Aula 14 - Pierre Monbeig
Aula 14 - Pierre Monbeig
Aula 14 - Pierre Monbeig
Autores
Aldo Dantas
aula
14
Governo Federal
Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Secretário de Educação a Distância – SEED
Carlos Eduardo Bielschowsky
Dantas, Aldo.
Introdução à ciência geográfica: geografia / Aldo Dantas, Tásia Hortêncio de Lima Medeiros. –
Natal, RN : EDUFRN, 2008.
176 p.
CDD 910
RN/UF/BCZM 2008/35 CDU 918.1
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UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da UEPB - Universidade Estadual da Paraíba.
Apresentação
E
m 2008, faz 74 anos de institucionalização da universidade brasileira e também da
Geografia, que teve na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo o seu embrião. Em seu nascedouro, a Geografia tem a tutela da universidade
francesa através de dois jovens geógrafos: Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig. Deffontaines
volta logo para a França, Monbeig permanece no Brasil durante 11 anos. É sobre esse
geógrafo e sua obra que trata esta aula, o qual, fiel discípulo da Geografia francesa, recolhe
a concepção de “paisagem” do mestre Vidal, no sentido em que a mesma reflete no espaço
uma fisionomia de algo essencialmente dinâmico e que se amplia na região, dotada de
personalidade. Entretanto, a sua análise vai mais longe ao acrescentar a esse conceito o
jogo das combinações dos diversos elementos que compõem a paisagem. Considerando
a multidimensionalidade do homem, Monbeig agrega ao seu pensamento a dimensão da
cultura. Foi um geógrafo sério, modesto, mas firme em suas convicções. Nunca se arvorou
revolucionário nem criador de “novas geografias”, entretanto, soube muito bem aproveitar o
que de essencial havia sido deixado pelos mestres do passado e, em seus trabalhos, soube
introduzir novas propostas.
Objetivos
Compreender a importância da formação das
1 Universidades para a institucionalização da
Geografia brasileira.
P
ierre Monbeig nasceu no norte da França, em Marissel, em 15 de setembro de 1908, era
filho de professores. Logo cedo foi com os pais para Paris, onde passou sua infância
e juventude. Viveu na Paris da Belle Epoque e conviveu com os infortúnios da Primeira
Grande Guerra. Foi nesse período de grandes agitações políticas e de ameaças sofridas pelo
seu país que realizou seus estudos primários no Liceu Montaigne e o secundário no Luis le
Grand, na capital francesa. Viveu na margem esquerda do rio Sena, conhecendo bem os bairros
de Saint Michel e de Saint Germain, onde havia, nesse período, grande agitação intelectual e
onde se situavam as escolas e institutos de ensino superior.
Suas inquietações intelectuais desde cedo o levaram para os estudos humanísticos. Fez
seus estudos superiores na Universidade de Paris. Em 1927, com apenas 19 anos, concluiu o
curso de História e Geografia e em 1929 obteve o título de “Agregé” (título acadêmico francês
no qual se “agregam” cursos), preparando-se para a carreira de professor do ensino superior.
Entre 1929 e 1931 estudou na Escola de Autos Estudos Hispânicos, onde desenvolve
trabalho de pós-graduação, o que contribui para o seu desempenho como professor, carreira
que se inicia em 1931 no Liceu Malherbe, em Caen, na Normandia. Com a experiência
adquirida através dos estudos desenvolvidos na Espanha e com a atividade do magistério,
Monbeig qualifica-se profissional e intelectualmente. Essa qualificação lhe credencia para
ser convidado a fazer parte da missão de grandes nomes franceses que viriam para o Brasil
trabalhar na recém fundada Universidade de São Paulo-USP. Aqui, ele viveria a sua grande
aventura intelectual, pois vem para uma Universidade que foi a primeira pensada e estruturada
de forma moderna e aberta à formação profissional e intelectual das novas lideranças que
surgiram no Brasil a partir daquele momento.
A matriz regional
A
Geografia regional, à qual Monbeig se vincula, nasce do quadro propiciado pelo Tableau
de la Géographie de la France (1903), de Paul Vidal de la Blache e das primeiras teses
de doutoramento (Doctorat d’Etat), orientadas por ele mesmo. Essas teses fizeram
grande sucesso entre 1919 e 1945 e correspondiam à necessidade de se dar uma dimensão
concreta ao inventário do espaço através de uma descrição minuciosa e tão exaustiva quanto
possível dos fatos observados sobre o terreno.
Nos anos 1920 e 30, essa Geografia é feita de maneira multidirecional: formas de
utilização do solo, habitat rural, gêneros de vida, sistemas de cultura etc. Depois, sob a
influência de historiadores como Marc Bloch, a análise da formação das paisagens agrárias
vai constituir abordagem central da Geografia rural e abrir a via de uma outra especialidade:
a Geografia histórica.
É com esses instrumentos que eles exploram novos domínios: a Geografia agrária, a
Geografia urbana, a Geografia política e, em certa medida, a Geografia econômica e tropical.
Estando no Brasil, Monbeig toma consciência dos desafios que se colocam à Geografia
mais cedo do que se permanecesse na Europa. Sendo sensível à exigência de desenvolvimento
que se apresenta no Brasil do Estado Novo, ele: mensura o papel das cidades na exploração
do espaço brasileiro e é tocado pela rapidez do desenvolvimento desse espaço; percebe que
o instrumento que constitui a análise dos gêneros de vida não dá conta do essencial num
país de povoamento recente, onde a economia está em reconstrução permanente.
Antes da Segunda Guerra Mundial, o método regional quase não havia sido aplicado fora da
Europa e do mundo mediterrâneo, onde alguns geógrafos haviam produzido excelentes teses.
Por volta da Segunda Guerra Mundial, dois geógrafos franceses tentam aplicar a
démarche regional no Novo Mundo: Pierre Monbeig, no Brasil, e Jean Gottmann, nos Estados
Unidos. Virginia at mid-century é o resultado da tentativa de Gottmann, que é bastante
consciente das insuficiências dos métodos que havia aprendido na França, um meio tão
industrializado, urbanizado e com economia tão flexível quanto a do lado leste dos Estados
Unidos. Ele continua, pois, a se interessar pela abordagem regional, no sentido mais amplo
do termo aplicado ao Novo Mundo. Publica, então, em 1958, Megalopolis, que é o resultado
dessa reflexão.
Monbeig distingue-se dos geógrafos que trabalham então na França pela atenção que
dá ao meio como realidade viva. Ele insiste no papel da floresta e no cortejo de doenças que
lhe são associadas e sublinha, ainda, os problemas que causa o esgotamento dos solos. É
um dos primeiros a compreender que, se os geógrafos podem continuar a fazer pesquisa,
ao mesmo tempo, no domínio físico e no domínio humano, eles devem guardar presente no
espírito o papel que o meio tem na vida dos homens.
A exemplo de seus mestres e dos geógrafos de sua época, Monbeig perseguia dois
objetivos: encontrar um “terrain” e ensinar Geografia. Inicialmente, ele acreditava que o seu
“terrain” seria a Espanha, mais especificamente as ilhas Baleares, no entanto, as circunstâncias
o trouxeram ao Brasil, país que lhe abria várias possibilidades para o trabalho de campo e para
a implantação de uma Geografia “científica” numa Faculdade em processo de criação.
Não há qualquer dúvida de que esse estudioso foi formado na tradição das grandes teses
regionais da Escola Francesa de Geografia. No entanto, devemos reconhecer que sua obra
vai além da simples descrição empírica: chega a um nível explicativo geral e constantemente
enriquece a disciplina introduzindo elementos novos para a discussão geográfica, como foi o
caso, em sua tese, da pequena discussão que fez sobre a psicologia bandeirante, a qual passou
quase despercebida (ou foi propositadamente deixada de lado) pela banca examinadora, o que
provocou certa indignação por parte do examinado. Monbeig considera que as “atitudes do
Com o passar do tempo e com a influência que sofre do “terrain” que adota para
desenvolver as suas pesquisas, a sua inserção na tradição da Escola Francesa exprime-se
não somente na importância que dá à história como elemento explicativo, mas também pela
descrição minuciosa da paisagem e dos homens, chamando a atenção, principalmente, para
o fato de que a caracterização dos tipos e personagens da sociedade local é de fundamental
importância para a análise geográfica.
Como a cultura de um grupo evolui, sua paisagem também evolui: o mesmo suporte
natural viu sucederem-se paisagens diferentes, sendo cada uma reflexo da civilização
do grupo em dado momento de sua história. Assim a paisagem não é mais considerada
como produto da geologia e do clima, mas como reflexo da técnica agrícola ou industrial,
da estrutura econômica ou social [...] (MONBEIG, 1940, p. 238-239).
Ver como a paisagem é reflexo da civilização, tal é uma das principais tarefas do
geógrafo; é um trabalho de análise que ele precisa fazer para distinguir o que provém
do solo, do clima e também da técnica agrícola, da organização social. A análise da
paisagem apresenta-se como um jogo de quebra-cabeças; mas, enquanto o jogo se
torna logo fastidioso, é apaixonante o estudo da paisagem: apaixonante porque nos
põe em contato com a humilde tarefa quotidiana e milenar das sociedades humanas; ela
mostra o homem lutando sem cessar para aperfeiçoar-se (MONBEIG, 1940, p. 248).
Geografia e cultura
A idéia de que o papel da Geografia é o de localizar, descrever e comparar é um lugar
comum da Geografia da época. Monbeig retoma isso à sua maneira e incorpora à análise os
elementos da cultura. Dessa maneira, caminha em direção à idéia de que a Geografia não
estuda relações de causalidade simples, mas recíprocas.
O interesse pelas dimensões culturais da realidade geográfica é tão velho quanto pela
Geografia humana. Na primeira metade do século XX, no entanto, a concepção morfológica
ou naturalista, que prevalecia na disciplina, fazia com que se retivesse da cultura apenas
seus aspectos materiais – lugares de culto, em matéria de religião, e nada de doutrinas, da
fé, das práticas etc. Monbeig, aliás, lastima o fato de não se levar em consideração todas as
dimensões da vida religiosa. É um dos aspectos pelos quais ele se mostra o mais moderno.
Atividade 1
Qual o contexto em que se desenvolve a Geografia no Brasil e qual a
1 importância de Pierre Monbeig?
1. sua resposta
2.
Neste artigo, o também geógrafo Aziz Ab’Sáber faz uma grande homenagem póstuma
ao seu mestre Monbeig, mostrando como ele era um professor diferenciado e que marcou,
além da Geografia brasileira, a memória de seus discípulos: “difícil relembrar a figura do
bom, seguro e inteligente mestre que adotou o Brasil como sua segunda pátria, até o fim
de seus dias”. Além da homenagem, Ab’Sáber faz uma retrospectiva que vai da chegada
de Monbeig ao Brasil, passando por suas atividades extraclasse, sua carreira acadêmica, o
exemplo que foi como intelectual e sua preocupação com os estudos geográficos no Brasil.
Resumo
A aula traz um breve histórico da trajetória pessoal e intelectual de Pierre Monbeig,
mostrando em que contexto este chega ao Brasil; a influência do pensamento
vidaliano em sua formação; e como a sua estada e contato com a Geografia de
um país em formação – o Brasil – influenciaram a sua forma de pensar.
c) que é fundamental entender que esse geógrafo é filho da Escola Francesa de Geografia e traz
consigo uma bagagem intelectual calcada no pensamento de Paul Vidal de la Blache (veja as
aulas 10 – A Geografia vidaliana e o seu contexto – e 11 – A abordagem regional vidaliana),
mas que ao chegar ao Brasil percebe a insuficiência dessa abordagem e, embasado em
largo trabalho de campo, cria novos conceitos para dar conta da nova realidade.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Pierre Monbeig e o pensamento geográfico no Brasil. Boletim
Paulista de Geografia, n. 72, p. 63-82, 1994.
DANTAS, Aldo. Pierre Monbeig: um marco da geografia brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2005.
MONBEIG, Pierre. Ensaios de geografia humana brasileira. São Paulo: Livraria Martins, 1940.
Ementa
A construção do conhecimento geográfico. A institucionalização da geografia como ciência. As escolas do
pensamento geográfico. A relação sociedade/natureza na ciência geográfica. O pensamento geográfico e seu
reflexo no ensino. A geografia brasileira. Atividades práticas voltadas para a aplicação no ensino.
Autores
n Aldo Dantas
Aulas