Fotomorfogenese
Fotomorfogenese
Fotomorfogenese
FOTOMORFOGÊNESE
Introdução
A fotossíntese não é o único processo para o qual a luz é essencial. Durante o ciclo de vida do vegetal,
várias respostas, que conferem enormes vantagens no estabelecimento e na sobrevivência da planta, tais
como germinação de sementes, inibição do alongamento caulinar, síntese de clorofila, expansão foliar,
indução do florescimento, desenvolvimento de cloroplastos, crescimento do hipocótilo e expansão do
cotilédones e tuberização, além dos movimentos denominados como fototropismos. O processo pelo qual
a luz regula o desenvolvimento das plantas é denominado fotomorfogênese.
Fotomorfogênese (foto = luz; morfo = forma; génese = origem) é o conjunto de efeitos biológicos
provocados nas plantas pela luz. Neste processo, a percepção da radiação e a capacidade de responder a
ela é característica das plantas e varia de acordo com a espécie vegetal.
Para que a luz possa controlar o desenvolvimento da planta, ela inicialmente deve ser absorvida. A
percepção do sinal luminoso requer um pigmento que absorva a luz e torne-se fotoquimicamente activo,
funcionando como um fotorreceptor. Este fotorreceptor, pela absorção selectiva de luz de diferentes
comprimentos de onda, interpreta a informação na forma de uma acção primária. Esta acção primária
pode envolver uma mudança na conformação de uma proteína, uma reacção redox ou outra forma de
transdução química. Independente da natureza do evento primário, a absorção da luz pelo fotorreceptor
inicia uma cascata de eventos bioquímicos conhecida como cadeia de transdução e amplificação de sinal, a
qual produz a resposta final (note que a sequência é semelhante ao modo de acção proposto para os
harmónios. A diferença é que o hormónio se liga a um receptor específico na membrana da célula alvo
enquanto, nas respostas fotomorfogenéticas, a molécula activa é o próprio fotorreceptor).
O fitocromo e outros fotorreceptores controlam vários processos morfogenéticos tais como a germinação
de sementes e o desenvolvimento da plântula e culminando com a formação de novas flores e sementes. O
fitocromo é o fotorreceptor mais importante nas plantas vasculares. Alguns efeitos da luz azul são
mediados pelo fitocromo, porém, a sua fotoconversão pela luz vermelha (vermelho, V e vermelho distante,
VD) é de 50 a 100 vezes mais efectiva que a luz azul.
Espectro de acção
A maioria dos processos biológicos influenciados pela luz, tanto para animais quanto para vegetais,
ocorrem na faixa do espectro denominada luz visível, o qual varia de 400 a 700 nm. Assim, a principal fonte
de energia para a fotossíntese se encontra nos intervalos da luz visível e os efeitos desta faixa do espectro
podem ser observados também na fotomorfogênese. Contudo, alguns pigmentos estão envolvidos na
percepção dos sinais trazidos pela luz e possuem seu pico de absorção em comprimentos de ondas abaixo
de 400 nm e acima de 700nm.
Por outro lado, tanto pigmentos fotossintéticos quanto os fotomorfogenéticos podem coincidir seus picos
de absorção como um mecanismo interactivo do desenvolvimento da planta. A estreita relação entre
fotossíntese e fotomorfogênese se faz notar também nos próprios processos fotomorfogenéticos listados
acima.
Assim, na germinação de sementes, aquelas espécies que possuem sementes contendo muitas reservas
(produto prévio da fotossíntese) geralmente são capazes de germinar no escuro. No entanto, sementes
sem reservas geralmente requerem luz para germinar e esse requerimento garante que elas só germinem
em condições em que possam fazer fotossíntese e compensar a falta de reservas. Do mesmo modo, o
maior alongamento dos caules (estiolamento) em locais de pouca luz, aumenta as possibilidades da planta
“fugir” da sombra e realizar fotossíntese. Por fim, é interessante notar que processos como a síntese de
clorofila e a expansão foliar, os quais são necessários para a planta fazer fotossíntese, e processos como a
floração e tuberização, os quais só devem ocorrer se a planta tem condições de suprir fotoassimilados, são
directamente regulados pela fotomorfogênese.
Figura 1: Espectro da luz. A faixa compreendida entre 400 e 700 nm é efectiva para a maioria dos processos
fisiológicos tanto em animais (ex. visão) como em plantas (ex. fomorfogênese e fotossíntese). Comprimentos de onda
da extremidade esquerda do presente espectro são denominados ultra violeta e aqueles da extremidade direita são
denominados infravermelho. A radiação ultra violeta pode causar danos às células vivas por ser ionizante e a
radiação infravermelha também pode ser bastante danosa, já que são ondas de calor.
As plantas podem, assim, detectar diferenças sutis na qualidade da luz (composição do espectro luminoso,
medida em comprimentos de ondas), na intensidade (irradiância, medida em µmol/m 2 ), duração
(fotoperíodo, por exemplo, medido em horas de luz por dia) e direcção (ângulo de incidência, medido em
graus).
Fitocromo
A maior parte das respostas fotomorfogênicas das plantas está sob o controle de fotorreceptores denominados
como fitocromos.
Os fitocromos se concentram em células das regiões de crescimento, responsáveis pelo desenvolvimento das
plantas, tais como meristemas (primários e secundários) e regiões subapicais (zona de alongamento) de caules e
raízes
Os fotorreceptores mais estudados são os fitocromos. A ampla distribuição dos fitocromos, presentes em
algas, plantas menos complexas como musgos até plantas superiores, indica o grau de importância destes
fotorreceptores. Recentemente, também foi observada a presença destes pigmentos em cianobactérias.
Descoberta do fitocromo
Alguns efeitos fotomorfogenéticos podem ser facilmente notados comparando-se plântulas crescendo na
luz com plântulas crescendo no escuro. As plântulas crescendo no escuro são estioladas. Algumas
diferenças causadas pela luz são visíveis:
• A produção de clorofila é promovida pela luz;
• A expansão da folha é promovida pela luz;
• O alongamento do caule é inibido pela luz;
• O desenvolvimento da raiz é promovido pela luz.
Distribuição
O fitocromo tem sido encontrado em algas, briófitas e possivelmente em todas as plantas superiores, onde
ele executa significantes papéis na bioquímica, no crescimento e no desenvolvimento. O fitocromo está
presente na maioria dos órgãos de todas as plantas estudadas, inclusive nas raízes. No entanto, ele é mais
abundante em tecidos jovens. Nas células o fitocromo parece estar localizado no citosol e também em
alguns organelos. Em todas as plantas, o fitocromo é sintetizado inteiramente como fitocromo vermelho
(Fv). Aparentemente, nenhum Fve pode ser sintetizado no escuro.
Figura 2: Distribuição de fitocromo em plântulas estioladas de ervilha. Note que as maiores concentrações de
fitocromo ocorrem nos ápices, tanto na raiz como na parte aérea
Um dado interessante é que o FVD também absorve, embora menos eficientemente do que o Fv, a luz em
666 nm (vermelho). De maneira similar, o Fv também absorve um pequeno montante de luz vermelho
distante (730 nm). Pelo facto dos dois espectros de absorção (Fv e Fvd) se sombrearem é impossível a
conversão de 100% do pigmento para uma única forma, mesmo quando usamos luz “pura” no vermelho ou
vermelho extremo.
Na prática, irradiação com luz visível de suficiente fluência, estabelece um fotoequilíbrio (F), um estado no
qual ambas as formas, Fv e FVD, estão presentes.
F = FVD / FTot
Em que: FTot é o fitocromo total ou a soma de Fv e FVD. O fotoequilíbrio estabelecido pela luz vermelha
(660 nm) é 0,8. Esse resultado indica que aplicação de luz vermelha converte 80% do Fv para Fvd. Já o
fotoequilíbrio estabelecido pela luz vermelha distante (730 nm) é 0,03. Esse último resultado indica que
aplicação de luz vermelha distante converte 97% do FVD para Fv. O fotoequilíbrio estabelecido pela luz
solar é de 0,6. E, o fotoequilíbrio estabelecido pela luz azul é 0,4.
Figura 4: Distribuição espectral da radiação de lâmpadas fluorescentes (linha cheia) e incandescentes (linha pontilhada)
As plantas cultivadas e germinadas no escuro, onde passam por um tipo especial de desenvolvimento
denominado escotomorfogênese. Essas plântulas estioladas possuem caules alongados e cotilédones
dobrados e não conseguem acumular clorofila.
Quando a plântula emerge do solo e as reservas limitadas de energia dos cotilédones (dicotiledôneas) ou
do endosperma (monocotiledôneas) estão esgotadas, ela precisa começar a produzir o seu próprio
alimento.
Assim, a luz actua como sinal para induzir uma mudança na planta, capacitando-a a capturar a energia
luminosa e convertê-la nos compostos necessários para o seu crescimento.
Entre os diferentes pigmentos que podem promover as respostas fotomorfogênicas nas plantas, os mais
importantes são aqueles que absorvem a luz vermelha e azul.
Os fotorreceptores de luz azul estão relacionados com as células-guardas e fototropismo. O fitocromo,
pigmento proteico fotorreceptor que absorve luz mais fortemente na região do vermelho e vermelho-
distante, mas também absorve luz azul, medeia vários aspectos-chave no desenvolvimento vegetativo e
reprodutivo.
luz vermelha
(Inativa-600nm) Fv Fvd (Ativa- 730nm)
luz vermelho-distante
A Fvd é a forma fisiologicamente activa do fitocromo. Na maioria dos casos estudados, há uma relação
quantitativa entre a magnitude da resposta fisiológica e a quantidade de Fvd gerada pela luz, porém não
existe essa relação entre a resposta fisiológica e a perda de Fv. Evidências desse tipo levaram à conclusão
de que a Fvd é a forma fisiologicamente activa do fitocromo.
Na natureza, as plantas estão expostas a um espectro de luz muito mais abrangente, e é sob essas
condições que o fitocromo necessita operar para regular as respostas de desenvolvimento a alterações no
ambiente de luz.
De facto, o dossel pode ter um efeito drástico na qualidade e na quantidade da luz incidente sobre as
plantas e folhas subjacentes.
A quantidade de fitocromo presente na planta na forma activa pode ser expressa como Fve/(Fv+Fve). Para
produzir um efeito fotomorfogenético na planta deve haver uma proporção específica de Fve/Ftotal. Pode
se concluir pelo exposto acima que para saber se uma resposta é induzida por fitocromo, é necessário
saber se ela é revertida por luz VE. Contudo, como se verá adiante, esse critério pode ser utilizado para se
confirmar que uma resposta é mediada por fitocromo, mas o facto de uma resposta não ser revertida por
VE, não quer dizer que ela não seja mediada por fitocromo.
As respostas do fitocromo podem ser distinguidas pela quantidade de luz requerida para induzi-las. A
quantidade de luz é referida como a fluência, que é definida como o número de fótons atingindo uma
unidade de área de superfície. Algumas respostas do fitocromo são sensíveis não somente à fluência, mas
também a irradiância ou taxa de fluência.
A fluência muito baixa (VLFR), estimula o crescimento do coleóptilo e inibe o do mesocótilo de aveia
estiolada.
A fluência baixa (LFR), estimula a germinação de sementes fotoblásticas, floração e a maioria das
respostas fotorreversíveis pela combinação vermelho/vermelho-distante.
A irradiância alta (HIR) estimulam a síntese de antocianinas, a inibição do alongamento do
hipocótilo de plântulas, a indução do florescimento (hyosciamus), abertura do gancho plumular,
crescimento de cotilédones e produção de etileno.
Um breve pulso de luz vermelha induzirá uma resposta, desde que a luz seja intensa o suficiente; por outro
lado, uma luz muito fraca irá funcionar se o tempo de irradiação for suficientemente longo. Esta relação
recíproca entre a taxa de fluência e o tempo é conhecida como lei da reciprocidade formulada por Bunsen
& Roscoe em 1850.
A fisiologia da acção do fitocromo é muito complexa e difícil de explicar com base em um único tipo de
fitocromo. Estudos bioquímicos iniciais forneceram indícios de que existem diferentes formas de
fitocromo.
A forma do fitocromo que predomina nas plântulas crescendo no escuro é referida como
Tipo I, enquanto a forma do fitocromo encontrada nas plantas verdes é conhecida como Tipo
II. Esse último parece existir em múltiplas formas.
Fv (Fitocromo vermelho) = Pr (phytochrome red); V (luz vermelha) = R (red)
FVD (Fitocromo vermelho distante) = Pfr (phytochrome far-red)
VD (Vermelho distante ou vermelho extremo) = Fr (far red)
O tipo I é aproximadamente nove vezes mais abundante que o tipo II em plantas de ervilha cultivadas no
escuro. Em plantas de ervilha cultivadas à luz, as quantidades dos dois tipos de fitocromo são quase iguais,
indicando que a luz causa a degradação do fitocromo tipo I.
Até agora foram discutidas as respostas reguladas pelo fitocromo estudadas em laboratório. O
fitocromo também desempenha papéis importantes nas plantas crescendo no ambiente natural.
O fitocromo permite a adaptação das plantas às alterações na qualidade da luz.
A presença de um pigmento reversível vermelho/vermelho distante em todas as plantas verdes,
sugere que estes comprimentos de onda da luz fornecem informações que ajudam as plantas a se
ajustarem ao ambiente.
Especialização do fitocromo
O fitocromo A medeia respostas à luz vermelho-distante contínua. O phy A funciona como o fotorreceptor
primário para VLFR.
Análises genéticas do funcionamento dos fitocromos indicam que a função do phyA está restrita aos
estágios primários do desenvolvimento, como a germinação de sementes e o desestiolamento da plântula.
Entretanto, experimentos recentes sugerem que isto é mais complexo. Foi demonstrado que o phyA actua
no controle do florescimento em arroz.
Assim, é provável que o phyA opere ao longo de todo o ciclo de vida da planta e medeie as respostas tanto
à luz vermelho-distante como à luz vermelha.
O fitocromo B medeia as respostas à luz vermelha ou branca contínua. A caracterização do mutante hy3
revelou um papel importante para o phyB no desestiolamento, uma vez que plântulas mutantes cultivadas
em luz branca contínua apresentavam hipocótilos longos.
Além de regular as respostas HIR mediadas pelas luzes branca e vermelha, o fitocromo B parece também
regular LFRs, como a germinação reversível de sementes.
O phyB tem um importante papel na regulação das respostas das plantas a tratamentos de sombra.
Plantas deficientes em phyB geralmente se parecem com plantas do tipo selvagem que cresceram sob
denso dossel da vegetação.
De fato, a mediação das respostas à sombra da vegetação, como o florescimento acelerado e o aumento
do alongamento, pode ser um dos papéis ecológicos mais importantes do fitocromo.
Os papéis dos fitocromos C, D e E estão emergindo. Embora phyA e phyB sejam as formas predominantes
do fitocromo, o phyC, phyD e phyE têm funções específicas na regulação das respostas às luzes vermelha e
vermelho-distante. As respostas mediadas por phyD e phyE incluem alongamento dos pecíolos e entrenós
e o controle do período do florescimento.
Todas as mudanças nas plantas reguladas por fitocromos iniciam com a absorção da luz pelo pigmento.
Após a absorção de luz, as propriedades moleculares do fitocromo são alteradas, o que provoca as
mudanças no crescimento, desenvolvimento ou posição de um órgão.
Ritmos circadianos
Vários processos metabólicos nas plantas, como a FS e a RS, exibem um ciclo alternado por fases de alta e
baixa actividade, com uma periodicidade de 24 horas, referida como RITMOS CIRCADIANOS. Em função da
persistência do ritmo na ausência de factores de controlo externos, eles são considerados endógenos.
A natureza endógena dos ritmos circadianos sugere que eles sejam controlados por um regulador interno;
esse mecanismo é denominado oscilador.
O oscilador endógeno está acoplado a uma diversidade de processos fisiológicos. Uma característica
importante do oscilador é que ele não é afectado pela temperatura, o que permite ao relógio funcionar sob
uma variedade de condições climáticas e sazonais. Diz-se que o relógio exibe uma compensação de
temperatura.
A luz é um forte modulador de ritmos em plantas. Na natureza, os períodos tendem a ser de 24 horas,
devido aos efeitos sincronizantes da luz ao amanhecer, chamados de sincronização.