O Uso Da Técnica Estendida para Acordeon Como Estímulo Composicional

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

EDSON DE AGUIAR LIMA

O USO DA TÉCNICA ESTENDIDA PARA ACORDEON COMO


ESTÍMULO COMPOSICIONAL

Salvador
2017
EDSON DE AGUIAR LIMA

O USO DA TÉCNICA ESTENDIDA PARA ACORDEON COMO


ESTÍMULO COMPOSICIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Música, Escola de Música, Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Música.
Área de concentração: Composição

Orientador: Prof. Dr. Wellington Gomes da Silva

Salvador
2017
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Universitário de Bibliotecas (SIBI/UFBA), com
os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

Lima, Edson de Aguiar


O uso da técnica estendida para acordeon como
estímulo composicional / Edson de Aguiar Lima. --
Salvador, 2018.
141 f. : il

Orientador: Prof. Dr. Wellington Gomes da Silva.


Dissertação (Mestrado - Composição - Programa de Pós-
graduação em Música) -- Universidade Federal da Bahia,
Escola de Música, 2018.

1. Composição (Música). 2. Composição e o acordeon.


3. Técnicas estendidas para acordeon. I. da Silva,
Prof. Dr. Wellington Gomes. II. Título.
EDSON DE AGUIAR LIMA

O USO DA TÉCNICA ESTENDIDA PARA ACORDEON COMO


ESTÍMULO COMPOSICIONAL

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Música,
Escola de Música da Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 31 de janeiro de 2018

Wellignton Gomes da Silva - Orientador ___________________________________


Doutor em Música pela Universidade Federal da Bahia

Ângelo Tavares Castro __________________________________________________


Doutor em Música pela Universidade Federal da Bahia

Pedro Augusto Silva Dias ________________________________________________


Doutor em Música pela Universidade Federal da Bahia
AGRADECIMENTOS

Acima de tudo, agradeço a Deus.


Aos meus pais, Antônio Sobrinho de Lima e Marineide Rosa de Aguiar Lima.
Aos meus irmãos Henrique e Edcarlos.
A Joanna Vieira, por sua companhia e muito amor.
Ao amigo acordeonista compositor e pesquisador espanhol Gorka Hermosa, que mesmo não o
conhecendo pessoalmente, sendo apenas através das redes sociais, muito me ajudou a
conseguir uma grande parte da literatura necessária para a realização deste trabalho.
Ao amigo acordeonista e professor, Álvaro Couto, a quem também muito contribuiu com
outra importante parte da literatura utilizada.
Aos meus professores de acordeon, Danilo Tognolo e Regina Weissmann, que no passado
durante a minha formação como acordeonista, ao compartilhar seus conhecimentos
certamente contribuíram para a realização deste trabalho.
Aos amigos e colegas compositores, Natanael Ourives pela motivação de sempre, e Vinícius
Amaro por estar sempre pronto para toda e qualquer ajuda solicitada.
Ao CAMARÁ (Conjunto de Câmara da Bahia), grupo o qual integro como acordeonista e que
tornou possível a estreia de duas das peças compostas para este trabalho.
Ao MAB (Música de Agora na Bahia), por também proporcionar a estreia de uma das três
composições aqui apresentadas.
Ao virtuose amigo Gigito Rios, com seu banjo, por de imediato aceitar a proposta para a
realização do duo entre acordeon e banjo, através da peça EdGito, que também é fruto desta
pesquisa.
Ao amigo e professor orientador Wellington Gomes, por sempre inspirar a criatividade e
confiança através de suas palavras motivadoras, as quais ditas sempre no momento certo.
E por fim, à CAPES, pelos recursos de suma importância via bolsa.
RESUMO

O presente trabalho se propõe a apresentar o uso de técnicas estendidas para acordeon como
estímulo composicional. Com este intuito, tal estudo aborda especificidades sobre o universo
deste instrumento, mostrando o seu potencial técnico, tímbrico e particularidades de sua
escrita, revelando assim, dados que podem contribuir para o processo criativo musical. Dentro
deste campo, pretende-se abordar características dessas técnicas estendidas num repertório de
música contemporânea para acordeon, motivado pela carência do assunto em manuais de
orquestração, bem como, de modo geral, faremos uma revisão da literatura do ponto de vista
histórico e de perspectivas técnicas que envolve este instrumento. E como produto final deste
trabalho de pesquisa, apresentamos três obras compostas especificamente sob esta
perspectiva, acompanhadas de um memorial analítico.

Palavras-chave: Acordeon. Acordeon baixo solto. Técnica estendida. Técnica expandida.


Efeitos. Técnicas avançadas no acordeon. Composição.
ABSTRACT

This work proposes to present the use of extended techniques for accordion as a
compositional impulse. In this direction, this study approaches specificities on the universe of
this instrument, showing its technical and timbre potentials, and particularities of its writing,
thus revealing data that can contribute to the musical creative process. Within this field, we
intend to approach characteristics of these techniques extended in a repertoire of
contemporary music for accordion, motivated by the lack of subject in orchestration manuals,
as well as, in general, we will review the literature from the historical point of view and
perspectives techniques that this instrument involves. And as the final product of this research
work, we present three works composed specifically from this perspective, accompanied by
an analytical memorial.

Keywords: Accordion. Accordion free bass. Bayan. Extended technique. Effects. Advanced
accordion techniques. Composition.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Instrumentos de proximidades físicas e que tem em comum o mesmo principio de


funcionamento: a) Acordeon ‘cromático a piano’; b) Acordeon ‘cromático de botões’; c)
Concertina; d) Bandoneon. ................................................................................................... 30
Figura 2 - Cheng e seu princípio de funcionamento: a) cheng com palheta livre; b) palheta em
movimento, similar à do cheng............................................................................................. 31
Figura 3 - Palhetas livres comuns ao acordeon .................................................................... 32
Figura 4- Acordeon de Demian (1829) ................................................................................ 33
Figura 5 - Patente do acordeon de Demian .......................................................................... 34
Figura 6 - Cassoto sem palhetas e com palhetas: a) Cassoto sem palhetas; b) Cassoto com
palhetas. ............................................................................................................................... 36
Figura 7- Manuscrito especificando a afinação diatônica do acordeon de Isoard - França
1831..................................................................................................................................... 36
Figura 8 - Forneaux - França 1835 ..................................................................................... 37
Figura 9 - Acordeon diatônico com teclado para mão esquerda - Alemanha 1840................ 37
Figura 10 - Patente do acordeon de Douce -França 1840 ..................................................... 38
Figura 11 - Acordeon de Mirwald -Alemanha 1891 ............................................................ 38
Figura 12 - Acordeon de Ignoto - França -1860 ................................................................... 39
Figura 13 - Aparência física dos teclados baixos standard e baixos soltos............................ 40
Figura 14 - Teclado esquerdo do mecanismo de baixos anexados ........................................ 40
Figura 15- Estensão de MI no Acordeon Conversor ............................................................ 42
Figura 16 - Mecanismo Baixo Standard (MII) ..................................................................... 44
Figura 17 - Particularidades da escrita para teclado MII ...................................................... 45
Figura 18 - Mecanismo de Baixos Soltos ............................................................................ 47
Figura 19 - Acordeons mais comuns atualmente: a) Acordeon Diatônico; b) Acordeon Baixo
Standard; c) Acordeon Conversor ........................................................................................ 48
Figura 20 - Símbolo de identificação dos registros para (MI) .............................................. 49
Figura 21 - Resultado sonoro em consequência dos registros .............................................. 50
Figura 22- Símbolo de identificação de registros em MII .................................................... 50
Figura 23- Escrita para notas soltas em MII ........................................................................ 51
Figura 24- Resultado sonoro em consequência do registro .................................................. 51
Figura 25 - Região de escrita para os acordes em MII ......................................................... 51
Figura 26- Resultado sonoro em consequência do registro utilizado .................................... 52
Figura 27- Símbolo para registros em MIII ......................................................................... 52
Figura 28 - Resultados sonoros em consequência dos registros utilizados............................ 53
Figura 29- Bula para a peça Anatomic Safari ...................................................................... 65
Figura 30- Símbolo que representa a válvula de escape de ar (associação feita com os valores
das figuras musicais) ............................................................................................................ 66
Figura 31- Bellow shake e ricochete: a) bellow shake; b) ricochete ..................................... 85
LISTA DE EXEMPLOS

Exemplo 1 - Válvula de escape de ar 1 ................................................................................ 66


Exemplo 2- Válvula de escape de ar 2 ................................................................................. 67
Exemplo 3 - Válvula de escape de ar 3 ................................................................................ 68
Exemplo 4 - Clique dos registros ......................................................................................... 69
Exemplo 5 - Clique dos registros ......................................................................................... 70
Exemplo 6 - Percussão com o pé ......................................................................................... 71
Exemplo 7 – ruído das teclas ............................................................................................... 72
Exemplo 8 - Band................................................................................................................ 73
Exemplo 9 - Band................................................................................................................ 73
Exemplo 10 - Válvula de escape de ar 1 .............................................................................. 77
Exemplo 11- Válvula de escape de ar 2 ............................................................................... 79
Exemplo 12 - Clique dos registros e percussão sobre os botões do teclado esquerdo ............ 80
Exemplo 13 - Trinado percussivo ........................................................................................ 81
Exemplo 14 - Vibrato percussivo......................................................................................... 82
Exemplo 15 - Tipos de percussão ........................................................................................ 83
Exemplo 16 - Percussão sobre o fole ................................................................................... 84
Exemplo 17 - Técnica estendida - band ............................................................................... 85
Exemplo 18 – Ricochete 1 ................................................................................................... 86
Exemplo 19 – Ricochete 2 ................................................................................................... 87
Exemplo 20 – Ricochete 3 ................................................................................................... 87
Exemplo 21- Cluster............................................................................................................ 89
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 12
2 REVISÃO DE LITERATURA I .............................................................................. 16
2.1 UMA VISÃO GERAL SOBRE TÉCNICA ESTENDIDA ............................................................ 16
2.1.1 Notação Musical Contemporânea ...................................................................... 25
3 REVISÃO DE LITERATURA II ............................................................................. 28
3.1 O ACORDEON/ ASPÉCTOS HISTÓRICOS E ESTRUTURAIS; TRAJETÓRIA REGIONAL/
UNIVERSAL; TÉCNICAS ESTENDIDAS PARA ACORDEON ............................................................ 28

3.1.1 Aspectos históricos e estruturais da evolução do acordeon............................... 29


3.1.2 O Cheng chinês ................................................................................................... 31
3.1.3 Categorização do acordeon ................................................................................ 31
3.1.4 O acordeon de Cyrill Demian (Viena 1829) ....................................................... 33
3.1.5 Sistema de ação única (single action) ou bissonoro e sistema de ação dupla
(double action) ou unissonoro ............................................................................................ 34
3.1.6 Primeiros acordeons diatônicos ......................................................................... 36
3.1.7 Primeiro acordeon do tipo unissonoro ............................................................... 37
3.1.8 Estruturas dos teclados para mão esquerda a partir do final do século XIX ... 39
3.1.9 O Acordeon Conversor atual ............................................................................. 40
3.1.9.1 Mecanismos que compõe o Acordeon Conversor atual ....................................... 41
3.1.9.2 Teclado para a mão direita (MI)............................................................................ 42
3.1.9.3 Mecanismo para a mão esquerda – ‘Baixo Standard’ (MII) ................................... 42
3.1.9.4 Mecanismo para a mão esquerda – ‘Baixo Solto’ (MIII) ....................................... 46
3.1.10 Acordeons mais utilizados nos dias atuais ......................................................... 48
3.1.11 Registros ............................................................................................................. 48
3.1.11.1 Registros para teclado da mão direita- MI ......................................................... 49
3.1.11.2 Registros para teclado da mão esquerda- MII .................................................... 50
3.1.11.3 Registros para teclado da mão esquerda- MIII................................................... 52
3.2 TRAJETÓRIA REGIONALISMO/UNIVERSALISMO .............................................................. 53
3.2.1 O Acordeon Diatônico/música folclórica ........................................................... 53
3.2.1.1 A relação Acordeon Diatônico e os imigrantes no Brasil....................................... 54
3.2.2 Acordeon Baixo Standard e a música folclórica e ou popular .......................... 55
3.2.3 O Acordeon Baixo Standard e o Acordeon Conversor inseridos no universo da
música de concerto ............................................................................................................. 57
3.2.4 Similaridades técnicas do acordeon com outros instrumentos ......................... 62
3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS TÉCNICAS ESTENDIDAS UTILIZADAS NAS PEÇAS ANATOMIC
SAFARI, FRAGILLISIMO E SIEBEN WORTE COM NECESSÁRIOS ESCLARECIMENTOS DE
PARTICULARIDADES DA ESCRITA PARA ACORDEON ................................................................. 63

3.3.1 Válvula de escape de ar 1 ................................................................................... 66


3.3.2 Técnicas estendidas com características percussivas ........................................ 69
3.3.3 Band .................................................................................................................... 72
4 MEMORIAL DAS OBRAS EDGITO, ALMA NORDESTINA E O PASSEIO .... 75
4.1 PARÁGRAFOS INTRODUTÓRIOS DAS PEÇAS .................................................................... 76
4.2 ANÁLISE DAS TÉCNICAS ESTENDIDAS UTILIZADAS ......................................................... 76
4.2.1 Válvula de escape de ar ...................................................................................... 76
4.2.2 De características percussivas ............................................................................ 79
4.2.3 Band .................................................................................................................... 84
4.2.4 Ricochete ............................................................................................................. 85
4.2.5 Cluster ................................................................................................................. 88
PARTITURAS ................................................................................................................... 91
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 136
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 139
12

1 INTRODUÇÃO

Entre meados do século XX e início do XXI, houve modificações significativas em


diversas subáreas da atividade musical. Processos, métodos, sistemas, técnicas e/ou teorias
relacionados à composição, ao ensino, à pesquisa e à performance musical foram criados,
transformados e caíram em desuso conforme as necessidades específicas da época. Tangente à
composição musical, uma das características mais evidentes da música composta neste
período foi o grande número de novos recursos tímbricos que passaram a ser utilizados na
criação musical. Edgar Varèse destaca a importância desta exploração tímbrica ao considerar
que “[...] são os sons como tais os componentes estruturais básicos da música, mais essenciais
que a melodia, a harmonia e o ritmo” (GROUT; PALISCA, 1994)1. Durante este período
houve assim o que foi denominado como emancipação do timbre, no qual o parâmetro passou
a ter uma importância similar a parâmetros musicais que, durante muito tempo, estiveram
favorecidos hierarquicamente no imaginário do compositor erudito, tais como a altura e a
duração (SCHNITKKE, 2002).
A busca por novos timbres resultou no uso de novos recursos tanto eletrônicos, quanto
voltados à construção, ao aperfeiçoamento e ao desenvolvimento de novas técnicas de
execução aplicadas aos instrumentos tradicionais, denominada então de técnicas estendidas2.
Dizem Padovani e Ferraz (2011):
Tradicionalmente associada às técnicas de performance instrumental, a
expressão técnicas estendidas se tornou comum no meio musical a partir da
segunda metade do século XX, referindo-se aos modos de tocar um
instrumento ou utilizar a voz que fogem aos padrões estabelecidos
principalmente no período clássico-romântico. (PADOVANI e FERRAZ
2011, p.11)

Partindo desta definição, alguns exemplos de técnicas estendidas que foram


desenvolvidas e/ou exploradas durante meados do século XX são: o cluster, o piano
preparado, novos harmônicos, multifônicos, utilização do vibrato com a língua nos
instrumentos de sopro; nos instrumentos de cordas, o uso de partes do corpo do instrumento
para sons percussivos, alguns tipos de trêmulo, glissandos, além de sons falados e
murmurados (palavras, sílabas, letras, ruídos) nas peças vocais e, por vezes, em peças
instrumentais. Para melhor fundamentar alguns dos exemplos recém-elencados e podermos

1
Na peça Ionization (1993), escrita para uma enorme bateria de instrumentos de percussão (incluindo piano e
campainhas), além de correntes, bigornas e sirenes, Varèse criou uma forma que se define pelas massas e blocos
sonoros contrastantes.
2
Tradução direta da expressão em inglês “extended technique” (TOKESHI 2004, P. 52).
13

compreender melhor a inserção dos mesmos em um contexto como sendo técnicas estendidas,
Tokeshi diz: “Recursos considerados tradicionais como, harmônicos, pizzicato e vibrato,
quando tratados de forma não convencional, também são objeto de estudo de técnica
estendida” (TOKESHI 2004, p.53). Compositores como: Brian Ferneyhough (ver obra Unity
Capsule), Helmut Lachenmann (ver obra Gran Torso), Felipe Ribeiro (ver obra Desassossego
Latente), Arthur Kampela (ver obra Percussion Study I), dentre muitos outros, passaram a
explorar cada vez mais toda a potencialidade de instrumentos acústicos e eletrônicos,
ampliando ainda mais a paleta de recursos tímbricos disponíveis na literatura.
Apesar desta exploração tímbrica cada vez mais crescente, na busca por novas
sonoridades e técnicas de execução, observa-se ainda uma grande lacuna sobre o assunto
referente a muitos instrumentos, sejam estes tradicionais ou não convencionais ao âmbito
orquestral. Esta busca está relacionada à curiosidade, inventividade do compositor e ao
domínio técnico do intérprete sobre o seu instrumento. Neste âmbito, um dos instrumentos
que muito tem chamado atenção no cenário da música contemporânea principalmente na
Europa, graças à sua evolução no que diz respeito às possibilidades sonoras e técnicas, é o
Acordeon. Considerado um instrumento aerofônico, este tem como seu “antepassado” o
Cheng, instrumento Chinês criado a cerca de 3.000 anos A.C.
O Acordeon pode ser classificado em dois tipos básicos: o diatônico e o unissonoro.
Os dois (sub)tipos que tem despertado o fascínio de compositores e instrumentistas são os do
tipo unissonoro: Primeiro surge o acordeon conhecido como BAIXO STANDARD e em
seguida o acordeon BAIXO SOLTO ou Free Bass, estas duas denominações estão
relacionadas diretamente aos distintos mecanismos para a mão esquerda (baixos). Para a mão
direita, tanto no acordeon Baixo Standard quanto no Acordeon Baixo Solto, está disponível
um teclado semelhante ao do piano, ou podendo este ser um teclado de botões.
Posteriormente, após muitos experimentos e inquietude por parte de instrumentistas e
fabricantes pesquisadores, estes dois mecanismos para a mão esquerda puderam estar contidos
em um mesmo instrumento, sendo acionado um ou outro com um rápido click por meio de
uma chave conversora, surge então o ACORDEON CONVERSOR. O moderno Acordeon
Conversor tem tido uma inserção progressiva no âmbito orquestral e camerístico, tanto como
um instrumento solista, quanto fazendo parte de um conjunto. Compositores como Ole
Schmidt, Nils Viggo Bentzon, Per Norgard, Poul Rovsing Olsen, Torbjörn Lundquist, Arne
14

Nordheim, Kayser, Norholm, Vagn Holmboe3 se dedicaram à escrita orquestral, na qual o


Acordeon Conversor assume um papel de grande relevância (HERMOSA, 2012).
É importante salientar que, embora no decorrer desta pesquisa sejam apresentadas as
vantagens da dualidade do mecanismo para a mão esquerda do moderno Acordeon Conversor,
as obras compostas para este trabalho farão uso do acordeon Baixo Standard. Sendo este
último o instrumento de posse do mestrando, esta decisão foi tomada pensando na viabilidade
de execução das peças pelo mesmo4.
O desejo de aprofundar melhor sobre o tema “técnicas estendidas” direcionadas ao
acordeon, motivado pela carência de literatura sobre o assunto nos manuais de orquestração,
motivado pela carência de literatura sobre o acordeon de modo geral, e ao mesmo tempo
pensando na contribuição que esta pesquisa pode trazer para a inventividade do compositor,
para a pesquisa na área de composição, para a área de performance e de criação
composicional; todas estas questões se encontram ainda significativamente obscuras e muitas
vezes de difícil acesso para a realidade de muitos compositores de diversos países pelo
mundo, inclusive no Brasil. Isto se deve ao fato das grandes escolas de acordeon, desde o
início do século XX, concentrarem-se principalmente na Europa: a Escola Alemã, a Escola
Soviética, a Escola Francesa, a Escola Italiana, e atualmente a Escola Russa. Além destas
escolas, podemos citar também os Estados Unidos que, entre 1908 e 1960, viveu a “Golden
Age” do acordeon, (HERMOSA, 2008).
Quanto à organização deste trabalho, encontra-se em três partes: 1) Revisão de
literatura I, sobre técnicas estendidas em uma perspectiva geral, que trará uma proximidade
com o tema, serão também mencionadas o surgimento das novas grafias, a importância de
instrumentos oriundos de outras culturas além Europa. 2) Revisão de literatura II,
Apresentação do acordeon, sob uma perspectiva histórica e estrutural (sua evolução), suas
particularidades, características da sua escrita. Desta forma, consequentemente virão à tona
tangentes como as recém-mencionadas no parágrafo anterior envolvendo o instrumento.
Finalizando esta parte, será realizada uma análise de técnicas estendidas para acordeon em
peças de diferentes compositores de destaque no cenário internacional concomitante a uma
breve biografia dos mesmos. 3) O memorial, onde serão analisadas contextualmente as
técnicas estendidas para acordeon presentes nas três composições do mestrando: O Passeio

3
Um dos responsáveis pelas obras compostas por estes autores foi o virtuose acordeonista dinamarquês
Mogens Ellegard (1935-1995).
4
Esta decisão nos traz algumas limitações que consequentemente acabam interferindo na inventividade do
compositor, mas não nos acarreta limitações relacionadas à técnicas estendidas.
15

(acordeon solo), EdGito (acordeon e banjo) e Alma Nordestina (acordeon, zabumba e


triângulo); estas três peças são escritas para o Acordeon Baixo Standard, é importante frisar
que as técnicas estendidas encontradas nestas obras estão relacionadas e contextualizadas sob
uma perspectiva tanto universal quanto regional, onde a inserção de elementos que julgo
remeter à cultura nordestina, em particular, será essencial.
Portanto, é com o intuito e desejo de apresentar a relação acordeon e técnicas
estendidas, além de preencher as demais lacunas mencionadas que envolvem este
instrumento, que este trabalho ganha força para a sua concretização.
16

2 REVISÃO DE LITERATURA I

Neste capítulo são apresentadas as principais discussões que envolvem este tema na
atualidade, buscando sempre através de autores que tratam o assunto demonstrando empenho,
dedicação e compromisso. Concordâncias e divergências se fazem presentes, diferentes
pontos de vista, diferentes contextualizações, porém todos apresentam relevantes
contribuições sobre o tema.

2.1 UMA VISÃO GERAL SOBRE TÉCNICA ESTENDIDA

Tendo como ponto de partida o caráter radicalmente experimental da denominada


Nova Música, o qual rege o pensamento composicional da primeira metade do século XX, é
possível constatar que com a emancipação da dissonância, fato este que muito corrobora para
a também emancipação e autonomia do timbre, faz com que este parâmetro venha elevar-se a
um patamar até então nunca alcançado, onde o mesmo não mais se encontra subordinado
hierarquicamente a parâmetros como altura, forma, duração (SCHNITKKE, 2002, p.101).
Uma das características mais evidentes da música composta neste período foi o grande
número de novos recursos tímbricos que passaram a ser utilizados na criação musical. Dentre
os compositores que seguiram com este experimentalismo sempre buscando obter novas cores
sonoras através de instrumentos tradicionais destacam-se: Edgar Varèse (1883-1965), Henry
Cowel (1897-1965), John Cage (1912-1992), Iannis Xenakis (1922-2001), Karlheinz
Stockhausen (1928-2007), Krzysztof Penderecki (1933-), Luigi Nono (1924-1990) dentre
outros. (ISHII, 2005, p. 4; PRADA, 2010). Varèse, através de sua obra, é tido como decisivo
para o reconhecimento do timbre na “nova música”; o mesmo, dando ênfase a importância da
exploração do timbre chega a dizer que: “[...] são os sons como tais os componentes
estruturais básicos da música, mais essenciais que a melodia, a harmonia e o ritmo”.
(GROUT; PALISCA, 1994, p.744). Vejamos uma fala de Schoenberg sobre a relevância do
timbre:
De toda forma, nossa atenção voltada aos timbres está cada vez mais ativa,
está se aproximando cada vez mais da possibilidade de descrevê-los e
organizá-los [...] Agora, se é possível criar padrões fora dos timbres que são
diferenciadas de acordo com alturas, padrões podem ser chamamos de
"melodias", progressões, cuja coerência evoca um efeito análogo a processos
do pensamento, então pode ser possível construir essas progressões fora dos
timbres de outra dimensão, além daquilo que chamamos simplesmente de
"timbre", progressões cujas relações uma com a outra trabalham com uma
17

espécie de lógica equivalente àquela lógica que nos satisfaz na melodia das
alturas.5 (CARTER, 1978, p.421) (Tradução nossa).

Schoenberg (1938, apud ISHI, 2005)6 destaca não somente a importância deste
parâmetro, mas já nos deixa transparecer aqui o que podemos entender como já sendo uma
atitude técnico/composicional de manipulação do timbre. Outro que dedicara esforços, tendo
consciência quanto ao protagonismo do timbre, é Schnittke. Este compositor parece dar
seguimento ao pensamento de Schoenberg ao se ocupar com a busca pela definição e
esclarecimento de termos como: consonância tímbrica, harmonia tímbrica, dissonância
tímbrica, polifonia tímbrica, modulação tímbrica e contraponto tímbrico (SCHNITTKE, 2002,
p.102).
Em decorrência desta busca por novas cores sonoras a partir da utilização de novas
maneiras ou de novas técnicas não habituais de se tocar um instrumento, houve então uma
atenção específica por parte de pesquisadores, que passaram a denominar tais técnicas como
técnicas estendidas. Tanto no Brasil quanto em outros países, entre as diferentes áreas da
música, com ênfase nas áreas da composição e da performance, muitos têm sido os
pesquisadores que vêm se dedicando a este tema. Padovani e Ferraz (2011) dizem:

Tradicionalmente associada às técnicas de performance instrumental, a


expressão técnica estendida se tornou comum no meio musical a partir da
segunda metade do século XX, referindo-se aos modos de tocar um
instrumento ou utilizar a voz que fogem aos padrões estabelecidos
principalmente no período clássico-romântico. (PADOVANI e FERRAZ
2011, p.11)

Outra definição de técnica estendida, desta vez segundo Ishi, é: “O termo [...]
comumente usado para descrever uma técnica não convencional de se tocar um instrumento
[...]” (ISHI 2005, p. 1)7 (Tradução nossa).

Partindo destas definições, e buscando evidenciar de uma forma mais palpável o


contexto que define algo como sendo técnica estendida, temos então alguns exemplos destas

5
Anyway, our attention to tone colors is becoming more and more active, is moving closer and closer to the
possibility of describing and organizing them[...] Now, if it is possible to create patterns out of tone colors that
are differentiated according to pitch, patterns we call ‘melodies’, progressions, whose coherence evokes an
effect analogous to thought processes, then it must be possible to make such progressions out of the tone colors
of the other dimension, out of that which we simply call ‘tone color’, progressions whose relations with one
another work with a kind of logic equivalent to that logic which satisfies us in the melody of pitches. (CARTER,
1978, p.421)
6
Schoenberg, Arnold. Drei Klavierstucke, Op. 11. Vienna: Universal Edition, 1938.
7
The term extended techniche is commonly used to describe an unconventional techniche of playing a musical
instrument. (ISHI, 2005, P.1)
18

técnicas que foram desenvolvidas e/ou exploradas desde o início do século XX: O piano
preparado, novos harmônicos, multifônicos, utilização do vibrato com a língua nos
instrumentos de sopro; nos instrumentos de cordas, o uso de partes do corpo do instrumento
para sons percussivos, alguns tipos de trêmulo e glissandos, além de sons falados e
murmurados (palavras, sílabas, letras, ruídos) nas peças vocais e, por vezes, em peças
instrumentais e muitos outros recursos.
Atualmente mesmo com o considerável número de literatura destinada ao tema técnica
estendida ou extended techniques, alguns pontos, algumas abordagens, assim como a
levantada por Tokeshi que recém foi apresentada, são tidos(as) ainda como obscuros e
carecem de um debate mais objetivo na tentativa de um consenso que melhor delimite este
território, ou seja: O que de fato podemos considerar como sendo técnicas estendidas? Um
segundo ponto que neste momento inicial desta dissertação enfatizaremos e que também tem
gerado controvérsia é: em se tratando de Brasil, a importância de um consenso a respeito da
tradução do inglês para o português da terminologia extended techniques; isto pois, foi
possível observar em muitos trabalhos a utilização quase que sem distinção ou sem o devido
discernimento tanto dos termos ‘técnica estendida’ como também ‘técnica expandida' ao se
referir à essência deste escopo. O reflexo destas duas questões abordadas, é que,
primeiramente no cenário internacional, temos uma relevante incerteza quanto às delimitações
deste território, e segundo, para as pesquisas no Brasil, temos entraves ou impasses que
podem dificultar a busca de informações por parte de estudantes interessados neste assunto.
A revista Hodie, volume 11, n.2 (2011), que tem como responsável a pesquisadora e
contrabaixista Sonia Ray, traz nesta edição importantes contribuições com textos
apresentando as principais discussões envolvendo técnicas estendidas na prática musical da
atualidade. No editorial desta publicação Ray diz:

Alguns dos conceitos de técnica estendida aqui apresentados são


conflitantes, o que muito interessa a discussão proposta. Os conflitos
conceituais são parte de nossos debates em sala de aula, em congressos e em
seminários de pesquisa na área, [...]. Acredito ser menos urgente definir um
conceito para a técnica que discuti-la e registrar as várias abordagens que
tem sido publicadas em textos da área de música, [...]. Talvez o ponto mais
conflitante esteja nas tentativas de definir se ‘estendidas’ são ‘técnicas
inovadoras’ ou ‘técnicas tradicionais que evoluíram’ até se transformarem
em uma nova técnica. Se inovadoras, tende-se a querer definir se são
estendidas por seu ineditismo na ‘forma de execução’ ou no ‘contexto em
que são executadas’. (RAY 2011, p. 1)
19

A esta fala de Ray é possível ainda acrescentar outro ponto a fazer parte desta
discussão, ou seja, a recorrente presença do termo ‘não usual’ associado às definições de
técnica estendida. Sobre este termo, Toffolo diz: “[...] o termo ‘não usual’ na maneira de se
tocar um instrumento mudou sensivelmente ao longo da história” (TOFFOLO, 2010). Isto nos
mostra que as técnicas instrumentais, historicamente estão em uma constante transformação, e
o que fora considerado em algum momento como não usual, pode em outro vir a ser
considerado convencional. Muitos podem ser os fatores que corroboram para estas
transformações e estas considerações, por exemplo, a evolução dos instrumentos, curiosidade
dos instrumentistas, a inventividade dos compositores, dentre outros. Vejamos ainda o que diz
Cerqueira (2007), onde se referindo à inquietude e o desejo pelo “novo”, embora
particularmente acreditando que o mesmo não tenha a pretensão de se referir diretamente a
técnicas estendidas, mesmo assim, entendo através da seguinte fala como sendo algo que
fomenta este ponto desta discussão:

[...] as obras artísticas são objetos incômodos, não tanto por serem estranhos,
mas por serem diferenciados, tendendo a desviar-se, propositadamente, de
toda função convencional, mesmo quando a servidão histórica os obriga. A
mudança e a ruptura dos estilos são a resposta dos criadores à pressão das
sociedades e dos modelos tradicionais para que a expressão artística se torne
um consenso, uma linguagem pública e transparente, acomodada ao gosto e
à comunicação cotidiana (CERQUEIRA, 2007, P. 161)

A fala de Cerqueira certamente nos ajuda a compreender melhor, dentre outras


coisas, as razões, os estímulos que impulsionaram e/ou motivaram as transformações técnico-
instrumentais sofridas ao logo da história.
Sendo assim, com base nos levantamentos sobre técnicas estendidas colocados nesta
dissertação até o momento, e com o intuito de contribuir com o avanço das pesquisas, sigo
agora com o posicionando particular a respeito da tradução do termo em inglês, extended
techniques para o português, onde para isto, veremos quais os direcionamentos que alguns
dicionários apontam referindo-se aos entrelaces das traduções e seus sinônimos relacionados à
terminologia; ao mesmo tempo busca-se aqui evidenciar estas definições que naturalmente
nos fará associá-las a conceitos sobre técnicas estendidas já abordados e que por ventura ainda
serão aqui discutidas.
Pesquisadores como: Caricini; Oliveira; Ray (2010), Padovani; Ferraz (2011), Borém;
Campos (2016), Rosa (2014), Nunes (2014), Cardassi (2011) e Daldegan (2009), Bertissolo;
Rios; Pereira; Marques (2017) adotaram a tradução para o português como “técnica
20

estendida”. Enquanto pesquisadores como: Tokeshi (2005), Onofre; Alves (2010), Cuervo
(2009), Sousa (2013), Aquino (2017), Oliveira, O; Oliveira, H.(2012) adotaram como
tradução o termo “técnica expandida”.
Os dicionários The Landmark Dictionary (2010, p.89), Cambridge Dictionary Online8,
Collins Dictionary9, nos traz para o português as seguintes traduções do verbo extend; o
primeiro define como: estender, prolongar, prorrogar; o segundo define como: ampliar,
aumentar; e o terceiro como: prolongar, aumentar, estender, prorrogar. O resultado desta
consulta nos mostra grande similaridade entre as definições encontradas, e certamente como
esperado, temos a presença do verbo ‘estender’, o qual, de acordo com o Dicionário Aurélio
de Português Online10, apresenta as seguintes definições: desenrolar, esticar, prolongar,
desenvolver, dilatar-se, desdobrar, entre outras. Este último dicionário nos traz uma maior
quantidade de sinônimos, mas sempre mantendo a essência do significado de origem, em
inglês, e as ligações com conceitos de técnica estendida, como por exemplo, os de Tokeshi
(2014), já mencionados, e os de Padovane e Ferraz, onde agora estes dois últimos autores, de
modo mais abrangente, dizem que técnicas estendidas são:

[...] modos de tocar um instrumento ou utilizar a voz que fogem aos padrões
estabelecidos principalmente no período clássico-romântico. Em um
contexto mais amplo, porém, percebe-se que em várias épocas a
experimentação de novas técnicas instrumentais e vocais e a busca por novos
recursos expressivos resultaram em técnica estendidas. Nesta acepção, pode-
se dizer que o termo técnica estendida equivalente a técnica não-usual:
maneira de tocar ou cantar que explora possibilidades instrumentais, gestuais
e sonoras pouco utilizadas em determinado contexto histórico, estético e
cultural (PADOVANE; FERRAZ, 2011, P. 11)

Dentro deste contexto apresentado pelos autores supracitados e fazendo referência aos
verbos estender, desenvolver, ampliar, ultrapassar, os quais se encontram relacionados nos
dicionários recém-mencionados, é possível entender ‘técnicas estendidas’ como técnicas não
usuais que desenvolvem-se (com base, ou inspiradas em técnicas “convencionais”),
ultrapassam contextos históricos, estéticos e culturais sejam quais forem, e sem ao mesmo
tempo deixá-los de lado, e com isto adquire de certo modo uma autossuficiência que garante a
sua inserção em diferentes contextualizações ou diferentes ‘sistemas composicionais’11.

8
http://dictionary.cambridge.org/
9
https://www.collinsdictionary.com/
10
https://dicionariodoaurelio.com/
11
Neste caso o termo sistema composicional está ligado à perspectiva de Pitombeira apresentada no artigo: A
produção de teoria musical no Brasil (PITOMBEIRA, 2015 p. 61-72)
21

Talvez esta autossuficiência adquirida seja o que abre precedentes para que Ray viesse a
considerar como técnica “inovadora”.
A pesquisadora Sônia Ray, como foi possível perceber, adotou como tradução do
termo em inglês, extend technique, como sendo ‘técnica estendida’ no português; além disso,
na já mencionada edição da revista Hodie (2011), a mesma sugere aos autores a utilização do
termo ‘técnica estendida’, no intuito de unificar o termo, e por entender que os autores tendem
a não diferenciar seu significado, mesmo com o considerável distanciamento entre as grafias;
a mesma ainda argumenta que: “[...]o verbo estender que vem do latim extendere, e nos leva a
intuir a grafia com ‘x’. Entretanto como tantas outras palavras com origem no latim, não se
manteve o prefixo original na ortografia brasileira”. Ray (2011, p.11).
A opção adotada nesta pesquisa foi por seguir em concordância com a pesquisadora
pelo uso do termo ‘técnica estendia’, como já foi possível observar desde o título. Além dos
argumentos de Ray em prol deste termo como tradução para o português, julgo enriquecedor
acrescentar nesta pesquisa que, diferentes línguas podem ter em comum uma mesma língua
mãe, como é o caso do português e o inglês que derivam do latim12; há palavras que tanto em
relação à língua de origem quanto em relação a diferentes línguas de mesma origem, podem
receber duas diferentes classificações; vejamos os seguintes casos: a) quando a palavra em
questão mantem a proximidade gráfica e ao mesmo tempo mantem o significado original,
tanto em relação à língua de origem ou em relação entre diferentes línguas de mesma origem,
neste caso dá-se a classificação como “cognato”; e b) quando a palavra em questão mantem a
proximidade gráfica tanto entre a língua de origem ou entre línguas de mesma origem, porém
em consequência de diversas questões, como culturais, ou de adaptação destas novas línguas
em diferentes ambientes, o resultado pode ser diferentes significados para esta palavra, tanto
entre estas línguas derivadas, ou quanto entre alguma língua derivada e a língua da qual esta
teve sua origem; estes casos são classificados como “falsos cognatos”. Sendo assim, ao
retornarmos às traduções trazidas pelos dicionários consultados, fica evidente que do inglês
para o português o verbo extend sofreu uma desprezível alteração gráfica, e nenhuma
alteração quanto ao seu significado entre estas duas línguas, (isto se evidencia mais ainda ao
compararmos as conjugações, extendend e estendida relacionadas ao nosso escopo); concluo
então tratar-se de um “cognato”. Desta forma, entendo como mais coerente adotar como

12
O inglês tem sua origem no idioma dos Anglos e Saxões, povos bárbaros germanos, que no século V depois de
Cristo invadiram a Bretanha, atual Reino Unido da Grã-Bretanha. Durante sua evolução, diferentes línguas
exerceram influência sobre o inglês, assim como o latim por influência do cristianismo (RICARDO, 2017)
22

tradução o verbo estender ao invés de expandir13, mesmo este segundo apresentando


definições bastante similares às do verbo estender.
A busca por novos timbres, novos sons, não se restringiu apenas ao âmbito das
possibilidades acústicas dos instrumentos; a partir de meados dos anos 40 com o
estabelecimento da música eletroacústica, esta busca passa a tomar dimensões cada vez mais
abrangentes em consequência dos resultados das investigações sobre as diversas formas de
manipulação do timbre. Naturalmente, nesta pesquisa, não cabe aqui enveredar por tal
vertente visando a obtenção de novos timbres, o que fugiria ao nosso escopo. Normalmente
muitos destes procedimentos técnico-timbrísticos interagem composicionalmente com as
possibilidades acústicas dos instrumentos, podendo ser o performer ou outrem o responsável
pela ação eletrônica, porém o resultado do manuseio do aparato tecnológico, que é trabalhado
em tempo real, sendo independente dos resultados acústicos decorrentes do instrumento. O
que de fato chamou atenção, observado em algumas pesquisas, e que fomenta esta discussão
sobre técnica estendida, trata-se da prática musical conhecida como live-eletronics; nesta
prática são relacionadas a dimensão instrumental com a dimensão eletroacústica, acontecendo
o processamento de sinal em tempo real. Garnett (2001) apresenta os seguintes aspectos de
como se dá a interação instrumentista e máquina nesta estética: “[...] as ações do interprete
afetam o resultado computacional, ou as ações do computador afetam o comportamento do
interprete. As mesmas podem ocorrer em diferentes níveis de complexidade, e podem ser
combinadas de várias maneiras”14 (GARNETT 2001, p. 23) (tradução nossa). Vejamos ainda
uma descrição de Toffolo sobre o funcionamento desta prática:

Pode-se utilizar a velocidade do gesto corporal do instrumentista, a força de


seu gesto, posição espacial, a dinâmica do que está tocando, o
reconhecimento de notas ou eventos sonoros produzidos pelo instrumentista
para controlar a forma como o timbre será manipulado ou re-sintetizado pelo
aparato composicional. (TOFFOLO 2010)

Portanto percebe-se através destes dois últimos pesquisadores supracitados um novo


relacionamento entre o instrumentista e os sistemas computacionais; o instrumentista agora se
encontra diante de possibilidades técnicas que vão além das possibilidades acústicas de seu
instrumento, e o que vai se desdobrar eletronicamente depende da precisão e do domínio
técnico do mesmo ao executar notas ou distintas técnicas pré-estabelecidas que causarão os

13
Significado equivalente a: Prolongar, dilatar, estender, derramar, ampliar, difundir.
14
[...] either the performer’s actions affect the computer’s output, or the computer’s actions affect the
performer’s output. These can occur at fairly simple levels or at more complex levels, and they can be combined
in vari ous ways.
23

desdobramentos tecnológicos de manipulação e re-sintetização em tempo real destes sons e


timbres “causadores”. Esta prática está associada ao conceito de Hiper–instrumento15
estudada pelos pesquisadores do Media Lab Massachusetts Institute of Technology em 1987
(cf. MACHOVER, 1992).
Uma pergunta que surge para fomentar a nossa discussão é: A prática conhecida como
live-eletronics, onde o instrumento associado ao computador responde acusticamente
diferente do usual, pode ser considerada como técnica estendida?
Outro fator constatado ao longo da história da música que não podemos deixar de
mencionar e que muito corroborou para a ascensão e solidez do que hoje abrange as
discussões sobre técnica estendida, trata-se da relação compositor e intérprete, a qual nem
sempre se mostrou uma relação dialógica. Durante o período da denominada ‘Prática
Comum’16, temos relatos de que compositores, principalmente aqueles que detinham cargos
de maior prestígio, tinham muitas vezes à sua disposição formações instrumentais de
diferentes proporções, permitindo assim as realizações de suas obras; neste período podemos
dizer que, embora muitos compositores tivessem uma relação de proximidade com muitos
interpretes, esta relação se restringia muitas vezes pela confiança nas qualidades técnicas e no
virtuosismo de determinado interprete, mas não por razões de cumplicidade ou reciprocidade
que viessem a contribuir para a concepção das obras. Para que tenhamos uma ideia desta
relação, podemos tomar como referência uma simbólica frase de Beethoven, a qual retrata
uma posição bastante orgulhosa do compositor: “Ele acha que eu considero seu tolo violino
quando o espírito fala comigo?”17 (FOSS, 1963, p. 46) (Tradução nossa). Naturalmente não
podemos tomar esta frase condizente a todos os compositores.
No início do século XX estes dois lados seguem ainda com o mesmo distanciamento,
no entanto, surge agora a figura do instrumentista pesquisador, o qual ao descobrir novas
possibilidades em seu instrumento passa a difundi-las, cabendo ao compositor utilizá-las ou
não em suas criações (já temos aqui a busca por novos timbres, novos sons da ‘nova música’).
Segundo o compositor e pesquisador Lukas Foss, os avanços do movimento da música
eletrônica serviram para que paradoxalmente intensificasse os avanços das pesquisas voltadas
à exploração do potencial tímbrico dos instrumentos, das novas sonoridades; é neste momento
que estreita-se a relação entre os dois lados, onde ambos percebem a importância da

15
Na peça Tanpura for hipercello (2011-2013) de Cristian Gentilini podemos conhecer melhor este conceito.
Acesso através do seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=NKyvt8O5OYw
16
Período na história da música que engloba o Barroco, Classicismo e o Romantismo, aproximadamente de 1600
a 1900.
17
"Does he think I have his silly fiddlein mind when the spirit talks to me”?
24

cumplicidade, da troca de conhecimento de suas especialidades, visando tanto atender ao


processo de criação e inventividade do compositor, quanto a ampliação de um repertório
específico e idiomático para os performers dos mais diversos instrumentos (FOSS, 1963).
Esta aproximação, esta afinidade entre compositores e interpretes, principalmente desde a
segunda metade do século XX até a atualidade, tem reflexo direto nos excelentes resultados
para o campo das técnicas estendidas, assim como os trabalhos dos compositores interpretes.
Vejamos o que a pesquisadora Sônia Ray diz sobre a relevância da proximidade entre
compositor e interprete para o campo das técnicas estendidas na atualidade:

O desenvolvimento de técnicas estendidas e até a criação de novas propostas


de execução instrumental estão diretamente ligadas à relação próxima de
compositores especializados em compor e intérpretes especializados em
execução. Nos dias de hoje, o fato dos músicos raramente deterem o domínio
destes dois processos artísticos, praticamente demanda que inovações
dependam desta colaboração. (Ray, 2010, p. 1313)

Esta fala de Ray reforça ainda mais a visão de Foss sobre a importância do trabalho
em conjunto entre compositor e intérprete, além de levantar a atual questão sobre o número
bastante reduzido de compositores-intérpretes em relação a outros períodos da história da
música.
Agora, em uma síntese realizada por Stefen (2012), vejamos como o mesmo procura
situar abordagens sobre técnicas estendidas, dentre as quais, muitas foram já discutidas neste
capítulo.

Pôde-se perceber que o desenvolvimento das técnicas estendidas ao longo


dos séculos XX e XXI ocorre nos campos da composição e da performance
musicais, sendo possível um pensamento para a sua classificação a partir de
duas situações: deslocamento de contextos (composição e performance) e
extensões de ordem mecânica (execução musical).

No campo das extensões de ordem mecânica, a técnica estendida surge pela


busca de novos timbres, por exemplo, pela incorporação de objetos na
execução instrumental; ou ainda, através de colaborações entre compositores
e performers, no intuito de ampliação de repertório.

No campo extensão por deslocamento de contexto, identificaram-se diversas


situações em que as técnicas estendidas surgem: através da intervenção vocal
na música de caráter puramente instrumental; da incorporação de recursos
cênicos no ato performático instrumental; da imbricação de gêneros musicais
ou de estéticas pertencentes a períodos históricos divergentes; da tentativa de
superar a morfologia acabada/fechada dos instrumentos e da incorporação de
aparatos tecnológicos computacionais na execução de instrumentos acústicos
(live-eletronics). (STEFEN, 2012, p. 22)
25

Portanto, é seguindo as diversas abordagens aqui expostas, as quais estão em


conformidade entre a maioria dos autores citados, que esta investigação e criações musicais
envolvendo técnicas estendidas se fundamenta. É importante frisar de antemão que, para as
peças do memorial, não foram tangenciadas abordagens que pudessem envolver o trabalho
com procedimentos eletroacústicos, e segundo, por abordagens que pudessem envolver
práticas que incorporassem elementos cênicos no ato performático, isto se deve por considerar
como prioridade nesta pesquisa o vínculo maior do timbre com o campo das ‘extenções de
ordem mecânica’ assim como colocado por Stefen (2012).

2.1.1 Notação Musical Contemporânea

Como pudemos constatar, diante de todas as discussões envolvendo técnicas


estendidas aqui colocadas, muitos são os processos de criação e inventividade dos
compositores na busca por novos sons e/ou novos timbres por meio da exploração de
instrumentos musicais, ou seja, no campo das extensões de ordem mecânica; no entanto para
que as informações acerca das múltiplas ideias dos compositores fossem colocadas em prática
pelos interpretes, estas informações teriam a necessidade de serem as mais esclarecedoras
possíveis, a fim de que a ideia do compositor fosse de fato compreendida e reproduzida pelo
intérprete, se não exatamente igual como no imaginário do compositor, mas com uma
proximidade satisfatória; esta objetividade se faz ainda mais necessária quando levamos em
consideração a provável impossibilidade de um contato mais direto e pessoal entre intérpretes
e compositores.
Vejamos o que comenta Mendes, (1989) sobre grafismo, no prefácio de Antunes,
(1989):

[...] os novos grafismos surgidos na tentativa de melhor escrever o som novo que
começou a ser inventado pelos compositores da segunda metade deste século, como
Schaeffer, Stockhausen e outros. Um som/ruído, inicialmente batizado de
"concreto", "eletrônico" e atualmente um som sintetizado, digitalizado,
computadorizado [...], provavelmente sempre reflete sua origem no avanço
tecnológico. Mas houve também, por influência desse som eletro-acústico, a procura
de um equivalente no campo da música instrumental e vocal. (ANTUNES, 1989)

Portanto, é pensando em uma codificação que revelasse de uma forma mais


transparente possível que se fez necessária uma notação musical, uma grafia que fosse a mais
objetiva possível, isto pois, somente a notação já consolidada em períodos anteriores da
26

história da música não mais atendia as necessidades deste novo momento em que se
encontrava os anseios e olhares experimentais dos compositores para as suas criações.
Além das necessidades de uma grafia objetiva para a representatividade de ordem
mecânica, a qual está mais associada ao nosso escopo, estende-se ainda esta necessidade para
vertentes experimentais comuns à música de a partir de meados do século XX, como, por
exemplo, aleatoriedade, indeterminismo, improvisação, música eletroacústica (Fernandéz,
2007).
Como curiosidade vejamos o que diz Villa Rojo:

A transformação da partitura surge como uma verdadeira necessidade de buscar os


símbolos mais apropriados para expressar a ideia musical, e jamais com um
propósito autenticamente ligado às artes plásticas ou algo que a música não mais
fosse o foco principal (FERNANDÉZ, 2007, p. 8).18 (tradução nossa)

Esta fala de Jesus Villa Rojo reforça o que já elucidamos sobre as necessidades de
uma nova grafia; além disto, o que nos é curioso aqui diz respeito à notação musical a qual a
música, o resultado sonoro em se, passa a ser tratado por muitos de modo secundário, e a
grafia, a partitura passa a estar mais associada às artes plásticas. Como foi possível perceber
nesta fala de Rojo, o conceito implícito conhecido como ‘música gráfica’ não se encontra em
conformidade com o pensamento do mesmo. É importante frisar, mais uma vez, que coube
aqui colocar esta vertente ligada à grafia musical apenas como objeto de curiosidade.
Além de toda a simbologia ligada à nova notação musical, muitas vezes explicações
através de textos se fazem necessárias para que estes símbolos os quais envolvam a
exploração de instrumentos, ou envolvam momentos de improvisação, de indeterminação, de
aleatoriedade sejam melhores compreendidos pelo(s) intérprete(s).
Diante da vasta e efervescente simbologia utilizada nos trabalhos de diversos
compositores, e com o intuito de unificá-las trazendo praticidade e transparência para o
intérprete, no início da década de 1950 foram publicados os primeiros exemplares expondo
muitos dos símbolos da nova notação musical, os quais tiveram como base análises de peças
de compositores que neste momento ainda não eram familiares como, por exemplo, Luciano
Berio, Pierre Boulez, Sylvano Bussotti, Roman Haubenstock-Ramati e Karlheinz
Stockhausen. Diversos outros encontros ainda se deram com este mesmo propósito
unificador, porém merece destaque a ‘International Conference on New Musical Notation’,

18
La transformación de la partitura surge como verdadera necesidad de buscar los signos más apropiados
para expresar la idea musical, nunca como un propósito auténticamente plástico o extramusical.
27

realizada em parceria com Index Project e com a Belgian State, em Ghent em 1974. (Stone,
1980, p. xvii, xviii)
Muitos atuais manuais sobre notação musical contemporânea trazem símbolos e/ou
grafias estabelecidos(as) a partir desta conferência em Ghent, manuais estes que fazem parte
do cotidiano de muitos compositores e intérpretes.
Portanto com base em todas as discussões abordadas neste primeiro capítulo
envolvendo as mais variadas perspectivas sobre técnicas estendidas e suas possíveis formas de
representações, julgo a partir de então que o leitor se encontra melhor contextualizado para
que com naturalidade assimile as especificidades que circundarão o instrumento em foco
nesta pesquisa durante os dois capítulos seguintes.
Até o presente momento nesta pesquisa, como foi possível observar, não foram
apresentados exemplos práticos de técnicas estendidas direcionadas à nenhum instrumento em
particular. Assim sendo, por entender que com as especificidades e exemplos que envolverão
o acordeon nos capítulos seguintes e com os já abordados conceitos de técnicas estendidas,
ficarão subentendidas as diversas possibilidades e aplicações destas técnicas contextualmente
ligadas a todo e qualquer instrumento musical.
28

3 REVISÃO DE LITERATURA II

Neste capítulo, buscando entender o interesse de compositores e também


instrumentistas sobre o acordeon e a inserção do instrumento na música de concerto,
principalmente na segunda metade do século XX, será realizada uma revisão de literatura para
melhor compreender o acordeon, natureza do instrumento, trajetória evolutiva, com ênfase às
principais transformações e melhorias ocorridas ao longo da história, suas possibilidades
técnicas, questão idiomática e consequentemente possíveis técnicas estendidas a serem
realizadas, particularidades da escrita, veremos sua ligação e relevância para com a música
folclórica em diversos países, sua inserção na música de concerto, mencionaremos a carência
de informações gerais sobre o instrumento nos manuais de orquestração e principalmente a
carência sobre as possibilidades voltadas às técnicas estendidas, relação compositor e
intérprete, relevância do compositor que é também intérprete, por fim, teremos uma análise a
partir de três peças dos seguintes compositores: Per Norgard, Sofia Gubaidulina e Gorka
Hermoza, compositores estes de destaque no cenário internacional atual quando nos referimos
ao caráter experimental direcionado ao acordeon.

3.1 O ACORDEON/ ASPÉCTOS HISTÓRICOS E ESTRUTURAIS;


TRAJETÓRIA REGIONAL/ UNIVERSAL; TÉCNICAS ESTENDIDAS
PARA ACORDEON

Uma das características do pensamento composicional de a partir de meados do século


XX, já bastante enfatizada nesta pesquisa até aqui, refere-se à intensa busca pelos novos sons
e/ou novos timbres, e que não deixa também de estar associada à expansão das capacidades
sonoras tanto no ambiente orquestral quanto em formações instrumentais menores. Visando
alcançar este propósito, uma das atitudes composicionais comuns a este referido período,
trata-se da inserção de instrumentos que fogem às formações instrumentais ortodoxas
consolidadas durante o romantismo no século XIX. Para reforçar a presença desta prática
composicional, é possível constatar seus reflexos e influências em diferentes centros de
atividade composicional pelo mundo no século XX; vejamos, por exemplo, no Brasil, os
dados apresentados por Gomes (2002, p. 124) que, sob uma perspectiva que analisa as
29

formações instrumentais em 38 peças do ‘Grupo de Compositores da Bahia’19, o compositor e


pesquisador brasileiro/baiano constata que: “[...] em apenas 8 obras, das 38 exemplificadas,
não foi utilizado algum tipo de fonte sonora não ortodoxa [...]”; um pouco mais adiante o
mesmo acrescenta: “A utilização de instrumentos desta espécie pode estar ligada, em grande
parte, à influência da música popular e suas possíveis correlações.”
Estas tendências e práticas composicionais supracitadas se tornavam comuns em todos
os grandes centros de atividade composicional contemporânea pelo mundo; podemos destacar
compositores como: P. Hindemith, A. Berg, T. Riley, K. Stockhausen, A. Webern, P. Boulez,
H. W. Henze, G. Grumb, A. Schoenberg, L. Berio, entre outros.
Portanto, diante de tantas evidências que demonstram a real inserção e exploração das
capacidades sonoras de instrumentos não convencionais ao universo da música
contemporânea no século XX, os quais muitos estavam até então associados apenas à música
folclórica e/ou popular de diferentes culturas pelo mundo, a partir de agora será dada uma
atenção especial a um instrumento que, desde então, cada vez mais tem se mostrado presente
nas salas de concerto principalmente na Europa, tanto em formações como solo, grupos
camerísticos ou inserido no ambiente orquestral; trata-se do Acordeon. É possível
observarmos, por exemplo, sua presença em obras dos seguintes compositores: P. Hindemith
(Kammermusik Nr1), A. Berg (Wozzeck, Ato II), S. Gubaidulina (Sieben Worse), entre outros;
no entanto muitas ainda são as lacunas que cercam este instrumento, e para entendermos o
que de fato o acordeon tinha e tem a oferecer a esta estética composicional, será abordado a
partir de agora alguns aspectos de maior relevância sobre instrumento, para torná-lo menos
obscuro quanto a sua história, a natureza do instrumento, suas possibilidades técnicas, (o que
inclui técnicas estendidas) e suas particularidades quanto a grafia.

3.1.1 Aspectos históricos e estruturais da evolução do acordeon

Segundo o Grove Dictionary of Music (2001, p. 56-66), o acordeon é um instrumento


portátil pertencente à família dos aerofones20, que segue o princípio de funcionamento com

19
Grupo atuante entre os anos de 1966 até 1973; se consolidou como uma das maiores expressões criativas da
composição contemporânea brasileira. Revelando o seu forte caráter experimentalista, vejamos a declaração de
princípios exposta no manifesto do Grupo: “Principalmente estamos contra todo e qualquer princípio declarado”
(GOMES, 2002).
20
Refere-se ao termo geral empregado para classificação de instrumentos musicais que produzem som através da
produção de vibrações de ar em um corpo. Os aerofones formam uma das quatro classes originais dos
instrumentos (juntamente com idiofones, membranofones e cordofones) na classificação hierárquica concebida
30

base em palhetas livres, tem uma caixa de teclado (teclas iguais às do piano) ou botões
destinada à mão direita (treble keyboard), e outra caixa constituída apenas por botões,
destinada à mão esquerda (bass keyboard). Estas duas caixas são conectadas por um fole que
quando acionado pelo braço esquerdo, os movimentos de abrir e fechar impulsiona o ar
através das palhetas metálicas, produzindo determinada(s) nota(s). Apresentando
características físicas similares e seguindo o mesmo princípio de funcionamento tem-se a
‘concertina’ e o ‘bandoneon’, figura 1. (HARRINGTON e KUBIK 2001, p. 56).
Mais adiante será esclarecido o termo ‘cromático’ presente nas especificações da
figura a baixo.

Figura 1 - Instrumentos de proximidades físicas e que tem em comum o mesmo princípio de


funcionamento: a) Acordeon ‘cromático a piano’; b) Acordeon ‘cromático de botões’; c) Concertina;
d) Bandoneon.

(a) (b)

(c) (d)
(Domínio público)

O acordeon, embora não tendo o devido reconhecimento por conceituadas


bibliografias sobre história da música, assume um importante posto quando nos referimos à

por E.M. von Hornbostel e C. Sachs, e publicado pelos mesmos no Zeitschrift für Ethnologie em 1914 (BROWN
e PALMER, 2001).
31

música folclórica nos mais distintos países pelo mundo desde o século XIX. Ao mesmo
tempo, as contínuas melhorias ocorridas lhe garantiram uma relevante inserção na música
contemporânea, principalmente desde a segunda metade do século XX se estendendo cada vez
mais até os dias atuais onde a sua presença tem sido bastante significativa nas salas de
concerto por toda Europa.

3.1.2 O Cheng chinês


Segundo as principais bibliografias sobre história do acordeon, estas nos apontam um
instrumento chinês chamado “cheng”21, espécie de órgão de boca a cerca de 3000 A.C., como
sendo o instrumento precursor do acordeon. O cheng tem como princípio de funcionamento as
‘palhetas livres’ que vibram com a ação do ar; observemos na figura 2, (HERMOSA 2013).

Figura 2 - Cheng e seu princípio de funcionamento: a) cheng com palheta livre; b) palheta em
movimento, similar à do cheng.

(a) (b)
Fonte: Monichon (1985, p. 12, 20)

3.1.3 Categorização do acordeon

Antes de dar seguimento com as transformações físicas que sofrerá o acordeon,


especifico este instrumento de forma mais categórica levando em consideração a adequação
dos seus princípios básicos de funcionamento.
21
No link seguinte é possível ter uma melhor referência sobre o som deste instrumento:
https://www.youtube.com/watch?v=_iR-KrbeFs0
32

Sendo o acordeon um instrumento aerofônico, o acordeonista americano Henry


Doktorski decidiu especificar mais ainda esta categoria elaborando uma tabela em que
apresenta a taxonomia de instrumentos em geral, porém sendo bastante específico quanto aos
aerofônicos. O mesmo inicia dividindo este grupo em dois: a) ‘aerofones de tubo’, do qual
faz parte a flauta, o clarinete, fagote, saxofone, entre outros, nesta categoria as notas são
determinadas de acordo a mudança de comprimento do tubo; b) ‘aerofones livres’, fazem
parte o acordeon, a harmônica, entre outros, onde a altura da nota é determinada de acordo ao
comprimento e a espessura das palhetas vibratórias. As palhetas podem ser metálicas, de
bambu, ou plástico, e ainda podem ser classificadas em: a) ‘palheta batente’ e b) ‘palheta
livre’. As palhetas batentes vibram contra outro objeto para produzir o som, podem ser
consideradas ‘simples’, (como no clarinete e saxofone) ou ‘duplas’ (como no oboé e fagote);
as ‘palhetas livres’, no caso do acordeon, tem uma de suas extremidades presa a uma base fixa
e vazada para que a extremidade livre da palheta possa atravessar esta base ao vibrar, figura 3.

Figura 3 - Palhetas livres comuns ao acordeon

(Domínio público)

O grupo dos aerofones de palhetas livres pode ser classificado ainda de acordo com o
elemento que provoca a geração do ar que irá excitar as palhetas: boca, mão, pés ou
mecanicamente. Desta forma a família do acordeon se ajusta à segunda subcategoria - sendo
portanto, um instrumento que funciona pela passagem do ar através de palhetas livres,
metálicas, por acionamento de um fole manual.
Para elaborar todo este princípio de taxonomia supracitado e apresentado por
Doktorski, o mesmo levou em consideração o sistema de classificação de instrumentos
musicais proposto em 1914, pelos musicólogos Erich Moritz (1877-1935) e Curt Sachs (1881-
1959). Disponível em: <http://www.ksanti.net/freereed/description/taxonomy.html>. Acesso
em: 10 mai. 2017.
33

3.1.4 O acordeon de Cyrill Demian (Viena 1829)

Com a introdução do Cheng na Europa em 1777 por Père Amiot, houve um estímulo
ao uso do princípio de palhetas livres para a construção de diversos instrumentos. Isto se
passa em Viena por volta de 1818. Algumas contribuições importantes no desenvolvimento
de instrumentos foram dadas por Buschmann e Demian. Christian Friedrich Ludwig
Buschmann (1805-1864) construiu o mouthblown (Aura) em 1821; no mesmo ano,
acrescentou a este instrumento um teclado de botões e um fole a ser acionado pela mão
esquerda patenteado com o nome de ‘Handaeoline’. Em 1829, a partir do instrumento de
Buschmann, Cyrill Demian (1772-1847), vienense de origem Armênia, com a colaboração de
seus dois filhos, Carlo e Guido, patenteou um instrumento com o nome de ‘Acordeon’, figura
4. O acordeon de Demian continha cinco teclas para a mão direita onde cada uma gerava dois
acordes, sendo um ao abrir o fole e outro ao fechar; desta forma fica então disponível um total
de 10 acordes. Em um trecho da patente de Demian, figura 5, o mesmo diz que seria possível
interpretar marchas, canções, melodias, mesmo por um ignorante em música (dando a
entender ser um instrumento de fácil aprendizado) - devido a esta disposição de “acordes” na
configuração deste instrumento pode-se então deduzir a razão pela escolha do nome
“acordeon”. (MONICHON, 1985)

Figura 4- Acordeon de Demian (1829)

Fonte: Hermosa (2013, p.24)


34

Figura 5 - Patente do acordeon de Demian

Fonte: Monichon (1985, p. 33)

3.1.5 Sistema de ação única (single action) ou bissonoro e sistema de ação


dupla (double action) ou unissonoro

Ainda sobre o acordeon de Demian, e pensando nos próximos modelos que seguirão,
faz-se necessário esclarecer alguns detalhes do funcionamento das palhetas livres. Este
funcionamento pode ser classificado em: a) sistema de ação única (single action) ou
‘bissonoro’22, quando um botão ou tecla está associado a duas notas, sendo uma acionada ao
abrir e outra ao fechar o fole. Portanto, a ‘ação única’ de abrir o fole está associada a uma
determinada nota, e a ‘ação única’ de fechar o fole está associada à outra nota (sendo isto
possível através de uma única tecla ou botão) – este sistema é responsável por acionar os
acordes do acordeon de Demian. A segunda classificação é: b) sistema de ação dupla

22
Classificação utilizada por Monichon (1985, p. 70)
35

(double action), ou ‘unissonora’23, a ação dupla de abrir e fechar o fole acionam a mesma
nota. (HARRINGTON e KUBIK, 2001 p. 57-59)
Mecanicamente estes dois sistemas funcionam da seguinte maneira: Na figura 6 (a),
temos uma peça do acordeon conhecida como ‘cassoto’, nela se encontram pequenas
cavidades (alvéolos), onde serão coladas placas metálicas de tamanho semelhante a cada
alvéolo. Cada placa contém duas palhetas de aço, sendo que uma das extremidades de cada
palheta se encontra presa a uma base fixa (na própria placa metálica), figura 6 (b). As palhetas
se encontram presas em diferentes lados de cada placa, ficando uma do lado interno do
alvéolo, e outra na face oposta ao interior do alvéolo, figura 6 (b). Na base de cada alvéolo
contém um pequeno orifício, figura 6 (a); este pequeno orifício permite a passagem do ar que
fará vibrar as palhetas; isto acontece quando ‘sapatas’ se levantam com o acionamento das
teclas ou botões.
Cada movimento de fole faz vibrar apenas uma das palhetas; isto acontece das
seguintes maneiras: a) ao fechar o fole, o ar é soprado para o interior do alvéolo, exercendo
uma pressão sobre a película de cor amarela, figura 6 (b), que se encontra apenas apoiada na
face externa da placa; desta forma, a pressão do ar para sair do interior do alvéolo provoca o
afastamento da película externa apoiada na placa, o ar então passa pela cavidade na placa
metálica, e consequentemente faz vibrar a palheta voltada para o interior do alvéolo. Ao
mesmo tempo, a pressão do ar para sair do interior do alvéolo faz com que a película interna,
referente a segunda palheta, seja empurrada contra a face interna da placa metálica,
impedindo qualquer passagem de ar por esta segunda cavidade; desta forma a palheta presa na
face externa da placa permanece em repouso. Ao abrir o fole, todo o processo de ativar as
palhetas é bastante semelhante; neste caso, o ar ao invés de ser soprado, o que acontece é uma
espécie de sucção no alvéolo, desta forma, todo o processo anterior acontece de modo inverso,
sendo ativada apenas a palheta voltada para a face externa da placa.
As duas palhetas metálicas fixas em cada placa podem ter tamanhos iguais ou
diferentes, por esta razão é que o acordeon de Demian produz acordes distintos ao abrir e ao
fechar o fole mesmo pressionando a mesma tecla. Portanto este acordeon funciona sob o
sistema de ‘ação única’ ou ‘bissonoro’.

23
Classificação utilizada por Monichon (1985, p. 70)
36

Figura 6 - Cassoto sem palhetas e com palhetas: a) Cassoto sem palhetas; b) Cassoto com
palhetas.

(a) (b)
(Domínio público)

3.1.6 Primeiros acordeons diatônicos

Após o acordeon de Demian, surgem os primeiros modelos de acordeon diatônico no


início da década de 1830, (todos utilizando o sistema bissonoro), estes modelos continham
‘notas soltas’ para cada tecla, uma ao abrir e outra ao fechar o fole, diferentemente dos
acordes do acordeon de Demian. Com base em um modelo de acordeon diatônico criado por
Mathieu François Isoard com a colaboração de Jean Philibert Gabriel Pichenot em 1831 na
França, o próprio Pichenot elaborou um manuscrito explicando parte da estrutura deste
acordeon e apresenta dados de sua afinação, (uma escala diatônica), figura 7. Na figura 8
consta um acordeon similar ao de Isoard, este fora criado também na França em 1835 por
Napoleon Forneaux. (HERMOSA 2013, p. 25)

Figura 7- Manuscrito especificando a afinação diatônica do acordeon de Isoard - França 1831

Fonte: Monichon (1985, p. 39)


37

Figura 8 - Forneaux - França 1835

Fonte: Monichon (1985, p. 45)

Outro importante momento acontece em 1834 quando Adolf Müller, em Viena,


acrescenta ao acordeon diatônico um segundo teclado o qual continha botões com notas
soltas, e ao mesmo tempo botões que dispunham de acordes já pré-organizados, dois acordes
para cada botão, (sistema bissonoro ); este novo teclado ficava a cargo da mão esquerda que
até então tinha como função praticamente apenas abrir e fechar o fole. Na figura 9 encontra-se
um modelo alemão já com teclado esquerdo (HERMOSA 2013, p. 25)

Figura 9 - Acordeon diatônico com teclado para mão esquerda - Alemanha 1840

Fonte: Monichon (1958, p. XXI)

3.1.7 Primeiro acordeon do tipo unissonoro

Como já elucidado no tópico 3.2.4 deste mesmo capítulo, os acordeons do tipo unissonoro
contêm duas palhetas metálicas de mesmo tamanho e igual afinação associadas a cada alvéolo
e/ou a cada tecla, por conseguinte, tanto ao abrir ou fechar o fole obtem-se a mesma nota.
Segundo Hermosa (2013, p. 25), Leon Douce em 1840 patenteou o primeiro acordeon deste
38

tipo; infelizmente durante esta pesquisa não foi encontrada nenhuma imagem deste modelo,
foi possível apenas a sua patente, figura 10.

Figura 10 - Patente do acordeon de Douce -França 1840

Fonte: Monichon (1985, p. 51)

Ainda de acordo com Hermosa (2013), em 1846 surge os primeiros acordeons utilizando
registros24, esta é uma invenção de Jacob Alexandre; este fato permite ampliar a tessitura dos
acordeons e ao mesmo tempo começa ser ampliada a paleta de timbres que posteriormente se
mostrará como um dos grandes atrativos do acordeon. Um outro fato de relevância, porém
que se mostra sob controvérsias, é a respeito dos idealizadores do teclado para a mão direita
de botões, figura 11, similares aos dos acordeons de botões atuais; esta discussão fica entre
Franz Walther em 1850, Nikolai I. Belobodorov em 1870 e Georg Mirwald em 1891.
Em 1853 foi idealizado o teclado para a mão direita igual ao do piano, por esta razão
alguns autores chamam os acordeons que utilizam este modelo de teclado de ‘acordeon a
piano’; esta ideia atribui-se a Auguste Alexandre Titeux e Auguste Theópile Rousseau em
Paris. A utilização deste teclado a piano, em destaque na figura 12, é mais comum entre os
acordeonistas do Brasil.

Figura 11 - Acordeon de Mirwald -Alemanha 1891

Fonte: (Hermosa 2013, p. 27)

24
Posteriormente será discutido de forma mais detalhada sobre registros.
39

Figura 12 - Acordeon de Ignoto - França -1860

Fonte: (Hermosa 2013, p. 27)

3.1.8 Estruturas dos teclados para mão esquerda a partir do final do século
XIX

Desde a implantação do teclado para a mão esquerda em 1834 por Adolf Müller, o
qual segue o princípio de notas soltas e acordes pre-organizados, este princípio foi sempre
mantido, inicialmente seguindo o sistema ‘bissonoro’ e em seguida o ‘unissonoro’; houve
implementações referentes à quantidade de acordes e notas soltas, porém, por um longo
período não se estabeleceu uma padronização deste teclado a ser seguida pelos fabricantes de
acordeon. A partir do final do século XIX três significantes padrões na organização deste
teclado para a mão esquerda se estabeleceram: 1) a padronização dos mecanismos conhecidos
como ‘baixo standard’25 (standard basses); 2) ‘baixos soltos’26 (free bass); 3) baixos
anexados ou (añadidos), neste último mecanismo, o que temos são os dois primeiros
mecanismos contidos no mesmo acordeon encontrando-se um ao lado do outro, figura14 (em
destaque como 1 e 2) ; há controvérsias quanto ao idealizador deste terceiro mecanismo,
alguns autores atribuem à Pasquale Ficosecco em 1898 na Itália, outros atribuem à Savoia
Gagliardi em 1905 em París . Os dois primeiros mecanismos serão explicados de maneira
mais detalhada um pouco mais adiante; o que pretendo de antemão chamar a atenção nestes
dois primeiros é que, ‘fisicamente’, ao se olhar tanto para um teclado esquerdo organizado
sob o mecanismo ‘baixo standard’ quanto para um teclado esquerdo organizado sob o
mecanismo de ‘baixo solto’, os mesmos não aparentam diferença física, ambos se encontram
enfileirados e dispostos como no destaque da figura 13, não havendo necessidade de uma
segunda figura para compará-los, (GERVASONI; HERMOSA 1986, 2013)

25
Mecanismo do teclado da mão esquerda formado por acordes já pré-organizados, (ao pressionar um único
botão é possível ouvir determinado acorde) e notas soltas (com uma oitava de extensão).
26
Mecanismo para a mão esquerda o qual contém apenas notas soltas (atualmente podendo haver até cinco
oitavas de extensão).
40

Figura 13 - Aparência física dos teclados baixos standard e baixos soltos

Fonte: Hermosa (2013)

Sobre a aparência física que caracteriza os ‘baixos anexados’27 ou (añadidos), vejamos


os dois teclados que o caracteriza, destacados na figura 14. Os baixos standard estão
destacados pelo retângulo (2), e os baixos soltos estão destacados pelo retângulo (1). Após
observarmos fica bastante evidente a razão pela escolha do nome ‘baixos anexados’. Como
curiosidade é possível observar a utilização deste mecanismo (duplo) de teclado esquerdo na
performance do alemão Stefan Russong28, um relevante acordeonista da atualidade; para a
respectiva peça executada por Russong, o mesmo utiliza os baixos soltos, referente ao
retângulo 1 em destaque na figura 14. Aos jovens que desejam iniciar os estudos no acordeon,
não mais é indicado utilizar este mecanismo de teclado esquerdo, devido ao fato de o mesmo
não apresentar características ergonômicas muito favoráveis.

Figura 14 - Teclado esquerdo do mecanismo de baixos anexados

Fonte: (Hermosa 2013, p. 30)

3.1.9 O Acordeon Conversor atual

Durante a primeira metade do século XX muitos foram os esforços de acordeonistas e


construtores de acordeon na expectativa de desenvolverem um mecanismo para a mão

27
Mecanismo para a mão esquerda caracterizado pela adição do mecanismo de baixos livres ao mecanismo de
baixos standard.
28
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CnWwNLskaJk
41

esquerda que de uma só vez pudesse apresentar os dois mecanismos presentes nos acordeons
de baixos anexados, porém, que este apresentasse características ergonômicas mais
favoráveis29. É neste momento que surge os primeiros ‘acordeons conversores’, os quais, por
meio de uma chave conversora podia-se optar pela utilização do sistema ‘baixo standard’30,
ou pelo sistema de ‘baixos soltos’31.
Após o surgimento dos primeiros acordeons que utilizavam o mecanismo de baixos
conversores, algumas melhorias ainda foram possíveis de serem realizadas, sempre no intuito
de diminuir qualquer limitação técnica, permitindo ao acordeonista trabalhar os mais
diferentes repertórios e de qualquer gênero, estilo ou estética musical, além é claro da
ampliação de um repertório original consistente.
Atendendo estas necessidades, de forma bastante satisfatória, surge então o moderno
Acordeon Conversor, criado na Itália, na cidade de Castelfidardo32, por Vittorio Mancini
em 1959 (GERVASONE, 1986).

3.1.9.1 Mecanismos que compõe o Acordeon Conversor atual

O moderno Acordeon Conversor, desenvolvido por Mancini, é formado pelos


seguintes mecanismos: a) um ‘teclado para a mão direita que pode ser de botões ou teclas’
como as de um piano, muitos autores se referem ao mesmo apenas com a abreviação “MI”
(manual 1); b) mecanismo para a mão esquerda conhecido como ‘Baixo Standard’ (Standard
Bass), constituído de notas soltas, apenas uma oitava de extensão, (desconsiderando os
registros33) e baixos pré-organizados; muitos autores se referem ao mesmo apenas com a
abreviação “MII” (manual II); c) mecanismo para a mão esquerda, conhecido como ‘Baixo
Solto’ (Free Bass), constituído apenas de notas soltas (sem acordes pré-organizados), com
quase cinco oitavas de extensão (desconsiderando os registros), autores se referem ao mesmo
apenas com a abreviação “MIII” (manual III). A partir deste momento, para nos referirmos a
29
Diminuir o peso para um instrumento “ideal” sempre promovia grandes discussões entre os fabricantes, pois
este fator gera grande desconforto ao acordeonista que utiliza o sistema de ‘baixos anexados’.
30
O Acordeon Baixo Standart contém um teclado para a mão direita que pode ser de botão ou de teclas como as
de um piano, e para a mão esquerda um mecanismo que disponibiliza notas soltas e acordes pre-organizados.
31
O Acordeon Baixo Solto contém um teclado para a mão direita que assim como o do Baixo Standard pode ser
de botão ou de teclas como as de um piano, a diferença se encontra no mecanismo da mão esquerda que
disponibiliza apenas notas soltas, sem acordes pré-organizados.
32
Cidade italiana que desde o século XIX se destaca na construção de acordeons, atualmente é considerada a
capital internacional de fabricantes de acordeon, onde se concentra as marcas mais conceituadas. Anualmente é
realizado durante o mês de outubro o campeonato internacional de acordeon, “CITTÀ DI CASTELFIDARDO”,
com instrumentistas dos mais diferentes países do mundo disputando nas diversas categorias.
33
Os registros do acordeon além de estarem relacionados às qualidades tímbricas e de potencial sonoro do
instrumento, atua como ferramenta de transposição e dobramentos de oitavas. Será detalhado mais adiante.
42

cada mecanismo, usaremos com frequência as abreviações “MI”, “MII” e “MIII” esclarecidas
neste parágrafo.
Vejamos separadamente as origens e as particularidades destes mecanismos que
compõe o ‘Acordeon Conversor’ atual, (MI/MII/MIII).

3.1.9.2 Teclado para a mão direita (MI)

O teclado para a mão direita pode ser tanto de botões ou de teclas como as do piano,
(já foi exposto suas respectivas origens no tópico 3.2.6). Sua extensão (utilizando o teclado a
piano) normalmente vai desde o “mi 2” até o “dó 6”, figura 15. (desconsiderando os
registros).

Figura 15- Estensão de MI no Acordeon Conversor

Fonte: www.pigini.com

3.1.9.3 Mecanismo para a mão esquerda – ‘Baixo Standard’ (MII)

Entre a maioria dos autores há um consenso em atribuir este mecanismo à Tessio


Jovani em 1880 na cidade de Stradella (Itália); devido a esta localização quanto a sua origem
autores se referem a este mecanismo também como Baixo Stradella ou (Stradella Bass).
(HERMOSA, 2013)
O acordeon que contém apenas este mecanismo na mão esquerda é comumente
chamado de Acordeon Baixo Standard - (MI/MII), ou ainda ‘Acordeon Stradella’ (fazendo
referência a sua cidade de origem); no Brasil este é o modelo mais comumente utilizado34. É
importante frisar mais uma vez que as peças do memorial são escritas para este modelo de

34
O seu teclado para a mão direita tem uma extensão menor do que o utilizado no acordeon conversor; se
extende do “fa 2” até o “la 5” (desconsiderando os registros).
43

acordeon; embora apresente suas limitações quanto à tessitura do telado esquerdo, (que será
mostrada logo adiante), este atende as necessidades diante do escopo desta pesquisa.
Vejamos este mecanismo na figura 16.
44

Figura 16 - Mecanismo Baixo Standard (MII)

Fonte: (Marcos 2011, p. I 70)


45

Esclarecendo o mecanismo (MII) da figura 16, o mesmo se encontra organizado com


base no ciclo de quintas. Nas duas fileiras de botões em destaque pelo colchete menor
encontramos os “baixos”; temos os “baixos fundamentais” na primeira fileira,(a numeração
das fileiras se encontra acima dos botões), onde estão destacadas as notas “Ab”, “C” e “E”; e
na segunda fileira temos os “contrabaixos”, onde estão em destaque as notas “C”, “E” e “G#”.
Entre as notas “C” e “E”, com base no ciclo de quintas, podemos encontrar as notas “G”, “D”
e “A”. Nos demais botões que estão em destaque pelo colchete maior, encontram-se acordes
já pré-organizados em um único botão, que são especificados através das letras “M” para
acordes maiores, “m” para acordes menores, o número “7” para acordes maiores com sétima
menor (acorde com sétima de dominante), e a letra “d” para acordes diminutos. No pequeno
quadro superior à esquerda nesta figura, podemos ver que a escrita dos “baixos” no
pentagrama acontece da terceira linha até a primeira linha suplementar inferior; e no pequeno
quadro abaixo na figura vemos que a escrita dos acordes acontece a partir do terceiro espaço
para cima, identificados através das letras ou números já mencionados.
Portanto, em uma partitura para acordeon, a região destinada para a escrita das notas
soltas acontece da terceira linha até a primeira linha suplementar inferior; para os acordes, do
terceiro espaço até o segundo espaço suplementar superior, lembrando que não há necessidade
de colocar todas as notas que formam determinado acorde, sendo necessário colocar nesta
região apenas a tônica do acorde, e o que vai determinar se é um acorde maior, menor, maior
com sétima menor, e diminuto são as letras (M, m, 7 e d), figura 17.

Figura 17 - Particularidades da escrita para teclado MII

Elaborado pelo autor


46

Fazem-se necessárias três observações sobre a figura 16.


Observação 1: Estes símbolos35 que se encontram abaixo e no início de cada
pentagrama referem-se aos ‘registros’, os quais serão esclarecidos mais adiante; são
fundamentais para compreender o que está sendo escrito e o que será de fato ouvido, pois o
acordeon pode ser também considerado um instrumento transpositor. Desta forma, após os
esclarecimentos sobre registros, é importante retornar a esta figura 16 e observar o que estes
acrescentam.
Observação 2: Um acordeon completo (para concerto), contém 120 botões. Portanto,
para completar esta figura na parte superior, os baixos fundamentais que seguiriam são: C#,
G#, D#, A#. Na parte inferior seriam: Gb, Cb, Fb, Bbb (todos estes naturalmente
acompanhados com seus respectivos acordes e contrabaixos). As alturas dos baixos e
estruturas dos acordes ausentes se encontrariam no pentagrama assim como estão organizados
os seus respectivos baixos e acordes enarmônicos presentes na figura 16.
Observação 3: Nos acordes de quatro sons (as tétrades), a quinta é suprimida.

3.1.9.4 Mecanismo para a mão esquerda – ‘Baixo Solto’ (MIII)

Este segundo mecanismo que compõe o teclado esquerdo no acordeon conversor tem
sua origem ainda no final do século XIX, mas é atribuído a Vittorio Mancini, na Itália em
1959, de apresenta-lo como este se encontra atualmente presente no Acordeon Conversor.
(GERVASONE, 1986).
Vejamos sobre a sua organização na figura 18.
Os botões que se encontram destacados pelo colchete menor são organizados
igualmente aos do mecanismo anterior, (são também considerados baixos pedais), no entanto
os botões que estão destacados pelo colchete maior, que antes funcionavam como acordes
pre-organizados, agora são notas individuais (soltas), organizadas cromaticamente.
Observando a pequena figura, que é a ampliação de parte da figura maior, temos a nota “DO”
e “FA” em destaque, e entre elas podemos concluir que estão as notas “Do#”,”RE”,”RE#” e
“MI”. Portanto este mecanismo apresenta uma tessitura bastante extensa36.

35
, , , .
36
No Acordeon Conversor ‘RUSSO’, conhecido como ‘Bayan’, no mecanismo de baixos soltos a direção de
ascendência das notas se encontra de baixo para cima, ou seja, o contrário de como acontece na figura 18, mas
segue o mesmo princípio de cromatismo.
47

Figura 18 - Mecanismo de Baixos Soltos

Fonte: (Marcos 2011, p. I 68, II 32)


48

Portanto, o Acordeon Conversor atual é formado por: a) um teclado para a mão direita
que pode ser de botões ou de teclas como as de um piano, e b) um teclado para a mão
esquerda constituído de dois mecanismos distintos, sendo o primeiro formado por notas soltas
e acordes pre-organizados (baixo standard), e o segundo mecanismo formado apenas por
notas soltas (baixo solto). Estes dois mecanismos podem ser acionados um ou outro
facilmente por um breve clique em uma chave conversora.

3.1.10 Acordeons mais utilizados nos dias atuais


Desde o acordeon de Demian até o moderno Acordeon Conversor de Mancini foram
desenvolvidos diversos modelos de acordeons, de diferentes tamanhos e formatos, os quais
sempre impulsionavam melhorias e consequentemente novos modelos. Atualmente temos os
seguintes acordeons mais comumente utilizados, atendendo as mais diversas necessidades: O
Acordeon Diatônico, (funciona sob o sistema de ação única ou ‘bissonoro’) mais comum
para música folclórica e ou popular, figura 19 (a); o Acordeon Baixo Standard, utilizado na
música folclórica e ou popular, jazz e também na “música de concerto” (com algumas
limitações), figura 19 (b); e por fim o Acordeon Conversor, mais comum para a “música de
concerto”, (que vai desde o barroco até a “música contemporânea” do século XX e início do
século XXI), figura 19 (c). Estes dois últimos funcionam sob o sistema de ação dupla ou
‘unissonoro’.

Figura 19 - Acordeons mais comuns atualmente: a) Acordeon Diatônico; b) Acordeon Baixo


Standard; c) Acordeon Conversor

(a) (b) (c)


Fonte: (a) (domínio público); (b) www.scandalli.com; c) www.pigini.com

3.1.11 Registros

Desde o acordeon desenvolvido por Jacob Alexandre em 1846 em París, o qual pela
primeira vez fazia uso de registros, este recurso passou por um longo processo de evolução, e
49

que consequentemente tem uma interferência direta na projeção do acordeon não só inserido
em um contexto musical regional, mas também possibilitando sua inserção para um patamar
amplamente universal. As elucidações sobre registros que serão apresentadas a partir de agora
se fundamentam em (Llanos e Alberdi 2011).

3.1.11.1 Registros para teclado da mão direita- MI

Os registros, primeiramente os destinados ao teclado da mão direita (MI), são o


resultado da organização de um sistema de quatro vozes, (a notação utilizada para referir às
vozes é em “pés”, herdada do órgão), cada voz consiste em um jogo completo e independente
de palhetas (portanto de sons), que podem combinar entre se. Olhando para afigura 20, vemos
que existem duas vozes centrais (8’), uma grave (16’) e uma aguda (4’), resultando num total
de quinze combinações diferentes. As vozes de (16’) soam uma oitava abaixo das de (8’) e as
de (4’) uma oitava acima das de (8’). Os registros são então, a consequência destas
combinações (Lannos e Alberdi 2000, p.39).

Figura 20 - Símbolo de identificação dos registros para (MI)

Elaborado pelo autor

A figura 21, contendo os registros mais comumente utilizados em MI, está organizada
de dois em dois compassos, o primeiro compasso se refere à escrita, e o segundo compasso é
o resultado sonoro obtido em consequência do respectivo registro utilizado.
50

Figura 21 - Resultado sonoro em consequência dos registros

Elaborado pelo autor

Com o intuito de possibilitar uma melhor ideia destas particularidades tímbricas dos
registros para MI, foram associados aos mesmos, nomes de outros instrumentos como
podemos observar sobre cada símbolo da figura 21. O objetivo não é reproduzir os timbres
dos instrumentos associados aos registros, mas apenas para que se tenha uma referência.

3.1.11.2 Registros para teclado da mão esquerda- MII

Segue os mesmos princípios expostos e referentes ao teclado MI, porém com as


seguintes vozes: (2’), (4’), (8’) e (16’). A voz de 8 pés se encontra em uma oitava real, a voz
de 16 pés se encontra uma oitava abaixo da de 8 pés, a voz de 4 pés se encontra uma oitava
acima da de 8 pés, e a de 2 pés se encontra uma oitava acima da de 4 pés. Para representa-las
é utilizado o seguinte símbolo, figura 22:

Figura 22- Símbolo de identificação de registros em MII

Elaborado pelo autor

Através da figura 23, relembremos a região destinada para escrever as notas soltas em
MII.
51

Figura 23- Escrita para notas soltas em MII

Elaborado pelo autor

No entanto quando levamos em consideração o registro indicado, o resultado é o que


se encontra na figura 24.

Figura 24- Resultado sonoro em consequência do registro

Elaborado pelo autor

Ao observarmos a figura 24 percebemos, portanto, que quando se deseja suprimir


determinada oitava, somente é necessário retirar algum dos pontos (vozes), presentes no
símbolo, o qual refere-se à oitava desejada.
Através da figura 25 é possível relembrarmos a região destinada à escrita dos acordes
em MII, e que consequentemente nos proporcionará uma melhor compreensão do resultado
sonoro dos acordes em razão dos registros utilizados; vejamos, por exemplo, o resultado
sonoro em razão do registro especificado na figura 26.

Figura 25 - Região de escrita para os acordes em MII


52

Na figura 26 é possível conferirmos o resultado sonoro em consequência do registro


utilizado.

Figura 26- Resultado sonoro em consequência do registro utilizado

Elaborado pelo autor

Levando em consideração as informações ainda da figura 26, percebemos que quando se


deseja obter determinado acorde em uma determinada região, basta indicar o ponto (voz) do símbolo
de registro de acordo a respectiva necessidade.

3.1.11.3 Registros para teclado da mão esquerda- MIII

Os registros para o teclado MIII, assim como os teclados MI e MII supracitados,


seguem o mesmo princípio de combinação de vozes. Neste caso estão disponíveis apenas as
vozes de 8’ e 4’ pés. O símbolo utilizado se encontra na figura 27.

Figura 27- Símbolo para registros em MIII

Elaborado pelo autor

Voltando mais atrás, na figura16 é possível conferir toda a extensão alcançada pelo
teclado MIII. Vejamos agora na figura 28 o resultado em consequência dos registros
utilizados.
53

Figura 28 - Resultados sonoros em consequência dos registros utilizados

Portanto, todas as elucidações sobre registros aqui apresentadas nos revelam que os
mesmos têm uma relação direta com dobramento ou não dobramento de oitavas, e estas
possíveis combinações de vozes têm como consequência os diversos timbres que tanto tem
chamado atenção de compositores e contribuído para o considerável número de novos
acordeonistas que tem surgido praticamente em todo mundo. Outro fator que tem uma relação
direta com os registros, diz respeito ao potencial sonoro, (amplitude do som, dinâmica);
quanto mais oitavas estão sendo dobradas, maior é o potencial sonoro, e de acordo a redução
destes dobramentos de oitava, este potencial sonoro vai se recuando.
A utilização consciente dos registros tem uma grande associação com o pensamento
composicional de orquestração.

3.2 TRAJETÓRIA REGIONALISMO/UNIVERSALISMO

3.2.1 O Acordeon Diatônico/música folclórica

As transformações que ocorreram com o acordeon desde o instrumento patenteado por


Demian em 1829, (considerado mais como um brinquedo do que propriamente um
instrumento), foram muitas e de bastante relevância, tendo como consequência a inserção
gradativa do mesmo, nos mais diversos ambientes musicais, inicialmente na Europa e, por
conseguinte em diferentes regiões e países de todo o mundo. Esta inserção tem seu início com
o surgimento do acordeon diatônico criado por Isoard em 183137, e ganha ainda mais força
em 1834 após Adolf Müller anexar ao instrumento um teclado para a mão esquerda38.
Posteriormente, o melhoramento da ideia de Müller, como por exemplo, com o surgimento

37
O acordeon de Isoard não mais continha acordes pré- organizados como o de Demian, ao invés de cinco teclas,
passou a ter oito teclas, cada uma emitindo duas notas, uma ao abrir e outra ao fechar o fole (sistema de ação
‘bissonoro’.)
38
O teclado para a mão esquerda que Adolf Müller anexou ao acordeon continha basicamente acordes maiores
de tônica e dominante. Os botões destinados a emitir acordes, cada um deles emitia dois acordes, um ao abrir e
outro ao fechar o fole. Os botões que emitiam notas soltas eram as tônicas dos referentes acordes.
54

dos registros (os quais as possibilidades e ou recursos elucidamos anteriormente) e a


ampliação da quantidade de teclas para a mão direita e de botões para a mão esquerda, torna o
acordeon diatônico um instrumento tecnicamente capaz de se adequar muito bem ao
repertório folclórico, o que o fez não só um representante, mas um símbolo da música
folclórica praticamente em todo o mundo na segunda metade do século XIX. Era comum
também adaptar ao instrumento trechos de árias de óperas e de música de concerto que
estavam em destaque nas respectivas épocas. (GERVASONI, 1986).

3.2.1.1 A relação Acordeon Diatônico e os imigrantes no Brasil

Sobre a chegada do acordeon diatônico, por exemplo, no continente americano, esta é


atribuída aos imigrantes europeus, principalmente italianos e alemães. Vejamos por exemplo
o que diz Del Nery (2003) sobre a chegada do acordeon no Brasil: “[...] o instrumento chegou ao
Brasil[...]. Primeiramente com a imigração italiana[...]. Foi trazido também por portugueses e
alemães[...] das fronteiras com Argentina, Uruguai e Paraguai, [...] entrou no País com influência
espanhola” (DEL NERY 2003,P. 12).
Segundo Cascudo (1954, p.561): “[...] no Rio Grande do Sul a gaita39 chega em torno das
primeiras décadas do século XIX. No norte do Brasil a sanfona apareceu ao redor da guerra
com o Paraguai, entre 1865 e 1870”. Rugero (2009) também diz sobre o acordeon diatônico
que, no final do século XIX muitos dos alemães que vieram ao Brasil para lutar contra o
ditador argentino Manoel Rozas, permaneceram no país após o final da guerra e passaram a
desempenhar o ofício de gaiteiros (acordeonistas), animando bailes e festas (RUGERO 2009,
p. 5,6).
Vejamos agora o que diz Del Nery (2003), revelando também a presença deste
instrumento no nordeste do Brasil:
A primeira sanfona a se fixar no Nordeste foi a de 21 botões e 8 baixos com notas
diferentes para abertura e fechamento do fole. É conhecida como Sanfona ou Fole de
8 baixos ou “Pé de Bode”. Seu nome em inglês é Diatonic Accordion, por ser mais
comumente montado e utilizado para melodias em escalas diatônicas. (DEL NERY
2003, P. 16)

Portanto, de acordo às informações que nos chegam através dos autores supracitados, é
possível observarmos a presença deste acordeon diatônico desde o final do século XIX, se
mantendo perceptivelmente atuante até os dias atuais nas diversas regiões do Brasil; por

39
No Rio Grande do Sul o acordeon, independente do modelo, é conhecido popularmente como “GAITA”.
55

consequência, é também possível entendermos na atualidade, as influências que os respectivos


imigrantes exerceram e ainda exercem na música e na formação cultural, de um modo geral,
em cada região onde estes imigrantes se consolidaram.

3.2.2 Acordeon Baixo Standard e a música folclórica e ou popular

O acordeon diatônico, embora tenha se tornado bastante associado e comum à música


folclórica em diversos países na segunda metade do século XIX, ainda assim, apresentava
muitas limitações, o que resultou num impedimento para que o instrumento pudesse romper
algumas fronteiras musicais. Com o surgimento do Acordeon Baixo Standard (MI/MII), em
1880, e principalmente com o aperfeiçoamento do mesmo, apresentado pelo italiano Paulo
Soprani em 1897, já era possível, por exemplo, executar passagens virtuosísticas com o
teclado da mão direita (MI), com a mesma precisão que era possível com o piano. Com o
teclado esquerdo (MII), embora com suas limitações, que pudemos observar anteriormente na
figura 16, já se podia acompanhar em qualquer tom, pois mesmo com seus acordes já pré-
organizados, não mais tinha as limitações para formações de acordes como acontecia com o
acordeon diatônico. Sobre o Acordeon Baixo Standard, na música popular, vejamos o que diz
Hermosa (2008, p. 63):

O que conseguiu o acordeon com estes avanços organológicos, foi ser o rei do
repertório da música popular de verbena. Adaptou para se todos os temas em voga
do momento fazendo o papel de três músicos: um baixo, um acompanhamento
harmônico e uma melodia [...]. Nem o piano, por ser de difícil portabilidade, podia
fazer sombra ao acordeon nesta faceta em que tem sido o rei até a chegado dos
órgãos elétricos (HERMOSA 2008, p. 63) (tradução nossa40).

De acordo com Hermosa, é possível observar que o Acordeon Baixo Standard,


apresentado por Soprani em 1897, já adquire importância bastante significante diante da
música popular, com grandes possibilidades de explorações harmônicas e melódicas, além de
ser um instrumento de fácil portabilidade. Portanto, esses são fatores que contribuíram para
uma projeção significativa do instrumento em diferentes partes de todo o mundo.

40
Lo que sí consiguió el acordeón con estos avances organológicos, fue ser el rey del repertorio de música
popular de verbena. Adaptó para sí todos los temas en boga del momento haciendo el papel de 3 músicos: un
bajo, um acompañamiento armónico y uma melodía [...]. Ni el piano, por ser de difícil portabilidad, podia hacer
sombra al acordeón en esta faceta em la que há sido el rey hasta la llegada de los órganos eléctricos.
56

No Brasil, a inserção do Acordeon Baixo Standard, assim como ocorrido com o


Acordeon Diatônico, se deu também em decorrência da chegada dos imigrantes europeus,
porém levando em consideração a data em que Soprani o apresentou, este modelo acaba
mesmo chegando a partir do início do século XX apresentando todas as vantagens que
Hermosa (2008) já destacou. Segundo Jacobson (2007), os imigrantes italianos, por
perceberem uma excelente aceitação do instrumento, os mesmos enxergaram também uma
possibilidade de negócio a ser implantado não só no Brasil, mas também em todos os países
do Novo Mundo, resultando até mesmo na construção de diversas fábricas em todo o
continente. Del Nery (2003) destaca que no Brasil, na década de 1950, nas regiões sul e
sudeste, cerca de quarenta fábricas de acordeon funcionavam intensamente.
Segundo Zanatta (2004) a ascensão do Acordeon Baixo Standard no Brasil ocorre com
o surgimento de uma classe média urbana, formada na década de 1930 a partir do governo do
Estado Novo, em que a prática da música popular, assim como de outras manifestações
socioculturais, passou a ser incentivada. A ascensão da chamada classe trabalhadora fez
coexistirem um Brasil Rural e outro cada vez mais industrializado, o que gerou “um
cruzamento de elementos folclóricos com elementos de uma cultura cada vez mais ligada ao
lazer urbano” (ZANATTA 2004, p. 214).
No Brasil, nas décadas 1930-1960 o acordeon se tornara um instrumento amplamente
difundido; isto se deve em grande parte ao baião de Luiz Gonzaga, que no final dos anos 40 e
início dos anos 50 se encontrava no auge. Em consequência do sucesso de Luiz Gonzaga com
sua “sanfona branca”41, muitas foram as academias de ensino para acordeon que surgiram em
cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, dentre outras no país. (ÂNGELO 2006, p. 60). Este
auge vivido pelo acordeon era perceptível em apresentações as quais reuniam grandes
quantidades de acordeonistas como, por exemplo, a foto presente no método de Mário
Mascarenhas onde consta cerca de mil acordeonistas fazendo parte de uma apresentação em
prol da Cruz Vermelha, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, na década de 1950.
No início da década de 60 diante da ascensão do Rock e da Bossa Nova, “o acordeon
começa a perder força; Jacobson (2007) diz que “os adolescentes ocidentais passaram a ver o
acordeon como a personificação de tudo o que era banal, idiota e sobretudo Kitsch sobre a
cultura de seus pais” (JACOBSON 2007, p. 237).
No final dos anos 90 e início dos anos 2000 o acordeon começa novamente a despertar
o interesse no cenário nacional, mais uma vez impulsionado pela força da música nordestina.

41
Luiz Gonzaga utilizava o Acordeon Baixo Standard
57

O grupo ‘Falamansa’, formado por quatro jovens paulistas apaixonados por forró lançam um
CD, o qual se torna sucesso em todo o país; este fato impulsiona o surgimento de novas
bandas e consequentemente um significativo número de novos acordeonistas. Este forró, o
qual se mantém fiel principalmente em relação aos aspectos rítmicos consolidados por Luiz
Gonzaga, no entanto, apresenta diferenças quanto ao ambiente representado através das letras.
Este estilo de forró recebe o nome de Forró Universitário42. Algo parecido envolvendo o
acordeon vem acontecendo nos últimos dez anos em decorrência do estilo musical que se
tornara conhecido como: ‘Sertanejo Universitário’; nos arranjos apresentados o acordeon
insistentemente tem se mostrado presente. Estas influências da “música popular” têm
repercutido no perceptível número de novos e jovens acordeonistas no Brasil.

3.2.3 O Acordeon Baixo Standard e o Acordeon Conversor inseridos no


universo da música de concerto

No cenário da música de concerto do início do século XX, por ser um instrumento de


origem recente e ainda em projeção, o repertório destinado originalmente para acordeon,
ainda se encontrava muito inexpressivo, diante do que o instrumento já tinha a oferecer e
contribuir com o pensamento experimental que envolvia os compositores da chamada nova
música, ficando a cargo deste em sua maioria, uma variedade de transcrições de peças de
diferentes períodos da história da música. Vejamos algumas destas transcrições aqui
elencadas: La Campanella Liszt - Paganini; Deuxieme Rhapsodie Hongroise de Liszt;
L’Overture du Freischutz de Webern; Cavalleria leggera de F. V. Suppé entre outras.
Os ítalo-americanos, Pietro Frosini e os irmãos Pietro Deiro e Guido Deiro estão
relacionados diretamente a este momento em que se encontrava o acordeon MI/MII. Estes
italianos merecem destaque não somente pelas transcrições, mas também por suas
composições de muito virtuosismo e que demonstravam uma proximidade estética das
aberturas de óperas de Gioacchino Rossini43. Nos Estados Unidos, Frosini, juntamente com
Pietro e Guido Deiro, durante os anos de 1908 a 1960, foram os grandes responsáveis pelo
período que ficou conhecido como a “Golden Age” do acordeon, onde surgiram inúmeras
academias de acordeon e uma grande procura por parte de alunos interessados no instrumento.

42
Pelo fato de a maioria destes novos adeptos do gênero serem estudantes universitários.
43
Embora composições para acordeon tenham sido originalmente escritas por estes compositores, estas não eram
o bastante para desassociarem o acordeon do repertório de transcrições e reduções destinadas ao mesmo.
58

Pietro Frosini já utilizava o acordeon de baixos soltos (sem a chave conversora) e foi um dos
pioneiros a trabalhar com este mecanismo. (GERVASONI, 1986).
Vejamos algumas das primeiras obras originais para acordeon realizadas por estes
compositores-acordeonistas supracitados: Trancuillo Ouverture e Pietro’s return de Pietro
Deiro; Carnaval à Venise e Dizzi Accordéon de Pietro Frosini. (GERVASONI, 1986).
Na Europa, importantes escolas ou centros de referência que ganharam destaque
durante quase todo o século XX foram: A escola de Trossingen44(Alemanha), a escola
Francesa, a escola Russa, a escola Italiana, entre outras; utilizaram inicialmente o acordeon
Baixo Standard, passando pelo Baixo Solto (sem conversor) até o surgimento do modelo com
conversor (MI/MII/MIII) (HERMOSA, 2008).
De acordo com Gervasoni (1986), na segunda metade do século XX, principalmente
devido ao surgimento do Acordeon Conversor, cada vez mais este instrumento conquista seu
espaço na música contemporânea. Um dos grandes responsáveis por esta conquista é o
acordeonista dinamarquês Mogens Ellegaard, que se unindo a diversos compositores como
Ole Shimidt, Niels Viggo-Bentzon, Torbjorn Lundquist, estreou mais de 200 peças para
acordeon. Entre as primeiras estreias merece destaque a obra Sonatina Piccola, escrita em
1965 por Torbjorn Lundquist, a qual é considera de extrema relevância para a inserção do
acordeon na música contemporânea da segunda metade do século XX.
Gervasoni (1986) destaca um interessante episódio acontecido com Ellegaard:

Tudo começou em uma sala de concerto onde se apresentava o jovem concertista


dinamarquês, em 1957, em Copenhague. Apresentou naquela ocasião um concerto
escrito por seu professor Vilfrid Kjaer. Um dos ouvintes muito impressionado pelas
qualidades do solista se aproximou para parabeniza-lo, não sem antes criticar a
incompatibilidade da obra com a musicalidade do intérprete. Ellegaard aproveitou
inteligentemente o ocorrido e fez a seguinte provocação: “Por que já que é assim,
você mesmo não compõe algo para acordeon?”. Alguns meses depois, Ole Schimidt,
compositor e diretor de orquestra de renome na Dinamarca dava os últimos retoques
em colaboração com Ellegaard na obra Fantasie Synphonique et Allegro, para
acordeon e orquestra. (GERVASONI 1986, p.55). (tradução nossa).45

44
Segundo Gervasoni (1986), Trossingen é considerada o primeiro grande centro de atividade musical
envolvendo o acordeon, com interferência direta no surgimento e no trabalho desenvolvido por posteriores
centros em toda Europa; em atividade nesta escola, o compositor Hugo Herrmann em 1927 compôs Sieben Neue
Spiemusiken, considerada a primeira obra de concerto escrita para acordeon; Herrmann é tido como um
incansável explorador do acordeon não medindo esforços para inserir totalmente o acordeon na música de
concerto.
45
Todo comenzó a la salida de um concierto por el joven danés em Copenhague em 1957. Interpretó em aquella
ocasión um concerto escrito por su professor Vilfrid Kajaer. Uno de los oyentes muy impressionado por las
cualidades del solista se aproximo para felicitarle no sin antes reprocharle la inadecuación de la obra a la
musicalidade del intérprete. Ellegaard aprovechó habilmente la ocasión que se lo ofrecía para señalar:”Por
qué, si es así, no compone usted mismo para el acordeón?” Algunos meses más tarde, Ole Schimidt, compositor
y diretor de orquestra de renombre en Dinamarca daba los últimos toques em colaboración com Ellegaard a la
59

Este episódio trazido por Gervasoni (1986), só confirma as indiscutíveis qualidades


técnicas do acordeonista dinamarquês e enfatiza sua importância para a construção de um
repertório original para ao cordeon. Gervasoni (1986) acrescenta também que esta parceria
com Ole Schimidt contribuiu para impulsionar a carreira internacional de Ellegaard como
acordeonista.
Moggens Ellegaard é tido como o maior concertista da história do acordeon. A obra
“Anatomic Safari”, composta em 1967 para Acordeon Conversor solo, (uma das três peças
que analisamos com o intuito de apresentar exemplos de técnicas estendidas para acordeon),
foi dedicada à Ellegaard pelo compositor dinamarquês Per Norgard, e é considerada uma
obra chave, a qual não deixa dúvidas sobre o potencial do acordeon perante o caráter
experimental típico da música contemporânea do século XX; nela encontram-se diversos tipos
de efeitos e sons não habituais (técnicas estendidas), explorados(as) no acordeon. Seguindo
cronologicamente nesta trajetória de consolidação do acordeon na música contemporênea,
aqui foi destacada a obra Sieben Worte, criada em 1982, pela compositora russa Sofia
Gubaidulina, a quem se atribuem outras importantes peças para acordeon inserido em
diferentes formações instrumentais e inclusive solo. Esta segunda peça, a qual também foi
escolhida para nos trazer exemplos de técnicas estendidas, é destinada à seguinte formação:
Acordeon Conversor, violoncelo e orquestra de cordas, foi dedicada à Friedrich Lips, um
importante acordeonista da escola russa, que assim como Ellegaard, se uniu a diferentes
compositores em prol da universalização do acordeon. Por fim, foi também analisada a obra
Fragilissimo, para acordeon solo, composta em 2000, pelo jovem pesquisador, compositor e
acordeonista espanhol Gorka Hermosa. Durante sua formação como acordeonista é
importante ressaltar a influência que Hermosa obteve da escola francesa e russa tendo sido
aluno de Friedrich Lips.
Partindo desta perceptível atividade musical envolvendo o acordeon desde as
primeiras décadas do século XX, onde o mesmo já atuava significativamente no cenário da
música de concerto, foi aqui decidido, com o intuito de fomentar esta pesquisa, consultar
alguns relevantes manuais de orquestração para conferir a ênfase atribuída a este instrumento.
Alguns destes manuais foram: Rimsky – Korsakov (1964), Forsyth (1982), Casella (1950),
Carse (1964), Cope (1997) e Adler (1989). Surpreendentemente entre estes seis manuais

Fantasie Symphonique et Allegro para acordeón y orquestra.(tradução para espanhol de Aranza Rivas
Leonardo)
60

consultados somente um dedicara um pequeno parágrafo ao acordeon, o qual aqui merece ser
apresentado; Casella (1950) diz:

Tem-se conhecimento apenas de uma obra, Wozzeck de Alban Berg, a qual, pra dizer
a verdade, quando se faz presente o acordeon, é apenas integrando uma formação
orquestral reduzida. A natureza particular do instrumento parece impedir algum uso
sinfônico. De qualquer maneira, não se pode afirmar com absoluta certeza que, no
futuro, algum compositor não precisará recorrer ao acordeon quando for necessário
devido a exigências tímbricas. Hoje em dia, o principal obstáculo que impede o uso
deste intrumento na orquestra é, sem dúvida, a qualidade do som, que não se
amálgama com nenhum outro instrumento ou conjunto orquestral, (CASELLA
1950)46 (tradução nossa)

Levando em consideração que antes da publicação deste manual já se encontrava em


destaque a Golden Age nos Estados Unidos e a intensa atividade na escola de Trossingen –
Alemanha, locais estes em que o Acordeon Baixo Standard e o Acordeon Baixos solto já
figurava; desta forma, entendo a contribuição de Casella (1950) como extremamente
simplória, a qual não apresenta nem mesmo aspectos mais básicos do instrumento e ainda traz
informações negligentes e sem fundamento quando diz que o instrumento não se amálgama
com nenhum outro instrumento ou conjunto orquestral. Em razão deste simplório parágrafo
podemos pressupor entre muitos fatores, a inacessibilidade sobre o assunto.
No Brasil, durante o período auge do acordeon Baixo Standard, em torno das décadas
de 30 e 60, as academias não trabalhavam somente o repertório popular, propunham-se
também em oferecer o estudo de peças consideradas do repertório “Clássico”. Desta forma,
assim como ocorrido nos Estados Unidos e em países europeus considerados escolas de
tradição quanto ao acordeon, o Brasil não dispunha também de um repertório original. O
repertório era formado basicamente por transcrições de peças originalmente escritas para
piano e reduções de peças orquestrais.
Couto (2010) elenca alguns dos métodos mais utilizados no ensino de acordeon no
Brasil, vejamos:

46
Se conoce un solo emploe, el del Wozzeck de Alban Berg, en el cual - a decir verdad- un grupo de estos
instrumentos forma parte de una pequena orquestra en el escenario. La naturaleza particular del instrumento
parece impedirle algún uso sinfónico. De cualquer modo, también en este caso, no se puede afirmar con
absoluta certeza que, en el porvenir, algún compositor no tenga que recurrir también , al acordeón cuando sea
necessario por exigencias tímbricas, Hoy por hoy ,el principal obstáculo que impide el uso de este medio fónico
en la orquestra es sin duda la fealdad del sonido, que no se amalgama con ningún otro instrumento o conjunto
orquestral.
61

 MASCARENHAS, Mário. Método de acordeon Mascarenhas. 49 ed. São


Paulo: Ricordi Brasileira, 1978
 STANGANELLI, Roberto. Aprenda tocando: método Hering. Vol. 1. São
Paulo. Editora Musical Inspiração, 1959.
 MEIRELLES, Edy. Método para harmônica. São Paulo e Rio de Janeiro:
Irmãos Vitale, 1953.
 BERTUSSI, Adelar e TEIXEIRA, Waldir. Método para Acordeon: Som
Bertussi. 2 ed. vol.1. Curitiba: Idealgraf, 1999.
 FRANCESCHINI, Agib. Como aprender Harmônica: em 6 lições. São
Paulo. Editorial Mangione, 1950.
 PIERONI, Antônio. Método Mirim para acordeon (para principiantes de
todas as idades). São Paulo e Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1954.
 TERRA, Alencar. Método para Acordeon. Vol. 1. São Paulo e Rio de Janeiro:
Irmãos Vitale, 1945.
 TERRA, Alencar. Método para Acordeon. Vol. 2. São Paulo e Rio de
Janeiro: Irmãos Vitale, 1945.
 TERRA, Alencar. Método para Acordeon. Vol. 3. São Paulo e Rio de
Janeiro: Irmãos Vitale, 1945.
 ANZAGHI, Luigi Orestes. Método Completo Teórico-Prático Progressivo
para Acordeon: De 24 a 140 baixos, sistema “a piano” e “cromático”.
Buenos Aires: Ricordi Americana, 1951.
 GODONI, Carlo. Método para acordeon. 1ª parte. São Paulo: Casa Manon,
1952
 DEIRO, Pietro. Road to Velocity. s/l: Accordion Music Publishing Co., 1944
 DEIRO, Pietro. School of Velocity. New York. O. Pagani e Bro, 1937.
 MAGNANTE, Charles. Accordion Method: a graded course. Book 2. New
York. Robbins Music Corporation, 1940.

Os métodos para acordeon de Mascarenhas desde meados do século XX até os dias


atuais ainda se encontram entre os mais utilizados para o ensino de acordeon nas academias e
conservatórios no Brasil. Vejamos, por exemplo, o que diz Mascarenhas (1940) em seu
prefácio:
[...] o presente Método contém o estritamente necessário. [...] Isto prova a luta que
temos tido para elevarmos cada vez mais o conceito do acordeon, colocando no seu
62

Curso os mais difíceis exercícios, peças e estudos do Piano, bem como incluindo
Bach, com suas invenções a 2 e 3 vozes, Suítes Francesas e Inglesas, Prelúdios e
Fugas, etc .” (MASCARENHAS 1940, p. 4)

Mascarenhas em seu prefácio revela uma realidade que se fizera presente em diversos
países, e não somente no Brasil; este cenário de ausência de um repertório próprio só começa
modificar com a chegada do Acordeon Baixo Solto e posteriormente o Acordeon Conversor,
isto em países europeus. Levando em consideração que a presença do Acordeon Conversor no
Brasil ainda é bastante reduzida47, o repertório para estudo nos conservatórios atuais
praticamente continua o mesmo de meados do século XX.

3.2.4 Similaridades técnicas do acordeon com outros instrumentos

Antes de iniciarmos a análise propriamente, esta que terá como foco a análise de
técnicas estendidas para acordeon, se faz necessário conhecermos as similaridades técnicas
deste instrumento com relação às técnicas de alguns outros instrumentos, isso para que
imaginemos com maior proximidade o real resultado sonoro obtido. De acordo ao
desenvolvimento e aperfeiçoamento ocorrido com o acordeon ao longo de sua história, logo
nas primeiras melhorias, foi possível perceber algumas características técnicas em comum
com outros instrumentos; além disso, este aperfeiçoamento consequentemente causou certa
inquietude nos intérpretes no sentido de buscar a técnica que melhor se adequasse, ou que
melhor atendesse suas expectativas diante do repertorio proposto (que num primeiro momento
eram transcrições de peças de diferentes períodos da história da música). O acordeon é
considerado um instrumento “aerofônico e que também contém um teclado”, portanto, quando
pensamos em articulação digital, por exemplo, os instrumentos de tecla muito se assemelham,
tanto que em muitos métodos específicos para acordeon é muito comum encontrarmos
exercícios de Hanon, Czerny, entre outros. A respeito da dinâmica e do controle dos pontos
limites para mudança de direção do fole, muito se assemelha aos instrumentos de sopro, nos
quais as variações de dinâmica são obtidas através da intensidade da pressão dos lábios e do
controle da liberação de ar, enquanto no acordeon a dinâmica é controlada ao aplicar maior ou

47
No Brasil, um dos pioneiros em estudar o Acordeon Conversor (modelo Russo ‘BAYAN’) trata-se do
acordeonista, professor e compositor gaúcho, OSCAR DOS REIS. Reis foi aluno de Friedrich Lips, um dos mais
relevantes acordeonistas da segunda metade do século XX na Rússia. Também no Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, o QUINTETO PERSH faz um excelente trabalho utilizando o Acordeon Conversor, se apresentando não
somente na região sul do Brasil, como também já tendo realizado turnês por todo o país.
63

menor força do braço esquerdo ao abrir ou fechar o fole. O limite do prolongamento de uma
só respiração para os sopros se assemelha ao limite do prolongamento do fole em uma mesma
direção. A respeito dos instrumentos de corda friccionada existe a similaridade de efeitos
obtidos com o uso do arco que se assemelham a efeitos obtidos ao abrir e ao fechar o fole
consecutivamente, por exemplo, o trêmulo se assimilando ao bellow shake e para o ricochete
utilizado nas cordas existe também o ricochete no acordeon. Estas são apenas algumas das
muitas similaridades técnicas do acordeon com outros instrumentos. Portanto, quando um
compositor tem consciência destas similaridades técnicas do acordeon com outros
instrumentos, isto certamente pode muito contribuir para o resultado de suas criações.
Para finalizar este capítulo serão apresentados a partir de agora alguns exemplos de
técnicas estendidas para acordeon em peças de três relevantes compositores de destaque no
cenário internacional, os quais já foram mencionados.

3.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS TÉCNICAS ESTENDIDAS


UTILIZADAS NAS PEÇAS ANATOMIC SAFARI, FRAGILLISIMO E
SIEBEN WORTE COM NECESSÁRIOS ESCLARECIMENTOS DE
PARTICULARIDADES DA ESCRITA PARA ACORDEON

Sobre a peça Anatomic Safari, segundo o acordeonista Mogens Ellegaard, ao se unir


ao compositor Per Norgard para apresentar-lhe o que o acordeon tinha a oferecer
musicalmente, o compositor idealiza então fazer um safari, um passeio na selva desconhecida,
na anatomia do acordeon, ideia esta que se justifica pelo título e pelos nomes dados aos nove
movimentos da obra: Respiration, movements, clusters, fluctuations, riaction, percussion,
vertigo,“impatiente”e fantasy48. Portanto, as técnicas estendidas trabalhadas aparecem como
determinante composicional. Em Fragillissimo as técnicas estendidas são trabalhadas de
maneira a reforçar um caráter introspectivo que se faz presente em muitos momentos da peça,
principalmente ao final no epílogo, fazendo parte de um plano sonoro bastante denso e
obscuro em contraponto a um recitativo. Na peça Sieben Worte, da compositora russa Sofia
Gubaidulina, construída para acordeon, violoncelo e orquestra de cordas, o acordeon e o
violocelo aparecem quase sempre indissociáveis, assumindo em muitos momentos um caráter
de improvisação e principalmente o desenvolvimento da ideia central da peça que é a
utilização de micro tons.

48
Informações disponíveis em: http://www.musicsalesclassical.com/composer/work/21714
64

A análise das técnicas estendidas encontradas nas três peças já mencionadas será
organizada categoricamente de acordo à natureza de cada uma delas. Previamente é
apresentada uma bula com informações para a performance em Anatomic Safari.
65

Figura 29- Bula para a peça Anatomic Safari

Fonte: Anatomic Safari


66

3.3.1 Válvula de escape de ar 1

No exemplo 1, temos o início do primeiro movimento da peça Anatomic Safari. Ao


fazer uma analogia falando de “anatomia do acordeon”, Norgard considera o fole como sendo
aquele que através da respiração faz pulsar a vida, (como se o fole fosse o coração e o pulmão
do instrumento). A utilização da válvula que permite o escape de ar do fole representa esta
respiração (compassos 1 ao 10, do exemplo 1). Nesta peça os símbolos que representam a
válvula de ar são os seguintes, figura 30.

Figura 30- Símbolo que representa a válvula de escape de ar (associação feita com os
valores das figuras musicais)

Fonte: (Marcos, p. I 54)

Exemplo 1 - Válvula de escape de ar 1

Fonte: Anatomic Safari. Compassos 1-10

No exemplo 2, temos a válvula de ar sendo utilizada de maneira que é possível


entender como sendo parte de um ambiente introspectivo e de dúvidas. Este ambiente é
67

reforçado no final da peça com o texto49 do recitativo. A válvula de ar utilizada no compasso


14 do exemplo 2 está associada a um vibrato realizado apoiando a mão direita sobre o canto
superior do teclado do lado direito.

Exemplo 2- Válvula de escape de ar 2

Fonte: Fragillisimo, compassos 1-15

49
Creio que tenho encontrado a resposta para a grande pergunta, a pergunta que tem sido a locomotiva do
pensamento humano, por quê, por quê?, por quê?, por quê? por quê não?
Por que todo conceito e razão só depende do enfoque: é fragilíssimo, tudo somente é fragilíssimo.
68

No exemplo 3 foi destacada com as setas a utilização da válvula de ar, que agora se
encontra inserida em meio à clusters de diferentes alturas, esta combinação, nos passa a ideia
de um momento com caráter de improviso. Posteriormente toda esta ideia acaba assumindo a
função de um segundo plano que contrasta com o plano apresentado pelas cordas.

Exemplo 3 - Válvula de escape de ar 3

Fonte: Sieben Worte p. 75


69

3.3.2 Técnicas estendidas com características percussivas

No exemplo 4, trecho de Anatomic Safari, há um gesto durante os três primeiros


compassos deste exemplo que foi possível entender como sendo um anunciante do material
que se apresenta em seguida. O material apresentado, e que se encontra em destaque, trata-se
dos cliques resultantes do acionamento de diferentes registros que passam a ser utilizados com
função musical. Eles seguem ainda aparecendo de forma gradativa, intensificando-se nos
compassos seguintes após o trecho deste exemplo.

Exemplo 4 - Clique dos registros

Fonte: Anatomic Safari, p 8

Observação - Sobre o exemplo 4 é possível perceber que o compositor utilizou duas


claves de fa para escrever para mão esquerda, uma está indicada com a abreviação B.B =
barytone bass (indicação que se refere ao teclado MIII, baixo solto ou free bass). A outra
clave de fa está precedida com a abreviação S.B = Stradella Bass (corresponde ao teclado
para a mão esquerda que nesta pesquisa chamamos de Baixo Standard ou apenas MII).
Portanto este trecho está sendo trabalhado com o teclado esquerdo convertido para baixos
soltos (B.B), e as notas escritas na clave de fa precedidas pela abreviação S.B, são as ‘notas
pedais’ que estão dispostas igualmente tanto no mecanismo de baixo solto (MIII) como no
70

mecanismo de baixo standard (MII), elas se encontram na primeira e segunda coluna dos
botões do teclado esquerdo, as quais estão destacadas pelo colchete menor nas figuras
anteriores 16 e 18.
No exemplo 5, os cliques já pré-anunciados no exemplo 4 assumem agora uma postura
determinante para o desenvolvimento do sexto movimento da peça, o qual recebe o nome de
“Percussion”.

Exemplo 5 - Clique dos registros

Fonte: Anatomic Safori p. 14


71

No exemplo 6, o símbolo em destaque informa para bater o pé no chão (informação


presente na bula); não só nesta página recortada, mas durante todo o último movimento do
qual esta faz parte, Norgard procura trabalhar o acordeon sempre dentro de uma mesma
textura de movimentação, às vezes contrastando planos, se mostra até mesmo bastante
conservador quanto a escrita. No entanto neste trecho em destaque que se encontra bastante
próximo ao fim, Norgard faz uso desta percussão com o pé; entendemos esta atitude como
sendo um desejo de criar uma dramaticidade, que é reforçada com o auxílio da dinâmica se
direcionando para um “fff” no final da peça. A este tipo de percussão realizada com o pé, cabe
ser considerada aqui como sendo técnica estendida quando levamos em consideração sobre
deslocamento de contexto abordado no primeiro capítulo.

Exemplo 6 - Percussão com o pé

Fonte: Anatomic Safari, p. 22


72

O exemplo 7 se refere ao início do quarto movimento de Anatomic Safari. Como o


próprio título do movimento sugere, os momentos em que ficam apenas o ruído das teclas sem
a emissão de notas musicais, (trecho em destaque) passam a sensação de estar flutuando,
sensação esta que é interrompida com o surgimento das notas. Da mesma forma a sensação de
ficar sem chão, flutuando é retomada quando as notas vão deixando de serem ouvidas e só
restando novamente o ruído das teclas.

Exemplo 7 – ruído das teclas

Fonte: Anatomic Safari, p. 12

3.3.3 Band
No exemplo 8 encontra-se em destaque uma técnica estendida conhecida como band,
pequeno glissando, que pode se estender até por meio tom. O título que Norgard deu a este
sétimo movimento nos parece sugerir um mal-estar, um enjoo, que é representado por este
efeito em destaque.
73

Exemplo 8 - Band

Fonte: Anatomic Safari, p. 16

No exemplo 9, no trecho destacado, a compositora Gubaidulina entendendo as


proximidades da natureza técnica e principalmente timbrística dos dois instrumentos,
violoncelo e acordeon, ela parece buscar progressivamente fundir as características dos
timbres destes dois instrumentos. A esta fusão Schnittke denomina de: consonância tímbrica.
Schnittke (2002, p. 102).

Exemplo 9 - Band

Fonte: Sieben Worte p.13, número de ensaio


74

Portanto, tendo como base apenas estas três peças que foram escolhidas para esta
análise, já se revelam aqui, através das técnicas estendidas utilizadas e os contextos aos quais
elas se adequaram, a dimensão do real potencial sonoro do acordeon, o quanto este
instrumento pode contribuir para os mais diversos processos composicionais.
75

4 MEMORIAL DAS OBRAS EDGITO, ALMA NORDESTINA E O


PASSEIO

Para o memorial, foram compostas três peças: 1) ALMA NOSRDESTINA (acordeon,


zabumba e triângulo); 2) EDGITO (acordeon e banjo); e 3) O PASSEIO (acordeon “solo”).
Naturalmente, de forma condizente com o título desta dissertação, em todas estas três peças se
fazem presentes alguns tipos de técnicas estendidas para acordeon, inseridas de acordo ao
contexto organizacional de cada peça.
Como já foi possível observar nesta pesquisa, o acordeon, ao longo de sua trajetória,
se tornara um instrumento quase que indissociável da música folclórica e ou popular de
muitos países; isto se deve principalmente em razão de ser um instrumento de fácil
portabilidade, que dispunha de aspectos estruturais os quais permitiam serem trabalhadas
tanto as mais diversas melodias quanto os mais diversos tipos de acompanhamento
harmônico. Embora com todas estas possibilidades que passa a oferecer inicialmente o
Acordeon Baixo Standard (este com algumas limitações devido ao teclado da mão esquerda) e
posteriormente o Acordeon Conversor, mesmo assim, em muitos países este instrumento
ainda é bastante ausente no universo da “música contemporânea”, principalmente fora das
grandes escolas Europeias de acordeon. Sendo assim, esta pesquisa, dentre seus objetivos,
vem com o intuito de contribuir para que no Brasil o acordeon ganhe força para sua inserção
dentro do universo da música contemporânea, assim como o seu já consolidado vínculo com
música folclórica e ou popular. Outro anseio é de chamar atenção para a riqueza de elementos
típicos da música do nordeste brasileiro, e também provocar o deslocamento destes elementos
além da fronteira regionalista. Para o autor, que também é acordeonista, estas têm sido suas
principais propostas como compositor na atualidade.
Sobre as peças a opção foi por não analisa-las separadamente; havendo alguma mesma
técnica estendida sendo utilizada em mais de uma delas, esta será destacada e explicada de
acordo ao contexto em que foi aplicada. Assim como as análises no final do capítulo anterior,
as técnicas agora destacadas serão organizadas de forma categórica ou pela proximidade entre
as mesmas.
76

4.1 PARÁGRAFOS INTRODUTÓRIOS DAS PEÇAS

Em ALMA NORDESTINA, o próprio título já procura transparecer o caráter bastante


sentimental desta peça, a principal intenção foi na tentativa de expor dois extremos
sentimentos vividos pelo povo desta região, a alegria e ao mesmo tempo a tristeza, este
segundo sentimento principalmente em razão de políticas públicas descompromissadas.
EDGITO, esta foi inspirada em um xote (ritmo dançante, típico das festas juninas e
presente nas muitas latadas dos vários pés de serras espalhados pelo nordeste brasileiro). É
uma peça onde podem ser observados muitos efeitos e ambientações; naturalmente fazem-se
presentes técnicas estendidas contribuindo para esta proposta.
Em O PASSEIO, esta apresenta um caráter típico de uma ‘fantasia’50, onde procuro
expor influências obtidas ao longo de minha carreira, tanto como compositor, como
acordeonista.

4.2 ANÁLISE DAS TÉCNICAS ESTENDIDAS UTILIZADAS

4.2.1 Válvula de escape de ar

Alma Nordestina, procura evidenciar os sentimentos de alegria e tristeza. Buscando


uma ambientação envolvendo tristeza, esta técnica, a qual julgo atender o contexto proposto,
consiste em permitir a entrada e a saida de ar do fole através de um botão específico ou
válvula que se localiza na lateral da caixa de baixos; ao precionar este botão com o polegar da
mão esquerda abre-se uma passagem de ar; o resultado, portanto, é um ruído que simula uma
respiração, que de acordo a força aplicada no fole, este pode ser mais ou menos intenso . Esta
“respiração”, profunda e cheia de marcas de toda uma existência, está sempre associada a uma
melodia de um profundo e triste lamento; se encontra presente em pontos bastante específicos
da peça e tem uma função bastante relevante a respeito de toda a forma da música. A
utilização desta válvula de escape de ar nesta peça está sempre vinculada a um vibrato.
Vejamos esta técnica em destaque no exemplo 10. Em um contexto similar, ainda aparece nos
compassos 40, 41, 42; 51,52; 161,162, 163; 264, 265.

50
Estilo mais livre de composição, neste caso específico, seria como um passeio apresentando diferentes
influências obtidas ao longo da trajetória musical do autor.
77

Exemplo 10 - Válvula de escape de ar 1

Fonte: Alma Nordestina - p. 1, 2


78

Em EdGito, observa-se a mesma técnica entre os compassos 73 e 81, destacados no


exemplo 11, porém, agora em um contexto diferente. O módulo que se inicia no compasso 63
contém um acorde que vem sendo preparado desde o início da peça; este acorde, de estrutura
quartal, surge com o intuito de ser algo marcante e que faça alusão à uma espécie de raio de
luz, (para o autor, a subjetividade também contribui para a concretização de uma obra
musical), assim o idealizo, como se estivesse trazendo alguma mensagem. Um pouco antes
deste acorde se encerrar surge um xiado causado pelas unhas em contato com a pele do banjo,
este ruido age realizando uma ‘modulação tímbrica’ (conceito abordado por Schnitkke (2002),
que acredito ser confirmada com a entrada do acordeon realizando a técnica de escape de ar.
O efeito causado pelo acordeon e banjo entre os compassos 73 e 81 é como se fossem
resquícios deixados pelo ‘raio de luz’, pelo acorde que se ausenta.
79

Exemplo 11- Válvula de escape de ar 2

Fonte: EdGito p. 9,10

4.2.2 De características percussivas

A peça EdGito foi construída em função do acorde já apresentado no exemplo 11, o


qual se encontra no módulo que inicia no compasso 63; preparando a chegada deste acorde
foram construídas subseções que formam uma grande meta composicional; uma destas
subseções é constituída de um tipo de pontilhismo percussivo, onde o banjo e o acordeon são
explorados mecanicamente para a obtenção de diferentes timbres.
No exemplo 12, no trecho em destaque pelo retângulo, encontra-se:1) O ruído ou
clique obtido através da troca entre diferentes registros sendo utilizados com função musical;
2) ainda no mesmo exemplo, fazendo parte desta subseção, temos destacado pelo círculo
80

vermelho outro tipo de percussão, os dedos da mão esquerda percutem sobre os botões do
teclado esquerdo, os botões afundam superficialmente evitando emitir alguma nota.

Exemplo 12 - Clique dos registros e percussão sobre os botões do teclado esquerdo

Fonte: EdGito p.2

No exemplo 13, temos o inicio de uma nova subseção que ainda mantém inicialmente
as características percussivas da subseção anterior, porém neste início tem-se um tipo de
transição para uma textura mais contrapontística que segue a partir do compasso 24.
81

Exemplo 13 - Trinado percussivo

Fonte: EdGito p. 3, 4

Ainda sobre o exemplo 13, encontram-se trinados os quais nos pontos em destaque o
objetivo é ouvi-los sem a emissão das notas, o objetivo nesta técnica é que fique em foco
apenas o ruído das teclas.
82

No exemplo 14, em destaque, está presente uma técnica estendida que consiste em um
tipo de vibrato que apresenta fortes características percussivas, para isto o autor elaborou o
seguinte símbolo para representa-la: ( ). De acordo ao ritmo indicado na partitura, percutir
com a mão direita fechada (socos), no canto superior do teclado direito, enquanto a nota do
“baixo” está soando. Devido à sensibilidade do fole, conforme a aplicação dos golpes, a
intensidade da nota do baixo não se mantém constante, esta reação, portanto, caracteriza um
tipo de vibrato muito ríspido (percussivo). Neste caso em particular, o ritmo especificado
caracteriza o ritmo de xote. Este ritmo nesta região se estabelece como um plano que perdura
por alguns compassos.

Exemplo 14 - Vibrato percussivo

Fonte: EdGito p. 11

No exemplo 15, trecho da peça ‘O Passeio’, a partir do compasso 91, inicia-se um


momento de bastante contraste em relação ao ocorrido até este momento; esta passagem é de
83

suma importância para o equilibrio formal de toda a peça. Começa com a mão direita
percutindo sobre a frente do fole (no centro do mesmo), e ao mesmo tempo a mão esquerda
percutindo sobre os botões do teclado esquerdo; o objetivo aqui é simular uma zabumba
realizando uma variação do rítmo de baião. A partir do compasso 95, tercho destacado pelo
retângulo “3”, a mão direita começa se deslocar do ‘centro do fole’ indo em direção à ‘lateral
do teclado direito’, (observe este deslocamento acontecendo no desenho esplicativo abaixo do
retângulo “3”). Logo em seguida, do compasso 99 ao 102, destacados pelo retângulo
ondulado, inicia-se um glissando sem a emissão de notas, o objetivo é somente o ruído das
teclas, ( fole parado).

Exemplo 15 - Tipos de percussão

Fonte: O Passeio p. 4, 5.
84

Ainda sobre o exemplo 15, todo este trecho comentado envolve técnicas estendidas de
caráter percussivo. Para concluir este exemplo, dos compassos 95 até o compasso 102, ou
seja, este deslocamento ocorrido caracteriza-se como uma modulação tímbrica que prepara a
entrada dos clusters a partir do compasso 103.
Após a seção percussiva do exemplo 15, esta ideia só volta a acontecer novamente no
último compasso da peça, com um único ‘tapa’ sobre o centro do fole, exemplo 16; porém
esta ação tem um sentido bastante relevante, valoriza o final, fazendo uma referência ao
trecho do exemplo15 (onde entendo favorecer para um final não previsível, porém coerente),
e ao mesmo tempo valoriza toda a seção destacada no exemplo 15; portanto, os dois
momentos percussivos presentes nesta peça, além de proporcionar um contraste com todo o
restante, é de suma importância para o equilíbrio formal de toda a música.

Exemplo 16 - Percussão sobre o fole

Fonte: O Passeio p. 7

4.2.3 Band
Observando o exemplo 17 temos em destaque a técnica ‘band’, a qual foi possível
observar durante esta pesquisa ser bastante recorrente em muitas composições
“contemporâneas” para acordeon desde a segunda metade do século XX. Consiste em um
pequeno glissando descendente de no máximo meio tom. Para obtê-lo, primeiramente
pressiona-se uma tecla totalmente, em seguida bem lentamente retira-se o dedo desta tecla,
(deixando-a ligeiramente pressionada, sem afundar totalmente), esta ação associada ao
aumento da pressão do fole resulta então neste pequeno glissando. Esta técnica funciona
melhor em uma região mais grave (palhetas vibratórias grandes) e quando ao mesmo tempo
são utilizados os registros com as vozes de (16’ pés) ou (8’ pés). No exemplo 17, esta técnica
ajuda na construção da textura da subseção (multi-tímbrica) já mencionada no exemplo 11.
85

Exemplo 17 - Técnica estendida - band

Fonte: EdGito p. 2

4.2.4 Ricochete

As técnicas de articulação de fole no acordeon muito se assemelham às técnicas de


articulação do arco nos instrumentos de corda.
O ‘detachê’ nos instrumentos de corda corresponde ao ‘bellow shake’ no acordeon
(abrir e fechar o fole), representado comumente pelos símblolos ( ), ou ainda ( ),
figura 31 (a). O que é considerado como técnica estendida não se trata do bellow shake, mas
sim uma variação deste, o ricochete, figura 31 (b).

Figura 31- Bellow shake e ricochete: a) bellow shake; b) ricochete

(a) (b)
Fonte: Marcos (2011, p. I 73)
86

Para se compreender melhor sobre o ricochete, é importante observar agora a figura 31


(b), nela encontram-se em destaque as duas caixas acústicas do acordeon: a caixa do teclado
para a mão esquerda (esta se movimenta como o indicado pelas setas, conforme o abrir e
fechar do fole) e a caixa do teclado para a mão direita (esta se mantém fixa, sem se
movimentar). Para se obter, por exemplo, ‘4 semicolcheias’ fazendo uso desta técnica,
primeiramente mantém-se pressionada(s) a(s) nota(s) desejada(s) até completar os quatro
passos demonstrados na figura 31 (b): 1) movimento simples de abrir o fole; 2) o movimento
simples de fechar o fole; 3) este terceiro passo ( indicado com o símbolo de adição ‘+’ sobre o
símbolo de fechar o fole) é que caracteriza o ricochete, neste o lado superior da caixa do
teclado esquerdo é lançado contra o lado superior da caixa de teclado da mão direita, este
choque é responsável por uma terceira articulação, 4) o último passo é o movimento simples
de abrir o fole; portanto, são estas articulações de fole, distintas e combinadas, que
caracterizam o ricochete.
Vejamos como foi utilizada a técnica de ricochete.
Nos exemplos 18, 19 e 20 a técnica de ricochete foi utilizada nas três peças do
memorial com o mesmo intuito de diversificar ritmicamente, de apresentar um novo material
e com a finalidade de promover o interesse e a fluência da peça.

Exemplo 18 – Ricochete 1

Fonte: O Passeio p. 4
87

Exemplo 19 – Ricochete 2

Fonte: EdGito p. 15

Exemplo 20 – Ricochete 3

Fonte: Alma Nordestina p. 16, 17


88

4.2.5 Cluster
Partindo da definição de Padovani e Ferraz (2011), em que consideram técnica
estendida como sendo os modos de tocar um instrumento fora dos padrões estabelecidos
principalmente no período clássico-romântico, e também sobre o que diz Stefen (2012) a
respeito da ‘extensão por deslocamento de contexto’. Portanto, nesta pesquisa, entende-se o
‘cluster’ como cabível de ser inserido no campo das técnicas estendidas.
No exemplo 21, é conveniente expor o trecho da peça Alma Nordestina que vai do
compasso 212 - 250, com o objetivo de melhor esclarecer o contexto em que este acorde de
altura indeterminada foi utilizado. Como pôde ser observado no parágrafo que descreve esta
peça, o intuito para a mesma é que fossem expostos dois sentimentos bastante antagônicos
(alegria e tristeza). Uma das alternativas utilizadas diz respeito à utilização de distintos
contextos harmônico/melódicos. Até o surgimento do primeiro cluster que acontece no
compasso 218, prevaleceu em compassos anteriores um contexto harmônico e melódico de
centralizações de notas e utilização de conjuntos simétricos (os quais nesta peça simbolizam a
‘alegria’); no compasso 218 o primeiro cluster aparece simbolizando esta alegria extravasada
através deste tipo de acorde; a partir de então, observando o exemplo 21, este cluster, ou seja,
esta alegria contrasta com uma melodia de caráter extremamente melancólico e triste.
Portanto, estes clusters inseridos neste contexto melódico de melancolia e tristeza, são
compreendidos como sendo cabíveis de considera-los aqui como técnica estendida.
89

Exemplo 21- Cluster


90

Fonte: Alma Nordestina p. 17, 18, 19

Seguindo o princípio de deslocamento de contexto, o cluster se faz presente também nas peças
O Passeio e EdGito.
Diante das técnicas estendidas apresentadas nas três peças deste memorial, além da
experiência do autor como compositor, outro fator de relevância que propiciou as devidas
contextualizações e escolhas destas técnicas é o fato da proximidade do mesmo com o instrumento, ou
seja, de ser também acordeonista; sem também deixar de mencionar a forte ligação do autor com a
cultura regional do nordeste do Brasil. Assim como a história tem mostrado o relevante papel do
compositor-instrumentista, no sentido de revelar técnicas ou experimentos mecânicos que se adequam
de forma mais idiomática ao seu instrumento específico, acredito que este fator tenha influenciado
diretamente nas escolhas apresentadas. Quando mencionado sobre cultura ‘regional’, esta se justifica
por ser também um dos fortes recursos que busco evidenciar dividindo espaço com o ‘universal’, isto
se deve, por acreditar que a não polarização de técnicas ou de ‘sotaques’, de conceitos harmônicos,
rítmicos e tímbricos só tem a contribuir com os processos composicionais.
91

PARTITURAS

A seguir encontram-se as partituras completas das obras: EdGito, Alma Nordestina e O


Passeio
92
93
94
95
96
97
98
99
100
101
102
103
104
105
106
107
108
109
110
111
112
113
114
115
116
117
118
119
120
121
122
123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da proposta principal que é de apresentar o uso de técnicas estendidas para


acordeon como estímulo composicional, para o seu suporte, foi feita uma revisão de literatura
sempre buscando contribuições as quais foram entendidas como de maior relevância. Por
conseguinte, ao chegar ao final desta pesquisa, acredito que o objetivo tenha sido alcançado.
A revisão de literatura, dividida em duas vertentes, aborda primeiramente técnica
estendida de um modo geral, e segundo, para uma melhor compreensão de possíveis técnicas
estendidas a serem aplicadas ao acordeon, foi feita uma revisão de literatura apresentando
aspectos históricos e estruturais do instrumento (sua evolução), trajetória regionalismo
universalismo até chegar de fato em aplicações de ‘técnicas estendidas’ específicas para
acordeon; nesta segunda vertente da revisão de literatura acredito que muitos pontos
considerados obscuros, devido principalmente à carência e a inacessibilidade de informação
quando o assunto é acordeon, foram melhor esclarecidos.
Quanto ao conhecimento do autor sobre técnicas estendidas para acordeon e falando
também como acordeonista que teve sua formação como instrumentista no ambiente de
conservatório no Brasil, este estudo possibilitou uma maior compreensão sobre qual o
verdadeiro posto que se encontra o acordeon quando o assunto é técnica estendida, e ao
mesmo tempo possibilitou uma visão mais panorâmica do real protagonismo do instrumento
perante a música de concerto desde a primeira metade do século XX até os dias atuais. Foi
percebido também, por exemplo, o fato de que em nenhum dos autores consultados, tanto na
área de composição quanto na performance, se fez presente o termo ‘técnica estendida’ ou
‘extended technique’ relacionado ao acordeon; o termo mais comum utilizado ao mencionar o
uso prático destas técnicas foi efeitos, sendo assim, fazer esta associação do termo técnica
estendida ao acordeon é sem dúvida um dos pontos relevantes desta pesquisa. Merece também
destaque a carência de informações sobre o instrumento nos manuais de orquestração, levando
em consideração o potencial tímbrico e técnico que o instrumento atualmente tem a oferecer
em favor dos processos de inventividade dos compositores. Desta forma, buscando preencher
estas e outras lacunas que se mostraram associadas ao escopo deste trabalho, acredito que esta
pesquisa traz consideráveis e relevantes esclarecimentos.
As contribuições deste estudo apresentando técnicas estendidas para acordeon, podem
permitir que estas sejam estrategicamente trabalhadas durante o processo composicional sob
diferentes perspectivas. Assim sendo, devido às influências regionais, de acordeonistas como
Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Oswaldinho do acordeon, Camarão, dentre outros
137

sempre presentes no decorrer de minha trajetória musical, tem-se entre os objetivos desta
pesquisa adequar estas técnicas estendidas com o intuito de que traços deste regionalismo
sejam perceptíveis durante os processos composicionais apresentados nas peças do memorial.
Partindo desta perspectiva, acredito que este é mais um fator positivo a ter sido alcançado
neste estudo, e que ainda não presenciei em outros autores.
Outro ponto positivo quanto aos processos composicionais apresentados é que, embora
o foco seja técnicas estendidas para acordeon, houve sempre muita cautela para que a
recorrência a estas técnicas não tornasse algo demasiadamente sem equilíbrio e enfadonho
(observação feita com base em muitos compositores os quais acredito não terem sido muito
felizes neste equilíbrio ao trabalharem com técnicas estendidas para acordeon). Por esta razão,
dentre os procedimentos composicionais utilizados, a estruturação da forma nas três peças
teve uma atenção bastante especial.
Com base no conteúdo aqui apresentado, creio que esta pesquisa pode contribuir não
somente no campo da composição musical, mas como também da performance. Acredito
ainda que esta pode ter uma contribuição direta na produção de um repertório original
atribuído especialmente à compositores brasileiros, que em relação ao acordeon me parecem
tímidos tanto em quantidade quanto em “qualidade”51, (poucas são as exceções).
Esta pesquisa mostra o real potencial dos dois modelos de acordeon mais utilizados na
atualidade, que em ordem cronológica são: 1) O Acordeon Baixo Standard (mais comum no
Brasil)52, é utilizado na música de concerto porém suas limitações referentes ao teclado
esquerdo o torna mais comum na música popular e ou folclórica; 2) O Acordeon
Conversor53, as possibilidades que apresenta o duplo mecanismo do seu teclado esquerdo
tem resultado direto na sua presença cada vez mais constante nas salas de concerto
principalmente na Europa.
Portanto, entendo que esta pesquisa contribui com inúmeras vertentes associadas ao
acordeon no campo da composição e da performance. É importante frisar mais uma vez que
embora tenha sido mencionado com ênfase sobre o Acordeon Conversor, as peças
apresentadas no memorial foram escritas para o Acordeon Baixo Standard, por ser o
instrumento de posse do autor e visando a execução das obras pelo mesmo. Desta forma,
principalmente no Brasil, esta pesquisa serve também como suporte para que novos estudos

51
Refero-me à exploração consciente das possibilidades técnicas e tímbricas do acordeon.
52
Seu teclado para a mão esquerda é constituído de botões que apresentam notas soltas e botões os quais em
cada um se encontram acordes já pre-organizados, (figura 16).
53
Apresenta um duplo mecanismo no teclado da mão esquerda, o primeiro é exatamente igual ao mecanismo do
teclado esquerdo para Acordeon Baixo Standard e o segundo é um mecanismo contendo até cinco oitavas de
extensão (baixos soltos). Para ativar um ou outro mecanismo basta um simples clique em uma chave conversora.
138

na área da composição, envolvendo experimentos com base na natureza técnica do acordeon,


sejam trabalhados e expostos na prática, no entanto, podendo também ser agora utilizado para
isto o moderno Acordeon Conversor.
139

REFERÊNCIAS

ADLER, S. The Study of Orchestration. 2ª ed. New York: Norton, 1989.

ADORNO, T. W. Filosofia da Nova Música. São Paulo, Perspectiva. 1974

ANTUNES, J. Prefácio (Gilberto Mendes) e Introdução. Notação na Música


Contemporânea. Brasília: Sistrum, 1989.

BROWN, H. M.; PALMER, F. Aerophone. Grove Music Online. Oxford University Press,
Jan. 2001. Disponível em: < http://oxfordindex.oup.com/view/10.1093/gmo/9781561592630
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CARSE, A. The History of orchestration. New York: Dover, 1964.

CASCUDO, L. C. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: s/ed, 1954.

CASELLA, A.; MORTORI, V. La Tecnica de la Orquesta Contemporanea. Tradução por


A. Jurafsky. Buenos Aires: Ricordi Americana, 1950.

COPE, D. H. Techniques of the Contemporary Composer. New York: Schirmer Books,


1997.

COUTO, S. A. O ensino do acordeon no Brasil: Uma reflecção sobre seu material didático.
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