2015 AnaElisaBanhattoCorreia
2015 AnaElisaBanhattoCorreia
2015 AnaElisaBanhattoCorreia
FACULDADE DE DIREITO
BRASÍLIA
2015
ANA ELISA BANHATTO CORREIA
2015
ANA ELISA BANHATTO CORREIA
____________________________________
Orientadora
_____________________________________
Membro
_____________________________________
Membro
______________________________________
Membro Suplente
Penso que este trabalho é fruto de muitas trocas que me foram proporcionadas
durante a graduação. Minhas reflexões, inquietações e conclusões nada seriam sem a
experiência com a extensão: o Política na Escola e as Promotoras Legais Populares foram
divisores de água na minha trajetória. Sem contar as aulas com professores subversivos, a
representatividade do Centro Acadêmico combativo e o aprendizado no Núcleo de Prática
Jurídica da UnB na Ceilândia.
Primeiramente, agradeço a minha orientadora Doutoranda Lívia Gimenes Dias da
Fonseca, também amiga e companheira de luta, que dispôs tempo e energia nas provocações,
conversas e ideias. Agradeço por ser uma pessoa tão querida e uma mulher tão inspiradora.
Agradeço às/aos tutoras/es do curso a distância “Introdução Crítica ao Direito das
Mulheres”, colegas de trabalho que compartilharam comigo o suor da realização do curso, os
anseios, tropeços e conquistas.
Agradeço a Aline Maia Nascimento e ao Jean da Costa Lima que foram tão solistas
em me ajudar com a realização do presente trabalho, além de terem sido essenciais para o
sucesso do curso.
Às Promotoras Legais Populares, mulheres de luta que tanto me ensinaram nessa
trajetória de prática extensionista popular e feminista. Me sinto privilegiada de ter
compartilhado uma fase tão importante da vida com mulheres que me inspiraram a liberdade.
Agradeço em especial às minhas amigas PLPs Juliana Costa e Anna Beatriz Parlato com quem
dividi boa parte da luta feminista.
Agradeço aos Professores José Geraldo de Sousa Júnior, Alexandre Bernardino
Costa e Paulo Blair que foram marcantes na minha graduação e na formação da minha
personalidade enquanto cidadã.
Agradeço à minha mãe Gisele Bastos Banhatto Correia e ao meu pai Roberto Lúcio
Correia, que me deram tanto carinho e apoio, sempre me motivando e acreditando na minha
capacidade. Agradeço às minhas duas irmãs queridas e amadas, Ananda e Ana Clara, que fazem
minha existência de vida mais colorida. Agradeço a essas duas lindezas todo amor, conversas
e alegrias compartilhadas todos esses anos.
Agradeço às minhas avós Theresa, Neli e Linda, mulheres guerreiras e muito
amadas. Minhas três pérolas. Ao meu avô Caetano que tanto lutou por essa conquista. Às
minhas amadas primas Juliana, Giovanna e Carol e aos primos Bê e Caetano, que
compartilharam comigo belos sorrisos.
Ao meu ninho brasiliense, agradeço pelo apoio e amor. Nada disso seria possível
sem nossos domingos em família.
Às minhas três flores companheiras de trabalho, amigas e mulheres incríveis:
Alyne, Amália e Gilnara, agradeço pela confiança e o carinho; não poderia ter terminado a
graduação com companhia melhor. Agradeço também ao Dr. Paulo Seger e às/aos colegas da
PGT que me incentivaram nessa reta final.
Agradeço ao Dé Zanardi, pela amizade e parceria na luta.
Por fim, um especial agradecimento ao meu companheiro Fernando Mudita, por ter
tocado meu coração em momento tão turbulento me mostrando cores, sons e sensações que
fogem do ordinário concreto para alcançar o sensível.
“Las revoluciones no requieren sólo de
grandes teorías para ser realizadas, sino que
nos desafian a crear personas libres, que
conjuguen actos y palabras, teorías y prácticas,
ideas y valores opuestos a los que reproducen
la dominación. Personas libres y colectivos
libres, no agrupados por el miedo, no unidos
por el espanto o por mecanismos coercitivos de
control. Personas y colectivos entramados en la
cumplicidad y en la voluntad de escribir
solidariamente una nueva manera de estar en
el mundo. ”
Claudia Korol
RESUMO
The present work aims to evaluate the success of the first edition of the distance
learning course "Critical Introduction to the Right of Women" to achieve their goals and
objectives. To find and understand what these goals are, it was worth reporting the historical
trajectory of the groups that have formed a partnership to undertake the course: the Popular
Legal Advisors (PLPs) of the Federal District, the Law Found in the Street (Direito Achado na
Rua) and the Centre of distance Education of the University of Brasilia (CEAD/UnB). In this
field, we have situated the history of the feminist movement in the trajectory of the PLPs in
Brazil. We have also seen the critical character of Law Found in the Street while legal
epistemology in the quest for liberation from oppression. And, finally, we told the story of the
CEAD/UnB understanding the trajectory of the learning distance education in the country.
From then on, the main objective of the course was intended to: transform the subjects and
awake their spirit to be critical about the social order of oppressions to engage them in change
of social practices and habits in order to adopt postures of confrontation and subversion to
gender oppression. To evaluate the success in achieving this objective, the present work carried
out a research about the course content and its impacts on participants. We analyzed the
questionnaires answered by course participants and their later works, drawn up as intervention
projects to be carried out in their communities. The evaluation parameters were the three pillars
of the course: popular education, Law Found in the Street (Direito Achado na Rua) and
feminism. It was concluded that, in the perspective of the students, the course content was
satisfactory in relation to its goals, but that the discussion between the students was less than
expected. In relation to the intervention projects, it was concluded by the prevalence of popular
education, the notion of law that goes beyond the limits of the law to serve as the effective tool
of Social Justice and the claim to stop the order of gender oppression from the role of
protagonist of women. By the intent of this work to be a registry and a basis for suggestions for
the walk towards the next editions, it was also outlined weaknesses that need to be rewritten
and addressed. Still, the course was victorious in achieving its main goal, since the participants
showed significant change of paradigms adopting subversive attitudes to gender oppression.
Key words: Popular Legal Advisors, popular education, Law Found in the Street, feminism.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Tabela 5 – Meu grau de satisfação com o curso foi adequado com os objetivos iniciais
propostos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 A PRIMEIRA EDIÇÃO DO CURSO A DISTÂNCIA “INTRODUÇÃO
CRÍTICA AO DIREITO DAS MULHERES” : OS PRIMEIROS PASSOS .......................... 15
1.1. De onde surgiu? ......................................................................................................... 15
INTRODUÇÃO
trajetória dos principais parceiros que construíram o curso: as Promotoras Legais Populares do
Distrito Federal, o Direito Achado na Rua e o Centro de Ensino a Distância da Universidade de
Brasília (CEAD/UnB).
No segundo capítulo abordarei como se deu a construção dos objetivos e metas e
da metodologia do curso, além de traçar suas peculiaridades em relação ao curso das PLPs
presenciais.
No terceiro capítulo será abordada a metodologia empregada na pesquisa e as bases
teóricas. A pesquisa foi dividida em duas etapas. Na primeira, destinada a colher a opinião
das/os cursistas sobre o curso, lançou-se mão da estatística descritiva. Na segunda etapa,
destinada a examinar os resultados com maior profundidade, o instrumental metodológico foi
a “análise de discurso”. As bases teóricas do presente trabalho se consolidaram a partir dos três
pilares básicos: o Direito Achado na Rua, a educação popular pautada pela liberdade e o
feminismo crítico.
Por fim, no último capítulo, apresenta-se os resultados das duas etapas da pesquisa
através do trajeto temático elaborado no terceiro capítulo. É aqui que foram apresentados os
êxitos da primeira edição do Curso a Distância “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres” e
os desafios para as próximas edições.
15
O projeto “Promotoras Legais Populares” está espalhado por todo Brasil e, mesmo
sendo organizado de diferentes formas nos diversos estados e municípios do país, se propõe a
ser um espaço legítimo de organização social das mulheres na luta pela sua liberdade.
Para começar a contar a sua história, precisamos contar a história do movimento
feminista politicamente organizado. É que o projeto nasceu das sementes da organização de
mulheres na luta por seus direitos, sendo um de seus frutos. Assim, a história das Promotoras
Legais Populares se insere no contexto histórico do próprio movimento.
A literatura sobre a história dos movimentos sociais acredita que o seu surgimento
se deu nas últimas décadas do Século XVIII. Essa confusão revela a prevalência da perspectiva
eurocêntrica que considera o início do movimento feminista como sendo a luta por direitos civis
e a organização de mulheres na revolução francesa.
É o posicionamento de Céli Regina Jardim Pinto (2010), historiadora e
pesquisadora do movimento feminista, que conta a história do movimento desde seu
surgimento, até os dias atuais, abordando as vertentes contemporâneas, em seu livro Uma
história do feminismo no Brasil.
A verdade é que muitas mulheres já lutavam pela emancipação da classe, pela
libertação e pela Justiça Social, muito antes do feminismo se apresentar como movimento social
politicamente organizado. Lutavam por uma vida mais digna, livre de todos os tipos de
violência a que estão submetidas todos os dias. Suas histórias foram ignoradas por causa da
“negação por aqueles que detinham o poder sobre a caneta que a [a História] escrevia”
(FONSECA, 2012, p. 17). Em outras palavras, aqueles que escreviam a História eram os
homens brancos e ocidentais, que excluíam as mulheres da cena pública.
Consideremos, portanto, que o feminismo não é uma criação do final do século
XVIII, muito menos de responsabilidade de algumas acadêmicas e autoras que se destacaram
16
na luta das mulheres. Pelo contrário, é fruto da subversão de muitas mulheres que, desde que
são oprimidas, lutaram por liberdade e protagonismo.
Assim, permito-me ler Céli Pinto no estudo da manifestação do feminismo
enquanto movimento social politicamente organizado, e não como a história do feminismo tout
court.
Segundo a autora, o feminismo foi marcado por quatro períodos distintos.
A primeira onda do feminismo teve início na Inglaterra e se caracterizou
primordialmente pela luta das mulheres na conquista do direito ao voto. Em Londres, as
mulheres se organizaram em manifestações e greves de fome, muitas delas foram inclusive
presas, até que em 1918 o direito ao voto foi conquistado no Reino Unido (PINTO, 2010, p.
15).
No Brasil, não foi muito diferente. Esse primeiro momento do movimento também
se caracterizou pela luta ao voto, liderada pela feminista Bertha Lutz. O estado do Rio Grande
do Norte já admitia o voto feminino desde 1928 (FONSECA, 2012, p. 19), mas no Brasil foi
conquistado em 1932, com a promulgação do Novo Código Eleitoral brasileiro, ganhando mais
força depois da Constituição de 1934.
De acordo com Claricia Otto (2004), na interpretação dos ensinamentos de Céli
Pinto, a primeira onda do feminismo buscava mais propriamente o aprimoramento do conceito
de cidadania para abranger as mulheres na ideia de que essa abertura traria benefícios ao
desenvolvimento da sociedade como um todo. Diana Maffia explica que a condição de votar,
da luta por cidadania, implicava também na luta por direitos, porque o voto era sinônimo de
direitos (MAFFIA, 2007, p. 43).
Assim, nesse primeiro momento não havia questionamento sobre as relações
opressoras de gênero; a indignação do movimento não se baseava primordialmente na opressão
da mulher e sim no conceito restrito de cidadania. Claricia Otto chega a afirmar que o
movimento feminista desse período era conservador por ter como base ideológica o liberalismo
(OTTO, 2004, p. 239).
Outrossim, essa não foi a única manifestação pública do início do movimento
feminista no Brasil. Haviam mais duas vertentes da luta feminista consideradas mais
subversivas.
O movimento das operárias, denominadas “União das Costureiras, Chapeleiras e
Classes anexas”, chamavam a atenção para a situação precária das mulheres nas fábricas,
reivindicavam educação e já questionam a dominação masculina, abordando temas como a
sexualidade e o divórcio (OTTO, 2004, p. 239).
17
[...] isto é o que há de mais original no movimento, que existe uma outra
forma de dominação – além da clássica dominação de classe-, a
dominação do homem sobre a mulher – e que uma não pode ser
representada pela outra, já que cada uma tem suas características
próprias (PINTO, 2010, p. 16).
18
movimentos populares de mulheres de bairros mais pobres e favelas que lutavam por habitação,
educação, saúde e contra o racismo. Esse intercâmbio provocou novas discussões e
transformações em ambos os lados que se encontravam na luta (PINTO, 2010, p. 17). Novos
grupos feministas surgiram, temáticos e com pautas específicas e particulares. Neste momento
também cresceu e se desenvolveu o feminismo acadêmico.
Em relação à última onda do feminismo, Roxana Longo explica que “[as mulheres]
não somente mostraram uma imagem pública que a cultura patriarcal as havia cancelado, como
também se apresentaram como um sujeito social protagonista” (LONGO, 007, p. 136).
A partir desse momento, a luta se desenvolveu categoricamente por espaços de
representatividade e protagonismo nas instituições públicas.
No Brasil, as vitórias do movimento feminista foram inúmeras: a criação, em 1984,
do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM), tendo sua secretária o status de
ministra – que perdeu posteriormente a importância nos governos de Fernando Collor de Mello
e Fernando Henrique Cardoso, recuperada no governo de Lula; a criação das Delegacias
Especiais da Mulher em 1985, fator decisivo para que as mulheres passassem a ser reconhecidas
como vítima de violência; conjugado com o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
(PAISM) que envolvia sexualidade, planejamento familiar e aborto (OTTO, 2004, p. 240); a
conquista de direitos da mulher na Constituição de 1988, depois do famoso “lobby do batom”;
a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em 2004, com status de
ministério; a promulgação da Lei Maria da Penha, em 2006; e muitos outros.
Nessa perspectiva de luta por espaços institucionais de representação pública, a
onda do feminismo da década de 1990 foi marcada pelo surgimento de um grande número de
Organizações Não Governamentais feministas que, enquanto algumas fomentavam e
articulavam a base do movimento, outras atuavam na alta política. Destacam-se: o Centro
Feminista de Estudos e Assessoria (CEFEMEA), criada em 1989; a Ações de Gênero,
Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE); Articulação da Mulher Brasileira (AMB); Themis
Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, em 1993; o Comitê Latino-Americano e do Caribe
para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM); e GELEDÉS.
A partir da inquietação sobre a grande distância entre a realidade das mulheres e os
seus direitos garantidos formalmente, o projeto nasceu da iniciativa de dois grupos feministas
da época: a União de Mulheres de São Paulo e Themis Assessoria Jurídica.
A União de Mulheres de São Paulo foi criada a partir da organização de mulheres
na luta por creche na cidade de São Paulo. Mas o movimento se fortaleceu na abrangência de
20
demandas pela garantia de direitos das mulheres, tanto no plano formal quanto material, e
seguiu a luta como um grupo politicamente organizado.
Assim, na busca pela igualdade de direitos, a União de Mulheres de São Paulo teve
participação expressiva na redemocratização do país e constitucionalização de vários direitos
das mulheres, que, segundo Maria Amélia Teles, “quase nos incluiu na cidadania plena.
Faltaram os direitos reprodutivos e sexuais e a garantia de direitos trabalhistas fundamentais
para as trabalhadoras domésticas” (TELES, 2011, p. 47).
Percebendo que a conquista de constitucionalização da igualdade entre homens e
mulheres ainda se distanciava da situação precária que se encontram a maioria das mulheres, a
atuação do movimento também se desenvolveu nas ruas com o objetivo de divulgar os direitos
das mulheres para que elas os conhecessem e se apoderassem deles. Era a luta pela igualdade
material, colocada em prática pelo lançamento da campanha “Tem Que Valer Nossos Direitos”,
cujo lema era “Se a igualdade de direitos só se encontra no papel, nossa luta é pra valer, somos
metade do céu” (TELES, 2011, p. 47).
A ONG Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero surgiu em Porto
Alegre/RS em 1993, a partir da ideia de que o aprendizado sobre os direitos fortalece as
mulheres na luta pela efetivação de seus direitos na práxis social. Além disso, a organização
desde o início preza pela sensibilização das/os operadoras/es do Direito para serem
multiplicadoras/es, formando uma rede de apoio (FONSECA, 2012, p. 24).
Em maio de 1992, na cidade de São Paulo, foi realizado o Seminário Latino-
Americano e Caribenho sobre os direitos das mulheres pelo Comitê Latino-Americano e
Caribenho de Defesa dos Direitos das Mulheres (CLADEM). Nesta ocasião, a União de
Mulheres de São Paulo e a Themis Assessoria Jurídica conheceram o projeto “Paralegais”,
desenvolvido na Argentina, Peru, Bolívia, Chile e outros países da região.
A experiência desses países da América Latina era baseada na capacitação das
mulheres sobre as leis que garantiam seus direitos na busca pela apropriação dos instrumentos
jurídicos que permitam-nas acessá-los e exigi-los. Além disso, o projeto tinha uma abordagem
crítica, na medida em que questionava o funcionamento e atuação das instituições responsáveis
pela justiça. A experiência latino-americana se apoiava na ideia de que essas instituições
atuavam na reprodução da opressão ao reforçarem o estereótipo de mulher vítima e banalizarem
a violência contra as mulheres. O objetivo principal do projeto “Paralegais” era o conhecimento
de leis e outros mecanismos jurídicos para combater a violência contra a mulher nas suas mais
diferentes expressões (ÁVILA; PASINI; e FOSCARANI, 2011, p. 53).
21
1
Essa informação se depreende da memória oral do grupo.
24
Abordar uma visão de Direito que não fosse redutora e que, num
contexto de muita transformação de valores, não ficasse vinculada a
uma legislação herdada de um período autoritário, mas que pudesse
perceber a emergência de novos direitos, que decorriam das imediações
ativas do protagonismo social rebelde [...] (FERNANDES e GOMES,
2013, p. 46)
O sucesso do primeiro curso da linha foi tamanho que a Editora da UnB, em parceria
com o CEAD, abriu a possibilidade de venda avulsa do material do curso. A partir de então, as
demandas aumentaram. Hoje, a série O Direito Achado na Rua já conta com mais de cinco
volumes como material impresso em forma de livro de Introdução Crítica e em forma de curso
a distância oferecido pelo CEAD.
Depois dos anos iniciais da formalização do CEAD, logrou-se ultrapassar os limites
do material impresso com a chegada da Internet na universidade.
A Professora Doutora Raquel Moraes explica que a radio, a televisão e a internet
foram tecnologias importantíssimas para o desenvolvimento da educação a distância, pois foi a
partir desse momento que foram ultrapassados os limites da necessidade do material impresso.
Além disso, tempo e espaço são dois conceitos que são significativamente
relativizados à medida que os avanços tecnológicos possibilitam formas alternativas de
comunicação. Mas foi a partir da difusão da Internet que a educação na modalidade a distância
se potencializa.
De fato, a rede internacional de computadores, mais conhecida como “internet”,
criou uma nova concepção de espaço que, agora, não é mais necessariamente ligado ao âmbito
geográfico. A internet contribuiu de maneira tal para o empoderamento das/os sujeitas/os que
o sistema educacional não poderia ficar fora disso.
Nas palavras de FERNANDES e GOMES:
Nesse sentido, MOTA (2015) afirma que essa modalidade de educação é mais
personalizada, pois permite aos sujeitos envolvidos escolher a melhor forma de ensinar e
aprender, “além de privilegiar a permuta de conhecimentos em rede e, com isso, tornar fecundo
27
qual os atores educacionais por muitas vezes se encontram” (FERNANDES e GOMES, 2013.
P. 50).
O curso “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres” acompanha toda essa
bagagem construída pelo CEAD e vem “reunir em um mesmo espaço, sem a obrigação da
presença física, interlocutoras e interlocutores de perfis econômico, social e cultural diferentes,
mas que possuem o mesmo objetivo: organizar as mulheres e a sociedade na luta contra as
diversas formas de violência e discriminação de gênero” (PULINO FILHO, 2011, p. 23).
direito das classes dominante, mas deve também refletir o direito dos grupos de sofrem
opressão. Assim, consolidava-se a concepção de um Novo Direito, criado a partir das demandas
populares das classes oprimidas, ainda que essas normas não estejam inseridas nas leis vigentes.
Por fim, O Direito Insurgente entendia a advocacia dos movimentos populares como um
instrumento de abertura dessa nova concepção de direito para as leis e para o Poder Judiciário.
Essa corrente de pensamento jurídico marcou o rompimento com a ideologia
classista no pensamento da epistemologia jurídica. O Direito Insurgente era contra a ordem
burguesa (ACYPRESTE; BELLODULTRA; e FERREIRA, 2015, p. 104).
Esses e outros diversos grupos surgidos da crise epistemológica dos anos 60
pensavam o direito criticamente, mas não lograram romper completamente com as teorias
jurídicas tradicionais: o jusnaturalismo e o positivismo. Explica Sousa Junior que essas
correntes do pluralismo jurídico
É justamente nesse sentido que o Direito Achado na Rua aparece como uma
inovação revolucionária, uma vez que rompeu rigorosamente com as teorias tradicionais 2, indo
além e sendo ainda mais subversivo que seus contemporâneos.
Vale citar PRATES, BELLODULTRA, FERREIRA e ACYPRESTE:
2
Esse assunto será abordado mais profundamente no Capítulo 3, no item 3.3.2.
32
3
Os primeiros volumes da coleção abordaram os temas: Direito do Trabalho, Direito Agrário e Direito à Saúde.
35
livro “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres”, volume cinco da série O Direito Achado na
Rua.
A construção do livro se deu com a participação de professoras/es, militantes e
estudantes integrantes e colaboradoras da coordenação do curso presencial das PLPs e a partir
do diálogo com os diversos projetos de Promotoras Legais Populares espalhados pelo país que
também contribuíram com textos para o livro.
O livro possui artigos sobre os principais temas trabalhados na formação de
mulheres no curso presencial de PLPs, dentre os quais as temáticas de violência, gênero,
militância feminista e diversidade. A abordagem é problematizadora e reflexiva, redigida numa
linguagem direta e acessível.
A ideia inicial era possibilitar o seu uso não somente no curso presencial, mas em
curso a distância voltado para pessoas das mais diversas realidades que atuam no enfrentamento
à violência contra a mulher.
Depois de concluída a edição do livro, o Núcleo de Estudos pela Paz e Direitos
Humanos (NEP/CEAM) aprovou o curso a distância “Introdução Crítica ao Direito das
Mulheres” que seria realizado com o material produzido. O NEP é uma unidade acadêmica da
Universidade de Brasília que se propõe a produzir conhecimento novo sobre a paz e os direitos
humanos, reunindo investigadoras/es de diferentes campos científicos, num esforço
interdisciplinar. Suas atividades desdobram-se na realização de cursos de extensão, eventos e
intercâmbio com centros congêneres4.
A oportunidade de execução do curso surgiu com a publicação do edital de chamada
pública nº 002/2013 da Secretaria de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República,
em 01/03/2013.
O Projeto de Extensão de Ação Continuada (PEAC) “Direitos Humanos e Gênero:
Promotoras Legais Populares” da Faculdade de Direito da UnB; o Núcleo de Estudos para a
Paz e Direitos Humanos (NEP/UnB) e o Centro de Educação a Distância da Universidade de
Brasília (CEAD/UnB) apresentaram para este edital o projeto do curso a distância.
A proposta foi inserida temática quatro (T4), referente ao “Apoio à Criação e ao
Fortalecimento de Organismos de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher” e se encaixou
no item de “Cursos de capacitação para gestores/as na temática de gênero”, na ideia de colocar
estas/es gestoras/es em contato com os debates feitos dentro da sociedade civil e da
4
Informação extraída na página oficial da Universidade de Brasília
<http://www.unb.br/unidades_academicas/nep>
36
Os objetivos principais traçados pelas PLPs deixam pairar uma forte semelhança
com o curso à distância. De fato, ambos os PEACs “Direitos Humanos e Gênero: Promotoras
Legais Populares” e “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres” caminham rumo à construção
de um modelo de sociedade mais justa e solidária, através da educação popular feminista.
No entanto, o curso a distância não pode ser considerado pura e simplesmente uma
versão do curso das PLPs em modalidade a distância. Isso porque ambos diferem
significativamente em sua estrutura, composição e, consequentemente, em seus objetivos
específicos.
39
5
Sororidade é o pacto entre as mulheres que são reconhecidas irmãs, sendo uma dimensão ética, política
e prática do feminismo contemporâneo. Diz respeito à solidariedade entre as mulheres. Pode-se dizer
que é o feminino da palavra “fraternidade”.
40
Segundo NARDI, FONSCECA e COSTA, a pretensão do curso das PLPs é que “as
mulheres ali formadas se organizem coletivamente dando continuidade aos movimentos
históricos feministas” (NARDI; FONSECA; e COSTA, 2015, p. 160). A coordenação abre
sempre o chamado para que elas integrem o Fórum de Promotoras Legais Populares do Distrito
Federal – Fórum PLPs/DF, que existe desde 2008 e se propõe a ser um espaço de organização
e mobilização política das mulheres já formadas enquanto Promotoras Legais Populares.
Já o curso a distância aqui analisado é um curso que versa sobre gênero e
feminismo, mas é misto, ou seja, temos mulheres e homens tanto na coordenação e tutoria do
projeto, quanto enquanto estudantes, Seu objetivo é, portanto, fortalecer as ações de
enfrentamento à violência contra as mulheres, por meio da conscientização coletiva sobre as
condições históricas, sociais e culturais que sustentam e mantém a violência de gênero.
Assim, o curso a distância “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres” não pode
ser considerado uma ação afirmativa em gênero. É que este atua na busca pelo reconhecimento
da opressão de gênero e na construção de um modelo de sociedade baseado na igualdade entre
homens e mulheres. Em contrapartida, a ação afirmativa em gênero, que se encontra na
interseção entre reconhecimento e redistribuição sobre a participação ativa das mulheres na luta
por seus direitos, pretende introduzir as mulheres à luta feminista enquanto organização social.
Desta forma, enquanto o curso PLPs é voltado para a formação de líderes
comunitárias capazes de empenhar-se na luta contra a violência de gênero em suas
comunidades, o curso a distância procura desconstruir as bases sólidas da opressão de gênero
41
para que cada estudante, na sua atuação profissional ou particular, tome posições de
enfrentamento a todo e qualquer tipo de violência contra as mulheres.
Essa diferença é tão importante que vai definir o público envolvido em cada curso
e a metodologia aplicada.
O curso presencial é composto única e exclusivamente por mulheres, tanto na
coordenação, quanto no curso. É um espaço auto-organizado por mulheres, justamente no
objetivo de abrir espaço de participação que a elas tem sido historicamente retirado.
A metodologia se baseia na educação popular jurídica e feminista que propicia a
construção do sentimento de solidariedade e empatia entre as mulheres e do engajamento
político na luta feminista. Para isso, é essencial que elas se conheçam e criem vínculos; que elas
se descubram em processos de opressão semelhantes; e vejam a própria emancipação
interligada com a emancipação coletiva de suas companheiras.
Nessa perspectiva, o curso presencial lança mão de instrumentos que a experiência
mostrou ser eficazes, como o momento do lanche e as oficinas com pacto de segredo.
O lanche acontece no meio das oficinas, no horário do intervalo. É a ocasião em
que as mulheres conversam sobre seus problemas pessoais, suas alegrias, seus casamentos,
trabalhos, filhas e filhos; ou seja, é um momento crucial em que as mulheres criam o vínculo
afetivo de amizade.
Outro instrumento eficaz são as rodas de conversa em que é feito o pacto de segredo.
Nessas ocasiões acorda-se que tudo que for falado na oficina ficará entre as mulheres que dela
participaram. Essas oficinas são aquelas em que é dado espaço para que as mulheres falem de
suas vidas privadas sem medo, abordando assuntos tabus, que geram constrangimento ou dor.
São normalmente as oficinas sobre sexualidade, aborto e violência doméstica.
Nessas ocasiões, as mulheres se veem em situações semelhantes ou se sensibilizam
com a situação da companheira e a partir daí criam entre elas uma força de solidariedade, em
que uma apoia a outra – dentro do curso – e as outras – para além dos muros do NPJ.
Claudia Korol discorre sobre a importância do carinho como método de educação
popular feminista. Segundo a autora esse sentimento nasce a partir do encontro de histórias
entre as mulheres e se torna um combustível para a luta coletiva e política feminista. Em suas
palavras:
Além destes, a Proposta técnica também traçou impactos que se espera alcançar em
relação às/aos estudantes e tutoras/es. São eles:
44
Para tanto, o curso se apoia em três principais pilares: a educação popular, o Direito
Achado na Rua e o Feminismo Crítico.
A educação popular é um método educacional apresentado como um espaço de
construção de conhecimento que possibilita a conscientização, a socialização, a emancipação e
a valorização, não apenas do saber técnico-jurídico ou acadêmico, mas ainda dos saberes
populares advindos da experiência e da vida cotidiana.
O Direito Achado na Rua é a teoria que discute o Direito de forma crítica e almeja
construir um conhecimento jurídico de forma democrática, em que as/os indivíduas/os
envolvidas/os se vejam como sujeitas/os.
Essa linha de pensamento acredita que a organização social é um espaço de
construção do Direito através do método democrático de horizontalidade, na medida em que se
apresenta como movimentação política de luta e conquista por direitos – é onde se faz o direito.
O curso se propõe a ser mais um desses espaços.
Nesse sentido, o Direito emana da organização social pela liberdade, na qual se dá
a formação de sociabilidade e se promove a conscientização de novos agentes promotoras da
cidadania e da democracia.
O Feminismo Crítico agrega o valor da luta das mulheres contra o patriarcado e o
machismo às duas outras vertentes do projeto. As reivindicações feministas congregam um
projeto coletivo de luta pela liberdade e justiça que molda os direitos das mulheres, ainda que
não estejam estes refletidos na ordem jurídica vigente.
A partir da conjugação dessas três linhas de pensamento é que o curso a distância
pretende gerar o empoderamento de individuas/os para que se descubram dotadas/os de um
saber próprio indispensável para a transformação da ordem normativa machista e patriarcal, a
que elas/es se encontram submetidas/os enquanto cidadãs e cidadãos, mas que não veem suas
realidades refletidas.
45
O Curso “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres” foi realizado por meio de
Ambiente Virtual de Aprendizado (AVA), desenvolvido pela plataforma Moodle criada pelo
CEAD. A plataforma dispunha de importantes ferramentas de comunicação. Tais ferramentas,
segundo o Guida do Estudante:
instâncias por onde a ideologia se materializa (CAREGNATO; MUTTI, 2006, apud. FISCHER
e GODIM, 2009, p. 11).
O discurso é, portanto, o uso da linguagem em um contexto histórico e social, por
meio do qual as pessoas de expressam e revelam como pensam e agem no mundo.
Nessa esteira FISCHER e GONDIM explicam que:
3.2. O objeto
3.2.1. Os questionários
Primeiramente, vale ressaltar que não houve nenhum encontro presencial entre
as/os tuturas/es e as/os estudantes, uma vez que a realização do curso “Introdução Crítica ao
Direito das Mulheres” foi integralmente realizado a distância. Desse modo, toda a comunicação
foi realizada de forma escrita por meio da plataforma virtual disponibilizada pelo CEAD/UnB.
Em decorrência disso, procurou-se identificar o documento escrito e entregue
pelas/pelos estudantes que fosse mais adequado para a realização da pesquisa. Priorizou-se,
assim, o documento mais significativo no sentido de refletir o máximo possível todo conteúdo
trabalhado ao longo dos quatorze módulos e, além disso, o documento que fosse mais plural em
relação a ampla gama de temas tratados.
51
O Trabalho Final foi realizado depois de terminadas todos os debates dos fóruns,
depois da correção das tarefas e depois da leitura de todas as leituras obrigatórias. Presume-se
então, que o Trabalho Final é o resultado de tudo o que foi trabalhado ao longo do curso.
Ao final do curso, até o dia 23 de junho de 2015, o curso contava com 500
estudantes inscritas/os. Foram recebidos 136 Trabalhos Finais 6.
O primeiro passo para iniciar a realização da pesquisa quantitativa consistiu na
busca pelas categorias de análise que serão apresentadas no item que segue. Em seguida, foi
iniciada a pesquisa propriamente dita, relatada por completo no Capítulo 4 do presente trabalho.
Para começar, foi feita a leitura de todos os Trabalhos Finais no intuito de elaborar
o panorama geral dos projetos de intervenção. Nessa primeira leitura procurou-se responder a
três perguntas: “Qual é o principal tema do projeto de intervenção?”, “Qual é o público-alvo?”
e “Que tipo de intervenção é proposta do Trabalho Final?”.
Depois de elaborado o panorama geral, foi feita a segunda leitura dos Trabalhos
Finais. Essa leitura foi mais aprofundada porque foi nesse momento em que se aplicou as
categorias de análise. A partir de então foi realizado o “trajeto temático” conforme os discursos
apresentavam homogeneidade em relação às categorias de análise.
Por fim, procurou-se traçar considerações de destaque sobre a pesquisa. Essas
considerações consistiram em representações de discursos recorrentes nos Trabalhos Finais,
mas que não constavam nas categorias de análise.
6
Ressalta-se que esse não é o número de pessoas que concluíram o curso, apenas o número de
pessoas que enviaram o trabalho final. Ao final da realização da presente pesquisa, a informação
sobre quantas e quais pessoas concluíram o curso ainda não tinha sido oficialmente divulgada.
O que se pode afirmar é que aproximadamente 170 pessoas foram aprovadas no curso.
52
da natureza. Isso gera a aceitação dócil e passiva da classe oprimida e serve para manter a
relação desigual de poder nas mãos das classes dominantes (FREIRE, 2011. P. 277/278).
As/os oprimidas/os interiorizam a visão que a classe opressora impõe sobre elas/es,
sentindo-se e pensando que nada sabem. É nesse sentido que o modelo de educação tradicional
reduz as mulheres e os homens a uma coisa, a um objeto e, consequentemente, não caracteriza
uma forma de educação e sim de manipulação ou domesticação.
Paulo Freire propõe, no conjunto de sua obra, um modelo de educação
problematizadora, pautada pela Liberdade, que restitui àqueles que pensam que nada sabem sua
conscientização sobre as opressões e sobre sua capacidade de tomar parte ativa na
transformação social. A ideia é que esse modelo alternativo de educação seja capaz de promover
a libertação dos indivíduos de todas as amarras das classes dominantes.
De acordo com o autor, a educação problematizadora implica em invenção de novas
práticas e em reinvenção das práticas tradicionais. Para isso, é “necessário que, na situação
educativa, educador e educando assumam o papel de sujeitos cognoscentes, mediatizados pelo
objeto cognoscível que buscam conhecer” (FREIRE, 1985. P. 12). Ou seja, a educação, para
que seja pautada pela Liberdade, precisa estar inserida na realidade social dos envolvidos no
processo educacional.
Nesse sentido, o autor afirma que “a forma de perceber os fatos não é diferente da
maneira de relacioná-los com outros, encontrando-se condicionadas pela realidade concreta,
cultural, em que se acham os homens” (FREIRE, 1985. P. 10). Assim, problematizando a
realidade social em que vivem, os sujeitos serão capazes de pensar em formas de subversão e
libertação da opressão a que estão submetidos.
A educação popular segue o princípio básico de horizontalidade que se desdobra
em dois eixos: o das relações de educação, e o das relações entre diferentes saberes.
A hierarquia pressupõe autoridade e autoridade pressupõe imposição
(domesticação) e não emancipação e transformação. Em contrapartida a isso, Freire propõe que
a/o educanda/o seja tão protagonista da produção do conhecimento quanto a/o educadora/or.
Assim, as/os sujeitos cognoscentes estão ora na posição de “educadora/or”, ora na posição de
“educanda/o”, numa relação despida de hierarquia e pautada pelo diálogo horizontal, em que
ambos os sujeitos cognoscentes sejam parte ativa na construção do saber. Neste sentido, explica
o autor:
estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem,
possam igualmente saber mais. (FREIRE, 2006. P. 25)
uma história que não foi escrita, é o lugar da emergência da verdade, desta verdade que se
estrutura como ficção” (GONZALES, 1984. P. 226).
Nesse sentido, a conscientização é a apropriação da memória - história não contada
pela educação tradicional - e a avaliação da realidade social como consequência desse passado
e não de determinantes absolutos impossíveis de mudar.
Sobre esse processo, Freire elucida que:
Mas o espaço escolar, desde suas origens, quando não padroniza se torna um espaço
instituidor de diferenças. A escola “marca mediante mecanismos de classificação, ordenamento
e hierarquização, as possibilidade e o destino de cada sujeita/o” (ALONSO; HERCZEG;
LORENZI; e ZURBRIGGEN, 2007. P 110). Assim, nos é ensinado a ser mulher e homem, a
ser heterossexual e a depreciar as diferenças.
É nessa perspectiva que a crítica da educação bancária elaborada por Paulo Freire
se estende também para a opressão de gênero especificamente. É que a escola foi criada para
os meninos, e as meninas são apenas um agregado no modelo cultural vigente. (ALONSO;
HERCZEG; LORENZI; e ZURBRIGGEN, 2007. P 110). Assim, a escola reproduz a opressão
de gênero na medida em que: (1) nega ou exclui o feminino, ou (2) o visibiliza apenas atadas
aos estereótipos mais arcaicos, de cuidadoras, mães, serventes, etc.
Não há, portanto, como se falar em educação popular que não seja feminista ou
consciente de gênero. Ora, se esta última é pautada pela liberdade, as duas então
intrinsecamente ligadas e são interdependentes.
A prática da educação popular feminista vai além da busca de libertação das
amarras opressoras do Estado burguês e capital, de suas representações da cultura capitalista,
andocêntrica e colonizadora. É, sobretudo, segundo Claudia Korol, o exercício da luta material
e subjetiva contra:
[...] a alienação, contra a mercantilização de nossas vidas, a privatização
de nossos desejos, a domesticação de nossos corpos, a negação
sistemática de nossos sonhos, a mutilação de nossas rebeldias, a
invisibilização de nossas greves, o silenciamento de nossa palavra e a
descarada repressão de nossos atos subversivos (KOROL, 2007. P. 17)
Desta forma, Diana Maffia elucida que a prática da educação popular feminista
deve conter pelo menos dois enunciados, um descritivo e outro perceptivo: o primeiro sustenta
que as mulheres estão em situação pior do que os homens. A segunda que o fato de as mulheres
estarem pior do que os homens não é justo e, portanto, não deve ser assim (MAFFIA, 2007).
57
Claudia Korol vai além e propõe seis tópicos imprescindíveis para conferir caráter
político à educação popular feminista afim de proporcionar um espaço educativo de construção
das subjetividades, desafiadoras da organização social de dominação, principalmente
masculina. São eles: (1) crítica a dominação capitalista e patriarcal; (2) o sistemático
questionamento da cultura andocêntrica; (3) a desconstrução das categorias dualistas e binárias
– criticando as certezas do ponto de partida / naturalização; (4) a busca pela horizontalidade e
autonomia; (5) a valorização do diálogo na prática política; e (6) a radicalidade na denúncia dos
ordenamentos que pretendem disciplinar o campo de quem resiste à dominação – desorganizar
as relações de poder com um sentido subversivo.
A educação popular feminista é, portanto, um instrumento na construção de uma
sociedade composta por individuas/os pensantes e críticas/os engajadas/os na luta pela
libertação de todas as formas de opressão.
Dito isto, as categorias de análise a serem aplicadas nos projetos de intervenção em
relação à educação popular feminista são:
1. O conhecimento é uma construção entre
educadora/os e educanda/o numa relação de horizontalidade;
2. Desconstrução da cultura machista e patriarcal;
3. Protagonismo das mulheres.
Como vimos no Capítulo 1, item 1.3, o Direito Achado na Rua é uma corrente do
pensamento crítico do direito inserida na ampla gama do pluralismo jurídico. Seu diferencial é
a superação das epistemologias hegemônicas do direito: o positivismo e o junaturalismo, com
o intuito de perceber o direito como instrumento da transformação social rumo à liberdade das
classes oprimidas.
Roberto Lyra Filho foi o autor que ergueu as bases teóricas do Direito Achado na
Rua. Em seu livro “O que é Direito?”, ele sugere uma perspectiva dialética, na qual o direito é
fruto do processo histórico da dialética entre os modelos identificados como “harmonia
estabilidade e consenso” e “mudança, conflito e coação”. Sousa Junior explica que o direito
emana dos espaços públicos, palco da organização social e do intercâmbio de posicionamentos
que, por sua vez, promovem a conscientização de sujeitos implicados na participação
democrática de construção da cidadania (SOUSA JUNIOR, 2011, p. 47).
58
7
Não se pretende aqui apresentar um rol taxativo das classes espoliadas. Muito pelo contrário, tal intenção seria
impossível ser alcançada. Busca-se enfatizar o que, apesar de ser tão nítido, é muitas vezes esquecido.
60
Lyra afirma, inclusive, que “aquilo que identificamos dentro do Estado como
estruturas normativas que servem à dominação e ao controle social não devem ser denominados
como Direito” (LYRA FILHO, 2007. P. 65). Em outras palavras, nem tudo que é lei, é direito
e nem tudo que é direito é lei.
Outro aporte do Direito Achado na Rua é sua busca pela superação da separação
entre teoria e prática, a partir da conscientização de que o momento da criação do direito não é
um momento de elaboração teórica neutra e dogmática, separado e independente do momento
de aplicação do Direito. O que se propõe é sair do mundo abstrato para a realidade concreta da
62
sociedade, reconhecendo no espaço político onde se desenvolve práticas sociais também como
legítimas enunciadoras do direito (ACYPRESTE; BOLLEDULTRA; FERREIRA e PRATES.
2015, p. 108).
A “rua” é uma metáfora que simboliza o espaço público como aquele "onde se dá a
formação de sociabilidades reinventadas que permitem abrir a consciência de novos sujeitos
para uma cultura de cidadania e participação democrática" (CORREIA; CONCEIÇÃO; etc
2015, p. 154. apud SOUSA JUNIOR, 2008, p. 5.). Assim, a palavra "rua" indica o Direito como
fruto das lutas populares de movimentos sociais organizados na busca pela liberdade.
Considerando que a rua é um espaço de manifestações públicas de diversos grupos
sociais, com demandas diversas, Lyra enfatiza a importância da noção do Direito como algo
não fixo, algo mutável, em constante construção. Assim, o Direito não é um processo terminado
ou que pode ser terminado. É um conceito entrelaçado a noção de transformação e construção,
que será sempre atualizado à medida que os movimentos sociais e organizações políticas
populares se movimentam rumo à libertação das opressões (NARDI; FONSCECA e COSTA.
2015. P. 152).
Sousa Junior compila as noções básicas do Direito Achado na Rua da seguinte
maneira:
Nessa esteira, o espaço “rua” também é muitas vezes hostil às mulheres. O relato
de Celina Rodríguez revela que a coletividade está organizada na luta por direitos sociais, mas
não se solidariza na luta pelos direitos das mulheres, ainda que as elas estejam presentes e
solidárias às lutas sociais.
Além disso, o espaço “rua” também é restrito às mulheres na medida em que a
construção social do machismo as impõe jornadas triplas e as destitui de disponibilidade para
estar na luta em coletividade no espaço público.
É que a construção histórica-cultural sobre o papel das mulheres relegou-as aos
cuidados da casa e das/os filhas/os, submetendo-as ao espaço privado como essência do seu ser,
como se esse fosse da natureza das mulheres ficarem confinadas no espaço doméstico. A luta
das mulheres pela libertação da opressão em que vivem acontece também em casa, no âmbito
doméstico, com a família e nas suas relações interpessoais.
Nesse sentido, a conquista pelos direitos das mulheres não dependeu e não depende
pura e simplesmente da luta nas ruas. Muito pelo contrário, é também fruto significativo de
mulheres que foram e são subversivas nas suas vidas, em seus casamentos, no tratamento de
suas/seus filhas/os, ou seja, na sua vida privada. A luta não é sempre na rua e nem pode ser.
Assim, não se pode perder o espírito crítico e crer que o Direito Achado na Rua
basta para a libertação de todos os tipos de opressão. É importante agregar a luta pela
emancipação das mulheres ao Direito Achado na Rua, na medida em que ele visa à
democratização do que vem a ser o Direito, enxergando-o como “a enunciação dos princípios
sociais para formulação da liberdade e igualdade” (ACYPRESTE; BOLLEDULTRA;
FERREIRA e PRATES. 2015, p. 110).
64
Dito isto, pode-se extrai as categorias de análise quanto ao tema do Direito Achado
na Rua:
1. Concepção de Direito que transborda os limites da lei;
2. O Direito como instrumento de luta e efetivação da Justiça Social e da
cidadania;
3. As mulheres são apresentadas como protagonistas na enunciação de
seus próprios direitos
[...] construção cultural sobre a diferença sexual [e] diz respeito aos
valores dados às diferenças sexuais , que variam de sociedade para
sociedade e dentro da mesma sociedade , nos mostrando que há
inúmeras possibilidades de masculinos e femininos (BONETTI, 2011.
P. 92).
Importante ressaltar que gênero não se confunde com sexo. Sexo diz respeito às
peculiaridades biológicas que existe entre fêmea e macho da espécie humana 8. Gênero é a
construção social que se faz em cima dessas peculiaridades.
A violência de gênero é justamente a consequência drástica trazida pelas atribuições
desiguais de poder entre homens, mulheres e outra categoria que não se encaixe nos padrões de
“masculino” e “feminino”.
Saffioti define “violência de gênero” como
8
Ainda que a ciência se apoie em duas possibilidades de sexo: masculino e feminino, a experiência humana nos
mostra que essas categorias tampouco são naturais e fechadas. Nesse sentido, o sexo como “macho e fêmea”
também carrega um aspecto de construção social.
65
Rita Segato afirma que essa opressão resulta “de um sistema no qual poder e
masculinidade são sinônimos e geram um ambiente social de misoginia” (SEGATO, 2006, p.
25).
As violências de gênero se apresentam às mulheres de diferentes formas:
psicológica, moral, sexual, e até institucional; e incidem em diferentes classes sociais, origens,
regiões, estado civil, escolaridade ou raça.
É na necessidade de superar essa ordem opressora que violenta as mulheres que
surge o feminismo, como movimento social e político que critica a ordem de opressão da
sociedade. Alinne de Lima Bonetti entende o feminismo como “uma ideologia política que se
traduz tanto numa produção teórica quanto numa prática, voltadas para o enfrentamento da
opressão que atinge as mulheres” (BONETTI, 2011, p. 91).
O feminismo busca a desnaturalização e elucidação dos processos de opressão,
construindo um novo marco teórico de referência, ““um óculos” que mostram uma realidade
certamente distinta daquela que percebe a maior parte das pessoas” (ALONSO, HERCZEG,
LORENZI e ZURBRIGGEN, 2007, p. 124-125).
Embora existam várias correntes do feminismo, o curso “Introdução Crítica ao
Direito das Mulheres” não se identifica com nenhuma delas em específico. É que a intenção
não é impor uma ideologia, mas sim despertar nas/os cursistas o espírito crítico, questionador
e transformador.
Nesse sentido, o curso coloca em prática um tipo de feminismo que integre diversas
problemáticas de gênero, classe, etnia, geracional, orientação sexual, identidade de gênero, etc.
De acordo com Roxana Longo, isso significa exercer uma opção ético-emancipatória, disposta
a dialogar com correntes distintas do pensamento crítico, centrada nos valores da autonomia
(LONGO, 2007. P. 39).
Roxana Longo (2007) propõe o “feminismo crítico” como caminho de abordagem
do feminismo em um contexto de educação popular. Segundo a autora, o objetivo principal é
eliminar todos os parâmetros tradicionais de discursos normativos e perceptivos para analisar a
realidade, o direito e as ciências de maneira crítica no intuito de se empenhar na construção de
9
“relações violentas entre os gêneros”
66
uma sociedade mais justa e igualitária, livre da opressão de gênero e de todos os outros modos
de opressão.
Para aprofundar no “feminismo crítico” abordado pelo Curso “Introdução Crítica
ao Direito das Mulheres”, destacamos três tarefas importantes empenhadas dentro do conteúdo
pedagógico: a de desnaturalizar a opressão de gênero; a de apresentar a diversidade das
mulheres e do movimento de mulheres; e, por fim, de engajar as/os cursistas na transformação
social rumo à libertação das opressões.
A primeira delas é a desnaturalização das opressões. O primeiro passo dado no
curso nesse sentido foi logo no primeiro módulo com a leitura obrigatória do artigo:
“Linguagem inclusiva: o que é e para que serve?” de Ana Paula Duque e Rayane Noronha.
A linguagem inclusiva é assim tão importante na desnaturalização das opressões
porque ela desmascara a suposta “neutralidade” da linguagem universal. O argumento de
economia da língua é uma desculpa que esconde a sua verdadeira capacidade de mostrar e
perpetuar relações sociais assimétricas, que dão voz à experiência masculina e invisibiliza a
feminina. Assim,
10
Conforme anteriormente apontado, as relações assimétricas de poder são construídas socialmente a partir das
diferenças atribuídas aos “sexos biológicos”.
11
Foi discutida a seguinte questão: “Em dezembro de 2014, tiveram repercussão nas redes sociais as pichações
existentes no banheiro feminino da Universidade de Campinas (Unicamp). Enunciados como “NÃO DEIXE QUE
OS MACHOS OCUPEM OS NOSSOS ESPAÇOS” e “SER MULHER NÃO É CALÇAR NOSSOS SAPATOS”
foram grafados nas cabines do banheiro. (Disponível
em: http://educacao.uol.com.br/album/2014/12/08/banheiros-da-unicamp-recebem-pichacoes-contra-
transexuais.htm.) Mesmo percebendo ausência explícita de palavras que remeta diretamente à transgeneridade,
discorra por qual razão os significados dessas pichações se configuram em um ataque transfóbico”.
12
Foi discutida a seguinte questão: “No dia 28 de abril de 2014, o juiz Eugênio Rosa de Araújo, titular da 17 a Vara
Federal, afirmou que as crenças afro-brasileiras “não contem traços necessários de uma religião”. De acordo com
o magistrado, as características essenciais de uma religião seriam a existência de um texto base (como a Bíblia ou
o Alcorão), de uma estrutura hierárquica e de um Deus a ser venerado.
Fonte: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,juiz-diz-que-umbanda-e-candomble-nao-sao-religioes,1167765 .
Quais os efeitos que falas como as do exemplo acima produzem sobre as comunidades que praticam religiões de
matriz africana?”
69
3.4. Desafios
13
Essa tarefa está detalhada no item 3.2.2.
70
CAPÍTULO 4 RESULTADOS
4.1. Os questionários
Nessa seara, vale relembrar que o espaço destinado à comunicação entre as/os
cursistas para a troca de experiências e debates sobre o conteúdo do curso eram os fóruns de
debate. Sendo assim, o dado aqui apresentado revela que esse instrumento não foi tão utilizado
pelas/os estudantes quanto pretendido.
De fato, esperava-se que o fórum fosse fomentado pelas discussões entre as/os
próprias estudantes e que todas/os participassem não só com uma postagem, mas com
comentários sobre as postagens das/os colegas e da/o tutora/or.
Conclui-se, portanto, que não foram alcançadas as expectativas depositadas sobre
o fórum de debate. Muito pelo contrário, foi bastante aquém do que era esperado.
A terceira pergunta trabalhada foi: “Meu grau de conhecimento adquirido com o
curso foi satisfatório?”. De 153 respostas, ninguém discordou totalmente, uma pessoa discordou
um pouco, ninguém discordou e nem concordou, 44 concordaram um pouco e 108 estudantes
concordaram totalmente (Apêndice A, Gráfico 3).
Tabela 3 - Meu grau de conhecimento adquirido com o curso foi satisfatório.
Respostas Percentagem
Discordo totalmente 0 0%
Discordo um pouco 1 1%
Nem discordo nem concordo 0 0%
Concordo um pouco 44 29%
Concordo totalmente 108 70%
73
Esse dado revela que a maioria das/os estudantes levou o conteúdo do curso para
outros âmbitos da sua vida e, neste caso, para a atuação profissional, tornando-se
multiplicadoras/es do conteúdo do curso.
A última questão foi: “Meu grau de satisfação com o curso foi adequado com os
objetivos iniciais propostos?”. De 153 respostas, uma pessoa discordou totalmente, três
estudantes discordaram um pouco, 4 não discordaram e nem concordaram, 29 concordaram um
pouco e 116 estudantes concordaram totalmente, o que corresponde a 76% (Apêndice A,
Gráfico 5).
Tabela 5 - Meu grau de satisfação com o curso foi adequado com os objetivos iniciais
propostos.
Respostas Percentagem
Discordo totalmente 1 1%
Discordo um pouco 3 2%
Nem discordo nem concordo 4 2%
Concordo um pouco 29 19%
Concordo totalmente 116 76%
74
O Panorama Geral foi elaborado a partir da primeira leitura dos Trabalhos Finais.
Para tanto, três perguntas foram respondidas para cada trabalho, quais sejam: “Qual é o
principal tema do projeto de intervenção?”, “Qual é o público-alvo?” e “Que tipo de intervenção
é proposta do Trabalho Final?”.
Importante ressaltar que aqui não se pretende apresentar números exatos e
estatísticas, apenas um mapeamento simples sobre os trabalhos finais abordando os seus temas,
o público-alvo e o tipo de intervenção proposta.
Oportuno salientar que muitos trabalhos abordaram vários temas em conjunto,
vários tipos de atuação e às vezes até diferentes públicos-alvo, na medida em que um mesmo
projeto de intervenção planejou várias atividades a serem realizadas para alcançar seu objetivo.
Nessa seara, o Trabalho Final elaborado por Marilda14, da Turma 13, é um exemplo.
A estudante planejou uma intervenção em escolas públicas para tratar do tema de violência
doméstica contra as mulheres. Nas diretrizes da ação, ela elenca várias atividades a serem
realizadas, dentre as quais algumas se destinavam ao público misto e outras se destinavam
apenas para as mulheres, e cada atividade consistiu em um tipo de intervenção diferente: rodas
de conversa e atendimento particular. Nas suas próprias palavras:
14
Foram criados codinomes afim de resguardar a identidades das/os cursistas.
75
15
A categoria de análise sobre o protagonismo das mulheres está detalhada no item 3.2.2 sobre Direito Achado na
Rua.
78
Mas nem sempre a teoria da Educação Popular enquanto troca horizontal de saberes
e a referência a Paulo Freire apareceram nos trabalhos. Ainda assim, as descrições das ações
revelaram uma proximidade particular com a educação pela liberdade e uma fuga ao modelo
tradicional de ensino. Vale citar a estudante Lucia, da Turma 4, ao descrever um passo de sua
ação:
Importante relatar que a educação popular ganhou terreno também nos projetos que
previam intervenções por meio da arte e do esporte. Tal fato demonstra que a educação popular
foi assimilada pelas/os cursistas a tal ponto de aplicá-la em diversos contextos, e não somente
em oficinas e rodas de conversa.
Nessa seara, vale citar o Trabalho Final de Ana Clara, da Turma 9. Ela planejou
intervenção artística por meio de sarau só para mulheres. Nas suas próprias palavras, a ação
consistia em:
compreender melhor o contexto dessas mulheres para então propor uma intervenção prática. Na
descrição das ações, ela enumera:
Também é o caso de Renata, estudante da Turma 11, que pretende realizar estudo
aprofundado sobre a Lei Maria da Penha e suas garantias trabalhistas afim de apresentar uma
proposta de regulamentação e de intepretação do artigo 9º, §2º da Lei 11.340/2006, cuja redação
prevê o direito de afastamento do trabalho com remuneração da mulher em situação de violência
doméstica.
Ao todo, 15 Trabalhos Finais abordaram a metodologia similar a aulas e palestras.
Ainda assim, nem todas se limitaram ao modelo tradicional de escola bancária, pois trouxeram,
aliado às aulas e palestras, também momentos de reflexão e discussão.
Foi o caso da estudante Gabriela, da Turma 4, que elaborou projeto para
desconstruir o machismo junto a mulheres em situação de vulnerabilidade social. Segundo ela,
a ação pretendia realizar:
Vale relatar que o Projeto Promotoras Legais Populares serviu de inspiração para
Trabalhos Finais que se destinavam apenas a mulheres e para aqueles que previam a criação de
projeto de extensão dentro das universidades.
A cursista Giovana, da Turma 13, elaborou projeto de intervenção a ser realizado
no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de sua cidade. As atividades consistiam
em oficinas e rodas de conversa com adolescentes para discutir diversos temas transversais à
desigualdade de gênero, “como sexualidade, violência, saúde, etc.”. Giovana se inspirou nas
PLPs. Ela explica:
[...]
gênero são inúmeros. O que se almeja é colher frutos a longo prazo, combatendo o problema
da raiz, qual seja, a cultura machista. Essa também foi uma constante nos Trabalhos Finais.
A terceira categoria de análise, qual seja “protagonismo das mulheres”, será
abordada com mais profundidade no item seguinte, uma vez que é comum ao tema do Direito
Achado na Rua. Adianta-se que a generalidade dos Trabalhos Finais trouxe ações pautadas na
educação pela liberdade com especial enfoque no protagonismo das mulheres, principalmente
aquelas ações direcionadas só para mulheres.
Ainda, o cursista Lucas, da Turma 10, elaborou projeto direcionado para mulheres
idosas. O objetivo era “estudar o processo de envelhecimento da mulher na sociedade brasileira,
identificar as violações de direitos e propor ações de enfretamento à violência e a
conscientização dos direitos das pessoas idosas”. Ao expor os resultados e impactos esperados
do projeto de intervenção, citou a propagação da linha de pesquisa “O Direito Achado na Rua”
atrelado ao fomento da discussão acadêmica sobre os direitos da mulher idosa.
Outro exemplo é o da estudante Laura, da Turma 11. Ela elaborou um projeto sobre
o direito à informação que a mulher paciente tem no atendimento de saúde. O projeto foi
intitulado como “Direito à informação como interface essencial do direito à saúde e à
sexualidade: quando contraceptivos incorrem em violência contra a mulher”. Nas diretrizes da
ação, a estudante pretende realizar campanhas de conscientização e mobilizar os órgãos
públicos e privados de saúde na busca pela capacitação das/os profissionais. Percebeu-se que
Laura não busca a positivação deste direito para que ele seja efetivo ou tenha a qualidade de
validade. Muito pelo contrário, ela considera o direito à informação um direito das mulheres,
buscando ações no intuito de que ele seja respeitado. Nas palavras da própria estudante, o
objetivo é:
A denúncia formal em instituições não foi o único recurso apresentado, três projetos
sobre violência nas universidades trouxeram formas alternativas de denúncia. É um exemplo o
Trabalho Final da estudante Mariana, da turma 13, que, nas diretrizes da ação previa:
Além disso, observou-se que há uma preocupação generalizada sobre denúncias aos
agressores em dois aspectos. O primeiro deles é em relação ao sentimento de impunidade, uma
vez que as denúncias foram apresentadas como um instrumento no qual as mulheres não podem
confiar sempre. O segundo aspecto é que houve frequente manifestação contra o Poder Público
que falha no seu papel de (1) informar as mulheres sobre como proceder na denúncia e (2)
realizar acolhimento adequado na hora da denúncia.
Esses dados revelam uma visão ingênua sobre as instituições estatais. Ao passo que
alguns trabalhos reconhecem o machismo como estrutural cultural e buscam a desconstrução
da ordem opressora através da desconstrução dos hábitos e práticas sociais 16, os trabalhos que
se apoiam nas denúncias dos agressores mostram uma visão das instituições estatais como
salvadoras, ou como únicas solucionadoras do problema da violência de gênero.
Essa ingenuidade está relacionada a algo que foi trabalhado no Módulo 12 do curso
a distância “Introdução Crítica ao Direito das Mulheres”, quando se discutiu o “Estado punitivo
e as controvérsias feministas”. O debate girou em torno de duas questões relevantes, dentre os
quais o debate sobre a efetividade ou ineficácia do encarceramento de agressores no
enfrentamento à violência contra as mulheres.
Apesar do constante apelo à denúncia dos agressores, alguns projetos se destacaram
pela ideia de que a punição não é suficiente no enfrentamento à violência, tampouco pode ser
o recurso mais utilizado.
Nas palavras da estudante Ana Clara, da Turma 12:
16
Esse dado foi abordado em profundidade no item 3.2.1 Educação Popular.
89
Com este grupo, buscamos atingir outros objetivos, quais são: a) promover
um espaço de mulheres que permita a ação e a reflexão, que problematize
experiências e que se aproprie da teoria concernente à questão de gênero e aos
temas específicos que estão na agenda do movimento feminista local e
nacional; b) descontruir o pensamento e o comportamento machista dos
militantes da tendência a partir de um conjunto de ações educativas que
problematizem a questão de gênero junto a eles; c) construir uma tendência
petista que priorize, ao lado de outras questões tanto quanto relevantes, as
pautas das mulheres, que respeite a paridade de gênero e que ofereça um
espaço favorável ao exercício do protagonismo feminino. (Carolina, Turma
6).
4.2.3 Feminismos
de babás ou creches não seja impedimento para que elas participem das
oficinas. (Fernando, Turma 10).
Como nos lembra Bonetti (2011) não dá para falar em gênero sem falar
em feminismo, visto que, o conceito de gênero nasceu do diálogo entre
o movimento feminista e suas teóricas, pesquisadoras de diversas áreas,
que por meio de estudos científicos, ajudaram a provar que o sexo
biológico não é o definidor das condutas humanas. (Maíra, Turma 10).
Vale relatar também que duas cursistas, Joice e Mariana, ambas da Turma 13,
trouxeram o significado das palavras “gênero” e “sexo” a partir de referências bibliográficas
que não faziam parte das leituras do curso atrelado aos textos do próprio curso.
Em relação à categoria de análise sobre o reconhecimento da diversidade de
mulheres, foi observado que apesar de o tema não ter sido abordado nos Trabalhos Finais de
maneira explícita, esteve frequentemente presente nos projetos nas descrições das ações.
Nota-se, conforme já mencionado anteriormente, que a maioria dos projetos tinham
como tema principal a violência doméstica contra as mulheres. Nessa esteira, vale relatar que
as/os autoras/es dos trabalhos afirmaram categoricamente que a violência doméstica atinge
todas as mulheres.
A cursista Júlia, da Turma 5, explica que todas as mulheres são vítimas do sistema
de opressão de alguma forma. Nas suas próprias palavras, ela afirma que o projeto visa
“fornecer informações que mostrem que nós mulheres não estamos sozinhas, somos todas
vítimas desse sistema de exploração, trazer leituras, vídeos e outras mulheres que deem
visibilidade à mulher e sua força, ao feminismo”.
A estudante Pâmela, da Turma 1, reconhece que a violência incide sobre todas as
mulheres, mas de formas diferentes. Ela explica que em seu projeto:
necessário transformar as pessoas, seus hábitos, seus preconceitos e suas ações perante o
mundo.
A cursista Priscila, da Turma 11, elaborou projeto de intervenção com rodas de
conversa, filmes e teatro nas escolas, com o objetivo fundamental de “sensibilizar alunas e
alunos do que seja violência contra a mulher e porque essa temática deva ser tratada com
atenção”. A estudante continua e explica que:
Vale relatar também que os projetos elaborados para serem realizados no espaço
escolar previam também ações com as/os professoras/es e com a família das/os crianças e
adolescentes. Nessa seara, Sônia, cursista da Turma 14, planejou a seguinte ação:
Este dado também é significativo, uma vez que afirma o caráter político e
transformador do ambiente privado, trazendo a família para participarem do processo
educacional de conscientização das opressões.
A segunda consideração de destaque é que, ao todo, foram apresentados 6 Trabalhos
Finais com o tema exclusivo de violência contra as mulheres no ambiente universitário. Todos,
sem exceção, trouxeram as violências perpetradas nos famosos e tradicionais “trotes
universitários”.
O estudante Clio, da Turma 5, descreve o “Trote do Tênis”, realizado em sua
universidade, e revela situação de extremo abuso e violência. Em suas palavras:
moeda de boca em boca pelas calouras, são feitas. Quando não mais
interessavam aos veteranos, pedia-se que o “lote” (calouras na mesa)
fosse “rodado”. (Clio, Turma5).
Esse dado revela, mais do que qualquer outro, que a universidade não é a “torre de
marfim” do conhecimento e nem sempre sinônimo de desenvolvimento social. Muito pelo
contrário, é mais um espaço de reprodução e reforço de opressões e, neste caso, principalmente,
a opressão contra as mulheres, algo que foi observado pelas/os cursistas em consonância com
os debates sobre educação popular. Como afirma Carolina, da Turma 12, a universidade é mais
um espaço de “machismo institucionalizado”.
A terceira consideração de destaque é que foi observado que quase a totalidade dos
projetos sobre violência doméstica fazia confusão entre as expressões “violência contra as
mulheres” e “violência doméstica”.
De alguma forma essa confusão sugere duas possibilidades. A primeira é que a
violência doméstica contra as mulheres é a expressão mais nítida e da violência contra as
mulheres, o que faz com que as pessoas associem a violência contra as mulheres como sendo a
violência doméstica. A outra possibilidade é que há uma invisibilidade sobre os outros tipos de
violência contra as mulheres, o que acarreta no fato de que o machismo e o patriarcado,
96
CONCLUSÃO
A primeira etapa da pesquisa nos mostrou a opinião das estudantes sobre o curso.
Percebeu-se que a maioria das cursistas se sentiu satisfeita com o conteúdo e com o
conhecimento adquirido ao longo do curso. Percebeu-se também que elas se tornaram
multiplicadoras do saber construído ao longo do curso em sua atuação profissional. Esse dado,
sobre a atuação profissional das/os cursistas, revela que o curso logrou êxito em transformá-
las/os em suas práticas. Afinal, se transformar, intima e individualmente, implica em
transformar também o mundo.
Essa primeira etapa também revelou que apenas 32% das/os estudantes que
responderão ao questionário concordaram totalmente com a afirmativa de que elas/es
discutiram com as/os colegas o conteúdo do curso. Esse dado revela que o fórum de debate
como instrumento de diálogo horizontal e de construção cooperativa do saber foi aquém do
esperado; o que implica em reavaliar, para as próximas edições do curso, os fóruns de debate
enquanto instrumento de efetivação da prática de educação popular a distância.
A segunda etapa da pesquisa tratou de fazer uma avaliação qualitativa, na medida
em que se analisou os Trabalhos Finais a parir dos parâmetros traçados pelas bases teóricas.
Do trajeto temático sobre Educação Popular, concluiu-se que a maioria esmagadora
dos Trabalhos Finais abordou a educação como prática dialógica horizontal pautada pela
liberdade. Inclusive, a educação popular ganhou, em alguns trabalhos, outros terrenos de
atuação política, como a arte e o esporte. Ainda que alguns poucos projetos tenham abordado
métodos tradicionais de educação, a maioria dentre estes não deixou de expressar o caráter
contrário à emancipação das pessoas do modelo bancário ao adotar momentos de reflexão e
debate dentro de suas ações.
Além disso, conclui-se que a generalidade dos trabalhos trouxe o engajamento na
desconstrução da cultura machista e patriarcal. Tal constatação se reforçou a partir de projetos
que abordaram o machismo como sendo estrutural da sociedade, procurando desconstrui-lo a
partir da transformação das pessoas, seus hábitos e suas certezas.
Ainda, observou-se que a generalidade dos Trabalhos Finais trouxe ações pautadas
na educação pela liberdade com especial enfoque no protagonismo das mulheres na luta pelos
seus direitos, principalmente aquelas ações direcionadas só para mulheres.
Concluiu-se do trajeto temático na categoria “Direito Achado na Rua” que a ideia
de Direito que extrapola a lei para alcançar a efetivação da Justiça Social e da cidadania foi
amplamente adotada pelas/os estudantes. A linha de pensamento crítico sobre o direito foi
estampada na generalidade dos Trabalhos Finais, de forma implícita ou explícita como
instrumento de luta e efetivação dos direitos das mulheres.
99
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WARAT, Luis Alberto. Reencontro com Kelsen. Florianópolis: Editora da UFSC, 1982.
106
APÊNDICE
Gráfico 1
Concordo totalmente
Gráfico 2
Concordo totalmente
107
Gráfico 3
Concordo
totalmente
Gráfico 4
Concordo totalmente
108
Gráfico 5