para a nossa fase,
era o início das paqueras e dos primeiros
beijos.

A brincadeira era bastante comum entre adolescentes,


pois era nela que saíam os primeiros beijos e abraços
desejados por aqueles que tinham a timidez de demonstrar
seus sentimentos.

CAMA DE GATO OU PÉ DE PATO

66 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
A cama de gato é uma brincadeira em que uma
pessoa entrelaça um laço de barbante em seus dedos
formando uma espécie de cama. Outra pessoa faz certos
movimentos que transferem o barbante para suas mãos
com um novo formato. Depois de algumas manobras que
alteram a forma da "cama", ela volta ao desenho original e
a brincadeira começa novamente. É também conhecida
como “jogos de cordel” e “jogo do fio”. Muitos povos
distantes, como tribos africanas e indígenas, bem como os
esquimós, constroem figuras idênticas. Assim, o jogo
consiste em evocar diferentes objetos por meio de uma
série de manobras e de entrelaçamentos. Muitas vezes as
crianças recorrem aos outros para desenroscar os fios ou
para tirar um dedo e passar para o outro. Os distintos
desenhos que fazem têm todos denominações, lembrando
objetos, animais e situações do cotidiano.

CÂMARA DE AR

As brincadeiras nos rios e açudes eram sempre


acompanhadas pelas câmaras de ar. Alguém sempre tinha
uma câmara de ar seca em casa, resto de algum pneu.
Enchia-se a câmara de ar para brincar, que podia ser
utilizada como roda para girar, correndo atrás dela pela rua,
ou mais comumente para brincar dentro do açude ou no
mar, como bóia, envolta na altura da cintura, ou ainda como
uma simples cadeira para flutuar.
Nascido em Santana do Seridó, tendo vivido sua
infância na década de 50, Almeida (2007) relembra que
quando era verão, na época de chuva, a molecada descia
para o rio e lá brincava muito de queda de corpo - cair e

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 67


MEMÓRIA
derrubar o outro na água - no rio Santana, e logo pegavam
as câmaras de ar guardadas no armazém e ‘caíam na água’
para o banho de açude.
Essas bóias feitas de câmara de ar de carros de
passeio, trator, caminhão, caçamba, eram bem comuns,
qualquer pessoa que tivesse pneus ruins as teria em casa.
Apresentavam diversos tamanhos e as maiores eram de
caminhão e trator. Medeiros (2006), infância em Santa Cruz
na década de 80, comenta:

Meu pai era caminhoneiro e quando


íamos a praia já levávamos aquela
câmara de ar bem grande, e todos
ficavam a flutuar nela. Era uma diversão!
Hoje os pneus não têm mais câmaras, as
bóias são outras.

As câmaras de ar também serviam como bóias para


descer os rios na época das cheias. Era uma diversão para
todos e, mais ainda, aqueles que não sabiam nadar e dessa
forma podiam aproveitar um bom banho de mar, açude ou
rio.

CAPOEIRA OU CANGAPÉ

Na zona rural de Mossoró, mais especificamente no


Sítio de Lagoa de Pau, Fransuelsi Evangelista (2007)
descreve uma brincadeira aquática, conhecida por capoeira
ou cangapé. A brincadeira era realizada com duas pessoas,
uma de frente para a outra, com água na altura do peito.
Para iniciá-la um dos participantes dava um mergulho para

68 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
adquirir impulso, e subia saltando em uma cambalhota para
frente, com uma das pernas estendidas, em direção ao
outro que, imediatamente, se esquiva de lado, já deferindo
um mesmo movimento na direção do companheiro.
A cambalhota realizada com a perna estendida dentro
d’água assemelhava-se ao movimento de um chicote,
provocando uma batida muito forte na água. Não era uma
brincadeira agressiva, o objetivo era estabelecer uma
sincronia nos movimentos e, quando isso acontecia, ficava
interessante de se assistir, pois as pancadas sucessivas na
água provocavam uma harmonia no som, no deslocamento
da água, e dava certa plasticidade aos movimentos.

CARRAPETA

A carrapeta é uma espécie de um pião feito de cabaça,


relatado por Bezerra (2006), morador de Lagoa de Pau,
município de Mossoró. Para fazê-la, pega-se uma cabaça
pequena, com cerca de 15 cm de comprimento, e lhe
atravessa um pedaço de pau da espessura de um lápis, no
sentido do fundo para o bico da cabaça, deixando cerca de 5
cm além do bico. Para prender bem o pau na cabaça,
coloca-se cera de abelha nas extremidades, furada para
facilitar a passagem do pau.
Para girar a carrapeta, basta enrolar um cordão na
ponta do pau que ficou de fora, puxando-o com força,
através de uma tabuleta com um furo no meio. Essa
tabuleta tem a função de apoiar o cordão na mão do
jogador, assim como proteger o dedo no momento da
puxada. Evangelista de Oliveira (2006) conta que era
comum fazer um furo pequeno na parte superior da cabaça,

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 69


MEMÓRIA
com o objetivo de proporcionar um barulho muito forte no
momento em que estava girando.

FIGURA 09 - CARRAPETA DE CABAÇA

FIGURA 09 - CARRAPETA DE CABAÇA

CARRINHO DE ROLIMÃ OU PATINETE

O contexto econômico, cultural e social influenciava


diretamente no brincar das crianças. Além do mais, para
brincar de maneira espontânea e criativa, diz Machado
(2001) que, a sucata, os restos, os refugos, a matéria antes
de se elaborada e depois de haver sido usada, são um
material muito rico, que não custa nada e que muitas vezes
estaria poluindo o meio ambiente por não ser biodegradável.
O carrinho de rolimã é um exemplo disso. Pouco se
sabe sobre a origem dele, embora o brinquedo seja velho
70 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
conhecido de pelo menos duas gerações. Com apenas uma
tábua, de tamanho variado, presa a dois eixos com rodinhas
de rolamento de automóvel, é possível se divertir nas
calçadas das ruas e qualquer criança pode utilizá-lo para
suas distrações.
Cunha, M. (2006) vivenciou sua infância na década de
oitenta na cidade de Natal e traz boas recordações de seu
tempo de menino. Segundo ele, o seu carrinho de rolimã era
construído com cabo de vassoura, o qual era pregado em
uma tábua:

A rolimã era de rolamento de carro,


quanto maior o rolamento, mais
resistente o carrinho. “saia um
empurrando o outro e nas calçadas
soltava, também era o melhor momento;
as vezes quando subiam dois no
carrinho, ele quebrava, até porque os
eixos eram de vassouras, daí sempre
quabrava nas pontas”. O barulho nas
calçadas era grande, o carrinho deixava
sua marca registrada, pois com as
rabiadas deixavam fortes riscos no chão.

A possibilidade de ganhar velocidade, estando bem


próximo do chão, faz do carrinho de rolimã uma brincadeira
divertida, gostosa e que provoca fascínio entre as crianças,
principalmente aquelas do sexo masculino.
Em movimento e em contato com o chão, o
brinquedo vai oferecendo uma deliciosa sensação de
aventura. Algumas crianças capricham na construção de seu
carrinho e, com variações no formato da madeira, dão uma
aerodinâmica diferente, que pode resultar em mais
velocidade. Para a sua confecção, as vezes, as crianças
utilizavam o “braço” da carteira escolar, por isso ficavam
torcendo para que quebrasse algum assento em sua sala de
aula.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 71
MEMÓRIA
FIGURA 10 - PATINETES

FIGURA 10 - PATINETES

CARRO DE PESCOÇO OU CARRO DE COCÃO

O carro de pescoço, como é chamado em Tibau do


Sul, ou carro de cocão, nome recebido em Natal, era um
carro de madeira, com cerca de dois metros de
comprimento por um de largura, com rodas de madeiras
revestidas de borracha muito utilizadas em capinadeiras
para a agricultura. O cocão era a denominação do suporte
para as rodas: feitos com dois “cepos” de madeira furados,
por onde passava o eixo.
Medeiros de Barros (2006), que viveu sua infância em
Piau, município de Tibau do Sul, relata que, geralmente,
juntava-se quatro ou mais crianças para construir o carro de
pescoço, pois ficava muito dispendioso para uma criança
construir o carro sozinha, já que o custo de fabricá-lo era
relativamente alto.
Os meninos saíam juntando tábuas nas casas da
vizinhança e nas oficinas. Às vezes recorriam à ajuda de

72 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
marceneiros para confeccionar o cocão, a parte mais difícil
do carro. As rodas eram compradas nas feiras livres.
Medeiros de Barros (2006) relata que se reunia uma
turma de dez meninos, que levavam o carro para uma
elevada bem íngreme, de onde desciam ladeira abaixo.
Desciam com cerca de quatros meninos de uma só vez. Um
ficava manobrando o carro, puxando duas cordas amarradas
na parte dianteira, e outros se amontoavam na traseira. Era
comum o carro virar no meio da ladeira, e os meninos
caírem rolando no meio da pista pedregosa.

FIGURA 11 - CARRO DE PESCOÇO OU DE COCÃO

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 73


MEMÓRIA
CASTELO OU BITELO

No castelo ou bitelo 3 uma castanha grande


representava o castelo, que ficava a uma certa distância. Os
participantes tentavam derrubar o ‘castelo’; quem
conseguisse ficava com todas as castanhas que haviam sido
jogadas anteriormente. A finalidade era derrubar a castanha
isolada no intuito de arrecadar as castanhas jogadas, assim,
o vencedor era aquele que ficasse com o maior número de
castanhas em mãos. Outra forma de brincar, e bem
parecida, era montando duas filas de castanhas, uma em
frente da outra, que dois brincantes, um de cada lado,
tentam derrubar, lançando uma castanha comum.
Em seu relato, Araújo, C. (2006), que teve sua
infância em um sítio, no município de Jardim de Piranhas,
tinha como brincadeira o jogo com castanhas.

Era um ótimo jogador, sempre acabava


com muitas castanhas em mãos, era
divertido; uma brincadeira de pontaria,
já treinávamos para quando jovens
servir ao Exército e não sabíamos [...] E
o alvo era a castanha.

O bitelo é colocado em terreiro bem batido e plano.


À distância de uns quatro metros, enfileiram-se os
participantes do jogo. Jogando em dupla, é feito o sorteio,
assim, sai o primeiro, jogando a castanha para derrubar o
bitelo. Valente (1979) explica:

3
O bitelo é qualquer objeto, mais ou menos leve, podendo ser
facilmente derrubado pela castanha impulsionada pelo movimento dos
dedos. Geralmente é uma castanha grande, que se equilibra de pé,
outras vezes uma caixa de fósforo vazia.

74 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
O arremesso da castanha pelos dedos
obedece a várias técnicas. Uma delas,
talvez a mais comum: coloca-se a
castanha deitada, quase sempre com a
extremidade estreita voltada para o
jogador, que, colocando o bordo da mão
no chão, firmemente, flexiona o dedo
indicador para dentro, preso pelo
polegar. O indicador se liberta do polegar
com violência, depois de visar o alvo,
batendo na castanha que, atingindo o
bitelo, derrubando-o, consegue para o
parceiro as castanhas dos demais
participantes.

Caso o bitelo não seja derrubado, a castanha


arremessada fica no local onde parou, à disposição do
ganhador. O segundo parceiro tenta derrubar o objeto
erguido, se o conseguir, ganha a castanha do anterior, além
das demais expostas no chão. Caso contrário, deixa a
castanha, como o fez o primeiro. Assim, sucessivamente,
até que um vencedor ganhe as castanhas acumuladas, em
uma, duas ou mais rodadas. A brincadeira do castelo,
segundo Florenço (2007), de Jardim de Angicos, era muito
boa. Ele e os demais amigos saíam para ‘catar’ as castanhas
secas dos terrenos. No começo do jogo, eles apostavam as
castanhas mais fraquinhas, aquelas mais secas, sendo que
não poderiam ser muito feias, senão, ninguém apostava.

CATAVENTO

O catavento teve sua criação estimulada pelos


moinhos de vento, inventados para gerar energia e moer
grãos. Segundo Araújo, A. (1966), existem registros de que
o brinquedo surgiu na China, antes de Cristo. É um
brinquedo rústico, muito querido pelas crianças. Basta uma
brisa que o faça girar, para a alegria da criançada. Se não,
elas saem correndo ou rodopiando o objeto, e o
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 75
MEMÓRIA
deslocamento de ar assim obtido promove um giro veloz.
Araújo, A. (1966, p.341) descreve de uma maneira sucinta
como confeccionar um catavento:

Corta-se, em forma de quadrado, uma


folha de cartolina ou de papel encorpado.
Em cada canto, bem pela bissetriz dos
ângulos, faz-se um talho em direção ao
centro que atinja quase a metade do
papel. As pontas são dobradas e presas
alternadamente, por um alfinete de
cabeça no centro do papel. O alfinete é
colocado na ponta de um pauzinho do
tamanho de um lápis. Não se deve
esquecer de colocar entre o fundo do
catavento e a ponta do bastãozinho,
enfiado no alfinete, um pequeno tubo.

Em Goianinha construía-se catavento com o talo de


carnaúba e lata de doce. As crianças, bem criativas, faziam
seus brinquedos utilizando materiais disponíveis em mãos e
de acordo com o meio em que viviam. Como Florenço
(2007), em Jardim de Angicos, que fazia catavento com ripa
de agave e breu, e daí era só por a favor do vento.
Já Nunes (2007), de Lages do Cabugi, explicou como
fazia seu catavento. Era bem simples: pelas diagonais
dobrava-se em quatro um quadrado de papel, o tamanho a
pessoa que escolhe. Daí, corta-se pelas dobras, parando a
poucos centímetros do centro. Num alfinete prende-se uma
ponta de cada triângulo, em ordem alternada, e com ele
atravessa-se o centro exato do papel, marcado pela
dobradura inicial, para finalmente prender numa varinha
leve. Para isso usa-se, geralmente, um palito de churrasco,
por ser macio e fácil de perfurar.

76 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
Mais comuns eram os cataventos de papel,
brinquedinho feito utilizando-se caixas de papelão.

CAVALO DE PAU

Desde a mais remota Antigüidade, principalmente no


ciclo do gado, o cavalo é o animal favorito de todos os
povos. A posição social do homem do interior ainda é
medida pelo cavalo que possui. Se o homem tiver um cavalo
bonito, grande, de longas crinas e de boa raça, é de uma
pessoa importante; ao contrário, se aparecer montado num
pangaré, posição social mais baixa (ARAÚJO, A. 1966). Na
Antigüidade, no tempo das cruzadas, o guerreiro tinha que
ter um bom cavalo para mostrar seu valor social e sua arte
de guerrear. Os vaqueiros, os gaúchos, os fazendeiros têm
sempre um cavalo, bom, dentro de suas limitações
financeiras. No folclore, o cavalo participa das cavalhadas e
das vaquejadas.
Prática muito comum pelo interior do estado do Rio
Grande do Norte, o montar a cavalo faz parte do imaginário
de qualquer criança. Na brincadeira do faz-de-conta a
criança representa e simula ações do seu cotidiano, dos
pais, irmãos, amigos e, dessa forma, desenvolve suas
habilidades. Dada a importância do cavalo nas regiões, um

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 77


MEMÓRIA
simples cabo de vassoura ou pedaço de pau, até mesmo o
‘colo’ dos pais, é utilizado na prática de montar a cavalo.
Quanto às práticas do brincar a cavalo, estas eram inúmeras
na infância das pessoas.
Em Augusto Severo, Elisa Dantas (2006) foi criada
pelos avós e diz que levava a vida brincando, brincava de
tudo:

Eu sou mulher, mas brinquei muito de


cavalo de pau. A gente pensava que era
cavalo de verdade, era tanta empolgação
e felicidade com esses cavalos, que
chegávamos até brigar uns com os
outros, disputando qual cavalo era o
mais bonito. Tinha até campeonato; a
criança mais fraquinha era a que ficava
atrás, mesmo se o seu cavalo fosse o
mais bonito. A gente que corria e ficava
cansada, mas pensava que era o cavalo,
coisa de criança mesmo.

As crianças saíam a galopar. Reuniam-se em grupo,


faziam o ‘pega’ para ver quem era o campeão ou campeã e
para saber quem era o mais veloz. Muitas vezes saíam a
galopar com um chicote de agave, com o qual batiam nos
cavalos, para que não parassem e fossem rápidos. Como
ilustra Pereira (2006), que viveu sua infância no bairro das
Quintas, em Natal, na década de 60: “Reuníamos em grupo,
por volta de oito meninos, e saíamos correndo com os
cavalos para ver quem era o campeão. Saíamos galopando e
batíamos nos cavalos com chicotes feitos de agave”.
Brinquedo em madeira natural imitando cavalinho,
existia de vários tipos, conforme a região e os materiais nela
disponíveis: o simples talo de carnaúba, ou a vara de
marmeleiro, descascado em alguns pontos, para ficar
‘cavalo campo’. Colocava-se neles um bride feito de
barbante (ONOFRE JUNIOR, 2006). Em versão mais
78 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
sofisticada, o ‘cavalo’ apresenta duas rodas para facilitar a
locomoção e rédea em corda de náilon. A brincadeira com o
cavalo de pau desperta, ainda, a vontade de locomoção da
criança, estimulando sua criatividade. Batista, (2006) por
volta da década de 30, diz que montar a cavalo era a sua
brincadeira preferida: “Pegava um cavalo de pau, amarrava
uma cordinha no pauzinho e saía a galopar, correr terreno
afora... montava o cavalo e saía dando risada, a brincadeira
era essa”.
Em Martins e nas cidades de Angicos e Janduís, cavalo
de pau do talo da carnaúba e cavalo de pau de marmeleiro
eram usados. Muitas vezes se pegava uma varinha de
marmeleiro que tivesse um ganchinho para formar a cabeça
do cavalo. Depois amarrava-se o cordão, dando o ‘cabresto’.
João Heldes (2007), da cidade de Janduís, relata:

Na brincadeira, o cavalo de pau xadrez,


ou seja, raspado em algumas partes, era
o cavalo de raça, só não sabíamos que
raça era esse cavalo. Até vaquejada
organizávamos, onde o touro a ser
derrubado era representado por um tijolo
de oito furos preso a um cordão, tendo
eliminação e premiação dos
participantes.

Era tão forte o brincar de cavalo na zona rural, como


relata Medeiros Filho (2007), que os meninos iam de suas
casas para a escola sobre um cavalo de pau. E lá já havia o
lugar, uma espécie de estábulo, para amarrá-los, esperando
seus donos até a volta para casa. O que se observou entre
os cavalinhos de pau foi a sua diversidade quanto aos tipos
de madeira utilizadas: talo da carnaúba, pau de jurema, pau
de marmeleiro, de cabo de vassoura e até cavalo de folha
de coqueiro, como em Sibaúma fora descrito. Notando,
assim, que as diferenças de vegetação em cada região do

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 79


MEMÓRIA
estado, e até mesmo de clima durante o ano, contribuem
para a diversidade dos cavalos de pau, além da imaginação
e criatividade que predominava nas crianças, que saíam a
galopar no ambiente.

FIGURA 13 - CAVALO DE PAU

COBRA-CEGA OU CABRA-CEGA

De acordo com Cascudo (1984), esta brincadeira era


muito comum em Portugal e Espanha, de onde foi trazida
para o continente americano. A criança escolhida para ser a
cobra-cega ou cabra-cega tem os olhos vendados. Os
colegas dão as mãos, formando um círculo ao redor dela, e
começam um diálogo com a cobra: "Cobra-cega de onde
vieste?” ‘‘Do moinho de vento.” ''Que trouxeste?" "Fubá e
melado". "Dá-nos um pouquinho?" "Não". “Então, afasta-
te”. Assim que dizem isso, as crianças da roda se espalham
pelo pátio, desafiando a cobra-cega a encontrá-las, mas vão
tentando evitar que a cobra as agarre. Quando a cobra-cega
toca e agarra um parceiro de jogo, tenta identificá-lo; se o
conseguir, o parceiro identificado toma o seu lugar; não
80 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
conseguindo, continua em jogo a mesma cobra-cega. A
brincadeira também é chamada de pata-cega. Característica
comum à grande maioria dos jogos tradicionais, é a grande
quantidade de variantes de um mesmo jogo. Por isso,
percebemos no estado do Rio Grande do Norte que se
brincava tanto com rima como sem rima, porém, segundo
Cascudo (1984), no Brasil é mais corrente o diálogo:
“Cabra-cega de onde vens? / Do castelo! / Trazes ouro ou
trazes prata? / Trago ouro! / Vá beijar no cú do besouro! /
Trago prata! / Vá beijar no cú da barata!”.
Para Kischimoto (1993), a cabra-cega nem sempre foi
brincadeira típica de crianças. Em tempos passados, relata
Áries (1979, p. 93 apud KISCHIMOTO 1993, p. 79), essa
brincadeira era muito apreciada por adultos:

Numa tapeçaria do início do século XVI,


alguns camponeses e fidalgos, estes
últimos mais ou menos vestidos de
pastores, brincam de uma espécie de
cabra-cega; não aparecem crianças.
Vários quadros holandeses da segunda
metade de século XVII representam
também pessoas brincando dessa
espécie de cabra-cega. Num deles
aparecem algumas crianças, mas elas
estão misturadas com os adultos de
todas as idades: uma mulher, com a
cabeça escondida no avental, estende a
mão aberta nas costas. Luís XIII e sua
mãe brincavam de esconde-esconde.
Brincava-se de cabra-cega na casa da
grande Mademoiselle, no hotel de
Rambouillet. Uma gravura de Lepeantre
mostra que os camponeses adultos
também gostavam dessa brincadeira.

O texto acima demonstra, portanto, a permanência e


tradicionalidade da cabra-cega na infância brasileira, e

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 81


MEMÓRIA
também em outros países, assim como suas diferentes
formas de desenvolvimento.

CONSTRUÇÕES DE AÇUDES

Era comum na época dos invernos no sertão, as


crianças brincarem de construir açudes. Aproveitavam os
córregos nas invernadas para represarem as águas.
Passavam várias horas para construírem os açudes, às
vezes dias. Utilizavam-se de pedras, barro e areia como
matéria-prima. Também se construíam estradas para os
carros de latas transitarem até os açudes, depois era só
esperar a chuva para ver enchê-los e transbordarem,
quando não construíam na própria enxurrada. Quando os
açudes eram bem construídos demoravam anos para serem
destruídos. E a cada temporada de inverno os meninos
voltavam ao mesmo lugar para fazer a manutenção no
açude e retomar a brincadeira.

CORRUPIO

O corrupio é um brinquedo feito com botão de furos


ou duas tampinhas de metal, em geral de garrafa, em que
são feitos dois orifícios, por onde passa um pedaço de linha
fina e resistente, com as pontas amarradas formando um
laço. Pode ser feito, também, de cabaça, seguindo a mesma
criação. O brinquedo produz som a partir do movimento
giratório das mãos e tensionamento da linha. De acordo
com Amado (2007), agarra-se o laço com os dedos médios
de cada uma das mãos, estica-se e ajeita-se de modo que o
botão fique ao centro e as extremidades do fio em cada
mão. Imprime-se ao conjunto um movimento de rotação, o
que faz com que o fio se enrole sobre si mesmo. Uma vez
enrolado, esticam-se as extremidades, afastando as mãos
82 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
uma da outra, o que provoca, de imediato, um enrolamento
do fio em sentido contrário. Estreitam-se de novo os braços
e o botão gira, num veloz movimento de vai-e-vem, fazendo
um zunido bem espantoso.

FIGURA 14 - CORRUPIO

CORUJA OU PIPA

Antiqüíssima é essa brincadeira universal de empinar


papagaios de papel. Segundo Alencar (1971), a pipa teria
surgido na China, no século XIII ou XIV, e dali invadido a
Europa. Depois chegaria à América onde se difundiria por
todo o continente.
É variável sua designação no Brasil e no mundo.
Dentre inúmeras denominações, destacam-se as mais
conhecidas: arraia, coruja, pipa.
No Nordeste, normalmente, havia o tempo da coruja;
assim como a época do São João, São Pedro, Carnaval, tudo
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 83
MEMÓRIA
tinha seu ciclo periódico. O melhor mês para pipas é o mês
de agosto, de grandes e largos ventos. Cabe mencionar
ainda as várias fórmulas de chamar o vento, utilizadas pelos
empinadores de arraias ou pipas no Brasil. Por todo o
Nordeste, e provavelmente também no extremo Norte, a
fórmula mais usada é o assobio clássico, maneira universal
de convocar-se o vento.
Na composição cultural do estado do Rio Grande do
Norte, a influência dos primeiros colonizadores se fez
presente. Introduziram no estado seu folclore, histórias,
festas e jogos. O caso da pipa, que tem sua origem
provavelmente Oriental, revela esse fato.

Soltar coruja ou pipa é uma brincadeira muito


divertida desde sua confecção até o momento de vê-la no
ar. Feita com palitos do talo da palha de coqueiro, papel de
seda colorido e o rabo com tiras de pano ou de saco
plástico, é um brinquedo muito apreciado pela criançada. De
acordo com Cascudo (1984, p. 76) a pipa era:

Dirigida contra o vento para empinar, a


arraia sobe alto, quanto possa o cordão
soltar-se e combate com outras arraias,
obedecendo a um código convencional. A
extremidade da cauda era, nas arraias
de combate, armada de rucega, caco de
vidro ou fragmento de lâmina de
navalha, para cortar o fio da inimiga. O
nome provém da semelhança com os
peixes batóides, com a cauda longa e
fina. As arraias podem ser retangulares,
losangulares, paralelogrâmicas, com
forma de aves, estrelas, triângulos, etc.
chamam-lhes também corujas, mas o
nome mais popular é papagaio.

84 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
A meninada, então, colocava suas pipas para flutuar,
competindo na maior altura, nas evoluções no ar ou nas
formas, tamanhos ou beleza de uma em relação às outras.
Lembra Kischimoto (1993) que as lendas coreanas falam do
episódio no qual o capitão, para dar ânimo aos soldados
durante a guerra com o Japão, fez erguer no espaço um
papagaio, dotado de uma lanterna, dando impressão de
uma estrela que surgia. Isso revela que os papagaios,
também conhecidos pelos portugueses como estrela, raia,
arraia, bacalhau, gaivotão, e no Brasil, como pipa, curica,
cafifa, pandorga, arraia, papagaio também, quadrado e raia,
são conhecidos desde muito tempo. O prazer em possuir
uma pipa pode ser percebido nas palavras de Pereira
(2006):

Eu tinha vários tipos de coruja. A


conhecida como boi, que era a quadrada;
a costeleta, era a triangular e ainda tinha
a espelho, mas essa não me recordo o
formato. Lembro que usava muito nas
minhas pipas ‘ gilete ’ na calda, para
quando estivesse no ar cortasse o cordão
da vizinha e assim caísse. Eu e meus
colegas íamos soltar pipa na praia, lá era
melhor, tinha mais espaço. Soltei muita
pipa!

O brinquedo é divertido, porém, perigoso quando se


utiliza o cerol, uma mistura de cola com pó de vidro usado
na linha da pipa. Para a fabricação do cerol, geralmente a
criança tritura o vidro até que fique bem fino. O pó de vidro
então é colocado em uma lata e adiciona-se a ele cola
branca ou grude. A mistura muitas vezes é cozida em uma
pequena fogueira feita pela criança, para somente então

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 85


MEMÓRIA
poder ser aplicada à linha. Para a aplicação estica-se a linha
entre dois pontos distantes e unta-se a linha com a mistura.
Esse trabalho todo feito pela criançada era para poder
tornar a linha cortante e derrubar as pipas de outros
meninos.

COZINHADO

O cozinhado era uma brincadeira praticada pelas


meninas, que preparavam os alimentos, imitando suas
mães, ‘donas de casa’. O cozinhado consistia em ‘pegar’ os
restos das coisas (as sobras) não utilizadas pela mãe no
preparo da refeição da família e, dessa forma, brincar e
comer com as demais amigas e bonecas. A diversão era
garantida quando as meninas, muito satisfeitas, faziam a
própria comida.
Dona Anazilde (2006), que viveu sua infância na
década de 40 na cidade de Caicó, relatou o ‘cozinhado’:

O cozinhado fazia parte da brincadeira de


boneca, elas ficavam dormindo e íamos,
eu e as outras amigas, preparar a
comida. Tínhamos o fogareiro e as
panelas de barro. Primeiro preparávamos
o fogo com carvão, acendíamos o fogo e
íamos às compras. As compras eram
feitas na cozinha da mãe: um pouquinho
de arroz, macarrão, feijão, farinha,
pegos da despensa para incrementar.

Em dias de feira e de festas, quando as verdadeiras


donas de casa organizam os alimentos, e a fartura destes
era garantida, a criançada já se aprontava para brincar de
‘cozinhado’. As meninas brincavam de ‘cozinhado’ quando,
numa boa sombra de árvore, instalava casa, preparava

86 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
almoço e suas bonecas participavam do ‘cozinhar’: tinha-se
pedaços de verdura, arroz, tripas, torresmos e colocava-se
tudo na panela. Araújo, M. (2007) relembra:

Lembro-me que minha mãe de vez em


quando permitia eu e minhas irmãs,
irmos à casa de uma amiga que morava
próximo a nós e lá fazíamos o mais
conhecido ‘cozinhado’. Em uma panela
de barro pequena aprontávamos comidas
como: arroz, carnes, batatas, entre
outras. Essas comidas eram feitas em
um fogão à lenha que nós mesmas
construíamos.

Para os cozinhados tinha-se um trempe – eram três


pedras além de mato, folhas e galho - preparando o fogo.
Geralmente eles aconteciam no domingo: a mãe fazia
galinha e dava as vísceras - ponta de asa, tripas da galinha
-, que eram cortadas bem miudinhas. Tirava-se escondido
outras coisas, como queijo e bolacha. As panelas eram de
barro. Câmara (2007) relata que sua mãe mandava fazer as
panelas em miniatura. Ainda torrava a semente de
manjerioba e fingia que era o café. O cozinhado era uma
diversão.

CURRAL DE OSSO OU DE MANGARÁ

Nessa brincadeira predomina a presença de meninos.


De acordo com Kischimoto (1993), há brinquedos universais
presentes em qualquer cultura e situação social e, os ossos
imitando animais, é um desses. O “curral de osso”,
brincadeira que consiste em construir as cercas de gravetos
que as crianças decoram com capim e pequenas pedras,
ilustrando bem o curral de bois. Além de ser desenvolvida
com ossos, pode ser feita também com mangará – fruto da
bananeira –, bastando introduzir nele uns gravetos para
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 87
MEMÓRIA
fazer as patas e os chifres do bicho e este ficar de pé. Após
essa etapa são colocados os animais dentro dos currais e, a
partir daí, a criançada transportava-os para beber, comer e
até serem negociados. Essa brincadeira imitava,
normalmente, a atividade de criação de gado no Nordeste,
praticada pelos pais e parentes próximos das crianças. De
acordo com a lembrança de Marília (2007), a brincadeira
acontecia dessa forma:

As unhas do gado era o cachorro; o osso


grande, a “canela” do animal,
representava o touro, esse era o maior
que tinha; os ossos menores eram as
vacas; as juntinhas eram os bezerros.
Lembro que dávamos nomes a eles, fazia
igual o meu avô, cada gado tinha seu
nome. Os nomes eram Diamante,
Mimosa, Branquinha, Feitosa e muitos
outros, que não lembro agora. A gente
limpava tão direitinho que ficava bem
branquinho, eram tão bonitinhos.

De acordo com a lembrança do Laurindo (2007), da


cidade de Umarizal, “o osso grande da perna do boi
representava o touro, o osso da mão, a vaca, e o
‘burreguinho’ era representado pelo osso de criação”. Outro
depoimento semelhante: “A gente fazia muito curral de
osso. O osso do corredor, por exemplo, eram os touros e os
ossos menores eram os bois, e ainda tinha o mocotó, que
eram as bonecas” (JOSE ALMEIDA, 2007).

88 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA

FIGURA 15 - OSSOS REPRESENTANDO ANIMAIS


CUSCUZ OU PALITO

Na brincadeira do cuscuz fazia-se um morro de areia


bem alto e no centro enfiava-se um palito. O objetivo do
jogo era fazer com que os envolvidos tentassem retirar a
areia do morro, sem derrubar o palito. Caso isso
acontecesse, a criança que o derrubou tinha que fugir
rapidamente, correndo até à “mancha”, para escapar das
alvejadas dos seus colegas, uma vez que, durante esse
trajeto, os outros participantes podiam dar-lhe socos nas
costas. Essa brincadeira, segundo Filho (2007), que viveu
sua infância em Mossoró, também é conhecida por “palito”.
Ele relata que, inicialmente, tirava-se grande quantidade de
areia do morro, mas na medida em que ia restando pouca
areia, o nível de dificuldade aumentava e os riscos do palito
desabar também. No entanto, muitas vezes, para prejudicar
o outro colega, tirava-se logo uma quantidade significativa
de areia e, alguns mais espertos, sabendo que o palito viria
a cair, logo se preparavam para correr em direção à
“mancha”, fugindo das tapas de seus oponentes.

ELÁSTICO

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 89


MEMÓRIA
O jogo do elástico ou pular elástico é uma brincadeira
em que se utiliza um pedaço de elástico amarrado nas
extremidades, formando um retângulo quando estirado, e
consiste numa seqüência de pulos executados dentro e fora
do espaço delimitado por esse elástico e também sobre ele.
Em vez das mãos, usam-se as pernas. A brincadeira
envolve, no mínimo, três pessoas: duas para segurar o
elástico nas pernas e a terceira criança que fica no centro do
elástico tem de fazer todos os movimentos combinados com
os colegas antes de começar a brincadeira.
Nessa brincadeira existem categorias: pode-se pular
com os dois pés em cima do elástico, com os dois pés fora
dele, saltar com um pé só e depois com o outro, etc. Limeira
(2006), diz:

Ficavam duas pessoas esticando o


elástico nas extremidades e a brincadeira
era dividida em fases: na primeira, o
elástico ficava na altura do calcanhar e,
dessa forma, ia subindo até chegar ao
céu, onde, com os braços levantados,
esticávamos o elástico, até à
extremidade dos dedos das mãos. Eu,
pelo menos, nunca consegui chegar
nessa parte. [Risos].

A brincadeira inicia-se com o ‘normal’: pula-se para


entrar no elástico e depois para fora. Se a criança conseguir,
passa para outro nível, ou seja, executa a mesma
seqüência de movimentos com o elástico colocado em uma
altura maior. Conseguindo, novamente, até a altura
sugerida, a criança segue para outras etapas do elástico: o
‘macaquinho’, quando deve-se pular alternadamente pelas
laterais do elástico; a ‘macarronada’, em que se pula para
dentro do elástico, enrolando-o em cada perna, tentando
soltá-lo, logo depois, com um pulo; e, por fim, como lembra

90 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
Sales (2007), vem o ‘espaguete’, que consiste em pisar no
elástico, não deixando-o escapar do pé e não enroscar entre
os dedos, num só pulo. Azevedo (2006) relembra que:

Na altura do tornozelo, até que era fácil.


Craque mesmo era quem conseguia dar
seus pulos quando o elástico estava bem
alto. Algumas vezes surgiam
competições entre as meninas para saber
qual era a melhor no elástico, pois
ganhava quem chegasse mais alto sem
errar, e essa era a melhor!

A brincadeira do elástico era uma das mais pedidas,


tanto no colégio quanto quando as crianças estavam de
férias. Limeira (2006) lembra que suas irmãs e ela sempre
ficavam ‘aperriando’ a avó por um pedaço de elástico, para
que pudessem pular. E que, dependendo da quantidade de
pessoas, eram divididas em duplas. Quando erravam, as
crianças trocavam de posição com outras que estavam
segurando o elástico e, assim, todas pulavam.

ENCOSTO OU PÉ DE PAREDE

No jogo da castanha conhecido por encosto ou pé de


parede, os parceiros ficam colocados à mesma distância de
uma parede e aquele que colocar a castanha mais perto
dessa parede é o vencedor, levando todas as castanhas que
foram arremessadas contra a parede. A brincadeira se
realiza, geralmente, numa calçada ou terraço.

ESCONDE- ESCONDE

O esconde-esconde é uma brincadeira bastante


vivenciada pelas crianças, tanto antigamente como nos dias
atuais, e consiste em uma pessoa procurar outras que se

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 91


MEMÓRIA
escondem. Primeiramente ocorre a forma de escolha para
saber quem vai ser o contador. Por exemplo: se a forma
escolhida fosse ‘tirar’ zerinho ou um, quem perdesse ia
contar e os demais iam se esconder. Aquela fica com os
olhos tampados, contando, em um local específico, até certo
número combinado com os outros participantes, enquanto
estes se escondem.
Quem vai procurar deve ficar atento e proteger o local
da contagem para ‘bater os achados’, pois os que se
escondem tentam se salvar chegando neste local, que é o
ponto que servirá de ‘mancha’, e dessa forma salva-os de
procurar da próxima vez. Dos que tiverem se escondido, o
último a retornar para o ponto de partida vence se chegar
ao local da contagem e gritar: ‘salve todos!’, fazendo com
que aquele que os procurava perca a partida e volte a
contar. É uma brincadeira bem praticada no período da noite
e, melhor ainda, na falta de energia. Fernandes (2007)
passou a infância no Sitio Poço de Açude, no município de
Tenente Ananias, sertão do Alto Oeste:

Costumávamos brincar principalmente


nas épocas de inverno, período em que
as matas ficavam mais fechadas e
facilitavam as escolhas dos esconderijos,
que geralmente eram nas copas de
pequenas árvores, como goiabeiras,
mangueiras; mais até debaixo das
pedras e das rochas nos escondíamos.

No esconde-esconde pode haver deslizes, como o


contador se atrapalhar, chamando o nome de uma pessoa
ao invés de outra e, assim, ‘gora o ovo’. As crianças, então,
saem de seus esconderijos e entoam um coro: “gorou o ovo,
gorou o ovo!...” e, dessa forma, a pessoa que estava
contando recomeça a contagem e os outros novamente se
escondem.
92 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
Existem variedades da brincadeira e o 31 alerta é uma
delas. Esta também envolve várias crianças e uma delas é
escolhida para contar. Uma criança, então, fica de costas,
voltada para uma parede, de olhos fechados, contado até
31. Começa a contagem, enquanto os outros participantes
se escondem. Quando termina a contagem, grita-se: “31
alerta!” e o contador sai procurando os outros. O primeiro
que for encontrado é o próximo a contar.

ESTÁTUA

A brincadeira de estátua, relatada por Medeiros Filho


(2007), era vivenciada por crianças de ambos os sexos.
Essa era uma das poucas brincadeiras na qual os meninos e
meninas brincavam juntos. Geralmente a brincadeira era
realizada nas calçadas altas, onde as crianças ficavam em
pé, umas ao lado das outras, e apenas uma ficava na rua,
na parte inferior. Essa criança era a responsável para puxar
as outras para baixo, e quando puxadas, cada menino ou
menina, caíam na rua, já fazendo uma pose. Nesse
momento todas se esforçavam para fazer a pose mais
bonita, pois a criança que puxou iria escolher a mais bela.
Ela passeava entre as ‘estátuas”, observando qual a melhor,
aquela que estava mais imóvel e, também, que fazia uma
pose bonita. A escolhida seria a próxima a puxar o grupo. O
tema para as poses era definido previamente pela criança
escolhida para puxar as outras e tinha natureza variada,
podendo ser de super-heróis, trabalhadores, vaqueiros,
entre outros.

FIGA

A figa é um antigo amuleto contra o mau-olhado e é


representada por uma mão humana, com o polegar
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 93
MEMÓRIA
colocado entre os dedos indicador e médio. A cultura
popular acredita que ela pode proteger contra o mal e trazer
boa sorte. Nas brincadeiras, a figa é utilizada na forma de
um acordo entre os participantes. Assim, quando uma
criança pede “figa!” em uma brincadeira, é como se ela
estivesse “protegida” para poder fazer alguma outra coisa
que não necessariamente tem a ver com a brincadeira em
si. Por exemplo, atender a um chamado da mãe, amarrar o
cadarço, ou mesmo atrapalhar seu oponente, conseguindo
um pouquinho mais de tempo para poder pensar em uma
forma de escapar de alguma situação difícil.

FUTEBOL DE BOTÃO

Brincar de futebol de botão era uma atividade


eminentemente masculina; não se via uma menina jogando
botão. A cultura urbana no ato de brincar de futebol de
botão apresentava algumas características próprias para
cada faixa etária. Quando pequena, em torno dos oito, nove
anos de idade, a criança iniciava jogando com os jogadores
feitos a partir dos vidros de relógios usados, que eram
conseguidos nas oficinas de conserto. A segunda etapa era
selecionar os vidros conforme suas características e a
função que iriam receber durante as partidas de futebol de
botão. Para um melhor desempenho durante as partidas, os
vidros selecionados deveriam ter algo em torno de, no
mínimo, 2 a 3 cm de diâmetro, e, caso fosse menor que
isso, o vidro era descartado. Uma outra característica a ser
observada era a borda: se fosse uma borda muito
verticalizada, esse vidro receberia a função de
zagueiro/defesa; já se a borda fosse inclinada, o vidro seria
transformado em um jogador atacante/ataque. Após a
seleção dos 10 vidros para compor a equipe – o goleiro era
feito com caixa de fósforo –, partia-se para a terceira fase:
94 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
procurar revistas usadas, na época “Cruzeiro” e, mais tarde,
a “Placar”, para recortar as fotos dos jogadores que seriam
coladas na parte interna do vidro. Se não tivesse cola
branca, fazia-se rapidamente um grude e estava pronta a
cola. Importante relatar que se dava preferência às fotos
que os times de futebol têm o hábito de fazer antes do início
das partidas, na tradicional formação dos jogadores de
defesa se postando em pé e os atacantes agachados. Caso
não fosse possível essa foto, procuravam-se fotos diversas
do mesmo time em lances fotografados do jogo. Cada
criança fazia sua própria equipe, praticamente inexistindo a
troca ou venda de jogadores, fatos que aconteciam
esporadicamente, quando um time se sobressaía em um
campeonato realizado na rua.
A bola do jogo era um botão, branco, conhecido como
“olho de peixe”, muito utilizado em “zorba” (cueca) de
tecido. Já a palheta era um instrumento de plástico
resistente, geralmente em formato circular, com as bordas
bem lixadas e diâmetro de, mais ou menos, 5 cm, utilizada
para impulsionar e movimentar o botão durante o jogo. A
movimentação era conseguida pressionando-se
verticalmente a palheta sobre o vidro de relógio, agora
transformado em jogador de futebol de botão. As traves
eram feitas de madeira e as redes de filó, retirado
geralmente do berço de um irmão mais novo.
O campo de futebol de botão podia ser a mesa da
cozinha ou a mesa da sala de visita, principalmente quando
chegou a moda de móveis de fórmica. Porém, o mais usual
era o jogo realizado em um campo de madeira, feito pelas
próprias crianças a partir de um compensado fino ou
paviflex em formato retangular, com as bordas em madeira
para os botões não caírem e pintada a marcação oficial do
campo de futebol: pequena área, grande área, marca do

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 95


MEMÓRIA
pênalti, meia-lua, linhas laterais, marca do escanteio,
grande círculo e a linha divisória do meio-campo. Outra
possibilidade de fazer o campo de jogo era nas ruas que
tinham calçadas bem lisas, feitas com cimento queimado,
nas quais também podia ser desenhado o campo e,
conseqüentemente, realizado o jogo de futebol de botão.
As regras do jogo tinham a simplicidade como lema: o
jogo era realizado em dupla, ficando cada criança
responsável por um time (time A x time B). Começava-se o
jogo definindo quem daria o pontapé/toque inicial, uma
escolha feita, predominantemente, por par ou ímpar, mas
que podia ser feita de outras formas.
O toque é o nome dado ao ato de movimentar a bola
durante o jogo, portanto, antes de iniciar propriamente o
jogo, definia-se quantos toques cada equipe poderia dar
para adquirir o direito de fazer o gol. Geralmente
predominavam dois toques por equipe, no entanto, quando
realizava-se o primeiro toque, ou seja, quando fazia-se a
bola movimentar com o deslocamento do botão, essa bola
em deslocamento não poderia bater em nenhum jogador do
time adversário. Caso isso acontecesse o jogador não
realizaria o segundo toque, passando a vez para o jogador
do outro time. Realizando os dois toques e a bola estando
no meio de campo do adversário a equipe adquiria o direito
de solicitar “a gol”, termo que implicava o adversário
preparar e posicionar o seu goleiro, conforme o
posicionamento da bola e do botão ao adversário que vai
realizar o chute/toque. Após o segundo toque, a posse da
bola passava a ser do outro time, que realizava o mesmo
procedimento.
Uma outra regra importante era a marcação da falta.
Isso acontecia quando um jogador do time A batia no
jogador do time B antes de atingir a bola. Caso a falta do
96 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
time A fosse feita em seu próprio meio-campo, o time B
tinha direito de bater a falta direto para o gol do time A,
sempre tendo que dizer antes o termo “a gol”. Caso a falta
fosse feita pela equipe A no meio de campo pertencente à
equipe B, essa equipe teria que dar dois toques e só poderia
solicitar “a gol” se a bola estivesse no meio de campo do
time A. O lateral acontecia quando o jogador do time A
chutava a bola, essa bola batia no jogador do time B e saía
pelas laterais do campo. Nesse caso, trazia-se um jogador
do time A para o local de onde a bola tinha saído para bater
o lateral, seguindo normalmente o jogo. O escanteio
acontecia semelhante ao lateral. Caso um jogador do time A
chutasse a bola, ela batesse no jogador do time B e saísse
pela linha de fundo, o time A adquiria o direito de bater o
escanteio, tendo também o direito de trazer dois ou três
jogadores para serem colocados em fileira na grande área
do time B para receber o escanteio e fazer o gol,
semelhante ao cabeceio do futebol. Importante mencionar
que após o inicio do jogo, os jogadores ficam distribuídos no
campo conforme o seu deslocamento, somente podendo
retornar à posição inicial do jogo após a realização de um
gol por parte de qualquer um dos times. A duração do jogo
era marcada de duas formas: essa duração temporal era
definida como, por exemplo, dois tempos de 10 min X 10
min, 15min X 15min, ou escolhia-se a quantidade de gols a
serem alcançados por um dos times. O posicionamento dos
botões apresentava uma organização semelhante ao
esquema de jogo: 2 zagueiros dentro da grande área e
próximos à pequena área; 2 laterais (direito e esquerdo) e
o volante à frente da meia-lua e, por último, os 5 atacantes,
posicionados como ponta direita, meia direta, centroavante,
meia esquerda e, por fim, o ponta esquerda. A vista
panorâmica era como se fosse de três linhas de jogadores

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 97


MEMÓRIA
(2/3/5) mais o goleiro que, por hipótese alguma, poderia
sair da pequena área do campo.
A brincadeira de jogar futebol de botão tanto
acontecia através do que poderíamos denominar de jogos
amistosos, como também eram realizados jogos avulsos,
com apostas as mais diferentes possíveis: por din-din,
picolé, poli, confeito, biloca, dinheiro de maço de cigarro,
etc. Porém, a dinâmica mais motivante, que mobilizava toda
a criançada até de outras ruas, eram os campeonatos ou
torneios. Realizados seguindo a mesma organização dos
campeonatos de futebol de campo da então Confederação
Brasileira de Desporto (CBD), hoje denominada
Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Conforme a
quantidade de times/crianças se formavam as chaves para a
fase classificatória, depois as fases eliminatórias, até
alcançar o campeão. A criança que alcançasse o título ficaria
muito respeitada no grupo de amigos, com o feito da
conquista.
Após essa fase de fazer os jogadores de vidro de
relógio, a criança já estando um pouco maior,
provavelmente acima dos 12 anos de idade, alcançava a
fase de fabricar os botões de “vidro inquebrável”, chamado
também de vidro de avião, material semelhante ao vidro,
porém, com uma estrutura de plástico, podendo ser
opaco/fosco ou transparente. Esse material tinha todo um
processo de aquisição. A primeira alternativa, a mais difícil,
era conseguir esse material vindo de pedaços de vidro de
janela quebrada de avião. Como Natal vivia nos anos 60 e
70 o auge da Base Aérea, não era muito difícil aparecer nos
arredores dos bairros do Alecrim e das Quintas pedaços
desses vidros para que se pudesse confeccionar os botões,
agora sim, com aspecto de botão profissional. Uma segunda
alternativa era quebrar as modernas placas de anúncios que

98 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
começavam a aparecer nos pontos comerciais em Natal.
Como esse material das placas de propaganda era mais
frágil, recebia o nome de baquelite e, geralmente, tinha
uma aparência de plástico leitoso/opaco/fosco. Nesses dois
casos a produção do botão não ficava muito complexa, em
virtude de serem um material já plano/liso, restando à
criança cortá-lo em um formato quadrado de cerca de 6 cm,
colar com uma cola muito resistente, colocando uma foto de
jogador ou um número de uma camiseta, ou ainda, em
último caso, o escudo do time de futebol de sua preferência.
Era comum fazer parte da revista Placar, especializada em
futebol, uma seção em que eram publicados os escudos dos
clubes de futebol do Brasil e, algumas vezes, do mundo,
provavelmente já se pensando na sua utilização na
fabricação de botões. Após colar os dois quadrados com
uma foto no meio, colocava-se a peça embaixo de um móvel
da casa bastante pesado, podendo ser um guarda-roupa ou
uma cama de casal. Esperava-se secar, para, em seguida,
ter início a fase do arredondamento da peça, até alcançar o
formato desejado de botão. Esse arredondamento começava
numa calçada de piso grosso, depois procurava-se uma
calçada com piso liso e o acabamento final da peça era feito
com pedaço (caco) de vidro. Nesse momento, a lateral do
botão já apresentava um certo brilho e quase que total
diferença entre as duas peças coladas. A perfeição do botão
estava no formato bem arredondado, como também no
brilho lateral feito na peça, fazendo com que se pensasse se
tratar de um único pedaço de vidro e não dois pedaços de
“vidros inquebráveis” colados. Esses dois pedaços de vidro
ao serem colados seriam o pedaço que serviria de base do
botão, de cor leitosa/opaca sem ser transparente, e o outro
pedaço, que ficaria na parte de cima, transparente, para
permitir a visualização da foto colada no centro do botão.
Finalizando a peça, dava-se o brilho, principalmente nas
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 99
MEMÓRIA
bordas e na parte superior do botão, colocando em uma
flanela um produto químico de cor branca. Esse processo de
dar brilho no botão fazia parte constante do zelo pela
equipe, como se fosse a “preparação física” do jogador.
Estava assim feito um jogador para compor os dez
jogadores necessários para formar um time de futebol de
botão.
A última e terceira maneira de conseguir um pedaço
de “vidro inquebrável” para fabricar o botão era tirar dos
carros uma peça de baquelite colocada na parte superior das
portas para evitar a entrada de água. Esse material, ao ser
instalado nos carros, se transformou em uma moda nos
anos 60, que, além de servir para decorar os automóveis,
deixando-os mais bonitos, tinha também a utilidade de
evitar que entrasse água dentro do carro quando em
movimento, já que, como na época não existia ar-
condicionado nos veículos, principalmente no período de
chuva, era necessário deixar o vidro da porta um pouco
aberto. Como se tratava de uma peça ondulada, portanto,
sem possibilidade de fazer o botão, que exigia uma peça de
“vidro inquebrável” lisa/plana, começava-se uma outra
estratégia de fabricação para deixar a peça plana. Colocava-
se água para ferver, em uma panela sem tampa. Quando a
água começava a borbulhar, a peça era colocada dentro da
panela e lá ficava até que a temperatura da água deixasse a
peça mole. Nesse momento, rapidamente a peça era
retirada da panela e colocada embaixo de um móvel pesado,
entre dois pedaços de madeira, para que ficasse plana e,
após esfriar e adquirir sua dureza própria, estava pronta
para iniciar o processo de fabricação do botão relatado
anteriormente.
Para compor o time, o goleiro podia ser feito de caixa
de fósforo, coberta de papel e também com uma foto de

100 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
algum jogador da posição, ou feito com o mesmo material
dos jogadores, mantendo o formato de uma caixa de
fósforo. Após feito o time, passava-se a produzir em uma
flanela a peça que seria utilizada para guardar os botões.
Essa peça assumia o papel de concentração e era composta
por vários quadrados do tamanho dos botões, costurados
nos dois lados. Pela exigência da habilidade no ato da
costura, geralmente, essa peça era feita pelas mães das
crianças. Como havia crianças que, além do seu time titular,
tinha jogadores reservas, essa peça possuía mais de dez
quadrados, conforme a quantidade dos jogadores.

FUTEBOL DE CAIXA DE FÓSFORO

O futebol de caixa de fósforo era um jogo muito


apreciado pelas crianças no final da década de 60, em Natal.
O primeiro passo para a brincadeira era construir o
brinquedo. Para isso, as crianças ficavam em casa
procurando saber da mãe se a caixa de fósforo tinha
secado, ou seja, se os palitos já tinham acabado, porque,
como não existia ainda o fogão elétrico, as donas de casas
acendiam a chama do fogão com fósforo, o que facilitava
juntar as 11 caixas necessárias para formar o time utilizado
na brincadeira.
De posse das 11 caixas vazias, passava-se à segunda
fase, que era encher cada uma delas de areia, para que
ficassem um pouco mais pesadas. Em seguida, cobria-se a
caixa com papel branco, de preferência papel ofício, e, caso
não fosse possível, caberia folha de caderno ou o tradicional
papel de prova. Quando não se tinha a cola branca também
não era motivo para não fazer o brinquedo, pois, tinha-se o
grude feito em casa, à base de farinha de trigo e água, para
substituir a cola. Caixa coberta com papel, passava-se para
o terceiro momento: recortar fotos de jogadores da revista
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 101
MEMÓRIA
Placar ou aproveitar as figurinhas de jogador que
acompanhavam os pacotes de macarrão ou caixas de
biscoito. Tinha-se, também, as figurinhas de jogador dos
álbuns de coleção, hábito que começava a ser adquirido pela
criançada à época. As figuras eram então coladas nas caixas
de fósforo e, na parte de trás de cada caixa, se escrevia a
numeração de 1 a 11, seguindo a posição definida pelas
regras do futebol de campo.
Constituído o time, passava-se à confecção da bola.
Havia duas alternativas: a primeira era pegar um pedaço de
vela, medindo cerca de 2 cm, que era ralada no chão, de
preferência em um piso áspero, até o objeto adquirir um
formato arredondado; a segunda opção para fazer a bola
era pegar uma rolha – geralmente de alguma garrafa de
bebida – e cortá-la com uma lâmina, conhecida
popularmente pelo nome da marca – “Gillete” –, aparando
as bordas, até que essa rolha ficasse no formato de uma
bola.
Jogadores e bolas feitas partia-se para fazer o campo,
que seguia as marcações do futebol oficial, desenhadas na
areia em um tamanho, mais ou menos, de 2m x 1,20m.
Campo desenhado, colocava-se os jogadores seguindo a
mesma organização utilizada no futebol de botão: goleiro na
pequena área, 2 zagueiros na grande área, os 2 laterais e o
volante à frente da meia-lua e os 5 atacantes próximos à
linha que divide o campo de futebol. Formava-se uma
configuração semelhante ao esquema do futebol 2/3/5, que
representa, respectivamente, a quantidade de jogadores nas
posições de zaga, meio-campo e ataque em cada time.
Importante mencionar que as caixas eram posicionadas
verticalmente.
A brincadeira era desenvolvida em dupla, ficando cada
criança/treinador responsável por um time, e, para definir
102 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
quem iniciava o jogo, ocorria a escolha, geralmente por par
ou ímpar. Cada jogada dava direito a realizar dois toques na
bola, e o segundo toque sempre era a gol. O toque na bola,
ou seja, seu deslocamento, era realizado com a unha do
dedo polegar ou indicador, conforme o gosto e habilidade da
criança. Ao realizar o primeiro toque, caso a bola não
tivesse batido no jogador adversário, a mesma criança tinha
o direito ao segundo toque, solicitando “a gol”, o que
implicava para o adversário tentar colocar seu goleiro e os 2
zagueiros em uma posição que dificultasse a realização do
gol pelo oponente. Por exemplo: caso o primeiro toque feito
pela equipe A batesse no jogador da equipe B, a posse de
bola passaria a ser da equipe B. O lateral e o escanteio
eram outras características vindas do futebol de campo,
adaptadas, também, ao futebol de caixa de fósforo. Ambos
acontecem quando uma equipe realiza um toque/chute e a
bola bate em um jogador do time adversário, saindo pela
linha lateral ou linha de fundo, respectivamente.
Nessa brincadeira, somente podia se movimentar três
jogadores: o goleiro e os dois zagueiros, porém, em outras
ruas permitia-se a movimentação de todos os jogadores,
como forma de dificultar a realização do gol. Cada partida
tinha a duração definida por dois tempos de 10 ou 15
minutos, ou seria conforme a quantidade de gols acertados
previamente. A realização de torneios e campeonatos era
motivo de grande mobilização na rua, que, conforme a
quantidade de crianças e times tinha as fases de
eliminatória, classificatória e final, quando se conhecia o
campeão, com direito a receber prêmios como picolé, poli,
din-din, bolo, caldo de cana, etc. Os torneios e campeonatos
eram realizados em um mesmo turno: manhã, tarde ou
noite, e, dificilmente, ficava para outro dia a continuação do
evento. Esse aspecto implicava em coincidir com a hora de

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 103


MEMÓRIA
alguma das refeições, motivo para se escutar várias mães e
pais gritarem nas portas chamando os filhos para se
alimentar. Em alguns casos havia a necessidade do
comparecimento da mãe, geralmente bastante chateada, no
local do jogo para retirar, a contragosto, a criança da
brincadeira.

GAITA

O contexto econômico, cultural e social influenciava


diretamente no brincar das crianças. A gaita, instrumento
musical, era confeccionada de talo de mamoeiro,
carrapateira ou taquari, bastava à criança fazer os furinhos
no talo e começar a tocar. Dentro desse contexto, torna-se
evidente o depoimento de Dantas (2007), natural de Acari:

Todo mundo na minha casa gostava de


música. Quando eu era criança gostava
de imitar uma bandinha musical.
Juntavam-se bem dez meninos, tocando
tudo ao mesmo tempo. Para fazer a
bandinha a gente saía catando tudo que
achava pela fazenda, garrafas, latas...e,
do talo da carrapateira, fazíamos um
caninho com três furos e dele fazia uma
gaita.

Os elementos da natureza faziam parte do universo


infantil. A gaita de mamoeiro, por exemplo, levava a
criançada a sonhar com a possibilidade de ser músico, uma
vez que ela conseguia reproduzir um som que contribuía
para o sucesso da “bandinha” e fazia a garotada cantar e se

104 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
FIGURA 16 - GAITA DE TAQUARI
divertir.

GALAMARTE

Brinquedo que estava presente em quase todas as


regiões do estado e muito lembrado com uma boa dose de
nostalgia por todos aqueles que com ele brincaram. O
galamarte, ou galamacho (Tibau do Sul), ou ainda, João
Galamarte (Florânia), consistia numa tora de pau, com mais
ou menos três metros de extensão, e com um furo no meio,
justamente no seu centro de gravidade. Próximo às suas
extremidades, enfiava-se um pedaço de pau, que era o
torno, uma espécie de suporte para as crianças se
segurarem. Fazia-se uma base para recebê-lo, fincando-se
no chão um pau bem resistente, geralmente pau-d’arco ou
jucá, com a ponta afiada para encaixar no buraco feito na
tora de pau. Essa base servia de eixo para a tora girar em
círculo ou em movimento de cima para baixo, como uma
gangorra.
A madeira para confecção do galamarte variava de
região para região, e de acordo com a matéria-prima
disponibilizada pela natureza: na região Oeste do estado,
usava-se o tronco da carnaúba; na região do Seridó, a
madeira utilizada era o pinhão; e, no litoral, era o
galamache, árvore típica da mata atlântica. Cavalcante
(2007) ressalta que o furo, para receber o eixo, era feito
com ferro quente, para não haver risco de rachar.
A brincadeira consistia em girar o galamarte com duas
crianças sentadas nas suas extremidades. O equilíbrio do
peso, segundo Figueiredo (1966), se dava pela aproximação
ou distanciamento das crianças dos extremos das hastes
móveis.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 105


MEMÓRIA
Medeiros de Barros (2006), que teve sua infância em
Tibau do Sul, nos fala que a brincadeira se “tornava boa”,
porque ficava uma criança no meio, empurrando o
galamarte, e, quando pegava velocidade, o desafio era
tentar sair, sem que o pau nela batesse. Isso se tornava
difícil, porque, à medida em que a criança girava, ficava
tonta, dificultando sua saída, já que tinha que correr em
velocidade para escapar da tora. Às vezes a solução era
deitar no chão para escapar, ou então, subir na tora, e ficar
girando junto com as outras duas crianças. Em Florânia, o
desafio era ver quem agüentava mais tempo girando.
Girava-se o galamarte até uma das crianças caírem tontas
ou desistir do desafio. Acontecia, às vezes, de uma ou outra
criança enjoar e vomitar. Assim Figueredo (1966) se refere
ao galamarte:

[...] As crianças do sexo masculino


brincam montadas, enquanto as meninas
antigamente sentavam-se, à maneira
inglesa de cavalgar. Agora, com o uso de
calças masculinas entre mocinhas, todos
montam-se no Galamarte, sem distinção
de sexo. O brinquedo pode provocar
sérios acidentes. Quando a criançada lhe
dá movimento rápido demais, fora do
comum, constitui verdadeiro perigo.

Usava-se carvão e sebo para diminuir o atrito da


junção entre o eixo e a tora rodante, o que provocava um
barulho muito parecido com os de um carro de boi.
Cavalcante (2007) descreve o processo de preparação do
carvão com o sebo:

[...] o melhor sebo é o de carneiro. Aí,


nós pilava o carvão bem picadinho, pega
o sebo e estendia [..] misturava bem
misturadinho, o sebo com o carvão [...],
quando acabava tacava dentro do buraco

106 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
do galamarte. Aí vinha para a ponta do
pião, colocava um bolão na ponta, dentro
do galamrate colocava outro bolão, aí
sentava em cima.

Esse rangido era muito peculiar, tanto que todas as


pessoas que brincaram, fazem referência ao barulho
provocado pelo Galamarte. Diziam que o “galamarte
cantava”. Cavalcante (2007) lembra que na Cidade em que
viveu, o rangido do galamarte era denunciador de que as
crianças estavam brincando. O barulho era tão forte, que o
galamarte era construído distante das casas, e, mesmo
assim, toda a vizinhança ouvia o barulho. Ele morava a uma
distância considerável do local onde brincava com seus
amigos, mas, ainda assim, o barulho do objeto lhe
denunciava ao seu pai, que não queria que ele brincasse no
galamarte, pois achava perigoso.
Melo, M. (1953, 104) descreve o galarmate:

Entre as brincadeiras dos meninos, há


uma igualmente curiosa e interessante. É
a do João-Galamarte (23). Pegava-se
uma banda ou lasca de carnaúba,
plainava-se por dentro, tiravam-se os
nós que havia por fora, e no centro
abria-se buraco a formão e a fogo. Feito
isto, enfincava-se um pau preparado no
chão: estava pronto o Galamarte. Os
meninos montavam nas duas
extremidades e começavam a rodar.
Para que o Galamarte cantasse, usava-se
sebo, carvão e gás.

Ainda sobre a brincadeira, havia um versinho que


dizia:
João Galamarte
De pau e colher
Que vendeu a mulher
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 107
MEMÓRIA
Por um dedo de mel

FIGURA 17 - GALAMARTE

GALINHA GORDA

Em um rio, no mar ou em um açude um grupo de


crianças forma um círculo com água na altura do peito.
Dentro do círculo, uma pessoa ergue um caco de telha ou
uma pedra e, antes de atirá-lo (a) para o alto, grita para os
outros, que respondem em coro:
Galinha gorda! (menino)
Gorda ela! (coro)
Vamos comê-la? (menino)
Vamos a ela! (coro)
O grupo olhava ansioso a trajetória da pedra e ao
menor estampido do choque da pedra na água, todos
mergulham de uma só vez, um por cima dos outros, à
procura da “galinha gorda”. Nesse momento se estabelece o
alvoroço, pés e mãos se confundem dentro d’água; as
crianças só emergem para respirar e mergulham

108 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
novamente, até encontrar a pedra. Sobre esse fato,
Cavalcante (2007) assim se expressa: “[...] quando soltava
a pedra, aí voava um em cima do outro que nem doido! [...]
quem pegasse a pedra era o Rei, se fosse o homem, e se
fosse mulher, era a Rainha [...]”. O menino que a encontra
volta à tona com a “galinha gorda” na mão, em sinal de
conquista, e reinicia a brincadeira, tornando a jogar a
“galinha gorda” na água.
Essa é uma brincadeira típica de meninos e meninas
no período de chuvas, quando os açudes e rios estão cheios.
Na década de 30, na zona rural município Coronel Ezequiel
conhecida como Santo Antônio, Cavalcante (2007) vivenciou
essa brincadeira com a denominação de “galinha d’água”.
Ele conta que na beira do açude, onde os meninos e
meninas tomavam banho, já ficavam guardadas as pedras
para serem atiradas na brincadeira, as quais eram
denominadas pelas crianças de “galinhas d’água”: “[...] a
gente escolhia as pedras bem redondinhas e lisas, que nem
sabão[...] (CAVALCANTE (2007)”. Já os versos que
entoavam eram diferentes da versão anteriormente citada:
Galinha d’água
Capão cuzido
Morreu de velho
Todo encolhido
Eu vou voar
Eu vou pegar
Wanderley apud Melo (1985, p. 141), em um dos seus
poemas, faz um relato de uma outra versão para essa
brincadeira:

No alto da ribanceira, / um magote de


moleques ardilosos / se prepara / com
inquietação, / para o mergulho da

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 109


MEMÓRIA
´Galinha Gorda`! / Um magricela
espivado,/ talvez o mais travesso da
ribeira,/ levanta a pedra rara/ na mão:
/...Galinha Gorda! / - Gorda ela. / -
Quem comeu? / - Fui eu e Mateu...”
[grifo nosso].

GATO-NO-POTE

Essa brincadeira é comum em datas comemorativas,


principalmente no dia das crianças, realizada comumente
em ambiente escolar, e que leva a criançada a muitos gritos
e agitação. Francisco (2007), da cidade de São Paulo do
Potengi, relembra o desenvolvimento da brincadeira em sua
cidade natal:

Botava o gato num pote de barro, daí a


gente colocava alguma coisa de valor
pendurada no rabo do gato. Daí a
molecada de olhos vendados tentava
quebrar o pote com um pau. Eu só sei
que quando este pote era quebrado, este
gato saia disparado de tão assombrado,
não tinha quem pegasse o gato, ele saía
doido e, quem tentasse pegar, saía
arranhado, ele rasga todo mundo que
vier a lhe ‘frontar’. Este gato era de
alguma casa, ele voltava depois pra casa
dele, agora se vinha com o dinheiro, isso
eu não sei [risos...]. Hoje, as pessoas
fazem com balas, pirulitos, mas não tem
a mesma graça como antes não.

Como relata Francisco (2007), realmente a brincadeira


era desenvolvida apenas com gato, porém houve alterações
com o decorrer do tempo, trazendo balas e doces em
substituição ao gato, talvez pelo sofrimento que a ação
acarretava ao animal ou mesmo pelo perigo que ele trazia,
uma vez que caía no chão muito bravo, podendo vir a

110 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
machucar alguma criança. Além do mais, é de ‘bagana’ -
balas e doces - que as crianças gostam.
Nessa versão, assim como na antiga, o garoto ou
menina, às cegas, vai batendo no ar com um pedaço de pau
na mão, na tentativa de acertar o pote, às vezes se
aproxima do público, que faz grandes manifestações de
torcida, orientando ou desorientando a criança com frases
do tipo: “mais para a esquerda”, “mais para a direita”. Se o
pote de balas, na versão mais recente, for atingido, a
criançada corre para apanhá-las.

GRUDE

O grude é um tipo de cola caseira que já foi muito


comum nas brincadeiras. Fazia-se o grude misturando numa
panela ou lata goma de tapioca ou farinha de trigo com um
pouco de água. É preciso aquecer a mistura no fogo para
dissolver bem e também tomar bastante cuidado pra não se
queimar. O grude era usado para fazer coruja, máscaras,
barcos, carrinhos e outros brinquedos. Na fabricação do
grude é que começavam a agitação e a brincadeira, desde
os seus preparativos.

JOGO DA FICHA

O jogo da ficha4 era semelhante ao jogo do triângulo


realizado com bilas ou bilocas. Segundo Medeiros Filho

4
Nome popularmente dado às tampas metálicas de garrafas de vidro
de refrigerantes e cervejas.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 111
MEMÓRIA
(2007), que teve sua infância em Caicó, o jogo da ficha era
uma alternativa ao jogo da bila, pois nem todas as crianças
podiam comprar as bilas ou bilocas:

Hoje, qualquer dez centavos compra uma


bila. Mas ontem, qualquer dez centavos
era difícil de arrumar, principalmente na
família que se tinha muita gente, aí o
camarada tinha que fazer qualquer coisa,
e uma das coisas, digamos assim, mais
utilizada, seria isso exatamente. Por que
a gente achava no meio da rua, do
mesmo jeito que a gente achavas as
notas de cigarro, e por aí ia brincando.
(MEDEIROS FILHO, 2007).

As calçadas acimentadas e bem lisas eram o palco


para o jogo. Com cacos de telhas ou tijolos, riscava-se no
chão um triângulo e ali “casavam-se as fichas”. A
quantidade era definida pelo grupo, entretanto, se alguém
fizesse o desafio do “corça”, a aposta duplicava, e o
perdedor tinha que pagar em dobro.

Agora é jogo limpo. Não, eu só jogo se


for corça. Quer dizer só jogo se você me
pagar o dobro. Então quer dizer antes de
se jogar [..] já tinha que ser estipulado;
quer dizer é corça ou não. Se for corça
eu não vou. Muitas vezes havia até a
desistência [..](MEDEIROS FILHO, 2007).

Na parte inferior da ficha do jogador, o “bitelo”, era


colocado sabão para que ficasse mais pesada, e também,
para deslizar com mais facilidade. Para definir a seqüência
de quem iria jogar, fazia-se uma risca, com uma distância
do triângulo de mais ou menos 5 m. Todos deveriam jogar
suas fichas em direção à risca para ver quem as colocava
mais perto da marcação. Entretanto, os jogadores cujas
fichas passassem da risca, ficavam por ultimo, e se
112 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
houvesse mais de um, entravam na “rabeira” da fila,
obedecendo à seqüência que iniciaram as tentativas para a
risca.
Definida a ordem de inicio do jogo, arremessava-se a
ficha em direção ao triângulo. O impulso na ficha era dado
com o dedo médio: segurava-se o dedo médio com o
indicador da outra mão e soltava-o com força para a ficha
tomar velocidade, e deslizar rente ao chão.
O objetivo do jogo era tirar as fichas que estavam
dentro do triângulo, sem que o “bitelo” parasse dentro. Se
isso acontecesse, o jogador sairia do jogo e teria que
colocar de volta ao triângulo todas as fichas que havia
tirado, e, se aposta fosse com o “corça”, ele teria que
devolver em dobro. O jogador também poderia tirar o outro
da brincadeira. Isso só poderia acontecer se o jogador
tirasse alguma ficha do triângulo, pois assim, virava o
“onça” e poderia eliminar qualquer jogador, bastando
acertar no “bitelo” do oponente para “matá-lo”. O jogo
acabava quando não havia mais fichas dentro do triângulo
ou quando todos os jogadores fossem mortos, restando
apenas um. Dessa forma, esse jogador poderia “raspar” o
triângulo.

JOGO DA ONÇA

É um jogo de tabuleiro em que a estratégia é a


principal característica. No Brasil é possível encontrar muitas
referências à sua origem indígena. O jogo da onça muitas
vezes é jogado no chão, com o tabuleiro traçado na areia e,
no lugar de peças, as crianças utilizavam pedras. Em Caicó,
na década de 70, de acordo com Faria Oliveira (2006),
brincava-se nas calçadas das casas, riscando o chão com

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 113


MEMÓRIA
carvão. Uma pedra maior representava a onça e as outras
14, bem parecidas entre si, representavam os cachorros.
Um retângulo tracejado por linhas diagonais e
horizontais e com um triângulo de apêndice é o gráfico do
jogo da onça, que é jogado por dois jogadores. Um deles
atua como onça, com o objetivo de capturar os cachorros do
adversário, e o outro, por sua vez, tem o objetivo de
encurralar a onça com os cachorros, impedindo que ela se
movimente.

FIGURA 18 - GRÁFICO DO JOGO DA ONÇA

JOGO DO CAIPIRA

O jogo do caipira é uma reprodução de um jogo de


azar muito comum nas festas populares do interior do
estado. Consiste em um tabuleiro de lona pintado com
números de um a seis, colocado em cima de uma bancada
de madeira, e um bozó (dado) para sortear o número
ganhador da aposta. Os jogadores trocam dinheiro por
fichas para fazerem suas apostas: cada cor de ficha
representa um valor. O jogador ganha a aposta quando
acerta o número sorteado e, cada ficha apostada, ganha
cinco.

114 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
Na reprodução da brincadeira do jogo caipira, a caixa
de sapato era a bancada do jogo, em cuja tampa os
números eram desenhados. As fichas eram feitas de
tampinhas amassadas de refrigerante e cerveja. Cada marca
de refrigerante ou cerveja representava um valor. O
dinheiro era de notas de cigarro e o seu valor era
determinado pela dificuldade em se encontrar cada tipo de
nota. As mais comuns eram as que representavam os
menores valores; já as mais difíceis, como as marcas
importadas, eram as que tinham os maiores valores.
Os donos das bancas saíam nas ruas convocando os
jogadores, com sua caixa de sapato embaixo do braço,
gritando: “vamos, minha gente, jogar o caipira: quanto mais
joga, mais tira”. E de repente tinha um grupo de meninos
em volta do “banqueiro” para começar o jogo. Era uma
brincadeira muito vivenciada na década de 70. As notas de
cigarro eram verdadeiras moedas de troca na mão dos
meninos. Com elas, as crianças compravam quase tudo:
bilas/bilocas, castanhas, piões, etc.

JOGO DO PEIXE

O jogo do peixe era realizado em chão de terra batida


ou molhada. Primeiramente, fazia-se um grande desenho de
um peixe no chão, com um risco na horizontal que o dividia
ao meio, e riscos verticais que representava as escamas. Na
cabeça enterrava-se uma caixa de fósforo ou um caroço de
uma fruta, no qual representa o olho. O objetivo do jogo era
percorrer todo o percurso tracejado com as riscas
(escamas), fincando um ferro pontiagudo no chão entre as
riscas, sem tocá-las.
Para definir a ordem de início do jogo, fazia-se uma
risca no chão, e todos jogavam os seus ferros com o

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 115


MEMÓRIA
objetivo de acertá-la. Os que acertavam a risca ou se
aproximavam mais eram os primeiros, e naturalmente os
que mais se distanciavam ficavam pelos últimos. O jogador
tinha que percorrer todo o percurso definido pelo traçado
das escamas do peixe, até chegar a cabeça, sem errar o
finco (enterrar o ferro no chão) ou tocar nas linhas traçadas.
Quando isso acontecia, o jogador dava a vez para o outro,
de acordo com a seqüência previamente estabelecida. Ao
chegarem a cabeça do peixe, os jogadores, iniciavam as
tentativas para acharem o olho do peixe. A cada tentativa
mal sucedida, dava-se a vez para o outro. O jogo encerrava-
se quando um dos jogadores acertava o olho e o
desenterrava, o qual poderia ser representado por um
caroço de manga ou uma caixa de fósforo da marca “olho”.
No município de Pedro Velho, olho do peixe era
colocado na superfície, ficava visível. O elemento
dificultador, era a colocação de umas riscas muito próximas
uma da outra, chamada de epizóide.

FIGURA 19 - JOGO DO PEIXE

JOGOS DE CASTANHA

O Rio Grande do Norte é conhecido por seus


tradicionais cajueiros. Essa tradição, segundo Valente
(1979), vem desde antes e durante o tempo dos

116 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
holandeses. A árvore e os frutos são constituídos em fonte
de motivos e temas folclóricos. A riqueza nutritiva não só da
castanha, o verdadeiro fruto, mas do sumo, constituindo o
falso fruto, chamado caju (VALENTE, 1979), tornam rica a
paisagem da região.
Além de aspectos folclóricos, a castanha mostra-se
como elemento de um dos jogos mais utilizados pelos
meninos: é uma espécie de adágio, cujo alcance é mostrar a
esperteza de uma pessoa sobre outra.
Quanto ao jogo, a forma de armazenar as castanhas e
como eram coletadas foi explicada pelas pessoas que
relataram essa brincadeira da infância; também, algumas
terminologias eram utilizadas. O jogo da castanha é quase
exclusivamente de menino. Como nos esclarece Valente
(1979):

As castanhas são arrancadas dos cajus,


que são chupados, usados para fazer
sucos ou doces. Depois de secas, eram
guardadas em latas e saquinhos pelos
meninos. As castanhas, ainda verdosas,
são chamadas maturis. Estas, tenras e
de cor verde, geralmente são
consideradas imprestáveis pelos
jogadores, pois quando secam ficam
murchas. Chochas, como são também
chamadas. Ninguém aceita castanha
chocha no jogo.

Há três tipos principais de jogo de castanhas. São


eles: bitelo ou castelo, buraco e encosto ou pé de parede.

LAÇO DO RABO DO GALO

O laço do rabo do galo era utilizado para capturar


lagartixas nas paredes e serrotes dos interiores do estado.
Os meninos escolhiam o galo do terreiro que tivesse o rabo
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 117
MEMÓRIA
maior, normalmente era o mais velho. Depois, tiravam as
penas do animal com cuidado, para deixar somente o talo.
Feito isso, o rabo era amarrado em uma vara fina, com
cerca de um metro e meio de comprimento, e, na sua parte
mais fina do laço, fazia-se um laço. Dessa forma, estava
feita a armadilha para capturar as lagartixas.
Evangelista de Oliveira (2006) conta que quando as
crianças se aproximavam dos terreiros onde estavam as
galinhas, os donos já as observavam com desconfiança, pois
sabiam que seus galos podiam ficar sem os rabos.
Cavalcante (2007) conta que as lagartixas ficavam quietas
com a aproximação do laço, então, os meninos iam
sorrateiramente se aproximando e, com a ponta do laço,
faziam cócegas nas lagartixas, que ficavam paralisadas,
para depois as laçar.
O fim da lagartixa era trágico: quando o menino não
a matava imediatamente, fazia cirurgia em sua barriga, com
lâmina de barbear, ou então amarrava um cordão no seu
pescoço para passear.

FIGURA 20- LAÇO DO RABO DO GALO

MÃE-DA-RUA E DONINHA DA CALÇADA

Na mãe-da-rua as crianças brincavam na rua,


correndo de uma calçada a outra. Em tempos passados, as
ruas, por não serem tão movimentadas, eram um ótimo
espaço para as brincadeiras. Assim, a “mãe da rua” é o

118 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
pegador e fica no meio da rua tentando ‘pegar’ as crianças,
que a atravessam pulando numa perna só. Nesse momento,
a “mãe da rua”, que corre com as duas pernas, deve pegá-
la. Se conseguir, essa criança passa a ajudá-la a capturar os
outros, que tentam passar de um lado para o outro. A
brincadeira termina quando fica uma única criança a ser
pega.
Já a doninha da calçada é o inverso da brincadeira
‘mãe-da-rua’. Uma criança era escolhida para ser a ‘dona da
calçada’ e tinha que pegar as outras crianças que
invadissem seu território, não deixando-as chegar até o
espaço determinado. Estas, então, ficavam na rua colocando
o pé na calçada e entonando: “doninha da calçada, me dê
um copo d’água”. Os envolvidos, se fossem pegos naquele
espaço, ficavam presos. Os outros tentariam salvar o colega
preso, tendo o cuidado de também não serem pegos pela
‘dona’ ou ‘dono’ da calçada.

MELANCIA

Para iniciar a brincadeira da “melancia” as crianças,


de forma voluntária, definem o dono das melancias, que
será uma das crianças; o ladrão é uma das crianças
responsável pelo furto das melancias; o porteiro, criança
que protege a plantação de melancias; e, por fim, o plantio
– várias crianças deitadas no chão, preferencialmente numa
calçada, com a barriga bastante esticada, sinalizando o
amadurecimento e o ponto ideal para a colheita. Após essa
arrumação, a brincadeira inicia com a chegada de uma
pessoa (ladrão) que cria uma história para o porteiro,
tentando desviar a sua atenção, na tentativa de entrar no
plantio e roubar as melancias. Ao conseguir o desejado, vai
batendo na barriga de cada criança, procurando aquela
melhor para ser coletada. A melancia madura – aquela mais
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 119
MEMÓRIA
esticada – o portador carrega, puxando o companheiro.
Depois retorna e pede novamente para entrar no plantio,
mais uma vez inventando uma nova história, que vai de
acordo com a criatividade e esperteza de cada criança.
Lima (2007), de Coronel João Pessoa, região Oeste do
estado, faz um desenho dessa brincadeira, relatando sua
vivência nas calçadas das ruas, melhor local para ser
desenvolvida, em virtude da amplitude do espaço. Quanto
mais gente tivesse, melhor seria, comenta a entrevistada,
que ainda relembra: “Lembro que queria sempre roubar as
melancias, dava cada tapa na barriga das meninas; a gente
ia pedir a chave emprestada ao dono das melancias para
pegar alguma coisa que tinha perdido, inventando tudo”. E
assim, vai-se carregando as melancias uma por uma até
deixar o galpão vazio ou apenas com aquelas “frutas” mais
murchas. Durante a ação do ladrão, o dono (uma criança
que se distancia da calçada dando um tempo para o
desenvolvimento da brincadeira) pode chegar e pegá-lo no
flagra, acontecendo isso, corre atrás do larápio até pegá-lo
e recuperar as melancias roubadas.

PÃO-QUENTE

Na brincadeira do pão-quente as crianças riscavam no


chão, de acordo com o número de participantes, círculos ou
‘casinhas’ mais ou menos próximas, formando várias rodas.
As crianças participantes ficam dentro de cada círculo,
apenas uma em cada círculo. No centro de todas as rodas
fica outra única criança, antes sorteada dentre os demais
participantes que estão no centro da roda para procurar o
pãozinho quente, começando pela roda próxima. Ao
perguntar aos companheiros se têm pãozinho, estes trocam
rapidamente de posição nas rodas, momento em que ele

120 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
tenta ocupar um lugar vago nos círculos. Se isso acontecer,
ele será substituído por quem perdeu o lugar.
A brincadeira é conhecida por “quatro cantos”, uma
vez que a diversão consiste em trocar os lugares
rapidamente sem ser pego por quem pergunta: ‘tem pão-
quente?’.

PÁRA-QUEDAS

O pára-quedas é um brinquedo mais conhecido pelos


meninos. Construído de forma manual, surge a partir de um
saco plástico e cordões. Na região do Seridó as crianças
brincavam muito com esse brinquedinho, feito
rudimentarmente. Aldesin (1997) aponta como fazê-lo:
primeiro se corta um círculo de saco plástico em um
tamanho que for possível e amarra-se seis linhas de náilon
em volta dele, de modo que as distâncias entre as linhas
sejam iguais. Segurando bem no centro do pára-quedas,
estica-se as linhas e amarra-o em uma folha de jornal
dobrada e enrolada, dando um nó bem firme. Depois enrola-
se as linhas com o pára-quedas em volta do jornal. No fim é
jogar bem alto e ver o pára-quedas abrir e cair
devagarzinho.

PASSARÁS

Passarás pode ser considerado um tipo de canção na


qual se desenvolve um jogo lúdico. Na calçada, no quintal
ou na escola, aprendemos com as cantigas de roda a nos
socializar cantando, além de vivenciar uma variedade de
ritmos e sons, que vão de acordo com cada região do país.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 121


MEMÓRIA
Em segredo, duas crianças definem um tema - frutas,
cidades, cores. Em seguida, escolhem qual fruta, por
exemplo, cada uma irá representar. Após isso, elas dão as
mãos formando um túnel por onde os colegas passam, um
atrás do outro, cantando. Quando a música acaba, as duas
crianças que formam o túnel abaixam os braços prendendo
o colega que está passando naquele momento e, sem que
os outros escutem, as duas crianças que formam o túnel
lançam a pergunta para a que está presa, tendo esta que
decidir qual fruta escolherá. Depois, ela sai da fila e vai para
trás do colega que representa a sua escolha. Cabe dizer que
ganha a brincadeira quem conseguir o maior número de
participantes atrás de si.
O contexto da letra da música na brincadeira trada de
uma mãe “carregada” de filhos para criar e com a
dificuldade ao subir uma ladeira. E é cantada da seguinte
forma: Licença meu bom barquinho/Licença para passar/que
eu tenho muitos filhinhos/não posso mais
demorar/passarás, passarás/a bandeira há de ficar/se não
for o da frente há de ser o detrás/trás, trás...
Essa brincadeira acontecia tanto durante o dia
quanto durante a noite, e seu ambiente era variado, no
entanto, prevalecia nos fins de tarde nas calçadas.

PAU-DE-SEBO

O pau de sebo é uma das formas de manifestações


populares encontradas nas festas de comunidades do
interior do estado, seja em festas religiosas, profanas ou
cívicas. O pau de sebo consiste em escalar um pau comprido
e besuntado com sebo de animal, em cuja ponta amarram-
se prêmios, geralmente notas de dinheiro com valores
significativos, para os que conseguirem escalá-lo.

122 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
O pau de sebo é de origem portuguesa, considerada
uma das brincadeiras mais tradicionais das festas juninas. É
também praticado nas festas juninas pelo interior do estado,
sendo um costume tradicional. De acordo com Araújo
(1966), no dia da festa, um dos últimos retoques da
‘aprontação’ é o levantamento do pau-de-sebo. Sua altura
varia de cinco metros para cima, sendo cuidadosamente
preparado. Tiram-se todos os nódulos que possam existir no
pau, lixando-o muitas vezes. Por último, é revestido com
sebo de boi derretido. No topo é colocado um triângulo de
madeira, quando é a Festa do Divino, e nele são amarradas
notas de dinheiro. Em outros tipos de festa, é pregada uma
tábua no topo, sobre a qual fixam-se prêmios os mais
variados, sendo porém as notas de dinheiro as de mais fácil
colocação.
Em Angicos foi relatado esse divertimento. Elisa
Dantas (2006) relata:

O pau-de-sebo era muito engraçado.


Agora quem ia por último conseguia
porque os outros iam subindo e tirando o
sebo do pau; tinha uns que colocavam
areia nas mãos e na barriga para facilitar
e só depois de muitas tentativas se
conseguia. Ainda tinha uma música ao se
subir o pau [ela canta]: ‘No pau de sebo,
quase morro de rir, quando o caba ia
subir, só fazia se molhar, caia... caia...’

De acordo com Calixto (1984), as crianças vêm


munidas de um saquinho de breu, saquinho de areia grossa,
para passar no corpo, quando o corpo começar a ficar
ensebado. Legalmente a criança deveria subir, da base à
bandeirinha, sozinha, sem uso de meios artificiais. "Suja-
barrigas" - aqueles desesperados para subir primeiro -, mas
nada mais fazem do que ir abrindo caminho, limpando o

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 123


MEMÓRIA
mastro para os futuros concorrentes. Depois de várias horas
ou dias de competição, a brincadeira começa a ser mais
disputada porque, faltando um ou dois metros para se
atingir a bandeirinha, a competição já está em fase final e aí
o povo começa a dividir as opiniões e os aplausos. O
concorrente deverá subir sozinho, sem auxílio de outros
meios, e não poderá usar trajes especiais. O vencedor é
aquele que primeiro conseguir arrancar a bandeirinha.

PEDRINHAS (JOGO DAS)

A brincadeira das pedrinhas utiliza em seu


desenvolvimento cinco ou mais pedrinhas, sementes ou
saquinhos, contendo areia ou arroz. A finalidade é atirar
uma pedrinha ao ar e, enquanto ela sobe, apanhar as
outras, que estão repousando, mas segurando a que foi
jogada para cima. Este movimento básico perdura durante
todo o jogo, que apresenta jogadas variadas.
Os gregos chamavam este jogo “Astragalissimo” e em
Roma, “Pentalia”, alusivo ao número dos tentos que eram
cinco. O nome oficial e popular no Império Romano era
“Jogo dos Ossinhos”. Os legionários romanos eram doidos
pelos ossinhos e levaram o jogo por todos os recantos do
mundo.
Duzentos anos antes de Jesus Cristo nascer, o
escritor grego Policlés fez a bonita “Astragalizonte”, uma
mocinha jogadora de astrágalos, jogando os ossinhos, os
estragalos, que são ossos do pé, na parte do tarso. Havia o
jogo em marfim, metais preciosos, etc., sempre imitando
ossos dos pés e mãos. Os ingleses e norte-americanos
chamam-no “Kadchlebones”, e na Espanha é “Chinas y
Chinos”, assim como na Beira portuguesa. Conhecem-no por
vários nomes em Portugal: Bato, Chocos, Jogas, Bodelhas,

124 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
também Pedras e Pedrinhas, o nome que veio e se fixou no
Brasil (CASCUDO, 1984).
No Brasil é jogo popularíssimo entre crianças e mesmo
para os adultos. Por todo o nosso estado observou-se a
diversidade no jogo das pedrinhas. Segundo Cascudo (1984,
p.604):

Joga-se com cinco ou mais pedrinhas.


Atira-se uma pedrinha ao ar e, enquanto
esta sobe e desce, apanham-se as
outras, que estão repousando, e se
juntam todas na mão, atirando-se
sucessivamente duas, três, quatro ao ar,
apanhando-se as que restam. Perde
quem não conseguir reunir as pedrinhas
todas. As combinações são variadas.
Noutras ocasiões jogam pondo a
pedrinha no dorso da mão.

As pessoas aprendem esse jogo vendo, tomando parte


no atirar e aparar as pedrinhas. Em Florânia, o jogo é
conhecido por Cinco Marias. Dona Maria (2007) lembrou
com precisão da seqüência completa do ‘jogo das cinco
marias’:

Joga-se com cinco pedrinhas ou


saquinhos de pano também, cheios de
areia. Com uma mão joga-se uma
pedrinha para cima enquanto com a
outra juntam-se as outras pedrinhas,
uma a uma, de duas em duas, de três
em três até todas de uma vez. Era muito
boa nisso, era bem ágil.

As crianças começam a jogar. A primeira joga as cinco


pedrinhas, deixando-as cair aleatoriamente no chão, e já
fica com uma em mãos. Então, na primeira fase, ela joga
essa pedrinha para cima e antes de pegá-la de volta,
recolhe com a mesma mão uma outra que está no chão. Em

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 125


MEMÓRIA
seguida, joga uma das que estão em sua mão para cima e
pega uma terceira, segurando todas juntas na mesma mão.
Se a pedrinha que está no ar cair, a criança dá a vez para
outra. O participante passa para a próxima fase se
conseguir segurar todas as pedrinhas.
Na segunda fase, as pedrinhas que estão no chão são
pegas de duas em duas. O desafio aumenta na terceira
fase, quando é preciso lançar uma pedrinha e pegar três, e
depois, jogar uma que está na mão e pegar as restantes. Na
quarta fase, a criança forma com o polegar e o indicador de
uma das mãos uma espécie de trave de futebol. Com a
outra, joga uma pedrinha para o alto e empurra outra para
dentro desse gol, antes de pegar a que está no ar. A criança
tem de fazer quatro gols em quatro tentativas. A última fase
determina os pontos de cada criança. Ela lança as cinco
pedrinhas ao ar e tenta pegar o máximo possível com as
costas da mão. Quantas ficarem em sua mão será o número
de pontos.
Em Mossoró, Mércia Maria (2007) relata o jogo das
pedrinhas, com um número significativo desse objeto:

A partir de dois participantes, sentados


em círculo, junta as pedras, um número
de 15 ou 20, joga as pedras para cima e
apara o maior número possível com o
dorso da mão. E logo separa e retira
essas pedras do jogo. Com as pedras
espalhadas no chão, vai pegando uma a
uma, sempre jogando uma pedra para
cima e pegando outra no chão. Depois
que a pessoa conseguir todas as pedras,
vai fazendo o mesmo procedimento, só
que pega duas pedras, depois três e
assim por diante. Será o vencedor,
aquele jogador que concluir as etapas.

126 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
As pedrinhas, em geral, são cinco e constituem os
elementos únicos do jogo, praticado desde a antiguidade
clássica, como pode ser vista em pinturas em ânforas
gregas e outras representações iconográficas (RIBEIRO,
2002). É um jogo de habilidade e destreza praticado por
muitas crianças, fazendo as mais variadas combinações.

PEGA- PEGA OU TICA-TICA

O pega pega, ou o popularíssimo tica, é uma


brincadeira bastante conhecida e praticada pelas crianças.
Escolhe-se um dos participantes para ser o "pega", que
deve dar um tempo para as outras crianças se afastarem e
depois correr atrás delas, até pegar uma. Quando pegar
alguém, esse alguém se tornará o novo pega e assim a
brincadeira continua, até cansar.
Existem diversas maneiras de brincar de pega-pega ou
tica. Essa é a brincadeira que mais possui variações, na
intenção de dificultar e/ou divertir mais. Como já dito, uma
pessoa é escolhida ou sorteada o pegador. Ela corre atrás
de seus colegas, que para se salvar, devem bater no local
escolhido para ser a mancha. Quem for pego passa a ser o
pegador (tica) e a brincadeira continua.
Existem bastante variações do tica, que também
pode ser chamado tica-estátua ou tica-cola: quem for pego
tem que ficar parado no local, até uma outra criança
descongelá-lo, tendo como objetivo congelar todas as
crianças. Outra forma é o tica-abaixa ou tica-coca: para não
ser pego, a criança deve se abaixar quando o pegador se

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 127


MEMÓRIA
aproximar. Tem ainda o tica-trepa: é preciso subir num
local alto para evitar que o pegador o alcance - pode subir
num degrau ou se pendurar num galho de árvore.
No litoral, na cidade de Sibaúma, Zinho (2006) lembra
do ‘mancha’, espécie de tica-tica: “Em dado momento, a
pessoa teria que correr para a mancha e os outros o batiam
com chutes e tapas nas costas”. EM Caicó era conhecida por
rabujo (FARIA OLIVEIRA, 2007).

PEGAR JACARÉ

Pegar jacaré é uma grande diversão para muitos


meninos e meninas nas praias de nosso estado. A
brincadeira consiste em deslizar pela onda usando apenas o
próprio corpo. Para isso, é importante remar rapidamente,
tentando alcançar a velocidade da onda. O ideal é esperar
até que a onda atinja seus pés, momentos antes de quebrar
para, assim, pegar uma carona, ou seja, “pegar um jacaré
na onda”. Para as meninas, na maioria das vezes, a
brincadeira é até um pouquinho mais complicada, pois como
relata Sá (2007), a onda joga os cabelos para frente,
cobrindo o rosto, fazendo com que as meninas tivessem que
ser mais rápidas ao se recompor da onda, caso contrário,
corriam o risco de “levar um caldo” – serem arrastadas pela
onda.

PEIA QUENTE

Na peia quente a diversão consiste em esconder um


chinelo ou outro objeto com o qual se possa bater e,
posteriormente, a pessoa que encontrá-lo, perseguir os
demais envolvidos. Na brincadeira, uma pessoa vai esconder
o chinelo enquanto as outras ficam em um local separado,
sem acesso ao esconderijo do objeto. Após esconder o
128 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
objeto, aquela diz se é macaco, borboleta ou cobra, nomes
que equivalem à posição escondida do chinelo, ou seja, no
alto, no meio ou no chão. Ao se aproximar do chinelo, a
pessoa que escondeu diz se está quente ou frio, quanto à
proximidade do objeto. Quem achar sai na perseguição dos
outros dando-lhes “chineladas”. Os perseguidos precisam
correr até o local onde se encontravam antes de procurarem
o chinelo, sendo a pessoa que achou o objeto o próximo a
escondê-lo, recomeçando a brincadeira.

PEIXINHO

A brincadeira do peixinho era realizada às margens


dos espelhos d’água - rios, açudes, lagoas e mar. Consistia
em lançar pedras bem rente ao espelho d’água, para ver
quantas vezes ela ricocheteava. Para lançar a pedra, o
jogador inclinava o corpo quase até o chão, para que ela, ao
ser arremessada, deslizasse bem rente à superfície da água.
Cavalcante (2007) relata que, em Santo Antônio, ele
e seus amigos procuravam nos tabuleiros as pedras para
usar na brincadeira, pois lá encontravam umas pedras
chatas e pretas, às quais eles chamavam “pedra figo de
galinha”. Antes de arremessar as pedras, fazia-se alguma
pergunta para um amigo que estava ao lado, como por
exemplo: “quantas vezes você vai casar?” ou “quantos filhos
você vai ter?”. Dependendo da resposta, este seria o
número de vezes que a pedra ricocheteava no espelho
d’água.
Também fazia-se competição, para ver quem
conseguia ricochetear a pedra mais vezes. Geralmente não
se estipula o número de jogadas. Cada criança fazia várias
tentativas, obedecendo à seqüência em que cada jogador
iniciou sua jogada.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 129


MEMÓRIA
PERNA-DE-PAU

A “perna-de-pau” é o nome de um brinquedo capaz de


transformar pessoas comuns em “gigantes”. A altura das
pernas-de-pau varia de acordo com a habilidade do dono.
Desde séculos, elas também fazem parte da cultura e do
universo circense. Porém, além da perna-de-pau ser uma
modalidade circense, na qual os praticantes alteram sua
estatura normal utilizando, basicamente paus, também
conhecido como perna de pau, não se exclui a possibilidade
de utilizar outros aparelhos ou objetos materiais que
permitam essas modificações de altura.
Dessa forma, Pinheiro (2007), natural de São Miguel,
por exemplo, recorda a confecção do brinquedo a partir de
um pau de árvore qualquer, juntamente com a enxada, que
servia de apoio para os pés. Pinheiro comenta que, ao dar
muito trabalho para a enxada descer e ficar igual com a
outra, raspava-se o pau até que a enxada ficasse no lugar
certo. As pernas-de-pau poderiam ser feitas de ripas ou
cabos de vassoura. Para iniciar a brincadeira, relembra:

Subia na calçada para poder ficar de pé


na perna-de-pau porque ela era muito
alta, daí a gente não alcançava, quando
a gente via que ia desequilibrar, pulava
no chão antes da queda. Era todo mundo
artista” [Risos...].

Essas plataformas representam uma brincadeira


bastante antiga, que não requer material ou tecnologia
complexa para sua confecção e desenvolvimento,
considerada uma criativa e lúdica maneira de desenvolver
algumas habilidades, como coordenação, ritmo, confiança,
superação, equilíbrio, entre outras.

PETECA
130 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
A peteca é um jogo coletivo, de predominância
masculina. Na sua forma tradicional, é jogada em um círculo
de pessoas, que lançam a peteca para o ar, através de
batidas com a palma da mão estendida, na parte inferior da
peteca, de um jogador para o outro. O objetivo é não deixá-
la cair, mantendo-a no ar através de sucessiva tapas.
Literalmente, a finalidade do jogo é “não deixar a peteca
cair”.
Alguns especialistas apontam a peteca como sendo de
origem brasileira, proveniente de tribos indígenas tupis. De
acordo com Kishimoto (1979, p. 254) “[...], antes da
chegada dos portugueses ao Brasil, os nativos já jogavam
peteca como forma de recreação. A origem do vocábulo
“peteca” vem do Tupi, cujo significado é “bater” e, em
guarani, “bater” é “petez”.
Entretanto, Grunfeld apud Kishimoto (1979, p. 254),
na obra Jeux du Mond, refere-se à peteca como um jogo
que se lança de um para o outro com uma bola munida de
penachos ou plumas, que se pratica na China, Japão, Coréia
há mais de 2000 anos.
A peteca, tradicionalmente, era confeccionada,
conforme Cascudo (2001, p. 249), “[...] com palha de milho
achatada, bem justa à palma da mão, com uma decoração
apenas de um chumaço da própria palha, [...] arranjada em
floco ou laço pimpão”. O relato de D. Jacira Alves, que
vivenciou sua infância na década de 40, no município de
Pedro Velho, nos dá uma noção precisa de como era o
processo de confecção do brinquedo:

Você pega um bocado de melão,junta um


bocado de palha [milho] da largura de
um dedo ou mais, cerca de 5cm [...]. Da
palha de cima não, a da espiga de cima
não, tira as palhas mais dura e faz da
mais mole. Aí você junta, junta aquelas
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 131
MEMÓRIA
palhas todinha, e quando acabar junta
tudinha assim [na palma da mão], aí
pega um bocado de melão [caetano], ou
quando não tinha fazia com um pano
molhado, pega um pano e fazia uma
rudia [...] mais bom é com melão
caetano. [...] Você tira um bocado de
rama, roda, roda e fica igual a rudia,
depois você pega a palha [..], vai
puxando a palha e cobrindo [o melão].
Quando você cobrir tudinho ele fica igual
a almofadinha, você amassa direito por
um lado e cobre pelo outro, quando você
cobrir tudinho e não ficar aparecendo
nadinha, o melão, você amarra ele bem
forte, com um cordão ou uma ponta de
linha, aí pega uma faca, ripa [desfia] as
palhas dele todinha, que é para ficar bem
encaixadinho, aí ta pronta para brincar.

Com o passar dos tempos, e de acordo com as


especificidades regionais, a peteca passou a apresentar
variações no seu processo de construção e na maneira de
brincar. Registrou-se, no município de Florânia, a peteca
confeccionada com croá, planta típica das serras da região,
utilizada para fabricar cordas. Joaquim das porteiras (2006)
descreve que, na fabricação da peteca de corda de croá,
dava-se um nó de rosa numa das pontas da corda, que a
deixava achatada para se aplicar a palmada, e na outra
ponta, desfiava a corda. Em Caicó, na década de 70, a
peteca era fabricada com couro de bode e enchimento de
algodão, tendo como suporte para as penas um carretel de
linha em madeira, cortado em uma das suas extremidades,
e a outra presa à base de couro da peteca. Registrou-se,
também, na cidade de Martins, a peteca confeccionada com
o sabugo do milho e pena de galinha colocada em uma de
suas extremidades. Também fazia-se a peteca com meia de
sapato, que era enchida com algodão e espetada com penas
de aves.
132 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
Na zona rural de Angicos, em Rio Velho, a peteca era
conhecida como bola de mão, e a forma de joga-lá também
era diferente. Ao invés dos jogadores ficarem trocando
passes entre si, um deles corria tapeando a peteca para
cima, com o objetivo de não deixá-la cair nem ser pega
pelos outros jogadores, que só poderiam tomá-la tapeando-
a também, e ao conseguir sua posse, deveriam continuar a
fugir dos outros jogadores, da mesma forma que o anterior.
Registrou-se, ainda, no município de São José do Seridó, o
jogo da peteca constituído de duas equipes, uma de cada
lado do espaço do jogo, cuja finalidade era lançar a peteca
de um outro lado para o outro, sem que as equipes
deixassem-na cair no seu próprio campo.
Em diversos municípios do Rio Grande do Norte ouviu-
se relatos de que o jogo da peteca ocupava o lugar que o
futebol hoje ocupa, ou seja, de ser uma manifestação
aglutinadora e de festividade da comunidade. D. Jacira Alves
conta que o jogo da peteca era a grande atração dos finais
de semana em Pedro Velho:

[...] os homens era que brincavam, era


brincadeira de homens, e as mocinhas e
mulheres iam assistir, torcendo por um
lado ou por outro. Juntava-se tanta
gente, que as mulheres faziam até arroz
doce para vender. Havia os grandes
jogadores que se destacavam [...].
Quando a peteca caía dizia-se que mijou.
Assim, os jogadores gritavam: “aqui ela
não mija”.

FIGURA
BRINQUEDOS 21 - PETECAS
E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 133
MEMÓRIA
PIÃO

Segundo Câmara Cascudo, no seu Dicionário do


Folclore Brasileiro, a brincadeira do pião existe desde os
tempos remotos. Na Grécia, era conhecido como strombo e,
em Roma, como turba. No Brasil, o pião é um pequeno
objeto feito de madeira, ou metal, tendo na ponta um prego
ou ferrão. Com um cordão ou ponteira enrola-se da ponta
ao corpo do pião e impulsiona-o para o chão e este, com o
impulso, fica a rodopiar. O jogador apara o pião em
movimento, usando os dedos indicador e médio em forma
de tesoura e deixa-o rodar na palma da mão, onde ele gira
até parar.
Entretanto, o brinquedo nem sempre foi construído
apenas de madeira, podendo ser também confeccionado do
fruto da carrapateira – planta típica do Nordeste. A
molecada, então, colocava seus piões de carrapateira para
rodopiar; com um giro dado no palito de fósforo, que ficava
cravado no pequeno fruto da planta, o objeto era jogado no
chão e começava a rodar. O pião da carrapateira não tinha
a mesma velocidade e eficiência que o de madeira, porém,

134 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
fazia a alegria da criançada, que por muito tempo explorou
o divertido brinquedo.
Espalhado por todo o país, este jogo infantil é muito
antigo. O objeto “gira pelo impulso do cordão enrolado na
outra extremidade e puxado com violência e destreza”
(CASCUDO, 1984, p. 614). O pião roda velozmente,
"dormindo" por algum tempo no chão. Muitas vezes, a
criança pegava o pião com uma das mãos, ainda rodando, e
jogava-o ao chão outra vez. Essa situação pode ser
confirmada nas palavras do Sr. Nelson Pereira:

Eu saía enrolando, enrolando o pião,


depois soltava ele no chão, daí ele ficava
minutos girando. O bom mesmo era
pegar o pião na mão e deixar ele
dormindo pelo braço até morrer. Você
acredita que até na unha eu botava ele,
era muito bom! Agora era perigoso bater
no rosto, pois sua ponta é bem fina, mas
mesmo assim a gente fazia isso, porque
era divertido. Eu sempre gostei muito
desse brinquedo, era o meu brinquedo
predileto. Lembro que quando juntava
aquela turma grande de meninos, a
gente dizia: vamos comer carniça? Esse
jogo era assim, um deles botava o pião
pra rodar e os outros iam tentar acertar
com a ponta o que ‘tava’ no chão,
quando batia, furava mesmo o do chão,
eu já acertei muito e olhe que jogávamos
de longe.

Segundo Kischimoto (1993), a maioria dos jogos


tradicionais infantis incorporados à lúdica brasileira, como
por exemplo, o pião, chegou ao Brasil por intermédio
português, mas já carregavam uma antiga tradição européia
vinda de tempos remotos. E, posteriormente, no Brasil,
recebeu novas influências, aglutinando-se com outros
elementos folclóricos como o do povo negro e do índio.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 135
MEMÓRIA
Cascudo (1984) apud Kischimoto (1993, p.25)
confirma a procedência européia do jogo de pião:

O pião é um pequeno objeto feito de


madeira, de preferência abrejaúva, tendo
na ponta um prego – “ferrão” –
implemento da lúdica infantil do jogo do
pião, atividade recreativa introduzida no
Brasil pelo povoador branco.

Teófilo Braga apud Cascudo, (1984, p. 59) registra a


seguinte adivinhação em versos portugueses, conhecida
também em todo o Nordeste.
Para andar lhe pus a capa
E tirei para andar
Que ele sem capa não
Anda
Nem com ela pode andar
Com capa não dança
Para danças se bota
Capa
Tira-se a capa para
Dançar
Essa capa a que se refere o texto é simplesmente o
cordão do pião e, ao retirá-la, o pião passa a girar. ‘Seu’
Nelson Pereira relatou que no jogo do pião existia a
expressão “matar carniça”, o mesmo que “lascar o pião”,
que consistia em arremessar o brinquedo individual com o
objetivo de acertar em cheio, através da ponta, o pião do
outro e, assim, lascá-lo. Kischimoto (1993) explica que
estas práticas eram comuns nos tempos da escravidão, nas
brincadeiras de crianças, em que havia certa crueldade
infantil decorrente do contexto escravagista.

136 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
O “deitar o pião” era a brincadeira mais vivenciada
com o brinquedo de pião. Primeiramente as crianças faziam
um círculo de uns 50 cm de diâmetro. Para desenhá-lo,
fixavam um ponta da linha do pião no chão, e na outra
ponta, colocava-se o bico do pião, girando-o com a linha
esticada, riscando um círculo no chão.
Para definir o jogador que ia deitar seu pião primeiro,
ou seja, deixá-lo dentro da roda à mercê das bicadas dos
outros piões, colocava-se um pedaço de pau pequeno ou um
graveto e todos jogavam o pião com o objetivo de acertá-lo:
o pião que ficou mais longe do alvo era o que deitava.
Uma vez escolhido o pião que irá deitar, os outros
participantes se colocam ao redor do círculo e começam a
jogar o seu pião de forma aleatória, com o objetivo de bater
no pião que estava deitado e tirá-lo do círculo (boi). Aquele
cujo pião “morre” dentro do círculo ou erra o alvo, passa a
deitar, também, o seu pião. Se o pião cair dentro do boi, e
continuar rodando, o jogador tem a oportunidade de
apanhá-lo, colocá-lo na palma da mão e deixá-lo cair no
círculo, sempre rodando, para tentar novamente tocar no
pião que está deitado. Medeiros Filho (2007) conta que o
jogo ficava tão acirrado que alguns piões rachavam ou
quebravam com as bicadas dos outros:

O pião furava os outros a ponto de


quebrar [...] a gente aproveita o pião
que estava rodando dentro do circulo,
para tenta acertar na cabeça e quebrar o
pião.

Para não deixar o pião morrer dentro do boi, usava-se


uma jogada chamada de facão: “[...]era uma jogada de
corte [...] você jogava meio que puxando a linha de lado
para bater no outro pião com força, velocidade, e já sair
[...]”. (MEDEIROS FILHO, 2007). Para segurar o pião com a
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 137
MEMÓRIA
mão sem o bico arranhar, usava-se a estratégia de amaciar
o bico, que normalmente era um prego ou parafuso. Para
isso, usava-se os piões dos outros, acertando as bicadas, ou
ralava-se o bico em um tijolo até deixá-lo bem liso e macio.

FIGURA 22- PIÃO

POLÍCIA E LADRÃO

Conhecido também como um jogo de pegador, o


polícia e ladrão é uma variação muito praticada pelas
crianças. Este jogo foi gerado a partir de valores e situações
que se passaram nos tempos da escravidão, no
antagonismo entre o branco e o negro. Era denominado de
Capitão-de-Campo-Amarra-Negro e apresentava outras
nomenclaturas: Capitão-de-Mato, Amarra-Negro, Negro
Fugido e Agostinho. De acordo com Melo, (1985, p.149):

Para brincar de Capitão-de-campo-


amarra-negro, escolhia-se um menino
para ser o fugitivo; este corria pela rua
afora e sumia. Lá longe, fora da vista dos
demais, dava o sinal convencionado,
anunciando que os companheiros já
podiam sair a procurá-lo. O sinal era o
grito: - Capitão-de-campo-amarra-negro!

Todos corriam em várias direções, para localizá-lo e


prendê-lo. Bastava ‘ticar’ no fujão para que terminasse o

138 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
jogo. E o que ‘ticava’ passava a ser o fugitivo na vez
seguinte.
Um pouco desaparecido em Natal, o jogo é
remanescente legítima da instituição colonial, já que os
capitães-de-mato eram homens contratados para prender
negros fugidos (MELO, 1985). Segundo Cascudo (1979),
esse brinquedo de correr é uma variante da manja, mancha,
jote, tempo-será, vale-quem-ticô.
Na brincadeira do polícia e ladrão segue-se a mesma
idéia. As crianças dividem-se em duas turmas, separando-se
quem é ladrão e quem é a polícia, sendo aqueles os que se
esconderão, fugindo da polícia que os procura. Bom
evidenciar que o polícia e ladrão é uma variação do capitão-
de-campo-amarra-negro.
Dessa forma, os participantes se dividem em dois
grupos: uns são polícias e os outros são ladrões. Os
primeiros contam até certo número enquanto os outros se
escondem. Ao final da contagem, os polícias saem atrás dos
ladrões. Quando estes são presos, os grupos se revezam,
combinando com antecedência quantas vezes irão se
revezar.
A brincadeira consiste em um grupo tentar prender ou
matar os membros do outro grupo. Para isso, é necessário
surpreender o adversário, ou seja, chegar ao próximo sem
ser visto ou ver primeiro e atirar. Normalmente, os
participantes usam objetos representando armas, revólveres
de brinquedo ou o próprio dedo, com os quais podem
prender ou atirar no inimigo. Gutemberg (2006) lembra
que brincou muito de polícia e ladrão, que corria bastante:

Essa brincadeira traz grandes


lembranças[...] a gente costumava
brincar por volta das 23h, até de
madrugada[...] a gente usava bicicletas

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 139


MEMÓRIA
lanternas e valia se esconder em
qualquer lugar do bairro[...]incluindo
matagais, jardins, telhados de casas[...]
uma vez quase fomos mortos a tiros..
um vizinho achou que era assalto e saiu
de espingarda na mão[...] quase atirou,
quando me viu[...] mas conseguiu
reconhecer a tempo, [ri]. Isso foi nas
primeiras semanas; depois o pessoal se
acostumou com a brincadeira e não
saíam mais de arma em punho.. foi uma
época muito legal.

Algumas vezes há uma delegacia para onde são


levados os ladrões presos, que podem ser salvos pelos
parceiros, aproveitando descuido dos policiais. Henrique
(2006), cuja infância foi na década de 70, em Natal, lembra
que os colegas mais espertos escondiam-se e era difícil
capturá-los, enquanto outros escondiam-se na própria casa
e voltavam somente quando os últimos eram capturados. O
combinado era que, ao terminar a brincadeira, um dos
policiais saísse pela rua e chamasse todos: “terminou a
brincadeira, os bandidos venceram”. Não existe sorteio para
ver quem vai ser polícia ou ladrão. A escolha é livre. Vence
o grupo que conseguir prender ou matar todos os
adversários.
Em Sibaúma, Zinho (2006) e seus amigos relatam o
“marrom”, em que um grupo fugia do outro. O primeiro
grupo a correr teria que fugir e se esconder do outro que ia
perseguir. Se pegos, ficavam aprisionados em um local,
esperando todos os outros integrantes do grupo serem
capturados. Por exemplo: cinco pessoas de um lado e cinco
de outro se espalhavam; quando dito ‘marrom!’, um grupo
tenta pegar o outro. Eles lembram, também, do “rendido”,
cuja idéia era a mesma do marrom, só que o objetivo é
pegar uma criança do outro grupo e fazê-la ‘render’. Por
exemplo: a criança fugia e iria lutar ao máximo contra os
140 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
demais colegas que a perseguia, chegando uma hora em
que estava muito cansada, se ‘rendendo’.

PULA CARNIÇA

A brincadeira da carniça, conhecida também no estado


por pula-sela, consiste num alinhamento de crianças, em
rápido deslocamento, uma a uma, pulando sobre as costas
dos companheiros parados e curvados, apoiando as mãos
nas coxas. O pular carniça é uma brincadeira em que um se
abaixa/agacha e os outros pulam por cima usando as costas
como ponto de apoio para o impulso.
Existem variações da brincadeira. Primeiro, escolhe-
se um participante para ser ‘carniça’ e os outros são os
‘mestres’, que pulam sobre aquele. Outra forma da
brincadeira é que, pulada a última carniça, o jogador corre e
pára adiante, esperando que os demais saltem sobre ele,
como explica Gomes (2006):

Fica numa fila de três a quatro pessoas e


um sai pulando por cima dos outros; se
não conseguir pular, sai da brincadeira.
Pula-se um por cima do outro, apenas
para brincar. Brincava por volta dos
meus 10 anos, brincava na escola com a
turma, geralmente na hora do recreio;
ou então, na rua com os colegas da
vizinhança. Era divertido, de vez em
quando surgia um empurrão no colega,
fazendo-o cair.

Outra modalidade da brincadeira é aquela em que as


crianças se dividem em grupos. Um dos grupos, indicado
por sorteio, deve ‘selar’, ou seja, colocar-se em fileira,
havendo um espaço entre as crianças de aproximadamente
dois metros, inclinando o tronco para frente e apoiando as
mãos nos joelhos enquanto o outro grupo deve saltar por
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 141
MEMÓRIA
sobre cada um dos colegas selados - os que se encontram
agachados -, apoiando as duas mãos nas costas destes e
afastando simultaneamente as duas pernas. A um sinal, a
última criança de cada coluna deve saltar sobre os que
estão parados e agachados à sua frente. Quando chegar ao
primeiro da fila, deve posicionar-se dois metros à frente
deste e dar um sinal para que a última criança comece a
saltar.
Essa brincadeira era muito praticada pelas crianças
num lugar descampado, cheio de areia, ou na rua, brincava-
se em qualquer local de pular carniça. Há outras variações
dessa brincadeira, apresentando níveis de dificuldade, como
por exemplo: um participante ‘carniça’ começa com as mãos
apoiadas nos joelhos, bem agachado, e pode ficar no seu
tamanho normal, para o salto dos ‘mestres’, caso estes
consigam pular a estatura indicada.
Outra variação do jogo permite ao líder do grupo de
saltadores -o primeiro a saltar -, criar formas diferentes de
ultrapassar os colegas selados, o que deve ser imitado por
todo o restante do grupo. Se, por exemplo, o líder gritar:
‘esborrachar melancia’, ao ultrapassar os colegas selados,
todos devem soltar um pouco o apoio das mãos sentando
ligeiramente sobre as costas dos selados, como se
estivessem montados em um cavalo.

PULAR CORDA

O pular corda é uma brincadeira com quadras e


parlendas5, em que duas crianças batem uma corda, que

5
Literatura popular constituída pelo encadeamento de palavras, em
forma versificada, recitado com rapidez em jogos infantis para seleção
de dirigentes ou iniciador do jogo.
142 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
sobe e desce em movimento constante, enquanto as demais
pulam na cadência marcada, muitas vezes, por versos
cantados ou declamados. As crianças não param com os pés
no chão com essa série de brincadeiras acompanhadas de
música que compõe o ritmo. A corda de pular sempre foi um
dos mais animados e queridos brinquedos infantis,
permitindo inúmeras possibilidades de variação em seu uso.
Há, entretanto, alguns modos de pular corda que merecem
a preferência das crianças.
Vários ritmos são criados para melhor diversão na
brincadeira. As crianças reúnem-se, muitas vezes, na frente
de casa ou no quintal para brincar de pular corda. A
brincadeira se realiza coletivamente e, para isso, duas
crianças seguram, uma de cada lado, as pontas da corda,
impulsionando-a para que outras crianças entrem em
movimento e, sem tocar na corda, pulem. Nessa
brincadeira, a criança se posiciona ao lado da corda, rente
ao chão, e só então os colegas começam a bater (girar a
corda). Para entrar na brincadeira com a corda em
movimento, é preciso esperar que ela fique no alto.
Como lembra Fernandes (2007), algumas vezes
pulava-se o ‘pimentão’, que era o pular rápido, e quem
estava bombeando (girando a corda) a corda colocava toda
força para que a criança que estivesse pulando errasse ou
cansasse. Outra brincadeira era o ‘relógio’, que para
acontecer era preciso de, no mínimo, quatro pessoas.
Enquanto a corda estava sendo bombeada, a primeira
criança passava correndo pelo meio, sem tocar e sem pular;
a segunda que entrasse dava um pulo e saía; a terceira
dava dois pulos e saía, e assim sucessivamente, até
terminar as horas do relógio.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 143


MEMÓRIA
Uma outra modalidade consistia em ao mesmo tempo
pular, cantar e fazer o que era pedido pela música, que
dizia: “Um homem bateu à minha porta / e eu abri /
senhoras e senhores / ponham a mão no chão (e a criança,
dentro da corda, põe a mão no chão) / senhoras e senhores
/ pulem num pé só (e a criança, dentro da corda, pula com
um pé só) / Senhoras e senhores / dêem uma voltinha (e a
criança, dentro da corda, dá uma volta)/ E va ‘pro’ olho da
rua!” (e a criança tem de “sair” da corda).
Há também o “Aumenta-aumenta”, em que duas
crianças seguram a corda pelas pontas, bem próximo ao
chão, e as outras pulam. No entanto, a altura da corda vai
aumentando aos poucos, ficando apenas um participante
capaz de pular a corda àquela altura.
No “Chicotinho queimado” o grupo se organiza em um
círculo e uma criança fica no centro, segurando a corda por
uma das pontas. Então ela gira a corda rente ao chão e as
outras pulam. Vence quem nunca for tocado pela corda. No
“Zerinho”, duas crianças batem a corda e as demais devem
passar por ela sem esbarrar, calculando a altura e a
velocidade ideais. Já no “Foguinho”, duas crianças começam
batendo corda em um ritmo e, aos poucos, aumentam a
velocidade, terminando quando a criança esbarra na corda.
São inúmeras as modalidades na brincadeira de pular
corda. As crianças adoram e pulam até cansar, sendo
substituídas por outras, repetindo toda a brincadeira.

QUEBRA-CANELA

Brincadeira também conhecida como “armadilha”.


Nela, o alvo seriam os inocentes, aqueles que não estavam
a par do planejamento da armadilha dos demais garotos.
144 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
Geralmente acontecia em grandes terrenos baldios, fazendo
daqueles menos espertos presas fáceis, como relata Cunha
(2007):

Era num terreno baldio. Toda tarde a


gente se reunia, não precisava chamar
ninguém, todo mundo já sabia o horário
de brincar. A gente cavava um buraco
em torno de 80 cm de profundidade, de
largura 30 cm, e colocava folha de
coqueiro e cobria com terra, ficando
rente ao chão. Alguns dos meninos
sabiam da existência do buraco, outros
não. Daí, a gente combinava de brincar
de tica ou pega-pega para assim fazer os
meninos se movimentarem pelo espaço
até caírem no buraco. Quando um caia, a
gente ria demais, era muito engraçado
[risos...].

A brincadeira era motivo de confusão entre a


garotada, à medida em que se caía no buraco um inocente,
causando insatisfação e descontentamento a quem parava
no buraco, pois a cena era muito engraçada.

QUEDA DE CORPO

Brincar de queda de corpo exigia força e equilíbrio de


seus participantes. Dois meninos se posicionam um de
frente para o outro na beira de um rio e, ao sinal de partida,
os dois se atracam em pé, na intenção de desequilibrar e
derrubar seu oponente dentro do rio.
Em Angicos, os meninos se reuniam na beira do rio
para se refrescar, quando, então, o desafio de queda de
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 145
MEMÓRIA
corpo começava. Quanto melhor o “cabra”, mais pessoas ele
derrubava, e quem levava a queda era malhado pelos
outros que assistiam à brincadeira.

QUEIMADA OU BALEADA

A queimada é um tradicional jogo com bola para


crianças. Também conhecida no nosso estado por baleada, é
realizada em um local espaçoso, como um campo de areia,
no qual é marcado o centro com um traço formando dois
grupos, ficando cada grupo em um lado do campo. No fundo
desse campo são marcadas novas linhas, que marcam o
poço, para onde devem ir os jogadores “queimados”.
Gomes, J. (2007) diz que na hora da escolha selecionavam-
se as meninas mais fortes e a dona da bola, que tirava no
par ou ímpar com outra pessoa, e começava a escolher as
equipes para jogar. Quando as equipes eram em número
desigual, uma das participantes ficava com “duas vidas” -
podia ser baleada e ficaria no mesmo canto.
Acontece a divisão para quem fica com o campo e
quem fica com a bola, começando o grupo que tem a bola
em mãos. Assim, tem-se início o jogo, em que um jogador
de um dos grupos pega a bola e a atira no grupo adversário.
As jogadas são sempre alternadas por equipe. O objetivo é
"queimar" alguém. Um jogador é queimado quando a bola
bate nele e depois cai no chão. Se a bola é agarrada por
qualquer membro da equipe, o jogador é salvo. Se a bola
bate em um jogador e depois em outro, sempre o último
jogador em quem a bola bateu é que é o queimado. O
jogador queimado vai para o poço, que fica atrás da linha de
fundo do campo adversário.
Quando algum jogador da equipe está no poço, pode-
se tentar salvá-lo "cruzando" a bola para ele, isto é,

146 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
arremessando a bola bem alto para que ela alcance o poço
sem que nenhum jogador adversário a agarre. O jogador
que está no poço tentará "queimar" um adversário,
conquistando, assim, o direito de voltar para o seu campo.
Mas, não é obrigatório que a equipe que tenha algum
jogador no poço adversário cruze as bolas para ele, ela
poderá simplesmente continuar tentando queimar os
adversários. Por fim, ganha o jogo a equipe que "queimar"
todos os jogadores adversários.

RENDIDO

O rendido era uma brincadeira com uma boa dosagem


de agressividade, muito vivenciada pelas crianças de Caicó,
na década de 70. Parecida com a brincadeira de polícia
ladrão atual, entretanto com algumas particularidades.
Nessa brincadeira, tipicamente masculina, as crianças se
dividiam em dois grupos e se espalhavam por uma área
previamente delimitada pelos participantes: cerca de dois a
quatro quarteirões no entorno da rua.
Cada equipe circulava nas ruas, normalmente em
pequenos grupos, a procura de membros do grupo
adversário. Ao encontrá-los, entravam em perseguição até
pegá-los e agarrá-los. Ao fazer isso, procuravam sufocar o
adversário, agarrando-o no pescoço, até o menino não
agüentar, e pedir para soltá-lo. Para isso, ele teria que
gritar: “estou rendido”. Ao fazer isso, era eliminado
imediatamente da brincadeira.
A brincadeira acabava quando um grupo rendia todos
os membros do outro grupo, pois a criança que fosse
rendida não participava mais daquela partida. Ficava apenas
assistindo à brincadeira. Medeiros Filho (2007) relata que a
brincadeira era um pouco violenta e que era comum chegar

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 147


MEMÓRIA
em casa todo machucado, cheio de arranhões e manchas
vermelhas:

Diferente do polícia e ladrão que o cabra


pega o outro e tem que levar para a
“cadeia”, no rendido não. Você tinha que
pegar o camarada, no meio da rua, e ali
é como se fosse uma briga. Joga-se o
cabra no chão, já ia para cima, e
pegava-se no pescoço. É como se fosse
hoje, briga de luta livre. E eram dois
grupos. E, quando você pegasse um
daquele grupo, para rendê-lo tinha que
gritar “rendido”. [...].

ROLADEIRA

A roladeira é um brinquedo bastante simples,


construído com lata vazia de leite ou óleo, arame e corda
fina. Os meninos pegavam uma lata, furando-a dos lados
com um prego, colocavam o arame e fechavam-na
posteriormente. Mas, antes de fechada, a lata era cheia de
areia molhada. Fato interessante é que essa areia tinha a
função de deixar o ‘carro’ pesado e fazer barulho,
marcando, também, o local percorrido pela criança. Assim,
quando a lata começava a esvaziar, dado os furos nas
laterais, logo era aberta para ser enchida com mais areia.
Em seguida, se prendia a corda e começava-se a brincadeira
do rolamento, puxando a corda que arrastava a lata.
Chagas (2006), que teve infância na década de 70, diz
que vivia procurando latas para fazer seu carrinho, e que o
melhor era prender o maior número de latas para sair
puxando, e com duas latas já se tinha um vagão. Dadas as
condições ambientais da época, quando não havia tantos
batentes e calçamentos pelas ruas, a lata moldava a terra
em que passava, sendo este brinquedo bastante manuseado
e construído pelos meninos.
148 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
FIGURA 23 - ROLADEIRA

SALVA LATINHA

A salva latinha é uma brincadeira que normalmente


ocorre durante a noite, como se fosse um esconde-esconde
diferente. Esse jogo reúne um bom número de
participantes, dentre os quais se escolhe um para proteger a
lata e procurar as outras crianças que estarão escondidas.
Daí, ele contará até 50 e vai rumo à busca; achando uma
das pessoas escondidas, corre até a lata, bate nela e diz:
“Sicrano que está em tal lugar”, então, essa pessoa que foi
capturada ficará presa observando o jogo, mas, caso
errasse a chamada dela, a criança teria direito a se esconder
novamente. Se por acaso existisse uma ou mais pessoas
presas, quem não estivesse poderia salvar todo mundo,
tendo que fazer isso sem ser preso, chegando sem ser
notado, e chutar a latinha para bem longe, dando tempo
para que quem estivesse preso pudesse correr e se
esconder novamente.
A brincadeira só se encerrava quando todos fossem
pegos, sendo assim o primeiro que foi preso, seria o
iniciante da nova da brincadeira, tendo que procurar e
proteger a latinha ao mesmo tempo, assim como os outros
fizeram.
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 149
MEMÓRIA
SOLDADINHO DE CASTANHA DE CAJU

O soldado da castanha de caju era também uma


brincadeira comum entre os meninos do nosso estado. Os
soldados feitos das castanhas de caju eram instrumentos
dos meninos para simular combates de guerra.
Os meninos arrumavam toda a ‘tropa’ de soldados e
ficavam a guerrear. Silva, A. (2006) relata que juntava as
castanhas, caídas do pé, e as arrumava como uma tropa de
soldados. Fazia uma ‘ruma’ de areia para proteger o
esquadrão de castanhas. E, muitas vezes, compravam na
venda uma biloca para servir de bola de canhão e colocar a
‘castanha soldado’ abaixo. Imaginação para brincar era o
que não faltava. As castanhas apresentavam diferenças de
tamanho o que contribuía na definição das ‘patentes’, em
que a castanha maior era sempre o chefe.

SOMBRINHA DE FOLHA DE MAMOEIRO

Uma simples folha de mamoeiro se transformava num


guarda-chuva e com ele as crianças saíam desfilando pelas
ruas, tanto em dias de sol quanto em dias de chuva,
batendo papo umas com as outras, imitando as donas de
casa quando saíam portando sombrinhas para se proteger
do sol ou da chuva. Era um brinquedo simples, já que
encontrava-se essa folha em qualquer fundo de quintal ou
terreno.

TAPA

O tapa é um brinquedo feito a partir de dobradura de


papel, cuja maior graça é poder assustar pessoas com seu
barulho. Para fazê-lo, dobra-se a quarta parte de uma folha
de papel, fazendo-se em uma das extremidades a
150 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
tradicional dobra para barquinho ou chapéu. Depois, segura-
se na ponta que não foi dobrada e assopra-se dentro do
“chapeuzinho”, que poderá ser batido repetidas vezes sobre
uma superfície, imitando as batidas de um tapa.

TELEFONE DA CAIXA DE FÓSFORO

Para a brincadeira do telefone da caixa de fósforo


pegava-se duas caixinhas e amarrava um cordão ligando as
duas. Esse cordão era de comprimento bem extenso para as
crianças ficarem em lugares distantes. A intenção da
brincadeira era fazer com que os participantes se
comunicassem. A gritaria era grande, uma vez que as
crianças falavam em voz bem alta para as outras, de cada
lado do cordão, pudessem ouvir.

TILA

Jogo praticado por dois ou mais jogadores, com


bila/bilocas ou pedras de seixos rolados. Cada jogador, de
posse de sua biloca ou pedra, procura acertar/tilar na do
outro. O jogo inicia-se com cada jogador arremessando sua
pedra em direção distinta dos outros. Era uma forma de se
precaver contra o ataque do oponente. A partir daí, os
jogadores tentavam acertar na “tecadeira” (ver glossário)
dos outros. Havia duas possibilidades para isso: podia-se
tilar/tocar na pedra ou biloca adversária, ou então, chegar à
distância de um palmo, medido com a própria mão do
jogador. Quando isso acontecia, o jogador que teve sua
tecadeira tilada estava eliminado do jogo.
Várias estratégias eram utilizadas para se ganhar o
jogo. Quando o jogador arriscava acertar na pedra ou biloca
do outro, tinha, basicamente, duas possibilidades: jogar
com muita força a sua pedra ou biloca, para parar bem
BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 151
MEMÓRIA
distante do adversário, caso errasse o alvo; ou jogar mais
devagar e com mais precisão, arriscando-se, ao errar o alvo,
ser presa fácil, pois sua pedra ou biloca pararia muito
próxima do adversário.
O jogo podia ser “a brinca” ou “ a vera”. No caso de
ser “a vera”, os jogadores determinavam, previamente, o
que deveria ser posto na disputa. Podiam ser bilas/bilocas
ou notas de carteira de cigarro. Nesse momento, também,
determinava-se a quantidade a ser apostada. Ao ser
atingido, o jogador deveria se retirar do jogo e pagar a
aposta combinada.
No interior do estado, os meninos utilizavam a tila
para percorrer grandes distâncias a pé. Medeiros Filho
(2007) conta que quando morava na zona rural de São João
do Sabugi, a escola ficava distante de sua casa, então, ele
costumava ir para a escola brincando de tila com seus
colegas.

TRATOR DE CARRETEL

O carretel era um fascinante brinquedo, uma espécie


de carro, pois lembra Silva, M. (2007), que teve sua infância
na década de 60 na cidade de Macau, que o carretel subia
até superfícies elevadas quando lhe era dada uma boa
tração. João Amado (2007), autor português, em suas
pesquisas sobre brinquedo popular, destaca outras
denominações para o carretel, tais como: tractor, tanque,
carro de assalto, carro de sabão, carrinho e carreta.
Segundo ele, o brinquedo foi moda na Europa e na América,
logo após a Segunda Guerra Mundial, uma vez que
proporcionava uma divertida brincadeira, tanto entre
crianças quanto adultos.

152 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
De acordo com as lembranças do Silva, M., o
brinquedo era construído com sucata de carretel de linha –
antes produzido da madeira –, o que hoje normalmente não
se encontra nas botiques, fato que também contribuiu para
o desaparecimento demasiado do brinquedo. Além do
carretel, se utilizava um pedaço de vela nas extremidades,
juntamente com um palito, fazendo o ponto ideal para
torcer e dar movimento e velocidade ao brinquedo. Sobre a
tração, comenta o entrevistado: “Para dar a tração nele a
gente criava uns dentes [cavidades] na lateral e a pressão
era dada com liga de dinheiro, daí rodava, rodava, rodava e
depois soltava”. O desenrolar da liga, então, era
acompanhado do movimento do carretel, o qual tinha o

FIGURA 24 - TRATOR DE CARRETEL DE LINHA


espaço percorrido de acordo com a pressão dada
inicialmente na liga.

TRATOR DE LATA DE SARDINHA

Carrinho confeccionado pelos próprios meninos a


partir de uma lata de sardinha depois de usada. Para fazer

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 153


MEMÓRIA
um trator de lata de sardinha, abria-se a tampa da lata até
um certo ponto em que fosse possível levantá-la e dobrá-la
formando o capô do carro. As rodas poderiam ser de cortiça
ou de pedaços de borracha dos chinelos antigos e eram
encaixadas por algum arame que transpassava
horizontalmente a latinha, através de uns furos feitos na
base.

FIGURA 25- CARRINHO DE LATA DE SARDINHA

TRIÂNGULO

Jogo realizado com três jogadores em volta de um


triângulo, desenhado no chão de terra batida,
preferencialmente molhado pela chuva. O instrumento da
brincadeira era um pedaço de ferro com a ponta afiada. Seu
objetivo era fincar o ferro no chão com arremessos precisos,
procurando dar voltas no triângulo, tracejando linhas retas
ao ligar os pontos marcados pelo furo na areia. Ao fincar o
ferro no chão, o jogador faz um risco de finco a finco ligando
pontos, direcionando as linhas quebradas, dando voltas em
torno do triângulo, até que um consiga “fechar o jogo”, isto
é, acertar na própria risca tracejada na última volta.
Para definir qual era a ordem de início do jogo, fazia-
se uma risca no chão e os jogadores faziam suas tentativas

154 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
para fincar o ferro em cima da linha ou o mais próximo
possível. Após definir as seqüências dos jogadores, na
ordem do mais próximo ao mais distante, o primeiro jogador
começa percorrendo o redor do triângulo, jogando o seu
ferro no chão e tracejando as linhas retas. A estratégia era
dar voltas (passeios) no triângulo com linhas cada vez mais
próximas umas das outras, pois isso dificultaria as jogadas
dos adversários.
O jogo só passaria para o outro participante quando o
jogador da vez não conseguisse fincar o ferro no chão ou
cruzasse a própria linha ao ligar um ponto a outro. O
próximo jogador teria que iniciar suas tentativas a partir do
início do triângulo, percorrendo o trajeto entre as linhas
tracejadas pelo jogador anterior, jogando seu ferro entre
uma linha e outra, sendo proibido fincar em cima da linha
do outro ou passar por cima. Isso requeria muita habilidade,
pois uma das estratégias do jogo era deixar as linhas mais
próximas possíveis, para dificultar a jogada do adversário.
Ao sair do tracejado feito pelo jogador anterior, o
participante da vez começaria a sua estratégia de fechar o
jogo, dando “passeios” em volta do triângulo. O jogo só
encerraria quando um dos três jogadores fechasse o jogo.

TRIÂNGULO COM BILOCAS/BILAS

Outra variação de jogo de bila ou biloca é o


“triângulo”, riscado no chão em um espaço de terra batida
ou molhada pela chuva, dentro do qual são colocadas várias
bilas/bilocas para a aposta. A quantidade de bilas/bilocas a
serem ”casadas” é definida previamente, antes do início do
jogo. Entretanto, se alguém fizesse o desafio do “corça”, a
aposta duplicava, e o perdedor tinha que pagar em dobro.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 155


MEMÓRIA
Nessa brincadeira não há quantidade de jogadores
definida e cada participante coloca de um a dez pares de
bilocas dentro do triângulo. De pés junto, próximos ao
triângulo, os jogadores tiram o ponto, jogando suas
bilas/bilocas privadas (bolas de teco ou bitelo) em direção a
uma risca, distante uns 5 m do triângulo. A seqüência dos
jogadores será definida pela maior ou menor proximidade
das bilas/bilocas em relação à risca. Os jogadores cujos
tecos passassem da risca ficavam por último e, se houvesse
mais de um, entravam na “rabeira” da fila, obedecendo à
seqüência que iniciaram as tentativas para a risca. O tibelo
ou teco era bila/biloca privada do jogador. A esse respeito
Medeiros Filho (2007) explica:

Porque na bila seria escolhido pelo


tamanho, seria escolhido pelo forma,
porque se ela fosse oval não dava certo,
porque você joga a bila para um canto e
ela vai para o outro, quer dizer. [...]
porque tem de escolher um de presença,
bonito que você acha; de cor diferente,
por que ele tem que bater nas outras
bilas se diferenciar [..].

Definida a ordem de início do jogo, arremessa-se o


teco em direção ao triângulo. A forma de impulsionar o teco
variava de região para região. No Seridó, o impulso é dado
com o dedo médio, segurando-o com o indicador da outra
mão, e soltando-o com força para impulsionando o teco, que
tinha que deslizar rente ao chão. Em Natal, o arremesso é
feito segurando o teco com o indicador e polegar e, para dar
o impulso, estende-se o polegar com velocidade, empurrado
o teco. Já em Mossoró, o teco é arremessado segurando-o
com o indicador e o polegar.
O objetivo do jogo era tirar as bilocas de dentro do
triângulo, sem que o “teco” parasse dentro. Se isso

156 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
acontecesse, o jogador sairia do jogo e teria que devolver
todas as bilas/bilocas que havia tirado do triângulo, e, se
aposta fosse com o “corça”, teria que devolver em dobro. O
jogador também poderia tirar o outro do jogo. Isso só
poderia acontecer se o jogador tirasse alguma biloca do
triângulo, pois assim, virava o “onça”, como se chamava em
Caicó, ou “matão”, denominação usada em Natal, e poderia
eliminar qualquer jogador, bastando acerta no “teco” do
outro para “matá-lo’.
O jogo acabava quando não havia mais bilas/bilocas
dentro do triângulo ou quando todos os jogadores fossem
mortos, restando apenas um. Dessa forma esse jogador
poderia ‘raspar” o triângulo.
Havia várias expressões específicas do jogo do
triângulo, como “matão” ou “onça”, que se refere ao direito
de tilar, e “raspa”, que consiste no grito de quem está
vencendo o jogo, acionando os demais participantes a
atacarem as bilocas do triângulo e, dessa forma, encerrar o
jogo. “O tumulto era grande, pois todos se direcionavam de
uma só vez onde estavam as bilocas a fim de recuperar
suas bolas” (BARROS, 2007). Pedir “limpo” era a expressão
utilizada quando o jogador queria limpar o terreno à sua
frente para poder jogar com mais facilidade.

XIPOCA

A xipoca é uma espécie de arma que servia para


arremessar projéteis. Feita de um canudo de taquara, era
semelhante ao bambu, presente nas margens dos rios da
região Seridó do estado, medindo mais ou menos 30cm de
comprimento e um êmbolo feito de madeira resistente e
pouco maior do que o tamanho do tubo, que deve correr
dentro do canudo. A munição era feita de pedaços de papel

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 157


MEMÓRIA
molhado e amassado em forma de bolinhas e colocada no
tubo a ponto de disparar. Lembra Barros (2007), que, além
de bolinhas, poderia ser canudo de papel e que, em muitas
vezes, buscava-se artifícios para tornar a brincadeira mais
interessante, indo, portanto, extrair um líquido verde de
uma árvore perto de sua casa e passar na ponta do canudo
de papel para que, ao disparar, bater na roupa do colega e
ficar a mancha, que sinalizava quantas vezes o colega foi
acertado e, conseqüentemente, definia quem ganhava a
guerra – o moleque que tivesse menos marca de tiros.
O processo de disparo do projétil segue uma
seqüência:

Com a mão esquerda segurava-se o


tubo, com o polegar sobre o tampão de
papel. Encostava-se a vareta apoiada no
peito e empurrava-se. No momento que
estivesse bem comprimido o ar, tirava-se
o polegar esquerdo e o projétil de papel
soltava, dando um pequeno estompido.
Recomeçava-se então o municiamento
(ARAÚJO, 1966, p. 353).

Como pode-se perceber, esse brinquedo era utilizado


na brincadeira conhecida como "guerra", realizada entre
dois grupos de crianças.

158 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
ZARABATANA DO MAMOEIRO

Feita do talo do mamoeiro, a zarabatana é inspirada


em uma arma de caça indígena. Entretanto, o brinquedo
não possui função de caçar, mas somente de guerrear com
outras crianças, atirando-lhes sementes e bolinhas de papel.
FIGURA 26 - XIPOCA
O formato cilíndrico e oco do talo facilita que sejam
introduzidas as “munições”, que serão assopradas e
projetadas na direção que a criança quiser.
Muitas “guerrinhas” eram feitas com essa poderosa
“arma”. Mas, tudo durava somente um dia, pois, logo após a
brincadeira, o talo começava a murchar e logo era
esquecido e substituído por outro.
Em Caicó, fazia-se o projétil da zabaratana como se
fosse uma flecha. Para a sua confecção, usava-se um palito
de coqueiro e, na sua ponta, amarrava-se com linha, um
alfinete ou agulha. Na outra extremidade colocava-se uma
“piúba” de cigarro para contrabalancear o peso. Para sua
construção, usava-se, também, o talo da folha de
mamoeiro. Em algumas cidades, como Mossoró e Natal,
registrou-se a zarabana feita com cano de antena de
televisão e a flecha feita com pedaço de bucha de lavar
louça amarrada no fundo de uma agulha. Para esses tipos
de zabaratana, a brincadeira preferida era o tiro ao alvo, já
que a flecha fincava-se com facilidade em papelões e
troncos de madeiras.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 159


MEMÓRIA
FIGURA 27 - ZARABATANA DE MAMOEIRO

160 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


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Entrevistador: Priscilia Janaína Dantas de Lima. Natal 2007.
1 CD-Row (60 min.).
GOMES, Joana. Imburana. Lembranças da infância.
Entrevistador: Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal,
2006. 1CD- Row (60 min).
GOMES, Vânia de Fátima. Casinha. Entrevistador: Vivianne
Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2006. 1CD- Row (60 min).
GOMES, Vademir Azevedo. Aro de bicicleta. Entrevistador:
Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2006. 1CD- Row
(60 min).
GUTEMBERG. Polícia e ladrão. Entrevistador: Vivianne
Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2006. 1CD- Row (60 min).
HALBWACHS, Maurice (1877-1945). A memória coletiva.
São Paulo: Vértice, 1990.
HENRIQUE, Sandro. Lembranças da infância. Entrevistador:
Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2006. 1CD- Row
(60 min).

164 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
JACIRA ALVES. Lembranças da Pedro Velho. Entrevistador:
Marcus Vinícius de Faria Oliveira. Natal, 2006. 1 DVD- Row
(60 min.).
JOÃO HELDES. Cavalo de pau xadrez. Entrevistador:
Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Janduís, 2007. 1CD- Row
(60 min)
JOAQUIM DAS PORTEIRAS. No pé da serra. Florânia, 2006.
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JOSÉ ALMEIDA, Augusto. Lembranças da infância.
Entrevistador: Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal,
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Priscilia Janaína Dantas de Lima. Umarizal 2007. 1 CD-Row
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LIMA, Jenoveva Alves de. Minha infância no Baixio de
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BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 165
MEMÓRIA
MARÍLIA, Iara. Lembranças da infância. Entrevistador:
Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2007. 1CD- Row
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MARTINS, Francisca. Recordando os bons tempos.
Entrevistador: Priscilia Janaína Dantas de Lima. Natal 2007.
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MEDEIROS FILHO, José Venceslau. Memórias da Rua do
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MEDEIROS, José. Câmara de ar. Entrevistador: Vivianne
Limeira Azevedo Gomes. Santa Cruz, 2007. 1CD- Row (60
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MEDEIROS, José. Lembranças da infância. Entrevistador:
Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2007. 1CD- Row
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MEDEIROS, Solange. Lembranças da infância. Entrevistador:
Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2007. 1CD- Row
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166 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
NUNES, Francisco Félix. Lembranças da infância.
Entrevistador: Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal,
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OLIVEIRA, João Luiz de. Lembranças da Travessa São Paulo.
Entrevistador: Priscilia Janaína Dantas de Lima. Santo
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SALES, Débora Camilla Souza de. Fases do elástico.
Entrevistador: Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal,
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(60 min).

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 167


MEMÓRIA
SENA, Dione. Barco de papel. Entrevistador: Vivianne
Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2007. 1CD- Row (60 min).
SILVA, Antonio da. Jangada de coco. Entrevistador: Vivianne
Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2006. 1CD- Row (60 min).
SILVA, Mardônio Moura da. Na onda das lembranças.
Entrevistador: Priscilia Janaína Dantas de Lima. Macau
2007. 1 CD-Row (60 min.).
SILVA, Nazareno Fonseca. Lembranças da infância.
Entrevistador: Vivianne Limeira Azevedo Gomes. Natal,
2007. 1CD- Row (60 min)
SOCORRO, Maria do. Anel no sítio. Entrevistador: Vivianne
Limeira Azevedo Gomes. Natal, 2007. 1CD- Row (60 min)
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Gomes. Sibauma, 2006. 1CD- Row (60 min).

168 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
GLOSSÁRIO

APOITO - é quando uma criança põe em disputa, para um


grupo, determinados brinquedos, que, normalmente, eram
bilas, confeitos e castanhas. De posse de seus objetos, essa
criança convoca o grupo: “é para o apoito”, reunindo todos,
à sua frente. Em seguida, jogava os objetos para alto e
todos os disputam.
BARROCA - buraco escavado e retocado com o calcanhar
para o jogo do buraco.
BATER BUCHO - quando o jogador joga o pião e ele bate
de barriga no chão.
BIBOCA - Bila/biloca grande. Normalmente era a bila/biloca
do jogador.
BILA DO OLHO - no jogo do peixe, quando se dizia “vamos
buscar a bila do olho”, estava-se à procura da caixa de
fósforo enterrada que simbolizava o olho do peixe.
BITELO - O bitelo é qualquer objeto, mais ou menos leve,
podendo ser facilmente derrubado pela castanha
impulsionada pelo movimento dos dedos. Geralmente é uma
castanha grande que se equilibra de pé, outras vezes uma
caixa de fósforo vazia.
BODOCADA - ato de atirar com o bodoque.
BOI - círculo riscado no chão para a realização do jogo de
deitar o pião.
BOMBEAR - ato de girar a corda para as outras crianças
pularem.
BOTAR PARA DORMIR - diz-se quando gira o pião como
muita velocidade, e ele fica girando de forma silenciosa.
BRAÇO SOLTO - jogada veloz com o pião.
BRINCA - é quando não há aposta na brincadeira, que é
apenas vivenciada, sem que a criança perca seus
brinquedos: bila/biloca, piões, castanhas, entre outros.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 169


MEMÓRIA
CABRESTO - linha que prende o papagaio/coruja à linha do
carretel. Serve para manter o ângulo de inclinação do
papagaio que lhe dá sustentação e equilíbrio.
CAFÉ COM LEITE - é quando a criança é muito pequena em
relação ao grupo que está brincando ou ainda não tem
habilidade suficiente para acompanhar a brincadeira. Então,
fala-se que fulano é “café com leite” e as regras da
brincadeira não são aplicáveis a ele. Entretanto, a criança
participa da brincadeira, que serve como aprendizagem para
desenvolver as habilidades e regras necessárias para uma
boa participação futura.
CAJU - quando ao jogar o pião, ele gira de cabeça para
baixo.
CARRAPETA - tipo de pião pequeno.
CASAR - colocar o (s) seu(s) brinquedos para a disputa ou
aposta. Sejam eles notas de cigarro, bilas/bilocas,
castanhas, fichas e etc.
CEROL - mistura de cola e vidro moído que se passa na
linha do papagaio para torná-la cortante.
CHAVE - uma outra possibilidade de medição, além do
palmo, utilizada no jogo da biloca. Media-se a distância de
uma biloca para outra com o polegar e o indicador
afastados.
CORÇA - quando a criança desafia seus concorrentes para o
corça, significa que, ao perder, o jogador tem que pagar em
dobro a aposta.
COLADO – expressão utilizada para desginar a criança que
foi pega e que de acordo com as regras do jogo deve
permanecer no lugar até o momento em que outra venha
descolá-la. Expressão utilizada no jogo da bandeirinha e no
tica-cola.
CORTAR - ação de cortar a linha da coruja/papagaio do
outro, que se soltará no ar.
CRUZA - competição entre papagaios/corujas para ver
quem derruba o outro, cortando a linha.

170 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA
DAR LINHA - operação de soltar mais linha para o
pagagaio/coruja “pegar” altura.
DAR PASSEIOS - quando o jogador dá voltas ao redor do
triângulo, fincado o seu ferro no chão e tracejando linhas.
DAR PONTO - fincar o ferro no chão no jogo do triângulo.
DAR UM PITÚ - se esquivar, enganar o adversário.
DEBICAR - dar socos com a linha ao lado para a
coruja/papagaio descer rapidamente. Muito utilizada nas
disputas entre dois papagaios, como forma de colocar a
linha por baixo do outro para cortá-lo.
DEDAR - empurrar a bila/biloca com o dedo, ato que é
proibido no jogo do triângulo.
DEITAR O PIÃO - colocar o pião no boi (círculo) à mercê
das jogadas dos outros competidores.
DESCAÍDA - manobra feita pelo empinador, através de
puxões na linha, e que, em seguida, a solta novamente para
o papagaio/coruja decair suavemente.
ELÁSTICO - pedaço de borracha resistente e elástica,
utilizada para a fabricação da baladeira. Podendo ser
retirado de câmaras de ar grossas, de ligas de soro
hospitalar ou de ligas vendidas em mercearias ou feiras
livres, chamadas de ligas de avião.
EMBURACAR - colocar a castanha no buraco, quando da
disputa deste jogo.
EPIZOIDE - faixa estreita, utilizada no jogo do peixe, feita
no gráfico do peixe, com o objetivo de dificultar o
deslocamento do jogador.
ESPEQUES OU CANÁRIOS - Pedaços de madeira utilizados
para afastar as duas cordas do bodoque, a uma distância de
mais ou menos 2 cm.
FACÃO - jogada feita com o pião, na qual o jogador inclina
o corpo em diagonal e o arremessa com muita força, com o
objetivo de acertar o pião que está deitado.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 171


MEMÓRIA
FECHAR O JOGO - quando o jogador, no jogo do triângulo,
finca seu ferro em cima da própria linha tracejada na volta
anterior. Feito isso, ele ganha o jogo, pois impossibilita o
deslocamento do outros jogadores.
FOFAR - quando um pião bate no outro que está deitado,
mas consegue não consegue rachá-lo, apenas deixa marca.
FUROU - errou o chute na bola.
GANZEPE - encaixe feito na vara do bodoque para receber
a amarração da corda.
GONÇA - o mesmo que onça - aquele jogador que na
disputa do jogo do triângulo, barroca e tila torna-se
habilitado a eliminar os outros adversários.
GOROU O OVO – expressão dita para o contador quando
na brincadeira de esconde-esconde ou trinta e um alerta,
ele denuncia a criança errada.
GRUDE - cola caseira feita de goma, coco, açúcar e
manteiga utilizada para confecção de vários brinquedos.
JÁ - expressão utilizada para chamar a atenção para o início
do jogo.
LICENÇA A BARROCA - expressão usada pelo “matão” no
jogo da barroca/buraco para jogar seu teco na barroca.
MALHA - parte de couro da baladeira que abriga o projétil
(pedra) para ser arremessado.
MANCHA - local pré-determinado em algumas brincadeiras,
onde a criança, ao tocar, é salva. Muito usada nas
brincadeiras de ticas, esconde-esconde e garrafão.
MANDAR TELEGRAMA - colocar na linha do
papagaio/coruja um pedaço de papel, que se soltará no alto,
ao tocar no cabresto.
MATAR CARNIÇA - dizia-se no jogo do pião, quando
lascava o pião ao meio.
MIJAR - expressão utilizada no jogo da peteca, quando o
jogador deixava a peteca cair. Então gritava-se: “fulano
mijou”.
172 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E
MEMÓRIA
MORRER - ser atingido pela bila/biloca adversária,
retirando-se do jogo.
ONÇA - o mesmo que gonça - é aquele jogador que na
disputa do jogo do triângulo, barroca e tila, por ter
completado determinada ações torna-se habilitado a
eliminar os outros adversários.
PALMO - unidade de medida utilizada no jogo da biloca.
Media-se a distância de uma biloca para outra com os dedos
da mão totalmente afastados.
PEDIR RABO - quando o papagaio/coruja roda
desequilibrado pelo rabo estar curto ou ter se desprendido
no ar.
PEGAR CAVALA - quando o jogador, no jogo da
barroca/buraco, acerta na bila/biloca, permitindo-lhe passar
de um buraco a outro.
PERU - diz com aquele brincante desorientado no jogo.
PIMENTÃO - é quando, na brincadeira de pular corda,
aumenta-se o grau de dificuldade, fazendo-se girar a corda
com muita velocidade.
PONTEIRA - linha com a qual se enrola o pião para fazê-lo
rodar.
QUEIMADO - no jogo da queimada quando o jogador
arremessa a bola, bate no adversário e cai no chão, então
se fala: ” fulano está queimado”.
RABIOLA - cauda que dá estabilidade à coruja/papagaio
durante o vôo.
RAPA - a criança, quando queria bagunçar o jogo da
bila/biloca ou da castanha, gritava: “olhe o rapa”, e, nesse
momento, todos avançavam para apanhar as bila/bilocas ou
castanhas que estavam em disputa. Também nesse
momento podia-se dar socos nas costas das crianças que se
abaixassem para apanhar os brinquedos.
RATÃO – jogador, no jogo da biloca, muito habilidoso.

BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E 173


MEMÓRIA
RÊDE OU SANGA - redinha de malha entrançada entre as
duas cordas do bodoque para receber o projétil - pedra,
pelotas de barro cozido.
SUJA-BARRIGAS - são aqueles garotos ou garotas que
iniciam a disputa no pau de sebo. Normalmente, são
pessoas inexperientes, usadas pelos mais hábeis para
diminuir a quantidade de sebo no pau, facilitando a subida
dos favoritos, que, estrategicamente, ficavam por último.
SUJO - pedir sujo no jogo da bila/biloca é impedir que o
jogador faça a limpeza do terreno para facilitar sua jogada.
TECADEIRA - bila/biloca de tamanho grande e arredondada
escolhida especialmente pelo jogador para ser utilizada
como sua para atingir a bila/biloca do adversário ou tirar as
bilocas do triângulo.
TECAR - o mesmo que tilar - fazer a bila/biloca tocar na
outra.
TIBELO - termo utilizado para designar a bila privada do
jogador.
TILAR - o mesmo que tecar - fazer a bila/biloca tocar na
outra.
TIRAR A LINHA - escolher a equipe para a disputa. Dizia-
se: “fulano e sicrano, vocês tiram a linha”. Em outras
palavras: “vocês escolhem as equipes”.
TIRAR PONTO - definir a ordem de início da partida no
jogo da bila ou biloca. Fazia-se isso jogando o teco em
direção a uma risca e, quem se aproximasse mais, seria o
primeiro a jogar, e assim sucessivamente.
TIRAR UM FINO - errar o alvo, mas passar perto, no tiro
da baladeira.
TREMPE – formado por três pedras utilizadas como forno,
na brincadeira de cozinhado. Colava-se a panela de barro
em cima dele e, no meio, colocava-se gravetos, matos e
folhas seca para queimar.

174 BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS POTIGUARES: IDENTIDADE E


MEMÓRIA

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