Quim. Nova, Vol. 33, No. 4, 781-786, 2010
Quim. Nova, Vol. 33, No. 4, 781-786, 2010
Quim. Nova, Vol. 33, No. 4, 781-786, 2010
4, 781-786, 2010
Artigo
Carmen Luisa Barbosa Guedes*, Daniele Cristina Adão#, Talita Pedroso Quessada, Dionísio Borsato e Olívio Fernandes Galão
Departamento de Química, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, 86051-990 Londrina - PR, Brasil
Eduardo Di Mauro
Departamento de Física, Centro de Ciências Exatas, Universidade Estadual de Londrina, 86051-990 Londrina - PR, Brasil
Juan Miguel Mesa Pérez
Bioware Tecnologia, Rua Alcides Rosini Duarte da Conceição, 76, 13083-970 Campinas - SP, Brasil
José Dilcio Rocha
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Parque Estação Biológica, 70770-901 Brasília - DF, Brasil
EVALUATION OF BIOFUEL DERIVED FROM LIGNOCELLULOSIC BIOMASS FAST PYROLYSIS BIO-OIL FOR USE
AS GASOLINE ADDICTIVE. A biofuel was prepared from acid aqueous fraction (pH = 2) of bio-oil produced by fast pyrolysis
(Bioware Technology) of lignocellulosic biomass (sugar cane residue) and tested in blends (2, 5, 10 e 20% v/v) with gasoline type
C (common) marketed in Brazil. The specification tests made in the Refinery President Getúlio Vargas (PETROBRAS) showed
increasing in the octane number (MON) and antiknock index (AKI) with reduction in the residue generation during the combustion.
The physicochemical characteristics of the biofuel were similar that combustible alcohol allowing its use as gasoline additive.
A viabilidade econômica e ambiental da produção de biocom- aromático constituído de guaiacila, siringila e p-hidroxifenila, origina
bustíveis por processos de termoconversão poderia ser otimizada, os fenóis no bio-óleo e o carvão da pirólise.
agregando valor aos resíduos agroindustriais e florestais. Na produção A composição e as características da biomassa lignocelulósica
do álcool combustível, em média, cada tonelada de cana-de-açúcar que originou o bio-óleo utilizado neste trabalho foi avaliada quanto
produz 140 kg de bagaço e 140 kg de palha como resíduo. Na cadeia ao processo de termoconversão.16 A composição média do bagaço e
produtiva do biodiesel, também é gerado material lignocelulósico da palha de cana-de-açúcar compreendem aproximadamente 40%
residual (palha, tronco, galhos, cascas e bagaço) proveniente das de celulose; 23% e 32% de hemicelulose; 18% e 23% de lignina,
espécies oleaginosas. A elevada disponibilidade de biomassa ligno- respectivamente. O elevado teor de hemicelulose principalmente na
celulósica residual no Brasil tem papel importante na produção de palha de cana-de-açúcar é o principal responsável pelo alto rendi-
energia utilizando fontes renováveis. mento de ácidos carboxílicos no bio-óleo e, consequentemente, pela
O presente trabalho teve como objetivo preparar os ésteres deriva- alta porcentagem de ésteres no biocombustível. O capim elefante
dos do bio-óleo (pirólise de biomassa lignocelulósica) que pudessem possui em média 30% de celulose e também de hemicelulose, e
constituir misturas ou emulsões estáveis com combustíveis fósseis, menos que 10% de lignina, contribuindo de forma significativa para
e avaliar a possibilidade de uso em veículo de transporte deste pro- o rendimento do bio-óleo.
duto em mistura com a gasolina comum tipo C, comercializada em O produto resultante da esterificação de Fischer sobre a fração
Campinas, SP e Londrina, PR através de ensaios regulamentados pela aquosa (pH = 2) do bio-óleo, contendo aproximadamente 67,5%
Agência Nacional do Petróleo (ANP Portaria no309, de 27/12/2001).29 de ésteres (alifáticos C3 – C8 e aromáticos) e outros constituintes
oxigenados (éteres, aldeídos, cetonas e fenóis), apresentou 25,50%
PARTE EXPERIMENTAL (v/v) de água (ABNT NBR 15531);34 após o devido tratamento18 a
porcentagem de água foi reduzida a 2,65% (v/v).
O bio-óleo30 utilizado nesse trabalho foi produzido a partir de A considerável redução no teor de água possibilitou a solubili-
bagaço e palha de cana-de-açúcar e gramínea do tipo capim elefan- zação e a mistura ou emulsão estável do produto (ésteres e outros
te18,31 na Planta de Pirólise Rápida PPR-200 da empresa Bioware oxigenados), que passou a ser denominado biocombustível, com
Tecnologia,32,33 incubada e graduada pela INCAMP (Incubadora de a gasolina comum tipo C, adquirida na cidade de Campinas, SP e
Empresas de Base Tecnológica da UNICAMP), Campinas, SP. Londrina, PR nas proporções de 2, 5, 10 e 20% v/v.
O método de extração da fração aquosa ácida (pH = 2) do O biocombustível foi também testado em mistura com o óleo
bio-óleo, a obtenção dos derivados por esterificação de Fischer e diesel comum interior, porém não ocorreu estabilização das emulsões,
caracterização dos produtos estão descritos em Peláez-Samaniego,16 considerando as mesmas porcentagens avaliadas com a gasolina co-
Adão18 e Rodríguez.31 mum tipo C, adquirida na cidade de Campinas, SP e Londrina, PR.
O processo de tratamento para remoção de água do produto da Na ocasião de aquisição dos combustíveis e realização dos ensaios,
esterificação de Fischer foi otimizado e realizado através de destilação o diesel comercial não continha adição de biodiesel. A gasolina, por
após adição de 1% v/v de etileno glicol no Laboratório de Fluores- se tratar de gasolina comum tipo C, não continha aditivo (detergente
cência e Ressonância Paramagnética Eletrônica (LAFLURPE) da ou dispersante); e conforme legislação vigente na ocasião, possuía
Universidade Estadual de Londrina.18 20% de álcool etílico anidro combustível (AEAC).
O produto obtido por esterificação de Fischer, neste trabalho O fato do biocombustível (ésteres alifáticos C3 - C8 e aromáticos)
denominado biocombustível, foi misturado nas proporções de 2, 5, não constituir emulsões estáveis com o diesel (C4 - C12) se deve à com-
10 e 20% v/v com a gasolina comum tipo C, adquirida nas cidades posição por hidrocarbonetos mais “pesados” do que aqueles existentes
de Campinas, SP e Londrina, PR. na gasolina (C4 - C8), além do que a gasolina comum tipo C contém
A análise das misturas foi realizada de acordo com os métodos álcool etílico anidro combustível, que deve agir como um dispersante,
estabelecidos por Normas Brasileiras (NBR) e Métodos Brasileiros promovendo a formação de emulsão estável com o biocombustível.
(MB) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e/ou de O ensaio visual para determinação da cor, aspecto e presença
normas da American Society for Testing and Materials (ASTM) em ou não de impurezas nas amostras de gasolina tipo C contendo o
conformidade com a Agência Nacional de Petróleo (ANP Portaria 309, biocombustível foi realizado em proveta de vidro,35 sendo possível
de 27/12/2001).29 Os dados relativos à precisão, repetitividade e repro- observar que não houve qualquer alteração de cor ou aspecto do
dutibilidade, fornecidos nas Normas, foram utilizados como guia para combustível fóssil, o qual se manteve incolor, de aspecto límpido e
aceitação das determinações em duplicata. Os ensaios foram realizados isento de impurezas.
no Laboratório de Pesquisa e Análise de Combustíveis da Universidade
Estadual de Londrina, Londrina, PR e/ou no Laboratório de Qualidade Curva de destilação
de Combustíveis da Refinaria Presidente Getulio Vargas, Araucária, PR.
Foi realizada a destilação (ABNT NBR 9619)36 das amostras de
RESULTADOS E DISCUSSÃO gasolina comum tipo C, comercializada em Campinas, SP e Londri-
na, PR, contendo 2, 5, 10 e 20% v/v do biocombustível e as curvas
Os principais componentes e as condições de processamento da registradas para as misturas de biocombustível com o combustível
biomassa atribuem papel importante na distribuição e nas proprie- fóssil foram semelhantes à curva de destilação obtida para a respectiva
dades dos produtos resultantes do processo de termoconversão.16 A amostra do combustível comercial (Figura 1).
celulose, polímero linear formado por unidades de glicose, produz Este ensaio para especificação da gasolina consiste na destilação
por degradação térmica principalmente levoglucosan, glicolaldeído, de 100 mL de combustível, condensando o destilado e registrando
5-hidroximetil furfural, hidroxiacetaldeído, ácido acético, ácido fór- as temperaturas e volumes das frações recolhidas. Os dados de tem-
mico e carvão, a maioria dos quais solúveis em água. Em se tratando peratura, porcentagem de volume líquido de destilado e resíduo da
da hemicelulose, polímero ramificado baseado em hexose, pentose e destilação encontram-se na Tabela 1.
ácido glicurônico, esta é menos resistente termicamente e sua degrada- Todas as temperaturas e volumes registrados estiveram dentro dos
ção origina os ácidos carboxílicos, que são a base para a obtenção do limites estabelecidos pela legislação para a gasolina comum tipo C,
biocombustível utilizado neste trabalho. Quanto à lignina, polímero comercializada no Brasil.
Vol. 33, No. 4 Avaliação de biocombustível derivado do bio-óleo obtido por pirólise rápida 783
Tabela 1. Temperatura, porcentagem de destilado e resíduo da destilação das amostras de gasolina comum tipo C, adquirida em Campinas, SP e Londrina, PR
com adição de 2, 5, 10 e 20% em volume do biocombustível
Combustível Porcentagem 10% evaporado 50% evaporado 90% evaporado PFE Resíduo da destilação
comercial de biocombustível (oC) (oC) (oC) (oC) (% volume)
0 51,9 72,1 170,7 202,7 1,15
Gasolina 2 49,2 71,3 167,8 202,3 1,13
comum tipo C 5 51,8 72,5 170,1 201,8 1,18
Campinas, SP 10 52,3 73,7 166,9 200,7 1,13
20 53,6 71,9 170,1 203,8 1,10
0 52,7 71,4 163,7 197,5 1,23
Gasolina 2 51,4 70,9 163,4 206,3 1,08
comum tipo C 5 52,1 71,8 162,7 195,9 1,23
Londrina, PR 10 53,3 72,5 161,5 202,9 1,25
20 54,5 72,2 168,6 204,1 1,13
Especificação 145 ºC mínimo 190 ºC 2%
65 ºC máximo 80 ºC máximo 220 ºC máximo
ANP Portaria 309/2001 máximo máximo
784 Guedes et al. Quim. Nova
e 5% do biocombustível. A adição de 10 e 20% de biocombustível octanagem RON (Research Octane Number) não faz parte do quadro
provocou um acréscimo na pressão de vapor da gasolina comercial, da especificação brasileira da gasolina automotiva dos tipos A ou C,
atingindo 65,6 kPa quando havia 20% de biocombustível em mistura constando apenas do quadro de especificações da gasolina padrão. A
com o combustível fóssil, todavia, sem comprometer a qualidade do gasolina brasileira em mistura com o AEAC origina um combustível
produto comercial. Por outro lado, a adição do biocombustível em com ótimas características antidetonantes.
até 20% na gasolina adquirida em Londrina promoveu uma pequena Quando se trata de definir a octanagem requerida pelos motores,
diminuição na pressão de vapor do combustível comercial especifi- alguns países, em se tratando da gasolina premium, adotam ao invés do
cado com 57,3 kPa, ou seja, reduziu o valor para 57,0 kPa quando o número de octanagem MON ou RON, o Índice Antidetonante (IAD)
combustível fóssil continha 20% de biocombustível. como representativo do desempenho antidetonante do combustível para
Contudo, pequenas variações na pressão de vapor são despre- um universo mais amplo de veículos. O IAD é definido como a média
zíveis considerando a volatilidade da gasolina e as características entre as octanagens MON e RON, ou seja, IAD = (MON + RON)/2.
do ensaio. A adição do biocombustível à gasolina de Campinas e Os valores de octanagem da gasolina encontram-se na Tabela
Londrina não causaria qualquer alteração no desempenho do com- 2. As octanagens MON41 e RON,42 assim como o IAD, foram
bustível fóssil. No caso da gasolina, as condições do ensaio devem calculadas tomando-se como base a gasolina comum Tipo C, co-
ser cuidadosamente estabelecidas e controladas, uma vez que podem mercializada em Campinas, SP e Londrina, PR, contendo 2, 5, 10
ocorrer pequenas variações na temperatura, na quantidade de ar e 20% de biocombustível.
dissolvido e nas concentrações relativas de cada hidrocarboneto
Tabela 2. Octanagem (MON e RON) e índice antidetonante (IAD) determi-
presente. A pressão de vapor para as gasolinas depende particu-
nados para as misturas de 2, 5, 10 e 20% do biocombustível com a gasolina
larmente das concentrações relativas dos hidrocarbonetos que têm
comum tipo C comercializadas em Campinas, SP e Londrina, PR
pontos de ebulição abaixo de 37,8 °C.
Combustível Biocombustível Octanagem Octanagem
IAD
Octanagem e IAD comercial (% v/v) MON RON
0 82,0 94,9 88,5
A octanagem da gasolina faz relação de equivalência à resis- Gasolina comum 2 82,5 95,2 88,9
tência de detonação de uma mistura percentual de isoctano (2,2,4 tipo C Campinas, 5 83,0 95,9 89,5
trimetilpentano) e n-heptano. Por convenção, o iso-octano recebeu o SP 10 84,3 96,9 90,6
valor 100 e o n-heptano o valor zero, dado o seu baixo poder antide- 20 86,1 > 100 nd
tonante. Motores mais potentes exigem maiores compressões e, por 0 82,3 94,9 88,6
consequência, combustíveis mais resistentes à ignição espontânea.39 É
Gasolina comum 2 82,8 95,2 89,0
com o objetivo de regular o índice de octana que se utiliza no Brasil
tipo C Londrina, 5 83,2 96,1 89,7
o álcool etílico anidro combustível (AEAC). PR 10 84,1 97,1 90,6
A capacidade antidetonante é uma característica importante para
a gasolina, uma vez que não deve detonar por compressão e sim por 20 86,8 > 100 nd
centelhamento. Durante a compressão do ar e do combustível no Especificação ANP Portaria
82,0 mínimo * 87,0 mínimo
motor, ocorre o aquecimento desta mistura gerando a formação de 309/2001
peróxidos e hidroperóxidos orgânicos, os quais promovem a detona- * Valor não especificado pela legislação brasileira. nd - não detectado
ção de acordo com o mecanismo cadeia-radical:
A incorporação do biocombustível à gasolina C comercializada em
RO•+ •OH → R-O-O-H Campinas e Londrina proporcionou aumento gradativo na octanagem
do combustível fóssil, devido ao acréscimo de compostos oxigenados,
Os radicais RO• e •OH ocasionam uma quebra adicional da cadeia os quais devem estabilizar radicais •OH gerados no aquecimento da
de hidrocarbonetos, que levam à detonação.40 A detonação prematura mistura ar-combustível no motor, diminuindo a probabilidade de trans-
do combustível reduz a potência do motor e a adição de compostos ferência de energia por hidrocarbonetos menos estáveis presentes no
oxigenados à gasolina torna o combustível mais resistente às reações combustível fóssil. De forma semelhante ao álcool, o biocombustível
de decomposição que originam radicais, atribuindo assim uma resis- oxigenado atribuiu características antidetonantes à gasolina, o que
tência maior à detonação. proporcionaria maior potência ao motor Ciclo Otto (motor de 4 tempos
A estrutura química dos hidrocarbonetos do combustível tem com explosão por centelha) com mínimo de consumo.
enorme influência na tendência a causar detonação. As parafinas de É também conhecido que gasolinas contendo alto teor de aromáticos
cadeia linear têm menor resistência à detonação do que as parafinas de possuem baixa tendência à detonação e, por conseguinte, altos valores
cadeia ramificada, as olefinas e hidrocarbonetos cíclicos. Os naftênicos de índice de octano. Neste sentido, os derivados fenólicos do bio-óleo,
(cíclicos saturados) têm maior tendência à detonação do que os aromá- embora em baixa concentração no biocombustível, além de outros aromá-
ticos (cíclicos insaturados). Assim, a gasolina rica em hidrocarbonetos ticos, podem estar contribuindo para aumentar a octanagem da gasolina
de cadeia normal e longa (parafínicos) é, em geral, a que possui maior comum Tipo C, comercializada em Campinas e Londrina.
tendência à detonação, apresentando baixos valores para o índice de Além disto, o biocombustível devido à sua composição química
octano. Contrariamente, gasolinas contendo alto teor de aromáticos e/ pode atribuir características detergentes e/ou dispersantes ao combus-
ou isoparafinas e elevado teor de olefinas possuem baixa tendência à tível fóssil, o que deve proporcionar altas taxas de compressão e alto
detonação e, por conseguinte, altos valores de índice de octano. desempenho, além de minimizar a formação de depósitos nos bicos
Os ensaios de laboratório para determinar as características injetores, evitando o acúmulo dos resíduos de combustão.
antidetonantes das gasolinas usam motor CFR (Cooperative Fuel
Reserarch) monocilíndricos. O valor mínimo estabelecido para a Período de indução e formação de goma
octanagem MON (Motor Octane Number) da gasolina comum tipo C é
82,0, que corresponde à mesma resistência de uma mistura que contém O ensaio43 foi realizado com amostras da gasolina comum tipo C em
82% em volume de iso-octano e 18% em volume de n-heptano. A mistura com 2, 5, 10 e 20% do biocombustível. Os períodos de indução
Vol. 33, No. 4 Avaliação de biocombustível derivado do bio-óleo obtido por pirólise rápida 785
determinados para a gasolina adquirida em Campinas e Londrina, assim Tabela 3. Porcentagem em volume de AEAC e outros compostos oxige-
como para as misturas contendo biocombustível foram acima de 720 nados presentes na gasolina comum tipo C* em mistura com 2, 5, 10 e
min, indicando que a adição do biocombustível à gasolina comercial não 20% do biocombustível
alterou a estabilidade da mesma no que diz respeito a este parâmetro.
% de biocombustível % de AEAC e outros compostos oxigenados (v/v)
Este método para verificar tendência à formação de goma durante (v/v) Gasolina Campinas-SP Gasolina Londrina-PR
a armazenagem provoca o envelhecimento prematuro da gasolina
0 20 20
ao submetê-la à ação do oxigênio, a uma pressão de 7,0 kgf/cm2 e
temperatura de 100 °C durante um tempo mínimo de 360 min. O 2 20 20
tempo decorrido entre o início do ensaio e aquele em que ocorre 5 22 22
uma nítida queda de pressão é chamado “período de indução”, o qual 10 24 24
assegura a armazenagem do combustível sem que haja formação de 20 28 28
uma quantidade apreciável de goma. *Amostras adquiridas na cidade de Campinas, SP e Londrina, PR em 2006,
A formação de goma na gasolina é decorrente da polimerização quando o teor do AEAC no combustível fóssil foi de 20% ± 1 v/v.
de hidrocarbonetos insaturados do combustível pelo aquecimento,
apresentando-se como material resinoso sólido ou semi-sólido que Federal no 10.203, de 22/02/2001, que trata da redução de emissão
pode se converter em uma espécie de verniz, restringindo o fluxo de poluentes por veículos automotores.50
de combustível. A presença desse material resinoso acarreta sérios Devido as suas características polares semelhantes ao álcool
problemas que diminuem o rendimento do motor.44 Íons metálicos no etílico, o biocombustível foi submetido a ensaios especificados pela
etanol podem também promover a formação de gomas e sedimentos Agencia Nacional de Petróleo (ANP Portaria 126, de 08/08/2002)51
em motores que utilizam a mistura etanol-gasolina como combustível. para comercialização do Álcool Etílico Anidro Combustível (AEAC)
A principal fonte de contaminação do etanol combustível por espécies e do Álcool Etílico Hidratado Combustível (AEHC). Os resultados
metálicas são os processos corrosivos sofridos pelas colunas de des- encontrados para massa específica, condutividade elétrica e teor
tilação, reservatórios das destilarias e até de postos de combustível. alcoólico estão na Tabela 4.
A especificação da ANP para a formação de goma na gasolina é
de no máximo 5 mg de resíduo por 100 mL de amostra. A gasolina Tabela 4. Parâmetros físico-químicos determinados no biocombustível de
comum tipo C, adquirida em Campinas e Londrina, assim como as acordo com a especificação do álcool combustível no Brasil
amostras em mistura com 2, 5, 10 e 20% de biocombustível foram Parâmetros Métodos de Especificação
analisadas45 e apresentaram 1 mg de resíduo, indicando que o bio- Resultado Unidade
analisados ensaio AEAC AEHC
combustível não favoreceu ou inibiu a formação de goma na gasolina. Massa específica ABNT NBR 807,6
808,3 791,5 máx. kg/m3
a 20 ºC 5992 52 a 811,0
Teor de álcool Condutividade ABNT NBR
136,6 500 máx. 500 máx. mS/m
elétrica 10547 53
O álcool etílico anidro combustível (AEAC) é um dos aditivos ABNT NBR
Teor alcoólico 93,6 99,3 mín. 92,6 a 93,8 ºINPM
da gasolina comercial, devido a sua propriedade antidetonante. Esta 5992 52
propriedade impede que a mistura ar/combustível se inflame antes do
ponto de maior compressão do cilindro no motor. O teor de AEAC A massa específica do biocombustível enquadra-se apenas na es-
na mistura carburante é competência do Ministério de Agricultura, pecificação do AEHC, diferente da massa específica do AEAC devido,
Pecuária e Abastecimento (MAPA Resolução nº 30, de 15/05/2003).46 provavelmente, a traços de água ainda presente no biocombustível,
O teor de álcool na gasolina varia, historicamente, entre 13 e 25% elevando sua massa específica. Em se tratando do teor alcoólico, o
em volume. Na ocasião de aquisição das amostras e realização dos biocombustível mais uma vez se enquadra na especificação do AEHC.
ensaios, a porcentagem de AEAC especificada para a gasolina comum A condutividade elétrica do biocombustível é baixa e, portanto, possui a
tipo C comercializada em Campinas e Londrina era de 20% ± 1 v/v vantagem de não corroborar para a corrosão de chapas metálicas de aço
(CIMA Resolução no35, de 22/02/2006).47 carbono, o que seria uma grande vantagem para seu uso em motores.
Os resultados obtidos na determinação do teor de álcool48 e outros O fato do biocombustível, aqui avaliado, formar misturas estáveis
componentes oxigenados, nas amostras de gasolina comum tipo C com a gasolina comum tipo C, pode ser justificado por sua interação
contendo 2, 5, 10 e 20% de biocombustível, encontram-se na Tabela 3. com o álcool etílico anidro combustível que compõe a gasolina comer-
O cálculo para determinação da porcentagem em volume (% v/v) cializada no Brasil. Principalmente devido à ausência de componente
de compostos oxigenados nas gasolinas contendo o biocombustível foi polar na gasolina A padrão (isenta de álcool) e no diesel automotivo
realizado utilizando-se a equação: V’’= 2×( V`- 50 ml) + 1%, onde V’’é comercializado nas cidades de Londrina e Campinas, não foi possível
o volume corresponde a compostos oxigenados em 50 mL de amostra a misturar o biocombustível para obter emulsões estáveis.
ser analisada (20% AEAC + % biocombustível), e V’ é o volume final
da fase aquosa (solução de NaCl + AEAC + biocombustível). CONCLUSÃO
A adição de 2% de biocombustível à gasolina não alterou o teor
de álcool no combustível fóssil. Adicionando-se 5 e 10% de bio- A partir do processo de pirólise (tecnologia Bioware) utilizando
combustível à gasolina comum tipo C (20% de AEAC), adquirida biomassa lignocelulósica (bagaço e palha de cana-de-açúcar e gra-
em Campinas e Londrina, observou-se um aumento na porcentagem mínea) foi produzido o bio-óleo utilizado como matéria-prima neste
de compostos oxigenados para 22 e 24%, respectivamente. Consi- estudo. O produto da esterificação de Fischer, sobre a fração aquosa
derando a mistura de 20% do biocombustível à gasolina comercial (pH = 2) do bio-óleo (67,5% de ésteres alifáticos C3–C8 e aromáticos,
de Campinas e Londrina, o teor de oxigenados determinado foi de éteres, aldeídos, cetonas e fenóis), foi tratado para redução do teor
28%. Atualmente, a gasolina comum tipo C é especificada com 25% de água e misturado à gasolina comum tipo C comercializada nas
de AEAC pelo Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool cidades de Campinas, SP e Londrina, PR (teor de AEAC = 20% ± 1)
(CIMA) através da Resolução no 37, de 27/06/2007.49 A margem de nas proporções de 2, 5, 10 e 20% v/v constituindo emulsões estáveis.
erro admissível é 1%, conforme disposto no Art. 9°, § 2°, da Lei De acordo com os resultados dos ensaios físico-químicos es-
786 Guedes et al. Quim. Nova
tabelecidos pela ANP, o biocombustível apresentou características 25. Barbosa, L. C. A.; Maltha, C. R. A.; Silva, V. L.; Colodette, J. L.; Quim.
semelhantes ao álcool combustível e, em alguns casos, com melhor Nova 2008, 31, 2035.
desempenho devido às suas características químicas. Observou-se 26. Suarez, P. A.; Moser, B. R.; Sharma, B. K.; Erhan, S. Z.; Fuel 2008, 88,
um aumento significativo na octanagem MON ou RON e no IAD da 1143.
gasolina comercial contendo o biocombustível. A cada 2% em volume 27. Wiggers, V. R.; Wisniewski Jr., A.; Madureira, L. A. S.; Barros, A. A. C.;
de biodiesel adicionado houve um incremento de 0,5 na octanagem Meier, H. F.; Fuel 2009, 88, 2135.
MON das gasolinas. As curvas de destilação das gasolinas contendo 28. Figueiredo, M. K. -K.; Romeiro, G. A.; Ďavila, L. A.; Damasceno, R.
2, 5, 10 e 20% de biocombustível apresentaram parâmetros dentro dos N.; Franco, A. P.; Fuel 2009, 88, 2193.
limites de especificação, inclusive no que diz respeito à geração de 29. Agência Nacional do Petróleo; ANP Portaria n° 309, de 28 de dezembro
resíduos. Os resultados dos ensaios para verificar período de indução de 2001, Diário Oficial da União, 27/12/2001.
e formação de goma confirmaram a especificação do combustível 30. Rocha, J. D.; Luengo, C.; Br PI 9.804.166-5, 1998.
comercial com adição do biocombustível. 31. Rodriguez, R. A. V.; Uso da biomassa como energia limpa e matéria-
Comprovada sua viabilidade técnica, uma possibilidade de uso do prima renovável. Bioware, Campinas, 2006. Relatório Científico.
biocombustível seria incorporá-lo à gasolina padrão através de uma http://www2.uel.br/grupo-pesquisa/meioambiente/fotopetro/arquivos/
mistura com o AEAC totalizando 25% no combustível fóssil, de acordo relatorios/relatorio01.pdf, acessada em Março 2010.
com a legislação vigente para adição de álcool à gasolina comercial. 32. Mesa-Pérez, J. M.; Cortez, L. A. B.; Rocha, J. D.; Gomez, E. O.; Revista
Analytica 2003, 4, 32.
AGRADECIMENTOS 33. Mesa-Pérez, J. M.; Tese de Doutorado, Universidade Estadual de
Campinas, Brasil, 2004.
À Bioware pelo fornecimento do bio-óleo; à Refinaria Presidente 34. ABNT; NBR 15531:2007 Álcool etílico - Determinação do teor de água
Getulio Vargas pela realização dos ensaios especificados para gasolina - Método volumétrico de Karl Fischer.
comercial; ao TECPAR pela oportunidade de treinamento à mestranda 35. ABNT; NBR 7148:2001 Petróleo e produtos de petróleo - Determinação
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