Democracia Restritiva Integralismo e Democracia (1945-1965)

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Democracia restritiva: integralismo e democracia (1945-1965)

Alessandro da Silva Lima (Graduando História/Unioeste)


[email protected]

Esta pesquisa está inserida em uma discussão sobre o movimento integralista,


especificamente ela vem abranger a discussão do conceito de democracia exposto pelo
Partido de Representação Popular, legenda pela qual o movimento integralista veio a se
rearticular no período posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial sob a liderança de
Plínio Salgado, ex-chefe nacional da extinta AIB (Ação Integralista Brasileira) . Esse
período apresentou mudanças conjunturais, que de forma internacional criou um
sentimento de combate às idéias nazi-fascistas, em vista da derrota desses regimes na
guerra. No Brasil iniciou-se com a participação ao lado das tropas aliadas, e da vitória
desses no conflito, uma grande mobilização interna e um clima contrário às idéias
fascistas. É nesse momento que o Estado Novo é finalizado, o regime ditatorial que tinha
Vargas como liderança abre espaço para um período de “redemocratização”.
Como um movimento caracterizado por uma ideologia fascista consegue se
rearticular e se fazer presente nas disputas políticas desta nova conjuntura? A própria
formalização do movimento como um partido político permite perceber que mudanças
aconteceram. Mudanças que visaram a supressão de discursos que pudessem remeter a
ideologia fascista, e também da socialização simbólica do movimento, não eram mais
utilizados uniformes e até mesmo o Sigma, símbolo do movimento integralista, foi posto
em desuso.
A formal conversão do integralismo à democracia teve algumas peculiaridades,
como o discurso de democracia do partido. Sendo esse conceito peculiar de democracia
um dos elementos pelo qual o PRP procura consolidar sua existência em meio ao
processo de redemocratização, a escolha de trabalhar este tema nos permite
primeiramente verificar a necessidade do partido, se adequar ao novo cenário nacional
que não permitia a existência de movimentos que poderiam ser identificados com o nazi-
fascismo.
Tendo como objeto de pesquisa esse conceito de democracia contextualizado no
processo de redemocratização pós Estado Novo, a pesquisa tem por objetivos observar
como este conceito é construído, os argumentos utilizados nessa construção, que
interesses podemos identificar na sua elaboração, a difusão deste conceito através da
propaganda partidária.
Para a realização desta pesquisa serão utilizados como fontes principalmente os
livros de autoria de Plínio Salgado publicados a partir de 1945, pois nessas obras podem
ser percebidas as adaptações do discurso doutrinário, a reformulação doutrinária ao novo
contexto no qual o integralismo está inserido. Algumas dessas obras contém coletâneas
de discursos proferidos por ele, alem do uso de exemplares do jornal semanário A Marcha
que contribui para a análise da difusão das idéias integralistas.
Espera-se com essa pesquisa estar aprofundando a relação do integralismo com o
discurso democrático no período de redemocratização. Foi possível observar até o
presente momento a utilização por parte de Plínio Salgado, presidente do PRP, do
elemento espiritual como justificativa discursiva para apresentar o conceito de democracia
elaborado por ele como verdadeira democracia, além de uma constante crítica às
massas, também se nota a permanência de aspectos da doutrina integralista nos seus
discursos, uma constante contradição à democracia justificada a partir do elemento
espiritual.
Democracia restritiva: integralismo e democracia (1945 – 1965)

Alessandro da Silva Lima∗


GT2: Estado, Democracia e Partidos políticos

Resumo:
Este trabalho tem por objetivo a análise do discurso sobre democracia difundido pelo
Partido de Representação Popular (PRP) no período de 1945 até 1965, tempo de atuação
dessa legenda, que tem como principal expoente teórico o então presidente do partido,
Plínio Salgado. Esta pesquisa está inserida numa discussão sobre o movimento
integralista, pois foi através do PRP que o movimento integralista se rearticulou no
contexto de redemocratização pós Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido este trabalho
vem a se somar com demais pesquisas interessadas em compreender as práticas
políticas de movimentos ou partidos considerados de direita.

Democracia é um conceito mutável que permanece sendo reformulado e


adequado a determinados discursos, muitos desses discursos os quais pretendem
legitimar a ação de grupos defensores de interesses identificados com a
permanência da ordem burguesa. A idéia clássica de democracia como sendo o
governo do povo, ou seja, a efetiva participação dos cidadãos nas decisões, foi
historicamente burlada e redefinida de tal forma que pôde ser agregada ao
discurso das classes dominantes. As transformações que ocorreram foram
estabelecidas acompanhando o desenvolvimento do capitalismo, que conseguiu
reduzir a democracia ao aspecto formal, da existência de instituições e normas, e
esvaziando tal conceito de conteúdo social. Ellen Wood percebe que o capitalismo
a partir do século XVIII redefiniu o significado de democracia:

Até o último quarto do século XVIII, pelo menos até a redefinição


americana, o significado predominante de “democracia”, tanto no
vocabulário de seus defensores quanto no dos detratores, era
essencialmente o significado adotado pelos gregos que inventaram a
palavra: governo pelo demos, o “povo”, com o significado duplo de status
cívico e categoria social. Isso explica a difamação generalizada da
democracia pelas classes dominantes. Desde então ela se submeteu a


Acadêmico do curso de História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE,
campus de Marechal Cândido Rondon. Bolsista do Programa de Iniciação Científica
PIBIC/CNPq/UNIOESTE. Pesquisa orientada pelo professor doutor Gilberto Grassi Calil. E-mail:
[email protected] .
uma transformação que tornou possível aos seus inimigos abraçá-la,
oferecer a ela as mais altas expressões de louvor em seu vocabulário
político. A redefinição americana foi decisiva; mas não foi o fim do
processo, e seria necessário mais de um século para completá-lo. Na
“democracia representativa”, o governo pelo povo continuou a ser o
principal critério de democracia, ainda que o governo fosse filtrado pela
representação controlada pela oligarquia, e povo foi esvaziado de conteúdo
social. (Wood, 2003: 194)

Nessa trajetória de reformulações, identificamos no pós Segunda Guerra


Mundial a defesa de uma concepção de democracia restritiva por adeptos de uma
doutrina fascista, em meio ao processo de redemocratização do Brasil. O discurso
sobre democracia analisado neste trabalho entendemos como uma proposição
que se articula à ideologia dominante. Pois o discurso estabelecido pelos
integralistas sob a legenda do Partido de Representação Popular (PRP), no
processo de redemocratização iniciado com o fim do Estado Novo, procura
fundamentar a crítica a vontade geral da população, impondo-lhe restrição à
liberdade. O discurso sobre democracia proposto entra em embate com o conceito
de democracia liberal, que garante algumas liberdades individuais, civis e
políticas, ainda que tais liberdades não abranjam todos os cidadãos. Esta atitude
de embate com o liberalismo, que pode ser caracterizada como radical, nos
remete a algumas considerações sobre o caráter autoritário deste conceito, mais
adiante trataremos disso.
O movimento integralista emerge nos anos de 1930, através da AIB (Ação
Integralista Brasileira), em meio à situação de insatisfação social na sociedade
brasileira e descrença no Estado liberal no entre-guerras. Este contexto
conturbado no qual o integralismo surge provém da mudança sócio-econômica
que o Brasil sofreu e que pode ser melhor observada a partir das transformações
ocorridas nos anos de 1920. Com a crise do modelo agroexportador, e logo da
sustentabilidade política da aristocracia, agravada com a crise de 1929, tem início
um processo de industrialização mais acentuado que trás novas camadas
populares para a luta social e política. O “chefe nacional” do movimento
integralista foi Plínio Salgado, também principal chefe teórico e de doutrina. A
ideologia do movimento integralista é caracterizada como fascista, pois assim
como outros movimentos fascistas o integralismo surgiu numa instabilidade social
e crise das instituições, teve como base doutrinária o nacionalismo, a crítica ao
liberalismo, capitalismo e comunismo, prezava pela hierarquização e centralização
do poder, e visava a construção de um estado totalitário, o “Estado integral”1. A
AIB tinha elementos das classes médias como principais componentes da sua
base social. O movimento integralista foi proibido durante o Estado Novo, depois
da participação de integralistas aliados com liberais em um golpe fracassado
contra Getúlio Vargas. Com este golpe Plínio Salgado foi exilado em Portugal,
permanecendo lá até 1946, quando retorna e logo assume a presidência do PRP.
Estima-se que o movimento integralista contava até o momento de sua supressão
pelo Estado Novo com cerca de meio milhão de simpatizantes e militantes, o que
o caracteriza como um movimento de massas.
A análise aqui desenvolvida sobre a democracia proposta pelo PRP está
inserida na delimitação temporal de 1945 – 1965, que é o tempo de atuação desta
legenda. O contexto brasileiro como mundial é de repúdio à existência de
movimentos identificados como fascistas. O Brasil acaba de sair da Segunda
Guerra Mundial onde havia lutado ao lado das forças contrárias ao nazi-fascismo e
de sair de uma ditadura, entrava em um processo de redemocratização. A
tentativa de rearticulação do integralismo só daria certo caso houve-se uma
adequação ao novo contexto, é o que acontece, os integralistas abandonam as
simbologias que faziam parte da socialização ideológica, tanto o Sigma (símbolo
do integralismo) como o uso de uniformes, e procuram através de discursos
desvincular a imagem fascista que prejudicava o movimento no intuito de obter
registro partidário para o PRP, que foi alcançado em 19482. Este contexto
brasileiro é marcado também pela enorme presença popular, na qual, os
movimentos de classe, a massa trabalhadora, estavam dispostos a exigir uma
efetiva representação. Também as classes médias e os intelectuais visavam
exercer uma participação forte no cenário político. Antes de ser destituído do

1
Sobre o movimento integralista na década de 1930 ver TRINDADE, Hélgio. Integralismo (o fascismo
brasileiro na década de 30). São Paulo: Difel, 1974.
2
Gilberto Grassi Calil desenvolveu uma análise da constituição do PRP como rearticulação do movimento
integralista no processo de redemocratização de 1945 em: CALIL, Gilberto G. O integralismo no pós-guerra:
a formação do PRP (1945-1950). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001.
poder em outubro de 1945, por um golpe, Getúlio Vargas pretendia articular as
massas e demais grupos sociais para tomar o controle do processo de retorno a
democracia. É interessante perceber como se realiza essa transição. Sob o
controle da burguesia é que o processo transitório ocorreu, o processo de
redemocratização foi vigiado e guiado pelos interesses da burguesia3. Os partidos
que representavam a classe burguesa procuraram nesse momento sempre o
apoio dos militares para combater uma possível efetivação da representatividade
da massa trabalhadora. Isso ocorreu tanto no início, com a deposição de Vargas,
mas também durante os governos que sucederam, até o momento que esses
grupos se articularam através das forças armadas, e se expressaram através
destes impondo o regime militar a partir 1964.
Percebemos então que a rearticulação do movimento integralista foi
realizada sob a bandeira do Partido de Representação Popular devido aos fatores,
circunstâncias, que envolviam o processo de “redemocratização”. Salgado
percebeu essa necessidade de adequar-se à nova conjuntura: “não reabrimos o
nosso antigo Partido Integralista, mas estamos todos os seus adeptos, com raras
exceções, em plena atividade no Partido de Representação Popular, o qual,
adotando os princípios filosóficos do integralismo, atualizou o programa, sem fugir
às normas da constituição da República e das circunstâncias modernas” (Salgado,
1947: 82).
A ideologia integralista desde sua presença inicial nos quadros da AIB é de
embate ao liberalismo, baseada na idéia de que a liberdade ameaçaria a base
social em seu equilíbrio, seria contraditória à autoridade necessária para manter a
ordem. A rejeição da democracia liberal revela-se nas críticas existentes às
instituições, de maneira que o Estado integral idealizado teria sua organização
diferenciada, negaria o pluralismo, as pessoas seriam organizadas em suas
classes, em modelo corporativo. Sobre a concepção de democracia peculiar
apresentada pelo PRP o que se observa é que ela vai remeter, e muito, à doutrina

3
Uma análise do contexto de redemocratização pode ser encontrada em ALMIRO, João. Os democratas
autoritários: liberdades individuais, de associação política e sindical na constituinte de 1946. São Paulo:
Brasiliense, 1980.
dos anos em que o movimento integralista era representado pela AIB e
expressava abertamente um discurso autoritário.
A “conversão” do integralismo à democracia podemos dizer que foi
originada ainda com Plínio Salgado no exílio em Portugal. Nesse período de exílio
são editados livros que desenvolvem uma concepção de “democracia cristã” que
foi utilizada para sustentar a formal conversão à democracia. Em O conceito
Cristão de Democracia, livro de autoria de Salgado publicado em Portugal,
podemos encontrar as principais idéias utilizadas na argumentação do discurso
democrático integralista no período de atuação pela legenda do PRP. O elemento
principal utilizado na argumentação do “conteúdo democrático” do conceito de
democracia defendido por Salgado era o espiritualismo. As críticas ao liberalismo
vão continuar, mas agora com uma intensificação de que a concepção de
democracia defendida pelo PRP seria a “verdadeira democracia”.
Plínio Salgado considerava que o agravamento das tensões sociais, dos
problemas da sociedade de modo geral, era resultante da escolha de uma
concepção de mundo materialista. O liberalismo, capitalismo e comunismo eram
apresentados como representantes da escolha desta concepção. A concepção
espiritualista era apresentada como oposição a tal escolha, e pela qual o destino
da sociedade seria o da ordem e de paz: “Ou adotamos uma concepção segura do
Universo e das leis a que está subordinado, assim como do Homem e do seu
papel no mundo do Espírito, ou então nada faremos de definitivo como construção
de ordem e de paz” (Salgado, 1945: 19). Os problemas sociais eram todos
englobados no princípio de escolha de uma dessas concepções, de modo que, a
situação da época era apresentada da seguinte maneira: “Temos chegado a uma
crise suprema da qual só poderemos sair pela escolha definitiva de um dos dois
conceitos – o materialista ou o espiritualista. De um como de outro decorrem todas
as conseqüências de ordem social, econômica e política, seja no ambiente
nacional, seja no internacional” (Idem, 1945: 17). Com esta opção pelo
espiritualismo se pretendia dar base à “princípios religiosos” que norteariam a
sociedade. O espiritualismo seria a crença em Deus e no destino sobrenatural do
homem. Tais princípios eram necessários para regular a sociedade. Definida desta
forma a concepção espiritualista, baseada em “princípios religiosos”, foi utilizada
como elemento de suporte para conceitos perrepistas. Segundo a concepção de
Salgado:

O mundo está dividido hoje, em materialistas e espiritualistas. O dilema é


este: crer em Deus ou não crer em Deus. Se acreditarmos em Deus, temos
que dar fundamento moral à concepção do Estado, temos que respeitar a
liberdade da personalidade humana e as suas projeções no espaço e no
tempo. Se não cremos em Deus, temos de acreditar no mecanicismo do
universo, acreditar no determinismo que rege o mundo físico como força
propulsora dos acontecimentos históricos e sociais (Salgado, 1947: 36).

A definição dessa concepção espiritualista permitiu ao PRP deflagrar


ataques ao liberalismo, à democracia liberal, abertamente. Toda crítica faz sentido
a partir da legitimação que é buscada no espiritualismo. Além disso, ao propor que
os problemas sociais eram resultantes da escolha da concepção materialista, ou
seja, do comunismo e capitalismo, o espiritualismo permitiu ao PRP se apresentar
com o discurso de portador de uma nova opção, uma “terceira via”. Mas este
discurso pelo qual o PRP se apresentava como “terceira via” não se sustenta,
porque apesar de fazer algumas críticas ao capitalismo não chegou a questionar a
propriedade privada e o lucro, assim, agiu a favor da burguesia e permanência do
capitalismo. A posição cristã era exaltada diante das conseqüências desse mundo
materialista, despreocupado com o espírito, resultado do liberalismo, capitalismo e
comunismo: “Mas por isso mesmo é bela, é heróica, a posição cristã
corajosamente enfrentando os dois excessos: o da autoridade sem limitações dos
Czares, tanto da direita como da esquerda, e o da liberdade, também sem
limitações das massas, que conduz os povos àqueles extremos” (Salgado, 1945:
8-9). É importante notar a crítica à falta de limitações da autoridade da direita e da
esquerda. Pois ao mesmo tempo em que o discurso perrepista critica a autoridade
em excesso da direita e esquerda ele vai retomar idéias de antiliberalismo da
doutrina de 1930, existiria necessidade de autoridade contra a liberdade que
ameaça o “equilíbrio” da sociedade.
O sufrágio universal e o modelo de representatividade recebem intensos
ataques, mas as críticas também se dirigem ao “excesso” de liberdade que
conduziria a sociedade às conseqüências nefastas. As liberdades existentes na
democracia liberal, e que levariam a sociedade para caminhos danosos,
impediriam a realização da “verdadeira liberdade”, que seria o reconhecimento da
existência da alma imortal. Mesmo fazendo restrições à liberdade a democracia
cristã proposta por Salgado não deixaria de ser democracia, haveria de ser a
“verdadeira democracia”, porque estaria fundamentada nas regras de concepção
de vida espiritual, e na qual Salgado, “Entre o despotismo das massas e o
despotismo do Estado”, teria procurado “ressalvar os legítimos direitos da pessoa
humana, fundando o conceito da verdadeira liberdade no equilíbrio imposto pelas
leis morais inspiradas no cristianismo, as quais estabelecem limites ao Poder
Público, ao individualismo democrático e ao coletivismo igualitário” (Salgado,
1947: 146-147). Para Salgado, somente com base no cristianismo é que a
democracia poderia se realizar:

Ou a democracia se proclama abertamente espiritual e cristã e, nesse caso,


pode outorgar todas as liberdades aos cidadãos, menos a de se utilizar
dessas liberdades para implantar regimes que contrariem aqueles seus
princípios fundamentais, e nem por isso deixará de ser democracia; ou
então se declara agnóstica e, nesse caso, terá de permitir a propaganda de
todas as idéias e o exercício de todas as atividades tendentes às
transformações políticas de todas as naturezas e feitios (Salgado, 1945:
101-102).

Há ainda por parte de Salgado o entendimento de que existiam quatro


agentes contrários à liberdade, e cuja finalidade de surgimento do integralismo era
justamente combatê-los. O primeiro seria o capitalismo internacional,

(...) dominador e escravizador dos povos, controlador da economia e da


finanças das nações, esse capitalismo internacional que durante o século
XIX hipertrofiou-se e concentrou-se nas mãos de poucos para o governo do
mundo; oprimiu as grandes massas proletárias, proletarizou a maior parte
das classes médias (...) A liberdade humana estava e está ameaçada por
essa espécie de capitalismo quem, exercendo a sua ação funesta, por
intermediário da oscilação constante do valor da moeda, e manobrando as
tenazes das hipotecas e descontos, vai pouco a pouco arrancando dos
chefes de família as bases da sua liberdade privada e pública – a
propriedade familiar (Salgado, 1947: 155-156).
O segundo seria o socialismo, “(...) quer o socialismo da Segunda
Internacional, por medidas evolucionistas, quer o Socialismo da Terceira
Internacional, por intervenção violenta, revolucionária, ambos coincidem no
mesmo objetivo escravizador e destruidor das liberdades, na mesma concepção
do Estado como causa e fim de toda atividade política” , e o terceiro agente o
nacional-socialismo, “(...) nacionalismo exacerbado, que destruía inteiramente a
liberdade dos cidadãos, a autonomia das famílias, o livre movimento dos grupos
naturais, superpunha-se, além disso, na vida internacional, pretendendo dominar
as nações mais fracas” (Salgado, 1947: 158-159).
Já o quarto agente destruidor da liberdade seria a própria liberdade, nos
parâmetros do antiliberalismo do PRP, entendida no discurso perrepista como
liberdade em excesso, a velha contraposição de liberdade à autoridade presente
na base ideológica da AIB. Assim sendo,

(...) o quarto agente, que se levanta contra a liberdade é constituído por


aqueles que se apresentam hoje como os monopolizadores da defesa das
liberdades (...) Quer esse sistema novo que dentro de uma nação haja
liberdade plena para tudo, para a própria propaganda das idéias errôneas e
nocivas à pátria e a salvação das almas; quer que exista um Estado de
caráter agnóstico, tão agnóstico como aqueles Estados condenados por
vários pontífices romanos, um Estado leigo, um Estado imparcial, um
Estado de braços cruzados entre o Bem e o Mal, no qual cooperem,
visando aos fins da felicidade social, aos maus e os bons, os destruidores
dos fundamentos da personalidade humana e os sustentadores das
prerrogativas dessa personalidade. Entendem os adeptos de tal doutrina
que deve haver plena liberdade para se pregar idéias nocivas, plena
liberdade para destruir a própria liberdade. (Salgado, 1947: 161-162)

Quanto ao sufrágio universal Plínio Salgado estabelece uma série de


críticas, com ênfase na desqualificação das massas, caracterizando-as como
incapazes, afirmando que é a partir da irracionalidade delas que se constituem os
regimes totalitários. Salgado é taxativo com referência a participação das massas
na democracia:

Só os loucos e os perversos poderão aceitar uma democracia que não


sabe para onde vai, nem o que quer, e tudo aceita desde que assim decida
a insensatez das massas manobradas por agentes externos. Só os em
quem se apagou a luz da razão proclamam idoneidade e justiça em ordens
políticas onde a verdade e o erro gozam da mesma cidadania, que consiste
na identificação e na consideração de ambos, desde que só vale o arbítrio
das multidões volúveis e inconscientes (Salgado, 1945: 116-117. Grifo
meu)

A democracia defendida por Salgado tendia a limitar a participação das


massas, ou melhor, pretenderia limitar o efeito do sufrágio universal nos rumos
políticos. Teria princípios religiosos para controlar, crítica que carrega em si um
germe de elitismo. Descaracteriza a legitimidade que a representação a partir do
sufrágio tem, a escolha da maioria, consentindo com a opinião de que a verdade,
justiça, os princípios religiosos, estariam legados a uma minoria, uma elite. Sendo
assim, enfatiza que:

A democracia cristã é uma democracia de conseqüências; é um efeito,


jamais uma causa. A sua fonte, neste caso, não pose ser a massa bruta e
incapaz de discernimento, a vontade da multidão inconstante
conduzida ao sabor dos audaciosos. A sua fonte são os princípios, a
doutrina, as regras originárias de uma concepção de vida (...) Tomada
como causa e efeito, a democracia é sinônimo de tirania: a violência do
maior contra o menor número, mesmo quando a verdade e a justiça
estejam com a minoria (Salgado, 1945: 90-91. Grifo meu)

Esta hostilização às massas articulada à necessidade que Plínio Salgado


defende da existência de “princípios cristãos”, para regerem a democracia, dá
suporte para o controle do poder por uma elite que seria a portadora dos tais
princípios. Uma elite composta pelos indivíduos dos “mais capazes”, que iriam
impor as normas para a realização de uma “democracia de efeito, isto é, em
função de um pensamento independente e livre do curso da vontade geral”
(Salgado, 1945: 102. Grifo meu), ou seja, sem a legitimação da maioria. Assim, o
conceito de democracia proposta carregaria em seu discurso a caracterização de
exclusão e elitismo. A soberania popular era refutada em favor de uma
centralização do poder.
Em contrapartida ao sufrágio universal da democracia liberal, o PRP
defendera a idéia de sufrágio universal em moldes corporativistas, democracia
orgânica, ou democracia integral como muitos partidários denominavam. Esta
defesa de uma organização política em base corporativista teve presença nos
órgãos de propaganda do partido, responsáveis por doutrinar e combater os
semanários de esquerda. Estes órgãos partidários eram dirigidos às massas,
escolas, igrejas, quartéis e outros. O jornal A Marcha foi um dos jornais do partido.
Conforme um artigo expresso em A Marcha:

Democracia-integral, que alguns sociólogos denominam de orgânica,


corresponde um sistema entrosado por eleições gradativas cada vez mais
apuradas nos grupos corporativos que os cidadãos compõem
espontaneamente, as quais participam do sufrágio universal em que todos
os cidadãos são chamados a votar, e não somente uma classe ou parte
deles. Os cidadãos constituem em seus estados e estes no seu regime
corporativo, que é o regime de todas as classes sociais e de todos os
interesses sociais e de todos os interesses nacionais. É um sistema que
não se adapta à Democracia- liberal, porque o seu princípio de liberdade
não é absoluto, mas relativo às conveniências sociais. O cidadão
desprende-se de parte dela, em benefício do grupo que ele mesmo forma
espontaneamente e no próprio interesse. E não se adapta à Democracia-
social, porque defende o cidadão contra a sua absorção pelo Estado (A
Marcha, 1957: 11)

O corporativismo era apresentado como solução aos problemas das falhas


da democracia liberal: “A democracia orgânica, com, a participação real das
corporações profissionais, será, a nosso ver, a solução para os erros do atual
Legislativo. Neste caso, o voto não será dado aos demagogos, que melhor sabem
fazer promessas, e sim, aos homens competentes, legítimos e autorizados
representantes de sua classe na Assembléia” (A Marcha, 1953: 2).
Através dos pontos analisados é possível identificar elementos que
conduzem a afirmar a permanência da antiga base do pensamento integralista dos
anos de 1930, agora no processo de redemocratização pós Estado Novo, e sob a
legenda do PRP. Mesmo após a conversão formal ao discurso democrático
podemos encontrar a proposição de centralização do poder, autoritarismo e
censura no conceito de democracia apresentado. A antiga base doutrinária, agora
maquiada pela ênfase no espiritualismo, pode ser percebida na crítica às massas
e o controle das liberdades por “princípios religiosos”. Além da permanência
ideológica dos anos de 1930, o PRP difundiu um conceito de democracia
caracterizado por ser restritivo e que atendia naquela conjuntura em que era
apresentado aos interesses da ordem em vigor.
Bibliografia:

ALMIRO, João. (1980) Os democratas autoritários: liberdades individuais, de


associação e sindical na constituinte de 1946. São Paulo: Brasiliense.
CALIL, Gilberto Grassi. (2001) O integralismo no Pós-Guerra, a formação do PRP
(1945-1950). Porto Alegre: EDIPUCRS.
CALIL, Gilberto Grassi. (2005) O integralismo no processo político brasileiro: o
PRP entre 1945 e 1965, cães de guarda da ordem burguesa. Tese de doutorado –
Universidade Federal Fluminense.
O Brasil precisa mudar de regime! A Marcha. Rio de Janeiro, 193. p. 1.
O custo da democracia. A marcha. Rio de Janeiro, 2. p. 11.
SALGADO, Plínio. (1947) Discursos. São Paulo: Panorama.
SALGADO, Plínio. (1945) O Conceito Cristão de Democracia. Coimbra : Edições
Estudos.
TRINDADE, Hélgio.(1974) Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30.
São Paulo: Difel.

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