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AUTO • RECORTE

Novos Olhares
Sobre o Feminino
Através da Colagem

Elisa Pessôa Firmino


AUTO • RECORTE
Novos Olhares Sobre o Feminino Através da Colagem

por Elisa Pessôa Firmino

comunicaçÃO VISUAL DESIGN UFRJ


ORIENTAÇÃO JULIE PIRES
COORIENTAÇÃO ELIANA MARA
AGRADECIMENTOS
à Escola de Belas Artes, por ter transformado a minha vida, minha maneira
de pensar, ser e estar no mundo. Desde o momento em que pisei ali, já não
Primeiramente, agradeço a minha mãe Lucila, por ser a maior apoiadora dos era mais a mesma e pude explorar qualidades que nunca imaginei ser capaz
meus sonhos, melhor amiga e confidente. Obrigada por estar ao meu lado de ter. Sou muito grata pelos momentos vividos na EBA e pelos amigos que fiz
vibrando com minhas conquistas e sempre tão presente em cada momento para a vida toda, Giovanna, Amanda, Isadora, Mariana, Bruno, Felipe, Lucas
especial da minha vida. Ao meu pai Márcio, por cada demonstração de carinho e Luiz muito obrigada por terem feito parte disso.
em palavras amigáveis, ações rotineiras, piadas ou almoços carinhosamente
preparados no domingo. E a minha avó Maria, pela qual nutro um amor imen- à Gessica Hage e à Gabriela Gomes, pessoas queridas que me chamaram
so, e que me permite conhecer cada vez mais a sua difícil história de vida. para participar da oficina Kintsugi, abrindo possibilidades para a criação do
meu projeto. Gratidão a todas as integrantes das duas oficinas, que foram
A minha orientadora Julie Pires, por ter acreditado no meu projeto desde o tão gentis e amigáveis com a minha história e com o meu projeto e, sem mes-
início e me fazer acreditar que o processo é a parte mais importante de tudo. mo nem me conhecer, depositaram total confiança e apoio.
Muito obrigada pela sua atenção, pela paciência nos inúmeros momentos de
dúvida, cuidado e respeito por um trabalho tão pessoal. Gostaria de agradecer às participantes Mariana, Ana Lu, Ana Rafaella, Isa-
bella e Alessandra por terem disponibilizado suas colagens feitas durante as
à Eliana Mara, minha coorientadora, presença essencial para a estruturação oficinas e pelos depoimentos pessoais para a criação do material de apoio do
do projeto. Eli, você é uma das das pessoas mais inteligentes e criativas que projeto. Obrigada também às colagistas Helena, Domitila, Ingrid, Manuela e
já conheci na vida. Agradeço por extrair o meu melhor e também ao universo, Elisa por permitirem o direito de imagem de suas colagens para a construção
por ter proporcionado esse encontro maravilhoso entre nós. do zine “colagistas brasileiras”. Por último, a minha amiga Mariana Werneck,
por se disponibilizar a tirar as fotos do projeto para a monografia. Obrigada
à Renata Sirimarco, minha melhor amiga e irmã. Obrigada por sempre me por todas as trocas e parcerias que já fizemos juntas.
lembrar quem sou, por mais perdida que eu esteja. Obrigada pelo incentivo,
palavras de apoio e confiança. Obrigada pelos momentos de risadas e pelas Agradeço a todas as mulheres que me cercam, que me apoiam e me inspiram.
longas conversas sobre os questionamentos da vida. Agradeço por ter ao meu A todas as pessoas que escutaram com atenção quando contei sobre meu
lado uma das mulheres mais fortes que já conheci. trabalho. Vocês ajudaram esse projeto nascer e florescer.
RESUMO ABSTRACT
Pessôa, Elisa. Pessôa, Elisa

Auto•recorte: Novos Olhares Sobre o Feminino Através da Colagem. Auto•recorte: New Looks at the Female Through the Collage.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Visual Design) Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Visual Design)
Escola de Belas Artes – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018. Escola de Belas Artes – Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018.

O projeto Auto•Recorte baseia-se em oficinas práticas de colagem The Auto • Recorte project is based on practical collage workshops
para mulheres com o objetivo de fazer um resgate do feminino, for women with the purpose of reclaiming the feminine, where topi-
onde são trabalhadas questões sobre sobre aceitação, empatia, cs about acceptance, empathy, belonging and common experiences
pertencimento e vivências em comum. Além de criar redes de are developed. In addition to creating networks of women who start
mulheres que passam a se sentir acolhidas, os encontros tem por to feel welcomed, the meetings aim to demonstrate that collage is
objetivo mostrar que a colagem é uma ferramenta muito potente a very powerful tool for self-knowledge and expression. As a result,
de autoconhecimento e expressão. Como resultado, são feitas co- strong and expressive collages are made, but the most important
lagens fortes e expressivas, mas o que fica de mais importante são benefit is the feeling of being welcomed, belonging and gratitude
os sentimentos de acolhimento, pertencimento e gratidão que as that the participants take home after the workshops. A graphic ma-
integrantes levam para casa após as oficinas. Em conjunto, um ma- terial was planned and produced to be delivered after the meetings,
terial gráfico foi pensado para ser entregue depois dos encontros, in order to encourage participants to continue the project autono-
com o intuito de incentivar que as participantes continuem de forma mously. The writings of Lévy Pierre, Marc Augé, Fernando Fuão, Sér-
autônoma o projeto. Contribuíram para estes estudos os escritos de gio Lima, Djamila Ribeiro, Márcia Tiburi, among others contributed
Lévy Pierre, Marc Augé, Fernando Fuão, Sérgio Lima, Djamila Ribei- to this project.
ro, Márcia Tiburi, entre outros.

Palavras-chave: Colagem, Collage, Feminismo, Pertencimento, Acolhimento Key Words: Colagem, Collage, Feminismo, Pertencimento, Acolhimento
introduçÃO .............................................................................................................. 6 4.1 As Oficinas 32

PARTE 1: Conceitos ................................................................................... 7 PARTE 3: RESULTADOs ............................................................................. 39

capítulo 1 A Poética da Collage .................................................................. 8


capítulo 5 Auto•Recorte: O PROJETO ......................................................... 40
1.1 A Collage como Rede de Encontros 10
5.1 O Projeto Gráfico ....................................................................................... 41
1.2 O Recorte do Olhar 11
1.3 A Cola como Ponte 12
5.1.1. Logo 42
5.1.2. Tipografia 43
capítulo 2 Recortando e Colando o Feminismo ............................................ 15
5.1.3. Paleta de Cor 43
5.1.4. Universo Visual 44
2.1 Os Feminismos 17
2.2 Coletividade no Feminino: Uma Rede de Sobrevivência 17
5.2 O Kit ................................................................................... 45
2.3 A Empatia que Leva a Sororidade 18
5.2.1. Poster 47
capítulo 3 internet e pertencimento ............................................................ 19
5.2.2. Zine 48
5.2.3. Redes de Afeto 52
3.1 Lugares e Não-lugares 20
5.2.4. Use a Sua Intuição 53
3.2 O Real (Territorialização) e o Virtual (Virtualização) 22
5.2.5. Cartões 54
3.3 Espaços Virtuais 23
3.4 As Redes Sociais como Ferramentas de Buscas Empáticas 24
CONCLUSÃO ……………………………………………………………………...................................................................... 57
PARTE 2: metodologia ........................................................................... 27
BIBLIOGRAFIA …………………………………………………………………………………………………………............................ 58
capítulo 4 Novos Olhares Sobre o Feminino
lista de figuras ……………………………………………………………………..................................................... 59
Através da Colagem ......................................................................... 28
FONTES ICONOGRÁFICAS ………………………………………………………………………………………………………… 61
introduçÃO

O projeto Auto•Recorte foi estruturado a partir da experiência de oficinas de cas que, apesar de serem diferentes entre si, são necessários. Também é feita
colagem para mulheres que, como orientadora, trabalho temas ao redor do uma reflexão sobre a coletividade no universo feminino, uma vez que a mulher
universo feminino. A colagem torna-se a experiência da sororidade, onde tais entende o feminismo como uma rede de sobrevivência diante de uma socieda-
temas são transmutados para o papel e questionados pelas integrantes. Este de patriarcal, machista e opressora. Por meio de redes, a voz feminina faz-se
trabalho serviu como base para a conceitualização da nova fase do projeto, a presente e ecoa de diferentes maneiras.
qual inclui um material de apoio que incentiva as participantes a continuarem
com as colagens de forma autônoma. Por seguinte, diante da experiência com a utilização das redes sociais e como
elas afetam a minha vida profissional e pessoal, escrevo sobre o avanço da
Ao buscar sobre a história da colagem e os conceitos que a cercam, me de- internet e as modificações dos tipos de relações existentes causadas por ela. A
parei com a técnica da collage, um processo de linguagem poética criado pelo partir de textos de Marc Augé, Pierre Lévy e Zygmunt Bauman, faço uma reflexão
surrealista Marx Ernst. Diferente da colagem, a collage independe da cola e sobre como essas redes podem ser potentes ferramentas de buscas empáticas
permite que imagens de essências diferentes se juntem a outras, ganhando e como os encontros virtuais são capazes de promover sensações de acolhi-
um novo sentido visual. Inspirada por textos de Fernando Fuão e Sérgio Lima, mento e pertencimento.
faço uma comparação poética da imagem como ser vivente, o olhar como re-
corte e a cola como ponte. Descubro como a collage associa-se com a minha O projeto ganhou forma a partir de tais discussões e análises, que foram ne-
visão sobre a colagem, no momento em que a enxergo como uma ferramenta cessárias para seu planejamento e conceitualização. Além disso, as oficinas
potente de autoexpressão e conhecimento. práticas foram essenciais para entender as reais demandas experimentais
dentro do trabalho. Meu objetivo com o projeto Auto•Recorte é que ele não se
Guiada por escritos de Djamila Ribeiro e Marcia Tiburi, faço uma análise sobre mantenha apenas como oficina, mas que também torne-se uma plataforma
o Movimento Feminista, a partir do fato de que ele não se constitui em uma só online que, pelo Instagram, alcance a muitas outras mulheres e forme redes de
luta, já que é formado através de muitos recortes sociais e posições ideológi- contato cada vez maiores entre elas.

Introdução 6
parte 1
conceitos
Para este projeto foi preciso uma pesquisa profunda de autores, ar-
tistas e pesquisadores que estudavam sobre a collage, não só a sua
história, mas também seus significados abstratos e poéticos. Estes
estudos foram cruciais para entender como a técnica se relacionava
com o meu trabalho.

Como o projeto é voltado para mulheres, esta parte conceitual con-


tém uma análise sobre as diversas vertentes do movimento femi-
nista que, mesmo tão diferentes, são necessárias nos dias de hoje.

Por fim, foi preciso pesquisar sobre como o avanço da internet modi-
ficou os tipos de relações existentes. Fazendo uma reflexão, escrevo
sobre como as redes sociais são capazes de proporcionar sensações
de pertencimento e acolhimento dentro de um mundo cada vez mais
desunido.

Este apoio conceitual foi importante para as decisões ao longo do


trabalho para que eu entendesse questões relacionadas ao meu pú-
blico alvo. Também proporcionou um bom suporte para a criação de
um material final que atendesse as necessidades do projeto.
capítulo 1
a poética da collage
Collage foi o nome que o artista surrealista Marx Ernst1 deu à lin- 1
Marx Ernst foi um
pintor alemão, natura-
guagem que está presente não só com o uso do papel ou tesoura, lizado norte-americano
e depois francês. Tam-
mas também em esculturas, músicas, espetáculos teatrais e ou- bém praticou a poesia
tros tipos de obras de arte. O termo foi criado em 1918, diferen- entre os surrealistas,
movimento do qual
ciando-se da colagem e resistindo até atualmente, por neologismo, fez parte.
com várias denominações como fotomontagens2, montagens3, as- 2
Fotomontagem é
semblages4 e outras. Ao contrário da colagem, a collage não depen- o processo (e resul-
tado) de se fazer uma
de da cola e os fragmentos não necessariamente são palpáveis. composição fotográfica
ao cortar e reunir um
Trata-se de unir elementos já situados a uma nova composição, número de outras
dando a eles um novo significado, seguindo os princípios dos sur- fotografias.

realistas que viam na Collage uma “arma dirigida contra a banali- 3


Montagem é um
processo que consiste
dade cotidiana, contra a arte escravizada ao espírito de seriedade” em selecionar, ordenar
(ALEXANDRIAN, 1973:96). e ajustar os planos
de um filme ou outro
produto audiovisual
a fim de alcançar o
Uma das maiores contribuições para esclarecer e desvendar a resultado desejado
confusão fonética entre colagem e collage veio do artista plástico - seja em termos nar-
rativos, informativos,
brasileiro Sergio Lima (1984). Para ele, os conceitos de collage e co- dramáticos, visuais,
experimentais, etc.
lagem têm uma profunda distinção: collage é um termo criado por
Max Ernst para indicar um processo de linguagem que se utiliza de 4
Assemblage é um
termo francês usado
imagens já existentes e em geral já impressas, enquanto que co- para definir colagens
com objetos e mate-
lagem é um termo genérico e serve para designar todo e qualquer riais tridimensionais.
trabalho que resulte da aplicação de material colado num plano. A É baseada no princípio
que todo e qualquer
collage é análoga à poesia e sua premissa básica deriva da poética. material pode ser
incorporado a uma
obra de arte, criando
“Está no efeito catártico encontrado na arte de recortar e colar; um novo conjunto sem
que esta perca o seu
ação que destrói para reconstruir de maneira diferente as fábulas
sentido original.
clássicas da sociedade, da política e da arquitetura que figuram
na superfície das revistas, nas embalagens, rótulos, catálogos
e em todo tipo de material que pretende representar o mundo.”
(FUÃO, 1992:35)

CAPíTULO 1 A POÉTICA DA COLLAGE 8


5
Georges Braque foi Sergio Lima (1984) diz que toda imagem é a representação de uma vivência e Fazendo das fotomontagens um potente veículo de propaganda, os dadaístas
um pintor e escultor
francês, que fundou o a memória de uma experiência. É a projeção visual daquele momento único. e os construtivistas russos denunciavam as injustiças sociais e políticas do
cubismo juntamente
com Pablo Picasso. Para ele, a collage não é apenas uma pintura, é um ato de provocação. É uma período entre-guerras. Os surrealistas utilizavam a collage como recurso de
ação sobre imagens. No livro “Collage Em Nova Superfície” o autor apresenta leitura de objetos do cotidiano, dando valor poético a eles através da subver-
6
Pablo Picasso foi
um pintor espanhol, inúmeros conceitos e imagens sobre a collage. Para Fernando Fuão (1992), a são dos sentidos. E nos anos 70 ela vem como crítica a sociedade de consumo,
escultor, ceramista,
cenógrafo, poeta e maioria das investigações sobre collages, com raras exceções, sempre pro- proporcionando uma reflexão sobre as aspirações das utopias tecnológicas e
dramaturgo que pas- cura explicá-las sob as leis da semiótica e da linguística. Em um geral são culturais.
sou a maior parte da
sua vida na França. É explicadas a partir de gestos simples como recortar-colar, destacar-juntar,
conhecido como o co-
fundador do cubismo- ou seja, de acordo com uma sintaxe. Em sua tese “Arquitectura como collage” Figura 1. George Braque,
Tenora, 1913.
ao lado de Georges (FUÃO,1992), rompe com esse modelo ao revelar a poética do projeto arquite-
Braque -, inventor da
escultura construída, tônico a partir da prática da collage.
o inventor da colagem
e pela variedade de
estilos que ajudou a Marx Ernst (1982) afirma que não é a cola que faz a collage, a partir do mo-
desenvolver e explorar.
mento em que percebe que o contexto das imagens existentes no processo
sofre uma grande modificação, já que são recolocadas em outro espaço, ad-
quirindo outra realidade, resultando da arte surrealista. Dessa forma, Ernst
iniciou suas experimentações com a técnica, percebendo que o processo não
se dá apenas no ato de colar, mas sim na relação com a imagem, desde o
momento da escolha, passando pelo recorte, indo para o ato de colar, ou sim-
plesmente unindo esse elemento a outros, dando a ele outro significado na
composição. Assim, a junção do ideal surrealista com a essência da colagem
resulta na fascinante linguagem denominada collage.

Figura 2. Pablo Picasso,


Com uma vasta história nos movimentos artísticos, formas de expressão e Bottle of Vieux Marc, Glass,
Guitar and Newspaper ,1913.
aspectos linguísticos e semióticos, a palavra collage aderiu diversos conceitos
próprios. O período entre guerras (1914-1945) favoreceu o surgimento das
vanguardas (Cubismo, Dadaísmo e Surrealismo), que eram movimentos ar-
tísticos, sociais e políticos. As collages tiveram um grande destaque por sua
vasta produção, principalmente através de fotomontagens direcionadas a pro-
pagando política, causando uma revolução na representação gráfica.

Os primeiros papiérs-collés cubistas já carregavam a ironia presente na colla-


ge, onde Georges Braque5 e Pablo Picasso6, por volta de 1911, brincavam com
a realidade e com a abstração usando materiais recolhidos do dia-a-dia e co-
locando-os como obras de arte. Mechas de cabelo, cordas de guitarras, letras
e outros elementos eram “colados” na tela com um caráter revolucionário.

CAPíTULO 1 A POÉTICA DA COLLAGE 9


7
Carl Gustav Jung foi A collage possui um cunho político forte por juntar imagens anônimas, as entre figuras ocasiona um novo olhar sobre aquela imagem, o descobrimento
um psiquiatra e psi-
coterapeuta suíço que quais adquirem uma força de expressão cuja essência está no conteúdo e não sobre algo carregado de estranheza e curiosidade, no qual traz novas pers-
fundou a psicologia
analítica. Jung propôs na forma. A imagem, segundo Jung7, é como um ser vivente que está sempre pectivas, formas de pensar e agir.
e desenvolveu os em movimento e repleto de sentimentos. Essa técnica revela novos signifi-
conceitos de persona-
lidade extrovertida e cados, no momento em que faz a justaposição de duas imagens que foram O encontro é uma relação recíproca entre figuras, objetos e corpos que, dentro
introvertida, arquétipo
e inconsciente coletivo. retiradas de contextos completamente diferentes, dando uma nova história da collage, se estabelece entre a ação do recorte e os momentos anteriores à
Seu trabalho tem para aquelas figuras (Lima, 1984). colagem entre as imagens. O choque entre elas deve ser visto como agente
sido influente na
psiquiatria, psicologia, potencializador para uma grande mudança de conduta, sendo ele o melhor
artes visuais, ciência
da religião, literatura e Sergio Lima (1984), faz um relato sobre a collage como um exercício pessoal, meio de iniciar uma transformação. A partir do momento em que dois frag-
áreas afins. relacionando os critérios que adota para a composição, o processo resultan- mentos diferentes se encontram, eles devem se adaptar não só um ao outro,
do em três etapas distintas que formam uma espécie de receita. A primeira mas também ao novo espaço que ali ocupam. É preciso saber lidar com o
etapa seria no campo das escolhas, do olhar, do folhear revistas e selecionar. diferente.
A segunda seria no campo das trocas entre os desenhos e textos coletados,
estabelecendo analogias e aproximações. Das imagens selecionadas, cria-se “É o ‘encontro’ e seu espaço mágico, que permite à collage delatar o desejo
uma composição. que constitui (...) Equivale a uma mecânica de articulação de imagens que são
reconjugadas. É, por sua própria dinâmica, um descobrimento íntimo (desve-
lação, recorte), onde o fluir original acaba por gerar novas imagens que são
“Com minha tesoura nas mãos, recorto papel, tecido, não importa o que, tal- fruto de realidades anteriores ao nível do imaginário. (LIMA, 1984:54)”
vez minhas roupas. Às vezes, se sou bem comportado, oferecem-me um jogo
de imagens para recortar. São grandes folhas reunidas em um livreto, e sobre
cada uma delas estão dispostos, em desordem, barcos, aviões, carros, ani- A junção dessas imagens significa o descobrimento, uma vez que o resultado
mais, homens, mulheres e crianças. Tudo o que é necessário para reproduzir é um novo olhar sobre aquelas mesmas figuras que agora carregam um outro
o mundo.” (COMPAGNON, 1996:9) significado. Uma nova composição com os fragmentos que, quando retirados
de um contexto e colocados em outro, recebem uma nova forma de ser e estar
Segundo Fernando Fuão (2015), a collage possui um efeito catártico na arte no espaço. Dentro da collage, cada fragmento é como um ser vivente, com
de recortar e colar, ação que destrói para reconstruir de maneira diferente poderes de transformar e movimentar o contexto/tela em que se encontra.
os clássicos padrões sociais presentes nas revistas, embalagens, rótulos e
todo material que pretende representar o mundo. Aquele que faz collage está “Construo um mundo a minha imagem, um mundo onde me pertenço, e é um
constantemente questionando o mundo das aparências. Uma imagem que mundo de papel.” (COMPAGNON, 1996:11)
antes não tinha tanta importância em seu contexto original pode ganhar um
novo sentido ou até mesmo um certo protagonismo quando colocada em ou- Fernando Fuão (2014), em seu texto “A collage como trajetória amorosa e o
tra composição. sentido de hospitalidade: acolhimento em Derrida”, contextualiza e cria signifi-
cados para cada etapa da collage, desde a escolha do fragmento até o momen-
1.1 A COLLAGE COMO REDE DE ENCONTROS to da cola, onde há uma ligação entre as figuras e o choque de transformação
entre elas. A este movimento, o autor utiliza a expressão “encontros”, uma vez
Está dentro do conceito da collage, o encontro de fragmentos ou figuras que que serve para designar toda causa de aproximações que as figuras retiradas
foram retirados de um contexto e colocados em outro, criando-se uma com- de seu contexto original costumam realizar.
posição na qual tal imagem ganha um novo conceito e significado. O encontro

CAPíTULO 1 A POÉTICA DA COLLAGE 10


“A maioria dos estudos sobre a collage, ingenuamente, sempre tratou de co- “O corte inscreve a diferença na vida, no corpo, na figura, no texto, na pala-
locá-la numa antinomia de oposição entre o recortar-colar, rasgar-costurar, vra. O corte é a confecção do abismo, da descontinuidade, do distanciamento
desmontar-montar, separar-unir, extrair-embutir, dispersar-organizar, que- entre os corpos, entre as linguagens. Profundidade que induz comunicações,
brar-colar, ignorando o intervalo significativo que se dá entre essas etapas” expressões, manifestações distintas. Quem explora tais superfícies quer ver
(FUÃO, 2014:75). o que se esconde dentro, conhecer o abismo em suas entranhas, o segredo de
seu conteúdo (FUÃO, 2017:190).”
A empatia e o compartilhamento de experências e vivências são as principais
causas de aproximação das imagens, uma vez que o encontro é a relação Muitos artistas simpatizantes do surrealismo, e praticantes da collage, traba- 8
Luis Buñuel, foi um
realizador de cinema
recíproca envolvente entre figuras, objetos e corpos, ou do próprio ser frente lharam sobre a questão da mutilação dos olhos, representando a sua diferente espanhol, naturalizado
ao outro. O encontro pode causar o estranhamento, o descobrimento e o cho- maneira de ver o mundo e o quão destrutivo pode ser o olhar rotineiro do dia mexicano. Trabalhou
com Salvador Dalí, de
que com algo incomum. Ao mesmo tempo em que também pode significar o -a-dia. Em o filme O cão andaluz (1929), Luis Buñuel8 nos mostra o olho corta- quem sofreu fortes
influências na sua obra
acolhimento de imagens que antes não se sentiam pertencidas em uma outra do por uma navalha, o que faz dessa visão algo agoniante. Sergio Lima em sua surrealista.
composição. novela collage, As aventuras do Máscara Negra (1957), perfurou os olhos de 9
Hannah Höch, foi uma
várias personagens. Hannah Hoch9 foi uma das primeiras artistas a praticar das mais importantes
representantes do
“O fantástico dos encontros na collage é que se conjugam quase sempre em os recortes de olhos na collage. Cortava os olhos de uma pessoa e colocava-os movimento dadaísta
termos topológicos divergentes: a visão do outro, a minha e a dos demais em outra, arregalava-os, costurava um no outro, transportava-os. Max Ernst, e precursora da foto-
montagem. A artista
podem coexistir em uma multiplicidade de referentes perceptivos espaços- em sua capa para o livro de poesias de Paul Eluard10, Repetitions (1982), fez refletiu em suas obras
temporais próprios das figuras fotográficas. É possível coexistir, assim tempo a justaposição entre a
diversos sobre um mesmo topos, um mesmo tempo.” (FUÃO, 2014:76).
uma collage na qual nos mostra um olho perfurado por um fio. mulher alemã moder-
na e a mulher alemã
colonial, levantando
“Os olhos são as janelas da alma, buracos entre-mundos, refletem tanto o questões relativamente
O espaço onde estão dispersos inúmeros fragmentos que poderão formar dentro e o fora. Mas estas janelas quadradas com vidraças reflexivas que são à sexualidade das
uma futura arte de collage é o espaço virtual. Cada fragmento ou ser viven- colocadas em nossos rostos desde o nascimento, não deixam a luz entrar ou mulheres e aos seus
papéis de gênero na
te pode se encontrar, criar histórias, formar relações, se acolher e se apoiar sair. As janelas deveriam ser cristalinas para vermos o que está lá fora, e não nova sociedade.
independente do lugar ou contexto que estiver. O espaço virtual é um lugar para especularmos.” (FUÃO, 1996) 10
Paul Eluard, foi um
democrático, assim como uma tela/papel em branco, onde tudo pode ser de- poeta francês, autor de
poemas contra o na-
senhado, criado, apagado e recriado. Ao adentrar em uma nova composição, Na collage, a mutilação dos olhos vem com um motivo. É o olho que recorta zismo que circularam
cada imagem perde seu significado. São figuras que renunciam a si, agluti- as imagens, e, por isso, a freqüente referência a ele. As grandes mudanças clandestinamente du-
rante a Segunda Guer-
nando-se na figura do outro. A partir de tal encontro, cada fragmento adquire no mundo se dão através da mudança do olhar. Um novo olhar sobre algo ra Mundial. Participou
do movimento dadaísta
um novo sentido, formando e transformando novos contextos e composições. permite a recriação do mesmo, no qual irá adquirir uma nova história e uma e foi um dos pilares do
nova essência. surrealismo.

1.2 O RECORTE DO OLHAR


Com o corte, uma velha história é deixada para trás, permitindo que aquela
Tudo começa pelo olho, que seleciona, descarta, une e captura. É ele que se- imagem entre em uma nova composição, cheia de novos caminhos para se-
para e estabelece quem fica e quem sai, quem é a figura principal, as coadju- guir e adquirir. A mutilação do olho também está associada à descontinuida-
vantes e o fundo. A partir do corte, fragmentos são retirados do seu contexto de, à ruptura e à corrosão do tempo linear, daquilo que é estabelecido como
original, perdendo a sua essência e seu significado, e são utilizados em outra correto, a quebra dos padrões impostos por uma sociedade normativa.
composição, adquirindo uma história completamente diferente da anterior.

CAPíTULO 1 A POÉTICA DA COLLAGE 11


Figura 3. taneidade criativa através do inconsciente e ressaltava a grande importância
O Cão Andaluz (1929),
Luis Buñuel. da fantasia como manifestação psíquica não controlada pelo consciente e, por
isto, livre em suas formas de expressão. A teoria junguiana ampliou a visão
de muitas áreas e sua influência se faz presente nas atividades culturais, no
campo das artes, na teologia e na antropologia.

O processo de recorte não se restringe ao uso da tesoura; antes de tudo é uma


atitude de vida, determinante da distanciação e da destruição de um determi-
nado conjunto. Segundo Flusser (1984), ao ver uma collage deve-se transpor​ ​o​
objeto​ ​colado​ ​para​ ​ver​ ​o​ ​contexto​ ​no​ ​qual​ ​ele​ ​foi​ ​recortado.​ ​Essa atitude põe a
collage contra um reflexo do mundo, o mundo-imagem, cortando-o a golpes de
Figura 4.
tesoura e remontando-o sobre uma nova superfície. É nesse momento, quan-
O Cão Andaluz (1929), do fragmentos da imagem são retirados, deslocados, destacados e rasgados,
Luis Buñuel.
que ocorre a rejeição do contexto e a aceitação de um novo significado. O ob-
jetivo da collage é destruir códigos para resignificá-los e, assim, abrir novos
caminhos e descobrir novos significados.

1.3 A COLA COMO PONTE

Figura 5.
Hannah Höch.
Indian Dancer, 1930.
Photomontage
with collage.

“O olho é símbolo e metáfora da criação na collage, o olho é “desloucado”,


para fora do lugar normal, para fora do mundo, para expressar o modo dis-
tinto de ver as coisas, está em outro lugar que não o de costume. Este“deslou-
camento” físico, metafórico do olhar, nos permite, na verdade, ver as coisas,
sob uma ótica completamente distinta: a ótica da vidraça quebrada. A visão
do inconsciente.” (FUÃO, 1996)

Na collage não existe o certo ou o errado, ela apenas permite que sentimentos
e expressões venham à tona com a escolha intuitiva de imagens que irão reve-
lar algo. São as imagens as grandes operadoras das mentes, através delas é
possível navegar pelo nosso inconsciente. Jung trouxe a descoberta da espon-

CAPíTULO 1 A POÉTICA DA COLLAGE 12


Figura 6. Hannah Höch.
German Girl, 1930.
A cola é o elemento que simboliza o trabalho da collage e tem por objetivo
Figura 7. Hannah Höch.
Bouquet Of Eyes, 1930.
fixar uma figura à outra ou a um suporte. Entretanto, o princípio da collage não
encontra-se nela. O colar, não é a etapa mais importante do procedimento. A
lendária frase de Max Ernst afirma que existe collage sem cola :

“Se as plumas fazem a plumagem, a cola não faz a collage.”


(ALEXANDRIAN, 1973:66)

É no encontro entre as figuras recortadas que se realiza o colar. Certamente,


não é a cola que faz a collage, e, sim, o encontro das figuras que andam, espe-
ram e buscam abrigo nas demais. O trabalho da cola é mesmo conectar, unir.
Uma série de significados e desdobramentos são descobertos quando inves-
tiga-se o sentido etimológico da cola, que vai muito além da definição de sua
substância ou do ato de colar, como por exemplo trazendo para ela o sentido
de conexão ou o conceito de ponte.

Figura 8. Max Ernst para “A ponte similarmente a cola tem por finalidade conectar fragmentos de mun-
capa do livro de poesias dos, realidades distintas ou similares e, em geral, se configura como uma
de Paul Eluard, Repetitions,
(1982).
‘solução’ ao problema do transporte sobre o abismo do recorte. É ela que
permite a comunicação entre os povos, as línguas, e as culturas separadas
pelas gargantas dos abismos geográficos. Ponte é qualquer elemento que es-
tabelece a ligação, contato, comunicação ou trânsito entre pessoas e coisas.”
(FUÃO, 2014).

A cola é o símbolo que marca o trabalho da collage. É a ponte, conexão, liga-


mento. É o que faz com que o que foi colado seja inteiro, quando na realidade é
totalmente fragmentado. Fernando Fuão (2014) explica que colar é o contrário
de recortar, porque não se trata de consertar o mundo - por meio da cola, mas
antes, de destruir - através da tesoura, um mundo intolerável.

“O contato revela a figura, ou seja: vela, volta a unir, colar. Mesmo antes de
ser colada, cada coisa já está dentro de outra coisa, uma figura está sobre a
outra. A cola é só uma formalização, uma com-sagração, um congelamento.
Assim com a cola, com o com-tato qualquer objeto, figura, corpo, tende a
assemelhar-se ao outro por mais distinto que pareça, exatamente pelo tempo
que está grudado, atado a esse outro; e mais do que isso: acaba sendo esse
outro até por costume.” (FUÃO, 2014:66).

CAPíTULO 1 A POÉTICA DA COLLAGE 13


Fernando Fuão (2014) também escreve que a cola tem a missão de unir figu-
ras de mundos com realidades distintas ou similares uma vez que ela permite
a comunicação entre pessoas, línguas e culturas. Ponte é qualquer elemento
que estabelece uma ligação, contato ou comunicação entre coisas e pessoas.
A collage é uma arte de apoio, de junção, de amigos, de comunidades, a arte
da amizade e acolhimento.

“Quem faz collage não consegue se contentar com pedaços de mundo que
lhe rodeia; ‘re-colar’ esses fragmentos para construir um mundo novo é uma
tentativa de reconstruir um mundo que ele próprio destroçou. Dessa visão,
a collage, enquanto arte, é uma autêntica afirmação de re-ligação.” (FUÃO,
2014).

Em seu sentido material, a cola é apenas um procedimento que tem a finalida-


de de fixar uma superfície na outra, um objeto no outro. Sua função é mesmo
conectar e unir. Permite a passagem de objetos e seres de um lugar para
outro. A ideia de quem faz colagens é criar pontes invisíveis, pontes de sig-
nificados. Re-colar esses fragmentos é construir uma nova história, um novo
mundo.

CAPíTULO 1 A POÉTICA DA COLLAGE 14


capítulo 2
RECORTANDO E COLANDO O FEMINISMO
A palavra feminismo nunca esteve tão falada como nos dias de 11
Nísia Floresta foi
foi uma educadora,
hoje. Ainda odiado por muita gente, tal termo vem movendo as escritora e poetisa
brasileira. É conside-
estruturas dos últimos anos. O feminismo é um movimento que rada uma pioneira do
produz sua própria história, teoria e reflexão crítica. No entanto, é feminismo no Brasil
e foi provavelmente
um movimento com muitos recortes necessários, posições ideo- a primeira mulher a
romper os limites en-
lógicas, abordagens e perspectivas adotadas, assim como grupos, tre os espaços públicos
posturas e ações diferentes. Como na colagem, ele é heterogêneo, e privados publicando
textos em jornais, na
capaz de gerar inúmeras imagens e composições finais. época em que a im-
prensa nacional ainda
engatinhava.
“A relação entre política e representação é uma das mais impor-
12
Bertha Lutz foi uma
tantes no que diz respeito à garantia de direitos para as mulheres
ativista pelo feminis-
e é justamente por isso que é necessário rever e questionar quem mo, bióloga e política
são esses sujeitos que o feminismo estaria representando. Se a brasileira.
universalização da categoria mulheres não for combatida, o fe-
minismo continuará deixando de fora diversas outras mulheres e
alimentando assim as estruturas de poder.” (RIBEIRO, 2014).

No Brasil, dá-se ao nome de “Primeira Onda” o movimento feminis-


ta que teve início no século XIX. As principais reivindicações eram
o direito ao voto e à vida pública. Em 1917, foi fundada a “Federa-
ção Brasileira pelo Progresso Feminino”, por Nísia Floresta11 e Bertha
Lutz12, que tinha como objetivo lutar pelo direito ao voto feminino e
ao trabalho sem a autorização do marido. No início dos anos 70, no
momento em que a democracia brasileira estava abalada, nasceu a
“Segunda Onda” do movimento. Somava-se à luta contra a ditadura
militar, o direito ao prazer, a recusa à violência sexual e a valoriza-
ção do trabalho da mulher. As militantes eram mulheres letradas,
de classe alta, que entravam em contato com feministas de fora
do País. Em 1975, formou-se o “Movimento Feminino pela Anistia”
e, no mesmo ano, o jornal “Brasil Mulher”, que ficou ativo até 1980.
A “Terceira Onda” teve início na década de 90, onde começou-se a
discutir os modelos impostos pelas outras ondas, colocando em
discussão a micropolítica.

CAPíTULO 2 RECORTANDO E COLANDO O FEMINSMO 15


Figura 9. Tal universalização do movimento era considerada um grande problema, uma 13
O Segundo Sexo é
Cartaz de divulgação um livro escrito por
do Movimento Feminino vez que de um lado havia mulheres brancas, de classe alta que lutavam por Simone de Beauvoir,
Pela Anistia no Brasil, 1975. publicado originalmen-
direitos iguais e de outro, mulheres negras que lutavam por direitos básicos. te em 1949 e uma das
Figura 10. As diferentes vertentes no feminismo surgiram para tratar as pautas de cada obras mais celebradas
Jornal Brasil Mulher, e importantes para o
1975. grupo separadamente, uma vez que uma mulher trans, uma mulher negra, movimento feminista.
uma mulher asiática, uma mulher indígena e uma mulher branca possuem 14
Judith Butler é uma
necessidades diferentes. filósofa pós-estrutu-
ralista estadunidense,
uma das principais
“O movimento feminista precisa ser interseccional, dar voz e representação teóricas da questão
contemporânea do
às especificidades existentes nesse ser mulher. Se o objetivo é a luta por feminismo, teoria
uma sociedade sem hierarquia de gênero, existindo mulheres que para além queer, filosofia política
e ética.
da opressão de gênero, sofrem outras opressões como racismo, lesbofobia,
transmisoginia, urgente incluir e pensar as intersecções como prioridade de
ação e não mais como assuntos secundários.” (RIBEIRO, 2014).

Em “O Segundo Sexo”13, de 1949, Simone de Beauvoir já havia desnaturalizado o


ser mulher ao dizer que “não se nasce mulher, torna-se”, distinguindo a cons-
trução do “gênero” e o “sexo dado”, mostrando que não é possível justificar
Nos Eua, em 1970, as mulheres negras começaram a denunciar a invisibilida- com fatores biológicos comportamentos sociais e valores que eram dados às
de delas dentro das pautas de reivindicação do movimento. Já no Brasil, o fe- mulheres. Se não se nasce mulher, se ser mulher é algo que se é construído,
minismo negro começou a ganhar força apenas no final dessa década, lutando não faz sentido a exclusão das mulheres trans como sujeitos do feminismo. A
para que as mulheres negras fossem sujeitos políticos. Esta onda recebeu filósofa francesa defendia a ideia de que o sexo é natural assim como o gênero
uma grande quantidade de críticas, muitas delas impulsionadas por Judith é socialmente construído como algo que é imposto à mulher. Dessa forma, a
Butler14, nas quais pretendiam mostrar que o discurso universal era exclu- divisão sexo/gênero funcionaria como a principal base para a política feminis-
dente, uma vez que as opressões atingiam as mulheres de modos diferentes, ta, sendo um ponto de partida para que Judith Butler questionasse o conceito
fazendo-se necessária a discussão de gênero junto a um recorte de classe e de mulheres como sujeito do feminismo, desempenhando assim uma forte
raça, considerando-se a individualidade de cada mulher. crítica a este modelo binário e empreendendo uma tentativa de desnaturalizar
o gênero.
Conforme contribuição de Ribeiro (2014), em artigo escrito e publicado pela
Revista Carta Capital, Para a garantia de direitos a mulheres, é de suma importância entender a
relação entre política e representação, e é por isso que é necessário questio-
“Por exemplo, trabalhar fora sem a autorização do marido, jamais foi uma nar quem são essas pessoas que o feminismo está representando. Se este
reivindicação das mulheres negras/pobres, assim como a universalização
movimento universal não for combatido, diversas mulheres ficarão de fora
da categoria “mulheres”, tendo em vista a representação política, foi feita
tendo como base a mulher branca, de classe média. Além disso, propõe,como do discurso, o que alimentará as estruturas de poder. Dessa forma, é urgente
era feito até então, a desconstrução das teorias feministas e representações incluir e pensar nestas intersecções como um primeiro passo para se falar
que pensam a categoria de gênero de modo binário, masculino/feminino.” em feminismo.
(RIBEIRO, 2014)

CAPíTULO 2 RECORTANDO E COLANDO O FEMINSMO 16


Patriarcado é um
2.1 OS FEMINISMOS sões do que mulheres brancas. Assim como uma mulher negra e trans, possui O Feminismo Radical
15 18

sistema social que busca de uma forma


designa uma formação um lugar mais suscetível ainda dentro de uma sociedade tão homofóbica, ra- revolucionária haver
social em que os um centramento total
homens detêm o Com a rápida repercussão do feminismo, muitas outras discussões vieram cista e machista como a brasileira. e completo na mulher.
poder, ou ainda, mais Feminismo feito
simplesmente, o poder
à tona. Termos que eram considerados raros como “Patriarcado”15 ou “Lugar por mulheres, para
é dos homens. Ele é, de Fala”16 viraram comuns aos ouvidos não só de quem estuda sobre, mas 2.2 Coletividade no Feminino: mulheres.
assim, quase sinônimo
de “dominação mas- também para interessados e atentos ao que o movimento diz. No Brasil, os uma rede de sobrevivência. 19
O Feminismo
culina” ou de opressão Interseccional procura
das mulheres. Essas
movimentos feministas mais populares são: o feminismo negro17, o feminis- conciliar as demandas
expressões, contem- mo radical18 e o feminismo interseccional19. Como diz Judith Butler, a identidade feminina, assim como gênero, é uma cons- de gênero com as de
porâneas dos anos 70, outras minorias, consi-
referem-se ao mesmo trução social que é redesenhada ao longo da história. A perspectiva feminina derando classe social,
objeto, designado na “Feministas são seres em luta, sendo ou não mulheres, já que a diversidade atual contribui para um presente e futuro mais amorosos. Dentro do panora- raça, orientação sexual,
época precedente pe- deficiência física, etc.
las expressões “subor- do termo feminismo não pode depender da unidade do conceito de “mulher” ma do percurso da mulher no mundo, é visível o papel feminino na resolução São exemplos de femi-
dinação” ou “sujeição” em um sentido natural. É nesse cenário que surge o típico contemporâneo nismo interseccional
das mulheres, ou ainda de conflitos, propondo soluções criativas para diversas questões que levam o transfeminismo, o
do “lugar de fala”, fundamental no contexto em que a politização de grupos e
“condição feminina”.
sujeitos se faz por meio de marcadores opressivos, redefinidos como mote de ao coletivo. Este acolhimento entre mulheres se dá a partir do momento em feminismo lésbico e o
feminismo negro.
16
Lugar de Fala é um politização.” (TIBURI, 2018:53). que se encontram em situações parecidas, uma vez que o sistema patriarcal
termo que representa
a busca pelo fim da as obriga a acreditar que “toda mulher” é provedora, acolhedora e maternal.
mediação: a pessoa
que sofre preconceito
Para explicar o que é lugar de fala, Djamila Ribeiro (2018), em seu livro “O que é
fala por si, como prota- Lugar de Fala?” cita a professora de sociologia Patricia Hill Collins, que explica É possível enxergar isso no dia a dia, desde um ambiente de trabalho até uma
gonista da própria luta
e movimento. É um que a teoria do ponto de vista feminista precisa ser discutida a partir da locali- situação simples e comum: uma troca de receitas na fila do supermercado,
mecanismo que surgiu
zação dos grupos nas relações de poder. Seria preciso entender as categorias um contato que foi passado de amiga para amiga, uma ajuda com o filho da
como contraponto ao
silenciamento da voz de raça, gênero, classe e sexualidade como elementos da estrutura social que vizinha que precisou trabalhar até mais tarde. Ou seja, uma rede de acessos
de minorias sociais por
grupos privilegiados emergem como dispositivos fundamentais que favorecem as desigualdades. que só existe no feminino.
em espaços de debate
público. Ele é utilizado
por grupos que histo- Há uma diferença entre as experiências vividas por indivíduos separadamente “Nessa ideologia, os homens em geral sempre trataram as mulheres como
ricamente têm menos incapazes para o conhecimento e o poder, como traidoras, como loucas e
espaço para falar. e as condições sociais que permitem ou não tais pessoas a acessarem lugares
más, como se fossem animais domesticados para a força de trabalho e para o
17
O Feminismo Negro é
de cidadania. É necessário entender como o lugar social que alguns grupos alimento sexual. A misoginia, por sua vez, foi o sustentáculo, uma espécie de
um movimento social ocupam limitam oportunidades. Por isso, é imprescindível entender qual é o lastro que autorizava o comportamento masculino contra o diálogo e a favor
e um segmento prota-
gonizado por mulheres seu “lugar de fala” e respeitar o “lugar de fala” alheio. de toda essa violência.” (TIBURI, 2018:48)
negras, com o objetivo
de promover e trazer
visibilidade às suas “Ao ter como objetivo a diversidade de experiências, há a consequente quebra A mulher por muito tempo não pôde aprender a ler e escrever. A fala e a es-
pautas e reivindicar de uma visão universal. Uma mulher negra terá experiências distintas de uma
seus direitos. O proble- cuta eram seus principais meios de comunicação. Ela não podia estudar ou
mulher branca por conta de sua localização social, vai experienciar gênero de
ma da mulher negra frequentar certas reuniões sociais. E qual era o meio de saber as novidades,
se encontrava na falta uma outra forma.” (RIBEIRO, 2017:61).
de representação pelos os remédios de cura pra dor de cabeça, o melhor chá para ajudar a dormir,
movimentos sociais
hegemônicos. uma melhor maneira de se conhecer? Por outra mulher. Que tinha ouvido de
É preciso entender ações políticas e teorias que deem conta de pensar que
outra mulher alguma história. Que tinha aprendido com a avó alguma receita.
não pode haver prioridades, já que essas dimensões não podem ser pensadas
Que tinha ela mesma descoberto alguma coisa nova. Através de diálogos.
de forma separada. Mulheres negras possuem maior vulnerabilidade a opres-

CAPíTULO 2 RECORTANDO E COLANDO O FEMINSMO 17


O diálogo é o compartilhamento e o acesso, mesmo que muitas vezes seja tido e, sobretudo, de se autocompreender é ao que o feminismo nos leva. A pos-
como “fofoca”, “coisa de mulher”, “coisa de bruxa”, “crendice”, “frescura” e por tura autocrítica necessária a toda crítica honesta depende dessa mudança
do olhar, que depende, por sua vez, de nossa capacidade de prestar atenção.
aí vai. Trocas que são passadas pra frente, dando informações e ferramentas
Essa capacidade não é natural, é construída em processos de aprendizagem
para outras mulheres.Um exemplo comum de comportamento social femini- que envolvem a nossa própria construção como pessoas.” (TIBURI, 2018:23).
no é quando uma mulher cuida do filho da outra, enquanto esta vai trabalhar.
Mulheres de baixa renda, que exercem trabalhos braçais e que, se faltarem No feminismo, a identidade é um elemento de construção próprio que pas-
ao trabalho, serão demitidas. Ou então quando o colégio do filho de uma não sa necessariamente pelo autorreconhecimento de cada mulher acerca de si
funciona e, automaticamente, outra mulher, que pode estar desempregada, mesma. Cada mulher possui uma dor, uma angústia ou uma história única
se dispõe a cuidar da criança. Dessa forma a rede se forma, uma vez que mas que se costura com a de outras mulheres. No final, praticamente todas
uma hora será esta mulher quem pedirá ajuda e contará com esta rede de as mulheres já passaram por situações de assédio, violência, opressão ou ma-
acolhimento. chismo em comum, mesmo que em intensidades ou instâncias diferentes. O
feminismo ajuda as pessoas a assumirem quem são, ou seja, as identidades
“Demorou para que as mulheres conquistassem o seu lugar de fala, o seu
que lhes fazem bem, que lhes dão sentido e que não podem ser vividas como
direito de dizer o que aconteceu, o seu direito de pesquisa e de memória. O
feminismo se construiu a partir dessa conquista da liberdade de expressão”. pesos que precisam carregar ou negar.
(TIBURI, 2018:48)
A sororidade é a união e a aliança entre mulheres, baseada na empatia e com-
Por meio de uma rede de mulheres, a voz feminina, que antes era calada, faz- panheirismo, em busca a alcançar objetivos em comum. Do ponto de vista do
se presente e ecoa de diferentes formas. A mulher é multiplicadora porque feminismo, a sororidade consiste em não haver julgamento prévio entre as
entende o feminismo como uma rede de sobrevivência. Sentir-se pertencida próprias mulheres. Foi criada uma cultura social na qual mulheres deveriam
por um grupo passa a sensação de força e acolhimento a mulheres que foram ser rivais. Além disso, deveriam se sentir ameaçadas, caso o companheiro ti-
enfraquecidas emocionalmente ou fisicamente por relações de opressão e vesse alguma amizade feminina, ou então uma preferência a amigos homens
machismos diários. E se a luta é coletiva, a dor, o amor e a cura também são. por serem pessoas mais fáceis de lidar, menos invejosos ou competitivos.

2.3 A Empatia que leva a Sororidade Um dos principais objetivos para que isso aconteça é a objetificação da mu-
lher, que faz com que, automaticamente, essa competição constante se pro-
No momento em que mulheres enxergam que dentro de uma sociedade pa- pague. Outro motivo é a ideia de que o patriarcado queira dificultar o diálogo
triarcal, o conceito de identidade é um parâmetro heteroconstruído, é possí- entre mulheres como um todo. Enquanto continuarem inimigas, divididas e
vel transformar o olhar sobre o que é imposto como um padrão socialmente rivais, mulheres não estarão unidas a ponto de fazer uma grande mudança na
aceito. É visível como o “movimento do auto-amor, cuidado e conhecimento” forma como a sociedade as enxerga.
tem falado mais alto em todas as mídias mais importantes do mundo. A au-
toaceitação do seu próprio corpo e identidade são temas presentes nos dias Não é interessante para o patriarcado o direito ao corpo feminino. As mulhe-
de hoje, assim como questionamentos e indagações sobre o que viria a ser o res precisam reivindicá-lo, porque ele precisa ser devolvido a si mesmo. O
corpo “perfeito”. feminismo nos ensina a lutar por isso, por um mundo em que assim como os
corpos, a dignidade das pessoas possam ser resgatadas. É importante que
“O feminismo nos ajuda a melhorar o modo como vemos o outro. O direito as mulheres estejam conscientes do seu próprio corpo e que ninguém além
de ser quem se é, de expressar livremente a forma de estar e de aparecer delas possa dizer o que devem ou não fazer com ele.

CAPíTULO 2 RECORTANDO E COLANDO O FEMINSMO 18


capítulo 3
internet e pertencimento
A internet é uma ferramenta que permite a comunicação entre 20
É o nome dado ao
período que vem após
muitas pessoas, em escala global. Além de nos proporcionar o a era industrial, mais
especificamente após
rápido e fácil acesso a qualquer tipo de informação ocorrente no a década de 1980;
mundo inteiro, este meio de comunicabilidade passou a ser a base embora suas bases
tenham começado no
tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação20: princípio do século XX
e, particularmente, na
a rede. Uma rede é um conjunto de pessoas interconectadas. Sua década de 1970, com
construção é uma prática antiga que no entanto ganhou um novo invenções tais como o
microprocessador, a
sentido nos dias de hoje, transformada pelas mídias de informação rede de computadores,
a fibra óptica e o com-
proporcionadas pela internet. As redes têm como características putador pessoal.
a flexibilidade e a adaptabilidade, ferramentas essenciais para a
sobrevivência e desenvolvimento em um ambiente com constante
mutação.

Este espaço com áreas privadas serve de apoio aos processos so-
ciais, afetivos e de acesso à informação, os quais alteram as redes
eletrônicas e de telecomunicações em um ambiente ocupado por
seres que (re)constroem as suas identidades e os seus laços so-
ciais nesse novo contexto comunicacional. Dessa forma, é criada
uma estrutura com novas formações sociais que adquirem novos
valores.

A internet permite que pessoas, antes excluídas, tenham voz de


protesto, fala e atenção. Além disso, torna possível a troca de expe-
riências e vivências diárias, de modo que possam se sentir perten-
cidas. É um espaço importante para se escutar narrativas, já que,
de modo geral, a mídia hegemônica ainda ignora falas de quem
sempre foi e é esquecido das grandes redes de notícias. Tal mídia é
atingida com o barulho de muitos grupos sociais, fazendo com esta
seja também uma ferramenta de militância.

CAPíTULO 3 INTERNET E PERTENCIMENTO 19


“Caída a ideia de uma racionalidade central da história, o mundo da comu- Ou seja, a internet nos permite encontrar e filtrar informações específicas. É
nicação generalizada explode como uma multiplicidade de racionalidades possível recortar o que queremos conhecer, pinçar o que realmente nos inte-
“locais” - minorias étnicas, sexuais, religiosas, culturais ou estéticas - que
ressa e ganhar um mundo de informações a partir disso. O conhecimento é
tomam a palavra, finalmente já não tacitamente aceites e retomadas pela hu-
manidade verdadeira a realizar, não obstante todas as peculiaridades, todas capaz de modificar a vida de um indivíduo que, mesmo sem privilégios, pode
as individualidades limitadas, efemeras, contingentes.” (VATTIMO,1991:16-17) adquirir informações de forma igualitária e democrática. A escrita deixou de
ser a única linguagem, dando espaço a informática, a qual ampliou as opções
21
Minorias são grupos As redes sociais tornam-se pontes de acesso para encontros entre mino- de comunicação. Dessa forma, construiu-se uma grande rede que engloba
marginalizados dentro
de uma sociedade rias21, que nelas encontram pessoas, casos, vivências e situações parecidas imagem, som, movimento e simulação, gerando ambientes infocomunicacio-
devido aos aspectos com algo que já presenciaram e viveram. A internet proporciona um espa-
econômicos, sociais,
nais alternativos que estão a serviço da virtualização.
culturais, físicos ou ço de desabafo, acolhimento e compartilhamento de informações para quem
religiosos.
precisa de ajuda. Ela permite o desenraizamento, ou seja, permite que uma Mesmo sendo um espaço onde encontramos muito lixo informacional, como 22
Termo usado para
definir a distribuição
pessoa, mesmo sem sair de casa, consiga presenciar, estudar e até mesmo por exemplo as Fake News22, pode-se considerar a internet como um espa- deliberada de desin-
se identificar com outra cultura, a qual nunca teve oportunidade de conhecer ço onde indivíduos provenientes de um determinado lugar, com contextos e formação ou boatos
via jornal impresso,
pessoalmente. vivências específicas, possam encontrar-se com outros originalmente dife- televisão, rádio ou
online, como nas
rentes ou semelhantes, causando um choque cultural entre eles. Tal choque mídias sociais.
Entretanto, mesmo com a expansão da comunicabilidade nos dias de hoje, pode ser visto como um grande aprendizado e troca de culturas, experiências
vemos uma comunicação falha entre as pessoas. Estamos no caminho de vi- e informações que são capazes de recriar um pensamento e criar uma nova
ver em uma solidão organizada na qual a comunicação por meio da fala, do história, além agregar conhecimentos valiosos.
toque e do gesto está enfraquecida. Essa ideia nos leva a pensar que a ideia
de comunidade também pode encontrar-se fragilizada. Porém, é necessário 3.1. Lugares e Não-Lugares
refletir que talvez não seja o seu final mas sim um processo de mudança. A
transformação é proporcionada pelas novas formas do cenário tecnológico de A ideia de território, normalmente, está relacionada ao conceito de fronteiras
comunicação e pelo nascimento de uma geração de teias sociais que intensi- geográficas e limites espaciais físicos. No entanto, com o avanço das redes
ficam a origem do sentimento de comunidade. tecnológicas, tal conceito foi totalmente modificado. As mudanças estruturais
causadas pela tecnologia têm conduzido uma reorganização dos fluxos de in-
Dessa forma, podemos pensar na internet como geradora de um novo espaço formação e comunicação. São os interesses comuns que agora determinam a
antropológico, uma vez que permite uma comunicação sem grandes conflitos distância entre as pessoas e não o espaço físico. Além disso, é preciso lembrar
e com segurança. Além disso, possibilita conhecermos pessoas que jamais que são os elementos simbólicos representativos de um território que lhe dão
pensaríamos que pudéssemos falar, ouvir a voz ou até mesmo saber sobre identidade. Dessa forma, podemos pensar que existem territórios na internet,
suas ideias e pensamentos. enquanto espaços ou fluxos de comunicação que geram o compartilhamento
de relações, informações e culturas. A Internet é um espaço onde o público, o
“As comunidades virtuais são feitas de pessoas e do que elas realmente que-
privado, o local, o global, o material e o virtual convivem, o que conduz à gera-
rem, daquilo que realmente lhes interessa, sem constrangimentos prévios ou
póstumos (...) As novas tecnologias dão a cada um de nós um poder sem ção de novas reorganizações sociais tradicionais.
precedentes de construir o nosso próprio mundo de referência, de encontrar
as pessoas que realmente nos interessam, estejam onde estiverem, de apren- Um lugar é aquilo que possui inúmeros significados, muitos surgidos a partir
der e ensinar sobre aquilo que realmente queremos que faça parte da nossa de seus ocupantes e da cultura que lhes é agregada. Para exemplificar um
vida.” (SOARES,1999:75).
lugar tradicional, podemos utilizar as formas de vida tipicamente pré-moder-

CAPíTULO 3 INTERNET E PERTENCIMENTO 20


nas, como vilarejos, aldeias indígenas, feudos medievais e pequenas cidades, dos lugares tradicionais. Mesmo numa cultura pós-tradicional, onde a tradi-
caracterizadas por uma cultura muitas vezes homogênea com uma grande ção não tem mais tanta importância, existem lugares identitários, com suas
igualdade de interesses entre os seus membros. São lugares isolados pela próprias características. No entanto, não significa que apenas onde exista tra-
ausência de meios de transporte e comunicação rápidos. dição existam lugares deste tipo. Junto ao lugar tradicional, vem a noção do
tempo localizado. Este é o tempo associado a uma vivência cotidiana, como
Marc Augé se refere aos lugares tradicionais como lugares antropológicos: acordar e trabalhar, que por demarcar um tempo, torna-se simbólica e o adi-
cionam a um lugar específico.
“Reservamos o termo ‘lugar antropológico’ àquela construção concreta e sim-
bólica do espaço que não poderia dar conta, somente por ela, das vicissitudes Um território não é constituído apenas por lugares. Em oposição a eles Marc
e contradições da vida social, mas à qual se referem todos aqueles a quem
ela designa um lugar, por mais humilde e modesto que seja. (...) Esses lugares
Augè (1994), aponta os não-lugares para se referir a lugares transitórios que
têm pelo menos três características comuns. Eles se pretendem (pretendem- não possuem significado suficiente para serem definidos como “um lugar”.
nos) identitários, relacionais e históricos. O projeto da casa, as regras de Eles não são históricos, não são relacionais e nem identitários. São, por exem-
residência, os guardiões da aldeia, os altares, as praças públicas, o recorte plo, lugares de passagem, de ocupação efêmera, como uma estação de metrô,
das terras correspondem para cada um a um conjunto de possibilidades, um supermercado ou aeroporto.
prescrições e proibições cujo conteúdo é, ao mesmo tempo, espacial e social.
Nascer é nascer num lugar, ser designado à residência. (AUGÉ, 1994:51).”
O período moderno foi instaurado com as revoluções francesa e industrial.
Estes lugares são caracterizados por carregarem uma identidade e um con- Junto a ele começaram a acontecer diversas transformações e consequên-
junto de relações sociais muito fortes. São lugares antropológicos, tradicio- cias definitivas para as sociedades globais. Com as revoluções, houve o amplo
nais e históricos. Uma pessoa que nasce em um lugar tradicional tem sua desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte. Devido ao seus ide-
vida demarcada pelo território uma vez que o espaço em que habita e as suas ais, a revolução francesa permitiu a liberdade de expressão e de imprensa, o
relações sociais não se separam. Nesses lugares há uma certa estabilidade, que levou a uma busca pela inovação nas formas de comunicação. A revolução
hábitos e costumes são praticados em harmonia entre seus habitantes. industrial levou ao aperfeiçoamento dos dispositivos de informação, amplian-
do a possibilidade da conectividade e compartilhamento de informações de
“Os membros de uma tribo têm um sentimento comum para com sua região, forma global.
e, portanto, para com os demais membros. Esse sentimento evidencia-se
no orgulho com que falam de sua tribo enquanto objeto de sua lealdade, na Novas tecnologias e conhecimentos puderam ser trocados. Houve um proces-
depreciação jocosa de outras tribos e na indicação de variações culturais
em sua própria tribo como símbolos de sua singularidade. Um habitante de
so de compartilhamento de culturas, as quais deixaram de se fechar em si
uma tribo vê os habitantes de outra como um grupo indiferençado, para o mesmas. Em pouco tempo, informações corriam pelo mundo inteiro, lugares
qual ele tem um padrão indiferençado de comportamento, enquanto vê a si tornaram-se acessíveis e a comunicação ficou mais rápida. Dessa forma, no-
mesmo como membro de um segmento da própria tribo. (...) O sentimento vos significados surgiram e se multiplicaram por diversas partes do mundo.
tribal baseia-se tanto na oposição às outras tribos, como no nome comum, Tal momento, chamado de sociedade em rede ou sociedade da informação,
no território comum, na ação conjunta na guerra, e na estrutura comum de
linhagem de um clã dominante (PRITCHARD, 2007:178).”
trouxe grandes e fortes mudanças. Houve uma propagação de novos estilos
de vida, modos de falar, pensar e vestir que não mais se limitavam a uma
Esses espaços comunitários, nos quais seus habitantes possuem suas identi- fronteira ou a um lugar específico. Agora qualquer tipo de informação poderia
dades baseadas em suas vivências em um determinado local, são os espaços ser compartilhada com o mundo todo, as atividades passam a não depender
mais da localidade.

CAPíTULO 3 INTERNET E PERTENCIMENTO 21


Anthony Giddens nos fala de esvaziamento do espaço: criada pelas relações sociais, pela convivência, pela linguagem e pelo modo
de lidar com o ambiente, no não-lugar uma identidade partilhada é exigida e
“O desenvolvimento de ‘espaço vazio’ pode ser compreendido em termos da pré-concebida. Todos são iguais e todos são indiferentes aos outros. Ali encon-
separação entre espaço e lugar. (...) ‘Lugar’ é melhor conceitualizado por tramos uma noção de tempo deslocado, pois ele é instantâneo, se passa no
meio da idéia de localidade, que se refere ao cenário físico da atividade so-
cial como situado geograficamente. Nas sociedades pré-modernas, espaço e
presente. Tempo e espaço sempre foram conectados e, a partir do momento
tempo coincidem amplamente, na medida em que as dimensões espaciais da em que a noção de tempo é modificada, o conceito de espaço também adquire
vida social são, para a maioria da população, e para quase todos os efeitos, um novo significado. O indivíduo, visando uma comunicação global, teve de
dominadas pela ‘presença’ – por atividades localizadas. O advento da mo- se adaptar a um novo tempo, diferente do tempo local, um tempo válido para
dernidade arranca crescentemente o espaço do tempo fomentando relações todos os diversos pontos do globo terrestre.
entre outros ‘ausentes’, localmente distantes de qualquer situação dada ou
interação face a face.” (GIDDENS, 1991:26)
Anthony Giddens usa o termo “desencaixe” para se referir ao deslocamen-
O autor propõe dois elementos que contribuíram para o conceito de espaço to das relações sociais de um contexto local e o termo reencaixe para sua
vazio: a percepção dos locais como múltiplos (sem favorecer um lugar espe- posterior reestruturação através de extensões indefinidas de tempo e espaço.
cífico) e os sistemas que permitem a utilização de um limite espacial comum. Segundo o autor, o tempo deslocado só é possível porque existem formas de
Lugares vazios podem ser associados ao fenômeno dos não-lugares, nome- desencaixe que fazem com que relações sociais sejam realizadas a longas
ado pelo antropólogo Marc Augé em 1994. Se no lugar há uma relação forte distâncias. Tais formas são: o dinheiro e os sistemas tecnológicos, os quais
entre o espaço e o social, no não-lugar isso se perde. Assim, os não-lugares organizam e regulam a vida social contemporânea. Os não-lugares são os
vão além de espaços físicos, passando também por uma nova forma de re- mesmos em todos os espaços que se manifestam e o significado do tempo é
lação entre as pessoas que ali se relacionam, de acordo com a rapidez na indiferente uma vez que não estão ligados a localidade, mas podem ser enten-
realização das necessidades imediatas. São lugares que são os mesmos em didos em qualquer não-lugar.
todas as localidades. Tal velocidade leva a uma ocupação efêmera do espaço,
fazendo com que o sentimento de pertencimento existente ali não seja tão 3.2. O Real (Territorialização)
grande. O contato com o outro é limitado e, por isso, nos não-lugares predo- e o Virtual (Virtualização)
mina a solidão.
Geralmente definimos como virtual algo que não é físico, concreto ou palpá-
“Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um es- vel. Pode ser entendido como uma simulação, uma versão imaterial ou uma
paço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, teoria. Pode ser exemplificado como algo que existe, mas não materialmente.
nem como histórico definirá um não-lugar. A hipótese aqui defendida é a de Está suspenso, em algum lugar, sem que nos seja possível de tocar. Tal con-
que a supermodernidade é produtora de não-lugares, isto é, de espaços que
não são em si lugares antropológicos e que, contrariamente à modernidade
ceito se faz presente no uso dos computadores, uma vez que esses nos dão
baudelairiana, não integram os lugares antigos: estes, repertoriados, classifi- a possibilidade de simular ações e situações além de serem uma ferramenta
cados e promovidos a ‘lugares de memória’, ocupam aí um lugar circunscrito para relações sociais através das redes.
e específico. (AUGÉ, 1994:73)”
Para entender melhor o conceito de virtualidade, a obra “O que é o Virtual?”
Exemplos de não-lugares podem vir a ser lugares de passagem, como por do filósofo Pierre Lévy (1996), traz conceitos que definem a relação entre ela
exemplo, avenidas, rodovias, aeroportos e estações de metrô. São lugares in- e a realidade:
diferentes, com impessoalidade. Enquanto no lugar a identidade partilhada é

CAPíTULO 3 INTERNET E PERTENCIMENTO 22


23
Webcam é uma “Já o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possí- O virtual torna-se cada vez mais real. Nos dias de hoje, os dois conceitos an- 28
Twitter é uma rede
câmera de vídeo de social que permite
baixo custo que capta vel, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó dam juntos nas comunicações, relações, experiências e compartilhamentos aos usuários enviar e
imagens e as transfere de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, receber atualizações
para um computador. de informações. Pessoas se relacionam em rede 24 horas por dia e não pre- pessoais de outros
um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução:
Pode ser usada para
a atualização. Esse complexo problemático pertence à entidade considerada e cisam mais sair de casa para pagar contas, fazer reuniões ou assistir aulas. contatos (em textos
videoconferência, de até 280 caracteres,
monitoramento de am- constitui inclusive uma de suas dimensões maiores. O problema da semente, Muitas formações acadêmicas são feitas através da internet e cirurgias “vir- conhecidos como
bientes, produção de “tweets”).
vídeo e imagens para
por exemplo, é fazer brotar uma árvore.” (LÉVY, 1996:16) tuais” são feitas com aplicativos de edição de foto, atingindo um padrão que
edição, entre outras existe apenas no virtual. Então, o que é o real e o que é o virtual? Qual o limite 29
Facebook é uma
aplicações. rede social lançada
Para Lévy, a virtualização se opõe a atualização, uma vez que consiste na entre eles? em 2004. Os usuários
24
FaceTime é um criam perfis que
software desenvol-
passagem do atual para o virtual, em uma “elevação à potência” da entidade contêm fotos e listas
vido pela Apple Inc. considerada. Para o filósofo, a atualização é a solução de um problema, é a Segundo Lévy, a virtualização é um dos maiores criadores de realidade uma de interesses pessoais,
que permite fazer trocando mensagens
ligações telefônicas ou criação a partir de uma dinâmica. Já a virtualização é o processo inverso da vez que possui a aptidão de nos desprender do aqui e do agora. A sociedade privadas e públicas
videochamadas entre entre si e participantes
aparelhos que rodem
atualização. Não se trata porém de uma desrealização, mas de uma mudança atual está cada vez mais entregue aos espaços cibernéticos, uma vez que de grupos de amigos.
o sistema operacional de identidade do real. Quando algo se virtualiza, se desterritorializa. Ainda de- são capazes de produzir efeitos no imaginário e na vida dos seres humanos.
da empresa.
pende de algum espaço físico, mas não de uma concepção clássica de tempo Em um mundo lotado de inseguranças e ansiedades, fazer parte de um lugar
25
Skype é um software
que permite conversar
e espaço. Além da virtualidade, características como a fluidez, navegabilidade, “perfeito”, mesmo que inexistente, é uma proposta chamativa. O virtual pro-
com o mundo todo. praticidade e conectividade estão fortemente presentes no espaço cibernéti- move uma dinâmica de presença e relações afetivas que fazem com que o
É possível fazer
chamadas de vídeo e co, para o qual é transferido uma parte significativa do tempo e experiência caos seja superado, ainda que seja de uma maneira ilusória. E, mesmo com
voz gratuitas entre dois
usuários, bem como
dos usuários. a quantidade de trocas, ao lado de tal ilusão cresce uma instabilidade social,
chamadas em grupo, uma vez que se faz cada vez menos presente a sensibilidade de se relacionar
enviar mensagens de “Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtuali-
chat e compartilhar fora da rede.
arquivos com outras zam, eles se tornam ‘não-presentes’, se desterritorializam. (...) A sincroniza-
pessoas. ção substitui a unidade de lugar, e a interconexão, a unidade de tempo. (...)”
(LÉVY, 1996:21) Com as transmissões ao vivo, os sistemas de telepresença (Webcam23, FaceTi-
26
WhatsApp é um apli-
cativo multiplataforma me24, Skype25, entre outros) e as interações em tempo real pelas redes sociais
de mensagens instan-
tâneas e chamadas de A realidade também tem seu lado virtual, uma vez que só é entendida através (Whatsapp26, Instagram27, Twitter28, Facebook29, entre outros), o conceito de
voz para smartphones.
de uma representação simbólica. No entanto, uma vez que os meios de comu- espaço não está mais ligado ao de lugar. Hoje a desterritorialização se dá fa-
Além de mensagens
de texto, os usuários nicação atuais carregam uma diversidade cada vez maior de signos, causando cilmente. Pessoas podem estar em diferentes lugares cibernéticos ao mesmo
podem enviar imagens,
vídeos e documentos uma diversa e vasta interpretação de todos os cantos do mundo, a importân- tempo, ainda que dispostas num dispositivo em um lugar fixo e físico.
em PDF, além de fazer
ligações grátis por
cia do que é o virtual aumenta, causando uma cultura da virtualidade real.
meio de uma conexão 3.3 Espaços Virtuais
com a internet.
Segundo Castells:
27
Instagram é uma Com o avanço da tecnologia, houve o surgimento de espaços virtuais, cria-
rede social online de
compartilhamento de “A cultura da virtualidade real é “um sistema em que a realidade é inteira- dos a partir da desterritorialização. Tal conceito acontece quando, diante do
fotos e vídeos entre mente captada, totalmente imersa em uma composição de imagens virtuais
seus usuários, que avanço do processo de virtualização, nascem lugares repletos de símbolos e
no mundo do faz-de-conta, na qual as aparências não apenas se encontram
permite aplicar filtros significados reais que não estão presentes em um mesmo espaço físico. Além
digitais e compartilhá na tela comunicadora das experiências, mas se transformam na experiência”.
-los em uma variedade
(CASTELLS, 1999:459) disso, comunidades são criadas a todo momento, onde vidas e relações se
de serviços de redes
sociais.

CAPíTULO 3 INTERNET E PERTENCIMENTO 23


estabelecem de maneira virtual. Portanto, as relações são reais, mas em um A concepção de tempo também se modifica em uma sociedade cada vez mais
espaço suspenso, imaterial, no qual a distância não é um empecilho para virtualizada. O tempo virtual é um tempo deslocado, uma vez que se torna in-
quem quer se comunicar mesmo estando do outro lado do mundo. definido e quase instantâneo. Além disso, as relações não são mais limitadas
pelas horas ou pelos fusos horários. Na internet, cada pessoa tem seu tempo
Tais lugares são oriundos da internet, que é o maior exemplo da nova confi- individualizado. Ali, não precisamos agir como uma sociedade de rotinas igua-
guração espacial. É um ciberespaço, que independe da matéria, no qual novas litárias, com hora para acordar, comer, trabalhar e dormir.
formas de sociabilidade permitem a formação de novos lugares. Com as redes
sociais, surgiu uma nova forma de se relacionar, de modo que não exista uma Segundo Bauman (2001), houve uma transição da modernidade sólida para
localidade, permitindo que seus usuários não dependam de um espaço físico uma líquida. A primeira ofereceu, diante de sua racionalização, um desloca-
que limite sua identidade. mento do tempo o qual foi acelerado pelos meios de transporte e pela criação
de um sistema universal de demarcação do espaço e do tempo. Já na mo-
“Uma comunidade virtual pode, por exemplo, organizar-se sobre uma base dernidade líquida, a aceleração deu-se com o desenvolvimento de meios de
de afinidade por intermédio de sistemas de comunicação telemáticos. Seus comunicação cada vez mais velozes, praticamente instantâneos.
membros estão reunidos pelos mesmos núcleos de interesses, pelos mesmos
problemas: a geografia, contingente, não é mais nem um ponto de partida,
“A mudança em questão é a nova irrelevância do espaço, disfarçada de
nem de coerção. Apesar de ‘não-presente’, essa comunidade está repleta de
aniquilação do tempo(…). O espaço não impõe mais limites à ação e seus
paixões e de projetos, de conflitos e de amizades.” (LÉVY, 1996:20)”
efeitos, e conta pouco, ou nem conta. Perdeu seu ‘valor estratégico’ diriam
os especialistas militares. (...) A ‘instantaneidade’ aparentemente se refere a
Geralmente, comunidades são definidas pelas relações pessoais, afetivas e um movimento muito rápido e a um tempo muito curto, mas de fato denota a
éticas. Lugares virtuais são resultantes da reunião de pessoas ou grupos nes- ausência do tempo como fator do evento e, por isso mesmo, como elemento
sas comunidades, ligados, em sua maioria, por interesses em comum. Dali, no cálculo do valor. O tempo não é mais o ‘desvio na busca’, e assim não mais
surgem os espaços virtuais, ou seja, espaços de relação entre pessoas dentro confere valor ao espaço.” (BAUMAN, 2001:136)
de um espaço informacional, ou seja, um ciberespaço.
Com o fato das relações ocorrerem em lugares cada vez mais distantes, a
distância não é mais um empecilho nas relações sociais. As noções de tempo
No entanto, o mundo da internet é tão diverso e contraditório quanto a pró-
e espaço foram reformuladas e em sua maioria perderam a importância, uma
pria sociedade. Nem toda interação em rede é homogênea ou caracterizada
vez que as ações humanas tornam-se cada vez mais aceleradas e instantâ-
por uma presença em um lugar. Assim como existem os lugares, existem os
neas. Esse tempo também é um tempo eterno, uma vez que nele contém todo
não-lugares no mundo virtual. Com a formação de novos sites, de novas redes
o passado e futuro, bastante que seja acessado em um clique, pelas formas
sociais, comércios online e de uma comunicação mais individualizada, surge
de comunicação informatizadas. Ao mesmo tempo que simultâneo, é também
também o não-lugar virtual. O não-lugar virtual, identificado pelos contatos
indefinido. O tempo não é apenas percebido, mas também entendido de ma-
indiferentes entre as pessoas, pelo não compartilhamento de saberes e rela-
neira desconexa, onde presente, passado e futuro se misturam, fazendo com
ções. São lugares de passagem, onde não há muita interação entre as pesso-
que torne-se indiferenciado.
as. Na internet, os não-lugares virtuais são encontrados onde existe uma co-
municação passageira e pragmática. Alguns exemplos são sites de comércio,
buscas ou redes sociais com um enorme número de perfis no qual há pouca
interação.

CAPíTULO 3 INTERNET E PERTENCIMENTO 24


3.4. AS REDES SOCIAIS “Chamamos de comunidade a uma relação social na medida em que a orien-
tação da ação social, na média ou no tipo ideal baseia-se em um sentido de
COMO FERRAMENTAS
solidariedade: o resultado de ligações emocionais ou tradicionais dos partici-
DE BUSCAS EMPÁTICAS pantes”. (WEBER, 1987:77)

Empatia é a arte de se colocar no lugar do outro por meio da imaginação, en- Assim como a noção de espaço e tempo foram modificadas com os meios de
tendendo seus sentimentos e perspectivas, usando essa compreensão como comunicação, as relações humanas também foram transformando a ideia de
uma forma de guiar suas próprias ações. É ter respeito pelo que o outro diz comunidade. Dessa forma, as comunicações por meio da internet permitiram
e sente. Não é um sentimento de compaixão, carregado de piedade ou pesar o nascimento de um novo tipo de comunidade, as comunidades virtuais. Se-
por alguém, mas sim uma maneira de compreender as emoções ou o ponto gundo Reinghold (1994), fazem parte da formação de uma comunidade virtual:
de vista da outra pessoa. Mesmo tendo a fama de ser uma emoção vaga, que discussões públicas, encontros e reencontros, o tempo e o sentimento. Esses
somente a tem quem possui uma sensibilidade emocional e afetuosa avan- elementos dentro de um espaço virtual são os formadores de redes de rela-
çada, a empatia é, de fato, uma virtude com o poder de transformar vidas e ções sociais, constituindo-se em comunidades.
promover profundas revoluções sociais e humanas.
O pertencimento é outra característica da comunidade virtual. Esse sentimen-
Desde os primórdios até contemporaneamente, com o aprimoramento da to é a noção de que somos parte de um todo e trabalha para uma finalidade
tecnologia, o conceito de troca e reciprocidade caminharam juntos e fizeram comum com os demais membros daquele espaço. Diferentemente de um sen-
nascer o ambiente da cibercultura que conhecemos hoje. Com o avanço da timento de pertencimento através de um território físico, nos espaços virtuais
internet, as redes sociais se tornaram grandes espaços de compartilhamento esse sentimento se dá pela oportunidade de escolha em “fazer parte” de certo
de histórias e informações. São lugares onde pessoas buscam por locais de grupo ou comunidade. Ali, os indivíduos podem buscar e encontrar relações
conforto, escuta e fala, além de desfrutar de todas as possibilidades técnicas empáticas e recíprocas, de forma que se sintam pertencentes a uma história
que a as comunidades virtuais possibilitam. Os relacionamentos nas redes e vivência.
são, antes de tudo, relacionamentos entre pessoas ansiosas por reciprocida-
de, empatia e vida em comunidade. Antes das redes sociais e da internet, todas as informações que chegavam
até nós poderiam ser manipuladas de acordo com os padrões estabelecidos
Para sobreviver e se reproduzir, o ser humano convivia em grupos que, mais pela época. Ainda há poucos anos atrás, era comum não haver nenhuma ou
tarde, evoluíram para as primeiras comunidades. Max Weber já dizia que “O pouquíssima representatividade de “minorias” na mídia. Tal termo evoca uma
conceito de comunidade é mantido aqui deliberadamente vago e conseqüen- ideia de inferioridade numérica, mas que, no entanto, também é usado para
temente inclui um grupo muito heterogêneo de fenômenos” (1987:79), uma fazer referência a grupos historicamente oprimidos, seja social, econômica,
vez que considerava que a ideia de comunidade tinha expressões e signifi- política e/ou culturalmente. Nesses casos a chamada “minoria” não necessa-
cados. Para ele, a comunidade nasce em qualquer tipo de ligação emocional, riamente é inferior numericamente, uma vez que mulheres e negros, grupos
afetiva ou tradicional entre as pessoas. Ele utiliza da relação o exemplo básico frequentemente enquadrados neste termo, fazem parte da maioria da popu-
de qualquer comunidade. Esta só existiria quando um sentimento de situação lação brasileira, segundo dados do IBGE. Já a “maioria” é o grupo composto
comum e suas consequências viesse a tona de forma que fosse capaz de for- pelos que dominam e oprimem social, econômica, política e/ou culturalmente
mar um todo. as minorias. Alguns exemplos básicos são: homens, brancos, cisgêneros e he-
terossexuais.

CAPíTULO 3 INTERNET E PERTENCIMENTO 25


Dessa forma, tais grupos não só são dominantes de tal minoria como também uma grande facilidade de acesso. Dessa forma, a presença de minorias dentro
encabeçam os principais meios de comunicação. Para as mulheres negras, dele é fundamental para que interações sociais sejam criadas, além de haver
tais padrões são ainda mais cruéis, uma vez que desde crianças são incenti- a imposição da representatividade de corpos que antes eram excluídos pela
vadas a alisar seus cabelos, caminhando junto a uma cultura de “embranque- mídia tradicional.
cimento”, já que a mídia tradicional trabalhava, em sua maioria, com corpos
magros e brancos. É de extrema importância questionar a real democratização do acesso a inter-
net no Brasil, visto que a última Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios
Segundo dados publicados pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) em
Afirmativa (GEMAA), as novelas mais famosas no Brasil possuem, em mé- Novembro de 2017, apontou que apenas 63,6% das residências brasileiras
dia, 90% de personagens representados por atores/atrizes brancos e apenas possuem conexão. Já em 2014, a pesquisa apontava 54,9% dos domicílios
10% por pretos ou pardos. Tal percentual variou muito pouco nos últimos vin- com acesso a rede. Mesmo com uma distribuição de acesso desigual, o aces-
te anos, a despeito de esforços localizados para produzir novelas com maior so a internet proporciona novos modelos de comunicação, mais democráticos
participação negra. As novelas que mais apresentam personagens centrais e inclusivos, comparados aos meios tradicionais de comunicação.
não-brancos não excedem 31% do total.
Com o progresso do ciberespaço e o nascimento das redes sociais, minorias
Logo, pode-se concluir que todos esses números não só refletem as opres- conseguem um local de fala no campo das comunicações que antes não exis-
sões machistas, racistas e LGBTQIfóbicas da vida real, como também as refor- tia. Grandes avanços são possibilitados, uma vez que tais populações margi-
çam, uma vez que quando as histórias de tais “minorias” não são retratadas, nalizadas conseguem ter espaço e voz, ganhando protagonismo no processo
os padrões impostos pela “maioria” é fortalecido e muitas vezes entendido representacional e movimentando o imaginário social. O Youtube e o Insta-
como o ideal. Logo, faz-se necessário ressaltar a importância da representati- gram são dois exemplos de redes sociais nas quais os usuários não apenas
vidade na mídia e no entretenimento, uma vez que promove a autoestima e o encontram uma grande variedade de conteúdo, mas também podem produzir
empoderamento de grupos que foram historicamente oprimidos. e compartilhar suas próprias produções, criando interações entre indivíduos
que se identificam e se familiarizam com o que estão reproduzindo.
Portanto, os meios de comunicação possuem uma função social, já que car-
regam uma grande influência sobre como os indivíduos enxergam o mundo. Deste modo, a rede social torna-se uma ferramenta de reciprocidade e fa-
Portanto, é essencial que haja o reconhecimento de todas as vozes da socie- cilitadora de encontros empáticos. Ou seja, tem total poder e capacidade de
dade, uma vez que tal mudança comportamental midiática possui um grande reunir e conectar indivíduos de todo lugar, com o objetivo de facilitar debates,
potencial de transformações positivas. ajudas, compartilhamento de informações e histórias em comum, gerando o
sentimento de pertencimento. Ela atenua a formação de redes de contatos e
A ascensão do ciberespaço é o resultado de uma exploração, em sua maioria, pessoas dispostas a ajudar a outras, contribuindo contra o efeito que as gran-
por jovens que buscam coletivamente novas formas de diálogos diferentes des mídias tradicionais causam ao padronizar certo comportamento estético
das impostas pelas mídias tradicionais e que, dessa forma, acabam fortale- e social, distinguido como “correto”. É inegável que a internet tenha muitos
cendo uma comunicação descentralizada, onde todos podem se comunicar pontos negativos, no entanto, pode ser um espaço acolhedor, no qual propor-
sem que haja um grande emissor com uma grande massa de receptores pas- ciona encontros, aprendizados e compartilhamentos de informações de forma
siva. Tal espaço virtual é pioneiro no processo de protagonismo representa- clara, democrática e representativa.
cional das minorias sociais, uma vez que, além de ser descentralizado, possui

CAPíTULO 3 INTERNET E PERTENCIMENTO 26


parte 2
metodologia
Junto aos conceitos estudados, o projeto teve como base as experi-
ências vivenciadas com as oficinas “Kintsugi” e “Novos Olhares Sobre
o Feminino Através da Colagem.” A partir destas, pude entender as
reais necessidades das participantes, além de conseguir idealizar o
conceito e as práticas por trás do projeto.

Neste momento, compartilho a minha experiência pessoal com a


colagem e como a utilizo em minha vida pessoal e profissional.Faço
uma análise sobre como as colagens que produzo carregam a minha
personalidade e são capazes de transmitir o momento em que me
encontro atualmente.

Além disso, esta parte contém a minha experiência junto a internet e


as pessoas que me seguem pela rede social Instagram. Compartilho
como esta ferramenta faz com que o meu trabalho se desterritoriali-
ze e alcance pessoas de diversos lugares do Brasil e do mundo.

Por fim, com depoimentos das próprias participantes, demonstro


como a colagem pode ser uma forte ferramenta de autoexpressão e
conhecimento, capaz de criar resultados que se perpetuam para além
do momento da oficina.
capítulo 4

Novos Olhares Sobre o


Feminino Através da Colagem
Penso que a colagem sempre esteve ligada a mim uma vez que 30
Cool é um adjetivo
na língua inglesa e
tudo o que tinha cara de urbano e moderno me chamava a atenção. que significa “legal”,
na tradução literal
A estética da rua me encantava e eu sempre soube que gostaria de para o português. Este
trabalhar ou fazer parte de um grande centro urbano, cheio de lu- termo é utilizado em
um contexto informal,
zes, pessoas, confusões, dinheiro, barulho, moda e modernização. como uma gíria para
qualificar algo ou
Acredito que escolhi a faculdade de Design por esse fator. Sempre alguém como “radical”,
gostei do universo artístico e do que não fosse tradicional. Na épo- “calmo”, “descolado”
ou “tranquilo”, por
ca, design ainda não era uma profissão tão comum como Publici- exemplo.
dade e Comunicação. Mesmo assim achava que ser uma grande 31
Ciências Sem
Designer era algo admirável, cool30 e moderno. Fronteiras foi um
programa de pesquisa
criado em 26 de julho
de 2011 pelo governo
Quando entrei para a faculdade um novo mundo se abriu. Pessoas Dilma Rousseff para
de todos os tipos e vidas completamente diferentes da minha apa- incentivar a formação
acadêmica no exterior,
reciam na minha frente o tempo inteiro. Percebi que sai da bolha oferecendo bolsas de
iniciação científica e
e que encontrei gente que se identificava com o que eu pensava e incentivando projetos
que eram muito mais transgressores do que eu achava que era. A científicos em univer-
sidades de excelência
faculdade foi o período mais feliz que tive em minha vida. Foi uma em outros países.
fase de conhecimento e libertação de tudo que me prendia e me
castrava. Me deslumbrava com pessoas cada vez mais diferentes
de mim que me acrescentavam experiências e aprendizados de
alguma forma.

Trabalhava com colagem nos meus trabalhos da faculdade mesmo


sem querer. Quando via, ela já estava fazendo parte de algum pos-
ter ou identidade visual. Fiz estágio com estamparia durante um
ano por ser uma das áreas mais artísticas dentro do Design. A es-
tampa não deixa de ser uma obra de arte inteira ou até mesmo uma
colagem. Depois desse estágio fui para Espanha fazer intercâmbio
de um ano pelo Ciências Sem Fronteiras31. Entrei na Faculdade de

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 28


32
Afropunk refere-se a Belas Artes de Vigo, que ficava em uma micro cidade na Galícia, localizada no Figura 11.
participação de negros
no cenário punk e alterna- noroeste da Espanha, chamada Pontevedra. Com o meu encantamento por Poster “Cor”
tivo. O movimento é da série Afropunk,
minoria na cultura punk grandes centros urbanos, foi muito complicado me identificar e até mesmo com intervenções
em serigrafia,
americana, mas não se gostar do lugar que morava. Foi uma época complicada, porém importante, na 2016.
pode negar a sua grande-
za em muitas partes do qual tive que aprender a conviver comigo mesma, morar sozinha e conhecer
mundo como em regiões Figura 12.
da África, o que faz dos um lugar novo sem meus amigos e família por perto (pessoas que sempre me Poster “Preta”
da série Afropunk,
Afropunks uma referência deram e passam segurança). com intervenções
cultural, musical e com-
portamental. em serigrafia,
2016.
33
Styling é uma maneira A faculdade me proporcionou uma visão e entendimento maior sobre arte.
Figura 13.
de combinar roupas e Tive aulas de expressão artística, pintura, desenho, modelo vivo, gravura e Poster “Grl Pwr”
acessórios, exibindo-os
do modo mais atraente ou história da arte. No último semestre, cursei uma matéria a qual mexia com da série Afropunk,
desejável possível, para com intervenções
que sejam vendidos. Isso programas de Design e foi aí que tudo começou. Tínhamos que escolher um em serigrafia,
2016.
pode incluir, por exemplo, tema, fazer um trabalho artístico e uma revista sobre ele. Escolhi falar sobre o
a escolha de acessórios
para complementar e empoderamento da mulher negra junto ao movimento AfroPunk32. O trabalho Figura 14.
combinar com um vestido. Poster “Afro”
artístico seriam colagens com intervenções em serigrafia. A faculdade tinha da série Afropunk,
com intervenções
um ótimo laboratório de gravura, o que facilitava qualquer tipo de processo em serigrafia,
de impressão. 2016.

Em Pontevedra, podia contar nos dedos quantas mulheres negras existiam a


minha volta. Eram pouquíssimas e não faziam parte do meu grupo social, uma
vez que ficava sem graça de pedir que fotografassem para mim sem nem co-
nhecê-las. Então, decidi fazer as fotos no Brasil, com minhas próprias amigas.
Pedi para uma amiga fotografar e um amigo nos ajudou com o styling33 de
todas as modelos, levando brincos e roupas coloridas.

As fotos ficaram incríveis e o resultado também. Este trabalho me rendeu


muito mais do que uma boa nota. Considero-o como um dos projetos pesso-
ais mais importantes e satisfatórios que já fiz. Encontrei feministas e artistas
negras que fizeram um grande diferencial de como eu pensava o feminismo
antigamente. Hoje enxergo que é preciso entender o feminismo negro para
dar o primeiro passo a se pensar sobre o feminismo em geral.

Quando voltei do intercâmbio, comecei a fazer colagens de uma maneira mais


descompromissada e quando me dei conta estava começando a me aceitar e
profissionalizar como colagista. Descobri que as colagens poderiam ser uma

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 29


ferramenta potente de autoconhecimento, expressão e cura. Com a quantida- Figura 15.
Colagem Digital
de de material que fui produzindo, percebi uma identidade que se repetia e se Grl Pwr, 2017.
formava.

Não gosto de usar muito a tesoura ou de deixar as imagens perfeitamente


recortadas. Para mim, rasgá-las (e deixar aparente que foram rasgadas) era
uma parte importante para o meu processo de criação. Tal técnica acabou
sendo um diferencial do meu trabalho ao ponto de pessoas reconhecerem que
certa colagem poderia ser minha só por causa desse detalhe.

Outra característica que coloco em minhas colagens são elementos da na-


tureza junto a mulher protagonista. Sempre gostei de trabalhar com plantas
(principalmente por causa do tempo que trabalhei com estampas) e, além de
serem ótimos elementos estéticos devido às suas cores, texturas e formas,
possuem um significado especial por si só e que gosto de aplicar em meus
Figura 16.
projetos. Colagem Digital
Gabriela, 2017.

Além de muitas plantas se parecerem com o órgão reprodutor feminino, a


ligação da mulher com a natureza é falada desde muito tempo, como, por
exemplo a relação das curandeiras consideradas grandes “bruxas”, ou seja,
mulheres que tinham o conhecimento dos elementos da terra e como eles
poderiam ajudar a humanidade.

Na medida em que postava minhas colagens no Instagram, recebi o retorno


de pessoas e participei de algumas feiras de arte independente, o que me
rendeu uma grande quantidade de novos contatos e seguidores. Para mim, o
Instagram tem sido a melhor rede social para divulgar trabalhos, criar redes
e conhecer outros artistas. Além disso, consigo ver qual colagem fez mais
sucesso entre certo tipo de público e, dessa forma, consigo divulgá-la e co-
mercializá-la melhor.

34
Termo usado para Em Janeiro de 2018, recebi o convite para gravar um vídeo falando sobre o
definir um usuário
frequente do website meu processo criativo com a colagem para o Youtuber34 Igor Saringer. O vídeo
de compartilhamento
de vídeos YouTube, alcançou cerca de 27.000 visualizações e teve 270 comentários na rede social.
especialmente alguém Além disso, pelo Instagram, recebi por volta de 40 mensagens de pessoas do
que produz e aparece
em vídeos no site

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 30


Figura 17. Brasil inteiro que me enviaram colagens feitas em suas casas, dizendo-se
Colagem Manual,
Haight, 2017. inspiradas em meu trabalho. Com essa experiência, meu uso das redes sociais
Figura 18. ficou mais potente na medida em que enxerguei como podem vir a ser fortes
Colagem Manual, ferramentas de comunicação, acolhimento e divulgação de um trabalho.
Flor e Ser, 2017.

Figura 19.
Colagem Manual, Figura 24.
Mina Navalha, 2018. Captura do vídeo
“Como Fazer Colagens
Figura 20. Legais”, do canal do
Colagem Manual, Youtuber Igor Saringer.
Maternidade, 2017.

Figura 21.
Colagem Manual,
Tapioca, 2017.

Figura 22.
Colagem Manual,
Puta, 2017.

Figura 23.
Colagem Manual,
Angola, 2017.

Figuras 25 a 28.
Capturas das mensagens recebida pelo Instagram.
*Os nomes das contas da rede social foram preservados.

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 31


4.1 AS OFICINAS lações, empoderamento, autoestima, aceitação, cuidado, amor e conhecimen-
to vieram a tona. Histórias diferentes eram contadas e o que era inaceitável
Ainda em Janeiro de 2018, uma amiga fotógrafa me chamou para um projeto para algumas, passava despercebido para outras. No segundo dia, fizemos da
muito especial. Junto a uma outra amiga designer e escritora, criamos uma colagem uma ferramenta final para a concretização da oficina e dos temas
oficina de empoderamento feminino chamada Kintsugi. Tal nome vem da téc- debatidos.
nica japonesa de colar objetos de cerâmica que foram quebrados com uma
cola dourada. Eram novos objetos, recolados com uma cola dourada que lhes Foi impressionante perceber como as mulheres presentes ali saíram com um
dava outra história, essência e significado. O nome assemelha-se a técnica da forte sentimento de pertencimento, autoamor e acolhimento. Nenhuma das 10
colagem, uma vez que nesta trabalhamos com fragmentos que foram retira- mulheres se conheciam e, mesmo assim, conseguiram se abrir e contar seus
dos de um contexto e re colocados em outro, adquirindo uma nova interpreta- medos. Esta frase me marcou: “eu não contei isso nem para a minha melhor
ção e um novo olhar construído através das mudanças feitas naquela imagem. amiga, é engraçado poder me sentir segura e compartilhar essa história com
pessoas que nunca vi na vida”. Participaram mulheres de idades variadas, de
O primeiro dia da oficina aconteceu em uma tarde de quarta-feira na Casa 18 a 65 anos. Mulheres que tiveram problemas com a aceitação
Ipanema, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro. Gessiga Hage, a fotógrafa
do projeto, tinha como proposta fotografar partes do corpo que fossem difíceis
Figura 31.
de serem aceitas pelas participantes. Após isto, faríamos colagens com essas Registro do primeiro dia
mesmas fotos. Com esta prática, tínhamos como objetivo recriar o olhar das da Oficina Kintsugi, realizada
na Casa Ipanema, RJ.
integrantes sobre o seu próprio corpo. No primeiro dia, fizemos uma grande
roda de conversa, na qual cada mulher presente contava sobre a relação que
tinha com ele. Temas como machismo, feminismo, problemas alimentares, re-

Figura 32.
Registro do segundo dia
da Oficina Kintsugi, onde
as participantes criaram as
suas colagens baseadas
em suas viências e na
roda de conversa realizada
no encontro anterior.

Figuras 29 e 30.
Cerâmicas feitas com
a técnica japonesa Kintsugi.

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 32


ao próprio corpo e com o machismo diário, histórias como dificuldades de se
ter um filho ainda adolescente e superações de vida como um emagrecimento
de 60 quilos. Todas ali passaram por algo importante e estavam no processo
de se autoconhecer e amar.
Figura 33.
Colagem “Toda Boa”,
feita por integrante
da Oficina Kintsugi.

Figura 34.
Colagem “Florida”,
feita por integrante
da Oficina Kintsugi.

Figura 35.
Colagem “Close”,
feita por integrante
da Oficina Kintsugi.

Figura 36.
Colagem “Escrita”,
feita por integrante
da Oficina Kintsugi.

Figura 37.
Colagem “A Força”,
feita por integrante
da Oficina Kintsugi.

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 33


Em Maio de 2018, fiz outra oficina apenas com mulheres. Como era uma ofi-
cina só minha, tive a liberdade de criar um nome e conceito próprios. Ficava
nervosa e ansiosa só de pensar como lidar sozinha com outras 10 mulheres
que enxergariam em mim um porto seguro para suas questões ou expectati-
vas com a colagem.

Sempre vi a colagem como uma técnica muito livre, sem passo a passo ou
teorias. Para mim, é uma ferramenta potente de autoexpressão e uma forma
de trabalharmos a nossa intuição. Cada fragmento escolhido tem um porquê
e uma função de estar dentro daquele arranjo de imagens. Percebi que as
minhas colagens conversavam comigo e representavam bem o momento em
que eu estava. Algumas eram fortes e densas enquanto outras eram mais
leves e românticas. Quis trazer isso para a oficina e mostrar que, a partir do
momento em que modifico meus pensamentos sobre algo, a escolha das mi-
nhas imagens também muda. A colagem vira a experiência da sororidade, na
qual questões subjetivas sobre o que é o feminino são transmutadas para o
papel e questionadas pelas integrantes.

Todas as vagas disponíveis para a oficina foram completadas. Apesar da co-


lagem despertar atenção por ser uma técnica considerada fácil, a maioria
das mulheres presentes se inscreveram com o interesse sobre o feminino.
Cada vez mais vemos discussões sobre o tema, falas e relatos importantes
de mulheres que lidam com o machismo diário ou que já superaram algum
trauma causado por esse sistema patriarcal. Importantes escritoras, filósofas
e pensadoras feministas ganham destaque nas mídias todos os dias. É um
movimento que só cresce e junto a ele a vontade feminina de se inteirar e se
fortalecer cada vez mais.

A oficina ganhou o nome de Novos Olhares Sobre o Feminino Através da Cola-


gem. Fiz algumas artes interessantes para a divulgação e no dia criei, despre-
tensiosamente, um “kit surpresa” no qual selecionei algumas imagens do meu
acervo pessoal. Junto ao kit, coloquei um cartão postal e alguns adesivos de
colagens minhas. Percebi o quanto este pequeno gesto fez diferença na minha
oficina. As alunas gostaram de ganhar uma recordação e, principalmente, se
sentiram incentivadas a continuar a colar em casa. A partir daí começou a
surgir a ideia final para o meu Trabalho de Conclusão de Curso.

Figura 38. Sala do Studio Manual, localizado na Rua Buenos Figura 39. Integrantes fazendo suas colagens.
Aires, centro do Rio de Janeiro.
Figura 40. “Kit-Surpresa”.

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 34


Figura 41. Comecei me apresentando e dizendo o que foi que me fez criar a oficina. Este
Integrantes
fazendo as momento foi muito especial, pois tinha a missão de conseguir passar tudo o
suas colagens.
que eu queria e ainda trabalhar o nervosismo. Era também algo pessoal, no
qual compartilhava meus medos, minha própria caminhada de aceitar o meu
corpo e minhas questões sobre o feminino. Falei sobre a minha relação com
a colagem e como a via como uma arte de terapia, autoconhecimento e cura.
Deixei bem explicado que a minha oficina era uma roda de conversa e que elas
poderiam me interromper a qualquer momento. Muitas se identificaram com
o que falo e compartilhavam histórias parecidas com as minhas. Enxerguei
a criação de um ambiente empático cheio de escuta e sororidade entre as
mulheres ali presentes.

Após este momento, pedi para as alunas se apresentarem. Tentei deixá-las o


máximo a vontade que podia e acreditei que criava um ambiente favorável a
isto quando expunha meus medos e minhas questões que sabia que tinha em
comum com a maioria presente. Os relatos foram emocionantes e cada uma
tinha uma história diferente para contar, encorajando as outras na medida
em que iam se abrindo. Foi interessante ver o quanto a oficina permitiu a
participação de mulheres de todas as idades. Duas participantes de aproxi-
madamente 65 anos contribuíram com as suas sabedorias. Mães que agora
gozavam da liberdade de não precisar se preocupar tanto com os filhos ou
dos afazeres da casa. Nos alertavam sobre as dificuldades da vida ao mesmo
tempo que nos motivavam a continuar com este movimento que infelizmente
não foram privilegiadas de participar quando eram mais novas.

Os depoimentos foram seguidos de choros de alegria e de raiva. Uma menina


de 20 anos chamada Letícia*, sofria com a sua transição capilar, enquanto
Juliana* tentava descobrir como lidar com uma mãe depressiva. Marcia* cho-
rou de raiva quando contou sobre um caso de machismo que sofreu naquela
semana. Julia* se descobria uma mulher negra e lutava dentro da faculdade
para apresentar um contraponto sobre o sistema carcerário feminino no Bra-
sil. Diferentes mulheres contavam seus relatos e eu via a gratidão em seus
olhos ao se sentirem pertencidas e acolhidas naquele grupo.

*todos os nomes foram alterados para manter em segurança a identidade das


participantes presentes.

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 35


A oficina durou 5 horas, divididas em 2 horas de roda de conversas, 2 horas Alguns depoimentos:
de produção e 1 hora de explicação e trocas sobre os trabalhos. A auto-iden-
tificação com o resultado das colagens foi enorme. Todas se apegaram às “Eu nunca tinha feito uma colagem, até ter participado da oficina “Novos Olha-
suas artes e as guardaram com carinho. Acredito que houve uma passagem res Sobre o Feminino” com a colagista Elisa Pessôa. Na oficina, eu não só
de energia corpo-papel a partir do momento em que elas transformaram as tive a oportunidade de conhecer um pouco do trabalho de várias colagistas e
suas próprias experiências e pensamentos em criações. As mulheres ressig- exercitar algumas técnicas, como também tive o privilégio de fazer tudo isso
nificaram seus medos através da arte e, assim, como na colagem, adquiriram ao lado de mulheres fortes e admiráveis! No final das contas, não foi “só” uma
um novo olhar para si mesmas e construiram uma nova composição para se oficina, porque o que eu tive em retorno foi algo muito maior - a nossa troca
viver. Recriaram uma nova essência, um novo conceito sobre algo que foi ou me transformou, vi ali, que não estava sozinha e que da nossa união é possível
ainda era dolorido. Um novo olhar sobre seu corpo, sobre seu próprio feminino nascer conforto, força e resistência. Em “Novos Olhares Sobre o Feminino”, eu
e história. Elas eram os fragmentos que foram transmutados e modificados me redescobri e me apaixonei. A partir daí, a colagem deu um novo sentido à
através do recorte de seu próprio olhar, que se modificou no momento em que minha vida e se tornou uma terapia e um forte meio de expressão.” (Marcia*,
escolheram participar da oficina. 25 anos)

Após a oficina, recebi mensagens das integrantes, repletas de carinho e gra- “Nós agradecemos a sua gentileza e atitude em acreditar em seus sonhos e,
tidão, pelos momentos que este encontro as proporcionou. Alguns textos de principalmente, compartilhar conosco suas experiências e estória!!! Eu fiquei
agradecimento pela retomada de energia e esperança para enfrentar uma muito emocionada e feliz em fazer parte disso!!! Quero fazer mais ainda!!!”
sociedade patriarcal todos os dias e, principalmente, por relembrarem que (Larissa*, 35 anos)
nunca estarão sozinhas, que suas histórias se confundem e se costuram, e
que dessa união é possível nascer conforto, força e resistência. “ A vida me trouxe para uma oficina de colagem sobre o feminino. de presente
ganhei um dia incrível, com mulheres e suas histórias que se confundem com
Figura 42. a minha. com a nossa. viva o universo e a arte dos encontros! obrigada @eli-
Foto do final da Oficina. sapessoa_ por proporcionar tudo isso! trabalho incrível e sensível!” (Míriam*,
Participantes com
as suas colagens 25 anos)
finalizadas.

“Eu fui muito despretensiosa pro curso achando que iria agregar somente a
minha vida como uma profissional criativa, mas me acrescentou muito mais,
pude conhecer mulheres fortes e maravilhosas que se apoiam! Muito obriga-
da.” (Letícia*, 20 anos).

“Faz um tempo que ando mergulhando em processos para me autoconhe-


cer. E em meio a eles, tenho experimentado diferentes linguagens para me
expressar. Foi assim que cheguei à oficina da Elisa, onde pude compartilhar
como me sentia enquanto mulher negra aos olhos de outras pessoas, e trans-
mutar esse sentir em imagens. Confesso que me surpreendi em como a troca
foi positiva. A partir desse processo criativo, desenvolvi um poema que fala

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 36


muito de quem eu estava sendo naquele momento, e aprendi que às vezes, Figura 43.
Colagem “Amor”,
uma linguagem pode nos afetar tanto que é preciso outra para poder trans- feita por integrante
da Novos Olhares
bordá-la totalmente.Se pudesse compartilhar as verdades que ecoam no meu Sobre o Feminino
peito para outras mulheres, desejaria que elas se possibilitassem oportuni- Através da Colagem.

dades de se auto conhecerem. Acho que esse é um caminho de surpresas e Figura 44.
Colagem “Ela”,
transformações.” (Maria*, 26 anos). feita por integrante
da Novos Olhares
Sobre o Feminino
“Minha intenção quando me inscrevi na oficina era 100% profissional, que- Através da Colagem.
ria desenvolver mais técnicas criativas para que eu pudesse na frente usar Figura 45.
no meu trabalho. Porém, quando vivenciei aquela tarde com tantas mulheres Colagem “Art”,
feita por integrante
fortes e inspiradores vi que era muito mais do que uma aula de colagem, era da Novos Olhares
Sobre o Feminino
uma forma de nos expressarmos e nos conectarmos umas coisas as outras. Através da Colagem.
Foi maravilhoso cada segundo que passei com elas, e faria mil vezes mais,
Figura 46.
porque tive a oportunidade de conhece-las um pouquinho, e o mais impor- Colagem “Flor e Ser”,
feita por integrante
tante me conhecer. É uma atividade relaxante e divertida que recomendo, não da Novos Olhares
só em grupo mas sozinha, tentar se expressar através do recorte e colagem. Sobre o Feminino
Através da Colagem.
Elisa conseguiu passar para nós um pedaçinho da sua paixão e nos motivou a
Figura 47.
buscar a nossa.” (Juliana*, 20 anos). Colagem “Força”,
feita por integrante
da Novos Olhares
“Mais que um trabalho, um encontro. Mais que um encontro, um trabalho lindo, Sobre o Feminino
Através da Colagem.
cuidado, competente e afetivo. Somos mulheres, somos parceiras e vamos à
luta!” (Carla*, 60 anos). Figura 37.
Colagem “Resistência”,
feita por integrante
da Novos Olhares
“ Nas aulas da Elisa pude deixar algumas coisas que me apertavam, mesmo Sobre o Feminino
sem falar. Eu me senti inclusa e entendi que não estava sozinha. Lá, tive a Através da Colagem.

certeza da minha paixão por Comunicação Visual e por colagem (mesmo que Figura 48.
Colagem “Estranha”,
ainda não consiga fazer no dia-a-dia). Entendi que tudo depende do olhar que feita por integrante
damos às coisas e que colagem/arte é nossa alma produzindo, incendiando e da Novos Olhares
Sobre o Feminino
expelindo emoções. Até percebi que voltava um pouco mais feminista de cada Através da Colagem.
encontro, cheia de vontade de ler, de pesquisar, de ajudar. Também voltava um Figura 49.
pouco mais astróloga, apesar de ainda não entender metade do meu mapa Colagem “Sucesso”,
feita por integrante
astral. Voltava mais esotérica, mais pagã, mais cheia de fé e positividade (não da Novos Olhares
Sobre o Feminino
que ela durasse por muito tempo, mas seguimos tentando e entendi que é isso Através da Colagem.
que importa). Todas as aulas foram de inclusão, de respeito a fala da outra, de
Figura 50.
entrosamento, de troca que, minha deusa, eu já estou louca para a próxima. Colagem “Resistência”,
feita por integrante
da Novos Olhares
Sobre o Feminino
Através da Colagem.

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 37


Além disso, nas duas aulas de colagens, de datas totalmente diferentes, eu
trabalhei em uma única colagem. Obviamente fiquei triste com isso no início,
mas acredite, até sobre essa questão conversamos na ocasião. Desses encon-
tros posso dizer que aprendi, doei, encontrei e resgatei tantas coisas que pude
colar alguns pedaços que deixara cair com dores passadas. Se pudéssemos
passar por esse tipo de colagem a cada etapa de luta e glória em nossas vidas,
de fato uma hora perceberemos as coisas que valem a penas para nos sen-
tirmos inteiras. Sendo assim, agradeço as mulheres desses encontros e, prin-
cipalmente a Elisa, que se permitiram compartilhar suas experimentações e
fragilidades, que deixaram um pouco de si em cada um desses encontros e
por me permitirem essa experiência de me reencontrar em partes e dessas
partes em encontrar em outras tantas mulheres.” (Ana*, 23 anos).

*todos os nomes foram alterados para manter em segurança a identidade das


participantes presentes.

As oficinas foram essenciais para que eu entendesse como seria o meu pro-
cesso de Trabalho de Conclusão de Curso. Com elas tive a oportunidade de
adentrar mais ainda no universo feminino, escutando e acolhendo mulheres
de diferentes idades, corpos, histórias e essências. Tais encontros acabaram
servindo como estudos práticos sobre o que eu queria abordar em meu proje-
to, diante da reação de cada participante durante as oficinas. No final todas as
mulheres saíram satisfeitas não só com o processo em si, mas principalmen-
te com elas mesmas. As participantes sentiram-se pertencidas e acolhidas,
diante de uma sociedade patriarcal que as deixa não só distantes uma das
outras mas também de quem são de verdade.

CAPíTULO 4 Novos Olhares sobre o feminino através da colagem 38


parte 3
RESULTADOS
O resultado deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) resultou
na criação da oficina Auto•Recorte e de um um material impres-
so, que incentiva as participantes do projeto a continuarem a fa-
zer colagens de forma autônoma.
5. AUTO•RECORTE: O PROJETO. sua própria história, o empoderamento pessoal e o olhar para si mesmo como
uma forma de autoconhecimento.
Desde o início do projeto, sabia que queria trabalhar com mulheres. Mais do
que isso, sabia que queria formar redes de mulheres, de forma que as ajudas- Auto•Recorte foi escrito separadamente e com um ponto no meio, com a ideia
sem tanto em questões de autoestima como também de trabalho, dúvidas e de potencializar as duas palavras. A primeira condiz com o olhar para si e o
compartilhamento de informações. Com o andar do tempo e do processo, as empoderamento próprio e a segunda remete não só a técnica da colagem mas
oficinas foram aparecendo para mim, sem que eu procurasse realizá-las. Na também trata de forma poética a palavra recorte, remetendo a caminhos pró-
primeira, recebi um convite para participar contribuindo com meus conheci- prios ou rupturas que as participantes do projeto podem fazer. Dessa forma,
mentos sobre a colagem e, na segunda, outro convite como forma de inaugu- Auto•Recorte foi a minha principal escolha de nome, uma vez que abrange os
ração do espaço disponibilizado pelo Studio Manual para esse tipo de projeto. significados da oficina de uma forma geral e interessante.
Nenhuma das duas oficinas foram propostas com o intuito de serem objetos
de estudo para o meu TCC. Pelo contrário, desde o começo eu tentava colocar Figura 51.
Processo de Brainstorm
a colagem apenas como um início de projeto ou definição de conceito e não a para a escolha do nome
do projeto.
enxergava como a principal ferramenta do meu trabalho final.

Após a minha segunda oficina, entendi que a rede de mulheres tinha se for-
mado ali mesmo, nas rodas de conversas que tínhamos antes de começar as
colagens. As trocas aconteciam naturalmente, com a indicação de um filme,
uma série, um chá para dor de cabeça, algum site ou conta do Instagram com
bom conteúdo e até mesmo contatos de profissionais de saúde. Além disso,
as participantes também trocavam seus números de telefones, Facebooks e
Instagrans. Ao final do encontro, geralmente crio um grupo no Facebook com o
intuito de escrevermos tais informações de forma mais permanente, além de
trocarmos conhecimentos, textos, eventos e matérias relacionadas aos nos-
sos interesses em comum. Dessa forma, a rede se forma dentro da oficina e
continua para além dela.

O nome que encontrei para o meu projeto foi Auto•Recorte. Por achar que “No-
vos Olhares Sobre o Feminino Através da Colagem” fosse muito grande ao ponto
de não conseguir nem fazer um Instagram (meu principal meio de divulga-
ção), senti a necessidade de ir atrás de outra nomenclatura. Fiz um processo
de brainstorm escrevendo diversas palavras e sentimentos que me vinham à
minha cabeça ao lembrar dos momentos passados nas oficinas. Mesmo com
um quadro cheio de papéis escritos, ainda demorei para encontrar algo que
remetesse a colagem e também ao que a oficina propõe: a autonomia de criar

CAPíTULO 5 auto•recorte: o projeto 40


A partir das oficinas Kintsugi e Novos Olhares Sobre o Feminino Através da Co-
lagem pude criar este projeto autoral, o qual baseia-se em encontros práticos
com o objetivo de fazer um resgate ao feminino, onde trabalho com as in-
tegrantes questões sobre aceitação, acolhimento, pertencimento e vivências.
Acredito que a colagem vai muito além de teorias ou técnicas próprias, além
de possuir um grande potencial de auto expressão, conhecimento e cura. No
final, ela acaba sendo um meio no qual as participantes manifestam tudo o
que é dito e realizado neste dia. Tomadas pela emoção do tema, as partici-
pantes criam colagens fortes e expressivas com história, essência, conceito
e estética próprias.

Além disso, o Instagram do projeto servirá como uma plataforma on-line para
informações sobre as próximas oficinas, conteúdos sobre feminismo, arte e
autoconhecimento. Também será uma ferramenta para a divulgação de artis-
tas colagistas brasileiras e entrevistas com mulheres inspiradoras. Acredito
que o Instagram é um recurso potente para encontros em redes, os quais pos-
suem a capacidade de promover sensações de pertencimento e acolhimento,
além de promover trocas on-line e divulgação de conteúdos interessantes.

Para esta nova fase da oficina, pensei em um material que tem como objetivo
incentivar as participantes a continuarem o projeto de colagem e autoconhe-
cimento em casa. Quis “incrementar” o “kit” entregue em minha última ofici-
na, uma vez que, para minha surpresa, teve um grande valor afetivo entre as
integrantes, já que levaram para casa uma lembrança sobre como tinha sido
aquele dia especial. Tenho em mente a ideia de que o material seja vendido
on-line para pessoas que não podem e tem vontade de fazer a minha oficina.
Gostaria de enviá-lo para todo o Brasil e receber de volta as colagens feitas
em casa, como forma de alimentar o Instagram e a rede formada pelo projeto.

5.1. O PROJETO GRÁFICO

Para a criação do design gráfico do projeto, desde o logo até o universo visual,
quis trazer para o conceito a ideia de contraste, diferenças e opostos. Esta
ideia está ligada ao fato de que existem diversos tipos de mulheres, com seus
corpos e essências próprias. Logo, quis que a ideia de pertencimento estivesse
presente não só no conceito do trabalho, mas também na sua forma estética. Figura 52.
Folder “Redes de Afeto”.

CAPíTULO 5 auto•recorte: o projeto 41


5.1.1. Logo

Como na oficina as participantes sentam em rodas e ficam de frente umas


as outras, compartilhando seus medos, inseguranças e confidências, pensei
que o logo do projeto deveria remeter a ideia de círculos. Além disso, há uma
repetição dos elementos gráficos, passando a ideia de conjuntos que formam
redes cada vez maiores.

Figura 53.
Logo.

Figuras 54 e 55.
Fotos que mostram como a
repetição do logo dá a noção de rede,
continuidade, conjunto e integração.
5.1.2. Tipografia percam esse significado, passando a ideia de que são apenas cores e que não
precisam estar ligadas a nenhum estereótipo de gênero. Como cores com-
Para o projeto, quis usar duas tipografias que fossem opostas esteticamente, plementares ao projeto, escolhi usar o preto e branco, uma vez que são cores
passando uma ideia de contraste e diferenças. Foram escolhidas as famílias neutras e opostas, servindo para contrastar o logo e elementos gráficos com-
das fontes Orator Std e Gilroy. A primeira é semelhante a uma fonte de inter- plementares do projeto.
net, simples e fina, com todas as letras em caixa alta, sem serifa e com um
grande espaçamento entre as letras. Já a Gilroy, usada em sua versão bold, foi
escolhida para contrastar com o minimalismo da Orator, com características
de uma fonte moderna, também sem serifas e utilizada em caixa alta.
R: 72 G: 85 B: 165

GILROY EXTRA BOLD


C: 89 M: 226 Y: 177 K: 210

PANTONE: 2736 C

abcdefghijklmnopqrstuvwyxz
ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWYXZ
1234567890 .,<>?/!’”:;(){}[]|\!@#$%^&*

orator std R: 245 G: 169 B: 228

C: 08 M: 35 Y: 0 K: 0

PANTONE: 0521 C
abcdefghijklmnopqrstuvwyxz
aBcDeFGHIJKlMNopQrStuVWYXZ
1234567890 .,<>?/!’”:;(){}[]|\!@#$%^&*

5.1.3. Paleta de Cor


R: 0 G: 0 B: 0
Com a ideia de trazer para o projeto o conceito de diferenças, pensei em duas C: 0 M: 0 Y: 0 K: 100
cores principais para a paleta de cor: azul e rosa. Quis trazer para o projeto a
PANTONE: BLACK C
questão de que essas cores sempre estiveram ligadas a uma concepção de
gênero, sendo estabelecido que azul é cor de menino e rosa é cor de meni-
na. Desse modo, trouxe as duas cores com a ideia de que se misturassem e

CAPíTULO 5 auto•recorte: o projeto 43


5.1.4. Universo Visual O segundo caminho foi criar elementos gráficos a partir das formas que fa-
zem os contornos dos papéis rasgados/recortados. Por cima de um papel
Para criar o universo visual, segui por dois caminhos. O primeiro foi selecionar manteiga, marquei esses contornos com uma caneta, com o intuito de trazer
imagens do meu acervo pessoal que me chamavam atenção, ou seja, usando para o projeto o conceito de caminhos, recortes e rupturas.
o que chamo de intuição. Quis trabalhar com diferentes texturas e formas,
Figura 60 a 62.
a fim de remeter aos diferentes tipos de corpos e essências de mulheres. Elementos gráficos
formados a partir dos
Também separei figuras femininas para ilustrar o projeto, como por exemplo recortes de papel.
uma imagem de duas mulheres se abraçando, o que remete a conceitos como
acolhimento, sororidade, amizade e pertencimento.

Figuras 56 a 59.
Sketchbook com
imagens do meu
acervo pessoal
que formaram o
universo visual
do projeto.

Figura 63.
Simulação digital de
como foram feitos
os riscos.

CAPíTULO 5 auto•recorte: o projeto 44


Figura 64.
Universo Visual
5.2. O kit
do Projeto.

Além de ser uma lembrança para as participantes da oficina, o Kit também foi
pensado para levar um pouco do que é essa experiência para pessoas que não
podem participar dela. Dessa forma, mapeei o que acontecia nesses encon-
tros e procurei transformar essas situações em um material gráfico. Nas duas
oficinas, três comportamentos relevantes se repetiam: compras de prints com
colagens minhas, trocas de sites ou contas do Instagram com conteúdos rele-
vantes sobre feminismo e autoconhecimento e a exibição de artistas colagis-
tas como referências, antes das participantes começarem as colagens. Dessa
forma, fazem parte do kit um poster em A3 de uma colagem autoral minha,
um folder com uma listagem de contas do Instagram que vão desde política até
sexualidade com foco em mulheres e um zine com artes e informações sobre
colagistas brasileiras.

Em seguida, criei mais duas artes gráficas com a finalidade de passar men-
sagens de apoio e sororidade. Dentro do material, coloquei papéis soltos com
frases como “você não está sozinha” e “o meu diferente é o mesmo que o
seu”. Também transformei as colagens feitas pelas participantes das últimas
oficinas em cartões postais que serão entregues às próximas pessoas que
adquirirem o material. Nos versos dos cartões, estão mensagens sobre como
foi essa experiência para elas como forma de incentivo e trocas de vivências
entre mulheres que não se conhecem, mas que estão se presenteando de
alguma maneira.

Por último, porém não menos importante, agreguei a isso um pequeno saco zi-
plock com imagens selecionadas de meu acervo pessoal. Este contém a ideia
do “mini-kit” que foi entregue em minha última oficina e que serviu como ideia
para a criação deste material final. A frase “Siga a sua Intuição” foi estampada
com serigrafia na parte da frente, uma vez que, na oficina, falo como construo
as minhas colagens junto a minha própria intuição, que nada mais é que saber
qual imagem me chama mais atenção e que quero trabalhar naquele momen-
to. Como faz parte do projeto o conceito de que a colagem é uma forma de
autoexpressão, acredito que selecionamos figuras que conversam mais com
cada uma e com o que podem querer transmitir, acontece uma manifestação
da mente e dos sentimentos, ou seja, da intuição de cada uma.

CAPíTULO 5 auto•recorte: o projeto 45


O material gráfico foi impresso em risografia, um método de impressão feito
através de um estêncil perfurado, semelhante à serigrafia. Além disso, é um
processo sustentável já que a tinta é à base de soja e a master é fibra vegetal,
consumindo pouca energia. Penso que, infelizmente, o valor de materiais im-
pressos está cada vez menor diante dos inúmeros meios digitais. Logo, sendo
um meio de impressão especial e atípico, acredito que a risografia agregue
mais ainda ao projeto, gerando um interesse maior de compra deste mate-
Figuras 65 e 66.
rial. Além disso, como grande parte do projeto foi pensada através de meios
Kits montados. digitais, quis trazer algo mais palpável para equilibrar os meios de divulgação
da oficina.

CAPíTULO 5 auto•recorte: o projeto 46


5.2.1. Poster

Como a maior parte das participantes da minha oficina já conhecia e adquiria


o meu trabalho com colagens, escolhi para entrar no Kit, a minha colagem
autoral “maternidade”, uma vez que a imagem principal transmite significados
como acolhimento, pertencimento, apoio e amor.
Figura 67. Poster A3 Impresso em Risografia.
5.2.2. Zine

Após a roda de conversa que faço no início da oficina, costumo apresentar


para as participantes um PDF com referências de artistas colagistas brasilei-
ras. Percebi que a grande maioria escrevia os nomes das artistas e pergun-
tava se eu poderia passar o material por e-mail. Então, selecionei 5 colagis-
tas brasileiras que trabalham com temáticas com o feminino e criei um zine,
apresentando-as e colocando seus sites e/ou Instagrans. Fazem parte do zine
as artistas Ingrid Bittar, Manuela Eichner, Domitila de Paulo, Helena Schmidt
e Mariana Valente.

Figura 68. Figuras 69 e 70.


Capa da Zine “Colagistas Brasileiras”. Zine “Colagistas Brasileiras”.

Figura 71.
Contracapa do Zine “Colagistas Brasileiras”.
O zine foi pensado para ser impresso em uma folha A3, de forma que haja o
maior aproveitamento de papel possível. Logo, foram feitas dobraduras e um
corte no meio, para que ele pudesse ser fechado.

No verso da folha A3 está um texto que criei com o intuito de transmitir o que
sinto sobre a oficina Auto•Recorte. Escrevo sobre o que é a minha relação com
a colagem, que vai desde a minha intuição até o processo de trabalhar com
mulheres. O texto possui características informais, uma vez que foi escrito de
uma forma solta, sem preocupação com pontuações ou até mesmo que fizes-
se muito sentido. Sendo algo muito pessoal, acredito que cada pessoa pode ler
e interpretar de sua própria maneira.

Figuras 72 a 75.
Detalhes do Zine
“Colagistas Brasileiras”.
“Auto•Recorte

com meu olhar modificado minha intuição é minha amiga


seleciono, junto, descarto e então deixo que me diga
me desfaço das antigas imagens quem eu sou ali
e com a tesoura um novo caminho traço naquele momento
tem hora que é reto meus medos são ressignificados
tem hora que é torto e o mais lindo se cria
tem hora que é reto e torto uma história que é só minha
mas não importa uma composição
meu caminho é único que me ajuda a entender como estou
assim como meu corpo e quem eu sou
que também é tantos que me acalma e me cura
meu ser uma terapia
minha mente ou passagem de energia
meu amor corpo-papel
minha arte e o que fica não é só a arte
tudo me pertence é o pertencimento e a certeza
fragmentos que se cruzam que não estou sozinha
se olham que tenho outras mulheres comigo
se estranham com histórias que se cruzam com as minhas
se reconhecem com os medos que se parecem com os meus
se abraçam o meu diferente é o mesmo que o seu
choram e assim seguimos
amam recortando o que não nos serve mais
e assim, selecionando o que realmente importa
deixo que se recriem junto a mim colando o que queremos que fique
jogados num papel em branco, e construindo uma nova história
prontos para uma nova composição, com nossas próprias mãos
uma nova história e recortes.”
um novo contexto

Figura 76.
O verso do Zine se transforma
em um poster A3 com o
texto “Auto • Recorte”.
Figuras 77 a 79.
Detalhes do poster A3.
5.2.3. REDES DE AFETO

“Redes de Afeto” é um material inspirado na minha relação com a rede social


Instagram e com os “encontros virtuais” que tenho a partir dela. Digo “encon-
tros” uma vez que esta ferramenta me proporciona uma quantidade enorme
de perfis com ótimos conteúdos, que vão desde política a sexualidade para
mulheres. Além de aprendizados, sensações de acolhimento e pertencimento
são despertadas em mim no momento em que encontro histórias semelhan-
tes com a minha e pessoas com interesses parecidos com os meus.

35
Folder é uma O folder contém perfis da rede social a partir de uma vivência própria e dos
35

palavra em inglês
que pode significar meus interesses. Nas oficinas, era comum que tanto eu como as participantes
folheto ou brochura.
trocássemos ou citássemos contas que nos interessavam no Instagram. Deste
modo, achei que seria interessante reunir perfis que possam ajudar de algu-
ma forma as mulheres que adquirerem o material do Projeto.

Figura 80. Folders “Redes de Afeto”. Figura 81 e 82. Parte interior do Folder “Redes de Afeto”.

CAPíTULO 5 auto•recorte: o projeto 52


5.2.4. use a Sua Intuição.

37
Sacos plásticoscom Para finalizar o material, junta-se a isso um pequeno saco de plástico ziplock
37

fechos herméticos.
com imagens selecionadas de meu acervo pessoal. Este contém a ideia do
“mini-kit”, que foi entregue em minha última oficina e que serviu como ideia
para a criação deste material final. A frase “use a sua Intuição” foi estampada
com serigrafia na parte da frente, uma vez que, na oficina, falo como cons-
truo as minhas colagens junto a minha própria intuição, que nada mais é que
saber qual imagem me chama mais atenção e que quero trabalhar naquele
momento.
Figuras 83 e 84.
Material “Use a
Sua Intuição”.
5.2.5. CARTÕES

Figura 85. Criei duas artes gráficas com frases como “você não está sozinha” e “o meu
Cartões “você não
está sozinha” e diferente é o mesmo que o seu”. Além de terem a finalidade de passar men-
“o meu diferente é sagens de apoio e sororidade para as participantes, possuem um tamanho
o mesmo que o seu”.
pequeno, com a ideia de serem colocados em lugares práticos e fáceis (como
Figuras 86 e 87. por ex, atrás do celular ou na carteira) para que sejam sempre vistos e sirvam
Cartões postais
com colagens feitas de lembretes diários para as participantes.
pelas participantes.

Além disso, transformei as colagens feitas pelas participantes das últimas


oficinas em cartões postais que serão entregues às próximas pessoas que
adquirirem o material. Nos versos dos cartões, estão mensagens sobre como
foi essa experiência para elas como forma de incentivo e trocas de vivências
entre mulheres que não se conhecem, mas que estão se presenteando de
alguma maneira.
Figura 88. Cartão postal com colagem da participante da Oficina Figura 89. Cartão postal com colagem da participante da Oficina
Kintsugi, Ana Rafaella. Novos Olhares Sobre Feminino Através da Colagem, Mariana.

CAPíTULO 5 auto•recorte: o projeto 55


Para acrescentar na divulgação do projeto, criei um cartão de visita para a ofi-
cina, com o e-mail para contato e o nome da conta do Instagram com o intuito
de distribuí-lo em outros lugares que não sejam as minhas oficinas.

Figura 90. Figura 91. Figura 92.


Frente dos cartões Frente e verso do Detalhes do
de visita da Oficina cartão de visita da cartão de visita
Auto•Recorte. Oficina Auto•Recorte. Oficina Auto•Recorte.
CONCLUSÃO

Além de adentrar sobre a técnica da collage e seus princípios, este trabalho O projeto de pesquisa acerca deste trabalho me ajudou a entender as reais
fez com que eu aprofundasse mais ainda o olhar sobre minhas criações com a necessessidades das participantes das oficinas, de forma a melhorar e tornar
colagem. Enxergo nela uma forte ferramenta de autoexpressão, no momento a experiência ainda melhor para cada mulher presente. Além disso, contribuiu
em que transfiro para o papel o que estou sentindo e o que quero trabalhar para a criação de um material de apoio para as integrantes, baseado em seus
naquele instante. A colagem me ajuda a ressignificar sentimentos, a me en- questionamentos e interesses durante os encontros. Dentro deste, foi incluido
tender e a me fortalecer como mulher, designer e artista. o zine “mulheres colagistas”, que me fez conhecer o trabalho de outras artis-
tas que também fazem da colagem um meio de comunicação com o feminino.
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi extremamente pessoal e profundo,
uma vez que, junto a outras mulheres, pude compreender que nossas histó- No preparo do material gráfico, pude aplicar tudo o que aprendi na faculdade e
rias se cruzam e se parecem, além de poder criar laços de confiança e sen- no intercâmbio. Aprimorei meu conhecimento ao redor das técnicas serigrafia
sações de pertencimento entre elas. O final da oficina é gratificante, quando e risografia, além de conseguir fazer um projeto gráfico que levasse a mi-
mulheres em júbilo se abraçam e agradecem umas as outras pelo momento nha estética dentro da colagem. Acredito que esta parte acompanha a riqueza
compartilhado. conceitual que o projeto carrega.

Durante todo o processo para a conceitualização do trabalho, tive a oportuni- Outras inspirações surgiram a partir dos estudos feitos para a estruturação do
dade de estar junto a diferentes grupos de mulheres em rodas de conversas, trabalho. Além de continuar os estudos sobre a collage, vejo a possibilidade do
feiras artísticas, eventos e até mesmo um bloco de carnaval. Tal experiência projeto Auto•Recorte não se manter apenas como oficina, mas que também
permitiu que eu conhecesse mulheres incríveis com histórias de supreração e se torne uma plataforma online que, pelo Instagram, transmita conteúdos ao
força, além de ver de perto como podemos nos ajudar e nos fortalecer, através redor da arte feminista e que alcance muitas outras mulheres, formando re-
da empatia, acolhimento e sororidade. des de contato cada vez maiores entre elas.

CONCLUSÃO 57
BIBLIOGRAFIA

ALEXANDRIAN, Sarane. O Surrealismo. Lisboa: Editorial Verbo, 1973. Fuão, Fernando., Lemos, José., Khouri, Gihad., Entre Remendos e Acolhi-
mentos: A ocupação Ksa Rosa, 2017, publicado em: https://periodicos.ufpel.
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Carta Capital. Disponível em . Acesso em: 10 de fevereiro 2018.
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2007. 2017.

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https://fernandofuao.blogspot.com/2012/06/orbita-da-collage-1-fernando- gusto, CAMPOS, Pedro e BRITO, Pedro Quelhas (coord.), O Futuro da Internet -
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BIBLIOGRAFIA 58
LISTA DE FIGURAS

Figura 1. George Braque, Tenora, 1913. 9 Figura 35. Colagem “Close”, feita por integrante da Oficina Kintsugi. 33
Figura 2. Pablo Picasso, Bottle of Vieux Marc, Glass, Figura 36. Colagem “Escrita”, feita por integrante da Oficina Kintsugi. 33
Guitar and Newspaper ,1913. 9 Figura 37. Colagem “A Força”, feita por integrante da Oficina Kintsugi. 33
Figura 3. O Cão Andaluz (1929), Luis Buñuel. 12 Figura 38. Sala do Studio Manual. 34
Figura 4. O Cão Andaluz (1929), Luis Buñuel. 12 Figura 39. Integrantes fazendo suas colagens. 34
Figura 5. Hannah Höch. Indian Dancer, 1930. 12 Figura 40. “Kit-Surpresa”. 34
Figura 6. Hannah Höch. German Girl, 1930. 13 Figura 41. Integrantes fazendo as suas colagens. 35
Figura 7. Hannah Höch. Bouquet Of Eyes, 1930. 13 Figura 42. Foto do final da Oficina. 36
Figura 8. Capa do livro de poesias de Paul Eluard, Figura 43. Colagem “Amor”. 37
Repetitions, (1982). 13 Figura 44. Colagem “Ela”. 37
Figura 9. Cartaz de divulgação do Movimento Figura 45. Colagem “Art. 37
Feminino Pela Anistia no Brasil, 1975. 16 Figura 46. Colagem “Flor e Ser”. 37
Figura 10. Jornal Brasil Mulher, 1975. 16 Figura 47. Colagem “Força”. 37
Figura 11.Poster “Cor” da série Afropunk. 29 Figura 37. Colagem “Resistência”. 37
Figura 12. Poster “Preta” da série Afropunk. 29 Figura 48. Colagem “Estranha”. 37
Figura 13.Poster “Grl Pwr” da série Afropunk. 29 Figura 49. Colagem “Sucesso”. 37
Figura 14. Poster “Afro” da série Afropunk. 29 Figura 50. Colagem “Resistência”. 37
Figura 15. Colagem Digital, Grl Pwr, 2017. 30 Figura 51. Brainstorm para a escolha do nome do projeto. 40
Figura 16. Colagem Digital, Gabriela, 2017. 30 Figura 52. Folder “Redes de Afeto”. 41
Figura 17. Colagem Manual, Haight, 2017. 31 Figura 53. Logo. 42
Figura 18. Colagem Manual, Flor e Ser, 2017. 31 Figuras 54 e 55. Cartões de visita. 42
Figura 19. Colagem Manual, Mina Navalha, 2018. 31 Figuras 56 a 59. Sketchbook. 44
Figura 20. Colagem Manual, Maternidade, 2017. 31 Figura 60 a 62. Elementos gráficos. 44
Figura 21.Colagem Manual, Tapioca, 2017. 31 Figura 63. Simulação digital. 44
Figura 22. Colagem Manual, Puta, 2017. 31 Figura 64. Universo Visual do Projeto. 45
Figura 23. Colagem Manual, Angola, 2017. 31 Figuras 65 e 66. Kits montados. 46
Figura 24. Captura do vídeo “Como Fazer Colagens Legais”. 31 Figura 67. Poster A3 Impresso em Risografia. 47
Figuras 25 a 28.Capturas das mensagens recebida pelo Instagram. 31 Figura 68. Capa da Zine “Colagistas Brasileiras”. 48
Figuras 29 e 30. Cerâmicas feitas com a técnica japonesa Kintsugi. 32 Figuras 69 e 70. Zine “Colagistas Brasileiras”. 48
Figura 31. Oficina Kintsugi. 32 Figura 71. Contracapa do Zine “Colagistas Brasileiras”. 48
Figura 32. Oficina Kintsugi. 32 Figuras 72 a 75. Detalhes do Zine “Colagistas Brasileiras”. 49
Figura 33. Colagem “Toda Boa”, feita por integrante da Oficina Kintsugi. 33 Figura 76. Poster A3 com o texto “Auto • Recorte”. 50
Figura 34. Colagem “Florida”, feita por integrante da Oficina Kintsugi. 33 Figuras 77 a 79. Detalhes do poster A3. 51

LISTA DE FIGURAS 59
LISTA DE FIGURAS

Figura 80. Folders “Redes de Afeto”. 52


Figura 81 e 82. Parte interior do Folder “Redes de Afeto”. 52
Figuras 83 e 84. Material “Use a Sua Intuição”. 53
Figura 85. Cartões. 54
Figuras 86 e 87. Cartões postais. 54
Figura 88. Cartão postal. 55
Figura 89. Cartão postal. 55
Figura 90. Cartões de visita. 56
Figura 91. Verso do cartão de visita. 56
Figura 92. Detalhes do cartão de visita. 56

LISTA DE FIGURAS 60
FONTES ICONOGRÁFICAS

Figura 1.
Disponível em: <https://www.moma.org/collection/works/38330> Figura 10.
Acesso em: 20 de Agosto de 2018. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia/304997-1>
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<https://www.tate.org.uk/art/artworks/picasso-bottle- Acervo da autora
of-vieux-marc-glass-guitar-and-newspaper-t00414> Figuras 29 e 30.
Acesso em: 20 de Agosto de 2018. Disponível em:<https://www.thisiscolossal.com/2014/05/kintsugi-
Figura 3. the-art-of-broken-pieces/>Acesso em: 1 de Setembro de 2018.
Disponível em: Figura 31 a 92.
<https://wsimag.com/pt/espetaculos/23123-cinema- Acervo da autora.
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Disponível em: <https://www.cantodosclassicos.com/wp-
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Acesso em: 25 de Agosto de 2018.
Figura 5.
Disponível em: <https://www.moma.org/collection/works/37360>
Figura 6.
Disponível em: <https://arthistoryproject.com/artists/
hannah-hoch/german-girl/> Acesso em: 28 de Agosto de 2018.
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blogs.brighton.ac.uk/dist/0/2647/files/2017/02/blog30-thynto.jpg>
Acesso em: 28 de Agosto de 2018.
Figura 8.
Disponível em: <https://curiator.com/art/max-ernst/
illustrations-for-repetitions-by-paul-eluard> Acesso
em: 1 de Setembro de 2018.
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<http://movimentossociaisde1970.blogspot.com/
2013/11/movimento-feminino-pela-anistia.html>
Acesso em: 1 de Setembro de 2018.

FONTES ICONOGRÁFICAS 61

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