O Ensino e A Educação Brasileira

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Daniela Simone de Azevedo

Claudimir José da Silva


Camila Beltrão Medina
Bruna Beatriz da Rocha
Rebeca Freitas Ivanicska
(ORGANIZADORES)

O ENSINO E A
EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Saberes e Partilhas

2022
© Dos Organizadores - 2022
Editoração e capa: Schreiben
Imagem da capa: Pixabay
Revisão: os autores
Conselho Editorial (Editora Schreiben):
Dr. Adelar Heinsfeld (UPF)
Dr. Adelar Heinsfeld (UPF)
Dr. Airton Spies (EPAGRI)
Dra. Ana Carolina Martins da Silva (UERGS)
Dr. Deivid Alex dos Santos (UEL)
Dr. Douglas Orestes Franzen (UCEFF)
Dr. Eduardo Ramón Palermo López (MPR - Uruguai)
Dr. Enio Luiz Spaniol (UDESC)
Dr. Glen Goodman (Arizona State University)
Dr. Guido Lenz (UFRGS)
Dra. Ivânia Campigotto Aquino (UPF)
Dr. João Carlos Tedesco (UPF)
Dr. José Antonio Ribeiro de Moura (FEEVALE)
Dr. José Raimundo Rodrigues (UFES)
Dr. Leandro Hahn (UNIARP)
Dr. Leandro Mayer (SED-SC)
Dra. Marcela Mary José da Silva (UFRB)
Dra. Marciane Kessler (UFPel)
Dr. Marcos Pereira dos Santos (FAQ)
Dra. Natércia de Andrade Lopes Neta (UNEAL)
Dr. Odair Neitzel (UFFS)
Dr. Valdenildo dos Santos (UFMS)
Dr. Wanilton Dudek (UNIUV)

Esta obra é uma produção independente. A exatidão das informações, opiniões e conceitos
emitidos, bem como da procedência das tabelas, quadros, mapas e fotografias é de exclusiva
responsabilidade do(s) autor(es).

Editora Schreiben
Linha Cordilheira - SC-163
89896-000 Itapiranga/SC
Tel: (49) 3678 7254
[email protected]
www.editoraschreiben.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


E59 O ensino e a educação brasileira : saberes e partilhas. / Organizadores: Daniela
Simone de Azevedo, Claudimir José da Silva, Camila Beltrão Medina, Bruna
Beatriz da Rocha, Rebeca Freitas Ivanicska. – Itapiranga : Schreiben, 2022.
289 p. ; e-book.
E-book no formato PDF.

EISBN: 978-65-89963-91-2
DOI: 10.29327/565734

1. Educação - Brasil. 2. Ensino - Brasil. I. Título. II. Azevedo, Daniela Simone


de. III. Silva, Claudimir José da. IV. Medina, Camila Beltrão. V. Rocha, Bruna
Beatriz da. VI. Ivanicska, Rebeca Freitas.

CDU 37(81)
Bibliotecária responsável Kátia Rosi Possobon CRB10/1782
SUMÁRIO

PREFÁCIO...................................................................................................7
Claudimir José da Silva

APRESENTAÇÃO.......................................................................................8
Daniela Simone de Azevedo

EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA DITADURA CIVIL-MILITAR


NO BRASIL: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DO
JORNAL-REVISTA MUNDO JOVEM (1982)................................................9
Alan Ricardo Duarte Pereira

TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS E SUAS MANIFESTAÇÕES NO


CURRÍCULO: UM OLHAR SOBRE A PEDAGOGIA HISTÓRICO-
CRÍTICA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS SUJEITOS ..................23
Eunice Nóbrega Portela
Dirce Maria da Silva

CULTURA E FORMAÇÃO CULTURAL NA EDUCAÇÃO


INFANTIL.................................................................................................32
Graciela Mendes Nogueira Targino
Keyla Andrea Santiago Oliveira

A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO ENSINO SUPERIOR


PERANTE À QUALIDADE DE VIDA DA SOCIEDADE..........................47
Leandro de Souza Silva
Tiago Santos Barreto Thomaz
Elma Francisca Lopes Costa

VIOLÊNCIA NAS ENTRELINHAS: UMA ANÁLISE DOS


DISCURSOS DISCRIMINATÓRIOS OBSERVADOS NO COTIDIANO
DE DUAS ESCOLAS EM ACARI, RIO DE JANEIRO ..............................56
Raquel Brum Fernandes

SOCIOEDUCAÇÃO E PANDEMIA: DESAFIOS PLURAIS


DENTRO DAS UNIDADES SOCIOEDUCATIVAS...................................66
Laura Carolina Carelli Pereira
REPENSANDO A EDUCAÇÃO: A BUSCA POR UMA
ESCOLA INCLUSIVA................................................................................74
Helenice da Silva e Castro

DIFERENÇAS VERSUS HOMOGENEIZAÇÃO,


TRAÇANDO CAMINHOS PARA A EDUCAÇÃO EM UMA
PERSPECTIVA INCLUSIVA......................................................................85
Beatriz Viana Motta
Célio Rafael dos Santos Viana
Elissilvia de Souza Pereira

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS UTILIZADAS POR


TRABALHADORES-ESTUDANTES ANTES E DURANTE O
PERÍODO PANDÊMICO...........................................................................96
Vanessa Aparecida de Santana

DESENVOLVIMENTO DA COMPREENSÃO LEITORA NA


PERSPECTIVA DA APRENDIZAGEM AUTORREGULATÓRIA:
UM ESTUDO DAS INTERVENÇÕES......................................................115
Bruna Aser Vidigal Pereira
Elaine Leporate Barroso Faria

A DIVERSIDADE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEMPORÂNEA E


O ENSINO DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS: COMO AS
IDEOLOGIAS DA LINGUAGEM INFLUENCIAM O ENSINO DE
PORTUGUÊS COMO LÍNGUA ADICIONAL........................................128
Giovanna Martinez Ursulino

PROPOSTA DE ENSINO DO GÊNERO DISCURSIVO CAUSO.............142


Tainara de Oliveira da Silva
Kethlyn Karla da Silva

NA ROÇA É DIFERENTE: UMA PROPOSTA PARA TRABALHAR


A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, NO 5º ANO............................................153
Claudimir José da Silva

LIVRO DIGITAL: UMA ANÁLISE DA INSERÇÃO DA TECNOLOGIA


NAS AULAS DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO...........................166
Luã Leal Gouveia

DIDÁTICA ANALÓGICA X DIDÁTICA DIGITAL: IMPLICAÇÕES


DO USO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E
COMUNICAÇÃO (TDIC) NA EDUCAÇÃO INFANTIL........................177
Daniela Simone de Azevedo
SALA DE AULA INVERTIDA E JÚRI SIMULADO COMO
METODOLOGIA ATIVA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA................188
Rosimara Cargnin
Juliana Porto de Souza
Marcela Martins Nunes
Anália Ferraz Rodrigues
Vanessa Dias Espindola

AS CONTRIBUIÇÕES REVELADAS PELO ENSINO ATRAVÉS DA


ANÁLISE DE PAISAGENS NAS AULAS DE GEOGRAFIA .................201
Abraão Danziger de Matos

AULA DE METODOLOGIA DA PESQUISA:


PARA ALÉM DA INSTRUMENTALIZAÇÃO.........................................210
Marcos dos Reis Batista

RELATO DE EXPERIÊNCIA EM TUTORIA EM UMA SALA DE


ARTICULAÇÃO DO PROJETO PIBID VIVENCIADO POR UMA
ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DE MATO GROSSO...............................................................220
Eliani Silveira Viana
Marlene Gonçalves

A IMPORTÂNCIA DA ARTETERAPIA NAS PRÁTICAS


INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES DE SAÚDE..........................228
Elizabete Adelaide da Silva
Dirce Maria da Silva

ENSINO DE EDUCAÇÃO FISCAL E NOTA FISCAL GAÚCHA


EM MORMAÇO-RS.................................................................................239
Jackson Adair Gonçalves

O SAMBA DE ADONIRAN BARBOSA E A DIMENSÃO CULTURAL


DO DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: UM ESTUDO A PARTIR
DAS CONTRIBUIÇÕES DO EDUCADOR PAULO FREIRE E DO
ECONOMISTA CELSO FURTADO.........................................................245
Roberto Gomes Monção Junior
Ana Enedi Prince

BREVES REFLEXÕES SOBRE A ATUALIDADE DOS


PRINCÍPIOS FREIRIANOS.....................................................................258
Camila Beltrão Medina
Denise Henrique Mafra
Maria Angélica Gomes Maia
UMA EXPERIÊNCIA, MUITAS TRANSFORMAÇÕES A PARTIR
DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DO PROGRAMA
ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA NO RIO GRANDE DO NORTE.........269
Ana Enedi Prince
Roberto Gomes Monção Junior

O CALEIDOSCÓPIO DA OBRA FREIREANA NA EDUCAÇÃO


INFANTIL: LUTAS E CONQUISTAS NA CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE DOCENTE.......................................................................278
Camila Beltrão Medina
Denise Henrique Mafra
Maria Angélica Gomes Maia

REFLEXÕES SOBRE A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO NA


CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁXIS EDUCATIVA LIBERTADORA
NA AMÉRICA LATINA...........................................................................290
João Pedro Ruggieri
Lauren Mariana Mennocchi

ARTIVISMO E PEDAGOGIA FEMINISTA ENCONTRAM PAULO


FREIRE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES.......................................301
Ângela Aparecida de Almeida
Maria Vitoria Caetano Rodrigues

POSFÁCIO...............................................................................................311

SOBRE OS ORGANIZADORES..............................................................313
PREFÁCIO

Se eu pudesse resumir essa obra em algumas palavras, eu usaria das falas


de Volóchinov (2019), presentes em seu livro A palavra na vida e a palavra na poe-
sia, ao dizer que a palavra (verbo, fala articulada) nasce da necessidade de dizer-
mos alguma coisa uns aos outros. A nossa obra está repleta desta necessidade de
dizermos algo uns aos outros. De dizermos sobre nossas caminhadas na área da
educação e através deste dizer, nos fazer refletir sobre.
Diante de tais pensamentos esta obra nasce e ela não poderia ter outro
nome, O ensino e a educação brasileira: saberes e partilhas. Partilhamos as nossas rea-
lidades, vivências, experiências, nossos saberes, nossas pesquisas, nossas falas...
Tudo porque temos essa necessidade de falar e ao falar sempre falaremos para
alguém. Hoje esse alguém é você, nosso leitor e, juntamente, com você gostaría-
mos (e aqui me coloco juntamente com todos os que estão comigo nesta obra)
de fazer da educação um espaço de diálogos.
Nossos textos são vozes que buscam se mostrarem através de pesquisas e
assim sanarem esta necessidade de dizer, de se fazer presente, de ser vista, de ser
discutida e, sobretudo, de ser dialogada. Espero que o leitor, após a leitura de
cada capitulo, também sinta uma necessidade enorme de dizer, e assim respon-
der, de algum modo, o que foi lido, seja na sua prática docente, seja buscando
em outras pesquisas ou fazendo pesquisa.
Desta maneira, esta necessidade de dizer fará com que diaálogos sejam
constituídos através de nossas falas, que já não serão só nossas. Falas de muitas
vozes e sempre carregadas de sentidos ideológicos. Posso dizer que nesta obra
não temos apenas falas esperando serem lidas, porém falas que anseiam por
serem dialogadas. Acredito que só assim se faz educação.
Por fim, eu não poderia terminar de outra maneira, senão desejando a
você uma prazerosa e instigante leitura.

Claudimir José da Silva


APRESENTAÇÃO

O ensino e a educação brasileira: saberes e partilhas é uma obra que se


destina à reflexão sobre a educação brasileira e seus desafios na contemporanei-
dade. Ela é fruto dos estudos realizados por educadores de áreas diversas do cur-
rículo, cujos olhares apurados se detiveram na busca de soluções e entendimen-
tos sobre temas como: fundamentos da educação, currículo, cultura, formação
docente, tecnologias, linguagens, metodologias de ensino, educação profissional
e visão integral do ser humano.
Neste livro, os leitores poderão refletir sobre as dificuldades impostas
aos alunos e às escolas face à recente Pandemia do SarsCovid19, compreender
alguns aspectos relacionados ao distanciamento social que a doença impôs e
pensar sobre as dificuldades e possibilidades de inclusão das (não tão) novas
tecnologias no ensino.
Além disso, poderão entrever, através das produções minuciosas dos au-
tores, problemas que estão presentes na educação brasileira como: a violência
nas escolas, a intolerância, as dificuldades que os estudantes encontram para
finalizar seus cursos, etc.
Mas, por outro lado, o livro também enseja uma larga gama de dados
sobre a constituição das relações que permeiam o ambiente e o currículo da
educação no Brasil, atualmente, ao mesmo tempo que sugerem mudanças e mo-
vimentos que precisam ocorrer para que a educação proporcione uma ação ativa
do estudante na construção da sua aprendizagem.
De modo geral, o conjunto de artigos que modela a presente publicação,
irá transpor o leitor para o dia-a-dia do docente brasileiro e proporcionará mo-
mentos de imersão e profunda reflexão sobre o tipo de aluno que estamos for-
mando e que tipo de sociedade estamos construindo, mediante as atitudes e
metodologias adotadas em nossas escolas.
Esperamos que através dessa leitura você realize uma jornada pela reali-
dade da educação brasileira e compreenda os desafios que vivenciam os educa-
dores em nosso país.

Daniela Simone de Azevedo


EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DA DITADURA
CIVIL-MILITAR NO BRASIL: UMA REFLEXÃO A
PARTIR DA PUBLICAÇÃO DO JORNAL-REVISTA
MUNDO JOVEM (1982)
Alan Ricardo Duarte Pereira1

Em minha escola pública, todos os anos, centenas de jovens lêem Mundo Jovem nas
aulas de OSPB [Organização Social e Política do Brasil] e Língua Portuguesa. Com
isso, os jovens se livram daqueles livros-textos insípidos e supostamente neutros. E
ganham, ao desenvolverem o senso crítico para assumir já seu papel na sociedade.
(MUNDO JOVEM, 1987, p.12)
Osvaldo Biz, professor

A ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985) foi, de fato, um marco na


história brasileira. A censura aos meios de comunicação, a perseguição política,
os Atos Institucionais (AIs) e as eleições indiretas foram, entre outros aspectos,
sustentáculos do regime ditatorial instalado no Brasil. No bojo da censura da im-
prensa no Brasil foi lançado, em 1982, uma variedade de artigos no Jornal Mundo
Jovem com o tema “Educação e Fraternidade”. No respectivo ano, a revista tra-
tou de trabalhar temas vinculados à educação: educação e ideologia, educação
e trabalho, financiamento da educação, fracasso escolar, entre outros. Assim, o
objetivo do trabalho é analisar as edições do Jornal Mundo Jovem no ano de 1982
e mostrar que, ao discutir a educação e seus problemas, o periódico tentou con-
frontar o regime civil-militar e dar visibilidade para a realidade brasileira.
Ao observar a conjuntura do regime ditatorial ao longo de quase vintes
anos, podemos traçar três momentos da censura. De acordo com Aquino (1999,
p.212), o primeiro momento corresponde ao ano de 1968 e 1975 que basicamen-
te é caracterizado pela formação da censura nos quadros da ditadura. O segundo
momento, por sua vez, de 1972 a 1975 se refere à “radicalização da atuação
censória” ou, dito de outra forma, uma consolidação da censura como principal
via de expurgar do Brasil as ideias e práticas contrárias ao regime ditatorial. Por
fim, entre 1975 e 1978 ocorreu uma “censura mais seletiva e intensa”.
Para tanto, é nessa conjuntura política e econômica do regime civil-militar

1 Doutor em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professor substituto no


Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). E-mail: [email protected]
D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
no Brasil que o Jornal Mundo Jovem (MJ)2 realizou no ano de 1982 suas publi-
cações sobre educação na campanha intitulada “Educação e Fraternidade”. Tal
ano também foi caracterizado pelas eleições para governador, senador, prefeito,
deputado federal e estadual, etc. Os artigos publicados nessa seção foram, de
fato, inovadores se pensamos os temas debatidos em torno da educação. Não
somente isso, essa seção provou, durante o regime ditatorial e posteriormente, a
filiação do MJ com uma temática: a educação. Na verdade, consideramos que
essa campanha trouxe, por conseguinte, a consagração do MJ como um jornal
voltado para a juventude e, sobretudo, um ambiente profícuo e aberto ao debate
acerca da educação brasileira.
Ora, se hoje o MJ (1967-2016) é/foi identificado no cenário brasileiro
como um dos principais jornais de circulação nacional destinado ao público
da educação – professores, estudantes, diretores de escola, acadêmicos, entre
outros3 –, não se pode escamotear que, a partir da campanha “Educação e
Fraternidade”, instalou gradativamente o interesse pela discussão sobre a educa-
ção. Entre uma edição e outra, uma reportagem e outra, a educação apareceu no
jornal preenchendo as principais páginas, as entrevistas com intelectuais da edu-
cação discutindo e mostrando propostas didático-pedagógicas, os temas trans-
versais apresentado pelo MJ – gênero, sociedade, educação ambiental, educação
para relações étnico-raciais, educação musical, arte, entre outras coisas – são,
em resumo, expressões significativas da atuação do jornal na área da educação.
Desse modo, buscamos analisar as publicações no MJ no contexto do
regime civil-militar no Brasil e os principais temas discutidos pela campanha
“Educação e Fraternidade”. Vale lembrar que a escolha da temática – a edu-
cação – é somente um dos elementos que compuseram a pauta de discussões
do jornal MJ. Em outras palavras, durante o período da ditadura civil-militar,
houve a discussão de outros temas e que, de igual forma, foram essenciais no
desiderato do jornal. Assim, não pretendemos nessa pesquisa trabalhar com tais
temas e problematizar seu impacto naquela conjuntura política do regime. Por
conseguinte, o recorte feito nesta pesquisa representa, basicamente, a tentativa
de problematizar as ideias de educação no contexto da ditadura civil-militar.
Sendo assim, as considerações foram extraídas de reflexões realizadas em torno
da campanha “Educação e Fraternidade”.

2 Doravante será abreviado apenas para MJ.


3 Adiante será explicada a história do Jornal Mundo Jovem. Nessa altura do estudo deve-se
ter em conta que, contemporaneamente, o jornal contempla, sobretudo, questões acerca da
educação. Muitos artigos da revista foram escritos com o objetivo de atender alunos, pro-
fessores e profissionais da educação. Ao lado disso, outro tema recorrente nas discussões
do jornal refere-se à juventude.

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas

O JORNAL MUNDO JOVEM NA DÉCADA DE 1980

O Jornal Mundo Jovem nasceu com esse título em outubro de 1967 na


edição de número 24. No entanto, respectivo jornal começou com o nome
Informações Vocacionais (1963) no Seminário Maior de Viamão, no Rio Grande
do Sul. No mesmo ano, a partir da edição de setembro, a revista mudou o nome
para S.O.S Vocações e, em 1964, circulava o primeiro volume com o título Lança as
Redes que durou até 1967. Assim, no final da década de 60 a antiga revista4 com
o nome Informações Vocacionais se transformou em Mundo Jovem.
De acordo com Souza (2013), o título “Mundo Jovem” implicou algu-
mas mudanças. A partir de 1972, o jornal passou para a Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)5, organizada e orientada pelo Instituto
de Teologia. Na área técnica e de diagramação, a Faculdade dos Meios de
Comunicação Social (FAMECOS) integrou o corpo editorial da revista. Assim,
o “Mundo Jovem passou a adquirir a marca de um jornal crítico, enfocando
temas da realidade social brasileira e latino-americana e reflexões filosóficas que
provocam inquietações no jovem sobre o sentido da vida” (SOUZA, 2013, p.66).
Em termos gerais, na opinião de Souza (2013, p.65), a mudança do nome
significou a ampliação do público-alvo do jornal: não mais a “ala religiosa” –
seminaristas, padres, missionários, etc – e os indivíduos pertencentes à igreja,
mas prioritariamente os jovens e demais segmentos da sociedade. Para tanto,
podemos afirmar que a mudança para Mundo Jovem exprimia uma espécie de
“secularização”6 do jornal que, ao invés de privilegiar somente os jovens da igre-
ja, buscou a ampliação seu campo de atuação com a inclusão de “jovens leigos
e/ou seculares”.
Na publicação de março de 1982 na edição de número 143 quando inaugu-
rou à campanha “Educação e Fraternidade”, o editorial explicava a importância

4 Vale a pena explicar o termo “revista” e “jornal” aplicado ao Mundo Jovem. Na década de
1960, o periódico Informações Vocacionais era publicado em preto e branco com seis edições ao
ano. Pouco a pouco, ampliou-se o número de páginas e, sobretudo, a participação dos leito-
res na publicação de textos e mensagens. Além disso, como Mundo Jovem, o periódico passou
a ser impresso em duas cores e publicou noves edições anualmente. Com base nisso, o mais
adequado seria o uso do termo “revista” e não “jornal”. Quer dizer, Mundo Jovem foi – e
ainda é – publicado mensalmente e se dedica, sobretudo, aos jovens e a comunidade escolar.
Portanto, esses dois elementos lhe conferem o status de “revista” e não “jornal”. Mesmo
assim, no presente trabalho utilizamos o termo “jornal” ou “revista” como sinônimos.
5 Até o ano de 2016 – quando o jornal fechou oficialmente – foi organizado pela PUCRS.
6 Aqui não empregamos “secularização” como antônimo ao religioso. Na realidade, o jor-
nal Mundo Jovem coadunou temas religiosos – normalmente de cunho católico – com te-
mas seculares. Por estar ligado ao Instituto de Teologia e a PUCRS, a questão religiosa
foi desde o início o bastião do jornal. Com “secularização” estamos querendo dizer que
o jornal se consolidou editorialmente com textos interdisciplinares acerca do mundo e,
quiçá, da realidade brasileira.

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D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
de trabalhar com a educação e seu aspecto transformador na sociedade. Há,
portanto, um cruzamento da perspectiva cristão-católica com um ideal mais se-
cularizado acerca do papel da educação.
Mais exatamente, o editorial começava com a citação das Conclusões de
Puebla promovidas por João Paulo II (1920-2005)7 que aludia à função da edu-
cação católica: produzir agentes de transformação na América a partir de uma
formação cívica e política inspirada nos moldes da Igreja. Além disso, o editor
esclarecia que, à luz das Conclusões de Puebla, fazia-se necessária refletir a educa-
ção no Brasil, pois naquele momento havia uma polêmica instalada no cenário
brasileiro sobre a opção partidária das comunidades e líderes cristãos.
Para tanto, defendia que tanto nas comunidades cristãs ou na escola não
cabia uma opção partidária definida homogeneamente. Ou seja, qualquer insti-
tuição era livre para escolher sua opção partidária e que tal escolha não poderia,
ao final de tudo, ser arbitrária de um único grupo, pois “Na atual conjuntura
política nacional, tenho receio [Jesus Hortal Sánchez, diretor naquela época] de
apontar para um partido como para o único viável para o cristão. Foi um erro
cometido em épocas passadas [...]”. (MUNDO JOVEM, 1982, p.4).
O mais revelador disso, no entanto, é o entendimento do papel da educa-
ção frente à escolha de uma corrente partidária: não era da alçada da institui-
ção impor uma concepção ideológica. Ao contrário, para não cair nos erros de
“épocas passadas”, a escolha deveria resultar da decisão de cada um, já que o
papel da “autêntica educação” – dizia o editorial – era oferecer as ferramentas
necessárias para a transformação da realidade. Isso significava duas coisas na
compreensão do editorial do MJ: converter o educando em sujeito e, ao mesmo
tempo, promover uma reflexão sobre seu contexto.
Nesse ínterim, nasceu à seção dentro do Mundo Jovem intitulada
“Educação e Fraternidade” com o objetivo de converter o educando em sujeito
do conhecimento e, igualmente, fornecer “instrumentos necessários de análise
da realidade e de reflexão teológica sobre ela”. Os temas debatidos na seção
de educação foram ao encontro desse objetivo traçado na edição de número
143 de 1982. Assim, delimitamos na presente pesquisa a análise dos artigos que
foram publicados na campanha “Educação e Fraternidade” durante todo o ano
de 1982. Por outro lado, reiteramos que é necessário alargar o período de estudo
da revista MJ antes de 1982 e, especialmente, o período posterior. Sem dúvida,

7 Em resumo, Conclusões de Puebla foi a Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-


-Americano realizado no México na cidade de Puebla de Los Angeles em 1979. Contou
com a participação de diversos bispos da América-latina e, sobretudo, com a presença do
Papa João Paulo II. Pode-se dizer que o objetivo principal de tal conferência foi, portanto,
traçar caminhos para a evangelização da América latina no contexto da década de 70-80.
O jornal Mundo Jovem, portanto, se inseriu nessa perspectiva.

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
a análise de outras edições poderá fornecer novos elementos de análise sobre a
educação na revista MJ, traçar tendências, identificar pressupostos teórico-me-
todológicos, entre outras coisas.

PUBLICAÇÕES NO JORNAL MUNDO JOVEM: A CAMPANHA


“EDUCAÇÃO E FRATERNIDADE”

Nesse tópico pretendemos analisar alguns artigos que foram publicados


ao longo da campanha “Educação e Fraternidade” no ano 1982. De antemão,
destacamos que, naquele ano, a parte do jornal dedicada à educação enfatizou
dois aspectos: educação e suas finalidades e educação e reprodução social. Por
sua vez, esses dois grupos correspondem, no fundo, a linha traçada pela respecti-
va campanha na edição de 1982 sobre a importância do educando no processo de
ensino-aprendizagem e, de outro lado, a finalidade da escola em fornecer meios
necessários para reflexão da própria realidade do aluno. Assim, entendemos que
essa divisão dos artigos em dois grupos aglutine, a um só tempo, a variedade de
temas que foram publicadas na campanha “Educação e Fraternidade”. A seguir
um quadro dos títulos dos artigos, os/as autores/as e o número e mês da edição:

Quadro 01 – Títulos dos artigos da campanha “Educação e Fraternidade”


Número/Mês/
Tema Título Autor/a
Ano
Ano 20, n.143, A força do povo (no
Gastar ou investir na Pedrinho Guareschi
Março de campo e na cidade)
educação?
1982. por uma vida melhor.
Ano 20, n. Crise econômica Fracasso escolar: pro-
144, Abril de levou ao fracasso gramado para reprodu- Lenadro Rossa
1982 educacional zir o sistema
Ano 20, n.145, A simplicidade e Lucinda Maria Lo-
Para quem leva a sério
maio de 1982 pureza do sexo. renzoni.
a educação
Namorados, hoje:
Ano 20, n.146, Para onde caminha a Aristides Cimadon
manipulados pelas
julho de 1982. educação?
novelas.
Ano 20, n.147, Escola amordaça o Educação para o tra-
Armindo Cattelan.
Julho de 1982 aluno balho
Ano 20, 148, Pré-escola. Impor- Marizinha Beck
n.148, Agosto tante para o resto da Um desafio: pré-escola Bohn e Vera Lúcia S.
de 1982 vida. Benvenuti
Ano xx, n.149, Ademir Wiederkehr
Trabalhador quer Educação para o
setembro de e José Rodolfo Hess.
sindicado. Livre. amor.
1982
Ano 20, n.
A Igreja e a Educação
150, Outubro Eleições Leandro Rossa
no Brasil.
de 1982.
Ano 20, n.
Os últimos 18 anos Somente a verdade Olírio Plínio Co-
151, Novem-
passados a limpo. liberta. lombo.
bro de 1982.
Fonte: Elaborado pelo autor com base nas edições da Revista Mundo Jovem de 1982.

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D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
Cabe explicar que, de acordo com o Quadro I, havia uma divisão no edi-
torial do MJ entre “tema” e o “título” 8. Tal separação corresponde ao formato
da própria revista. Assim, o “tema” era o assunto principal da revista. Ao me-
nos duas ou três páginas eram dedicadas ao “tema”. Por exemplo, na edição de
Maio, n. 143 de 143, a revista MJ trouxe como “tema” o assunto sobre a cidade
de Lages em Santa Catarina. Pelo Quadro I, o “tema” apareceu como “A força
do povo (no campo e na cidade) por uma vida melhor”. Tratava-se de uma en-
trevista9 com o prefeito a respeito da administração da cidade e o sucesso obtido
na área da saúde, educação, habitação, alimentação, etc.
Ademais, como foi ressaltado anteriormente, a publicação da campanha
“Educação e Fraternidade” iniciou com o esclarecimento editorial que a revis-
ta Mundo Jovem do ano de 1982 privilegiaria a temática da educação. Isso se
mostrou em diversas seções da revista: a parte destinada a documentos da igreja,
entrevistas, sociologia, educação política, problemas brasileiros, entre outros.
Assim, foram publicados nove artigos na seção de educação tratando especifica-
mente das finalidades da educação e seu aspecto reprodutivista.
O primeiro artigo, Gastar ou investir na educação, foi escrito pelo soció-
logo Pedrinho Guareschi na edição de março. Segundo próprio autor, a re-
vista Mundo Jovem se “[...] propõe dentro da Campanha da Fraternidade,
“Educação e Fraternidade”, discutir alguns tópicos sobre essa realidade no
Brasil”. (GUARESCHI, 1982, p.5). O objetivo do respectivo artigo era discutir,
em primeiro lugar, a finalidade da educação e, em segundo, que tipo de escola-
-educação se tinha no Brasil daquele período.
Para tanto, o que se sobressai no artigo são dados estatísticos no IBGE do
ano de 1979 referentes à educação – em que cerca de 50 % da população encontra-
va-se na escola e o resto fora do ambiente escolar – e, principalmente, a concepção
da escola como reprodutora das desigualdades sociais. Não somente isso, na com-
preensão do respectivo autor, os excluídos da escola eram predominantemente os
filhos de “família pobres de camponeses e operários”. A segregação iniciava-se na
escola e arrastava-se, posteriormente, para outros ambientes sociais, como o mer-
cado de trabalho. Frequentar a escola e sair dela em dado momento significava,
nos termos do autor, aprender uma lição: que “valem menos”.
A edição seguinte, número 144 de Abril, trouxe o artigo de Lenadro Rossa
com o título O fracasso escolar: programado para reproduzir o sistema. De início, o tí-
tulo do artigo já demonstra a linha de interpretação adotada: que a educação

8 Outros títulos apareceram nas edições da revista. De um lado, havia o “tema principal” e,
de outro, uma variedade de artigos publicados tratando sobre sociologia, realidade brasi-
leira, documentos da Igreja, etc.
9 Esse modelo de “entrevistas” e a separação de um “tema” principal acompanhou, pois, o
formato do MJ.

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Saberes e Partilhas
reproduz ideias do sistema capitalista. Para corroborar tal perspectiva, o autor
realizou o mesmo procedimento de sociólogo Pedrinho Guareschi ao citar da-
dos estatísticos e contrastar com a realidade no Brasil. No entanto, diferente
do artigo anterior, o objetivo do artigo de Paulo Rossa foi explicar as razões do
fracasso escolar brasileiro.
Embora o aspecto quantitativo seja o mais evidente nos dados estatísticos,
Rossa chama a atenção para outra coisa: o que efetivamente exclui as crianças
e jovens reside, fundamentalmente, no aspecto qualitativo. Nos termos apresen-
tados por Rossa (1982), o qualitativo refere-se, sobretudo, à dimensão cultural.
Desse modo, o entendimento do fracasso escolar passa, necessariamente, pela
explicação da cultura ensinada nas escolas. O autor é enfático em dizer que a
escola é, acima de tudo, o “templo da cultura burguesa” em contraposição à
“cultura do povo”.
Observa-se a tentativa do autor de desconstruir a crença que o fracasso
escolar seria resultado de duas coisas: a incapacidade do aluno de aprender e,
no mesmo sentido, do professor em ensinar. Havia a ideia de que a educação
se fazia exclusivamente “dentro das quatro paredes da escola”. Com tal pressu-
posto, os estudiosos e o governo buscavam explicar que os motivos do fracasso
escolar seriam encontrados dentro da própria escola e não fora dela. Tal crença
foi, segundo Rossa (1982), disseminada no âmago da escola com o objetivo de
mascarar o real motivo do fracasso escolar.
Ora, se nas duas primeiras edições de 1982, o MJ trouxe uma visão críti-
ca-realista e pessimista da educação, o artigo do mês de maio contemplou outro
aspecto: a educação é, sim, reprodutora de desigualdades, mas pode funcionar
como agente de transformação da sociedade. Há, em especial, um destaque ao pa-
pel transformador que a educação pode desencadear. Com o título, Para quem leva
a sério a educação, a autora Lucinda Maria Lorezoni enfatiza que a educação pode
gerar mudanças a partir do momento que considera duas coisas: que o verdadeiro
objetivo da escola é transmitir a cultura e desenvolver, com isso, o educando.
Neste artigo, Lorezoni (1982, p.11) lança uma série de questionamentos
que contemplam basicamente algo: o (s) propósito (s) de se educar. A autora
busca chamar atenção para o impacto da escola na sociedade. Mais do que mera
instituição burocrática e repositório de pessoas, a escola lida com o mundo do
conhecimento, da descoberta, da crítica e, desse modo, da transformação. É di-
fícil pensar uma sociedade sem educação e, igualmente, pensar uma educação
sem compromisso com a sociedade a qual está inserida. Por conseguinte, escola
e sociedade estão intimamente ligadas. Problemas societários afetam, dialetica-
mente, a escola e vice-versa.
O artigo da edição de julho iniciava-se com um profundo questionamento

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
sobre a educação: para onde caminha a educação? De autoria de Aristides
Cimadon e com o título Para onde caminha a educação?, descreveu os objetivos
legais e explícitos sobre a educação ou seja, formação integral da criança e do
adolescente, o desenvolvimento de suas potencialidades, qualificação para o tra-
balho e exercício da cidadania, entre outros aspectos.
O mês seguinte da edição do MJ, julho, foi publicado dois artigos sobre
educação. O título dedicado à educação trouxe o artigo do Armindo Cattelan
chamado Educação para o trabalho. Em termos gerais, a preocupação do autor foi
desconstruir a ideia de “educação para o trabalho” como reduzida ao apren-
dizado de uma técnica especializada. Nessa acepção de educação, a empresa
oferece – ou escolhe – os indivíduos preparados profissionalmente para que,
assim, aumente a produção. Longe desse sentido, Cattelan (1982, p.10) assinala
que “Educação é um processo pessoal e permanente de libertação não apenas de
ensino, seja profissional e muito menos, mera domesticação”.
Numa determinada parte do texto, o autor explica que, muitas vezes, há
certo idealismo nas concepções sobre a educação. Na prática – explica Gattelan
(1982) – as “massas operárias” precisam todas as manhãs vestir seus macacões
de trabalho, acionar as máquinas e rotinizar, por consequência, suas vidas.
Tornam-se, nesse processo, em “objetos instrumentalizados e bem treinados de
produção” (Ibidem). Em face disso, toda a concepção acerca da educação pre-
cisaria reconhecer o cotidiano do trabalhador. O idealismo – ou a concepção de
educação ideal – não ajudaria o trabalhador.
Ademais, o mais interessante no artigo de Gattelan (1982) é a alusão a
“Reforma do Ensino”10 encabeçado pelo regime ditatorial no Brasil. Para tanto,
explica que “[...] é insuficiente e totalmente falha uma Reforma de Ensino vol-
tada unicamente para a profissionalização. Ela responde a nada [...]” (Ibdem).
Portanto, aqui compreendemos com maior clareza as razões do próprio título do
artigo: educação para o trabalho. A respectiva reforma enfatizou, entre outras coi-
sas, a profissionalização como o caminho para a educação brasileira. O objetivo
recaiu basicamente num ensino técnico voltando para o mercado de trabalho.
Na mesma edição apareceu à entrevista com Moacir Gadotti com o tema
Escola amordaça o aluno. Foram cinco perguntas formuladas a respeito da educação

10 Durante o regime ditatorial, houve ao menos duas reformas na educação brasileira. Na


educação superior, a Lei n° 5.540/68 introduziu mudanças na universidade, por exemplo,
a extinção da cátedra, matrícula por disciplina e o sistema de créditos, unificação das
faculdades em universidades, etc. Por outro lado, na educação básica, a Lei n° 5.692/71
para o 1° e 2 ° grau enfatizou o ensino étnico como paradigma para a educação brasileira.
Com isso, introduziu o ensino profissionalizante. Na realidade, foi uma tentativa de unir
a escola secundária com a técnica para que, ao final, o educando saísse com uma “profis-
são”. Além disso, excluiu a Filosofia, Sociologia, História e no lugar promoveu o ensino
da Educação Moral e Cívica.

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
brasileira. De maneira geral, percebe-se que Gadotti buscou responder cada uma
dessas indagações colocando em relevo a realidade do Brasil naquele contexto.
Para Gadotti (1982, p. 12) tornou-se visível que os problemas na educação brasi-
leira existiam porque a “[...] educação neste país não foi considerada como priori-
dade”. A falta de investimentos durante décadas criou problemas que, na década
de 1980 ou até antes, colocaram a educação num impasse: o desenvolvimento
do Brasil havia congelado porque, antes de qualquer coisa, congelou-se os inves-
timentos na educação e gerou, consequentemente, “ a má qualidade de ensino”.
A próxima edição do MJ do mês de agosto trouxe uma temática específi-
ca: a pré-escola. Ora, se até agora se falou das finalidades e limitações da escola
brasileira, o artigo publicado nesse mês contemplou um problema específico.
De autoria de Mariazinha Beck Bohn e Vera Lúcia S. Benvenuti (1982), o artigo
Um desafio: a pré-escola, buscou tratar da pré-escola no Brasil. Nesse sentido, as
autoras explicam que o interesse de discutir o assunto da pré-escola decorreu,
sobretudo, da notícia em 1982 do Ministério da Educação (MEC). Tratava-se
da proposta do MEC de implantar a partir de 1983 um “amplo programa de
ensino pré-escolar, atingindo os quatro mil municípios brasileiros [...]” (BOHN
& BENVENUTI, 1982, p.18).
Para tanto, o objetivo das autoras foi discutir tal projeto do MEC e, com
isso, problematizar a situação da pré-escola no Brasil. Assim, a justificativa do
MEC para criar o projeto baseava-se no fato que a pré-escola não recebeu a de-
vida importância do governo. Inclusive, a própria Constituição não considerava
essa etapa da educação como obrigatória. Por outro lado, a segunda motivação
tratava-se de “carências irrecuperáveis, de ordem nutricional, afetiva e cultural”
identificada na maioria das crianças.
A discussão das autoras inicia-se com a proposta do MEC e amplia-se com
a inclusão do conceito de “educação compensatória”. Desse modo, esclareceram
que “alguns educadores” compreendiam a pré-escola como uma maneira de “[...]
suprir deficiências e desvios do currículo oculto das crianças da classe média e das
crianças de famílias de baixa renda” (Ibidem). Havia o entendimento, portanto,
que a pré-escola seria capaz de solucionar “todos os males” das crianças de baixa
renda. Segundo as autoras, estava implícito em tal conceito uma “tendência de
mitificar” a pré-escola e considerá-la, com efeito, como panaceia dos problemas
no Brasil. Além disso, Bohn e Bevenuti (1982, p.19) alertam que o perigo da edu-
cação compensatória reside no aprofundamento das diferenças. Mais exatamente,
tal perspectiva educacional se fundamenta na crença que as crianças entram a pré-
-escola com “carências irreparáveis” e que, por conseguinte, caberia à instituição
suprir tais necessidades. O perigo é justamente esse: propor uma diferença estaque
entre “crianças carentes” e aquelas “sem carências”.

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Nesse contexto, a edição do mês de setembro abordou a questão da edu-
cação num sentido mais geral. O assunto discutido contemplou a relação entre
amor e educação. De autoria de Ademir Weiderkehr e José Rodolfo Hess (1982),
o artigo Educação para o amor não buscou analisar nenhuma problemática especí-
fica da educação brasileira. O objetivo dos autores recaiu em breves apontamen-
tos acerca da educação baseada no amor ou, melhor dizendo, em afetos.
O artigo iniciou com definições sobre o amor. Assim, Weiderkehr e Hess
(1982, p.11) explicam que normalmente o amor é compreendido como três tipos: o
amor-sexo (eros), amor-amizade (filia) e, por fim, o amor-doação (ágape). Haveria
outra definição mais específica e realista acerca do amor. Segundo os autores, o
amor poderia ser dividido em “afetivo” e “efetivo”. O amo-afetivo basicamente in-
clui o reino dos sentimentos, isto é, das emoções exacerbadas, da hiper motivação
de dois amantes ou, mais simplesmente, o carinho dos pais pelos filhos. Por outro
lado, o amor-efetivo é um sentimento “sem muita poesia nem romantismo. É o pai
que trabalho pesado e chegada cansado [...]; é o líder que é perseguido e torturado
pelo poder e muitas vezes é incompreendido pelos próprios colegas” (Ibidem).
O mais interessante nas definições sobre o amor são os autores citados.
Quer dizer, Weiderkehr e Hess (1982) demonstram que havia uma literatura ex-
tensa acerca do amor. Citam três teóricos: Carl Rogers11, Maslov e Erich Fromm.
Mesmo não aprofundado a concepção de amor desses estudiosos, há ao menos
a explicação da filiação teórica desses autores. Desse modo, Carl Rogers é defi-
nido como “psicólogo”, Maslov de “psicólogo existencialista” e Erich Fromm
como “psicólogo neofreudiano”. Nesse ínterim, importa observar que já na dé-
cada de 1980 tais autores eram, pouco a pouco, incorporados no debate acerca
da educação.
Para tanto, a relação entre amor e educação baseou-se nas concepções
desses teóricos12 e, igualmente, na proposta da Campanha da Fraternidade no
ano de 1982. Esse último aspecto, aliás, foi bastante evidenciado por Weiderkehr
e Hess (1982). Acrescentaram, então, que a Campanha da Fraternidade definiu
que o ator de educar “[...] não é transmitir a outros a forma de ser homem, mas
é o esforço de cada um para fazer-se homem” (Ibidem). Portanto, a “educa-
ção para o amor” seria, na compreensão de Weiderkehr e Hess (1982), uma

11 Carl Rogers (1902-1987) desenvolveu seus estudos no campo da psicologia e destacou-se,


sobretudo, pelo uso da dinâmica de grupos (training group) como proposta terapêutica.
12 Elencam, por sua vez, a concepção de amor desses três autores, quais sejam “O psicólogo
Carl Rogers define o amor como “a aceitação total ou o sentimento que impele um ser
humano para outro, deixando-o livre para crescer”. Maslov, psicólogo existencialista, fala
de “S-Amor” e “D-Amor”. O “S-Amor” é desinteressado, altruísta, voltado para o ser da
outra pessoa. O “D-Amor” é egoísta, possessivo ciumento [...]”. Erich Fromm, psicólo-
go neofreudiano, distingue cinco tipos de amor: fraterno, materno, erótico, próprio e de
Deus” (Ibidem).

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Saberes e Partilhas
educação voltada para vivências e reflexões. O ambiente escolar se tornaria, de
fato, educativo na medida em que aspergia a alegria, a recepção, a amizade entre
alunos e incentivava, por fim, a participação.
A edição de outubro abordou o “tema” das eleições no Brasil. Houve ali
uma tentativa de situar a realidade brasileira no contexto da década de 1980 e,
especialmente, o regime ditatorial. Não por acaso que o editorial daquele mês
trouxe o seguinte questionamento: eleição ou farsa? Explicaram que “O Grupo
que se instalou no poder [os militares] há dezoito anos tem um tema bem defi-
nido: continuar a dirigir os destinos deste país” (MUNDO JOVEM, 1982, p.4).
Além disso, outro artigo do jornal intitulado Partidos políticos brasileiros: da inter-
dependência aos nossos dias de autoria de Joaquim José Felizardo mostrou que,
a partir de 1964, o quadro partidário no Brasil sofreu profundas transforma-
ções. Os passos nessas mudanças foram, segundo o autor, resultados do Ato
Institucional n°2 pelo qual extinguiu “todos os partidos então existentes”.
Por sua vez, o “título” dedicado à educação analisou a relação da Igreja
Católica com a educação Brasil. Intitulado A igreja e a Educação no Brasil de
Leandro Rossa – o mesmo autor havia publicado em 1982 outro artigo sobre a
educação, Fracasso escolar: programado para reproduzir o sistema, e que já analisa-
mos no presente estudo – buscou analisar a história da educação brasileira com
base num aspecto: a atuação da Igreja Católica.
O primeiro parágrafo do texto lança as teses do autor: ora, se o Brasil tinha
cerca de 500 anos desde a conquista pelos portugueses, a Igreja acompanhou a
ocupação do território e atuou, principalmente, como agente educador. Essa é a
primeira consideração do autor (o primado da Igreja na educação). A segunda,
por outro lado, mostra que no decorrer dos anos a Igreja foi se consolidando e,
em 1980, era possível observar “[...] um projeto alternativo de educação para a
sociedade brasileira: a educação libertadora” (ROSSA, 1982, p.14).
Por fim, a última edição do MJ de 1982 foi publicada em novembro. Com
o “tema” Os últimos 18 anos passados a limpo contou com um texto de Argemino
J. Brum acerca da “realidade brasileira”. Especialista em histórica econômica,
o dito autor havia publicado naquele mesmo ano o livro “O Desenvolvimento
Econômico do Brasileiro”. Tratava-se, em geral, de um estudo dos modelos eco-
nômicos pelos quais o Brasil se baseou ao longo de sua história. No MJ, do texto
de Brum retomou as principais teses de seu livro e analisou, além disso, as ca-
racterísticas do modelo de desenvolvimento adotado pelos militares enfatizando
“os altos custos sociais decorrentes deste modelo que se fundamenta numa visão
economista” (BRUM, 1982, p.11).
No mesmo sentido, a edição de novembro trouxe, entre outras coisas, uma
discussão das eleições de 1960 e o governo de Juscelino Kubitschek, o retorno

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do ensino de Filosofia no 2° grau, propostas de análise literária, documentos da
Igreja, etc. O próprio MJ publicou nesta edição um artigo pelo qual problema-
tiza as eleições de 1982. Mais exatamente, em 1982 ocorreriam as eleições para
governador, senador, prefeito, deputado federal e estadual e para vereador13.
Para tanto, a parte dedicada à educação tratou de analisar a relação do
estatuto de verdade com a proposta de liberdade ou, dito de outra forma, o
conceito de “educação para a liberdade”. De autoria de Olírio Plínio Colombo,
Somente a verdade liberta, retomou o objetivo da Campanha da Fraternidade –
cujo lema era “A verdade vos libertará – daquele ano e buscou contextualizá-la
com a educação. Na realidade, pode-se dizer que o texto de Colombo se preo-
cupou mais com o sentido cristão do termo “educação e liberdade” do que pro-
priamente uma discussão no aspecto secular. Aqui, aliás, vale a pena lembrar o
que havíamos afirmado no início: o MJ buscou coadunou temas religiosos com
temas seculares. Por conseguinte, não estranha o fato que, muitas vezes, temas
tidos como seculares fossem tratados sob o prisma religioso14.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do que foi analisado e discutido até agora, talvez se possa dizer que a
história do jornal Mundo Jovem se confundiu, parcial ou integralmente, com a
história do Brasil contemporâneo. Ou seja, o período que se inicia em 1960 com
o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), passando pelo regime civil-mili-
tar (1964-1985), a redemocratização do Brasil, (a partir de1985), a introdução do
plano real em 1994, entre outros acontecimentos. Tais momentos e conjunturas
político-econômicas foram registrados nas páginas do jornal, especialmente às
questões ligadas à educação brasileira.
O estudo do jornal no período ditatorial nos mostra, em primeiro lugar,
que a década de 1980 foi marcada por uma “abertura gradual” sob o governo
de João Figueiredo (1979-1985). Desse modo, a publicação do Jornal Mundo
Jovem indiciou que, a partir daquele período, a censura do governo aos meios de
comunicação diminuiu radicalmente. Os temas debatidos na revista, com ampla
influência da teoria marxista e da Teologia da Libertação, deixaram transparecer
que o jornal atuou, sobretudo, como denunciante e crítico do regime ditatorial.
Vale dizer que tal abertura política foi, aliás, um dos motivos pelo qual o
próprio Mundo Jovem circulou pelo Brasil e abordou temas ligados à política

13 Tais eleições ocorreram, de fato, no dia 15 de novembro de 1982.


14 A edição de 1982 é significativa nesse sentido, pois ao debater questões sobre a política e a
educação, o MJ começou a se afastar relativamente de temas religiosos para se firmar, nos
anos posteriores, como uma revista educacional, ou seja, preocupada com questão acerca
da educação.

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Saberes e Partilhas
e a esfera econômica. Nesse sentido, o tema da educação foi um dos objetivos
do jornal no ano de 1982. Ancorados na Campanha da Fraternidade daquele
ano, o MJ discutiu uma variedade de temas educacionais, sobretudo as fina-
lidades da educação e seu aspecto reprodutivista. Por exemplo, artigos como
de Pedrinho Guareschii, Leandro Rossa, Amindo Cattelan e até a entrevista
de Moacir Gadotti analisaram, com efeito, a educação brasileira no contexto
da década de 1980. No mesmo sentido, termos como “fracasso escolar”, “re-
produção social”, “desigualdade”, “ensino tecnicista”, “alienação” apareceram
abundantemente nos textos do jornal. Urgia, sobretudo, denunciar a proposta
do governo ditatorial do ensino profissionalizante introduzido pela reforma da
educação básica e do ensino superior.
Conforme já explicava Souza (2013) no seu estudo acerca do jornal, o
uso do nome “Mundo Jovem” em 1967 assinalou o abandono parcial de “temas
vocacionais” para “temáticas seculares” ou, mais exatamente, temas preocu-
pados com a realidade social brasileira e latino-americana. Não por acaso que,
pouco a pouco, os temas se dilataram e contaram com artigos transversais sobre
sexualidade, comunicação, política, direitos humanos, entre outros. Nesse in-
terim, inserir artigos sobre a educação foi, entre outras coisas, uma maneira de
compreender e dar visibilidade para a própria realidade do Brasil no contexto de
1980 e, com isso, se posicionar criticamente. Além disso, o Jornal Mundo Jovem
se constituiu como uma fonte importante para o estudo da História da Educação
brasileira no período da ditadura.

REFERÊNCIAS
AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa e Estado autoritário
(1968- 1978). Bauru: EDUSC, 1999.
BENVENUTI, Vera Lúcia S. BOHN, Marizinha Beck. Um desafio: pré-escola.
In: Jornal Mundo Jovem. Porto Alegre, ano 20, n.148, p.18-19, Agosto. 1982.
CATTELAN, Armindo. Educação para o trabalho. In: Jornal Mundo Jovem.
Porto Alegre, ano 20, n.147, p.11, julho. 1982.
CIMADON, Aristides. Para onde caminha a educação? In: Jornal Mundo Jo-
vem. Porto Alegre, ano 20, n.146, p.5, julho. 1982.
COLOMBO, Olírio Plínio. Somente a verdade liberta. In: Jornal Mundo Jo-
vem. Porto Alegre, ano 20, n.151, p.10, novembro. 1982
GUARESCHI, Pedrinho. Gastar ou investir na educação? In: Jornal Mundo
Jovem. Porto Alegre, ano 20 , n. 143, p.5 março. 1982.
HESS, José Rodolfo. WIEDERKEHR, Ademir. Educação para o amor. In:
Jornal Mundo Jovem. Porto Alegre, ano 20, n.149, p.11, setembro. 1982.

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JOVEM. Mundo Jovem. Campanha Educação e Fraternidade. Porto Alegre,
1982, edições 02-10.
LORENZONI, Lucinda Maria. Para quem leva a sério a educação. In: Jornal
Mundo Jovem. Porto Alegre, ano 20, n.145, p.11, Maio. 1982.
ROSSA, Leandro. Fracasso escolar: programa para reproduzir o sistema. In:
Jornal Mundo Jovem. Porto Alegre, ano 20, n.144, p. 12-13. abril. 1982.
ROSSA, Leandro. A Igreja e a educação no Brasil. In: Jornal Mundo Jovem.
Ano 20, n.150, p.14-15, Outubro. 1982.
SOUZA, Rui Antônio de. Ideias de educação na comunicação do Jornal
Mundo Jovem: 1963 a 2005. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Comuni-
cação Social, PUCRS, 2008.

22
TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS E SUAS
MANIFESTAÇÕES NO CURRÍCULO: UM OLHAR
SOBRE A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA NO
PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS SUJEITOS
Eunice Nóbrega Portela1
Dirce Maria da Silva2

1 INTRODUÇÃO

A Pedagogia se posiciona a partir de concepções filosóficas, critérios e


especificidades concernentes a cada época. As Tendências Pedagógicas, por
consequência, estão inseridas em vertentes educacionais, correntes filosóficas,
momentos históricos e políticos que refletem um fazer educacional com objeti-
vos específicos.
As tendências pedagógicas se constituem em campos que refletem as teo-
rias que as embasam. A história delas está relacionada ao aparecimento mesmo
do ensino, no decorrer do desenvolvimento da sociedade, que de forma simul-
tânea desenvolve atividades intencionais e planejadas voltadas ao ensinar e ao
aprender. Conforme Sacristán (1998) e Silva (2004), há concomitâncias nas ar-
ticulações entre currículo, tendência pedagógica e práxis docente, que são ressig-
nificadas conforme interesses do contexto social.
Existe o consenso entre educadores de que a educação tem como pro-
pósito formar determinado tipo de homem. Moacir Gadotti destaca que “a
educação, como fato existencial, refere-se ao modo como as ações exteriores

1 Doutora em Educação com ênfase em Psicologia Social pela Universidade de Brasília.


Mestre em Educação. Pós-Graduada em Administração Escolar, Psicopedagogia Clíni-
ca e Institucional e Neuropsicologia Clínica. Especialista em Orientação Educacional.
Graduada em Pedagogia pela Universidade de Brasília. Pós-Doutorado Profissional em
Psicanálise. Escritora, Pesquisadora, Palestrante, Consultora Educacional e Empresarial,
Docente Universitária; Psicanalista Clínica. E-mail: [email protected].
2 Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Violência pelo Centro Universitário Euroame-
ricano/DF. Pós-Graduada em Gestão Pública e Negócios pelo IFB-Instituto Federal de
Brasília; Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional; Língua Inglesa; Educa-
ção a Distância. Graduada em Letras Português/Inglês com suas respectivas Literaturas;
Graduada em Pedagogia – Séries Iniciais/Supervisão e Orientação. Bacharel em Adminis-
tração. Professora universitária e da Educação Básica. Pesquisadora. E-mail: profdircesa-
[email protected].
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configuram o homem em toda sua realidade”.
Por conseguinte, a Educação para o humano e para a sociedade requer aná-
lises, revisões e críticas sobre as tendências que orientam o contexto educacional,
pois, embasar ações educativas nos levam, necessariamente, a nos posicionar tam-
bém quanto a pressupostos filosóficos e políticos que nortearão o direcionamento.
As Tendências Pedagógicas se agruparam, ao longo da história, em dois
grandes blocos: o grupo das Tendências Pedagógicas Liberais, que comportam a
Tendência Tradicional, a Pedagogia Renovada Progressivista, a Tendência Não
Diretiva e a Tendência Tecnicista. Já o grupo das Tendências Progressistas, compor-
ta a Tendência Libertadora, a Libertária e a Tendência Crítico-Social dos Conteúdos.
Conforme Saviani (1994), faz-se necessário incentivar modos de concep-
ção escolar que defendam ação educativa politicamente articulada, para a busca
de uma formação voltada à construção da autonomia e da transformação.
Considerando esse enquadramento teórico inicial, o presente texto deli-
neia uma revisitação a olhares que convergem para a importância da Pedagogia
Histórico Crítica, concebida como orientadora de práticas docentes comprome-
tidas com a ruptura de paradigmas alienantes, que promovem apenas a reprodu-
ção acrítica de modelos de comportamentos.

2 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS, PRÁXIS E FORMAÇÃO

Sacristán (1998) esclarece que “as práticas e as palavras têm sua história
e refletem as atividades nas quais forjaram os significados que arrastam até nós,
projetando-se em nossas ações e pensamentos, na forma de dar sentido à expe-
riência” (SACRISTÁN, 1998, p. 119).
Por sua vez, Saviani (1985) explica que “os tipos de homens os quais o
processo educativo pretende formar variam de acordo com as exigências das
diferentes e respectivas épocas”. Logo, a educação tem relação direta com a rea-
lidade vivenciada pelo ser humano e atende a interesses pertinentes ao contexto
em que ele vivencia.
Nesse sentido, conforme Gadotti (1995) e Pinto (1982), “a educação é um
fato existencial e refere-se, pelas ações exteriores que sofre, a como o homem se
faz ser homem”, ou seja, a educação configura o homem em toda sua realidade
(PINTO, 1982; GADOTTI, 1995, p. 251).
Nesse mesmo sentido, Jacques Delors (2002), ao falar sobre a Educação
para o Século XXI, alerta a respeito do mecanismo e finalidades da educação,
A educação não serve apenas para fornecer pessoas qualificadas ao mun-
do da economia: não se destina ao ser humano enquanto agente econô-
mico, mas enquanto fim último do desenvolvimento. Desenvolver os ta-
lentos e as aptidões de cada um corresponde, ao mesmo tempo, à missão

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Saberes e Partilhas
fundamentalmente humanista da educação, à exigência da equidade que
deve orientar qualquer política educativa e às verdadeiras necessidades de
um desenvolvimento endógeno, respeitador do meio ambiente humano e
natural, e da diversidade de tradições e culturas (DELORS et al, 2002, p.
85).

Assim, uma proposta educativa deve seguir postura axiológica, ou seja,


deve buscar, primeiramente, o conhecimento do ser humano, sua natureza, sua
complexidade, valores que norteiam sua convivência, costumes, crenças e con-
texto em que se situa, considerando a multiplicidade de elementos afeitos às ne-
cessidades humana que, ao se relacionarem com o ser, passam a ter significados
e valores determinados (GADOTTI, 1995; DELORS, 2002; COSTA, 2006).
Portanto, a educação é fenômeno cultural que acontece em função dos co-
nhecimentos, experiências, práxis, usos, crenças e valores transmitidos. Das neces-
sidades que dela emergem, são determinados os métodos pedagógicos utilizados;
logo, a educação não ocorre sem estar fundamentada em princípios ideológicos
que justifiquem suas ações (PINTO, 1982; GADOTTI, 1995; COSTA, 2006).
Na história da educação brasileira, registram-se concepções diversas,
agrupadas em duas grandes linhas de pensamento pedagógico: as Tendências
Liberais e as Tendências Progressistas. Conforme Silva (2004), cada uma dessas
vertentes organiza e estrutura nossa forma de ver a realidade por meio dos con-
ceitos e concepções que elas empregam.
As Tendências Pedagógicas Liberais, ou Pedagogia Liberal, represen-
taram o movimento mais tradicional do ensino, sobretudo nas suas vertentes
Tradicional e Tecnicista. Vigentes dede o início do século XX, a característica
principal dessa tendência ou pedagogia é a concepção de que a função da escola
é preparar os indivíduos para cumprir papéis sociais.
As Tendências tradicionalistas davam ênfase à figura do professor e às
matérias de ensino. Os estudantes deveriam adaptar-se aos valores e normas
vigentes na sociedade de classe. Nessa abordagem não são consideradas as dife-
renças e desigualdades sociais.
Nas Tendências Liberais, além das vertentes Tradicional e Tecnicista,
tem-se as Pedagogias Renovada Progressivista e Renovada Não Diretiva. Nessas
tendências o currículo caracteriza-se por acentuar o ensino de cultura geral.
Mantenedoras do status quo, são abordagens ou teorias não críticas, com uma
escola preparadora de indivíduos para o exercício de papéis sociais que justifi-
quem o sistema capitalista.
Nesse contexto, conforme Vilarinho (1979), “as técnicas de ensino eram
eminentemente verbalistas, de caráter dogmático e cunho predominantemente
intelectual”, isto é, com ensino centrado no professor, que se limitava a desen-
volver aulas expositivas, com uma interação centrada numa base de perguntas e

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respostas, de vertente apenas conceitual.
Já as Tendências de cunho progressista foram adquirindo maior destaque
e solidez a partir da década de 1980, período dominado pelas Teorias Críticas.
Segundo José Carlos Libâneo,
A Pedagogia Progressista parte de uma análise crítica das realidades so-
ciais e sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educa-
ção. Nessas tendências, a educação possibilita a compreensão da realidade
histórico-social, explicando o papel do sujeito como um ser que constrói
sua realidade, pois assumem um caráter pedagógico e político ao mesmo
tempo (LIBÂNEO, 1990).

Dividida em Tendência Libertadora, Libertária e Critico social dos con-


teúdos, as Tendências Pedagógicas Progressistas também apresentam especifici-
dades em relação ao papel da escola, aos conteúdos, ao currículo, aos métodos,
e também na relação professor x aluno e aprendizagem.
As Tendências Progressistas Libertadora e Libertária têm em comum a
defesa da autogestão pedagógica e do antiautoritarismo. Na escola Libertadora,
conhecida também como a Pedagogia de Paulo Freire, encontra-se a conexão
entre a educação para a luta e para a organização de classe.
Gadotti (1995), aponta que Paulo Freire considerava em sua pedagogia que
o ato de conhecimento na relação educativa não devia ser meramente informativo,
porque “o conhecimento acrítico não transforma”. Deve, portanto, vir acompa-
nhado da reflexão crítica sobre a realidade, em uma união imprescindível para que
o sujeito elabore uma nova teoria do conhecimento. Freire defende que os oprimidos
devem adquirir uma nova estrutura do conhecimento que lhes possibilite reelaborar e
reordenar seus próprios conhecimentos e apropriar-se de outros.
Paulo Freire (1996) afirma que na perspectiva da luta de classes, o saber
mais valioso para o oprimido é o descobrimento das suas circunstâncias, condi-
ção para libertar-se da opressão política e econômica. Isso ocorre por meio da
consciência crítica individual, juntamente com a organização de classe. Assim,
a Pedagogia Libertadora extrapola sua natureza, adentrando também no campo
da economia, da política e das ciências sociais.
A Tendência Progressista Crítico-Social dos Conteúdos difere da Libertadora
e Libertária, pois prioriza os conteúdos na sua comparação com as realidades so-
ciais. O papel da escola no contexto da Crítico-Social, incide na preparação do
aluno para a vida adulta e as contradições existentes nas realidades sociais, for-
necendo-lhe instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da socialização,
para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade.
Nessa abordagem, adota-se o princípio da aprendizagem significativa, partin-
do do conhecimento dos sujeitos, pois considera-se que a transferência da apren-
dizagem só se concretiza no momento da síntese, ou seja, quando ocorre a
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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
superação da visão parcial e confusa do sujeito e este adquire uma compreensão
mais clara e contextualizada de mundo (LIBÂNEO, 1990).
A Tendência Crítico Social representa um marco na educação brasileira.
É sinônimo de luta por parte dos educadores comprometidos na superação da
prática tradicional e não-crítica, a-histórica ou simplesmente reprodutivista, na
medida em que esses modelos deixam o educando em uma zona de passividade,
o que leva à formação de homens e mulheres submissos, capazes de apenas re-
produzir as relações sociais. É contra, sobretudo, a um entendimento de ensino
centrado na figura do professor (SAVIANI 2007).
A Pedagogia Histórico-Crítica tem seus fundamentos calcados no
Materialismo Histórico Dialético, corrente que passa a tomar corpo em solo
brasileiro a partir da década de 1980, focada nas questões educacionais, sobretu-
do voltada aos problemas daquele conturbado contexto social brasileiro.
A Tendência Crítico-social dos Conteúdos é contra hegemônica. Essa
corrente traz como objetivo a proposta de reflexões e mudanças na educação,
a fim de criar os meios necessários para a construção de sujeitos críticos, que se
encontram nas instituições educacionais e atrelados a representações das quais
são partes integrantes.
Dermeval Saviani nos fala sobre um conjunto de fatores que marcaram a
década de 1980 como um momento privilegiado para a ascensão de propostas
novas na Educação:
O processo de abertura democrática de gestões municipais às prefeituras e
aos governos estaduais de candidatos pertencentes a partidos de oposição
ao governo militar; a campanha reivindicando eleições diretas para pre-
sidente da República; a transição para um governo civil em nível federal;
a organização e mobilização dos educadores; as conferências brasileiras
de educação; a produção científica crítica desenvolvida nos programas de
pós-graduação em educação; o incremento da circulação de ideias pedagó-
gicas propiciado pela criação de novos veículos (SAVIANI, 2007, p. 79-80)

Nesse sentido, a Pedagogia Histórico-Crítica pode ser compreendida


como sinônimo de Pedagogia Dialética. Mas Saviani resolveu privilegiar a de-
signação Histórico-crítica, apenas, por considerar que o termo “dialética” as-
sumia uma dimensão muito genérica. Saviani esclarece que há na concepção
Histórico-crítica,
O empenho em compreender a questão educacional com base no desenvol-
vimento histórico objetivo. Portanto, a concepção pressuposta nesta visão
da Pedagogia Histórico-Crítica é o materialismo histórico, ou seja, a com-
preensão da história a partir do desenvolvimento material, da determinação
das condições materiais da existência humana (SAVIANI, 2007, p. 76).

Para Saviani, a Pedagogia é histórica, porque interfere sobre a sociedade,

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contribuindo com a sua transformação. Da mesma forma, pode-se inferir que
ela é também crítica, por ter consciência da determinação exercida pela socieda-
de sobre a educação. A Pedagogia Histórico-Crítica surge, assim, da necessidade
de contrapor a falta de consciência histórico-social das práticas pedagógicas até
então conhecidas no Brasil.
A Pedagogia Histórico-Crítica tem como desígnio estimular a atividade e
a ação do educador, defendendo o diálogo entre os educadores e os educandos,
considerando suas experiências históricas e sociais, sem perder o foco da siste-
mática, da lógica dos conhecimentos, suas ordenações e conteúdo.
Nessa proposta, existe a convicção de que o conhecimento se constrói,
necessariamente, a partir da base material e social. Para Saviani (2007) “é a
existência social dos homens que provoca o conhecimento; trazer para a sala de
aula as experiências da realidade concreta dos educandos é colocá-los no centro
do processo de aprendizagem”.
Para ressaltar um pouco mais a importância da Pedagogia Crítica, Saviani
(1991) explica que, “a sociedade é construída em contextos históricos, socioeconô-
micos e políticos marcados por processos de colonização e dominação. Estamos,
portanto, no terreno das desigualdades, das identidades e das diferenças”.
Portanto, não se pode olvidar que a visão de homem e sociedade é fruto
de construções historicamente situadas e, conforme Silva (2007, p. 15), “a cada
um desses “modelos” de ser humano corresponderá um tipo de conhecimento,
um tipo de currículo” e como consequência, uma configuração de homem, com
mentalidade e valores determinados.

3 POR UMA PEDAGOGIA HISTÓRICA, CRÍTICA E SOCIAL DOS


CONTEÚDOS

A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos defende a articulação dos con-


teúdos como forma de possibilitar a assimilação ativa, com base no confronto
com as realidades sociais. Conforme esclarece Luckesi (1994), ela propõe “uma
síntese reparadora das Pedagogias Tradicional e Renovada, valorizando a ação
pedagógica enquanto inserida na prática social concreta” (LUCKESI, 1994, p.
64; COSTA, 2006).
Essa concepção pedagógica privilegia a aquisição do saber, vinculado às
realidades sociais, favorecendo a correspondência dos conteúdos com os interes-
ses dos alunos, fazendo-os reconhecê-la como auxílio à compreensão da realida-
de prática social. No contexto da Pedagogia Crítico-Social, a relação professor-
-aluno resulta de trocas e da interação entre o meio, o contexto natural social,
cultural e o sujeito; com o professor exercendo o papel de mediador em torno
da análise dos conteúdos (SAVIANI, 1991; LUCKESI, 1994; COSTA, 2006).

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
Para a Pedagogia Histórico-Crítica, o processo educativo deve ocorrer em
sua totalidade, gerando uma visão ampla e complexa, relacionando os conteú-
dos com o processo de formação do sujeito (educando) com o cotidiano no qual
ele está inserido (sociedade).
Nesse contexto pedagógico, considera-se que todos os sujeitos envolvi-
dos têm uma carga social e histórica. Compreende-se que o ato educativo deve
ocorrer em sua totalidade, tornando o ato de ensinar um processo de desenvolvi-
mento histórico-social, superando uma educação compartimentada e simplista
(SAVIANI, 1991; LUCKESI, 1994; BOHRER, 2017, p. 7).
Dessa forma, a Pedagogia Histórico-Crítica pretende integrar os envolvi-
dos no processo educacional (docentes e discentes) para que, através da apro-
priação do conhecimento consigam ressignificar o ato de ensinar e aprender.
Quando se proporciona uma sala de aula Histórico-Crítica, está-se captando o
fenômeno educativo na sua realidade constitutiva, de maneira completa e dialé-
tica, percebendo as interligações das partes com o todo, ou seja, trata-se de com-
preender o fenômeno educativo em e para suas relações sociais.
Cipriano Luckesi reafirma que “aprender dentro da visão da Pedagogia
Crítico-Social dos Conteúdos, é desenvolver a capacidade de processar informa-
ções e lidar com os estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da
experiência” (LUCKESI, 1994, p. 72).
E ainda de acordo com Saviani (1991),
A Pedagogia Crítica implica a clareza dos determinantes sociais da educa-
ção, a compreensão do grau em que as contradições da sociedade marcam
a educação e, consequentemente, como é preciso se posicionar diante des-
sas contradições e desenredar a educação das visões ambíguas, para perce-
ber claramente qual é a direção que cabe imprimir à questão educacional
(SAVIANI, 1991, p. 103).

Assim, a aprendizagem significativa na Pedagogia Crítico-Social dos


Conteúdos, considera, como passo inicial, o que o aluno já sabe e, com base em
novos conceitos, incentiva a superação da sua visão parcial, para que adquira
visão mais clara e crítica.

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Tratou-se neste texto sobre as concepções e tendências pedagógicas da


Educação no Brasil, discorrendo mais especificamente sobre a Pedagogia Crítico-
Social dos Conteúdos e sua importância no processo de formação dos sujeitos.
Tal necessidade se dá em função da relevância do assunto para a área
educacional, sobretudo no que diz respeito às Tendências Progressistas, e tam-
bém, porque as tendências norteiam o trabalho do educador, auxiliando-o na

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estruturação do processo de ensino.
Por conseguinte, uma formação humana e social para o homem, o cidadão
que se quer desenvolver, perpassa pela compreensão do sentido político e social
em que se está inserido, pois, como afirma José Carlos Libâneo, “aprender é um
ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real vivida pelo edu-
cando, e só tem sentido se resultar de uma aproximação crítica dessa realidade”.

REFERÊNCIAS
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dências pedagógicas e práxis docente: constituição e influência. Revista Espa-
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REDDEN, J. D.; RYAN, F. A. Filosofia da educação. 5. ed. Rio de Janeiro:
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30
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
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Ernani F. da F. Rosa.4. ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998, 396p.
___ . Poderes instáveis em educação. Trad. Beatriz Affonso. Porto Alegre:
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VILARINHO, L. R. G. Didática: temas selecionados. Rio de Janeiro:
LTC,1979.

31
CULTURA E FORMAÇÃO CULTURAL
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Graciela Mendes Nogueira Targino1
Keyla Andrea Santiago Oliveira2

“A recusa da inessência dominante da cultura pressupõe que nela se participe o


suficiente para a sentir, por assim dizer, palpitar entre os próprios dedos, mas que
ao mesmo tempo dessa participação se extraiam forças para a denunciar.”
(ADORNO)

No Brasil, muitos documentos que regem a educação valorizam o trabalho


com a diversidade cultural nas escolas. A Constituição Federal (1988), em seu
artigo nº. 215, garante os direitos culturais a todo cidadão brasileiro. O Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) (1990), em seu artigo nº 58, aponta a neces-
sidade de se respeitar os valores culturais no processo educativo das crianças. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) também deixam claro que:
Mesmo em regiões onde não se apresente uma diversidade cultural tão acen-
tuada, o conhecimento dessa característica plural do Brasil é extremamente
relevante, pois, ao permitir o conhecimento mútuo entre regiões, grupos e
indivíduos, consolida o espírito democrático. (BRASIL, 1997, p. 123).

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI)


também enfatiza a necessidade de: “valorização do patrimônio cultural do seu
grupo social e interesse por conhecer diferentes formas de expressão cultural.”
(BRASIL, 1998, p. 182).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)
defendem que:
As propostas pedagógicas devem respeitar os seguintes princípios: Éticos: da
autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum,
ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. [...] es-
téticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expres-
são, nas diferentes manifestações artísticas e culturais. (BRASIL, 2010, p. 16).

Dessa maneira, a legislação brasileira apresenta a necessidade do trabalho

1 Mestre em Educação. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Contato:


[email protected]
2 Doutora em Educação. Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Contato:
[email protected]
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
com as variadas culturas na escola. Conhecer a própria cultura, e a de seu povo,
faz-se essencial para que os indivíduos sintam-se parte integrante dela e, portan-
to, também criadores da cultura de seu povo. Esses elementos contribuem para
que os sujeitos entendam a necessidade de manterem vivas as culturas, a fim de
que possam respeitar e valorizar as culturas dos diferentes povos.
Quando se trata de criança e cultura não há como perder de vista a brinca-
deira como elemento cultural. A atividade principal das crianças é a brincadeira,
não pela frequência com que elas brincam, mas pela influência que a brincadeira
pode trazer ao desenvolvimento infantil. Através da brincadeira a criança se ex-
pressa, aprende, cria, imagina, recria o mundo, realiza interações (com outras
crianças, adultos, o meio, materiais, entre outros) e essas interações contribuem
na garantia de experiências brincantes ricas. A criança, nesse contexto, aprende
a brincar. Convivendo, interagindo e participando, as crianças reproduzem e
criam brincadeiras. Dessa forma, defendemos a brincadeira como parte inte-
grante da cultura. Quando as crianças brincam, reproduzindo e criando, elas
estão preservando ou construindo cultura lúdica.
A cultura lúdica engloba vários elementos, entre eles, brincadeiras, brin-
quedos, objetos, entre outros. Nesse sentido, quais materiais podem ser conside-
rados brinquedos para as crianças? Serão apenas os industrializados ou aqueles
artesanais, feitos por pais e professoras com sucata? Defendemos que seu corpo,
o adulto, outra criança, o lençol, a fronha, o travesseiro, a fralda, o colchão, as
folhas da árvore, água, areia, pedra, vento, sombra, latas, pedaços de madeira,
bolas, móbiles, módulos, ou seja, uma infinidade de possíveis brinquedos podem
ser criados e mediar as brincadeiras.
Frequentemente o brincar ocupa um lugar muito marginalizado nas es-
colas. As crianças são incentivadas a realizar suas “atividades pedagógicas” e,
após cumprirem suas obrigações, podem brincar, e esse brincar muitas vezes se
resume em escolher um jogo ou brinquedo disponível em sala. Portanto, perce-
bemos a necessidade do professor entender o brincar como um saber que produz
conhecimento. O brincar é uma construção social que permite que o sujeito de-
senvolva a linguagem, a capacidade de resolução de problemas, a criatividade, a
coordenação motora, entre outros aspectos.
Para Vigotski (2007):
Da mesma forma como, no início, foi possível demonstrar que qualquer
situação imaginária contém regras ocultas, demonstrou-se também o in-
verso: que qualquer brincadeira com regras contém em si uma situação
imaginária oculta. O desenvolvimento que parte de uma situação imaginá-
ria às claras e regras ocultas para a brincadeira com regras às claras e uma
situação imaginária oculta compõe os dois polos, demarca a evolução da
brincadeira infantil. (VIGOTSKI, 2007, p. 28).

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
As brincadeiras, para o autor, carregam em seu bojo elementos essenciais
para o desenvolvimento humano. A criança vive diferentes papéis ao brincar, e
ao sair da brincadeira ela estará mudada, visto que aprendeu uma nova maneira
de ser, de falar, de estar, de agir e de ver o mundo à sua volta. O brincar se cria
e se aprende. Ao brincar, o faz-de-conta funde-se com a realidade e as crianças
constroem saberes e vão se constituindo como sujeitos. Nesse sentido, os adultos
têm papel essencial em ensinar as crianças a brincar, a interagir e motivar essa
atividade lúdica, no entanto, as crianças constroem seus significados, modificam
e criam novas formas de brincar e pensar o mundo real. As brincadeiras passam,
assim, a ganhar vida e não se mostram apenas como um saber transmitido para
as crianças e sim como um saber construído também por elas.
Através da brincadeira, a criança tem a possibilidade de experimentar no-
vas formas de ação, exercitá-las, ser criativa, imaginar situações e reprodu-
zir momentos e interações importantes de sua vida, ressignificando-os. Os
jogos e as brincadeiras são uma forma de lazer no qual estão presentes as
vivências de prazer e desprazer. Representam uma fonte de conhecimento
sobre o mundo e sobre si mesmo, contribuindo para o desenvolvimento de
recursos cognitivos e afetivos que favorecem o raciocínio, tomada de deci-
sões, solução de problemas e o desenvolvimento do potencial criativo. A
brincadeira assume um papel essencial porque se constitui como produto
e produtora de sentidos e significados na formação da subjetividade da
criança. (PEDROZA, 2019 p. 62).

Assim, uma brincadeira de peteca pode se transformar em pega-pega de


quem está com a peteca; uma brincadeira de faz-de-conta pode se transformar
em uma cena vivida em casa; pecinhas de um jogo para montar edifícios podem
virar aviões. A maneira como a criança brinca pode indicar muito sobre suas
vivências. Nesse sentido,
A vivência é uma unidade na qual, por um lado, de modo indivisível, o
meio, aquilo que se vivencia está representado - a vivência sempre se liga
àquilo que está localizado fora da pessoa e, por outro lado, está representado
como eu vivencio isso, ou seja, todas as particularidades da personalidade e
todas as particularidades do meio são apresentadas na vivência, tanto aqui-
lo que é retirado do meio, todos os elementos que possuem relação com
dada personalidade, como aquilo que é retirado da personalidade, todos os
traços de seu caráter, traços constitutivos que possuem relação com dado
acontecimento. Dessa forma, na vivência, nós sempre lidamos com a união
indivisível das particularidades da personalidade e das particularidades da
situação representada na vivência. (VIGOTSKI, 2010, p. 686).

Cada criança possui sua personalidade, suas singularidades e suas vivên-


cias. Por isso, as experiências são individuais, cada criança vivencia uma dada
brincadeira de maneira única. O brincar é uma forma de representação, é a lin-
guagem da qual a criança mais se apropria para expressar-se e atribuir sentidos

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
às suas experiências. Através das relações que a criança estabelece na brincadei-
ra, ela amplia suas possibilidades de exploração, aprendizagem e desenvolvi-
mento. Para que haja a compreensão desses elementos, as ideias sobre cultura,
criança e brincadeiras precisam ser consideradas.
A cultura é uma palavra que vem sendo compreendida de diversas ma-
neiras, apresentando conceitos transitórios de acordo com valores ideológicos,
temporais e locais. Para Eagleton (2011):
A própria palavra ‘cultura’ compreende uma tensão entre fazer e ser feito,
racionalidade e espontaneidade, que censura o intelecto desencarnado do
iluminismo tanto quanto desafia o reducionismo cultural de grande parte
do pensamento contemporâneo. (EAGLETON, 2011, p. 14).

Assim, ao pensar a cultura, e as categorias que a ela se relacionam, per-


cebemos que a palavra “tensão” talvez possa ajudar no desenvolvimento do
sentido do ponto de vista crítico. Tensão entre criar e repetir, entre técnica e
sensibilização, entre diversão sem conteúdo e humanização, entre manifestação
espontânea e barbárie, entre interesses, poderes, saberes e pensamentos. No en-
tanto, manifestações espontâneas de cultura vêm sendo banalizadas nos tempos
atuais, que enaltecem manifestações pensadas apenas pelo viés do consumo e
manutenção das hegemonias.
Mário Vargas Llosa (2012) em seu ensaio “A civilização do espetáculo” faz
uma denúncia a uma tendência universal de banalizar a cultura, tornando-a um
espetáculo sem conteúdo e sem crítica, apenas utilizada para diversão e distração.
Para o autor, essa civilização do espetáculo é cruel, pois as pessoas procuram por
prazer e alegria, perdendo seu caráter crítico e suas memórias, já que querem, a
todo o momento, prender-se ao que é novidade. O grande papel da cultura deveria
ser, na visão de Llosa, aquele que desenvolve nos indivíduos a imaginação e a
sensibilidade, enriquecendo suas humanidades e seus espíritos críticos. A cultura,
quando ancorada na crítica, é um grande obstáculo para objetivos totalizadores. E
é nesse sentido que defendemos a cultura com seu caráter crítico e transgressor, e,
ao mesmo tempo, humano e sensível. No entanto, na defesa dessa cultura pensada
pelo viés crítico, não vamos, neste trabalho, nos prender a um conceito fechado de
cultura, assim como não o fazem Manoel de Barros e Adorno.
Manoel de Barros (2010), um grande poeta sul-mato-grossense, e Adorno
(1947) acreditavam que conceitos fechados poderiam empobrecer determinados
elementos. Para Manoel de Barros (2010):
O rio que fazia uma volta atrás da nossa casa era a imagem de um vidro mole
que fazia uma volta atrás de casa. Passou um homem depois e disse: Essa vol-
ta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada. Não era mais a imagem
de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás de casa. Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem. (BARROS, 2010, p. 303).

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Não utilizaremos, neste trabalho, um conceito fechado acerca da palavra
Cultura, pois, acreditamos que fechar este conceito seria, talvez, uma possibilida-
de de empobrecimento da experiência cultural. A palavra Cultura vem sendo com-
preendida de maneiras diversas. Ao analisar a cultura de forma histórica, percebe-
mos que existem concepções generalizantes e outras mais particulares desse termo.
Assim, em qual vertente sobre cultura esta pesquisa se ancora? Para
que possamos refletir sobre as concepções dessa categoria, nos remetemos
a Benjamim (1994 p. 231): “as ideias se relacionam aos fenômenos, como as
constelações às estrelas.” Adorno utiliza esse termo “constelações” para des-
construir a ideia de que um conceito fechado possa abranger a totalidade do
objeto. Assim, para que possamos entender sobre cultura, precisamos analisar
uma “constelação” de categorias, nos aproximando de alguns elementos como:
economia, indústria cultural e cultura versus barbárie, e suas relações. Não par-
tiremos, portanto, de um conceito fechado, mas agregaremos vários elementos
para a discussão da cultura.
Adorno e Horkheimer (1947) defendem que a razão desenvolvida pelos
iluministas tinha por intuito, a princípio, emancipar e instrumentalizar, mas
com o desenvolvimento da sociedade capitalista, a dimensão de emancipação
foi se perdendo e a razão tornou-se técnica, transformada em instrumento para
alcançar o progresso e negando a possibilidade de crítica e emancipação. A en-
grenagem da sociedade capitalista nega a formação cultural aos sujeitos ofere-
cendo a eles a semiformação cultural. Para Adorno (2010, p. 13): “Na ideia de
formação cultural, necessariamente se postula a situação de uma humanidade
sem status e sem exploração”. No entanto, percebe-se que, hoje, no lugar da
formação cultural com sujeitos racionais, críticos e livres, existe a semiformação
cultural, contribuindo para a formação de sujeitos alienados e domesticados a
servir a um sistema econômico.
Neste sentido,
No clima de semiformação, os conteúdos, objetivos, coisificados e com
caráter de mercadoria da formação cultural perduram à custa de seu con-
teúdo de verdade e de suas relações vivas com o sujeito vivo, o qual, de
certo modo, corresponde à sua definição. (ADORNO, 2010, p.19).

Assim, nesse processo de semiformação, as relações sociais não são hu-


manizadas e as mercadorias assumem caráter fetichista. Conforme o autor su-
pracitado: “[...] a semiformação é o espírito conquistado pelo caráter de fetiche
de mercadoria.” (ADORNO p.25, 2010). Esse caráter fetichista faz com que a
mercadoria deixe de ser um produto e passe a ser um objeto de adoração, deixa
de ter valor de uso e passa a ter valor simbólico, quase mágico ou divino. A mer-
cadoria é idealizada e as relações de produção são negligenciadas. Assim, com

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Saberes e Partilhas
o fetiche, as mercadorias assumem caráter autônomo e consolidam as contradi-
ções sociais do capitalismo. A formação cultural, defendida por Adorno, pauta-
da na criticidade e na liberdade, apresenta-se como possibilidade de resistência a
essa semiformação cultural. Acerca das ideias sobre cultura, nos apoiamos nas
concepções de Adorno, para ele:
[...] a cultura só é verdadeira quando implicitamente crítica, e o espírito que
se esquece disso vinga-se de si mesmo nos críticos que ele próprio cria. A
crítica é um elemento inalienável da cultura, repleta de contradições e, ape-
sar de toda sua inverdade, ainda é tão verdadeira quanto não-verdadeira é a
cultura. A crítica não é injusta quando destrói – esta ainda seria sua melhor
qualidade - mas quando, ao desobedecer, obedece. (ADORNO, 1998, p. 11).

Assim, acreditamos que cultura se relaciona aos saberes construídos e


transmitidos pelos humanos. Em seu bojo estão as crenças, tradições, artes,
moral, filosofia, valores ou quaisquer conhecimentos adquiridos pelo huma-
no. No entanto, nos valemos das ideias de Adorno, que ao defender a crítica
problematiza todos esses saberes construídos e transmitidos. Para este autor,
sem a crítica, a cultura torna-se barbárie, as características humanas se dissol-
vem e as pessoas tornam-se coisas, simples objetos em um jogo de dominação.
Sem a crítica a cultura é apenas uma estratégia de controle social a serviço da
ideologia dominante.
O modo frenético de produção, venda e consumo provoca a desumani-
zação das pessoas e, nesse ínterim, a formação cultural é negada. Para Adorno
(2010, p. 9): “[...] a ideia de cultura não pode ser sagrada – o que a reforçaria como
semiformação -, pois a formação nada mais é que a cultura tomada pelo lado de
sua apropriação subjetiva.” A formação cultural é, assim, subjetiva, um processo
que envolve contato com diversos bens culturais, reflexão, crítica, produção e re-
invenção, o que possibilita visões de mundo críticas, livres, e um modelo de socie-
dade sem exploração. (ADORNO, 2010, p.13). No entanto, Adorno analisa que
a formação cultural converteu-se em semiformação mediada pela razão técnica e
seus mecanismos de industrialização da cultura. Para o autor:
O espírito da semiformação pregou o conformismo. Não somente se ex-
traíram os fermentos de crítica e de oposição contra os poderes estabe-
lecidos que caracterizavam a formação cultural no século XVIII, como
também se firmou a aceitação ao já existente e sua duplicação espiritual se
faz seu próprio conteúdo e sua justificação. Ao mesmo tempo, a crítica fica
rebaixada a um meio para impor medo, a um puro borboletar-se superfi-
cial que atinge aleatoriamente os adversários que elege. O semiculto dedi-
ca-se à conservação de si mesmo sem si mesmo. (ADORNO, 2010, p. 33).

Para que a cultura tenha, de fato, uma produção/fruição subjetiva, expres-


sões humanas, marca de tempos e lugares, a crítica não pode afastar-se. Assim,

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e apenas assim, será possível uma formação cultural verdadeira.
Para os pensadores da Escola de Frankfurt, a cultura não é uma cate-
goria autônoma, ou seja, não podemos analisá-la sem levar em consideração
outras categorias. Para esta análise vamos utilizar a seguinte metáfora: a cultura
é como uma grande teia, e para compreendermos essa teia, precisamos entender
como cada fio se constitui. Os fios que fazem parte dessa teia são: a economia,
consciência de classes, indústria cultural e cultura versus barbárie.
A análise destas categorias, como fios de uma teia, nos ajuda a ter uma
dada compreensão acerca de cultura a partir da Teoria Crítica. É preciso ressal-
tar que, para esses teóricos, os conceitos não são cristalizados, e por se tratar de
uma teia, suas concepções se alteram à medida que os fios são tecidos de manei-
ras diferenciadas. Ou seja, a história, a época e o contexto podem influenciar na
(des)construção dos conceitos.
A Teoria Crítica foi inspirada nas ideias marxistas e surgiu por meio das
teorias de alguns intelectuais que criaram o Instituto de Pesquisa Social. O ins-
tituto tinha por objetivo documentar e teorizar sobre problemas relacionados ao
capitalismo e aos movimentos operários, ampliando os horizontes marxistas.
Este grupo estabeleceu um vínculo com a Universidade de Frankfurt e dois pes-
quisadores são seus expoentes: Horkheimer e Adorno.
Horkheimer foi o 2º diretor do Instituto de Pesquisa Social e, em 1937,
escreveu sobre a Teoria Crítica da escola de Frankfurt, descrevendo a Teoria
Tradicional como uma tentativa de produzir verdades absolutas. As raízes da
Teoria Crítica pautam-se nas preocupações do marxismo: capitalismo, luta de
classes e relações de poder. Porém, ela preocupa-se em aprofundar a cultura, e
toda a constelação de ideias que permeia essa categoria.
Theodor Adorno, co-diretor do instituto, e Max Horkheimer eram intelec-
tuais marxistas não ortodoxos e juntos escreveram o livro A dialética do Esclarecimento
(1947). Nessa obra, os autores tecem uma crítica à razão instrumental, idealizada
pelo iluminismo. Para eles, a ciência pautada unicamente na razão era reducionista
e valorizava a técnica, desvalorizando o pensamento, o conhecimento local e os
saberes construídos não-institucionalizados. Nessa perspectiva, as relações sociais
são determinadas como mercadorias industrializadas, a cultura deixaria de ser a
produção do povo, passando a ser um produto para o povo, dessa forma, as pessoas
não seriam vistas como produtores de cultura, mas sim como consumidores.
A partir disso, fazendo um recorte no âmbito cultural relacionado às
crianças, a brincadeira não seria uma atividade espontânea lúdica e passaria
a ser um produto a serviço do capital. Neste trabalho procuramos evidenciar a
brincadeira como atividade espontânea e como uma possibilidade de fuga da
lógica capitalista.

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Saberes e Partilhas

INDÚSTRIA CULTURAL: ENTRE A ALIENAÇÃO E OS INTERESSES


DO CONTROLE SOCIAL

O primeiro escrito sobre a Indústria Cultural foi o livro Dialética do escla-


recimento (1947), de Adorno e Horkheimer, que descreviam esse termo como
uma crítica à cultura de massa na sociedade da época. Alguns historiadores nos
séculos XVII e XVIII defendiam que o iluminismo libertava o homem da escu-
ridão, do obscurantismo proporcionado pela religião, podendo proporcionar a
emancipação por meio da razão. No entanto, os autores frankfurtianos critica-
ram essa visão, já que defendiam que a razão instrumental, proporcionada pelo
Iluminismo, não libertava as pessoas, mas possuía características que exaltavam
a técnica e o controle social.
Para Adorno e Horkheimer (1947), a racionalidade técnica utilizada pela
classe dominante intentava uniformizar as pessoas, tolhendo qualquer diferença
que houvesse entre as pessoas e os grupos. Assim, o homem era visto como um ser
universal, com desejos universais e demandas universais. Os autores frankfurtia-
nos não tinham essa visão universalista, para eles existia uma classe hegemônica
que era responsável pela transmissão de sua ideologia aos sujeitos, que alienados,
desejavam estar submetidos à dominação. Com o tempo essa dominação, antes
feita de maneira artesanal ou manufatureira, tornou-se industrializada.
Esses autores defendiam que essa racionalidade não libertava as pessoas,
e o efeito era contrário ao que os iluministas defendiam. E para que o indivíduo
tivesse consciência de seu estado de dominado, ele deveria libertar-se das amar-
ras da razão administrada. A cultura (arte, literatura, filosofia, música...) teria
espaço privilegiado nesse sentido, pois poderia levar o sujeito ao estado de dis-
tanciamento, análise e crítica. Esses autores frankfurtianos fazem um contrapon-
to dessa cultura que leva em conta a individualidade das pessoas com a cultura
afirmativa de caráter universal, referindo-se a ela como elemento da civilização
e barbárie, em que as pessoas seriam fisgadas pelo fetichismo dos produtos, se
afastariam da reflexão, e consequentemente da crítica. (MARCUSE, 1986).
A indústria cultural mostra-se, nesse contexto, como um setor econômico
que intenta padronizar a cultura e vender seus produtos. Para Duarte (2003), a
indústria cultural:
[...] não se trata de cultura feita pela massa para seu próprio consumo, mas
de um ramo de atividade econômica, industrialmente organizado nos pa-
drões dos grandes conglomerados típicos da fase monopolista do capitalis-
mo, embora, como se verá adiante, ele “flerte” com procedimentos ainda
característicos do capitalismo liberal. (DUARTE, 2003, p. 116).

Assim, a indústria cultural é um ramo econômico que produz mercadorias


culturais a serem consumidas, um fenômeno que instala uma cooptação ideológica

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e uma regressão da autonomia das pessoas. Para Adorno e Horkheimer (1947, p.
69) esta indústria “realizou maldosamente o homem como ser genérico.” Ocorre
que essa generalização desenvolveu-se “maltratando com tanto sucesso a indivi-
dualidade.” (ADORNO; HORKHEIMER, 1947 p.73). Dessa forma, o sistema
político e econômico produz bens culturais para serem consumidos como estra-
tégia de controle social e consolidação do sistema, visando lucro, indiferenciação
entre as pessoas e, consequentemente, a manutenção do status quo.
A indústria cultural controla o tipo de mercadoria cultural que a popula-
ção vai consumir, principalmente através dos meios de comunicação de massa.
E quanto mais consumo, mais o sistema capitalista se fortalece, ficando sua ma-
nutenção cada vez mais edificada. Nesse contexto, trazemos a poesia de Manoel
de Barros: “A máquina: a máquina segundo H.V., o jornalista”, que mesmo não
tendo o compromisso de fazer-se entender a partir de uma racionalidade técnica,
nos leva a reflexões profundas acerca desse fenômeno de industrialização cultural.
A Máquina mói carne
Excogita
Atrai braços para a lavoura
Não faz atrás de casa
Usa artefatos de couro
Cria pessoas à sua imagem e semelhança
E aceita encomendas de fora

A Máquina funciona como fole de vai e vem


Incrementa a produção do vômito espacial
e da farinha de mandioca
Influi na Bolsa
Faz encostamento de espáduas
e menstrua nos pardais

A Máquina trabalha com secos e molhados


É ninfômana
Agarra seus homens
Vai a chás de caridade
Ajuda os mais fracos a passarem fome
e dá às crianças o direito inalienável ao sofrimento
na forma e de acordo com a lei e as possibilidades de cada uma

A Máquina engravida pelo vento


Fornece implementos agrícolas
Condecora é guiada por pessoas de honorabilidade consagrada,
que não defecam na roupa!

A Máquina dorme de touca


Dá tiros pelo espelho
e tira coelhos do chapéu

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Saberes e Partilhas
A Máquina tritura anêmonas
Não é fonte de pássaros
etc.
etc. (BARROS, 2010, p. 140)

Essa máquina poetizada por Manoel de Barros pode referir-se à raciona-


lidade técnica ou à Indústria Cultural, que cria produtos culturais em massa e
tem o poder de influenciar um grande número de pessoas. Esta máquina coisi-
fica a vida humana e animal, ostenta, devora adultos, crianças, animais, e não
poupa as anêmonas com seu desejo incessante de controle e poder. Incrementa
a produção de lixo espacial com seus produtos descartáveis. É propagandeada
pela hegemonia dominante como libertadora. No entanto, ajuda os mais fracos
a passarem fome, porque essa Máquina apenas quer consolidar o sistema capita-
lista, ou seja, para a Máquina, os dominantes sempre serão os dominantes e os
dominados tendem a permanecer pobres, alienados e sem voz.
Nesse processo, as crianças sofrem porque atuam como iscas para o con-
sumo, não precisam pensar, portanto, não criam, e a diversão perde o caráter
lúdico e transforma-se em produto a ser consumido. Essa Máquina não é a favor
da liberdade, por isso não é fonte de pássaros. Ela tem por objetivo imobilizar e
coisificar as pessoas.
Ao ler a poesia, não há como deixar de pensar na indústria cultural que ro-
botiza as pessoas, influenciando, indiferenciando, enganando, impressionando e
fascinando-as com seu poder. A tecnologia é algo extraordinário, e hoje muitas
coisas magníficas acontecem por meio dela. A grande questão é: utilizo-a para a
liberdade ou reprodução/alienação? A tecnologia não pode significar abandono
do pensamento, disciplinando o modo de pensar das pessoas, ofuscando a socie-
dade e transformando cada sujeito em uma peça do jogo de dominação. Ter a
consciência desse jogo é fundamental.
As pessoas precisam compreender que existem interesses capitalistas na
produção em massa de uma cultura que padroniza, e que transformou-se em
objeto de consumo, inculcando nos indivíduos o desejo de ter cada vez mais.
Quem consome sem questionar, quem repete discursos ideológicos sem estu-
dar, precisa ser emancipado, nesse sentido, Manoel de Barros já nos alertava:
“Besouro no estrume está no palácio.” (BARROS, 2010, p. 292). Quem conso-
me e endossa discursos ideológicos, sem antes pesquisar, questionar e confrontar
ideias, é como esse besouro acreditando estar no palácio. Defendemos, assim,
que a tecnologia traz inúmeros benefícios, mas ela não pode substituir o pensar
crítico, pode ser um meio, mas não um fim.
Nesse processo de industrialização da cultura, os meios de comunicação
de massa ficam a serviço do capital e se tornam formadores culturais. A cultu-
ra fabricada pela classe dominante tem por objetivo a manutenção do sistema
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econômico, homogeneizando e padronizando opiniões, desejos e valores dos
povos. As pessoas assim, são passivas, não produzem cultura, apenas almejam
consumir o que o mercado oferece, dessa forma, suas diferenças culturais são
dissolvidas em meio a um turbilhão de produtos oferecidos.
Para Marilena Chauí (1994):
A alienação, reificação, fetichismo: é esse processo fantástico no qual as
atividades humanas começam a se realizar como se fossem autônomas
ou independentes dos homens e passam a dirigir e comandar a vida dos
homens, sem que estes possam controlá-las. (CHAUÍ, 1994, p. 58).

A Indústria Cultural produz cultura massificada, moldando manei-


ras de pensar das pessoas de acordo com os interesses da classe dominan-
te. Assim, as pessoas tornam-se escravas do consumismo e heterônomas no
pensar. A alienação, a reificação e o fetichismo, apontados por Chauí (1994),
são características dessa indústria, e em meio a esse contexto, as pessoas não
se reconhecem como indivíduos pensantes e críticos porque não reconhecem
a força do seu trabalho. Complementando esse pensamento, Temer e Nery
(2009), afirmam que:
Nesse contexto os veículos de comunicação passam a ser vistos como
meios de dominação e poder, elementos inseridos na indústria cultural e
com capacidade de violência simbólica com o receptor […] O indivíduo
deixa de ser sujeito e torna-se objeto. (TEMER; NERY, 2009, p. 90).

Assim, essa teoria visa criticar a maneira como as indústrias e tecnologias


são utilizadas para castrar o pensamento das pessoas, torná-las consumidoras
compulsivas e servirem aos propósitos do capital. Marilena Chauí (2006) men-
ciona que:
Para os pensadores da Teoria Crítica, a cultura dita de “massa” é a nega-
ção de uma cultura democrática, pois em uma democracia não há massa;
nela, o aglutinado amorfo de seres humanos sem rosto e sem vontade é
algo que tende a desaparecer para dar lugar a sujeitos sociais e políticos
válidos. (CHAUÍ 2006, p. 19).

A Teoria Crítica é sensível às diferenças das pessoas e dos povos, ela va-
loriza essas individualidades, apontando as questões conflitantes referentes ao
processo de criação e propagação de cultura, mesmo quando critica a cultura
afirmativa, neste sentido, nos remetemos a Marcuse que traz possibilidades de
superação. Para Marcuse (1997), a cultura afirmativa é a cultura construída pela
burguesia, que tinha caráter ideológico e opressor. Este teórico, mesmo que mui-
to crítico a toda essa cultura que reifica as características do capitalismo, em
especial de exploração do trabalho e controle da consciência, ainda apresenta
elementos otimistas em seus estudos naquilo que se refere à cultura:

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A obra de arte é bela na medida em que opõe a sua própria ordem à da
realidade – a sua ordem não repressiva, onde a própria maldição é prefe-
rida em nome de Eros. Aparece nos breves momentos de realização, de
tranquilidade – no “belo momento” que suspende a dinâmica incessante e
a desordem, a necessidade constante de fazer tudo o que deve ser feito para
se continuar a viver. (MARCUSE, 1986, p. 71).

Assim, Marcuse acredita que a cultura (arte, literatura, música, dança,


costumes, hábitos e filosofia) pode ter caráter utópico e emancipador quando há
a consciência de classe, motivação revolucionária e a subjetividade criativa. O
“belo” não pode ser entendido como referência a artefatos perfeitos, harmônicos,
agradáveis e formalmente bem acabados. Os teóricos ligados à Teoria Crítica re-
velam predileção por obras que superam essa perspectiva do senso comum, ele-
gendo para estudo obras que rompem com a tradição, com as convenções e cujo
caráter vanguardista e inacabado se mostram dominante. O “belo” representa
assim, liberdade, sensibilidade, prazer e emancipação. A arte então se apresen-
ta como possibilidade de emancipar, transgredir, fruir, refletir e problematizar
questões sociais. Dessa forma, a cultura pode superar seu caráter afirmativo,
objetivo e reprodutivista, e apresentar-se como possibilidade de emancipação.
A teoria crítica colocou em evidência as relações de dominação e cultura
vigentes na sociedade capitalista. Para os autores frankfurtianos, a cultura que não
leva em consideração seu caráter formativo verte-se em semicultura que aliena os
sujeitos. Através do pensamento crítico, a cultura pode envolver a dimensão for-
mativa e os indivíduos podem ser emancipados, livres das amarras do mundo mo-
derno. Para Pucci (2003, p. 49) a barbárie “significava a continuidade do potencial
autoritário, das condições que geraram aquela situação de terror.” Essa barbárie
ficou evidente nos escritos de Adorno sobre o sofrimento no período nazista, no
entanto, hoje, ela pode estar presente tanto em atitudes autoritárias, na imposição
de cultura, preconceito, tentativa de homogeneização do pensar e intolerância,
como em condições bárbaras que geram terror. Esse terror pode manifestar-se de
maneiras diferenciadas: dizimação de culturas, incitação de ódio, mortes e des-
truição. Dessa maneira, a cultura precisa ser pensada de maneira crítica.
Em Adorno (1986), defende-se a educação como possibilidade de valori-
zação de si e do outro, diálogo, autonomia e liberdade. Para o autor, a barbárie
poderia estar presente na sociedade de maneiras diferenciadas: no autoritarismo,
padronização de pensamentos, cultura e quaisquer outras ações que levem à
violência. Para ele, essa barbárie ficou evidente nos campos de concentração
nazistas. E para que momentos como assim não se repitam, Adorno defende
que a educação é a possibilidade de emancipação do sujeito. No entanto, essa
educação não pode ter o objetivo de padronizar ou modelar os alunos, ela deverá
proporcionar experiências verdadeiras, que instigam a dúvida, a expressão, a

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reflexão e a criticidade, possibilitando que cada sujeito construa, de forma me-
diatizada, sua formação cultural. Nesse sentido, a educação não pode perder a
autocrítica, pois, isso significaria reviver a barbárie.
A cultura que não é crítica transforma-se em barbárie, um produto que ma-
nipula os consumidores de acordo com o interesse dos seus líderes (ADORNO,
1947). A educação seria, assim, o caminho para romper essa barbárie. Quando
os indivíduos passarem a ter consciência do seu estado de dominados, e quando
a educação valorizar o olhar sensível e solidário, será possível o sujeito libertar-
-se da ignorância e da semiformação cultural.
O papel da educação da infância na formação cultural é essencial, pois,
para Adorno (1986, p. 35): “Uma educação que queira evitar a reincidência
haverá de concentrar-se na primeira infância.” Assim, a formação cultural deve
acontecer desde a Educação Infantil. A partir disso, esta pesquisa mostra-se rele-
vante, pois aponta a necessidade de trabalhar a formação cultural com crianças
desde a tenra idade, considerando a brincadeira e suas singularidades como fon-
te enriquecedora da cultura.
Adorno (2008, p.18) defende que “A recusa da inessência dominante da
cultura pressupõe que nela se participe o suficiente para a sentir, por assim dizer,
palpitar entre os próprios dedos, mas que ao mesmo tempo dessa participação
se extraíram forças para a denunciar.” Assim, o processo de formação cultural
exige do indivíduo um entrelaçamento na cultura de seu povo e, ao mesmo tem-
po, um distanciamento dela, com o intuito de enxergá-la como ela se mostra em
suas diferentes nuances, e dessa forma, ser anunciada, denunciada, construída
ou reconstruída.

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46
A RESPONSABILIDADE SOCIAL
DO ENSINO SUPERIOR PERANTE À
QUALIDADE DE VIDA DA SOCIEDADE
Leandro de Souza Silva1
Tiago Santos Barreto Thomaz2
Elma Francisca Lopes Costa3

Estudar os desdobramentos da educação superior brasileira envolve re-


flexão sobre desenvolvimento cultural, científico e econômico, haja vista que
Delors (2001) aponta o progresso científico e educacional como principais im-
pulsionadores do progresso econômico. Esse conceito associa o crescimento
econômico ao desenvolvimento intelectual - ou seja - a evolução da sociedade
necessariamente perpassa por evoluir aspectos cognitivos e científicos.
Nesse sentido, entende-se que há necessidade de elevação dos níveis da
educação, pois isso propicia progresso em direção à qualidade social. Essa qua-
lificação se constitui como alicerce à construção de cidadãos mais conscientes e
instrumentalizados para contribuírem com o desenvolvimento do país.
Acerca dessa temática, convém mencionar o Plano Nacional de Educação
(PNE). Este documento apresenta diretrizes, estratégias e metas relacionadas aos
períodos que compreendem os anos de 2014 a 2024. A meta 12 visa à elevação da
oferta e da taxa bruta de matrícula na educação superior (BRASIL, 2014).
Tendo em vista fomentar novos egressos aos cursos superiores, o êxito
deste objetivo conduz ao raciocínio de Silva (2012), pois esta autora sugere a
urgência do diagnóstico, mediado por debate no tocante aos direcionamentos
das reformas e políticas desse nível acadêmico, de maneira a constituir tare-
fa política e acadêmica. Por tendência, segundo ela, pode-se corroborar para a
construção de novos caminhos. Com isso, evidencia-se formas de evitar a eva-
são universitária. Esta escritora assevera, ainda, a relevância de não somente

1 Professor de Educação Básica na área de Português da Secretaria de Estado de Educação


do Distrito Federal. Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior. E-mail: professor-
[email protected]
2 Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico na área de Administração do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima. Mestrando em Ciências da Edu-
cação/Administração Educacional. E-mail: [email protected]
3 Professora de Educação Básica na área de Inglês da Secretaria de Estado de Educação do
Distrito Federal. Pós-Graduada em Gestão Pública. E-mail: [email protected]
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garantir o acesso dos estudantes à educação superior, mas também garantir a
permanência e o sucesso deles.
Ascender e permanecer nos estudos universitários requer dos envolvidos
neste processo educativo tornarem-se conscientes do seu papel no que tange
à responsabilidade social. Dessa maneira, convém entender a realidade edu-
cacional vinculada ao contexto tanto interno quanto externo das instituições
superiores. Essa responsabilização pode contribuir para a construção de uma
sociedade mais justa por meio do compartilhamento do saber acadêmico capaz
de transformar paradigmas sociais desfavoráveis para um desenvolvimento na-
cional com qualidade de vida para a população (ASHLEY, 2002).
Para Dias Sobrinho (2005), o significado fundamental da responsabilidade
social do ensino em nível universitário é proporcionar e partilhar saberes para além
do apreço científico. Então, quando o fundamento científico institucionalizado al-
cança pessoas bem preparadas e bem instrumentalizadas, há a tendência de mudan-
ças positivas nas estruturas sociais. Essas alterações têm embasamento teórico na
redação do artigo 205 da Constituição Federal, no qual está expresso o objetivo do
desenvolvimento pleno do ser humano e sua preparação para o exercício da cidada-
nia, além da qualificação para ocupação profissional (BRASIL, 2020).
Ashley (2002), em referência à responsabilidade social, orienta que ela
pode ser concebida como o compromisso entre uma organização e uma socieda-
de. Este, segundo ela, é expresso por atos e atitudes que interessem à coletivida-
de positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de maneira especí-
fica. Isto posto, numa apreciação mais ampla, esta expressão é entendida como
todo e qualquer feito que promova melhoria da particularidade de vida social.
Exercer a cidadania envolve o que Pereira (2003) intitula de educação
para a cidadania. Por sua vez, não se pode conceber esta expressão somente
como sinônimo de conteúdo programático, dado que acarreta a consciência da
amplitude de elementos científicos, culturais, políticos, econômicos e sociais en-
volvidos no labor formativo.
Este cenário demanda mais investimentos em recursos tecnológicos e na
formação continuada dos profissionais responsáveis pela formação acadêmica
desses novos perfis de estudantes. Esse processo de adaptação didática oportuni-
za mais flexibilidade, apesar de exigir mais responsabilidade e gestão de tempo
pelos estudantes.

TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS E CONTRIBUIÇÕES PARA A


EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) modificaram a ma-


neira de perceber e entender o mundo, haja vista as relações mais globalizadas

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
de diversos setores da sociedade. Em especial, a economia e a educação estão
em constante processo de modificações nas suas estruturas. As TICs são inova-
ções tecnológicas não isoladas que tanto impulsionam quanto são impulsiona-
das pela globalização. (CASTELLS, 1999).
Isso representa, segundo Martinsi (2008), maneiras de agir, ensinar e
aprender, por meio da consideração de contextos culturais e formas de expres-
são pertinentes. Considerar estes fatores implica reflexão acerca da evolução tec-
nológica, pois esta evidencia mais necessidade de repensar a diversificação dos
métodos de ensino utilizados de modo a atribuir-lhes mais sentido e efetividade.
Significar as relações didáticas representa consolidar uma postura mais
próxima às realidades estudantis em detrimento de uma postura tradicional.
Nesse sentido, Beherens (2000) defende uma prática pedagógica sempre rea-
valiada. Para ele, não se deve restringir a inovação à utilização da tecnologia.
Então, o mais adequado é o professor se apropriar desses recursos com o pro-
pósito de conceber metodologias que superem a reprodução do conhecimento e
conduzam à sistematização desse saber.
Essa superação apresenta a necessidade de rever a maneira de planejar
o aprendizado e todas as atividades próprias deste planejamento. Logo, ater-se
somente às aulas convencionais em que professores se portam como detentores
do saber e percebem os alunos como meros receptores é postura obsoleta.
É fundamental que os educadores tenham flexibilidade nas suas estratégias
e integrem as várias possibilidades permitidas pelas tecnologias nas salas de
aulas. Não obstante, essa integração tem que ser consciente e respeitar o que
Beherens (2000) denomina de princípios metodológicos norteadores. A saber:
incluir textos escritos, hipertextos, multimídia, levar o ambiente do audiovisual
para dentro da escola, variar a forma de lecionar e o processo avaliativo e apre-
ciar a presença da transmissão virtual da comunicação.
Fundamentado nessa visão, faz-se necessária a mediação das informa-
ções, dado que há diversas origens e meios de acesso a elas. Caso contrário,
pode ser tratada como verdade uma notícia falsa - as chamadas fake news.
Consequência disso, a credibilidade da cientificidade poderá alterar-se e causar
prejuízos. Logo, a correta interpretação do que se lê, a verificação da fonte vei-
culadora da informação e a contextualização apropriada se fazem primordiais.
Só é viável esta intervenção, a partir da apreensão da clareza do signifi-
cado de novidades tecnológicas educacionais. Beherens (2000) assim as define:
é a utilização da informática, do computador, da internet, da hipermídia, da
multimídia, educação a distância, chats, fóruns de debates, correio eletrônico.
De fato, esse entendimento reforça a consciência de que se convive na
sociedade da informação. No ambiente universitário, acrescentou-se uma nova

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relação do professor com materiais didáticos. Conforme Chagas (2010), a pro-
fissão de docente tinha uma relação direta com livros, gizes, quadros negros e
papeis. Contudo, há alguns anos isso mudou muito. Os recursos docentes se am-
pliaram – foram hoje incorporadas conexões diretas com as TICs. Conscientizar-
se disso envolve discernimento quanto às representatividades desse novo tempo:
mais celeridade na transmissão de informações com mais facilidade de criar,
processar, armazenar e vinculá-las.
Com efeito, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB
- orienta, no artigo 43, inciso I, direcionar a atenção no que se refere a traba-
lhar com pesquisas e investigações científicas e a objetivar desenvolver a evolu-
ção científica e tecnológica. Também, o artigo 62, § 2º, trata deste progresso ao
orientar que haja preparação contínua e capacitação dos profissionais de ma-
gistério com o uso de recursos e tecnologias de educação a distância (BRASIL,
2009). Essa mediação tecnológica assíncrona se faz necessária para atender as
demandas da preparação docente, uma vez que a capacitação síncrona não é
suficiente na intenção de capacitar aqueles que estão à frente, como mediadores
do processo de ensino.
É oportuno entender a educação superior e as legislações que tratam
dela. Nessa lógica, o artigo 9º, inciso IX da LDB confere a incumbência da
autorização, reconhecimento, credenciamento, supervisionamento e avaliação
dos cursos das instituições que ofertam este nível de ensino à União. Essas
mesmas atribuições também podem ser atribuídas aos Estados ou ao Distrito
Federal, caso mantenham instituições de educação superior (BRASIL, 2009).
O artigo 49 desta mesma Lei menciona a abrangência deste segmento
educacional quanto aos cursos e programas: os sequenciais por campo de saber,
de graduação, de pós-graduação, e de extensão. Os sequenciais por campo de sa-
ber, com diferentes níveis de abrangência, disponíveis aos candidatos desde que
atendam às exigências estabelecidas pelas organizações de ensino, e já tenham
concluído o ensino médio ou equivalente. Os de graduação, acessíveis àque-
les que concluíram o ensino médio ou equivalente e tenham sido submetidos a
processo seletivo e classificação. Os de pós-graduação - mestrado, doutorado,
especialização, aperfeiçoamento e outros - abertos a diplomados em cursos de
graduação e que preencham os pré-requisitos estabelecidos pelas instituições de
ensino. Os de extensão, disponíveis aos que atendam a critérios definidos pelas
instituições de ensino. (BRASIL, 2009).
Merece destaque a característica da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão desse segmento educacional, presente no artigo 207 da
Constituição Federal. Essa tríade compõe um relevante paradigma da univer-
sidade e expressa expectativa da construção da sociedade. Para maior ênfase

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
desse processo construtivo, às universidades é facultada a admissão de docentes,
técnicos e cientistas estrangeiros, conforme o parágrafo primeiro deste mesmo
artigo. (BRASIL, 2020).
Nessa percepção, esse princípio retrata a qualidade do trabalho acadêmi-
co. Nisto, incluem-se a proximidade entre universidade e sociedade, autorrefle-
xão crítica e a emancipação inerente à teoria e à prática dos estudantes, além da
acepção social do trabalho universitário. A Consolidação deste princípio pres-
supõe realizar propostas coletivas de trabalho referenciadas na avaliação institu-
cional, nos planos das ações institucionais e na avaliação que respeite a vontade
majoritária da sociedade (ANDES, 2013).
A regulação e acompanhamento da oferta da educação superior exi-
ge transparência das ações acadêmicas, de informações e titulações do corpo
docente atuante, do plano de curso e currículos programáticos adotados e do
processo seletivo estabelecido. Regras de expedição de diplomas são, também,
definidas. Com este monitoramento, ficam as universidades autorizadas a expe-
dir certificados e diplomas de conclusão referentes aos cursos oferecidos por elas
e pelas faculdades particulares consoante indicação do Conselho de Educação.
Diplomados em universidades estrangeiras terão seus diplomas revalidados
por universidades públicas cujo nível e área sejam os mesmos ou equivalente.
Salientam-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação em
conformidade com o artigo 48, parágrafo segundo da LDB (BRASIL, 2009).
Entendidas essas regulamentações, é relevante destacar Gabriel (2013),
porque declara que o educador que outrora selecionava os conteúdos a serem
ministrados, na era digital dos tempos atuais, atribui ao professor uma atuação
que mediatiza o processo da chegada das informações, a fim de refletir, construir
significados e validá-las.
Ainda, nesse viés, essa mudança de paradigma com o emprego de mais
TICs consiste em condição essencial de evidência de melhora nesse nível educa-
cional. Isso posto, urge a verificação da autenticidade do que é comunicado aos
aprendizes e a busca pela fonte originária dessa comunicação, porquanto são,
também, de suma relevância.
Então, é preponderante ater-se a ideia de planejar e consolidar aulas mais
atraentes e dinâmicas. Ou seja, favorecer a relação de complementaridade en-
tre ensino e novas pedagogias concernentes a este tema. Isso suscita conside-
rar conhecimentos prévios do alunado e saber relacioná-los com a intenção de
ressignificá-los.
Essa ressignificação vai ao encontro da emancipação estudantil oferecida
pelas TICs. Emancipar-se significa mais envolvimento ativo e efetivo nas
atividades acadêmicas e, por conseguinte, na vida em sociedade. Isso requer

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fomentar e fundamentar processos formativos para auxiliar a compreensão des-
sa autonomia de modo a torná-la mais produtiva e com boa repercussão social.
Além disso, de acordo com Takahashi (2000) é criado um novo cenário
a partir das tecnologias digitais. Para educar diante da sociedade significa não
somente preparar as pessoas para o uso das novas TICs, mas também investir na
criação de cidadãos competentes para tomarem decisões essenciais.
Diante dessa conjuntura, é impreterível que os incumbidos pela apren-
dizagem criem planejamentos adaptáveis às diversas realidades e dificuldades
vivenciadas pelos estudantes (MOORE; KEARSLEY, 2011). Assim sendo, essa
adaptação tende a apontar para a eficácia na resolução de problemas e para o
protagonismo na vida pessoal e coletiva.
Isso gera experiências exitosas e instigantes com desenvolvimento do senti-
mento de pertença e estímulo à curiosidade e à indagação. Indagar é, pois, deixar
começar a fluir reflexões criativas, lógicas e críticas. Segundo esclarece a Base
Nacional Comum Curricular - BNCC, mediante à idealização e a consolidação
da habilidade de perguntar, avaliar respostas e de discutir, amplia-se a compreen-
são do próprio indivíduo e das relações interpessoais. Também afirma este texto
a inevitabilidade de pensar sobre as mudanças ocasionadas em função do avanço
das TICs, do uso de novos gêneros do discurso e novas práticas de linguagem
intrínsecas à cultura digital. Isso inclui a reestruturação dessas produções textuais
feitas até mesmo por mais de um autor em locais diferentes, mas compartilhando
as atualizações em tempo real, ao utilizar, por exemplo, o Google Docs.
Silva e Cabrero (1998) estendem as contribuições da educação para o fo-
mento da iniciação científica para médio e longo prazos. Neste, há a formação
de futuros doutores; naquele, os avanços da ciência e o progresso de publicações.
Por meio dessas contribuições, a divulgação dos saberes institucionalizados e
daqueles evidenciados em prática por meio de laboratório de pesquisa e pesquisa
de campo, por exemplo, chegam ao conhecimento maior do público leigo e da
comunidade de pesquisadores.
Já Saviani (2002) salienta que o princípio científico não objetiva precipua-
mente instruir o pesquisador, e, sim favorecer ao aluno de graduação a vivência
com metodologias e processos da pesquisa. No entanto, Pereira (2009) afirma a
existência de um número reduzido de instituições de ensino superior no Brasil
que fomentam a conexão entre o ensino e a pesquisa. Para este autor, embora
haja universidades que propõem essa vinculação a seus planejamentos, a au-
sência de engajamento do corpo docente ou, até mesmo, a ausência de recursos
prejudica este elo.
Portanto, para um melhor entendimento acerca deste tema, convém men-
cionar que as teorias e atividades acadêmicas têm mais efetividade e qualidade

52
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
no momento em que os avanços científicos e acadêmicos contribuem para me-
lhorar a estrutura da sociedade. Logo, aspira-se a integração dos estudantes uni-
versitários com as demandas do sistema produtivo do país.
Demo (2001) conceitua atributo, nessa acepção, como a ação humana na
qualidade; capacidade de utilizar meios, ferramentas, maneiras, métodos, proce-
dimentos diante dos embates do desenvolvimento como expedientes primordiais
para a inovação. Assim, na busca por compreender os aspectos que envolvem
esse aspecto qualitativo, é preciso relatar a repercussão da avaliação sobre a or-
ganização da educação brasileira. Consoante declara Cury (2003), esta com-
porta-se como um termômetro para constatação da qualidade ideal. Isso ocorre
tanto no setor privado quanto no setor público da educação superior em busca
do alcance das suas metas.
Sendo assim, outro fator relevante a ser mencionado são as políticas públi-
cas, haja vista que estas só são consistentes quando elaboradas a partir de parece-
res periódicos no tocante a resultados individuais dos alunos e das instituições de
ensino. Portanto, por meio do processo avaliativo, são viabilizadas intervenções
pontuais e assertivas. A partir desse raciocínio, criam-se cenários com o intuito de
promover debates que objetivem a elaboração de políticas públicas direcionadas
ao fortalecimento da relação existente entre ensino e pesquisa, teoria e prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos aspectos discutidos, cumpre enfatizar a tríade ensino, pes-


quisa, e extensão, pois são elementos propulsores de uma educação superior de
qualidade. Essa tríade deste nível de ensino é sustentada na Carta Magna ten-
do sido reforçada pela LDB. Este mesmo dispositivo da Lei educacional ainda
menciona a produção intelectual institucionalizada por intermédio da investi-
gação sistemática dos assuntos e dificuldades mais importantes. Assim, conduz
a ideia de direcionar as atenções tanto do ponto de vista científico quanto dos
aspectos culturais, regionais e nacionais.
Nessa perspectiva, abre espaço para a ação universitária perante a res-
ponsabilidade social. Em coerência com este raciocínio, Dias Sobrinho (2005)
declara que a responsabilização diante da sociedade demanda discussões em
diversos âmbitos acadêmicos. Nessa linha de pensamento, esclarece que o cum-
primento das legislações são somente partes do desenvolvimento da maneira de
como conceber o mundo.
Portanto, os estudos universitários adquirem sentido concreto no momen-
to em que as teorias de ensino dialogam com as estruturas sociais e suas neces-
sidades. A esse propósito, Dellors (2001) alerta acerca da importância de haver
compromisso dos meios sociais com o propósito de a comunidade assumir mais

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responsabilidade perante seu próprio progresso. Com isso, este autor afirma ser
papel da educação alcançar metas a fim de introjetar melhorias desejáveis na
promoção da qualidade de vida.

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VIOLÊNCIA NAS ENTRELINHAS: UMA
ANÁLISE DOS DISCURSOS DISCRIMINATÓRIOS
OBSERVADOS NO COTIDIANO DE DUAS
ESCOLAS EM ACARI, RIO DE JANEIRO
Raquel Brum Fernandes1

1. INTRODUÇÃO

O artigo aqui apresentado traz reflexões desenvolvidas na minha dis-


sertação de mestrado em Ciências Sociais, aprovada pelo Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
no ano de 2010. Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada no II
Seminário Nacional Sociologia e Política, na Universidade Federal do Paraná,
também em 2010.
A pesquisa que fundamentou minha dissertação consistiu em observar
e analisar, ao longo do segundo semestre letivo de 2009, o cotidiano de duas
escolas municipais localizadas no conjunto de favelas do complexo de Acari,
município do Rio de Janeiro. As duas dedicavam-se aos primeiros anos do ensi-
no fundamental (antigo curso primário) e estavam localizadas a uma distância
de aproximadamente 300 metros uma da outra. A pesquisa foi realizada tendo
como objetivo principal compreender as percepções dos alunos das quatro tur-
mas de quinto ano (duas de cada escola) sobre suas emoções suscitadas pela
violência dentro das referidas instituições. A localização das escolas foi escolhi-
da com base em dados do Instituto de Segurança Pública que qualificavam, no
mencionado ano, a região onde elas se encontravam como a mais violenta de
todo o estado do Rio.
Embora o foco do trabalho estivesse direcionado aos alunos, pude ter con-
tato, ao longo do desenvolvimento da observação participante, com as professo-
ras das turmas estudadas e algumas de suas opiniões sobre a violência dentro da
escola. Das três professoras de quinto ano (em uma das escolas a mesma profes-
sora lecionava para duas turmas, uma no turno da manhã, outra à tarde) apenas
uma declarou que não existia dentro de sua escola nenhum tipo de violência.

1 Doutora em Ciências Sociais. Professora do Departamento de Ciências Sociais da Univer-


sidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes. Email:[email protected]
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Saberes e Partilhas
Ela entretanto, assim como as outras, insistia em afirmar o mau comportamento
dos alunos, o qual seria, em suas palavras, baseado na “agressividade, grosseria
e ignorância.” As demais docentes e também as diretoras e coordenadoras de-
fendiam a existência de violência dentro das escolas, mas só a identificavam nas
atitudes de um mesmo grupo: os alunos. Segundo elas, estes eram muitas vezes
violentos por causa do que acontecia na comunidade em que moravam. Sua con-
vivência com a violência fruto do movimento do tráfico de drogas ou resultada
de uma má formação familiar faria com que tivessem comportamentos extrema-
mente agressivos tanto na escola quanto fora dela. A análise que se segue busca
identificar como, a partir dessa concepção de que a violência dentro das insti-
tuições de ensino ocorre (quando ocorre) especificamente a partir dos alunos,
desenvolvem-se atitudes que visando controlar o comportamento das crianças
podem revelar-se embebidas em estigmas e preconceitos de senso comum.

2. SOBRE VIOLÊNCIA E VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

De acordo com Alba Zaluar, especialmente a partir da década de 1980:


“A violência voltou a ocupar prioritariamente nossos corações e mentes. Seja
como fato ocorrido na nossa pele (ou bolsa), seja como tema de leitura e das
conversas, a violência arrombou as portas e tomou conta do nosso cotidiano”
(Zaluar, 1994, p. 58). Essa magnitude do fenômeno da violência revela-se tam-
bém no que ele não se restringe a poucos âmbitos da vida social. Nas mais varia-
das instituições e relações podemos experimentar atos de violência. Entretanto,
em alguns lugares sua presença ganhou destaque, seja pela alta frequência ou
por contrariar aqueles que seriam os princípios das relações desenvolvidas ali: é
o que acontece quando a violência aparece dentro das escolas. Atualmente, já é
grande o número de pesquisas sobre violência dentro das instituições de ensino.
As escolas como lugares destinados ao desenvolvimento de indivíduos capa-
zes de se relacionar dentro dos padrões legítimos, têm sua função questionada
quando passam a ser palco de diversos atos considerados violentos. De acordo
com Helena Bomeny, Maria Claudia Coelho e João Trajano Sento-Sé (2009)
essas rupturas podem ser compreendidas a partir de duas perspectivas: Primeiro,
aquela que defende que o mau funcionamento escolar propiciaria aos jovens que
a abandonem e procurem outros “caminhos” como o tráfico de drogas e outras
atividades ilegais. Depois, a perspectiva que vê na educação através da escola
um instrumento que afastaria os jovens desses meios ilegais e lhes apresentaria,
mediante novos investimentos e conscientizações, a oportunidades legítimas de
emprego, carreira e etc.
O mau funcionamento encontrado em algumas escolas públicas brasilei-
ras, que apresentam falta de professores e de materiais didáticos e de apoio,

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estrutura física prejudicada entre outras coisas e que não conseguem promover
a aprendizagem dos alunos, é classificado por Alba Zaluar (2001) como uma
outra violência sofrida pelos jovens, na medida em que não os prepara para en-
frentar os problemas presentes no mundo. Muito já se discutiu sobre as causas
da violência ou ao menos as causas de sua expansão nos últimos anos. Sobre
isso, Dellasoppa, Bercovich e Arriaga dizem:
De maneira geral, é reconhecido (CDC,1994) que, no presente, as causas
específicas e imediatas desse problema continuam incertas. O aumento na
ocorrência de homicídios pode ser o resultado do recrutamento de jovens,
principalmente das classes média e baixa, pelo mercado de drogas, do uso
de armas de fogo nesses mercados e da consequente distribuição de armas
para outros jovens da comunidade. Isso, em retorno, pode resultar em um
uso mais frequente de armas para resolver conflitos (Blumstein, 1994).
(Dellasoppa et al, 1999, p.165-166).

Notam entretanto que:


Existe uma controvérsia em relação tanto às causas imediatas e específicas
da violência quanto aos fatores subjacentes a estas causas. Uma posição
(Reiss e Roth, 1993; NCIPC e CDC, 1989) argumenta que os fatores sub-
jacentes aos precursores imediatos da violência devam incluir a pobreza,
as oportunidades educacionais e econômicas inadequadas ou inexisten-
tes, a instabilidade social e familiar e a frequente exposição individual à
violência como uma forma aceitável de resolver desavenças. Outro ponto
de vista, enfatizado no Brasil desde Coelho (1988, p.151), afirma que a
evidência empírica disponível não oferece apoio à hipótese de que o de-
semprego, a pobreza e a crise econômica estejam relacionados, em nível
casual, aos índices de criminalidade. (Idem, 1999, p. 166).

Após essas considerações os autores concluem que as causas da violência


não serão encontradas em fatores sociais únicos e nem em um simples agru-
pamento dos mesmos. Na verdade, muitos pesquisadores compartilham dessa
opinião tentando ressaltar as características sociais e culturais que desfavorecem
alguns grupos sem querer entretanto, afirmar que essas características determi-
nam seu comportamento. Segundo Alba Zaluar: “Não se trata de simplificar a
questão afirmando que a fome cria o criminoso ou mesmo que exista uma corre-
lação entre pobreza e criminalidade. No entanto, há que entender o aumento da
taxa de crimes praticados principalmente por pessoas saídas das camadas mais
pobres” (1994, p. 39). Mesmo entre pessoas que não são estudiosas do assunto,
aparecem divergências. Alguns acreditam que a violência pode ser produto de
uma “revolta” gerada pela má formação familiar e pelas dificuldades financeiras,
enquanto outros defendem que são as características subjetivas como distúrbios
psicológicos que propiciam a criminalidade e assim repercutem na sociedade.
João Sebastião, ao falar sobre a violência dentro de escolas em Portugal destaca,

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Saberes e Partilhas
a partir dessas discussões sobre possíveis causas, que se precisa ter cuidado para
não naturalizar a presença da violência em determinadas regiões desfavorecidas.
Falando das escolas situadas nessas regiões ele diz que:
(...) nada nos pode levar a concluir que os alunos destas escolas são “por
natureza” mais violentos. O que pode ajudar a explicar esta situação de
“maior violência” é o facto de em escolas de meios desfavorecidos se tor-
nar mais evidente o contraste/ confronto entre quadros culturais e organi-
zacionais da escola e as heranças culturais e trajectórias escolares e sociais
dos alunos. (Sebastião, 2009, p. 39)

O autor ainda completa que essa naturalização torna-se especialmente


perigosa porque “[...] permite justificar outra noção de senso comum que pers-
pectiva a escola como sendo incapaz de desenvolver estratégias face à violência,
sendo esta vista como algo inevitável face ao contexto social em que a escola se
insere”(idem, 2009, p. 39). Fica claro que na busca por causas para a violência, a
correlação direta da mesma com fatores estruturais como a pobreza econômica
e social pode causas diversos problemas: Primeiro a desvalorização, através de
noções deterministas, da possibilidade de superação pessoal em meio a um con-
texto social desfavorável, por meio de alguma autonomia individual. Segundo,
a naturalização da presença de violência em meio às classes empobrecidas, seja
isso pelas dificuldades socioeconômicas ou por uma concepção da presença
de debilidades psicológicas (Minayo et al, 1999). Por último, o problema que
é resultado dos dois primeiros, que seria a estigmatização dessas classes como
violentas e criminosas, pelo menos em potencial. Nessa direção Sebastião, refe-
rindo-se às escolas, faz uma pergunta que cabe aos discursos sobre violência em
geral: “Até que ponto alguns dos argumentos mais correntes sobre as causas da
violência na escola constituem elementos capazes de contribuir para a sua com-
preensão, ou pelo contrário, apenas concorrem para o reforço de estereótipos
negativos sobre determinados grupos sociais?” (2009, p. 36).
Cecília Coimbra (2001) destaca a presença dessa estigmatização na socie-
dade brasileira e reconstrói a formação do mito de que determinados grupos são
perigosos e violentos. A autora afirma que alguns discursos especialmente da mí-
dia relacionando diretamente pobreza e violência contribuíram para o desenvol-
vimento de concepções excludentes e estigmatizantes no imaginário popular a
respeito das classes mais pobres. Ela destaca que o processo de formação dessas
noções ocorreu ao longo dos anos e que desde o início do século passado no Brasil
já tentava-se “explicar” a criminalidade e a violência através de fatores generali-
zantes como raça, estrutura familiar e etc. A autora afirma que, além da mídia:
Como já apontei acima, muitos outros fatores participam dessa produ-
ção da violência e da criminalidade que hoje ameaça, angustia e fomenta
uma paranoia coletiva nos grandes centros urbanos. Se, como vimos, a

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
violência e a criminalidade não são dados naturais, já que possuem uma
história, sua produção deve ser vinculada às diferentes e múltiplas práticas
sociais. (Coimbra, 2001:74)

Assim, ela conclui que: “Portanto, há que desconstruir tais interpreta-


ções lineares que estão em última instância, procurando ‘bodes expiatórios’,
ou seja, eventuais culpados maquiavelicamente responsáveis por determinadas
questões.” (2001, p. 74). Erving Goffman (1982) já falou sobre a formação dos
estigmas desde a Grécia antiga. Ele sintetiza esse processo de formação da se-
guinte maneira:
Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que
ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram
numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie
menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, pe-
rigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total,
reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um
estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande –
algumas vezes ele também é considerado um defeito, uma fraqueza, uma
desvantagem – e constitui uma discrepância específica entre a identidade
social virtual e a identidade social real. (…) Observe-se também que nem
todos os atributos indesejáveis estão em questão, mas somente os que são
incongruentes com o estereótipo que criamos para um determinado tipo
de indivíduo. (Goffman, 1982, p. 12-13).

A partir disso podemos compreender a construção dos estigmas relaciona-


dos à pobreza já mencionados aqui. Sendo já a pobreza uma característica con-
siderada negativa, na medida em que é associada com a violência (socialmente
reprovável), crescem as possibilidades de estigmatização das camadas empobreci-
das. Quando isso ocorre, os membros dessas camadas podem ser considerados in-
desejáveis, perigosos, pelo único motivo de pertencerem ao grupo estigmatizado.
Norbert Elias e John Scotson (2000) também falam sobre a atribuição
de estigmas por grupos que se consideram superiores a outros. Eles criticam
as teorias que explicam as diferenças de poder entre grupos apenas através de
aspectos econômicos. Dizem que precisa-se observar os “aspectos figuracionais
dos diferenciais de poder que se devem puramente a diferenças no grau de or-
ganização dos seres humanos implicados”(2000, p. 21). Eles utilizam os mora-
dores de Winston Parva, uma comunidade inglesa, para demonstrar a diferença
de posição social atribuída por moradores antigos aos moradores novos. Dizem
que: “Como indica o estudo de Winston Parva, o grupo estabelecido tende a
atribuir ao conjunto do grupo outsider as características ‘ruins’ de sua porção
‘pior’ - de sua minoria anômica” (2000,p. 22). Os autores destacam que a ano-
mia parece ser a principal crítica dos grupos estabelecidos aos seus considera-
dos inferiores. Segundo eles: “Constata-se que outsiders são vistos pelo grupo

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
estabelecido como indignos de confiança, indisciplinados e desordeiros”(2000,
p. 27). Ao trazermos a reflexão mais uma vez para a sociedade brasileira, po-
demos perceber as questões elucidadas por Elias. As classes estigmatizadas em
relação a violência o seriam justamente por serem atribuídas a elas uma caracte-
rística anômica, já que o próprio comportamento violento consistiria na quebra
das normas sociais de respeito ao outro.
Passando para o cenário das escolas que estudei, seriam nelas encontra-
das expressões desse estigma que relaciona pobreza e violência? Se existirem, de
que forma eles se manifestam? Os casos narrados a partir de agora favorecem o
raciocínio nessa direção.

3. DADOS DA PESQUISA

Em um dia em que as turmas de quinto ano de uma das escolas aguar-


davam para ir a um passeio, uma das professoras chamou a atenção dos alunos
para alguns avisos. Entre alertas de cuidado para não se destacarem do grupo
e de como deveriam se portar no museu que visitariam, a professora explicou
que eles iriam todos de ônibus regular e que, portanto, existiriam outros pas-
sageiros que não deviam ser incomodados. Em meio a isso, a professora disse
que, as pessoas quando olhassem para um grupo de alunos de escola pública
fazendo bagunça no ônibus, pensariam que eles eram “favelados”. Disse que se
fossem alunos de uma escola particular, todos aprovariam qualquer coisa que
eles fizessem, mas que como eram de escola pública, as pessoas poderiam até,
ao vê-los na rua, atravessar para o outro lado. Depois disso, ela fez mais alguns
comentários sobre como eles não deveriam agir de acordo com essa imagem de
“favelado” e de “criança de escola de periferia” que as pessoas tinham deles.
Esse caso evidencia uma reprodução de estigmas relativos à pobreza es-
pecialmente através do termo “favelado”, que seria relativo não a um local de
moradia, mas a um conjunto de atitudes e comportamento extremamente re-
prováveis. Ao dizer que as pessoas pensavam isso ou aquilo deles, a professora
colocava os alunos em contato com uma representação marginalizada, discri-
minatória, dos moradores e estudantes de periferia. Na verdade, ouvi o termo
“favelado” mesmo entre as crianças, configurando agressões entre eles, apesar
do fato de segundo a diretora, a maioria ser moradora da comunidade. Como
por exemplo, na situação seguinte: Um dos alunos me contou que tinha irmãos
pequenos e que nas férias trabalhava para ajudar a mãe a conseguir dinheiro.
No meio da conversa uma menina da mesma turma nos interrompeu dizendo:
Menina:“Tia, ele bem cata xepa para os outros”
Menino: “Cato nada!”
Menina: “Eu não sou favelada igual a você! Você não tem nem uma

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chuteira para jogar bola! (Dirigindo-se a mim) Tia, a casa dele você pre-
cisa ver, não tem nem quarto, é um barraco! (Dirigindo-se ao aluno) Se
você ganha dinheiro porque você não compra uma meia para vir para a
escola?”
Menino: “E eu vou deixar faltar o pão em casa?” (Pausa)
Menina: “Tia, ele corta o cabelo sabe aonde? No CEASA! Paga 1 real para
cortar o cabelo.”

Dessa maneira, a aluna deixava claro já ter internalizado essa concep-


ção, utilizando essas mesmas noções apresentadas pela professora como vindas
de outras classes, para agredir um colega. Falando sobre estigmas associados à
pobreza, como no caso deste trabalho, Maria Carla Araújo ao pesquisar jovens
moradores de bairros carentes, após o relato de uma menina nota: “uma certa
introjeção do estigma de “periferia” pela jovem” (2007, p.115). A autora conclui
que: “Percebe-se que os próprios jovens apresentam um discurso segundo o qual
o habitar na ‘periferia’ desencadeia, ou mesmo fortalece, um conjunto de este-
reótipos sofridos por eles.”(idem, 2007, p. 116).
Outro caso revela o estigma que associa local de moradia e sinais de vio-
lência: Um dia em uma das escolas ouvimos uma intensa queima de fogos na
favela (realizada pelos traficantes para indicar a aproximação da polícia), os alu-
nos se alvoroçaram e um deles veio até mim dizendo: “Tia, eu não moro na
favela não, eu moro em São João.” Ao falar, após uma manifestação do tráfico,
que não morava na favela, não seria essa uma tentativa do aluno de marcar sua
distinção em relação a aquele ambiente altamente estigmatizado? De acordo
com Elias e Scotson:
Como outsiders são tidos como anômicos, o contato íntimo com eles faz
pairar sobre os membros do grupo estabelecido a ameaça de uma “in-
fecção anômica”: esses membros podem ficar sob a suspeita de estarem
rompendo as normas e tabus de seu grupo; a rigor, estariam rompendo
essas normas pela simples associação com membros do grupo outsider.
Assim, o contato com os outsiders ameaça o “inserido” de ter seu status
rebaixado dentro do grupo estabelecido. Ele pode perder a consideração
dos membros deste- talvez não mais pareça compartilhar do valor humano
superior que os estabelecidos atribuem a si mesmos. (2000, p. 26).

A partir disso, podemos compreender a ação do aluno não só no sentido


de delimitar que não faz parte daquele grupo desfavorecido e estigmatizado,
mas também de afirmar seu pertencimento a um outro grupo, reconhecido de
maneira melhor (“eu moro em São João”).Outra situação introduz, entretan-
to, um novo possível veículo desse tipo de descriminação: Em outro dia, uma
das turmas da mesma escola estava em prova, realizando as avaliações bimes-
trais, elaboradas pela Secretaria Municipal de Educação e que, portanto, seriam
realizadas por alunos de todas as escolas municipais. Após um tempo para a

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realização, a professora da turma fez uma leitura em voz alta das questões, a fim
de que os alunos pudessem repensar suas respostas. Uma das questões na prova
de Língua Portuguesa possuía um texto que dizia que todas as pessoas precisam
ter onde morar; precisa de um quarto, uma cama, e não se pode ficar jogado
na rua igual a papel. Não só o texto pode ser considerado discriminatório em
relação à população de rua, como dada a condição socioeconômica das crianças
presentes naquela sala de aula e em muitas outras onde a prova foi aplicada,
tomando como exemplo o caso do aluno já tratado aqui, que de acordo com
sua colega não possuía nenhum quarto em sua casa, o texto poderia também
ser considerado discriminatório em relação a algumas crianças que o leram. Até
porque Hélio Silva e Cláudia Milito (1995) já destacaram que muitos meninos
de rua frequentam as escolas públicas e podem inclusive ser moradores de fa-
velas e bairros pobres que “usam a rua para auferir vantagens” (1995, p. 102).
Segundo os autores:
Quando se fala em menino de rua, o senso comum logo reage com o relato
acabado de um ser em abandono, sem laços familiares, desamarrado para
o que der e vier, armado com o seco temperamento dos desprovidos de
afeto e com os instrumentos letais que o crime organizado coloca em suas
mãos. A convivência relata que tais fantasias servem apenas para alimen-
tar a compulsão à cautela dos amedrontados e a eficácia das investidas
desses meninos, que dependem muito mais da legenda que de seus reais
recursos. A maioria tem família. (Silva e Milito, 1995, p.79).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de tudo isso, podemos perceber como os estigmas relacionados


à pobreza podem estar presentes não apenas em algumas visões que procuram
explicar a violência mas também em concepções de professores e material didá-
tico, como na prova que mencionei. Ficou claro ainda que algumas crianças já
possuem e utilizam esses estigmas, apesar da pouca idade. Mesmo que não pos-
samos atribuir o contato dos alunos com esses discursos discriminatórios apenas
à escola, com base nos casos demonstrados aqui, evidencia-se que também essa
instituição pode ser veículo de estigmas. Especialmente na fala da professora
que avisa a possibilidade de alguém atravessar a rua quando visualizar o grupo
de alunos e no caso do estudante que procura destacar o fato de não morar na
favela depois de uma queima de fogos, podemos perceber indícios de vinculação
entre pobreza e violência. Como foi demonstrado, essa vinculação não é inédita
e aumenta o preconceito em relação às classes desfavorecidas.
Zaia Brandão (1982) defende a atenção dos professores para não ten-
tar impor aos alunos uma concepção de homem padronizada e que é baseada
em características das classes mais ricas. O texto da avaliação descrito aqui, ao

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indicar como ideal uma condição que muitos brasileiros não possuem (um quar-
to e uma cama) e comparar a papel aqueles que ficam nas ruas, parece localizar-
-se nessa concepção condenada pela autora. Ela diz:
O professor/educador empenhado em resolver o problema da educação
escolar dessas camadas terá que enfrentar a questão política de uma so-
ciedade que, sob a capa de neutralidade, responde aos interesses daque-
les que, por condições concretas de vida, fazem parte das camadas que
contam, que têm peso nas decisões, por isso, representam o “homem
integral”(abstrato e irreal em relação aos outros) que ingenuamente os
professores/educadores persistem em impor como padrão às crianças das
camadas populares. (1982, p. 57).

Quando isso não acontece e o professor torna-se veículo de discriminação,


o discurso que muitas vezes é direcionado a um controle do comportamento dos
alunos a fim de que este se enquadre naquelas atitudes socialmente aprováveis
pode se configurar de forma agressiva, que impõe aos alunos um ideal de ser hu-
mano. Como esse ideal pode ser extremamente distante da realidade das crian-
ças e o não alcance do mesmo carregado de estigmas, não seria essa imposição
um tipo de violência? Além das agressões entre alunos e dos vandalismos contra
a propriedade física da escola, revela-se a necessidade de observação de outros
possíveis “lócus” da violência. Atribuí-la somente aos alunos ou à comunidade,
muitas vezes elimina da crítica social aquela violência nas entrelinhas, presente
não apenas no senso comum, como em falas na própria escola.

REFERÊNCIAS
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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
DELLASOPPA, E.; BERCOVICH, A. & ARRIAGA, E. Violência, direitos
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ZALUAR, A; LEAL, M. C. Violência Intra e Extramuros. Revista Brasileira
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SOCIOEDUCAÇÃO E PANDEMIA:
DESAFIOS PLURAIS DENTRO DAS
UNIDADES SOCIOEDUCATIVAS
Laura Carolina Carelli Pereira1

INTRODUÇÃO

A origem da educação condiz com a origem do homem e está incorporada


à sua essência, e a garantia de sua existência e sobrevivência se vale da transmis-
são do conhecimento que forma o processo educativo (SAVIANI, 2007). Dessa
forma a finalidade da educação vai além, sendo possível a criação de um sujeito
capaz de realizar novos experimentos e não apenas reproduzir os já ensinados
pelas gerações anteriores. (PIAGET, 1970).
Para Saviani (2007) a escola tem o propósito de socializar os conhecimen-
tos adquiridos pelo ser humano e deve proporcionar maneiras para a apropria-
ção de tal conhecimento pelos alunos, contribuindo para a humanização dos
sujeitos. Assim sendo, nas palavras de Saraiva (2006, p. 55) surge como “espaço
estratégico para o desenvolvimento de uma política cultural voltada ao exercício
da cidadania, do resgate e afirmação dos valores morais e éticos e, essencialmen-
te, da prática da inclusão”.
Quando tratamos de adolescentes autores de atos infracionais, que muitas
das vezes já possuem marcas em seu percurso educacional advindas das desigual-
dades sociais as quais estão expostos, como escolarização incompleta ou inexis-
tente, o acesso à escola, por si só, já se torna um exercício delicado. É necessário
que as instituições de acolhimento acreditem que estes indivíduos são capazes de
definirem seu próprio desenvolvimento, mesmo que recebam influências da socie-
dade e do meio que estão inseridos, quebrando assim, roteiros de exclusão e in-
centivando sua formação como ser digno de direitos e deveres (AQUINO, 2000).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), em seu art. 112, estabelece
que o adolescente que cometer ato infracional será submetido a medidas socioe-
ducativas, aplicadas de acordo com a gravidade da infração. Tais medidas serão
impostas aos menores sem perder seu caráter pedagógico, tendo por objetivo a

1 Pós-graduanda em Processo Penal e Criminologia. Bacharela em Direito. Licenciada em


Educação Física. Estagiária de Pós-Graduação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais na
Comarca de Juiz de Fora/MG. E-mail: [email protected].
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
reestruturação do indivíduo e sua reintegração social (LIBERATI, 2015).
A necessidade de distanciamento social, advinda da pandemia do
Novo Coronavírus foi algo difícil para educadores e alunos de todo o mundo.
Estabelecer vínculos em ambientes diferentes e utilizar ferramentas tecnológicas
para elaboração das aulas, sendo o Brasil um país onde a tecnologia não está ao
alcance de todos, são apenas alguns dos questionamentos que surgem ao pensar
novas formas de educação (PRETTO, 2005).

SOCIOEDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS

É possível perceber o poder da educação na mudança da sociedade. Sua


essência como prática da liberdade permite que o estado de opressão seja desfeito
por meio de uma concepção questionadora e problematizadora (FREIRE,
1987). Espera-se “a utilização consciente e organizada da instrução como fator
de mudança social” (FERNANDES, 1966, p. 352)
Dubet (2004) ressalta que é necessário um esforço coletivo a fim de pon-
derar as desigualdades sociais no ambiente escolar para a formação de um in-
divíduo crítico e consciente de sua realidade, que supere as situações adversas e
tenha possibilidade de uma vida com dignidade. Nas palavras do autor:
A definição do que seria uma escola justa é das mais complexas, ou mes-
mo das mais ambíguas, pois podemos definir justiça de diferentes maneiras.
Por exemplo, a escola justa deve: - Ser puramente meritocrática, com uma
competição escolar justa entre os alunos social e individualmente desiguais?
- Compensar as desigualdades sociais, dando mais aos quem têm menos,
rompendo assim com o que seria uma rígida igualdade? – Garantir a to-
dos os alunos o que seria um mínimo de conhecimentos e competências?
– Preocupa-se principalmente com integração de todos os alunos na socie-
dade e com a utilidade de sua formação? – Tentar fazer com que as desigual-
dades escolares não tenham demasiadas consequências sobre as desigual-
dades sociais? - Permitir que cada um desenvolva seus talentos específicos,
independentemente de seu desempenho escolar? (DUBET, 2004, p. 540).

O adolescente possui a condição de pessoa em desenvolvimento e a edu-


cação pode construir um novo modelo para sua vida, ainda que tenha cometido
qualquer ato infracional, com foco no seu entendimento como sujeito de res-
ponsabilidades e direitos, assim prevê o documento que embasa as Diretrizes
Nacionais para a educação escolar dos adolescentes e jovens em atendimento
socioeducativo (Parecer CNE/CEB nº 8/2015).
As unidades socioeducativas são responsáveis pela aplicação das medidas
socioeducativas e devem obrigatoriamente fornecer educação básica aos adoles-
centes que nelas se encontrem. Tais medidas podem ser privativas de liberdade
ou de regime fechado (semiliberdade e internação) e não privativas de liberdade

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ou regime aberto (prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida),
além da internação provisória (ZAPPE et al., 2011).
Para Rizzini, Sposati e Oliveira (2019) a definição de socioeducação no
Brasil surge em meados de 1980, com a intenção de impor limites a ideia de pu-
nição para os menores delinquentes, trazendo assim oportunidades de ressocia-
lização e possibilidade de aprender uma profissão ainda dentro das instituições
em que se encontravam. Assim, a educação não se limita ao processo de huma-
nização, mas na reabilitação da humanidade dos excluídos (ARROYO, 2002).
Em 2019 haviam no Brasil 18.086 adolescentes submetidos a medida so-
cioeducativa em privação de liberdade em 330 unidades em todo o país, ultra-
passando o limite das 16.161 vagas disponíveis (BRASIL, 2019). No caso da me-
dida de internação, o Estado deve ofertar, obrigatoriamente, acesso à educação
básica, estando previsto no art. 124 do ECA/90: “São direitos do adolescente
privado de liberdade, entre outros, os seguintes: (...) XI - receber escolarização e
profissionalização”. Porém, existem aspectos que corroboram a fuga escolar de
adolescentes em conflito com a lei, dentre eles: exclusão, discriminação, falta de
estrutura dentro das unidades, distanciamento da prática escolar e realidade em
que se encontram e falta de incentivo (DIAS; ONOFRE, 2010).
Baseado nessas ideias criou-se o SINASE (Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo) em 2006 como uma Resolução do Conselho
Nacional dos Direitos das Crianças e Adolescentes (CONANDA/SEDH nº 119,
de julho de 2006). Em 2012 foi sancionada como Lei Federal (Lei nº 12.594, de
18 de janeiro de 2012) e sua criação define a política de atendimento socioeduca-
tivo e se baseia nos direitos do adolescente e funcionalidade das unidades.
A socioeducação pode ser sistematizada em duas possibilidades: de cará-
ter protetivo, em que existe ameaça ou violação de direito do adolescente e outra
voltada para o trabalho social e pedagógico dos jovens em cumprimento de me-
dida disciplinar (COSTA, 2004). Nesse cenário, os centros socioeducativos de-
vem estar ligados a políticas públicas de integração social, como formação esco-
lar, cultural e profissional, cabendo aos gestores de cada unidade conduzirem as
crianças e adolescentes a educação e convívio em sociedade (GURALH, 2010).
Entretanto, em consulta realizada em 2013, a Companhia de Planejamento
do Distrito Federal (CODEPLAN) apresenta dados alarmantes sobre os adoles-
centes em situação de medida socioeducativa. A pesquisa mostrou que 49,1%
dos adolescentes em liberdade assistida disseram não estar matriculados em es-
colas e 7,6% dos matriculados não frequentavam as aulas. A mesma consulta
informou que 61,6% desses adolescentes não tinham instrução ou não comple-
taram o ensino fundamental (SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2015).

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Saberes e Partilhas

ENSINO REMOTO

A necessidade de distanciamento social, advinda da pandemia do Novo


Coronavírus foi algo difícil para educadores e alunos de todo o mundo. Estabelecer
vínculos em ambientes diferentes e utilizar ferramentas tecnológicas para elabora-
ção das aulas, sendo o Brasil um país onde a tecnologia não está ao alcance de to-
dos, são apenas alguns dos questionamentos que surgem ao pensar novas formas
de educação (PRETTO, 2005).
No momento histórico em que vivemos, no qual o mundo se movimenta con-
forme a Organização Mundial da Saúde (OMS), devido a pandemia da Covid-19,
ser educador no Brasil é um ato desafiador (CHADE, 2020). O isolamento social
trouxe a suspensão das aulas presenciais e a chegada do ensino remoto por meio da
Portaria n° 343/2020 do Ministério da Educação, garantindo assim, a continuidade
do calendário escolar também para os adolescentes privados de liberdade.
Dados estatísticos revelaram fatores preocupantes. De acordo com o
Instituto Península (2020), 88% dos professores nunca tinham dado aula remo-
tamente e 83,4% não se sentiam capacitados para tal. Até mesmo aqueles que
já se valiam de recursos digitais educacionais sentiram dificuldade no ensino
remoto, tendo em vista a precariedade dos sistemas de internet e a dificuldade
em adaptar os espaços pedagógicos para ministrar as aulas. Assim, mais um
obstáculo surge no meio educacional, pois as aulas remotas não são apenas a
adaptação das aulas tradicionais (BACICH, 2020).
Apesar de diversos percalços os educadores do sistema socioeducativo
mostraram que a importância da educação vai além das dificuldades. Resultado
disso foi o alto número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio para
Pessoas Privadas de Liberdade ou sob medida socioeducativa (ENEM-PPL).
De acordo com dados do Ministério da Educação e do Instituto Nacional dos
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 54.231 pessoas nesta
situação se inscreveram no exame em 2021 (BRASIL, 2021).
Dentro do sistema socioeducativo, onde os problemas educacionais já
eram recorrentes, a pandemia inseriu mais um desafio, a inserção de atividades
pedagógicas adequadas trouxe uma nova realidade.
Logo, visualiza-se um novo aspecto na aplicabilidade da medida socioe-
ducativa de privação de liberdade, uma vez que a situação trazida pelo
cenário atual pandêmico conduz a uma nova percepção das instituições e
de suas ações sociais, bem como obriga os profissionais envolvidos com a
educação a achar mecanismos que possam ser adequados à nova realidade
vivenciada, por meio da introdução de disposições normativas que possi-
bilitem e ampliem os recursos metodológicos utilizados para lidar com as
adversidades e superar os tensionamentos decorrentes da situação atual
(MIRANDA; LOPES, 2021, p. 10).

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Desse modo, é essencial pesquisar as dificuldades encontradas por profes-
sores do sistema socioeducativo, que já não bastasse os diversos percalços sociais
vivenciados pelos alunos, tiveram a difícil tarefa de adaptar o ensino-aprendiza-
gem diante da pandemia da Covid-19. A crise sanitária trouxe um sofrimento
social para a educação, forçando adaptações educativas e mostrando a necessi-
dade de políticas públicas para amenizar o contexto crítico (VALENCIO, 2021).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao pensarmos em um mundo onde as oportunidades são, muitas das vezes,


baseadas na meritocracia, algumas parcelas da sociedade se encontram em des-
vantagem na aquisição de direitos e na manutenção de uma vida com dignidade.
A educação é uma das principais defesas contra o sistema, podemos ob-
servar, por exemplo, as várias entidades não governamentais que atuam nas co-
munidades carentes com seus projetos sociais, na tentativa de usar do ensino
e aprendizagem como forma de combater as desigualdades sociais, inclusive
quando tratamos de jovens em contato com o crime, infelizmente realidade re-
corrente em nosso país.
Porém, a educação ainda é o melhor método quando esse contato já acon-
teceu. Ela funciona como antídoto e cura. Sendo o único meio de efetiva res-
socialização dos adolescentes infratores e de assegurar que tenham respeito e
garantias fundamentais.
As unidades socioeducativas se desdobraram para que a socioeducação
tivesse continuidade durante a pandemia da covid-19. As grandes epidemias
pareciam para nós apenas mais uma página nos livros de história. Não imaginá-
vamos passar por isso em um mundo tão evoluído e globalizado, mas ela chegou
atingindo ainda mais esse grupo tão vulnerável.
Àquela instituição, que já possuía vários percalços educacionais, sociais e
culturais, agora se via frente à uma crise sanitária, onde esses jovens já privados
de sua liberdade não poderiam mais receber visitas de seus familiares e ter con-
tato com seus professores.
É dever do Estado ressocializá-los e é dever da socioeducação reintegrá-los.
Logo logo esses adolescentes estarão novamente em convívio social. Que tipo de
indivíduo está sendo “devolvido” à sociedade? Eu não sei. Mas de uma coisa eu
tenho certeza, A EDUCAÇÃO LIBERTA, e não é só das amarras da ignorância.

REFERÊNCIAS
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73
REPENSANDO A EDUCAÇÃO:
A BUSCA POR UMA ESCOLA INCLUSIVA1
Helenice da Silva e Castro2

INTRODUÇÃO

O tema deste artigo está relacionado com a prática pedagógica diante


do desafioda inclusão, o processo de inclusão dos alunos na escola regular. A es-
colha deste tema justifica- se como forma de entender como se processa a inclu-
são de pessoas com deficiência nas escolas regulares, diante de uma sociedade
que precisa vencer preconceitos,rever valores e buscar paradigmas perante uma
educação para todos. Relaciona-se a inserção do deficiente no meio escolar, fato
este que se torna essencial nos dias atuais onde a educação é para todos, faz re-
ferência também as adaptações que precisam ser feitas às escolas, a qualificação
profissional e as metodologias adequadas para cada deficiente.
Tendo em vista o cenário atual da Escola brasileira, onde cada vez mais
se buscaa inclusão de alunos deficientes devemos entender que a instituição es-
colar tida como inclusiva é aquela em que não há distinção entre seus alunos
por suas limitações, mas sim proporciona uma educação unificada e direcionada
para todos, de modo que qualquer educando nela presente seja alfabetizado,
possam interagir em um ambiente livre de preconceitos suas potencialidades
sejam trabalhadas e exploradas para seu benéfico, buscando a formação de uma
consciência crítica, a escola inclusiva deve ser aberta, eficiente, democrática,
repudiando qualquer forma de preconceito e exclusão.
Como frequentemente vemos as escolas brasileiras ainda apresentam
muitas dificuldades em receber os alunos deficientes em turmas regulares, isso
se deve ao fato de que grande parte dos profissionais não estão preparados para
atendê-los bem como o espaço físico das escolas, que recebe poucos investimen-
tos governamentais para este fim.
O objetivo deste capítulo é propor uma nova visão sobre a inclusão como
1 Este texto é a adptação de um traalho apresentado para a Conclusão da Pós-Graduação
em Educação Especial e Inclusiva, apresentada ao Instituto Educacional Alfa.
2 Especialista em Gestão Escolar Integrada: Gestão, Supervisão, Orientaçaõ pelas Faculda-
des Integradas de Jacarépagua eem Educação Especial e Inclusiva pela FAVENI. Gradua-
da em Pedagogia pela UEMG/Barbacena. Docente na Rede Pública, no Estado de Minas
Gerais em Barbacena/MG. E-mail [email protected]
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Saberes e Partilhas
uma forma de inovar as metodologias para que sirvam para qualquer indivíduo,
viabilizando o espaço físico adequado para todas as escolas, visando atender aos
princípios deste novo cenário educacional.
A escolha do tema surgiu através da convivência com alunos deficientes
na escola em escolas regulares e especiais públicas, esta foi a principal motiva-
ção, pois ao observar as dificuldades do aluno em relação às metodologias, ao
espaço físico e a interação com os colegas em desempenhar certas atividades foi
o principal combustível sobre repensar este tema.

REPENSANDO A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A educação é um direito fundamental e garantido por lei a todos os seres


humanos e cabe aos educadores, a escola como um todo e a sociedade lutarem
que isso de fato ocorra, sem preconceitos, sem ensino à parte para deficientes,
buscando de forma efetiva a educação para todos os alunos. Torna-se necessário
que essas questões sejam mais discutidas e enfatizadas em função da importân-
cia de reconhecermos que pessoas com necessidades especiais existem e podem
estar, na família, na escola, na vida social.
Quando pensamos em Inclusão de pessoas portadoras de deficiências,
muitas ideias surgem, por exemplo, como isto pode ser feito, onde? Há dúvi-
das frequentes sobre este tema, nossas escolas estão preparadas para recebê-los?
Nossos profissionais da educação podem ensinar pessoas deficientes juntamente
com crianças sem deficiência? O espaço físico da escola deve ser modificado,
como? Antigamente muito se questionou a deficiência e a educação muitas pes-
soas pensavam e infelizmente ainda pensam que tal parceria não é possível. A
fim de repensar as concepções educacionais que vivenciamos hoje, este trabalho
tem como meta abordar e informar melhor sobre a escola inclusiva.
A escola é um espaço interação, onde se aprende a conviver com as di-
ferenças não só físicas mais de ideias enfim opiniões é um lugar de acesso aos
conhecimentos, ouseja, é uma instituição que irá nos proporcionar meios de nos
desenvolver como pessoas e de nos tornar cidadãos conscientes e participativos
na sociedade, considerando toda diversidade cultural e econômica presentes em
nosso país devem ser utilizadas metodologias que estimulem a convivência e o
respeito à diversidade humana para que se estimule aobservação das potenciali-
dades e não das limitações do ser humano.
Implementar a escola aberta às diferenças e à qualidade da educação que
é igualitária justa e acolhedora para todos, é um sonho possível. As pers-
pectivas de um ensino inclusivo são, pois, animadoras e alentadoras para a
nossa educação. A escola é do povo, de todas as crianças, de suas famílias,
da comunidade que se insere. (MONTOAN, 1988)

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Atualmente nota-se uma maior abordagem sobre educação inclusiva afi-
nal está o direito de todo cidadão frequentar a escola. Uma escola onde todos
sejam respeitados e valorizados por suas características individuais em que seu
objetivo principal seja garantir que seus alunos tenham seus direitos respeita-
dos cumprindo-se a Constituição Federalde 1988, em que a educação é direito
de todos os indivíduos.
As vantagens da prática da educação inclusiva são inúmeras e refletem
em todos, quando professores, familiares e toda a comunidade estiverem con-
vencidos de que o objetivo da educação inclusiva é garantir que todos os alunos
participem de forma igualitária sem exclusão de qualquer proposta pedagógica.
Não podemos deixar de ressaltar que cada aluno tem seu próprio ritmo de apren-
dizagem e estes devem ser respeitados tanto o tempo quanto o ritmo de cada
aluno às diferenças nos processos de aprendizagem caracterizam uma escola
inclusiva, aberta a receber todos.
A diversidade presente da sala de aula bem como em cada escola é preciso
que o professor tenha em mente que perceber e valorizar as diferenças são uma
atitude que só acrescenta na formação humana, pessoal e profissional.
Na educação inclusiva o aluno é quem irá produzir seu próprio resultado. Os
professores, profissionais por sua vez capacitados atuam como mediadores, facili-
tando o pro- cesso de aprendizagem desse aluno, a partir de técnicas apropriadas.
As mudanças deverão necessariamente começar nas concepções pedagó-
gicas dos professores e em suas atitudes para com os alunos em dificulda-
de. A perspectiva pessoal do professor informará toda a sua construção
e implementação de esquemas e rotinas. (RODRIGUES, Armindo de J.
Apud RIBEIRO e BAUMEL 2003, p. 24).

Nessa importante missão de incluir quem sai ganhando com a inclusão


somos todos nós, pois os alunos com deficiência, interagindo com alunos sem
deficiência, aprendem mais rapidamente, pois podem contar com o apoio dos
colegas, podendo ajudar e serem ajudados, aprendendo a lidar e valorizar a di-
versidade existente nos demais colegas, evitando o preconceito e a exclusão que
ainda é muito frequente em nossas escolas,todos aprendem acima de tudo a con-
viver com as diferenças individuais, a respeitar os limites do outro e partilhando
conhecimentos e descobertas.
No ambiente escolar onde se reúnem valores e princípios, construção do
conheci- mento, todos os alunos aprendem a lidar com as peculiaridades, pois
a escola, bem como a sociedade precisam se conscientizar-se de seus papéis de
buscar a união para o bem comum, lutando pela inclusão de todos os alunos,
com ou sem deficiência. É importante que não apenas à escola seja dado o
desafio de fazer acontecer à inclusão, a família e a sociedade também exercem

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papéis fundamentais.
Sabe-se, entretanto, que a família tem se encontrado, historicamente,
numa posição de dependência de profissionais em diferentes áreas do
conhecimento, no sentido de receberem orientações de como proceder em
relação às necessidades especiais de seus filhos. (BRASIL, 2004)

O papel da família dos alunos é essencial neste processo. A família é o


primeiro grande grupo social em que a criança tem contato e é nela que deve re-
ceber carinho, atenção e valorização. Por eles são transmitidos valores culturais,
religiosos e psicológicos para buscar integrar a sociedade, por isso quando inicia
sua vida escolar uma parceria deve ser estabelecida entre escolas, professores e
pais, para que estes possam participar das decisões que envolvem seus filhos a
família deve ser vista e tratada como um parceiro a mais no processo de quebra
das barreiras que impedem a participação e a inclusão social de seus membros,
por quaisquer motivos que sejam.
A inclusão propriamente não consiste em basicamente inserir o aluno
numa classe regular de ensino, fazê-lo frequentar as aulas sendo que nada que é
dito é absorvido, isso na verdade não é educação inclusiva, o aluno está apenas
sendo integrado, porém não incluído com metodologias que o façam se sentir
parte do meio. A inclusão acontece quando o aluno que é colocado numa sala
de aula pode contar com o auxílio de profissionais capacitados, que viabilizem
meios para seu pleno desenvolvimento juntamente com os demais colegas.
Segundo o site g1.com foram registrados os seguintes dados:
O Censo Escolar, entre 2005 e 2011, as matrículas de crianças e jovens
com algum tipo de necessidade especial (intelectual, visual, motora e au-
ditiva) em escolas regulares cresceu 112% e chegou a 558 mil. O Censo
Escolar não diz quantas destas matrículas são de alunos com síndrome
de Down, outra deficiência intelectual ou autismo. O Censo do IBGE,
porém, aponta que, em 2010, 37% das crianças com deficiência intelectual
na idade escolar obrigatória por lei (5 a 14 anos) estavam foram da escola,
número muito superior à média nacional, de 4,2%. Outro indicador do au-
mento da inclusão: as matriculas das crianças com deficiência em escolas
especializadas e as classes exclusivas nas escolas comuns caiu 48% de 2005
para 2011, quando foram registradas 193 mil matrículas.

Ainda segundo o Censo escolar foi divulgado o número de matriculas de


alunos com deficiências em escolas públicas e especiais

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EVOLUÇÃO DAS MATRÍCULAS ESCOLARES DE PESSOAS COM


DEFICIÊNCIA*

Fonte: Censo Escolar (MEC/Inep)


*As matrículas podem se repetir nas duas modalidades / **Inclui classes especiais dentro de
escolas comuns

Podemos perceber que as diferenças vêm diminuindo e o acesso aumen-


tando como decorrer do tempo. Ainda segundo este site O MEC afirma que,
entre 2005 e 2011,abriu 37.800 dessas salas, usadas para atividades individuali-
zadas com os alunos especiais em horários além dos que eles passam na sala de
aula comum, abrangendo 90% dos municípios do país. A pasta diz que espera
contemplar 42 mil escolas com esse recurso até 2014.
Afinal como adaptar os espaços aos deficientes? Muitos esforços ainda
devem ser feitos para que isso ocorra plenamente, abaixo estão descritas algu-
mas formas de viabilizar os espaços a todos os deficientes:
Para alunos com deficiência física: eliminação de barreiras arquitetô-
nicas para circulação do estudante permitindo o acesso aos espaços de
uso coletivo; reserva de vagas em estacionamentos nas proximidades das
unidades de serviços; construção de rampas com corrimãos ou colocação
de elevadores, facilitando a circulação de cadeira de rodas; adaptação de
portas e banheiros com espaço suficiente para permitir o acesso de ca-
deira de rodas; colocação de barras de apoio nas paredes dos banheiros;
instalação de lavabos, bebedouros e telefones públicos em altura acessível
aos usuários de cadeira rodas. Para alunos com deficiência visual: sala
de apoio contendo: máquina de datilografia braile, impressora braile aco-
plada a computador, sistema de síntese de voz, gravador e fotocopiadora
que amplie textos; plano de aquisição gradual de acervo bibliográfico em
fitas de ; software de ampliação de tela; equipamento para ampliação de
textos para atendi- mento a aluno com visão subtiormal, lupas, réguas de
leitura; scanner acoplado a computador; plano de aquisição gradual de
acervo bibliográfico dos conteúdos básicos em Braille. Para alunos com
deficiência auditiva: quando necessário intérpretes de língua de sinais/
língua portuguesa, especialmente quando da realização de provas ou sua
revisão, complementando a avaliação expressa em texto escrito ou quando
este não tenha expressado o real conhecimento do aluno; flexibilidade na
correção das provas escritas, valorizando o conteúdo semântico; aprendi-
zado da língua portuguesa, principalmente, na modalidade escrita, (para o
uso de vocabulário pertinente às matérias do curso em que o estudante es-
tiver matricula- do); materiais de informações aos professores para que se
esclareça a especificidade linguística dos surdos.” (PORTARIA nº 1.679,
de 2 de Dezembro de 1999, Art 2º. Parágrafo único.)

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Educar no contexto em que vivemos hoje não é uma simples tarefa é algo
muito além temos que nos comprometer com esta missão buscando a plena e
igualitária transmissão de conhecimento a todos, realçando os novos paradig-
mas em relação à inclusão de pessoas com necessidades especiais assim todo
cidadão para um ensino regular de qualidade.
A melhoria do ensino envolve necessariamente maior aproximação dos
pais, da família e da comunidade em relação à escola; no momento no mo-
mento em que essa aproximação é traduzida em resultados, percebe-se que
ela reforça a ideia de prestação de pequenos serviços, colaboração material
e humana para a unidade de ensino. (SPOSITO, 1994, p.201).

Outro aspecto relevante neste contexto é a participação da família, a inte-


gração família -escola é importante recurso para a melhoria da aprendizagem,
com a participaçãoda família na vida escolar dos filhos a partir dela se adquire a
melhoria do processo ensino - aprendizagem, o que irá refletir positivamente em
um melhor aproveitamento escolar, promovendo e preparando a criança como
pessoa humana a ser integrada ao meio social e posteriormente ao mercado
de trabalho. Daí a necessidade de um maior contato dos pais com os filhos na
fase escolar, pois são eles os principais modelos de vida para os filhos, que vão
consciente ou inconscientemente, adquirindo certas características de seus pais.
Com a participação ativa dos pais juntamente com a escola é possível construir
umaforma eficaz para o aprendizado onde se atenda aos anseios da sociedade e
às necessidades dos alunos.
O conhecimento da família do aluno é indispensável para a eficácia do
trabalho es- colar. Embora tal conhecimento seja essencial para o profes-
sor, a escola, através do serviço de intercâmbio com a comunidade, pode
fazer tais visitas e colocar as informações à disposição dos professores.
(PILETTI, 1987, p.185).

O sucesso só será obtido de forma eficaz quando a escola puder contar


com a participação e ideias de todos os educadores, inclusive os pais, pois assim
o trabalho coletivoresultará no desenvolvimento da aprendizagem.
Quando optamos por ser Professor devemos estar dispostos a aceitar e
compreender os obstáculos enfrentados como educador, tendo em vista que não
é algo fácil como antigamente uma cartilha a se seguir hoje nossos alunos estão
mais exigentes e esperam muito mais de nós. Na atuação docente em relação
a alunos que têm necessidades especiais algumas práticas pedagógicas podem
auxiliar a entender um pouco mais sobre as condições favoráveis a inclusão es-
colar, vejamos alguns deles:
O conhecimento da família do aluno é indispensável para a eficácia do
trabalho escolar. Embora tal conhecimento seja essencial para o professor,

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a escola, através do serviço de intercâmbio com a comunidade, pode
fazer tais visitas e colocar as informações à disposição dos professores.
(PILETTI, 1987, p.185).

O sucesso só será obtido de forma eficaz quando a escola puder contar


com a participação e ideias de todos os educadores, inclusive os pais, pois assim
o trabalho coletivoresultará no desenvolvimento da aprendizagem.
Quando optamos por ser Professor devemos estar dispostos a aceitar e
compreender os obstáculos enfrentados como educador, tendo em vista que não
é algo fácil como antigamente uma cartilha a se seguir hoje nossos alunos estão
mais exigentes e esperam muito mais de nós. Na atuação docente em relação
a alunos que têm necessidades especiais algumas práticas pedagógicas podem
auxiliar a entender um pouco mais sobre as condições favoráveis a inclusão es-
colar, vejamos alguns deles:
- Primeiramente saber identificar os alunos com necessidades educacio-
nais específicas;
- Conhecer metodologias que vão auxiliar no ensino destes alunos;
- Aprofundar conhecimentos entre a relação da escola com a família;
- Aprofundar conhecimento sobre o desenvolvimento escolar da criança
e do adolescente;
- Aprofundar conhecimentos sobre planificação;
- Aprofundar conhecimentos sobre avaliação;
- Conhecer métodos especiais de leitura e escrita;
- Conhecer técnicas de expressão e linguagem, ligadas ao trabalho com
alunoscom necessidades educacionais;
- Saber adaptar atividades ao ritmo e as dificuldades dos alunos. (SILVA,
2003 p.57, adaptado pela Autora.)

Como visto alguns pontos facilitadores da inclusão escolar foram apre-


sentados, as práticas pedagógicas ajudam? Sim, e muito, mas, no entanto, de-
ve-se lembrar de que esta inclusão requer muito mais que práticas pedagógicas,
um educador aberto a mudanças e a quebra de paradigmas ele que acima de
tudo deve ter em mente o respeito e a aceitação das diferenças que existem no
próximo, quanto as suas limitações, sabendo que cadaser carrega consigo carac-
terísticas peculiares e distintas, afinal todos somos diferentes.
Quando falamos de incluir independente das diversidades existentes na
sociedade estamos nos referindo a novos ambientes de aprendizagem, atenden-
do as mais diversas formas de aprendizagem humana, sendo possível a utili-
zação de recursos tecnológicos para melhor viabilizar o conhecimento. Incluir
deve ser percebido como uma ação conjunta não cabe apenas ao professor a
tarefa de incluir todos nós devemos estar abertos a mudanças desde os colegas
até a família, e a sociedade.
A escola também tem papel fundamental para a aprendizagem, pois

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
participa da facilitação da inclusão, através do fornecimento de materiais didáti-
cos adaptados e mais do que isso ela deve oferecer cursos aos educadores com a
finalidade de conhecer novas práticas de ensino para portadores de deficiências,
como lidar e como incluí-los nas atividades, pois a partir da iniciativa da escola
em estabelecera a inclusão entre seus objetivos prioritários o caminho fica mais
fácil para posteriormente à prática educativa nas salas de aula seja realizada a
fim de incluir. A escola deve se empenhar com a mudança, com a modificação
da cultural e organizacional da escola.
O desenvolvimento profissional dos professores deve estar sempre basea-
do em conhecer as diversidades existentes na sala de aula, nem todos os alunos
Além disso, pode dar suporte, atenção e credibilidade ao trabalho dos
profissionais que atuam na escola como: retribuição econômica e valorização
de seu perfil profissional fazem como que eles cada vez mais deem o seu melhor
no que foi proposto.
Visando uma proposta de mudança da escola para facilitar este processo
de inclusão algumas atitudes quando estabelecidas irão auxiliar neste processo,
por exemplo:
1. Reforçar a cultura da escola;
2. Realizar uma boa questão;
3. Impulsionar o desenvolvimento dos professores;
4. Estabelecer uma comunicação direta e frequente;
5. Compartilhar com outros o poder e a responsabilidade;
6. Utilizar símbolos e rituais para expressar os valores culturais.
(LEITHWOOD E TANTZI 1990 Apud Coll et al 2004, p. 45)

Estas estratégias devem afetar a cultura da escola para que eu seja esta-
belecido compromisso com a mudança educativa, a fim de garantir a inclusão
através da modificação seus valores, normas, atitudes profissionais, meto-
dologias de ensino, participação dos pais, da comunidade, buscando de forma
conjunta a inclusão dos portadores de deficiências em todos os ambientes, a
partir da ideia de democratização da informação e dos conhecimentos e bana-
lização de preconceitos em relação à educação inclusiva consegui-remos enfim
colaborar de forma eficaz para que todos sintam a importância de se repensar
os direitos de todos os cidadãos principalmente o da educação que é direito de
todo cidadão brasileiro, seja ele pertencente a qualquer raça, crença ou religião.
Todas as crianças possuem características, interesses, habilidades e necessidades
de ensinos únicos, não só os deficientes, portanto não há razão para exclusão,
o sistema educacional deveria ter plena capacidade de programar seu método
de ensino para abrigar a diversidade existente de capacidades, atendendo-as de
forma eficaz e completa, só assim a educação será de todos.
Este capítulo teve como prioridade trazer grandes contribuições em

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
repensar sobre a escola brasileira diante da inclusão das pessoas com deficiên-
cia, bem como uma avaliação se estamos realmente preparados para acolher
qualquer cidadão em nossas instituições de ensino buscando efetivamente uma
sociedade mais justa, consciente e igualitária.Uma escola inclusiva é aquela que
possui condições de oferecer uma educação de qualidade, planejamento, orga-
nização, buscando um trabalho conjunto com a escola e seus profissionais,
a família e a sociedade devem estar abertos e dispostos a assumir o papel de
agentes transformadores da realidade que vivemos apresentando propostas e
metas para que eu se atinja o objetivo da inclusão.
No espaço escolar onde se reúnem valores, respeito, princípios, construção
do conhecimento, todos os alunos aprendem, com ou sem deficiência, pois a es-
cola, bem como a sociedade precisam se conscientizar-se de seus papéis, lutando
pela inclusão de todos os alunos, com ou sem deficiência. Não cabe apenas à es-
cola o desafio de fazer acontecer à inclusão, mas também à família e a sociedade.
Na inclusão os alunos deverão se adaptar até o limite que conseguirem
chegar cabe ao professor desenvolver suas habilidades se o ensino for de
qualidade, isto é, se o professor considera o nível de possibilidades de de-
senvolvimento de cada ume explora suas possibilidades, por meio de ativi-
dades abertas, nas quais cada aluno se enquadra por si mesmo, na medida
de seus interesses e necessidades, sejapara construir uma ideia, ou resolver
um problema, realizar uma tarefa. Eis aí um grande desafio a ser enfren-
tado pelas escolas regulares tradicionais, cujo paradigma é condutista, e
baseado na transmissão dos conhecimentos. (MANTOAN, 2005)

Uma sociedade que pretende assumir uma postura inclusiva necessita


conscientizar-se de que todos os alunos, independentemente da diversidade,
quando estão no mesmo espaço, merecem respeito. Devemos investir em nossos
profissionais para que sempre se qualifiquem para atender esta nova proposta,
também é necessário que nossas escolas busquem se adaptar as limitações dos
deficientes para melhor atendê-los. Diante disso temos que valorizar a educação
especial, pois é ela que nos dará apoio para que o aluno portador de necessida-
des educativas especiais venha a ser incluído na sociedade.
Devemos educar a todos com qualidade sem exceção, devemos também
pensar nas pessoas, na garantia de seus direitos, na formação da cidadania esta
deve ser nossa prioridade. Se acreditarmos que através de atitudes como essa
podemos tornar o mundo um pouco melhor e menos desigual, estaremos cons-
cientizando cada vez mais as pessoas a nosso redor.
São importantes os estudos e ações que relacionem a educação e as ne-
cessidades educacionais dos estudantes, assim como informar a comunidade es-
colar sobre as deficiências buscando estratégias que propiciem o aprendizado e
explore as potencialidades dos alunos, através da parceria entre escola regular e

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
especial, quando necessário, e de conscientizar os participantes deste processo
educadores, funcionários das escolas, alunos e seus familiares. Adquirir uma
escola inclusiva não é fácil, no entanto é necessário e urgente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como estudo foi possível verificar o histórico de descriminação e hostili-


zação de maneira alguma se deve repetir este fato cruel, pelo contrário devemos
ter vergonha de tê-lo feito, as pessoas que forram vítimas de preconceito e igno-
rância são seres humanos que possuem qualidades e potenciais como qualquer
pessoa considerada “normal”. Cabe a nós educadores evidenciar e trabalhar seu
potencial a seu favor a fim de contribuir para seu reconhecimento.
Devemos procurar adequar nossa escola bem como nosso ensino para
atender às necessidades educativas de alunos com quaisquer deficiências, adap-
tações para a acessibilidade são necessárias, juntamente com o apoio de profis-
sionais qualificados dando suporte às necessidades do aluno.
Felizmente existem leis que dão suporte a tal assunto, mas podem ser
aprimoradasa fim de que se consiga mais qualidade ao ensino destes alunos.

REFERÊNCIAS
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conselhosescolares: conselho escolar, gestão democrática da educação e es-
colha do diretor. Brasília: Secretaria de Educação Básico, 2004.
BRASIL, Ministério da Educação. Lei de diretrizes e bases da educação na-
cional. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Programa
Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares. Gestão da educação
escolar. Brasília: UnB, CEAD, 2004 vol. 5. p. 25).
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Educa-
ção inclusiva: v. 4: a família / coordenação geral Seesp/MEC; organização
Maria Salete Fábio Aranha. – Brasília: MEC/Seesp, 2004d
MANTOAN. Maria Teresa Égler, Peculiaridades e semelhanças entre nor-
mais e deficientes face aos processos de desenvolvimento mental. Temas so-
bre o desenvolvimento. V.5, n° 25, p.4-10, 2005.
SILVA, Maria Odete Emygdio da. A análise de necessidades na formação
contínua deprofessor: Um contributo para a integração e inclusão dos alunos
com necessidades educativas especiais no ensino regular. São Paulo: AVER-
CAMP, 2003. p. 53-69. BBE.
PILETTI, Nelson. Sociologia da Educação. 5ª.ed .São Paulo: Ática, 1987.

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
MANTOAN, M.T.E. (1988). Compreendendo a deficiência mental: novos
caminhoseducacionais. São Paulo: Editora Scipione.
RODRIGUES, David (org.). Inclusão e Educação: Doze Olhares Sobre Edu-
cação. Editora: Summus. São Paulo, 2006.

84
DIFERENÇAS VERSUS HOMOGENEIZAÇÃO,
TRAÇANDO CAMINHOS PARA A EDUCAÇÃO
EM UMA PERSPECTIVA INCLUSIVA
Beatriz Viana Motta1
Célio Rafael dos Santos Viana2
Elissilvia de Souza Pereira3

1. INTRODUÇÃO

Em nossa sociedade os processos históricos desempenharam um papel


imprescindível para a construção do nosso contexto atual, todavia, o sistema
capitalista exige padrões sociais que em sua maioria excluem grupos ou pessoas
que não atendem tais padrões, de maneira que estes são excluídos e invisibili-
zados, assim, tornando-se desconhecidos, tendo como consequência comporta-
mentos estigmatizantes por parte da sociedade, que devido a tais fatores, cons-
trói uma visão erronia com relação aos grupos minoritários ou excluídos.
A educação em uma perspectiva inclusiva, é imprescindível para romper
com a visão pré-concebida e construída ao longo da história, haja vista que a
escola é um espaço que abriga uma diversidade social, nesse sentido, emergiu o
seguinte questionamento:
Como a inclusão escolar das pessoas indígenas e pessoas com deficiência
pode contribuir para equidade social?
Nessa perspectiva pôde-se traçar os seguintes objetivos: Objetivo geral, com-
preender através das literaturas como a Educação Escolar Indígena e a Educação
Especial em uma perspectiva inclusiva podem contribuir em aspectos sociais;
E como objetivos específicos: (a) Apresentar os conceitos de Educação

1 Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas


(UEA) e Pós-Graduada em Psicopedagogia e Educação Inclusiva pelo Centro Universitá-
rio Fametro (CUF). E-mail: [email protected].
2 Graduando em Licenciatura em Matemática pela Universidade do Estado do Amazonas
(UEA). E-mail: [email protected].
3 Graduada em Licenciatura em Normal Superior pela Universidade do Estado do Ama-
zonas (UEA), Gestora na Escola Estadual Professor José Melo de Oliveira no município
de Codajás no Estado do Amazonas (AM) e Mestranda em Ciências da Educação peja
Universidad de la Integración de las Américas (UNIDA) em Assunção, Paraguái. E-mail:
[email protected].
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Escolar Indígena e Educação Especial; (b) Delinear através das literaturas os
principais entraves para a inclusão de pessoas com deficiência e pessoas indí-
genas dentro do espaço escolar; (c) Analisar os aspectos positivos da proposta
de uma educação em uma perspectiva inclusiva tanto para os povos indígenas
quanto para as pessoas com deficiência.
A presente investigação, é proveniente de experiências vivenciadas ao
longo da graduação, além das leituras realizadas na disciplina “Sociedades
Indígenas e Educação” do programa de mestrado, onde buscou-se realizar um
delineamento entre a educação especial em uma perspectiva inclusiva e a educa-
ção escolar indígena, com o intuito de romper com a visão genérica construída
pela sociedade com relação a esses dois grupos.
Metodologicamente, a presente pesquisa possui uma abordagem quali-
tativa e bibliográfica, tratando-se de uma revisão de literatura, tendo em vista
a inclusão escolar, considerando a equidade e a inclusão social por meio dos
avanços construídos no atual contexto.
O presente estudo fundamenta-se nos seguintes autores: MELIÁ, 1999;
FREIRE, 2000; MANTOAN, PRIETO e ARANTES, 2006; BERGAMASCH
e SILVA, 2007.
Os autores apresentados evidenciam os avanços obtidos, mas também, o
quanto ainda temos que progredir para que alcancemos uma educação em uma
perspectiva inclusiva, bem como a quebra dos padrões sociais para a inclusão
dos grupos considerados diferentes ou fora dos padrões impostos.
O presente artigo, divide-se em três eixos temáticos, os quais, interligam-
-se através de um delineamento traçado entre as questões sociais relacionadas a
pessoa indígena e a pessoa com deficiência, perpassando pelas políticas educa-
cionais que promovem o ingresso e permanência desses indivíduos nas escolas
de ensino regular, e por fim, a importância do papel ativo das pessoas indígenas
e pessoas com deficiência dentro do ambiente escolar, e a importância da forma-
ção docente para que a inclusão desses sujeitos ocorra de forma efetiva.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa, possui uma abordagem qualitativa, tendo em vista


os objetos estudados, bem como os métodos utilizados para a concepção da
investigação em questão.
De acordo com Minayo (2009, p. 21):
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocu-
pa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não
deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos signifi-
cados, dos motivos, das aspirações das crenças, dos valores e das atitudes.

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Saberes e Partilhas
Dentre os inúmeros métodos existentes nas pesquisas de natureza quali-
tativa, o presente estudo trata-se de uma pesquisa bibliográfica, sendo utilizada
a revisão de literatura, sistematizando experiências e vivências com leituras de
artigos científicos e obras de autores que estudam a temática em questão.
Conforme Martins (2018, p. 2):
A revisão de literatura refere-se à fundamentação teórica que você irá ado-
tar para tratar o tema e o problema de pesquisa. Por meio da análise da
literatura publicada você irá traçar um quadro teórico e fará a estruturação
conceitual que dará sustentação ao desenvolvimento da pesquisa.

Nesse sentido, o presente artigo foi concebido através das análises de ex-
periências vivenciadas pelos pesquisadores, alinhando-se aos teóricos estudados
no decorrer dos seus processos formativos.

2.1 DIFERENÇAS VERSUS HOMOGENEIZAÇÃO, CONTEXTO SOCIAL

Inicialmente, é necessário conhecer o contexto social no qual estamos in-


seridos, bem como o sistema que rege a nossa sociedade, pois, estes nos desig-
nam padrões e regras, para que possamos sobreviver nesse meio.
Todavia, se existe algo desconhecido que esteja fora dos padrões espera-
dos, logo, tal fator causa estranheza e por consequência torna-se invisibilizado
ou até mesmo excluído, este contexto, pode ser observado ao longo de fatos
históricos, os quais, estruturaram nossa sociedade atual.
Santos (2010, p. 95) aponta que:
A característica mais fundamental da concepção ocidental de racionalida-
de é o facto de, por um lado, contrair o presente e, por outro, expandir o
futuro. A contracção do presente, ocasionada por uma peculiar concepção
de totalidade, consiste em transformar o presente num instante fugidio, en-
trincheirando entre o passado e o futuro.² Do mesmo modo, a concepção
linear do tempo e a planificação da história permitiram expandir o futuro
indefinidamente.

As reflexões apresentadas pelo autor, remetem a compreensão do cenário


que emoldura a sociedade atual, tendo em vista, as culturas ocidentais e euro-
cêntricas, que em sua maioria regem o nosso contexto atual.
Nesse sentido, é importante destacar que tais fatores contribuem com as
visões errôneas e pré-estabelecidas com relação ao diferente ou quaisquer situa-
ções que fujam dos padrões existentes, assim, tendo como consequência a cria-
ção de estereótipos no que se refere as pessoas, sejam estas indígenas ou pessoas
com deficiência.
Freire (2000, p. 4) ilustra a seguinte reflexão:
A primeira idéia que a maioria dos brasileiros tem sobre os índios é a de

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que eles constituem um bloco único, com a mesma cultura, compartilhan-
do as mesmas crenças, a mesma língua. Ora, essa é uma idéia equivoca-
da, que reduz culturas tão diferenciadas a uma entidade supra étnica. O
Tukano, o Desana, o Munduruku, o Waimiri-Atroari deixa de ser Tukano,
Desana, Munduruku e Waimiri-Atroari para se transformar no “índio”,
isto é, no “índio genérico”.

O autor apresenta uma visão genérica relacionada a pessoa indígena, que


por via de regra, encontra-se presente entre os não indígenas, entretanto, tal fato
se expande para outros grupos minoritários existentes, como por exemplo as
pessoas com deficiência, que, em sua maioria, são tratadas de forma homogê-
nea, tendo suas individualidades invisibilizadas.
Tanto as pessoas indígenas, quanto as pessoas com deficiência, fazem par-
te dos grupos minoritários de nossa sociedade, logo, existe a necessidade desses
grupos se integrarem socialmente, contudo, em sua maioria, são estigmatizadas
por não se enquadrarem dentro dos padrões sociais estabelecidos, e por conse-
quência disso, acabam sendo excluídos pela ausência de igualdade de oportuni-
dade nos diversos espaços e relações sociais.
Segundo a abordagem de Omote (2004, p. 287):
O estigma é tratado como marca social de descrédito e de inferioridade
das pessoas que pertencem a alguma categoria de desvio, e cumpre a fun-
ção de controle social para a manutenção da vida coletiva. Aventa-se a
idéia de que os desvios e estigmas são necessários na construção de uma
sociedade inclusiva, justamente porque há aí uma ampla gama de desi-
gualdades. O estigma é parte integrante da inclusão, e este é o grande di-
lema a ser enfrentado pelas sociedades humanas que precisam combater
as desigualdades.

Isto posto, é importante enfatizar que ao longo deste século, tal configu-
ração social vem sofrendo mudanças gradativas, pois, em âmbito educacional,
busca-se a inclusão desses sujeitos, entretanto, apesar dos avanços obtidos, ainda
se faz necessário investimento na formação inicial e continuada dos docentes
que atuam com este público no ensino básico.
Mantoan (2006, p. 15) mostra em seus estudos que: “Algumas escolas
públicas e particulares já adotaram ações nesse sentido, ao proporem mudanças
na sua organização pedagógica, de modo a reconhecer e valorizar as diferenças,
sem discriminar os alunos nem segregá-los”.
Ainda com relação à perspectiva inclusiva, nos últimos anos, foram ins-
tituídas uma série de políticas públicas inclusivas que propiciam direitos para
as pessoas indígenas e pessoas com deficiência, de maneira que estas possam
exercer sua cidadania plena e viver com qualidade dentro do contexto social, é
importante esclarecer que tais políticas iniciaram em âmbito educacional, haja
vista que o espaço escolar abriga uma diversidade de pessoas que possuem suas
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Saberes e Partilhas
peculiaridades individuais.
Nesse sentido, é importante enfatizar os conceitos de diferença e homoge-
neização, pois, é por meio da compreensão destes conceitos em âmbito educacio-
nal, que propiciam um novo olhar social para os grupos historicamente excluídos.
Conforme os estudos de Abramowicz, Rodrigues e Cruz (2011, p. 92):
Na vertente marxista, em alguma medida, diferença e diversidade também
podem ser apaziguadas sob a forma de uma síntese totalizante das con-
tradições, mesmo que em última instância. Nesta perspectiva há algumas
contradições que podem e se apaziguam. Reconhece-se neste campo as
desigualdades sociais, na medida em que elas são as fundantes da própria
diferença e/ou diversidades. Mas o estatuto teórico dado a etnia, a raça,
ao gênero nesta matriz conceitual são considerados como epifenômenos
do embate, poeira ideológica que se despregam da luta.

Em nosso atual cenário, tendo em vista a ampliação no conhecimento e


apropriação de diversas lutas de grupos sociais historicamente excluídos, a ho-
mogeneização em ambiente educacional ainda é algo bem evidente.
Nas palavras de Marques. et al. (2019, p. 4180):
A escola, nessa perspectiva, é vista como instituição única. O processo
de ensino-aprendizagem ocorre de forma uniforme, materializada nos
programas e livros didáticos. O conhecimento escolar torna-se “objeto”
a ser transmitido mecanicamente ao aluno. Essa homogeneização dos su-
jeitos como alunos corresponde à homogeneização da instituição escolar,
compreendida como universal. Exemplos dessa forma homogeneizadora
da instituição é a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e o Plano
Político Pedagógico das escolas, entre outros.
Essa perspectiva homogeneizante dada pela escola não considera que os
alunos chegam à mesma marcados pela diversidade cultural, reflexo do
desenvolvimento cognitivo, afetivo e social, evidentemente desigual, pois
os acessos a informação, a recursos materiais, culturais e políticos são di-
ferenciados, produto de uma sociedade de classe.

Partindo dessa perspectiva, existe a necessidade de expansão e protagonis-


mo dos grupos minoritários socialmente excluídos, de modo que estes possam
gozar de seus direitos como cidadãos, tendo como principal ponto de partida o
espaço escolar.

2.2 PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E PESSOAS INDÍGENAS, POLÍTICAS


EDUCACIONAIS EM UMA PERSPECTIVA INCLUSIVA

Primeiramente, para abrirmos essa discussão, faz-se necessário apresentar


os conceitos de educação escolar indígena e educação especial, considerando
que estas são modalidades de ensino diferenciadas e lutam socialmente por uma
educação em uma perspectiva inclusiva.

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Entende-se a educação escolar indígena como uma modalidade de ensino
que prioriza os saberes culturais de suas etnias.
Melià (1999, p. 11) define que:
No processo de educação escolar dos indígenas a perda da alteridade e a
dissolução das diferenças são sentidas como ameaças reais, prementes e
iniludíveis. Essa perda e essa dissolução, para alguns, relacionam-se até de
forma direta e quase exclusiva com a escola. A escola seria um dos fatores
decisivos de generalização e uniformidade.

Já a educação especial, trata-se de uma modalidade de ensino voltada


para as pessoas com deficiência e altas habilidades, podendo ser realizada atra-
vés dos atendimentos educacionais especializados no contraturno de sala de
aula do estudante.
A abordagem trazida por Martins, Silva e Sachinski (2020, p. 10) define
que: “A Educação Especial é uma modalidade de Educação que abrange todas
as etapas de ensino, almeja compreender a grande importância do processo in-
clusivo permitindo auxiliar a compreensão acerca deste assunto”.
Partindo desta compreensão, pode-se enfatizar que ambas necessitam se-
rem vistas com um olhar inclusivo dentro do espaço escolar.
Quando se aborda a temática educação inclusiva, logo, subentende-se a
inclusão de pessoas com deficiência na rede regular de ensino, todavia, deve-se
considerar que a educação em uma perspectiva inclusiva atende todos os grupos
minoritários e historicamente excluídos que adentram nas escolas regulares.
• 17. A prática de desmarginalização de crianças portadoras de deficiência
deveria ser parte integrante de planos nacionais que objetivem atingir educa-
ção para todos. Mesmo naqueles casos excepcionais em que crianças sejam
colocadas em escolas especiais, a educação dela não precisa ser inteiramente
segregada. Freqüência em regime não-integral nas escolas regulares deveria
ser encorajada. Provisões necessárias deveriam também ser feitas no senti-
do de assegurar inclusão de jovens e adultos com necessidade especiais em
educação secundária e superior bem como em programa de treinamento.
Atenção especial deveria ser dada à garantia da igualdade de acesso e opor-
tunidade para meninas e mulheres portadoras de deficiências.

O referido documento, o qual o Brasil é um país signatário, foi o principal


para inclusão de pessoas com deficiência dentro dos espaços escolares, entre-
tanto, este veio corroborar também para as discussões da inclusão de pessoas
etnicamente excluídas, como por exemplo a pessoa indígena, dessa forma am-
pliando o conceito de uma educação em uma perspectiva inclusiva.
Nesse sentido o documento supracitado converge com a constituição fede-
ral de-1988, a qual estabelece em seu artigo 205 a educação como direito de todos.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

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Saberes e Partilhas
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao ple-
no desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho (BRAIL, 1988).

Tanto as pessoas com deficiência, quanto as pessoas indígenas possuem


amparos que subsidiam sua inclusão em âmbito educacional.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino;
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de
maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores cultu-
rais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem (BRASIL, 1988).

Vale ressaltar que, tratando-se da educação em uma perspectiva inclusiva,


a subjetividade individual de cada ser humano deve ser considerada e respeita-
da, os artigos supracitados evidenciam essa perspectiva, com isso, a nova Lei de
Diretrizes e Bases da educação (LDB) enfatiza o compromisso para a educação
inclusiva tanto de pessoas com deficiência quanto das pessoas indígenas em to-
das as etapas de ensino, garantindo assim, o ingresso e a permanência desses
indivíduos no ambiente escolar.
Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996:
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede re-
gular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências
federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá
programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação
escolar bilingüe e intercultural aos povos indígenas (BRASIL, 1996).

Partindo desses pressupostos, faz-se necessário um olhar para a formação


inicial e continuada dos docentes atuantes, pois, o modelo inclusivo de educação
requer um olhar subjetivo para as particularidades diversas existentes em cada
sujeito.

3. DIFERENÇAS VERSUS HOMOGENEIZAÇÃO E O DESAFIO DA


INCLUSÃO ESCOLAR

O espaço escolar, é um ambiente de socialização, o qual, abriga uma


realidade diversificada e heterogênea, contudo, o sistema educacional que
rege os espaços escolares ainda se encontra homogeneizado em suas ações e

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procedimentos avaliativos, assim, causando como consequência dificuldades
para quaisquer indivíduos que não estejam emersos ao padrão almejado.
As reflexões trazidas por Esteban (2000, p. 3) ilustram a:
Sala de aula, lugar múltiplo onde se cruzam saberes e desejos diversos e
que convida ao diálogo, mesmo quando só dá espaço para o diálogo inte-
rior. Sala de aula, lugar que procura organizar-se no singular, ocultando
que sua singularidade está na pluralidade que a compõe, impedindo que os
trajetos, desejos e possibilidades peculiares se expressem e se afirmem fa-
zendo que muitos tentem se adequar ao ritmo imposto, à tarefa dada, aos
tempos fixos, ao movimento previsível e uniforme, que obrigam a deixar
de fora a turbulência da vida e desobrigam a vivê-la, ainda que por pou-
co tempo, em toda sua intensidade. As crianças chegam à escola, assim
como as professoras e professores, encharcadas da vida e freqüentemente
não encontram na sala de aula espaço-tempo para viverem o movimento
no qual estão imersas, tendo que entrar todas numa sintonia única, que
encobre a polifonia.

A realidade trazida pelo autor, ilustra o nosso atual cenário em todas as


etapas de ensino, logo, pode-se evidenciar o despreparo dos docentes que atuam
na educação básica, haja vista que estes não recebem em seus cursos de licencia-
tura um preparo específico de como lidar com alunos em diferentes contextos e
situações, dessa forma, havendo como consequência diversos choques quando
estes encontram-se com o diferente em suas salas de aula.
Nos últimos anos, este cenário vem se modificando gradativamente, pois,
o alunado que adentra o espaço escolar em conjunto com suas famílias buscam
na maioria das vezes os seus direitos e amparos legais, de modo que as legisla-
ções possibilitam um rompimento de paradigmas em todas as etapas de ensino,
visando promover não somente o ingresso mais também a permanência dos es-
tudantes pertencentes a grupos sociais historicamente excluídos.
Conforme os estudos de Mantoan, Prieto e Arantes (2006, p. 16):
A inclusão escolar está articulada a movimentos sociais mais amplos, que
exigem maior igualdade e mecanismos mais equitativos no acesso a bens e
serviços. Ligada a sociedades democráticas que estão pautadas no mérito
individual e na igualdade de oportunidades.

A reflexão trazida pelo autor, evoca a necessidade de uma leitura de mun-


do minuciosa, perpassando o ambiente escolar e saindo para o contexto social,
de maneira que os grupos anteriormente inferiorizados ou excluídos possam
ser visíveis e principalmente respeitados com suas diferenças e individualidades.
Segundo Santos (2010, p. 95): “A compreensão do mundo e a forma como
ele cria e legitima o poder social tem muito que ver com concepções do tempo
e da temporalidade”.
A compreensão do mundo e a leitura do mundo ocidental, encobre em

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
sua maioria o multiculturalismo e por consequência exclui as pessoas indígenas
que frequentam a rede regular de ensino nos grandes centros urbanos, de modo
que estes utilizam-se do espaço escolar para compreender a cultura do branco e
via de regra não serem enganados.
Como apontam Bergamasch e Silva (2007, p. 125):
O silêncio, a invisibilidade histórica e o “encobrimento” de um tema rele-
vante, que diz respeito à constituição individual e coletiva das pessoas que
vivem na América - na nossa América - justificam a importância de tornar
mais visível a educação escolar indígena.

Partindo dessa perspectiva, percebe-se a grande relevância da leitura de


mundo por parte de quaisquer indivíduo, mas principalmente os docentes atuan-
tes nos espaços escolares em todas as etapas de ensino, tendo em vista o movi-
mento escola sociedade, assim, promovendo avanços ainda que gradativos para
a igualdade de oportunidade em um contexto social inclusivo.
Por outro lado, não esqueçamos de enfatizar as pessoas com deficiência,
que por sua vez necessitam de espaços acessíveis, e é através da leitura de mundo
por parte de um todo que tais espaços serão concebidos, entretanto, alinham-se
no mesmo movimento supracitado (do contexto escolar para o contexto social).
O educar na diversidade, ainda é algo desafiador em nosso contexto atual.
Embora tenhamos avançado gradativamente, existe a necessidade do cumprimen-
to legislacional em sua forma efetiva, bem como uma mudança drástica no siste-
ma e na sociedade para que possamos alcançar o sucesso da educação para todos.
A educação inclusiva deve ser observada cautelosamente, pois, cada ser
humano é único e possui suas subjetividades e potencialidades que devem ser
respeitadas, sejam pessoas indígenas ou pessoas com deficiência, cada um pos-
sui uma peculiaridade diferenciada que poderão contribuir de forma diversa no
ambiente escolar, e cabe ao docente mediar essa troca de saberes, considerando
cada aluno como um ser único e passível de dividir suas vivências para contri-
buir nos processos de ensino e aprendizagem de cada componente que integra a
comunidade escolar.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, os estudos evidenciaram que, a educação em uma perspectiva


inclusiva é fator determinante na construção de uma sociedade inclusiva, pois,
é através do movimento “espaço escolar” para a sociedade que refletem as mu-
danças almejadas.
Baseando-se nessa perspectiva, é importante salientar as experiências e
vivências individuais de cada sujeito, tendo em vista que cada um possui uma
leitura de mundo diferenciada, além da capacidade de interpretar as entrelinhas
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
do espaço que os rodeia.
As diferenças existem em todos os âmbitos sociais, deste modo, a leitura das
entrelinhas existentes no mundo e no espaço em que se vive, é fator necessário para
que a homogeneização imposta pelos padrões sociais e sistema capitalista venha a
ser rompida, pois, é partindo destas práticas que a heterogeneidade social terá suas
individualidades respeitadas e poderá exercer o direito pleno de cidadania.
Em síntese o estudo aponta para avanços gradativos que vem ocorrendo
neste século, sobretudo, ilustra os caminhos que devem ser trilhados, para que
a educação em uma perspectiva inclusiva possa atender os grupos minoritários
historicamente excluídos, sejam estes de pessoas com deficiência ou pessoas in-
dígenas, respeitando as individualidades de cada sujeito.

5. REFERÊNCIAS
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SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: Para uma Nova
Cultura Política. São Paulo, Editora Cortez: 2010.

95
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS UTILIZADAS
POR TRABALHADORES-ESTUDANTES
ANTES E DURANTE O PERÍODO PANDÊMICO
Vanessa Aparecida de Santana1

INTRODUÇÃO

A pesquisa aqui intitulada, Estratégias Pedagógicas utilizadas por traba-


lhador-estudante antes e durante o período pandêmico partiu do grupo EDIPET2
(Grupo de Pesquisa Estratégias Didático-Pedagógicas voltadas ao Estudante-
Trabalhador), do Instituto Federal de Sudeste de Minas, Campus São João del
- Rei, Minas Gerais e foi dividida em duas partes.
O objetivo deste estudo consiste em analisar o agravamento da vulnerabi-
lidade do trabalhador-estudante face à pandemia de Corona vírus3 que potencia-
lizou a referida situação, bem como as estratégias que trabalhadores-estudantes
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Campus São João del
– Rei e o do Instituto Federal de Minas Gerias, Campus Ouro Preto adotaram
para permanência e conclusão de seus estudos.
A primeira etapa representa parte da atualização da pesquisa, desenvolvida
entre os anos de 2017 a 2019, realizada com os discentes dos cursos técnicos e
superiores do Instituto Federal do Sudeste de Minas, Campus São João del-Rei. A
1 Licenciada em Letras – Português/ Inglês pela Universidade Presidente Antônio Carlos,
Barbacena, Mg e Especializada em Didática e Trabalho Docente pelo Instituto Federal Su-
deste de Minas, Campus São Joao Del Rei, Mg. E-mail: [email protected].
2 EDIPET/IF Sudeste MG - SJDR - Grupo de Pesquisa Estratégias didático-pedagógicas
voltadas ao estudante-trabalhador do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais – Cam-
pus São João Del Rei
3 A pandemia do Novo Corona vírus, causada pelo SARS-CoV-2 é uma pandemia em curso,
causando uma síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) de origem zoonótica,
que surgiu em, dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China. Classificada pela OMS
(Organização Mundial de Saúde) como Emergência em 20 de janeiro de 2020 e definida
como Pandemia em 11 de março de 2020. No dia 10 de abril de 2020 o vírus já havia
causado mais de cem mil mortes e infectado mais de 1,6 milhão de pessoas no mundo,
atingindo mais de um milhão de mortes em 28 de setembro de 2020. O vírus se espalha
pelo ar e superfícies contaminadas e atinge o organismo do homem pela boca, nariz e
olho; os sintomas são variáveis, algumas pessoas são assintomáticas e outras sintomáticas
apresentando febre, tosse, dificuldade de respirar, perda de olfato e paladar podendo levar
o paciente à morte com o agravamento do quadro. Acesso em: https://jornal.usp.br/arti-
gos/covid2-o-que-se-sabe-sobre-a-origem-da-doenca/
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
segunda parte da pesquisa partiu da necessidade de acompanhar os métodos que
os discentes, docentes e a Instituição adotaram para dar continuidade, ou, não aos
estudos, diante das várias dificuldades enfrentadas pelo indivíduo aqui analisado
perante a nova crise mundial, provocada pelo novo Covid-19 que diante do afas-
tamento social provocou uma nova dinâmica no campo educacional, social e po-
lítico. Em 2017, foram 150 entrevistados; enquanto em 2019, foram entrevistados
244 educandos. A segunda parte da pesquisa deu-se em 2020 em meio a pandemia
do novo Corona vírus, momento no qual a população viveu o isolamento social a
aplicação do questionário é feita de forma virtual devido ao fechamento das esco-
las, universidades e institutos a coleta de dados ocorreu por meio de questionário
online autoaplicado, disponibilizado na plataforma Google Forms. Proporcionando
um monitoramento histórico desses indivíduos, trabalhadores-estudantes e as es-
tratégias encontradas que favoreceram a continuação dos estudos.
Na busca de alcançar o objetivo proposto a pesquisa desenvolveu-se atra-
vés da elaboração, aplicação e análise do questionário online auto aplicado,
disponibilizado na plataforma Google Forms desenvolvido pelo Grupo EDIPET
utilizando como método o survey4. Analisar as estratégias pedagógicas utiliza-
das por trabalhadores-estudantes, docentes e pelas Instituições antes e durante
a pandemia faz-se necessário para acompanhar a forma que o indivíduo, que
tem o trabalho como fonte de subsistência e o estudo como fonte de ascensão
pessoal, social e profissional, mesmo sem garantias se organiza e quais métodos
utiliza para dar continuidade e concluir os estudos mesmo em meio ao desfavo-
rável contexto.
Estudos anteriores procuraram esclarecer as estratégias utilizadas pelo es-
tudante que também trabalha e através de variáveis como: apoio de familiares,
docentes, Instituição Superior e ações políticas favorecem para a permanecia ou
evasão acadêmica.

4 O método survey é apropriado em pesquisas quantitativas quando se deseja responder


questões do tipo: “o quê?”, “por que?”, “como?” e “quanto?”; quando o foco da busca
é sobre “como está acontecendo?”, ou, “como e porque isso está acontecendo?”, quando
não se tem interesse ou não é possível controlar as variáveis dependentes e independentes
e quando o objeto de pesquisa ocorre no presente ou no passado recente. Pinsonneault &
Kraemer (1993) classificam a pesquisa survey em relação ao propósito como: explanatória
– com objetivo de testar uma teoria e as relações causais, exploratória – familiarizando
com o tópico ou identificando os conceitos iniciais sobre um tópico e descritiva – bus-
cando identificar quais situações, eventos, atitudes e opiniões estão manifestos em uma
população. Um dos instrumentos que podem ser utilizados pelo survey é o questionário
e estrategicamente pode ser desenvolvido por entrevista pessoal – fechada, semiaberta,
ou aberta – presenciais, ou remotamente utilizando vias como: correios, internet, etc. Foi
utilizado para análise dos dados a base de referencial teórico de Laurence Bardin em sua
obra Análise de Conteúdo (1977) para a codificação, denominação de elementos através de
quadros que materializasse as respostas obtidas, na obtenção de determinantes que proje-
tasse o objetivo da pesquisa.

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
Na busca de revisão da literatura observou - se que nos estudos de Vargas
e Paula (2013) as instituições de ensino não tem uma estrutura adequada para
atender o seu maior contingente, que é o trabalhador estudante e estudante tra-
balhador, pois estão voltadas para o ensino em tempo integral. Também con-
cluem que os documentos legais embora preguem a igualdade, não dão conta de
atender às carências das trabalhadoras que estudam nas instituições de ensino
superior. Estudos de Fagundes, Luce e Espinar (2014) concluem que o ensino
médio favorável pode ser uma variável que aumenta o êxito acadêmico dos alu-
nos no ensino superior e sugerem medidas de orientação que incluam estudantes
de diferentes perfis, como, idade, situação econômica e nível educacional, ten-
do em conta os novos papeis desempenhados pela educação em nível superior.
Silva, et al. (2015) observaram em seus resultados, que os alunos com maior
renda familiar participam mais de atividades acadêmicas. Constam também
que o fato de não trabalhar e não ter filhos aumenta o desempenho acadêmico.
Concluem que o tempo disponível aos estudos é um elemento fundamental para
otimizar o desempenho acadêmico e que a dedicação exclusiva para a faculdade
influencia diretamente nas notas alcançadas pelos alunos.
Do ponto de vista social a urgência na criação, testagem e uso efetivo de
vacinas e medicamentos, ações para conter a propagação da doença indicam as
inferências éticas e de direitos humanos que requer uma análise crítica e pruden-
te para ações estratégicas. As doenças são fenômenos biológicos e sociais. As
emergências, principalmente globais, como é o caso da Pandemia do Covid-19
desafiam, intensificam e aceleram processos como sentidos, transitoriedade e
incertezas do momento presente tornando-se objetos de estudos para cientistas
sociais e historiadores. Oportunidade ímpar para analisar a própria “ciência em
ação” como coloca Latour em seu livro, Ciência em Ação e o quanto a perspec-
tiva etnográfica afeta a análise da pesquisa5. A circulação do novo Corona vírus
evidenciou as contradições do capitalismo, ou seja, mesmo que o vírus não faça
distinção de pessoas, as próprias desigualdades sociais dão conta disso. Para a
filosofia, é a pobreza, a xenofobia e a falta de políticas assistenciais que põem em
xeque o debate sobre quais vidas realmente importam.
A crise ecológica global retomou algumas noções de fato social, totalidade
social, consciência coletiva, dualidade humana, representações coletivas e simbó-
licas, indistinção entre cultura e natureza. O Sars-Cov-2 até então desconhecido
ganha representação e simbolização, o real impõe-se de modo inevitável produ-
zindo crises sociais. A natureza torna-se portanto o inconsciente em movimento e
no lugar de encontro entre a natureza e cultura, o Sujeito e o Outro, o inconsciente
fundamenta a intersubjetividade adquirindo função simbólica. Para a sociologia,

5 LATOUR, 2012

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
o Sujeito é dotado de intencionalidade, do ponto de vista transitório definido pelo
olhar do Outro, constitui um habitus, portanto é descentrado, colocando-se em
dúvida e abrindo-se a fontes de conhecimentos e respectivamente relacional.
Decreto 47.891, 20 de março de 2020 declarou estado de calamidade pú-
blica em todo território de Minas Gerais em decorrência da pandemia causada
pelo Coronavírus. O Plano Minas Consciente6, criado pelo Governo mineiro.
Em 19 de março de 2020 o Prefeito do município de São João Del Rei,
Nivaldo José de Andrade assinou o decreto 8.601 com medidas de prevenção,
enfrentamento e contingenciamento da Covid-19. A partir deste decreto de en-
frentamento criou-se um Comitê de enfrentamento ao Covid-19, dentre as ações
estavam: páginas em redes sociais para divulgação de combate a pandemia, bo-
letins diários com números de casos de infectados e óbitos.7
Em Ouro Preto o Prefeito, Júlio Ernesto de Grammont Machado de
Araújo assinou o decreto 5.660 declarando situação de emergência em Saúde
Pública criando ações para contenção e propagação do novo Coronavírus e em
23 de Março declarou calamidade pública. Dentre as atividades para contenção
e segundo o Plano Minas Consciente, de acordo com o decreto 5.657 de 17 de
março, considerando o agravamento do vírus estavam: aquisição de bens e ser-
viços para o município, suspensão de atividades como: shoppings, salões de be-
leza, clubes de serviços e lazer, academias, autoescola, casas noturnas, cinemas,
consumos em bares, padarias e lanchonetes e quaisquer atividades que facilitem
a aglomeração. 8O município também aderiu ao Plano Minas Consciente no
intuito de participar no enfrentamento da pandemia foi definida como micror-
região sendo atendida e auxiliada pela macrorregião da região central, Itabirito.
Diante deste fragilizado cenário da democracia e das possibilidades de
6 O Plano Minas Consciente definiu as Ondas como: Verde, Amarela, Vermelha e Roxa,
elas possuíam uma lógica gradual e sequencial de abertura, para que a retomada acon-
tecesse de forma progressiva na sociedade, observando os impactos na rede assistencial.
Esta analise era feita pela Secretaria de Estado de Saúde, os dados por macrorregião e
microrregião de saúde. Os indicadores utilizados eram: Taxa de Incidência Covid-19; taxa
de Ocupação de leitos UTI Adulto; taxa de Ocupação por Covid-19; leitos por 100 mil
habitantes; positividade atual RT-PCR; % de aumento da incidência; % de aumento da
positividade dos exames PCR. Várias ações foram utilizadas para conter a doença, como:
aquisição de respiradores, verba para manutenção e melhoramento dos hospitais e casas
de saúde da cidade, fechamento do comércio, restaurantes e bares.
7 O primeiro caso registrado na cidade de São João del Rei foi no dia, 24 de março de 2020;
e até 23 de março de 2022 a cidade notificou 17083 (7741 do sexo masculino, 9342 femini-
no) positivos dentre estes 265 óbitos confirmados pelo Covid-19. Até a data 12 de abril de
2022 4ª dose da vacina, chamada segundo reforço já estava chegando a população maior
de 70 anos – Fonte: https://covid.saojoaodelrei.mg.gov.br.
8 Em Ouro Preto o primeiro caso registrado pelo corona vírus foi no dia 16 de maio de 2022
e até a data, 08 de abril de 2022 a cidade registrou 13042 casos positivos, destes 141 óbitos
confirmados pela doença.– Fonte: https://ouropreto.mg.gov.br/coronavirus e https://de-
fatoonline.com.br/ouro-preto-confirma-primeira-morte-por-coronavirus/

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conter o vírus, da crise sanitária mundial, as aulas presenciais da Educação
Básica e Superior presenciais foram interrompidas. Os Institutos Federais do
Sudeste de Minas e os Institutos Federais de Minas suspenderam suas aulas e
as atividades presenciais, em 17 de março de 2020 de acordo com as exigências
e orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) no intuito de conter a
transmissão da doença, considerando a Portaria MEC nº329, de 11 de março de
2021. As atividades administrativas continuaram de forma remota.
O indivíduo analisado nesta pesquisa, trabalhador-estudante pertencente
a um segmento social limitado que se insere no mundo do trabalho cada vez
mais precocemente, tanto para ajudar a família, garantir sobrevivência, como
para afirmação de sua identidade, autonomia material, capacidade de consumo.
Tem obstáculos como o cansaço do dia-a-dia para dificultar o seu desempenho
no aprendizado. As políticas públicas são meios que este indivíduo utiliza para
a busca da equidade socioeconômica e educacional.

ESTRATÉGIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS DOS TRABALHADORES


- ESTUDANTES ANTES DA PANDEMIA

Considerando o cenário que o trabalhador-estudante encontrava-se para


enfrentar a pandemia e consequentemente desemprego, desigualdades, crise na
saúde pública e na economia este indivíduo que já se encontrava em situação
de vulnerabilidade, encontra na flexibilização do trabalho novas formas para
continuar a sobreviver. A nova morfologia do trabalho caracteriza-se pela preca-
rização e perda dos direitos trabalhistas. Nesse contexto, a busca por variáveis
que justificasse o estudo observadas nos anos de 2017 e 2019 a análise demons-
trou que muito antes da crise de saúde pública implodir, o trabalhador-estudante
é compelido a organizar seu tempo, muitas vezes escasso, para dar conta da
demanda educacional. Assim, a primeira variável analisada refere-se às horas
dedicadas aos estudos nas pesquisas de 2017 e 2019, ou seja, antes do período
pandêmico.
Dados indicam que apenas 1% dos entrevistados conseguem 7 horas para
aos estudos além do horário das aulas, enquanto 37% tem apenas uma hora
disponível e 13% não conseguem se dedicar aos estudos além do período de
aula. Nessa perspectiva, percebe-se o quanto o indivíduo, submetido a uma con-
dição extrema de trabalho prejudica a sua dedicação aos estudos, estando mais
propenso à evasão. Antes mesmo da pandemia causada pelo Covid-19 os tra-
balhadores-estudantes já enfrentavam ausência de infraestruturas, de políticas
públicas que garantisse a equidade, falta de materialização da teoria às ações efe-
tivas que realmente abranjam a realidade do estudante. O Brasil é caracterizado
por desigualdades sociais e econômicas reverberando em potenciais distintos de

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Saberes e Partilhas
investimento em educação e outras políticas sociais, além de condições de oferta
de ensino diferenciadas (SILVA, 2017, 2019).
Uma outra variável importante analisada relacionada à estratégia utili-
zada pelo trabalhador-estudante nas pesquisas de 2017 e 2019 é a participação
em atividades extracurriculares. Dos entrevistados (40%) responderam nunca ter
participado de atividades extracurriculares, 55,3% (83) raramente, ou, ocasional-
mente participavam, 12% (18) participavam frequentemente, ou, sempre das ati-
vidades. As pesquisas de Carvalho; Dias; Silva (2018) demonstram que 40% dos
investigados nunca participaram desse tipo de atividade. Já em 2019 a taxa de
não participação foi de 40% (98), justificando a dificuldade de conciliar estudo
e trabalho, enquanto 60% (146) não há relatos. Partindo do princípio de igual-
dade e dos direitos de igualdade específicos consagrados numa Constituição, se
assegura que o Estado trate os seus cidadãos como fundamentalmente iguais, e,
por consequência, aplica-se a função de não discriminação a todos os tipos de
direitos: aos direitos, liberdades e garantias pessoais; de participação política;
direitos sociais e aos direitos à prestação.
Dando continuidade à pesquisa foi observado a variável local para estu-
dar, Carvalho; Dias; Silva (2018, p. 142) apontam que “no geral, entre os discen-
tes investigados, em 69% dos casos, os espaços para estudar são a casa, seguido
do local de trabalho (36,3%). O espaço da biblioteca aparece em apenas 2% das
respostas”.
Assim, ao serem perguntados sobre a possibilidade de se dedicarem so-
mente aos estudos, somente 7% disseram que sim (CARVALHO, DIAS; SILVA,
2018), enquanto na pesquisa realizada por Matos et al. (2020) esse número foi
de 18%.
A estes dados pode-se analisar que mesmo antes do período pandêmico,
da crise que paralisou o mundo e a economia o trabalhador-estudante utilizava
como local de estudo, quase de forma exclusiva o lar e a maior parte dos entre-
vistados já encontrava dificuldade para se dedicar exclusivamente aos estudos
sendo a necessidade de trabalhar, sobreviver e sustentar a família se tornando
um ponto norteador para a evasão escolar nos cursos superiores.
As estratégias didático-pedagógicas para conciliação entre trabalho e estu-
do foram identificadas por Carvalho; Dias; Silva (2018), conforme tabela seguinte:

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Tabela 1 – Identificação e frequência de estratégias didático-pedagógicas dos estudantes
para conciliar trabalho e estudo.
Cursos Técnicos Cursos Superiores
% %
Máxima atenção às aulas 31,9 17,2
Fins de semana (folga) 17,7 35,5
Estudar logo após as aulas 14,9 20,4
Internet (videoaulas) 13,5 14
Anotações no caderno/notebook 5,6 8,6
Pesquisas extras 4,2 1,2
Estudar somente para provas 1,4 -
Outros 6,4 3

Fonte: Adaptação a partir de Carvalho; Dias; Silva (2018, p. 143)

Nesta variável observa-se que apenas 31,9% dos discentes dos cursos técni-
cos e 17,2% dos cursos superiores tem máxima atenção às aulas, enquanto 4,2% dos
estudantes dos cursos técnicos e 1,2% dos cursos superiores fazem pesquisas extras.
Logo nota-se que no curso superior a demanda maior e há maior dificuldade de se
dedicar. Os dados corroboram com os resultados obtidos no estudo de Moreira, Lima
e Silva (2011) onde existe clara dificuldade dos alunos da amostra de pesquisa, em
conciliar trabalho e estudo, lesando seu rendimento acadêmico.
Em relação as estratégias dos docentes, em 2019, os estudantes identifica-
ram que os docentes utilizaram como estratégias as seguintes ferramentas:

Tabela 2 – Estratégias didático-pedagógicas utilizadas pelos docentes

Cursos técnicos Cursos Superiores


Metodologia Porcentagem Metodologia Porcentagem
Realização de trabalho em Realização de trabalho em
0,44 0,33
grupo na aula grupo na aula
Prazos mais longos para os Prazos mais longos para
0,19 0,33
trabalhos os trabalhos
Trabalhos extraclasse 12,5 Trabalhos extraclasse 0,06
Segunda oportunidade Segunda oportunidade
0,06 0,04
para entrega de trabalhos para entrega de trabalhos

Fonte: Dados da pesquisa

A didática utilizada pelos docentes orienta e articula os caminhos no pro-


cesso do ensino aprendizagem dos discentes, entrelaçando ao contexto em que a
docência ocorre e carrega conhecimentos científicos que são transformados em

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Saberes e Partilhas
saberes escolares. Os elementos das estratégias didáticas, a relação entre docente,
discente, conteúdos, objetivos, planejamento, avaliação e metodologias requerem
um fio condutor possibilitando um sentido à prática de ensino e à aprendizagem
do aluno. É a didática que conduz o professor apontando caminhos para que o
aluno alcance o objetivo proposto (LIBÂNEO, 1990). Cada vez mais os estudos
demonstram que seja necessário considerar o aluno enquanto ser social, conside-
rar seu conhecimento de mundo e garantir que as estratégias didático-pedagógicas
possibilitem que os discentes cheguem juntos ao objetivo final.
A materialidade viva do trabalho didático envolve aspectos como: relação
educativa em sua concretude, formas históricas do docente e discente, recursos
que mediam essa relação. O momento histórico torna a prática docente um mo-
mento singular.
Assim as relações didáticas passam por desafios (conhecer quem é o alu-
no, atrair o aluno, postura de ambos que devem ser considerados quanto à es-
colha das estratégias metodológicas, da definição dos objetivos, da avaliação e
de outros elementos didáticos, colocando ao professor premissas básicas para
efetivação do processo de ensino e aprendizagem (ALMEIDA, 2015).

ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DOS TRABALHADORES - ESTU-


DANTES DURANTE A PANDEMIA

As estratégias didático-pedagógicas dos trabalhadores-estudantes já


eram diversas antes do surgimento do novo Corona vírus no final de 2019.
Considerando que o fato de trabalhar e estudar se manteve para o público inves-
tigado, pode-se indagar quais as condições sociais que eles se encontram para
conciliarem trabalho, estudo remoto e pandemia. No questionário aplicado du-
rante a pesquisa aqui relatada, os estudantes foram perguntados se concordavam
com a oferta de aulas remotas, utilizando ferramentas virtuais.
Dentre as respostas, no Campus São João del Rei, 63,9% responderam que
“sim” e no Campus Ouro Preto, 59,4%. Assim, a maioria dos estudantes que traba-
lham, de ambos os Campi, manifestaram acordo com esse tipo de oferta diante da
impossibilidade sanitária de aulas presenciais. As variáveis relacionadas às condi-
ções para estudar na pandemia dos estudantes investigados, foram objeto de aná-
lise, nesta seção, as variáveis: condições de acompanhamento de aulas remotas;
uso pregresso de plataformas digitais em geral; posse de equipamentos; internet;
espaço físico; tempo para estudar; conhecimento em tecnologia digital; conheci-
mento sobre a utilização do sistema acadêmico institucional; apoio familiar para
estudar; e, por fim, alteração nas condições de trabalho que interfiram nos estudos.
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Na variável, condições de acompanhamento de aulas remotas9 (estrutura
física, equipamentos, psicológicas) de participação no ensino remoto, dos 192
respondentes do Campus de São João del Rei, 65,1% afirmaram ter condições
necessárias para acompanhar as aulas via internet, enquanto 34,9% informa-
ram não terem recursos para o acompanhamento. No Instituto Federal de Ouro
Preto, dos 119 entrevistados, 66,4% responderam ter recursos para acompanhar
as aulas de forma remota e 33,6% responderam não ter condições.
Às aulas presenciais não sendo possíveis o trabalhador-estudante enfren-
tou outro dilema, ter o lar como o lugar de estudo e de trabalho, para as ativida-
des não essenciais; dividindo o espaço, a atenção e equipamentos tecnológicos
com a família. Estaria este indivíduo preparado para atender mais essa deman-
da? Estaria a família preparada para ser suporte neste momento perturbador?
A segunda variável observada é sobre o uso pregresso das plataformas digitais
em geral. Dos entrevistados do Campus São João del Rei, 56,2% responderam
já terem utilizado, enquanto 43,8% responderam nunca terem utilizado as pla-
taformas digitais. Do Campus Ouro Preto, 56,3% já utilizaram e 43,7% nunca
fizeram uso de plataformas digitais.
Outra área de preocupação é o uso das TIC nas escolas. Segundo o Cetic.
br/NIC.br19, em 2017, apenas 39% dos estudantes nas áreas urbanas usa-
vam a Internet nas escolas. Nas áreas rurais, o cenário de conectividade
era pior: apenas 36% das escolas tinham acesso à Internet. Os resultados
[...] revelam que, embora algumas políticas públicas específicas tenham
sido implementadas na última década, o acesso e o uso das TIC nas es-
colas brasileiras ainda não progrediram satisfatoriamente20 (UNESCO,
2019, p. 188–tradução livre).

No artigo “O professor e a tecnologia: o impacto do uso das TIC’S no


processo de ensino-aprendizagem” escrito por Ari de Sousa Santos (2020) ques-
tiona qual o papel do professor mediante o Impacto do uso das TIC’s no proces-
so ensino-aprendizagem, de que forma o professor e a tecnologia corroboram
para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem de forma a não substituir o
professor. Este artigo foi escrito em janeiro de 2020, demostrando que o setor
educacional já enfrentava desafios de incorporação das novas tecnologias além
da falta de possibilidades de elaboração, desenvolvimento e avaliação pedagógi-
cas, não estando preparado para lidar com transformações repentinas.
Logo em seguida, essa transformação repentina que o professor não

9 Aulas remotas são entendidas como as que docente e discente estão em diálogo sincrôni-
co, mas distantes espacialmente. E é por isso que a preferência para descrever o que tem
sido encaminhado para o processo educacional durante o afastamento social é empregar
a expressão: atividades de promoção do processo de ensino-aprendizagem mediadas pelas
TDIC - Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação. (cf. CAMPANHA NACIO-
NAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO, 2020, p. 5)

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
estava preparado para enfrentar transformou-se na única possibilidade de fazer
a educação chegar ao aluno, escancarando o despreparo e a falta de políticas
voltadas para unir os atores sociais do âmbito educacional, professor, aluno e
a tecnologia. Mais uma vez a estratégia é a base para o fazer se tornar possível.
É importante tratar do despreparo dos docentes e da impossibilidade dos
alunos na adequação deste ambiente virtual, visto que a educação deveria ser
voltada para todos e conforme dados 33,6% responderam não ter condições de
acompanhar as aulas. A disponibilização das aulas em modo ERE (Ensino
Remoto), mediados pelas TIC’s (Tecnologias de Informação e Comunicação)
reverberaram problemas educacionais e de ordem socioeconômicas a que o tra-
balhador-estudante enfrenta para traçar estratégias que o conduzam de forma
equitativa e proveitosa o ensino-aprendizagem.
Desta forma, se faz necessário o diálogo com gestores, profissionais da
educação, comunidade escolar e todos os atores sociais envolvidos no pro-
cesso educacional, de maneira que as decisões a serem tomadas em cada
sistema de ensino, contribuam decisivamente para minimizar os prejuízos
decorrentes desta situação de pandemia, com impactos não apenas no ca-
lendário escolar, mas na vida de cada cidadão(a) brasileiro(a), e mais que
isso, que possam contribuir para que as atividades curriculares assegurem
as aprendizagens previstas no Projeto Pedagógico das Escolas, que devem
ser ressignificados (UNCME, 2020, p. 3).

Uma outra variável observada foram as informações sobre equipamen-


tos, internet, espaço físico, tempo e conhecimento em tecnologia digital e de
utilização do sistema acadêmico institucional. No Campus de São João Del Rei
21,9% afirmaram não possuir equipamentos necessários para acompanhar as
aulas, 16,7% não possuem internet que suportavam as aulas remotas; 28,10%
não possuem espaço físico adequado para acompanhar as aulas. No Campus de
Ouro Preto 26% responderam não possuir equipamentos necessários para acom-
panhar as aulas; 18,5% não possuem internet que suportavam as aulas remotas;
31% não possuem espaço físico adequado para acompanhar as aulas e 27% afir-
maram não saber utilizar o sistema acadêmico da instituição.
Os dados trazidos pela pesquisa partiu de uma perspectiva sociológica
para analisar o indivíduo intitulado de trabalhador-estudante, participante de
duas esferas que compõe a sociedade na construção do ser social, pois tanto tra-
balha para a subsistência, sustento individual e familiar quanto estuda, para rea-
lização pessoal, busca ou pelo ato de mover socialmente como forma de almejar
melhores condições. Buscando compreender quem é este trabalhador-estudante
foi considerado suas diversas vivências, suas relações sociais que o possibilita-
ram se organizar de forma estratégica para o processo educativo. No intuito de
conhecer o indivíduo da pesquisa, o contexto pesquisado e seus objetivos fez-se

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necessário buscar o conceito de identidade trazido por Bauman (2003, p. 22-
23), antes do século XX, o debate sobre identidade estava relacionado única e
exclusivamente a “um objeto de meditação filosófica”. Falar sobre identidade,
no momento em que uma pandemia escancara ainda mais os obstáculos de desi-
gualdades torna-se relevante trazê-la para o âmbito sociopolítico. Há uma dúbia
de definições com perspectivas que direcionam tanto para identidade social e
pessoal, a qual se define por conceitos e representações de si; quanto para iden-
tidade cultural, conjunto de significados compartilhados e características que
assinalam pertencimento de realidades, grupos ou categorias.
É importante também destacar o conceito de identidade enquanto narrati-
va. Gerada e constituída no processo prático de ser contada para os outros, chama-
do de interculturalidade, a sociedade embebida no sujeito. Se o discurso não cria
a diferença, ao menos a organiza, produzindo identidades que se consolidam em
processos sociais que se expressam em ações simbólicas, textuais ou contextuais.
Do mesmo modo é válido ressaltar o conceito de identidade profissional.
Pela perspectiva da psicologia social este conceito passa pelo reconhecimento
do sujeito nas relações sociais, pelo aspecto consciente (unicidade e coerência
no discurso para outros sujeitos no meio social), a constância, a continuidade
(a construção que envolve aspectos do passado, presente e futuro na constru-
ção do profissional inserido em um projeto de vida), semelhanças e diferenças.
Caracterização por semelhança e não por igualdade, sujeitos diferentes compar-
tilhando a mesma identidade social.
Cabe aqui conceito de habitus do sociólogo Pierre Bourdieu (1972) que
define como “sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predis-
postas a funcionarem como estruturas estruturantes”, um conjunto de modo de
pensar, comportamentos, estilo de vida herdado do meio familiar e reforçado no
meio escolar. Processo simultaneamente individual e coletivo, práticas sociais e
um processo de incorporação de valores morais, articulação de uma construção
sócio-histórica de valores morais, tornando-se hegemônica para conjuntos de
classes. (BOURDIEU, Pierre, 1972. p. 89-94).
Na oportunidade de identificar o indivíduo analisado no estatuto do tra-
balhador-estudante direcionado especificamente aos cidadãos que conciliam
trabalho com os estudos, encontra-se amparado no Código do Trabalho nos
artigos 89° e em legislações complementares. A Lei n.º 5.452, de 1° de Maio de
1943 e acrescido pelo Projeto de Lei (PL) n° 5524/2019, denomina “trabalha-
dor-estudante, o trabalhador que frequenta qualquer nível de educação escolar,
bem como curso de pós-graduação, mestrado ou doutoramento, com duração
igual ou superior a seis meses10

10 Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de Maio de 1943 - Legislação Trabalhista; Consolidação das

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Saberes e Partilhas
O discurso obscurantista da dinâmica neoliberal pregou durante o pro-
cesso pandêmico a negação em relação a vacina e ao isolamento social, preo-
cupando-se apenas com o atraso econômico. A lógica desta fala neoliberal e
com formatos Toyotistas propagou-se fakenews e salientou-se a possibilidade de
maior flexibilidade trabalhista à classe que SOUZA (2009, p.25) ironicamente
denomina como, “ralé estrutural”, destituída tanto do capital cultural quanto do
econômico e desprivilegiada de meios para obtê-los; classe herdeira da tradição
escravocrata. O senso comum tem a função de justificar a estruturação de classes
a partir da ideia de meritocracia “ganha mais quem se esforça mais” e Souza de-
nomina “mito de brasilidade”. Para este autor a naturalização da desigualdade
social brasileira ocorre a partir da desvalorização simbólica em atividades como:
trabalho desqualificados e informais levando o indivíduo a exaustão.
A variável apoio familiar representa uma estratégia na dúbia jornada entre
trabalhar e estudar, tendo o trabalho como prioridade de sobrevivência e o estudo
como forma de ascensão socioeconômica, considerando o nível socioeconômico e
cultural que esses indivíduos participam. Numa escala de 1 a 5, onde 1 representa
nenhum apoio e 5 apoio total, no Campus de São João Del Rei 7,8% responde-
ram não ter nenhum tipo de apoio, enquanto 36% responderam ter apoio total. No
Campus de Ouro Preto 17,6% afirmaram não ter nenhum apoio e 42% apoio total
para acompanhamento às aulas remotas. Esta variável salienta a necessidade da rede
de apoio que o trabalhador-estudante precisa para continuar no mundo acadêmico,
principalmente frente as novas estruturas de trabalho e estudo que a pandemia do
Covid-19 trouxe preconizando cada vez mais o tempo, o espaço e a disponibilidade.
Como fica a situação do trabalhador-estudante que não detém desta rede
de suporte? Com as várias mudanças que a sociedade, a família e as instituições
de ensino passaram com toda a catástrofe que o Covid-19 trouxe, a reestrutura-
ção do cotidiano fez com que a rede de apoio se tornasse cada vez mais impor-
tante no equilíbrio entre estudar e trabalhar. O trabalhador-estudante enfrentou
experiências devastadoras. O medo, o isolamento, a morte, o desemprego, a fa-
mília toda em casa em muitos casos, a divisão dos equipamentos eletrônicos
para uso dos filhos na continuidade dos estudos, trabalhar em casa e dar atenção
aos filhos, ou trabalhar fora e enfrentar o medo de ser contaminado e transmitir
aos demais familiares. Nesse contexto de dificuldades econômicas, sociais e psi-
cológicas o fracasso escolar e a evasão ficam ainda mais propícias.
Aliado a este dado a pesquisa traz a variável gênero, na qual a predomi-
nância do sexo feminino é identificada. Em São João del Rei dos entrevistados
70%(135) dos respondentes são do sexo feminino e em Ouro Preto esse núme-
ro representa 57,10% (69) são do sexo feminino. Dados que coloca a mulher,

Leis do Trabalho (CLT); CLT - 5452/43 – Projeto Lei n° 5524/2019 - Artigo 441-A

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mesmo sendo muitas vezes a principal representante do seio familiar com obri-
gações que vão além de mãe, mulher estão em busca de sua conquista profissio-
nal. Além disso, as “[...] indústrias diretamente afetadas [...] – como viagens,
turismo e produção de alimentos – têm maior concentração de mulheres. A car-
ga de cuidados para as mulheres, que costuma ser três vezes maior do que a dos
homens, aumentou exponencialmente.” (NAÇÕES UNIDAS – BRASIL, 2020,
s/p.). A mulher, trabalhadora e estudante representa grupo social bastante afe-
tado no período pandêmico.
[...] dominam na prestação de cuidados dentro e fora das famílias.
Dominam em profissões como enfermagem ou assistência social, que es-
tarão na linha da frente da prestação de cuidados a doentes e idosos dentro
e fora das instituições. Não se podem defender com uma quarentena para
poderem garantir a quarentena de outros. São elas também que continuam
a ter a seu cargo, exclusiva ou maioritariamente, o cuidado das famílias.
[...] o machismo que impera e quiçá se reforça em momentos de crise e de
confinamento familiar. Com as crianças e outros familiares em casa du-
rante 24 horas, o stress será maior e certamente recairá mais nas mulheres.
O aumento do número de divórcios em algumas cidades chinesas durante
a quarentena pode ser um indicador do que acabo de dizer. Por outro lado,
é sabido que a violência contra as mulheres tende a aumentar em tempos
de guerra e de crise – e tem vindo a aumentar agora. Uma boa parte dessa
violência ocorre no espaço doméstico (SANTOS, 2020, p. 16).

A variável gênero, corrobora com os resultados obtidos nas amostras de


Rangel e Miranda (2016), e Araújo et al (2013) que demonstram que o gênero
tem influência sobre o desempenho acadêmico, porém discordam dos resultados
obtidos na amostra de Meurer, et al (2017), Nogueira, et al (2013) e Sancovshi,
Fernandes e Santos (2009) que expõe que o gênero não influencia de forma rele-
vante sobre o desempenho acadêmico.
Por fim, a última variável refere-se à alteração nas condições de trabalho,
impactando de forma negativa nos estudos. No Campus São João del Rei, 39,6%
dos investigados sentiram essa mudança negativa, enquanto no Campus Ouro
Preto foram 47,9% que responderam que as alterações ocorridas no trabalho,
frente à pandemia, dificultaram ainda mais a continuidade dos estudos. Logo,
esses dados possuem relação direta com as estratégias que os estudantes preci-
sam estabelecer na organização entre trabalho e estudo diante do acirramento
das dificuldades.11
11 BRASIL. Poder Executivo. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 936, DE 1º DE ABRIL DE
2020. Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe
sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade
pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergên-
cia de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19),
de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dá outras providências. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Atos do Poder Executivo, Brasília, DF, 01 abr.

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Saberes e Partilhas
De acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) o trabalha-
dor deve comprovar sua condição de estudante e o empregador deve elaborar
um horário flexível que permita que o trabalhador-estudante frequente às aulas,
não sendo possível ajustar o horário ele poderá se ausentar do trabalho para
frequência de aulas e provas avaliativas sem perda de quaisquer direitos. Além
disso, o artigo 92º do Código do Trabalho estipula que “o trabalhador-estudante
tem direito a marcar o período de férias de acordo com as suas necessidades es-
colares, podendo gozar até 15 dias de férias interpoladas, na medida em que tal
seja compatível com as exigências imperiosas do funcionamento da empresa”12
Trabalhadores com relações cada vez mais fragmentadas, tendo seus di-
reitos, ou, até mesmo seu trabalho extinto devido ao aumento da nova forma de
“uberização” ainda mais robotizada, tão logo esse indivíduo necessita garantir
o seu sustento se anulando e sentindo sua mão de obra explorada ao máximo.
(ANTUNES, 2020).
Por outro lado, um dado é revelador da importância dos estudos na vida dos
investigados: ainda que em condições ainda mais desfavoráveis que antes da pan-
demia, a maioria absoluta dos estudantes que trabalham pretende dar continuidade
aos estudos: 88,2% no Campus Ouro Preto e 83,9 % no Campus São João del Rei.
Bernard Charlot, sociólogo que analisa a relação entre desempenho esco-
lar, a classe social dos pais e sucesso, ou fracasso escolar pontua a partir de suas
análises, que o ser humano vai se apropriando, se constituindo e se construindo
através do tornar-se homem, homonização; do tornar-se único, singularidade
e do pertencimento social, socialização e para que esse movimento contínuo
aconteça o indivíduo está sempre aprendendo e fazendo uma relação cada vez
mais intrínseca, direcionada, mobilizada e motivada. O indivíduo aqui analisa-
do busca na educação uma ascensão social, mas em meio a tantas dificuldades
para conseguir continuar e concluir precisa ser mobilizado e motivado para que
a relação do saber seja significativa. (CHARLOT, 2000)
Nesse sentido, e complementando o estudo aqui proposto, será tratado a
seguir as ações institucionais frente à pandemia. As estratégias institucionais fo-
ram identificadas em ambos os Campus que adotaram medidas sociais de auxílio
financeiro, de equipamentos e de internet para que o trabalhador-estudante tives-
se condições que propiciassem a continuidade dos estudos, aos alunos de baixa
renda, como Processo de Seleção do Benefício Emergencial de Inclusão Digital,
editais de aquisição de equipamentos e contratação de serviços de internet. Além
de questionários de Avaliação do Ensino Remoto Emergencial, norteando a
2020. Seção 1- extra p. 1. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-
-provisoria-n-936-de-1-de-abril-de-2020-250711934. Acesso em: 02 jun. 2020.
12 Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de Maio de 1943 - Legislação Trabalhista; Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT); CLT - 5452/43 – Projeto Lei n° 5524/2019 – Artigos 441-B, C, E, F,G

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participação dos alunos ao ERE (Ensino Remoto Emergencial) como forma de
acompanhamento da evolução e do contato com o sistema educacional; acompa-
nhamentos psicológicos e pedagógicos, através de projetos que auxiliam os alunos
no enfrentamento do momento para a continuidade ou trancamento dos cursos.
A princípio e de forma estratégica, o Comitê de Ensino do Instituto Federal
elaborou questionário para verificar a possibilidade de acesso à internet e as ha-
bilidades na utilização de ferramentas de ensino-aprendizagem no ambiente vir-
tual possibilitando intervenção e auxílio aos estudantes que necessitarem. O Edital
“Benefício de inclusão Digital” tanto para aquisição de serviço de internet, no valor
de R$60,00 a R$80,00 pagos em quatro parcelas, quanto para aquisição de equipa-
mentos tecnológicos (para compra de notebook, computador ou tablet), no valor
entre R$800,00 a R$1500,00 para alunos com renda per capita mensal família de até
1,5 salário-mínimo. Este edital teve como objetivo oferecer aos alunos a possibilida-
de de participar das aulas no ensino remoto. Além do auxílio Emergencial no va-
lor de R$200,00. Para auxiliar os alunos no funcionamento do Sistema Acadêmico
(SIGA) os Institutos lançaram Edital para seleção do Mediador digital.13
[...] A conectividade de Internet é um ponto crítico do cenário digital brasi-
leiro. [...] ainda existe uma população grande sem nenhum tipo de acesso,
principalmente entre os mais [...] pobres e os que vivem em áreas rurais.
Dados nacionais têm mostrado que 61% das residências brasileiras estão
conectadas. Nas áreas rurais, apenas 34% das famílias [...]. Enquanto a
Internet está presente em apenas 30% dos domicílios de baixa renda (sta-
tus socioeconômico D e E), nos domicílios de alta renda (A e B) as propor-
ções são de 99% e 93%, respectivamente, revelando grandes desigualdades
em termos de acesso [...] (UNESCO, 2019, p. 188 – tradução livre).

O auxílio institucional é um apontamento da necessidade de equidade.


O Instituto Federal do Sudeste de Minas e o Instituto Federal de Minas tem a
preocupação e o compromisso ético e didático social pela superação das desi-
gualdades socioeconômicas que os alunos de baixo nível social enfrentam com a
falta de oportunidades e falta de auxílio governamental. A Pedagogia histórico –
crítica de Saviani (2005) é uma didática contra-hegemônica com o compromisso
ético-político de superação das desigualdades, da socialização do conhecimento
historicamente produzido pelos homens e um entendimento das variações da
materialidade da vida social que interferem no ensino-aprendizagem que devem
ser observadas para que as ações de políticas públicas visem contribuir para que
o indivíduo aqui pesquisado possa alcançar a linha de chegada com oportunida-
des iguais aos demais.
O indivíduo aqui analisado, trabalhador-estudante que já se encontrava

13 Acesso em: https://www.ifsudestemg.edu.br/noticias/reitoria/divulgado-edital-de-sele-


cao-para-atendimento-emergencial-de-estudantes-em-baixa-condicao-socioeconomica

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
em situação de extrema vulnerabilidade sentiu sua situação sendo potencializa-
da pela pandemia do Corona vírus, precarizando cada vez mais o trabalho com
a perda dos diretos trabalhistas. 14
Para o sociólogo francês, Bernard Lahire em uma de suas obras Sucesso
Escolar nos Meios Populares – As razões do Improvável “a escola precisa ser uma
estrutura estável para pessoas que fazem parte de um contexto social e familiar
instáveis.” (LAHIRE, 2004) Os abismos já naturalizados e os que evidenciaram
neste momento singular da história educacional deixa questionamentos: Qual o
real papel da escola, enquanto estrutura física, social e de práticas pedagógicas?
Qual aprendizado leva-se para o futuro educacional nas relações de estratégias
entre os atores no processo de ensino aprendizagem? De que forma a perspectiva
metodológica a partir da prática social transforma os saberes escolares?
O trabalhador-estudante colapsando de forma social, econômica, político e
psicológica, ainda sim através de estratégias desenvolvidas por eles mesmos, pelas
instituições e pelos docentes continuam em busca da mobilidade, utilizando os
estudos como um instrumento eficaz de cidadania e pertencimento social. O sis-
tema híbrido através de experiências e saberes partilhados de forma ubíquas pro-
blematizam deslocamentos que o ambiente escolar físico traz através das trocas de
vivências enquanto ambientes de rede coletam e difundem nossas subjetividades
e experiências, o que torna claro neste momento de crise de saúde pública que
educação e tecnologia são indissociáveis no processo de ensino-aprendizagem.
Em suma as análises que esta pesquisa trouxe possibilitará um direcio-
namento para pesquisas futuras, pois a educação é uma ciência em ação, se
o homem evolui, se há transformação social, tão logo a sociedade – políticos,
discente, docentes e a instituição familiar - e a instituição acadêmica precisam
identificar meios, práticas sociais através da leitura da realidade para que o ho-
mem se torne cada vez mais pertencente e crítico.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Hélio Mangueira de. A didática do ensino superior: práticas e
desafios. Estação Científica. Juiz de Fora, MG, 2015

14 Como mulher, pesquisadora, trabalhadora e estudante de baixa renda recebi apoio familiar
e institucional financeiro e pude imprimir na minha busca durante a pesquisa um senti-
do, uma direção e entender o porquê das limitadas situações que eu mesma vivenciei e
senti. O qual difícil se tornou a dúbia jornada de trabalhar e continuar os estudos com o
aparecimento do Covid-19, avanço do vírus, o contagio, o isolamento, o medo da morte,
o medo de perder o emprego e a nova configuração de aproximação com a instituição e
os docentes de forma remota, em ambiente virtual, em “escola sem tijolo”. A minha não
desistência estava ligada ao sentido e ao prazer pelos estudos, às motivações extrínsecas
e intrínsecas trazidas pelo aporte familiar e pela experiência do momento em que tudo
acontecia de forma rápida e devastadora.

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114
DESENVOLVIMENTO DA COMPREENSÃO
LEITORA NA PERSPECTIVA DA
APRENDIZAGEM AUTORREGULATÓRIA:
UM ESTUDO DAS INTERVENÇÕES
Bruna Aser Vidigal Pereira1
Elaine Leporate Barroso Faria2

INTRODUÇÃO

Um dos maiores desafios educacionais da atualidade está relacionado à


alfabetização e letramento, bem como seus desdobramentos, visando a forma-
ção de cidadãos cada vez mais autônomos, críticos e ativos. Em outras palavras,
para que o sujeito possa atuar integralmente dentro da sociedade, é preciso que
se tenha domínio do código escrito – leitura e escrita. No que diz respeito ao
verbo ler, “(...) não se pode falar em leitura se não houver compreensão” (Viana
et al., 2017). Por esta razão, pode-se inferir que a propriedade leitora não se limi-
ta à decodificação, mas também, e principalmente, à evocação das habilidades
interpretativas e compreensivas daquilo que se lê.
Os últimos resultados do PISA (Programa Internacional de Avaliação dos
Estudantes) apresentam o baixo desempenho dos estudantes brasileiros na área de
Leitura (Faria et al., 2020), evidenciando, já nos anos iniciais, graves defasagens
no processo de letramento. Desta maneira, identifica-se que, a maior porcentagem
dos sujeitos avaliados, são capazes de identificar a ideia central e, mediante instru-
ções explícitas, refletir sobre a estrutura e o objetivo textual. Em sentido contrário
ao aprendizado da fala que ocorre por mera exposição e adequamento das capaci-
dades cognitivas e físicas, a leitura necessita de um ensino estruturado, bem como,

1 Graduanda em Pedagogia pela UEMG – Universidade do Estado de Minas Gerais.


E-mail: [email protected].
2 Mestre em Psicologia na linha de pesquisa Desenvolvimento Humano e Processos Socioe-
ducativos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2011). Mestre em Psicopedagogia
pela Universidad de La Habana - Cuba (2002). Graduada em Psicologia pela Universi-
dade Federal de São João Del Rei (1995). Atualmente é Professora efetiva e pesquisadora
da Universidade do Estado de Minas Gerais/Campus Barbacena atuando nos Cursos de
Graduação Pedagogia e Ciências Sociais e na Coordenação de Extensão. Tem experiência
na área de Psicologia e Psicopedagogia, com ênfase na área do desenvolvimento humano
e educação. E-mail: [email protected].
D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
do esforço consciente do aprendiz (Pacheco e Hubner, 2021).
Contudo, fatores podem dificultar o desenvolvimento desta competên-
cia como as próprias limitações neurológicas, psicológicas e sociais (Pacheco e
Hubner, 2021). Tivemos o cenário pandêmico da COVID-19 ao longo de 2 anos,
com o modelo de ensino remoto adotado, e, somando esses fatores aos contextos
de desigualdades no país, a que considerar que tais questões sociais corroboram
com a urgência de se verificar os níveis de defasagem os quais os estudantes bra-
sileiros se encontram quanto à compreensão leitora, bem como, propostas de in-
tervenções que se constituem como possibilidades de reversibilidade deste quadro.
Este cenário é preocupante, pois a leitura se consagra como uma ferramen-
ta de ensino e aprendizagem para compartilhar conhecimentos, o que promove a
expansão de habilidades cognitivas, a autonomia de pensamento e a promoção de
capacidades argumentativas (Faria et al., 2020). Logo, a falta de habilidades mí-
nimas nesta competência caricatura-se como um obstáculo, dificultando o avanço
dos estudantes nos estudos, no acesso a melhores oportunidades no mercado de
trabalho, assim como, na efetiva participação na sociedade (BRASIL, 2020).
A fim de tratar do diálogo entre a leitura e a aprendizagem autorregula-
da, considerando-o como fonte para a superação dos desafios encontrados nos
contextos de desenvolvimento da compreensão leitora, o intuito deste estudo
concentra-se em apresentar e discutir duas intervenções - nacional e internacio-
nal - que foram realizadas dentro deste campo. Através da revisão bibliográfica
de artigos recentemente publicados, são analisadas metodologias interventivas,
bem como, os resultados alcançados, ilustrando a eficácia da autorregulação
para o desenvolvimento de leitores mais autônomos e críticos.
A estrutura deste artigo está organizada de modo a contemplar e aprofun-
dar em diferentes seções de cada tema central, visando contribuir para a discus-
são e produção de conhecimentos. Desta forma, é abordada na primeira seção a
“Leitura e compreensão leitora”, seguido da “Aprendizagem Autorregulada e o
uso de estratégias”; e, por fim, as “Intervenções”. Em linhas gerais, a literatura
aponta as intervenções, dentro desta temática, como possíveis e promissoras,
além de estimular a elaboração de projetos inovadores.

LEITURA E COMPREENSÃO LEITORA

A leitura tem como objeto primário o código escrito, produto de uma


construção cultural, logo, ler não é um processo natural, não há esquemas
neurobiológicos que possam permitir a sua aprendizagem de forma automá-
tica (Cosenza & Guerra, 2011). Pelo contrário, é necessário um ensino siste-
matizado e adequado, voltado para o desenvolvimento desta competência que
agrupa múltiplos subprocessos interdependentes: visual, fonológico, semântico

116
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
e linguístico. (Silva e Barreto, 2021)
Como afirma Daniel Pennac (1993), a leitura não envolve obrigação e,
sim, sedução. Portanto, é imperioso considerar nas práticas de ensino os inte-
resses do leitor, suas motivações frente ao material, bem como, seus objetivos
(Viana et al., 2017). Uma vez que “é importante que os alunos entendam o por-
quê do seu esforço na aprendizagem, apoiado em razões que eles compreendam
e que, desejavelmente, tenham conseguido construir com argumentos próprios”
(Rosário et al., 2006, p. 84).
Neste trabalho adota-se a vertente interacionista na concepção do proces-
so de leitura por pactuar que existe uma constante interação entre texto e leitor
(Solé, 1998). Segundo a autora que se baseia em outros renomados estudiosos,
a leitura configura-se como:
(...) o processo mediante o qual se compreende a linguagem escrita. Nesta
compreensão intervêm tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor,
suas expectativas e conhecimentos prévios. Para ler necessitamos, simulta-
neamente, manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar
ao texto nossos objetivos, ideias e experiências prévias; precisamos nos
envolver em um processo de previsão e inferência contínua, que se apoia
na informação proporcionada pelo texto e na nossa própria bagagem, e
em um processo que permita encontrar evidência ou rejeitar as previsões e
inferências antes mencionadas. (Solé, 1998, p. 23).

Posto isto, em linhas gerais, torna-se relevante destacar, nesta perspectiva, o


papel ativo daquele que lê, apoiado nos pilares de previsão, inferência e ativação
de conhecimentos prévios. Consequentemente, subentende-se o caráter social des-
ta prática, pois, como afirma Silva e Barreto (2021) a leitura envolve a mobilização
de atitudes, gestos e habilidades pelo leitor antes, durante e depois da leitura.
Para além dos dois fatores apontados por Solé (1998), “texto” e “leitor”,
é possível somar o “contexto” ao processo. Por muito tempo, compreender um
texto estava associado a uma condição inata do ser relacionada à inteligência.
Mas, estudos recentes evidenciam que é possível e urgente, ensinar a ler com-
preensivamente, através da própria motivação do estudante em querer aprender,
da ciência e estímulos dos fatores psicolinguísticos e sociais que interferem na
compreensão, bem como, no uso adequado de estratégias de leitura (Viana et al.,
2017). Posto isto, a compreensão é concebida como um fenômeno de construção
de significados baseado na postura ativa do leitor (Pinto e Silva, 2018).
Desta forma, trata-se de um processo complexo envolvendo múltiplas ha-
bilidades, por isso, “(...) a leitura não constitui uma tarefa fácil, porque requer
muito mais do que simplesmente a decodificação dos símbolos gráficos; envolve
a análise reflexiva do conteúdo que se está lendo” (Faria, 2011, p. 84). Seguindo
este raciocínio, diferentes subprocessos estão envolvidos no ato da leitura que

117
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
comprovam sua complexidade: a identificação de letras, reconhecimento de pa-
lavras, acesso aos significados, integração sintática e semântica (Salles e Paula,
2016), isto é, diferentes áreas cerebrais são ativadas.
É relevante apontar o papel fundamental das funções executivas e a im-
portância de serem promovidas dentro deste cenário. De modo bem genérico,
pode-se defini-las como um agrupamento de processos que exigem diferentes
níveis de consciência e regulação; permitindo que o indivíduo se oriente e geren-
cie suas tarefas cognitivas, emocionais e comportamentais diante de exigências
externas e internas (Faria e Mourão, 2013; Salles e Paula, 2016).
As funções executivas seriam necessárias a uma série de tarefas cotidianas
que exigem desenvolvimento da autonomia, intencionalidade, persistên-
cia e autorregulação, tais como requeridas na leitura proficiente, realizada
com fluência e compreensão. Seriam também influenciadas pelas deman-
das criadas por estas mesmas tarefas. Estas funções podem ser promovidas
em um contexto de instrução. (DIAS; SEABRA, 2013 citado por Salles e
Paula, 2016, p. 59).

Portanto, considerando todos os apontamentos desta seção, percebe-se


que é possível mobilizar as habilidades leitoras e o desejo de aprender a ler, de
modo a transcender objetivos e graus cada vez mais elevados de compreensão
(Silva e Barreto, 2021). Através da premissa de que ativar a aprendizagem autor-
regulada resulta na superação de defasagens na leitura e na promoção de leitores
eficientes, a próxima seção direciona-se para a exposição deste conceito.

APRENDIZAGEM AUTORREGULADA E ESTRATÉGIAS

Como o próprio termo evidencia, o prefixo “auto” enfatiza o papel ativo


desempenhado pelo indivíduo dentro do seu processo de aprendizado (Rosário
et al., 2006). Assim, diferentes pesquisadores definem a autorregulação como
sendo um processo de gerenciamento dos pensamentos, comportamentos e
sentimentos do próprio indivíduo, caracterizado como consciente e voluntário.
Além disso, este tipo de governo é configurado como cíclico e adaptável para
alcançar determinados objetivos pessoais de acordo com os próprios padrões
de conduta. (Bandura, 1991; Polydoro e Azzi, 2008; Zimmerman, 2000 apud
Polydoro e Azzi, 2009)
Para se fazer compreender algumas dessas características, dentre os mo-
delos mais reconhecidos na literatura da autorregulação, adota-se neste estudo
o modelo descrito por Pintrich (2000) por ser considerado mais analítico quanto
aos subprocessos envolvidos na autorregulação. Sendo assim, ele é composto por
quatro fases: (1) planejamento e ativação; (2) monitorização; (3) controle/regu-
lação e (4) avaliação. Cada fase é analisada sob a ótica de quatro grandes áreas:

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
cognitiva, motivacional, comportamental e contextual, e, segundo Pintrich, não
são organizadas de modo hierárquico, apenas são ordenadas para fins didáticos,
consequentemente, podem ocorrer de forma simultânea, ou mesmo, integrada.
Genericamente a primeira fase está relacionada ao momento anterior da
tarefa, para exemplificar, de leitura. Como o próprio nome evidencia, está re-
lacionada ao planejamento por meio da ativação de conhecimentos prévios e
das crenças motivacionais; do estabelecimento de objetivos e de um tempo para
cumprir com a tarefa; da seleção de estratégias; entre outros. A segunda fase re-
fere-se à auto-observação e análise do processo como um todo, de modo a emba-
sar a terceira, em que, de acordo com os resultados da análise, o indivíduo age/
se adapta às condições verificadas para se alcançar seus objetivos. Por último,
a quarta fase refere-se à avaliação do processo como um todo e dos resultados
obtidos, promovendo reflexões que retroalimentam o ciclo.
É fato que os educadores têm se conscientizado mais a respeito da impor-
tância do desenvolvimento de estratégias e competências autorregulatórias para
a potencialização da aprendizagem dos discentes (Frison, 2016). Sendo assim,
se o trabalho destes agentes se volta para o restabelecimento da esperança, ao
apresentarem alternativas e novos caminhos com a finalidade de promover o
desenvolvimento da compreensão leitora, essas ações constituem um suporte
fundamental para que os alunos, atolados em suas incapacidades, possam se
motivar e se envolver nas suas atividades de aprendizagem, monitorando suas
reflexões (Rosário et al., 2006).
Assim, na perspectiva da aprendizagem autorregulada, embora o docente
tenha um papel muito relevante ao oportunizar experiências e se apresentar como
um modelo, o aluno é o principal responsável pelo seu desenvolvimento. Aqui, a
palavra-chave é “adaptação”, por isso, “a autorregulação não pode reduzir-se a
uma lista de passos pré-formatados ou a um menu de estratégias de aprendizagem
pronto a usar” (Rosário et al., 2006, p. 81). Deve haver decisão e flexibilidade pe-
los estudantes frente aos diversos contextos aos quais se deparam.
A promoção de competências auto-regulatórias a desenvolver na sala de
aula não deve confinar-se, miopemente, à manipulação de um conjunto
de estratégias de aprendizagem avulsas e descontextualizadas, mas sim à
discussão de uma lógica auto-regulatória que perpasse, orientando, todo
o trabalho dos educandos no sentido de o robustecer qualitativamente.
(Rosário, Trigo e Guimarães, 2003, p.118).

Mas, afinal, o que são estratégias e como se caracteriza um aprendiz au-


torregulado? Há evidências de que o ser humano, desde sua morada em caver-
nas, já fazia uso de estratégias, uma vez que pinturas rupestres eram usadas
como meio de lembrar-lhes sobre o ciclo do tempo, por exemplo. Porém, somen-
te entre as décadas de 1970/80 estudos científicos começaram a surgir, a fim de
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compreender como as estratégias se relacionam com a aprendizagem. (Góes e
Boruchovitch, 2020).
A Psicologia Cognitiva tem objetivado esclarecer como a espécie humana
adquire, armazena e recupera as informações (Boruchovitch, 2007) e como ocorre
a aprendizagem, proposta pela Teoria do Processamento da Informação. Nesta
vertente, há uma mobilização dos processos cognitivos diante da recepção e per-
cepção de estímulos, sejam internos ou externos. As informações seguem por um
longo caminho, passando pela memória de curta duração, memória de trabalho e
por fim, após serem elaboradas e organizadas, vão em direção à memória de lon-
ga duração. Neste destino final, as informações são codificadas e armazenadas,
juntamente com os conhecimentos já adquiridos. (Gomes e Boruchovitch, 2019).
Dialogando com os pressupostos da Teoria do Processamento da
Informação, Dansereau (1985 apud Góes e Boruchovitch, 2020) conceitua as es-
tratégias como “procedimentos utilizados com o propósito de facilitar a aquisição,
o armazenamento e a utilização da informação”. Existem diversas taxonomias
acerca da temática, entretanto, neste trabalho adota-se aquela que classifica as
estratégias de aprendizagem em cognitivas e metacognitivas (Garner e Alexander,
1989; Dembo, 1994; Boruchovitch, 2007).
Sem pormenorizar, as estratégias cognitivas representam aquelas que atuam
diretamente sobre a informação, a fim de que ocorra uma aprendizagem mais efi-
ciente. As estratégias metacognitivas orientam o processo, como o planejamento,
a monitoração e a regulação dos pensamentos e ações durante uma determinada
tarefa (Dembo, 1994). À vista disso, e, levando em consideração um dos temas
centrais deste estudo, para que ocorra a compreensão leitora, “ensinar as estra-
tégias cognitivas e metacognitivas de leitura é uma forma eficaz de promover a
compreensão autorregulada em leitura” (Gomes & Boruchovitch, 2019, p. 46).
Portanto, os estudantes considerados autorregulados são aqueles que
utilizam com propriedade as estratégias (Góes e Boruchovitch, 2020), e são
motivados, ativos, participativos e bem-sucedidos (Gomes & Boruchovitch,
2019). Igualmente, se caracterizam por possuírem autoconhecimento dos pró-
prios modos de aprendizagem e são capazes de planejar, monitorar e avaliar seus
subprocessos - cognitivo, motivacional, afetivo, comportamental e contextual,
tendo em vista metas e objetivos.

INTERVENÇÕES

Atrelada à fundamentação teórica sobre os conceitos chave deste estu-


do, a temática se desdobra na análise de pesquisas com caráter interventivo.
Através de recortes da prática, busca-se apontar como possível o aprimora-
mento das habilidades leitoras por meio do desenvolvimento de competências

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Saberes e Partilhas
autorregulatórias, bem como, do ensino explícito de estratégias.
Existe uma escassez de relatos interventivos realizados em âmbito nacio-
nal, por essa razão, buscando abrir horizontes e possibilidades de atuação, fo-
ram realizadas algumas pesquisas no cenário exterior. Retomando o objetivo em
investigar até que ponto o ensino de estratégias, principalmente, metacognitivas
antes, durante e após a leitura podem promover a aprendizagem autorregula-
da dos estudantes, a análise e descrição de instrumentos e técnicas empregadas
durante as intervenções inspiram futuras práticas.
Entende-se, aqui, por intervenções pedagógicas:
(...) investigações que envolvem o planejamento e a implementação de inter-
ferências (mudanças, inovações) - destinadas a produzir avanços, melhorias,
nos processos de aprendizagem dos sujeitos que delas participam - e a poste-
rior avaliação dos efeitos dessas interferências. (Damiani et al., 2013, p. 58)

Estas experiências coordenadas e desenvolvidas em âmbito educacional


podem contribuir expressivamente na aprendizagem dos estudantes. Segundo
Gomes & Boruchovitch (2019), alunos com aproveitamentos limitados nos anos
iniciais, comumente, apresentam um acúmulo de defasagens no trajeto escolar,
o que significa que, apostas em intervenções de caráter preventivo, quando reali-
zadas precocemente, apresentam resultados mais satisfatórios e, menores são os
efeitos das dificuldades ao longo dos anos.
Dessa forma, para a realização de intervenções de qualidade dentro do
contexto do ensino de estratégias para o desenvolvimento da compreensão au-
torregulada da leitura, é necessário considerar algumas condições relevantes.
Pensadas e estabelecidas por Pressley et al. (1995) apud Boruchovitch (2007),
a primeira questão é não trabalhar com todas as estratégias ao mesmo tempo,
mas, de modo singular, uma de cada vez, explorando todas as dimensões do co-
nhecimento: declarativo, processual e condicional. O conhecimento declarativo
descreve a realidade por meio de conceitos, diz respeito ao “conhecimento que
o estudante tem sobre o que são estratégias de aprendizagem, para que servem,
quais tipos de estratégias existem (...)” (Vieira, 2014, p. 23), portanto, está rela-
cionado às respostas da pergunta “o que fazer?”. O conhecimento processual,
refere-se à consciência dos procedimentos a serem aplicados, isto é, saber co-
locar em prática as estratégias já conhecidas (Vieira, 2014). E, por fim, o co-
nhecimento condicional refere-se ao domínio estratégico de seleção e o uso das
estratégias baseado nas exigências da tarefa cognitiva.
Voltando às características que uma intervenção deve conter, é preciso
que haja uma modelação microanalítica; deve-se repetir as explicações sempre
que necessário para sanar dúvidas; oportunizar a práxis em diferentes contex-
tos; incentivar o monitoramento para que o aluno reflita sobre suas atitudes e

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pensamentos; promover situações visando ampliar a motivação dos estudantes
e o processamento profundo das informações. Segundo Boruchovitch (2007), o
tipo de intervenção mais comum é a “mista”, que engloba, de forma combinada,
o desenvolvimento das dimensões cognitiva, metacognitiva e afetiva.
Com objetivo de analisar propostas interventivas pautamos na proposta
de Vieira (2014), que, baseada no desenvolvimento das estratégias de compreen-
são leitora dentro do contexto da aprendizagem autorregulada, realizou sua in-
tervenção em uma escola pública do Brasil com alunos do 8º ano do Ensino
Fundamental. A metodologia adotada é marcada por instrumentos relevantes
propostos por Veiga Simão (2004 apud Vieira, 2014) como a modelagem meta-
cognitiva, os guias de interrogação metacognitivas e os cartões-registro.
Em conformidade com os objetivos deste estudo, é válido aprofundar e
planificar as técnicas utilizadas, a fim de ilustrar futuros projetos. A “mode-
lagem metacognitiva” é uma técnica importante, em que o professor se torna
modelo para seus alunos (Vieira, 2014), neste caso, o docente explica as justifi-
cativas por trás de sua própria seleção das estratégias, e, os discentes observam o
uso adequado de acordo com a tarefa cognitiva. Essa técnica proporciona uma
abertura na relação ensino-aprendizado, pois, o docente ao utilizar esta técnica,
prova sua adesão ao desenvolvimento da aprendizagem autorregulada, que só
é efetiva se são ofertados estímulos e espaço para seu uso em sala de aula e em
contextos educativos reais.
Desta maneira, corroborando com as ideias de Polydoro e Azzi (2009,
p. 84), “para que o estudante perceba a instrumentalidade da autorregulação e
envolva-se neste processo, é preciso que o sistema de ensino esteja organizado
em direção à aprendizagem autônoma do estudante, que valorize sua posição de
agente,” até porque, é válido destacar que, sozinhos, os professores não seriam
capazes de curar todas as incompetências e dificuldades dos alunos (Rosário et
al., 2006). Então, trata-se de uma rede colaborativa em que há a necessidade
de que todos os envolvidos no processo educativo atuem, dentre eles, o próprio
indivíduo, a família, a comunidade e o sistema em geral.
Outra técnica interventiva, é o uso de “guias de interrogação metacog-
nitivas”, como o próprio nome evidencia, que objetivam guiar as perguntas au-
torreflexivas que os alunos devem fazer em cada momento frente à atividade
cognitiva. A título de exemplo: “Consigo explicar com as minhas palavras o
que leio?” (Vieira, 2014, p. 67). Interessante salientar que a pergunta vem na
primeira pessoa do singular, reforçando a orientação na direção do pensar so-
bre o próprio pensar. Seu emprego em intervenções pedagógicas é importante
para auxiliar na tomada de consciência sobre a dificuldade da tarefa, bem como,
ao uso de determinadas estratégias e adaptações de acordo com as exigências.

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
Assim, conforme os estudantes vão aprimorando suas habilidades autorregula-
tórias, menos perguntas prontas são encontradas nos guias, possibilitando que
eles mesmos sejam autores de seus roteiros.
Por fim, outra técnica é a do “cartão registro” para o momento de autoa-
valiação, em que, através de anotações é possível avaliar o processo, a aprendiza-
gem, as atitudes, e os resultados obtidos. Também são estruturados em formato
de roteiro com algumas frases guias, como: “Durante esta aula aprendi que...”,
“Percebi que...”, “Gostaria de saber mais sobre...” (Vieira, 2014, p. 68). Então,
em linhas gerais, o cartão registro atua como um feedback interno que retroa-
limenta o ciclo da autorregulação, o que significa que interfere diretamente no
planejamento das próximas ações.
Os resultados da intervenção realizada por Vieira (2014) se mostram ani-
madores e apontam uma melhoria considerável no que diz respeito à consciência
e utilização de estratégias no processo de leitura, assim como, na compreensão
leitora. Assim, através da modelagem, guias, cartão-registro e do comportamen-
to estratégico dos discentes, pode-se afirmar que houve uma sistematização e
reflexão dos processos de aprendizagem, e um aprimoramento das habilidades
para uma compreensão leitora eficiente (Frison, 2016).
O segundo estudo que pautamos na pesquisa é o de Cerqueira (2016),
que apresenta um projeto de intervenção com resultados positivos frente à com-
preensão leitora, direcionada aos 2º e 3º anos escolares em Portugal. Foi desen-
volvido mediante a adaptação do programa elaborado por Viana et al. (2010)
intitulado “Aprender a compreender torna mais fácil o saber”. Esse programa
foi pensado para atender às turmas de 3º e 4º anos, com a finalidade de elevar os
níveis de compreensão leitora, por meio da promoção de um conjunto de ativi-
dades a fim de ensinar a compreender de modo planificado.
Segundo Viana et al. (2010, p. 12), “o ensino explícito da compreensão da
leitura requer que o aluno seja capaz de identificar o processo que está subjacen-
te à pergunta ou à tarefa proposta”. Sustentado por este ideal, surgiu a “Família
Compreensão” (Viana et al,, 2010) composta por seis personagens - Vicente
Inteligente, Juvenal Literal, Durval Inferencial, Conceição Reorganização,
Francisca Crítica e Gustavo Significado, em que cada membro corresponde a
um subprocesso envolvido na compreensão. Exemplificando, se há um proble-
ma com relação à compreensão do significado de uma palavra, deve-se recor-
rer ao “Gustavo Significado” que poderá guiar a utilização de um dicionário.
Assim, diante de dificuldades, os alunos podem solicitar ajuda aos personagens
de acordo com os requisitos da tarefa, permitindo a autorregulação.
Essa técnica consagra-se como uma ferramenta lúdico-didático ao per-
mitir a explanação dos processos abstratos e incentivar o uso de estratégias

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
metacognitivas (Viana et al., 2017).
A operacionalização das estratégias através dos diferentes membros da
Família Compreensão visa modelar, no leitor, estas mesmas estratégias, mu-
nindo-o de instrumentos para regular a sua compreensão, colmatar lacunas
e dificuldades que surjam para decifrar o código escrito, extrair o significado
de vários tipos de textos e planificar a sua compreensão, tornando-se um
leitor cada vez mais autônomo e crítico (Viana et al., 2010, p. 8).

Retomando o estudo sobre a intervenção realizada por Cerqueira (2016),


traz um diferencial ao adaptar o projeto inicial, bem como a Família Compreensão
em virtude do contexto e do público-alvo - 2.º e 3.º ano de escolaridade. Desta
maneira, optou-se pela omissão do personagem Vicente Inteligente, pela altera-
ção dos nomes e de suas respectivas caracterizações. Além disso, foram criados
guias de compreensão leitora, semelhantes àqueles elaborados por Vieira (2014)
já citados anteriormente neste trabalho.
Os resultados da pesquisa de Cerqueira (2016) evidenciam tendências po-
sitivas, indicando melhorias significativas na leitura dos alunos, além de apontar
como possível a aplicação de um projeto com tamanha complexidade para alu-
nos tão novos, como aqueles da turma de 2º ano. Segundo Cerqueira ainda são
notórias algumas defasagens, mas, que são fortemente influenciadas pelo fator
“tempo” da intervenção (2016), e, por serem as ações, de curta duração, é neces-
sário que os professores deem continuidade e espaço para o aprimoramento das
habilidades autorregulatórias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos apresentados reafirmam a tônica do desenvolvimento da


aprendizagem autorregulada como um caminho frutífero para a promoção da
compreensão leitora desde os anos iniciais de escolaridade. Embora o comparti-
lhamento teórico acerca desta temática seja de grande relevância, especialmente
se considerar o desconhecimento por grande parte dos educadores; é essencial
dignificar aqueles trabalhos de cunho prático-interventivo.
Ao compartilhar exemplos reais de investigações realizadas na área, in-
centiva-se a produção de novos projetos e programas. Assim, é indispensável
reafirmar a necessidade de se intervir em estratégias de aprendizagem, transcen-
dendo abordagens remediativas e voltadas para que o “aprender a aprender” seja
possível desde o início da escolarização. (Boruchovitch, 2007).
É primordial seguir aprofundando e colocando em prática os pressu-
postos da aprendizagem autorregulada, incentivando o uso de estratégias me-
tacognitivas para a formação de leitores cada vez mais autônomos, críticos
e reflexivos. E, como afirma Solé (1998, p. 47), “se ensinarmos o aluno a ler

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
compreensivamente e a aprender a partir da leitura, estamos fazendo com que
ele aprenda a aprender, isto é, para que ele possa aprender de forma autônoma
em uma multiplicidade de situações”, tornando-se autor de seu processo eman-
cipatório e libertador.

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A DIVERSIDADE SOCIOLINGUÍSTICA
CONTEMPORÂNEA E O ENSINO DE
PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS:
COMO AS IDEOLOGIAS DA LINGUAGEM
INFLUENCIAM O ENSINO DE PORTUGUÊS
COMO LÍNGUA ADICIONAL
Giovanna Martinez Ursulino1

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, houve uma crescente entrada de migrantes no Brasil,


o que levou a demandas por políticas de bem-estar e acolhimento e, consequen-
temente, em uma reorganização dos currículos de ensino que estão atenden-
do esse novo público e suas especificidades. Segundo dados do Observatório
das Migrações Internacionais (OBMigra), promovido pelo Departamento de
Migrações da Secretaria Nacional de Justiça, o Brasil tornou-se o país rota de flu-
xos migratórios de milhares de imigrantes nas últimas décadas (CAVALCANTI;
OLIVEIRA; MACEDO, 2020). O número de imigrantes a darem entrada no
país nos últimos anos somou mais de 20 mil imigrantes (PARANÁ, 2019), con-
forme dados disponibilizados no site da Governo do Estado do Paraná.
Com vistas ao melhor atendimento dessa parcela da população e visando
maior bem-estar e adaptação ao país, muitas leis que amparam e garantem aces-
sos a direitos foram sendo criadas e readaptadas, como a Nova Lei da Migração
(BRASIL, 2017), elaborada em 2017.
a Lei n. 13.445, de 24 de maio de 2017, disciplinou a migração no Brasil
e estabeleceu princípios e diretrizes para as políticas públicas para o imi-
grante. Também a nova Lei de Migração substituiu a Lei n. 818/49 (regula
a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade e a perda dos direitos
políticos) e a Lei n. 8.615/80 (Estatuto do Estrangeiro), que tratava o não
nacional como uma ameaça aos brasileiros e à imigração como uma
questão de segurança nacional. (MENDES; BRASIL, 2020)

1 Graduada em Letras Português-Inglês pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e pós-


-graduanda em Ensino-Aprendizagem de Línguas, área de Estudos linguísticos do Programa
de Pós-Graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Atualmente de-
senvolve pesquisas voltadas ao reconhecimento dos repertórios linguísticos dos imigrantes es-
tudantes de português como língua de acolhimento. E-mail: [email protected].
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Saberes e Partilhas
Além de muitos segmentos da população em geral terem se organizado
para criarem programas de ensino de português para estrangeiros, também desta-
camos a importância da criação de políticas públicas voltadas a esses grupos, uma
vez que os documentos e as leis garantem pleno acesso ao ensino, trabalho e saúde
de forma igualitária e sem distinção. A cidade de São Paulo, por exemplo, estabe-
leceu a Lei nº 16.478, de 8 de julho de 2016, que institui a Política Municipal para
a População Imigrante (SÃO PAULO, 2016) e com isso a criação de planos e de
materiais didáticos voltados ao ensino de português para migrantes.
Apesar das iniciativas, observa-se que as discussões e as próprias oportu-
nidades que são dadas a esses grupos ainda são muito incipientes e que ainda
há um longo caminho a ser trilhado em termos de políticas públicas que deem
conta dessas novas demandas sociais, linguísticas e econômicas. Em termos aca-
dêmicos, observa-se que as pesquisas sobre o ensino de português para migran-
tes, bem como as discussões sobre a presença desses migrantes e seus filhos no
ensino escolar regular, são recentes. Além disso, observa-se que, embora essa
seja uma demanda crescente no ensino, ainda há uma ausência de formação
em cursos de Letras, no que concerne ao ensino de português como língua não
materna. Muitas vezes, verifica-se que a diversidade foi e é tratada na educação,
a partir de uma pedagogia da adequação linguística, um discurso que não fun-
ciona com “outras línguas”.
Esse capítulo é parte das reflexões que tenho feito recentemente em minha
pesquisa de mestrado, cuja temática se volta para o entendimento de quais são os
repertórios linguísticos utilizados por imigrantes em um contexto de ensino de
português como língua não-materna, em uma escola da rede pública de ensino
do Paraná. A pesquisa busca abordar não só como os falantes mobilizam seus re-
pertórios linguísticos, mas também como se relacionam com a língua portuguesa,
especialmente em relação a sua aprendizagem. Verifica-se que para compreender
a relação entre os repertórios linguísticos e a aprendizagem da língua portuguesa
como língua não-materna, é preciso também discutir o papel das ideologias da lin-
guagem, pois elas permeiam as mais diversas práticas sociais e atuam diretamente
na recepção que as pessoas têm dessas línguas faladas pelos migrantes, sendo esse
o ponto de partida para a análise que será apresentada a seguir.
Considerando-se estas lacunas, o objetivo deste capítulo consiste em dis-
cutir o papel das ideologias de linguagem na construção do conceito língua, as-
sociado a Estado-nação, assim como outras ideologias da linguagem, como da
mercantilização, e sua relação com o ensino de português para migrantes que se
viram forçados a migrar. Ideologias da linguagem são construtos discursivos com
regimes de valor, produzindo trabalho ideológico da linguagem (GAL; IRVINE,
2019) e gerando tensões nas práticas comunicativas. Espera-se contribuir com

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discussões para além do contexto acadêmico, possibilitando uma expansão dos
debates a respeito da diversidade sociolinguística e ideologias da linguagem.

2. CONSTRUTO LÍNGUA E SUAS IDEOLOGIAS

A Sociolinguística Crítica pressupõe uma perspectiva de linguagem como


prática, reconhecendo a velha noção de língua como sistema e apontando para
o caráter ideológico dessa noção e suas consequências na vida das pessoas, no
nosso caso. Ao se discutir questões de linguagem sob esse olhar, questões so-
ciais, políticas, identitárias e, em especial, econômicas, tornam-se centrais para
as discussões acerca da aprendizagem de linguagem.
Irvine e Gal (2000) apresentam as ideologias da linguagem como aspectos
ideológicos da diferenciação linguística construídos em articulação com questões
políticas, morais, que orientam os indivíduos em seus entendimentos sobre va-
riedades linguísticas, por exemplo. Práticas da linguagem são pautadas em ideo-
logias, nas quais são alocados fenômenos linguísticos como evidência daquilo
que se acredita ser padrão estético, afetivo e moral de determinado grupo. Isso
pode ser facilmente observado em situações de variação linguística, quando o uso
de uma variedade informal da língua não é bem vista. Essas variedades acabam
sendo classificadas como desvios que podem afetar os padrões linguísticos, sob o
pretexto de estarem “acabando com o idioma da nação”. Assim, por meio do con-
ceito de ideologias de linguagem, é possível compreender construtos sociais que
incluem certos grupos e falantes, e excluem outros, de base preconceituosa acerca
dos fenômenos de linguagem, como o multilinguismo (IRVINE; GAL, 2000).
A realidade multilíngue costuma trazer à tona questões de centro e peri-
feria que requerem um olhar atento a essas noções de ideologia, exclusão e dife-
renciação, uma vez que um dos processos semióticos que envolvem a produção
das ideologias de linguagem é justamente a oposição entre Eu e o Outro de um
nível, como o linguístico, para outro nível, econômico ou social, por exemplo,
podendo tornar-se a base dos preconceitos vividos pelos imigrantes por meio da
linguagem, além do fenômeno de apagamento, quando ocorre a invisibilização
de pessoas, atividades e fenômenos sociolinguísticos (IRVINE; GAL, 2000).
Por meio das noções de ideologias da linguagem é possível chegar ao cer-
ne da definição de língua, que também se embebe de uma noção limitante e
restrita de língua como sistema. Moita Lopes (2013) aponta para a origem desse
conceito de língua como sinônimo de Estado-nação, cujas origens remontam ao
início do século XIX e a criação do Estado Moderno, o papel da língua como
um dos elementos responsáveis pela construção do Estado-Nação, ratifica o na-
cional em relação ao estrangeiro. Assim, é preciso observar aquilo que costuma
ser (i)legitimado ou apagado por meio das práticas linguísticas, atentando-se

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Saberes e Partilhas
para o que é colocado para dentro certos grupos e/ou excluído desse sistema,
tornando a língua disciplinar e de caráter político (MOITA-LOPES, 2013).
Esse caráter nacionalista de língua liga-se às noções de centro e periferias,
como discutidos nos trabalhos de Pietikäinen e Kelly-Holmes (2013). Segundo
as autoras, centro-periferia é uma metáfora usada para descrever a distribuição
desigual de poder na economia, na sociedade e na política, sendo que o centro
é normalmente definido em termos de avanço, poder econômico, político e co-
mercial e a periferia é tida como marginal, fronteiriça ou alheia ao centro. O
centro é uma metáfora espacial usada para descrever e explicar a distribuição
desigual de poder na economia, na sociedade e na política.
Desse modo, torna-se relevante pensar de que forma essa construção de
centro e periferia molda também as questões de multilinguismo e das línguas
minoritárias. Como as autoras apontam, a própria minoritarização das línguas
é parte do processo de periferização, tornando-se tópicos para a renegociação e
contestação de características envolvendo a relação centro – periferia.
A questão é muitas vezes mais complexa do que se imagina, o multi-
linguismo acaba sendo experienciado sob a ideologia da língua padrão, desse
modo o falante multilíngue se vê dependente da língua padrão e segregado lin-
guisticamente por ela. Na esteira do que afirmam as autoras, ressalta-se a impor-
tância de professores e pesquisadores da linguagem questionarem como esses
processos se estabelecem, buscando compreender como os tipos particulares de
multilinguismo se tornam periféricos ou centrais, quais as consequências, quem
as causa e quem é afetado por elas, para que haja um melhor entendimento des-
sas práticas linguísticas em sala de aula, levando a reflexões da prática docente
quando em contextos de ensino multilíngue.
Retomando Moita-Lopes (2013), mencionado anteriormente, o autor ex-
plica que a noção de língua, como sinônimo de Estado-nação, já não cabe mais
no contexto da nova economia globalizada, porque é desafiada constantemente
pelas práticas locais como sistema de comunicação. Quando se olha a própria
realidade linguística do Brasil, observa-se como, de fato, essa ideologia de lín-
gua não cabe mais em um ambiente linguisticamente heterogêneo, constituído
por cidadãos falantes não apenas do português, mas de línguas de migração
e também das línguas indígenas e da Libras. Além disso, o repertório de um
falante é composto de recursos linguísticos e semióticos, bem como de línguas
que, algumas vezes, não são nem mesmo nomeadas. Essas línguas faladas por
esses migrantes, nas últimas décadas, são muitas vezes periféricas no cenário
econômico mundial, uma vez que a maioria desses imigrantes migra de países
marcados por algum tipo de conflito de ordem social, político ou geográfico e,
marcadamente, não-europeus, evidenciando seu caráter periférico.

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Na próxima seção, será apresentado a relação entre linguagem e econo-
mia, uma vez que pela linguagem desencadeia-se a desigualdade entre os falan-
tes, motivados em maior ou menos medida pelas ideologias da linguagem e pelo
lugar que a língua ocupa como mercadoria de troca nas diversas práticas sociais,
atrelando-se as noções de orgulho e lucro e tendo seu valor atribuído de acordo
com a economia globalizada.

3. DIVERSIDADE SOCIOLINGUÍSTICA E A NOVA ECONOMIA


GLOBALIZADA

Diversas áreas de estudo, especialmente a Sociolinguística, Antropologia


Linguística e a Linguística Aplicada, têm revelado uma ressignificação da lin-
guagem por meio de processos de mercantilização que ocorrem a partir de uma
reorganização das economias de mercado. As discussões presentes neste capí-
tulo estão filiadas à perspectiva da Sociolinguística Crítica, explorada por au-
tores, como Monica Heller e colaboradores (HELLER; McELHINNY, 2017;
HELLER; DUCHÊNE, 2012, 2016; OLIVEN; GARCEZ, 2020; GARCEZ;
JUNG, 2021). Os trabalhos nessa perspectiva sociolinguística buscam discutir
a relação entre o papel da linguagem no estabelecimento da diferença e da de-
sigualdade social. Heller ressalta a importância de entender como são feitas as
construções de fronteiras nas quais a linguagem atua como recurso comunica-
tivo, negociável e também excludente, sendo necessário entender como aconte-
cem essas relações, quem é incluído e que é excluído e quais os critérios para isso
(OLIVEN; GARCEZ, 2020).
Garcez e Jung (2021) chamam atenção para o papel que a linguagem ocu-
pa na nova economia globalizada, com a publicação de trabalhos de contextos
brasileiros. Destacam o papel da linguagem articulada a questões sociopolíticas
e econômicas, que acabam por ser uma novidade nos estudos linguísticos brasi-
leiros. Essa relação entre linguagem e economia, apesar de relativamente nova,
está cada vez mais estabelecida na sociedade, sendo possível observar seus efei-
tos como commodity e material de troca, cujo valor agregado está relacionado à
autenticidade e ao orgulho (cf. HELLER; MCELHINNY, 2017). Trata-se aqui
da ideologia da mercantilização da linguagem.
Carvalho (2021) aponta em seu trabalho que
a iminência do capitalismo tardio trouxe também transformações sociolin-
guísticas, já que desloca as questões de linguagem e identidade para a lógica
de produção e consumismo cultural, inserindo-as no que Heller e Duchêne
(2012) denominam discursos de lucro. É nesse contexto que surge o conceito
de mercantilização, ‘para descrever como um objeto ou processo específico é
tornado disponível para uma troca convencional no mercado’ (HELLER;
PUJOLAR; DUCHÊNE, 2014, p. 545) (CARVALHO, 2021, p. 349).

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Esse valor que a linguagem possui na nova economia globalizada fica evi-
dente nos trabalhos dos pesquisadores da sociolinguística reunidas em um dossiê
especial publicado em 2021 que mostram a presença desse novo papel da lingua-
gem em práticas do cotidiano, seja em propagandas de produtos de higiene pessoal
(FONSECA, 2021) ou propagandas de cursos de idiomas e turismo (GARCEZ;
JUNG, 2021; CARVALHO, 2021). De modo geral, todos esses fatores estão liga-
dos a uma nova fase do capitalismo vivenciada na economia global atual.
Carvalho (2021) explica que, após os anos 1980, a expansão do capita-
lismo atingiu novos níveis, pautado na busca por novos mercados, mercadorias
e consumidores, devido à saturação dos mercados (HELLER; MCELHINNY,
2017) e, consequentemente, houve transformações no âmbito da sociolinguísti-
ca, uma vez que as questões de linguagem e identidade passam a ser empregadas
na produção e no consumo cultural, por meio do chamado ‘Discurso de Lucro’,
discutido por Heller e Duchêne (2012).
Enquanto na modernidade a noção de língua ajudou a construir a ideia
de Estado-nação, na sociedade contemporânea a linguagem passou, segundo
Garcez e Jung (2021), a ser usada como marca de distinção para o mercado de
trabalho global, por meio de ideologias que a colocam como habilidade técnica
e produto cultural ‘autentico’. Essas transformações envolvendo a linguagem
marcam a mercantilização da linguagem que é fruto da nova economia global e
do capitalismo tardio.
Heller e McElhinny (2016) destacam a importância de se discutir o papel
da linguagem dentro desse novo contexto político-econômico. É importante ter
em vista o papel da linguagem na sociedade contemporânea e as transformações
trazidas pelo capitalismo tardio para se entender as relações que se estabelecem
entre as diferentes práticas de linguagem, especialmente no que diz respeito aos
sentimentos de orgulho, pertencimento e lucro.
É importante ter em vista que existem diferentes pesos e medidas para
cada língua nomeada, o que, consequentemente, atua no posicionamento dos
falantes em relação a essas línguas e seus falantes, como se pode observar nas
relações entre falantes de uma língua materna e o estrangeiro, especialmente
imigrante. Afinal, na esteira de Bourdieu (2017), é possível afirmar que a lin-
guagem, vista como um recurso simbólico e linguístico articulado a essa nova
economia global, é produtora de distinção social.
Nesse sentido, vista como prática,
a linguagem é parte de um conjunto complexo de atividades sociais e eco-
nômicas, nas quais atores sociais utilizam recursos linguísticos para agen-
ciar outros recursos, algumas vezes mínimos, e alcançar propósitos especí-
ficos em condições específicas. Como discutem Heller e McElhinny (2017,
p. 3), as pessoas têm interesse na linguagem porque ela tem valor e “[...]

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tem valor porque está articulada ao modo como todos os tipos de recursos
são produzidos, como circulam e como são consumidos, incluindo tam-
bém como eles são identificados como recursos” (JUNG; MACHADO E
SILVA, 2021, p. 366).

Somado a esses fatores, a linguagem passa então a integrar o discurso


do lucro, na qual línguas nomeadas e de prestígio são usadas como habilidade
técnica, como é o caso, por exemplo, do inglês e o peso dele em currículos e
vagas de emprego. Ao passo que línguas menos prestigiadas e de comunidades
minoritárias, passam a ser exploradas como autênticas e exóticas e utilizadas
para agregar valor a produtos culturais. Em síntese,
a ideia de linguagem como mercadoria nos ajuda a entender o que as pes-
soas estão tentando fazer com a linguagem, não apenas como elas pensam
sobre isso, mas como elas concretamente tentam transformar isso em um
recurso intercambiável com valor mensurável em termos econômicos. A
mercantilização dos recursos comunicativos sob as condições contemporâ-
neas levanta tensões entre esses recursos como objetos unificados de algu-
ma forma sem agência humana, obediente apenas as leis do mercado e de
aspecto inalienável em relação a ação social (HELLER; MCELHINNY,
2016, p. 144-45, tradução livre)2.

4. DIVERSIDADE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEMPORÂNEA E UMA


EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA AMPLIADA

Trazendo essas discussões para as salas de aulas, a presença de um aluno


migrante ou vários alunos migrantes acaba por gerar um ambiente multilíngue,
tornando necessário uma (re)conceituação do termo que explica seu papel e
peso no processo de aprendizagem. García e Sylvan (2011), por exemplo, discor-
rem sobre isso em seu texto e apresentam que, cada vez mais, as salas de aulas
são caracterizadas pelo aumento da pluralidade de práticas. As autoras defen-
dem que, ao invés de construírem modelos de ensino para um tipo específico de
aluno, é preciso focar em salas de aulas nas quais as pluralidades se constituem
por meio das singularidades de cada aprendiz (GARCÍA; SYLVAN, 2011).
De fato, ainda há no meio acadêmico e escolar uma preocupação com
o ensino de normas, a ideologia da padronização, que pressupõe que o aluno
será capaz de se expressar e ter mobilidade social apenas por meio do domí-
nio da norma padrão (MILROY, 2011). Além disso, essa ideologia pressupõe

2 The idea of language as commodity helps us understand part of what people are trying to do with
language (whether successfully or not is another matter), not just in how they think of it but in
how they concretely try to turn it into an exchangeable resource with measurable value in economic
term […] The commodification of communicative resources under contemporary conditions raises
a tension between understanding those resources as unified objects, somehow outside human agen-
cy, obedient only to the laws of the market, or as inalienable aspects of social action (HELLER;
MCELHINNY, 2016, p. 144-45).

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a supervalorização das gramáticas e normas de prestígio que pressupõe uma
desvalorização dos modos de falar dos alunos de classes menos prestigiadas ou
periféricas. Por isso, García e Sylvan (2011) defendem novos modelos de ensino,
pautados na individualidade de cada aluno em ambientes nos quais a plurali-
dade se faz presente. Deste modo, as autoras argumentam que o ensino deve-
ria estar focado na comunicação com todos os alunos e na negociação de con-
teúdos desafiadores, ao invés de simplesmente ensinar norma-padrão, uma vez
que aprender não é apenas aceitar formas linguísticas, mas produzir constante e
agentivamente a adaptação aos recursos linguísticos empregados em cada práti-
ca de linguagem, tornando o aluno capaz de gerar sentidos em diferentes situa-
ções comunicativas (GARCÍA; SYLVAN, 2011).
Nas salas de aulas, a questão da superdiversidade trouxe novos olhares
em relação à questão da migração, uma vez que, nos últimos anos, o número de
migrantes trouxe a diversidade da diversidade, não apenas na quantidade de et-
nias, mas em relação às variáveis que afetam o modo como as pessoas vivem e se
relacionam com os outros e com o espaço (VERTOVEC, 2007). Algumas variá-
veis que devem ser levadas em conta para se entender quem são esses migrantes
são o país de origem, canal de imigração, status de migração, capital humano
desses imigrantes, acesso a emprego, moradia e segurança, entre outros fatores.
Vertovec (2007) ressalta que, muitas vezes, apesar de saber a nacionalidade de
origem desses imigrantes, não é possível de fato saber qual sua etnia, suas afilia-
ções políticas e religiosas e outros critérios de pertencimento, e esse pode ser o
caso de muitos dos alunos em ambientes multilíngues de aprendizagem.
García e Sylvan (2011) chamam atenção justamente para essa varieda-
de de realidades quando ilustram o caso da professora que foi contratada para
lecionar a alunos bilíngues e pensava tratar-se apenas de duas línguas, inglês e
espanhol, o que a fez desconsiderar a presença de outras realidades étnicas em
sala de aula. Esse dado mostra que conceber o ensino meramente em termos bi
e ou multilíngues pode não dar conta da diversidade de variáveis que o estudante
estrangeiro traz para as práticas pedagógicas. Saber de antemão tais conceitos
e, sobretudo, tê-los claramente explicitados nos cursos de graduação e formação
continuada, pode evitar generalizações excludentes e garantir um melhor pro-
cesso de ensino e aprendizagem para ambos, professores e alunos, além de criar
um ambiente mais dinâmico, vivo e humanitário.
Considerar as diferentes práticas de linguagem e a noção de pertenci-
mento do sujeito torna-se, desse modo, essencial ao olhar para a realidade do
sujeito migrante, em especial, os estudantes imigrantes em contexto escolar
(LEHMANN, 2016), visto que a relação com a língua e as práticas sociais em
que se inscrevem são fatores decisivos para a construção de sua identidade e das

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imagens que tem de si mesmo e dos usos que fazem da língua e que acompanha-
rão toda sua vida. Ressaltamos a importância de lançar luz a essa nova realidade
linguística vivenciada pelas escolas que recebem alunos migrantes e refugiados,
pois muitas vezes eles representam grupos linguísticos que ainda não foram con-
templados pelas políticas públicas nem amplamente estudados nos cursos de
formação de professores (DINIZ; NEVES, 2018).
Por isso, ao discutirmos os modelos de ensino e de sala de aulas mul-
tilíngues, é preciso pensar novas formas de ensino em contextos multilíngues,
sempre considerando uma forma de ensino que dê conta das diversidades socio-
linguística e que tensione as ideologias e as práticas que atuam na regulação do
poder pela linguagem. Heller, em entrevista, chama a atenção para a desigual-
dade existente na comunicação, uma desigualdade na linguagem que reflete na
diferença e na desigualdade social, percebidas nas práticas situadas (OLIVEN,
GARCEZ, 2020). Essa situação surge a partir de ideologias da linguagem, uma
vez que geram tensionamentos no terreno da linguagem, de forma a serem ex-
plicitados, contornados e superados pelos falantes.
García e Sylvan (2011) refletem sobre o papel do multilinguismo em sala
de aula, ao descreverem que modelos de ensino bilíngue, baseados no bilinguis-
mo subtrativo, não dão conta dessa nova realidade, uma vez que o modelo de
bilinguismo subtrativo representa a perda gradativa da língua materna do falante
em razão da segunda língua aprendida. Muitas salas de aulas pautadas ainda
em um conceito de língua de base nacionalista fazem uso de um ensino bilíngue
subtrativo, não sendo incomum que o aluno vivencie a experiência de perder sua
língua ou vê-la anulada nas práticas escolares.
Existe, atualmente, um interesse pela pedagogia da translinguagem, que, se-
gundo García e Sylvan (2011), assumiria um papel relevante nas discussões sobre
multilínguismo em sala de aula. As autoras defendem que a translinguagem tem
o potencial de dar voz aos alunos falantes de línguas minoritárias. Esse modelo
pedagógico propõe que alunos e professores se engajem em práticas discursivas
complexas para fazer sentido e se comunicarem, reforçando que esse processo
dever ser visto como uma prática discursiva e representa a norma comunicativa
das comunidades multilíngues (GARCÍA; SYLVAN, 2011).
É preciso cautela, no entanto, com a ideia de translinguagem vista de forma
celebratória, em um caráter de vale-tudo, pois acaba-se negando o direito desses
alunos de ter acesso ao ensino bilíngue em contextos voltados a isso, por exemplo.
Há que se trabalhar no sentindo de tensionar as estruturas de poder para que haja
uma verdadeira mudança das realidades escolares desses alunos e da forma como
seus repertórios linguísticos3 são vistos pelos seus pares e professores. Afinal, o

3 “‘Repertoire’ so became the word we use to describe all the ‘means of speaking’, i.e. all those means

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uso da translinguagem como celebração da diversidade, per se, não garante uma
mudança nos olhares e preconceitos existentes na sociedade.
Em concomitância a isso, torna-se cada vez mais urgente as discussões
das questões multilíngues e de superdiversidade, de modo que sejam minimiza-
das as situações de exclusão e mal-estar causadas pelo desconhecimento, des-
preparo ou visão de língua como símbolo de nacionalismo e pertencimento, que
invisibilizam as identidades desses migrantes que se deparam com a exclusão
ou o julgamento por conta de suas práticas linguísticas. É preciso adotarmos
modelos em sala de aula que permitam aos alunos se engajarem e deem sentido
a sua trajetória, sem perdas nem abusos, validar seus conhecimentos ao invés de
excluí-los, mas principalmente, que sejam feitos os tensionamentos necessários
no sentido de buscar mudanças nas relações de poder.
Além disso, ressalta-se a necessidade de se discutir noções de pertenci-
mento e identidades fluidas (VERTOVEC, 2007), não apenas pela demanda de
migrantes e estrangeiros nas salas de aulas no ensino básico atualmente, mas
também considerando as diferentes variedades linguísticas que se inserem no
uso da própria língua portuguesa, seja em termos de língua padrão e não-pa-
drão, seja em termos de línguas de contato em regiões de fronteiras e em colô-
nias de imigração alemãs e italianas em que o português não é tido como língua
materna e muitas vezes ocupa um lugar de negociação com as línguas faladas
pelos moradores locais. Outro fator que deve ser levado em conta é a questão do
bilinguismo subtrativo, que leva a gradual substituição pela língua portuguesa,
ainda que de forma velada e, claramente sob o peso de uma violência simbólica,
nos termos de Bourdieu (1996), uma vez que para esses falantes a lenta e gra-
dual substituição de sua língua materna pela língua oficial do Estado gera, no
mínimo, desconforto.
Segundo Bourdieu (1996, p. 16), “a violência simbólica é uma violência que
se exerce com a cumplicidade tácita daqueles que a sofrem e também, frequente-
mente, daqueles que a exercem na medida em que uns e outros são inconscien-
tes de a exercer ou a sofrer”. Isso significa que professores e estudantes podem
exercer violência simbólica, co-construindo ideologias da língua, por exemplo,
agindo de forma inconsciente em relação a isso, reforçando nosso pressuposto
inicial neste capítulo de que tais conceitos devem ser levados ao contexto de
ensino para que todos os profissionais da educação, inclusive professores de lín-
guas, estejam a par das discussões na área da linguagem e possam reconhecer
como, por quem e para que tal ideologia foi construída.

that people know how to use and why while they communicate, and such means, as we have seen,
range from linguistic ones (language varieties) over cultural ones (genres, styles) and social ones (norms
for the production and understanding of language).” (BLOMMAERT; BACKUS, 2013, p. 11)

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5. CONCLUSÕES PRÉVIAS

Este capítulo teve como objetivo discutir o papel das ideologias de lingua-
gem na construção do conceito língua, associado a Estado-nação, assim como
outras ideologias da linguagem, como da mercantilização, e sua relação com o
ensino de português para migrantes que se viram forçados a migrar. A relevância
dessa discussão se dá pela grande demanda de falantes de outras línguas, que
não o português, e a necessidade de compreender os discursos sobre diversidade
sociolinguística e como esses discursos têm no centro certos grupos sociais en-
quanto outros estão excluídos desses discursos. Importa olhar não somente para
quem está falando, mas quem está escutando e a partir de quais ideologias. Olhar
para a superdiversidade é importante, mas é central reconhecer quais construtos
de linguagem orientam professores, pesquisadores e também estudantes em suas
práticas de linguagem.
Discussões nessa área ganham novas dimensões ao passo que propiciam
um ensino para a justiça social, preocupado com a realidade dos indivíduos e
cada uma de suas especificidades, levando à criticidade, ou seja, porque uma
comunicação é desigual.
Tendo em vista a relação entre a linguagem e diferentes fatores socio-po-
lítico-econômicos, resultantes do capitalismo recente e da mercantilização da
linguagem, que cada vez mais transformam a linguagem em capital de troca e
meio pelo qual processos de exclusão e inclusão se instauram, fica evidente a
importância de discussões e de uma formação de professores, voltadas ao reco-
nhecimento do trabalho ideológico da linguagem. Com isso, espera-se fomentar
novas discussões sobre ideologias da linguagem que importam para a questão
dos migrantes e refugiados, além de gerar questionamentos sobre formas de en-
sinar e aprender em contextos de superdiversidade sociolinguística.

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Studies, v. 30, n. 6, p. 1024–1054, 2007. Disponível em: https://woa.kohns-
tamminstituut.nl/wp-content/uploads/2020/02/Vertovec_2007.pdf https://
www.researchgate.net/publication/232944917_Super-Diversity_and_Its_Impli-
cations Acesso em: 22 fev. 2022.

141
PROPOSTA DE ENSINO
DO GÊNERO DISCURSIVO CAUSO
Tainara de Oliveira da Silva1
Kethlyn Karla da Silva2

1. INTRODUÇÃO

A prática da contação de histórias existe muito antes das palavras se es-


tenderam para o papel. Em diversas culturas, principalmente na cultura popular,
pode ser observado a tradição da comunicação oral. Notamos que ela nasce nas
rodas de conversas das mais diversas comunidades obtendo aspectos fictícios ou
reais, envolvida de mistérios, suspense, sarcasmo e muito humor. O gênero cau-
so possui uma função sócio comunicativa sendo símbolo identitário sobretudo
das comunidades linguísticas rurais.
Neste trabalho buscamos pensar na comunicação oral como prática de
ensino através do gênero causo para observar os desafios da oralidade ao se
deparar com as transformações do dia a dia em relação ao avanço tecnológi-
co, uma vez que, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) aborda alguns
aspectos para se trabalhar com a oralidade em sala de aula os quais abrangem:
“o levantamento e a reflexão acerca das condições de produção de textos orais,
a compreensão de textos orais, e a produção de textos orais”. (BNCC, 2021, p.
1476-1492). Por isso, queremos apresentar uma proposta de ensino para o traba-
lho com a oralidade e a escrita por meio do gênero causo, pois acreditamos que a
contação de histórias desenvolve habilidades e competências para a imaginação
criativa e recursos linguísticos do falar e escutar.
Para fomentarmos essa proposta levantaremos o seguinte questionamen-
to: Como trabalhar em sala de aula a contação de histórias como método de
ensino que seja capaz de atender a demanda do trabalho com os gêneros que

1 Mestranda em Letras e Linguística Pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Lin-


guística (PPGLL) - Universidade Federal de Goiás/Goiânia (UFG). Graduada em Letras
- Língua Portuguesa, Língua Inglesa e suas respectivas Literaturas. (UEG) Graduada em
Pedagogia. Atualmente é professora na rede privada lecionando as disciplinas de Língua
Portuguesa, Literatura e Redação https://orcid.org/0000-0001-6102-1479. E-mail: taina-
[email protected].
2 Mestranda em Letras e Linguística Pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística
(PPGLL) - Universidade Federal de Goiás/Goiânia (UFG). E-mail: [email protected].
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
circulam na sociedade? Como desenvolver as habilidades dos alunos de modo
que façam uma leitura crítica do gênero causo para observar as diferenças entre
as temáticas: riso, critica, ironia, vingança, entre outras?
Para tanto, apresentaremos conceitos teóricos do filósofo russo Mikhail
Bakhtin em relação aos Gêneros Discursivos, de modo que, neste artigo opta-
mos pela terminologia gênero discursivo pois acreditamos que o causo reflete e
refrata enunciados que circulam nas esferas comunicativas. Entendemos que o
causo deve ser conteúdo utilizado em sala de aula na educação básica, assim,
buscamos apresentar sete propostas de ensino a fim de compreender a função
dessa modalidade da língua, uma vez que, é importante “contar/recontar histó-
rias tanto da tradição oral (causos, contos de esperteza, contos de animais, con-
tos de amor, contos de encantamento, piadas, dentre outros) quanto da tradição
literária escrita, expressando a compreensão e interpretação do texto por meio
da leitura [...]” (BNCC, 2021, p. 159).
Este texto possui uma abordagem qualitativa de corpus documental, as in-
formações foram extraídas mediante a proposta de ensino do gênero causo, espe-
cificamente o causo da bicicleta do prosador goiano Geraldo Policiano Nogueira,
3
que foi pesquisado pelo aplicativo de compartilhamento e reprodução de vídeos
Youtube4. Considerando a perspectiva dialógica da linguagem, por meio da qual
empreendeu-se a pesquisa, as sete propostas de ensino abordada nesse trabalho
possibilitou a compreensão das múltiplas formas de se ensinar o gênero causo por
meio da produção do discurso oral e também da produção de escrita.

2. GÊNERO DISCURSIVO

A teoria Bakhtiniana propõe a noção de Gênero do Discurso (BAKHTIN


2003), não compreende uma forma fechada, isolada e abstrata, mas os gêneros
discursivos “pressupõe as relações dialógicas das atuações verbais, dos textos e
a interação entre os sujeitos”. (SILVA, 2014, p. 19). Conforme aborda Bakhtin
(2016) “o enunciado se insere no campo da ideologia, mas as formas típicas
dos enunciados, isto é, os gêneros, pertencem à linguagem”, (BAKHTIN, 2016,
p.134). Sendo assim, “as formas de enunciado também são sociais e, como a

3 Geraldo Policiano Nogueira conhecido por Geraldinho nasceu na zona rural do muni-
cípio de Bela Vista de Goiás, na fazenda Aborrecido. Casou-se com D. Joana Bonifácio
e teve oito filhos. Faleceu no dia 5 de dezembro de 1993, vítima de insuficiência renal.
O caipira contador de causos ficou conhecido por sua simplicidade e autenticidade, ele
tinha o domínio da narrativa que envolvia os interlocutores. Geraldinho foi apresentado
ao público goiano por Hamilton Carneiro, em 1984, apresentador do programa televisivo
Frutos da Terra, exibido por uma emissora local, a TV Anhanguera, desde então, o prosa-
dor ganhou popularidade nacional com suas divertidas narrativas.
4 Ver: https://www.youtube.com/c/FrutosdaTerraPrograma

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língua, são igualmente determinadas pela comunicação” (BAKHTIN, 2016, p.
117). O enunciado é um “elo na cadeia da comunicação verbal”, ele reflete e
refrata a estrutura de outros enunciados no mundo. Em resumo Bakhtin (2003).
O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados, (orais ou escritos),
concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo
da atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas
e as finalidades de cada referido campo não só por conteúdo (temático) e
pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção de recursos lexicais, fraseo-
lógicas e gramaticais de língua, mas, acima de tudo, por sua construção
composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo,
a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo de
enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um de-
terminado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado par-
ticular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus
tipos relativamente estáveis, de enunciados, os quais denominamos Gêneros do
discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 261-262).

Todo enunciado tem sua particularidade, assim os causos envolvem as prá-


ticas da região central do país, porém, em cada solo social existem os “tipos rela-
tivamente estáveis de enunciados”, isto é, os gêneros discursivos, que são formas
típicas de enunciações que correspondem a cada âmbito social, por exemplo: o
bilhete, a carta, o poema, o e-mail etc. Os gêneros discursivos estão alicerçados
em um tripé no campo de comunicação, sendo:

a) conteúdo temático: sentidos, objetos, assuntos, constituídos numa esfera


discursiva por meio da realidade sócio-histórica-ideológica.
b) plano composicional: estrutura, materialidade, acabamento do texto nos
procedimentos, relações, participações dos sujeitos.
c) estilo: escola lexical, gramatical, formas de dizer pessoal que tem sua
compreensão estabelecida pelo tipo de gênero.
Os gêneros discursivos proporcionam no discurso um estilo individual
do enunciador, pois o “enunciado – oral e escrito, primário e secundário, em
qualquer esfera da comunicação verbal – é individual, e por isso pode refletir a
individualidade de quem fala (ou escreve)” (BAKHTIN. 1997, p. 283). Podemos
perceber que essa elaboração de toda enunciação que reflete e refrata ocorre no
gênero causo, que por sua vez se estabelece num ato enunciativo criativo e por
meio de um horizonte social constitui um aspecto axiológico.
Desse modo, no gênero causo o conteúdo temático são as práticas, os dis-
cursos, as ideologias geradas no contexto sócio-histórico do ambiente rural e seus
valores discursivos. O estilo do causo envolve a escolha de lexemas típicos da va-
riante linguística regional e aparece como uma forma individual dos narradores
que selecionam os recursos linguísticos a partir de seu ponto de vista juntamente

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
à entonação. E a construção composicional do causo é a materialidade do texto, a
seleção das narrativas bem-humoradas no tipo de texto que utiliza.

3. O GÊNERO DISCURSIVO CAUSO

O gênero causo5 privilegia a oralidade e é constituído pela tradição da lingua-


gem sertaneja caipira, seu vocabulário está permeado de gírias interioranas. Essa
variedade linguística se constitui a partir dos gêneros discursivos, que são as com-
posições que utilizamos através da língua para interagir em sociedade. Essa compo-
sição vai além dos aspectos linguísticos, se trata da função do texto em sociedade.
Os causos são narrativas que circulam na esfera humorística com intuito
de persuadi os interlocutores, muitas vezes o prosador conta histórias que vi-
venciou. Além disso, os prosadores afirmam que a história contada é um fato
verídico e não fictício. Esse estilo de contação de histórias traz ensinamentos,
valorações, marca identitária, aspectos reginais e culturais. Batista (2007) ainda
afirma que o prosador pode contar causos que outra pessoa vivenciou:
[...] quem o conta é seu “autor”. Quando o fato que deu origem ao causo não
foi vivido ou testemunhado por quem conta, é dada a referência: diz quem
contou, ainda que a memória popular não tenha formalidades autorais, um
mínimo de indicações registra a origem do relato. (BATISTA, 2007, p. 103).

Nos causos os personagens costumam ser pessoas comuns e não seres


inanimados, animais personificados, nem super heróis. Uma marca do causo é
o elemento do exagero que o prosador conta em uma situação comum do dia a
dia, o que transmiti o efeito do riso. Esse exagero pode perpassar na mais variá-
veis estilos de histórias. Estas histórias podem perpassar de geração em geração
mantendo o valor cultural.
Com base nos conceitos teóricos de Bakhtin (2003), Gedoz e Costa-Hübes
(2011) denominam o causo como um gênero primário, uma vez que ele está in-
serido juntamente aos gêneros narrativos da tradição oral, sendo constituído em
situações de comunicação verbais informais do cotidiano. De modo que, quan-
do transcrito para o papel, adquire características dos gêneros secundários, por
ter que seguir características da norma culta e dos elementos que compõem a
modalidade escrita da língua. Porém, um causo quando transcrito mesmo man-
tendo a escrita igualmente a fala, perde toda sua riqueza comunicativa, de modo
que, a entonação, o sotaque, as pausas, as gírias compõe-se em uma unidade

5 Os causos são histórias que têm origem na cultura popular sobretudo utilizam a linguagem
verbal, podem ser histórias engraçadas ou assustadoras, mas que devem ser contadas de
maneira singular. Um causo, para ser bem contado, tem que conferir às palavras entona-
ção, ritmo e até mesmo sotaque e expressões interioranas. Esses elementos são fundamen-
tais para capturar a atenção de quem ouve e provocar as mais diferentes sensações. 

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
indissociável para obter a atenção do público alvo e gerar o humor.
Para obter efeitos de sentidos positivos numa contação de causo é preciso
que o prosador sinta a história, viva cada acontecimento cada situação, mos-
trando aos interlocutores que de fato ele acredita naquilo que está contando.
Percebemos isso claramente nas histórias de Geraldinho que em muitas vezes
foi o narrador-personagem vivenciando os acontecimentos de cada enredo, ele
não dava título nem tema para seus causos, mas a moral de cada história era
muito bem compreendida em cada desfecho. O prosador teve uma performance
perfeita para alcançar os efeitos de sentidos desejado.
Um bom contador de histórias sobrevive as transformações da historicidade
vivida, sendo envolvido pela arte e nunca perde o prazer em contar quantas vezes
for preciso a mesma história com a mesma riqueza de detalhes. Além disso, é pre-
ciso assumir um papel social de narrador para saber contar uma história de uma
maneira simples para que os interlocutores possam memoriza-la, e o mais impor-
tante é contar a mesma história com a atuação invariável várias vezes.

3.1 PROPOSTA DE ENSINO DO GÊNERO CAUSO

Falando sobre os gêneros discursivos, especificamente do gênero causo,


é importante que o professor em sala de aula faça a mediação do processo de
ensino aprendizagem, para que os alunos tenham interessem em conhecer novos
gêneros discursivos, de maneira que seja um momento prazeroso e não de obri-
gatoriedade. Assim, elenca Gilka Girardello (2014):
Algumas das questões que reverberam nesses espaços nos sensibilizam
mais diretamente: a persistência do papel da narrativa na múltipla e inten-
sa rede em que se constituem as configurações contemporâneas da cultura;
a riqueza da oralidade popular e a necessidade de que ela seja mais valori-
zada e conhecida pelos educadores. (GIRARDELLO, 2014, p. 05).

Assim, entendemos que uma narrativa como o causo traz histórias que con-
tagiam e instigam a imaginação. Carregado por gírias e uma linguagem informal, o
prosador com uma performance natural e espontânea inicia seu enredo com a orga-
nização e elaboração de ideias. Além disso, é importante ensinar sobre as mais diver-
sas culturas brasileiras, uma vez que, o causo também deve ser instrumento de ensi-
no nas salas de aula de educação básica. Como elenca os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNS), um dos objetivos da escola é que os alunos possam “conhecer
características fundamentais do brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais
como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pes-
soal e o sentimento de pertinência do país [...]”. (BRASIL, 1998, p. 7-8).
Para utilizar esse gênero em sala o professor precisará assumir uma pos-
tura de observação da turma para elaborar as atividades propostas. Adotar um

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modelo didático levando em consideração a capacidade de leitura e interpreta-
ção dos alunos, observar a situação do contexto de ensino. Em primeira instan-
cia é preciso levantar um questionamento sobre o que é um causo.
Perguntas que podem ser feitas numa roda de conversa verbalmente:
Objetivo: Explorar verbalmente os conhecimentos prévios sobre os alunos em
relação a leitura e ao conhecimento sobre o gênero causo.
1) Vocês sabem o que é um causo? Já ouviram ou leram alguma história?
2) Qual tipo de história foi essa?
3) Onde você ouviu essa história?
4) Quem pode produzir um causo?
5) O gênero causo pode ser atual?
6) Para qual público o causo é destinado?
7) Quais locais o gênero causo circula?

Depois dos questionamentos a proposta seria iniciar uma atividade mostran-


do o causo da bicicleta do prosador goiano Geraldinho por meio do suporte Projetor
de Vídeo, posteriormente, pedir para que eles copiem as atividades no caderno.
Proposta de Atividade 01 – Questionário
Objetivo: Proporcionar aos alunos a interpretação do causo do caipira
Geraldinho.
1) Quais as diferenças e semelhanças entre ouvir, assistir e ler um causo?
2) Escreva o assunto principal do causo assistido.
3) Quem é o autor?
4) Existe algum herói ou vilão? Explique
5) Esse causo traz algum ensinamento/lição, qual?
6) Quais são as gírias que você conhece?
7) O causo poderia ser transcrito para a linguagem não-verbal? Justifique
8) Use sua imaginação e crie um outro final para essa história
9) Analisando o causo da bicicleta complete a tabela com os dados abaixo:
Qual tipo de narrador temos nesse causo
( ) narrador- personagem ( ) narrador-observador
Linguagem predominante
( ) Formal ( ) Informal
Tipologia predominante
( ) narração ( ) argumentação ( ) descrição
Tipo do discurso

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( ) Direto ( ) Indireto
A narrativa está em
( ) 1º pessoa ( ) 2º pessoa ( ) 3º pessoa

Proposta de Atividade 02 – Análise do causo


Objetivo: Estimular os alunos a interpretação do causo da bicicleta trazendo
alguns aspectos para os dias atuais.
1) Com que Geraldinho compara a bicicleta?
2) Como você chegou a essa conclusão?
3) Como Geraldinho manuseia a bicicleta?
4) Trazendo para os dias atuais como pode ser relacionado a reação de Geraldinho diante
da bicicleta que era um veículo moderno para sua época, com as pessoas mais velhas em
relação a tecnologia?
5) A expressão “o trem lá vai de mal a pior” são expressões de qual região?
6) Você conhece todas as gírias utilizadas pelo contador?
7) Ao ouvir Geraldinho você acha que ele é de qual estado brasileiro?
8) Quais expressões você já conhecia na história?

Proposta de Atividade 03 – Análise da estrutura composicional


Objetivo: Perceber a relevância estrutural do gênero causo, como suas ca-
racterísticas, tempo, espaço, linguagem, personagens.
Considerando os elementos do causo da bicicleta, encontre no enredo:
1) Situação Inicial
2) Clímax
3) Desfecho
Sobre os personagens da história:
1) Quais são os personagens protagonistas?
2) Quais são os coadjuvantes?
3) Selecione dois personagens e escreve as características físicas e
psicológicas.
- Análise do conteúdo temático
1) Sobre essa história você já vivenciou ou sabe de alguém que passou
por uma situação como essa? Se sim, conte para a turma.
2) Releia o trecho abaixo retirado do causo
“Uai minino, nesta época, sô!, que pegô a sai essas bicicleta, esses recursu, nunha ocasião
a muiê rumô lá uma perrenguice, uma clamura, uma gemura esquisita, aquilo não mio-
rava; eu rancava uma saroba ali no terreiro memo, fazia uma xaropada, dava pra ela
bebê… foi ficanu pió; aí eu manei: danô!

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Saberes e Partilhas
- Explique por que Geraldinho decidiu primeiramente fazer uma “xaropa
da” para sua esposa para depois leva-la ao médico?
- O que significa a expressão perrenguice?
Proposta de Atividade 04 – Atividade de Análise Linguística
Objetivo: Proporcionar a produção textual do discurso direto e indireto.
Observe o trecho abaixo retirado do causo, ele ocorre na forma do discurso direto
que é a fala do próprio personagem.
“[...] oiá eu trouxe a muié, o senhor espia o que tá fartanu nela e arruma ela pra mim eu
não posso fica aí não, eu tinha serviço e era longe [...]”. 
- Sendo assim, lembrando que o discurso indireto os personagens não
exprimem livremente sua fala, pois as falas nesse discurso são apresentadas pelo
narrador, isto é, o narrador fala pelo personagem, transforme o trecho acima em
um discurso indireto.
- Agora faça ao contrário transforme o trecho abaixo que está no discurso
indireto, para o discurso direto.
[...] Aí eu tentei levar ela pra cidade pro doutô dá uma reforma nela pra mim. Aí fui lá
rumei um agasaio, e levei ela [...]

CAUSO DA BICICLETA
Acesso: (https://www.youtube.com/watch?v=y3iYdTAz6IA&t=285s&ab_
channel=FrutosdaTerra)
Proposta de Atividade 05 – Pesquisa sobre causos contados por familiares:
avós, tios, primos etc.
Objetivo: Proporcionar aos alunos conhecimento sobre causos contados por
familiares.
• Fazer com que os alunos busquem conhecer as histórias que seus familiares contavam,
principalmente os mais velhos.
• A atividade é para que os alunos pesquisem com seus familiares histórias de suas famí-
lias e transcreve-los para a escrita para apresentar na sala de aula.
• Nessa aula será desenvolvida uma roda de contação de histórias no pátio da escola, os
alunos deverão se sentar no chão, e todos os causos pesquisados deverão ser contados.
• Depois da leitura dos causos que os alunos buscaram de seus familiares, é necessário
fazer alguns questionamentos para saber sobre a criação do causo contado:
• Quem contou esse causo?
• Qual idade a pessoa tem?
• O causo foi criado pela pessoa ou ela já tinha ouvido de alguém?
• Essa pessoa contou somente este causo ou mais?

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• Você entendeu a moral da história deste causo?


• A pessoa que contou utilizou gírias? Quais?
• A pessoa utilizou qual tipo de linguagem? Formal ou Informal?
• Você percebeu a presença do discurso direto ou indireto no causo?
• A narrativa foi contada em 1º, 2º ou 3º pessoa?
• Você sentiu dificuldade ao recontar a história para os colegas?
• Você mudaria algo nesse causo? Se sim, o que mudaria?

Proposta de Atividade 06 – Apresentação Teatral


Objetivo: Proporcionar aos alunos um momento para a escolha de causos e o
ensaio para apresentação teatral dos causos escolhidos.
- Depois de assistir o causo da bicicleta entre outros causos, deixar com
que os alunos escolham um causo para apresentação teatral. Para o desenvol-
vimento da criatividade, narrativa, performance, desenvoltura, e interação na
contação de histórias.
Proposta de Atividade 07 – Produção de um livro contendo causos produzidos
pelos próprios alunos
Objetivo: Orientar os alunos para confecção e montagem de um livro para
exposição.
• Confeccionar um livro com os alunos para exposição na sala de aula.
• Na primeira folha do livro deverá ter o nome do aluno, escola, data, nome do professor,
e um desenho fazendo referência ao gênero causo.
• Nas próximas folhas serão escritos ou digitados os causos produzidos pelos alunos.
• Em cada folha deverá ter um desenho ou imagem impressa relacionada ao causo produ-
zido.
• O livro será produzido em sala de aula com o auxílio do professor.
• Os alunos deverão levar o material necessário para a confecção:
• Cola, tesoura, papel cartão, barbante.
• O livro confeccionado também pode ser exposto em algum evento da escola, como um
Sarau Literário, para que os amigos e familiares possam ver a produção.

4. CONCLUSÃO

Dessa forma, entendemos que o gênero causo possui elementos que ajudam
no desenvolvimento sociocomunicativo fazendo o aluno obter uma competência
comunicativa interativa e expressiva podendo ser o protagonista de suas narrati-
vas, de modo que, o gênero discursivo causo traz em seus enredos um mundo ima-
ginário com uma linguagem simples e fácil de serem memorizadas, estas histórias
fazem com que se desenvolva a oralidade dos alunos e se inicie uma compreensão

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Saberes e Partilhas
de elaboração de novas ideias. Portanto, é importante pensarmos que quem ouve
e conta histórias em qualquer âmbito social que seja, exterioriza o que tem dentro
de si compartilhando suas ideologias, valorações e saberes.
Assim, a proposta desse texto foi trabalhar com métodos que instigue a
imaginação dos alunos para que eles aprendam sobre novas culturas, bem como
a produção de escrita e de novos causos trabalhando principalmente a oralidade.
Esperamos que essa proposta de ensino contribua para a utilização dos métodos
pedagógicos adotados na sala de aula na educação de ensino básico, podendo ser
utilizado tanto no Ensino Fundamental II quanto no Ensino Médio, pois na con-
tação de histórias os estudantes conseguem organizar a própria experiência que
tiveram nas relações comunicativas, pois “é por meio das práticas sociais, ou seja,
das mediações comunicativas que se cristalizam na forma de gêneros, que as sig-
nificações sociais são progressivamente construídas”. (BAKHTIN, 1992, p. 53).

REFERÊNCIAS
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numa perspectiva transversal para trabalhar a oralidade, a escrita e a construção
da subjetividade na interface entre a escola e a cultura popular. Dissertação (Mes-
trado em Linguística Aplicada). Universidade de Taubaté, São Paulo. 2007.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Linguagens, códigos e suas
tecnologias.
BNCC. Base Nacional Comum Curricular. Língua Portuguesa – Textos Intro-
dutórios, 2021/2022.
Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e Tecnológi-
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BAKHTIN, M. M (1992). Estética da Criação Verbal. Tradução de Paulo Be-
zerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M.M. (1952-1953). Os gêneros do discurso. Tradução de Paulo
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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. BRA-
SIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacio-
nais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira /
Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998.
GEDOZ, Sueli; COSTA-HÜBES, Terezinha da Conceição. O gênero discur-
sivo causo: reflexões sobre sua caracterização a partir da teoria bakhtiniana.
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
narração oral hoje. Signo. Santa Cruz do sul, v.39 n.66, p. 3 – 21, jan./jun.
2014. Disponível em: http//online.br/ser/index.plip/signo.
Fontes:
https://www.youtube.com/watch?v=y3iYdTAz6IA&t=285s&ab_channel=-
FrutosdaTerra. Acesso: 24 de maio 2022 às 14:32h.

152
NA ROÇA É DIFERENTE:
UMA PROPOSTA PARA TRABALHAR
A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA, NO 5º ANO1
Claudimir José da Silva2

APRESENTAÇÃO

As leituras feitas em Geraldi (1984), (2013), Cagliari (1992), Marcuschi


(2001), Bagno (2009), (2014), (2015) e Soares (2007) nos mostram que ainda
existe a dificuldade para trabalharmos a linguagem materna e seus usos dentro
de uma perspectiva discursiva-dialógica. Muitas vezes, percebemos que dentro
da sala de aula, os professores que ensinam a língua, assumem que a língua é
apenas sistema de escrita alfabética e que a escrita é um espelho da fala. Isto nos
instigou a usar tal questão como o ponto de partida para esse trabalho, buscando
refletir acerca da variação linguística, no 5º ano das séries iniciais.
A proposta desse trabalho é justamente levantar discussões e tentar refle-
tir sobre o porquê não discutirmos a variação linguística como ato natural da
língua. Ressaltando que a proposta é levantar reflexões e não defender o fim do
ensino da gramática patrão, porém buscar compreender que além dela há outros
modos de nos manifestarmos pela linguagem.
Ao perceber que algumas concepções não são favoráveis para ensino da
língua, propomos atividades, dentro de uma sequência didática, que sejam mais
propícias às necessidades do ensino, de modo a contemplar a língua como ma-
nifestação viva e que faz parte do sujeito. Tais atividades têm como proposta
refletir o uso da língua, dentro da sociedade, sem se apegar a visão meramente
da metalinguística.
Nesta perspectiva teórica fazemos uma análise do vídeo animação Chico

1 Este texto é a adaptação de um trabalho apresentado para atender a proposta da disciplina


de Práticas de Laboratório, como exigência curricular do curso no Programa de Pós-Gra-
duação em Educação (PPGE), da Universidade Federal de Lavras (UFLA), no mestrado
profissional em educação, no segundo semestre de 2021.
2 Mestrando em Educação, no PPGE, pela Universidade Federal de Lavra, com ênfase em
linguagens, diversidade cultural e inovações pedagógicas. Especialista em Alfabetização e
Letramento, pela UNINTER, e em Gestão do Trabalho Pedagógico, pela FAVENI. Gra-
duado em Pedagogia, pela UEMG/Barbacena. Docente na Rede Pública, no Estado de
Minas Gerais e no Município de Barroso/MG. E-mail: [email protected].
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Bento em: na roça é diferente, objetivando levantar questões sobre a variação lin-
guística, variedade linguística, preconceito linguístico e noções de linguagem oral.
Tal modelo de atividade favorece aos alunos maior contato com o tema
e melhores condições para explorações mais aprofundadas e contextualizadas.
Esperamos que seja uma leitura agradável e que possa abrir outras reflexões
acerca do tema proposto, a fim de melhorar o desenvolvimento das habilidades
e competências relacionadas ao uso da língua materna.

A NOSSA CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM E ENSINO DE LÍNGUA

A concepção de linguagem, sobretudo verbal, e de ensino da língua ma-


terna que trazemos para esse campo tem como alicerce, principalmente, os au-
tores Geraldi (1984), (2013), Marcuschi (2001), Bagno (2009), (2014), (2015), e
Soares (2007), (2020). Quando muitos professores pensam no ensino da língua,
dentro da sala de aula, como momento para se ensinar estruturas e nomenclatu-
ras de classes de palavras, percebemos que a língua perde sua função enquanto
manifestação viva e instituição social, passando a ser considerada apenas como
objeto externo ao sujeito. Segundo Bagno (2009, p. 45), “a língua tem que servir
aos seus falantes, e não o contrário”. Pensar o ensino da língua é justamente
refletir sobre como eu uso a minha língua, seja na fala ou na escrita.
Para Cagliari (1992), a escola peca ao querer ensinar ao falante a estrutura
da língua como se ele já não fizesse esse uso. Segundo o autor, a função da es-
cola deveria mostrar ao aluno como funciona a linguagem, permitindo reflexões
acerca dos seus usos, contemplando metas especificas, suas modalidades e dife-
rentes usos na sociedade, seja oral ou escrita.
A língua apresenta diversas manifestações e essas variedades podem ser
facilmente percebidas em qualquer contexto que estivermos. A função da escola
seria refletir essa variação e variedade linguística e não apenas focar em ativi-
dades de classificação de classes de palavras, sobretudo focando textos escri-
tos. Para Marcuschi (2001) e Soares (2007) é um equívoco tentarmos ensinar a
língua escrita com o discurso de que ela representa a fala, sendo que há diversas
situações em que a fala e a escrita apresentam uma distante relação. Segundo
Marcurshi (2001) haverá momentos em que a fala irá se aproximar da escrita e
outros em que a escrita se aproximará da fala.
Entretanto, seja através do contato oral versus oral, oral versus escrito,
ou mesmo escrito versus escrito, a linguagem humana é compreendida por nós
como sendo dinâmica, viva, pertencente aos seus falantes e que só tem sentido
se usada. A língua que é apresentada apenas como objeto de análise e petrifi-
cada é uma língua que não tem uso, uma língua morta, sem sentido. Por isso
somos seres de linguagens, nos manifestamos pela língua, a usamos, devemos

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
compreendê-la como parte de nós e sendo nossa. É através dela que nos coloca-
mos presentes no mundo.
Compreendendo a língua como variável, pulsante, que salta de nós para
ir de encontro com o outro para criar elos ou não, pois ela nos permite concor-
dar ou não com aquilo que é dito ou não dito, pensamos no ensino, na sala de
aula e em como podemos levantar essas reflexões para os alunos, de modo que
eles compreendam que essa variação só tem sentido quando percebemos que a
língua é nossa.
Sendo o ensino hoje norteado pela Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), trazemos algumas considerações que contemplem a nossa concepção
de linguagem e ensino da língua materna, voltado a reflexão sobre os usos e de
interação social. A BNCC traz que:
As atividades humanas realizam-se nas práticas sociais, mediadas por di-
ferentes linguagens: verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita),
corporal, visual, sonora e, contemporaneamente, digital. Por meio dessas
práticas, as pessoas interagem consigo mesmas e com os outros, constituin-
do-se como sujeitos sociais. Nessas interações, estão imbricados conheci-
mentos, atitudes e valores culturais, morais e éticos. (BRASIL, 2017, p. 63)

A língua, enquanto manifestação viva e em uso na sociedade, deve ser


refletida na escola a fim de ser contemplada como prática social, mediadas por
diferentes linguagens, sobretudo a linguagem verbal. Entretanto, pouco perce-
bemos as reflexões acerca da variação linguística, notando-se maior destaque
ao uso da língua das camadas de prestígio. A língua de prestígio está voltada às
normas das convenções gramaticais ortográficas na sociedade, sendo códigos de
conduta estabelecidos para o funcionamento padrão da língua. Embora saiba-
mos reconhecer seu valor, também, reconhecemos que ela não é a única maneira
do uso da língua dentro dos diferentes contextos sociais e principalmente que
não há territórios demarcados, representado que aqui só se fala desse jeito e ali
só se fala daquele jeito. Fala-se de deferentes modos em diferentes lugares.
No âmbito das competências específicas de linguagens, para o ensino fun-
damental, destacamos a primeira competência descrita no documento da BNCC
que propõe garantir que o ensino permita ao aluno “compreender as linguagens
como construção humana, histórica, social e cultural, de natureza dinâmica, reco-
nhecendo-as e valorizando-as como formas de significação da realidade e expres-
são de subjetividades e identidades sociais e culturais” (BRASIL, 2017, p. 65). Tal
competência nos faz perceber que a escola precisa refletir, junto com o aluno, a
linguagem, de modo geral, como construção social e dinâmica, reconhecendo-as e
valorizando-as, ou seja, todas e não apenas as manifestações de prestígio.

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A BNCC diz que o ensino da língua portuguesa está baseado na concep-
ção enunciativo-discursiva de linguagem, assim como proposta em documentos
com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’S). Busca-se proporcionar aos
alunos experiências para a ampliação dos letramentos, através de participações
significativas, em diversas práticas sociais, constituídas bem como pelas lingua-
gens oral e escrita, como também imagéticas, sonoras, entre outras.
A proposta deste trabalho, visa contemplar o eixo da oralidade, presente
no componente de língua portuguesa. Segundo Geraldi (2013) a escola se dedica
em trabalhar textos escritos, porém se esquece de trabalhar textos orais com os
alunos, deixando que a oralidade seja vista como menos importante que a escri-
ta. Complementando esse pensamento, Marcuschi (2001) irá dizer que não há
superioridade entre um e outro, são apenas modos diferentes de usar a língua e
que ambos devem ser trabalhados.
A oralidade é vista pela BNCC como práticas de linguagem que são pra-
ticadas em contextos de face a face ou não, através da fala. Ela ainda traz como
práticas de oralidades situações como a produção de textos orais e a relação da
fala com a escrita, por exemplo. Para a produção de texto orais, o documento
aconselha que o aluno seja capaz de “produzir textos pertencentes a gêneros
orais diversos, considerando-se aspectos relativos ao planejamento, à produção,
ao redesign, à avaliação das práticas realizadas em situações de interação social
específicas”, já na relação da fala com a escrita que ele seja capaz de:
Estabelecer relação entre fala e escrita, levando-se em conta o modo como
as duas modalidades se articulam em diferentes gêneros e práticas de lin-
guagem (como jornal de TV, programa de rádio, apresentação de semi-
nário, mensagem instantânea etc.), as semelhanças e as diferenças entre
modos de falar e de registrar o escrito e os aspectos sociodiscursivos, com-
posicionais e linguísticos de cada modalidade sempre relacionados com os
gêneros em questão.
Oralizar o texto escrito, considerando-se as situações sociais em que tal
tipo de atividade acontece, seus elementos paralinguísticos e cinésicos,
dentre outros.
Refletir sobre as variedades linguísticas, adequando sua produção a esse
contexto. (BRASIL, 2017, p. 80)

Além das questões já apresentadas, encontramos na BNNC competên-


cias específicas para o ensino da língua portuguesa, área na qual este trabalho é
pensado, visto que o objetivo é trabalhar o ensino da língua materna. Entre as
competências, destacam-se duas para a proposta deste trabalho. A primeira é a
de que o aluno precisa “compreender a língua como fenômeno cultural, históri-
co, social, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso, reconhecendo-a como
meio de construção de identidades de seus usuários e da comunidade a que
pertencem”, já a segunda traz que a criança precisa “compreender o fenômeno

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
da variação linguística, demonstrando atitude respeitosa diante de variedades linguísticas
e rejeitando preconceitos linguísticos”. (BRASIL, 2017, p. 87 - grifo nosso).
Isto exposto, propomos a elaboração de uma sequência didática que con-
temple a nossa concepção de língua materna e ensino a fim de trabalhar a va-
riação linguística presente na oralidade, o preconceito linguístico e a reflexão
sobre o uso da língua em diferentes contextos. O objetivo dessa proposta é con-
tribuir para melhoria do ensino de língua materna nos anos iniciais, sobretudo,
no quinto ano, a partir de reflexões quanto ao uso da língua e compreensão de
que a língua é uma manifestação viva e social.
Por fim, percebendo que a escola precisa mediar as reflexões acerca das
variação linguística, como modo de combater, também, o preconceito linguístico,
além de proporcionar um ensino de língua que apresente sentido ao aluno, no
qual ele possa fazer uso das diferentes linguagens e usar a língua para sua real
função, proporcionar interação entre sujeitos a partir dos discursos enunciativos,
teceremos uma breve a contextualização da nossa proposta de sequência didática
e a apresentação do produto educacional que contemple a práxis dessa proposta.

CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA: A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA


DENTRO DA SALA DE AULA

Na língua existe uma relação de poder que nos permite dizer que o lugar
de onde se fala tem mais valor que a língua em si, ou seja, às vezes cria-se um
pensamento negativo com relação à língua, mas não por ela não seguir as regras
gramaticais, e sim, pela relação que existe entre o lugar de quem fala e quem
fala. Observamos nos textos de Bagno (2009), (2014), (2015), que a língua(gem)
sofre mudanças constantes, mesmo entre uma geração ou outra, fato que a torna
dinâmica. Ainda que dentro de um mesmo país, questões regionais, culturais ou
econômicas irão se relacionar com as próprias questões linguísticas, de modo
que a língua passe a ser construída conforme o tempo, porém sem um fim ou
que haja um produto após essa interação.
Os escritores Soares (2007), Cagliari (1992) e Marcuschi (2001) retratam
que nos dois momentos em que usamos a língua (escrita ou oral), é possível
percebermos que em alguns momentos é notável uma relação entre fala e escrita
e há outros momentos que essa relação não existe. Esta discussão torna-se neces-
sária quando nos propomos a fazer uma reflexão acerca da língua oral e escrita
no processo de alfabetização e letramento ou quando nos propomos a pensar
sobre o uso da língua em diferentes contextos, que é o nosso caso no momento.
Quando pensamos em trabalhar a variação linguística na escola, na
perspectiva do vídeo do Chico Bento é justamente para proporcionar ao aluno
vivências que lhe permitirão refletir os diferentes usos da língua. O vídeo Chico

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Bento na roça é diferente levanta questões acerca do jeito diferente de falar da
população, que infelizmente só é vista como sendo do interior, mas não dife-
rente no sentido de que há outras possibilidades de falar, e sim sob a ótica de
inferioridade, uso errado da língua, incorreto ou marginalizado.
Pensando nisto, percebemos o quanto a língua, também, representa re-
lações de poder. Durante muito tempo defendeu-se o pensamento de que havia
línguas superiores e inferiores, ou ainda, que algumas línguas eram deficientes
linguisticamente. Embora hoje já se saiba que esse argumento não apresenta
bases significativas para as ciências da linguagem, continuamos perpetuando
tal pensamento. A professora Soares (2020) trabalha em seu texto duas teorias
que discutem as variedades linguísticas. Elas são apresentadas como a deficiên-
cia linguística, que acredita na existência de línguas ou variedades linguísticas
superiores ou melhores, em relação à outra. O fato ocorre devido a deficiência
relacionada ao fator social do sujeito, ou seja, seu contexto não lhe proporciona
contatos com a linguagem de privilégio. A segunda teoria se volta à diferença
linguística, defendendo, a partir de estudos antropológicos e sociolinguísticos,
que as línguas são diferentes entre si e não cabe a ideia de que uma seja superior
ou melhor que a outra.
Contudo, conforme aponta Soares (2020, p. 86) ambas as teorias, “acei-
tam um único saber linguístico como legítimo, o saber das classes privilegia-
das”. Isto faz com que a desigualdade linguística torna-se resultado da de-
sigualdade social. A escola, infelizmente, torna-se a maior instituição que
propaga essas diferenças e, principalmente, com o discurso de modo correto
ou errado de usar a língua. Segundo Soares (2020) a escola ainda mantém a
função de perpetua a estrutura social, as desigualdades e privilégios que cabe
a uns e torna-se prejuízo a outros, promovendo a desigualdade social, a dis-
criminação e a marginalização de sujeitos estigmatizados pela maneira como
usam a língua.
Em uma perspectiva bakhtiniana, essa questão de linguagem pode ser
compreendida como consideração valorativa da língua, no qual é atribuído va-
lor ao que é dito tanto pelo sujeito que fala como pelo sujeito que escuta, que
participa do diálogo e da construção enunciativa ocasionada.
Logo, assim como trazem Soares (2020) e Bagno (2014) percebemos que a
escola quando não toma a iniciativa de discutir as questões da variação linguís-
tica, dentro da sala de aula que é o exemplo da diversidade presente no mundo,
ela compactua com a manutenção dos preconceitos, da falta de reflexão da lín-
gua, do pensamento de que o nativo brasileiro não sabe o próprio idioma, além
de alimentar que escrever é apenas codificar a língua fala, uma vez que a escrita
é o espelho simples da fala, refletido tal como é.

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Saberes e Partilhas
No vídeo Chico Bento: na roça é diferente, lançado em 1998 e escrito por
Maurício de Souza, embora não há indicações que mostre de forma intencional
que o objetivo era falar da variação linguística, é possível perceber como são
estereotipados os discursos entre as personagens quando ouvimos as falas entres
as personagens – da roça e da cidade. O próprio título sugere essa diferença ao
não mostrar o que na roça é diferente, deixando em aberto para a compreensão
do leitor. Consequentemente nos fazendo acreditar na inferioridade, não apenas
linguística, mas também na condição de vida ou tecnológica. Isto é percebido no
vídeo quando o primo do Chico Bento, que vem da cidade, compara o meio de
transporte e falta de aparelhos eletrônicos dentro da casa.
A seguir, trazemos a proposta da sequência didática, apresentada em cin-
co aulas e pensada para o 5º ano das séries iniciais, através de atividades que
buscam refletir a variação linguística e como podemos trabalhá-la em sala de
aula, refletindo os diferentes usos da língua nos diferentes contextos em que isso
ocorre, dentro da nossa sociedade.

PRODUTO EDUCACIONAL SEQUÊNCIA DIDÁTICA: ORIENTA-


ÇÕES E DISCUSSÕES

A sequência didática, aqui proposta, está sendo pensada para contemplar


alunos do 5º ano, das séries iniciais, no ensino de língua portuguesa a fim de tra-
balhar a variação linguísticas. Ela se fundamenta leituras como Geraldi (1984),
(2013), Marcuschi (2001), Bagno (2009), (2014), (2015) e Soares (2007), (2020)
que se dedicam a trabalhar reflexões sobre o ensino da língua. As atividades aqui
propostas buscam contemplar um ensino mais acessível e promissor aos alunos,
usuários da língua como manifestação viva e interações, de modo a combater os
preceitos que a língua pode causar na sociedade.
Essa sequência didática está sendo pensada para ser trabalhada em três
aulas, de preferência na mesma semana ou conforme a grade de aulas do profes-
sor. Em cada aula torna-se necessário que o professor estimule seus alunos nas
práticas orais, além das reflexões necessárias para a condução do tema.
Recomendamos que antes de iniciar a sequência didática, o professor
faça o levantamento prévio dos conhecimentos dos alunos acerca do tema
que será trabalhado no decorrer das aulas, como, por exemplo, para vocês
o que é variação linguística? Será que a gente conhece alguém que fala dife-
rente da gente? Quem é essa pessoa? Será que todo mundo fala do mesmo
jeito? Será que pessoas que vivem em um mesmo lugar falam igual por vive-
rem juntas ou elas podem falar diferentes mesmo morando no mesmo lugar?
Será que existe um modo certo e errado de usar a língua, de falar? Se existe
quem a gente dar de exemplos? Assim, o professor já poderá refletir sobre o

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caminho que irá conduzir as discussões e identificar possíveis dificuldades e
potencialidades.
Ao professor também é importante observar a rotina e contexto dos seus
alunos e da escola. Isso poderá auxiliar na coleta de dados necessários para a
prática que podem enriquecer as discussões e o andamento do trabalho.
O uso da linguagem está inteiramente ligado às práticas sociais da lín-
gua, logo aos letramentos. O professor poderá, também, usar de outros letra-
mentos e gêneros para complementar as discussões acerca do tema proposto.
A utilização desta sequência didática poderá dar luz às questões sobre o uso da
língua e sua variação e variedades, além de ser um modelo adaptável e discuti-
do conforme as necessidades de cada escola e público-alvo.

Sequência Didática: Chico Bento - na roça é diferente


(Trabalhando variação linguística)
1º Plano com tempo de duração de uma aula
Nome da escola:
Turma: 5º Ano
Data:
Assunto: Variação linguística
Atividade: Apreciação de vídeo e roda de conversa
Disciplina: Língua Portuguesa
Práticas de Objeto de Habilidades (BNCC)
linguagens conhecimento
(BNCC) (BNCC)
Forma de (EF35LP10) Identificar gêneros do discurso oral, utilizados
composição de em diferentes situações e contextos comunicativos, e suas
gêneros orais características linguístico-expressivas e composicionais
Oralidade
(conversação espontânea, conversação telefônica, entrevis-
tas pessoais, entrevistas no rádio ou na TV, debate, noticiá-
rio de rádio e TV, narração de jogos esportivos no rádio e
TV, aula, debate etc.)
Oralidade Variação lin- (EF35LP11) Ouvir gravações, canções, textos falados em
guística diferentes variedades linguísticas, identificando caracterís-
ticas regionais, urbanas e rurais da fala e respeitando as
diversas variedades linguísticas como características do
uso da língua por diferentes grupos regionais ou diferentes
culturas locais, rejeitando preconceitos linguísticos
Objetivos:
- Perceber que a língua é uma manifestação viva, com variáveis, através da intera-
ção entre os sujeitos
- Opinar sobre suas concepções de linguagem, construindo argumentos.
- Refletir sobre a variação linguística e sua relação com o preconceito linguístico.
- Refletir sobre os conflitos culturais que influenciam nos conflitos linguísticos pre-
sentes no vídeo Na roça é diferente.

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Desenvolvimento:
1º Momento:
Fazer o levantamento prévio sobre a variação linguística. Questionar o que eles pensam
que podem ser variações? Mediar a conversar sobre os diferentes modos de falar: falamos
sempre do mesmo jeito? (Tanto no uso das palavras como nos diferentes lugares). O modo
como eu converso na escola com meus amigos é o mesmo modo como eu converso em
casa ou com outras pessoas? Será que todas as pessoas falam igual? Como as pessoas na
cidade falam e como as pessoas na roça falam? (Aqui é importante observar se os alunos
já apresentam uma concepção de língua “errada” e língua “certa” em seu modo de falar,
ou seja, se irão responder que na roça os moradores falam “errado”). Importante refletir,
caso a resposta seja positiva, sobre as questões: 1) por que eles falam errado? 2) será que
eles realmente falam assim? 3) será que na cidade todo mundo fala igual e “correto”? 4) o
que significar falar “errado”?
Após essas discussões acerca do tema, as crianças assistirão ao vídeo Chico Bento - na roça
é diferente, o vídeo é produzido pela Turma da Mônica, assinado por Maurício de Souza,
lançado em 1998 e tem duração de 7 minutos e 38 segundos. Trabalhar a escuta atenta no
momento em que o vídeo estiver passando e nos momentos de conversa.
2º Momento:
Após assistirem ao vídeo, pode-se perguntar aos alunos se eles já conheciam as persona-
gens apresentadas na história e quais características de cada um, principalmente do Chico
Bento e do primo. Dialogar com os alunos a relação entre os dois personagens, semelhan-
ças e diferenças. Refletir sobre o modo como eles usam a língua e a função que ela está
desempenhando naquele contexto: eles estão se interagindo? Há diálogos entre eles? Existe
resposta ao que é dito ou não há? Por quê?
3º Momento:
Iniciar a roda de conversa com o tema variação do modo de falar. Deixar que os alunos
exponham suas considerações sobre relação entre essa variação, presente no filme, e bus-
quem fazer analogias com o contexto social e familiar em que vivem. Refletir se a opinião
do início da aula se mantém ou se mudou. Mediar a roda de conversa buscando fazer com
que os alunos compreendam que a variação é natural entre os seres humanos. Pedir que
fiquem atento na fala do colega e depois dizer se eles falam igual ou se falam diferente,
buscando destacar essas semelhanças e diferenças dentro da própria sala de aula. Levantar
hipóteses de situações em que falamos de maneira mais espontânea e livre e momentos
em que falamos de maneira mais convencional. Buscar nas experiências situações em que,
apesar das diferenças no modo de falar, houve interações entre eles, ou seja, não deixaram
de conversar e interagir porque falavam de modos diferentes. Por fim, refletir sobre o “cor-
reto” e o “errado” e o respeito às manifestações linguísticas que devemos ter.
Recursos didáticos e metodológicos:
Exposição oral.
Vídeo Chico Bento, na fazendo é diferente, disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=Bfx_E3zvnjc
Carteiras em círculos.

Atividade elabora pelo o autor.

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Sequência Didática: Chico Bento - na roça é diferente


(Trabalhando variação linguística)
2º Plano com tempo de duração de uma aula
Nome da escola:
Turma: 5º Ano
Data:
Assunto: Variação linguística
Atividade: Coleta de dados para pesquisa e escrita

Disciplina: Língua Portuguesa


Práticas de
Objeto de conheci-
linguagens Habilidades (BNCC)
mento (BNCC)
(BNCC)
(EF35LP18) Escutar, com atenção, apresentações
Escuta de textos de trabalhos realizadas por colegas, formulando
orais perguntas pertinentes ao tema e solicitando escla-
Oralidade recimentos sempre que necessário.
(EF35LP19) Recuperar as ideias principais em
Compreensão de
situações formais de escuta de exposições, apre-
textos orais
sentações e palestras.
(EF05LP11) Registrar, com autonomia, anedotas,
Produção de
piadas e cartuns, dentre outros gêneros do campo
textos (escrita
Escrita colaborativa da vida cotidiana, de acordo com as convenções
compartilhada
do gênero e considerando a situação comunicati-
e autônoma)
va e a finalidade do texto.
Objetivos:
- Levantar hipóteses sobre o uso da língua.
- Elaborar questões para compor um questionário de pesquisa.
- Registrar as perguntas do questionário no caderno.
- Perceber a relação entre fala e escrita de modo reflexivo e não como espelho.
Desenvolvimento:
1º Momento:
Relembrar com os alunos as discussões realizadas na última aula. A partir desta recordação
propor que seja feita uma pesquisa, em casa com uma pessoa próxima, sobre o tema variação da
língua e os preconceitos que elas podem gerar. Neste primeiro momento, o professor irá mediar
provocações para que os alunos pensem em perguntas que sejam favoráveis a composição do
questionário. Poderá introduzir perguntas aos alunos como, por exemplo, o que será que as pes-
soas pensam sobre esse assunto? De modo que a crianças busquem responder a partir do ponto
de vista do outro. Estimular reflexões para que as crianças façam perguntas, cabendo ao professor
mediar a formulação da pergunta, como, por exemplo, uma pergunta que não esteja bem elabora
questionar se a outra pessoa que for responder, se ela entenderá a pergunta feita ou ficará com
dúvidas? Após essas provocações e levantamento de dados para a elaboração das perguntas, o
professor, juntamente com a turma irá registrar essas perguntas para que as crianças possam rea-
lizar a atividade em casa. Importante ressaltar que as perguntas têm que apresentar relação com
o tema: variação linguística. Uma questão interessante é perguntar se o entrevistado se considera
bom em português ou se sabe bem o português. Esta atividade apresenta dois objetivos: o primei-
ro é trabalhar a escrita enquanto registro e o segundo é desenvolver a oralidade para fala pública,
que será trabalhada quando a criança for apresentar sua pesquisa para a turma.

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2º Momento:

Neste momento o professor irá trabalhar com os alunos a escrita. Pontuando uma das
funções da escrita: registro. O professor poderá usar o momento para trabalhar questões
ortográficas. Juntamente com o professor, os alunos irão anotar em seus cadernos as per-
guntas que a turma elaborou e selecionou para o questionário, refletindo a relação da lín-
gua falada com a escrita, apresentando elementos que na fala não são necessários, ou são
usados através de outros marcadores, como gestos e expressões, mas na escrita torna-se
necessários para contextualizar para que produza sentido para quem for responder.

3º Momento:

No final, o professor poderá orientar os alunos como realizar essa pesquisa em casa, con-
siderando a oralidade da criança, na hora de fazer a pergunta, a oralidade da pessoa que
será entrevista e o registro escrito em cada resposta.
Atividade elabora pelo o autor.

Sequência Didática: Chico Bento - na roça é diferente


(Trabalhando variação linguística)
5º Plano com tempo de duração de uma aula
Nome da escola:
Turma: 5º Ano
Data:
Assunto: Variação linguística
Atividade: Apresentação da pesquisa e roda de conversa
Disciplina: Língua Portuguesa
Práticas de
Objeto de conheci-
linguagens Habilidades (BNCC)
mento (BNCC)
(BNCC)

(EF35LP18) Escutar, com atenção, apresentações


de trabalhos realizadas por colegas, formulando
Escuta de textos orais
perguntas pertinentes ao tema e solicitando escla-
recimentos sempre que necessário.

(EF35LP19) Recuperar as ideias principais em


Compreensão de tex-
situações formais de escuta de exposições, apre-
Oralidade tos orais
sentações e palestras.
(EF35LP20) Expor trabalhos ou pesquisas es-
colares, em sala de aula, com apoio de recursos
Planejamento de texto multissemióticos (imagens, diagrama, tabelas
oral Exposição oral etc.), orientando-se por roteiro escrito, plane-
jando o tempo de fala e adequando a linguagem
à situação comunicativa.

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Objetivos:
- Trabalhar a fala pública.
- Apresentar as respostas coletadas na pesquisa realizada em casa.
- Fazer análise da opinião das pessoas com relação ao tema.
Desenvolvimento:
1º Momento:
Iniciar a aula questionando os alunos como foi a experiência de entrevistar alguém. Deixar
que contem quem foi a pessoa entrevistada. Após os relatos, propor que eles iniciem suas
apresentações de modo que seja trabalhada a fala pública com clareza, coerência e coesão,
além do respeito à fala do outro, no momento da escuta. Deixar que os alunos percebam
pontos em comuns nas respostas dadas. O professor deverá ficar atento as respostas e prin-
cipalmente no viés da concepção que tais respostas estão sendo dadas, como, por exemplo,
se tendem à um viés preconceituoso, superior, inferior, da língua ou se há uma concepção
de língua enquanto interação social e respeito as variações.
2º Momento:
Quando os alunos acabarem de apresentar suas respostas, o professor deverá refletir com
os alunos o porquê das respostas dadas, ou seja, por que será que as pessoas têm aquela
opinião sobre a língua que falamos? Levantar reflexões de como poderíamos agir com
relação ao preconceito, ou seja, para quem não fala conforme as convenções ou que não
sabe ler ou escrever.

Atividade elabora pelo o autor.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste trabalho não é esgotar as discussões acerca deste tema,


mas levantar reflexões inerentes ao ensino da língua. Ensinar língua materna é,
sobretudo, compreender que não se ensina quem já sabe. Assim como Cagliari
(1992) coloca, somos nativos na língua o que precisamos é aprender como mos-
trar aos alunos os modos de usar a língua e como ela funciona, principalmente
em diferentes contextos e não apenas naqueles de mais prestigio.
É importante entender que o espaço escolar precisa aproximar a criança
do mundo em que ela vive e contextos mais reais, respeitando as diferenças,
independentemente de qual seja. Todo sujeito tem suas particularidades, seja
na linguagem, nas características físicas, não importa, isso não nos impede de
sermos serem de linguagens e de interações.
Desejamos que esta sequência didática posso elucidar e ser ponto de par-
tida para várias outras questões relacionadas a língua, seja ela falada ou escrita.
A proposta é justamente deixar em aberto para adaptações, provocações, com-
plementações, de modo atender a necessidade de cada sala de aula.
Quem sabe assim, as distâncias sociais, causadas pelas questões linguís-
ticas, diminuam com o tempo e cada ser compreenda que a língua é a voz de
todos nós.

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Saberes e Partilhas

REFERÊNCIAS
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de setembro de 2020 e disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=B-
fx_E3zvnjc>

165
LIVRO DIGITAL: UMA ANÁLISE DA INSERÇÃO
DA TECNOLOGIA NAS AULAS DE LITERATURA
NO ENSINO MÉDIO1
Luã Leal Gouveia2

1. INTRODUÇÃO

A discussão proposta por este trabalho tem sua gênese na experiência tida
com o estágio curricular obrigatório, prática essa que é encarada como um ter-
reno fértil para se debater questões que envolvem o ensino-aprendizagem, rea-
lizado com alunos do Ensino Médio da rede estadual de ensino do Maranhão
SEDUC-MA. O estágio obrigatório II (etapa I) é uma fase dos graduandos do
curso de Linguagens e Códigos – Língua Portuguesa realizada no ensino médio
e desenvolvida em um percurso estruturado em: debates antecipados sobre o
campo onde será realizado, apresentações de microaulas para a supervisora de
estágio, agendamento das observações na escola, ambientação com o espaço
escolar e a realização das aulas com os alunos.
Essa etapa curricular foi desenvolvida com as turmas do 3º ano do ensino mé-
dio com a disciplina de Literatura, área essa que corresponde ao ensino de Língua
Portuguesa, preocupação essa enquanto alunos do curso de Linguagens e Códigos
– Língua Portuguesa. Desse modo, essa atividade pode esclarecer, aprofundar e de-
senvolver tanto as teorias discutidas dentro da universidade, quanto os estudos para-
lelos gerados pelo contato com a sala de aula, aos acadêmicos do curso.
Assim sendo, esse trabalho compreende o estágio curricular, do curso de
Linguagens e Códigos – Língua Portuguesa, como essencial para as atividades
profissionais e suas vertentes, pois entende que não há possibilidade do real exer-
cício profissional não ser delineado por uma experiência antecipada, isto é, há
uma necessidade de experimentar antecipadamente da prática profissional para

1 A presente discussão originou-se a partir da experiência com o estágio obrigatório super-


visiona II, do curso de Licenciatura em Linguagens e Códigos – Língua Portuguesa, da
Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
2 Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no Instituto Federal de Rondônia –
IFRO/ Campus Cacoal. Mestrando em Estudos Literários no Programa de Pós-graduação
em Letras – PPGL, do Instituto de Letras e Comunicação – ILC, da Universidade Federal
do Pará – UFPA. Especialista em Linguística Aplicada e Ensino de Línguas pela Univer-
sidade Federal do Mato Grosso do Sul – UFMS.
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
melhorar o exercício.
A partir dessa visão, observa-se que as licenciaturas podem discutir ma-
neiras que possam promover o ensino de qualidade, antes da efetiva prática, em
um mundo tecnológico, isto é, como encontrar meios que viabilizem o ensino de
qualidade nesse cenário, sabendo que o mundo encontra-se em mudanças e a es-
cola não pode ficar distante dessa realidade. Isso mostra que há um interesse em
repensar as práticas pedagógicas e ampliar as discussões acerca dessa temática.
Esse debate deve ser dialogado com o avanço tecnológico, visto que atual-
mente a escola encontra-se em participação com o meio virtual, pois há uma
gama de meios tecnológicos em que os alunos dialogam com mais satisfação,
são eles: A TV, o computador, celulares e redes sociais, já são realidades da
maioria dos jovens e adolescentes. Desse modo, deve-se fazer os questionamen-
tos: como atrair esses alunos que estão a todo momento em contato com as
mídias para os conteúdos curriculares? Ou como é a vivência de um professor do
ensino médio sobre a conjuntura da era digital que estamos vivendo?
Foram a partir dessas indagações que se buscou pesquisar acerca do pro-
fissional da educação através da experiência com o estágio, essa que deixa o
profissional em um lugar privilegiado para observar as nuances da prática pro-
fissional, pois em primeiro lugar debate as questões que envolvem a prática pro-
fissional, em seguida, observa de que forma deve ser panejada e executada, por
último, de que maneira a prática docente pode ser realizada e repensada, ou seja,
levantar teorias que envolvem o ensino, suas práticas e como promovê-lo.
Para tanto, essa discussão busca debater a importância do estágio como
influência na formação profissional do docente e a inserção dos recursos tecno-
lógicos como ferramentas para o aperfeiçoamento das aulas de literatura. Sendo
assim, tem por objetivo conceituar as questões de ensino com o uso da tecnologia
em sala de aula nas práticas com o ensino de literatura e divulgar uma experiên-
cia que trouxe ganhos significativos acerca do profissional em construção através
do estágio supervisionado. Essa abordagem partiu das discussões realizadas por
Eliane Yunes (2018); Marta Branco (2017); Clesiane Benevenuti (2017); Suelen
Silva (2016); Elivelton Chortaszko (2017) entre outros, com o interesse de ampliar
a discussão acerca do estágio e a prática docente com as tecnologias.

2 DISCUSSÕES SOBRE O ESTÁGIO E A INSERÇÃO DAS TECNO-


LOGIAS EM SALA DE AULA.

Participar da vida acadêmica não é uma tarefa fácil, encontra-se no percor-


rer da graduação uma série de problemas que dificultam o desenvolvimento, mas
que podem ser superadas no percurso. Pode-se sinalizar, como isso, que qualquer
graduação ou curso de nível profissional não forma o indivíduo por completo, mas
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sim o contato com o meio e com as práticas em ativo exercício. Nos cursos de li-
cenciatura é uma atividade interessante, pois são professores que ensinam futuros
professores e, no período de estágio, os graduandos são alunos/professores que
dialogam com o espaço educacional, avaliando e sendo avaliado, por professores
que estão no real exercício. Foi a partir da avaliação dessas situações, considera-
das uma atmosfera bastante peculiar, compreendeu-se que esse prévio trabalho, o
estágio, adquire força essencial para o futuro professor.
Partindo para uma segunda análise que se propõe a discutir neste traba-
lho, é acerca da tecnologia nas aulas de literatura. O foco partiu da experiência
do estagiário do curso de Linguagens e Códigos – Língua portuguesa, utilizando
um material que está disponível e gratuito: versões E-book (livros eletrônicos).
Nas atividades com o estágio, no período das observações, foi constato que os
alunos usavam seus celulares a todo momento e que, por vezes, o professor ques-
tionava-os por seus usos durante as explicações. A partir dessa percepção, foi
analisada a importância de compreender o contexto desses estudantes e como a
recepção das tecnologias pode ser colocada em prática.
Assim sendo, o celular é um aparelho que geralmente o jovem e adolescente
possui, o que de certo modo pode ser explorado a favor da educação. Segundo
Chortaszko (2017, p. 6) em seu trabalho sobre o uso dos celulares por estudantes
do ensino Médio e superior, afirma que o celular pode participar da realidade
escolar, mas que auxilie no ambiente de ensino. Desse modo, para haver modi-
ficação deve-se partir de uma conscientização docente sobre a modificação das
práticas metodológicas, analisando os incentivos governamentais e qual contex-
to tecnológico a escola disponibiliza.

2. 1 Das questões sobre o estágio supervisionado.

As demandas que correspondem ao estágio, esse que é entendido como


um terreno fértil para a construção profissional, são tarefas que iniciam nas
teorizações já no início da graduação, suscitando análises em grupos de traba-
lhos acadêmicos e discussões acerca de metodologias para o campo profissio-
nal, isto é, propondo pontes entre a teoria e prática. Pois se observa que, em
alguns dos diálogos entre professores e alunos da graduação, há um discurso
recorrente de que a teoria não se alia à prática ou que não dialogam, porém
sobre muito do que foi analisado com o estágio, essas duas esferas são partícu-
las que se integram, não há como pensar a teoria sem o exercício da prática, e
não se aponta apenas pesquisas laboratoriais que são desenvolvidas por uma
série de análises químicas/biológicas/físicas, mas também sobre o laboratório
chamado mundo, que está a todo momento se modificando e deixando ser
explorado, desse modo, com as interações humanas pode-se encontrar grandes

168
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Saberes e Partilhas
resultados. Assim, é evidente que o mundo está em constante mudança e não
se podem descartar as hipóteses de que as teorias podem ser contestadas e/ou
descartadas.
Partindo disso, observa-se que na licenciatura não é diferente, pois o pro-
fissional de educação refuta e recepciona as teorias pedagógicas. Conforme des-
taca Arnon de Andrade (2005, p. 21-22) o professor é necessário vivenciar tudo
o que implica a escola e que há uma diferença entre o profissional com bachare-
lado e licenciatura, pois ambos possuem práticas e focos diferentes. De acordo
com o autor, não basta saber a ciência, mas sim ensiná-la e como reproduzi-la no
mundo, ou seja, o profissional da educação busca condensar os conteúdos, co-
nhecer os alunos e as vivências, com o interesse de decodificar e produzir apren-
dizagem. Assim, saber lidar com essas práticas, de certo modo, requer bastante
esforço, e o profissional é impulsionado a realizar pesquisas que possibilitem
a evolução de sua prática profissional, por isso o professor não deve esquecer
que, também, deve ser pesquisador para aliar a teoria e prática ao ensino. Ainda
sobre o que Andrade aborda:
O Estágio permite a integração da teoria e da prática e é o momento de
concretude da profissão. É, portanto, uma importante parte integradora
do currículo, em que o licenciando vai assumir, pela primeira vez, a sua
identidade profissional e sentir, na pele, o compromisso com o aluno, com
sua família, com sua comunidade, com a instituição escolar, que represen-
ta a inclusão civilizatória de vastas camadas da população com a produção
conjunta de significados em sala de aula; com a democracia, com o sen-
tido de profissionalismo que implique competência, isto é, – fazer bem o
que lhe compete (ANDRADE, 2005, p. 24).

Segundo o autor, há uma necessidade em se observar a relação entre


teoria e prática. Sendo assim, o estágio enquanto uma atividade importante
e obrigatória para o currículo do universitário faz como que esse entre em
contato com a prática de sua profissão, ou seja, materializa o que previamente
se é debatido nas instituições de ensino superior, o que chamamos de ponte
entre teoria e prática. De acordo com o pesquisador, esse exercício fortalece o
compromisso do profissional com a sociedade, sabendo que a prática docente
ultrapassa os limites da sala de aula e muros da escola, ou seja, ela implica na
competência do professor perceber que circunstâncias serão necessárias para
estabelecer o ensino democrático e como explorá-lo na vida. Sendo assim, o
estágio obrigatório supervisionado possibilita o progresso dos estagiários e do
ensino, pois familiariza o futuro profissional em seu ambiente e, a partir das
observações e práticas, buscam suscitar teorias que potencializam a educação.

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2. 2 Conceituando o Livro digital (E-Book).

O contexto eletrônico já é uma realidade bem viva e com bastante in-


fluência no cotidiano das atividades humanas. Não há como se pensar que o
desenvolvimento dos indivíduos não se deu, também, pelo advento do mundo
virtual, por mais que existam pessoas que desaprovam o uso ou desconhecem,
mas se pode perceber a olho nu que as tecnologias já invadiram grande parte
do universo e trouxeram vantagens e desvantagens com o uso dessas práticas.
No final da década de 90 para início do ano 2000, virada do século XX para o
XXI, assistiu-se a expansão da internet no mundo, evento esse citado como uma
das maiores descobertas do homem, e começou a perceber a atmosfera que se
foi criando a partir dessa conjuntura. O E-mail, jogos eletrônicos, serviços pro-
fissionais solicitados por meio eletrônico, E-book e outros, começam a invadir
o sistema universal, passando a criar e/ou recriar atividades que se adequam a
esse cenário.
Nos trabalhos desenvolvidos pelo professor João Batista Bottentuit Junior,
o autor encontrou familiaridade desse contexto, o tecnológico, no universo es-
colar (do ensino infantil até as atividades na pós-graduação), sendo assim, a
autoria destaca que não se pode descartar que a tecnologia pode sim ser inserida
no meio educacional.
Na pesquisa realizada pelos professores Bottentuit e Coutinho (2007) os
livros digitais recebem mais valor no contexto universitário, ou seja, a utilização
do recurso E-book é mais relevante na vida acadêmica e isso é relevante pelo
número de periódicos eletrônicos disponíveis aos pesquisadores da graduação e
pós-graduação, mas o que foi descoberto é que a utilização desse recurso ainda
se dá de forma detidamente, os professores universitários ainda não se apro-
priam do recurso de forma incisiva, apoiando-se ainda aos livros impressos e que
em sua bibliografia não se encontram referências aos livros digitais.
Os autores discutem esse quadro de dificuldade com a inserção dessas
práticas eletrônicas na escola. Isso se dá pelo fato da complicação de pensar em
interação entre o meio virtual e as práticas enraizadas de ensino, assim o profes-
sor precisa repensar suas práticas docentes. Acerca disso, dialoga-se com o que
Marta Branco (2017) aborda:
A introdução das tecnologias no ambiente educacional não se dá apenas
ao nível de uma mudança tecnológica, da inserção das tecnologias nas
salas de aula. Essa introdução precisa estar associada a uma mudança
nas concepções dos professores sobre o modo como se ensina/aprende.
Ela está mais relacionada com as metodologias, com a forma como se
utiliza o recurso tecnológico do que com sua inserção propriamente dita
(BRANCO, 2017, p. 230).

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Introduzir a ferramenta no ensino modificam as práticas pedagógicas,
mas não retira a figura do professor. Sendo assim, promover o ensino é descobrir
quais estratégias mobilizam a progressão da educação e uso da tecnologia vem
somente para somar.

2. 3 O exercício da leitura.

A prática com a leitura de certo modo é, por vezes, uma dificuldade que
atravessa um número significativo dos níveis de escolaridade. Pode-se observar
alguns alunos da educação básica com dificuldades pelo interesse da leitura, ou-
tros do ensino médio preocupados com as interpretações cobradas pelo ENEM
(Exame Nacional do Ensino Médio) e chegando até a determinados acadêmicos
da graduação com a sua pouca experiência com as práticas de leituras e que se
deparam com um universo da escrita que a graduação os coloca em cena.
Desse modo, é importante observar que esse cenário tem uma razão, pois
de acordo com Eliana Yunes (1995) nos meados do início da década de 1990 os
governantes passaram a se preocupar com a prática leitora, sendo assim, esses
buscaram criar hábitos de leitura, porém, como aponta Yunes, não era o suficiente
para produzir bons leitores e reconhecedores das diversas comunicações que as
linguagens nos disponibilizam.
Quando se refere ao termo “linguagem” é o que é apresentado pelos
PCNS (2000) acerca da ideia de que a esfera das linguagens agrupa uma sé-
rie de elementos comunicativos da natureza humana que passam pelas Artes,
Filosofia, Matemática, saberes cotidianos entre outros, que configuram a inte-
ração humana. Desse modo, as atividades artísticas como: Música, Literatura,
Cinema, Pintura e outras, estariam nessa configuração de percepção do mundo
como um leque de possibilidades discursivas.
Assim, as narrativas e criações que se encontram a todo momento sen-
do descortinadas pelas experiências humanas, através da leitura, disponibilizam
um emaranhado de significados e que fazem parte de uma junção entre autoria
(escritor) e a coautoria (leitor). Essa união se articula pela formulação de que
um autor disponibiliza a leitura que faz do mundo (suas experiências singulares)
e inclina essa sua percepção a um leitor, esse que também realiza uma leitura
dinâmica desse universo da leitura.
Desse modo, há uma riqueza na prática leitora, visto que ela amplia a
visão de mundo. Sobre essa questão da leitura é importante retomar ao questio-
namento da professora Eliana Yunes(1995). Para a autora, partindo do princípio
que a leitura pode transformar o leitor, essa atividade não se dá com tanta faci-
lidade, pois apenas disponibilizar sistematicamente leitura aos leitores não cria
hábitos de leitura. Isso significa que automatizar o exercício da leitura coloca

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os sujeitos leitores em uma posição de vassalo e a leitura, ou tudo aquilo que se
aproxima com essa prática, na condição de suserania.
Assim, é importante observar que o ser humano busca compreender ou
racionalizar o mundo, na tentativa de compreender e interpretar o mundo e não
apenas de receptor. Desse modo, é a partir dessa prática interpretativa que nas-
ce a preocupação pelos estudos a partir das linguagens, pois ela se encontra
em conformidade com aquilo elencado acima sobre perceber as nuances que o
cotidiano disponibiliza aos que estão em plena atividade do viver, pois não se
trata apenas de acordar todos os dias e realizar todas as tarefas diárias automati-
camente, mas sim de realizar uma reflexão acerca do que será necessário para o
bem estar, como: alimentação, higiene pessoal, horários das atividades diárias, e
isso se dão através da leitura do mundo.

2. 4 A inserção das tecnologias nas aulas do estágio supervisionado.

A partir da discussão supracitada, analisa adiante acerca da experiência


obtida com a atividade do estagio desenvolvida utilizando as tecnologias em sala
de aula. Inicialmente foram elencados os aspectos teóricos antes do campo de
estágio, em que se acolheram teóricos que deram base para o encontro com essa
prática e o planejamento do percurso em que seriam desenvolvidas todas as ati-
vidades (microaulas, observações, regências, projeto). O primeiro contato com o
campo foi de acolhimento, conhecendo a estrutura da escola, professores, direto-
res, em seguida cumprimento da carga horária de observação do cotidiano escolar.
O estágio foi realizado com alunos do terceiro ano do Ensino Médio, si-
tuada no centro da cidade de São Bernardo/ MA, em média 40 a 45 alunos por
turma (A, B e C), com idade que variavam entre 15 a 18 anos, cerca de 90% dos
alunos possuíam celulares smartphone e a professora responsável pelo ensino de
Língua Portuguesa (Gramática, Literatura e Produção textual) tinha graduação
em Letras/Português e a mesma ficava responsável somente com os terceiros
anos da instituição, no turno matutino.
O segundo contato foi com essa educadora citada, momento de interação
e acolhimento seguido de uma formalização acerca de como se procederia o
trabalho, levando em consideração que seria somente com as turmas das quais
ela era responsável. Foi sinalizada a disciplina de Literatura e tudo ocorreu de
forma aprazível, pois a professora se apresentou com bastante cordialidade so-
bre a proposta.
Nas semanas que se sucederam iniciaram o período de observações, nesse
foi percebido que os alunos das três turmas utilizavam livremente seus celulares
e que a professora não proibia o uso. Percebendo esse cenário, compreendeu-se
que havia uma necessidade de inserir essa tecnologia nas atividades, pois não se

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podia brigar com esse contexto, sabendo que o mundo eletrônico já faz parte da
realidade contemporânea. A professora solicitou que as atividades prosseguis-
sem com o conteúdo correspondente ao modernismo no Brasil, mais especifica-
mente a produção realizada na terceira fase dessa escola literária.
O momento que antecipou o período de regência foi apresentado à pro-
fessora um planejamento, do qual foi elencado que na primeira aula, em cada
turma, seria apresentado o que corresponde ao movimento literário (contexto
histórico, período, influências e autores) e em seguida seriam eleitas três obras e
autores que tiveram sua produção no período e que se pudesse ter a experiência
literária. - Mas como realizar isso?
Foi a partir desse questionamento que suscitou a ideia de buscar fontes
virtuais e agregar a tecnologia nas atividades. Desse modo, buscou-se entre as
plataformas de buscas virtuais por obras do período modernista e a disponibi-
lidade, foram encontradas obras dos seguintes autores: João Cabral de Melo
Neto, com a obra “Morte e vida severina” (1954 e 1955); João Guimarães Rosa
com a obra “A terceira margem do rio” (1994) e Clarice Lispector com a obra
“Uma galinha”(1994), todos com a versão E-book. O computador foi utilizado
como suporte, mas a priori foi utilizado o sistema Bluetooth para compartilhar
as obras com alguns alunos e eles mesmo compartilhavam entre si o arquivo.
Diante desse cenário de trocas e compartilhamentos é importante dialogar com
o que a professora Clesiane Benevenuti (2017, p. 7) aborda:
Despertar a criatividade do aluno e utilizar a dramatização em sala, com
o auxílio de tecnologia, é saber inovar, isto é, é ter em mente recursos
metodológicos diferenciados que irão ensinar e, ao mesmo tempo, cativar
o discente, tornando a relação professor x aluno e aluno x aluno mais con-
creta (BENEVENUTI, 2017, p. 7).

Essa interação, segundo a autora, entre alunos possibilita um ganho signi-


ficativo para a atmosfera em sala de aula, pois mostra que eles podem se ajudar e
que em conjunto estão a se desenvolver. Após essa atividade de interação iniciou
a leitura em sala de cada obra, em que se faziam pausas e eles se colocavam a
explorar o imaginário e criticar de acordo com suas percepções, elencando as
características do movimento literário.
Com isso, os alunos se questionaram na obra “A terceira margem do rio”,
de Guimarães Rosa, do por que o pai não sair daquela condição, já no texto de
João Cabral de Melo Neto: “Morte e Vida: Severina”, as analogias foram sobre
a vida na seca e de miséria e no conto de Clarice Lispector: “Uma galinha”, se
indagaram sobre o que levou aquela família se apiedar pelo animal. Diante desse
cenário, observou-se as interpretações que o contato com o texto literário propor-
ciona e, com essa prática, concluiu-se as atividades do estágio supervisionado.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É evidente que a literatura proporciona inúmeras aberturas e reflexões,


porém ensiná-la é uma tarefa que ocasiona um ganho enriquecedor para ambas
as partes, tanto para o professor quanto para o aluno, pois é uma prática rica
de novas visões. Assim, o ensino de literatura torna uma experiência vital, pois
a Arte como movimento, também, de expressão humana, busca representar a
experiência humana que, por vezes, não é percebida. Do mesmo modo ocorre
com a literatura que, como uma manifestação artística, dialoga com o mais ínti-
mo dos seres. Pois, como assinala Eliana Yunes (1995, p. 185):
O ato de 1er é um ato da sensibilidade e da inteligência, de compreensão
e de comunhão com o mundo; lendo, expandimos o estar no mundo, al-
cançamos esferas do conhecimento antes não experimentadas e, no dizer
de Aristóteles, nos comovemos catarticamente e ampliamos a condição
humana. Esta sensação de plenitude, iluminante, ainda que dolorosa e
aguda tem sido a constante que o discurso artístico proporciona. Diante
de um quadro, de uma música, de um texto, o mundo inteiro, que não cabe
no relance do olhar, se condensa e aprofunda em nós um sentimento que
abarca a totalidade, como se, pela parte que tocamos, pudéssemos entrever
o não-visto e adivinhar o que, de fato, não experimentamos.

Segundo a autora, a literatura é delineada por um caminho que promove


uma experiência substancial para os seres humanos, mesmo para aqueles que
não se encontraram com algum livro, mas que interagiram através dos contos
de fadas, das lendas, ditos populares. Desse modo, a experiência com o mundo
literário deve ser ampliada, pois os jovens e adolescentes devem apreciar de uma
vivência que talvez ainda não foi vivida, mas que a partir desse contato possa
alimentar ou suprir essa lacuna com a imaginação.
Assim, foi constatado que o estagiário de ensino de Literatura quando
utiliza da versão E-book para leitura compartilhada e, através do mecanismo
de Bluetooth, tornar o acesso para os alunos, ocorre um ganho significativo, pois
ambos constituem o saber literário e a fluidez da arte. Desse modo, partilhar da
própria prática leitora auxilia na produção de conhecimento e constituição de
subjetividade, porque os alunos passam a querer questionar e querer conhecer
as obras literárias.
Nesse sentido, a experiência leitora deve ser uma prática desenvolvida em
sala de aula e que pode ser utilizada com os meios digitais. É certo que muitos
professores têm dificuldades de inserir a tecnologia nas aulas, em especial o ce-
lular, pois acredita-se que os alunos perderiam o foco, mas a proposta é que os
alunos possam de algum modo ter acesso ao material e promover essa interação
em sala de aula. Assim, o professor pode fazer uso dessas tecnologias nas au-
las de literatura e narrar as produções literárias, ou seja, o educador articula o

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celular para sua aula e lendo com os alunos proporciona a segurança de que eles
estão tendo contato com as obras.

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YUNES, Eliana. PELO AVESSO: A Leitura e o Leitor. Revista Letras, [S.l.],
v. 44, dez. 1995.

VERSÃO E-BOOK DAS OBRAS MENCIONADAS:


NETO, João Cabral de Melo. Morte e vida Severina. Disponível em: <http://
webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:LD6WOFa_RAwJ:docente.
ifrn.edu.br/paulomartins/morte-e-vida-severina-de-joao-cabral-de-melo-neto/
at_download/file+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>

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ROSA, João Guimarães. A terceira margem do rio. Disponível em: <http://
webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:YcxhtWcSjyAJ:www.aedi.
ufpa.br/parfor/letras/images/documentos/ativ-a-dist-jan-fev2014/CASTA-
NHAL/castanhal-2010-010/guimaraes%2520rosa%2520-%2520a_terceira_
margem_do_rio-3.pdf+&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>
LISPECTOR, Clarice. Uma galinha. Disponível em: <http://webcache.goo-
gleusercontent.com/search?q=cache:vORO5SQiOPcJ:contobrasileiro.com.br/
uma-galinha-conto-de-clarice-lispector/+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>

176
DIDÁTICA ANALÓGICA X DIDÁTICA DIGITAL:
IMPLICAÇÕES DO USO DAS TECNOLOGIAS
DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO
(TDIC) NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Daniela Simone de Azevedo1

A IMPORTÂNCIA DO USO DAS TDIC NO ENSINO

As tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) possibilitam


o acesso à informação e a colaboração entre pessoas. No contexto escolar, elas
têm sido apontadas como capazes de gerar facilidades no desenvolvimento de
atividades curriculares, como som, imagem, animação e acesso à informação.
(VALENTE, 2005, 2013) As TDIC são, por sua possibilidade de gerar interação,
artefatos que levam à transposição dos espaços escolares, tais como as salas de
aula convencionais e vários autores têm discutido a respeito da importância da
incorporação destas tecnologias no ensino brasileiro, dentre os quais Azevedo
(2019), Valente (2005, 2013), Almeida (2000a, 2000b, 2011) e Moran (1998,
2007). Segundo esses e outros pesquisadores, desde os anos 1970, tecnologias
como a televisão e o rádio estão presentes na vida de alunos e professores. Com
o advento da web 2.0, novas ferramentas com foco na comunicação, comparti-
lhamento e colaboração foram surgindo e as TDIC se tornaram artefatos essen-
ciais e necessários para a inclusão social, desde a realização de tarefas cotidianas
até inserção e atuação no mundo do trabalho, desenvolvimento cognitivo, inte-
ração social e outras atividades de comunicação.
No centro de todo esse complexo de atividades tecnológicas está a capa-
cidade de se envolver com as tecnologias digitais para encontrar, avaliar e tratar
informações e, ainda, realizar abstrações que possibilitem a aplicação desses co-
nhecimentos na solução de problemas e enfrentamento dos desafios da socieda-
de da informação. (PASSOS e ABREU, 2011, p. 12).
Neste sentido, entendendo que são inúmeros os benefícios de estar em
conexão com as TDIC, destacamos a necessidade de proporcionar o contato dos
estudantes com esses instrumentos tecnológicos para que eles possam assumir

1 Mestre em Educação - Formação de Professores para o Uso das Tecnologias pela Univer-
sidade Federal de Lavras, MG.
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
seus papéis como cidadãos, considerando a autonomia no uso das TDIC como
uma das habilidades que possibilitará que ele assuma este protagonismo.
Outrossim, o uso dos artefatos digitais no ambiente escolar pode ser,
também, uma forma de contribuir para o letramento digital e social no desen-
volvimento dos conhecimentos de base conceitual e procedimental para agir
e relacionar-se na congruência dos espaços real e cibernético (AZEVEDO e
MARTINS, 2020)
Diante dos argumentos supracitados, percebemos que é preciso avançar
na construção de um currículo tecnológico que enseje uma visão ampliada do
uso das TDIC para que nossos alunos tenham mais oportunidades de acesso aos
processos de inteligência coletiva, desde a infância. Precisamos moldar nossos
pensamentos em relação a inclusão das TDIC na educação, virar a chave, clicar
no ícone, apertar o botão… estabelecer uma díade que inclua o professor e o
aluno, no processo de interação e mediação do conhecimento através das TDIC.
Inserir as tecnologias na vida das crianças e adolescentes é possibilitar que eles
tenham mais acesso à informação e aumentem suas possibilidades de apropria-
ção do conhecimento. Segundo Cabral e Cabral (2010, p. 10), para além do pro-
cesso de aquisição do conhecimento, o acesso às novas tecnologias pode, ainda,
contribuir para a superação da fome, da pobreza e do atraso em todos os países.
O entendimento de que as mídias digitais podem afetar a vida, as relações
pessoais e sociais, influenciar a inserção no mundo do trabalho, etc, garante que
nossas posturas em relação a ela se transformem. É uma espécie de despertar da
consciência tecnológica. A partir desse “despertar” nossos olhares se apuram
para cada detalhe que envolve o seu uso e passamos a fazer parte da engrenagem
digital que move a sociedade e que a interliga. Isso não acontece apenas com
os adultos: com as crianças, como veremos na experiência que trazemos para a
apreciação ao longo deste artigo, é a mesma coisa: quando elas experimentam
esse contato com as TDIC o seu interesse se amplia. Há um encantamento pela
aprendizagem com o uso das tecnologias que envolve as possibilidades de uti-
lizar cores, movimento, sons, narrativas, etc, aspectos que compõem a vida da
própria criança e que se materializam através das tecnologias. Esse movimento,
no entanto, precisa acontecer em todos os espaços sociais para elevar as chances
de inclusão e de aprendizagem, incluindo a escola.
Obstante, migrar de uma didática analógica para uma didática digital re-
quer que o professor também tenha conhecimentos básicos sobre as tecnologias e
que, tanto ele quanto a equipe pedagógica estejam dispostos a incluir as TDIC em
seus planejamentos. É uma mudança significativa que envolve métodos e instru-
mentos de trabalho e que demanda esforço de todo o grupo escolar, pois, ao optar
pela utilização das mídias digitais na instituição, o trabalho implicará em estar

178
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
engajado num movimento de inclusão digital e deverá, nesta direção, ser redefini-
do. Ademais, será necessário adequar o currículo escolar considerando as melho-
res opções tecnológicas para a abordagem desta ou daquela habilidade cognitiva.
Queremos com isso, dizer que, cabe à escola ou rede educacional refletir
sobre o propósito de uso das TDIC no ensino. Que tipo de metodologia pre-
tende-se instituir e que tipo de modificação no comportamento dos estudantes
pretende-se desenvolver com esta nova metodologia? Queremos apenas jovens
reprodutores de informações predispostas na web ou queremos desenvolver jo-
vens atuantes, protagonistas, que utilizam as TDIC para aprender, colaborar,
ensinar e construir? Neste sentido, escolher usar as mídias digitais na educação
não é uma ação aleatória, porquanto ela influenciará diretamente no perfil do
estudante que se pretende formar e na relação destes jovens com as mesmas e
com as perspectivas que elas oferecem.

A FALÁCIA DOS NATIVOS DIGITAIS

Um dos fatos, entretanto, que ainda impede a ampla inserção das TDIC
no ensino é a falsa ideia que se criou a respeito da relação das crianças com as
tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), fruto da repetição
de uma afirmação expressa por um empresário do setor tecnológico no início
da década de 2000 e publicada no artigo Nativos Digitais x Imigrantes Digitais
de Marc Prensky (2001). Tal afirmação alardeou a pretensa capacidade natural
das crianças no uso das tecnologias, sem que tenham havido estudos científicos
consistentes neste sentido. O texto de Prensky que potencialmente afirmou a
existência de “Nativos” e “Imigrantes digitais” ressoou entre os estudiosos e
educadores da época (2001) e perpetua até hoje, difundindo, no senso comum,
uma percepção inadequada e falaciosa de que crianças e adolescentes são natu-
ralmente aptas para fazer uso das tecnologias. No entanto, concordamos com
Xavier (2014, p. 5) quando o autor defende que as habilidades de manuseio dos
equipamentos tecnológicos devem ser aprendidas, compreendidas e experimen-
tadas para que façam algum sentido cognitivo e social para quem as utiliza.
Segundo o autor, qualquer mudança cognitiva está relacionada ao processo de
aprendizagem, pois a transformação mental acontece naquele que aprende a
partir da “experimentação concreta” e a partir de momentos de observação e
exposição sistemática de um saber mais experiente para outro.
Em síntese, o fato é que, temos um espaço-temporal de 21 anos entre as
afirmações de Prensky e o que vivenciamos na sociedade contemporânea, e, ain-
da assim, a falácia dos Nativos Digitais continua reverberando fortemente nos
debates e discussões sobre as habilidades de uso das TDIC pelos jovens, mesmo
nos ambientes educacionais, entre formuladores de políticas públicas, gestores

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
educacionais e professores. A cada geração que nasce e cresce, a responsabilida-
de de ser “naturalmente apto’’ para o uso das TDIC lhes é atribuída. Fantin, no
entanto, nos adverte:
devemos ter cautela com a retórica fácil da chamada “geração digital”,
ou seja, a ideia de que os jovens possuem uma espontânea afinidade com
a tecnologia. [...] não é possível isolar a tecnologia e sua capacidade de
“produzir efeitos sobre as pessoas” de outros elementos do contexto so-
ciocultural, que também interferem nesta relação. (FANTIN, 2016, P. 7)

Entre as crianças, como discutimos anteriormente, o uso das TDIC causa


um impacto que é facilmente percebido ao se depararem com artefatos digitais.
Isso se deve, muitas vezes, pela presença das cores, imagens, sons, movimentos
e possibilidades de gamificação e construção de narrativas que elas apresentam.
Para exemplificar esse impacto que o uso das TDIC promove na apren-
dizagem, trouxemos para este artigo o relato do uso dos artefatos digitais na
educação infantil, de forma mediada e direcionada, que foi observado durante
as aulas de uma professora da Educação Infantil, identificada aqui como G.I.,
e que ocorreu num centro infantil municipal da Região Metropolitana de Belo
Horizonte, Minas Gerais.

O USO DAS TDIC COMO INSTRUMENTOS DE APRENDIZAGEM


NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O trabalho, realizado pela professora Gabriela Iolanda2, de cunho qua-


litativo, utilizou as TDIC na Educação Infantil, com o objetivo de reforçar a
aprendizagem das letras do alfabeto que já vinha sendo desenvolvida através de
outros recursos didáticos como: sequências didáticas, cartazes, leituras, ativida-
des escritas e orais, sobre as letras do alfabeto, suas formas e sons.
O assunto já estava sendo abordado com os estudantes em sala de aula,
quando a professora decidiu, com o apoio da direção e da equipe pedagógica da
escola, utilizar o software GCompris para despertar ainda mais o interesse dos
alunos para o tema.
No planejamento da professora, ficou estabelecido que o uso do software
teria por objetivo a utilização do computador no intuito de apresentar as letras
do alfabeto para as crianças de forma lúdica e, promover desta forma, o conheci-
mento dos símbolos das letras e seu som correspondente. O que se definiu como
meta cognitiva é que os estudantes conseguissem, durante as aulas, e após as
atividades, identificar as letras que apareciam na tela e que posteriormente eram
faladas pelo aplicativo e reconhecerem as letras iniciais dos seus próprios nomes.
A atividade foi realizada com 21 crianças de 3 anos, numa escola
2 Doravante denominada G.I.

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
pública municipal de educação infantil (centro infantil), de horário integral,
localizada em uma região economicamente vulnerável, na periferia de uma
cidade da Região Metropolitana de Belo Horizonte, no primeiro semestre de
2018. Utilizou-se para a realização da atividade um computador e um proje-
tor PROINFO3 Interativo que é ao mesmo tempo, projetor e computador e que
funciona sob a Plataforma Linux Educacional, únicos materiais tecnológicos
para uso com os alunos que a escola dispunha. Para atingir o objetivo definido,
a educadora usou o software GCompris que é uma plataforma de atividades
educacionais (conforme será descrito adiante) e as crianças imediatamente se
identificaram com ele demonstrando interesse pelos sons e imagens coloridas
que o constituem.
O equipamento foi instalado no centro da sala de aula, para que as crian-
ças tivessem fácil acesso a ele, e a educadora foi apresentando letra por letra
para os estudantes. A cada letra apresentada um som era emitido (o fonema da
letra) e as crianças iam repetindo os sons enquanto a professora ia fazendo a
intervenção, associando a letra ao nome dos alunos, como vinha fazendo através
dos recursos didáticos anteriormente descritos. Após apresentar todas as letras
e seus sons correspondentes, os estudantes fizeram uma fila, sentados de frente
para a tela. A educadora foi chamando, um a um, para ir até o teclado e encon-
trar a tecla da letra que estava “caindo” na tela.

G-COMPRIS

GCompris é um software livre, podendo ser adaptado e compartilhado.


De acordo com a descrição encontrada no site do software (https://gcompris.
net/index-pt_BR.html) ele é voltado para crianças de 2 a 10 anos e, apesar de
algumas atividades serem de orientação lúdica, elas são voltadas para o desen-
volvimento da aprendizagem. O software contém mais de 100 atividades e está
em constante evolução.
Na página inicial do software (conforme se observa na Figura 1) há várias
atividades disponíveis para o professor escolher.

3 O PROINFO “é um programa educacional com o objetivo de promover o uso pedagógico


da informática na rede pública de educação básica. O programa leva às escolas compu-
tadores, recursos digitais e conteúdos educacionais. Em contrapartida, estados, Distrito
Federal e municípios devem garantir a estrutura adequada para receber os laboratórios e
capacitar os educadores para uso das máquinas e tecnologias.” (http://portal.mec.gov.br/
proinfo/proinfo)

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Figura 1 - Tela Inicial GCompris

Fonte: Print Screen da tela inicial do software, capturado pela autora.

Cada versão do G-Compris traz séries diferentes de atividades e a confi-


guração depende do equipamento que está sendo utilizado. Ele é direcionado
a alunos em fase inicial de letramento e possui atividades básicas de: leitura
(letras, palavras, prática de leitura, digitação de texto), aritmética (operação
com números,memorização de tabelas, enumeração, tabelas de entrada dupla),
ciências (controle do canal, ciclo da água, energia renovável), geografia (países,
regiões, cultura), jogos (xadrez, memória, ligue 4, forca, jogo da velha) , etc.
Na Figura 2, apresentamos uma lista que representa a diversidade de ati-
vidades disponíveis no software.

Figura 2 – Relação de atividades contidas no GCompris

Fonte: Print Screen da tela de atividades do software, capturado pela autora.

Dentre as atividades do GCompris, há aquelas voltadas para a aprendi-


zagem da leitura e do alfabeto (Figura 3), das quais a educadora participante da

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
experiência descrita no presente artigo, selecionou as que mais se ajustavam ao
seu planejamento didático.

Figura 3 – Atividades de Leitura GCompris

Fonte: Print Screen das telas de acesso e de atividades de leitura do software, capturado pela
autora.

Para o desenvolvimento da aprendizagem sobre o som das letras e sua


representação, a educadora G.I. utilizou as atividades Trem das Letras (Figura
4) e Letras Cadentes (Figura 5).
A primeira atividade, Trem das Letras (Figura 4) consistia em identificar a
letra conforme o som que o aplicativo ia emitindo. Assim, a criança ia repetindo
mentalmente o som das letras enquanto acompanhava a professora mostrando a
letra na tela do computador.

Figura 4 – Atividade Trem das Letras

Fonte: Print Screen da tela inicial da atividade “Trem das Letras”, capturado pela autora.

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A segunda atividade, Letras Cadentes (Figura 5) consiste em digitar a letra
que está caindo antes que ela atinja o chão. Para a realização desta atividade os
alunos tinham que, antes, procurar a letra no teclado. A professora ajudava indivi-
dualmente porque os estudantes não tinham conhecimento anterior deste periférico.

Figura 5 - Atividade “Letras Cadentes”

Fonte: Print Screen da tela inicial da atividade “Letras Cadentes”, capturado pela autora.

OBSERVAÇÕES E DISCUSSÕES

A educadora G.I. observou que: “as atividades ensinaram mais que o al-
fabeto, as crianças ficaram curiosas com o computador, a tela, as teclas e acha-
ram tudo aquilo muito diferente”, visto que “nenhuma das crianças tinha tido
algum contato anterior com computadores, a experiência provocou um grande
alvoroço entre eles”. Para a educadora, as atividades despertaram ainda mais o
interesse das crianças em aprender as letras e o alfabeto, além disso, elas ficaram
“empolgadas” com a possibilidade de utilizar o computador.
Este despertar tecnológico da criança, como dissemos, é extremamente im-
portante porque provoca uma mudança no seu comportamento. A criança começa
a perceber que existe uma forma de interação com o conhecimento que pode ser
divertida, criativa e colaborativa e inicia uma nova fase de relacionamento com a
tecnologia: ela passa a explorar os seus recursos no processo de apropriação das
TDIC e este passo a aproxima do desenvolvimento de habilidades digitais que vai
ocorrendo à medida que ela estreita seu contato com os instrumentos tecnológicos.
A experiência aqui relatada notabiliza a relevância de se proporcionar
momentos de interação com as TDIC nas escolas, desde a educação infantil,
para que os jovens tenham a oportunidade de, então, crescerem em contato com

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Saberes e Partilhas
elas. Rematando as observações feitas pela professora G.I. e as discussões
apresentadas, concluímos que é preciso garantir espaços de uso das TDIC nas
escolas e capacitar as crianças e jovens para o uso delas, para desenvolver ha-
bilidades motoras e técnicas, linguísticas, matemáticas, de conhecimento geral,
etc, a partir do entrelace/mediação que elas propiciam, a fim de que se tornem
indivíduos letrados digitais, independentes e autônomos.
Ao lado disso, este relato de experiência nos leva a refletir sobre a necessi-
dade de colocar de lado o falso argumento de que as crianças já nascem sabendo
utilizar tecnologias”. Não podemos generalizar o conhecimento e as habilida-
des dos jovens, imputando-lhes uma competência que não possuem. Quando
o fazemos, admitimos que não é preciso “ensiná-los” a utilizarem os recursos
da TDIC e cometemos erros como solicitar trabalhos escolares que dependem
desta competência para serem realizados. (Azevedo, 2019, p. 103)

RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O resultado da vivência pedagógica de uso das TDIC na alfabetização


de crianças descrita ao longo deste texto e as discussões promovidas apontam
que as tecnologias podem ser utilizadas como instrumentos contextualizados de
aprendizagem. Como foi discutido, os saberes transpostos para o contexto de
uma realidade tecnológica, cibercultural, interagem, mesclando e se transfor-
mando em outros saberes e ações. Recombinados, numa associação de capaci-
dades, eles redimensionam o saber e o conhecimento.
Como observado pela educadora participante, ao considerar a efetivida-
de na realização das tarefas propostas, as TDIC utilizadas como instrumentos
pedagógicos atingiram os seus objetivos: promoveram a identificação das letras
que apareciam na tela e que posteriormente eram faladas pelo aplicativo e, ao
final, reconheceram as letras iniciais dos seus próprios nomes. Isto posto, é per-
tinente que a sua inserção na escola seja direcionada como instrumento de apoio
ao desenvolvimento cognitivo e não como meio e fim.
As TDIC são instrumentos mediadores, e tanto podem incluir como ex-
cluir, é preciso assinalar, todavia, que quem as dirige e define os seus propósitos
de uso é o ser humano. Neste sentido é que insistimos sobre a importância de se
compreender a dimensão do uso que se faz delas e a relevância de discutir os
objetivos de uso e inclusão das mesmas na educação, especificamente no ensino
infantil, para que elas não se tornem em meros “reprodutores de vídeos” e mú-
sicas no interior das escolas.
É imperioso entender que utilizar as TDIC é romper com a metodologia
de reprodução de conteúdo, o que requer uma discussão entre o corpo docente
e gestores educacionais para que definam, coletivamente, a intenção de uso das

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tecnologias naquele sistema de ensino. Para Passos e Abreu (2011) é preciso
observar, no planejamento de uso das TDIC, aspectos educativos que levem a
uma conscientização crítica, sem a qual o processo servirá apenas como adestra-
mento para o uso automático das mesmas.
É essa consciência ampliada que recomendamos no uso das TDIC na
escola. Como na experiência relatada, as ferramentas tecnológicas atenderam a
um propósito, não foram utilizadas aleatoriamente e não substituíram a ativida-
de do dia de improviso. Elas foram, como o são os livros didáticos e o quadro
negro, inseridas no planejamento didático visando obter através do seu uso um
maior aproveitamento cognitivo e, neste sentido, foram utilizadas como formas
mais atraentes e criativas na promoção da aprendizagem e na construção do sa-
ber-experimentado. É uma “nova” maneira ensinar-fazendo. A aprendizagem,
que na educação infantil, tradicionalmente, se dá a partir de livros, cartazes,
quadros negros, revistas, etc, acontece de uma forma linear, gradual e controla-
da, mas isso muda quando se inclui as TDIC. As possibilidades de aprendizagem
se ampliam e se diversificam. O “controle” que se tem ao utilizar os recursos
impressos no desenvolvimento do conhecimento, torna-se flexível e individuali-
zado, porque há uma quantidade muito maior de tarefas a serem realizadas que
vão surgindo e sugerindo novas trilhas e formas de aprender.
O livro/revista é um suporte de textos ( verbais ou visuais) que conduz a
um determinado aprendizado, traçado, coletivo… mas o computador, por outro
lado, é um condensador de diversas ações, relacionadas não só à escrita e leitura.
(DIAS E NOVAIS, 2009, p. 6) Os cliques, símbolos e enters podem direcionar a
aprendizagem para esta ou aquela direção. Essa flexibilidade e as diversas pos-
sibilidades que as TDIC oferecem para os seus usuários pode ser compreendida
como a oportunidade do professor ser de fato apenas um mediador do conheci-
mento, mas, em contrapartida, implica na necessidade de um planejamento pon-
tual que preveja as extensões digitais de cada hiperlink e software a ser utilizado
e, paralelamente, defina ações para o redirecionamento (caso necessite) a fim de
se obter o objetivo proposto. Os leitores devem estar se perguntando como isso
é possível? A partir do momento que o educador vai se adaptando e adequando
o currículo escolar considerando o uso das TDIC, ele vai aprendendo a “con-
trolar” os desvios e distrações sem tolher a criatividade e a liberdade do aluno.
Ele vai conhecendo, juntamente com o estudante, novas formas de aprender e
de ensinar e o processo de aquisição do conhecimento torna-se uma experiência
única para cada discente, surge daí uma nova forma ensinar que se baseia na
interação estudante-professor-saber-tecnologia.
Ainda há muito a se discutir sobre a inclusão das tecnologias no ensino,
mas deixamos aqui a nossa contribuição para que essa nova didática (digital)

186
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
seja definida em grupo, vista como uma metodologia do sistema de ensino ou
da instituição escolar e que não seja apenas uma decisão individual, de cada
professor. Quando as tecnologias são vistas como instrumentos significativos de
aprendizagem e são consideradas pelo corpo docente como tal, é mais fácil esta-
belecer limites e possibilidades de uso, caso contrário, as ações pontuais podem
implicar em usos reprodutores e automáticos, reforçando e quiçá ampliando as
desigualdades sociais.

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187
SALA DE AULA INVERTIDA E JÚRI SIMULADO
COMO METODOLOGIA ATIVA: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Rosimara Cargnin 1
Juliana Porto de Souza2
Marcela Martins Nunes3
Anália Ferraz Rodrigues4
Vanessa Dias Espindola5

INTRODUÇÃO

Faz- se importante conceber a educação na sua transitoriedade, como algo


vivo, que ao transformar os sujeitos envolvidos no processo educativo, se auto-
transforma. As mudanças estão interligadas e engendram os mais diversos aspec-
tos da educação. São formadas por estudantes, docentes, comunidade, métodos,
metodologias, técnicas, dentre vários outros aspectos (VIEIRA PINTO, 2010).
Muitas modificações se deram em relação às metodologias de ensino e es-
tratégias metodológicas. Atualmente há a compreensão da importância da ação
ativa do estudante na construção da sua aprendizagem, sendo difundida e estuda-
da na literatura como Metodologia Ativa (MA). Dentre as inúmeras metodologias
ativas, que propõem o aluno como protagonista, nos debruçaremos sobre o júri
simulado, que será apresentado ao leitor no decorrer da escrita deste estudo.
Com base nesse pressuposto e a partir de Diesel; Baldez e Martins (2017) é
possível inferir que, enquanto o ensino tradicional prioriza a construção do conhe-
cimento com centralidade na figura do professor, as metodologias ativas propiciam

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Profissional e Tec-


nológica do CTISM, UFSM; Graduada em Educação Especial pela UFSM .
2 Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Profissional e Tec-
nológica do CTISM, UFSM; Graduada em Pedagogia pela UFSM.
3 Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Profissional e Tec-
nológica do CTISM, UFSM; Graduada em Química pelo IFFar.
4 Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Profissional e Tec-
nológica do CTISM, UFSM; Graduada em Psicologia UCPEL .
5 Mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação, UFSM; Graduada
em Serviço Social, UNIPAMPA .
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
que os estudantes ocupam o centro das ações educativas e o conhecimento é cons-
truído de forma colaborativa entre os pares (professor e alunos, alunos e alunos).
Não obstante, as metodologias ativas podem ser consideradas excelentes
métodos de ensino, partindo de uma abordagem pedagógica e buscando desper-
tar o interesse dos estudantes, além de aprimorar habilidades essenciais para sua
formação. As práticas contribuem para o entendimento de temáticas conside-
radas complexas, o que fomenta a qualidade do ensino, além de transformar o
ambiente de estudo e os temas considerados tediosos ou complexos pelos estu-
dantes em um local e um assunto atrativo (KUCHLA; SOUZA, 2016).
Nesse sentido, a Sala de aula invertida é um modelo pedagógico no qual
os elementos básicos de uma aula convencional (a apresentação do conteúdo
pelo professor) são trabalhados à distância, antes do momento presencial. Nos
momentos em sala de aula, os estudantes e o professor se encontram para a
discussão de casos clínicos, resolução de problemas, proposição de projetos que
sejam relevantes, que auxiliem na compreensão do conteúdo e que deixem clara
a sua relevância no contexto ao qual estão inseridos (BOLLELA, 2017).
Outra metodologia que é útil para propor uma postura ativa dos estudan-
tes é o júri simulado, classificado como uma ferramenta para o desenvolvimento
da argumentação científica. Por meio da estruturação e consolidação dos argu-
mentos utilizados na defesa de certo posicionamento durante o júri, a argumen-
tação e a contra argumentação direcionam o indivíduo à realização de pesquisa
científica criteriosa e à exposição dos fatos encontrados durante a pesquisa de
maneira fundamentada (SANGUINETO; ANJOS, 2017). Destarte, a metodo-
logia desempenha papel fundamental no desenvolvimento do pensamento críti-
co e engajamento almejado pelo professor (SABKA, 2016).
Assim, a presente escrita partiu da seguinte problematização: A metodolo-
gia ativa - júri simulado, é uma metodologia de ensino eficiente sobre a temática
de educação inclusiva? Almejando responder a esta problemática, o estudo teve
como objetivo apresentar as discussões realizadas a partir da Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) atrela-
da a metodologia ativa do Júri simulado.
Como forma de apresentação dessa escrita ao leitor, esse estudo será com-
posto, portanto, por quatro momentos da seguinte forma definidos: o primeiro
momento será de considerações e apresentação das metodologias ativas como
metodologias de ensino, em especial o júri simulado; no segundo momento
ocorrerá o relato da experiência com a utilização da metodologia de ensino júri
simulado como forma de discutir a Política; e por fim as discussões e os resulta-
dos das reflexões a que as autoras chegaram.

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REFLEXÕES TEÓRICAS ACERCA DA SALA DE AULA INVERTIDA E


JÚRI SIMULADO UMA ESTRATÉGIA ATIVA DE APRENDIZAGEM

A educação no século XXI vem se modificando a cada dia, novas formas


de ensinar e de aprender se corporificam no contexto educacional. É exigido
cada vez mais do professor sempre se manter informado das novidades e em
busca de formação qualificada. Em contrapartida nos deparamos com a falta de
interesse no ensino por parte dos alunos e consequentemente a aprendizagem
fica comprometida. A desmotivação dos alunos em sala de aula se configura
por conta de métodos tradicionais que ainda são praticados por alguns professo-
res (MACHADO, 2017). Para Bacich e Moran (2018): “Aprendemos o que nos
interessa, o que encontra ressonância íntima, o que está próximo do estágio de
desenvolvimento em que nos encontramos”.
Com o tempo, as novas metodologias e as tecnologias se inseriram na edu-
cação, mudando a maneira como produzimos, consumimos, nos comunicamos e
interagimos com outras pessoas. De um modo geral, mudou o modo como ensina-
mos e aprendemos. Atualmente, temos uma escola “ultrapassada”, apesar de mui-
tos esforços, vários estudos indicam que precisamos expandir os canais de aquisição
de conhecimento de todos, é preciso fornecer recursos aos alunos, mas não sabemos
como usar esses recursos a fim de promover seu aprendizado. Outro desafio é a qua-
lidade, pois os recursos técnicos podem melhorar a qualidade ao fornecer aos alunos
meios interativos e dinâmicos de ensino (HOFFMANN, 2016).
Diante desses desafios, a palavra mais correta para delinear toda essa
circunstância é redescobrir, a escola, os docentes, os alunos numa perspectiva
motivadora, inovadora, integrativa e diversificada. Assim, possibilitar o desen-
volvimento de habilidades que busquem o sentido da prática pedagógica por
meio de estratégias ativas de aprendizagem, neste caso, por meio da sala de aula
invertida atrelada ao júri simulado.
O modelo de sala de aula invertida propõe abordagens inovadoras, que
tornam a aprendizagem mais envolvente, prática e significativa. Além disso, as
características deste método possibilitam maior tempo e espaço para desenvol-
ver habilidades diversas: a autonomia, a capacidade na resolução de problemas,
o senso crítico, a colaboração e a criatividade.
A aprendizagem invertida permite ao professor utilizar várias metodologias
em sala de aula, como a Aprendizagem Baseada em Problema; Método do
Caso; Método de Projeto; Pesquisa Científica; Aprendizagem Colaborativa;
Jogos; Experimentações e Simulações, que podem ajudar os alunos na com-
preensão de conceitos. O educador determina o que deve ser ensinado e
disponibiliza aos alunos que devem acessar por conta própria. O professor é
um facilitador, fornecendo feedback imediato em aula e tendo o controle do
processo de ensino/aprendizagem (BERGMANN; SAMS, 2016).

190
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
Esse modelo é caracterizado de forma que o conteúdo teórico é estudado
no formato on-line (à distância) e o presencial é realizado no espaço escolar. Nesse
momento, os estudantes usufruem do ambiente de sala de aula para juntamente
com o professor realizar discussões, resolução de atividades, tirar dúvidas, debater,
expor suas ideias. É justamente nesse ponto que a sala de aula invertida contem-
pla um dos principais benefícios, que é a otimização do tempo. Na maior parte
do período de aula, ao expor um conteúdo, o professor passa boa parte do tempo
tirando dúvidas e sofrendo interrupções que, muitas vezes, fazem com que a aula
não gere os resultados tanto quanto o professor estima (SANTOS, 2019).
Ao aprender antecipadamente o assunto proposto, o aluno se prepara me-
lhor, controla seu tempo e desenvolve autonomia para seguir seu ritmo e escolher
o formato que julga ter mais facilidade para assimilar o conteúdo proposto, sen-
tindo-se mais preparado para debater com propriedade e discutir a aplicabilidade
desses conceitos em situações reais e práticas (BERGMANN; SAMS, 2016).
Ainda em relação à sala de aula invertida, (SANTOS, 2019), propõe que
é preciso levar em conta a importância da abordagem dessa metodologia fun-
damentada em quatro pilares conhecidos como, “F-L-I-P”: Flexible Environment
(Ambiente Flexível); Learning Culture (Cultura de Aprendizagem); Intencional
Content (Conteúdo Dirigido) e Professional Educator (Educador Profissional), ex-
plicados no Quadro 1:

Quadro 1 - Pilares fundamentais da sala de aula invertida.

PILAR DESCRIÇÃO
Ambiente Preconiza uma variação constante das ferramentas e configurações utili-
flexível zadas.
Cultura do Os alunos construam ativamente sua educação em casa e em sala de aula,
aprendizado estimulando também seus colegas a fazerem o mesmo.
Esse pilar propõe que o ensino seja útil de alguma forma para a vida dos es-
Conteúdo
tudantes, baseado em conteúdos e temas que se relacionem com o contexto
intencional
específico de aprendizado.
Professor precisa ser aquele que acompanha o aluno também em outros
Educadores
momentos, que está pronto para ouvir críticas e reformular suas ações a
profissionais
partir das demandas particulares.

Fonte: Elaborado pelas autoras, adaptado de Santos (2019).

Intencionalmente, os quatro pilares são a base que orienta a formação


integral dos sujeitos, sendo estes: trabalho, ciência, tecnologia e cultura. A possi-
bilidade de diálogo entre a abordagem das metodologias ativas aliadas a concep-
ção de ensino voltada para a formação humana integral configura um resultado
significativo, corroborando para uma prática educativa integradora, empenhada

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
com a formação abrangente dos educandos, promovendo desenvolvimento, au-
tonomia, criatividade, atitudes e habilidades essenciais para a transformação in-
tegral e social dos sujeitos.
Nesse contexto, a metodologia do júri simulado, como caracteriza Diesel,
Santos e Martins (2016), incentiva a busca pela pesquisa, desperta habilidades
como trabalho em equipe, criatividade, autoestima, senso crítico e desenvolve a ar-
gumentação contemplando os pilares da sala de aula invertida. A seguir é apresen-
tada a descrição da experiência vivenciada sobre os aspectos citados anteriormente.

METODOLOGIA

Este é um estudo de cunho qualitativo que utilizará o relato de experiên-


cia como instrumento de produção de dados para reflexão acerca de metodolo-
gias ativas como o júri simulado enquanto metodologia de ensino. Para a pro-
dução do conhecimento das mais variadas temáticas, é imprescindível que haja
discussões sobre os conhecimentos. O registro destes conhecimentos por meio
da escrita é uma grande possibilidade de acesso no contexto contemporâneo. No
contexto acadêmico, esta apreensão emerge de modelos metodológicos.
O relato de experiência permite o manuscrito da prática vivenciada como
o ponto de partida para a aprendizagem. O relato de experiência “[...] em con-
texto acadêmico pretende, além da descrição da experiência vivida, a sua valo-
rização por meio do esforço acadêmico científico explicativo, por meio da apli-
cação crítica reflexiva com apoio teórico metodológico” (MUSSI; FLORES;
ALMEIDA, 2021, p.64).
De acordo com os autores supracitados, o relato de experiência é, portan-
to, um tipo de produção do conhecimento, cujo texto trata de uma vivência aca-
dêmica, e a principal característica é a descrição da intervenção. Valendo-se do
relato da experiência do júri simulado, este estudo será construído e apresentará
pelo menos dois elementos significativos: um diálogo entre o relato e a literatu-
ra, que sejam contribuições de autores para a realização da discussão dos dados,
e reflexões críticas da vivência (dificuldades e potencialidades).
O contexto da experiência parte de uma proposta realizada pela professo-
ra da disciplina “Diversidade e Inclusão” no Programa de Pós-Graduação stricto
sensu em Educação Profissional e Tecnológica do Colégio Técnico Industrial de
Santa Maria, vinculado à Universidade Federal de Santa Maria – Rio Grande do
Sul. Nessa disciplina foi proposta uma discussão em grupo, na qual foi utilizado
o Júri Simulado como uma metodologia ativa, com o intuito de desenvolver o
protagonismo dos estudantes.
No que diz respeito à disciplina de Inclusão e Diversidade e o disposto no
plano de ensino, identificou como assunto pertinente para a realização do júri

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Saberes e Partilhas
simulado a PNEEPEI (2008). O desenvolvimento desta proposta foi influencia-
do pela autonomia discente de maneira a organizar como seria elaborada esta
proposta. Nesse sentido far-se-á o relato da atividade proposta e da experiência
vivenciada em sala de aula, imbricada com os aportes teóricos proporcionados
pelos autores estudados. O grupo se propôs a refletir sobre o uso de metodolo-
gias ativas como metodologia de ensino, em especial o júri simulado imbricado
na sala de aula invertida.
Para a atividade de júri simulado foram realizados encontros virtuais com
as integrantes do grupo a fim de planejar a execução da encenação e assim aten-
der ao seu objetivo de exemplificar os desafios e possibilidades que a inclusão de
estudantes com necessidades especiais demanda das escolas. Para tanto, apoiou-
-se sobre a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva
(BRASIL, 2008) como fundamento teórico para dinâmica. Foi acordado que o
caso relataria um compilado de experiências já vivenciadas profissionalmente e
pessoalmente pelas autoras.
Assim, escolheu-se um caso que abordasse a adaptação curricular, item
enfatizado na política e problematizado nos espaços de debate da temática. A
adaptação seria para um estudante com Síndrome de Asperger, público-alvo da
política ao se encaixar em transtornos de desenvolvimento global, segundo a
décima versão do Código de Doenças Internacional (CID106) de 1990. Esta sín-
drome representa uma desordem neurobiológica e é caracterizada por desvios
e anormalidades em três amplos aspectos do desenvolvimento: interação social,
uso da linguagem para a comunicação e atitudes repetitivas. Entretanto, podem
possuir elevadas habilidades cognitivas em determinadas áreas, pessoas com
esta síndrome possuem uma forma característica de percepção do mundo e de
interagir com outras pessoas (TEIXEIRA, 2005).
A etapa seguinte da atividade foi a distribuição dos personagens necessá-
rios para a encenação, escolhidos pelo grupo de forma livre, sendo necessários:
uma juíza, duas advogadas (defesa e acusação), testemunha de acusação e ré.
Logo, elaborou-se o roteiro, criado de acordo com as experiências comparti-
lhadas. A intencionalidade do roteiro era de se aproximar ao máximo com um
julgamento, contendo elementos que lembrassem a dinâmica de um júri. Em
resumo, o enredo organizado tem uma professora de português da rede pública
municipal como “ré” que se recusa a adaptar o currículo para um estudante com
síndrome de Asperger. Sua justificativa é que não é possível adaptar o conteúdo

6 Em janeiro de 2022 foi publicada a versão décima primeira do Código internacional de


doenças (CID11). Síndrome de Asperge e outras que se encontravam em Transtornos Glo-
bais de Desenvolvimento (TGD) foi redefinido para Transtorno do Espectro autista (TAE)
que tem subdivisões de acordo com déficit na linguagem funcional e na deficiência intelec-
tual (TISMOO, 2022).

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sobre figuras de linguagens para o estudante e a impossibilidade de conseguir
ministrar sua aula como o planejado visto que ele fica inquieto e perturbando os
colegas. Diante disto, a juíza escuta as advogadas das partes, a ré e testemunhas
para dar sua sentença. A seguir será descrito alguns momentos do roteiro que
julgamos ser necessário para compreensão da dinâmica e do seu objetivo.
A encenação inicia-se com a abertura da juíza descrevendo o caso e
logo após a advogada de acusação expõe seus pontos embasados na Política
de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva de 2008. Os pontos levantados
foram embasados em legislações como a Lei de Diretrizes e Bases Curriculares
(LDB, 1996), Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) e traz aspectos da polí-
tica ao mencionar que os sistemas de ensino devem se organizar e ofertar condi-
ções de acesso aos espaços, recursos pedagógicos, comunicação que favoreça a
promoção da aprendizagem e a valorização das diferenças, de forma a atender
as necessidades educacionais de todos os estudantes. Ao finalizar expõe-se que
a oferta das adaptações curriculares ao estudante é direito, visto que ele possui
um diagnóstico de Síndrome de Asperger, público-alvo da política.
A professora ao se defender relata características típicas da Síndrome de
Asperger como justificativa de induzir que o estudante apresenta mal comporta-
mento ao citar que interrompe a aula com perguntas complexas, que a deixam
constrangida por não saber responder e dando a entender que quer humilhá-la
e se exibir perante a turma. Outra característica apontada foi quanto aos movi-
mentos repetitivos, como ficar andando ao fundo da sala de aula. E em relação
às adaptações curriculares, a professora expressa sua indignação por exigir isso
do professor que tem muitas turmas e estudantes para conseguir elaborar a mo-
dificação de sua didática. Finalizando sua argumentação, a docente expõe que
não tem capacitação para atender estudantes com este tipo de deficiência.
Após a fala da professora, a advogada de acusação questiona se ela bus-
cou informações sobre a síndrome do estudante ou conversou com a família ou
comunidade escolar para conhecer características relevantes do mesmo, também
se a docente havia realizado cursos de formação sobre inclusão educacional.
Estes questionamentos são vivenciados na prática da efetivação da inclusão, que
mesmo após mais de dez anos da política, ainda se debate sobre formação e
falta de informações referente às características do público-alvo. Remeter-se a
estes aspectos no júri simulado demonstra que a atividade vai ao encontro com
a realidade presente nas instituições de ensino.
O próximo personagem a se apresentar foi a advogada de defesa da pro-
fessora que expõe incertezas que a política possui, como não haver comprova-
ção escrita de que é responsabilidade do professor de sala de aula elaborar a
adaptação curricular, além da falta de oferta de capacitação para os docentes

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Saberes e Partilhas
atenderem a esta demanda. O acolhimento, foi o outro aspecto apontado na
defesa, muitas vezes usado como justificativa para não se problematizar o êxito
e permanência do estudante, ou seja, o processo de aprendizagem deste.
Deste modo, foi estabelecido que na atividade haveria o relato de exem-
plos exitosos que são possíveis no relato de uma testemunha. A ideia foi trazer
uma docente que já tivera contato com o estudante, que já realizou a adapta-
ção curricular e apontar as características da Síndrome de Asperger que poten-
cializam seu processo de aprendizagem, como: fácil compreensão, tendência
a altas habilidades em áreas específicas. Também, considerou-se no relato da
testemunha a importância de observar o que leva a “inquietação” do estudante
para assim poder ter uma ação que a neutralize. O exemplo usado foi de ofertar
exercícios mais avançados para focar sua atenção no “desafio” e não o deixar
inquieto. O relato da testemunha se deteve na política e seus objetivos, como ir
além do acolhimento, mas também assegurar a participação e a aprendizagem.
As personagens que representaram as advogadas questionaram pontos
importantes relacionados à política como: formação continuada, garantia da
adaptação curricular, respeito às diferenças. Porém, foram apontados na ativi-
dade de júri simulado aspectos que devem ser levados em consideração, dentre
eles, o excesso de horas/aula, turmas com grande número de estudantes, dificul-
dade de realizar cursos de capacitação e de romper barreiras atitudinais geradas
pelo preconceito.
Ao levar em conta todos os relatos, finalizamos a encenação da atividade
com a fala da juíza que aponta sua decisão mediada pela LBD onde expressa
que é dever do Estado garantir a educação básica, a LBI que garante respeito e
autonomia às pessoas com deficiências possam exercer suas vidas em condições
dignas de igualdade e principalmente, seguindo o teor da política de educação
especial de 2008 que afirma que a inclusão é uma ação política, cultural, social e
pedagógica, definindo que o currículo seja adaptado para o estudante.
A sentença foi que a professora realize no mínimo 100 horas de formação
continuada sobre o tema, visto que em suas falas apresenta desinformação sobre
o tema e demostra discriminação em suas ações concluindo que a inclusão deve
não apenas superar barreiras pedagógicas, mas também atitudinais que serão
rompidas assegurando os direitos das pessoas com deficiências. Também, a juí-
za designou que a escola contrate uma professora de Atendimento Educacional
Especializado para auxiliar os docentes na adaptação do estudante com os
demais colegas, visto que a política determina o uso do orçamento do Fundo
Nacional da Educação Básica para esta contratação.
Deste modo, a atividade do júri simulado relacionou as situações vi-
venciadas na escola, referentes a inclusão, através de uma metodologia ativa

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proporcionando uma encenação didática e informativa. A utilização da sala de
aula invertida também se fez importante para preparar os personagens para a
atividade do júri simulado, por meio de leituras importantes que em aula, emba-
saram fortemente as discussões e posições de cada personagem.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Por meio do desenvolvimento do júri simulado, atrelado ao uso da sala


de aula invertida, percebeu-se que estas metodologias permitiram discussões e
conhecimentos a respeito da PNEEPEI. Neste sentido, o júri simulado demons-
trou ser uma estratégia de ensino com características ativas bastante satisfatória.
A utilização da sala de aula invertida fez-se importante para embasar teorica-
mente a discussão da atividade prática, preparar a argumentação dos sujeitos e
ainda, para ressignificar conhecimentos já adquiridos previamente.
Como salientado por Moran (2018) às metodologias ativas acompanham
os objetivos pretendidos. Quando o professor tem por objetivo desenvolver nos
seus alunos, características de proatividade para mobilização de diversos conhe-
cimentos frente a tomadas de decisões, o júri simulado é sempre bem-vindo.
Corroborando, Rodrigues et al. (2014) salientam que as metodologias têm a ca-
pacidade de produzir novos conhecimentos independente do espaço e tempo
em que aconteçam. Tais fatores contribuem diretamente na qualificação do pro-
fessor, bem como, em uma melhor preparação do estudante para a vida social.
Assim sendo, a utilização da sala de aula invertida através do júri simula-
do estimulou a argumentação, pois sendo separados em grupos um a favor e ou-
tro contra a Política, e um juiz para julgar o caso, os participantes desenvolveram
discussões que aprofundaram o conhecimento sobre o tema. O grupo pesquisou
previamente para estabelecer relações entre os assuntos e contextos para apre-
sentar argumentos sobre a questão apresentada e assim, expor seus argumentos
e refutar os argumentos do grupo rival (VIEIRA; MELO; BERNARDO, 2014).
O professor que proporcionou a realização da atividade assumiu a função
de mediador, possibilitando o objetivo de incentivar os alunos para que apren-
dam de forma autônoma e participativa, a partir de problemas e situações reais,
deixando o discente no centro do processo de aprendizagem, participando ativa-
mente e sendo responsável pela construção deste conhecimento.
Para Vasconcelos (2015), a mobilização do estudante visa possibilitar um
vínculo inicial entre o sujeito e o conteúdo, provocar a necessidade de saber
mais, sendo o trabalho do professor tornar o conteúdo em desenvolvimento, o
objeto do conhecimento para o aluno. Há a necessidade também, de que se pos-
sibilite um confronto contextualizado para com o conteúdo, fazendo com que
o discente apreenda a essência do conteúdo, sendo esta apreensão uma relação

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mais abrangente e complexa com o conteúdo (VASCONCELOS, 2015).
De acordo com Macedo et al. (2022) utilizar-se da sala de aula inverti-
da apresenta ganhos significativos na compreensão conceitual, bem como no
ganho de habilidades para resolver problemas comparáveis aos adquiridos nas
aulas tradicionais. Não obstante, Vasconcelos (2015) destaca que o professor
deve colaborar com o aluno na interpretação do objeto estudado, pois podem
ocorrer associações com outros conteúdos e representações, possibilitando ao
aluno tirar as próprias conclusões, sendo esta dimensão fundamental para asso-
ciar conhecimentos significativos para sua aprendizagem.
Este estudo possibilitou unir vários conhecimentos como: as metodolo-
gias ativas, a sala de aula invertida, o júri simulado, desenvolver o relato da expe-
riência da atividade e aprofundar conhecimentos sobre a PNEEPEI. O relato de
experiência viabilizou, a partir da organização estruturada, a análise de aspectos
significativos na evolução da prática discente, indicando os aspectos positivos e
as dificuldades identificadas na organização e no desenvolvimento da atividade.
O relato de experiência, de forma geral, apresentou informações sobre a
aula que foi realizada, de acordo com as informações do planejamento, e resul-
tados alcançados fazendo a relação entre teoria e prática, conhecimentos de-
senvolvidos no curso e aplicados na prática da realização do júri simulado. O
princípio maior das metodologias ativas não é apenas fazer com que o aluno
seja protagonista de sua aprendizagem e desenvolva autonomia. Corroborando,
Berbel (2011) cita que é necessário que o aluno seja capaz de inserir-se nas dis-
cussões, teorizar e trazer elementos novos, ainda não considerados na aula ou
na perspectiva do professor.
Nessa perspectiva, Filatro e Cavalcanti (2018) apontam que as metodolo-
gias ativas têm apresentado êxito, pois possibilitam a construção de um conheci-
mento significativo ao aluno, para colocá-lo como sujeito central do seu próprio
processo de aprendizagem e desenvolvimento de suas competências.
Desse modo, no contexto escolar o professor pode fazer uso de diversifica-
das metodologias e estratégias de ensino, visando o desenvolvimento das
potencialidades dos estudantes. Isso também deve ocorrer em sala de aula
que possui alunos com deficiências, pois estes sujeitos devem ser entendidos
em suas potencialidades e não vistos sob o prisma de crenças que destacam
somente suas limitações (ESQUINSANI; SILVA; GUERRA, 2021, p.28).

Por fim, concorda-se com Esquinsani, Silva e Guerra (2021) sobre a im-
portância do desenvolvimento de novos estudos sobre os caminhos para uma
educação especial inclusiva que estimule a aprendizagem e socialização dos
estudantes público-alvo. Tal argumento e sua efetivação podem ser uma base
sólida para a construção de espaços de diálogo e inclusão real das diferenças em
suas múltiplas especificidades
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CONCLUSÕES

Conclui-se que as metodologias ativas são importantes ferramentas no


estudo das políticas públicas. Tal modelo pode ser proveitoso não apenas em
turmas de mestrado, mas nos mais diferentes níveis de ensino. A união entre
sala de aula invertida e júri simulado, propiciaram aos participantes deste relato
a reflexão, a construção de novos conhecimentos, bem como a ressignificação
de conhecimentos já existentes.
O júri simulado é uma forma eficaz de se trabalhar documentos norma-
tivos, leis, projetos, entre outros, que por vezes ao desenvolvermos de forma
teórica, torna-se cansativo e não tão significativo como quando colocados em
prática, em atividades de simulação, como a descrita nesse relato.
Faz-se relevante o desenvolvimento de novos estudos que utilizem de ou-
tras metodologias ativas para o conhecimento de políticas públicas, sejam estas
relacionadas à educação especial inclusiva, ou outras áreas da educação. Tal
fato é também uma perspectiva das autoras, desenvolver outras atividades sobre
educação especial inclusiva fazendo uso de diferentes métodos ativos, de modo
que incentive outros estudantes ou professores a utilizarem os mesmos em seus
contextos educacionais.

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199
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200
AS CONTRIBUIÇÕES REVELADAS PELO ENSINO
ATRAVÉS DA ANÁLISE DE PAISAGENS
NAS AULAS DE GEOGRAFIA
Abraão Danziger de Matos 1

INTRODUÇÃO

Paisagem é uma concepção essencial na abordagem da geografia, por isso


“ A abordagem da paisagem, dessa forma quanto outros conceitos da geografia,
é primário no seguimento de docência da geografia” (MACIEL; MARINHO,
2011, p. 69). Contextualizada em cláusula das formas espaciais percebidas e vi-
síveis pelo homem, ou próprio a cristalização de rudimentos e ações na distância
transversalmente do tempo e da produção da sociedade. Para Santos (2008), a
paisagem é tudo o que vemos, o que alcança nossa visão, formados por cores,
movimentos, cheiros, sons etc., ou seja, somando um conjunto de formas hete-
rogêneas, diferentes dos tempos históricos de construção do espaço.
Nas aulas de geografia, “a paisagem é considerada um utensílio indispen-
sável para a interpretação e aprendizagem “ (PUNTEL, 2007, p.285), por meio
da qual é provável ver os rudimentos, a história, as práticas sociais, culturais e
as dinâmicas naturais e regionais que permeiam a modificação das paisagens
(PUNTEL, 2007, p. 285286). Em Cavalcanti (2011), a abordagem da paisagem
auxilia o estudante a conceber o lugar vivido, afora de representar o quimérico
paisagístico e as formas sociais, que o estudante observa.
A paisagem é utilizada no Ensino Fundamental II, correspondendo a at-
mosfera natural, cultural, rural e urbana. Dinâmicas regionais ainda podem es-
tar compreendidas por meio desta categoria, pois existem várias paisagens que
são moldadas por diferentes tempos e atores. Quanto à cenário urbano, revela
os detalhes da reforma e imagem, o trato do cenário ainda é essencial para a
transformação do comportamento urbano. No Ensino Fundamental II, a ima-
gem é um recurso relevante para o trabalho do cenário geográfico, a decompo-
sição das formas, as mudanças espaciais e o relacionamento da entidade com a

1 Formado em Gestão de Negócios pela Fatec/BS, com especializações na área da Educa-


ção, Administração e Informática bem como mestrando em Educação pela ACU - Absou-
lute Christian University e doutorando em Ciências Empresariais e Sociais pela UCES-
-ARG. E-mail: [email protected].
D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
constituição de seu experimento de vida (LIMA, 2001).
Dessa forma, o entendimento do cenário, urbano e regional é um tema
adorável do estudo da geografia, permitindo ao estudante retratar sobre ambos
os espaços e afinidades construtoras e atuais na paisagem. E propor trabalhos e
aulas diferentes sobre o cenário é uma ação de reconhecer que o estudante seja
o administrante reto da sua assimilação e não um só educando de conceitos
prontos e decorados.
Portanto, neste trabalho objetiva-se discutir sobre a docência de geografia
transversalmente da análise de paisagens, expondo um experimento de estudo
didático aplicado com alunos do Ensino Fundamental II e que possibilitou a as-
similação a partir da reflexão e da apreciação de imagens e locais sobre a paisa-
gem. Partindo deste trabalho, espera-se dar à docência da Geografia habilidade,
tecendo conhecimentos, que na coletividade possam facultar a variação dos mo-
dos de indicar e de quão à docência poderá propor mais estímulos aos alunos.

DESENVOLVIMENTO
DEFINIÇÕES DE PAISAGENS

Na palavra paisagem, define-se o aparecimento de áreas individuais da


terra moldadas pelas forças da natureza e da atividade humana. Estar-se falan-
do, por exemplo, de uma paisagem montanhosa, quando as montanhas domi-
nam em uma determinada área, ou agrícola, quando os campos agrícolas preva-
lecem em uma determinada área.
Quando se olha para as fotos de lugares diferentes, nota-se que alguns
deles parecem nunca ter sido tocados por uma mão humana. Em outros lugares
pode-se ver que quase tudo é criado pelo homem. As paisagens podem ser divi-
didas em dois grupos principais.
A paisagem natural, devido às suas características e forma de superfície,
pode ser dividida em: costeira, distrito do lago, planície, terras baixas, monta-
nhosas. Se uma pessoa transforma completamente a paisagem, diferentes tipos
de paisagem cultural podem ser criados (SANTOS, 1996).
De acordo com Puntel (2007), as paisagens são descritas levando-se em
conta componentes como:
• forma de superfície (por exemplo, montanhas, colinas),
• rochas (por exemplo, granito, areia),
• águas superficiais (por exemplo, lagos, rios),
• vegetação (por exemplo, florestas, prados),
• os animais mais comuns e característicos,
• produtos de atividade humana (por exemplo, edifícios, estradas). Claro,

202
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
nem toda paisagem tem todos esses componentes, por exemplo, no deserto não
veremos águas superficiais.
Tradicionalmente, a geografia tem diferenciado as paisagens em paisagens
naturais e culturais, exigindo uma abordagem que leve em consideração a avalia-
ção dos elementos envolvidos, escala e temporalidade na paisagem. Schier (2003)
descreve a diversidade conceitual desse tópico. seguindo Bertrand (1971) de forma
homogênea, entendendo que “sociedade e natureza estão relacionadas e formam
uma única ‘entidade’ de um mesmo espaço geográfico” (SCHIER, 2003, p. 80).
Não é fácil definir uma paisagem cultural. Este é provavelmente um alívio
terrestre que surgiu após as ações transformadoras das pessoas para atender a
certas necessidades espirituais e práticas. Qual é a ideia do espaço cultural? Para
muitos, a paisagem cultural é um tecido contínuo de várias camadas na forma de
um tapete integral que combina elementos naturais e culturais.
Todos os objetos e lugares na superfície da terra são tubérculos de tecidos
paisagísticos com um padrão holístico. Pode-se dizer que a paisagem cultural é
um espaço terreno que é integral e ordenado, contém elementos naturais e cul-
turais. O próprio homem influenciou muitos dos espaços da Terra, complemen-
tando-os com artefatos. Foi a atividade humana que influenciou a dinâmica das
condições naturais. Tais paisagens alteradas também são chamadas de paisagens
feitas pelo homem.
Por este termo significa um complexo territorial natural e cultural domi-
nado pela sociedade humana. A paisagem antropogênica (cultural) é um com-
ponente natural da cultura. Esse território cultivado preserva e herda bases na-
turais. Partículas antropogênicas complementam tanto as bases naturais quanto
obedecem às suas leis. Um exemplo é um assentamento rural. O autor também
concorda com Sauer (1998) que a natureza projeta dois tipos de forma, uma
antes e outra depois da apropriação humana, e favorece uma sucessão histórica
entre elas (SCHIER, p. 81)
Santos (1996) considera a paisagem como uma história viva e congelada,
que se alterna no espaço por suas funções sociais e sua simultaneidade, sem con-
siderar a dinâmica cultural que essa sociedade exerce sobre ela. associar a uma
representação cultural.
Por exemplo, a descrição da paisagem retratada na imagem abaixo pode-
ria ser assim.

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Figura 1: Paisagem costeira natural.

Fonte: https://c.pxhere.com/photos/82/6d/path_beach_ocean-345.jpg!d

A foto mostra a paisagem costeira natural. O terreno é plano com pe-


quenas colinas de dunas construídas de areia. Pelo meio, provavelmente até a
costa, conduz um caminho construído por um homem de pranchas. Gramíneas
e outras pequenas plantas crescem ao redor.
Como pode-se observar na imagem, já existe transformação causada pelo
homem. Os seres humanos contemporâneos, especialmente no mundo ociden-
tal, muitas vezes têm pouco contato com o ambiente natural: não o conhecem,
cuidam dele, o entendem ou apreciam sua influência benéfica na saúde e poten-
cial para promover o desenvolvimento abrangente e as relações sociais. A socie-
dade cada vez mais está confrontada com “síndrome do déficit da natureza” e
“autismo cultural” (CLAVAL, 1999).
Diferenças de atitudes em relação ao ambiente natural muitas vezes resultam
em disputas e profundas divisões sociais. Existem inúmeros conflitos entre ambien-
talistas e “representantes empresariais” (de um modo geral, apoiadores de novos
projetos de investimento, independentemente de seu impacto no meio natural).

2.2 TRAJETÓRIAS DO CONCEITO DIALÉTICO DE PAISAGEM EM


GEOGRAFIA

Os trabalhos de Humboldt (Cosmos) de Ritter (Geografia Comparada)


e Ratzel1(Antropogeografia) são exemplos clássicos em que o conceito de pai-
sagem foi utilizado como técnica de transcrição de dados. Humboldt e Ritter
desenvolveram seu trabalho a partir da descrição e observação de fenômenos
naturais. No entanto, a primeira teve a paisagem como tema de seu trabalho,
enquanto a segunda a complementou, levando em conta fenômenos regionais

204
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
existentes e deixando de se concentrar na paisagem em si. ela começa a descre-
ver à luz de uma dialética entre os elementos sólidos da paisagem natural e os
elementos humanos distanciados pelo método de análise.
Segundo Schier (ibid.), La Blach aborda seu contemporâneo Ratzel, por
meio de um olhar positivista e dialético entre “ordem e progresso”, cujo movi-
mento está ligado ao espírito humano em Ratzel e à capacidade de inovação em
La Blach. Em meados do século XX, a paisagem passou a ser vista como um
conjunto meramente estável de elementos, até ser chamada de ‘geografia da pai-
sagem’, ‘ciência da paisagem’ e organizada por Hattner em três perspectivas ‘to-
das de origem kantiana’. geografia geral, nomotética e ideográfica” (SCHIER,
2003, p. 83). Nesta perspectiva, o autor destaca que nas primeiras quatro dé-
cadas do século XX, as ciências nomotéticas e idiográficas desenvolvidas por
Immanuel Kant influenciaram fortemente a forma de analisar a geografia da
paisagem segundo determinados critérios, enquanto a perspectiva idiográfica se
concentra no conjunto específico de uma única paisagem” (SCHIER, ibid., p.
83) Ambos consideram uma série de fatores humanos e naturais na paisagem,
que se demarcam entre geografia física e humana.
Tais significados dialogam com o pensamento de Claval (1999), que tra-
tou a paisagem a partir de uma perspectiva morfológica, apresentou seus as-
pectos ecológicos e humanos, e trabalhou com a geografia cultural sob forte
influência do positivismo descritivo da época.
No início da década de 1960, principalmente nos Estados Unidos, o ter-
mo “paisagem” em círculo geográfico parece ser substituído pelo termo “re-
gião”, motivado pela influência de Richard Hartshorne, aquele geógrafo, au-
xiliado pela diferença semiótica entre os dois termos, que se valeu da geografia
clássica, considera o conceito de paisagem como tipologia morfológica uma
linha de raciocínio primitiva, pois não leva em conta as influências da região
que a circunda, ao contrário do conceito de região, cujo conceito científico é
com base na diferenciação espacial comparativa de estruturas regionais em uma
síntese complexa entre influências físicas e humanas. A partir dessa mentalidade
é introduzida uma compreensão sistêmica das entidades geográficas, filtradas
através de estatísticas e matemáticas, médias, variações e tendências; guiada
pela terceiridade (no sentido peirceano) que apresenta interpretações funcionais
da paisagem e se destaca como “Nova Geografia” (SCHIER, 2003, p. 84).
2.3 CONTRIBUIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE PAISAGENS COMO
RECURSO ANALÍTICO NAS AULAS DE GEOGRAFIA

Como conceito abrangente, a paisagem não é apenas um mero conheci-


mento utilizado apenas por geógrafos, mas também por arquitetos de cidades

205
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
e outros profissionais que direcionam seu trabalho para a percepção e análise
segundo suas lentes ela pode cotribuirpor meio de novos métodos analíticos que
vão além do paradigma da abordagem descritiva da paisagem em busca da es-
truturação espacial, nesse sentido Cavalcanti (2011) para destacar a importância
da percepção da paisagem através dos estudos indicados pela Geografia Física e
a Geografia da Percepção, seja objetiva ou subjetiva.
Para Santos (1996), a percepção da paisagem é sempre um processo percep-
tivo seletivo, em suas palavras “tudo o que vemos que chega à nossa visão é a pai-
sagem, que pode ser definida como o reino do visível, aquilo que engloba a visão,
consiste não só de volume, mas também de cores, movimentos, cheiros, sons etc.”
(SANTOS, ibid., p. 61). Para o autor, a tarefa do geógrafo é alcançar a importân-
cia expressa pela subjetividade, que é tomada nas formas extraídas da paisagem.
Nesse sentido, Cavalcanti (2011, p. 99) enriquece a compreensão do con-
ceito de paisagem ao realçá-lo também na dimensão artística (estética), tanto
para quem o constrói tecnicamente (paisagistas) quanto socialmente (cidadãos).
Eles revelam a estrutura da sociedade e o imaginário social, crenças, valores
e sentimentos das pessoas que a constroem. Trabalhando na construção desse
conceito para a percepção das paisagens a serem analisadas, essa beleza estética
(ou mesmo sua ausência) é um primeiro elemento a ser explorado.
Assim, os autores defendem que é preciso construir uma crítica da paisa-
gem, a partir da análise do espaço do todo do qual ela faz parte, em um quadro
territorial menor em que se articulam o geral e o particular. Para essa análise, ele
também considera fazê-lo do ponto de vista fenomenológico, tornando visível a
presença invisível especial no “visível” como a “essência” dos sistemas materiais
e de valores mencionados em toda paisagem. é preciso, como Claval, reconhecer
a paisagem como coexistência e explorar seus fios de cruzamento e sua troca
mútua” (CLAVAL, 1999, apud SERPA, 2010, p. 134).
Em busca de um debate teórico-crítico e de aprofundamento do pen-
samento geográfico construído através do estudo e da pesquisa, Cavalcanti
(2011) foca na formação de conceitos e métodos em geografia, uma contribui-
ção para uma teoria crítica da geografia do espaço, e compreende como um
“produto social e histórico intelectualmente construído que constitui uma fer-
ramenta que permite analisar a realidade” (ibid., p. 195), por isso é baseado na
dialética entre as diferentes abordagens que apreender inter-relações entre seus
elementos sem dicotomias, que busca apropriar-se das escalas mais amplas,
passando do local ao global e deste ao local. Portanto, por compreensão dialé-
tica que requer realidade em sua multiplicidade e todos os fenômenos como
resultado da relação contraditória entre todos e parte. Cavalcanti acredita que
ao abordar as escalas analítica e perceptiva torna-se essencial compreender as

206
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Saberes e Partilhas
matrizes do pensamento crítico na concepção dialética do mediato e do ime-
diato e suas relações no processo de cognição.
Isso foi bem estudado por Lima (2001), que tenta mostrar que o conhe-
cimento é um processo que vai além do sentimento imediato, pois envolve a
percepção (habilidade resultante de uma atividade prática e um trabalho de
compreensão) que é um processo indireto. As regras práticas do método dialé-
tico resumidas por este autor podem ser visualizadas de forma resumida para
realizar um desenvolvimento espiral e contínuo, no sentido de um retorno ao
início para repetir o caminho para verificar e superá-lo.
As premissas apresentadas pelos autores permitem compreender a cons-
trução de uma análise crítica da paisagem, uma vez que seu processo de percep-
ção se cruza com a simples prática de ver e sentiro que é relevante para agregar
ferramentas diversificadas ao método proposto, tais como: deriva, observação,
mapas, fotos, croquis, entrevistas, etc., que podem ser atribuídos a cada fase
descrita, complementados pelas abordagens voltadas às intervenções urbanas de
autores como Kevin Lynch, Gordon Cullen e Maria Helena Kursdorf Delve no
método adequado, criar procedimentos consistentes que favoreçam a inter-rela-
ção entre teoria e prática.
É um processo complexo que exige do profissional um olhar atento ao
problematizar essa visão geográfica de sua análise: essa atitude permite a in-
trodução de novos objetos nos arranjos cidade-regionais, tornando os lugares
pontos reais. de apoio à construção de paisagens e mais espaços cívicos.

2.4 EXPERIMENTO DE ESTUDO DIDÁTICO APLICADO COM


ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II

Pela primeira vez em nossa escola, aconteceu a Semana com Geografia.


Era um tempo dedicado a conhecer as paisagens da “minha pátria”. A semana
com Geografia começou com a cerimônia de nomeação do estúdio geográfico
em homenagem ao Prof. Fernando. No mesmo dia, também houve uma aula
aberta “Diversidade paisagística das regiões físicas e geográficas do Brasil”.
Durante as aulas em grupo, alunos de aulas geográficas (6c e 6e) utilizando
fotografias coloridas de regiões selecionadas do Brasil, atlas geográficos, contor-
nos de subprovinces, mesorregiões selecionadas classificadas e macrorregiões
do nordeste de acordo com a divisão físico-geográfica do Prof. Fernando, distin-
guiu as características da paisagem dessas regiões, explicando os motivos para a
diversidade paisagística do nosso país.
No dia seguinte, alunos da turma 6e participaram de uma viagem de um
dia inteiro ao Parque Nacional, durante a qual, entre outros: aprenderam so-
bre os elementos e tipos de paisagens (paisagem primária, natural, cultural e
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devastada), estética e beleza da paisagem, efeitos positivos e negativos da inter-
ferência humana na paisagem, tipos florestais, reconhecidos as espécies básicas
de árvores e arbustos.
No terceiro dia, a turma do 6c participou de atividades de campo nas
proximidades da escola: “Paisagem da minha pequena pátria”. Cada grupo teve
a tarefa de determinar a localização da escola utilizando um mapa topográfico
e GPS, destacando elementos paisagísticos, determinando mudanças negativas
na paisagem e suas consequências, indicando áreas caracterizadas pela ordem
e desordem espacial e determinando a identidade da paisagem da área escolar.
No quarto dia, alunos da classe 6c participaram de oficinas de campo,
durante os quais aprenderam sobre as paisagens do interior. Os jovens participa-
ram de aulas de geomorfologia, ciência do solo (análise do poço aberto do solo)
e meteorologia parcialmente baseadas nos recursos do ZOOM. Durante as aulas
de mapa, foi utilizado o aplicativo Locus Map, que permite aplicar a escala na
prática, marchar no azimute e ler coordenadas geográficas.
Durante a “Semana da Geografia” houve também uma competição esco-
lar intitulada “Paisagens de Varsóvia, ordem ou desordem espacial”. Os alunos
tiveram que fazer um pôster ou uma pintura/gráfico retratando tipos de paisa-
gens culturais metropolitanas e naturais-culturais.

3. CONCLUSÃO

A partir dos registros apresentados, fica claro que em o conhecimento


geográfico discutido pela geografia começou, ao longo dos anos, com a interpre-
tação cuidadosa da produção do espaço a partir da análise de sua paisagem, esse
conhecimento, ao ser estudado, torna-se elementos fundamentais. Pelos concei-
tos da ciência da geografia, pelo seu desenvolvimento e aplicação, a geografia
produz uma leitura espacial da realidade e procura explicações para os lugares
onde a sociedade vive e com os quais convive, ou para os percursos percorridos
entre esses lugares.
Assim, parece necessário compreender os conceitos e métodos de análi-
se geográfica através de uma construção teórica para elaborar um pensamento
crítico e de análise da paisagem. Não há geografia que sirva de estudo em todos
os níveis da paisagem. Filtro científico, cultural, filosófico, político, social etc,
demonstrando um caráter multidisciplinar de estudo.
Após observar os acontecimentos no experimento de estudo didático apli-
cado com alunos do ensino fundamental II, fica evidente o quanto a utilização
da análise das paisagens nas aulas geografia contribui para a compreensão dos
conteúdos.

208
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas

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209
AULA DE METODOLOGIA DA PESQUISA:
PARA ALÉM DA INSTRUMENTALIZAÇÃO
Marcos dos Reis Batista1

O que é verdade? O que é estático? O que é permanência? De certeza em


certeza ou a certeza da dúvida? Quem tem razão? Quem tem a verdade?
As verdades são quebra-cabeças com peças que faltam, ou as peças podem
ser montadas de outras maneiras? (IÑIGUEZ, 2001, não paginado, tradu-
ção nossa, grifo da autora). 2

A presente contribuição tem o escopo de colocar em destaque algumas in-


quietações quanto às aulas da disciplina metodologia da pesquisa. Assim, como
apontar algumas reflexões baseadas nos estudos da epistemologia da complexi-
dade e da transdisciplinaridade de modo que possam colaborar com potenciais
reflexões e ações que ajudem um trabalho docente além daquela instrumentali-
zação a qual é frequente de se observar no processo formativo tratado no âmbito
desta contribuição acadêmica.
Desde o ano de 2014, quando ingressei como docente efetivo no sistema
federal de educação superior, mais especificamente no Instituto de Estudos do
Xingu da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (IEX-UNIFESSPA),
na cidade de São Felix do Xingu (Pará), sempre me coloquei disposto a minis-
trar disciplinas no âmbito da escrita acadêmica e da metodologia da pesquisa.
Assim, meu interesse sempre esteve neste âmbito partindo das minhas lacunas
formativas – a dificuldade de colocar no papel ou na tela minhas ideias –, e para
tanto, desse período para a contemporaneidade – junho de 2022 – tenho buscado
o amadurecimento acerca de minha ação docente e minha percepção formativa.
É comum nos mais variados cursos de graduação, seja bacharelado ou
licenciatura, a oferta do elemento curricular “metodologia científica” que
pode ser apresentado como “metodologia da pesquisa”, “metodologia do tra-
balho científico” ou “metodologia da ciência”. Porém, independentemente da

1 Mestre em Letras pela Universidade Federal do Pará (UFPA). É docente de Estudos Lin-
guísticos e Metodologia científica na Faculdade de Letras da UFPA. Atualmente é douto-
rando no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Literatura da Universidade Fede-
ral do Norte do Tocantins (UFNT).
2 Texto original: ¿Qué hay de cierto? ¿Qué es lo estático? ¿Qué es la permanencia? ¿De certe-
za a certeza o la certeza de la duda? ¿Quién tiene la razón? ¿Quién tiene la verdad? ¿Acaso
las verdades son rompecabezas a los que les faltan piezas o éstas se pueden combinar de
otras maneras?
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nomenclatura, esta disciplina carece – em muitos casos – de uma maior atenção
por parte dos departamentos e, principalmente, por parte dos professores que
ministram – claro, que nem todos, pois toda generalização é abusiva – pois di-
versamente de outros elementos que compõe a chamada “matriz curricular”,
esta não se encontra em nenhum campo de estudos como as demais. Teremos
como exemplo a disciplina de didática, que supostamente deve ser ministrada
por um profissional com formação em pedagogia, ou sintaxe, ministrada por um
bacharel ou licenciado em Letras.
Outro exemplo, ao tratar do curso de Letras – indiferentemente da habili-
tação na qual o curso está destinado, seja língua primeira, segunda ou adicional
– a disciplina de fonética encontra-se no grande campo da chamada “linguística
teórica”, já os estudos da “estética da recepção” são postos no chamado campo
dos estudos literários e, assim, temos outros tantos casos disciplinares no âmbito
desta formação que é o curso de graduação em Letras em nível brasileiro.
Neste texto optamos em fazer uso do termo “metodologia da pesquisa”
por considerarmos de modo mais direto e popular acerca da disciplina que es-
tamos tratando. Assim, há de se levar em consideração que encontramos nos
cursos de Letras presos ao espectro da disciplinaridade no qual existe forte in-
fluência do paradigma tradicional que disjunta os conhecimentos e dificulta um
exercício epistemológico que colabore com uma visão ampliada e atual da reali-
dade na qual estamos inseridos.
Costumamos chamar a atenção de nossos interactantes acerca da busca
por um exercício quanto à atualidade quando afirmamos que “muda-se o calen-
dário, mas não se muda a mentalidade”. Dessa forma, não sabemos ao certo se
algum pensador na história já havia observado tal aspecto. Mas, é de fundamen-
tação importância refletirmos sobre o local e o papel da referida disciplina a qual
nos debruçamos em nossas ações docentes no âmbito formativo em que estamos
inseridos. Porém, precisamos situar nossos leitores a partir de onde e de quando
nossa inquietação nasce. Se é que podemos marcar um ponto dessa gênese para
tal comportamento.
Nosso interesse começa ainda em nível de graduação, entre as duas pri-
meiras décadas do século XXI sobre o elemento curricular “Metodologia do tra-
balho científico”. As primeiras palavras sobre esta disciplina na qual deveríamos
ser aprovados e nos serviria de base para a construção de uma pesquisa científica
chegavam nos causando tamanha curiosidade. Uma das primeiras perguntas,
entre tantas, era: O que é pesquisa? Essa era o pontapé de uma avalanche de
perguntas, tais como: “o que é método?”, “o que é metodologia?”, “o que é
ciência?”, “o que é científico?”. Em um primeiro momento com materiais e dis-
cursos provenientes de uma professora-pesquisadora, percebemos que ao tratar

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de ciência, seria fundamental um mergulho em um âmbito abstrato, do qual não
estávamos nem um pouco familiarizados.
O início dos estudos da metodologia da pesquisa apontava que havia uma
ruptura causada pela ausência de uma apropriação ou envolvimento com outros
saberes necessários a um olhar mais aprofundado quanto à construção científi-
co-humanística. Assim, as leituras e reflexões trazidas para a sala de aula nos
faziam notar a carência da filosofia e da epistemologia para sujeitos que cami-
nhavam em uma perspectiva formativa para docência. Essa lacuna nos motivava
a entender que a educação bancária, aquela que Paulo Freire tanto nos falou,
nos limitava a receber apenas aquilo que os professores, dentro dos engessados
currículos e controles do sistema, se viam a tratar. Olhar para trás nos causava
certa angústia ao considerar que espaços mais existenciais – como a filosofia ou
o autoconhecimento – nos causavam tamanha lacuna.
Mas, qual a importância de colocar em destaque essa lacuna? A proble-
mática trazida pela oferta da disciplina metodologia da pesquisa no âmbito de
um curso de graduação, mais necessariamente de licenciatura, nos inquietava
ainda mais por se tratar de uma formação para a Educação. Dessa forma, diante
do início dos estudos acerca das abordagens investigativas, nos deparávamos
com escritos de Pedro Demo (2017) e de Maurice Tardif (2014) que colocavam
o papel do professor como uma ação científica, ações que podem/devem cola-
borar criticamente, tendo a ciência como princípio educacional. É a partir desta
observação que a sensação do compromisso para com a sociedade se amplia e
nos deixa ainda mais integrados ao pensar a construção do conhecimento na
formação do sujeito crítico do século XXI.
Nesse âmbito, precisaríamos voltar um pouco para alguns séculos e lem-
brar que ao decorrer de sua caminhada, a Universidade começou a deixar de ser
um espaço de construção de ideias para dar lugar a um espaço muito mais pro-
fissional. O espaço privilegiado para servir de palco às grandes discussões, hoje
abre lugares muito mais voltados para um conhecimento utilitarista do que para
um conhecimento existencialista. Morin (1988) já apontava para a importância
de a humanidade repensar sobre a construção de um conhecimento que ultra-
passe divisões disciplinares e que auxilie a superar seus desafios e demandas.
A falta do reconhecimento dos fatores filosóficos e históricos comprome-
tem significativamente a formação de futuros professores e, não apenas destes,
mas de todo e qualquer sujeito que se deseja ter uma construção crítico-humanís-
tica. Entender os possíveis e potenciais papéis dos quais podemos desenvolver e
ter colaboram consubstancialmente com a chamada “mudança de pensamento”
da qual Morin nos orienta em seus mais variados trabalhos. Essa tomada de
consciência por meio desta mudança torna-se uma via para o entendimento do

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jovem ao entender que a ciência, assim como outros saberes, contribui para a
manutenção e bem-estar da condição humana, ajudando a preservação planetá-
ria e prezando pelo respeito à dimensão ecológica.
Uma tomada de consciência deve ser entendida aqui não como uma sim-
ples ação na qual deve-se listar o que devemos fazer para o desenvolvimento hu-
mano. Mas, uma profunda reflexão diante do que se pode entender por ser hu-
mano. Assim, citamos o trabalho de Laszlo (2001) no qual o pensador húngaro
aponta para a macrotransição, um macroconceito do qual podemos pensar acerca
da necessidade de atitudes que colaboram com uma mudança de pensamento na
qual o ser humano reconhece no outro a sua fraternidade. Assim, apresentamos
dez princípios da vida responsável e da ética planetária: 1) Atendimento às suas
necessidades básicas e deixe que os outros tenham o mesmo direito; 2) Respeito ao
direito dos outros de viver e se desenvolver; 3) Respeito ao direito à vida de todas
as coisas que existem na Terra; 4) Busca à felicidade conservando a Natureza e
permitindo que os outros possam fazer a mesma coisa; 5) Exigência do governo
para uma atitude de paz e cooperação com os outros povos e países; 6) Exigência
de empresas com o interesse verdadeiro por toda a sociedade e pelo meio ambien-
te; 7) Exigência que os meios de comunicação divulguem informações confiáveis,
para que os sujeitos possam tomar decisões corretas sobre saúde, desenvolvimento
e futuro; 8) Abertura do espaço na vida para ajudar os que estão em dificuldades
a viverem com dignidade ajudando a preservar ou a restaurar os equilíbrios essen-
ciais do meio ambiente; 9) Reconhecimento da união essencial da humanidade
como uma família planetária aceitando e apreciando as diferenças individuais e
culturais para perceber que a consciência de que o planeta é a casa de todos sendo
vital para a sobrevivência da humanidade no século 21 e; 10) Apoio aos outros
a se desenvolverem para que possam tomar decisões corretas sobre as questões
importantes que decidirão o futuro da humanidade.
Estas 10 orientações indicadas por Laszlo podem nos ajudar a atender a tal
urgente e necessária mudança de tanto necessitamos para perceber que o mundo
do qual tratamos em nosso percurso formativo em uma sala de metodologia da
pesquisa está aquém de toda e qualquer classificação de tipos de pesquisa.
A percepção e o entendimento das orientações trazidas por este pensador
podem colaborar significativamente com um olhar que vai além da taxonomia
dos métodos e técnicas de pesquisas que muitas vezes são tratados como os úni-
cos aspectos a serem conhecidos e discutidos no âmbito da referida disciplina.
Voltando mais especificamente para o processo disciplinar, a metodologia
da pesquisa visa dar elementos e subsídios aos estudantes sobre o que é e como
se faz uma pesquisa científica, ou mais especificamente uma pesquisa no âmbito
do curso no qual o acadêmico se encontra. Assim, um estudante de enfermagem

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tende a se deparar com orientações metodológicas bem diversas daquele estu-
dante de um curso de economia, por exemplo. Nesse momento, notamos a au-
sência de um possível diálogo no qual diferentes campos não interagem, apesar
de fazerem parte do espaço humano. Um olhar que ultrapasse os fantasiosos
limites disciplinares criados ao decorrer dos séculos na academia colaboraria – e
muito – com uma visão crítica mais apurada, fazendo com que os sujeitos pu-
dessem superar uma visão disjuntiva e aglutinar conhecimentos que facilitariam
o entendimento, a reflexão, a percepção e a construção da realidade.
Dar início à caminhada da disciplina metodologia da pesquisa partindo
dos estudos filosóficos nos mostra uma interessante ação considerando a neces-
sidade de colocar em relevo que nada parte do “por acaso”, que existe toda uma
construção ao decorrer dos séculos que colaborou e colabora com a formação
do homem/mulher atual. Sendo assim, o sujeito ao se deparar com um passado
– que não é tão recente assim – mergulha em um oceano de ideias que lhe dar
um horizonte de inquietações buscando colaborar significativamente com seu
desenvolvimento humanístico.
Esse retorno aos estudos clássicos, tais como Grécia e Roma, à Idade
Média e a outros momentos da caminhada da sociedade nos ajuda a entender as
inquietações e aos desafios tratados pela humanidade diante de tantos obstácu-
los nos quais serviram de motivação para superar lacunas. A ciência não apenas
serviu e serve para dar conforto e bem-estar ao homem, mas também coloca
determinados grupos sobrepostos aos outros, visto que descobertas científicas
atribuem valor e poder a determinados grupos fazendo com que ocorra uma
dependência tecnológica entre diversos sujeitos.
No momento inicial da produção deste ensaio enfrentávamos ainda a cri-
se pandêmica do novo coronavírus que teve início em meados do final do ano
de 2019, e em um espaço de quase dois anos tivemos a corrida por parte de
laboratórios em diversas nações para a produção de imunizantes, não apenas
para salvar vidas; mas, também, para se superar como instituições de pesquisa.
Diante da problemática ocasionada por uma pandemia que ceifou milhões de
vidas e afetou outros tantos milhões, não podemos criar uma visão romântica
de que é belo a produção de vacinas e, sim, ter a consciência de que se trata de
uma ação de compromisso científico e econômico no qual aqueles que investi-
ram em conhecimento colheram frutos e a outros cabe apenas pagar por esses
frutos. Enquanto que alguns países investem em energia nuclear ou em material
bélico, outros se desdobram para superar suas limitações estruturais buscando
o bem-estar das suas populações. A referida crise mostrou bem quais governos
estão compromissados com o bem-estar de suas populações e quais são aqueles
que apresentam propostas duvidosas.

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Ter uma visão ampliada da situação na qual nos deparamos e entender
que falar de fazer pesquisa não é apenas aprender a taxonomia existente nos
manuais de metodologia da pesquisa é fundamental pois em muitos casos, há
uma preocupação com o acadêmico que deve ou precisa saber qual a diferença
entre as diversas abordagens, tais como qualitativa, quantitativa e mista, se a
pesquisa será básica ou aplicada, se será descritiva, exploratória ou seja lá o que
for. O espaço do referido elemento curricular é visto como um momento no qual
o professor deverá oferecer – e por que não afirmar em “dar” – todo e qualquer
orientação que suporte o entendimento quanto ao fazer pesquisa. Porém, outros
aspectos devem ser levados em conta quando se pensa neste processo que se refe-
rem ao ensino e à apropriação da escrita acadêmica e às orientações das normas
de formatação/apresentação de trabalhos acadêmicos.
É de nosso conhecimento que diversas associações e instituições criaram
normativas para a apresentação dos trabalhos acadêmicos em nível tanto inter-
no (nas próprias instituições) quanto externo (o caso dos periódicos científicos).
Assim, podemos citar a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a
American Psychological Association (APA) e o International Committee of
Medical Journals Editor (ICMJE) como instituições que definem características
estruturais que devem ser levadas em conta na digitação/apresentação dos manus-
critos dos textos científicos. É válido destacar que nenhuma destas tem poder de
lei, ou seja, os centros universitários fazem uso dessas normas de modo voluntário.
Na atualidade, as referidas normas têm sido usadas de modo automático
pois já são oferecidos alguns aplicativos dos quais podem automatizar a organi-
zação de um trabalho acadêmico. Apesar deste aspecto, ainda nos deparamos
com docentes que ministram aulas de metodologia da pesquisa nas quais tratam
apenas desta instrumentalização para o alunado. Diante de uma mecanização
do texto acadêmico, o estudante acaba perdendo a oportunidade de pensar acer-
ca do teor crítico e humanístico que pode tratar em suas reflexões. De acordo
com Marcuschi (2008), o texto é muito mais do que um estilo de língua no
qual ideias são apresentadas pois é válido considerar toda a sua construção e
intenção já que as palavras por si só não estão vazias de sentido e muito menos
se resumem a uma certa beleza estilística.
As normas para trabalhos acadêmicos, basicamente, orientam os estudan-
tes quanto ao tipo e tamanho de fonte, margens, como distribuir os textos e as
apresentações de citações direta e indireta e as referências completas dos mate-
riais que serviram de base para a pesquisa apresentada. Detalhes pontuais e es-
truturais que muitas vezes um dado profissional pode ser facilmente consultado
ou contratado. Notamos, então, que perdemos a oportunidade de colocar em
voga aspectos mais relevantes da formação docente em aula de metodologia da

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pesquisa quando nos deparamos com aspectos pontuais.
Ir além do simples aspecto disciplinar colabora com uma formação de
um futuro docente que não apenas precisará das orientações da metodologia
da pesquisa para a construção de um trabalho final de curso que necessita ser
construído com o intuito de servir de feedback por parte do acadêmico para
mostrar para a sociedade o que este estudou ou para que o referido estudante
saiba produzir de modo consistente – mesmo que simplório – um artigo cientí-
fico ou projeto de pesquisa no qual possa ser aprovado para galgar novos níveis
de formação científica.
Essa visão disjuntiva não é mais suficiente para que nas aulas de meto-
dologia da pesquisa o estudante possa desenvolver um olhar crítico diante da
complexa e líquida realidade (BAUMAN, 2001) em que nos encontramos no sé-
culo XXI. Assim, a transdisciplinaridade, fruto do paradigma da complexidade,
é um conceito, um princípio epistemometodológico (MORIN, 2015), que busca
construir novos modos de compreensão da relação sujeito/sociedade/natureza
na contemporaneidade e colaborar consubstancialmente com a formação que
ultrapassa as reflexões e percepções do novo professor. Enquanto que no século
XX a concepção de homem era de ser histórico e sociocultural, Morin ampliou
esta considerando o homem como ser histórico, social, cultural, mas também
biológico, cognitivo, pleno de subjetividade, psicoafetivo e enigmático, um ser
de razão, emoção e corporeidade.
A partir desta percepção, é válido considerar que a epistemologia da com-
plexidade compreende a realidade como sendo multidimensional dada a sua
constituição complexa (todo e partes) e o conhecimento construído como uma
reconstrução do sujeito por meio de seu nível de percepção da realidade. Com
isso, ao reconhecer o sujeito diante de uma dimensão complexa, devemos en-
tender a dinâmica na qual esse se encontra em volta às demandas de um mundo
cada vez mais dinâmico e integrado. Assim, é de considerar que tudo está inter-
ligado pois em um dado acontecimento do outro lado do globo, rapidamente ou-
tras partes do planeta tomam consciência do que está acontecendo, fazendo com
que os sujeitos em uma sociedade cada vez mais líquida se mostrem integrados
quanto aos mais variados desafios do século XXI (BAUMAN, 2001).
Quando pensamos em uma aula de metodologia da pesquisa, não faz
mais sentido pensar em um espaço que instrumentaliza os estudantes ao infor-
mar tipos de fontes ou margens ou apenas a taxonomia dos tipos de investigação
em uma abordagem qualitativa, quantitativa ou mista. Nesse âmbito, é preciso
transgredir todo e qualquer pensamento que mantenha uma visão redutora e dis-
juntiva da realidade pois o discente da atualidade não se encontra mais em um
espaço fragmentado. Ele está envolto em um mundo rodeado de altos e baixos

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
no qual a incerteza faz parte de cada passo e que a cada dia velhos e novos de-
safios se mostram e se desdobram na complexa sociedade na qual está inserido.
Ir além das antigas ideias tratadas nos currículos da disciplina metodolo-
gia da pesquisa torna-se um grande desafio que hoje pode ter por base os estudos
da epistemologia da complexidade e da transdisciplinaridade. Tais âmbitos nos
ajudam ao desafio de superar uma visão redutora e ultrapassada contribuindo
para que o jovem acadêmico possa ampliar sua percepção científica. Assim,
Suanno (2015) nos brinda com interessantes orientações que nos ajudam a pen-
sar em uma didática em uma dimensão complexa e disciplinar que ajuda com
a desconexão de um percurso tradicional e colabore significativamente com as
reais necessidades acadêmicos do século XXI.
A didática, na perspectiva complexa e transdisciplinar, visa:3 1)
Reintroduzir o sujeito cognoscente no processo de aprendizagem, no processo de
produção do conhecimento e na transformação do seu estilo de vida com o intui-
to de potencializar a capacidade de sentir/pensar/agir complexo; 2) Possibilitar
o autoconhecimento, a autocrítica, a tomada de consciência e autopoiése, por
meio de pesquisas e reflexões por meio de narrativas contextualizadas, histórias
de vida e histórias de formação, visto que se compreende o conhecimento como
autoconhecimento contextualizado; 3) Estudar o destino multifacetado do ser
humano, ou seja, o destino da espécie humana, o destino individual, o destino
social, o destino histórico, de modo entrelaçado e inseparável. Afim de pro-
mover a ampliação dos níveis de percepção do sujeito para que este se perceba
como sujeito multidimensional, que também é sujeito planetário. E assim, mobi-
lizá-lo por interesses coletivos planetários, qualificando o para pensar e agir em
prol do bem comum, da cidadania planetária, da dignidade humana, da paz, da
justiça social, da qualidade de vida sustentável no planeta Terra, e dessa forma
buscar se afastar desses tempos de individualismo, desapego e desamparo social
da modernidade líquida (BAUMAN, 2001); 4) Compreender que a significação
e a complexidade são relações simultaneamente antagônicas e complementares;
5) Reconhecer a pluralidade cultural, a multiplicidade de vozes e olhares na pro-
dução e disseminação do conhecimento nos mais diversos âmbitos; 6) Religar
cultura científica e cultura das humanidades, no intuito de ampliar a capacidade
de reflexão crítica e complexa sobre a realidade e a condição humana (ecolo-
gia dos saberes); 7) Educar para a resiliência frente a incerteza cognitiva e a
incerteza histórica, comprometendo-se com o presente e pensando prospectivo;
8) Promover a estratégia didática sentirpensar (MORAES; LA TORRE, 2018)
que mobiliza conjuntamente razão, emoção e corporeidade e possibilita a emer-
gência de novas relações com o conhecimento, com a natureza, as culturas e a

3 Os aspectos tratados aqui foram adaptados de Suanno (2015).

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transcendência; 9) Trabalhar a multidimensionalidade humana a partir de estra-
tégias de aprendizagem que envolvam não apenas os aspectos cognitivos, racio-
nais e técnicos, mas também os aspectos afetivos, simbólicos, intuitivos, míticos,
ou seja, as múltiplas vias que dão sentido e significado a existência humana; 10)
Promover processos e ensino com pesquisa, bem como processos e ensino com
pesquisa e extensão, a fim de construir metapontos de vista, metaconceitos e prá-
xis complexa e transdisciplinar; 11) Criar ambientes de aprendizagens saudaves,
ativos, interativos, auto-eco-organizadores, dialógicos, colaborativos, solidários,
de modo a favorecer o trabalho coletivo, a autonomia dos grupos e dos sujeitos
e que produza ecologia dos saberes e pensar complexo; 12) Criar representações
visuais de conceitos e dinâmicas de interação (fluxos, recursões, retroações, cir-
cuitos) que atendam a finalidade didática de construção do conhecimento trans-
disciplinar; 13) Favorecer processos de autoformação, heteroformação e ecofor-
mação; 14) Relacionar ciência, docência e consciência visando a ampliação da
capacidade de percepção e de ação docente; 15) Desenvolver a empatia, a escuta
sensível e o diálogo afetivo no processo didático e; 16) Promover metamorfose
social, individual e antropológica (MORIN, 2013), que permita transformar e
recriar o ser, a realidade e o conhecimento.
A listagem de aspectos trazidos por Suanno (2015) é uma composição de
intenções que geram interesse de nossa parte no âmbito formativo de modo a
constituir procedimentos de uma pesquisa futura na qual se pensa em colocar
em relevo tais orientações. Para tanto, tais indicações tem a função de nos fazer
pensar em um caminho a ser projetado para ações próximas.
O presente texto teve o intuito de apresentar algumas inquietações e obser-
vações acerca do ensino e da apropriação no âmbito disciplinar de metodologia
da pesquisa com foco em um curso de licenciatura. Partimos nossa inquietação
observando aspectos concernentes da época de graduandos, passando pelas la-
cunas das quais ainda nos fazem refletir sobre determinadas necessidades que, se
sanadas, podem colaborar com um percurso formativo que colabore com um fu-
turo profissional da educação que tenha uma visão complexa e transdisciplinar,
que ultrapasse uma olhar disjuntivo e redutor pois a sociedade na qual estamos
inseridos cada vez mais coloca em evidência a necessidade de uma integração
ainda maior diante dos desafios do homem contemporâneo.

REFERÊNCIAS
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão dos sistemas vivos. São
Paulo: Cultrix, 2002.

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Saberes e Partilhas
DEMO, P. Pesquisa – princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez, 2017.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. 58. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
IÑIGUEZ, M. Relexiones sobre la creatividad. 2001. Disponível em: https://
neuronilla.com/reflexiones-sobre-creatividad-marga-iniguez/. Acesso em: 20
jun. 2022.
LASZLO, E. Macrotransição – O desafio para o terceiro milênio. São Paulo:
Axis Mundi; Antakarana; Willis Harman Housa, 2001.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.
São Paulo: Parábola, 2008.
MORAES, M. C.; DE LA TORRE, S. Sentipensar. Fundamentos e estratégias
para reencantar a educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Wak, 2018.
MORIN, E. A via: para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2013.
MORIN, E. O método 1 – A natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2016.
MORIN, E. O paradigma perdido. Rio de Janeiro: Europa-América, 1988.
SUANNO, M. V. R. Educar em prol da macrotransição: emerge uma didática
complexa e transdisciplinar. In: BEHRENS, M. A.; ENS, R. T. (org.). Com-
plexidade e transdisciplinaridade: novas perspectivas teóricas e práticas para a
formação de professores. Curitiba: Appris, 2015. p. 199-213.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,
2014.

219
RELATO DE EXPERIÊNCIA EM TUTORIA
EM UMA SALA DE ARTICULAÇÃO DO
PROJETO PIBID VIVENCIADO POR UMA
ACADÊMICA DO CURSO DE PEDAGOGIA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
Eliani Silveira Viana1
Marlene Gonçalves2

1 INTRODUÇÃO

Esse artigo apresenta um relato de experiência acerca das vivências da


acadêmica Eliani Silveira Viana que participou do subprojeto: “Aprender e
Ensinar a ler e escrever em tempos de letratamento” do Programa de Iniciação
à Docência – Pibid Pedagogia/Cuiabá, na Escola Estadual Agenor Ferreira
Leão no segundo semestre de 2018, em uma sala de “Articulação”, que é um
projeto educacional voltado à atender alunos com problemas de aprendizagens.
Tratará ainda, de apresentar os objetivos do projeto Pibid. A metodologia adota-
da no desenvolvimento do programa de Articulação foi o Método Boquinhas ou
Visuo-articulatório. O programa atendia alunos desde o terceiro ano do ensino
fundamental I até o nono ano do fundamental II. A importância das ações de
projetos universitários para os acadêmicos é imprescindível para uma boa for-
mação, os quais estimulam aprendizagens significativas, promovendo uma refle-
xão acerca formação de professores e ainda, refletir sobre as práxis pedagógica
antes mesmo da sua formação ser concluída e ainda, algumas considerações
acerca das observações da acadêmica acerca dos comportamentos dos estudan-
tes atendidos no referido programa bem como a atuação da escola que o atende.
Esse artigo apresenta um relato de experiência acerca das vivências de
uma acadêmica que participou do subprojeto: “Aprender e Ensinar a ler e escre-
ver em tempos de letramento” do Programa de Iniciação à Docência sendo uma
ação da política nacional de formação de professores o qual, tem como finali-
dade, aproximar os discentes de licenciatura uma aproximação com o cotidiano

1 SME - Secretaria Municipal de Educação Cuiabá-MT - [email protected].


2 UFMT - Universidade Federal de Mato Grosso - [email protected].
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das escolas públicas fortalecendo assim, a formação docente e estimulando os
acadêmicos uma aproximação e estímulo pela profissão docente. O referido pro-
grama concede bolsas de iniciação à docência aos acadêmicos participantes de
projetos vinculados às escolas públicas com o intuito de incentivar a profissão
docentes bem como a valorização do magistério, elevando a qualidade na for-
mação inicial das licenciaturas, proporciona o contato com práticas metodoló-
gicas, tecnológicas e interdisciplinares que tem como foco principal a superação
de problemas que enfrentarão ao iniciarem sua jornada profissional após serem
inseridos no contexto educacional bem como dar visibilidade ao acadêmico so-
bre o processo de atuação teoria-prática.
Na Universidade Federal de Mato Grosso, esse programa acontece desde
o ano de 2010 e tem se tornado uma referência desde a primeira edição. Além de
aproximação com o cotidiano escolar, proporciona ainda uma reflexão acerca
das práticas docentes.
“Além disso também fortalece a relação dialogada entre Universidade e
escola, contribuindo para a articulação sistemática entre os docentes da
UFMT e professores da rede pública. Dessa forma, o PIBID também esti-
mula a compreensão das ações da universidade, embasada no tripé Ensino
Pesquisa e Extensão, e as possibilidades decorrentes de sua articulação com
a sociedade”. in https://www.ufmt.br/noticias/ufmt-conquista-642-bolsas-
-para-pibid-e-residencia-pedagogica-1591211177 acesso em 19/08/2019

PIBID/Pedagogia/Cuiabá, durante o segundo semestre de 2018, em uma


sala de “Articulação”, que é um projeto educacional voltado à atender alunos
com problemas de aprendizagens na Escola Estadual Agenor Ferreira Leão si-
tuada no bairro Tijucal – Setor III.
Trata, ainda, de relatar acerca da importância do projeto Pibid para a for-
mação acadêmica no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Gross.
O projeto Pibid é desenvolvido e patrocinado pelo Ministério da Educação
– MEC, que, firmando parceria com a Secretaria Estadual de Educação de Mato
Grosso e a Universidade Federal de Mato Grosso, insere os acadêmicos inscritos
no projeto, nas unidades escolares com baixo índice de desenvolvimento aca-
dêmico a fim de dar suporte educacional auxiliando e estimulando os alunos,
elaborando atividades especiais de recuperação das dificuldades e ainda, desen-
volvendo aprendizagens significativas para o exercício do magistério.
O referido programa ainda tem como objetivo, oferecer melhorias às es-
colas públicas que obtiveram baixos índices na avaliação IDEB fortalecendo as-
sim, a educação pública de qualidade ajudando os estudantes na superação de
suas dificuldades de aprendizagens.
A Coordenadora do subprojeto: “Aprender e Ensinar a ler e escrever em tem-
pos de letramento” é a Dr.ª Marlene Gonçalves, sob a supervisão da professora

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Josane Oliveira Nascimento de Oliveira, que tem como função, professora de
em uma sala de articulação denominada de laboratório de aprendizagens em
uma escola pública na cidade de Cuiabá-MT cuja função na escola ficou deter-
minada e denominada de “professora articuladora”.
Para que esta função seja exercida necessita de uma sala denominada
“sala de articulação” autorizada pela Portaria Nº 586/10/GS/SEDUC/MT:
Dispõe dos critérios para atribuição do professor articulador e professor da
sala de recursos multifuncionais das Unidades Escolares da Rede Estadual
de Ensino considerando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nº. 9.394/96 e Lei Complementar nº. 49/98; considerando ainda as
Resoluções do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Estadual
de Educação de Mato Grosso que defini critérios para atribuição de clas-
ses e/ou aulas nas funções de professor articulador, de professor da sala
de superação e de professor da sala de recursos multifuncionais in https://
www.cuiaba.mt.gov.br/upload/arquivo/13%20-%20PORTARIA%20
%20586.pdf, acesso em 21/08/2019.

A escola estadual Agenor Ferreira Leão, atende alunos a partir do pri-


meiro ano do fundamental I até o nono do fundamental II. Essa unidade de
ensino foi escolhida pela Secretaria de Estadual de Educação – Seduc, detidas
no vido as baixas notas obtidas no Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB) sendo um aferido da qualidade educacional do país e ainda, o
fluxo e as médias de desempenho nas avaliações calculando a partir dos dados
de aprovação os quais, são obtidos por meio de censo escolar e das avaliações
Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). O referido índice é também o
que conduz as políticas de qualidade da educação básica.
Os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem em leitura, es-
crita e matemática, são atendidos pela professora articuladora que introduz uma
aprendizagem direcionada (específica) para cada aluno participante do progra-
ma de superação das dificuldades.
Essa escola está localizada n Rua 314, bairro Tijucal – Setor III, Cuiabá-
MT, e possui 621 alunos (segundo dados do Censo Escolar de 2018) em Ensino
Fundamental I e Ensino Fundamental II que atende em dois turnos, matutino
e vespertino.
A referida escola constava na relação da CAPES, como uma das possíveis
escolas a ser atendida pelo Programa de Iniciação à Docência, devido à baixa nota
obtida no Índice do Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, situação que está
de acordo com o objetivo do programa que é oferecer melhoria às escolas públicas
com notas baixas no IDEB, além também de incentivo à carreira do magistério.
Neste texto quero expressar minha experiência como participante do
PIBID durante o segundo semestre de 2018.

222
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas

2. LABORATORIO DE APRENDIZAGENS

A sala de aula destinada ao espaço de reforço e/ou apoio das atividades


escolares nas disciplinas de língua portuguesa e matemática foi denominada de
laboratório de aprendizagens sendo um espaço exclusivo para atender alunos com
dificuldades de aprendizagem, e que precisam acompanhar os conteúdos traba-
lhados em suas respectivas séries. O laboratório de aprendizagem é também co-
nhecido como sala de articulação, e ficou sob a responsabilidade da professora
articuladora. A articuladora da mencionada escola era a professor Josane Oliveira
Nascimento de Oliveira, sendo também a supervisora do PIBID. A articuladora
realiza atividades diferenciadas à necessidade de cada aluno que obtiveram baixo
rendimento na escrita, leitura, interpretação de texto e matemática e que neces-
sitam de superação atendimento esse que são desenvolvidos no laboratório de
articulação e que foram realizados “exclusivamente” à cada estudante.
O referido laboratório conta com recursos didáticos variados tanto na lei-
tura e escrita (alfabetização) quanto nos conhecimentos matemáticos (alfabeti-
zação matemática). A professora articuladora realiza atividades de intervenção
pelo período de duas (2) horas e o atendimento de cada estudante teve uma
frequência de dois dias por semana.
A maioria dos alunos que frequentavam o referido laboratório de apren-
dizagens já se encontravam na escola no período de atendimento e eram chama-
dos para irem à sala realizar as atividades de intervenção. Haviam poucos que
frequentavam no contra turno. Quando perguntado o porquê desse atendimento
naquele horário, a resposta foi que a maioria não comparecia às aulas de contra
turno sendo que a motivação se dava por conta de as famílias responsáveis pelas
crianças não possuíam tempo hábil para leva-los em horário diferenciado de sua
aula referência.
A professora articuladora trabalha na área da alfabetização e utiliza
como metodologia de aprendizagens o “Método Boquinhas”, que foi desenvol-
vido por Renata S. R. Jardini (fonoaldióloga) e Viviane Guimarães (profes-
sora de língua portuguesa) que possui também outra denominação: “Método
Fonovisuoarticulatório”.
O Método das Boquinhas foi desenvolvido por Renata Jardini, inicial-
mente para reabilitar os distúrbios da leitura e escrita, mas sendo atualmente
usado em salas de aula regulares, consultórios, escolas especializadas e APAE
em todo território nacional. O método, sendo multissensorial, alia os fonemas
e grafemas juntamente com os articulemas, ou seja, ao gesto da boca quando
fala as palavras, e que segundo a autora do método, promove resultados rápidos
na aprendizagem. O referido método é um processo de consciência fonológi-
ca, que processa o auditivo e o visual orientando a coordenação visuomotora,
223
D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
orientação visuoespacial e desenvolvimento cognitivo, promovendo o início do
aprendizado da leitura e escrita e, porventura, lidar com seus desequilíbrios.
A metodologia utilizada pela professora (Método Boquinhas) trata-se do
método sonoro de alfabetização utilizados no Brasil desde o século XVIII sendo
conhecido como o Método Sintético de alfabetização.
Conforme discussão da Revista Nova escola o referido método:
“É considerado o mais antigo método. A proposta é que o indivíduo
aprenda os nomes das letras, reconheça-as fora da ordem alfabética e, por
fim, tente redescobri-las em palavras ou textos, a partir da soletração...Foi
Desenvolvido na França e na Alemanha, parte da relação direta entre o
fonema e o grafema. Começa sempre dos sons mais simples para os mais
complexos, das vogais para as consoantes. Por fim, formam-se as sílabas
e as palavras...Há várias maneiras de apresentar os fonemas, partindo de
palavras significativas para os alunos ou relacionando uma palavra a uma
imagem e a um som. Há exemplos na clássica Cartilha Nacional, do sécu-
lo 19”. In (Isabel Frade, Maria José Nóbrega in Revista Nova Escola” in
https://novaescola.org.br/conteudo/17568/o-be-a-ba-dos-metodos-de-
-alfabetizacao 10/09/2019

Segundo as consultoras da revista, há uma desvantagem em relação a esse


método no sentido de que a língua portuguesa é complexa e possui letras com
fonemas muito similares o que a compreensão causando confusão na criança
que aprende com essa metodologia
Na nossa língua, as relações entre letras e sons variam muito. Uma mesma
letra pode representar diferentes sons e vice-versa. O sistema de escrita é uma re-
presentação complexa, e a abordagem fônica, sozinha, pode não dar conta dela.
Foi utilizado como metodologia de leitura um temporizador confecciona-
do pela professora com material descartável e que imita uma ampulheta.
Durante o período que participei do PIBID, juntamente com a professora
articuladora realizei atividades de intervenção com os alunos com dificuldades
de aprendizagem especialmente, em português e matemática. O número de alu-
nos atendidos diariamente chega a uma média de 6 a 12 contando com aproxi-
madamente 40 discentes que participam desse projeto.
Ressaltamos que alguns alunos necessitam de atenção nos aspectos fami-
liares, socialização e interação do cotidiano intraescolar.
Geralmente os alunos já estão na escola e saem da sala de aula em seu
horário de aula normal, mas também há alguns que são atendidos no contra
turno. Essa proposta de saírem da sala de aula aconteceu devido à baixa adesão
dos alunos no programa de articulação já que não dispunham da presença dos
pais para acompanhá-los até a escola no contra turno.
Antes de estarmos na escola, são realizadas reuniões pedagógicas na
universidade a fim de promovermos um debate acerca das observações da aula

224
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
anterior e ainda, qual a melhor metodologia a ser aplicada em cada atividade
que seria desenvolvida com os alunos de acordo com as suas necessidades.
No momento de iniciar as atividades de articulação a docente responsável
pelo laboratório se dirige a cada uma das salas convocando os alunos e orientan-
do-os que se dirijam à sala especificada a fim de dar início às aulas diversificadas.
Ressaltamos ainda, que alguns alunos se sentiam incomodados por serem chama-
dos ao horário de aula já que os colegas faziam chacota com eles por considerem
que os mesmos estariam em condições inferiores de aprendizagem se comparando
ao nível de aprendizagem dos demais alunos da mesma turma.
Outras metodologias aplicadas foram jogos matemáticos com as quatro
operações: cada estagiária ficava com uma dupla de alunos que competiam entre
si e aquele que obtivesse o maior número de acertos era o vencedor da rodada
e assim, trocavam de pares ficando vencedor com vencedor para nova rodada.
A alfabetização matemática é bastante privilegiada no projeto o que de-
monstra ser essa a maior dificuldade dos alunos nessa escola. Entretanto, ainda
tem as crianças com dificuldades de leitura e escrita.
Entre as diversas atividades que desenvolvidas foram pelas acadêmicas do
projeto Pibid destacou-se: Leitura de textos e encontrar palavras com as letras:
Z, X, CH e SC, Banco de palavras e produção de 4 frases criativas, Leitura com
o temporizador (ampulheta) que foi confeccionado pela professora com material
reciclado (garrafas pet).
Desenvolvemos ainda, atividades de gramaticais com a escrita de frases
com as sílabas sa, se, si, so, su. As atividades eram desenvolvidas com textos
soltos e não se utiliza de uma leitura mais complexa.
Atividades de reforço como multiplicação, adição, subtração e divisão são
desenvolvidas de acordo com o grau de aprendizado de cada aluno e as crianças
fazem uso do material dourado para auxiliá-los nas aprendizagens. O desenvol-
vimento da superação nas aprendizagens da matemática mostrou-se satisfató-
rios pela professora articuladora que segundo nos relatara os professores de área
consideraram satisfatório o desempenho dos discentes após a inserção deles na
articulação.
Ao final do ano letivo foi realizada uma formatura simbólica com os/
as estudantes participantes do projeto de articulação realizando uma breve ce-
rimônia e uma festinha em comemoração que foi extremamente satisfatória e
significativa para os discentes que desejavam a superação de suas dificuldades e
assim, esse momento culminou com a frase: “Dispensados da Articulação”, os
alunos receberam ainda, um certificado simbólico.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos durante o tempo que estivemos participando desse projeto


que nem todos os alunos possuíam realmente dificuldades de aprendizagem
mas, talvez, uma questão de antipatia com determinadas disciplinas ou ainda,
pudesse ser uma questão de sociabilidade e interatividade na turma em que es-
tava lotado à exemplo de um aluno que observamos que apresentava um ex-
celente desempenho na sala de articulação mas quando as aulas eram em sua
turma o mesmo apresentava-se apático e pouco disposto. Tratava-se de um alu-
no que aparentava ser tímido e pouco interagia nos espaços sociais da escola.
Entretanto, quando iniciamos nossa atuação na sala de articulação o mesmo
apresentou-se bem disposto demonstrando que não possuía tantas dificuldades
de aprendizagem como havia sido relatado pelos profissionais daquela escola.
Percebemos que, conforme o socio-interacionismo afirma, os fatores sociais e
de relacionamento podem interferir gravemente nas aprendizagens sendo muito
difíceis de solucionar se comparadosaà fatores exógenos e/ou construtivista.
Percebemos no decorrer do desenvolvimento do projeto que os/as discen-
tes participantes sentiam-se constrangidos/as ao serem retiradas de sua sala de
aula habitual para irem ao laboratório. Por se tratar de pré-adolescentes e/ou
adolescentes, o que causa baixa autoestima ao serem vistos como “as crianças
que precisam de reforço” pelos pares discentes. Também, o fato de não assisti-
rem as aulas em seu período de estudo normal ocasionava perda de aprendiza-
gens que deveriam estar sendo obtidas. Percebemos que a intensão do projeto é
louvável, mas, a escola necessita rever sua atuação e uma forma de abrigar esses
discentes em seu contra turno oferecendo um meio de permanecer na escola já
que seus familiares alegavam não ter disponibilidade de tempo em leva-los em
horário diferenciado.
Por fim, essa participação no PIBID foi um fator importante no processo
de formação inicial conforme destaca Nóvoa (2003, p. 5) in Araújo, Ramos e
Soares (2015) que traz uma reflexão sobre a importância da formação inicial de
professor dizendo que:
É evidente que a Universidade tem um papel importante a desempenhar
na formação de professores. Por razões de prestígio, de sustentação cien-
tífica, de produção cultural. Mas a bagagem essencial de um professor ad-
quire-se na escola, através da experiência e da reflexão sobre a experiência.
Esta reflexão não surge do nada, por uma espécie de geração espontânea.
Tem regras e métodos próprios. (Nóvoa, 2003, p.5)

Ressaltamos que a experiência no referido projeto proporcionou um olhar


docente e uma atuação reflexiva para quando, assumindo o magistério, possa-
mos ter uma visão socializadora e acolhedora tornando a escola um espaço de

226
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
cidadania e superação dos desafios impostos na vida dos/das discentes bem
como dos/das docentes.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Frade e Nóbrega in https://novaescola.org.br/conteudo/17568/o-be-a-ba-dos-
-metodos-de-alfabetizacao. Acesso em 20/09/2019.
Gomes, Delarim Martins, Gestão Pedagógica e seus os Mecanismos, Escola de
Gestores da Rede Municipal de Cuiabá-MT, 1ª Edição, 2019, in https://drive.
google.com/file/d/1adTIjBKw1Wn-caZ9BeX43KuoXgYLeLwh/view, acesso
em 24/08/2019.
Nóvoa, (2003, p. 5) in Araújo, Ramos e Soares (2015).
Paro, Vitor Henrique, Diretor Escolar, educador ou gerente? 2015, p. 67, Ed.
Cortez, 1ª Edição.
Portaria Nº 586/10/GS/SEDUC/MT http://www.cuiaba.mt.gov.br/upload/
arquivo/13%20%20PORTARIA%20%20586.pdf.
BRASIL, Ministério da Educação MEC, 2019. in http://portal.mec.gov.br/
pibid acessado em 10/09/2019.
BRASIL, Ministério da Educação MEC, 2019. in http://portal.mec.gov.br/
pibid, acessado em 10/09/2019.
BRASIL, DECRETO Nº 7.219, DE 24 DE JUNHO DE 2010. https://www.
ufmt.br/noticias/ufmt-conquista-642-bolsas-para-pibid-e-residencia-pedagogi-
ca-1591211177 acesso em 10/09/2019.

227
A IMPORTÂNCIA DA ARTETERAPIA
NAS PRÁTICAS INTEGRATIVAS E
COMPLEMENTARES DE SAÚDE
Elizabete Adelaide da Silva1
Dirce Maria da Silva2

1 INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde define saúde como “um estado de


completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e
enfermidades”. A saúde então deve ser vista numa ótica biopsicossocial, ampla,
e não apenas sob um olhar reducionista de cunho biologizante.
A Constituição Federal de 1988 considera a saúde “direito de todos e de-
ver do Estado”. Para garantir esse direito, foi criado o Sistema Único de Saúde3,
instituto cujos pilares são a universalidade, a igualdade de acesso e a integrali-
dade no atendimento, conquista social de importância indiscutível no país, pois
antes dele, apenas pessoas com vínculo formal de emprego ou que estavam vin-
culadas à Previdência Social poderiam dispor dos serviços públicos de saúde.
A integralidade diz respeito a uma compreensão mais abrangente do ser
humano que se pretende cuidar. O conceito busca atender à determinação cons-
titucional, segundo a qual, o Sistema Único de Saúde deve estar preparado para
ouvir o usuário, compreender o contexto social em que ele está inserido e, a
partir daí, atender às suas demandas e necessidades, sobretudo para a prevenção
de doenças ou agravos de saúde.
Nesse sentido, a Política Nacional de Práticas Integrativas e

1 Pós-Graduada em Musicoterapia com ênfase em Práticas Integrativas na área da Saúde


e em Arteterapia em Educação e Saúde. Graduada em Estudos Sociais com habilitação
em História (Licenciatura Plena) pela UPIS/DF. Pesquisadora. E-mail: betaadellaide@
hotmail.com.
2 Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Violência pelo Centro Universitário Euroamerica-
no/DF. Pós-Graduada em Gestão Pública e Negócios pelo IFB-Instituto Federal de Brasília;
Pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional; Língua Inglesa; Educação a Distân-
cia. Graduada em Letras Português/Inglês com suas respectivas Literaturas; Graduada em
Pedagogia – Séries Iniciais/Supervisão e Orientação. Bacharel em Administração. Professora
universitária e da Educação Básica. Pesquisadora. E-mail: [email protected].
3 O Sistema Único de Saúde foi criado pela Lei Federal nº 8080/1990.
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
Complementares no Sistema Único de Saúde surgiu, para atender também aos
princípios norteadores do Sistema, que traz como objetivos: apoiar, conhecer,
incorporar, implementar e incentivar experiências que já vinham sendo pra-
ticadas em todo o território brasileiro. A implantação ou implementação das
Práticas Integrativas visa à melhoria de possibilidades de acesso aos serviços, de
maneira mais equânime (BRASIL/PNPICS, 2006).
A partir de 2015 ocorreu a ampliação de modalidades integrativas ofere-
cidas à população, dentro das ações direcionadas à procura de um atendimento
mais humanizado. A ação foi institucionalizada através da Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares de Saúde, cujas modalidades são consi-
deradas tecnologias transdisciplinares e intersetoriais, que abordam o ser huma-
no nas dimensões física, emocional, social e espiritual.
Nesse sentido, o presente texto tem como objetivo discorrer sobre a im-
portância da inclusão da Arteterapia, terapêutica complementar de cuidado e
modo de promoção de saúde, apta a cuidar do ser humano em sua totalidade,
que passou a integrar o rol das técnicas alternativas das Práticas Integrativas do
Sistema Único de Saúde no país.

2. AS PRÁTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES EM SAÚDE

As Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PICS) compreen-


dem técnicas de tratamentos que abarcam sistemas médicos complexos, utili-
zando recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, também
denominados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como medicinas tra-
dicionais e complementares (WHO/OMS, 2002; PNPICS, 2006).
No Brasil, a legitimação e institucionalização das Práticas Complementares
teve início nos anos de 1980, principalmente, após a descentralização do
Sistema Único de Saúde (SUS), que promoveu o aumento da autonomia esta-
dual e municipal na área da saúde. Em 1985 foi celebrado o Primeiro Ato de
Institucionalização da Homeopatia na rede pública do país.
Os marcos teóricos para a ampliação da Política Nacional de Práticas
Integrativas de Saúde (PNPICS-SUS) são vários, mas destaca-se o documen-
to da OMS publicado em 2002 com o título Traditional Medicine Strategy 2002-
2005 e, no mesmo sentido, a produção do Diagnóstico Nacional da Oferta de
Práticas Complementares no SUS, além da criação de grupos multiinstitucio-
nais de trabalho, para tratar da Homeopatia, da Medicina Tradicional Chinesa,
da Acupuntura, da Medicina Antroposófica, Plantas Medicinais, Fitoterapia,
entre outras modalidades (WHO/OMS, 2002/2005; PNPIC/SUS/MS, 2006).
As PICS foram institucionalizadas no Sistema Único de Saúde por meio

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da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares de Saúde4 apro-
vada pela Portaria GM/MS nº 971, de 3 de maio de 2006. Em 2015 houve a
aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no
SUS: atitude de ampliação de acesso (PNPICS-SUS, 2015).
As Práticas visam prevenir doenças como depressão, hipertensão e trans-
tornos diversos, auxiliando na promoção da qualidade de vida e manutenção
do bem-estar. Em alguns casos podem ser usadas como tratamentos paliativos
para algumas doenças crônicas. Os atendimentos começam na Atenção Básica,
principal porta de entrada para o SUS. Suas ações são direcionadas à garantia da
integralidade no atendimento, um dos três pilares de sustentáculo do SUS, vol-
tado para atenção à saúde básica e promoção da humanização do atendimento
integral ao usuário (BRASIL/PNPICS, 2015; ROSEGHINI, 2019).
O desenvolvimento das PICS está ancorado em racionalidades diferen-
tes dos modelos mecanicista, racionalista e reducionista, e conforme Roseghini
(2019), envolve conceitos filosóficos ampliados sobre a compreensão do proces-
so saúde-doença e a promoção global do cuidado e do autocuidado, pois elas são
compreendidas como abordagens que buscam estimular os mecanismos naturais
de prevenção de agravos e recuperação da saúde.
Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece 29 procedimen-
tos de Práticas Integrativas e Complementares à população. Estão dentre elas
a Medicina Tradicional Chinesa, a Homeopatia e a Medicina Antroposófica,
além de outros recursos terapêuticos que respondem a uma visão ampliada do
processo saúde-doença, com vistas à promoção global do cuidado (PNPICS,
2015; ROSEGHINI, 2019; SILVA E SILVA, 2022, p. 26).
Em relação às diretrizes das PNPICS para o SUS, são enfatizadas, dentre
outras:
(I) A prevenção de agravos e a promoção e recuperação da saúde, com ênfase na
atenção básica, voltada para o cuidado continuado, humanizado e integral em
saúde; (II) a contribuição ao aumento da resolubilidade e a ampliação do aces-
so, garantindo qualidade, eficácia, eficiência e segurança no uso; (III) a promo-
ção e racionalização das ações de saúde; (IV) o estímulo das ações de controle/
participação social, promovendo o envolvimento responsável e continuado dos
usuários, gestores e trabalhadores da saúde (PNPIC/SUS/MS, 2006).

4 Políticas Públicas: Não há uma conceituação única para o termo. Mead (1995) a define
como campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões
públicas e Lynn (1980) como um conjunto de ações do governo que irá produzir efeitos
específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos
governos, que agem diretamente ou por delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos.
Políticas Públicas associam diversas áreas de estudos, dentre elas a Administração Pública
e a Ciência Política, Sociologia, Antropologia, Relações Internacionais, Direito, Psicolo-
gia Social, Demografia, Economia e a História, uma vez que a natureza de seu objeto é
multidisciplinar (In: SILVA, 2017, p. 56).

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Nesse sentido, as Práticas Integrativas vêm juntar-se à oferta de serviços,
numa perspectiva holística, não excludente, com vistas à promoção, além do
cuidado, da prevenção de agravos e tratamento de doenças.
A Coordenação Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, na
apresentação de seu Relatório de Gestão 2006-2010, informa que a OMS avaliou
os índices de utilização, investimentos em pesquisas, características de consumo
e a institucionalização das PICS nos últimos dez anos, e estabeleceu metas para
a ampliação de sua utilização na Atenção Primária à Saúde (BRASIL, 2010, p.
4; RODRIGUES, 2011).
É importante salientar que as PNPICS no Brasil são reconhecidas
internacionalmente pela OMS como experiência de referência na implantação
de medicinas tradicionais e complementares em um sistema nacional de saúde,
sendo esse um dos principais motivos pelos quais essas práticas são incorporadas
de forma integral e não apenas como formas de estrutura alternativa ao SUS
(GODOY & DITTRICH, 2018; ROSEGHINI, 2019).
Por conseguinte, em 2015 houve a inclusão da Ayurveda, da Biodança,
Dança Circular, Meditação, Musicoterapia, Naturopatia, Osteopatia,
Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia Comunitária Integrativa e
Yoga, na PNPICS/2015, tornando-as novas modalidades da política nacional.
Em seguida, a Portaria Ministerial GM/MS nº 849/2017 ampliou ainda
mais a oferta de práticas integrativas, incluindo também no rol de novas ofertas,
a Arteterapia, modalidade apta a cuidar do ser humano em sua totalidade, em
consonância com a visão integrativa e complementar da nova cultura voltada
para a grande área médica.

3. A IMPORTÂNCIA DA ARTETERAPIA NAS PRÁTICAS INTE-


GRATIVAS COMPLEMENTARES DE SAÚDE

O Glossário Temático5 das PNPICS define Arteterapia como “prática


expressiva artística, visual, que atua como elemento terapêutico na análise do
consciente e do inconsciente e busca interligar os universos interno e externo do
indivíduo, por meio da sua simbologia, favorecendo a saúde física e mental”.
Quanto ao uso da Arte, atividade estética que não se limita ao campo da
produção artística, pressuposto inicial da terapêutica, o Glossário explica a res-
peito do termo, ampliando o entendimento sobre o que é Arteterapia
A Arte livre conectada a um processo terapêutico, transformando-se numa
técnica especial, não meramente artística, que pode ser explorada com fim

5 MS-GLOSSÁRIO TEMÁTICO-Política Nacional de Práticas Integrativas e Complemen-


tares no SUS – Arteterapia. Disponível em: https://aps.saude.gov.br/ape/pics/praticasin-
tegrativas Acesso em: 22/06/2022.

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em si mesma (foco no processo criativo, no fazer) ou na análise/investi-
gação de sua simbologia (arte como recurso terapêutico), que utiliza ins-
trumentos como pintura, colagem, modelagem, poesia, dança, fotografia,
tecelagem, expressão corporal, teatro, sons, músicas ou criação de perso-
nagens, usando a arte como uma forma de comunicação entre profissional
e paciente, em processo terapêutico individual ou de grupo, numa pro-
dução artística a favor da saúde (BRASIL/MS/PNPICS/GLOSSÁRIO
TEMÁTICO, 2022).

Nesse mesmo sentido, Arteterapia é, conforme a Associação Brasileira de


Arteterapia “um modo de trabalhar utilizando a linguagem artística como base
de comunicação cliente/paciente-profissional”, notabilizando-se como área hí-
brida com base mais fortemente delimitada pela Arte e pela Psicologia.
Independente da gama de conceitos que se complementam e auxiliam na
promoção da importância da Arteterapia, Schambeck (2004) nos explica que, para
chegarmos à Arte como ferramenta terapêutica, um longo caminho foi percorrido.
O surgimento da Arteterapia está atrelado ao desenvolvimento científico
que correlacionou diversas áreas de conhecimento, numa interconexão transdis-
ciplinar voltada ao atendimento de pessoas necessitadas de autoconhecimento,
algo que pode auxiliar na busca e alcance do bem-estar, a partir dos recursos
oriundos da História, da Arte, da Psiquiatria, e também das bases psicanalíticas
de Sigmund Freud, mas, sobretudo, a partir do conceitos de imagem e símbolo
amplamente estudados por Carl Gustav Jung e divulgados por ele, a partir de
meados do século XX.
De acordo com Reis (2014), embora possa ser desenvolvida a partir de di-
ferentes referenciais teóricos, a Arteterapia se define em todos eles por um ponto
em comum: o uso da Arte como meio para a expressão da subjetividade. E nesse
sentido, conforme Ciornai (1995), “sua noção central é que a linguagem artísti-
ca reflete, em muitos casos, mais do que a verbal, nossas experiências interiores,
proporcionando uma ampliação da consciência acerca dos fenômenos subjetivos.
Carl Gustav Jung, médico psiquiatra, fundador da psicologia analítica,
foi o primeiro a utilizar a Arte em consultório e a priorizar a expressão artística
e verbal como componentes de cura. Ex-aluno de Freud, após desenvolver sua
teoria, a Psicologia Analítica, começou a usar a linguagem artística associada à
psicoterapia. Para Jung, a simbolização do inconsciente individual e do coletivo
ocorre na Arte (JUNG, 1912/2007; VON FRANZ, 2007).
No Brasil, dentre vários outros pesquisadores que foram importantes para
o desenvolvimento da Arteterapia em solo brasileiro, está Nise Magalhães da
Silveira, médica psiquiatra que revolucionou o tratamento mental no Brasil. Ela
foi aluna de Jung. Silveira manifestava-se contra as formas agressivas de trata-
mentos, como o eletrochoque e a lobotomia, existentes à época. Pioneira na

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Saberes e Partilhas
busca do valor terapêutico dos tratamentos, legou inestimáveis pesquisas para o
campo da Arteterapia no país.
Por conseguinte, de acordo com as bases analíticas psicológicas jun-
guianas, através da arte o homem comunica de forma simbólica o que está no
seu consciente e inconsciente, por meio de técnicas e de expressões criativas,
e, nesse sentido, desenvolveu-se a abordagem terapêutica da Arteterapia, fun-
damentada nos campos da Psicologia, da Filosofia e da Arte, principalmente
(SCHAMBECK, 2004).
O Criativo é o fator que alimenta cada fase do trabalho com ambiência, com
a exploração das sensações, por meio dos materiais expressivos, pela motivação,
pelo acolhimento, mobilizando a energia psíquica do indivíduo para o “fazer”, de
modo que “a cada produção expressiva que transforma um material, “analoga-
mente aconteçam transformações no nível psíquico” (PHILIPPINI, 2000, p. 20).
Isso se dá por que “através da expressão artística, o indivíduo pode pro-
duzir imagens que representam seu mundo interior ou exterior e sua maneira de
percebê-lo” (SANTANA, 2000). De acordo com Maira Sei (2011), a estratégia
de intervenção arteterapêutica visa,
Promover qualidade de vida ao ser humano por meio da utilização dos re-
cursos artísticos advindos principalmente das Artes Visais, mas com aber-
tura para um diálogo com outras linguagens artísticas. Foca-se o indivíduo
em sua necessidade expressiva e busca-se ofertar um ambiente propício ao
surgimento de uma expressividade espontânea e portadora de sentido para
a vida (SEI, 2011, p. 7-8).

Assim, o trabalho artístico terapêutico se destina a criar oportunidades


de pôr para fora vivências anímicas inconscientes, de projetá-las exteriormen-
te, a fim de permitir sua conscientização, autoconhecimento e transformação
(HEIDE, 1987, p. 29).
Isso é possível porque a Arteterapia possibilita ao paciente/cliente, sentir-
-se parte de um todo, do mundo, sentir-se cidadão/artista, ao mesmo tempo em
que propicia uma comunicação intersubjetiva eficaz entre ele e o arteterapeuta,
entre ele e os outros, quando desenvolvida em grupos, por meio da música, da
pintura, do desenho, pois a expressividade suscita esclarecimentos e novas pers-
pectivas para o indivíduo, possibilitando indagações sobre a criação, autoconhe-
cimento e mudança (CIORNAI, 2004).
A Arteterapia possibilita igualmente a liberação das tensões nervosas e
propicia momentos de prazer no fazer artístico. Também devolve a autoestima
e o poder de criar, porque o trabalho com a Arte revela novas possibilidades de
vida e promove a independência e flexibilidade do pensamento, com vistas à
solução de problemas cotidianos (SCHAMBECK, 2004).
Por meio do criar e do refletir sobre os processos e trabalhos artísticos
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resultantes, pessoas podem ampliar o conhecimento de si e dos outros, aumentar
sua autoestima, passando a lidar melhor com sintomas de estresse e experiências
traumáticas, passando a desenvolver, por conseguinte, recursos físicos e cogniti-
vos por meio do entendimento de si e a desfrutar do prazer revitalizante do fazer
artístico.
A Arteterapia trabalha o emocional, que é composto pelo estado de equi-
líbrio e os aspectos da razão e da emoção. Também o lado simbólico, composto
pelo estado de sentimento evolutivo, cujos aspectos são as crenças e valores.
Além do estado psicanalítico, estado de psique humana composto pelo real e
irreal (REIS, 2014).
Desse modo, conforme Schambeck (2004), a Arteterapia é um recurso
que possibilita a reconciliação do homem com suas raízes mais profundas, como
ser íntegro e total, tornando-o capaz de atingir o prazer no fazer e no viver. Por
conseguinte,
Essa reconciliação é um direito e uma necessidade do ser humano. Desse
modo, incentivar o indivíduo, a criança, adolescente, o idoso, por meio de
processos que possibilitem exercitar a sua sensibilidade artística, é abrir-lhes
caminhos de renovação espiritual, através da vitória da originalidade sobre
o hábito, da ousadia sobre o conformismo (SCHAMBECK, 2004, p. 43).

Por conseguinte, o trabalho arteterapêutico estimula e sugere experimen-


tos para a descoberta do desconhecido, de novos caminhos, a partir das próprias
construções individuais.
Nesse mesmo diapasão, Soares (2020) nos explica que a Arteterapia se
enquadra como uma das alternativas que pode auxiliar também no tratamento
de outros transtornos e síndromes. A favor do método arteterapêutico, tem-se
que a Arte é inclusiva, sendo possível de ser realizada, por exemplo, com uma
folha de papel, como no caso do origami.
Isso ocorre porque através da Arte acontecem abordagens terapêuticas di-
versas, que preconizam em suas práticas, respiração profunda, consciência de si,
relaxamento corporal, meditação sonora ou em silêncio, imaginação ativa, que
auxiliam na saída de estados ordinários de consciência e facilitam o mergulho
em níveis psíquicos mais profundos.
Dessa forma, conforme Casabella (2018), “a Arte potencializa capacida-
des e habilidades novas, ajuda na aceitação de si, estimula o cognitivo, fortalece
o sentido de autoestima e pertencimento”, porque traz como possibilidades a
exploração de recursos expressivos com liberdade, em seus espaços de vivência
compartilhada.
Sendo a expressividade uma necessidade primordial ao ser humano, a pre-
sença dessa dimensão dentro do processo arteterapêutico, serve de ferramenta

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Saberes e Partilhas
e suporte para a interpretação da realidade, assim como para a exposição de
afetos, desafetos e da cognição, ajudando, inclusive, na promoção da integração
corpo e mente.
No processo de criação estão presentes experiências vividas pelas pessoas,
suas fantasias, ideias, desejos, pensamentos, angústias, experiências que podem
ser externadas por meio dos recursos artísticos em contextos terapêuticos. Assim,
conforme Ruy de Carvalho e Ciornai, a Arte é terapêutica. O processo do fazer
artístico tem o potencial de cura quando o cliente é acompanhado pelo artetera-
peuta6 que com o paciente/cliente constrói uma relação que facilita a ampliação
da consciência e do autoconhecimento, possibilitando mudanças na autoestima
e no autocuidado (CARVALHO, 2000; CIORNAI, 1995; CIORNAI, 2004, p. 7).
É necessário, portanto, o conhecimento acerca das relações entre Arte,
Psicologia Analítica e expressão criativa, sob o olhar da Arteterapia, com toda sua
vasta gama de investigação e contribuição, enquanto área de conhecimento que
ganha cada vez mais visibilidade acadêmica e profissional, com vistas ao equilí-
brio, autoconhecimento, autoestima, ajustes emocionais e capacidade de enfrenta-
mento aos mais diferentes conflitos internos das pessoas e das relações humanas.
De acordo com excerto do Projeto de Lei que regulamenta a profissão do
Arteterapeuta, “a implementação da Arteterapia se traduz em uma forma eficaz
para resolução de conflitos pessoais. Traz a possibilidade da catarse emocional,
de forma direta e não intencional, desenvolvendo programas de prevenção, pro-
moção da saúde e qualidade de vida” (BRASIL. PL Nº 3.416/2015).
Mediante isso, vê-se que, por meio do exercício da expressividade artística
e pessoal, os clientes podem observar novos sentidos, percepções, divertirem-se,
promover uma reforma íntima, uma busca de si, desenvolvendo, pelo entendi-
mento, atitudes de maior resistência, e mais esperança.

4 CONSIDERAÇÕES

A despeito das discussões de cunho linear e base positivista em torno da


definição do termo “saúde”, um atendimento humanizado, que promova mais
atenção à subjetividade, pode contribuir de forma mais efetiva na busca do pilar
do atendimento integral proposto pelo SUS e políticas públicas subjacentes da
grande área da saúde.
A expansão das PICS amplia o olhar sobre o cuidado, conquistando uma
dimensão maior e mais abrangente na atualidade, pois enfatiza, dessa forma,
não só as necessidades biológicas, mas também as necessidades emocionais,

6 PL nº 3.416/2015 propõe a regulamentação da profissão de Arteterapeuta: PL nº


3.416/2015. Disponível em: UBAAT - https://www.abcaarteterapia.com/codigo-de-eti-
ca e ABCA - https://www.abcaarteterapia.com/codigo-de-etica Acesso em: 22/06/2022.

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psicológicas, sociais e espirituais, dimensões que contribuem para o surgimento
de patologias. Esse paradigma emergente é também chamado de Holismo.
O paradigma holístico, do grego holos nos reporta a um reencontro univer-
sal entre as ciências e tradições de sabedoria, que nos dá a ideia das propriedades
de um sistema coeso e efetivo. Nesse sentido, deixamos aqui um pensamento de
Fernando Pessoa, que nos diz: “Para ser grande, sê inteiro; nada teu exagera ou exclui.
Sê todas as coisas. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda
brilha. Porque alta vive.”
O enquadramento arteterapêutico representa, dessa forma, significativa e
necessária importância voltada para uma maior compreensão de aspectos subja-
centes ao desenvolvimento humano; de novas técnicas para a promoção da saú-
de, que nos auxiliam a sair da perspectiva reducionista, de vertente unicamente
curativista e caminhar para a prevenção, o cuidado e o autocuidado, objetivo
que pode ser alcançado pelas Práticas Integrativas Complementares de Saúde,
promovendo-as também em ambientes de trabalho, escolas e universidades.
É importante salientar que as Práticas Integrativas e Complementares não
substituem o tratamento tradicional. Elas são um adicional, um complemento
no tratamento e devem ser indicadas por profissionais específicos conforme as
necessidades de cada caso.

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238
ENSINO DE EDUCAÇÃO FISCAL E NOTA
FISCAL GAÚCHA EM MORMAÇO-RS
Jackson Adair Gonçalves1

1. INTRODUÇÃO

A educação fiscal é vista como de suma importância para o desenvolvi-


mento intelectual, estudantil e social do educando. Com o avanço da globaliza-
ção e da modernidade capitalista, surge cada vez mais a necessidade dos alunos
e professores estudarem no âmbito educacional a premissa da educação fiscal.
A educação fiscal faz o educando refletir sobre seus direitos e deveres
na sociedade, e também a importância de exercer a cidadania, fiscalizando os
serviços públicos e cobrando dos governos os devidos recursos essenciais para o
dia a dia da população.
Ainda, a educação fiscal traz um conceito para os cidadãos, que é sempre
pedir sua Nota Fiscal toda vez que forem fazerem suas compras, pois é um direito da
sociedade, e assim contribuirá para que mais recursos venham para seu município.
Nesta pesquisa, elenco as atividades desenvolvidas no período de maio a
junho de 2022, com as turmas do 4º e 5º anos dentro da temática de educação
fiscal e nota fiscal gaúcha no município, como destaco a importância da partici-
pação do ensino de educação fiscal em todas as modalidades de ensino.
Relata-se que os temas abordados nas escolas foram conceitos de cidada-
nia, ética, política, governo, recursos, fiscalização pública, democracia, partici-
pação, etc, debatendo de forma concreta a realidade do dia a dia.
É uma pesquisa bibliográfica, com relatos de experiências desenvolvidos
com a educação fiscal e nota fiscal gaúcha em Mormaço, interior do Rio Grande
do Sul, tendo como metodologia de análise os documentos e projetos produzidos
neste período e anteriores.

2. A EDUCAÇÃO FISCAL NO ENSINO MORMACENSE

O projeto de educação fiscal no município de Mormaço na rede municipal


de ensino, dentro da disciplina de filosofia, busca resgatar os conceitos de ética,

1 Mestrando em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF) . Professor da Rede


Estadual do Rio Grande do Sul. Email: [email protected].
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moralidade, governos, política, democracia, cidadania, enfim, de forma que os
educandos entendam a mensagem do conteúdo, e transformem em aprendizado
e ações com suas famílias.
Segundo Buti e Batista ( 2007, p. 05) relembra:
No Brasil, a história dos tributos tem início em 1500, quando os portu-
gueses aqui chegaram e se apossaram das terras e de todas as riquezas que
encontraram, 6 transformando-as em monopólio do rei de Portugal. O
primeiro tributo instituído no Brasil foi sobre a exploração do pau-brasil.
Os donatários atuavam como agentes fiscais da época e deveriam prestar
contas à Coroa Portuguesa da arrecadação dos seguintes tributos: mono-
pólio do comércio do pau-brasil, especiarias e drogas, quinto dos metais e
pedras preciosas, dentre outros.

As turmas trabalhadas são 4º e 5º anos, do ensino fundamental, então,


a abordagem temática do conteúdo tem que ser dentro da faixa etária e numa
linguagem infantil ainda. Nesse contexto, são inseridos imagens e vídeos, além
de áudios, para que os educandos possam compreender melhor o estudo.
Conforme Grzybovski e Hahn ( 2006, p. 01) elencam:
Desde o início do século XX, as transformações tecnológicas e econômi-
cas têm provocado reflexões sobre o papel do Estado. Atualmente, o desa-
fio é articular um novo modelo de desenvolvimento que traga à sociedade
perspectivas de relações Estado-cidadão mais equilibradas, administração
pública menos burocrática, tendo como escopo conceitos de descentraliza-
ção e eficiência, voltada para o controle dos resultados e mais próxima do
cidadão. Para enfrentar os desafios inerentes a essa proposta, pressupõe-se
a modernização do Estado com a incorporação de novos conhecimentos
em torno de questões consideradas “corretas”.

Para as autoras Grzybovski e Hahn ( 2006) fica evidente o destaque para


que o estado e o cidadão sejam mais próximos, mas para isso é necessário que
a população busque conhecer melhor as leis e tenha um conhecimento do que
é estado , bem como, o estado vise ações e projetos que tragam o cidadão para
perto de seus pleitos.
Desta forma, o projeto de educação fiscal em Mormaço tem trabalhado
esses conceitos de estado e cidadania com os alunos, fazendo com que os mes-
mos tenham uma reflexão de seus direitos e também deveres enquanto cidadãos
brasileiros. Ainda, é salientando , que somente através de estudo, conhecimento
e leitura, é que se pode mudar os diferentes obstáculos presentes no município,
na comunidade e sociedade.
No que tange aos objetivos fundamentais do Estado brasileiro, o art. 3º da
Constituição Federal de 1988 estabelece a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a redução das desi-
gualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos, sem preconceitos

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Saberes e Partilhas
ou discriminação. ( GRZYBOVSKI e HAHN, 2006, p.01).
Dentro do estudo do estado, vários outros valores fundamentais para a
formação do jovem educando são essenciais, como: cidadania, ética, discipli-
na, união, cooperação, compreensão, etc. A educação fiscal engloba diferentes
aspectos de estudo, conforme a série e etapa do estudante, ficando o professor
responsável por conduzir os conteúdos de forma apropriada.
Cabe ressaltar a educação fiscal no município de Mormaço, no interior do
Rio Grande do Sul, já é realizado a muito tempo, nos últimos 4 anos mais espe-
cificamente na disciplina de filosofia, no entanto, acontece na educação infantil
também com metodologias apropriadas para suas idades.
Correspondendo a demandas que perpassam as diferentes disciplinas do
currículo, a Educação Fiscal se expressa como um desafio educacional contem-
porâneo de grande relevância, tendo-se em vista que aborda aspectos presentes
na vida cotidiana dos educadores e educandos (BUTI e BATISTA, 2007, p. 07).
Neste contexto, várias ações são realizadas, como cursos de formações
através da receita estadual e encontros regionais. Busca-se com isso, a perma-
nente eficácia dos trabalhos em sala de aula, com a socialização dos conteúdos,
debates e apresentações.
Ainda Buti e Batista ( 2007, p. 09) afirma:
Na escola, a implementação deste desafio educacional se constitui como
prática educativa voltada para o entendimento da realidade social e dos
direitos e responsabilidades nos níveis pessoal e coletivo e a afirmação do
princípio da participação política. Compreendem a socialização de conhe-
cimentos acerca da Administração Pública, de modo especial, a tributa-
ção, a alocação e o controle dos gastos públicos, conceitos imprescindíveis
para a consciência da cidadania. O gestor escolar, os educadores, os edu-
candos, a equipe pedagógica, funcionários e colegiados reproduzem no es-
paço escolar as relações que existem na sociedade; portanto, a abordagem
da Educação Fiscal deve partir dos conteúdos historicamente acumulados
e se dar através de assuntos que mobilizam a vida dos que atuam na esco-
la, bem como da comunidade onde ela está inserida, representando suas
reais necessidades, refletidas nas relações sociais vigentes.

A educação fiscal em Mormaço, acontece de forma transversal, com


atividades dentro das aulas cotidianas também, além do projeto desenvolvido
especificamente na disciplina de filosofia. Neste contexto são trabalhados a
nota fiscal gaúcha, onde os educandos são ensinados a pedirem para que seus
pais coloquem o cpf na nota fiscal, para que o município receba recursos e que
os próprios concorram a prêmios estaduais. Também é realizado concursos de
desenhos e redação sobre tributos, impostos, fiscalização no município, afim
de que desde pequenos já aprendam a exercer o papel de cidadãos conscientes
na comunidade.

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3. IMPORTÂNCIA DE ESTUDAR CIDADANIA E DEMOCRACIA


NA EDUCAÇÃO FISCAL

A educação em sua atualidade necessita de docentes inovadores prontos


para aplicar metodologias novas, que visem a aproximação do educando da rea-
lidade e também para uma melhor qualidade do ensino de seu educandário e
município.
Para isso, o docente hoje em dia tem que se adaptar com as novas tecnolo-
gias educacionais e buscar tornar o aluno um ser pensante, pesquisador e atuan-
te pois, lá na época dos jesuítas não existiam mediação de ensino, era apenas a
Igreja a detentora do saber sem questionamentos, apenas obediência, e assim foi
com os planos de carreiras, falta de apoio dos governantes, etc.
Considera-se que a alternativa para a melhoria constante de nossa edu-
cação pública, seja rever o plano do magistério, dando atenção a política de
promoção, de salário e de formação continuada dos professores e funcionários
de todo país. Nota-se que a educação não tem plano dentro dessa política cor-
rupta em que o Brasil está vivenciando, onde os escândalos de bilhões de reais
são furtados por políticos que tem altíssimos salários e contas exageradas que
a própria receita federal não fiscaliza. Em vez disso, todo esse dinheiro poderia
ser investido nas universidades e nas políticas de formação e estruturação dos
centros universitários, e no aumento dos salários de professores, qualificando
assim a educação pública.
Para isso a educação fiscal vem a fazer o educando a refletir sobre seu
papel na sociedade, tendo como papel fundamental de fiscalizar os tributos, im-
postos e recursos, e cobrar das autoridades públicas onde está sendo investido os
devidos recursos financeiros.
A escola é um espaço de socialização de saberes, de democracia, onde
crenças, raças, etnias se encontram, formando várias culturas diversificadas no
ambiente escolar. Em regiões do país, a educação do campo é voltada para indí-
genas, que aprendem conhecimentos e trocam ideias dentro de suas línguas com
professores especializados.
Também vale relembrar que a Constituição, no parágrafo único ao artigo
1º dispõe que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de represen-
tantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. [..]Deste modo, a
sociedade se encontra devidamente legitimada a exigir de seus representantes o
cumprimento dos preceitos constitucionais acima descritos mediante a formula-
ção de políticas públicas, dentre elas as fiscais, que garantam a implementação
e a eficácia dos objetivos perseguidos na Constituição Federal nos seus preceitos
fundamentais. ( GOLDSTAJN, 2012, p.01).
Por sua vez, o estado tem um poder sobre toda vida das pessoas, pois em

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Saberes e Partilhas
tudo existem impostos e regras, que coíbem o cotidiano das mesmas.
Estado é um grupo de funcionários sui generis, no seio do qual se elabo-
ram representações e volições que envolvem a coletividade, embora não sejam
obra da coletividade. Não é correto dizer que o estado encarna a consciência co-
letiva, pois esta o transborda por todos os lado. (TOMAZI Apud DURKHEIM,
2012, pg. 105).
Como alguns autores já a denominavam: “A Revolução Francesa foi
um grande marco. É considerado o mais importante acontecimento da his-
tória contemporânea. Inspirada pelos ideais iluministas; o lema “Liberdade,
Igualdade, Fraternidade” transpôs as barreias da distância e ecoou por todo o
mundo, pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo os valores burgueses”.
( GONÇALVES e BERGARA, 2008, p. 02).
Conforme os autores acima, a revolução francesa marcou uma época com
seu lema de “ Igualdade, Fraternidade e Liberdade” destituindo o poder do rei e
instituindo novas regras e leis, propondo uma liberdade do ser humano e igual-
dade perante as leis, o qual o rei ( no iluminismo) detinha o poder e somente ele
decidia as virtudes e absolvições.

4. CONCLUSÃO

O trabalho procurou com o referencial teórico fazer um embasamento a


respeito de escola e estado na educação fiscal, levando em consideração toda a
temática de democracia e cidadania presentes na sociedade e nos estudos em fi-
losofia concomitantemente com a educação fiscal e nota fiscal gaúcha. Outrora,
também é destacado a presença do jovem na conduta de impor suas ideias e
ações frente a uma sociedade conservadora, evidenciado durante os séculos,
onde todo esse processo de socialização de suas posturas convêm a uma polí-
tica que não permitia condutas fora dos costumes da época, levando os jovens
a criar movimentos contra o poder de estado , salientando a necessidade dos
órgãos governamentais olhar para esse público que proclamava melhores condi-
ções nas suas vidas.
Também, descreve-se nessa pesquisa, a socialização dentro do Estado,
que detém paradigmas étnicos, culturais e de acesso a liberdade de expressão,
onde sociólogos e filósofos denotam a importância de se viver em comunidade,
socializando sempre o saber e mantendo nossas relações sociais em perfeita har-
monia com nossos semelhantes.

5. REFERÊNCIAS
BUTI, Dalva Maria Bertola; BATISTA, Flávio Donizete. Educação Fiscal: Um

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D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
desafio em sala de aula. Ano, 2007. Disponível em: < http://www.diaadiaeduca-
cao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1461-8.pdf>. Acesso em: 20 de jun de 2022.
GOLDSTAJN, Roberto. O papel do Estado na sociedade brasileira. Ano:
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GONÇALVES, Bruno Tadeu Radtke; BERGARA, Paola Neves dos Santos. A
revolução francesa e seus reflexos nos direitos humanos . Ano: 2008. Disponí-
vel em: < http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/
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GRZYBOVSKI, Denise; HAHN, Tatiana Gaertner. Educação Fiscal: premissa
para melhor percepção da questão tributária. Rev. Adm. Pública vol.40 no.5
Rio de Janeiro Sept./Oct. 2006. Disponível em: < https://www.scielo.br/scie-
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mai de 2022.
TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia para o Ensino Médio. Volume Único,
editora Saraiva. Ano, 2012.

244
O SAMBA DE ADONIRAN BARBOSA E A
DIMENSÃO CULTURAL DO DESENVOLVIMENTO
NO BRASIL: UM ESTUDO A PARTIR DAS
CONTRIBUIÇÕES DO EDUCADOR PAULO
FREIRE E DO ECONOMISTA CELSO FURTADO
Roberto Gomes Monção Junior1
Ana Enedi Prince2

INTRODUÇÃO

A escola é um esteio cultural da sociedade e a partir dessa reflexão, o


ambiente escolar pode ser compreendido como um locus onde estão expressas
as falas de seus atores, seja em materiais didáticos, seja na oralidade e escrita pre-
sentes no cotidiano dos estudantes, mas quando o assunto é variação linguística
há uma tendência natural, por parte dos alunos, de não observarem a riqueza de
nossa língua quanto às variantes.
Objetiva-se com este estudo, discutir a utilização da canção popular bra-
sileira, em especial do compositor Adoniran Barbosa, dos anos 50 e 60, como
estratégia e recurso para ampliar o conhecimento da variação linguística como
aporte cultural em sala de aula. Nessa perspectiva, a pesquisa se pauta nas con-
tribuições do educador Paulo Freire e do economista Celso Furtado, oportu-
nizando uma reflexão sobre cultura e desenvolvimento a partir da utilização
da canção na escola. A metodologia utilizada foi a análise bibliográfica, o que
permitiu a elaboração de metodologia de ensino que oportunizou a articulação
da música como um meio dinâmico a ser utilizado dentro do âmbito escolar.
Para o construto deste texto, toma-se por base o desafio de tornar a temá-
tica agradável e natural nas aulas de Língua Portuguesa, apresentando aos es-
tudantes a linguagem e o discurso do sambista Adoniran Barbosa, um narrador

1 Doutorando e mestre em Planejamento Urbano e Regional da linha de pesquisa Planeja-


mento, Espaço e Cultura do IP&D – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Univap
- Universidade do Vale do Paraíba. Professor da FEA – Faculdade de Educação e Artes da
Univap. ([email protected])
2 Pós Doutora e Doutora em História pela USP – Universidade de São Paulo. Idealizadora
da série “Tuberculose e História”. Pesquisadora e Diretora da FEA – Faculdade de Edu-
cação e Artes da Univap – Universidade do Vale do Paraíba. ([email protected])
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privilegiado dos modos de vida urbanos e rurais que registrou em suas canções
as tensões sociais da sociedade brasileira entre os anos 50 e 60.
Nesse período histórico, percebem-se as mudanças históricas que ocorre-
ram na transformação da sociedade brasileira, ao longo do final do século XIX
e que se concretizaram em meados do século XX e que permearam a fala, a
linguagem padrão e não-padrão da Língua Portuguesa.
A problematização deste texto, infere-se quanto à reflexão acerca dos dis-
cursos materializados no âmbito escolar, principalmente quanto à prática do
ensino da gramática: o objetivo é estimular os alunos para participar mais ativa-
mente das aulas, despertando o senso crítico, atraindo a atenção.
É importante destacar que o uso da música é apenas uma atividade
complementar, uma estratégia que deve ser vista como atividade auxiliar do docente
para a sua prática, tão somente um novo olhar sobre o cotidiano do professor.
Para trazer a reflexão acerca da efetivação dos usos dos diversos dialetos da
Língua Portuguesa do Brasil em sala de aula, de forma natural e harmônica, par-
tiu-se do estudo da variação linguística embasado na análise da canção popular en-
quanto parte de uma narrativa social brasileira, rica em suas variações linguísticas.
A música popular e, particularmente, o samba, pode ser aproveitado neste
estudo, pois constitui fonte valiosa de registro cultural, demarcando-se poten-
cialmente como manifestação imaterial, presente na expressão da cultura dos
segmentos subalternos da sociedade (FONSECA, 2009).
Quanto aos registros culturais, não se deve confundir, todavia, a cultu-
ra viva do compositor popular com o folclore; este, em grande medida vem
amparar uma ideia homogeneizadora da nação como comunidade imaginada
(HALL, 2003). Ao contrário, estabelece-se para este estudo, a escolha do com-
positor popular Adoniran Barbosa, como um cronista de seu tempo que expõe
as diferenças culturais presentes naquele contexto.
Este estudo tem como tema a perspectiva cultural como um componente
do processo de desenvolvimento do Brasil, estruturando-se sobre a análise da
canção popular de Adoniran Barbosa, oportunizando discussão sobre cultura
e desenvolvimento a partir da perspectiva das obras do educador Paulo Freire,
Educação como Prática da liberdade e do economista Celso Furtado, Em busca de um
novo modelo, atentando-se especialmente para as concepções de cultura, criativi-
dade, processo de modernização e desenvolvimento endógeno, que é a necessi-
dade de reversão de duas especificidades próprias das sociedades periféricas: a
heterogeneidade social e a dependência cultural.
Este texto leva em conta como período de estudo, o Brasil pós-guerras, pois
será em relação às contradições do processo de industrialização deste momento, no
contexto do sistema centro-periferia, que o educador Paulo Freire e o economista

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
Celso Furtado passam a teorizar sobre a importância da centralidade da educação,
criatividade e cultura no contexto de expansão da civilização industrial.
Este estudo define como hipótese o fato de que o uso do dialeto “caipira” de
Adoniran Barbosa é intencional. O uso da variação linguística é de cunho ideológi-
co, emblemático, o que permitia ao compositor inserir-se no grupo dos alijados do
desenvolvimento do Brasil. O estudo parte da evidência que, durante os anos que
compreenderam a metade do século XIX e a primeira do século XX, o Brasil foi
certamente uma das economias que mais cresceram no mundo, Paulo Freire e Celso
Furtado observam que o povo, de modo geral, no entanto, beneficiou-se pouco des-
se crescimento, cujas benesses foram absorvidas pela classe dominante que esteve
empenhada em produzir e reproduzir as formas de vida dos países ricos. Assim,
o aumento da renda, que deveria ser orientado para as atividades reprodutivas, foi
absorvido pela modernização dos padrões de vida de uma minoria privilegiada: a
classe dominante. O Brasil não se desenvolveu, apenas se modernizou.
Do ponto de vista teórico-metodológico, a pesquisa toma como base a análise
de discurso a partir de um estudo qualitativo, levando em conta a posição do can-
cionista popular como um cronista que interioriza o conhecimento da construção
coletiva, tornando-se porta-voz de um discurso contrário à ideologia modernizante
em meados do século XX no Brasil. Em relação à cultura, reflete-se que a sociedade
em um processo de ajuste, vivenciava resignação e também oposição e resistência
aos novos padrões que estavam sendo impostos no meio urbano.
Em relação à análise das canções, este trabalho vai se valer da análise
do discurso, uma disciplina de interpretação inscrita na área da linguística.
Leva-se em consideração para essa pesquisa o seguinte postulado: ideologia que
está relacionada à história, que por sua vez se expressa através da linguagem.
(CAREGNATO, 2006).
Na perspectiva do discurso, o texto é lugar de jogo de sentidos, de trabalho
da linguagem, de funcionamento da discursividade (ORLANDI, 1983, p.204-
205). Entende-se assim o texto como um esteio, um suporte da linguagem e
passível, portanto, de interpretação.
Compreende-se que utilizar a análise do discurso como instrumento me-
todológico implica observar que todo texto traz um sentido, mesmo que este
sentido possa revestir-se de múltiplas leituras (idem).
Para Orlandi (2011), a compreensão da individualidade está incorporada
por uma condição histórica concreta das condições de sociabilidade e é dessa
maneira que se procura-se observar as canções populares nas aulas de Língua
Portuguesa. Reflete-se aqui a partir de canções que perfazem discursos heterogê-
neos sobre as vivências na cidade, no campo, em condições marcadas por uma
tensão social, os alunos reconheçam-se partícipes dessa mesma língua, dessa

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mesma linguagem. Para o estudante, a canção é construtora de sentidos, de dis-
cursos e dizeres, uma manifestação cultural que compõe nossa cultura, história,
comportamentos em suas vivências. Com o uso da canção popular em sala de
aula, as discussões fluem, as interpretações dos textos ganham vida.
A canção é portadora da fala cotidiana, importantíssima para sala de aula e
para o ensino da lingua materna, é uma mistura de sons, ritmos e poesia. “A me-
lodia entoativa é o tesouro óbvio e secreto do cancionista” (TATIT, 1996, p. 11).
Em síntese, a canção popular é um instrumento discursivo sobre a cidade
e o campo e assim porta-voz do nosso povo, linguagem e língua.
Quanto ao embasamento teórico, este texto perfaz uma análise bibliográ-
fica que objetiva compreender: a) o contexto do imaginário de desenvolvimento
e de subdesenvolvimento que ocorreu no Brasil no período pós-guerras; b) as
contradições presentes no processo de industrialização no contexto centro-peri-
feria, as quais Paulo Freire e Celso Furtado passam a teorizar sobre o papel cen-
tral da educação, criatividade e cultura no contexto de expansão da civilização
industrial; c) como o Brasil, neste período em um contexto de desenvolvimento
imitativo e de opressão social, vivenciava por meio da dependência tecnológica
e financeira a regulação de suas atividades produtivas, enquanto o processo de
acumulação era posto a serviço de um ideário de modernização, de acordo com
o estilo de vida da elite; d) como a partir das canções de Adoniran Barbosa, o
discurso de certo modo homogeneizador da modernidade será deslocado para
dar lugar à voz dos “autoidentificados” e mesmo, alijados, do desenvolvimento
e do progresso, oportunizando uma reflexão acerca da importância de uma pers-
pectiva cultural para o desenvolvimento, refletindo-se a partir de Paulo Freire e
Celso Furtado, a necessidade de um desenvolvimento endógeno que tenha como
objetivo reverter a heterogeneidade social e a dependência cultural, buscando-se
superação do subdesenvolvimento do país.

DESENVOLVIMENTO

No Brasil, o período pós-guerras é marcado por um conjunto de transfor-


mações: no plano econômico, intensa industrialização e crescimento; no plano
social, a igualmente intensa urbanização e transformações na estrutura social
(estratificação e arranjos) àquela relacionada; no plano político, o apogeu e crise
do “populismo”, com a derrocada final desembocando com a implantação da
ditadura militar com o golpe de Estado de 1964. A investigação sociológica, nes-
se período, herda de suas matrizes clássicas um conjunto de categorias analíticas
com as quais se examinam os caracteres da “modernização” das sociedades e
se define a posição de uma sociedade como mais próxima das “sociedades tra-
dicionais” ou das “sociedades modernas” (o binômio tradição-modernidade é,

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
portanto, crucial para as investigações sociológicas no período). A questão que
se colocava era a da “transição para a modernidade”, sobre a qual é formulada
uma série de teorias e proposições nesse período. De fato, Octávio Ianni (2004)
observa que grande parte da produção intelectual brasileira se dedica a com-
preender e interpretar as condições de modernização brasileira. Evidentemente,
dessa pluralidade não resultam interpretações consoantes ou coerentes: o que se
tem, de fato, é “um amplo leque, no qual se encontram inclusive os que preferem
corrigir o presente pelos parâmetros passados, preconizando a modernização
conservadora” (IANNI, 2004, p. 35).
Nessa perspectiva, em relação às contradições e rupturas presentes no
processo de industrialização no contexto centro-periferia, é que Celso Furtado
passa a teorizar sobre o papel central da criatividade e cultura no contexto de
expansão da civilização industrial. De acordo com Cunha & Britto (2011, p. 17),
Celso Furtado se volta à compreensão dos processos de acumulação, expansão da
atividade industrial e relações de dependência nas áreas subdesenvolvidas, tendo
como objetivo analisar como a cultura está interligada em relação ao processo de
industrialização das áreas periféricas. Para Furtado, há dualidades no processo de
industrialização nas áreas periféricas presentes não somente quanto às práticas da
oferta, mas também quanto à demanda, gerando assim um processo contraditório
de inadequação tecnológica que resultaram em padrões de consumo e emprego in-
compatíveis com as tecnologias presentes nos centros. Celso Furtado aponta que
há um complexo círculo vicioso presente nas economias periféricas que aponta
uma dependência tecnológica e cultural dos países em desenvolvimento.
Paulo Freire, de maneira equânime, em sua obra Educação como prática
da liberdade, disserta sobre sua concepção de educação de maneira contextuali-
zada à formação histórico-cultural brasileira. Freire (1965, p.55) aponta que “o
homem é um ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo,
mas com o mundo” e por isso tem um “domínio que lhe é exclusivo – o da
história e o da cultura”. O educador, em seguida, apresenta a diferença entre
integração e adaptação dos homens na sociedade, vislumbrando que integração
resulta da capacidade de ajustar-se à realidade, transformá-la, constituindo-se
assim como sujeito ativo e dotado de valor revolucionário. Para o educador, a
acomodação favoreceria um processo passivo de objetificação do homem, inca-
pacitando-o na ação de alterar a realidade. Para isso, a solução está educação
de base que poderia prover mudanças no futuro. Futuro este que Freire (1965,
p.63) denomina como “tempo de trânsito”: “é este choque entre um ontem esva-
ziando-se, mas querendo permanecer, e um amanhã por se consubstanciar, que
caracteriza a fase de trânsito como um tempo anunciador”.
Freire (1965, p.113) assinala sua preocupação em encontrar uma resposta

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no campo da pedagogia às essas condições negativas de transição brasileira: “ha-
veria de ser a de uma educação crítica e criticizadora. De uma educação que
tentasse a passagem da transitividade ingênua à transitividade crítica”.
De maneira semelhante, Cunha & Britto (2011) apontam que os proces-
sos criativos são questões-chaves do desenvolvimento na perspectiva de Celso
Furtado, pois estão intrinsecamente relacionados com as mudanças culturais e
são determinados tanto por mudanças materiais quanto imateriais da cultura,
não obstante, o processo de industrialização dos países periféricos é demarcada
por dependência cultural e tecnológica, que para Furtado seria a explicação para
o subdesenvolvimento dessas sociedades.
Ressalta Sampaio Jr (2013), que para Celso Furtado, a transferência das téc-
nicas produtivas do centro para a periferia não foi conduzida por transformações
internas de cunho cultural o que impactou consideravelmente a identidade cultu-
ral das economias periféricas, oportunizando a ausência de um centro de tomada
de decisões internas nessas economias que conduziriam ao desenvolvimento.
Segundo Furtado (1984, p. 27), a industrialização tardia brasileira foi con-
duzida no quadro de um desenvolvimento imitativo ou “mimético”, que refor-
çou tendências ao elitismo e à opressão social.
Nesse contexto de desenvolvimento imitativo e opressão social, busca-se
neste estudo ilustrar o período pós-guerras, como representativo deste contexto,
o qual cabiam às dependências tecnológica e financeira à regulação das ativida-
des produtivas, enquanto o processo de acumulação era posto a serviço de um
ideário de modernização, do estilo de vida da elite, como veremos a seguir.

DISCUSSÃO

Conforme já explanado, Celso Furtado aborda o tema da cultura, enfa-


tizando a necessidade de incorporar a dimensão cultural nos esforços de teo-
rização sobre o desenvolvimento. Ao instituir uma conexão entre cultura e
desenvolvimento, Furtado associa os vários segmentos do todo social em sua
real dinâmica. Essa descrição totalizadora acerca do subdesenvolvimento lati-
no-americano, constitui-se, de acordo com Rodriguez (2009, p.17), “base para
a construção de opções às propostas de desenvolvimento hoje dominantes, com
forte raiz em posturas neoliberais”.
Entender, nesse sentido, a relação entre cultura e desenvolvimento em
Celso Furtado e Paulo Freire, vincula-se à importância dessa articulação como
alternativa ao subdesenvolvimento, o que exige uma investigação dos conceitos
tanto de cultura quanto de desenvolvimento:
[...] a cultura deve ser vista como um todo cujas partes guardam coe-
rência entre si e, portanto, como um sistema cujo significado não se expressa

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
cabalmente no de uma ou algumas de suas partes; ao mesmo tempo, entende-se
que a cultura constitui um sistema no qual a mudança e o enriquecimento são
inerentes. Sempre no marco de uma perspectiva geral, entende-se que essa mu-
dança se explica pela introdução de inovações. (RODRÍGUEZ, 2009, p. 415)
Para Rodriguez (2009), a introdução de inovações, promove uma altera-
ção em relação à coerência entre os componentes do sistema cultural, que com
o passar do tempo, pode levar a modificações e rupturas que propiciam novas
redefinições que são mutáveis entre seus componentes. Desta forma, pode-se
inferir que Celso Furtado compreende a cultura, neste contexto, como um “sis-
tema mutável” e que aceita readaptações ao longo do tempo.
À proporção em que a capacidade criativa dos cidadãos os conduz para
a geração de inovações, tanto no âmbito da cultura material quanto na cultura
não-material, põe-se assim em curso o processo de desenvolvimento. É importante
ressaltar que no âmbito da cultura material, correspondente ao progresso técnico
e à acumulação, as inovações possibilitam a geração de excedentes econômicos,
oportunizando uma renovação de perspectivas aos membros da sociedade.
A partir destas considerações, as canções de Adoniran Barbosa, aqui co-
tejadas, associam, nessa perspectiva, sua divergência com a representação de
modernidade a partir de seu lugar social. Ao fazê-lo, o discurso de certo modo
homogeneizador da modernidade será deslocado para dar lugar à voz dos “au-
toidentificados” e mesmo, alijados, do desenvolvimento e do progresso, assu-
mindo assim, uma postura desviante do ideário predominante da elite.
O caráter das canções de Adoniran Barbosa, no que se refere ao uso emble-
mático e intencional da variação linguística em suas composições retrata as classes
excluídas da sociedade. Nota-se que o compositor utilizava esse recurso para repre-
sentar e compor uma crítica às diferenças culturais presentes naquele contexto.
Para esse trabalho, leva-se em conta o caráter linguístico e grafocêntrico
do cantar e grafar do cancionista popular, que se fazia de acordo com a classe
social menos favorecida a que pertencia, a partir do seu lugar ou espaço vivido,
que no caso retratado, tratava-se das periferias.
Ressalta-se que a Língua Portuguesa falada em toda a extensão do territó-
rio brasileiro não é única, uníssona, homogênea. Não se pode apagar de nossa
língua os processos migratórios que constituíram e continuam constituindo a
história. Salienta-se que as diferentes estruturas sociais constroem formas distin-
tas de linguagem dentro do português do Brasil. (JOGAS, 2003).
Para apresentar aos alunos a grandeza e a naturalidade da composição da
língua, o docente pode preparar uma atividade em que se mostra o uso da variação
linguística por exemplo na canção “Conselho de mulher” de Adoniran Barbosa,
oportunizando aos alunos uma reflexão acerca de como a variação linguística é

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determinante para a livre escolha da situação social a que pertence o eu-lírico:

Canção 2- Conselho de mulher

Pogréssio, pogréssio,
Eu sempre iscuitei falar
Que o pogréssio vem do trabaio
Então amanhã cedo nóis vai trabaiá
Quanto tempo nóis perdeu na boemia
Sambando noite e dia
Cortando uma rama sem parar
Agora, iscuitando o conselho da mulher
Amanhã vou trabaiá, se Deus quisé
Mas Deus num qué
Fonte: Compositor Adoniran Barbosa, 2003
Observa-se na canção de Adoniran Barbosa (2003) um aspecto crítico
quanto à massa trabalhadora, vista pelo compositor como explorada pela classe
dominante no início do século XX. Na canção Iracema (1956) de Adoniran
Barbosa, a discussão acerca do crescimento desordenado das grandes cidades,
traz à tona o papel dos alijados do seu meio urbano. Não faltam conselhos do
eu-lírico para seu grande amor, que por meio de sua fala, buscava adaptar-se à
modernidade, pois ali não pertencia.

Canção 3 – Iracema

Iracema, eu nunca mais que te vi


Iracema meu grande amor foi embora
Chorei, eu chorei de dor porque
Iracema, meu grande amor foi você
Iracema, eu sempre dizia
Cuidado ao travessar essas ruas
Eu falava, mas você não me escutava não
Iracema você travessou contra mão
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Senhor
De lembranças guardo somente suas meias e seus sapatos
Iracema, eu perdi o seu retrato.
- Iracema, fartavam vinte dias pra o nosso casamento
Que nóis ia se casar
Você atravessou a São João
Veio um carro, te pega e te pincha no chão
Você foi para Assistência, Iracema
O chofer não teve curpa, Iracema
Paciência, Iracema, paciência
E hoje ela vive lá no céu
E ela vive bem juntinho de nosso Senhor
Fonte: Compositor Adoniran Barbosa, 1956

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Saberes e Partilhas
Há portanto nessa interpretação textual uma representação de identidade
que remete ao sentimento de pertencimento social do compositor, observada
por meio da variação linguística. A interpretação dessa canção em sala de aula,
oportuniza ao professor, diversas atividades como promoção de um debate, rese-
nhas críticas, crônicas que tratem acerca do uso da variação linguística como um
recurso linguístico que pode ser compreendido como valor ideológico e cultural
de resistência e pertencimento, valores esses enriquecedores para melhor com-
preensão da Língua Portuguesa como uma disciplina que está além do ensino
da gramática.

RUPTURA E AUTOIDENTIFICAÇÃO EM ADONIRAN BARBOSA

Na cidade de São Paulo dos anos 50, contrastava-se com a imagem da


cidade moderna e progressista, os cortiços que se multiplicavam, denotando a
decadência do “baronato cafeeiro” muitos se instalaram em seus antigos casa-
rões. Todavia, tratava-se de apenas um “intermezzo”. Num momento posterior,
com o avanço da urbanização e da consequente especulação imobiliária, aquela
população será desalojada. Adoniran Barbosa narra este processo em “Saudosa
Maloca” (1951).

Canção 4 – Saudosa Maloca

Se o sinhô nun tá lembrado


Dá licença de contá
Que aqui onde agora está
Esse edifíço arto
Era uma casa véia
Um palacete assobradado
Foi aqui, seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Jóca
Construímo nossa maloca
Mais, um dia
Nóis nem pode se alembrá
Veio os homes
Co’as ferramentas
O dono mandô derrubá ...
Fonte: Compositor Adoniran Barbosa, 1951

É importante observar que o tom não é de revolta, mas de resignação


frente a um destino que parece inevitável. Por outro lado, o progresso se fazia
com o trabalho.
Mas o tom na obra do compositor nem sempre é de ironia. Em “Iracema”
(1956), ele vai se inspirar numa notícia de atropelamento publicada em jornal.
Na canção, o intérprete narra o atropelamento e morte da noiva, que não se

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atentou para a sinalização. Em termos metafóricos, o “progresso” que na com-
posição anterior tolhia a liberdade, nesta ceifa vidas daqueles inaptos a se apro-
priar do novo ambiente.
Essa “dominação cultural” de uma classe sobre a outra constitui um in-
teressante aspecto hegemônico e de exclusão social e simbólica, presentes no
Brasil em meados do século XX. Observa-se que segregação, representação e
poder relacionam-se, pois, a segregação e sua representação foram o resultado
de um processo de produção simbólica presentes no discurso urbano. A iden-
tidade do grupo segregado, assim como a diferença, estabeleceram a relação
social. Isso significa que há a necessidade de refletirmos acerca das origens de
nossa dependência: um dos principais pontos da teoria do subdesenvolvimento
à luz de Celso Furtado, “cujo campo central de estudo são as malformações
sociais engendradas durante esse processo de difusão” (Furtado, 1998, p. 47).
[...] a crise que aflige nosso povo não decorre apenas do amplo processo
de reajustamento que se opera na economia mundial. Em grande medida
ela é o resultado de um impasse que se manifestaria necessariamente em
nossa sociedade, a qual pretende reproduzir a cultura material do capita-
lismo mais avançado, privando assim a grande maioria da população dos
meios de vida essenciais. Não sendo possível evitar que se difundam, de
uma ou de outra forma, certos padrões de comportamento das minorias
de altas rendas, surgiu no país a contrafação de uma sociedade de massas
em que coexistem formas sofisticadas de consumo supérfluo e carências
essenciais no mesmo estrato social, e até na mesma família. (FURTADO,
2002, p.35-36)

Importante ressaltar que nesse processo, não houve somente tensão e dis-
puta de grupos sociais, houve também a imposição de uma cultura que se julgou
superior a outra, que deveria ser apagada, excluída.
Diante desse quadro, observa-se que se buscou reproduzir a cultura ma-
terial do capitalismo mais avançado, privando a grande maioria da população
de ser representada culturalmente. Nesse sentido, pensar opções de desenvolvi-
mento que levem em conta a superação do impasse aqui observado, exige tanto a
defesa de um processo endógeno de desenvolvimento – na perspectiva de Paulo
Freire e Celso Furtado - quanto uma articulação consistente entre esse processo
e o sistema cultural.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta de desenvolvimento endógeno em Paulo Freire e Celso


Furtado se articulam quanto à necessidade de reversão de duas situações carac-
terísticas das sociedades periféricas: a heterogeneidade social e a dependência
cultural.

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
A heterogeneidade social forma-se a partir de uma representação da vasta
quantidade de mão de obra de escassa produtividade, resultantes de processos
de acumulação e progresso técnico reduzidos. Nesse sentido, forma-se também
uma dinâmica social que impossibilita a melhoria das condições de vida dos
grandes contingentes de mão de obra.
Quanto à dependência cultural, esta aniquila as culturas periféricas ao
encerrá-las à civilização industrial, impedindo suas potencialidades criativas.
Nessa perspectiva, Paulo Freire aponta que a sociedade brasileira preci-
sa manter um diálogo, mantendo-se uma relação horizontal de comunicação,
oportunizando assim uma matriz crítica, resultando, segundo o educador em
criticidade, nutrindo-se de amor, humildade, esperança, fé e confiança. E assim,
O centro do desenvolvimento endógeno, à luz dos pensamentos de Paulo Freire
e Celso Furtado, fundamentam-se no estabelecimento de uma identidade cultu-
ral própria à periferia e, desta forma, admitem que se dê curso às potencialidades
criativas insertes no acervo cultural da sociedade brasileira para que se reverta a
dependência cultural.
Nesse sentido, a emergência da criatividade nas sociedades periféricas
constitui um importante instrumento para o desenvolvimento. A reversão da
heterogeneidade estrutural, por sua vez, agrega-se a uma transformação socio-
política que poderia reverter a esterilização de grandes montantes de excedente
na imitação de padrões de consumo estrangeiros, permitindo a apropriação local
dos excedentes gerados e a dinamização do mercado interno.
De acordo com Celso Furtado, as mudanças tecnológicas são essenciais
para a continuidade do processo de acumulação nos países periféricos e para
assegurar a endogeneidade do desenvolvimento nesses países, o acesso às tecno-
logias modernas não pode resultar na aceitação de valores que não articulem a
identidade cultural da periferia.
Para a efetivação do aprendizado da língua portuguesa, principalmente
quanto à condução do processo de interpretação de textos, leitura e escrita tex-
tual, é necessário que se leve em conta que a leitura textual vai além da codi-
ficação e decodificação de signos linguísticos. É um processo do qual se exige
consciência de que há na linguagem a concretização do seu uso social e que, por-
tanto, posiciona discentes e docentes em uma perspectiva sociológica e assim, a
linguagem é fruto de uma criação coletiva, histórica, social e cultural e que sua
análise oportuniza uma perspectiva que compreende a enunciação individual
como um fenômeno sociológico. Reflete-se aqui essa noção que utiliza as can-
ções populares, como discursos que se somam a diferentes códigos – palavras,
melodias, ritmos.
Destaca-se aqui Adoniran Barbosa, que canta muitas vezes em nome de

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um tempo perdido, apontando as perdas individuais à memória daqueles que
viram desaparecer seus antigos espaços de sociabilidade, trazendo à tona as con-
tradições de um processo de modernização que excluiu parcelas expressivas da
população.
Em relação a essas contradições, Paulo Freire contribui com essa discus-
são, ao considerar o desenvolvimento endógeno, como um importante cami-
nho, quando insere a cultura no debate das opções de desenvolvimento. Para o
educador, um expediente adequado para a superação das desigualdades encer-
ra-se a partir do desenvolvimento como premissa para o resgate da educação e
criatividade da cultura brasileira e como realização das competências humanas.
Conclui-se, assim que o desenvolvimento endógeno, a partir desta perspectiva,
oportuniza a realização das potencialidades da cultura periférica, incluindo, des-
sa forma, as expectativas mais legítimas do povo brasileiro.

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257
BREVES REFLEXÕES SOBRE A ATUALIDADE
DOS PRINCÍPIOS FREIRIANOS
Camila Beltrão Medina1
Denise Henrique Mafra2
Maria Angélica Gomes Maia3

A sociedade contemporânea de forma veloz, a cada dia, apresenta um


aspecto inovador que influencia modificações em seus padrões e afeta as áreas
de atuação humana. Certamente a ciência e suas descobertas e avanços, canali-
zados a partir da pesquisa é a grande responsável por possibilitar e permitir que
arquétipos de homem, família, trabalho, escola, relações sociais, relação com o
dinheiro, alimentação, consumo, sejam instaurados. O que demorava séculos
para ser alterado, em nossos tempos, modificam-se em poucos anos. No entanto,
vale destacar que, por vezes a transformação/inovação pode não parecer posi-
tiva, gerando resistência, ou ainda, não ser explicita, fazendo com que quando
instaurada, seja uma surpresa, o que, também gera resistência.
A educação formal é um fenômeno social em que essa perspectiva nor-
malmente está presente: por vezes, parece que nada foi modificado, em outros
momentos, as sugestões ou alterações são percebidas como surpresa inesperada
gerando, amor e ódio concomitantemente por parte da comunidade escolar e da
sociedade em geral. Muito se diz que a educação escolar de hoje se assemelha
com a estrutura e padrões pedagógico de séculos passados, sendo considerada,
portanto, ineficaz, visto que o modelo de ensino constituído para um determi-
nado arquétipo de sociedade e de homem, distância-se do que objetiva-se para
o hoje.
Em contrapartida, existem raízes teóricas adaptáveis para os tempos

1 Doutora em História e Historiografia da Educação pela Universidade de São Paulo – USP;


Coordenadora Pedagógica do curso de Pedagogia da Universidade do Vale do Paraíba
– Univap, professora em cursos de formação de professores. Contato: camila.medina@
univap.br
2 Mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho; Coordenadora Pedagógica do
Curso de Pedagogia da Universidade Paulista – Unip, professora em cursos de formação
de professores e diretora de escola da rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo.
Contato: [email protected]
3 Mestre em Semiótica, Tecnologia de Informação e Educação pela Universidade Braz
Cubas; professora em cursos de formação de professores e vasta experiência na Educação
Básica. Contato: [email protected]
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
contemporâneos. Isso porque, quando estabelecidas, além de assumirem con-
cepção vanguardista em seu tempo, tem por elemento central o homem – o alu-
no, colocando em seus princípios e valores o desenvolvimento de um sujeito em
sua plenitude (bio-psico-cognitivo-afetivo-social), um sujeito que se autoconhe-
ça e que tenha por valor maior ser feliz; ser feliz na coletividade, ser realizado a
partir do exercício de sua cidadania, ser próspero enquanto indivíduo pertencen-
te a um todo; todo esse, nomeado por sociedade.
Assim, pretende-se aqui, olhar para a gestão da sala de aula a partir da
abordagem sociocultural e da proposta da sala de aula invertida, buscando apro-
ximar elementos de um pensar inaugurado em meados do século XX com uma
das propostas pedagógicas defendidas atualmente como inovadora e necessária
na escola da hipermodernidade.
Parte do processo metodológico deste trabalho, está posto sobre o desafio
de articular saberes produzidos em tempos históricos diferentes e com isso não
cometer o equívoco do anacronismo. Portanto, para além de compreender os
dois aportes separadamente, foi preciso estreitar o diálogo, considerando, sobre-
maneira, como a teoria freiriana proporcionou caminhos epistêmicos e didáti-
cos ao ensino da referida prática pedagógica nomeada por metodologias ativas.
Sob a égide da pesquisa qualitativa, buscou-se analisar o fenômeno edu-
cativo apresentado por Paulo Freire, a partir de suas explicações e motivos, bem
como, situar a interpretação e a análise dos dados como significativos do próprio
fenômeno. Isso significa estabelecer que a análise dos dados levantados a partir
das leituras sistematizadas realizadas, consideram as subjetividades e nuances
não quantificáveis, mas sim, qualificáveis.

Sala de aula: espaço para ressignificação da prática

Não é possível pensar e discutir gestão da sala de aula, sem consubstan-


ciar a tomada de decisão, a organização do processo educativo, a direção e parti-
cipação dos acontecimentos do interior sala, bem como, de todos os âmbitos da
escola. Neste sentido, o ser professor nasce, nesse espaço onde, concretamente
se objetiva o projeto político-pedagógico não só como desenvolvimento do pla-
nejado, mas como fonte privilegiada de novos subsídios para novas tomadas de
decisões (Ferreira, 2000). Um espaço em que na concepção democrático-parti-
cipativa, os objetivos comuns da direção, professores e demais profissionais da
educação se fundem, concomitante a tomada coletiva de decisões possibilitando
que cada um assuma, de modo responsável, ético e estético, sua tarefa no ato
educativo. Entende-se, portanto, que é neste espaço – interior da sala de aula-
que os sujeitos serão levados a agir de forma coletiva e comprometida com os
interesses coletivos (Libâneo 2004).

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Pensar e discutir gestão da sala de aula, emana refletir sobre os alicerces
que definem e estruturam a identidade docente, uma identidade estabelecida em
um fazer coletivo; um fazer social e coletivo. O ato de ser professor é, portanto,
amalgamado a função social da escola de formar homens conscientes de seu
papel social e autônomos em suas escolhas para um bem comum. Estas atribui-
ções exigem um pensar constante sobre a função do ser professor: um pensar
sobre quem é e o que cabe, a ele ser realizado. No entanto, a escola sob a estru-
tura que se apresenta na atualidade, bloqueia essa reflexão, dificultando ou até
impedindo uma possível mudança ou superação a partir do trinômio freiriano
ação-reflexão-ação.
Esse não espaço para a reflexão não deve ser entendido como algo ines-
perado ou sem intenção, mas como fruto da sociedade capitalista focada na
competição e na submissão de uma classe social em relação à outra, além de um
sistema de ensino marcado por “fortes tendências de homogeneização, diver-
sificação e até hibridização de suas identidades culturais” (MOREIRA, 2002,
p.17). A sociedade capitalista em toda a sua complexidade conduz a escola para
a perda de sua função social, visto que não se faz coerente com o perfil dessa
sociedade um professor que tenha clareza de sua função. Esse conflito coloca o
professor mergulhado em uma crise identitária com sentimento de impotência
e o conduz à busca de operacionalizar determinações legais, curriculares nacio-
nais ou desejos do corpo administrativo escolar em detrimento de ações voltadas
à gestão.

Princípios freirianos e a sala de aula invertida

A adoção de uma ação freiriana ou sua influência, pode ser facilmente


observada mesmo sem que condições concretas ou substanciais se apresentem.
No entanto, se forem minimamente introduzidas no cenário educativo, podem
provocar mudanças que estimulam não somente uma maior aproximação com
os estudantes, mas também, transformam resultados objetivados com os alunos
em diversas idades, ano ou séries.
Este texto propõe, então, que mesmo não apresentando uma rigorosa me-
todologia freiriana, mas inspirando-se nela, resultados possam ser alcançados
a partir da orquestração, do (re)direcionamento, do fazer algo, numa perspecti-
va de melhoria do processo de ensinar e aprender, colocando as metodologias
ativas, especialmente a sala de aula invertida, em consonância com a referida
proposta.
Uma docência democrática não tem compromisso apenas com metas,
mas sobretudo com um processo para atingi-las, que proponha a ressignifica-
ção do trabalho de todos e todas que envolvidos (as) no ensino-aprendizagem.

260
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Saberes e Partilhas
Indicando, dessa maneira, que cada um, cada uma, assumam seu papel crítico-
-transformador para que se estabeleça um trabalho pautado em princípios como
ética, respeito e democracia.
A escola e a sala de aula como um espaço democrático pressupõem conhe-
cimento e prática, um saber fazer que deverá ser construído dentro do processo
ação-reflexão-ação (anteriormente mencionado). É o conceito puro de “huma-
nização”, assumindo lugar central sobre o mundo e, consequentemente, sobre
a ação pedagógica e suas elaborações teóricas acerca da realidade. Imerso na
tríade ação-reflexão-ação, palavra e atitude caminham juntas rumo à conscien-
tização do papel que ocupamos e que queremos ocupar ou assumir no mundo.
O propósito desse processo deve ser sempre o desenvolvimento da autonomia
de todas as partes envolvidas no ato de ensino-aprendizagem que se configurará
a partir de um esforço coletivo de ruptura com o autoritarismo e a incoerência.
Esse é um trabalho árduo e possibilita o fortalecimento de princípios dia-
lógicos e reflexivos. Permite a oportunidade de revisitar e incorporar princípios
básicos do ato educativo como dialogicidade, ética, autonomia, politicidade,
emancipação, problematização etc. Esse processo nos ensina que, como seres
reflexivos que somos, devemos constantemente (re)avaliar nossa prática, conhe-
cer as responsabilidades a partir da função social que exercemos e do papel que
assumimos no mundo.
Freire nos ensinou que todo ato educativo é também um ato político. Por
isso, ao não ser escolhida uma postura de politicidade, deixa-se de acreditar na
autonomia dos pares que compõem o cotidiano escolar, de acreditar nas insti-
tuições de ensino que seguem sob o foco do caráter tecnicista e desumanizador.
Cooperação, convivência e diálogo são princípios que devemos perseguir
desde a primeira formação buscando compreender a oportunidade de aprender
que princípios são caminhos fundamentados na racionalidade humana, mas não
na racionalidade vã, daquele ser que por nascer se denomina humano, e sim na
lógica humanista, dialética e dialógica que se constrói historicamente (FREIRE,
2001). De acordo com as palavras de Freire (2001, p. 10):
A possibilidade humana de existir – forma acrescida de ser – mais do
que viver, faz do homem um ser eminentemente relacional, estando nele,
pode também sair dele. Projetar-se. Discernir. Conhecer. É um ser aberto.
Distingue o ontem do hoje. O aqui do ali. Essa transitividade do homem
faz dele um ser diferente. Um ser histórico. Faz dele um criador da cultura.
A posição que ocupa na sua “circunstância” é uma posição dinâmica.

Esse é um compromisso a ser assumido a partir da consciência de meu


inacabamento, na esperança e respeito aos diversos saberes, na curiosidade de
ouvir e intervir para aprender, pois, como diz Paulo Freire, “a reflexão crítica
sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo” (FREIRE, 2015, p. 22).
Neste sentido, o ato de ser professor deve se identificar com a práxis pe-
dagógica e na atualidade, deve estar mergulhado no ideário de busca de novas
formas de ensino. Muitos são os estudos e as propostas de ensino que emergem
no atual cenário educacional: a maioria delas fixa na ideia de uma ação docen-
te que coloque o aluno no centro do processo interagindo com o objeto a ser
apreendido. É o florescimento, ou melhor, o fortalecimento, do que na educação
passou a ser nomeado por metodologia ativa. Metodologia fazendo menção a
formas de ensinar e ativa que remete a um conjunto de ideias: desde ação do
aluno para o aprender, atividade e não passividade, conhecimento a partir da
construção de saberes, até um professor focado em trabalho docente ágil e estru-
turado a partir de aspectos e discursos da atualidade.
Reside aqui um alerta anteriormente pontuado. Faz-se fundamental a
consciência docente de sua identidade e de sua função social e educativa. A
discussão de uma proposta pedagógica considerada contemporânea e inovadora
sem essa reflexão pode conduzir à docência para uma repetição de ações e eleição
de atividades presentes em manuais considerados modernos sem, na verdade,
ser significativo tanto para alunos como para professores. Independentemente
da filiação epistemológica, a reflexão e conscientização do ser docente é pri-
mordial para a efetivação de uma educação de qualidade. Acredita-se aqui, não
adiantar discutir metodologias ativas sem antes trabalhar o ser docente.
Em relação às metodologias ativas, optou-se neste texto, por colocar em
pauta o ensino híbrido, proposta pedagógica centrada no aluno como ser capaz
de desenvolver um pensar autônomo e libertador e no professor como media-
dor e não transmissor de conteúdos socialmente eleitos e curricularizados por
Políticas Públicas Educacionais, mais especificamente a sala de aula invertida
que tem como ideário levar em consideração que para cada indivíduo há uma
melhor maneira de viabilizar o aprendizado. Neste sentido, se existem várias
formas de aprender algo, o professor deve mobilizar várias formas de ensinar.
Esta modalidade de ensino, invade o cenário educativo com veemência,
no início do século XXI, intensificando-se ainda mais, nos últimos anos durante
o período pandêmico, por viabilizar ou talvez, seja melhor dizer, facilitar, o pro-
cesso de ensinar e aprender de modo remoto. Isso ocorre a partir do momento
que o processo educativo volta a exigir o deslocamento do olhar das dimensões
político-sociais e técnica para a dimensão humana. Não é mais possível conce-
ber que o homem não esteja situado no centro de todo processo educativo. Ao
tratar essa questão, como uma onda, as outras dimensões também serão atingi-
das reestruturando o sistema de ensino de modo global e, a escola, alicerçada
sob um currículo integrado, será organizada para atender a geração que nela

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
estará inserida. Esse movimento forma uma rede complexa e dialética de trans-
formações estruturais, metodológicas e de cultura escolar.
O ensino híbrido, como o nome indica, mistura formas variadas de apren-
dizagem e é composto por elementos diferentes para que o aluno possa apren-
der, considerando o estudante como o centro do processo educacional. Segundo
Valente (2014), o ensino híbrido tem diversas formas de aplicação. Como exem-
plos o autor cita: flex, blended misturado, virtual aprimorado ou rodízio. Todos
eles utilizando como recurso plataformas on-lines, nas quais os estudantes rece-
bem parte dos conteúdos, sem abandonar atividades presenciais. Esse modelo
ganhou força e adequação com a proliferação do ensino superior a distância,
no entanto, devido à necessidade da saída das crianças da escola pela situação
pandêmica de 2020 e a busca por seu direito à educação, algumas escolas de
educação básica (especialmente as particulares), adaptaram o cotidiano escolar
a partir desses modelos. Mesmo com o retorno à presencialidade, os ganhos do
ensino híbrido não foram ignorados e questões metodológicas foram mantidas,
entre elas o objeto de pesquisa deste texto: a sala de aula invertida.
O trabalho a partir da “sala de aula invertida” ou flipped classroom orga-
niza-se em três momentos. O primeiro que pode ser nomeado por pré-aula, no
qual o professor ou a instituição de ensino apresenta um disparador do tema
da aula aos estudantes. São materiais como vídeos curtos, jogos de palavras ou
imagens, artigos curtos ou textos, disponibilizados normalmente em uma pla-
taforma on-line. O objetivo desses materiais reside no despertar o interesse dos
estudantes pelo assunto a ser trabalhado. O material deve ser desafiador, moti-
vando o estudante para a busca de saberes (MEDINA e RODRIGUES, 2021).
Trazendo essa dinâmica para uma aula freiriana, pode-se associá-la a apresenta-
ção do “tema gerador”, no qual, educar é concebido como um ato de conheci-
mento da realidade e de experiências concretas estabelecendo um elo entre a não
consciência do mundo e de seu papel nele e o pensamento crítico dessa realidade
e experiência concreta. O tema gerador se torna a alavanca para o processo de
construção da descoberta do mundo. Segundo Tozoni-Reis, (2006, p 103), por
emergirem do saber popular, os temas geradores são extraídos da prática de vida
dos educandos, substituem os conteúdos tradicionais e são buscados através da
“pesquisa do universo vocabular”.
O tema gerador é o disparador do conteúdo a ser refletido em uma deter-
minada aula. É o elemento que permite, em um primeiro momento, os estudan-
tes apresentarem suas pré-ideias do conteúdo. É o início da construção de um
conhecimento pautada em uma prática libertadora. Na pré-aula da sala de aula
invertida, os materiais oportunizados aos estudantes compõem esse elemento
disparador. São materiais eleitos pelo professor ou pela instituição, não pelos

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estudantes, no entanto, funcionam como alavancas para a reflexão e constatação
de pré-ideias dos estudantes.
Em seguida, na sala de aula invertida, há o momento considerado como
a aula propriamente dita, na qual os alunos verbalizam dúvidas, compreensões
e ideias acerca dos conceitos presentes nos recursos introdutórios e viabilizados
na pré-aula. O professor, a partir da mediação, vai consolidando as ideias apre-
sentadas e discutidas em um ritmo ditado pelos estudantes. O professor proble-
matiza, estimula a apresentação oral das ideias, propões atividades que visam
desequilibrar o estado cognitivo do estudante, para que, ao solucionar seu pro-
blema, avance nesse estado. Nenhum conhecimento deve ser dado/informado
aos estudantes, mas sim construídos por eles. O papel mediador do professor
também se faz presente no ideário freiriano. A aula dialógica é o caminho para
a aprendizagem e a partir de grupo de discussão, o processo educativo vai sendo
conduzido, buscando conteúdos problematizadores, realizando as discussões,
compartilhando as descobertas, definindo as atividades. Neste sentido, a pe-
dagogia libertadora, dispensa um programa pronto e as atividades tradicionais
pautadas no mecanicismo.
Por fim, no terceiro momento de uma sala de aula invertida, nomeado
de pós aula, serão disponibilizados aos alunos, textos ou atividades que apro-
fundem os conceitos tralhados. Esses materiais, como os da pré-aula, são mais
comumente oportunizados em plataformas online. Observa-se que o aluno é
autônomo intelectualmente na construção de seus saberes e o professor, o articu-
lador dessa construção. O exercício do desenvolvimento de autonomia intelec-
tual consubstanciado com a formação acadêmica estabelece o aprender e mais
que isso o prazer pelo aprender. Estabelece sentido e significado às experiências
escolares.
A reflexão sobre essa experiência possibilita observar a superação das
limitações individuais para a construção de novos conhecimentos que se tor-
naram coletivos. Essa construção cooperativa é emancipatória e se transforma
em um instrumento que auxilia seus atores a produzirem novos conhecimentos.
Conhecimentos esses que contribuem com a superação de intermináveis desa-
fios dispostos no processo de conscientização e libertação em busca de ética,
reflexão e diálogo. Condições e valores imprescindíveis na produção de uma
realidade, melhor e mais humana
O reconhecimento de que somos sujeitos em plena construção, compro-
missados com um processo educativo significativo e prazeroso, permitirá que
os desafios se transformem em estímulo na continuidade da construção de uma
educação de boa qualidade.
A sala de aula invertida facilita a posição do aluno como ativo, porque

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Saberes e Partilhas
possibilita e cria momentos de discussões, debates e articulação com os temas
tratados em sala de aula. Ajuda a desconstruir o que Paulo Freire (2015) cha-
mava de educação bancária e nos imprime a dúvida sobre a positividade de
um ensino pautado em um tipo de relação social estabelecida verticalmente,
do professor (autoridade intelectual e moral) para o aluno. Entretanto ensinar,
diferente do pontuado pelo viés diretivo, deve levar em consideração o contexto,
a reflexão, o senso crítico, a relação professor-aluno estabelecida de maneira
horizontal, buscando trocas de saberes.
De acordo com Paulo Freire (2015):
É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos,
nem formar ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a
um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas
se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se
reduzem à condição de objeto um do outro. (p. 24)

Sendo assim o aluno apropria-se dos conhecimentos e se faz ativo no pro-


cesso de ensino-aprendizagem, as avaliações se configuram de maneira diferente
e flexível, criando um ambiente participativo e que contribua para uma forma-
ção global, reflexiva e critica.

Considerações Finais, ou melhor, algumas reflexões do agora

A sociedade da tecnologia nos conduz a reflexão de que a educação pre-


cisa ser adaptada as novas exigências. A educação, em um sentido amplo, tem
por função social, desde que “a configuração social da espécie se transforma em
um fator decisivo de hominização”, preparar as novas gerações para sua parti-
cipação no mundo do trabalho e na vida pública (Gómez, 1998, p.13). O lócus
eleito para a viabilização deste princípio, foi e é a escola. Deste modo, em um
tempo que a tecnologia gerencia o sistema de produção e organiza as estruturas
sociais, parece natural que a teorização sobre o ensinar e o aprender circule sob
essa ceara. Discursos, artigos, sites, páginas do Instagram trazem em diversos
formatos teorizações e sugestões sobre a inserção da tecnologia no cotidiano
escolar; a tecnologia na sala de aula.
Neste contexto, a sala de aula invertida, ganha adeptos e passa a ser divul-
gada como uma das alternativas contemporâneas de “modernizar” o processo
educativo. Coligada as metodologias ativas, propõe colocar o aluno no centro do
processo de ensino aprendizagem lhe dando voz e autonomia para a construção
ativa do conhecimento curricularizado. Sob essa vertente, o aluno é percebido
como sujeito que influi nos resultados do ensinar e do aprender, como conse-
quência de suas (re)elaborações pessoais. É um aluno mediador: mediador no
sentido de acoplar atividades e intervir em seu processo de aprendizagem.

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
Certamente, o papel do professor, enquanto mediador também se torna
decisivo nesta concepção. A aprendizagem não pode ser concebida como algo
diretamente ofertado, mas elemento que influenciará os resultados somente na
medida em que ativam nos alunos respostas de processamento de informações a
partir do pesquisar e do pensar.
É neste sentido que, que o professor com comportamento mediador terá
alunos que sob mesmas estratégias de ensino, podem ativar diferentes processos
cognitivos e afetivos, emanando aprendizagens muito diferente.
Seguindo as proposições freirianas, esse enfoque delibera que o estudante
não é um passivo receptor de estímulos e informações e que o conhecimento,
nunca é uma simples e fiel cópia da realidade, mas uma verdadeira elaboração e
reelaboração subjetiva, assemelhando-se assim, com o ideário proposto da “sala
de aula invertida”.
É o ideário de uma sala de aula percebida de modo sistêmico, estreitando
seu cotidiano a um sistema social, aberto, de comunicação e de troca. Segundo
Gómez (b1998), o sistema aberto, não permite explicar situações educativas sem
antes, conhecer a estrutura e o funcionamento do conjunto, além de suas co-
nexões com outros sistemas externos a sala de aula e a escola. Neste sentido,
estabelece como fronteiras da vida da aula e o mundo, características multidi-
mensionais, simultâneas, imprevisíveis e históricas. A vida da aula sob a ótica
freiriana, bem como, imbuída pela proposta da sala de aula invertida obedece a
um movimento complexo e dialético do aprender. Movimento sine qua non, com
o educar ativo, reflexivo e coletivo aqui estabelecido como ideal.
Mesmo que a concepção de educação esteja longe da realidade social
atual, se faz importante ater-se à escola de nosso tempo vivido; uma escola,
ávida por uma pedagogia humanista, libertária e emancipadora e é sob essa
ótica que a discussão sobre as denominadas metodologias ativas, especificamen-
te, sala de aula invertida, aqui se firma.
A curiosidade como possibilidade da aquisição de conhecimento é o que
move o ideário apresentado e mais, pensar em um saber dinâmico, a ser criado
e recriado à medida em que o mundo se transforma colocando sempre, o estu-
dante no centro do processo de aprendizagem e o concebendo como ser capaz
de desenvolver-se nos impulsiona.
Paulo Freire afirmou que o propósito do conhecimento é a humanização
que se baseia no diálogo crítico e, por isso, libertador, como resultado da re-
flexão-ação. Defendendo essa ideia compreende-se que um ser sócio-histórico
atuante na construção de seus saberes, alcançará um pensar autônomo atingin-
do o objetivo de liberdade que aqui propomos como fruto de uma educação/
aprendizagem verdadeiramente ativa.

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Saberes e Partilhas
Neste sentido, entende-se que a forma de ensinar contribui significativa-
mente com a metodologia aplicada nas escolas, mas com um diferencial, con-
textualiza a realidade dos jovens, das crianças de uma geração tecnológica, sem
perder aspectos como a importância da cooperação, da humanização, da harmo-
nia entre o uso das novas tecnologias com o processo de ensino aprendizagem.
Uma metodologia ajustada a seu tempo histórico, que conduz os estudantes a
olharem para si e, também, para os outros, potencializando as individualidades
sem perder a noção de grupo, sociedade e de seu potencial de humanização
aproximando-se assim, dos princípios freirianos.
A escola deve contribuir na leitura de mundo para que possamos como
disse Freire, transformá-lo. Para uma aprendizagem ativa necessitamos de me-
todologias ativas para que a sala de aula seja um espaço de produção-troca de
conhecimento em que os temas estudados se transformem em ação para que
sejam superados desafios e dilemas da realidade.
Para que possamos ler o mundo com olhos próprios e, assim, transfor-
má-lo, necessitaremos de professores que se disponibilizem a retirar não somen-
te da metodologia aqui apresentada como das demais os benefícios possíveis
criando alternativas, propostas e condições para o estímulo das habilidades dos
estudantes.

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267
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268
UMA EXPERIÊNCIA, MUITAS TRANSFORMAÇÕES
A PARTIR DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DO
PROGRAMA ALFABETIZAÇÃO SOLIDÁRIA NO
RIO GRANDE DO NORTE
Ana Enedi Prince1
Roberto Gomes Monção Junior2

INTRODUÇÃO

Esse capítulo tem como objetivo tecer reflexões e considerações relativas


à minha experiência como Coordenadora Pedagógica Setorial -, relacionada à
alfabetização de jovens e adultos (parceria estabelecida entre a Universidade do
Vale do Paraíba - Univap e o Programa Alfabetização Solidária), nas cidades de
Vila Flôr e Canguaretama, ambas no Estado do Rio Grande do Norte, utilizan-
do dessa forma, o método Paulo Freire de alfabetização.3
1 Pós Doutora e Doutora em História pela USP – Universidade de São Paulo. Idealizadora
da série “Tuberculose e História”. Pesquisadora e Diretora da FEA – Faculdade de Edu-
cação e Artes da Univap – Universidade do Vale do Paraíba. ([email protected])
2 Doutorando e mestre em Planejamento Urbano e Regional da linha de pesquisa Planeja-
mento, Espaço e Cultura do IP&D – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da Univap
- Universidade do Vale do Paraíba. Professor da FEA – Faculdade de Educação e Artes da
Univap. ([email protected])
3 Aplicado há mais de 50 anos (1963), o método Paulo Freire de Alfabetização foi testado
pela primeira vez na cidade de Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte. Recentemente
tive a oportunidade de participar de um evento em Portugal, onde membros do Instituto
Paulo Freire relataram com detalhes essa incrível experiência, o que me fez vir até aqui e
compartilhar com vocês. A experiência, inédita no Brasil, tinha uma meta ousada: alfabe-
tizar adultos em 40 horas de aula, sem cartilha. Mas não era só isso. Paulo Freire pretendia
despertar a consciência política. Desafio lançado, Freire teve todo um contato prévio com
os participantes, estudando suas realidades, as histórias de vidas e o contexto em que os
aprendizes estavam inseridos. Um grupo de educadores esteve junto de Freire nesta expe-
riência em Angicos. Na etapa de investigação, aluno e professor buscam, no universo voca-
bular do aluno e da sociedade onde ele vive, as palavras e temas centrais de sua biografia.
Em Angicos, foram escolhidas uma média de 410 palavras, que foram descobertas através
do bate-papo com os futuros aprendizes. Com isso, uma equipe de educadores define quais
são as palavras geradoras.
Na segunda etapa, a de tematização, eles codificam e decodificam esses temas, buscando o
seu significado social, tomando assim consciência do mundo vivido pelos alunos. É nesse
momento que os educadores fazem associação das palavras com alguma situação cotidia-
na, conhecida por todos. Exemplo: A palavra ‘feira’ era acompanhada de uma imagem
com uma mulher indo comprar ‘milho’, assim os estudantes associavam as palavras com
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
O Programa Alfabetização Solidária foi desenvolvido pelo Conselho da
Comunidade Solidária do Governo Federal, criado em 1997, cujo objetivo era
alfabetizar jovens e adultos nas cidades com maior índice de analfabetismo se-
gundo o IBGE. Tinha o status de organização não governamental, com atuação
reconhecida pela Unesco que, em 1999, lhe concedeu o prêmio de “Iniciativas
Bem-Sucedidas” na área de educação. Jovens na faixa etária de 12 a 18 anos
eram o principal alvo do programa, que também aceitava adultos interessados
em participar.
O programa procurava consolidar o modelo solidário, unindo cinco
parceiros: Governo Federal, por meio do Ministério da Educação (MEC), o
Conselho da Comunidade Solidária, empresas, universidades e prefeituras. Até
o final do ano 2000, o Alfabetização Solidária atingiu a marca de 1,5 milhão
de alunos atendidos em 1.016 municípios brasileiros, conforme dados da Folha
Online. O custo por aluno era dividido ao meio pelo MEC e pelos parceiros do
programa (empresas, instituições e pessoas físicas).
Os alfabetizadores do programa eram jovens do próprio município que
cursavam o ensino médio, magistério ou a 8ª série do ensino fundamental, que
recebiam bolsas. As universidades parceiras coordenavam as atividades de alfa-
betização desenvolvidas, trabalhando na avaliação, capacitação e acompanha-
mento dos alfabetizadores, selecionados entre os moradores do município ou
área onde eram montadas as salas de aula.
Segundo a coordenação do programa, o Alfabetização Solidária era de-
senvolvido por meio de módulos que tinham duração de seis meses: um mês, em
média, para a capacitação dos alfabetizadores nas universidades e cinco para
o curso de alfabetização nas comunidades. A infraestrutura para a realização
das aulas era fornecida pelas prefeituras locais, que forneciam materiais como
quadro e giz. Elas também colocavam à disposição dos grupos as salas de aula.
Nessa ocasião, constatei aprendizagens significativas tanto para as

algo que era comum para eles (a compra de milho na feira).


E no final, a etapa de problematização, aluno e professor buscam superar uma primeira
visão mágica por uma visão crítica do mundo, partindo para a transformação do contexto
vivido.
No método freiriano, segundo Moacir Gadotti, aprendiz de Freire e diretor do Instituto
Paulo Freire, se decorria de um “processo de substituição de elementos reais por elementos
simbólicos“, com a utilização de cartazes, projeções na parede, discussões e leitura, “sequ-
ência inversa à utilizada para crianças, em que a leitura figura como elemento instrumental
de construção e enriquecimento dos círculos de representação mentais“.
Gadotti ainda diz: “No pensamento de Paulo Freire, tanto os alunos quanto os professores
são transformados em pesquisadores críticos. Os alunos não são uma lata vazia para ser
enchida pelo professor.” Isso é incrível e faz todo o sentido, seja na pedagogia, na hebego-
gia ou na andragogia. Não podemos esperar que nossos alunos cheguem em sala de aula
sem sentimentos, experiências, histórias, motivações pessoais, preconceitos, etc. https://
andragogiabrasil.com.br/metodo-paulo-freire-de-alfabetizacao/

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Saberes e Partilhas
pessoas que ensinavam como para as que aprendiam. Nesse contexto, realizava
a seleção de professores alfabetizadores nesses municípios, desenvolvia o proces-
so de formação continuada, orientando o processo de ensino e aprendizagem,
a fim de se otimizar o uso do material didático e pedagógico fornecido pelo
referido Programa. O professor mestre Roberto Gomes Monção Junior, apoiou-
-me naqueles momentos, preparando os materiais e a capacitação que iria ser
ministrada.
Construiu-se o referencial teórico, para a realização deste trabalho, a par-
tir dos pressupostos de Freire (1987) Haidt (1994), e dos Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCNs (1997). Esta pesquisa realizou-se, por meio de um trabalho de
campo, nos anos de 2004 e 2005, nas cidades de Vila Flôr e de Canguaretama,
municípios do Rio Grande do Norte.
Os dados foram coletados por intermédio de registros das observações,
em salas de aula de alfabetização de jovens e adultos; e, também, por meio de
entrevistas realizadas, mensalmente, com alfabetizadores desses municípios, du-
rante o período de capacitação.
Como coordenadora pedagógica, tive uma função significativa na for-
mação de professores alfabetizadores, por propiciar a educação continuada em
serviço, e, dessa forma, possibilitei-lhes espaços para que refletissem sobre a sua
atuação em sala de aula, permitindo- lhes, assim, que atualizassem os seus co-
nhecimentos, por intermédio de constantes estudos e reflexões que aliados à
teoria e à prática alfabetizadora, possibilitava-lhes a transposição desses conhe-
cimentos para o cotidiano escolar, e, concomitantemente, para a vida discente.
Atuei nos municípios de Canguaretama e Vila Flôr / RN, nos anos de
2004 e 2005. A cada início de semestre, realizava a seleção de alfabetizadores,
em que avaliava as possibilidades e disponibilidades que os candidatos apresen-
tavam para atuarem, proficientemente, no Programa, uma vez que, segundo a
filosofia popular “Bom o professor, melhor o aluno”. Uma das questões impor-
tantes para o bom desempenho desse segmento de ensino é a formação de pro-
fessores, no sentido de se desenvolver uma prática pedagógica articulada com as
necessidades desses jovens e adultos.
Formar o professor é capacitá-lo, em uma área específica, com questões
teóricas e metodológicas, articuladas a uma ação escolar na sua totalidade.
Nessa perspectiva, a formação do professor toma contornos mais amplos, pro-
move novas exigências.
Práticas relacionadas à educação de jovens e adultos têm evidenciado,
para o seu sucesso, a necessidade de uma metodologia que respeite e valorize
os saberes já adquiridos pelos educandos ao longo de suas vidas, nos espaços e
tempos mais diversos e de maneiras diferenciadas.

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A capacitação às pessoas selecionadas era promovido mensalmente - a cada
visita aos municípios -, em forma de “oficinas pedagógicas”, nas quais eram traba-
lhadas, com os alfabetizadores, interdisciplinarmente, metodologias diversificadas
do ensino da língua portuguesa, matemática, noções gerais de geografia, história,
ciências e artes e o resgate da cultura regional, por intermédio das lendas e músi-
cas. Nessas ocasiões, produzíamos materiais para serem trabalhados em sala de
aula, a partir de sucatas que os alfabetizadores levavam aos treinamentos. Era
gratificante visitar as salas de aula, as quais funcionavam no período noturno, e,
nesses locais, constatar que os alfabetizadores incrementavam as atividades desen-
volvidas nas “oficinas pedagógicas”, para as proporem a seus alunos.
As visitas mensais a essas salas de aulas subsidiaram o redirecionamento
do processo de alfabetização e garantiram uma aprendizagem interdisciplinar,
proficiente, de forma contextualizada, uma vez que, da coleta de dados, análise
e interpretação da realidade discente, realizadas no contexto escolar, eram esta-
belecidos os objetivos, selecionadas as metodologias e mapeados os conteúdos,
para propor aos alunos novos desafios que, aceitos e transpostos, colocavam
cada aprendente em uma nova realidade de conhecimentos construídos.
Os textos utilizados em sala de aula pelos alfabetizadores eram signifi-
cativos e ligados ao cotidiano discente. Textos com os quais o aluno tivesse fa-
miliaridade, e que, a partir das ideias neles contidas buscasse as respostas que
necessitava para desenvolver as atividades que lhes eram propostas. Acredito
que a dificuldade para ler uma palavra se intensifica quando esta se encontra
descontextualizada na atividade de análise típica do contexto escolar, pois, se-
gundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997, p. 35):
Se o objetivo é que o aluno aprenda a produzir e a interpretar textos, não é
possível tomar como unidade básica de ensino, nem a letra, nem a sílaba,
nem a palavra, nem a frase que, descontextualizadas, pouco têm a ver com
a competência discursiva, que é a questão central. Dentro desse marco, a
unidade básica do ensino só pode ser o texto, mas isso não significa que
não se enfoquem palavras ou frases nas situações didáticas específicas que
o exigem. (Parâmetros Curriculares Nacionais 1997, p. 35.

Constitui-se função da escola propiciar aos alunos a apropriação da lei-


tura e da escrita para que, dessa forma, ocorra uma transposição para a sua
vida social. E, nesse processo de ação reflexão-redirecionamento-ação, refletin-
do sobre as práticas dos alfabetizadores, os tropeços e as conquistas discentes,
podem-se instalar ações significativas e transformadoras que possibilitem o de-
senvolvimento do senso crítico, da autoestima, da autoconfiança e da autono-
mia, para a construção de cidadãos que possam atuar, de forma democrática, na
comunidade em que estão inseridos.
Ao ensinar, também, aprendi muito com os alfabetizadores com quem,

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Saberes e Partilhas
nessa ocasião, tive contato, e, nesse processo, descobri professores maravilhosos
e maravilhados pela arte de ensinar. Docentes com práticas metodológicas para
se evitar a evasão discente, pois esta, muitas vezes, poderia comprometer o bom
desenvolvimento do Programa, visto que o sucesso deste está, intrinsecamente,
ligado à atuação do professor em sala de aula e à frequência do aluno.
Em diálogos estabelecidos com os alfabetizandos, para elevar a sua au-
toestima, apresentava-lhes o texto “A canoa”, apontada por Paulo Freire. A par-
tir das ideias contidas nesse texto, esse autor nos aconselha a valorizar, indistin-
tamente, todas as pessoas com as quais tenhamos contato, uma vez que cada
uma delas tem algo de diferente para nos ensinar:
Em um largo rio, de difícil travessia, havia um barqueiro
que atravessava as pessoas de um lado para o outro.
Em uma das viagens iam um advogado e uma
professora. Como quem gosta de falar muito, o
advogado pergunta ao barqueiro: ___ Companheiro,
você entende de leis? Não. – Responde o barqueiro. E
o advogado compadecido: É pena, você perdeu
metade da vida! A professora muito social entra na
conversa: Seu barqueiro, você sabe ler e escrever?
Também não. – Responde o remador. Que pena! –
Condói-se a mestra – Você perdeu a metade da vida!
Nisso chega uma onda bastante forte e vira o barco. O
canoeiro preocupado, pergunta: Vocês sabem nadar?
Não! – Responderam eles rapidamente. Então é uma
pena – Concluiu o barqueiro – Vocês perderam toda a
vida!
Nesse texto, podemos observar que “não há saber mais ou saber menos:
Há saberes diferenciados”, e, a partir dessa afirmação, dizia aos alfabetizadores
e alfabetizandos que o não saber ler e escrever se constitui em apenas um peda-
cinho da vida, mas que eles possuíam muitos outros conhecimentos os quais ser-
viriam de ponto de partida para se apropriarem da leitura e da escrita, e, quando
isso acontecesse, estariam completos.
Nessas ocasiões, percebia que a minha fala elevava muito a autoestima
de todos, e, a partir daí, ouvia depoimentos diferenciados e emocionados, tais
como: “na minha idade, quarenta e cinco anos, estou conhecendo um colégio
pelo lado de dentro, e o melhor, estou aprendendo a ler e escrever”; ou o de um
senhor, com setenta e cinco anos de idade, que nasceu com dificuldades auditi-
vas: “A vida inteira pensei que era meio surdo, mas, agora, que estou aprenden-
do a ler e a escrever, percebi que, durante toda a minha vida, fui muito cego”, ou,

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ainda, de um senhor cuja filha era alfabetizadora na localidade: “Fiquei sozinho
no boteco, enquanto meus amigos estavam aprendendo com minha filha ensi-
nando, e eu estou ficando para trás. Então, aqui estou, e contente por ter vindo
aprender”; ou, ainda, também, “Eu não preciso sujar mais o dedo para assinar
o meu nome, agora, sei ler e escrever”.
Esses depoimentos me traziam à lembrança os versos de Bernardes (2005):

Queremos formar sujeito...


Sujeito de sua glória,
Sujeito que não se assujeita,
Sujeito de aberto peito,
Sujeito de ações refeitas,
Sujeito de sua própria história.

Segundo Teixeira (1947), democracia é literalmente educação. Educação


é a base, o fundamento, a condição primordial para a democracia. A justiça
social, por excelência, da democracia consiste nessa conquista da igualdade de
oportunidades pela educação. Nascemos desiguais, nascemos ignorantes, e, por-
tanto, nascemos escravos. É a educação que pode mudar. A educação como pos-
sibilidade de transformação era o que notávamos nos depoimentos dados pelos
alfabetizandos, pois esses alunos tinham as suas vidas modificadas para melhor,
em virtude de estarem participando do processo de ensino e aprendizagem de
um Projeto que lhes possibilitava a aquisição da escrita.
Para Mougniotte (1994), o principal paradoxo da democracia persiste:
“ela não existe sem uma educação apropriada do povo para fazê-la funcionar”;
ou seja, sem a formação de cidadãos democráticos. E a formação de cidadãos
democráticos supõe a preexistência destes como educadores do povo, tanto no
Estado quanto na sociedade civil.
A Alfabetização de jovens e adultos se constituiu em um marco em minha
vida, tanto como pessoa, como profissional da educação, uma vez que essa ex-
periência foi, também, substancial a redimensionamentos de meus paradigmas,
em relação a meus projetos relativos à minha práxis pedagógica cotidiana e,
principalmente, a meus projetos de vida.
O ato de alfabetizar, a partir dessas experiências, tornou-se, para mim,
muito mais significativo, pois, como aponta Bernardes (2005):
Alfabetizar é extrair vergalhão
Dos que vêem sem muito enxergar,
É pôr letras na visão,
É dar voz: re-significar

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Saberes e Partilhas
Minha vida, enquanto profissional da Educação, perpassou da pré-escola
aos cursos de pós-graduação, e posso afirmar, com convicção, que trabalhar com
alfabetização de jovens e adultos é prazeroso e, acima de tudo, gratificante.
Segundo a Declaração da Cúpula Mundial da Educação, da ONU, em
seu Artigo sexto: “A educação enquanto um direito humano fundamental é a
chave para um desenvolvimento sustentável, assim como para assegurar a paz
e a estabilidade entre países e, portanto, um meio indispensável para alcançar
a participação efetiva nas sociedades e economias do século XXI. Não se pode
mais postergar esforços para atingir as metas da Educação Para Todos. As neces-
sidades básicas da aprendizagem podem e devem ser alcançadas com urgência.”
Constatei isso ao atuar, durante dois anos, no Projeto Alfabetização
de Jovens e Adultos, como coordenadora pedagógica setorial nas cidades de
Canguaretama e Vila Flôr, localizadas no Estado do Rio Grande do Norte.
A educação de jovens e adultos se constituía em meta de projetos que
tinha como objetivo a alfabetização de pessoas em diversas localidades brasilei-
ras. Esses projetos buscavam otimizar as condições para a realização da apren-
dizagem, em relação à aquisição da linguagem escrita. Para a consecução desse
objetivo eram somados esforços entre órgãos de diferentes segmentos sociais.
O Projeto Alfabetização Solidária de Jovens e Adultos, conjunção de for-
ças entre a Universidade, o Município e a União, realizou ações significativas
e proficientes nas localidades em que se propõe atuar. Seus principais objetivos
eram: reduzir o índice de analfabetismo; alfabetizar jovens e adultos; estimular
parcerias e responsabilidades sociais no setor público e na iniciativa privada; e
promover a cidadania.
De acordo com o Parecer CNE/CEB, a Educação de Jovens e Adultos
(EJA) é um programa que busca reparar àqueles que não tiveram acesso à leitura e
à escrita ao longo da vida. A privação da aquisição do letramento é uma perda sig-
nificativa para a sociedade. Nessa perspectiva, Magda Soares (1995) defende que
(...) um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e eco-
nomicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm
presença forte, se se interessa pela leitura de jornais feita por um alfabeti-
zado, se recebem cartas que outros leem para eles, se dita cartas para que
um alfabetizado as escreva, (...), se pede a alguém que lhe leia avisos ou
indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma,
letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura
e de escrita. (SOARES, 1995, p.24)

O Ministério da Educação produziu um material didático específico, para


a alfabetização de jovens e adultos, voltado para o ensino da leitura, escrita e
aprendizagem matemática, baseado no Método Paulo Freire.
No final da década de 50, os pressupostos teóricos de Paulo Freire serviram

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de parâmetro aos principais programas de alfabetização de adultos, segundo os
quais os analfabetos eram conhecidos como homens e mulheres produtivos, que
possuíam uma cultura e leitura de mundo, uma vez que, segundo esse autor “a
leitura de mundo precede a leitura da palavra”. Freire também criticou a edu-
cação bancária que considerava o analfabeto uma espécie de gaveta vazia, na
qual o educador deveria depositar o conhecimento sócio-histórico produzido
pela humanidade; e, para Haidt (1994, p. 130), muitas dessas experiências po-
dem ser relatadas como forma contributiva à expansão da pesquisa científica na
Educação de Jovens e Adultos:
Um conteúdo será significativo e interessante para o aluno quando estiver
relacionado às experiências por ele vivenciadas. Por isso, o professor deve procu-
rar relacionar, sempre que possível, os novos conhecimentos, a serem adquiridos
pelos alunos, com suas experiências e conhecimentos anteriores fazendo uma
ponte para ligar o já conhecido ao conhecido novo e ao desconhecido. É esta
ligação do conhecido vivenciado ao desconhecido novo que torna o conteúdo
significativo e interessante.
Sendo assim, o objetivo deste capítulo se constitui em tecer reflexões e
considerações gerais relativas a uma experiência e a algumas das muitas trans-
formações que ocorreram por ocasião da realização do Projeto em dois dos mu-
nicípios do Rio Grande do Norte (Canguaretama e Vila Flôr), do qual participa-
ram, além do governo federal, as secretarias municipais, e esta professora, como
Coordenadora Pedagógica Setorial, e representante da Universidade do Vale do
Paraíba - Univap, da cidade de São José dos Campos, do Estado de São Paulo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sucesso de um Projeto de Educação de Jovens e Adultos depende do


somatório de forças, da conjunção de objetivos, de metodologias eficientes, e,
principalmente, da crença na transformação de realidades.
Dessa forma, a educação de jovens e adultos não se configura em proble-
mas de alguns, mas sim em conquistas de todos, visto que a consecução de seus
objetivos promove mudanças significativas na realidade daqueles que, por moti-
vos diversos, foram-lhes sonegadas a construção de conhecimentos, as opções de
projetos de vidas a serem trilhados, as luzes do saber que, quiçá, tornar-lhes-iam
outras pessoas, que trilhariam outros caminhos, em outras realidades.
Mensalmente, ao chegar aos municípios de Vila Flor e de Canguaratema,
sentia-me contagiada pelo sorriso e pelo brilho que haviam se instalado nos
olhos daqueles Jovens e Adultos que estavam se alfabetizando, e que, agora,
sentiam-se lembrados e, por isso, apresentavam-se prontos para novas empreita-
das, em busca da construção de seus conhecimentos, de seus novos projetos, de

276
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
sua nova vida, e há de se destacar, contando com alfabetizadores de suas loca-
lidades - como mediadores -, no processo de aquisição de seus novos saberes. A
principal motivação dos jovens e adultos que ingressam em cursos de alfabetiza-
ção é, segundo seus depoimentos, “aprender a ler e a escrever”, “conseguir um
emprego melhor”, “ter autoconfiança”, “ter autoestima”, ”entender melhor as
coisas”, “falar bem”, “ser gente” e “aprender a trabalhar coletivamente”.
Como Coordenadora Pedagógica Setorial, pude constatar que, em âmbito
nacional, as diferenças culturais entre coordenadores, alfabetizadores e alfabe-
tizandos acabaram encontrando semelhanças incríveis que contribuíram de
maneira significativa para a construção social, política, ideológica e cultural da
sociedade brasileira.
Nas capacitações realizadas mensalmente, sempre procurei conscientizar
os professore alfabetizadores sobre a importância de se construir uma escola
voltada para a formação de cidadãos, criando condições que permitam aos jo-
vens e adultos terem acesso ao conjunto desconhecimentos socialmente elabo-
rados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania. Sendo assim,
é função do professor alfabetizador instrumentalizar o alfabetizando para uma
atuação crítica e produtiva no processo de transformação e construção de uma
sociedade justa, humanitária e igualitária.

Referências Bibliográficas
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sitária – Cabral, 2005.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CEB nº 11/2000.
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culares Nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC, 1997.
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HAIDT, Regina Célia Cazause. Curso de Didática Geral. São Paulo, Ática, 1994.
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SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:
CEALE/Autêntica, 1998.
TEIXEIRA, A. Autonomia para a educação (1947). In: Rocha, I. A. L. Anísio
em movimento. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992.

277
O CALEIDOSCÓPIO DA OBRA FREIREANA NA
EDUCAÇÃO INFANTIL: LUTAS E CONQUISTAS
NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE
Camila Beltrão Medina1
Denise Henrique Mafra2
Maria Angélica Gomes Maia3

Identidade Docente e a (a mais que) necessária reflexão sobre ela

O caleidoscópio é um instrumento óptico que une pedacinhos de espelhos


de tamanhos variados promovendo beleza, sinergia, harmonia a partir de uma
sucessão de mudanças. Não por acaso esse verbete foi escolhido como título do
texto aqui apresentado.
Entende-se que a estruturação do sistema de ensino brasileiro se deu a
partir da união de diversos filetes (“pedacinhos de espelhos”). Na Educação
Infantil, como parte deste sistema de ensino nacional, não foi diferente. No en-
tanto, sabe-se que historicamente, a sua construção e constituição, não se deram
de modo belo, sinérgico e harmônico. Pedacinhos de concepções de ensino, teo-
rias, visões e necessidades de infância, de aspectos para a formação do educador,
de interesse de órgãos públicos, unidos e modificados a partir do avanço da ciên-
cia e das novas necessidades social, foram refletindo os alicerces e a arquitetura
do referido nível de ensino de forma complexa e dialética.
Para Erick Hobsbawm (1988), na passagem do século XIX para o XX,
as creches, jardins de infância ou escolas maternais, faziam parte do conjun-
to de elementos que representava uma sociedade civilizada. Neste sentido, as

1 Doutora em História e Historiografia da Educação pela Universidade de São Paulo – USP;


Coordenadora Pedagógica do curso de Pedagogia da Universidade do Vale do Paraíba
– Univap, professora em cursos de formação de professores. Contato: camila.medina@
univap.br
2 Mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho; Coordenadora Pedagógica do
Curso de Pedagogia da Universidade Paulista – Unip, professora em cursos de formação
de professores e professora aposentada da Rede Estadual de Ensino do Estado de São
Paulo. Contato: [email protected]
3 Mestre em Semiótica, Tecnologia de Informação e Educação pela Universidade Braz
Cubas; professora em cursos de formação de professores e vasta experiência na Educação
Básica. Contato: [email protected]
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
instituições de educação infantil que nascem com o propósito de serem um
espaço seguro para mães trabalhadoras deixarem seus filhos durante o adian-
tamento do ofício, tornam-se um referencial de modernidade e de civilidade,
oportunizando espaço para a produção de conhecimento sobre desenvolvimen-
to, aprendizagem e cuidado desta determinada faixa etária. Um país moderno e
civilizado é aquele que olha para a infância, para sua proteção e atenção as suas
necessidades primárias. Vale destacar que a criança que necessita de proteção e
cuidado é a inserida em classes sociais desprivilegiadas. É o filho de mãe traba-
lhadora, que para o sustento da família precisam se afastar da cria.
Tal ideário propagado a partir dos países europeus centrais, berços do
trabalho feminino, em especial o trabalho fabril feminino, chega ao Brasil, em
um período que as influências teóricas se deslocam da Europa para os EUA e a
infância passa a ser discutida e concebida nesse país, como etapa que necessita
de proteção, bem como, educação. Uma educação que desde tenra idade estabe-
leça os valores e princípios da sociedade: constitui-se aqui, “uma pedagogia da
submissão, que pretendia preparar os pobres para aceitar a exploração social”
(Kuhlmann Jr, 2000, pg 04).
Segundo Moisés Kuhlmann Jr (2000), no Brasil, das primeiras décadas do
século XX até 1970, as instituições de educação infantil, foram vagarosamente
se expandindo sob duas obliquidades: uma, vinculada ao sistema de educação,
atendendo crianças de 4 a 6 anos e, outra, relacionada aos órgãos de saúde e
de assistência, unida a educação de modo indireto. Mesmo não sendo regidas
por uma determinação nacional, estados brasileiros legislavam no sentido de
garantir Escolas Maternais, principalmente voltadas a atenção básica dos filhos
de operários, preferencialmente junto às fabricas e com oferta de alimentação
às crianças. O cuidar consistia no objetivo central de tais instituições. Higiene e
alimentação das crianças se transformam na prioridade desses espaços, esvaindo
a necessidade de se ter um profissional da educação, com formação específica e
conhecedor de teorias pedagógicas, de desenvolvimento infantil, gestão escolar,
ou, com a constituição de uma identidade profissional. É a personificação da
figura do cuidador ou, como ficou popularizado, da “tia”.
Sobre isso Paulo Freire (1997 b), chamou a atenção em sua obra Professora
sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar quando, aludiu que “quanto mais acei-
tamos ser tias e tios, tanto mais a sociedade estranha que façamos greve e exige
que sejamos bem-comportados”, mais o professor se distancia da constituição
de uma identidade profissional e fica navegando em águas fluídas que o levam
de um lado para o outro sem oportunizar espaços para uma reflexão sólida sobre
o ato de ensinar e aprender. (Freire (b), 1997, p. 33). Segundo palavras do autor:
Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa

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D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de
parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se
é tia por profissão. Se pode ser tio ou tia geograficamente ou afetivamente
distante dos sobrinhos, mas não se pode ser autenticamente professora,
mesmo num trabalho a longa distância, “longe” dos alunos. (FREIRE (b),
1997, p. 9)

O trabalho pedagógico que deve estar presente na ação docente, em sua


competência e em sua ousadia no ato de ensinar, é aquele de quem sabe o que
está fazendo e porque o está fazendo. Em cada uma das cartas que formam os
capítulos do livro, Freire nos transmite o que há de fundamental na profissão do
educador e educadora como o ensino da leitura da palavra para compreensão
do mundo, passando pelas relações entre educadores e educandos. Destacamos
ainda o livro Educação e Mudança em que o autor apresenta como temática
principal a conscientização da sociedade, especialmente dos educadores e gesto-
res, e o papel da educação nesse processo.
No primeiro capítulo, “O Compromisso do Profissional com a Sociedade”,
Freire (1979) analisa o ser humano enquanto profissional e é também uma
apresentação de definições e análises a respeito de compromisso, educação,
estrutura social, sociedade entre outras, a fim de estimular e facilitar a opção
nos processos de mudança, levando em conta o que deveria ser o principal
compromisso de todo e qualquer ser humano que é com sua evolução, melhoria,
transformação. Neste sentido, “o compromisso seria uma palavra oca, uma abs-
tração, se não envolvesse a decisão lúcida e profunda de quem o assume. Se não
se desse no plano concreto. (FREIRE, 1979, p. 15).
Professoras e professores são agentes de e para a transformação quando
assumem o compromisso com a conscientização de seus educandos/educandas,
exatamente por isso, não podem concordar em serem confundidas com as dóceis
representações das “tias”, ou, com a ideia de ser um cuidador, amoroso, sério e
responsável, mas sem formação científica e profissional. A superação do típico
amor à profissão ou a alegoria do sacerdócio deve ser objetivo daqueles e daque-
las que, transformadores de sua realidade, trabalham com afinco na construção
diária do exercício da cidadania, da consciência e da criticidade. Elementos de
valorização do papel do professorado.
O pensar sobre as questões referentes ao educar da criança pequena, in-
vadem as fronteiras do sistema de ensino e colocam as Instituições de Educação
Infantil no circuito dos debates e do ideário pedagógico brasileiro, o que acaba
por promover sua legalização a partir da Constituição Federal de 1988 que, re-
conhece o dever do Estado e o direito da criança de ser atendida em creches e
pré-escolas, vinculando esse atendimento ao âmbito educacional. A educação
passa a ser concebida como Direito Humano Universal, devendo ser ofertada a

280
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
TODAS as pessoas.
Sob esses princípios do atendimento escolar a todas as crianças, indepen-
dente da sua classe social, o referido nível de ensino ganha olhares e, com isso,
ampliam-se e solidificam pesquisas voltadas a práticas pedagógicas, a compreen-
são do pensar e do desenvolvimento de seu público-alvo, bem como, a formação
de professores/educadores (e não cuidadores ou “tias”). Com isso, os cursos
de Pedagogia, reestruturam suas matrizes curriculares incluindo disciplinas e
conteúdos que abordem a história da infância e da constituição da educação
infantil, desde o âmbito legal até os fundamentos ideológicos; o aprender formal
pela criança pequena e, consequentemente o processo de desenvolvimento bio-
-psico-afetivo-cognitivo-social; práticas pedagógicas adequadas ao pensar e ao
momento do desenvolvimento que a criança pequena se encontra; conjecturas
sobre a importância do “jogo, brinquedo e brincadeira como instrumento de
aprendizagem; o mergulho no pensamento de autores que defendem e propõem
teorias pedagógicas para o ensinar e o aprender da crianças pequenas. É o des-
locamento de uma instituição, com base assistencialista, voltada ao cuidar, para
uma instituição que tem por função, além do cuidar (visto que estamos falando
de crianças de faixa etária entre zero e 6 anos), o educar. É a regularização do
trabalho docente na Educação Infantil, no âmbito da legislação, fortalecida com
o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), aprovado dois
anos após a Constituição de 1988.
O ECA emerge, entre outras questões, a consolidação da inserção das
crianças no mundo dos direitos humanos, corroborando para a viabilização
de um sistema integrado de promoção e fiscalização de políticas públicas.
Subsequente a publicação do ECA, entre os anos de 1994 e 1996, Paschoal e
Machado (2009), apontam que o Ministério da Educação, publicou uma série de
documentos compondo a Política Nacional de Educação Infantil. Segundo os
autores, “tais documentos estabeleceram as diretrizes pedagógicas e de recursos
humanos com o objetivo de expandir a oferta de vagas e promover a melhoria
da qualidade de atendimento nesse nível de ensino” (Paschoal e Machado, 2009,
pg 86).
Entre as diretrizes estabelecidas, mais uma vez a formação de professores
entra em voga: “política de formação do profissional de educação infantil, que
reafirma a necessidade e a importância de um profissional qualificado e um
nível mínimo de escolaridade para atuar nas instituições de educação infantil”
((Paschoal e Machado, 2009, pg 86)
A construção da identidade docente, dos educadores da primeira infância
enfrenta, portanto, a partir dos anos noventa (1990), uma ressignificação em
representação quanto a valorização e identidade profissional, em decorrência do

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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
reconhecimento da sua importância.
No percurso de construção de identidade do educador tem-se ainda a
identificação do professor que atua neste segmento a partir da representação
da imagem de “boa moça”, “bom moço”, “a tia” “o tio”, atributos os quais os
educadores perdem nome e identidade, como salientado anteriormente.
Toda prática que transforma é alimentada em um exercício de ação-re-
flexão em que o processo de se conscientizar origina. Trata-se de um processo
contínuo próprio de seres humanos comprometidos com a mudança do mundo
e de si. A constituição da identidade docente percorre esse caminho, sendo que:
se não o conseguem ao longo de sua experiência, não lhes é possível saber
com clareza o que querem, como caminhar para tratar o que querem, que
implica saber para quê, contra que, a favor de quê, de quem se engajam na me-
lhora de seu próprio saber. (FREIRE, 1997, p.75)

A conscientização é parte de um movimento que se transforma em ação


ao compreender a realidade atingindo um nível crítico de conhecimento que
volta a inspirar a ação rumando à práxis. Assim, uma identidade educadora
demonstra ser um tema intrincado e plurifacetado, pois não se dá num único
instante ou local. Essa construção se dá em forma do caleidoscópio aqui já des-
crito e pode ser vista como bases, fundamentos, das diversas faces e fases que
a constitui. É ao longo de toda a trajetória de vida, refletindo sobre sua prática
que o educador e a educadora vão se formando, construindo, constituindo sua
identidade docente.

Escola, Prefeitura e Universidade: uma parceria na formação e constituição


da identidade docente.

No ano de 2019, firmou-se parceria entre uma escola conveniada4 da pre-


feitura do município de São José dos Campos e os cursos de Artes e Pedagogia da
Faculdade de Educação e Artes da Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP),
na qual foi oportunizada tanto aos docentes da escola – educadores da primeira
infância, quanto aos futuros licenciados, reflexões acerca da identidade e do
papel do professor: um ofício de comprometimento, preparo científico e social,

4 Escolas conveniadas são instituições de ensino de natureza privadas/filantrópica que se


tornam parceiras do governo ao absorver estudantes que não encontram vaga na rede pú-
blica. É uma forma encontrada pelo setor público de tentar sanar o problema de escassez
de vagas, especialmente no que se refere a creches. Existem dois modelos básicos de esco-
las conveniadas: creches indiretas que são prédios construídos pela prefeitura e repassados
a uma instituição privada que recebe subvenção per capita para seu funcionamento e as
creches conveniadas, na qual, toda a estrutura é de responsabilidade da entidade privada,
que recebe subvenção per capita da prefeitura para seu funcionamento (Nascimento, Silva,
Souza e Alencar, 2022). A instituição de educação infantil analisada neste texto é uma
creche conveniada da Prefeitura de São José dos Campos.

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Saberes e Partilhas
bem como, de luta pelo direito a educação (e aqui, a educação infantil, em prol
das camadas populares).
Constituiu-se, então, um espaço privilegiado de formação continuada e
formação inicial tendo como eixo precípuo a práxis pedagógica, em que ser
humano/aluno são compreendidos em sua relação com o mundo, um ser em
situação que trabalha e transforma o mundo. Portanto, o humano é um ser da
“práxis”: da ação e da reflexão.
Destaca-se aqui que a educação compreendida como humanizadora te-
nha como objetivo substanciar o processo ensino-aprendizagem somando ao
currículo trabalhado em sala de aula com os saberes adquiridos pelos alunos
a partir de suas vivências pessoais. Para Freire, portanto, a consciência da hu-
manidade se constrói na interação e construção da leitura de mundo de cada
ser humano com seu entorno na disposição de conhecer a si e ao mundo. Para
que isso ocorra se faz necessário uma “pedagogia da comunicação com a qual
pudéssemos vencer o desamor do antidiálogo. Lamentavelmente por uma série
de razões esta postura – a do antidiálogo vem sendo mais comum na América
Latina.” (FREIRE, 1979, p.69)
Portanto, seguimos com a perspectiva Freireana (1980) em que, a pedago-
gia deve ser vislumbrada a partir das relações sociais, produtoras de sociabilida-
de humana, pois, só assim se torna possível humanizar essas relações, condição
fundamental para a educação.
De acordo com Solon Freire (2010 p. 8):
A práxis é um modo de compreender a existência a partir da relação entre
subjetividade e objetividade, entre ação e reflexão. Desenvolver um pensa-
mento pedagógico baseado na práxis é possibilitar o élan relacional entre
humanização e educação. Enquanto parte do processo educacional, o ato
pedagógico requer uma atenção direta aos sujeitos nele envolvidos e aos
fins próprios da ação desses sujeitos. Paulo Freire aprofunda o conceito
de práxis no universo pedagógico, como sendo a capacidade do sujeito
de atuar e refletir, isto é, de transformar a realidade de acordo com as
finalidades delineadas pelo próprio ser humano. Concebe uma teoria pe-
dagógica a partir da práxis, da dialética consideração entre a vivência das
condições identitárias do ser humano e a sua disposição à educabilidade.

Os dados estatísticos do Censo da Educação Básica, do INEP de 2019


apontam que o total de crianças matriculadas nas creches brasileiras alcançou
3,8 milhões. O Censo Escolar 2019 registrou 71,4 mil creches cadastradas, um
aumento de unidades de 2,4% (1,7 mil) em relação ao total de 69,7 mil do ano
anterior. Os municípios prevalecem na oferta de creches, com 2,5 milhões de
matrículas. Em seguida, vem a rede privada, que conta com 1,3 milhão de alu-
nos. Entre as matrículas em creches particulares, 45,3% (588.479) são em ins-
tituições conveniadas com o poder público. O número de creches conveniadas,
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
de acordo com a pesquisa, é de 6.141 unidades, 21% do total de creches da rede
privada, sendo essa a alternativa encontrada na busca atender a demanda da
escolarização de crianças de zero a três anos. Segundo o censo citado, as matrí-
culas em creches brasileiras estavam assim distribuídas:

Dados do censo de 2019

Este cenário revela que a região Sudeste tem o maior número de matrícu-
las e, é onde está localiza a cidade de São José dos Campos, com uma população
estimada em 737.320 pessoas, salário médio mensal dos trabalhadores formais
de 3,5 e com renda mensal per capita de até ½ salário-mínimo, distinguindo-se
como um município privilegiado em relação ao estado de São Paulo.
A rede municipal de ensino concentra a maior parte das matrículas da
educação infantil, com 71,4%. Em seguida, rede privada com 27,9% (2.505.837)
do total. Das matrículas da rede privada, 29,4% pertencem a instituições par-
ticulares, comunitárias, confessionais e filantrópicas conveniadas com o poder
público. A distribuição de escolas voltadas ao atendimento gratuito na educação
infantil no município de São José dos Campos é:
Tipo de escola Número
EMEIS (escola municipal de educação infantil 65
CECOI (centro de convivência infantil) 19
CEDIN (centro de educação infantil) 29
CONVENIADA (privadas) 35

A rede municipal de São José dos Campos tem apresentado a ampliação


do atendimento como Política de Educação Infantil, no entanto, os dados de

284
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
2017 demostram que, naquele ano, o município não atendeu a demanda total
de alunos de 0 a 3 anos. Esses dados indicavam que mais de 5.000 crianças
aguardavam por uma vaga na rede. As novas matrículas foram realizadas por
meio da construção de nove unidades escolares, reforma e ampliação de outras
34 escolas, que geraram mais de 8.000 vagas, priorizando os que mais precisam.
Outras duas unidades para crianças de 0 a 5 anos estavam em construção e em
fase de licitação, outra escola de educação infantil estava sendo planejada. O
investimento total de 2017 na educação infantil superava R$ 79 milhões segundo
a prefeitura em seu site oficial. (Prefeitura São José dos Campos).5
De acordo com a meta e diretriz previstas no Plano Municipal de Ensino
(2015-2025), o município deverá universalizar o atendimento da Educação
Infantil e, dentro deste contexto, é que realiza a parceria/convênio de compras
de vagas excedentes de escolas particulares para o atendimento de crianças de 0
a 6 anos em regime de meio período e integral. Em função do baixo valor pago
pelas vagas poucas escolas aderiram ao programa, no entanto, tem sido vislum-
brada como uma alternativa para a resolução do problema de escassez de oferta.

Compromisso na parceria pela formação docente

A escola conveniada e que estabeleceu um programa de parceria com a


universidade no sentido de capacitar seus professores e os futuros licenciados, tor-
nou-se conveniada da prefeitura em 2019, atendendo um total de 70 crianças de
0 a 5 anos e 11 meses. A universidade firmou apoio pedagógico, por meio de um
grupo de docentes da Faculdade de Educação e Artes da UNIVAP, em especial do
curso de Pedagogia, estabelecendo uma relação de parceria em estudos e acompa-
nhamento pedagógico das docentes da instituição, além da escola ser credenciada
para os estágios supervisionados dos licenciandos de Pedagogia e Artes Visuais.
O estágio obrigatório nos cursos de formação de professores, é defini-
do como o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente da
escola, integra o itinerário formativo do educando e faz parte do projeto peda-
gógico do curso. Seu objetivo primeiro consiste na preparação para atuação do
fazer docente, no entanto, ao estar em contato com a realidade do ambiente
educativo, estabelecendo junto a instituição de educação básica troca de conhe-
cimentos, viabiliza-se a ressignificação e constituição da identidade docente, rei-
terando o estágio como momento privilegiado da integração teoria e prática, de
acordo com a concepção de prática educativa presente na teoria freireana.
Neste sentido, foi desenvolvido um trabalho no qual os licenciandos vi-
venciaram e acompanharam o desenvolvimento do projeto denominado “O
5 Disponível em: https://www.sjc.sp.gov.br/secretarias/educacao-e-cidadania/ Acesso em:
10 de maio de 2019).

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artista vai à escola”, com o objetivo de propiciar e potencializar a linguagem do
desenho tão comum às crianças, que no ato de desenhar apresentam suas ideias
e abstrações sobre o mundo que a rodeia.
Durante o ano letivo a escola convidou artistas para uma imersão com os
alunos de 2 a 6 anos. As atividades privilegiam o contato das crianças com o con-
vidado a partir de roda de conversa sobre vida, obra e temática de seus trabalhos e,
ao longo do ano o artista participa de vivências em que ele e as crianças juntos, vão
experimentando materiais, suportes, estilos, linguagens diferentes mediadas num
contato direto entre a arte, a figura do artista e o professor que também aprende e
explora o que foi realizado em cada encontro ao longo do bimestre.
A culminância do projeto foi uma exposição aberta à comunidade, or-
ganizada pela equipe da escola e alunas da Pedagogia. Já passaram pela escola
artista importantes do cenário nacional e internacional como: Ramis, Sérgio
Capparelli, Mônica Nador, Guataçara Monteiro, Eliana Chaves, Pitiu Bonfim,
Lindsay Ribeiro, Camila Nador, Ronaldo Oliveira. É interessante pontuar que
o contato direto com a figura do artista permite às crianças ampliarem a com-
preensão do que teóricos apresentam sobre o desenho seja ele uma garatuja ou
uma imagem figurativa são formas genuínas de comunicação da criança, cons-
tituindo-se numa forma privilegiada de linguagem e como linguagem, tem seus
códigos, signos que devem ser compreendidos, respeitados e estudados pelo pro-
fessor ao longo de seu trabalho docente.

Fonte: Arquivo pessoal: vivência desenvolvida no primeiro semestre deste ano com a artista
plástica Pitiu Bonfim.

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Saberes e Partilhas
Durante o desenvolvimento do projeto, na universidade os licenciandos
de Pedagogia e de Artes Visuais participaram de grupos de estudos com o in-
tuito de pesquisar, analisar e refletir sobre fases do desenho infantil, desenvol-
vimento cognitivo e a utilização dos símbolos pela criança, aprendizagem por
meio do lúdico, metodologia e prática de ensino, a arte como uma linguagem
e um conteúdo escolar. Esses estudos organizados em relatórios e transpostos
em estratégias pedagógicas, foram experenciados na escola conveniada. Assim
houve uma migração da produção na universidade para o ambiente educativo
da creche e, a experimentação da aplicação desses saberes gerando e promoven-
do novas reflexões sobre a ação docente e o ser professor. É o exercício de uma
educação libertadora para a humanização; da ideia do indeterminismo e do ina-
cabado, sempre estando em um movimento dialético de formação.
A busca constante por aprender, significar e ressignificar conhecimentos,
é a premissa inexorável de que existe no ser humano a imaginação e a curiosida-
de, pois somente por meio dela é possível encontrar o que Paulo Freire nomeia
de “raison d’entre” das coisas. O ser mais, constituindo-se a partir da constante
humanização do existir. Humanização pela via da curiosidade que faz o ser hu-
mano tomar distância de si mesmo e da vida e lançar-se ao conhecimento, uma
epistemologia própria da existência (Solon Freire, 2010, p 72). Como afirma
Freire (2016, p. 71): “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, os
homens se libertam em comunhão”.

Conclusão ou prelúdio para alcançá-la

A identidade educadora vem apresentada nesse texto como aquilo que


se alcança ao longo de um exercício prático efetivo de profissionais que, co-
nhecedores de seus desafios, poderão levantar hipóteses sobre sua realidade e,
conhecendo-a, poderão trabalhar para sua transformação. Não existe uma cria-
ção mágica, Freire chamou isso de consciência ingênua, mas sim aquela basea-
da na tomada de consciência da compreensão de seu papel por educadores e
educadoras.
Ser essa figura hoje significa teimar, insistir, resistir e exercitar a resiliên-
cia, pois a convivência com as contradições diárias nessa profissão reforça o que
disse Paulo Freire (1997) “o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre
a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática” (p.44). É, então, um exercício para uma eterna
formação pessoal e profissional refletindo, pesquisando e redirecionando a ação
docente, ressignificando os saberes no cotidiano de sua prática contribuindo
com uma educação para a emancipação.
Neste sentindo, buscou-se nesse texto compor um caleidoscópio a partir

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de proposições teóricas de Paulo Freire com uma breve constituição da história
da educação infantil no Brasil somados a um projeto pedagógico desenvolvido
em uma instituição de ensino para crianças de 0 a 5 anos, a formação continua-
da de professores desta instituição e a formação inicial de estudantes licencian-
dos em Pedagogia e Artes Visuais. Colocando como ponto axial a composição
da identidade docente, visto que o ser professor perpassa por uma educação
humanista e critica.
A educação humanista e, portanto, democrática, deve compor-se a par-
tir da preparação técnica e científica dos indivíduos. Uma educação que pelo
diálogo alcance o desenvolvimento e a democracia, efetivando, exclusivamente
por esse meio, o processo educativo e, assim, permitindo uma educação pela
participação, que desenvolva o homem brasileiro e sua criticidade (Freire, 1979).
Correspondendo a esse ideário – o diálogo como essência do ato educativo – que
se estabeleceu a parceria entre a escola conveniada e a universidade.
Ao aluno estagiário foi proporcionada oportunidade de participação e ob-
servação ativa na construção de um projeto vinculado à prática educativa para
crianças de 0 a 6 anos, vivenciando de fato o processo de aprendizagem infantil
com suas singularidades, a maneira peculiar de como as crianças aprendem e a
importância da afetividade na construção de crianças felizes, cheia de vida, e
sonhos.
Aos professores da escola parceira os fóruns de discussão sobre funda-
mentos teóricos alicerces de suas ações cotidianas, permeadas pela visão dos
artistas convidados, consubstanciou autoavaliação sobre seus saberes teóricos e
práticos, permitindo trilhar novas reflexões sobre sua ação docente. E as crianças
que foram respeitadas em seu processo de aprendizagem e, principalmente em
seu direito a educação de qualidade.
Nossa capacidade de aprendizagem é um eterno construir e reconstruir,
significar e ressignificar, é transformar, é refazimento, pois ser freireano significa
reinventar, reformular, recriar, recompor e reconstituir cotidianamente nossas
práticas.

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REFLEXÕES SOBRE A TEOLOGIA DA
LIBERTAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DE UMA
PRÁXIS EDUCATIVA LIBERTADORA NA
AMÉRICA LATINA
João Pedro Ruggieri1
Lauren Mariana Mennocchi2

INTRODUÇÃO

O texto pretende apresentar um breve ensaio sobre a relação dialógica e


histórica entre a Teologia da Libertação e a construção de uma práxis educativa
libertadora na América-Latina, sobretudo, a partir da análise dos alicerces epis-
temológicos libertários das obras de dois grandes autores: Paulo Freire e Ignácio
Martín-Baró.
A Teologia da Libertação caracteriza-se como um fenômeno sociocul-
tural surgido na década de 60, e que desde então têm produzido uma infinidade
de experiências educativas junto aos movimentos de cultura popular e de orga-
nização do povo pobre e oprimido na América Latina, evidenciando o compro-
misso social da Igreja Católica e dos cristãos na busca por uma resposta para os
problemas sociais do continente (CATÃO, 1986).
A teologia em sua perspectiva libertária latino-americana, assim como se
propõe analisar aqui, mantém forte relação com a práxis educativa desenvolvida
no centro-sul do continente americano, por diversos autores que, de modo genéri-
co, buscam a ruptura com toda forma de dependência e entendem o ser humano:
(...) em sua essência enquanto pessoa, liberdade, consciência, nó de re-
lações em abertura para todas as realidades, protagonista de sua própria
história e libertação, sujeito de transformação. Vocacionado à Liberdade,
o ser humano busca responder através de sua disposição de cavar, sem
cessar, espaços de autonomia, em vista de um renovado compromisso
com a causa emancipatória, seja no plano pessoal, seja no âmbito coletivo
(SOUZA, 2018, n.p.)

1 Discente de Iniciação Científica do curso de Psicologia da Universidade do Vale do Paraí-


ba - Univap, São José dos Campos, São Paulo. Email: [email protected]
2 Doutora em Psicologia da Educação. Docente do curso de Psicologia da Universidade do
Vale do Paraíba - Univap, São José dos Campos, São Paulo. Email: [email protected]
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
Depois de buscar evidenciar a relação dialógica da Teologia da Libertação
com a proposta educativa de Paulo Freire, o presente texto destacará as inter-
relações de tais construtos teóricos com a obra do psicólogo Ignácio Martín-
Baró, sobretudo na contribuição que tais fundamentos tiveram na objetivação de
uma práxis educativa voltada à classe trabalhadora, tendo sempre a consciência
como norte.

A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Antes de se analisar propriamente os aspectos epistemológicos da


Teologia da Libertação, deve-se compreender o que se pretende dizer ao utilizar
o termo teologia. Para isto, no entanto, é necessário retornar aos primórdios do
cristianismo não apenas enquanto uma tradição espiritual, mas também como
uma forma de saber.
Nos séculos iniciais do catolicismo, o termo teologia era estritamente rela-
cionado à espiritualidade, consistindo, fundamentalmente, em uma meditação
sobre a Bíblia. Tal teologia se via fortemente caracterizada por um viés monásti-
co, isto é, distanciada dos objetivos comuns do mundo concreto.
Esta ótica forneceu à teologia um caráter metafísico, com o qual propa-
gava-se a existência de um mundo superior, do qual tudo provinha e ao qual
tudo, por fim, haveria de retornar. “A vida presente [...] marcada por radical
contingência, não aparecia suficientemente valorizada” (GUTIERREZ, 1986,
p. 16). Todavia, a partir do século XII, a teologia passa a ser constituída não
apenas como um saber racional, mas também como um protótipo do que, poste-
riormente, viria a ser definido como ciência. Contudo, nas palavras de Gutierrez
(1986), não se deve apegar à noção de ciência adotada pelo pensamento moder-
no, mas pensá-la como uma disciplina intelectual oriunda da aproximação entre
fé e razão. A teologia, nas palavras do autor, se mostra como uma sabedoria cuja
fonte é a caridade que une o homem ao Deus cristão.
Esta sabedoria, atualmente, se entrelaça a outras formas de conhecimen-
to, como aquelas produzidas nas ciências sociais, biológicas e psicológicas. Em
suma, a teologia é, necessariamente, a junção entre os saberes espirituais e racio-
nais (GUTIERREZ, 1986).
Dentro do campo teológico, destaca-se neste texto a Teologia da
Libertação, vasto movimento social iniciado no início da década de 1960, que
contou com o envolvimento de importantes setores da Igreja Católica, movi-
mentos religiosos laicos, redes pastorais com bases populares, Comunidades
Eclesiais de Base (CEB) e diversas organizações populares criadas por ativistas
das CEBs, como associações de moradores e sindicatos de trabalhadores rurais
e urbanos da América Latina (LÖWY, 2016).

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Historicamente, o pensamento no qual a Teologia da Libertação se encon-
tra alicerçada remete ao período em que o continente americano se encontrava à
mercê dos processos colonizadores europeus. Tal modo de pensar consistia em
questionamentos e indagações sobre os modos pelos quais a Igreja Católica se
fazia presente no território estrangeiro e como esta tradição religiosa abordava a
realidade dos povos originários, indígenas, africanos e população empobrecida
do campo e da cidade (BOFF e BOFF, 1986).
Estes autores se referem, também, a um conjunto de personalidades cujas
práticas eclesiásticas podem ser consideradas como próximas daquelas defendi-
das pelos teólogos da libertação, como por exemplo: Bartolomeu de las Casas,
Antônio de Montesinos, Antônio Vieira e Frei Caneca. “O que hoje emerge à
tona da consciência social e eclesial tem [nesses nomes] a sua fonte” (BOFF e
BOFF, 1986, p. 93).
Löwy (2016) expande a compreensão do termo Teologia da Libertação, refe-
rindo-se a um conjunto de textos publicados por autores latino-americanos, não
necessariamente vinculados ao catolicismo, mas próximos a esse movimento
eclesial, tais como Gustavo Gutiérrez (Peru), Rubem Alves, Hugo Assmann,
Carlos Mesters, Leonardo e Clodovis Boff, Frei Betto (Brasil), Jon Sobrino,
Ignacio Martin-Baró, Ignacio Ellacuría (El Salvador), Segundo Galilea, Ronaldo
Munoz (Chile), Pablo Richard (Chile-Costa Rica), José Miguez Bonino, Juan
Carlos Scanone, Ruben Dri (Argentina), Enrique Dussel (Argentina-México),
Juan-Luis Segundo (Uruguai) e Samuel Silva Gotay (Porto Rico).
Löwy (2016), refere-se à Teologia da Libertação como sendo, portanto, o
“produto espiritual” advindo de um movimento social iniciado, sobretudo, após
a década de 50, quando as condições concretas de vida do povo latino-america-
no determinaram a renovação experimentada nas atividades da Igreja Católica.
Os governos populistas que vingaram na América Latina, tais como o de
Juan Domingo Perón na Argentina e o de Getúlio Vargas no Brasil impuseram
um sistema de desenvolvimento industrial, que acabou por beneficiar as bur-
guesias nacionais e ampliar a desigualdade social, sobretudo, da população que
vivia no campo.
Tal método desenvolvimentista foi realizado aos moldes de um capitalis-
mo dependente, na medida em que a burguesia se associou ao capital estrangei-
ro, submetendo deliberadamente os países dependentes às ordens do imperialis-
mo (OLIVEIRA; VAZQUEZ, 2010).
As profundas desigualdades causadas pelo modelo de desenvolvimento
econômico adotado pelos países da América Latina tornaram necessárias trans-
formações da estrutura socioeconômica, reivindicadas por movimentos popula-
res e mobilizações urbanas. Sendo assim, a revolução cubana de 1959, elucida ao

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Saberes e Partilhas
mundo uma forma de romper com a condição de dependência. É neste contexto,
portanto, que membros da Igreja Católica reafirmam sua missão social: o com-
prometimento com o trabalho popular e a propagação dos ideais progressistas.
Sobre este período da história do catolicismo, escrevem Boff e Boff (1986,
p. 95):
Há práticas realmente promotoras da consciência e das condições de
vida das populações carentes: são os vários movimentos da Igreja como
JUC (universidades), a JOC (operários), a JAC (camponeses), o MEB
(movimento educação de base), as escolas radiofônicas, as primeiras
Comunidades Eclesiais de Base. [...]. O Concílio Vaticano II (1962-1965)
forneceu a melhor justificativa teórica para práticas elaboradas sob o signo
de uma teologia do progresso, da autêntica secularização e da promoção
humana.

Gutierrez (1986) ressalta a importância do Concílio Vaticano II como um


evento no qual ficou marcada a concepção da Igreja Católica como uma insti-
tuição prestadora de serviço à comunidade, uma Igreja não mais centrada em si
mesma, mas dedicada ao trabalho conjunto e à busca de novas possibilidades de
vida com seus fiéis.
Contudo, dado o fato de serem muitos os autores adeptos à Teologia da
Libertação, e de não haver uma sistematização dos trabalhos teóricos a esta per-
tencentes, Löwy (2016) tenta condensar uma série de princípios que norteiam
esta abordagem teológica afim de promover uma melhor compreensão sobre os
postulados teóricos e epistemológicos sob os quais a Teologia da Libertação se
constitui e se faz valer. São estes:
1. A luta contra a idolatria (não o ateísmo) como inimigo principal da reli-
gião, isto é, contra os novos ídolos da morte adorados pelos novos Faraós,
pelos novos Césares e pelos novos Herodes: Bens Materiais, Riqueza, o
Mercado, a Segurança Nacional, o Estado, a Força Militar, a “Civilização
Ocidental Cristã”.
2. Libertação humana histórica como a antecipação da salvação final em
Cristo, o Reino de Deus.
3. Uma crítica da teologia dualista tradicional, como produto da filosofia
grega de Platão, e não da tradição bíblica na qual a história humana e a
história divina são diferentes, mais inseparáveis.
4. Uma nova leitura da Bíblia, que dá uma atenção significativa a passa-
gens tais como a do Êxodo, que é vista como paradigma de luta de um
povo escravizado por sua libertação.
5. Uma forte crítica moral e social do capitalismo dependente como siste-
ma injusto e iníquo, como uma forma de pecado estrututral.
6. O uso do marxismo como instrumento socioanalítico a fim de entender
as causas da pobreza, as contradições do capitalismo e as formas da luta
de classe.
7. A opção preferencial pelos pobres e a solidariedade com sua luta pela
autolibertação.

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8. O desenvolvimento de comunidades de base cristãs entre os pobres
como uma nova forma de Igreja e como alternativa para o modo de vida
individualista imposto pelo sistema capitalista. (LÖWY, 2016, p. 77).

Com base em tais informações, compreende-se que a Teologia da


Libertação surgiu em um período histórico em que o reacionarismo, o populis-
mo e os regimes ditatoriais predominavam por toda a América Latina. Enquanto
práxis, humanizou uma doutrina religiosa e se fez presente em diversas lutas
pela libertação do povo trabalhador latino-americano, tomando o marxismo
como instrumento de análise concreta das relações de produção e reprodução
dentro das especificidades de uma sociedade capitalista dependente.

TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO E A PEDAGOGIA FREIRIANA

De maneira semelhante ao propósito da Teologia da Libertação, os ideais


de Paulo Freire são dotados de um propósito também libertário, no qual o sujei-
to abandona a sua condição de objeto e assume o papel de agente de sua própria
existência no mundo. Ainda, conforme disserta Azevedo (2010), a pedagogia
freiriana concebe a educação como sendo uma ferramenta que o sujeito se uti-
liza para construir uma identidade sólida, tendo como principais pilares a liber-
dade, o diálogo e a conscientização.
Deve-se ter em mente que a filosofia e o método pedagógico de Paulo
Freire foram elaborados enquanto ele trabalhava com a população da região
nordeste brasileira, onde um expressivo número de pessoas estava imerso no
analfabetismo e na extrema pobreza. É expresso, também, pelo autor:
Essa realidade de analfabetismo e pobreza colocava o homem numa con-
dição de objeto, de coisa, de ser menos. Dentro desta realidade, ele per-
dia sua consciência, vivia no anonimato da massificação e da alienação.
Tornando-se coisa, transformando-se em homem objeto, o ser humano
anula em si o sentido de sua vocação ontológica, ou seja, de ser sujeito de
seu agir e da própria história. (AZEVEDO, 2010, p. 38)

Deste modo, compreende-se que a pedagogia freiriana tem como objetivo


primeiro, romper com a condição objetal na qual o sujeito se encontra e, por
meio do processo pedagógico, alcançar a conscientização.
A conscientização, em termos freirianos, refere-se à capacidade do ho-
mem de refletir sobre si mesmo e sobre a realidade na qual se encontra inserido
(FREIRE, 1983). Na Pedagogia do Oprimido (1975), o autor afirma que a cons-
cientização consiste no aprofundamento da tomada de consciência e representa
a capacidade do sujeito de analisar criticamente a sociedade. Uma vez alcança-
da pelo homem a possibilidade de compreender a realidade material que o cerca,
este pode, assim, alterá-la e transformá-la de acordo com a sua necessidade.

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Saberes e Partilhas
Freire (1983), ao abordar o tema da capacidade humana de alterar o meio
social ao seu redor, afirma:
O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado mo-
mento, numa certa realidade; é um ser na busca constante de ser mais e,
como pode fazer esta autorreflexão, pode descobrir-se como um ser inaca-
bado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação. (FREIRE,
1983, p. 27).

Nesse excerto evidencia-se a presença de um paralelo entre a pedagogia


de Paulo Freire e a Teologia da Libertação, dado o fato de que ambas buscam,
por meio de uma série de preceitos teóricos e atividades práticas, promover a
conscientização e a emancipação dos sujeitos. Não obstante, pode-se dizer que
este paralelo ocorre não por mero acaso, mas é fruto de um movimento dialéti-
co, uma vez que a Teologia da Libertação vê em Paulo Freire um de seus princi-
pais influenciadores. Sabe-se, também, que Freire foi um profundo conhecedor
dos costumes cristãos, chegando a assumir a função de secretário internacional
do Conselho Mundial das Igrejas Cristãs (PEREIRA, 2017, p. 2).
Em Educação como prática da liberdade, Freire (1967) escreve:
Ademais, é o homem, e somente ele, capaz de transcender. A sua transcen-
dência, acrescente-se, não é um dado apenas de sua qualidade “espiritual”
no sentido em que estuda Erich Kahler. Não é o resultado exclusivo da
transitividade de sua consciência, que o permite auto-objetivar-se e, a par-
tir daí, reconhecer órbitas existências diferentes, distinguir um “eu” de um
“não-eu”. A sua transcendência está também, para nós, na raiz de sua fini-
tude. Do ser inacabado que é e cuja plenitude se acha na ligação com seu
Criador. Ligação que pela sua própria essência jamais será de dominação
ou de domesticação, mas de libertação. Daí que religião – religare – que
encarna este sentido transcendental das relações do homem, jamais deva
ser um instrumento de sua alienação. (FREIRE, 1967, p. 40-41).

Entende-se, deste modo, que Freire atesta o local privilegiado das expe-
riências religiosas ao longo do processo de libertação da população oprimida.
Em uma dissertação sobre as simetrias a serem observadas entre a pedagogia
freiriana e a Teologia da Libertação, Pereira (2017) afirma que a ótica de Freire
sobre o cristianismo se refere à uma experiência religiosa aberta, tolerante e li-
bertadora. Ainda, segundo o autor, é justamente esta compreensão do cristianis-
mo que proporciona a aproximação deste autor com os pensadores da Teologia
da Libertação.
Sobre a influência do trabalho de Paulo Freire para a Teologia da
Libertação, afirma Boff (2014, p. 13):
A Teologia da Libertação, na esteira de Paulo Freire, assumiu e ajudou a
formular essa estratégia. É uma solução adequada à superação da pobre-
za. Quando essa prática vem motivada pela fé cristã e o seguimento de

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Cristo, fornece a base de uma reflexão crítica, que passa a se chamar então
de Teologia da Libertação.

Por fim, Freire (1978), em uma explanação sobre o trabalho dos teólogos
da libertação, discorre sobre o papel fundamental exercido por estes em seus
projetos de transformação social, afirmando que esta teologia é estritamente re-
volucionária, dado o fato desta se opor à opressão e à exploração da população.
Todavia, conforme diz Pereira (2017), não se deve esquecer que somente aqueles
que se encontram na condição de oprimidos podem transformar sua própria rea-
lidade, uma vez que o futuro destes não deve ser visto como uma repetição do
presente, mas sim como a concretização de sua libertação, do rompimento com
os grilhões ideológicos e materiais que lhe foram impostos e os quais carregaram
consigo ao longo de toda sua vida.

TEOLOGIA, PEDAGOGIA E PSICOLOGIA COMO PRÁXIS


LIBERTADORA

Abordados os pressupostos teóricos e filosóficos que embasam tanto a


Teologia da Libertação, quanto a pedagogia de Paulo Freire, discorre-se por fim
sobre como eles se convertem em práxis, ou seja, uma atividade social conscien-
temente dirigida a um objetivo: a emancipação humana via conscientização da
população oprimida.
Para tanto, optou-se por recorrer aos escritos do psicólogo salvadorenho
Ignácio Martín-Baró, assassinado em 1989. Por mais que o pensamento de
Martín-Baró seja voltado ao fazer profissional no campo da Psicologia, é nítida
a influência da Teologia da Libertação e do pedagogo Paulo Freire em seu tra-
balho (MENDONÇA, 2016). Antes de mais nada, ele foi também um padre je-
suíta adepto aos ideais revolucionários que se propagavam pela América-Latina
à época. Tomando a Psicologia de Martín-Baró como práxis, considera-se pos-
sível chegar ainda mais próximo da objetivação dos ideais teológicos libertários
e freirianos.
Martín-Baró foi um importante crítico da Psicologia diante das necessida-
des históricas das classes populares e “[...] construiu sua obra visando uma ciên-
cia psicológica que se colocasse a serviço dos pobres em sua luta pela libertação
das barreiras históricas e sociais obstruidoras de suas possibilidades de governar
o próprio destino” (MENDONÇA, 2016, p. 20).
Em seu texto intitulado O Papel do Psicólogo, Martín-Baró (1996) estabele-
ce três aspectos fundamentais para a compreensão da então condição social dos
povos latino-americanos: a injustiça estrutural, os processos revolucionários e a
progressiva transformação dos países em satélites dos Estados Unidos.
Sobre o primeiro tópico, escreve Martín-Baró (1996):
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Saberes e Partilhas
Sobre as sociedades pobres e subdesenvolvidas assentam-se regimes que
distribuem desigualmente os bens disponíveis, submetendo a maioria dos
povos a condições miseráveis que permitem a pequenas minorias desfrutar
de todo tipo de comodidade e luxo. (MARTÍN-BARÓ, 1996, p. 8).

A manutenção de tal situação só é possível graças à aplicação de violentos


aparatos de controle e repressão social. Isto ocorre de forma contínua e sistemá-
tica, minguando os esforços para a implementação de reformas das estruturas
sociais.
Em seguida, o salvadorenho aborda o tema dos conflitos revolucionários.
A argumentação de Martín-Baró (1996) não visa criticar a causa e os movimen-
tos insurgentes, mas sim de pontuar que as consequências do estado generali-
zado de guerra trazem malefícios à população, uma vez que estes conflitos se
somam à miséria já existente. Em resumo: gasta-se mais dinheiro com a manu-
tenção das calamidades causadas pelas batalhas do que com as necessidades
básicas das comunidades, isto é, alimentação, saúde e saneamento básico.
Economias por si só débeis, como a salvadorenha ou a nicaraguense, se
vêem forçadas a dedicar a maior parte de suas reservas ao esforço bélico,
isto é, à destruição de seu próprio povo e de seu próprio país. Onde de-
veriam surgir fábricas, constroem-se quartéis, e onde o dinheiro deveria
ser investido em sementes e tratores, é usado para bombas e helicópteros
armados. [...] A situação não é melhor na Nicarágua ou na Guatemala.
Honduras, como é sabido, foi convertida em um campo militar norte-a-
mericano, com gigantescas manobras militares sucedendo-se umas às ou-
tras, e com o câncer dos “contras” anti-sandinistas que, por razões logís-
ticas óbvias, não podem conformar-se em permanecer na fronteira com a
Nicarágua. E a Costa Rica? Costa Rica, assediada pela crise econômica e
com sua dose de “contras”, também está se deixando militarizar acelera-
damente pelo belicismo de Reagan. (MARTÍN-BARÓ, 1996, p. 10)

O último tópico citado por Martín-Baró (1996) relaciona-se com a conver-


são dos governos em satélites dos Estados Unidos. Em outras palavras, o autor
está dissertando sobre a perda da identidade nacional de um Estado em prol
dos interesses estrangeiros, aqui representados pelo governo estadunidense em
países imersos no capitalismo dependente.
Aceitar que a pobreza de nossos países contém uma certa dependência
daqueles que podem nos ajudar a enfrentar os nossos problemas não é tão
ruim; o que é pior é que estamos hipotecando nossa própria identidade
e autonomia, sem com isso resolver nossos problemas, até mesmo elimi-
nando a possibilidade de um futuro para os povos. As grandes decisões
políticas de nossos países são tomadas em função da segurança nacional
dos Estados Unidos, não das necessidades dos nossos povos, com a justi-
ficativa de que São Salvador ou Manágua estão menos distantes de São
Francisco que Nova Iorque ou Boston. (MARTÍN-BARÓ, 1996, p. 11)

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Assim como para Freire, a Martín-Baró, a desumanização imposta à po-
pulação é um fato concreto da história, mas não um destino dado. É a condição
objetiva em que vive grande parte da população e, em qualquer atividade que
objetive o pleno desenvolvimento da humanidade, haverá de existir um com-
promisso radical com a humanização, com o trabalho livre, a desalienação, a
afirmação dos homens como pessoas e como seres para si, em síntese, um com-
promisso com a libertação de qualquer forma de exploração, opressão ou depen-
dência. (GONÇALVES e CASTRO, 2021).
Por mais que não caiba ao psicólogo, educador ou mesmo o teólogo, al-
cançar tais objetivos sozinho, estes devem contribuir para a elaboração de um
caminho que torne possível e necessária a superação da atual forma de sociabi-
lidade desumanizante em que se vive. Somente de tal maneira, os diferentes (e
congruentes) objetivos dos campos de atuação poderão ser alcançados.
A Psicologia da Libertação, como é conhecida a proposta elaborada por
Martin-Baró (1996) é compromissada com a conscientização dos sujeitos e im-
plica em um “[...] processo dinâmico, conflituoso, de transformação do ser hu-
mano que, de forma pessoal e social, pensa e atua numa realidade histórica num
vir a ser (devir) que se efetiva na práxis, envolvendo suas dimensões psicológicas,
sociais e políticas”. (MENDONÇA, 2017, p. 123).
Evidencia-se assim, importante diálogo entre o que propõe Martín-Baró,
Paulo Freire e os teólogos da libertação, que tomam a análise da vida vivida em
uma sociedade de classes, fundamento para o pensar-agir libertário e, sobrema-
neira, educativo.
Em uma perspectiva que considera o ser humano como ser social e histo-
ricamente constituído, torna-se fundamental voltar-se às bases sobre as quais os
indivíduos se desenvolvem, as relações que estabelecem e que têm potência para
torná-los sujeitos conscientes e críticos da realidade em que vivem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A práxis educativa é sempre e necessariamente um ato político, um pro-


cesso da experiência humana orientado por princípios e gerador de profundas
consequência sociais (FREIRE, 1975). Este processo é fundamental para a for-
mação de sujeito histórico e, enquanto tal, pode contribuir tanto para a eman-
cipação quanto para a submissão aos valores e ao funcionamento da sociedade.
Sendo assim, nenhuma reflexão sobre educação pode ficar distante das questões
relacionadas ao poder, à economia, à justiça, à igualdade, à liberdade e à ética
da organização social fundada no direito à vida, sem a exploração de uns sobre
os outros.
Nessa direção, quanto mais a consciência crítica é desenvolvida pelo

298
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
processo educativo, mais a participação se torna possível nas ações sociais de
transformação e, por meio da participação, é possível a mobilização no combate
às relações de exploração e injustiças e na busca de condições materiais que su-
perem a sociedade capitalista.
A Teologia da Libertação, a Pedagogia Freiriana e a Psicologia da
Libertação de Martín-Baró, ao compreenderem a constituição humana a partir
de uma perspectiva histórica, tecem importantes análises sobre como se proces-
sam as relações diante das condições em que vivem as pessoas – suas necessida-
des, sua liberdade, seu bem-estar, o trabalho e sua sobrevivência. Isto leva a uma
posição crítica e contra hegemônica, independente do campo do saber-fazer em
que se situe e evidencia as aproximações entre as áreas do conhecimento deba-
tidas no presente texto.

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300
ARTIVISMO E PEDAGOGIA FEMINISTA
ENCONTRAM PAULO FREIRE NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Ângela Aparecida de Almeida1
Maria Vitoria Caetano Rodrigues2

INTRODUÇÃO

O último Censo da Educação Básica de 2020 realizado pelo Instituto


Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP)3, trouxe da-
dos relevantes sobre a formação dos docentes no Brasil. Tal censo, além de outras
metas, procura verificar se os índices de formação inicial e continuada estão sendo
satisfeitos de acordo com as metas destacadas no PNE4 (Programa Nacional de
Educação). Em relação à pós-graduação, os gráficos seguintes mostram a evolu-
ção do percentual de docentes da educação básica com pós-graduação (Gráfico 1)
e formação continuada (Gráfico 2). No primeiro, pode ser percebido um aumen-
to de 34,6% para 43,4% de professores com pós-graduação, de 2016 a 2020. No
segundo, observa-se uma elevação, com o percentual de docentes com formação
continuada saindo de 33,3%, em 2016, para 39,9%, em 2020.

1 É mestranda em Educação pela UFTM (Uberaba-MG). É especialista em Tecnologias


Integradas à Educação pela FAZU (2008) e em Supervisão, Gestão e Inspeção Escolar
pela UNIUBE (2020) Possui Licenciatura em Ciências Biológicas pelo CESUBE (2004),
graduação em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo IFTM (2010), Licenciatura
em Pedagogia pela Unifran (2019). Licenciatura em Informática pela Uniasselvi (2021).
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Interculturalidade e Educação em Ciências
(GEPIC). Membro do Grupo ‘Bruxas Educadoras’ de Estudos e Pesquisas sobre Mídia,
Educação e Feminismo. Tem experiência na área de Educação e Ciência da Computação,
com ênfase em Sistemas de Informação.
2 Possui ensino médio pela Fundação Educacional de Ituverava(2016). Graduação em an-
damento em Psicologia (UNIUBE - Universidade de Uberaba), com ênfase em Psicologia
Social.
3 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Disponí-
vel em: http://www.inep.gov.br/
4 O Plano Nacional de Educação (PNE) determina diretrizes, metas e estratégias para a
política educacional no período de 2014 a 2024.
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B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
Gráfico 1: Percentual dos docentes com formação continuada

Gráfico 2: Percentual de professores da educação básica com pós-graduação lato sensu ou


stricto sensu

Tais indicadores mostram que, apesar dos níveis estarem em crescimento,


ainda estão longe de ser o ideal. Estrela (2006) aponta que a formação de profes-
sores vem ganhando destaque há alguns anos, através de esforços legislativos, de
horas e horas de formação realizadas e à produção de pesquisas e publicações
especializadas sobre o fenômeno formativo. Diversos autores discutem sobre este
tema, inclusive Paulo Freire (1921-1997) que o faz no conjunto de sua obra, entre-
laçando: diálogo, relação teoria e prática, construção do conhecimento, democra-
tização, autonomia, entre outros. O autor apresenta reflexões que mostram a im-
portância de uma educação que parta das necessidades populares como prática de

302
O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
liberdade e de emancipação das pessoas. Quando dirigiu a Secretaria Municipal
de Educação de São Paulo (SME-SP)5, de 1989 a 1991, Paulo Freire deu grande
ênfase à formação permanente dos educadores, criando propostas políticas para a
construção de uma educação democrática. Em suas palavras:
[...] um dos programas prioritários em que estou profundamente empe-
nhado é o de formação permanente dos educadores, por entender que os
educadores necessitam de uma prática político-pedagógica séria e com-
petente que responda à nova fisionomia da escola que se busca construir.
(FREIRE, 2001, p. 80).

Shrewsbury (1993) é uma autora que discorre sobre diálogo, construção


do conhecimento e autonomia, mas com uma terminologia diferente: Pedagogia
Feminista. Para ela, se trata de uma teoria sobre o processo de ensino / aprendi-
zagem capaz de orientar as escolhas de práticas de sala de aula, a fim de fornecer
critérios para avaliar estratégias educacionais específicas em termos de objetivos
e resultados desejados. Além disto, ela identificou alguns princípios básicos des-
ta teoria, que tem a pretensão de contribuir para a criação de uma experiência
de aprendizagem colaborativa, que é principal o objetivo da pedagogia feminista
contemporânea.
A fim de unir diálogo, colaboração, teoria e prática, autonomia, eman-
cipação, entre outras ideias defendidas por Paulo Freire e pela pedagogia fe-
minista, pretende-se usar práticas formativas baseadas em artivismo. Tal termo
pode ser definido de forma simplificada como arte ativista, onde são utilizadas
tecnologias e mídias diversas, com o intuito de intervir na sociedade através de
ações artísticas variadas. Assim, a união entre artivismo, pedagogia feminista e
as ideias libertárias de Paulo Freire são o tema deste artigo, que buscará inspirar
o leitor em busca de uma formação de professores mais eficiente.

ARTE E ARTIVISMO

Arte é beleza, criação, invenção. Está relacionada diretamente à produção


humana. Ao longo da história, a arte desempenhou diferentes papéis, o que
possibilitou a construção de diferentes linguagens, perspectivas, interpretações e
produção de novos significados. Ferraz e Fusari (2010) esclarecem que
Como Arte está relacionada diretamente ao seu tempo histórico, devemos
“aprofundar estudos, ampliar reflexões, que nos levem a compreensão da
arte, com suas múltiplas formas, tanto dentro do nosso tempo, quanto
em diferentes épocas”. Ou seja, é preciso refletir sobre seus significados,

5 SME-SP – Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Espaço de divulgação das


ações, programas, projetos, eventos e histórias da Rede de Ensino do município de São
Paulo. Disponível em: https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br

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sentidos e funções se quiser entendê-la no processo artístico, social e
educativo.A arte é uma das mais inquietantes e eloquentes produções
do homem. Arte como técnica, lazer, derivativo existencial, processo
intuitivo, genialidade, comunicação, expressão, são variantes do conheci-
mento arte que fazem parte de nosso universo conceitual, estreitamente
ligado ao sentimento de humanidade (FERRAZ; FUSARI, 2010, p.101)

De acordo com Van Gogh, esta Arte:


é o homem acrescentado à natureza, é o homem acrescentado à realidade,
à verdade, mas com um significado, com uma concepção, com um caráter,
que o artista ressalta, e aos quais dá expressão, resgata, distingue, liberta e
ilumina. (VAN GOGH, 2008, p.38)

Jorge Coli, professor de História da Arte da UNICAMP6, define a Arte


como tendo
uma função que poderíamos chamar de conhecimento, de ‘aprendizagem’.
Seu domínio é o do não-racional, do indizível, da sensibilidade: domínio
sem fronteiras nítidas, muito diferente do mundo da ciência, da lógica, da
teoria. Domínio fecundo, pois nosso contato com a arte nos transforma.
Porque o objeto artístico traz em si, habilmente organizados, os meios de
despertar em nós, em nossas emoções e razão, reações culturalmente ri-
cas, que aguçam os instrumentos dos quais nos servimos para apreender o
mundo que nos rodeia. Entre a complexidade do mundo e a complexidade
da arte existe uma grande afinidade. (COLI, 1995, p.109)

Refletir sobre tais funções e dimensões oferece a oportunidade de enten-


der o conceito de Arte aliado ao ativismo. Para tanto, recorre-se a Paulo Raposo
(2015), que define o artivismo da seguinte maneira:
Artivismo é um neologismo conceptual ainda de instável consensualidade
quer no campo das ciências sociais, quer no campo das artes. Apela a
ligações, tão clássicas como prolixas e polêmicas entre arte e política, e es-
timula os destinos potenciais da arte enquanto ato de resistência e subver-
são. Pode ser encontrado em intervenções sociais e políticas, produzidas
por pessoas ou coletivos, através de estratégias poéticas e performativas
[...]. A sua natureza estética e simbólica amplifica, sensibiliza, reflete e
interroga temas e situações num dado contexto histórico e social, visando
a mudança ou a resistência. O Artivismo consolida-se assim como causa
e reivindicação social e simultaneamente como ruptura artística – nomea-
damente, pela proposição de cenários, paisagens e ecologias alternativas
de fruição, de participação e de criação artística. (RAPOSO, 2015, p. 5)

Os artivismos podem circular em variados espaços, podendo unir causas


inumeráveis, utilizando arte em suas tantas formas. Através de conceitos, perce-
be-se o caráter humano da arte e a noção de expressão de uma série de aspectos
humanos, incluindo a relação do indivíduo com o mundo que o rodeia. Assim,

6 UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas. Site: https://www.unicamp.br/unicamp/

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as pessoas que unem Arte e Ativismo, os artivistas, procuram transformar a
sociedade despertando razão e emoção, promovendo tensões e fissuras a fim de
proporcionar novas formas de ser livre e existir no mundo.
Através deste movimento artístico e transdisciplinar o artivismo tem a
possibilidade de contribuir para práticas mais criativas na formação de profes-
sores na atualidade. Buckingham e Banaji (2006) sugerem que, na educação, as
definições de criatividade que tiveram mais efeitos nos últimos 50 anos foram
aquelas que casaram criatividade e imaginação, adotando uma abordagem in-
clusiva, sugerindo que todos têm potencial para criatividade, pois é um aspecto
fundamental de natureza humana.

PEDAGOGIA FEMINISTA

Carolyn Shrewsbury introduziu a chamada pedagogia feminista, que é


uma teoria do processo ensino aprendizagem que orienta a escolha de práticas,
estratégias e técnicas pedagógicas segundo critérios interessados no empodera-
mento da comunidade de estudantes para se responsabilizarem uns pelos outros
e pela construção do conhecimento, bem como interessados na aplicação do
aprendizado na intervenção social (SHREWSBURY, 1987).
Tal pedagogia se estrutura em uma visão diferente da sala de aula, onde
há favorecimento de inter-relações, participação, diálogo e o compartilhamento
de experiências. Importante lembrar que tal cooperação e a liberação são em um
sentido Freireano, onde tanto educador quanto educando são sujeitos engajados
em seu processo de formação e reflexão, além de análise crítica do cotidiano e
com a sociedade em que estão inseridos.
Walker (2002) reuniu seis princípios centrais que dão suporte à pedagogia
feminista: reforma da relação entre professor e aluno, empoderamento, constru-
ção de comunidade, privilegiando a voz individual, respeitando a experiência
pessoal em sua diversidade e desafiando as visões tradicionais de teoria e en-
sino. Cada princípio contribui para a criação de uma experiência de aprendi-
zagem colaborativa que é o objetivo da pedagogia feminista contemporânea.
Especificando cada um dos princípios, tem-se:
1) No caso da mudança na relação entre professor e aluno, a pedagogia
feminista mostra que poder se torna compartilhado à medida que os alunos as-
sumem mais responsabilidade pelo ensino e os professores pela aprendizagem.
2) No tocante ao empoderamento, objetivo principal da pedagogia femi-
nista, são envolvidos os princípios da democracia e do poder compartilhado,
desafiando a visão de que a educação é um processo cognitivo neutro.
3) No que se refere à construção de uma comunidade, a pedagogia femi-
nista se preocupa com a construção de comunidade e cooperação dentro da sala

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de aula, bem como entre a sala de aula e seu ambiente mais amplo.
4) No caso de privilegiar a voz individual como forma de conhecimento,
a pedagogia feminista incentiva a autoridade nos outros e vê o conhecimento
como construído e limitado pela cultura.
5) Quanto ao respeito pela diversidade de experiências pessoais, a teoria
feminista privilegia experiências vividas como base para análise, geração de teo-
ria, ativismo e pesquisa (Foss & Foss, 1994). Assim, uma pedagogia feminista
envolve uma ênfase na experiência e validação pessoal (Chapman, 1997). Essa
perspectiva resulta em vários resultados positivos, incluindo maior respeito, em-
patia aprimorada, melhores habilidades de pensamento crítico e compreensão
mais ampla das verdades. Um dos objetivos da sala de aula libertadora é que os
membros aprendam a respeitar as diferenças uns dos outros, em vez de temê-las.
6) Incorporado aos cinco princípios discutidos anteriormente está um sex-
to princípio: desafiar as visões e práticas tradicionais. De tal modo, a pedagogia
feminista desafia a noção de que o conhecimento e os métodos de ensino podem
ser gratuitos. “As escolas reproduzem e reforçam a construção social de gênero
por meio da dicotomização de nutrição e autonomia, público e privado, mas-
culino e feminino” (SCERING, 1997). Além disso, as professoras feministas
desafiam as origens das ideias e teorias, as posições de seus promotores e os
fatores que influenciam como o conhecimento passa a existir em sua forma atual
(MIDDLECAMP & SUBRAMANIAM, 1999).
A intenção é unir uma práxis libertadora, na perspectiva Freireana, com
a execução de uma pedagogia feminista. Sabe-se que o ambiente educacional
é alvo de mudanças constantes, possuindo um corpo discente e docente cada
vez mais diversificados e, nesta perspectiva, a pedagogia feminista oferece uma
metodologia de ensino inclusiva para o século atual. Apesar de ser uma proposta
desafiadora, tem potencial suficiente para justificar o esforço.

ARTIVISMO E PEDAGOGIA FEMINISTA ENCONTRAM PAULO


FREIRE

Sabe-se que Paulo Freire é um filósofo crítico da educação e sua pedagogia


é considerada libertadora. Em seu livro “Educação como prática de liberdade”,
de 1975, encontra-se um trecho do prefácio escrito por Francisco Weffort que diz:
O tema da educação como afirmação da liberdade tem antigas ressonân-
cias, anteriores mesmo ao pensamento liberal. Persiste desde os antigos
gregos como uma das ideias mais caras ao humanismo ocidental e encon-
tra-se amplamente incorporado a várias correntes da pedagogia moder-
na. Não obstante, este ensaio guarda sua singularidade. Aqui a ideia da
liberdade não aparece apenas como conceito ou como aspiração humana,
mas também interessa, e fundamentalmente, em seu modo de instauração

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O EN S I N O E A ED U C A Ç Ã O BR A S I LEI R A
Saberes e Partilhas
histórica. Trata-se, como veremos, menos de um axioma pedagógico que
de um desafio da história presente (FREIRE, 1975 p. 7).

Paulo Freire defende que a educação requer o cultivo da curiosidade, as


práticas mediadas pelo diálogo, atos de leitura do mundo e a problematização
desse mundo, a ampliação do conhecimento sobre o mundo problematizado,
a interligação de conteúdos apreendidos e o compartilhamento do mundo. É
necessário então, que o indivíduo aprenda a ler não somente a palavra, mas o
mundo em que vive. Ainda segundo o autor, somente os seres que podem refle-
tir sobre sua própria limitação são capazes de libertar-se desde, porém, que sua
reflexão não se perca numa vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício
da ação transformadora da realidade condicionante. (FREIRE, 1981).
É nesta perspectiva de libertação, de conscientização, de diálogo e leitura
de mundo que o artivismo tem a possibilidade de ser inserido nas práticas reali-
zadas em formações de professores. De acordo com Paulo Freire,
Enquanto corpos conscientes, em relação dialética com a realidade objetiva
sobre que atuam, os seres humanos estão envolvidos em um permanente
processo de conscientização. O que varia, no tempo e no espaço, são os con-
teúdos, os métodos, os objetivos e a conscientização. (FREIRE, 1981, p.120)

Afinal, ainda segundo Freire, em sua obra “Professora sim, tia não - car-
tas a quem ousa ensinar”,
estudar é, em primeiro lugar, um que-fazer crítico, criador, recriador, não
importa que eu nele me engaje através da leitura de um texto que trata ou
discute um certo conteúdo que me foi proposto pela escola ou se o realizo
partindo de uma reflexão crítica sobre um certo acontecimento social ou
natural e que, como necessidade da própria reflexão, me conduz à leitura
de textos que minha curiosidade e minha experiência intelectual me suge-
rem ou que me são sugeridos por outros. (FREIRE, 1997, p. 20)

Como bem ponderou Freire (2001), quanto melhor a educação trabalhar


os indivíduos, quanto melhor fizer seu coração um coração sadio, amoroso, tanto
mais o indivíduo, cheio de boniteza, fará o mundo feio virar bonito. Araújo e
Oliveira (2015) entendem que a Arte tem importante papel na sociedade, pois é o
meio pelo qual o indivíduo pode se comunicar com a realidade a sua volta, expres-
sando-as de diferentes formas, o que permite dizer que a arte modifica a realidade.
O artivismo aliado à pedagogia feminista pretende então, servir de supor-
te para que a formação de professores seja mais bonita, dinâmica, consciente,
envolvente e crítica, proporcionando que os futuros docentes se engajem positi-
vamente na educação como prática da liberdade.
Torres (2011) afirma que a criatividade no contexto educacional está além
dos aspectos cognitivos: é uma questão de atitude do ser, ao realizar o bem a si

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mesmo e ao outro, de forma a abarcar o contexto social. É este tipo de forma-
ção comprometida que se pretende usando o artivismo aliadas aos princípios da
pedagogia feminista.
Alguns exemplos do que pode ser trabalhado nas diversas esferas da Arte
dentro e fora das instituições: oficinas de pinturas, rodas de conversas com cria-
ção de painéis, cursos lúdicos variados, arte com materiais reciclados, monta-
gem com colagens, lambe-lambes, grafites com pincéis e/ou giz, artes digitais,
memes, banners com ferramentas on-line, quadrinhos, fotonovelas, vídeos, pod-
casts, charges, fotografias, performances, poesias, entre outros. Tudo que possa
tornar o processo mais interessante, menos entediante para o professor, que já
tem tanto a processar durante todas as suas horas de trabalho.
Em relação à pedagogia feminista, ela pode ser trabalhada utilizando as
premissas e valores que Shrewsbury (1987) traz para a sala de aula: empodera-
mento, comunidade e liderança. O primeiro item tem o objetivo de aumentar o
poder de todos os atores, transformando-os em protagonistas de seu aprendiza-
do. Em relação à segunda premissa, explica-se que a sala de aula deve cultivar
um senso de mutualidade, conexão e cuidado, onde as tomadas de decisão são
feitas pelo processo de consenso. Além disso, a última premissa é o desenvolvi-
mento da liderança, parte importante dos objetivos libertadores, onde os alunos
adquirem habilidades de liderança por meio da participação responsável no de-
senvolvimento do seu aprendizado.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O corpus desta pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa, de caráter


descritivo e de natureza bibliográfica. A pesquisa bibliográfica está inserida prin-
cipalmente no meio acadêmico e tem a finalidade de aprimoramento e atualiza-
ção do conhecimento, através de uma investigação científica de obras já publica-
das. Andrade (2010) a define como:
A pesquisa bibliográfica é habilidade fundamental nos cursos de graduação,
uma vez que constitui o primeiro passo para todas as atividades acadêmi-
cas. Uma pesquisa de laboratório ou de campo implica, necessariamente,
a pesquisa bibliográfica preliminar. Seminários, painéis, debates, resumos
críticos, monográficas não dispensam a pesquisa bibliográfica. Ela é obri-
gatória nas pesquisas exploratórias, na delimitação do tema de um trabalho
ou pesquisa, no desenvolvimento do assunto, nas citações, na apresentação
das conclusões. Portanto, se é verdade que nem todos os alunos realizarão
pesquisas de laboratório ou de campo, não é menos verdadeiro que todos,
sem exceção, para elaborar os diversos trabalhos solicitados, deverão em-
preender pesquisas bibliográficas (ANDRADE, 2010, p. 25).

A pesquisa bibliográfica é uma relevante metodologia no âmbito de

308
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Saberes e Partilhas
estudos referentes à educação, pois a partir de conhecimentos já estudados, o
pesquisador busca analisá-los para responder seu problema do objeto de estudar
ou comprovar suas hipóteses, adquirindo novos conhecimentos sobre o assunto
pesquisado. De tal modo, foram analisados artigos, livros, dissertações e teses
que abarcavam os temas abordados, a fim de permitir uma melhor compreensão
dos conceitos e dos textos subsequentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Criar arte é, em si, um ato político. Essencialmente pela maneira que afeta
o mundo, como um ato de resistência cultural. O artivismo aliado à pedagogia
feminista tem a possibilidade de criar uma formação de professores mais di-
nâmica, bonita, consciente, engajada. Sabe-se que há muito que mudar na e a
partir da educação superior para tornar as experiências de aprendizagem signi-
ficativas e empoderadoras nas salas de aula. Porém, conforme disse Freire, há
de se esperançar, se levantar, ir atrás, construir e jamais desistir! Deve-se levar o
sonho adiante e juntar-se com outros para fazer de outros modos.

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310
POSFÁCIO

Pensar e debater o tema central desta obra, educação, sempre é um desafio


prazeroso. Apaixonados, curiosos, professores, alunos, leigos, todos tem algo a
dizer sobre como educar, porque educar, a importância da escola e sua função
na sociedade e na formação das novas gerações, no entanto, cabe aos teóricos
consubstanciar o assunto a partir do que as Ciências da Educação se predispõem
a teorizar. Isso foi o que os autores desse material se propuseram a realizar a par-
tir de tópicos que circundaram a referida obra. Temas como o valor da educação
e a necessidade da formação de qualidade, inicial e continuada, dos professores,
seus desafios e novas aprendizagens, a educação e suas múltiplas dimensões,
o uso das tecnologias no ensino, saberes interdisciplinares e práticas sociais, o
ensino híbrido, a escola e o retorno das aulas presenciais após a pandemia da
covid-19, foram explanados nessa coletânea.
Um bom sistema educativo só se estabelece a partir de políticas educacio-
nais sérias que centram no homem e em uma formação cidadã, crítica e eman-
cipatória, para tanto, faz-se imprescindível que professores, cidadãos, críticos e
emancipados, liderem a partir da mediação entre os saberes científicos e os sabe-
res culturais e sociais dos aprendizes toda a orquestra do processo educacional.
Ninguém nega a importância e o valor de um bom professor, porém, é muito
comum que membros da sociedade não desejam ou esperam que seus filhos se
tornem professores (mesmo exigindo bons professores para eles).
Essa dicotomia entre desejos demostra que o reconhecimento da impor-
tância do ser professor existe, no entanto, em mesmo grau firma-se a desvalo-
rização da profissão perante a sociedade. A má remuneração, as precariedades
das condições de trabalho, o baixo prestígio social e a responsabilização pelo
fracasso da educação são alguns pontos que afastam os jovens da docência.
Paulo Freire, o patrono da Educação Brasileira e um dos teóricos mais
valorizados no mundo, foi também destaque dessa obra em especial por esse ano
ser comemorado o Centenário do autor. Grande defensor da docência, nunca foi
tão atual refletir sobre seu legado. Para o autor, todos, pais, alunos, sociedade,
deveriam repensar seus papéis e atitudes, para que assim possamos demonstrar o
compromisso com a educação que queremos. E convida os professores, para que
não descuidem de sua missão de educar, nem desanimem diante dos desafios.
Certamente a educação sozinha não modifica a sociedade, no entanto,
sem ela, tampouco, a sociedade se transforma. O olhar libertador e progressista
D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )
sobre os homens, o mundo e a coletividade, nos coloca a favor da vida, da equi-
dade, do direito, da convivência, da solidariedade, do compromisso com o hu-
mano. Esse é o lado do educar, esse é o lado do professor, esse é o lado do poder
público, esse é o lado da sociedade. Esse é o único lado.

Profª Drª Camila Beltrão Medina

312
SOBRE OS ORGANIZADORES

Daniela Simone de Azevedo: Mestra em Formação de Professores e


especialista em Uso Educacional da Internet e Produção de Material
Didático para a Diversidade. Licenciada em Letras: Inglês e Português
pela Faculdade de Ciências, Letras e Filosofia da cidade de Machado-
MG e professora do ensino fundamental de Língua Inglesa. Autora
de diversos textos, como: Letramento digital: uma reflexão sobre o
mito dos Nativos Digitais (Editora Renote, 2018), LongForm or
Microcontent? An analysis of supports for digital contente courseware
(Revista de Educacion a Distancia ; 21(65), 2021.), Investigação Sobre
As Habilidades Para O Uso De Tecnologias Digitais De Informação E
Comunicação Na Educação Básica, (UFLA, 2018), Literacia Digital?
Desenvolvendo Competência Para Atuar com e no Mundo Mediado
por Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (Editora
Dialética, 2020), dentre outros. Participou da Reforma Curricular no
Município de Betim, atuou como professora Universitária na UFLA,
lecionando sobre Educação a Distância.

Claudimir José da Silva: Graduado em pedagogia (2013-2016),


pela Universidade do Estado de Minas Gerais/UEMG/Barbacena.
Especialista em Gestão do Trabalho Pedagógico (2017/2018), pela
da Faculdade Venda Nova do Imigrante/ES e em Alfabetização e
Letramento (2018/2019), pela Universidade Internacional - UNINTER/
Barbacena. Leciono para os anos iniciais, na Rede Municipal de
Ensino, em Barroso/MG, com experiências no ciclo de alfabetização
e letramentos. Atualmente estou cursando Mestrado Profissional em
Educação, pelo PPGE UFLA, desenvolvendo minha pesquisa na área
de linguagem, alfabetização, letramento e ensino da língua materna.

Camila Beltrão Medina: Doutora em Educação pela Universidade


de São Paulo – USP, Mestre em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos – UFSCAR, Graduada em Pedagogia
pela Universidade Estadual Paulista – Unesp. Experiência
em decência na formação de professores de mais de 21 anos.
Experiência na gestão de cursos de formação de professores.
D aniela S imone de A zevedo | C laudimir J osé da S ilva | C amila B eltrão M edina
B runa B eatriz da R ocha | R ebeca F reitas I vanicska (O rganizadores )

Bruna Beatriz da Rocha: Mestra em Educação (UFLA/MG),


Especialista em Didática e Trabalho Docente (IF SUDESTE MG –
Campus São João del-Rei), Especialista em Coordenação Pedagógica
e Supervisão Escolar (FAVENI). Graduada em Licenciatura em
Educação Física (IF SUDESTE MG – Campus Barbacena), Criadora
e Organizadora do projeto “Obras Coletivas MG”. Professora da rede
pública e da rede privada de ensino. E-mail: bruuna_rocha1@hotmail.
com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4118837127203139.

Rebeca Freitas Ivanicska: Técnica em Educação pela Rede Municipal


de Barbacena/MG. Advogada e Pedagoga. Mestra em Educação pela
Universidade Federal de Lavras. Criadora e Organizadora do pro-
jeto “Obras Coletivas MG”. Pós-graduada em Gestão de Trabalho
Pedagógico (FAVENI/ES), Pós-graduada em Educação Especial
e Inclusiva (FUTURA/SP). Graduada em Pedagogia (UEMG/
Barbacena). Bacharel em Direito (UNIPTAN/MG). Pós Graduanda
em Direito Previdenciário/ LEGALE SP. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Corpo, Cultura e Diversidade; Políticas
Públicas e Gestão Escolar. E-mail: [email protected]. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/0499371715345312.

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